UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CAINÃ DOMIT VIEIRA IMIGRAÇÃO, TRABALHO E PRECARIZAÇÃO: AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DO IMIGRANTE HAITIANO NA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA A PARTIR DE 2013 PONTA GROSSA 2016
164
Embed
CAINÃ DOMIT VIEIRA IMIGRAÇÃO, TRABALHO E …tede2.uepg.br/jspui/bitstream/prefix/253/1/Caina Domit Vieira.pdf · Ministério do Trabalho e Previdência Social no sentido de que
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
CAINÃ DOMIT VIEIRA
IMIGRAÇÃO, TRABALHO E PRECARIZAÇÃO: AS CONDIÇÕES DE TRABALHO
DO IMIGRANTE HAITIANO NA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA A
PARTIR DE 2013
PONTA GROSSA
2016
CAINÃ DOMIT VIEIRA
IMIGRAÇÃO, TRABALHO E PRECARIZAÇÃO: AS CONDIÇÕES DE TRABALHO
DO IMIGRANTE HAITIANO NA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA A
PARTIR DE 2013
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual de Ponta Grossa, na área de concentração Cidadania e Políticas Públicas, linha de pesquisa: Estado, Direito e Políticas Públicas. Orientadora: Profª. Dra. Lenir Aparecida Mainardes da Silva.
PONTA GROSSA
2016
Ficha CatalográficaElaborada pelo Setor de Tratamento da Informação BICEN/UEPG
V665Vieira, Cainã Domit Imigração, trabalho e precarização: ascondições de trabalho do imigrantehaitiano na região metropolitana deCuritiba a partir de 2013/ Cainã DomitVieira. Ponta Grossa, 2016. 162f.
Dissertação (Mestrado em CiênciasSociais Aplicadas - Área de Concentração:Cidadania e Políticas Públicas),Universidade Estadual de Ponta Grossa. Orientadora: Profª Drª Lenir AparecidaMainardes da Silva.
1.Imigração. 2.Trabalho.3.Precarização. 4.Proteção social.5.Mobilidade. I.Silva, Lenir AparecidaMainardes da. II. Universidade Estadualde Ponta Grossa. Mestrado em CiênciasSociais Aplicadas. III. T.
CDD: 331.2
À Ana Paula, Mariah e Arthur,
pela motivação e inspiração.
AGRADECIMENTOS
À minha esposa Ana Paula e aos meus filhos Mariah e Arthur, pelo revigorante amor,
pela compreensão com os momentos de ausência para elaboração da pesquisa e pela constante
motivação.
Aos meus pais, Marcos e Jayle, pela minha criação e educação, pelo incentivo ao estudo,
pela inspiração enquanto exemplos de vida e pelos valores transmitidos para formar meu
caráter.
Aos meus primos Kelly, Rodrigo e Patrícia, e ao tio Sebastião, pela carinhosa e
acolhedora recepção e pela hospedagem em Ponta Grossa durante a realização dos créditos do
mestrado.
À minha orientadora, professora Dra. Lenir Aparecida Mainardes da Silva, pela
paciência em direcionar, adequar e moldar a pesquisa, pela atenção e a simpatia com que sempre
me recebeu e atendeu, pelas horas de orientações guiadas com muita calma e inteligência,
indicando os caminhos e instruindo o desenvolvimento da investigação, sendo imprescindível
às definições e à construção do trabalho.
Ao professor Dr. José Antônio Gediel, referência na área do objeto desta pesquisa, por
aceitar participar do exame de qualificação, pelas sugestões expostas em tal ocasião e pela
inspiração oportunizada por sua significativa produção acadêmica no tema e pelas atividades
de extensão desenvolvidas junto aos imigrantes na Universidade Federal do Paraná.
Ao professor Dr. Luiz Alexandre Gonçalves Cunha, pela valiosa contribuição teórica ao
desenvolvimento das questões sustentadas na pesquisa por meio de sua disciplina “Estado,
sociedade e desenvolvimento no Brasil”, bem como por ter aceitado o convite para participar
do exame de qualificação e pelas críticas apresentadas em tal oportunidade.
Aos professores do Programa de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual
de Ponta Grossa, com os quais cursei as disciplinas do mestrado, que em muito contribuíram
com os encaminhamentos e a base teórica da pesquisa: Dra. Édina Schimanski, Dra. Jussara
Ayres Bourguignon, Dr. Murilo Duarte Costa Correia, Dra. Silvana Souza Netto Mandalozzo,
Dr. Constantino Ribeiro de Oliveira Júnior, Dra. Maria Julieta Weber Cordova e Dra. Solange
Aparecida Barbosa de Moraes Barros.
À professora Dra. Gisele Masson, que autorizou minha participação na disciplina
“Tópicos Especiais em Capital, Trabalho e Educação”, no Programa de Educação da
Universidade Estadual de Ponta Grossa, e em muito contribuiu com suas aulas às discussões da
mobilidade do capital e da reestruturação produtiva do trabalho, constantes no terceiro capítulo
da dissertação.
Aos colegas que me acompanharam nas disciplinas, pelas discussões e valiosas
contribuições ao desenvolvimento do trabalho: Rudy, Josenilda, Rosilda, Crisna, Ana Paula,
Daniel, Anderson, Diana, Marina, Angelica e Karen.
Aos voluntários da Casa Latino-Americana (CASLA), sobretudo ao Dr. Dimas Floriani,
pela apresentação do contexto e do funcionamento de tal organização, e aos advogados Emerson
Handa e Edileny Tome da Mata, que atuam no CASLAJUR, pela gentil recepção e pelas
informações prestadas para instruir a pesquisa.
Aos responsáveis pelo Programa Universidade Brasileira e Política Migratória (PMUB),
guiado pelo professor Dr. José Antônio Peres Gediel, acima nominado, junto à Universidade
Federal do Paraná. Neste particular, agradeço principalmente à Josiane Caldas Kramer, que
auxiliou com sugestões indispensáveis à realização das entrevistas.
Às professoras voluntárias do Centro de Línguas e Interculturalidade (CELIN) da
Universidade Federal do Paraná, que autorizaram a realização das entrevistas nos corredores da
Instituição com os imigrantes haitianos que lá aguardavam as aulas de português.
Ao professor Dr. Paulo Ricardo Opuszka, que me conduziu, ainda em 2007, no início
da graduação, às pesquisas acadêmicas por meio do grupo de estudo em Filosofia e História do
Direito, despertando meu sonho pela docência.
À Uniguaçu, Instituição em que realizei minha graduação e hoje leciono, na pessoa do
Superintendente, professor Edson Aires da Silva, e da Diretora Geral, professora Marta Borges
Maia, que motivaram a realização do mestrado.
Aos meus colegas, professores do curso de Direito: Sandro Marcelo Perotti, que tolerou
e supriu minha ausência na Faculdade enquanto cumpri os créditos do mestrado; Lawrence
Estivalet de Mello, que contribuiu com diálogos sobre o primeiro capítulo, além de indicar o
contato da Josiane Caldas Kramer para propiciar as entrevistas com os imigrantes haitianos;
Daniel Scheliga, que cursou comigo a disciplina “Trabalho – aspectos históricos e
sociojurídicos”, acompanhando as viagens que realizei para cursar os créditos no segundo
semestre de 2015.
Aos amigos André Luan Domingues e Everton Luís da Silva, que acompanharam minha
vida acadêmica desde o primeiro ano da graduação, pelos diálogos que em muito auxiliaram o
desenvolvimento da pesquisa.
Enfim, e em especial, aos imigrantes haitianos que gentilmente concordaram em
conceder as imprescindíveis entrevistas que sustentam a presente pesquisa, expondo a trajetória,
as dificuldades e as esperanças vivenciadas em sua árdua caminhada na busca pela oportunidade
de um recomeço.
RESUMO A presente dissertação possui como finalidade analisar as condições de trabalho do imigrante haitiano na Região Metropolitana de Curitiba. Para tanto, a pesquisa considera o percurso do haitiano a partir da saída de seu país de origem, o trajeto realizado até Curitiba, o motivo da escolha pelo Brasil, a realidade enfrentada na chegada, as dificuldades encontradas, o processo de dominação pessoal ao qual está sujeito na busca por melhores condições de vida e o meio pelo qual tais questões resultam no trabalho precário, ponto no qual é examinada a proteção social e suas principais formas: (a) o acolhimento aos imigrantes haitianos pelos entes públicos e pelas organizações não governamentais; (b) a política migratória brasileira; (c) as ações do Ministério do Trabalho e Previdência Social, em especial à regularização da situação dos imigrantes para proporcionar a inserção dos haitianos no mercado formal de trabalho brasileiro e a fiscalização às condições de trabalho; (d) os projetos e programas desenvolvidos pelo Estado do Paraná e pelas Universidades paranaenses com relação às condições do imigrante haitiano e ao combate ao trabalho escravo. Trata-se de uma pesquisa interdisciplinar, de cunho sociojurídico, com abordagem qualitativa e aplicação de análise documental e da organização dos depoimentos colhidos nas entrevistas em categorias empíricas. Os procedimentos metodológicos utilizados são: (i) entrevista com imigrantes haitianos, com o fim de averiguar os motivos da escolha pelo Brasil, o percurso até o Brasil e, em especial, suas condições de trabalho; (ii) pesquisa bibliográfica, para examinar o processo de dominação pessoal dos imigrantes haitianos enquanto trabalhadores para aceitação do trabalho precário; (iii) pesquisa documental, com análise de relatórios de inserção dos imigrantes no mercado de trabalho brasileiro, do Ministério do Trabalho e Emprego, em especial de seu Observatório de Migrações Internacionais, com a apuração do contexto e dos principais setores em que laboram os haitianos em Curitiba. O recorte temporal da pesquisa parte do ano de 2013, considerando a indicação do Ministério do Trabalho e Previdência Social no sentido de que o Haiti se tornou a principal nacionalidade no mercado de trabalho formal brasileiro no aludido ano. Enfim, o recorte espacial/territorial na Região Metropolitana de Curitiba decorre do destaque do Município como principal em admitir trabalhadores no mês de janeiro de 2016 (OBMIGRA). Palavras-chave: Imigração; Trabalho; Precarização; Proteção Social; Mobilidade.
ABSTRACT
This dissertation aims to analyze the working conditions of the Haitian immigrant in the Metropolitan Region of Curitiba. To do so, the study considers the course of the Haitian from the departure of his country of origin, the journey to Curitiba, the reason for choosing Brazil, the reality faced upon arrival, the difficulties encountered, the process of personal domination to which Is subject to the search for better living conditions and the means by which these issues result in precarious work, at which point social protection and its main forms are examined: (a) the reception of Haitian immigrants by public entities and non-governmental organizations ; (B) the Brazilian migration policy; (C) the actions of the Ministry of Labor and Social Security, in particular the regularization of the situation of immigrants to provide the insertion of Haitians in the formal labor market in Brazil and the supervision of working conditions; (D) the projects and programs developed by the State of Paraná and the Universities of Paraná in relation to the conditions of the Haitian immigrant and the fight against slave labor. It is an interdisciplinary research, with a socio-juridical approach, with a qualitative approach and application of documentary analysis and the organization of the testimonies collected in the interviews in empirical categories. The methodological procedures used are: (i) interview with Haitian immigrants, with the purpose of ascertaining the reasons for the choice of Brazil, the route to Brazil and, in particular, its working conditions; (Ii) bibliographical research, to examine the process of personal domination of Haitian immigrants as workers for the acceptance of precarious work; (Iii) documentary research, with analysis of reports of insertion of immigrants in the Brazilian labor market, of the Ministry of Labor and Employment, in particular its Observatory of International Migration, with a survey of the context and main sectors in which Haitians work in Curitiba. The temporal cut of the research starts in 2013, considering the indication of the Ministry of Labor and Social Security in the sense that Haiti became the main nationality in the Brazilian formal labor market in the aforementioned year. Finally, the spatial / territorial clipping in the Curitiba Metropolitan Region results from the highlight of the Municipality as the principal in admitting workers in January 2016 (OBMIGRA).
Key words: Immigration; Job; Precariousness; Social Protection; Mobility.
LISTA DE SIGLAS
ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
CASLA – Casa Latino-Americana
CERMA/PR – Conselho Estadual dos Direitos dos Refugiados, Migrantes e Apátridas do
MODELO DE TERMO DE CONSENTIMENTO.............................................................162
12
INTRODUÇÃO
A definição do objeto desta pesquisa passou por etapas evolutivas distintas a partir do
processo seletivo, oportunidade em que foi apresentado projeto tratando da responsabilidade
social da empresa nas relações de trabalho. Nas primeiras orientações, contudo, foi adotada a
ideia do trabalho decente em oposição ao trabalho em condição análoga à de escravo,
persistindo a indefinição do sujeito envolvido em tal situação.
Com as sucessivas orientações junto à professora Dra. Lenir Aparecida Mainardes da
Silva, foi identificada a condição dos imigrantes sujeitos ao trabalho escravo, sendo
estabelecido como objetivo geral da pesquisa analisar os motivos que levavam à sujeição dos
imigrantes ao trabalho em condição análoga à de escravo no Brasil.
Adotava-se, então, como referência de qualidade de trabalho, o trabalho decente, tendo
em vista a Agenda Nacional do Trabalho Decente, que estabelece como uma de suas prioridades
a erradicação do trabalho escravo contemporâneo, entendido como a jornada exaustiva ou o
trabalho em condições degradante, nos termos dos artigos 149 do Código Penal e 3º, incisos II
e III, da Instrução Normativa nº 91, de 05 de outubro de 2011 da Secretaria de Inspeção do
Trabalho do Ministério do Trabalho.
Com a análise de questões atuais sobre trabalho, capitalismo e proteção social,
constatou-se a dinamicidade e a relevância do fenômeno da imigração, destacando-se a
vulnerabilidade de tais sujeitos a condições de trabalho precárias, identificando-se, portanto, a
imigração como tema da pesquisa, escolha que motivou a participação em eventos da área,
como foi o caso do “Direito Humanitário e Política Migratória: desafios da próxima década”,
organizado pela Universidade Federal do Paraná entre 04 e 06 de novembro de 2015.
Pelos estudos sobre o tema e a participação em eventos, verificou-se o elevado fluxo
migratório constante no Brasil nesta década e, ainda, a prevalência de imigrantes haitianos nas
Regiões Sul e Sudeste, com o que foi definido o objeto da pesquisa como as condições de
trabalho do imigrante haitiano na Região Metropolitana a partir de 2013, considerando-se para
tal delimitação temporal o momento em que se intensificam as migrações e o Haiti passa a ser
a principal nacionalidade inserida no mercado de trabalho formal brasileiro (OBMIGRA, 2016).
A definição do objeto passou por processo de amadurecimento pela participação em
eventos, onde foi possível verificar a limitação do estudo da condição análoga à escravidão em
relação aos casos de exploração existentes, assim como a impressão negativa que o uso de tal
expressão poderia gerar junto aos voluntários dedicados à proteção social e aos próprios
13
imigrantes, motivo pelo qual a delimitação da pesquisa foi alterada de “imigrantes haitianos
sujeitos ao trabalho em condição análoga à de escravo” para “as condições de trabalho do
imigrante haitiano”.
A modificação supracitada, contudo, não implica no total abandono da categoria
“trabalho escravo”, que prossegue na abordagem dos casos mais graves de trabalho precário e
segue de total relevância na base do primeiro capítulo, com a finalidade de demonstrar a relação
entre o caráter escravista do Estado e a coisificação do trabalhador pelo empresário/capitalista
brasileiro em razão dos fatores que nortearam a transição do trabalho escravo vigente até 1888
ao trabalho livre e assalariado que prevalece até hoje, marcado pela superexploração gerada
pelo capitalismo.
A análise do trabalho escravo se mostra indispensável em virtude de suas implicâncias
na história brasileira, sobretudo pelo preconceito e pela discriminação racial na atualidade,
evidentes por determinadas situações vivenciadas pelo imigrante haitiano, como foi no caso
investigado em São José dos Pinhais pelo Ministério Público do Trabalho no Paraná1, no qual
um haitiano relata que sofreu ameaça de morte e foi xingado de “macaco da Amazônia” por um
amigo de seu empregador, em ocorrência que reforça a necessidade de esclarecer e combater a
raiz escravista – e por isso racista – da sociedade brasileira.
Com a temática da investigação passando do trabalho em condição análoga à de escravo
ao trabalho precário, a abrangência da pesquisa perdeu as limitações teóricas de outrora,
abordando a escravidão contemporânea como o nível máximo de exploração do trabalho do
imigrante pelo capital, mas tratando também de situações nas quais a fragilidade do haitiano
em virtude de sua situação financeira, assim como pelas suas restrições sociais e culturais, gera
a flexibilização de determinados direitos, como as horas extras não remuneradas, as férias não
concedidas nem remuneradas, o pagamento de salário inferior ao piso da categoria, a ausência
de registro na Carteira de Trabalho, entre outras formas de reestruturação produtiva não
consideradas pela legislação como trabalho em condição análoga à de escravo, mas definidas
como trabalho precário por Giovanni Alves (2000) e Ricardo Antunes (2013).
A crítica ao capitalismo ganha maior relevância pela utilização da perspectiva marxista
na base teórica da pesquisa, que possui como foco no primeiro capítulo a análise da raiz do
1 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Ministério Público do Trabalho do Paraná investiga caso de trabalhador haitiano que diz ter sido xingado de macaco. Disponível em: http://www.prt9.mpt.gov.br/procuradorias/prt-curitiba/757-mpt-pr-investiga-caso-de-trabalhador-haitiano-que-diz-ter-sido-xingado-de-macaco
14
caráter escravista da sociedade brasileira, tratando de questões que sujeitam o imigrante
haitiano à dominação da classe dominante, como o racismo.
Para tanto, são considerados os aspectos históricos, econômicos, jurídicos e políticos da
abolição da escravatura no Brasil, a transição ao trabalho livre e os relevantes fluxos migratórios
dos séculos XIX e XX, com a indicação das políticas brasileiras de “branqueamento” e o
processo de alienação manejado pelo racismo de uma sociedade que ainda hoje sustenta a
herança que recebeu da época do Império: o desprezo ao negro, ao pobre e ao diferente,
aproveitando-se, com isso, da vulnerabilidade do imigrante haitiano para lucrar às suas custas.
A Região Metropolitana de Curitiba se mostrou uma especificação territorial/espacial
adequada por duas razões: (a) o elevado número de imigrantes submetidos a condições
degradantes de trabalho em tal região; (b) a proteção social exercida no Município de Curitiba
pelas Universidades e por organizações não governamentais, tais como a Casa Latino-
Americana (CASLA), a Pastoral do Migrante e o grupo Cáritas Brasileira Regional Paraná.
Pela leitura de relatórios do Observatório de Migrações Internacionais, vinculado ao
Ministério do Trabalho, constatou-se que desde 2013 os haitianos são maioria entre os
imigrantes que vivem e trabalham no Brasil (OBMIGRA, 2016), o que indicou a pertinência de
fixar como sujeitos da pesquisa os imigrantes do Haiti, inclusive considerando-se a delimitação
temporal a partir do ano em que se constata que este é o principal país em número de imigrantes
inseridos no mercado de trabalho formal brasileiro.
O projeto de dissertação apontou, então, delimitações concernentes ao relevante número
de imigrantes haitianos no Estado do Paraná2, assim como a atuação de entidades como o Centro
de Referência em Direitos Humanos Dom Helder Câmara do Cáritas3, a CASLA, a
Universidade Federal do Paraná4 e a Pontifícia Universidade Católica do Paraná5, instituindo
2 A imigração dos haitianos no Estado do Paraná foi objeto de reportagens da “Gazeta do Povo” e do “Portal G1” da “Globo”: (a) GAZETA DO POVO. O Haiti é aqui no Paraná. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/o-haiti-e-aqui-no-parana-3apkj3juaemb1hszwl2tebia6>. Acesso em 28 de jul. 2015; (b) GAZETA DO POVO. Paraná acolhe grupo de refugiados do Haiti. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/parana-acolhe-grupo-de-refugiados-do-haiti-89w6ol7wugiwvgy9v0hvufoem>. Acesso em 28 de jul. 2015; (c) G1 – GLOBO. Haitianos que saíram de abrigo superlotado no Acre chegam ao Paraná. Disponível em: <http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/05/haitianos-que-sairam-de-abrigo-superlotado-no-acre-chegam-ao-pr.html>. Acesso em 28 de jul. 2015. 3 CÁRITAS BRASILEIRA. Centro de Referência em Direitos Humanos Dom Helder Câmara é inaugurado em Curitiba. Disponível em: <http://caritas.org.br/centro-de-referencia-em-direitos-humanos-dom-helder-camara-e-inaugurado-em-curitiba/25985>. Acesso em 28 de jul. 2015. 4 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. A Universidade Federal do Paraná instituiu Termo de Cooperação pelo qual promove Programa de Extensão para atendimento de imigrantes e refugiados com relação à Política Migratória. Disponível em: <http://www.ufpr.br/portalufpr/blog/noticias/ufpr-e-ministerio-publico-do-trabalho-assinam-termo-de-cooperacao-em-acoes-de-apoio-a-imigrantes-e-refugiados/>. Acesso em 28 de jul. 2015. 5 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ. A Pontifícia Universidade Católica do Paraná oferece curso gratuito de Língua Portuguesa para Haitianos, proporcionando, ainda, odontologia, biblioteca e
15
Programas e Projetos de Extensão com a finalidade de proporcionar proteção social aos
imigrantes.
O evento já mencionado sobre política migratória da Universidade Federal do Paraná
contribuiu para as especificações territorial/espacial – na Região Metropolitana de Curitiba – e
temporal – a partir do ano de 2013 – já definidas. Adotou-se, então, como principais categorias,
o trabalho precário e a proteção social concedida às condições de trabalho do imigrante haitiano
na Região Metropolitana de Curitiba.
Sopesando-se a dignidade do imigrante haitiano e sua vulnerabilidade diante dos
perversos mecanismos do capital, a presente pesquisa investigará as raízes do trabalho livre e
assalariado no Brasil, considerando, portanto, o caráter escravista das relações de trabalho livre
e a herança deixada pelo trabalho escravo, que se traduz na “coisificação” do trabalhador, no
desprezo de sua subjetividade e no preconceito que dificultam a vida do imigrante haitiano no
Brasil.
Além disso, a investigação analisará os direitos lesados, as formas de exploração, o
processo que possibilita a flexibilização de direitos trabalhistas do imigrante e, em
contrapartida, a proteção social que o imigrante haitiano encontra nas Universidades, nas
organizações não governamentais e na atuação dos governos federal, estadual e municipal.
A problemática que envolve a proteção social e a vulnerabilidade do haitiano ao trabalho
precário na Região Metropolitana de Curitiba possui como base as seguintes indagações: O
haitiano é considerado imigrante ou refugiado pelo governo brasileiro? Como é a recepção do
haitiano pelo governo brasileiro? O ordenamento jurídico brasileiro oferece suporte às
condições de trabalho do haitiano no Brasil? Como se dá a proteção social ao imigrante haitiano
na Região Metropolitana de Curitiba? Existe atuação ou preocupação preventiva com relação à
sujeição do haitiano ao trabalho precário?
Para atender a essa problematização, foram estabelecidos os seguintes objetivos:
Objetivo Geral: Analisar a vulnerabilidade do imigrante haitiano ao trabalho precário na
Região Metropolitana de Curitiba.
Objetivos Específicos:
tecnologias. Disponível em: <http://www.pucpr.br/noticia.php?ref=1&id=2014-08-29_53246> e <http://www.pucpr.br/noticia.php?ref=1&id=2015-09-25_59413>. Acesso em 28 de set. 2015.
16
a) Compreender as raízes escravocratas do Estado brasileiro;
b) Verificar o percurso dos haitianos à Região Metropolitana de Curitiba;
c) Traçar o perfil social, econômico e profissional dos imigrantes haitianos na Região
Metropolitana de Curitiba;
d) Detectar o processo de precarização das condições de trabalho do imigrante haitiano na
Região Metropolitana de Curitiba;
e) Examinar a proteção social ao imigrante haitiano na Região Metropolitana de Curitiba.
Identificando o imigrante haitiano como sujeito em análise, a pesquisa terá, conforme
já exposto, suas condições de trabalho na Região Metropolitana de Curitiba como objeto,
levando-se em conta as notícias de casos de sujeição de imigrantes haitianos ao trabalho
precário ou mesmo em condição análoga à de escravo, um problema social de elevada gravidade
tanto pelo aspecto quantitativo – o imenso número de ocorrências registradas junto ao
Ministério do Trabalho e Previdência Social e ao Ministério Público do Trabalho – como pelo
aspecto qualitativo – o modo que ocorre tal exploração do trabalhador, com o desprezo de sua
subjetividade e da sua condição de ser humano, assim como pelas consequências à vida da
vítima, considerando em especial os trabalhadores desprezados pelos agentes de fiscalização
em razão das distintas características do trabalho, e a fragilidade do imigrante haitiano que
decorre das dificuldades naturais da imigração.
No que diz respeito às condições de trabalho do imigrante haitiano, o tema possui ampla
discussão no atual contexto social, internacional e jurídico, principalmente em razão do elevado
fluxo migratório de haitianos no Brasil e, em especial, na Região Metropolitana de Curitiba,
nos últimos seis anos, bem como pela inconsistência da legislação destinada à sua proteção
social e pela ausência de políticas migratórias efetivas para recepção e inserção destes
imigrantes no mercado de trabalho formal brasileiro.
A análise do trabalho precário ganha relevância pelo atual contexto de reestruturação
produtiva e consequente flexibilização dos direitos trabalhistas, resultando em jornadas
exaustivas e condições degradantes de trabalho, justificando-se a pesquisa pelo valor atribuído
ao trabalho decente, especialmente pela Agenda Nacional do Trabalho Decente, ajustada com
determinadas prioridades, entre elas a erradicação do trabalho escravo, ponto no qual se verifica
não só a reconhecida existência do labor em tal condição na atualidade, mas também o combate
a tal realidade pela Organização Internacional do Trabalho e pelo Governo Federal, inclusive
17
por meio dos Planos Nacionais para Erradicação do Trabalho Escravo, lançados pela Secretaria
Especial de Direitos Humanos da Presidência da República nos anos de 2003 e 2008.
A pesquisa ganha delimitações, primeiramente pela identificação do sujeito em foco nas
pessoas dos imigrantes haitianos, com a finalidade de examinar o acolhimento, o tratamento e
a fiscalização das condições de trabalho. Neste aspecto, cabe destacar a relevância e a atualidade
do tema, tendo em vista a realidade da imigração dos haitianos na Região Metropolitana de
Curitiba a partir do ano de 2010, além do registro do Haiti a partir de 2013 como nacionalidade
imigrante com maior número de trabalhadores no mercado formal de trabalho brasileiro
(OBMIGRA, 2016).
Outrossim, a proteção social aos imigrantes haitianos é uma questão prática
efetivamente atual e relevante, uma vez que bastante trabalhada na Região Metropolitana de
Curitiba, sobretudo pelo Ministério Público do Trabalho, pela Universidade Federal do Paraná
e por entidades como a Casa Latino-Americana (CASLA) e o Centro de Referência em Direitos
Humanos Dom Helder Câmara.
Para investigar as oportunidades e condições de trabalho do imigrante, serão
consideradas as informações constantes nos relatórios e estatísticas do Observatório de
Migração Internacional do Ministério do Trabalho, bem como os depoimentos colhidos nas
entrevistas realizadas com imigrantes haitianos que moram e trabalham na Região
Metropolitana de Curitiba e com advogados voluntários da Casa Latino-Americana (CASLA),
de modo a verificar a incidência dos direitos trabalhistas de haitianos violados por
informalidade (ausência de registro na Carteira de Trabalho), horas extras não remuneradas,
remuneração inferior ao piso da categoria, jornadas exaustivas, ausência de intervalos
intrajornada e/ou interjornada e diferenças com relação aos colegas de trabalho brasileiros.
A pesquisa de campo foi desenvolvida em abril de 2016, por meio de entrevistas com
nove imigrantes haitianos e três advogados voluntários da Casa Latino-Americana (CASLA),
após algumas tentativas frustradas. A ideia de realizar as entrevistas junto a alguma entidade
envolvida com a proteção social ao imigrante haitiano era a prioridade no desenvolvimento da
pesquisa em virtude do objetivo específico da investigação consistente na análise da proteção
social ao haitiano na Região Metropolitana de Curitiba.
Desta forma, a primeira tentativa de realizar as entrevistas foi junto ao Centro de
Referência em Direitos Humanos Dom Helder Câmara (Cáritas), em Curitiba, após
conhecimento da atuação junto aos imigrantes por meio de notícias sobre denúncias de
18
agressões físicas e psicológicas a haitianos6. Contudo, o contato restou prejudicado pelo
encerramento das atividades do Projeto em outubro de 2015. A proteção social aos haitianos
realizada pela Cáritas foi retomada em 2016, mediante financiamento do ACNUR (Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), mas em momento no qual as entrevistas
já haviam ocorrido, de modo a inviabilizar novo contato com a referida organização para
incrementar a presente pesquisa.
Na sequência, as tentativas de obter entrevistas se deram junto ao Projeto Linyon,
organização não governamental que contribui com a inserção de imigrantes no mercado de
trabalho paranaense, cuja responsável apresentou trabalho no evento “Direito Humanitário e
Política Migratória”, na Universidade Federal do Paraná, em 06 de novembro de 2015, na
mesma sala em que este pesquisador expôs artigo sobre as condições de trabalho do imigrante
no Brasil. Como o Projeto Linyon não possui espaço físico para atendimento dos imigrantes, a
responsável indicou a Pastoral do Migrante, fornecendo o número de telefone do Padre que
gerencia o local, mas após algumas tentativas não foi possível obter contato para viabilizar as
entrevistas em tal entidade.
Ainda no evento supracitado, o advogado Emerson Handa apresentou um trabalho na
mesma sala deste pesquisador, e informou ser voluntário da Casa Latino-Americana (CASLA).
Foi por meio do Emerson que foram realizadas entrevistas com três advogados vinculados ao
CASLAJUR, setor jurídico da CASLA7.
O CASLAJUR, equipe que conta com aproximadamente quinze advogados de diversas
áreas do Direito, realiza atendimentos jurídicos gratuitos a imigrantes, inclusive elaborando
ações e defesas em processos administrativos e judiciais, além de contribuir com a obtenção do
visto a imigrantes em Curitiba desde o ano de 2013, o que foi reconhecido pela 12ª edição do
Prêmio Innovare8, que classificou a iniciativa como finalista na categoria “advocacia” em
novembro de 2015. Contudo, na CASLA não foi possível realizar entrevistas com imigrantes
haitianos, pois não estavam agendados atendimentos no dia em que este pesquisador lá esteve.
6 TRIBUNA PARANÁ ONLINE. Haitianos são vítimas de agressão física e psicológica. Disponível em: http://www.parana-online.com.br/editoria/cidades/news/836760/?noticia=HAITIANOS+SAO+VITIMAS+DE+AGRESSAO+FISICA+E+PSICOLOGICA 7 GAZETA DO POVO. Casla é embaixada informal dos latinos em Curitiba. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/casla-e-embaixada-informal-dos-latinos-em-curitiba-4ci8bxkszl03sa69q0p5d00ge 8 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Advogados prestam assessoria jurídica gratuita a refugiados e imigrantes. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/81296-advogados-prestam-assessoria-juridica-gratuita-a-refugiados-e-imigrantes
19
A primeira entrevista ocorreu, então, na sede do Programa Política Migratória e
Universidade Brasileira, na Universidade Federal do Paraná, no Prédio da Praça Santos
Andrade, e foi marcada pelo abatimento do entrevistado. A cada pergunta que lembrava do
Haiti ou da família que lá ficou, percebia-se um desgosto nos depoimentos.
Nessa entrevista foi possível perceber a dificuldade de uma investigação desta natureza,
especialmente no que diz respeito ao desgaste e ao abatimento gerados nos entrevistados em
determinadas perguntas, o que implicou em adaptação do questionário original pela percepção
de que era imprescindível ter sensibilidade com as lamentáveis situações sofridas pelos
imigrantes.
Neste ponto da pesquisa, não se tratava mais de mero conceito ou discussão teórica, e
sim da realidade vivenciada pelos haitianos entrevistados, consistente em distanciamentos que
geram saudades das pessoas amadas, restrições de todas as espécies, impossibilidade do
desejado retorno ao Haiti a alguns, incerteza sobre o futuro a outros, e a perversa exploração
em empresas de distintos ramos da Região Metropolitana9 de Curitiba, que implica em diversas
privações aos haitianos.
Foi preciso, portanto, alteridade ao longo das demais entrevistas, que ocorreram em 02
de abril de 2016, num sábado a partir das 13:00 horas, no Centro de Línguas (CELIN) do Prédio
da Reitoria da Universidade Federal do Paraná, antes de iniciarem as aulas. Todos os haitianos
foram solícitos e simpáticos, mas a maioria educadamente recusou as entrevistas, explicando
que estavam cansados de responder questionários.
O constrangimento com a situação, comum a quase todos, é visível e compreensível.
Entre as mulheres, que estavam presentes em menor número, apenas uma aceitou a entrevista,
enquanto sete homens foram entrevistados, os oito nos corredores do 9º andar do Edifício no
qual teriam aulas de português e informática.
As estatísticas e notícias tornam notórias a relevância e a atualidade do tema em nível
nacional, mas especialmente em sua delimitação à Região Metropolitana de Curitiba, tendo em
vista que o relatório trimestral de janeiro a março de 2016, do Observatório das Migrações
Internacionais do Ministério do Trabalho (2016) indica Curitiba como o primeiro na lista de
municípios brasileiros nos quais foram admitidos trabalhadores haitianos no mercado formal
de trabalho no primeiro trimestre de 2016, da mesma forma que a lista de principais Municípios
em admissão de haitianos no Brasil em 2014 (CAVALCANTI, 2016, p. 238), ano em que
9 Foram entrevistados imigrantes haitianos com residência nos Municípios de Curitiba, São José dos Pinhais, Colombo e Araucária.
20
Curitiba se destacou com 1.432 haitianos admitidos no mercado de trabalho, enquanto o
segundo Município da lista, Chapecó, e o terceiro, São Paulo, contaram, respectivamente, com
680 e 629 haitianos admitidos no mercado.
Para o desenvolvimento do primeiro capítulo, a pesquisa bibliográfica iniciará pelo livro
“Racismo e alienação: uma aproximação à base ontológica da temática racial”, de Uelber Silva,
examinando na sequência o percurso político e econômico da história da abolição da
escravatura ao longo do século XIX com base nas obras de Florestan Fernandes, Caio Prado
Júnior e Emília Viotti da Costa, entre outros autores que, com riqueza de detalhes, abordam o
processo pelo qual foi abolida a escravidão no Brasil, passando pela proibição do tráfico, as
Leis criadas na tentativa de reduzir a marca da escravidão e para viabilizar o ingresso do
substituto do escravo, o imigrante, a partir do século XIX. O capítulo trata, ainda, da condição
(de abandono à própria sorte) do liberto na sociedade brasileira e encerra com a apresentação
do atual contexto da imigração, com destaque ao seu dinamismo e à entrada e à saída dos
haitianos no Brasil.
No segundo capítulo, a pesquisa abordará a situação socioeconômica dos haitianos, a
conjuntura política, social e econômica do Haiti, e a política externa brasileira, partindo-se,
então, à questão da migração internacional e da recepção brasileira, examinando-se por meio
de relatórios e estatísticas do Observatório de Migrações Internacionais do Ministério do
Trabalho (2016) e do CONARE (2016), bem como por entrevistas com haitianos que moram e
trabalham na Região Metropolitana de Curitiba, o perfil do imigrante haitiano inserido no
mercado de trabalho paranaense, a partir de dados como idade, sexo, as principais áreas de
atuação, profissão e o projeto de futuro: ficar no Brasil, voltar ao Haiti ou partir a outro país?
A pesquisa bibliográfica do segundo capítulo terá como base obras específicas que
tratam do Haiti e do haitiano, tais como “Um olhar sobre o Haiti: refúgio e migração como parte
da história”, de Elizeu de Oliveira Chaves Júnior (2008) e a obra “Refúgio e Hospitalidade”,
organizada pelos professores José Antônio Peres Gediel e Gabriel Gualano de Godoy (2016),
com relevante análise dos fluxos migratórios recentes e da proteção social concedida aos
imigrantes.
O terceiro capítulo, enfim, trata das condições precárias de trabalho do imigrante
haitiano na Região Metropolitana de Curitiba, com análise detida dos direitos violados e dos
mecanismos de proteção social utilizados pelas Universidades, pelas organizações não
governamentais e pelo Ministério Público do Trabalho, com o escopo de averiguar se existem
meios de prevenção à precarização do trabalho do imigrante, atentando-se, também, ao
21
ordenamento jurídico vigente destinado a proteção social do imigrante, assim como às
Convenções da Organização Internacional do Trabalho e da Organização das Nações Unidades
que tratam da temática, sendo analisada a ratificação ou não pelo Brasil e os motivos da ausência
de adesão a algumas destas Convenções.
Para contextualizar os obstáculos à adaptação dos imigrantes no Brasil, tais como as
dificuldades em conseguir uma moradia e de se adaptar com a língua portuguesa, serão
destacados os relatos das entrevistas que indicam esse fator de vulnerabilidade ao trabalho
precário, seguindo com a utilização de pesquisa bibliográfica, não apenas pela crítica de Karl
Marx ao capital, mas especificamente a ideia de mobilidade do capital, referente à atração do
imigrante para a exploração de sua mão de obra, presente na obra de Jean- Paul de Gaudemar,
investigando-se as razões que tornam possível tal precarização do trabalho.
Para o desenvolvimento da pesquisa sobre a condição de vida do imigrante, servirá como
base o relato de Friedrich Engels a respeito da conjuntura do imigrante irlandês na Inglaterra
do século XVIII, sobretudo pelos detalhes da obra “A situação da classe trabalhadora na
Inglaterra”, que indicam claramente a violação da dignidade do irlandês e o processo de atração
de tal imigrante com a sedutora promessa de oportunidades de trabalho com salário satisfatório.
O estudo da precarização do trabalho é sustentado por observações e conceitos de José
de Souza Martins, que demonstra o conceito da categoria exclusão e sustenta as razões do
trabalho em condições análogas à de escravo. A pesquisa segue, ainda, no terceiro capítulo, a
perspectiva de Ricardo Antunes, pelas definições da “classe-que-vive-do-trabalho” e da
reestruturação produtiva do capital, a posição de Giovanni Alves quanto aos conceitos de
precariedade e precarização, além da consideração sobre a crise do capital constante em estudos
de Sérgio Lessa e Maria Cristina Paniago.
Desta forma, será examinada a situação do imigrante sujeito ao trabalho precário pela
reestruturação produtiva do trabalho no Brasil, com destaque às distinções entre o trabalho livre
assalariado e o trabalho escravo, além da crítica à fragilidade da legislação brasileira quanto à
proteção social ao imigrante.
22
1 IMIGRAÇÃO E TRABALHO: REVOLVENDO OS RESTOS DA ESCRAVIDÃO
Para analisar as condições de trabalho do imigrante haitiano na Região Metropolitana
de Curitiba, objeto desta pesquisa, é importante considerar os primeiros fluxos migratórios no
Brasil e seu indiscutível vínculo com o trabalho, sobretudo a vinda dos europeus no início do
século XX (LESSA, 2014, p. 27), atentando às distinções de tais migrações internacionais com
relação à recepção dos imigrantes haitianos no século XXI.
Cumpre iniciar o estudo da imigração pelo fluxo que teve como finalidade a substituição
dos escravos na transição do século XIX que culminou na abolição da escravatura, em 13 de
maio de 1888, pela Lei Áurea, especialmente para destacar as razões de tal ato legislativo que,
além de político, teve viés social e econômico, pois “na crise do trabalho escravo foi engendrada
a modalidade de trabalho que o superaria, isto é, o trabalho livre, sendo essa a sua única e inicial
adjetivação, e não a de trabalho assalariado” (MARTINS, 2015, p. 29).
Outrossim, István Mészáros (2002, p. 102) indica o “trabalho livre contratual” como
substituto da escravidão, mas em versão que “absolve o capital do peso da dominação forçada”,
uma vez que a “escravidão assalariada” não precisa ser imposta, sendo inconscientemente
incorporada pelo trabalhador.
É importante esclarecer que a pretensão de examinar os restos da escravidão, que impõe
o título deste capítulo, decorre do sentido atribuído por José de Souza Martins (2015, p. 28) aos
“restos feudais” como “diferentes relações de trabalho no meio rural, quase todas, de modo
geral, originadas da extinção do trabalho escravo”, tendo como finalidade indicar a origem e a
essência exploradora do trabalho como meio de obtenção de lucro, o que é revelado pela
alteração do sistema escravista ao trabalho livre pela “transformação das relações de produção
como meio para preservar a economia colonial de exportação, isto é, para preservar o padrão
de realização do capitalismo no Brasil, que se definia pela subordinação da produção ao
comércio. Tratava-se de mudar para manter” (MARTINS, 2015, p. 31).
A conversão do trabalho escravo em trabalho livre reflete características marcantes do
Estado brasileiro – que indicam a lógica do capital e, portanto, das classes dominantes –
consistentes, na perspectiva de Uelber Barbosa da Silva (2012, p. 95-97), no preconceito e na
segregação social e econômica em face da raça negra10, de forma que, “alienados socialmente,
10 O destaque ao preconceito racial se dá pela situação sofrida pelo imigrante haitiano, sujeito da presente pesquisa, mas evidentemente o preconceito quase inato aos brasileiros não se restringe ao racial, estendendo-se aos campos social e sexual.
23
os negros sofrem toda forma de exploração e de preconceitos manifestos até a atualidade como
o resultado da disseminação das ideias das classes dominantes”.
O racismo prevalece no Brasil em virtude da “persistência de um modelo assimétrico de
relações de raça, construído para regular o contato e a ordenação social” (FERNANDES, 1972,
p. 71) que polariza “senhor”, “escravo” e “liberto”, gerando desequilíbrio e desigualdade social
e dificultando naturalmente as oportunidades de trabalho ao afrodescendente e agravando a
frágil situação do imigrante.
Como será analisado ao longo deste capítulo, os empresários e industriais optaram, ao
final do século XIX, com a abolição do sistema escravocrata, pela substituição da mão de obra
escrava pelo imigrante branco, o que “contribuiu para sedimentar a exclusão do trabalhador
negro liberto. A exclusão do afro-descendente no Brasil, base da desigualdade racial histórica,
é produto de uma política do Estado oligárquico-burguês da República Velha” (sic) (ALVES,
2007, p. 99).
Neste contexto, Giovanni Alves (2007, p. 100) destaca que o imigrante branco “passou
a constituir o proletariado industrial e o trabalhador negro recém-liberto tornou-se agregado
social. Esta morfologia da superpopulação relativa dos primórdios da industrialização brasileira
iria imprimir sua marca no mundo do trabalho no Brasil até os dias de hoje” (ALVES, 2007, p.
100).
Esse quadro de preconceito e segregação evidentemente prejudica a adaptação do
imigrante haitiano no Brasil, sujeitando-o às perversas articulações de “alienação do
capitalismo pelo racismo” (SILVA, 2012, p. 95), motivo pelo qual a pesquisa iniciará pelo
estudo do contexto jurídico e econômico que, desde a abolição da escravatura, torna evidente
“os sistemas excludentes utilizados com base no preconceito racial” (SILVA, 2012, p. 109),
que se traduzem na precarização das condições de trabalho do imigrante haitiano na atualidade,
perceptíveis desde o abolicionismo pelas espécies normativas que instituíram políticas
migratórias de “branqueamento” (DOMINGUES, 2002, p. 565-566).
É importante ressaltar, ainda, que a alienação do capital possui o racismo como uma
relevante categoria, mas tem como principal aspecto a exploração da vulnerabilidade do
trabalhador em geral – e não só o imigrante –, que se sujeita à precarização, em flagrante
sacrifício de sua dignidade, o que decorre de um processo de exploração que se destina a
promover o lucro das empresas às custas da vida do trabalhador, independentemente de sua
condição.
24
A vulnerabilidade “pressupõe um conjunto de características, de recursos materiais ou
simbólicos e de habilidades inerentes a indivíduos ou grupos, que podem ser insuficientes ou
inadequados para o aproveitamento das oportunidades disponíveis na sociedade”
(MONTEIRO, 2011, p. 35), em circunstâncias que se aplicam naturalmente aos trabalhadores
e se agravam no caso do imigrante haitiano em virtude das dificuldades naturais da imigração,
tais como as adversidades pela adaptação com questões como moradia, comunicação e recepção
no mercado de trabalho brasileiro.
Para o Ministério do Trabalho (2007, p. 20), a vulnerabilidade consiste na “posição de
segmentos da força de trabalho que têm menor capacidade de enfrentar situações de risco, de
controlar as forças que afetam as possibilidades de aproveitar as oportunidades de boa inserção
ocupacional propiciadas pelo Estado, mercado ou sociedade”, resultando com isso na condição
precária de trabalho ou no desemprego pela falta de oportunidades.
Robert Castel (1997, p. 27) entende a vulnerabilidade como “um espaço social de
instabilidade, de turbulências, povoado de indivíduos em situação precária na sua relação com
o trabalho e frágeis em sua inserção relacional. [...] É a vulnerabilidade que alimenta a grande
marginalidade ou a desfiliação”, propiciando, portanto, a exploração das condições de trabalho
dos imigrantes em níveis desumanos.
Em que pese o imigrante haitiano seja o sujeito da pesquisa ora exposta, não se ignora
as precárias condições de trabalho do brasileiro e dos imigrantes oriundos de outros países,
elegendo-se apenas uma delimitação a partir da relevância perceptível pelas estatísticas já
indicadas na introdução, notadamente no que diz respeito à situação do Haiti como principal
nacionalidade de imigrantes inseridos no mercado de trabalho formal brasileiro desde o ano de
2013, assim como pelos agravantes de sua fragilidade em comparação com o trabalhador nativo,
tendo em vista os já mencionados obstáculos enfrentados pelo imigrante.
Considera-se a questão da discriminação decorrente da “ordem social escravocrata e
senhorial, em que eram rigorosamente prescritos o comportamento adequado, os trajes, a
linguagem, as ocupações, obrigações e direitos do escravo e do liberto” (FERNANDES, 1972,
p. 71), tendo em vista que tal fator funciona como agravante na recepção ao imigrante haitiano,
sobretudo na Região Metropolitana de Curitiba, delimitação territorial da pesquisa,
considerando para tanto a advertência de Florestan Fernandes (1972, p. 70) no sentido de que
“atitudes e orientações raciais predominam entre as classes brancas superiores e médias; mas
aparecem também nas classes inferiores e até nas áreas rurais, mormente no Sul”.
25
A marca do escravismo é perceptível pela constante exploração desumana nas relações
de trabalho vivenciadas hoje, o que motiva o início da análise pela pesquisa bibliográfica sobre
o último século de escravidão no Brasil, com o fim de analisar o processo político, econômico
e jurídico que culminou na abolição e a posterior adaptação do liberto ao sistema mercantil,
sujeito à concorrência e ao preconceito, bem como para levar em conta a herança que recebeu
a atual classe dominante dos proprietários rurais que detinham o poder político e econômico ao
longo do século XIX, dotados de um racismo natural à conjuntura socioeconômica da época,
administrando o Império brasileiro com a prioridade de manutenção da situação financeira,
inclusive utilizando a legislação e demais funções e prerrogativas políticas para fazer imperar
o preconceito e a exclusão, com a desconsideração da condição humana do trabalhador, seja ele
o escravo, o liberto ou o imigrante, o que repercute na atualidade na cultura e na ideologia do
empregador que, com isso, ignora a condição humana de seu subordinado, sujeitando-o ao
trabalho precário.
Além disso, é fundamental atentar à observação de Florestan Fernandes (1979, p. 24)
no sentido de que a história é relatada na perspectiva “branca e senhorial”, que despreza o
escravo e ignorando sua condição de ser humano, condenando a escravidão sem destacar a
relevância desse sujeito à produção agrícola e, portanto, ao capital brasileiro até o fim do século
XIX, o que resultou na lentidão dos processos políticos e jurídicos desenvolvidos teoricamente
em favor dos escravos e em atendimento à opinião pública da época.
Cumpre destacar que “ao desaparecer, o trabalho escravo deixou atrás de si várias
formas de trabalho semilivre e de trabalho escravo disfarçado que continuam a existir até hoje”
(sic) (FERNANDES, 1979, p. 54), identificadas na legislação como “trabalho em condição
análoga à de escravo”, mas desenvolvida com diversas denominações11, todas com sentido
equivalente à “escravidão assalariada” definidas por Mészáros (2002, p. 102), o que já era
percebido pelos trabalhadores livres brasileiros na década de 1870, com a impressão de que o
trabalho na fazenda seria “o mesmo que aceitar sua redução à condição de escravo” (COSTA,
1998, p. 173).
Persiste, deste modo, a marca da escravidão nas relações de trabalho contemporâneas, e
não apenas nas situações de trabalho em condição análoga à de escravo, que se limita a
circunstâncias extremas definidas pelo legislador, mas também em demais espécies de
11 Solange Monteiro Amador (2014, p. 26) menciona “trabalho escravo, trabalho em condições subalternas, escravidão por dívida, trabalho forçado, escravidão branca, escravidão contemporânea, redução à condição análoga a de escravos, super exploração do trabalho, formas contemporâneas de escravidão, nova escravidão, escravidão, trabalho análogo ao de escravo, servidão, servidão por dívida, trabalho em condições análogas à de escravo, trabalho obrigatório, semi-escravidão e trabalho em condições análogas à escravidão” (sic).
26
exploração do trabalhador, como sua sujeição ao “trabalho precarizado, parcial, temporário,
terceirizado, informalizado” (ANTUNES, 2013, p. 105), hipóteses em que se constata a
indiferença do empregador com a dignidade e a vida de seus subordinados, o que decorre da
cultura herdada do período escravista, que possibilita o entendimento do trabalhador reduzido
à condição de coisa, isto é, como mero instrumento capitalista, de modo que o trabalho livre
surge “sobre as ruínas da escravidão” (MARTINS, 2015, p. 56).
Essa insensibilidade do empregador capitalista denota os restos de escravidão expostos
diariamente nos casos de exploração e de indiferença com as condições e os direitos do
trabalhador, em manutenção do abuso da vulnerabilidade do sujeito que, carente de
representatividade ou meios de aprimorar sua situação econômica e social, não vê alternativa
senão se submeter ao trabalho precário e aos demais artifícios do capital, em contexto que indica
a relevância do estudo do paulatino processo pelo qual se deu a abolição da escravatura no
Brasil e dos primeiros fluxos migratórios que serviram para a substituição da mão de obra
escrava nos campos brasileiros, ainda no século XIX.
1.1 O LENTO PROCESSO POLÍTICO PELA ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA E A
GÊNESE DA IMIGRAÇÃO SELETIVA NO IMPÉRIO BRASILEIRO: DA ESCRAVIDÃO
AO CAPITALISMO
No Brasil anterior à Proclamação da Independência, ocorrida em 1822, um terço da
população era formada por escravos, que não atuaram na dianteira ou de maneira ativa em favor
do processo de abolição, em razão dos grupos heterogêneos de escravos de “nações africanas
distintas e muitas vezes hostis umas às outras; coisa de que a administração pública e os
senhores sempre cuidaram muito, procurando impedir a formação de aglomerações
homogêneas” (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 142).
O confronto ao regime servil passa a receber a posição favorável da opinião pública
após a Independência, com críticas à manutenção do sistema escravocrata em virtude de sua
desmoralização, pois como indica Caio Prado Júnior (1994, p. 147), “o que as contingências
históricas destinam ao desaparecimento não tarda em perder sua base moral”.
A escravidão foi, contudo, sustentada naquele momento pelo discurso da classe
dominante em virtude da “atitude incoerente e contraditória das opiniões da época: enquanto se
critica a escravidão, sustenta-se energicamente sua manutenção; reconhecem-se seus males,
27
mas raros ousam ainda combatê-la francamente e propor medidas efetivas e concretas para sua
extinção” (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 143).
No início do século XIX, predominava a proteção da classe dominante brasileira à
manutenção do sistema servil. Contudo, existiram pessoas que “não se identificavam
inteiramente com sua própria classe” (COSTA, 2010, p. 16-19), como Hipólito da Costa, José
Severiano Maciel da Costa e José Bonifácio de Andrade e Silva.
Neste sentido, a obra “Memória sobre a necessidade de abolir a introdução de escravos
africanos no Brasil”, publicada em 1811 por José Severiano Maciel da Costa, tinha como
sugestão substituir o trabalho escravo pelo trabalho livre, sustentando crítica à escravidão por
entender que tal regime “produzia rendimentos inferiores aos do trabalho livre e inibia o
desenvolvimento das indústrias” (COSTA, 2010, p. 17).
Com a Independência, os proprietários rurais passam a ser “a força política e
socialmente dominadora” (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 143-144), utilizando a condução política
do Império brasileiro ao seu interesse, consistente na manutenção do sistema escravista, em que
pese a contradição estrutural que a escravidão implica à organização do Brasil como Estado
independente.
Aos interessados na abolição, o primeiro passo foi a extinção do tráfico, que “constituía
assunto internacional que afetava a comunhão de todos os países e nações do mundo” (PRADO
JÚNIOR, 1994, p. 145), sendo que a “oposição internacional ao tráfico” atingiu a escravidão
no Brasil em época na qual aqui desembarcavam, anualmente, aproximadamente “40.000
escravos, número superior ao que se pode atribuir a qualquer período passado; o que se explica
pelo desenvolvimento econômico que então se verificava no país e que repousava no trabalho
servil” (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 147).
O encaminhamento da questão rumo à abolição, em primeiro lugar, do tráfico, se deu
pela iniciativa e pela insistência da Inglaterra, que em 1826 impôs ao Brasil a assinatura de
tratado pelo qual o Estado tupiniquim deveria, em três anos, vedar totalmente o tráfico, o que
foi aceito em razão da necessidade de renovação dos tratados comerciais com os ingleses, que
impuseram cláusula pela qual o Brasil deveria “decretar a abolição do tráfico dentro de três
anos a partir da ratificação do tratado” (COSTA, 2010, p. 25).
Em 7 de novembro de 1831, o governo brasileiro cumpriu o estabelecido junto à
Inglaterra (COSTA, 2010, p. 25), aprovando lei pela qual foram considerados “livres os
indivíduos desembarcados no país a partir daquela data. Esta lei ficará, contudo, da parte das
autoridades brasileiras, letra morta” (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 148-149).
28
Em que pese a ineficácia da lei para o fim de cessar o tráfico, sua força normativa
implicou na desmoralização do regime servil que, portanto, “continuava, mas sua legitimidade
fora questionada. Passara a ser uma atividade ilícita e o que era mais importante: a Nação
assumira um compromisso internacional pelo qual se obrigara a abolir o tráfico” (COSTA,
2010, p. 27).
Percebe-se, nesta circunstância, uma das muitas manobras utilizadas pela classe
dominante – então composta por fazendeiros – para manter o regime escravocrata, com o
descumprimento da essência do pacto internacional celebrado com a Inglaterra que, como
retaliação, aprovou em 08 de agosto de 1845, por seu Parlamento, uma lei que considerava
“lícito o apresamento de qualquer embarcação empregada no tráfico africano, e sujeita os
infratores a julgamento por pirataria perante os tribunais do Almirantado” (PRADO JÚNIOR,
1994, p. 151).
Cabe destacar o desgosto dos principais interessados no tráfico – fazendeiros e
proprietários rurais – com os traficantes que, com excelente situação financeira, “faziam sombra
com seu dinheiro às classes de maior expressão política e social no país: os fazendeiros e
proprietários rurais, em regra seus devedores pelo fornecimento de escravos” (PRADO
JÚNIOR, 1994, p. 152).
Em razão desse contexto, os proprietários rurais cederam, o que culminou na aprovação
da Lei nº 581, de 04 de setembro de 1850, conhecida como Lei “Eusébio de Queirós”, que
estabeleceu medidas para a repressão do tráfico de africanos no Império brasileiro, combatendo
“interesses mercantis poderosos, e [...] o constante argumento dos partidários eternos do status
quo, dos que, temerosos do futuro incerto e insondável, só querem, a qualquer custo, o repouso
permanente das instituições” (HOLANDA, 2014, p. 87), considerando como pirataria a
importação de escravos e, por isso, punindo os responsáveis pelo tráfico, impondo às
autoridades brasileiras uma atuação rigorosa “na perseguição do contrabando, enquanto a
Inglaterra permanecia vigilante” (COSTA, 2010, p. 29).
O diferencial da Lei “Eusébio de Queirós” foi a subordinação das autoridades brasileiras
a ela, pois foi o fator que possibilitou seu cumprimento e propiciou “melhores resultados que a
de 1831. O contrabando de escravos tornou-se cada vez mais raro, acabando por cessar
completamente” (COSTA, 2010, p. 31), principalmente pelo decurso de vinte anos com o
desprestígio da escravidão em razão da vigência da Lei de novembro de 1831 que, embora
ineficaz, indicou a reprovação internacional ao regime escravocrata.
29
Com o fim do contrabando de escravos no Brasil, deflagra-se o prejuízo à mão de obra
nas fazendas pelo fim do comércio de escravos “após duas décadas de ilegalidade tolerada pelas
autoridades brasileiras” (BALÁN, 1973, p. 10), reduzindo-se o número de escravos pela
elevada taxa de mortalidade, pela interrupção da importação, fugas e suicídios, o que “levou os
fazendeiros a procurar soluções alternativas para o problema da mão de obra” (COSTA, 2010,
p. 33).
A redução do número de escravos no Brasil com o fim do tráfico foi perceptível na
medida em que dos três milhões de escravos que entraram no Brasil ao longo do século XIX,
haviam sobrado apenas 1,5 milhões em 1872, número que reduziu ainda mais até 1888,
ocasionando falta de mão de obra na economia cafeeira (BALÁN, 1973, p. 11-12).
Ressalte-se, contudo, que a falta de mão-de-obra motivava o descumprimento à Lei
“Eusébio de Queirós”, sob o argumento de que “em país novo e mal povoado como o Brasil, a
importação de negros, por mais algum tempo, seria, na pior hipótese, um mal inevitável, em
todo o caso diminuto, se comparado à miséria geral que a carência de mão de obra poderia
produzir” (HOLANDA, 2014, p. 88).
O quadro era agravado porque “os trabalhadores livres ou os escravos libertos se
recusavam a trabalhar como assalariados ao lado de escravos, preferindo a miséria à
desqualificação social que isso implicava” (BALÁN, 1973, p. 12), sobretudo porque o
trabalhador brasileiro “tinha acesso à terra, de onde retirava o necessário à sua subsistência e
recusava-se a trabalhar regularmente nas fazendas. Só o faria se a isso fosse forçado” (COSTA,
2010, p. 34).
Por outro lado, é fundamental destacar que os fazendeiros davam valor distinto ao
trabalhador livre, uma vez que consideravam o escravo sua propriedade, preservando-o de
modo a selecionar funções quando da existência simultânea de trabalhadores livres e escravos
em sua fazenda, destinando aos primeiros as atividades perigosas, que “não consideravam
adequadas a seus escravos, por exemplo, as derrubadas de matas, que, por oferecerem risco de
vida, eram em geral entregues aos trabalhadores livres” (COSTA, 2010, p. 34), o que indica um
aspecto no qual o descaso do empregador com o trabalhador assalariado supera o tratamento
dado ao escravo.
Sérgio Buarque de Holanda (2014, p. 89) examina a “queda súbita” no número “total de
negros importados” a partir de 1845, enquanto Caio Prado Júnior (1994, p. 152) aborda a
expressiva e rápida queda do tráfico. Neste sentido, evidenciam a redução do tráfico em
números: em 1845 foram 19.363; em 1846, 50.354; em 1847, 56.172; em 1848, 60.000; em
30
1849, foram 54.000 indivíduos africanos introduzidos no Brasil, com queda para menos da
metade em 1850: 23.000 escravos traficados.
Nos anos de 1851 e 1852, são propostos no Parlamento brasileiro diversos projetos
abolicionistas, “visando à liberdade dos nascituros e à obrigatoriedade da alforria dos escravos
pelos quais se oferecesse o respectivo preço” (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 173-174), os quais
sequer foram “considerados objeto de deliberação” pelo teor contrário ao interesse dos
proprietários rurais que ainda dominavam a política brasileira.
Com o agravamento anual da falta de mão de obra, os fazendeiros adotaram uma
alternativa distinta, consistente na “segunda vertente da constituição biopolítica do proletariado
latino-americano: as imigrações” (NEGRI; COCCO, 2005, p. 81). Prevaleciam, nesta
conjuntura, “discussões sobre as vantagens da migração europeia como resposta óbvia à
escassez da mão-de-obra” (BALÁN, 1973, p. 12-13).
Para gerar mão de obra nos principais polos de produção carentes do trabalhador braçal,
intensificou-se o desvio de escravos às regiões mais prósperas, em especial do Norte ao Sul do
Brasil, o que fez com que no Norte surgissem “mais rapidamente as ideias emancipacionistas”,
enquanto “o Centro-Sul formará o reduto principal da reação escravocrata; e com sua grande
riqueza relativa e influência política poderosa, torna-se com o tempo um dos maiores freios do
movimento libertador” (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 174).
A transição dos escravos entre Norte e Sul não resolveu a escassez de mão de obra,
tornando necessária a expansão da imigração a partir de 1850, o que levou a “coexistir nas
lavouras de café, trabalhadores escravos e europeus livres” (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 175),
cumulação que fracassou num primeiro momento, indicando a incompatibilidade entre as duas
formas de trabalho, em especial pelos atritos e diferenças percebidas pelos imigrantes,
decorrentes do tratamento similar ao escravo que ofendia a dignidade do trabalhador livre, pois
a manutenção do trabalho escravo reduzia os imigrantes a substitutos equivalentes ao escravo
(FERNANDES, 1979, p. 53).
Pela análise econômica da abolição do tráfico de escravos, Caio Prado Júnior (1994, p.
154) destaca que o súbito encerramento de tal atividade deslocou os traficantes e demais
envolvidos, implicando na “ativação dos negócios noutros setores, e logo em seguida, a
inflação”, resultando na “crise de 1857, seguida logo por outra mais grave em 1864”, em
decorrência da Lei nº 1.083, de 22 de agosto de 1860, denominada como “Lei Ferraz”, com
providências sobre créditos, considerada como “o desfecho moral de uma situação
rigorosamente insustentável nascida da ambição de vestir um país ainda preso à economia
31
escravocrata com os trajes modernos de uma grande democracia burguesa” (HOLANDA, 2014,
p. 92).
Interrompido o contrabando de escravos, o empreendimento brasileiro para gerar mão
de obra foi a imigração europeia, sendo que num primeiro momento, “os esforços mais
importantes antes da abolição foram no oeste paulista [...]. Na maioria das fazendas cafeeiras
da região o trabalho escravo não foi completamente abandonado, mas se agregava a ele mão-
de-obra estrangeira em sistemas de parceria” (BALÁN, 1973, p. 13).
A parceria foi o meio que os fazendeiros encontraram para tentar substituir os escravos
pelos imigrantes, não tendo como objetivo o povoamento, e sim a obtenção de lucro às custas
da exploração da mão de obra dos imigrantes, sendo recebida com entusiasmo, entre 1847 e
1857, a ideia do senador Vergueiro, um “político e fazendeiro importante de São Paulo que se
propôs a buscar trabalhadores na Europa. [...] introduzindo-os [...] nas fazendas de café do
Centro-Oeste paulista. Vinham financiados pelos fazendeiros e se obrigavam a pagar a dívida
e mais os juros com seu trabalho” (COSTA, 2010, p. 35).
Tendo em vista a escassez da mão de obra nacional, “o impacto da imigração foi crucial
para o desenvolvimento do trabalho assalariado no Brasil” (NEGRI; COCCO, 2005, p. 82), de
modo que os imigrantes constituíram o primeiro relevante conjunto de trabalhadores livres e
assalariados.
Naquele momento, contudo, de acordo com Antonio Negri e Giuseppe Cocco (2005, p.
83-84) “a dinâmica da imigração internacional” impedia as tentativas de controle da
“mobilidade do trabalho”, pois “os imigrantes mantinham uma alta capacidade de recusa de
qualquer mecanismo de alienação”.
Pela cumulação dos trabalhos escravo e livre antes da abolição, o fazendeiro utilizava
escravos em parte de seus domínios, e concedia suas piores terras aos imigrantes em sistema de
parceria, assegurando a mão de obra pelo endividamento que “contradizia as expectativas de
ascensão dos imigrantes e os fixava na fazenda cafeeira de forma subjetiva e objetivamente
semelhante à escravidão” (BALÁN, 1973, p. 14).
No entanto, tais imigrantes – em especial de nacionalidade suíça e alemã –, “que haviam
emigrado cheios de sonhos, atraídos pelas promessas que os agentes de emigração lhes haviam
feito – rebelaram-se contra a dura realidade que encontraram nas fazendas. Queixavam-se de
que eram tratados como escravos” (COSTA, 2010, p. 35), tratamento desonroso que era objeto
de reclamações e prejudicava o sistema de exploração do trabalho empreendido pelos
fazendeiros naquela década, o que implicou no fracasso de tais experiências, sobretudo pela
32
oposição dos “governos europeus preocupados com a escravização de seus compatriotas no
Brasil” (BALÁN, 1973, p. 14).
Antonio Negri e Giuseppe Cocco (2005, p. 88) indicam neste contexto o “conflito ligado
à mobilidade”, bem como o “confronto entre fazendeiros e imigrantes em São Paulo” decorrente
da pretensão de cultivo da terra em proveito próprio, situação que se resolveu, de acordo com
Maria Sylvia de Carvalho Franco (1997, p. 199), citando Couty, por meio da “psicologia do
imigrante”, fundada no desejo do estrangeiro pela propriedade e pela liberdade individual, que
fez com que os imigrantes passassem a tratar e colher o café contrariados, pela expectativa do
cultivo de gêneros.
Assim, “os planos de colonização de população nacional, cujo objetivo era fixar uma
população errante e preencher espaços vazios de forma permanente, nunca foram levados a
cabo de forma maciça e, de fato, são bem pouco mencionados na literatura” (BALÁN, 1973, p.
14), contexto em que “o problema do abastecimento de mão-de-obra como que se regenerava,
repetindo-se ciclicamente um estado de carência” (sic) (FRANCO, 1997, p. 200).
Com o início da indústria manufatureira no Brasil, restaram destacados aos olhos da
classe dominante determinados aspectos negativos da escravidão consistentes na baixa
qualidade para o trabalho complexo de manufatura e na “vantagem financeira maior que
representa na indústria o pagamento de salários em vez do preço de escravos” (PRADO
JÚNIOR, 1994, p. 175).
Nos anos 1870, enquanto “a grande lavoura continuava a depender do escravo, nas
cidades, o trabalhador livre substituía o escravo. Foi exatamente entre a população urbana,
menos dependente do trabalho escravo, que os abolicionistas encontraram seu maior apoio”
(COSTA, 2010, p. 38), o que elevava a tensão “por parte dos proprietários de escravos” e
renovava o “entusiasmo dos que lutavam pela emancipação dos escravos” (COSTA, 2010, 49).
Naquela época, ainda, Luiz Gama, descendente de escravos, organizou em São Paulo
“uma campanha jurídica em favor da emancipação do escravo. Apoiando-se na lei de 1831,
passou a exigir a libertação de grande número de escravos a quem defendeu nas cortes de
Justiça” (COSTA, 2010, p. 49), sob a alegação de que a entrada no Brasil tinha se dado após a
publicação da aludida lei, motivo pelo qual era ilegal a manutenção de tais pessoas na condição
de escravos.
Em 1870, José Vergueiro publicou um artigo em um jornal paulista afirmando que “o
trabalho dos colonos era mais rendoso do que o dos escravos”, (COSTA, 2010, p. 68). Jacob
Gorender (1990, p. 36) relata que “o trabalho escravo exigia o mais alto custo de vigilância –
33
calculado como coeficiente do custo total –, [...]. O custo de vigilância se convertia em limite
imposto pelos escravos à rentabilidade do modo de produção escravista colonial”
(GORENDER, 1990, p. 36). Além disso, Vergueiro considerava “o custo do escravo – as
despesas com alimentação, vestuário, assistência médica e juros sobre o capital empatado” em
comparação com o “salário de um trabalhador livre” e indagava: “Por que então continuar
investindo capitais em escravos?” (COSTA, 2010, p. 68).
Desta forma, antes mesmo da abolição formal do sistema servil, já se percebia que “o
caráter opressivo do sistema de parceria adotado pela firma Vergueiro & Cia. era manifesto
sobretudo no fato de que, embora os colonos fossem juridicamente livres, não o eram
economicamente, do que resultava uma situação similar à do escravo” (MARTINS, 2015, p.
55), de modo a naturalidade da exploração do trabalho implicava na condição análoga à de
escravo ao trabalhador juridicamente livre na vigência do trabalho escravo.
Aos poucos, a imigração substituiu a escravidão formal. Naquela época, a força política
dos escravistas já era menor, diante da lógica econômica pela qual “não era mais necessário
manter ocupado, durante todo o ano, grande número de escravos. Tornou-se possível reduzir a
mão de obra permanente e contratar mão de obra extra, por ocasião das colheitas. Dessa forma,
o trabalho livre tornou-se mais viável, senão mais lucrativo” (COSTA, 2010, p. 65).
Essa conjuntura política, jurídica e econômica motivou o Imperador a rever “antigos
projetos discutidos no Conselho de Estado seis anos antes, e amenizando-os muito, faz votar
nas Câmaras a chamada lei do Ventre Livre (28 de setembro de 1871), em que se declaram
livres os filhos de escravos nascidos daquela data em diante” (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 178).
De grande polêmica e objeto de diversos debates entre escravistas e abolicionistas, a Lei
do Ventre Livre enfrentou extenso processo legislativo com obstáculos e resistências pelos
representantes dos fazendeiros contrários às suas concessões, como relata Emília Viotti da
Costa (2010, p. 51-52), destacando a defesa do projeto com os argumentos de que: (a) “o
trabalho livre era mais produtivo que o escravo”; e (b) “a existência da escravidão era uma
barreira à imigração, pois que os imigrantes recusavam-se a vir para um país de escravos. A
emancipação abriria as portas à tão desejada imigração”.
Na perspectiva dos escravistas, contudo, o projeto era “uma intromissão indébita do
governo na atividade privada, [...] de inspiração comunista” (COSTA, 2010, p. 52), o que
demonstra claramente a raiz da atual “direita” brasileira pelas seguintes características: (a)
retrógrada, pois insiste em manter situações ultrapassadas em prol da manutenção de sua
situação financeira, a qualquer custo; (b) ignorante, eis que desconhece o significado de
34
posições como o “comunismo” e profere acusações infundadas para encerrar um debate,
sobretudo em casos como o ora abordado, no qual manifestamente não possui razão; (c) egoísta,
uma vez que suas preocupações se restringem aos seus interesses financeiros, desprezando
inclusive no meio político fins e meios contrários à manutenção da ordem econômica e
combatendo rigorosamente qualquer tentativa de restrição aos seus métodos de exploração de
seus subalternos; (d) privatista, com a intenção de reduzir ao máximo a interferência do Estado
na economia; (e) golpista, o que é flagrante na atual conjuntura política brasileira, como retrata
Michael Löwy (2016) em sua coluna no Blog da Boitempo, com o título “Escravagistas de
ontem e de hoje”, mencionando o golpe que “já não se trata de tráfico negreiro mas de uma
nova forma de escravidão: a submissão do país aos ditados do capital financeiro, do latifúndio,
das multinacionais, do imperialismo”. Essa característica também foi percebida por ocasião do
processo legislativo da Lei do Ventre Livre.
Sustentando a herança da “direita” ora exposta, cabe destacar o ataque de Andrade
Figueira, líder do escravismo, aos “professores da Escola Politécnica, que tinham recebido com
discursos e festas a emancipação do Ceará” (COSTA, 2010, p. 80). Para tal escravista, os
professores deixavam de educar os jovens para formar “associações com os alunos, aniquilando
assim a disciplina escolar e ‘pervertendo’ a mocidade, instigando-lhes hábitos de desordem e
anarquia” (COSTA, 2010, p. 80).
Seguindo exatamente tal “perfil” e expondo os abusos de seus sucessores após a
abolição, os escravistas combateram o projeto de lei do Ventre Livre afirmando que “a situação
do escravo era preferível à do trabalhador livre” (COSTA, 2010, p. 53), uma vez que aos
escravos “não faltavam alimento e vestuário. Já os trabalhadores livres eram abandonados à sua
própria sorte”.
Encerrados os debates, o projeto foi aprovado e “convertido em lei a 28 de setembro de
1871. Esta passou a ser conhecida na história sob o rótulo de Lei do Ventre Livre” (COSTA,
2010, p. 57), pela qual “os filhos de escravos viveriam sob tutela exercida pelo proprietário dos
pais até atingir a maioridade, com a possibilidade de “utilizar-se de seus serviços” (PRADO
JÚNIOR, 1994, p. 179).
Em que pese todas as discussões entre escravistas e abolicionistas que a antecederam,
há que se destacar a limitação de seus resultados, ao menos a curto prazo, pois “a maioria dos
proprietários preferiu manter os filhos de escravos, em vez de entregá-los ao Estado” (COSTA,
2010, p. 57), motivo pelo qual tal espécie normativa foi considerada “uma manobra em grande
35
estilo que bloqueou muito mais que favoreceu a evolução do problema escravista no Brasil”
(PRADO JÚNIOR, 1994, p. 179).
Na prática, os filhos dos escravos “continuaram a viver como escravos, a ser vendidos
com suas mães, a ser castigados como qualquer outro escravo, perfazendo as mesmas tarefas a
que teriam sido obrigados se não tivessem sido libertos pela lei de 1871” (COSTA, 2010, p.
59), resultando na denúncia da ineficácia da lei pelos abolicionistas.
A sorte dos escravos, contudo, passou a mudar por uma questão bélica, pela Guerra da
Tríplice Aliança contra o Paraguai, entre 1865 e 1870, que agravou o temor político-militar
brasileiro de uma rebelião de escravos, o que despertou “a necessidade de povoar as zonas
fronteiriças para fortalecê-las” (BALÁN, 1973, p. 14-15).
O receio da classe dominante foi agravado após a guerra do Paraguai, pois tal evento
destacou a fragilidade orgânica do Brasil em razão da constituição da massa da população por
escravos, assim como pelas “dificuldades no recrutamento de tropas” que exigiu a utilização de
“escravos, desapropriando-os de seus senhores e concedendo-lhes alforria” (PRADO JÚNIOR,
1994, p. 178).
Além disso, a guerra evidenciou o temor com relação ao risco “da massa escrava tão
temida e perigosa” (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 178), uma vez que haviam na época no Brasil
aproximadamente “800.000 escravos, numa população total que não ultrapassava 14 milhões”,
consistindo em ameaça aos seus proprietários pela concentração em “agrupamentos numerosos
das fazendas e grandes propriedades isoladas no interior e desprovidas de qualquer defesa
eficaz” (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 181).
Ademais, em virtude da Guerra do Paraguai, Emília Viotti da Costa (2010, p. 48) relata
que escravos que haviam fugido, se alistaram e, “terminada a Guerra, foram considerados
livres”, sendo recebidos pelos brasileiros com um “movimento de apoio e simpatia” pelo
combate em defesa da nação.
A elite militar entendeu como necessário, então, a estimulação da imigração estrangeira
e o fim da escravidão, como relata Balán (1973, p. 15), indicando o aumento do “fluxo de
imigrantes europeus para o Brasil” nos anos anteriores à abolição da escravidão e a
intensificação na década seguinte, com o prosseguimento que sofreu interrupções apenas ao
longo da primeira guerra mundial, mas persistiu até a crise da década de 1930.
A perspectiva de Negri e Cocco (2005, p. 82) é similar, com a consideração de que o
mercado de trabalho brasileiro remunerado foi formado pela “chegada maciça, durante pelo
menos 50 anos (1880-1930), de consistentes fluxos de imigrantes europeus”, motivo pelo qual
36
Balán (1973, p. 15) considera que o impacto das imigrações europeias entre 1880 e 1930 “foi
crucial ao desenvolvimento do trabalho assalariado no Brasil”.
A proibição do tráfico desde 1850 já havia resultado, de acordo com Balán (1973, p.
16), na “escassez crescente do escravo”, fato que aliado à expectativa pela abolição influenciou
“na adoção da mão-de-obra livre em substituição à escrava”. Nesta conjuntura econômica, os
fazendeiros que não prosperavam “já se haviam desfeito do excesso de força de trabalho
escravo, negociando-a com os fazendeiros do leste e do sul. Para eles, a Abolição era uma
dádiva: livravam-se das obrigações onerosas ou incômodas, que os prendiam aos remanescentes
da escravidão” (FERNANDES, 2008, p. 31).
Naquela conjuntura, “os paulistas estavam convencidos das vantagens do trabalho livre
e tomando providências para substituir os escravos por imigrantes” (COSTA, 2010, p. 90) e o
desenvolvimento da indústria fez com que a escravidão se tornasse ultrapassada e, justamente
por isso, incompatível com o capitalismo, revelando “uma barreira instransponível. Ou ela ou
o capitalismo” (FERNANDES, 1979, p. 29), dúvida que foi preponderante à abolição, pois “a
campanha abolicionista só foi possível porque as condições de produção tinham-se modificado
no decorrer do século XIX, de forma a tornar o trabalho escravo cada vez mais irrelevante na
escala nacional” (COSTA, 2010, p. 115), enquanto o desenvolvimento da sociedade e,
principalmente, da economia, indicou a necessidade de “outra forma de trabalho”
(FERNANDES, 1979, p. 23).
A ironia é que nas últimas três décadas antes da abolição, a produção escravista ajuda
no financiamento de “um vasto processo de criação de infra-estrutura econômica, de
crescimento da grande lavoura, de modernização urbana, de diferenciação econômica no
sentido da industrialização e, até, de imigração, expansão da pequena propriedade ou do
trabalho livre etc” (sic) (FERNANDES, 1979, p. 29-30), o que significa que o trabalho escravo
auxiliou a promoção do modo de exploração posterior, uma espécie de sucessor à atividade para
produção de mais valia em favor do grupo detentor do poder político: o capitalismo, que
condenou “a escravidão como forma de trabalho” (COSTA, 2010, p. 128).
Para possibilitar a substituição pretendida, intensificaram-se os fluxos migratórios ao
Brasil, sendo que “em 1886 e 1887 mais de 100 mil imigrantes, em sua maioria italianos e
portugueses, chegaram à província de São Paulo. Entre 1888 e 1900, São Paulo receberia 800
mil imigrantes – número superior à população escrava em todo país no ano de 1887” (COSTA,
2010, p. 71), o que ocorreu por meio de investimento do governo brasileiro, que na década de
37
1880 “desembolsou 9.244.226.550” (COSTA, 2010, p. 72), financiando a introdução dos
imigrantes e facilitando aos fazendeiros a transição ao trabalho livre.
Além do elevado número de imigrantes que chegava ao Brasil, por força da vedação do
tráfico desde 1850, foi perceptível a redução no número de escravos, principalmente se
comparada à população livre, que de 8,5 milhões em 1872 passou para aproximadamente 14
milhões em 1888, enquanto a população escrava foi reduzida de 1,5 milhão em 1872 para
“pouco mais de 700 mil, em 1887. Isso significa que diminuiu não só em termos absolutos
como relativos. Simultaneamente o número de escravos nos núcleos urbanos declinou ainda
mais rapidamente, tendendo a se concentrar nas zonas rurais” (COSTA, 2010, p. 62).
Nos anos anteriores à abolição, a escravidão se mostrava insustentável pela falta de
apoio em diversos setores da sociedade brasileira. Em 1887, se deu a manifestação da Igreja
“abertamente em favor da abolição” (COSTA, 2010, p. 123). No mesmo ano, “militares
reunidos no Clube Militar enviaram à princesa uma petição solicitando serem dispensados da
desonrosa missão de perseguir escravos” (COSTA, 2010, p. 91).
Assim, em “8 de maio de 1888, o ministro da Agricultura, conselheiro Rodrigo Augusto
da Silva, apresentou à Câmara dos Deputados uma proposta do Executivo declarando extinta a
escravidão no Brasil” (COSTA, 2010, p. 9-10), que obteve oitenta e três votos favoráveis e
nove votos contrários na Câmara, seguindo “ao Senado, onde [...] os senadores aprovaram-no
a 13 de maio, encaminhando-o à Regente, princesa Isabel. Na tarde do mesmo dia, a princesa
assinava a lei que fico conhecida na história do Brasil sob a designação de Lei Áurea” (COSTA,
2010, p. 10), “que duma penada punha termo à escravidão no Brasil” (PRADO JÚNIOR, 1994,
p. 182), pela “assinatura da Lei Áurea” (FERNANDES, 2008, p. 30).
1.2 A VIDA DO LIBERTO, A IMIGRAÇÃO EUROPEIA E AS POLÍTICAS DE
“BRANQUEAMENTO” APÓS A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA
A substituição do regime servil pelo trabalho livre no Brasil teve, antes mesmo de 1888,
o transparente objetivo de utilizar como principal mecanismo a atração de imigrantes, inclusive
nas mesmas funções e no mesmo local de trabalho dos escravos, o que foi organizado
sistematicamente pelo governo brasileiro, que disciplinou por meio de leis o investimento de
elevados valores para trazer os imigrantes para trabalhar nas fazendas brasileiras (COSTA,
2010, p. 72).
38
É importante ressaltar, entre as leis que regulamentavam a imigração, a Lei Provincial
nº 1, de 03 de fevereiro de 1888, pela qual o Presidente da Província foi autorizado a contratar
“com a Sociedade Promotora de Imigração a introdução de cem mil imigrantes de procedência
europeia, açoriana e canarina, segundo as necessidades da lavoura e a boa localização dos
imigrantes” (BASSANEZI; SCOTT; BACELLAR; TRUZZI; GOUVÊA, 2008, p. 35).
Com a abolição da escravatura, “mais de 700 mil escravos, em sua maioria localizados
nas províncias de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, foram assim, do dia para a noite,
transformados em homens livres” (COSTA, 2010, p. 10), deparando-se com o sistema
capitalista e se vendo abandonados à própria sorte, num até então desconhecido contexto de
concorrência ao qual não estavam acostumados, sofrendo ainda com preconceito por sua raça e
pela sua condição anterior, pois “o braço livre desejado era o braço estrangeiro, sem mácula,
não o braço do liberto ou do negro degradado pela escravidão” (CARDOSO, 1962, p. 22).
É nesse contexto que inicia a segregação racial, já no período pós-abolicionista, pela
qual os empresários optaram pelos imigrantes brancos, desprezando os “negros recém-libertos.
Os proletários negros, excluídos da senzala, trabalhadores livres, se inseriam agora, em
trabalhos precários, mal pagos e sem direitos trabalhistas. É um traço indelével da via colonial-
escravista que imprime a sua marca na sociabilidade capitalista até os dias de hoje” (ALVES,
2007, p. 261), o que persiste com “setores da população que ainda sofrem com um processo de
cidadania inacabado, herdado da ausência de políticas para igualdade pós-abolição” (MILANO;
GEDIEL, 2014, p. 367).
A condição precária do liberto foi exposta pelo fazendeiro paulista Paula Souza, que
relatou a contratação de ex-escravos para trabalharem em sua propriedade, vivendo em
senzalas, mas sem algemas ou cadeados, cessando ao fazendeiro as obrigações “de vestir e
alimentar seus escravos. Agora ele lhes vendia os suprimentos, até mesmo o leite e a couve que
consumiam. Isso, explicava ele, não era por ganância, mas visava a ensinar aos ex-escravos o
valor do trabalho” (COSTA, 2010, p. 135), em novo fator que identifica a raiz da “direita”
brasileira, em especial com o “slogan” propagado pelo Presidente interino em seus primeiros
dias no cargo.
A maior parte dos libertos não chegou a abandonar as fazendas imediatamente após a
abolição, seguindo a viver nas senzalas, como explicara o fazendeiro Paula Souza, com “o
mesmo trabalho e ganhando por ele um mísero salário. A liberdade permitira-lhes mudar de
uma fazenda para outra, mas por toda parte as condições que encontravam eram semelhantes”
(COSTA, 2010, p. 137).
39
O antigo escravo se encontrou, assim, convertido “sumária e abruptamente, em senhor
de si mesmo, tornando-se responsável por sua pessoa e por seus dependentes, embora não
dispusesse de meios materiais e morais para realizar essa proeza nos quadros de uma economia
competitiva” (FERNANDES, 2008, p. 29), o que indica a marca da abolição no escravo como
“uma espoliação extrema e cruel”.
Neste sentido, os libertos sofreram uma violência simbólica pelas limitações e incertezas
sofridas em virtude do total abandono pelo governo brasileiro e mesmo pelos abolicionistas
que, aparentemente, em sua “maioria tinha estado mais preocupada em libertar os brancos do
fardo da escravidão do que estender aos negros os direitos da cidadania” (COSTA, 2010, p.
137), o que torna inevitável o entendimento da abolição como “uma revolução social feita pelo
branco e para o branco” (FERNANDES, 1972, p. 47).
Enquanto trabalhadores livres, os ex-escravos, “mal puderam competir com a mão-de-
obra imigrante e estavam em desvantagem mesmo com relação à mão-de-obra nacional não
originária da escravidão” (BALÁN, 1973, p. 17), sendo abandonados à sua própria sorte e
cabendo a eles “converter sua emancipação em realidade. Se a lei lhes garantia o status jurídico
de homens livres, ela não lhes fornecia os meios para tornar sua liberdade efetiva” (COSTA,
2010, p. 12).
Florestan Fernandes (1976, p. 308) destaca as barreiras raciais posteriores à abolição
impostas no que concerne à oportunidade de trabalho e acesso a “determinadas posições ou
serviços”, não apenas pela falta de qualificação técnica, mas pelo preconceito em razão da
“cor”, sendo certo que em virtude de tais discriminações, “nos anos que se seguiram à abolição,
os sonhos de liberdade dos libertos converteram-se muitas vezes em pesadelo em virtude das
condições adversas que tiveram de enfrentar” (COSTA, 2010, p. 138).
Esse quadro prevaleceu em virtude da falta de qualificação do liberto para o trabalho na
indústria, que implicou em tratamento e avaliações negativas decorrentes da perspectiva dos
brancos, considerando a inaptidão ao trabalho como “elemento concreto” (FERNANDES,
1976, p. 306) e apto a justificar a precária condição de vida do alforriado.
Mesmo a mão de obra nacional sofria preconceito, pois era considerada “indisciplinada,
ociosa e violenta”, como explica Jorge Balán (1973, p. 19), apontando a origem de tal prevenção
“na realidade” decorrente “da identificação do trabalho disciplinado com o trabalho forçado
(escravo) e da tradição e possibilidade de uma economia de subsistência com terras livres”
(BALÁN, 1973, p. 19), motivo pelo qual restou aos imigrantes europeus o pleno acesso ao
trabalho assalariado.
40
Neste sentido, Caio Prado Júnior (1994, p. 183) destaca a necessidade do governo
brasileiro de assegurar o povoamento do Brasil e trabalhadores braçais, o que foi desenvolvido
“por uma política oficial e deliberada” para a “substituição dos escravos pelos imigrantes
assalariados” (LESSA, 2014, p. 27).
Considerando a chegada de aproximadamente 750 mil imigrantes em São Paulo entre
os anos de 1888 e 1900, e o seu trabalho junto aos libertos na fazenda, vislumbrou-se uma
“abundância de trabalhadores que permitiu aos fazendeiros manter baixos salários” (COSTA,
2010, p. 136).
Na metade do século XIX, alguns proprietários rurais, “habituados a lidar
exclusivamente com escravos, e que continuavam a conservar muitos deles trabalhando ao lado
dos colonos, não tinham para com estes a consideração devida à sua qualidade de trabalhadores
livres” (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 187), descumprindo os contratos de trabalho celebrados
com os imigrantes ainda na Europa.
No caso, os imigrantes se comprometiam e viajavam ao Brasil sem ter conhecimento da
situação brasileira, anuindo com cláusulas redigidas exclusivamente em favor dos fazendeiros
e proprietários rurais, inclusive dotadas de má-fé, o que alarmou “a opinião pública na Europa,
em particular na Alemanha e em Portugal, donde provinha então a maior parte da imigração
para o Brasil, com a sorte aqui reservada para seus compatriotas emigrados” (PRADO JÚNIOR,
1994, p. 187-188).
Essa situação culminou em campanhas contra a emigração ao Brasil, que chegou “a ser
proibida na Alemanha em 1859” (PRADO JÚNIOR, 1994, p. 188), tornando-se “quase nula”,
enquanto a emigração dos portugueses reduziu em mais de 50%, em clara demonstração das
primeiras tentativas de exploração da vulnerabilidade de imigrantes pela classe dominante
brasileira, que restaram frustradas em virtude da imposição do país de origens de tais migrantes.
Com a expansão da lavoura de café na década de 1870, a imigração europeia ao Brasil
é retomada, considerando sobretudo a redução do número de escravos pela vedação ao tráfico,
o que implicou em “forte estímulo para medidas de fomento à imigração” (PRADO JÚNIOR,
1994, p. 188), que desta vez decorre da Itália, em virtude da instável situação política daquele
país.
A imigração italiana ao Brasil foi, a partir de então, fundamental ao povoamento do
Brasil, em especial no Estado de São Paulo, onde era exígua até 1875, mas cresce “em 1876
para quase 7.000 indivíduos; e no ano seguinte com mais de 13.000, superará largamente todas
41
as demais correntes, inclusive a portuguesa, até então na vanguarda e que mal atingirá 8.000”
(PRADO JÚNIOR, 1994, p. 188).
Os fazendeiros implantam, então, o sistema de trabalhadores assalariados em
substituição ao antigo sistema de parceria, e “em vez de preceder à vinda do imigrante com
contratos já assinados na Europa, o governo tomará o assunto a seu cargo, limitando-se a fazer
a propaganda nos países emigratórios e pagando o transporte dos imigrantes até o Brasil”
(PRADO JÚNIOR, 1994, p. 188-189), com a posterior distribuição dos trabalhadores às
“fazendas de acordo com as necessidades delas e os pedidos feitos”, em processo identificado
como “imigração subvencionada”.
Com a abolição do regime escravocrata, em 1888, o Brasil registra a entrada de 133.000
(cento e trinta e três mil) imigrantes, significando mais que o dobro do ano anterior,
conservando nos anos seguintes, até o final do século, aproximadamente 100.000 (cem mil)
imigrantes por ano, em quadro no qual “a presença do trabalhador livre [...] deixa de ser uma
exceção, torna-se forte elemento de dissolução do sistema escravista. Através do exemplo e da
palavra, ela conspira permanentemente contra a disciplina e submissão do escravo” (PRADO
JÚNIOR, 1994, p. 191).
No entanto, a abolição da escravatura “se operou, no Brasil, sem que se cercasse a
destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os
protegessem na transição para o sistema de trabalho livre” (FERNANDES, 2008, p. 29), o que
implicou no evidente abandono do então escravo à própria sorte, sendo considerado pelos
potenciais empregadores, em regra, como “causa de ociosidade, marasmo, dissolução. O que
fora fruto da escravidão passava a ser confundido com sua causa e tido como fator de
imobilismo e atraso” (CARDOSO, 1962, p. 22).
Os próprios libertos viviam com a insegurança de sua nova condição em virtude da
condição pretérita, de forma que evitavam o “trabalho assalariado nas fazendas cafeeiras, onde
necessariamente conservariam o status social, se não o legal, de escravos” (BALÁN, 1973, p.
16), ainda que para isso tivessem que passar fome ou se sujeitar a trabalhos dos quais não
possuíam conhecimento técnico.
Assim, os libertos tiveram elevada dificuldade para encontrar ocupações ou profissões,
ficando com “serviços mais modestos, que exigiam especialização mínima, e eram mal
remunerados” (FERNANDES, 1976, p. 306), uma vez que os então proprietários de escravos
foram, com a abolição, “eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos
libertos, sem que o Estado, a Igreja ou outra qualquer instituição assumissem encargos
42
especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do
trabalho” (FERNANDES, 2008, p. 29), o que conduziu boa parte dos libertos “durante as
primeiras décadas posteriores à abolição, [...] se concentraram em bairros periféricos, mantendo
contato com ocupações rurais e formando um sub-proletariado só minimamente ocupado nos
setores dinâmicos da economia urbana” (sic) (BALÁN, 1973, p. 25).
Entre os últimos anos do século XIX e a primeira década do século XX, “a massa
imigratória europeia relegou a um segundo plano a mão-de-obra nacional e, por assim dizer, a
um terceiro plano os ex-escravos” (BALÁN, 1973, p. 18), prosseguindo a adaptação brasileira
ao capitalismo monopolista, com a expansão do mercado e o “desenvolvimento da aristocracia
operária – com todas as consequências ideológicas e políticas decorrentes” (LESSA, 2014, p.
27), inclusive a conversão das tradicionais oligarquias em modernas, com a passagem do
Império à República, em 1889.
Para efetivar a substituição dos escravos pelos imigrantes, o proprietário rural “teve que
aceitar as condições com que se apresentavam nos mercados. Eram condições visivelmente
desfavoráveis para o fazendeiro, mas precisou submeter-se a elas e conceder ao imigrante uma
situação compatível com suas ambições” (FRANCO, 1997, p. 200-201), com o objetivo de
prosseguir com suas lavouras, pois “a expansão da área cultivada era vital e só se fez possível
graças ao aumento drástico e rápido do fluxo de mão-de-obra” (BALÁN, 1973, p. 16).
Os fazendeiros celebravam, então, acordos transitórios com o imigrante, atendendo às
pretensões deste, “que também se sujeitou às condições adversas iniciais, a fim de superar a
condição que rejeitara ao abandonar seu país de origem e realizar sua independência”
(FRANCO, 1997, p. 201), de modo que a remuneração era baixa sob a justificativa “da reserva
que significavam os ex-escravos e a mão-de-obra nacional, mas a transição ao sistema de
trabalho livre tinha sido feita” (BALÁN, 1973, p. 17).
Franco (1997, p. 201) destaca que “progressivamente, a grande fazenda de café foi
regularizada, novamente organizando-se sobre a base de trabalhadores expropriados, com
remuneração mais ou menos no nível de subsistência, congregados em atividades centralizadas
sob o controle do fazendeiro”, que contou com a iniciativa do governo estadual, “reforçada pela
constituição de 1891, que delegava a política imigratória aos estados. [...] sem uma campanha
organizada e sem subvenções, a entrada maciça de imigrantes não teria atingido tal magnitude”
(BALÁN, 1973, p. 16).
A imigração ao Brasil se deu de forma seletiva, a ponto de ser definida como
“europeização demográfica” (DOMINGUES, 2002, p. 568) ao final do século XIX e no início
43
do século XX, tendo em vista que no Município de São Paulo haviam dois italianos para cada
brasileiro.
Quanto à adequação dos escravos nas fazendas, as propriedades com renda pífia
impunham aos ex-escravos a opção “entre a reabsorção pelo sistema de produção, em condições
substancialmente análogas às anteriores, e a degradação de sua situação econômica,
incorporando-se à massa de desocupados e semi-ocupados da economia de subsistência do lugar
ou de outra região” (sic) (FERNANDES, 2008, p. 31), com a primeira indicação do trabalho
assalariado livre em condição análoga à de escravo logo após a extinção da escravidão, o que
indica o caráter meramente formal e simbólico do abolicionismo.
A inexperiência dos ex-escravos em comparação à noção empírica de operário
assalariado e explorado dos imigrantes tornaram as oportunidades de trabalho dos libertos “mais
modestas e menos compensadoras” (FERNANDES, 2008, p. 33), existindo desvantagem
inclusive na função de artesanato urbano que seria a possibilidade de “ascensão econômica e
social” dos libertos, com o monopólio de tais setores pelos brancos.
Além disso, “as próprias condições psicossociais e econômicas, que cercam a
emergência e a consolidação da ordem social competitiva na cidade de São Paulo, tornavam-na
imprópria e até perigosa para as massas de libertos, que nela se concentravam” (FERNANDES,
2008, p. 35), circunstâncias prejudiciais à sua adaptação ao modelo capitalista.
Neste sentido, Florestan Fernandes (2008, p. 35) relata que “as deformações
introduzidas em suas pessoas pela escravidão limitavam sua capacidade de ajustamento à vida
urbana, sob regime capitalista, impedindo-os de tirar algum proveito relevante e duradouro, em
escala grupal, das oportunidades novas”, contexto que propiciou a exploração dos trabalhadores
imigrantes no início do século XX, com o uso da “mão de obra italiana que havia sido trazida
ao país para trabalhar como assalariada na cafeicultura” (LESSA, 2014, p. 29), o que resultou
na “jovem classe operária, de origem italiana e tradição de luta anarquista” que confrontou o
inexperiente patronato, até então acostumado a lidar apenas com escravos.
Sérgio Lessa (2014, p. 29) considera este “o único momento, em nossa história, em que
a vantagem no confronto pesou a favor dos operários: em 1917, em uma greve memorável,
tomaram por vários dias a cidade de São Paulo”, ressaltando que a solução ao problema da
escassez de mão de obra estava encaminhada, e “com a crescente emigração dos imigrantes
europeus e seus descendentes para as cidades, o processo de integração de mão-de-obra
assalariada de origem nacional foi se acelerando” (sic) (BALÁN, 1973, p. 20), enquanto na
44
década de 1920 iniciaram os “fluxos de migrantes nordestinos no Rio de Janeiro e em São
Paulo”.
Por outro lado, Florestan Fernandes (2008, p. 35-36) entende que ao longo deste período
“a sociedade brasileira largou o negro ao seu próprio destino, deitando sobre seus ombros a
responsabilidade de se reeducar e de se transformar para corresponder aos novos padrões e
ideais de ser humano”, em desgastante adaptação ao “advento do trabalho livre, do regime
republicano e do capitalismo”, conjuntura na qual se deu a total modificação da estrutura de
consideração do negro enquanto agente de trabalho pela exclusão que privilegiou sujeitos
dominantes como o “fazendeiro” e o “imigrante” (FERNANDES, 2008, p. 36).
A condição do imigrante no Brasil ao final do século XIX e no início do século XX se
traduzia em renúncias simultâneas junto ao fazendeiro ou proprietário do estabelecimento no
qual trabalhavam, pois a imigração se deu em “regiões despovoadas que necessitavam de mão
de obra” (NUNES; OLIVEIRA, 2015, p. 33).
É importante destacar a perspectiva do imigrante europeu naquela época, que exigiu
tratamento digno, em especial após experiências nas quais foram submetidos a tratamento
similar ao dos escravos, reagindo de forma a buscar “uma gradual eliminação do trabalho
escravo, em um processo que não ia contra o agente humano do trabalho escravo, mas contra o
modo escravista de produção. Este rebaixava o valor do trabalho, suscitava a persistência
generalizada de padrões de dominação intoleráveis” (FERNANDES, 1979, p. 53).
Nesta ótica, a luta do imigrante europeu foi contra a banalização do trabalho, tendo em
vista a relevância dada ao labor por tais trabalhadores, mas não se restringiu a isso, combatendo
o costume dos fazendeiros ao antigo regime servil que, de acordo com Caio Prado Júnior (1994,
p. 214), dificultou a adaptação “com trabalhadores livres”, causando atritos com “larga
repercussão internacional, obrigando os governos de origem da imigração brasileira a
intervirem em favor de seus nacionais”.
Não há como não considerar as raízes da atual classe dominante no sistema escravocrata,
considerando o abolicionismo “como expressão da luta de classes que se tratava no país no fim
do século XIX” (COSTA, 2010, p. 129), especificando a oposição entre escravistas e
abolicionistas dos pontos de vista social, econômico, político e jurídico, mas levando em conta
principalmente a questão da discriminação na presente conjuntura brasileira como “parte da
herança social da sociedade escravista” (FERNANDES, 1972, p. 42), pois “o arbítrio, a
ignorância, a violência, a miséria, os preconceitos que a sociedade escravista criou ainda pesam
sobre nós” (COSTA, 2010, p. 131).
45
Esses preconceitos abalam, e por vezes confundem e limitam a classe social definida
pela burguesia como “pobre” e também o negro, o que decorre do trabalho escravo e dos
reflexos da ideologia liberal no Brasil, que implicam, de acordo com Bernardo Ricupero (2008,
p. 40-41), na normalidade das relações materiais de força, motivo pelo qual “a exploração seria
revelada sem subterfúgios” pelo empresário brasileiro, que a encara como natural.
Assim como o Estado utiliza o domínio político para manter as desigualdades e servir à
classe dominante, ocorre entre empregador e empregado um processo de dominação social
descrito por Franco (1997, p. 94) como iniciado por atitudes simples, pela visão e pelas atitudes
do senhor em relação ao trabalhador, que indicavam “a condição humana deste último e
fundavam as técnicas de dominação social”.
A dominação social ocorre, portanto, pela dependência do trabalhador junto ao senhor,
em relação na qual prevalece respeito, lealdade e veneração, em procedimento no qual Franco
(1997, p. 94) ressalta a destruição dos “predicados de ser humano” do dependente, que exposto
à “brutalidade da alienação” perde “até mesmo a consciência de suas condições mais imediatas
de existência social, [...] e resulta na aceitação voluntária de uma autoridade que,
consensualmente, é exercida para o bem”.
Considerando que os afrodescendentes abrangem o maior número de pobres no Brasil,
país que era “legalmente” escravista até 1888, Giovanni Alves (2007, p. 261) indica uma das
razões do atual contexto brasileiro permitir o trabalho em condição análoga à de escravo: a
“clivagem racial no interior da determinação de classe” que marca “de modo indelével, a
desigualdade social no País”.
Martins (1973, p. 79) retrata a origem da dominação que possibilita atualmente o
trabalho escravo “na coisificação da pessoa, como resultado do seu envolvimento e redefinição
pelas transformações históricas que deslocavam a matriz da existência da comunidade para a
classe”, demonstrando expressamente a sujeição da classe que vive do trabalho à escravidão
disfarçada de trabalho assalariado.
De acordo com Jacob Gorender (1990, p. 19), a coisificação é o “processo implícito na
identificação jurídica do escravo à mercadoria e no emprego constante da coerção brutal e
desumanizadora contra a sua pessoa”, o que indica a razão pela qual prevalece a indiferença do
“senhor” com relação ao “escravo”, pois se trataria de mera coisa e, portanto, destituído de
personalidade, preferências e sentimentos, perspectiva utilizada para justificar o desprezo à
condição de pessoa do escravo, mas que persiste nas relações trabalhistas de hoje, na medida
em que no século XIX foram naturalizadas as diferenças entre raças, o que se deu por meio de
46
“projeto teórico de pretensão universal e globalizante. [...] significou [...] o estabelecimento de
correlações rígidas entre características físicas e atributos morais” (SCHWARCZ, 1993, p. 64-
65).
Atribuindo a persistência da escravidão após a abolição de 1888 à necessidade
capitalista do lucro, Martins (1973, p. 202) salienta que tal manutenção decorre da “canalização
compulsória da força de trabalho para a grande lavoura e pela manutenção do consumo do
trabalhador na proximidade dos níveis mínimos”.
Esse contexto do trabalho escravo e da exploração do trabalhador em nível desumano
destruiu o valor do trabalho, que “passou a ser tratado como uma ocupação pejorativa e
desabonadora” (RICUPERO, 2008, p. 144), o que nasce pela fluidez entre o que é atividade de
homens livres ou de escravos, resultando na “desqualificação do trabalho” (FRANCO, 1997, p.
216).
Considerando a redução do trabalho livre e assalariado ao trabalho em condição análoga
à de escravo na atualidade pela subjugação do trabalhador, Ricupero (2008, p. 42) lembra que
“Marx já notara que a escravidão sans phrase do Novo Mundo revela a verdade sobre o trabalho
assalariado, forma disfarçada de escravidão” (itálico no original), ao que Franco (1997, p. 243)
conclui que “as fazendas prosperam e os que nelas trabalham seguem, o mais das vezes, o seu
destino aquém da humanidade”.
Essa exploração extrema é possibilitada pela raiz brasileira escravista, preconceituosa e
segregadora por raça, cor de pele ou pobreza. Seguindo tal linha de raciocínio, Florestan
Fernandes (1972, p. 73) entende que o preconceito e a discriminação de cor são efeitos do
“passado no presente”, que restringem “as oportunidades econômicas, educacionais, sociais e
políticas do negro e do mulato”.
Neste contexto, negros e mulatos restam “à margem e na periferia da ordem social
competitiva, o preconceito e a discriminação de cor impedem a existência e o surgimento de
uma democracia racial no Brasil” (FERNANDES, 1972, p. 73), que carece de uma virada
paradigmática na qual se verifique a plena igualdade entre branco e negro, “num mundo de
igualdade de oportunidade para todos, independentemente da cor da pele ou da extração social”
(FERNANDES, 1972, p. 43).
No entanto, desde o século XIX prevalece um sistema de distinções nas relações entre
as raças compostas por “negro” e “branco” como “escravo” e “senhor”, o que decorre, de acordo
com Florestan Fernandes (1972, p. 42), do tratamento sofrido pelo negro com a redução à
condição de “coisa” ou “fôlego vivo”, o que segue após a abolição com sua sujeição à
47
“economia de subsistência, nivelando-se, então, com o ‘branco’, que também não conseguia
classificar-se socialmente, ou formando uma espécie de escória da grande cidade, vendo-se
condenados à miséria social mais terrível e degradante” (FERNANDES, 1972, p. 42).
Em virtude da precária condição de vida do liberto após a abolição, a Lei Áurea implicou
somente no “direito de ser livre para escolher entre a miséria e a opressão em que viveu (e ainda
vive) grande número de trabalhadores brasileiros” (COSTA, 2010, p. 131), o que se traduz no
atual sistema de funcionamento do capital como gerador de desigualdades, uma vez que com o
fim da escravidão restou exposto o preconceito com a população negra por meio de leis e
regulamentos que restringiram festas específicas da cultura africana, “como batuques cateretês,
congos e outras. Multiplicaram-se as instituições destinadas a confinar loucos, criminosos,
menores abandonados e mendigos” (COSTA, 2010, p. 138).
Para Florestan Fernandes (1972, p. 43), a segregação social persiste até hoje,
desenvolvendo-se de forma “sutil e dissimulada”, com o confinamento do negro no denominado
“porão da sociedade”, o que ocorre com “todas as minorias nacionais, étnicas ou raciais, pelo
menos durante o período em que elas não conseguem responder às pressões assimilacionistas
da sociedade nacional e aos critérios de avaliação sócio-econômica dos círculos dominantes das
classes altas” (sic) (FERNANDES, 1972, p. 45-46).
A desigualdade social e econômica decorre, principalmente, do regime servil, durando
para tal raça até a atualidade em virtude da falta de oportunidades decorrente da discriminação.
Neste aspecto, Floresta Fernandes (1972, p. 43) relata que “os segmentos, da população
brasileira que estavam associados à condição de escravo ou de liberto viram-se nas piores
condições de vida nas grandes cidades. Foram reduzidos a uma condição marginal, na qual se
viram mantidos até o presente”.
O preconceito e a segregação com o negro surgem da predominância da raça branca, de
origem europeia, oriunda do regime servil, quando a condição anterior de escravo fez com que
o afrodescendente fosse estigmatizado como inferior, como explica Uelber Silva (2012, p. 99):
“o Europeu branco é posto como uma raça pura e, por isso, superior em relação ao judeu, ao
negro ou a qualquer outra etnia que não se assemelhe ao ariano”.
Essa postura retrógrada se mantém atualmente pela ideologia do branqueamento até
mesmo no meio negro, pela transformação do “discriminado em agente reprodutor do discurso
discriminatório, colocando o negro a serviço de uma prática racista” (DOMINGUES, 2002, p.
582), de modo que alguns se recusam a se identificar como negros, uma vez que na concepção
deles o “ser negro” seria se identificar como “ser inferior”, o que Uelber Silva (2012, p. 103)
48
considera “efeitos ideológicos da escravização e da inferiorização do negro operando sobre suas
consciências, demonstrando sua autoalienação e a alienação que emana da sociedade”.
Por outro lado, parte “da população negra em São Paulo no início do século XX aceitou
conceber-se nos moldes impostos pela ideologia racial da elite branca, uma vez que avaliam,
em larga escala, o processo de branqueamento como fenômeno natural e inevitável”
(DOMINGUES, 2002, p. 573), o que decorre da ideologia racista que “inferioriza o negro e
naturaliza essa sua condição” (SILVA, 2012, p. 104).
A preocupação com a predominância da raça branca chegou, na última década do século
XIX, ao cúmulo de possuir como objetivo a extinção dos negros, inclusive com previsões e
cálculos de taxas de mortalidade e natalidade destituídos de rigor científico, para tal fim, em
fenômeno denominado como “branqueamento”, consistente no “processo de ‘clareamento’ da
população brasileira, registrado pelos censos oficiais e previsões estatísticas do final do século
XIX e início do século XX” (DOMINGUES, 2002, p. 566).
De acordo com Maria Aparecida Silva Berto e Iray Carone (2002, p. 14), o
branqueamento foi “uma pressão cultural exercida pela hegemonia branca, sobretudo após a
Abolição da Escravatura, para que o negro negasse a si mesmo, no seu corpo e na sua mente,
como uma espécie de condição para se integrar (ser aceito e ter mobilidade social) na nova
ordem social”.
O branqueamento foi entendido no período posterior à abolição “como um processo
irreversível no país” (DOMINGUES, 2002, p. 566), inclusive com previsões da extinção do
negro no Brasil dentro em até 200 anos, em evidente exposição do racismo decorrente da
constante luta da burguesia “pela preservação do seu status quo” (SILVA, 2012, p. 103), pois
“não consegue alçar-se para além da personalidade particular, pelo fato de que ela não consegue
enxergar para além da aparência do fenômeno racial”.
Essa perspectiva viciada e limitada da burguesia implicará, de acordo com Domingues
(2002, p. 568-569), no uso do “branqueamento” como “fé religiosa” pela classe dominante, de
modo a classificar “o mestiço, dependendo do grau de pigmentação da pele, [...] como quase-
branco, semibranco ou sub-branco e tratado de forma diferenciada do negro retinto, porém não
era considerado um quase-negro, seminegro ou subnegro” (sic), de forma que não se cogitava
a possibilidade do mestiço gerar o “enegrecimento” da população.
Octavio Ianni (1962, p. 285) descreve o processo de formação da sociedade de classes,
destacando a dominação decorrente da primazia concedida aos brancos no período pós-abolição
da escravatura, com a consideração dos demais como inferiores, lhes dando “exatamente o que
49
nega ou subverte a sua humanidade, preservando-se cristalizada uma hierarquia de atributos
sociais que corresponde às exigências das relações de dominação-subordinação constituídas
com o novo sistema”.
Apenas a partir de 1945 surgem ao afrodescendente “oportunidades reais de
classificação na estrutura da ordem social competitiva, ainda assim, para número limitado de
indivíduos potencialmente capazes de terem êxito na competição sócio-econômica com os
brancos” (sic) (FERNANDES, 1972, p. 43), pois “a expansão urbana, a revolução industrial e
a modernização ainda não produziram efeitos bastante profundos para modificar a extrema
desigualdade racial que herdamos do passado” (FERNANDES, 1972, p. 48).
Utilizando estatísticas do Município de São Paulo em 1950, Florestan Fernandes
identificou “uma situação que evidencia [...] em que sentido a concentração social da renda, do
prestígio social e do poder é, concomitantemente, uma concentração racial de privilégios
econômicos, sociais e culturais” (FERNANDES, 1972, p. 51), o que decorreu também de um
dos mais perversos instrumentos de segregação racial para com os afrodescendentes: as
políticas de “branqueamento” da população brasileira.
Essas políticas consistiram em promoção de imigração europeia, com restrições ao
ingresso de pessoas “de cor” no Brasil a partir da abolição da escravatura, ocorrendo também
no meio acadêmico e científico, com pesquisas e estatísticas elaboradas por “intelectuais”,
afirmando uma suposta e infundada superioridade dos brancos.
Em crítica a intelectuais da primeira metade do século XX que, sem rigor científico,
taxavam o negro como biologicamente inferior em razão de deficiência étnica, Domingues
(2002, p. 572) explica que o saldo negativo do negro consistente na taxa de mortalidade superior
à de natalidade não decorre de questões biológicas ou étnicas, mas de “problemas sociais que
assolavam este povo [...]: as condições desumanas de moradia, as doenças, o desemprego, o
alcoolismo, o abandono do menor, dos velhos, a mendicância, subnutrição, criminalidade e a
mortalidade infantil”.
O controle das taxas de mortalidade e natalidade dos negros no início do século XX que
implicava no saldo negativo decorria da “desigualdade racial nos indicadores da saúde pública”
que “era abissal, penalizando terrivelmente a população negra em São Paulo” (DOMINGUES,
2002, p. 573).
Além dos sistemas e estatísticas excludentes com relação ao liberto, o “branqueamento”
implicou na adoção de políticas migratórias favoráveis ao ingresso de brancos e, da mesma
forma, restrições à entrada no Brasil às demais etnias. Neste sentido, “entre 1890 e 1929,
50
entraram em São Paulo 1.817.261 imigrantes brancos. A europeização demográfica da cidade
chegou ao ponto de, em 1897, haver dois italianos para cada brasileiro” (DOMINGUES, 2002,
p. 568).
Conforme explica Ricardo Bezerra Requião (2015, p. 126), a opção pela atração da
nacionalidade alemã à imigração ao Brasil ocorreu por se tratar da língua materna da princesa
Leopoldina, esposa de Dom Pedro I, bem como pelo objetivo de “branqueamento” da população
brasileira, pelo entendimento de que desta forma esta seria “mais civilizada”, o que fazia
transparecer a preferência pelos brancos de origem europeia em detrimento dos “ex-escravos”
e a finalidade de formação de um “povo nacionalmente unificado e integrado sob padrões
culturais homogêneos” (VAINER, 1995, p. 44).
Outrossim, pela apreciação da legislação destinada ao imigrante, verifica-se a tendência
pelo “branqueamento” exposta logo no início da República brasileira, pelo Decreto nº 528, de
28 de junho de 189012, que em seu artigo 1º restringia a entrada de indígenas da Ásia, ou da
África no Brasil à autorização do Congresso Nacional.
A denominada política de “branqueamento” persiste ao longo do século XX em
restrições como as impostas no artigo 121, § 6º, da Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil, de 16 de julho de 193413, pelo qual o ingresso dos imigrantes no Brasil
dependeria da “garantia da integração étnica” do imigrante, consistente em critério subjetivo
com o fim de restringir a entrada de imigrantes que dificultassem o projeto burguês de
homogeneização racial.
No mesmo sentido, o Decreto-Lei nº 7.967, de 27 de agosto de 194514, que dispõe sobre
a imigração e a colonização, em flagrante demonstração da xenofobia que predominava – e
ainda predomina – no Poder Legislativo brasileiro impõe em seu artigo 2º a delimitação da
admissão dos imigrantes à necessidade de preservação e desenvolvimento das características
de ascendência europeia.
12 O artigo 1º do Decreto nº 528, de 28 de junho de 1890, prevê que “É inteiramente livre a entrada, nos portos da Republica, dos individuos válidos e aptos para o trabalho, que não se acharem sujeitos á acção criminal do seu paiz, exceptuados os indigenas da Asia, ou da Africa que sómente mediante autorização do Congresso Nacional poderão ser admittidos de accordo com as condições que forem então estipuladas”. 13 O artigo 121, § 6º, da Constituição de 1934 prevê que “§ 6º - A entrada de imigrantes no território nacional sofrerá as restrições necessárias à garantia da integração étnica e capacidade física e civil do imigrante, não podendo, porém, a corrente imigratória de cada país exceder, anualmente, o limite de dois por cento sobre o número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinqüenta anos”. 14 O artigo 2º do Decreto-Lei nº 7.967, de 18 de setembro de 1945 estabelece que “Atender-se-á, na admissão dos imigrantes, à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência européia, assim como a defesa do trabalhador nacional”.
51
A Constituição de 194615 prosseguiu com a política migratória excludente, dispondo em
seu artigo 162 condições à entrada e fixação de imigrantes no Brasil, com critérios como
assegurar integração étnica, capacidade física e civil, bem como ao atendimento de exigências
do interesse nacional, novamente impondo restrições ao ingresso de imigrantes por meio de
requisitos subjetivos e tornando expressa a possibilidade de restrição fundada na “integração
étnica”.
Constata-se, assim, a tendência das Constituições e das Leis brasileiras até metade do
século XX a restringir as imigrações ao Brasil com critérios xenófobos e racistas, inclusive com
previsões expressas de limitação de entrada de imigrantes em virtude de etnia ou mesmo para
priorizar a unificação nacional de uma raça de ascendência europeia, considerando que o Brasil
era um país escravista, motivo pelo qual a “clivagem racial no interior da determinação de classe
tenderia a marcar, de modo indelével, a desigualdade social no País (os afro-descendentes
constituem o maior contingente de pobres no Brasil)” (sic) (ALVES, 2007, p. 261), persistindo,
portanto, a segregação racial, mesmo mais de cem anos após a abolição do regime servil.
1.3 OS FLUXOS MIGRATÓRIOS DO SÉCULO XXI NO BRASIL: A DINAMICIDADE DA
MOBILIDADE
Primeiramente, cumpre justificar que ao iniciar a pesquisa pelo exame do histórico da
abolição da escravatura, do desamparo do liberto pelo governo brasileiro a partir de 1888, da
política migratória de branqueamento e dos primeiros fluxos migratórios recebidos pelo Brasil,
compostos por europeus encaminhados para suprir a falta de mão de obra decorrente da
abolição, a finalidade foi investigar e demonstrar: (a) o caráter escravista que prevalece nas
relações de trabalho no Brasil, pela coisificação do trabalhador, uma vez que se trata de situação
com a qual o haitiano se depara ao procurar e ao encontrar emprego no Brasil; (b) os processos
de vulnerabilidade, alienação e dominação sofridos pelo trabalhador brasileiro, sobretudo pela
segregação e pela discriminação racial e social demonstradas, pois o haitiano no Brasil sofre,
em virtude de sua raça, situações similares, além da xenofobia suportada por sua nacionalidade
distinta e a vulnerabilidade natural do imigrante pelas dificuldades para se comunicar, encontrar
moradia e se adaptar, o que resulta na fragilidade que carece de ampla proteção social; e (c) a
distinção entre a situação dos imigrantes europeus, que vieram ao Brasil a partir da metade do
15 O artigo 162 da Constituição de 1946 dispõe que “A seleção, entrada, distribuição e fixação de imigrantes ficarão sujeitas, na forma da lei, às exigências do interesse nacional”.
52
século XIX para suprir a carência de mão de obra dos proprietários rurais brasileiros, com
relação aos haitianos que chegam ao Brasil a partir de 2010 em intenso fluxo migratório que
“trouxe novamente a necessidade de pensar a imigração de uma maneira estratégica” (LOPES,
2016, p. 122-123).
Cabe ressaltar, contudo, um relevante diferencial dos haitianos, consistente no visto
humanitário concedido pelo Conselho Nacional de Imigração, que estabelece uma condição
peculiar e figura “como uma terceira via de proteção que diferencia seus beneficiários do
migrante que não requer proteção especial sem tampouco equilibrar [...] à necessidade de
proteção daqueles que objetiva e individualmente exigem a proteção como refugiados”
(GEDIEL; CASAGRANDE, 2015, p. 103-104).
Essa distinção dos fluxos migratórios recentes com a imigração europeia que ocorreu
entre os séculos XIX e XX e não decorre apenas dos contextos políticos separados por décadas
que possibilitaram o povoamento, afastaram a ideia do branqueamento e fizeram com que a
escassez da mão de obra deixasse de ser um problema, mas sobretudo pela condição jurídica
dos haitianos, amparada pelo visto humanitário concedido pelo Conselho Nacional de
Imigração no artigo 1º de sua Resolução Normativa nº 97, de 13 de janeiro de 2012, o que
decorre do “agravamento das condições de vida da população haitiana em decorrência do
terremoto ocorrido naquele país em 12 de janeiro de 2010”, como dispõe o parágrafo único do
dispositivo legal supracitado.
É importante salientar que “após décadas de estagnação migratória, o Brasil começou a
experimentar, a partir dos últimos anos da década passada, um novo impulso de imigração”
(LOPES, 2016, p. 122), e esse intervalo de tempo entre a década de 1960 e o início do século
XXI sem significativos fluxos migratórios tornou o governo brasileiro despreparado para
recepcionar, adaptar e permitir a digna inserção destes haitianos – e demais imigrantes e
refugiados – no mercado de trabalho formal, de modo que “a chegada desse contingente
humano expressivo em números e significativo em sua diversidade põe à prova as ultrapassadas
instituições e a legislação brasileiras” (GEDIEL; CASAGRANDE; KRAMER, 2016, p. 23-24).
A inaptidão brasileira para o atendimento aos imigrantes e refugiados se dá pelas
décadas seguidas que o governo brasileiro passou sem ter que lidar com tal situação, pois desde
a década de 1960 “deixamos de receber migrantes, seja porque o arcabouço legal não facilita
(excetua-se o regime de circulação do Mercosul nesta análise), seja porque a posição periférica
da economia brasileira não despertava interesse de estrangeiros” (LOPES, 2016, p. 132), o que
mudou ligeiramente no início desta década.
53
O ingresso dos haitianos no Brasil, inclusive, inicia “em um momento de euforia
econômica, mas em um país com uma legislação inadequada para atender aos fenômenos
migratórios contemporâneos e sem qualquer formulação de política pública migratória
consistente” (GEDIEL; CASAGRANDE, 2015, p. 108), decorrendo desta equação a
exploração e o desamparo dos imigrantes: a atração ao desconhecido, em busca de
oportunidades de trabalho e melhores condições de vida e o encontro de um país que já não
possui a situação financeira do início da década e cujo governo não oferece acolhimento ou
assistência, além de possuir legislação precária regulando os direitos do imigrante e do
refugiado.
Analisando as propostas de lei sobre o imigrante, Igor José de Renó Machado (2016, p.
214) define o atual cenário jurídico do tema: “uma legislação da ditadura, que toma os
estrangeiros como potenciais inimigos, modulada pela ação do CNIg, que vem remendando e
adaptando essa legislação caduca aos desafios contemporâneos”.
É perceptível, neste sentido, a fragilidade do Poder Legislativo, que além de não ratificar
tratados internacionais relevantes aos direitos do trabalhador imigrante, subsiste com o
“Estatuto do Estrangeiro”, a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, que não rege a condição do
imigrante ou do refugiado, e sim do estrangeiro como pessoa estranha ao país, atentando apenas
ao perigo que o “estrangeiro” pode representar ao país, de modo que tal lei é considerada
ultrapassada, pois foi “adotada durante a Guerra Fria, ainda no período da ditadura militar no
Brasil, e inspirada pela doutrina da primazia da segurança nacional. Suas raízes datam de outra
ditadura, a de Getúlio Vargas” (GODOY, 2016, p. 116).
A deficiência do Poder Legislativo pode ser amenizada por meio da criação de “uma
nova lei de migrações aberta ao direito de migrar, que adote ferramentas para regularização
migratória e que contemple um mecanismo de proteção humanitária complementar para casos
com necessidades de proteção internacional apesar da ausência de perseguição” (GODOY,
2016, p. 117).
Da mesma forma, verifica-se a inconsistência da atuação do Poder Executivo pela
ausência de promoção de políticas públicas migratórias, reservando ao Ministério do Trabalho,
pelo Conselho Nacional de Imigração, e ao Ministério da Justiça, pelo Comitê Nacional para
os Refugiados, a atuação em prol do imigrante, mas cujas ações são consideradas “esparsas,
frágeis e sem continuidade” (GEDIEL; CASAGRANDE, 2015, p. 108) em virtude da ausência
de reconhecimento, auxílio, sendo “até mesmo refutados por outros setores da administração
pública, em todas as esferas”.
54
Essa insuficiência dos poderes constituídos na atuação junto ao estrangeiro indica que
“a seletividade da imigração para o Brasil é a própria marca da política migratória ainda
vigente”, como adverte Gabriel Gualano de Godoy (2016, p. 116), o que predominou pelo
processo já descrito como europeização demográfica que ocorreu no final do século XIX, mas
segue atualmente com distinções na recepção ao imigrante.
Godoy (2016, p. 116) destaca, neste sentido, que “há um tratamento diferenciado
dependendo não apenas da identidade cultural, mas também de raça, gênero e classe desses
estrangeiros”, sistema discriminatório que prejudica em muito a recepção e a adaptação do
imigrante haitiano, que tem suas condições agravadas por tal fator que contribui com sua
vulnerabilidade ao trabalho precário.
A a xenofobia e a discriminação racial violam a dignidade dos imigrantes haitianos16,
em clara decorrência da legislação ultrapassada e da herança do Estado do século passado, que
na atual conjuntura passou de políticas migratórias de “branqueamento” à representação no
Congresso Nacional por bancadas denominadas como “ruralistas” ou “religiosas”, com pautas
retrógradas, contrárias aos direitos humanos e incoerentes com as efetivas necessidades do povo
brasileiro.
Amparadas por protestos da classe média, que vive na insatisfação imotivada pela
corrupção e pela carga tributária, tais bancadas sacrificam, pelo exercício da função legislativa,
não apenas a dignidade e a igualdade, mas principalmente o valor do trabalho, por meio de
tentativas de “inovações” como a legalização da terceirização, a restrição das hipóteses de
configuração do crime de redução a condição análoga à de escravo e de sua punibilidade, entre
outros golpes constantemente articulados pelo Poder Legislativo em detrimento da classe
trabalhadora.
Cumpre salientar, neste sentido, a advertência de Antônio Carlos Mazzeo (2015, p. 134),
no sentido de que não devemos repetir os erros do passado e “adentrar em ilusões de que as
mudanças que devem ser realizadas – e o necessário aprofundamento da democracia, na
perspectiva dos trabalhadores – possam estabelecer alianças com uma burguesia historicamente
golpista, antinacional e pró-imperialista”
Em particular quanto ao tema desta pesquisa, percebe-se a fragilidade do ordenamento
jurídico brasileiro, não apenas pela ausência de políticas migratórias de recepção e adaptação
dos imigrantes, mas também pela inexistência de lei que regularize a recepção e a proteção
16 São frequentes as notícias em sítios da Internet sobre casos de xenofobia e agressões a haitianos no Estado do Paraná, seja por questões políticas (FRONTEIRA URGENTE, 2016) ou no ambiente de trabalho (MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NO PARANÁ, 2015).
55
social ao imigrante, mesmo com a significativa elevação dos fluxos migratórios percebida desde
o ano de 2010.
Frise-se, sobretudo, que não foram ratificados relevantes Tratados Internacionais sobre
os imigrantes e sua condição de trabalho no Brasil, tais como a Convenção 143 da Organização
Internacional do Trabalho e a Convenção sobre a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores
Migrantes e membros de sua família da Organização das Nações Unidas, o que indica a ausência
de compromisso efetivo do governo brasileiro com a situação dos haitianos.
Verifica-se, com isso, um ciclo completo em que a dominação, a sujeição, a
vulnerabilidade e a alienação são transferidas do escravo do tempo anterior à abolição ao negro
liberto, ao pobre e, atualmente, ao imigrante, o que é permitido pela negligência do governo
brasileiro que, pela falta de proteção social – seja do Poder Legislativo ou do Executivo, na
esfera federal, estadual ou municipal – historicamente é conivente com a manutenção desta
situação, que identifica uma parte frágil nas relações sociais e a torna passível da exploração
necessária à manutenção do poder da classe dominante.
Esse contexto de desproteção que sujeita os haitianos a condições precárias e à falta de
trabalho ou à renda insuficiente para arcar com as despesas mensais e enviar dinheiro à família
que ficou no Haiti, resulta na frustração que motiva a saída de alguns imigrantes do Brasil,
como relatou o jornal curitibano “Gazeta do Povo” em agosto de 2015, em reportagem com o
título “Haitianos começam a desistir do sonho brasileiro” (GAZETA DO POVO, 2015), o que
decorre de um traço inerente à imigração: a dinamicidade própria da mobilidade e da situação
transitória e instável de um ser humano que se encontra longe de seu país natal, sem expectativa
ou possibilidade de exercer uma vida digna e, portanto, de encontrar a oportunidade de trabalho
que sustentou a decisão de migrar.
A crise econômica brasileira, vivenciada intensamente no ano de 2015, agravou a
situação precária dos imigrantes, resultando na escolha de um novo destino pelos haitianos, o
Chile, “onde o salário mínimo supera o brasileiro em cerca de US$ 100” (FOLHA DE SÃO
PAULO, 2016), como noticiado em 08 de maio de 2016 pela Folha de São Paulo, que indica o
crescimento do movimento de São Paulo e Curitiba até Santiago a partir do final de 2015.
A dinamicidade da migração na atualidade não é vista apenas nessa rotatividade dos
haitianos na busca pelo país com melhores condições de recomeço, mas também por tratativas
internacionais, tais como o Acordo de Residência para Nacionais dos Estados Partes do
Mercado Comum do Sul (Mercosul), Bolívia e Chile, com adesão do Brasil na XXIII Reunião
56
do Conselho do Mercado Comum, evento realizado em 5 e 6 de dezembro de 2002, em Brasília,
com previsão de execução e cumprimento pelo Decreto nº 6.975, de 7 de outubro de 2009.
Considerado “o principal instrumento que regula a livre mobilidade da população
através das fronteiras” (VIOR, 2014, p. 301), o aludido Acordo do Mercosul implica na
mobilidade transfronteiriça, pela qual se constata a necessidade de ampliação da “cidadania
para além do conceito da nacionalidade, e que se garanta dignidade a segmentos com pouca
representatividade social, presos ao medo, à vulnerabilidade, ao espectro do ‘irregular’ que
acompanha muitos desses movimentos nessas porções do território” (MOURA; CARDOSO,
2014, p. 278) em que há divisas.
Com relação aos países do Mercosul, a propósito, cabe destacar a adoção, pela
Argentina, em 2004, e pelo Uruguai, em 2008, do Direito Humano à Migração em seu
ordenamento jurídico, pelo qual “acordo internacional nenhum que esses países assinem pode
frear ou limitar a livre circulação das pessoas” (VIOR, 2014, p. 304).
Eduardo Vior (2014, p. 305) indica como consequência política da adoção do Direito
Humano à Migração o reconhecimento da “plena vigência de todos os seus direitos humanos,
civis, políticos, econômicos, sociais e culturais”, esclarecendo que “o Brasil deve tomar conta
dessa nova situação, mudando a sua legislação de migrações, mas também as condições do
acesso e do exercício da cidadania” (itálico no original).
Cabe esclarecer que “há entre o Brasil e os demais países da América do Sul uma
dimensão de mobilidade transfronteiriça, por movimentos migratórios e por deslocamentos
pendulares para trabalho e/ou estudo” (MOURA; CARDOSO, 2014, p. 277), o que certamente
dinamiza as possibilidades do nativo de tais países, implicando na liberdade de circulação que,
por consequência, necessita da devida regularização.
Neste sentido, Eduardo Vior (2014, p. 301) destaca que pela Diretriz 4 do Plano
Estratégico de Ação Social (PEAS) do Conselho dos Ministros do MERCOSUL, é garantida a
livre circulação entre os indivíduos dos respectivos países, com pleno gozo dos direitos
humanos, com o fim de promover a plena integração dos imigrantes e a proteção aos refugiados,
na tentativa de atender a mobilidade transfronteiriça, que “requer que sejam concebidas e
implementadas políticas adequadas às especificidades da região, particularmente no que se
refere a migrações, mobilidade, trabalho, educação, cultura, entre outras” (MOURA;
CARDOSO, 2014, p. 277).
A dinâmica da mobilidade segue com a identificação do Brasil como destino de
“refugiados de vários países – sendo o maior contingente o de Sírios” (GEDIEL;
57
CASAGRANDE; KRAMER, 2016, p. 23), sendo percebido “um aumento significativo no total
de solicitações de refúgio nos últimos anos, de mais de 2000%” (GODOY, 2016, p. 124).
Neste sentido, Gabriel Gualano de Godoy (2016, p. 125) relata que “a população atual
de refugiados no Brasil alcançou a cifra de 8.487 pessoas. Os principais países de origem dos
refugiados são Síria (2.077), Angola (1.480), Colômbia (1.093), e República Democrática do
Congo (844)”.
A tendência de majoração dos pleitos de refúgio é perceptível pelas estatísticas que
demonstram significativa expansão do número de refugiados, na medida em que o Brasil “se
tornou, nas Américas, o maior receptor de solicitações de asilo submetidos por refugiados
vindos de outros continentes. Em torno de 12.000 mil pessoas solicitaram refúgio em 2014,
enquanto em 2010 o número total de solicitantes era de 550” (GODOY, 2016, p. 124).
O procedimento para concessão do refúgio, contudo, não é simples, a ponto de fazer
com que o colombiano que pretende residir no Brasil utilize o Acordo de Residência do
Mercosul, ao qual a Colômbia aderiu, pois “o processo é mais ágil e menos invasivo. Não é
preciso esperar por entrevista do Conare e depois de dois anos é possível converter residência
temporária em permanente, o que demoraria mais tempo pelo procedimento da lei 9474/1997”
(GODOY, 2016, p. 125).
Verifica-se, com isso, a dinamicidade, a complexidade e a atualidade da migração, tendo
em vista a tendência da mobilidade, da busca por melhores condições, tratando-se de relevante
questão social por diversos aspectos, em especial pela necessidade de aprimorar a qualidade da
recepção do imigrante e do refugiado, tendo em vista suas particularidades que agravam a
vulnerabilidade a qual está sujeito qualquer trabalhador, mesmo o nacional, pois “o capitalismo
brasileiro preservou em sua gênese histórica, traços arcaicos derivados da ordem escravista-
colonial que passaram a estruturar o mercado de trabalho no Brasil (por exemplo, a exclusão
social do trabalhador negro do mercado de trabalho primário)” (ALVES, 2007, p. 273),
resultando num processo de continuidade e descontinuidade de uma exploração do trabalho ao
qual o imigrante é absorvido, em processo de precarização que subsiste em razão das
“limitações que o Estado e a sociedade brasileira enfrentam para a construção da democracia
baseada na igualdade, no reconhecimento da alteridade, no pluralismo jurídico e na superação
de suas origens aristocráticas fundiárias e escravagistas” (MILANO; GEDIEL, 2014, p. 367).
Neste contexto, identifica-se um ciclo promovido por um sistema que despreza, em prol
do lucro, a condição humana e valores como dignidade e liberdade, explorando ao máximo a
produtividade do trabalhador – formalmente livre ou não – para gerar lucro, numa “cultura” de
58
coisificação do trabalhador herdada por todo empregador que utiliza o capitalismo, mas que se
aproveita de instrumentos de vulnerabilidade – isto é, que tornam o trabalhador mais suscetível
à exploração – como as adversidades próprias da imigração, que somam dificuldades de
adaptação, comunicação, moradia e inserção no mercado de trabalho formal, além de ausência
de acesso à previdência e sindicato, ao drama vivenciado em seu país de origem, que motiva a
migração, consistente na violência, na miséria, na instabilidade política e, em especial no caso
do Haiti, o terremoto que ocorreu em 2010, situações que serão analisadas a seguir.
59
2 DO HAITI AO BRASIL: O PERCURSO, A RECEPÇÃO E O PERFIL SOCIAL DO
IMIGRANTE HAITIANO NA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA
Nesta etapa da pesquisa, cumpre analisar trechos dos depoimentos colhidos nas
entrevistas com os imigrantes haitianos que residem na Região Metropolitana de Curitiba, com
o fim de indicar desde logo o perfil social dos entrevistados, o percurso que fizeram ao Brasil
e as dificuldades de adaptação que tiveram com questões como moradia e comunicação.
Levando em conta os dados obtidos em relatórios e estatísticas do Observatório de
Migrações Internacionais e até mesmo notícias e reportagens jornalísticas a respeito da recepção
dos haitianos no Brasil, a parte empírica da pesquisa será desenvolvida para servir de transição
ao capítulo seguinte, que examinará especificamente as condições de trabalho dos imigrantes
entrevistados.
Para uma compreensão mais próxima da realidade do haitiano é necessário destacar a
história do seu país, marcado pela violência, pela pobreza e pela instabilidade política, como
será abordado neste capítulo a partir da obra de Elizeu de Oliveira Chaves Júnior (2008), que
esteve no Haiti e retrata as condições política e econômica do país como causas da tendência
haitiana em migrar desde o início do século XX, isto é, muito antes e independente do terremoto
que ocorreu em 12 de janeiro de 2010.
Assim, há que se analisar os relatos dos haitianos nas entrevistas e as estatísticas que
indicam a normalidade de seus fluxos de migração internacional, principalmente aos Estados
Unidos da América, da mesma forma que é fundamental atentar às relações de política externa
desenvolvidas pelo Brasil – com a pretensão de “fazer parte do Conselho de Segurança das
Nações Unidas” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 74) – a partir de 2004, especialmente na missão
da Organização das Nações Unidas para estabilidade do Haiti, denominada como MINUSTAH,
“sua sigla em francês” (GEDIEL; CASAGRANDE, 2015, p. 98), pois tal atuação brasileira
certamente foi um dos motivos propulsores da escolha pelo Brasil como país de destino dos
haitianos nos fluxos migratórios ocorridos dali em diante.
Além de tais pontos originários da ligação entre os países, o presente capítulo possui
como objetivo demonstrar a existência de um perfil do imigrante haitiano que reside na Região
Metropolitana de Curitiba, definido pelas falas dos sujeitos durante as entrevistas, considerando
para tanto características e informações como a idade, o sexo, o estado civil, a formação e a
profissão exercida no Haiti e no Brasil.
60
Na sequência, será investigada a expectativa dos haitianos entrevistados quanto às
oportunidades de trabalho no Brasil, investigando a existência ou não de atrativos ou
mecanismos empregados para seduzir os imigrantes na escolha pelo país de destino,
identificando a partir das descrições feitas nas entrevistas os percursos realizados, com exame
das distinções entre os meios de viagem, e das peculiaridades relatadas, desde as facilidades e
dificuldades do transporte, até as despesas suportadas, os sacrifícios, as expectativas, os receios,
a insegurança e o desconforto vivenciados no deslocamento até o Brasil.
Com destaque às funções e à atuação do Conselho Nacional de Imigração, a recepção
dos haitianos no Estado do Paraná será demonstrada por meio de notícias dos últimos anos
constantes em sítios da Internet que indicam casos de xenofobia, discriminação e preconceito
racial de alguns brasileiros com os haitianos, o que decorre da herança do sistema escravista,
conforme exposto no primeiro capítulo.
Sopesando-se as respostas dadas nas entrevistas, pretende-se analisar a adaptação dos
haitianos no Brasil, referindo-se principalmente a questões como moradia, comunicação,
cultura e ingresso no mercado formal de trabalho brasileiro, com seus respectivos obstáculos e
peculiaridades como a situação da residência, com quem moram e há quanto tempo deixaram
o Haiti.
2.1 O HAITI E OS HAITIANOS: TENDÊNCIA DE MIGRAR OU NECESSIDADE DE
REFÚGIO?
No estudo da história do Haiti é perceptível que os fluxos migratórios ao Brasil não são
eventos sociais isolados, nem devem ser atribuídos exclusivamente ao terremoto que ocorreu
em 12 de janeiro de 2010, uma vez que em tal país se verifica, nos últimos séculos, “uma das
principais crises de Estado do continente latino-americano e uma das realidades sociais mais
pobres de todo o mundo” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 13), o que culminou na forte ligação
da identidade haitiana “à migração, tanto por questões políticas como por questões econômicas”
(CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 113-114).
É importante atentar que a obra de Elizeu de Oliveira Chaves Júnior é de 2008, isto é,
anterior ao terremoto, e já indicava expressamente a cultura dos haitianos pela migração
internacional, argumento suficiente a rechaçar a perspectiva de que tal evento natural foi o
motivo propulsor da imigração dos haitianos ao Brasil.
61
Após ser “o primeiro país independente do continente americano” (DALMONTE;
VIDAL, 2011, p. 80) e “a primeira república negra do mundo” (MORAES; ANDRADE;
MATTOS, 2013, p. 97), o Haiti sofreu rápida transição econômica, passando “de maior
produtor de açúcar e café do mundo no século XVII, para ser hoje um dos países em decadência
econômica rápida” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 15).
De acordo com Albuquerque Júnior (2016, p. 125), “o Haiti parece, ainda hoje, sofrer
as consequências do isolamento internacional que lhe foi imposto pela França por causa da
revolução haitiana ou da chamada revolta de São Domingo, que promoveu a independência do
país em relação à colonização francesa e pôs fim à escravidão” (ALBUQUERQUE JÚNIOR,
2016, p. 125) e, após sofrer com a colonização francesa e décadas de instabilidade política e
regimes autoritários, com destaque à intensa e frequente violência, resultando na extrema
pobreza, passando a ser considerado, “no século XXI, o país mais pobre do continente
americano” (MEJÍA; CAZAROTTO, 2016, p. 2).
Neste sentido, Elizeu de Oliveira Chaves Júnior (2008, p. 15) indica estatísticas pelas
quais “3,8 dos 8,3 milhões de habitantes passam fome e 47% das crianças com menos de cinco
anos de idade têm problemas de crescimento”, retratando as deficiências estatais que implicam
em condições de miserabilidade e na ausência de desenvolvimento social e econômico do Haiti.
No tocante à formação da etnia haitiana, Chaves Júnior (2008, p. 17) destaca a base de
escravos africanos e a herança de valores e tradições europeias, além da influência cultural da
colonização francesa, expondo, contudo, os obstáculos à constituição de um processo
democrático naquele país em virtude de problemas estruturais e pelo desinteresse gerado pelo
distanciamento dos haitianos do Estado.
A ausência de consolidação da cidadania haitiana é imputada por Elizeu de Oliveira
Chaves Júnior (2008, p. 53-54) aos franceses, que “atraídos pela possibilidade de produção de
açúcar”, prejudicaram e alteraram a estrutura social do Haiti pela colonização, considerada
historicamente como de sucesso sem precedentes.
Contudo, em seu auge, em 1791, a colonização francesa, indicada por Chaves Júnior
(2008, p. 54) como a maior colônia do mundo, com “quase um milhão de escravos”, sofreu com
uma “revolta liderada pelo ex-escravo Toussaint L’Overture, Jean Jacques Dessalines e Henri
Cristophe tomou parte da colônia em parte de um conflito que durou 12 anos (1791-1803)”,
marcada pela violência que acompanharia a história haitiana.
A revolta foi viabilizada pela junção de distintos grupos sociais e raciais que, até então,
viviam em oposição, reunindo-se sob liderança de Toussaint L’Overture para lutar contra a
62
escravidão, obtendo êxito com a abolição em virtude do “momento histórico que a França
passava. Dessa maneira, em 4 de fevereiro de 1794, é aprovado um Decreto abolindo a
escravidão em Santo Domingo” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 55), sendo o primeiro momento
da história em que o Haiti se caracterizou “pelas diversidades e estratificação de sua sociedade”.
A exploração do Haiti passou da França, desde o século XVII, aos Estados Unidos, no
início do século XX, considerando-se o fato de que se tratava de “um vizinho privilegiado
geograficamente” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 60), o Haiti foi ocupado por tropas norte-
americanas entre os anos de 1915 e 1934, com a explicação do governo norte-americano de que
as crises políticas haitianas indicavam a necessidade de manutenção da intervenção militar no
território haitiano. Em que pese o fim da ocupação americana em 1934, “a presença das forças
armadas haitianas, criadas por americanos, permanecem e apoiam a ditadura dos Duvalier que
inicia em 1957 e termina 30 anos depois” (MEJÍA; CAZAROTTO, 2016, p. 4).
Em 1939, evidenciaram-se fluxos migratórios do Haiti para países como Cuba e
República Dominicana, “mesmo com o fim da expansão da indústria açucareira, nesses dois
países” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 103), o que indicou que, com relação aos haitianos, “a
motivação desses movimentos populacionais não se limita à lógica clássica de migração”, isto
é, a imigração haitiana não se limita à procura por trabalho e melhores oportunidades de vida,
mas sim, num primeiro momento, na saída do país.
Essa mobilidade dos haitianos considera “fragilidades relacionadas ao meio ambiente,
repressão e mudanças nos preços de matérias-primas” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 101-102)
que culminam no aumento da pobreza – “no Haiti, 80% da população está abaixo da linha da
pobreza” (MEJÍA; CAZAROTTO, 2016, p. 2), coincidindo com crises políticas e resultando na
elevação dos fluxos migratórios que “são os maiores expoentes de um quadro de degeneração
social” do Haiti, que sofre com outros eventos além da pobreza e do terremoto de 2010, tais
como o “surto de cólera, mostrando que o terremoto não é um acontecimento isolado, ele se
relaciona a outros por diversos motivos, seja pela destruição causada (terremoto e inundação)
ou pela geografia (terremoto e surto de cólera no Haiti)” (DALMONTE; VIDAL, 2011, p. 78).
Para Chaves Júnior (2008, p. 103), a intensidade do movimento migratório aos Estados
Unidos “foi uma das razões da ação norte-americana na forma de ocupação” no Haiti, o que
não foi suficiente para encerrar o fluxo migratório, mas apenas gerar “uma mudança de destino
dos migrantes haitianos”.
Esse êxodo haitiano possui como uma de suas motivações a ausência de dinamismo da
economia haitiana e o fato de que “o Estado não tinha condições de investir em técnicas
63
agrícolas que poderiam incrementar a competitividade e as chances de geração de trabalho no
próprio país” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 103), o que persistiu em virtude da ausência de
sequência política, situação decorrente dos governos provisórios incapazes de criarem projetos
de desenvolvimento econômico.
Essa instabilidade de governantes teve fim em 1957, quando iniciou, contudo, um
governo ditatorial que duraria décadas, denominado como “Dinastia Duvalier”, começando
pela gestão de François Duvalier, conhecido como Papa Doc, “um médico de classe média que
teria apoio dos EUA, temerosos em relação ao avanço de levantes comunistas nas Américas”
(CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 60).
Ainda que com o discreto apoio norte-americano, “a partir da década de 1960, a
economia haitiana baseada na produção de café e açúcar perdeu condições de competitividade
e o país foi incluído nas relações dos países mais pobres do mundo” (CHAVES JÚNIOR, 2008,
p. 61), sendo que a “dependência econômica do Haiti das grandes potências se reflete na
instabilidade política interna, manifesta em divisões e enfrentamentos entre facções políticas”
(MEJÍA; CAZAROTTO, 2016, p. 3), fatores que intensificaram a iniciativa dos haitianos de
deixarem o país e, com isso, elevou os fluxos migratórios, sobretudo aos Estados Unidos.
Dos haitianos que saíram de seu país desde o início do século XX, havia uma distinção
feita pelo Departamento de Estado estadunidense entre imigrantes econômicos e refugiados,
sendo que os últimos, em virtude de sua especial condição, receberiam benefícios e proteção
decorrentes de Convenções da Organização das Nações Unidas, como destaca Chaves Júnior
(2008, p. 104-105), lembrando que “a solicitação de refúgio simbolizava a busca por
sobrevivência”.
É importante ressaltar que mesmo com a atuação do Estado haitiano contrária à
segurança econômica e política, os Estados Unidos e demais países lidavam “com os asilados
políticos como se estes fossem imigrantes econômicos” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 88-89),
o que indica a existência de uma confusão histórica entre os conceitos de refugiado e imigrante.
Esse problema conceitual, existente ainda hoje por imposições burocráticas consistentes
na necessidade de exata adequação da situação para caracterização do estrangeiro que visa à
entrada em país distinto como “refugiado” ou “imigrante”, com foco em na prova da sujeição
à perseguição no país de origem, o que fez com que diversos haitianos fossem presos ao chegar
nos Estados Unidos no ano de 1974, “com o argumento que se tratavam não de refugiados, mas
de indivíduos analfabetos e pobres que buscavam uma vida melhor, sendo, portanto, migrantes
econômicos” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 107).
64
Percebe-se, neste ponto, a necessidade de superação de conceitos legais que limitam o
tratamento destinado ao imigrante ou refugiado, focando-se na situação de vulnerabilidade e
nas necessidades de amparo e hospitalidade. Neste sentido, Gediel, Casagrande e Kramer (2016,
p. 22) enfatizam a condição humana do imigrante, “que espera hospitalidade incondicional e se
depara com a hospitalidade condicionada, obturada pelo performativo jurídico do direito
humanitário, do direito internacional, seus conceitos e instrumentos jurídicos e burocráticos dos
Estados”.
Com a morte de François Duvalier, em 1971, seu filho Jean Claude Duvalier, conhecido
como “Baby Doc”, assume a presidência, mantendo o regime autoritário de seu pai e
intitulando-se como Presidente para a Vida, o que reforçou “a migração e o refúgio como
alternativas frente às dificuldades econômicas e políticas impostas por um regime baseado no
uso extremado da violência” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 107).
Esta época marcou um ciclo de imigrações, especialmente até Miami, nos Estados
Unidos, nascendo um vínculo entre haitianos e os grupos organizadores das viagens, por vezes
“sob um formato de semi-escravidão, no caso de retorno e insucesso. Os novos refugiados
haitianos instalados ali a partir de 1972 estimulariam mais indivíduos a emigrarem para os
EUA” (sic) (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 113).
Os fluxos migratórios foram intensificados em virtude do aumento da violência no final
da Dinastia Duvalier, quando “a massa de refugiados haitianos e também cubanos que
buscavam os EUA provocou uma certa flexibilização permitindo a permanência de vários
indivíduos em solo norte-americano” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 108).
Visando a reduzir os impactos gerados aos Estados Unidos pelas migrações haitianas, a
marinha norte-americana realizou, em 1980, uma “capacitação de militares haitianos para
patrulhar a costa e prevenir a saída de nacionais do Haiti. [...] a única maneira de enfrentar o
problema do refúgio seria lidar com as causas desse fenômeno, ou seja, a violência
institucionalizada no Haiti” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 109).
A instabilidade política do governo autoritário e as situações de violência existentes no
território haitiano persistiram até a saída de “Baby Doc” do poder, quando, a partir de 07 de
fevereiro de 1986, “o Haiti passa a ser gerido por sucessivas administrações provisórias que
não conseguem vencer as dificuldades do Estado haitiano” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 107),
seguindo o quadro instável que propiciava as migrações internacionais como alternativa viável
ao povo.
65
É importante destacar, no entanto, o sofrimento dos haitianos nos Estados Unidos,
sobretudo em virtude do pessimismo econômico lá vivenciado na época, “quando a mídia e
alguns setores da sociedade norte-americana atribuíam à presença de imigrantes as mazelas
sociais, econômicas, inclusive violência urbana e crimes” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 110),
o que restringe as possibilidades do haitiano em território norte-americano.
Neste contexto, os haitianos enfrentaram nos Estados Unidos “novas formas de
violência, o que não mudaria sua expectativa em relação à migração como alternativa de
sobrevivência e melhoria de vida” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 111), e seria objeto de
denúncias feitas por organizações não-governamentais, sobretudo de “situações de demissão e
perseguição no emprego com base no critério de nacionalidade”.
No início da década de 1990, a situação precária do Haiti persiste e se intensifica a
dependência do país “em relação às grandes potências. Dependência causada pela liberalização
comercial e financeira, a presença militar das “missões de paz” das Nações Unidas e o controle
de políticas públicas por parte das instituições financeiras internacionais” (MEJÍA;
CAZAROTTO, 2016, p. 4), o que faz o haitiano entender “a migração como alternativa
nacional, a abdicação de uma cidadania e a busca por outra seriam a principal medida para fugir
dos problemas do país” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 113), o que era evidente pela sequência
do quadro político e econômico instável que fazia com que persistisse a necessidade de um
recomeço em outro Estado-Nação.
Em 1991, a esperança pela instauração de um governo democrático foi frustrada quando,
após vencer uma eleição com 67% dos votos, “Jean-Bertand Aristide, um sacerdote de
esquerda, adepto da teologia da libertação que não desfrutava da simpatia dos Estados Unidos”
(CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 62) sofreu golpe militar, em momento no qual se constatou a
violência extrema no Haiti.
O golpe sofrido por Aristide provocou novo êxodo haitiano, com a utilização de barcos
em condições precárias como transporte, registrando-se nos anos de 1991 e 1992, o resgate de
quarenta e dois mil haitianos “pela guarda costeira norte-americana, número, de acordo com o
Departamento Norte-americano, ainda maior que o de pessoas resgatadas durante a década
anterior” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 63).
Durante o Governo Clinton, sob a justificativa de atender a uma questão humanitária,
“uma ação de autoridades dos EUA acaba interceptando barcos com refugiados haitianos, o que
afetaria mais de 30.000 indivíduos que fugiam da frágil situação de seu país de origem”
(CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 114-115), classificando-os como imigrantes econômicos.
66
É perceptível, neste sentido, que as tentativas dos haitianos de buscar um recomeço em
outros países implicaram na preocupação “da comunidade internacional em projeto de
estruturação do Estado” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 115) do Haiti, de forma a estabilizar a
economia e a política para reduzir os fluxos migratórios, da mesma forma que “a interferência
militar norte-americana coincidia com os imensos contingentes de haitianos que embarcavam
com destino à costa dos EUA na medida em que a violência no país aumentava” (CHAVES
JÚNIOR, 2008, p. 64).
Em 1994, a Organização das Nações Unidas aprovou a Resolução 940, pela qual
“assegurou o uso da força de forma rara, mesmo no contexto das missões aprovadas pelo
Conselho de Segurança” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 65), autorizando o uso de todos os meios
precisos para promover a retirada dos militares do Haiti e, com isso, tentar alcançar a
recuperação do governo eleito em 1991.
Em outubro de 1994, “com a retirada do ‘triunvirato’ que governava o país, o General
Philippe Biamby, Raoul Cedras e o Chefe de Polícia Michel François, há a expectativa de
restauração da democracia” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 65), momento em que se evidencia
a precariedade da democracia haitiana, pois simultaneamente ao retorno de Aristide à
Presidência, forma-se nova aliança de oposição, que nomeia um “candidato como presidente
do governo alternativo” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 67), gerando instabilidade política e atos
de violência.
É importante destacar Ti Manno, um líder do movimento haitiano no exterior, músico
que morava em Nova York e teve relevante função “sobre a diáspora haitiana que, também,
padecia pelo preconceito e pelas dificuldades. Enquanto vivo, Ti Manno bradava contra a
rejeição que sofria da sociedade norte-americana e do ‘mundo’, o que para ele reforçaria a
identidade haitiana e seu orgulho enquanto povo” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 110).
Ainda em época recente e antes mesmo do terremoto, no ano de 2004, persistia a
tradição de saída de haitianos do Haiti, registrando-se que “cerca de 30 indivíduos buscaram
refúgio em Cuba, 62 na Jamaica e mais de 300 na República Dominicana” (CHAVES JÚNIOR,
2008, p. 115), em nova e clara demonstração de que o movimento dos haitianos para outros
países não possui motivação econômica, e sim política.
Após “uma escalada de violência, instabilidade e desordem, Aristide deixa o país de
modo extremamente polêmico e contestado” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 68), e Boniface
Alexandre, Presidente da Suprema Corte do Haiti, “assumiu o comando do país em 29 de
67
fevereiro de 2004 e solicitou ajuda à ONU para contenção da crise” (MORAES; ANDRADE;
MATTOS, 2013, p. 99).
O atendimento da Organização das Nações Unidas se dá pela criação, pelo Conselho de
Segurança das Nações Unidas, da missão de estabilização do Haiti, que seria denominada
Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti, conduzida “desde o princípio pelas Forças
Armadas brasileiras, que também detém o maior efetivo em solo haitiano. Essa atuação
contribuiu para a produção de certa imagem que a população haitiana tem do Brasil, além de
requalificar a posição brasileira no plano da política humanitária” (GEDIEL; CASAGRANDE,
2015, p. 98).
O Brasil foi escolhido como líder da MINUSTAH em razão do “interesse brasileiro por
desempenhar um papel mais atuante após passagens exitosas e amplamente elogiadas pela
comunidade internacional como membro não permanente do Conselho de Segurança”
(CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 69), bem como pela intenção norte-americana de promover a
ação de outros países para evitar novo fluxo migratório à Flórida.
Cumpre salientar que a recepção da aludida missão não é unanimidade entre os
haitianos, sendo que “a Minustah é apontada de reprimir protestos sociais e perpetrar violações
aos direitos humanos, abusos sexuais contra jovens, homens e mulheres” (MEJÍA;
CAZAROTTO, 2016, p. 5), existindo, portanto, movimentos de resistência no Haiti à missão
estabelecida pela Organização das Nações Unidas.
No desenrolar da aludida missão, “o contingente militar de brasileiros no Haiti,
inicialmente com 1.200 homens, significou a maior participação das forças armadas do Brasil
no exterior desde a 2ª Guerra Mundial” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 70), criando impacto nos
haitianos que passaram a reconhecer o Brasil como opção para futuras migrações
internacionais.
A iniciativa brasileira, pautada na tentativa de reforçar sua atuação no cenário
internacional e no objetivo de possuir “um assento permanente no Conselho de Segurança da
ONU surge nesse contexto” (DALMONTE; VIDAL, 2011, p. 79) passou pela necessidade de
uma nova realidade pela qual “todos os países deveriam assumir uma postura ativa nas decisões
internacionais”, e não mais apenas os de primeiro mundo.
Ao contrário dos Estados Unidos, o Brasil age no Haiti de forma amena, com o fim de
“agregar qualidade à situação haitiana e à ação das Nações Unidas” (CHAVES JÚNIOR, 2008,
p. 70), na tentativa de fortalecer “uma identidade entre a América Latina e o Caribe e na
construção de uma agenda comum de desenvolvimento a partir do hemisfério sul”.
68
A missão liderada pelo Brasil teve caráter humanitário, atentando à necessidade do
Haiti, em razão da violência sistêmica sofrida pelo país, “de mecanismos que assegurem a
estabilidade baseada em uma alternativa de mediação, mais pacífica e fundamentada na
vigência de normas e leis e não, mais uma vez, no uso indiscriminado da força” (CHAVES
JÚNIOR, 2008, p. 72), motivo pelo qual foi pertinente a postura brasileira.
O preconceito e a discriminação racial para com os haitianos não são exclusividades dos
brasileiros. Seguindo a ordem dos acontecimentos, em 2005 haitianos refugiados na República
Dominicana foram denunciados pelo “Serviço Jesuíta para Refugiados e Imigrantes. [...] de
acordo com o Serviço vários indivíduos seriam expulsos e deportados apenas com base na cor
da pele e não na verificação de seu status legal” (itálico no original) (CHAVES JÚNIOR, 2008,
p. 116), isto é, sendo ignorada a condição de “refugiados”.
No ano de 2009, o governo brasileiro divulgou comunicado oficial pelo qual estabeleceu
como um de seus principais objetivos enquanto membro eleito do Conselho de Segurança das
Nações Unidas: a estabilidade no Haiti (DALMONTE; VIDAL, 2011, p. 84), sendo que entre
2004 e 2009, o Brasil gastou “cerca de R$ 700 milhões de reais para manter suas tropas em solo
haitiano” (DALMONTE; VIDAL, 2011, p. 69), somando a tais despesas, após o terremoto, “a
ajuda financeira e, em consequência disso, somente nos seis meses que sucederam a tragédia o
Brasil destinou R$ 645 milhões de reais à recuperação do Haiti”.
Na data da tragédia, em 12 de janeiro de 2010, estavam no Haiti aproximadamente mil
e duzentos militares brasileiros, tendo morrido em virtude do terremoto “8 deles, um diplomata,
uma civil e a médica sanitarista Zilda Arns” (DALMONTE; VIDAL, 2011, p. 69). Com relação
ao prejuízo sofrido pelo Haiti, o governo haitiano “estima que 60% dos edifícios administrativos
do governo foram destruídos, assim como 80% das escolas em Port-au-Prince e 60% das escolas
em outras regiões do país” (GEDIEL; CASAGRANDE, 2015, p. 98). O governo haitiano
calcula, também, “que cerca de trezentos e dezesseis mil pessoas tenham morrido e um milhão
e meio tenham ficado desabrigadas” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2016, p. 127).
Além disso, tal evento, “considerado o maior desastre natural das últimas décadas,
contribuiu para reforçar a influência norte-americana no Haiti” (MEJÍA; CAZAROTTO, 2016,
p. 6). Ressalte-se, ainda, que há controle interno por meio de “uma das instituições haitiana-
internacional, a Comissão Interina para a Reconstrução do Haiti (CIRH), constituída após o
terremoto, controlada por grandes potências e organismos internacionais, entre eles destaca-se
os Estados Unidos” (MEJÍA; CAZAROTTO, 2016, p. 6).
69
Nesta análise do Haiti e dos haitianos, cabe salientar a impotência estatal, de modo que
“o fato de ter sido a segunda proclamação da independência em toda a América e de ter sido o
berço de uma revolução que pôs fim à escravidão não foi suficiente para que o país tivesse um
quadro estável e assegurasse patamares sociais mínimos” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 75),
sobretudo em razão do exagerado financiamento de armas pelo Estado, que prejudicou os
investimentos em economia e em questões fundamentais como saúde e educação.
Chaves Júnior (2008, p. 119) considera a instabilidade política como fonte dos
problemas haitianos, apontando questões como “relação difícil com países vizinhos, destruição
do meio ambiente, fragilidade econômica, insegurança social” como motivos que implicam na
insatisfação do haitiano com adversidades como a falta de qualidade de vida e a exacerbada
desigualdade social e econômica.
Em análise da Divisão de População das Nações Unidas realizada no ano de 2005,
constatou-se que naquela época “um de cada 8 haitianos vive fora do país” (CHAVES JÚNIOR,
2008, p. 16), quadro que certamente foi agravado pelo terremoto do ano de 2010, que atingiu a
Capital do Haiti, comprometendo a frágil economia do país, conforme relato descrito por
“Abel”17 ao longo das entrevistas realizadas nesta pesquisa.
Neste aspecto, além da deficiência socioeconômica do Haiti justificar “a escolha de
partir em busca de uma melhor condição de vida e trabalho no exterior, [...] a crise política
interna, as violações aos direitos humanos, a falta de infraestrutura, entre outros, estimulam a
migração” (MEJÍA; CAZAROTTO, 2016, p. 6-7), fatores que aliados ao terremoto de 2010
implicaram na intensificação do fluxo migratório, partindo do Haiti, principalmente aos Estados
Unidos, de modo que “o censo de 2010 contou quase um milhão de haitianos nesse país.
Também há populações na França (77,000), Canadá (74,000), e Bahamas (40,000). Na
República Dominicana, único país a dividir fronteira terrestre com o Haiti, estima-se que haja
entre 500 mil e 800 mil haitianos” (MEJÍA; CAZAROTTO, 2016, p. 7).
A partir de 2010, “um mês após a ocorrência do terremoto, notou-se a presença crescente
de haitianos que cruzavam a fronteira do Brasil, no município de Tabatinga, no Amazonas”
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2016, p. 127), iniciando-se o intenso fluxo migratório de
haitianos ao Brasil.
A consideração ora exposta do histórico do Haiti indica as razões especiais da
vulnerabilidade do haitiano aos processos de precarização de suas condições de trabalho no
17 Tendo em vista pedido dos imigrantes entrevistados, foi assinado compromisso ético de não identificação dos depoentes na pesquisa, motivo pelo qual serão apresentados nomes fictícios.
70
Brasil, uma vez que se percebe a eterna instabilidade política e econômica que reduz
significativamente as possibilidades de autodesenvolvimento ou de superação de uma situação
de miséria.
A situação insustentável do Haiti em virtude da presença constante ao longo de sua
história de violência, golpes militares e miséria tornou a migração internacional um processo
natural ao haitiano, mas um processo que decorre da insatisfação com a condição enfrentada no
país e, portanto, amparado pela pretensão de recomeço, pelo desejo de novas oportunidades de
vida.
O Brasil, como se verificou, surge como opção de destino após o trágico evento natural
de 2010 a partir da imagem exposta naquele país pela função desempenhada na Missão de
Estabilização convocada pela ONU, bem como pela facilidade de ingresso no território
brasileiro e, posteriormente, pela concessão de visto humanitário criado e regulamentado em
consideração ao abalo sofrido pelo Haiti com o terremoto que ocorreu em 2010.
Assim, na próxima seção será iniciada a análise dos depoimentos colhidos nas
entrevistas concedidas pelos haitianos no desenvolvimento desta pesquisa, com o fim de traçar
o perfil social destes imigrantes em relação à Região Metropolitana de Curitiba.
2.2 O PERFIL SOCIAL DOS HAITIANOS NA REGIÃO METROPOLITANA DE
CURITIBA
As entrevistas realizadas nos dias 01 e 02 de abril de 2016 em Curitiba consideraram os
depoimentos de nove imigrantes haitianos que aceitaram responder às perguntas mediante
assinatura do termo de cessão gratuita de direitos de depoimento oral e compromisso ético de
não identificação do depoente, motivo pelo qual os entrevistados serão identificados por nomes
fictícios: Abel (entrevistado 1), James (entrevistado 2), Renato (entrevistado 3), Denis
(entrevistado 4), Sheila (entrevistada 5), Nicolas (entrevistado 6), Júlio (entrevistado 7), Carlos
(entrevistado 8) e Thiago (entrevistado 9).
Primeiramente, é fundamental justificar a delimitação territorial da presente pesquisa na
Região Metropolitana de Curitiba, o que se baseia no Relatório do 1º Trimestre de 2016 do
Observatório de Migrações Internacionais, instituído por termo de cooperação entre o
Ministério do Trabalho e Previdência Social, pelo Conselho Nacional de Imigração, e a
Universidade de Brasília (UnB).
71
No aludido relatório, o Ministério do Trabalho e Previdência Social indica a admissão
de 374 (trezentos e setenta e quatro) haitianos no mercado de trabalho formal do Município de
Curitiba no primeiro trimestre de 2016, sendo este o principal Município em número de
haitianos admitidos no Brasil, o que já dura desde 2014 (CAVALCANTI, 2016, p. 238).
O artigo 164 da Constituição Federal de 1967 previa a possibilidade de a União Federal
estabelecer regiões metropolitanas abrangendo municípios inseridos na mesma comunidade
socioeconômica com a finalidade de realizar serviços comuns. Assim, a Lei Federal
Complementar nº 14, de 1973, dispõe em seu artigo 1º, § 6º, que constituição da região
metropolitana de Curitiba pelos Municípios de Curitiba, Almirante Tamandaré, Araucária,
Bocaiúva do Sul, Campo Largo, Colombo, Contenda, Piraquara, São José dos Pinhais, Rio
Branco do Sul, Campina Grande do Sul, Quatro Barras, Mandirituba e Balsa Nova.
A Região Metropolitana de Curitiba foi alterada, posteriormente, com a inserção de
novos municípios, pelas Leis Estaduais nº 11.027, de 28 de dezembro de 1994; nº 11.096, de
16 de maio de 1995; nº 12.125, de 22 de abril de 1998; nº 13.512, de 21 de janeiro de 2002; e,
finalmente, pela Lei Estadual Complementar nº 139, de 09 de dezembro de 2011.
Assim, atualmente a Região Metropolitana de Curitiba é constituída por 29 municípios:
Curitiba, Adrianópolis, Agudos do Sul, Almirante Tamandaré, Araucária, Balsa Nova,
Bocaiúva do Sul, Campina Grande do Sul, Campo do Tenente, Campo Largo, Campo Magro,
Mandirituba, Piên, Pinhais, Piraquara, Quatro Barras, Rio Branco do Sul, Rio Negro, São José
dos Pinhais, Quitandinha, Tijucas do Sul e Tunas do Paraná.
Neste sentido, cabe destacar que os nove entrevistados desta pesquisa residem em
Municípios que pertencem à Região Metropolitana de Curitiba: São José dos Pinhais, Colombo
Araucária e Curitiba.
Demonstrada a delimitação territorial fixada por critérios socioeconômicos, cumpre
analisar, a partir dos depoimentos colhidos nas entrevistas, o perfil do imigrante haitiano
inserido no mercado de trabalho formal da Região Metropolitana de Curitiba. Para tanto, cabe
considerar questões como idade, sexo, estado civil, língua materna, e profissão dos
entrevistados no Haiti e no Brasil.
Abel possui 32 anos e é casado, mas sua esposa, que estava no Brasil, voltou ao Haiti
em razão das limitações financeiras sofridas aqui. Suas línguas maternas são o kreyól e o
francês. É formado em Direito no Haiti, curso que realiza no Brasil. No Haiti, trabalhava em
organização não governamental e em rede de televisão local, onde editava e dirigia a
72
programação. Chegou a atuar como ator. No Brasil, trabalho no Projeto de Política Migratória
de sua Universidade, recebendo bolsa de um salário mínimo nacional.
James possui 29 anos e é solteiro. Suas línguas maternas são o kreyól e o francês. No
Haiti, era professor de línguas para crianças, enquanto no Brasil trabalha na função de “serviços
gerais” em fábrica de suco, picolé e sorvete.
Renato possui 32 anos e é solteiro. Suas línguas maternas são o kreyól e o francês.
Formado em jornalismo, no Haiti era jornalista e no Brasil trabalha como ajudante de motorista
numa transportadora.
Denis possui 36 anos e é casado, sendo que sua esposa e seu filho, com 6 anos de idade,
estão no Haiti. Por ora, o plano do entrevistado é economizar para pagar a viagem da família
ao Brasil. Suas línguas maternas são o kreyól e o francês. No Haiti, trabalha como pedreiro,
construindo e vendendo casas, enquanto no Brasil sua profissão é de lavador de carros num
estacionamento de São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba.
Sheila possui 41 anos e é casada. Seu marido e seu filho, com 12 anos de idade, estão
com ela no Brasil. Suas línguas maternas são o kreyól e o francês. No Haiti, já havia trabalhado
num hospital, mas estava desempregada há um ano quando veio ao Brasil, onde trabalha como
cozinheira e faxineira num restaurante.
Nicolas possui 27 anos e é solteiro. Suas línguas maternas são o kreyól e o francês. No
Haiti, fazia o curso de ensino superior de contabilidade e era professor de ensino médio,
enquanto no Brasil atua na função de “serviços gerais” em fábrica de produção de amendoim.
Júlio possui 36 anos. É casado e tem uma filha de 04 anos de idade, mas veio sozinho
ao Brasil. Pretende trazer a família assim que tiver condições financeiras. Suas línguas maternas
são o kreyól e o francês. No Haiti trabalhava como mecânico, enquanto no Brasil trabalha como
padeiro e cozinheiro numa panificadora.
Carlos possui 23 anos e é solteiro. Suas línguas maternas são o kreyól e o francês. No
Haiti, estava no segundo ano do curso de Direito e não chegou a trabalhar porque era difícil
encontrar emprego, quando resolveu vir ao Brasil, onde trabalha como auxiliar de produção em
fábrica de ração para animais e faz o curso técnico em logística na Universidade Tecnológica
Federal do Paraná.
Thiago possui 26 anos e é solteiro. Sua língua materna é o kreyól. No Haiti, era professor
de escola primária e no Brasil é cozinheiro num restaurante.
Considerando as informações ora analisadas, percebe-se um perfil social dos imigrantes
haitianos inseridos na Região Metropolitana de Curitiba a partir da “amostra” consistente nas
73
respostas relatadas pelos nove sujeitos da pesquisa que aceitaram conceder a entrevista, com o
que se constata os dados examinados a seguir levando em conta apenas a identificação das
características gerais, uma vez que as condições de trabalho serão analisadas no próximo
capítulo.
Assim, primeiramente, é importante ressaltar que foram entrevistados oito homens e
apenas uma mulher, o que decorre de dois fatores: (a) a maior parte dos imigrantes haitianos
que vivem no Brasil, no Paraná e na Região Metropolitana de Curitiba são homens, e da mesma
forma, a maioria dos presentes nos corredores do Edifício da Reitoria da Universidade Federal
do Paraná na data das entrevistas são homens; (b) apenas uma das seis mulheres procuradas
aceitou conceder entrevista.
Com relação à idade dos imigrantes haitianos entrevistados, percebe-se a delimitação
entre 23 e 41 anos de idade, o que evidencia a prevalência da imigração na juventude, na idade
produtiva, em que há possibilidade de buscar um recomeço em outro país, ao mesmo tempo em
que é pertinente ao empresário que necessita da mão de obra barata que, infelizmente, é o caso
dos vulneráveis imigrantes, pela questão da produtividade.
A produtividade é um fator relevante dos imigrantes que viabiliza a mobilidade e a
disposição ao trabalho, sendo relevante a mão de obra destituída de despesas para criação e
formação de tais trabalhadores, de forma que “o trabalho imigrante traz ganhos consideráveis:
os trabalhadores são criados em seus países de origem, as despesas com seus anos improdutivos
não são pagas pela burguesia que os explora” (LESSA, 2013, p. 74), assim como boa parte dos
imigrantes não traz suas famílias – dos nove entrevistados, apenas Sheila está com a família –,
economizando em despesas como moradia, educação, assistência médica e transporte do país
de destino, que livre de tais despesas conta apenas com a atividade produtiva do imigrante.
É interessante destacar, neste aspecto, que “se no âmbito político os migrantes tendem
a ser vistos como problema social, o que as pesquisas indicam é que cada vez mais os migrantes
internacionais são atores significantes na reconstituição da vida diária, econômica e política das
cidades no mundo” (MEJÍA; CAZAROTTO, 2016, p. 10), pela mão de obra disponibilizada ao
mercado de trabalho sem os custos da idade improdutiva.
Cabe atentar, ainda, às distinções entre as áreas de trabalho e profissão dos imigrantes
no Haiti e no Brasil, existindo clara desvalorização da formação ou da experiência profissional
no país de origem, com a sujeição dos haitianos a funções com menor remuneração ou com
atuações profissionais de maior desgaste ou menor prestígio às suas qualificações, tais como
“serviços gerais”, “auxiliar de produção”, lavador de carro, cozinheiro, faxineiro, entre outras
74
funções em fábricas, restaurantes, panificadoras ou transportadora, que são as profissões dos
entrevistados.
Neste sentido, oportuna a reflexão dos professores José Antônio Peres Gediel e Melissa
Martins Casagrande (2015, p. 107), que questionam se a facilidade da imigração dos haitianos
ao Brasil pelo visto humanitário “não se inscreve na mesma racionalidade da atração de fluxos
migratórios anteriores, para suprir mão de obra para setores que não encontram trabalhadores
nacionais dispostos a realizar tarefas extremamente penosas em condições precárias”.
A mobilidade de tais imigrantes dentro do Brasil foi promovida por interesses
capitalistas, quando “uma parcela de população haitiana que se encontrava no Acre em 2012
começa a ser recrutada por empresas no Sul e Sudeste do Brasil” (MEJÍA; CAZAROTTO,
2016, p. 9), tendo em vista a carência de mão de obra de baixa qualificação em tais regiões,
sendo destacado pelo presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Marcelo
Neri, que a insuficiência de trabalhadores no Brasil nos anos de 2012 e 2013 “está nas
ocupações pouco qualificadas, como trabalho doméstico, construção civil e agricultura”
(SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS, 2013; AGÊNCIA BRASIL – EMPRESA
BRASIL DE COMUNICAÇÃO, 2013; O GLOBO, 2013; JORNAL GGN, 2013), sendo
indicada a ausência de tais profissionais no mercado de trabalho.
Em razão desta carência do mercado, Margarida Rosa Gaviria Mejía e Rosmari
Cazarotto (2016, p. 10) destacam a necessidade de cidades pequenas e/ou do interior “para seu
crescimento econômico do imigrante internacional que exerce atividades manuais, sem muita
qualificação e baixa remuneração”, nas ocupações supracitadas, restando aos imigrantes tais
empregos porque os brasileiros os consideram massacrantes e penosos (ZAMBERLAM;
CORSO; CIMADON; BOCCHI, 2014, p. 15).
Quanto à família, percebe-se que dos nove entrevistados cinco são solteiros, desfrutando
de total liberdade para o recomeço pretendido no Brasil, enquanto quatro deles são casados,
sendo que apenas Sheila está com o marido e o filho no Brasil, enquanto Abel, Denis e Júlio
estão no Brasil sozinhos, tendo Abel o plano de voltar ao Haiti, mas Denis e Júlio pretendem
trazer a família para morar no Brasil quando tiverem condições financeiras para tanto.
Enfim, cabe destacar que indagados sobre a língua materna, oito dos nove entrevistados
afirmaram que é kreyòl e francês. Thiago foi a exceção, relatando que sua língua materna é
apenas o kreyòl. Essa informação torna pertinente ressaltar que no Haiti, “enquanto a elite,
notadamente a econômica, utiliza dois ou mais idiomas – francês e kreyòl – as demais classes,
com raríssimas exceções, só falam o kreyòl que é identificado como um divisor de status social”
75
(CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 86), com o que se verifica um indício de que boa parte dos
haitianos inseridos no mercado de trabalho formal brasileiro não pertence a uma classe pobre
no Haiti.
A percepção desta distinção é relevante para que se considere o elevado número de
haitianos impossibilitados de sair do Haiti por falta de condições financeiras, bem como para
salientar a formação e a experiência da maioria dos imigrantes que estão no Brasil que,
conforme já exposto, não encontram oportunidade em sua área e função de trabalho originais,
tendo que se sujeitar aos empregos destinados a eles pelos brasileiros, notadamente aqueles que
não exigem qualificação, cuja carência foi apontada pelo IPEA (SECRETARIA DE
ASSUNTOS ESTRATÉGICOS, 2013; AGÊNCIA BRASIL – EMPRESA BRASIL DE
COMUNICAÇÃO, 2013; O GLOBO, 2013; JORNAL GGN, 2013).
Pelas análises desenvolvidas neste capítulo, verifica-se a ligação intrínseca entre
imigração e trabalho, uma vez que o imigrante deixa o seu país de origem apenas pela busca
por novas oportunidades de vida, objetivo que, para ser alcançado, precisa, passar pelo trabalho.
Levando-se em conta a situação de fragilidade ou desespero que motiva a imigração, constata-
se a consequente sujeição deste trabalhador às variadas formas de reestruturação produtiva do
capital.
2.3 O PERCURSO DOS HAITIANOS À REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA
Para analisar o percurso e a recepção dos haitianos, compete considerar os relatos
expostos nas entrevistas, levando-se em conta a situação do Haiti antes da migração, o que
motivou a decisão por migrar, quais eram as expectativas de cada entrevistado, o que definiu a
escolha pelo Brasil e, enfim, qual foi o percurso que cada um fez até chegar ao Paraná, inclusive
com menção às dificuldades, custos e peculiaridades da viagem.
De acordo com Margarida Rosa Gaviria Mejía e Rosmari Cazarotto, no início das
migrações ao Brasil, em 2010, os haitianos iniciaram o ingresso no país pelas fronteiras do
norte, em especial “pelo Acre, onde recebem ajuda humanitária organizada pelo governo local
com recursos federais, auxílio de igrejas, sociedade civil e voluntários. A partir de 2012, o
governo estadual [...] lhes deu a documentação necessária para ingressar no mercado de
trabalho”, considerando para tanto a irregularidade da documentação que portavam, inclusive
a ausência de visto.
76
É decorrente dessa recepção entre 2010 e 2013 que os haitianos perceberam a facilidade
do ingresso ao Brasil pelo Acre, o que os motivou “a convidar seus conterrâneos, provocando
o fluxo migratório constante, comparável, conforme o Itamaraty, com a entrada em massa de
japoneses e italianos ocorrida no final do período imperial e início da República Velha”
(MEJÍA; CAZAROTTO, 2016, p. 9).
Com relação aos entrevistados, Abel, que chegou ao Brasil em agosto de 2013 e explica
que “a vida era boa quanto ao trabalho e às condições” até 12 de janeiro de 2010, quando
ocorreu o terremoto. Abel conta que o terremoto aconteceu apenas em Porto Príncipe, capital
do Haiti, mas como o país é pequeno, a economia foi abalada e, com isso, cessaram as
oportunidades de trabalho e estudo.
Esclarece, neste sentido, que a vontade de estudar foi o que o motivou a migrar.
Indagado o objeto de estudo, explica que é formado em Direito e pretendia fazer uma
especialização em Direito Internacional, mas para fins de validação do curso realizado no Haiti,
atualmente é acadêmico de Direito no Brasil.
Abel relata a precariedade do estudo no Haiti, destacando que pretendia aprofundar seus
estudos no Brasil, sendo que sua expectativa era pela oportunidade de especialização, tendo
feito a escolha em virtude de “oferecimento de um visto permanente, pelo qual teve de
preencher um formulário na embaixada do Brasil em Porto Príncipe, no Haiti”.
Menciona, ainda, que tinha muitos amigos haitianos no Brasil, morando atualmente com
dois deles. No percurso até chegar ao Paraná, explica que viajou apenas de avião, vindo de
Porto Príncipe diretamente para São Paulo e de lá até Curitiba, tendo gasto cerca de dois mil
dólares com as passagens, numa viagem que considerou cansativa, apesar de reconhecer que
suas dificuldades no percurso foram apenas financeiras.
A esposa de Abel veio ao Brasil, mas já voltou ao Haiti porque não gostou das
“diferenças daqui, especialmente em razão da limitada situação financeira no Brasil, porque o
salário recebido (salário mínimo nacional) é insuficiente para as despesas”.
Enquanto Abel veio pelo estudo, James, que veio ao Brasil em março de 2015, explica
que no Haiti “não havia expectativa de encontrar trabalho e é muito caro para estudar”,
ressaltando que sofria “com muitas limitações financeiras e com poucas oportunidades de
trabalho”.
Destacando sua paixão pela terra, James relata o interesse pela agronomia e afirma que
decidiu vir ao Brasil porque “acreditava que aqui poderia estudar agronomia”, sendo motivada
77
tal escolha pela expectativa de ter “contato com a terra, aulas de agronomia e oportunidades de
estudo e trabalho”.
James, que não lembra dos custos da viagem, que considerou “demorada e sem
conforto”, relata que seu percurso foi extremamente cansativo: voou apenas de Porto Príncipe
até a República Dominicana, e de lá até o Equador, de onde “pegou um ônibus até o Brasil,
chegando no Estado do Acre. Do Acre, pegou um ônibus até Curitiba”, ressaltando como
dificuldades da viagem “o valor muito caro, o cansaço, a demora, as incertezas e o desconforto”.
No Brasil desde maio de 2013, Renato fala que a vida no Haiti é pobre, sem
oportunidade de trabalho, expondo que a vontade de trabalhar motivou sua decisão de migrar,
escolhendo o Brasil porque “seus amigos diziam que no Brasil tinha muito serviço e era mais
fácil conseguir trabalhar”.
Esperava, portanto, “conseguir trabalhar facilmente” no Brasil, tendo realizado percurso
de avião de Porto Príncipe à República Dominicana e de lá ao Equador, seguindo então de
ônibus ao Brasil, ingressando pelo Acre, onde pegou outro ônibus até Curitiba, destacando a
“falta de conforte e de privacidade, o que tornou a viagem muito cansativa”. Com relação às
despesas da viagem, não lembra o valor, apenas que “foi muito caro”.
Denis chegou ao Brasil em março de 2015. Esclarece que a dificuldade da vida no Haiti
era, principalmente, de ordem financeira em razão da falta de oportunidades: era difícil
conseguir serviço e ganhar dinheiro”, o que aliado à vontade de trabalhar motivou a sua decisão
pela migração, escolhendo o Brasil pela “propaganda de muitos amigos haitianos de que aqui
no Brasil seria muito bom”, pois teria “oportunidade de trabalhar”.
Com relação ao percurso, explica que simplesmente pegou “um avião de Porto Príncipe
até São Paulo e depois um avião de São Paulo para Curitiba”, fazendo uma viagem “muito
cara”, pela qual “teve dificuldades para pagar”, mas não se recorda do valor, nem lembra como
foi a viagem.
Sheila chegou ao Brasil em outubro de 2013, e relata que a vida no Haiti era difícil, pois
“faltava dinheiro, faltava trabalho”, tendo optado pela imigração por “decisão do marido para
procurar trabalho”, com base em “informação de muitos amigos de que no Brasil havia trabalho
de sobra”.
Com a expectativa de encontrar “oportunidades de trabalho para a família”, Sheila veio
ao Brasil seguindo percurso de “avião de Porto Príncipe até o Equador”, seguindo então de
ônibus até o Acre e de lá até Curitiba, destacando como principais dificuldades do percurso “a
falta de conforto, dormir em qualquer lugar, não ter a intimidade respeitada”, o que teria sido
78
“muito triste”. Indagada sobre os custos da viagem, não soube especificar o valor, mas afirmou
que “foi muito caro”.
Nicolas veio ao Brasil em setembro de 2014, e questionado sobre a motivação de sua
decisão pela migração, ressaltou “o problema do terremoto que deixou difícil a vida no Haiti,
tendo escolhido o Brasil porque “muitos amigos falaram que mais fácil ir ao Brasil”, tendo
expectativa pela possibilidade de estudo.
No percurso, a viagem de avião foi de Porto Príncipe ao Panamá, e de lá ao Equador,
seguindo então de ônibus até o Acre e, finalmente, um segundo ônibus a Curitiba, mencionando
dificuldades financeiras e a falta de conforto e comodidade na viagem, que levou dias, foi muito
longa, não lembrando de valor exato dos custos da viagem, apenas que “foi muito caro”.
Júlio chegou ao Brasil em julho de 2015 em busca de “oportunidade de emprego”, do
que sentia falta no Haiti. Relata que “queria conhecer o Brasil, gosta do futebol do Brasil” e sua
expectativa era pelo emprego, destacando os brasileiros e, mais uma vez, o apreço pelo futebol.
Com relação ao trajeto, explicou que pagou mais de cinco mil dólares para vir ao Brasil,
fazendo todo o percurso de avião: de Porto Príncipe até São Paulo, e de lá até Curitiba, numa
viagem que considerou muito cara.
Carlos veio ao Brasil em maio de 2015, por considerar o estudo no Haiti caro e porque
lá “não havia empresas para trabalhar”. Sua escolha pelo Brasil foi feita porque “em outro país
demoraria mais para conseguir o visto e seriam exigidos mais documentos. De acordo com
amigos, no Brasil seria rápido para conseguir o visto”, motivo pelo qual as expectativas com
relação ao brasil eram pela “facilidade para o visto e oportunidade de trabalho”.
Da mesma forma que a maior parte dos entrevistados, Carlos fez o percurso de “avião
de Porto Príncipe até Equador, e dali em diante de ônibus, passando pelo Acre, até Curitiba”,
considerando o deslocamento muito cansativo, relatando como principal dificuldade enfrentada
no trajeto a demora, pois foram dias de viagem, mas fez tal opção porque era a mais barata, em
que pese não lembre do valor gasto na empreitada.
Thiago chegou ao Brasil em março de 2015, e relata que no Haiti era “muito difícil
conseguir emprego”, resolvendo migrar pela “necessidade de trabalhar”. Escolheu o Brasil
porque seu irmão já trabalhava aqui e “falou que aqui seria fácil conseguir emprego”.
Apesar de não lembrar do valor da viagem, afirma que pagou “muito caro”, ressaltando
que o percurso “muito demorado” foi feito de “avião de Porto Príncipe até o Peru, e de lá outro
avião até o Equador. Depois disso foram oito dias de ônibus até Curitiba”. Sobre as dificuldades
da viagem, destaca a demora para chegar ao Brasil.
79
Analisando o percurso relatado, percebe-se que a tendência é uma viagem demorada, de
aproximadamente oito dias, que por esta razão é cansativa e, sempre, muito cara – característica
mencionada por todos, ainda que não recordassem o exato valor desembolsado com o
transporte, o que indica o sacrifício realizado pelo imigrante haitiano para vir ao Brasil,
privando-se de conforto, privacidade para fazer a demorada e exaustiva viagem que, na maior
parte dos casos, é feita de ônibus a partir do Equador a Curitiba.
O imigrante deixa a terra natal e a companhia de familiares e amigos para arriscar a
busca pela oportunidade de trabalho em virtude da crise econômica e da consequente “falta de
empresas para trabalhar” no Haiti, de modo que a expectativa indicada pela maior parte dos
entrevistados é pela possibilidade de encontrar emprego no Brasil, esperança baseada em relatos
de amigos.
Neste item, destaca-se a busca de alguns haitianos pelo estudo, com relatos da falta de
oportunidade de aprofundar a formação no Haiti. Existe, portanto, a clara pretensão de
determinados imigrantes de realizar uma especialização no Brasil, principalmente em virtude
das restrições do sistema educacional haitiano.
Além disso, as respostas acima expostas indicam a existência de uma “oferta” brasileira
que atrai os imigrantes haitianos, influenciando a escolha pelo Brasil, consistente no que alguns
denominam como “propaganda” feita por amigos e familiares que residem e trabalham aqui,
além da indicação de facilidades para obtenção do visto de trabalho, fator relevante para a vinda
de Abel e Carlos, tendo o primeiro conseguido visto permanente ainda no Haiti, o que
certamente serve como fator motivador da opção de migração ao Brasil.
Percebe-se, desta forma, que os imigrantes haitianos “no Brasil depositam a esperança
de arrumar emprego e estabilidade financeira. Grande parte dos haitianos no Brasil diz ter
optado por este país pelo tamanho de sua economia e as possibilidades de emprego” (MEJÍA;
CAZAROTTO, 2016, p. 8).
Considerando-se que James, Renato, Sheila, Nicolas, Carlos e Thiago, isto é, seis dos
nove entrevistados, fizeram de ônibus o percurso do Acre até o Paraná, percebe-se a pertinência
de ressaltar questionamento dos professores José Antônio Peres Gediel e Melissa Martins
Casagrande (2015, p. 107) sobre a realização de triagem em tal Estado, distante “das regiões
mais desenvolvidas e industrializadas do Brasil, para onde posteriormente os migrantes são
encaminhados por meio de transporte ofertado pelo próprio governo brasileiro, ou se deslocam
por vários meios de transporte custeados por empresários das regiões Sudeste e Sul”,
80
evidenciando-se o procedimento pelo qual se encontram trabalhadores imigrantes
“interessados” em atuar, por exemplo, em frigoríficos e construções civis.
Ademais, é fundamental levar em conta o contexto brasileiro no ano de 2010, enquanto
os haitianos sofriam com as consequências do terremoto, quando “as baixas taxas de
desemprego do Brasil, naquele momento, tornavam difícil a contratação de trabalhadores
brasileiros para determinados setores de produção, em que o trabalho é extremamente penoso,
tais como frigoríficos, construção civil [...] e movelaria” (GEDIEL; CASAGRANDE, 2015, p.
99).
Desta forma, verifica-se o quadro brasileiro que promoveu a oferta, sedutora sobretudo
se considerada a caótica situação dos haitianos e “a produção de certa imagem que a população
haitiana tem do Brasil” (GEDIEL; CASAGRANDE, 2015, p. 98) em virtude do comando da
missão da ONU para estabilização do Haiti, o que justifica a opção dos haitianos pelo Brasil e
o intenso fluxo migratório recebido desde o início da década, o que é atribuído também ao
“terremoto de 2010, e perante as dificuldades de migrar para os Estados Unidos e a Europa”
(MEJÍA; CAZAROTTO, 2016, p. 7).
2.4 A RECEPÇÃO E AS INSTITUIÇÕES DE ACOLHIMENTO AOS IMIGRANTES
HAITIANOS.
A migração internacional implica, em regra, no rumo ao desconhecido, ao confronto ou
ao mero contato e à adaptação com, no mínimo e em regra, cultura e língua distintas do país de
origem. O trabalhador imigrante se sujeita ao povo nativo do país de destino em situação similar
à narrada por Norbert Elias18 em “Os estabelecidos e os outsiders” (2000, p. 19), pois
frequentemente os nativos estigmatizam os imigrantes “como pessoas de menor valor humano”,
entendendo-se como “humanamente superiores”.
Em identificação harmônica com as ideias ora expostas, Elias (2000, p. 19) exemplifica
o sentido literal de “aristocracia” como “um nome que a classe mais alta ateniense, composta
de guerreiros que eram senhores de escravos, aplicava ao tipo de relação de poder, que permitia
a seu grupo assumir a posição dominante em Atenas”.
18 Em que pese a evidente distinção com relação ao marco teórico desta pesquisa, cumpre esclarecer a pertinência da referência à obra “Os estabelecidos e os outsiders” (2000), de Norbert Elias, neste momento, tendo em vista a possibilidade de análise da situação que é objeto do trabalho, notadamente pela perspectiva do imigrante como “outsider” em relação ao nativo como “estabelecido”.
81
No que diz respeito à recepção dos imigrantes no Brasil, destaca-se notícia do Ibope
Inteligência (2016) no sentido de que “50% da população brasileira considera negativa a vinda
de trabalhadores estrangeiros para o país”, o que decorre de pesquisa pela qual 2002 brasileiros
foram entrevistados no mês de outubro de 2015, tendo metade dos ouvidos se manifestado
contrários à inserção de imigrantes no mercado de trabalho brasileiro, enquanto 39%
consideram positiva a imigração e 11% não souberam responder a questão.
Ao indicar a reprovação da presença de imigrantes trabalhando no Brasil por 50% dos
entrevistados, a pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência evidencia a tendência existente na
indiferente, exploradora ou excludente recepção do imigrante pelos brasileiros, que implica em
casos de discriminações e preconceitos que caracterizam xenofobia, violência e trabalho
precário, agravados na situação dos haitianos em virtude do racismo.
Atentando aos problemas ora mencionados, sobretudo diante da vulnerabilidade
analisada no primeiro capítulo, a proteção social específica a imigrantes, refugiados e apátridas
no Estado do Paraná possui atores envolvidos, desde membros do Ministério Público do
Trabalho a professores e alunos de Universidades, com projetos como o Programa Universidade
Brasileira e Política Migratória e as aulas de português para estrangeiros Centro de Línguas da
Universidade Federal do Paraná, além de profissionais voluntários atuando em organizações
não governamentais como a Casa Latino-Americana, a Pastoral do Migrante e a Linyon.
Neste cenário, cabe ressaltar a criação do Conselho Estadual dos Direitos dos
Refugiados, Migrantes e Apátridas do Paraná, por meio da Lei Estadual nº 18.465, de 24 de
abril de 2015, para auxílio na realização e na fiscalização de políticas públicas em favor de
refugiados e migrantes no Estado, com o fim de proteger os direitos dos imigrantes, além da
inauguração programada para ainda este ano de “um Centro Estadual de Informação para
Migrantes, Refugiados e Apátridas, que vai prestar informações e orientações especializadas”
(DEPARTAMENTO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA, 2016).
Com abrangência nacional, o Decreto nº 86.715/1981 criou em seu artigo 142 o
Conselho Nacional de Imigração (CNIg), disciplinando em seu artigo 144 as atribuições como,
entre outras, a orientação e coordenação das atividades de imigração, a criação de objetivos
para a elaboração de políticas migratórias e o fomento do estudo de problemas referentes à
imigração.
Contudo, tal entidade possui atribuições de natureza capitalista, como a criação de
normas para selecionar imigrantes com o fim de “proporcionar mão-de-obra especializada aos
82
vários setores da economia nacional e à captação de recursos para setores específicos”, como
dispõe o artigo 144, inciso III, do Decreto nº 86.715/1981.
O Conselho Nacional de Imigração possui, ainda, de acordo com o artigo 144, inciso
VI, do Decreto supracitado, a função de realizar levantamento periódico das carências de mão-
de-obra estrangeira qualificada, com o fim de admitir imigrantes em caráter permanente ou
temporário.
Em que pese tal crítica, cabe ressaltar a atuação positiva do Conselho, em especial
quanto ao teor de sua Resolução Normativa 97, de 13 de janeiro de 2012, que em atenção ao
fluxo migratório de haitianos previu a concessão de visto permanente condicionado à prova de
vínculo laboral no prazo de cinco anos, por razões humanitárias especificadas como o
“agravamento das condições de vida da população haitiana em decorrência do terremoto
ocorrido naquele país em 12 de janeiro de 2010” em seu artigo 1º, parágrafo único, enquanto o
artigo 2º, parágrafo único, limita a mil e duzentos o número de vistos concedidos por ano.
Posteriormente, a Resolução Normativa 117, de 12 de agosto de 2015, prorrogou a vigência da
Resolução 97 até 30 de outubro de 2016.
Merece destaque, também, entre as atividades positivas do Conselho Nacional de
Imigração, a organização do “Guia de informação sobre trabalho aos haitianos” (2012), na
língua portuguesa e em kreyól, com relevantes informações destinadas aos haitianos sobre os
documentos necessários para trabalhar, noções sobre a Carteira de Trabalho, contrato de
garantia, férias e rescisão de contrato, entre outras relevantes questões trabalhistas.
Com atenção à condição de imigrantes, refugiados e imigrantes no Brasil, “somente na
década de noventa o país passou a reconhecer refugiados de continentes para além da Europa”,
como registra Gabriel Gualano de Godoy, afirmando que “a política brasileira de proteção a
refugiados como a conhecemos tem história muito recente” (GODOY, 2016, p. 113), o que
implicou na preocupação com as políticas públicas destinadas à recepção, acolhimento e
integração que motivou a “implementação” sofrida pelo Estatuto dos Refugiados de 1951 por
meio da Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, que criou em seu artigo 11 o Comitê Nacional
para os Refugiados (CONARE), “órgão governamental responsável pela elegibilidade e pelas
políticas para promover a integração dos refugiados no país” (GODOY, 2016, p. 114), presidido
por um representante do Ministério da Justiça, de acordo com o artigo 14, inciso I, da Lei
supracitada.
83
Em 11 de novembro de 2015, por meio de Despacho Conjunto do Ministério do
Trabalho e Previdência Social e do Ministério da Justiça, assinado pelo Presidente do Conselho
Nacional de Imigração, Paulo Sérgio de Almeida, pelo Presidente do Comitê Nacional para os
Refugiados (CONARE), Beto Ferreira Martins Vasconcelos, e pelo Diretor do Departamento
de Estrangeiros, João Guilherme Lima Granja Xavier da Silva, foi concedida permanência
definitiva no Brasil a 43.871 (quarenta e três mil, oitocentos e setenta e um) haitianos, inclusive
com divulgação pública de lista com o nome de todos os beneficiários do aludido despacho19,
sendo que “mesmo que nem todos os processos sejam deferidos, a equipe administrativa do
Conare precisou lidar com os trâmites de um total de quase 50 mil casos. De modo que a
estrutura do Conare precisa preparar-se para lidar com a nova escala de demandas” (GODOY,
2016, p. 126).
Além destes casos devidamente registrados, de imigrantes haitianos que vieram de
maneira regular, obtendo o visto diretamente na “Embaixada do Brasil em Porto Príncipe,
muitos outros chegaram no país em situação irregular. Um grande número de haitianos tem
pedido refúgio, desde o terremoto de janeiro de 2010, muitos com a finalidade de regularizar
temporariamente seu status migratório” (GODOY, 2016, p. 126).
A concessão de permanência definitiva aos 43.871 (quarenta e três mil, oitocentos e
setenta e um) haitianos foi amplamente divulgada pela mídia, sobretudo pela Folha (2015) e
pelo G1 – Globo (2015), que arredondando os números e sem informações científicas ou
esclarecimentos necessários sobre as condições e peculiaridades da vida dos haitianos, geraram
repercussão prejudicial, o que pode ser percebido pelos comentários realizados por leitores na
notícia do Portal G1 – Globo, com clara demonstração de xenofobia, preconceito racial e ódio
motivado por ideologia política.
É fundamental destacar o relatório “Sistema de Refúgio brasileiro – Desafios e
perspectivas”, elaborado pelo Ministério da Justiça (2016) diretamente pelo então Presidente
do CONARE, Beto Ferreira Martins Vasconcelos, com a indicação das solicitações de refúgio
entre 2010 e 2015, com o que se verifica o número crescente de pedidos, elevando-se
intensamente entre 2012, ano em que foram feitos 4.022 (quatro mil e vinte e dois) pleitos, e
2013 e entre 2013, quando atingiu a marca de 17.631 (dezessete mil, seiscentos e trinta e um),
e 2014, com 28.385 (vinte e oito mil, trezentos e oitenta e cinco) pedidos, mantendo média
19 A lista está disponível para consulta nos sítios do Ministério do Trabalho e Previdência Social e do Ministério da Justiça, nos seguintes endereços eletrônicos: http://acesso.mte.gov.br/cni/conselho-nacional-de-imigracao-cnig.htm; www.justica.gov.br/estrangeiros/lista1
84
similar em 2015, consistente em 28.670 (vinte e oito mil, seiscentos e setenta) solicitações, com
a indicação de um aumento de 2.868% de pedidos entre os anos de 2010 e 2015.
Saliente-se, ainda, que, de acordo com o aludido relatório, até 20 de março de 2016,
haviam 48.371 (quarenta e oito mil, trezentos e setenta e um) pedidos de refúgio de haitianos,
prevalecendo entre os solicitantes, entre os anos de 2010 e 2015, a faixa etária entre 18 a 59
anos e a prevalência do gênero masculino, com 80,8% dos postulantes.
O relatório (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2016) prevê, também, medidas para o
fortalecimento do Sistema Nacional de Refúgio, tais como a necessidade de aprovação do
Projeto de Lei de Migrações, a manutenção do Programa de Vistos humanitários para cidadãos
haitianos, o fortalecimento do CONARE por meio de unidades descentralizadas,
fortalecimentos de recursos humanos e racionalização e fluxos e processos, além da integração
local com soluções duráveis como o acesso à documentação, cursos de português e
empreendedorismo, acesso a direitos sociais e o reassentamento de refugiados junto a países
europeus ou por intercâmbio com o Canadá.
Com relação à integração local, Gabriel Gualano de Godoy (2016, p. 122) esclarece que
há dificuldade na discussão de tal tema pelos membros do CONARE, com raras sugestões de
solução pelos Ministérios que o compõem, de forma que “o sistema segue dependente do
ACNUR e das entidades da sociedade civil, Cáritas e IMDH, na formulação de propostas sobre
integração local” (GODOY, 2016, p. 122).
Com relação ao Conselho Nacional de Imigração, cumpre destacar que sua atuação é
regulada, também, pelo Decreto nº 840, de 22 de junho de 1993, que em seu artigo 1º, incisos I
e II, prevê a competência da referida entidade para formular a política de imigração, além de
coordenar e orientar as atividades de imigração, o que indica a abrangência das ações possíveis
ao Conselho com o fim de melhorar as condições de vida dos imigrantes.
Neste contexto da organização do Conselho Nacional de Imigração, verifica-se a
pertinência de destacar que o elevado fluxo migratório de haitianos, a partir de 2010, assim
como os refugiados que chegaram nos últimos anos, “põe à prova as ultrapassadas instituições
e a legislação brasileiras, que condicionam acolhimento e a inserção social de migrantes em
situação de vulnerabilidade embasada em princípios de Direitos Humanos e do Direito
Humanitário” (GEDIEL; CASAGRANDE; KRAMER; 2016, p. 23-24).
Para progredir com esse quadro da recepção dos imigrantes no Estado do Paraná e, em
especial, na Região Metropolitana de Curitiba, merece destaque o Projeto Migrações, Refúgio
e Hospitalidades, que possui como principal finalidade colaborar com a criação de uma “política
85
migratória, que altere a atual política institucional do Estado brasileiro, [...] que acolha os
pressupostos da proteção integral dos migrantes e refugiado e se inscreva na perspectiva
filosófica da hospitalidade e da afirmação desses sujeitos políticos” (GEDIEL;
CASAGRANDE; KRAMER; 2016, p. 28).
O aludido Projeto registra o atendimento jurídico concedido 181 imigrantes e refugiados
nos anos de 2014 e 2015, dos quais 84% são haitianos (GEDIEL; CASAGRANDE; KRAMER;
2016, p. 29-31), enquanto nas aulas de português do curso de Letras da Universidade Federal
do Paraná destinada ao Projeto, foram 637 alunos haitianos atendidos nos anos de 2014 e 2015,
o que destaca a predominância desta nacionalidade entre imigrantes e refugiados na Região que
é objeto da delimitação territorial desta pesquisa, bem como a relevante proteção social
destinada pela Universidade.
A recepção dos imigrantes com hospitalidade deve ser uma das prioridades do governo
brasileiro, paranaense e curitibano, competindo ao Conselho Nacional de Imigração a
instituição de políticas migratórias que atentem e possibilitem a superação das dificuldades de
adaptação e dos riscos de exploração, em específico no caso em exame, do haitiano, por se
tratar da nacionalidade estrangeira em maior número no mercado de trabalho formal brasileiro,
paranaense e curitibano.
Merece atenção, também, a necessidade de criação “de Centros de Trabalho e Migração,
para discutir, analisar e intervir na produção de espaços de trabalho digno para esses migrantes
e refugiados” (GEDIEL; CASAGRANDE; KRAMER; 2016, p. 34), com o fim de superar a
“questão do trabalho escravo e do trabalho precarizado, que atinge grande parte de refugiados
e migrantes”.
2.5 A ADAPTAÇÃO: AS DIFICULDADES COM MORADIA E COMUNICAÇÃO
Com base nas entrevistas, foi possível perceber que, em regra, os haitianos passam
dificuldades na obtenção de moradia, emprego e na adaptação com a língua portuguesa. Dos
nove entrevistados, constatou-se que Abel é o que possui melhores condições, o que decorre de
sua formação no país de origem e também da sua profunda ligação com uma universidade
brasileira, onde realiza curso de ensino superior, mas ainda assim sofre com restrições
financeiras, vivendo com apenas um salário mínimo nacional mensal, motivo pelo qual sua
esposa teve de voltar ao Haiti. Lembrando que sofreu com a comunicação nos primeiros seis
meses que ficou no Brasil, Abel conta que melhorou muito com o curso de língua portuguesa
86
feito no Centro de Línguas da Universidade Federal do Paraná desde agosto de 2014, onde
lecionou kreyól.
Abel mora em apartamento alugado junto a dois amigos que já viviam no Brasil quando
ele chegou, motivo pelo qual teve essa facilidade para encontrar um imóvel para residir, mas
relata que há dificuldade para pagar o aluguel em virtude da insuficiência de seu salário,
esclarecendo que há neste ponto uma grande distinção com o Haiti, onde pagava apenas uma
vez por ano, considerando o gasto mensal com moradia complicado, principalmente em razão
do valor, pois considera que “gasta muito para alugar uma casa”.
Lembrando que lhe foi exigido fiador ou seguro-fiança para o contrato de locação,
desabafa sobre a complexidade de encontrar alguém que as imobiliárias aceitem para cumprir
tal condição, afirmando que “a vida é muito diferente aqui e tem como viver melhor no Haiti
mesmo com as limitações de oportunidade e renda, pois as despesas são menores lá”, criticando
a insuficiência da remuneração para o pagamento das despesas mensais, razão pela qual não
pretende ficar no Brasil, mesmo tendo visto permanente, planejando voltar ao Haiti depois de
fazer uma especialização, que cursará após a conclusão dos seus estudos de ensino superior.
Enfrentando obstáculos semelhantes para conseguir alugar a casa onde mora com o
primo, James relata que a exigência do fiador e o alto valor do aluguel são os principais
empecilhos à fixação da moradia, destacando a crise financeira encontrada no Brasil e a
dificuldade para conseguir emprego e estudar agronomia, não tendo até então atingido o
objetivo de lidar com a terra em virtude das inesperadas restrições financeiras que sofre no
Brasil.
Relata, ainda, limitações na comunicação com os brasileiros, estudando língua
portuguesa no curso oferecido a imigrantes no Centro de Línguas da Universidade Federal do
Paraná, aos sábados, desde janeiro de 2016. Em que pese as adversidades encontradas, James
pretende aproveitar o visto permanente que obteve facilmente graças ao auxílio de advogados
voluntários da Casa Latino-Americana (CASLA), para aprender agronomia, como planejado
ainda quando estava no Haiti, e posteriormente casar no Brasil.
A mesma persistência não se percebe em Renato, que pretende voltar ao Haiti assim que
tiver dinheiro suficiente para pagar pela viagem, embora tenha visto permanente desde março
de 2016, obtido depois de quase dois anos, graças aos advogados voluntários da Casa Latino-
Americana.
Reclamando principalmente da grande dificuldade para conseguir emprego, Renato
conta que passou quase dois anos desempregado, demonstrando indignação, também, com o
87
elevado peço da moradia brasileira, o que divide com outras três pessoas. Além disso, afirma
que sofreu limitações com a comunicação nos primeiros meses no Brasil e as superou graças
ao curso de língua portuguesa no Centro de Línguas da Universidade Federal do Paraná, no
qual estuda desde o início de 2015.
Demonstrando a religiosidade haitiana, mesmo tendo apenas um visto provisório obtido
pelo auxílio de uma Pastoral, Denis espera ficar no Brasil em definitivo, pois é feliz aqui e
pretende ter contato com a Igreja brasileira. Ressalta a necessidade de guardar dinheiro para
trazer a esposa e o filho, que ainda estão no Haiti e “virão quando Deus quiser”, pois está com
dificuldade para reunir o alto valor da viagem, sobretudo “porque no Brasil tudo é caro”.
Relata que em razão das exigências da imobiliária, sobretudo pela necessidade de
apresentar fiador e em razão do alto valor cobrado na locação de imóveis, foi com muita
dificuldade que conseguiu alugar o apartamento onde mora com seu irmão. Com relação à
língua portuguesa, afirma que sofre até hoje pelas limitações de compreensão, tanto para
entender o que os outros dizem como ser compreendido, o que o motivou a fazer o curso do
Centro de Línguas da Universidade Federal do Paraná desde agosto de 2015.
Quanto à realidade brasileira, Denis lembra que levou quase um ano para conseguir um
emprego, afirmando, porém, que tem esperança de, no futuro, conseguir comprar terrenos e
construir casas no Brasil para vender, como fazia no Haiti.
Sheila mora com o marido, o filho e um casal de amigos em apartamento alugado após
superarem obstáculos impostos pela imobiliária, sobretudo a necessidade de fiador e o elevado
valor do aluguel. Demonstrando a fé haitiana, conta que economiza o possível para arcar com
as despesas da família, “sempre com fé em Deus”.
Tendo um visto provisório obtido junto a uma organização não governamental que não
soube identificar, Sheila descreve suas dificuldades no Brasil com a comunicação, o que
melhorou com as aulas no Centro de Línguas da Universidade Federal do Paraná, com as
despesas mensais e com ofensa sofrida na rua, que preferiu não especificar, mas que seria uma
das razões para voltar ao Haiti com a família, objetivo que motiva a economia de dinheiro para
arcar com o elevado valor da viagem.
A situação de Nicolas é parecida, pois apesar de ser solteiro e não ter filhos, demorou
muito tempo para conseguir um emprego e sofre com restrições financeiras que o motivam a
voltar a morar no Haiti, o que fará assim que tiver dinheiro para pagar a viagem. Esclarecendo
que o único motivo pelo qual ainda não voltou é financeiro, afirma que “se tivesse dinheiro,
voltaria hoje ao Haiti”, mesmo tendo obtido visto permanente depois de muito tentando.
88
Nicolas divide com três amigos o aluguel de um apartamento, cujo valor é caro. Quanto
à adaptação ao Brasil, diz que sofreu para se comunicar com os brasileiros nos primeiros meses,
mas melhorou com o curso de língua portuguesa do Centro de Línguas da Universidade Federal
do Paraná, do qual é aluno desde novembro de 2015.
Júlio, que mora com o irmão em apartamento alugado com facilidade, também possui
visto permanente, mas não sabe explicar como conseguiu, destacando que gosta muito do
Brasil, motivo pelo qual pretende trazer a mulher e a filha, que estão no Haiti, para morar aqui
“depois que passar a crise”, pois a atual situação financeira impede a viagem.
Com relação à comunicação, relata que teve facilidade para se adaptar à língua
portuguesa, pois sabe falar espanhol, melhorando a situação por meio das aulas do Centro de
Línguas da Universidade Federal do Paraná.
O mais jovem dos entrevistados, Carlos, que mora com dois amigos que já haviam
alugado o apartamento residem e, portanto, não teve dificuldade para obter a moradia, relata
que agendou a data de 20 de maio de 2016 para retirar o visto permanente, acrescentando que
levou três meses para conseguir emprego no Brasil, mas quer voltar a morar no Haiti e,
futuramente, pretende estudar em outros países.
No tocante aos problemas de comunicação, relata que teve dificuldades no início, mas
comprou um dicionário de língua portuguesa para lidar com isso, além de fazer o curso do
Centro de Línguas da Universidade Federal do Paraná desde o final de 2015.
Único dos entrevistados que mora sozinho, Thiago conta que paga aluguel a uma
brasileira, não tendo indicado dificuldades com a moradia porque não teve que lidar com
imobiliária, mas sim diretamente com a proprietária do imóvel. A exclusividade entre os
entrevistados também é de Thiago com relação à situação de permanência no Brasil: sem visto,
está tentando regularizar a situação, mas não sabe dizer se continuará morando no Brasil, pois
por enquanto não tem planos. Para superar os problemas na comunicação, faz curso de língua
portuguesa no Centro de Línguas da Universidade Federal do Paraná.
Analisando as respostas concedidas pelos entrevistados, constata-se que os nove
entrevistados alugam o imóvel onde moram, sendo marcante o transtorno para encontrar um
fiador ou realizar o seguro-fiança exigido pelas imobiliárias, problema apontado por quatro dos
entrevistados, enquanto seis deles reclamaram do elevado valor do aluguel, sendo pontual a
declaração de Abel no sentido de que “gasta muito para alugar uma casa” no Brasil.
Apenas um dos entrevistados mora sozinho, enquanto os demais moram com amigos,
primos ou irmãos, sendo que apenas Sheila mora com o cônjuge e o filho. Os outros
89
entrevistados casados e com filhos vieram ao Brasil sem a família, mas pretendem trazê-los
quando a situação financeira possibilitar, ponto no qual se percebe que “as relações familiares
representam mecanismos de proteção social determinantes entre os imigrantes. Sabem que para
se sustentar precisam do ingresso de todos os membros da família. Entram em estados
depressivos por não conseguir trazer a família junto” (MEJÍA; CAZAROTTO, 2016, p. 13).
Na questão da regulamentação da situação de permanência dos entrevistados no Brasil,
predomina o visto permanente, obtido por seis deles, enquanto dois possuem o visto provisório
e apenas um ainda possui pendência a regularizar neste aspecto, sendo unanimidade o auxílio
de organizações não governamentais para tanto, destacando-se a Casa Latino-Americana e com
uma menção da Pastoral do Migrante no procedimento para obtenção do visto, indicado como
demorado.
É alarmante o choque sofrido entre a expectativa de trabalho e oportunidades de estudo
com a realidade encontrada pelos imigrantes no Brasil, predominando a descrição da inesperada
crise financeira e da dificuldade para conseguir emprego, que chegou a quase dois anos no caso
de Renato, sendo este o fator que impede o retorno dos que desejam voltar ao Haiti, bem como
dos entrevistados que pretendem trazer a família ao Brasil.
Os problemas de adaptação com a língua portuguesa são apontados por oito dos
entrevistados, sendo perceptível que não se trata de restrição apenas na “comunicação
linguística, é um problema de comunicação cultural” (MEJÍA; CAZAROTTO, 2016, p. 15). É
unanimidade entre os oito entrevistados que indicaram problemas de comunicação a melhora
da situação com o passar do tempo e graças ao curso realizado no Centro de Línguas da
Universidade Federal do Paraná, frequentados pelos nove entrevistados, pois as entrevistas
aconteceram nos corredores das salas de aula do nono andar do Prédio da Reitoria, local onde
ocorrem as aulas. Apenas Júlio relata facilidade na comunicação com os brasileiros, explicando
que já sabia falar espanhol, mas ainda assim frequenta o curso supracitado.
Cumpre recordar que a dificuldade para a compreensão da língua portuguesa implica
em graves situações das mais distintas espécies, sobretudo quando “precisam de atendimento
médico ou acesso a outros serviços sociais básicos” (MEJÍA; CAZAROTTO, 2016, p. 15),
restando desamparados pela incapacidade de comunicação pelo idioma local.
Indagados sobre a expectativa para o futuro, cinco dos entrevistados afirmam que
pretendem voltar ao Haiti, explicando o que impede o retorno imediato é o valor da viagem e a
situação financeira no Brasil, que prejudica a economia do montante necessário para pagar o
deslocamento. Três dos entrevistados, contudo, pretendem seguir no Brasil, sendo que Denis e
90
Júlio querem, inclusive, trazer a família (esposa e filhos) que está no Haiti para morar com eles
aqui, o que será realizado quando conseguirem reunir dinheiro o suficiente para pagar a viagem.
Apenas Thiago demonstra indefinição quanto ao futuro.
Pela análise realizada no presente capítulo, iniciando-se com o caótico histórico do
Haiti, marcado pela violência e pela instabilidade política e econômica, constata-se a situação
de extrema vulnerabilidade do imigrante haitiano ao sistema capitalista, pois sua situação indica
a carência de estabilidade ou segurança suficientes para gerar uma oposição significativa à
exploração, sendo inevitável a sujeição ao trabalho precário diante da inexistência de alternativa
que possibilite ao trabalhador haitiano rejeitar o empregador que tenta lhe impor uma jornada
de trabalho excessiva, um salário aviltante e demais condições precárias.
A situação descrita é agravada pelas dificuldades com comunicação, adaptação e
moradia, de forma que o imigrante haitiano acaba tragado pela precarização que prevalece no
Brasil, em situação que não ocorre por acaso, e sim pela articulação de empresários das Regiões
Sul e Sudeste que, em virtude da carência de mão de obra para serviços de baixa qualificação
nos anos de 2012 e 2013, promoveram o transporte de tais trabalhadores haitianos,
aproveitando-se da fragilidade da legislação destinada à proteção específica do imigrante e da
ausência de políticas públicas com finalidade de recepção, adaptação e inserção do imigrante
no mercado de trabalho formal brasileiro.
Neste sentido, será analisada a seguir, no terceiro capítulo, a mobilidade realizada pelo
capital com o trabalho precário do imigrante à Região Metropolitana de Curitiba, favorecida
pela desproteção jurídica e social que permite a exploração do trabalho, com a demonstração
de tal cenário a partir da consideração das entrevistas realizadas na pesquisa.
91
3 A MOBILIDADE DO CAPITAL: DO TRABALHO PRECÁRIO À (DES)PROTEÇÃO
JURÍDICA E SOCIAL DO IMIGRANTE NA REGIÃO METROPOLITANA DE
CURITIBA
O desenvolvimento do primeiro capítulo desta dissertação abordou a história da abolição
da escravatura ao longo do século XIX, indicando o caráter escravista do Estado e da sociedade
brasileira, as políticas e a ideologia do “branqueamento” e da seletividade de imigrantes, que
faz imperar até hoje o preconceito e a discriminação racial que fatalmente prejudica a recepção
e a inserção do imigrante haitiano no mercado de trabalho formal brasileiro.
Além disso, no primeiro capítulo foi abordada a escassez de mão de obra nacional que
tornou necessária a “importação” de trabalhadores provenientes de outros países, que na
condição de imigrantes não desfrutavam da hospitalidade ou de políticas migratórias de
inserção e adaptação.
Na realidade, percebe-se que a maior parte dos fluxos migratórios sofre, no Brasil, com
uma recepção focada na exploração das condições de trabalho pelo capital, isto é, a perspectiva
dos empresários nacionais do país de destino é semelhante à visão do fazendeiro do século XIX
com relação aos escravos, no sentido de que lidará com uma mão de obra estrangeira,
desamparada pelo Estado e, portanto, passível de abusos e indiferença.
Cabe destacar que a maioria dos imigrantes haitianos inseridos no mercado de trabalho
formal brasileiro se encontram nos Estados do Paraná e de Santa Catarina, conforme indica o
Relatório do 1º Trimestre de 2016 do Observatório de Migrações Internacionais do Ministério
do Trabalho e Previdência Social (2016), onde se vislumbra uma predisposição não apenas ao
preconceito e à discriminação racial, mas também social, o que é evidente pela postura que
prevalece em tais Estados com relação a questões políticas, sociais e ideológicas, tais como o
movimento “O Sul é o meu país” ou expressões hipócritas como “República de Curitiba”, em
situação que agrava o descaso com a recepção e a adaptação ao imigrante pelo perfil fascista
que não predomina, mas existe em meio à população brasileira.
Esse contexto sujeita o imigrante haitiano ao processo de reestruturação produtiva do
trabalho articulado pelo capital, resultando no trabalho precário. É importante esclarecer que o
92
objeto desta pesquisa consiste nas condições de trabalho do imigrante haitiano na Região
Metropolitana de Curitiba, com destaque à fragilidade própria da situação do sujeito que resta,
com isso, vulnerável à exploração que flexibiliza seus direitos trabalhistas. A pesquisa, no
entanto, não se destina ou propõe o entendimento de que não há outras espécies de direitos
violados além dos trabalhistas ou que não há restrição a direitos de trabalhadores brasileiros.
Cumpre esclarecer que há, sim, diversos direitos de imigrantes lesados, além dos
referentes ao Direito do Trabalho, da mesma forma que os trabalhadores brasileiros e os
imigrantes de outros países também sofrem com condições de trabalho precário. Há, no entanto,
a opção da pesquisa pela delimitação referente ao haitiano como sujeito em análise, tendo em
vista a predominância de tal nacionalidade no Brasil, no Estado do Paraná e na Região
Metropolitana de Curitiba diante das origens dos demais imigrantes.
A distinção entre o trabalhador nativo e o imigrante já foi abordada em outros
momentos, mas cumpre repetir que, em que pese o brasileiro também esteja sujeito ao trabalho
precário – situação que será analisada oportunamente, por ocasião da análise da xenofobia
motivada pela condição econômica do trabalhador nativo e de sua perspectiva do imigrante
como concorrente que ameaça sua vaga no mercado de trabalho –, o estado de vulnerabilidade
do imigrante possui agravantes, como a ausência de uma “rede de proteção primária que é a
família” (STAMM, 2013, p. 18), pois a maior parte dos haitianos vem ao Brasil sozinhos, não
tendo a quem recorrer, além das dificuldades para providenciar documentação, se adaptar com
a comunicação e obter moradia.
É perceptível, também, na “migração da força de trabalho” (ALVES, 2007, p. 103), a
existência de “homens e mulheres despossuídos” sofrendo com “fluidez e liquidez,
deslocamento e migração: eis o “destino” dos proletários da civilização do capital”, em
circunstâncias que demonstram a grave sujeição do imigrante ao trabalho precário.
Assim, cumpre esclarecer o entendimento de que a exploração articulada pelo capital
existe e persiste em todos as relações de trabalho, mas é agravada nos casos em que há algum
fator que torna o trabalhador mais vulnerável, como é o caso da imigração, possibilitando a
precarização das condições de trabalho pela superexploração, com imposição de jornadas
exaustivas, não pagamento ou atraso dos salários, férias, 13º, horas extras, adicionais devidos,
não recolhimento de FGTS, ausência de registro na Carteira de Trabalho, entre outras espécies
de descumprimento dos direitos trabalhistas.
Entre os atores envolvidos na situação dos imigrantes haitianos inseridos no mercado
de trabalho formal da Região Metropolitana de Curitiba, cabe destacar o papel daqueles que
93
avocam a função de proteção social específica a imigrantes e refugiados, tais como professores
e alunos que trabalham nos Programas da Universidade Federal do Paraná, e os voluntários
(assistentes sociais, advogados, psicólogos, entre outros profissionais) que atuam na Pastoral
do Migrante, no Projeto Linyon, na Casa Latino-Americana, entre outras organizações não
governamentais.
Além disso, o papel do Ministério Público do Trabalho no Paraná merece relevo na
pesquisa, tanto pelo envolvimento com os projetos universitários e com as organizações não
governamentais, atuando na prevenção à exploração das condições de trabalho do imigrante e
do refugiado, quanto em virtude da repressão existente pela fiscalização, realização de termos
de ajustamento de conduta e pelo ajuizamento de ações judiciais com o fim de punir e cessar
abusos contra trabalhadores imigrantes.
Outrossim, a pesquisa examinará as normas do ordenamento jurídico brasileiro
aplicáveis ao imigrante, bem como os Tratados Internacionais da Organização Internacional do
Trabalho e da Organização das Nações Unidas destinados à proteção do imigrante, e a
existência ou não de ratificação, pelo Brasil, de tais Convenções.
A partir da análise das condições de trabalho dos imigrantes haitianos entrevistados, o
presente capítulo abordará um aspecto específico do capitalismo, consistente no que Jean Paul
de Gaudemar (1977, p. 28) define como “mobilidade de trabalho” para exploração do imigrante
pelo capital em razão de sua vulnerabilidade, processo que inicia pela atração ou oferta
examinada no segundo capítulo pela situação do país de origem do imigrante, seguindo com a
ausência de políticas migratórias que propiciem a recepção e a adaptação adequadas,
acolhedoras e emancipadoras, características necessárias à prevenção da sujeição do imigrante
ao trabalho precário.
3.1 O TRABALHO PRECÁRIO DO IMIGRANTE: ANÁLISE DAS CONDIÇÕES DE
TRABALHO DO IMIGRANTE HAITIANO NA REGIÃO METROPOLITANA DE
CURITIBA
Considerando os depoimentos constantes nas entrevistas dos imigrantes haitianos
inseridos no mercado de trabalho da Região Metropolitana de Curitiba, cujo perfil social já foi
analisado no segundo capítulo, cumpre atentar, agora, às condições de trabalho descritas nas
entrevistas realizadas para amparar esta pesquisa.
94
Para tanto, cumpre frisar que a presente investigação considera os haitianos
entrevistados como inseridos no conceito de “classe trabalhadora” de Marx, ao qual Ricardo
Antunes (2013, p. 101) atribuiu expressão com “validade contemporânea”, definindo como a
“classe-que-vive-do-trabalho”.
Nesta classe, que apresenta noção ampliada de classe trabalhadora, estão incluídos, entre
outros, “o proletariado precarizado, o subproletariado moderno, part time, [...] além dos
trabalhadores desempregados, expulsos do processo produtivo e do mercado de trabalho pela
reestruturação do capital e que hipertrofiam o exército industrial de reserva” (ANTUNES, 2013,
p. 103-104) do desemprego estrutural. Esclarece-se, portanto, que os imigrantes haitianos
entrevistados se encontram inseridos nessa categoria de Marx redefinida por Ricardo Antunes.
A aludida classe se encontra envolvida de alguma maneira a “um processo que possui
uma irremediável dimensão histórica determinada pela luta de classes e pela correlação de
forças políticas entre capital e trabalho” (ALVES, 2007, p. 114), que é o processo de
precarização do trabalho, que “atinge os proletários sujeitos de direitos e que hoje são vítimas
da ‘flexibilização do trabalho’, sendo usurpados pelo poder das coisas ou pelas leis de mercado.
A precarização é um atributo modal da precariedade” (ALVES, 2007, p. 115).
Desta forma, cumpre esclarecer que o processo de precarização “é a explicitação da
precariedade como condição ontológica da força de trabalho como mercadoria. A precarização
possui um sentido de perda de direitos acumulados o decorrer de anos pelas mais diversas
categorias de assalariados” (ALVES, 2007, p. 114).
De acordo com Giovanni Alves (2007, p. 126), esse processo de precarização,
materializado pela flexibilização do trabalho, não se limita a impor a violação de direitos e a
intensificação da exploração do trabalhador, estabelecendo também a expansão do número de
desempregados dispensáveis, pelos quais “se revigora a cultura do trato e com ela as condições
sociais adversas que propiciam e facilitam o seu recrutamento por meio de formas não
contratuais de trabalho, portanto, para o trabalho servil” (MARTINS, 2012, p. 160). Desta
forma, verifica-se que “a precarização é síntese concreta da luta de classes e da correlação de
forças políticas entre capital e trabalho” (ALVES, 2007, p. 114-115).
Com relação à discussão política, Alves (2007, p. 149) esclarece que o neoliberalismo
é “uma forma de Estado político. Por isso é que, entra governo e sai governo, a dinâmica
neoliberal continua se impondo. A constituição da precariedade e o processo de precarização
do trabalho é reflexo da nova estatalidade política neoliberal que surge com o capitalismo
global” (ALVES, 2007, p. 149).
95
Na análise dos conceitos das categorias nas quais se percebe a identificação do imigrante
haitiano, consistentes na classe-que-vive-do-trabalho, de Ricardo Antunes (2013, p. 101), e na
precarização a qual está sujeito o trabalhador imigrante, cumpre atentar às descrições das
condições de trabalho dos haitianos entrevistados na pesquisa.
Examinando as respostas concedidas nas entrevistas, vê-se que Abel relatou que é
estagiário na Universidade em que estuda, atuando no Projeto de Política Migratória há um ano,
com jornada de 20 horas semanais, sem intervalos entre as jornadas diárias de 4 horas, de
segunda-feira à sexta-feira, com descanso aos sábados e domingos, pela qual possui bolsa no
valor de um salário mínimo nacional mensal. Antes disso, foi professor voluntário de kreyòl do
Centro de Línguas da Universidade Federal do Paraná.
Com visto permanente de trabalho, Abel não possui registro em sua Carteira de Trabalho
porque sua atividade se trata de estágio, sendo o único dos entrevistados sem vínculo de
emprego, tendo a função de auxiliar no atendimento aos imigrantes, especialmente com a
comunicação, de modo que não há perigo, nem atividade penosa ou insalubre que tenha que
desempenhar.
Indagado se percebe diferenças no tratamento a nativos e imigrantes por empregadores,
Abel descreveu diversas situações que tem conhecimento de abuso sofrido pelo haitiano, que
trabalha em jornadas de trabalho exaustivas, não recebe horas extras e tem renda inferior aos
brasileiros que atuam na mesma função e na mesma empresa.
Abel considera o tratamento de seus colegas de estágio, e as condições de higiene e
conservação do ambiente de trabalho muito bons, afirmando que possui sanitário e refeitório
disponíveis no local.
Em virtude das aulas de kreyòl, Abel conta que em 2015 foi convidado por alguns
sindicatos para auxiliar na comunicação com outros haitianos, sendo tal convite seu único
contato com sindicatos. Abel considera muito precárias e limitadas a assistência e proteção ao
imigrante do governo brasileiro, afirmando que se sente amparado apenas pela Universidade
Federal do Paraná.
Professor de línguas para crianças quando morava no Haiti, James demorou seis meses
– entre março e agosto de 2015 apenas procurou emprego – para encontrar trabalho no Brasil,
atuando desde então como “serviços gerais” de uma fábrica de suco, picolé e sorvete, atuando
com as máquinas que fazem o suco e o picolé, o que não apresenta perigo nem consiste em
atividade penosa ou insalubre.
96
Apesar de ter visto permanente de trabalho e Carteira de Trabalho, o empregador não
quis registrá-lo. Indagado sobre o motivo pelo qual aceitou a ausência de registro, explicou que
como levou seis meses para conseguir o trabalho, anuiu com a informalidade por entendê-la
melhor que o desemprego.
Com relação a diferenças no trabalho entre imigrantes e brasileiros no tratamento do
empregador, James afirma que ele e o outro haitiano que trabalham na fábrica são os únicos
que não são registrados, precisam chegar ao trabalho antes dos demais empregados e “acredita
que recebe menos que os colegas”, dos quais no início recebia tratamento “ruim, mas
melhorou”.
O ambiente de trabalho da fábrica é considerado muito limpo por James quanto à higiene
e à conservação, tendo refeitório, mas não disponibilizando sanitário aos trabalhadores. A
jornada de trabalho do depoente é de segunda-feira à sexta-feira, das 07:00 às 17:00 horas, com
intervalos para almoço apenas quando termina a produção imposta pela manhã, e descanso aos
sábados e domingos. Recebe um salário mínimo nacional, que não sabe dizer se é o piso de sua
categoria. Quando precisa trabalhar mais, a empresa paga hora extra.
James afirma que nunca teve informações sobre previdência social, nem sindicato,
relatando que foi auxiliado pela Casa Latino-Americana (CASLA) para obter o visto
permanente e pela Universidade Federal do Paraná no Centro de Línguas.
Formado em jornalismo e atuando como jornalista no Haiti, Renato veio ao Brasil em
2013 e passou quase dois anos procurando emprego, trabalhando desde março de 2015 como
ajudante de motorista de uma transportadora, sem registro na Carteira de Trabalho, tendo como
atividade o auxílio ao motorista, fazendo o carregamento e descarregamento dos produtos
transportados.
Apontou como principal diferença prejudicial ao imigrante com relação ao trabalho
nativo o impedimento do exercício da função de motorista, o que, de acordo com seu
empregador, decorre do fato de ser haitiano, o que faz com que trabalhe pelo mesmo período
de tempo que seus colegas, mas receba remuneração inferior.
A jornada de trabalho de Renato é das 08:00 às 20:00 horas, com uma hora de intervalo
para almoço, mas dependendo da entrega, pode permanecer mais tempo trabalhando. Em
algumas semanas, não possui o descanso semanal remunerado, pois seu regime de trabalho
compreende o descanso em sábados e domingos alternados.
Esclarece que o tratamento dos colegas de trabalho brasileiros é normal, bem como que
o ambiente de trabalho é o caminhão da empresa, que não possui sanitário e refeitório
97
disponíveis, e não realiza atividades penosas, insalubres ou perigosas, pois apenas carrega e
descarrega produtos do caminhão.
Renato possui remuneração mensal de um salário mínimo nacional, não recebendo horas
extras, ainda que seja necessário trabalhar por mais horas. O depoente nunca teve contato com
sindicatos e não tem conhecimento sobre a previdência social, esclarecendo que recebeu
assistência da Universidade Federal do Paraná, da Casa Latino-Americana – que o auxiliou na
obtenção do visto permanente –, e da Pastoral do Migrante, entidades pelas quais se sente
amparado.
Quando vivia no Haiti, Denis trabalhava como pedreiro, comprando terrenos,
construindo casas e as vendendo. No Brasil, após procurar emprego por quase um ano, trabalha
há dois meses num estacionamento como lavador de carros. Possui visto provisório e Carteira
de Trabalha, mas seu empregador não aceita registrá-lo. Indagado porque aceita tal condição,
afirmou que é necessário porque o Brasil está em crise e levou quase um ano para achar o
emprego.
Afirma que recebe tratamento amistoso dos colegas de trabalho, onde tem amigos,
inclusive da igreja, mas percebe discriminação por parte do empregador, pois os colegas
brasileiros podem ir para casa ao final do expediente no horário normal, enquanto o depoente
tem que terminar de lavar todos os carros “do dia”, o que as vezes leva mais de duas horas.
Neste sentido, relatou que em regra sua jornada de trabalho é das 08:00 às 18:00 horas,
de segunda à sexta, e aos sábados das 08:00 às 12:00 horas, tendo o descanso semanal
remunerado aos domingos. A principal indignação do depoente é que seu empregador apenas
lhe permite sair almoçar ou ir para casa ao final do expediente quando não há mais carros para
lavar. Se há muitos carros para lavar ao meio dia, Denis fica sem o intervalo intrajornada.
Descrevendo o ambiente de trabalho com relação à higiene e à conservação, Denis o
classifica como normal, relatando que não há sanitários nem refeitório disponíveis e que não
realizar atividade penosa, perigosa ou insalubre, pois apenas lava carros, sem contato com
produtos químicos perigosos.
Como remuneração, Denis recebe um salário mínimo nacional mensal, sem comissões
por carro lavado e sem pagamentos pelas horas extras trabalhadas, informando sabe do que e
trata a previdência social, pois não recebeu nenhuma orientação a respeito e não tem acesso a
nenhum sindicato, recebendo auxílio apenas da Universidade Federal do Paraná para a
comunicação pelas aulas de português no Centro de Línguas e da Casa Latino-Americana para
obter o visto provisório.
98
Sheila, a única mulher entrevistada, já trabalhou em hospital no Haiti, mas estava
desempregada há mais de um ano quando veio ao Brasil, onde demorou quase dois anos para
conseguir emprego. Trabalha há dez meses como cozinheira e faxineira de um restaurante, onde
percebe discriminação por ser mulher pela diferença da jornada de trabalho com relação aos
homens, pois precisa trabalhar mais e ganha menos que o marido. Além disso, por vezes o olhar
dos homens lhe ofende.
Relatando que possui visto provisório e Carteira de Trabalho, Sheila faz a ressalva de
que o dono do restaurante não fez o registro do contrato de trabalho, nem vai fazer. Indagada
sobre o motivo pelo qual não reclama desta situação, afirma que prefere não falar sobre isso.
Informa, ainda, que apenas haitianos trabalham no restaurante sob comando de um casal de
brasileiros, donos do restaurante, motivo pelo qual não tem como apontar diferenças no
tratamento dos empregadores entre brasileiros e imigrantes.
Com jornada de trabalho das 16:00 às 02:00 horas, de terça-feira a domingo, com
descanso semanal remunerado na segunda-feira. Sheila “tem que limpar tudo antes de ir” para
casa, trabalhando direto, sem intervalos, desempenhando funções como cozinhar, lavar a louça
e limpar o chão e as mesas, não realizando atividades penosas, insalubres ou perigosas, tendo
como remuneração um salário mínimo nacional mensal, sem receber horas extras, por mais que
trabalhe. Ressalta, porém, que seu marido ganha o mesmo valor e trabalha apenas até a meia
noite.
O ambiente de trabalho de Sheila possui sanitário e refeitório, sendo ela a responsável
pela limpeza, motivo pelo qual considera o local muito limpo com relação à higiene e à
conservação. A depoente não possui acesso à previdência social e nunca entrou em contato com
o sindicato, pois acha que nunca precisou. Quando precisa resolver situações de saúde, Sheila
vai ao hospital de saúde do bairro, onde o atendimento é muito bom.
Sheila acha que não há proteção ao imigrante no Brasil, se sentindo desamparada pelo
governo brasileiro porque não recebeu auxílio para encontrar moradia quando chegou ao Brasil
ou em outros momentos em que passou dificuldade, fazendo a ressalva de que a Universidade
Federal do Paraná é a instituição que procura para fazer as aulas de português e uma organização
não governamental a auxiliou com a obtenção do visto provisório.
Nicolas trabalhava como professor de ensino médio no Haiti. Após vir ao Brasil,
demorou para conseguir um emprego em fábrica de produção de amendoim onde trabalha há
aproximadamente um ano operando as máquinas, sem realizar atividades penosas, insalubres
99
ou perigosas. O depoente possui visto permanente e Carteira de Trabalho com registro do
empregador.
Para ele, o ambiente de trabalho é normal em relação à higiene e à conservação, tendo
sanitário e refeitório disponíveis, não percebendo diferenças no trabalho com relação aos
brasileiros no tratamento dos empregadores e considerando normal o tratamento dos colegas de
trabalho.
A jornada de trabalho de Nicolas é de segunda à sexta e dois sábados por mês, das 13:30
horas às 22 horas, com uma hora de intervalo intrajornada, recebendo como remuneração
mensal o valor de um salário mínimo nacional, não recebendo horas extras mesmo quando tem
que trabalhar além do horário normal.
Sem contato com sindicatos e sem acesso à previdência social, Nicolas considera que
há pouca assistência ao imigrante no Brasil, sentindo-se amparado pela Universidade Federal
do Paraná, pelas aulas de português no Centro de Línguas.
Júlio trabalhava no Haiti como mecânico. No Brasil, trabalhou alguns meses como
pedreiro, mas achava muito ruim. Por indicação de um amigo, passou a trabalhar na padaria,
onde está há oito meses e é muito bom de trabalhar. O depoente possui visto permanente de
trabalho e registro na Carteira de Trabalho.
Na padaria Júlio cozinha pães e bolos, não realizando atividades penosas, insalubres ou
perigosas, e não percebendo diferenças no trabalho com relação aos trabalhadores brasileiros,
afirmando que é muito bem tratado por eles e que o ambiente de trabalho é muito bom em
relação à higiene e à conservação, contando com sanitário e refeitório disponíveis ao
trabalhador.
Sua jornada de trabalho é de segunda-feira à sexta-feira, das 07:00 às 18:00 horas, com
uma hora de intervalo intrajornada, ao meio dia, descansando aos sábados e domingos. Preferiu
não especificar o valor da remuneração, dizendo apenas que “é um pouquinho, não é muito não.
Não chega a mil”, mas esclareceu que recebe horas extras quando precisa trabalhar a mais.
Relatou que tem acesso à previdência social e recebe orientações de seus empregadores,
tendo acesso também ao sindicato, embora nunca tenha precisado. Afirma, ainda, que há auxílio
ao imigrante no Brasil, e que “apenas o senhor Jesus está com o depoente na rua”.
Carlos não chegou a trabalhar no Haiti, pois era difícil encontrar emprego. Por isso,
apenas estudava lá, fazendo o curso de Direito. No Brasil, trabalha há seis meses como auxiliar
de produção em fábrica de ração para animais, atuando diretamente na máquina, jogando a
matéria-prima para fazer a ração, com equipamento de proteção individual sobre o qual recebeu
100
instruções para o uso. Possui registro na Carteira de Trabalho, e faz curso técnico em logística
da Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
Afirma que recebe tratamento normal dos colegas de trabalho brasileiros, mas percebe
diferença dos empregadores, pois “tem haitiano que faz o mesmo trabalho que os brasileiros e
não ganha a mesma coisa”. O depoente, porém, acha que recebe o mesmo valor que os colegas
brasileiros. Sua remuneração mensal é de um salário mínimo nacional e “não faz horas extras”,
pois não é permitido.
A jornada de trabalho de Carlos é de segunda-feira à sexta-feira, das 08:00 às 17:48
horas, com uma hora de intervalo intrajornada ao meio dia, com descanso aos sábados e
domingos. Relata que o ambiente de trabalho é normal quanto à higiene e à conservação,
possuindo sanitário e refeitório disponíveis.
Não possui acesso à previdência social, nem ao sindicato, nem recebe orientações do
empregador a respeito, considerando que só há assistência ou proteção ao imigrante no Acre e
afirmando que não se sente protegido pelo governo brasileiro, pois “para conseguir
documentação os haitianos têm que trabalhar para conseguir pagar, tudo é cobrado. Só no Acre
há auxílio com alimentação”.
Thiago era professor de escola primária no Haiti, enquanto no Brasil trabalha há dez
meses como cozinheiro num restaurante, sem realizar atividade penosas, insalubres ou
perigosas. Conta que já trabalhou em outro restaurante brasileiro, que possui registro na Carteira
de Trabalho e que sua jornada de trabalho é de terça-feira a domingo, das 23:00 às 07:00 horas,
sem intervalos.
Afirmando que não há diferenças no tratamento do empregador entre trabalhadores
imigrantes e brasileiros, Thiago relata que recebe tratamento normal dos colegas e que
considera muito bom o ambiente de trabalho em relação à higiene e à conservação, afirmando
que possui sanitário e refeitório disponíveis no local.
A remuneração mensal de Thiago é de mil reais e ele não recebe horas extras. Indagado
se é respeitado o piso da categoria, afirma que não sabe o valor mínimo para a função de
cozinheiro. Possui acesso normal à previdência social e recebe orientação da empresa a respeito,
mas não sabe do que se trata o sindicato.
Questionado sobre a proteção ao imigrante no Brasil, afirma que “tem gente que ajuda,
que gosta de falar sua língua”, mas não soube especificar a origem da assistência, respondendo
que não percebe auxílio de nenhuma instituição quando indagado sobre amparo do governo
brasileiro e de outras instituições.
101
Da análise de todas as respostas às perguntas das entrevistas, percebe-se que os
imigrantes haitianos presentes na Região Metropolitana de Curitiba são jovens, em
consideração a faixa de idade dos entrevistados entre 23 e 41 anos, e saudáveis, tendo em vista
que apenas Sheila precisou de atendimento de um posto de saúde e nenhum dos entrevistados
mencionou doenças ou enfermidades.
O principal choque que se verifica é com relação à realidade encontrada no Brasil em
comparação com a expectativa existente, pois “a migração se baseia, sobretudo, na existência
de fragilidades sócio-econômicas de um lado e de expansão econômica demandante de mão-
de-obra de outro” (sic) (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 40), de modo que são unânimes a
esperança de encontrar aqui oportunidades de emprego e as reclamações sobre a dificuldade
para ser contratado ao chegar aqui, sendo que Renato e Sheila levaram quase dois anos para
conseguirem trabalhar, sujeitando-se a violações de seus direitos trabalhistas ao conseguirem o
almejado emprego, como a informalidade, para não perder o pouco que conseguiram a muito
custo.
A expectativa frustrada dos imigrantes haitianos no Brasil com relação à
empregabilidade esperada e inexistente lembra a motivação da migração internacional dos
irlandeses à Inglaterra no século XIX e a vida precária pela condição de imigrante, registrada
por Friedrich Engels (2010, p. 131-132) pela “possibilidade de encontrar um trabalho seguro e
um bom salário” que motivou “mais de 1 milhão de pessoas” à aludida migração, sujeitando-se
a condições de vida extremamente precárias, pagando “para serem transportados – amontoados
como gado na ponte do navio – para a Inglaterra, instalam-se em todas as partes”, nas “piores
habitações” e “nos piores bairros”.
Seguindo na análise das condições de trabalho dos entrevistados, é possível perceber a
informalidade, consistente na ausência de registro na Carteira de Trabalho, omissão dos
empregadores de James, Renato, Denis e Sheila com relação ao disposto no artigo 41 da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Verifica-se, ainda, a ocorrência de jornadas de trabalho abusivas, como nos casos de
Renato, Sheila e Júlio, com lesão ao direito estabelecido no artigo 58 da CLT, além de
desrespeito ao direito ao intervalo intrajornada de Sheila e Thiago, em evidente lesão ao direito
estabelecido no artigo 71 da CLT.
Percebe-se pelas respostas concedidas ao longo das entrevistas que, em regra, o
trabalhador haitiano tolera a informalidade e a jornada de trabalho abusiva, entre outras lesões
a direitos trabalhistas, em virtude da dificuldade em encontrar um emprego, o que decorre da
102
crise econômica e do desemprego estrutural, pois “instaura-se, em alguma medida, um novo
tipo de regulação do trabalho, baseada na flexibilização do contrato do trabalho, que expõe,
cada vez mais, o trabalho assalariado à disposição contingencial do capital em processo”
(ALVES, 2005, p. 252).
O receio dos trabalhadores que os motiva a suportar o descumprimento de direitos
trabalhistas é um artifício utilizado pelo capital, como demonstra Giovanni Alves, explicando
que “o medo é o maior ‘combustível’ da indústria dos novos consentimentos espúrios da vida
social. Ela constitui a precarização da subjetividade insubmissa” (ALVES, 2007, p. 127).
Exatamente neste sentido, Ricardo Antunes (2013, p. 105) explica que os trabalhadores
imigrantes, “com a desestruturação crescente do Welfare State e o crescimento do desemprego
estrutural e da crise do capital, são obrigados a buscar alternativas de trabalho em condições
muito adversas, quando comparadas àquelas existentes no período anterior”.
É pertinente a advertência de Antunes (2015, p. 412), no sentido de que nos momentos
de crise prevalece “a persistente tendência à precarização estrutural do trabalho em escala
global, da qual o trabalho imigrante é sua expressão mais visível e brutal” (itálico no original),
o que ilustra o processo da mobilidade do capital, pelo qual os empresários se aproveitam da
vulnerabilidade do imigrante, que sofre no Haiti com privações de diversas espécies por
questões como a pobreza, a violência e a falta de oportunidades de trabalho e estudo, migrando
a um país carente de políticas migratórias de recepção e adaptação e destituído de legislação
apta à proteção social do imigrante, o que resulta no terreno fértil à exploração da mão de obra
haitiana.
Os empresários e trabalhadores brasileiros tendem a inconscientemente desprezar a
condição de ser humano do imigrante que, “na imigração, mesmo se é chamado trabalhador
(como imigrante) durante toda a sua vida no país, mesmo se está destinado morrer (na
imigração), como imigrante, continua sendo um trabalhador definido e tratado como provisório,
ou seja, revogável a qualquer momento” (SAYAD, 1991, p. 55) e a situação persiste porque
“não há interesse de romper com o caráter provisório do trabalhador migrante por parte do país
recebedor, do país de origem e nem do próprio indivíduo” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 40),
mantendo-se a exploração do trabalho pelo capital.
Assim, a mobilidade figura como “a forma pela qual a coerção da estrutura se atualiza
como exercício de dominação do capital sobre o trabalho” (CHAVES JÚNIOR, 2008, p. 49),
em proveito da condição do imigrante, que sofre com a adaptação com questões elementares
como comunicação e moradia, sujeitando-se a empregos desprezados por muito brasileiros,
103
atuando principalmente nas áreas de construção civil, abate de animais e restaurantes
(CAVALCANTI, 2016, p. 238).
O contraste entre a expectativa que atrai o imigrante – seja pela facilidade na concessão
do visto ou pela “propaganda” de amigos e familiares que já estão no Brasil no sentido de que
será fácil achar emprego – e a realidade vivenciada, consistente na crise financeira brasileira e
na instabilidade do mercado de trabalho, com meses de desemprego, resulta na sujeição desse
imigrante desesperado à precarização de suas condições de trabalho, pois “o medo do
desemprego estrutural, da nova exclusão social, que, no caso do Brasil, é um estigma sócio-
histórico de larga proporção, é um poderoso recurso sociopsicológico de integração social, mais
sutil, mas não menos eficaz, de controle capitalista do trabalho” (sic) (ALVES, 2005, p. 259),
o que se dá de diversas formas, sendo a informalidade a mais grave violação constatada na
pesquisa, na medida em que apenas Nicolas, Júlio, Carlos e Thiago possuem registro na Carteira
de Trabalho.
Para Ricardo Antunes (2011, p. 132), prevalecem os casos de imigrantes trabalhando na
informalidade, o que segue a tendência da reestruturação produtiva, que decorre de “um nítido
crescimento de relações de trabalho mais desregulamentadas, distantes da legislação trabalhista,
gerando uma massa de trabalhadores que passam da condição de assalariados com carteira
assinada para a de trabalhadores sem carteira”.
Com a reestruturação produtiva, impulsiona-se “a superexploração do trabalho, na
medida em que a constituição de um novo (e precário) mundo do trabalho e o enfraquecimento
do poder de barganha dos sindicatos tendem a elevar [...] a discrepância entre os rendimentos
do capital e os rendimentos do trabalho” (ALVES, 2005, p. 251),
Em reportagem da Rede Brasil Atual (2014), destacou-se a atuação da organização não
governamental “Missão de Paz”, que recebeu contatos de 482 empresas divulgando vagas de
emprego a imigrantes haitianos. Analisando as condições de tais “oportunidades”, o padre Paolo
Parise, presidente da ONG, indica que “apenas 78 ofereceram salários e condições que
possibilitaram as contratações”, o que decorre da intenção de pagar salários ínfimos, alguns
inclusive abaixo do mínimo legal.
Os obstáculos à emissão de documentos, como a Carteira de Trabalho, geram a sujeição
dos imigrantes a trabalhos informais, baixos salários, enfim, à exploração. A informalidade é,
portanto, uma característica marcante em alguns imigrantes, favorável ao capital na medida em
que reduz despesas e facilita o desligamento dos trabalhadores.
104
Em raciocínio similar, Ricardo Antunes (2013, p. 256) sustenta tese sobre o presente e
o futuro do trabalho, relatando e exemplificando que “com o enorme incremento do novo
proletariado informal, [...] novos postos de trabalho são preenchidos pelos imigrantes, como os
Gastarbeiters na Alemanha, [...] os decasséguis no Japão, os bolivianos no Brasil, os
brasiguaios no Paraguai etc” (itálico no original).
É perceptível, assim, a vulnerabilidade do imigrante à informalidade e à precariedade
do trabalho, o que resulta em jornadas exaustivas, condições degradantes, salários ínfimos, entre
outras formas de flexibilização dos direitos trabalhistas. No entanto, além da relação de trabalho
efêmera e clandestina e dos salários reduzidos, as empresas são favorecidas pela contratação de
imigrantes porque substituem o trabalhador nativo pelo trabalhador carente de direitos civis,
políticos e sindicais, importado de país em que prevalece a miséria (GORZ, 1970).
Com relação à privação do imigrante aos direitos sindicais, cabe esclarecer que a
precariedade do trabalho é a “aparência diruptiva da condição de vida de contingentes
ampliados do mundo do trabalho, principalmente daqueles que possuíam algum nível de
organização e que vivem a experiência de crise de seus instrumentos defensivos (sindicatos e
partidos)” (CASTELL, 2002 apud ALVES, 2007, p. 119), situação que pode se aplicar aos
haitianos pela ausência de suporte, em regra, de sindicatos e partidos.
O desamparo do imigrante pelo sindicato decorre do “processo de transnacionalização
da economia, reterritorialização e desterritorialização da força de trabalho, a que o movimento
sindical não tem conseguido responder satisfatoriamente” (ANTUNES, 2013, p. 116), sendo
fundamental a observação de Antunes (2013, p. 241) no sentido de que os sindicatos “devem
eliminar qualquer resquício de tendências xenófobas, ultranacionalistas, de apelo ao racismo e
de conivência com as ações contra os trabalhadores imigrantes” (ANTUNES, 2013, p. 241),
atuando em prol dos imigrantes vinculados à respectiva classe sindical, como fez o Sindicato
dos Empregados em Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares de Balneário Camboriú ao
denunciar ao Ministério Público do Trabalho um hotel do município que submetia trabalhadoras
haitianas que trabalhavam como camareiras a assédio moral e preconceito, além de suspeita de
trabalho escravo (RICMAIS, 2015).
É importante ressaltar a unanimidade nas entrevistas quanto à ausência de assistência
do governo brasileiro, sendo reconhecido o auxílio da Universidade Federal do Paraná –
principalmente em virtude do curso de língua portuguesa do Centro de Línguas e do Programa
Política Migratória e Universidade Brasileira – e das organizações não governamentais,
105
sobretudo a Casa Latino-Americana, destacada pelo trabalho voluntário consistente à concessão
de visto permanente aos imigrantes.
Cabe atentar que há certa estabilidade dos haitianos em seus empregos, sendo que dos
entrevistados, Denis trabalha há apenas dois meses na atual empregadora, enquanto Carlos está
vinculado há seis meses e James há sete. Os demais entrevistados possuem tempo superior de
trabalho – embora isso não signifique o vínculo empregatício, tendo em vista a já destacada
informalidade que ocorre com quatro entrevistados.
A estabilidade no emprego, contudo, decorre da sujeição dos haitianos, calados, a
explorações como a informalidade, as horas extras trabalhadas sem o devido pagamento, as
jornadas de trabalho exaustivas, a ausência de intervalo intrajornada, e a imposição de
diferenças com relação aos colegas brasileiros.
A remuneração dos entrevistados é, em regra, de um salário mínimo nacional mensal, o
que encontra exceções apenas nos casos de Júlio – que não relatou o valor exato, mas disse que
não passa de R$ 1.000,00 (mil reais) – e Thiago, que possui a mesma renda, ambos trabalhando
como cozinheiros, o primeiro numa padaria e o segundo num restaurante.
De qualquer forma, para nenhum dos entrevistados há observação do salário mínimo no
Estado do Paraná, pois prevalece na relação capitalista que explora o imigrante “maior extração
de mais-valia absoluta pelo pagamento de salários mais baixos” (LESSA, 2013, p. 74), o que
indica que a imigração conduz naturalmente a situações de exploração do trabalhador,
sobretudo em virtude do processo de reestruturação produtiva, com a “capacidade de debilitar
a sociabilidade do trabalho, [...] principalmente pela precarização do salário e do emprego de
amplas parcelas da classe, processo intrínseco à nova lógica da flexibilidade do trabalho”
(ALVES, 2005, p. 264).
Além disso, Renato, Denis, Sheila, Nicolas e Thiago relataram que não recebem o
pagamento das horas extras trabalhadas. Quanto ao acesso ao sindicato e à previdência social,
apenas Júlio indicou o conhecimento de ambos, enquanto Thiago mencionou que somente lhe
foi informado sobre a previdência, desconhecendo os sindicatos.
É de relevância ímpar o dado de que somente um dos entrevistados possui acesso ao
sindicato, pois confirma o entendimento de André Gorz (1970) no sentido de que o imigrante é
privado de direitos sindicais, os quais se limitam aos pontos em que coincidem com o
trabalhador nacional, o que indica o desamparo do trabalhador imigrante, situação agravada
tanto pela predisposição das empresas à exploração para aproveitar-se da vulnerabilidade
106
própria dos migrantes, como pela insuficiência da legislação brasileira à proteção das condições
de trabalho do imigrante.
Fábio Guedes Gomes (2009, p. 36) destaca a aptidão do capitalismo para “descartar
trabalhadores em massa como decorrência do processo de permanente reestruturação
produtiva” por meio de “práticas gerenciais (flexibilização, desregulamentação, terceirização,
redução de custos e enxugamento organizacional (downsizing) etc.) que se traduzem (...) na
exploração mais intensa e na precarização das condições de trabalho”.
É nesse contexto que se percebe o vínculo entre o haitiano e o empresário brasileiro,
“fortemente marcado como relação entre dominante e dominado” (CHAVES JÚNIOR, 2008,
p. 41), propiciando “uma formação social em que o processo de produção domina os homens,
e não os homens o processo de produção” (MARX, 2013, p. 156), ponto no qual se vislumbra
a relação entre trabalho e capital que culmina na dominação ora abordada.
Para Ricardo Antunes (2013, p. 21), “o sistema de metabolismo social do capital nasceu
como resultado da divisão social que operou a subordinação estrutural do trabalho ao capital”,
esclarecendo que tal metabolismo decorre de processo histórico no qual há divisão social com
domínio do trabalho pelo capital, existindo sistemas de mediações: (a) de primeira ordem, para
a regulação das relações humanas, “autoprodução e a reprodução social” (ANTUNES, 2013, p.
22); (b) de segunda ordem, consistentes em “hierarquias estruturais de dominação e
subordinação”.
Todavia, é da sociabilidade como mediação para o desenvolvimento do trabalho que se
vislumbra o capital, especialmente se considerado o atual momento histórico “marcado pela
crise estrutural da forma de sociabilidade regida pelo capital” (TONET, 2005, p. 133), que
implica no controle dos indivíduos pelo trabalho, em prol da produtividade que, “no capitalismo
neoliberal tende a significar abertura de maior fosso social, mais concentração de riqueza e
precarização do trabalho” (ALVES, 2007, p. 284).
Maria Cristina Paniago (2002, p. 2) aborda o processo de acumulação do capital,
destacando que para tanto o capital “teve que submeter a força de trabalho como condição de
realização de seus objetivos acumulativos e se sobrepor a toda vontade subjetiva dos indivíduos,
transformando o processo original de produção em auto-reprodução de capital” (sic), indicando
os meios do capital que implicam no método da prática empresarial consistente em “capturar a
subjetividade do trabalho em benefício do aumento da produtividade” (ANTUNES, 2011, p.
127), desprezando a condição humana do trabalhador e valores como a hospitalidade ao
imigrante em prol do alcance incondicional do lucro.
107
Karl Marx (2013, p. 578) identifica produtividade com exploração, ressaltando que o
conceito de trabalhador produtivo “cola no trabalhador o rótulo de meio direto de valorização
do capital. Ser trabalhador produtivo não é, portanto, uma sorte, mas um azar”, de modo que “o
produto do trabalho, que se suporia ser uma expressão positiva do trabalhador e um meio de
satisfação de suas necessidades, se mostra como um instrumento de desprodução, de
esvaziamento do homem” (TONET, 2005, p. 66).
É importante considerar o caráter antagônico da acumulação do capital gerada pela
produtividade destruidora, uma vez que “mesmo com o aumento de produtividade e do avanço
tecnológico e da informática, enfim, com um nível de produção jamais alcançada pela
humanidade, o aumento dos índices de pobreza no mundo tem sido reconhecido até mesmo
pelos organismos mundiais do capital” (PANIAGO, 2000, p. 14), que obviamente não atribuem
tal fenômeno ao capital.
Com a sujeição do trabalhador a condições precárias de labor para evitar o desemprego,
conforme demonstrado principalmente nos casos de Denis, que ficou um ano a procura de
emprego, e de Sheila e Renato, que levaram quase dois anos para encontrarem um trabalho, o
capital articula cenário em que “a desregulamentação, a flexibilização, a terceirização, a
informalização e a intensificação do trabalho têm trazido os maiores prejuízos à resistência dos
trabalhadores diante da demanda por maiores taxas de exploração” (PANIAGO, 2002, p. 1).
Nesta busca incessante, irracional e desumana pelo lucro, o capitalista gera um sistema
cíclico de exploração do imigrante, coisificando o trabalhador em razão da obsessão pela
acumulação, em vício que gera a denominada incontrolabilidade do capital, abordada por
Paniago (2002, p. 12-13), com a consideração de que se trata de crise estrutural que “só pode
ser eliminada quando também não mais existir o modo sociometabólico de reprodução social
dominante e, naturalmente, o capital”.
Para Paniago (2002, p. 15), a superação do capital necessita “da construção de uma
ordem na qual o controle sobre todas as atividades da vida passa a ser determinado pela decisão
consciente do verdadeiro sujeito produtor da riqueza social: o trabalho”, isto é, um sistema no
qual o trabalho controla o capital, e não mais o contrário.
Verifica-se, assim, a existência de um ciclo de dependência entre trabalho e capital, no
qual há uma ordem vigente em que predominam as empresas capitalistas, utilizando o trabalho
como mecanismo para obtenção de lucro desenfreado e irracional às custas da dignidade, da
liberdade e da existência do trabalhador, em conjuntura que surpreende o imigrante, violando
seus direitos de forma nefasta, com indiferença à sua condição humana, pois só interessa ao
108
capitalista os dividendos da exploração, que apenas se beneficiará das fragilidades do
“estrangeiro” para abusar de suas limitações daí decorrentes, tais como as dificuldades de
adaptação, comunicação e moradia.
Situações como esta podem ocorrer com haitianos e imigrantes em geral que estejam
em condição normal no Brasil, com o visto e a documentação regular, mas são agravadas em
cenários nos quais há irregularidade ou ausência de documentos, pois o imigrante ilegal, em
virtude da pendência que agrava sua vulnerabilidade, “é objeto de intensa exploração, podendo
ser submetido, inclusive, a situações de trabalho análogas à de escravo. O próprio desapreço
xenófobo pode se manifestar nesse tratamento desumano que é oferecido ao trabalhador
imigrante” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2016, p. 90), o que será objeto da próxima seção.
3.2 TRABALHO EM CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO E XENOFOBIA: AS
SITUAÇÕES DE EXTREMA VULNERABILIDADE DO IMIGRANTE HAITIANO
De todas as situações sofridas pelos imigrantes haitianos no Brasil, verifica-se a
condição de vítima de dois graves crimes que violam profundamente sua dignidade e ocorrem
com certa frequência, conforme denúncias e notícias que serão analisadas nesta seção, quais
sejam: a xenofobia e o trabalho em condição análoga à de escravo.
Punível por força do artigo 20 da Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989, que define os
crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, a xenofobia é comumente praticada junto
ao racismo e à injúria. O dispositivo legal acima citado prevê a pena de reclusão de um a três
anos e multa pela prática, indução ou incitação de “discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional” (BRASIL, 1989).
Analisando a xenofobia sofrida pelos imigrantes haitianos em Curitiba, Durval Muniz
de Albuquerque Júnior (2016, p. 89) exemplifica relatando que a União Social dos Imigrantes
Haitianos recebeu denúncia de um crime ocorrido em Curitiba, no qual “dois haitianos teriam
sido atacados em plena rua por um homem armado”, sendo que este teria gritado antes de atirar
“Rouba nossos empregos e ainda anda com um celular bacana desses”.
Para Durval (2016, p. 90), a xenofobia é agravada “em situações de crise econômica, de
crescimento do desemprego, que acarreta uma maior disputa no mercado de trabalho, uma
redução das oportunidades de emprego e um rebaixamento generalizado dos salários”, como é
o caso da atual conjuntura econômica brasileira, na qual os brasileiros sofrem com “a expansão
do trabalho precarizado, parcial, temporário, terceirizado, informalizado etc” (ANTUNES,
109
2013, p. 105) e, portanto, “vivem o medo da proletarização, da perda de capacidade de consumo
e podem vir a encontrar nos imigrantes, na presença do estrangeiro, uma justificativa para o que
está vivendo” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2016, p. 96).
Neste sentido, Durval Muniz (2016, p. 89-90) identifica “a disputa por bens e pelo
mercado de trabalho” como fator propulsor da xenofobia, explicando que “o estrangeiro é visto
como um predador, alguém que vem tomar ou roubar, que vem se apossar indevidamente de
coisas ou de vagas de emprego, que pertenceriam exclusivamente aos nacionais”.
Na perspectiva do xenófobo, a imigração é a causa do desemprego estrutural, na medida
em que “amplia a quantidade de braços desocupados e disponíveis para serem utilizados pelas
empresas, o que permite o rebaixamento geral da remuneração, do salário pago por dadas
atividades” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2016, p. 90), de forma que “aferrados a uma visão
nacionalista, os trabalhadores e suas organizações tenderam a reagir com desconfiança e até
com aberta hostilidade à entrada de imigrantes nos países e sua contratação para ocupar vagas
que deveriam ser de exclusivo direito dos trabalhadores locais” (ALBUQUERQUE JÚNIOR,
2016, p. 92).
Percebe-se a xenofobia, portanto, praticada, em regra, “entre os setores empobrecidos e
no interior das classes trabalhadoras, que veem no imigrante um concorrente direto por vagas
no mercado de trabalho” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2016, p. 90), uma vez que o empresário
capitalista, ainda nos casos em que tenha preconceito, não deixa de contratar o imigrante,
“notadamente se esse pudesse lhe oferecer uma maior taxa de lucro, se ele pudesse, assim,
rebaixar os níveis salariais e, com isso, confrontar, inclusive, o movimento operário e as
reivindicações da classe trabalhadora nacional” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2016, p. 92).
Cumpre destacar diversas notícias de agressões, ofensas xenófobas e racistas, além de
sujeição de imigrantes ao trabalho precários ou a condições incompatíveis com sua dignidade
no Estado do Paraná. O sítio “Fronteira Urgente” (2016) relata um caso de agressão e racismo
contra haitiano motivados por razões políticas em Foz do Iguaçu em 14 de maio de 2016,
quando se dirigiram a ele falando: “Macaco, você só está aqui por causa da Dilma, mas agora
você vai ter que voltar”.
Outra situação divulgada na mídia, inclusive pelo sítio do Ministério Público do
Trabalho no Paraná (2015), consta a investigação sobre ofensa a haitiano proferida por amigo
de proprietário de metalúrgica em São José dos Pinhais, na qual o imigrante trabalha, que teria
feito ameaça de morte e o chamado de “macaco da Amazônia”. O boletim de ocorrência sobre
tal fato foi registrado em 27 de julho de 2015.
110
O mesmo haitiano formalizou procedimento sobre acidente de trabalho que sofreu na
aludida empresa em novembro de 2014, quando “prensou os dedos em uma máquina de trefilar
e teve que amputar dois deles apenas dois dias depois de ser admitido na empresa”
(MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NO PARANÁ, 2015). A investigação do
Ministério Público possui como finalidade averiguar a existência de capacitação dos
trabalhadores para lidar com a máquina e de dispositivo de intertravamento da máquina de
trefilar, sendo que em abril de 2015 a perícia indicou que a situação foi regularizada.
Ocorrências como essas demonstram claramente o caráter da sociedade brasileira
herdado do sistema escravocrata, indicando ainda que no Brasil ainda persiste a discriminação
e o preconceito racial, além, é claro, aos haitianos, a xenofobia decorrente dessa predisposição
brasileira já abordada no primeiro capítulo, de modo que se vislumbra a exploração das
condições de trabalho do imigrante pelo capital, como no caso das construção civil, um dos
principais ramos em que os haitianos trabalham no Estado, que é inclusive objeto de
investigação pelo Ministério Público do Trabalho no Paraná, conforme noticiou a Federação
dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário do Estado do Paraná (2014),
em agosto de 2014, ressaltando as denúncias de diversos haitianos com relação à violação de
direitos trabalhistas por muitas construtoras.
O procurador do trabalho Alberto Emiliano de Oliveira Neto, responsável pelo caso,
afirma que “as denúncias mais recorrentes dizem respeito ao descumprimento de normas de
medicina e segurança do trabalho, cláusulas da convenção coletiva e não-pagamento das verbas
rescisórias ao fim dos contratos firmados” (FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NAS
INDÚSTRIAS DA CONSTRUÇÃO E DO MOBILIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ,
2014).
Com ironia, Albuquerque Júnior (2016, p. 99) comenta a xenofobia praticada em face
dos imigrantes haitianos na Região Sul, ressaltando que “é curiosa a rejeição a estrangeiros
numa área do país onde a maior parte da população descende de estrangeiros. É evidente que
essas manifestações de xenofobia no Sul do Brasil tem claros componentes de racismo e de
preconceito contra a pobreza” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2016, p. 99).
Em entrevista realizada em fevereiro de 2016 com imigrantes haitianos que criaram a
União Social dos Imigrantes Haitianos (USIH), o Opera Mundi (2016) retrata a finalidade da
organização pela postura de que vieram ao Brasil “para continuar a vida, não parar”, ressaltando
relevantes questões às quais as entidades de proteção social e fiscalização, sobretudo o
Ministério Público do Trabalho, devem atentar, tais como o racismo constante “em todos os
111
dias, todos os momentos”, o tratamento de haitianos como escravos por alguns brasileiros e o
pagamentos de salário três vezes menor aos haitianos pelo exercício da mesma função do
brasileiro.
Demonstrando os problemas investigados nesta pesquisa, a entrevista feita pelo Opera
Mundi (2016) indica a gravidade da péssima recepção dada aos imigrantes no Brasil, neste caso
em específico aos haitianos que, conforme já exposto, têm sua situação agravada pelo
preconceito e pela discriminação racial, restando sujeitos a condições precárias, como a
constatada pelo Ministério Público do Trabalho em Umuarama (G1 – GLOBO, 2015), em 18
de novembro de 2015, quando foram encontrados cerca de duzentos haitianos vivendo em
alojamentos com “goteiras por todo o lado, fiação elétrica instalada de forma precária, colchões
espalhados por quartos sem estrutura adequada e falta de água”, pagando aproximadamente R$
300,00 (trezentos reais) mensais por tal moradia.
Cristiane Sbalqueiro Lopes (G1 – GLOBO, 2015), procuradora do trabalho que cuida
do caso, entende que a responsabilidade por tal situação é de um frigorífico que funciona na
região e atrai os haitianos pela oportunidade de emprego com a promessa de alojamento
gratuito, sendo que a insuficiência da remuneração para alugar imóvel com condições dignas
resulta na sujeição aos alojamentos acima descritos.
Ressalte-se, neste aspecto, a previsão de Chaves Júnior (2008, p. 42) sobre essa
realidade do imigrante haitiano em outros países, como é o caso ora relatado no Brasil, pela
qual “a situação do migrante pode ser extremamente insalubre e sua adaptação difícil”, sendo
que “em várias situações, os indivíduos são obrigados a aceitar viver em condições inadequadas
e mesmo indignas”.
Constata-se, assim, a mobilidade do capital como mecanismo de sujeição do imigrante
haitiano, em virtude de sua natural vulnerabilidade, ao trabalho precário, isto é, à violação de
direitos trabalhistas e da dignidade daquele que se encontra desamparado em país estranho, com
diversas dificuldades de adaptação – tais como a cultura, a moradia, a comunicação – e se
depara com discriminações raciais, xenofobia ou mesmo o simples descaso com sua condição
humana, em condutas que possuem, em regra, o lucro como principal finalidade, e são atraídos,
como já exposto, pela carência de mão de obra brasileira em determinadas áreas, sendo
direcionados especificamente a “regiões em que poderão ser absorvidos nos setores produtivos
não atrativos aos nacionais” (GEDIEL; CASAGRANDE, 2015, p. 107).
Além da xenofobia, outro grave crime praticado em face do imigrante no Brasil é a
redução do trabalhador à condição análoga à de escravo, tipificação que possui certas
112
particularidades e é objeto de projetos para redução das previsões legais de caracterização do
delito pela bancada ruralista.
É importante frisar que antes de se tratar de questão atinente ao Direito Penal, o trabalho
escravo trata de tema sociológico e econômico, tendo profunda ligação com o capital, pois a
condição de trabalho precária do imigrante decorre da crise global do capitalismo, descrita por
Antunes (2015, p. 412) como uma “reconfiguração do trabalho que articula a ampliação de
grandes contingentes que se precarizam ou perdem o emprego e vivenciam novos modos de
extração de sobretrabalho e da mais-valia”.
Essas modalidades distintas de trabalho se destacam pela superexploração que, de
acordo com Luís Felipe Aires Magalhães (2011), é facilitada em face do imigrante pela ausência
de benefícios sociais concedidos a ele, isto é, pela desproteção social, fazendo com que o
referido trabalhador suporte “jornadas de trabalho longas com uma sub-remuneração
promovida pelo não pagamento dos encargos trabalhistas e sociais” (sic), situação percebida
claramente nos depoimentos concedidos por Renato, Sheila e Júlio, os dois primeiros inclusive
destituídos de registro na Carteira de Trabalho.
Analisando a exploração do trabalho excedente pelo capital, István Mészáros (2002, p.
102) indica a perversidade deste artifício capitalista, ressaltando que “as restrições subjetivas e
objetivas da autossuficiência são eliminadas de uma forma inteiramente reificada, com todas as
mistificações inerentes à noção de ‘trabalho livre contratual’. Ao contrário da escravidão e da
servidão, esta noção aparentemente absolve o capital do peso” da escravidão que, remunerada
e “livremente” pactuada, é inconscientemente aceita pelo trabalhador.
Considerando a jornada de trabalho de Renato, que labora das 08:00 às 20:00 horas
como ajudante de motorista, permanecendo mais tempo trabalhando em determinadas
situações, sem receber pelas horas extras trabalhadas, verifica-se a caracterização da jornada
exaustiva, da mesma forma que Denis, por vezes privado do intervalo intrajornada e impedido
de sair ao final do horário de expediente caso ainda tenha carros para lavar.
É evidente, em ambos os casos, a alienação existente neste processo em razão do
irrefutável impedimento ao desenvolvimento humano (LESSA, 1996, p. 15), pois “a parte do
tempo de trabalho que o trabalhador até agora utilizava para si mesmo é convertida em tempo
de trabalho para o capitalista” (MARX, 2013, p. 387).
Neste sentido, José de Souza Martins (2012, p. 152) entende a escravidão
contemporânea como “uma expressão tardia de contradições próprias do desenvolvimento
capitalista, que se manifestam em condições econômicas, sociais e culturais particulares”,
113
notadamente a vulnerabilidade em níveis extremos, situação que se verifica no contexto de
Denis que, na informalidade, por vezes fica sem intervalo intrajornada e tem de ficar até duas
horas a mais no trabalho sem receber horas extras para tanto, restando sujeito a essa jornada
exaustiva que, conforme será exposto, caracteriza o trabalho em condição análoga à de escravo
na legislação brasileira.
A exploração praticada em face do imigrante haitiano, com o desprezo de sua condição
humana pelo capital torna-se possível porque “a barbárie da vida cotidiana sob o capital é
percebida como a forma mais civilizada possível da vida social, e a desumanidade [...] de se
aceitar como ‘natural’ a exploração do homem pelo homem é elevada à pedra de toque da
liberdade” (LESSA, 1996, p. 17).
Assim, verifica-se as circunstâncias com as quais convive o imigrante, tanto pelas
dificuldades próprias da vida em país distinto, sem família e amigos – carente, portanto, da rede
de proteção primária –, como também em virtude da carência de direitos sociais e da promoção
de igualdade com relação ao trabalhador nacional, restando sujeito à superexploração do
capitalismo. Fábio Guedes Gomes (2009, p. 37) lembra que “uma das questões-chave para Marx
é demonstrar que, no capitalismo, a nova ‘escravidão’ está assentada na liberdade do indivíduo
e nas relações de assalariamento”.
Em raciocínio semelhante, Jean Paul de Gaudemar (1977, p. 28) destaca as adversidades
dos imigrantes, identificando-os como carentes de direitos sindicais e sujeitos à “discriminação
social e política que se encontra em todos os aspectos da vida dos imigrados [...] implica grandes
dificuldades para a organização e luta dos trabalhadores imigrados, mesmo para os seus direitos
elementares, para escaparem à sua condição de novos escravos”.
Essa consideração do imigrante como novo escravo é pertinente para destacar o conceito
legal do trabalho em condição análoga à de escravo no Brasil, pois a jornada exaustiva e a
condição degradante do trabalho, aspectos marcantes e constantes no trabalho de imigrantes,
são fatores que, isoladamente, caracterizam o trabalho em condição análoga à de escravo no
ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que a restrição expressa da liberdade do
trabalhador não é exigida para a tipificação do crime previsto pelo artigo 149, “caput”, do
Código Penal, senão vejamos:
Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. (grifo nosso)
114
Além disso, o Ministério do Trabalho e Emprego compartilha de tal entendimento
extensivo à caracterização do trabalho escravo contemporâneo em casos de jornada exaustiva
ou condições degradantes de trabalho, por meio da Instrução Normativa nº 91, de 05 de outubro
de 2011, da Secretaria de Inspeção do Trabalho, que em seu artigo 3º, incisos II e III, considera
tais situações como trabalho em condição análoga à de escravo, ainda que incidam sem outras
circunstâncias de exploração do trabalhador.
Desta forma, a referência de Gaudemar (1977, p. 28) aos imigrantes como “novos
escravos” possui respaldo no ordenamento jurídico brasileiro vigente, embora tais previsões
legais indiquem a ineficácia de tais normas diante dos reiterados casos de trabalho escravo
envolvendo imigrantes, sobretudo bolivianos (BRASIL, SENADO FEDERAL, 2011) e
haitianos (REPÓRTER BRASIL, 2014), em situações consideradas apenas a ‘ponta de iceberg’
pelo Ministério do Trabalho e Emprego (BBC BRASIL, 2013).
Para compreender o trabalho escravo ao qual está sujeito o imigrante haitiano, é
necessário considerar a manutenção da máxima exploração possível do trabalhador formal e
juridicamente livre, antes mesmo da abolição de 1888, para a qual foram utilizadas técnicas
sociais para implantar um “índice de amansamento e sujeição do trabalhador” (MARTINS,
2015, p. 56), por meio da escolha de “colonos de sociedades atrasadas e pré-modernas,
socializados em culturas de sujeição, organizados em família e não imigrados individualmente,
o que os tornava dóceis e temerosos de ficarem sem trabalho” (MARTINS, 2015, p. 55), em
grau de vulnerabilidade muito similar ao do imigrante haitiano.
Neste sentido, é fundamental considerar que a acepção “escravo” decorre da lógica
exposta por Jacob Gorender (1990, p. 31), no sentido de que “quem vende sua força de trabalho
por toda a vida, vende sua personalidade, faz da substância de si mesmo a propriedade de um
outro. O operário não mais seria um homem livre e se tornaria um escravo”, o que persiste em
toda a vigência do trabalha formalmente livre pelo sistema de funcionamento do capital, “que
se expande à custa da redução sem limites dos custos do trabalho, debitando na conta do
trabalhador e dos pobres o preço do progresso sem ética nem princípios, privatiza ganhos nesse
caso injustos e socializa perdas, crises e problemas sociais” (MARTINS, 2012, p. 11).
A categoria abordada por José de Souza Martins (2012, p. 14) para análise do processo
pelo qual o capitalismo subjuga o trabalhador é a exclusão, que “é e foi própria das sociedades
tradicionais, das sociedades estamentais, como foi a nossa, aliás, durante todo o período
colonial e o período imperial, e da qual sobrevivem fortes vestígios”, de modo que “a servidão
moderna, em nossa sociedade, é viabilizada e revigorada pelo poder da tradição e pela função
115
que ela exerce no processo de desenvolvimento do capitalismo entre nós” (MARTINS, 2012,
p. 159).
É pela exclusão que se dá “uma dupla vitória do capitalismo: enquanto modo degradado
de inserção social (e o conformismo que, apesar de tudo, ele pode gerar) e enquanto
interpretação abrandada das contradições do capital e dos problemas sociais que dele resultam”
(MARTINS, 2012, p. 19), procedimentos essenciais para manutenção da situação de sujeição
do trabalhador à exploração.
Resta perceptível a caracterização da exclusão como instrumento do capitalismo, na
medida em que em tal sistema “tudo tende a assumir a condição de coisa, de objeto, a se tornar
mero fator de produção” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2016, p. 91), sendo, a exclusão “o
sintoma grave de uma transformação social que vem rapidamente fazendo de todos os seres
humanos seres descartáveis, reduzidos à condição de coisa, forma extrema de vivência da
alienação e da coisificação da pessoa” (MARTINS, 2012, p. 20), estado que identifica o
trabalho escravo (GORENDER, 1990, p. 19).
Eduardo Galeano (2015, p. 19) identifica a relação simétrica de ação do capital pela qual
o trabalhador é coisificado e, portanto, escravizado, pela qual “o bem-estar de nossas classes
dominantes – dominantes para dentro, dominadas de fora – é a maldição de nossas multidões,
condenadas a uma vida de bestas de carga”, em ciclo de exploração que se renova no tempo e,
por vezes, se aperfeiçoa com índices específicos de vulnerabilidade, como é o caso dos
imigrantes haitianos, que sofrem porque a “intensificação da globalização, que é própria do
processo do capital, fez com que o capital se reencontrasse com formas de exploração pré-
capitalistas de trabalho, das quais aparentemente se divorciara há muito” (MARTINS, 2012, p.
17), notadamente, o trabalho escravo.
Os haitianos inseridos no processo capitalista brasileiro sofrem, ainda, porque possuem
“valores, mentalidades e concepções da vida e do trabalho muito frágeis em face do poder
destrutivo e de sujeição do capital globalizado” (MARTINS, 2012, p. 17), restando sujeitos “à
superexploração, um nível de exploração superior àquele que assegura a lucratividade normal
e média do capital. O trabalhador é compelido a aceitar essa situação porque vai sendo reduzido
a formas precárias de sobrevivência” (MARTINS, 2012, p. 137).
José de Souza Martins (2012, p. 137) define, então, que em tais condições “renasce o
trabalho escravo, não só no Brasil, mas também em outros países, inclusive em países ricos”,
destacando que “em geral, o trabalhador alcançado por esses mecanismos de degradação é um
116
migrante” (MARTINS, 2012, p. 137), conclusão pautada nas categorias já expostas da exclusão
e da vulnerabilidade.
Afirmando que não estranha o renascimento da escravidão, Martins (2012, p. 136)
explica que “o capital não tem nenhuma responsabilidade social. O capital não tem moral, ou
seja, o trabalhador volta a se confundir, como acontecia na escravidão, com o trabalho
propriamente dito. Esse é o trabalho puro. O trabalho que não envolve nenhum encargo social”,
sendo perceptível no caso dos imigrantes haitianos entrevistados, além da violação a direitos
trabalhistas, o desamparo no que diz respeito à previdência social, sobre a qual desconhecem
ou não possuem acesso.
Indicando o trabalho escravo em números, José de Souza Martins (2012, p. 151-152)
menciona relatório da Organização Internacional do Trabalho de 1993, com estimativa de mais
de seis milhões de casos de trabalho escravo, principalmente na Ásia e na África, destacando
que ao final do século XX existiam aproximadamente “duzentos milhões de pessoas vivendo
sob distintas formas de cativeiro no mundo”, tratando-se de “extremos que sugerem uma grande
amplitude de formas culturais de escravização contra as quais tratados, leis e medidas
repressivas têm podido pouco”.
Como demonstrado no primeiro capítulo, o trabalho escravo imposto pelo capital na
atualidade persiste porque “certas ‘necessidades’ aparentemente secundárias do processo de
reprodução ampliada do capital estão se encontrando com sobrevivências culturais do passado,
que levam a uma refuncionalização da servidão” (MARTINS, 2012, p. 152), o que configura
as continuidades e descontinuidades do trabalho escravo ao longo do tempo, consistindo na
marca natural de exploração das relações de trabalho no Brasil, o que decorre do
desenvolvimento capitalista, do qual a escravidão contemporânea é constitutiva, sendo “forma
de ampliar e extremar a eficácia dos mecanismos de acumulação” (MARTINS, 2012, p. 153).
Verifica-se, portanto, “que o revigoramento e a manutenção do trabalho escravo estão
integrados na própria lógica essencial de funcionamento do sistema econômico moderno e
atual” (MARTINS, 2012, p. 154), motivo pelo qual há um estranhamento por parte do senso
comum quanto à existência do trabalho escravo na atualidade, sendo que a exploração das
condições de trabalho se converte em escravidão “quando os mecanismos culturais e
ideológicos do autoengano, da ilusão igualitária nas relações de trabalho, são corroídos pela
realidade crua da superexploração” (MARTINS, 2012, p. 156), o que ocorre em face dos
imigrantes haitianos, conforme já demonstrado, em virtude da vulnerabilidade e da exclusão.
117
3.3 A (DES)PROTEÇÃO JURÍDICA E SOCIAL ÀS CONDIÇÕES DE TRABALHO DO
IMIGRANTE NO BRASIL
Tanto a última seção do primeiro capítulo quanto a quarta seção do segundo capítulo
trataram da proteção jurídica e social às condições de trabalho do imigrante, em especial pela
análise das Leis aplicáveis a imigrantes e refugiados e pela atuação das entidades –
governamentais ou não – envolvidas na proteção social de imigrantes, refugiados e apátridas.
Neste momento, o objetivo da pesquisa é analisar a existência de uma (des)proteção
jurídica e social ao imigrante no Brasil a partir da ausência de ratificação de determinadas
Convenções Internacionais aplicadas aos trabalhadores imigrantes. Para a aferição da
(des)proteção se faz necessário considerar o teor de tais Tratados e o procedimento necessário
para sua ratificação.
Existem diversas espécies normativas tratando dos direitos dos imigrantes, tanto
legislações nacionais como Tratados Internacionais da Organização Internacional do Trabalho
e da Organização das Nações Unidas. A principal norma vigente no Brasil para tutela do
migrante internacional seria o Estatuto do Estrangeiro, isto é, a Lei nº 6.815, de 19 de agosto
de 1980 que, conforme demonstrado nas sessões dos capítulos anteriores, acima especificadas,
é ultrapassada e, de acordo com Leonora Corsini (2010), definiu a situação jurídica do
estrangeiro no Brasil e criou o Conselho Nacional de Imigração, mas reflete a época em que foi
elaborada – durante o Regime Militar –, “quando a preocupação maior era com a segurança
nacional, com o controle, porque os estrangeiros eram vistos como elementos nocivos, uma
ameaça à soberania”.
Com o fluxo migratório dos últimos anos, em especial pelas situações precárias de
trabalho nas quais são encontrados imigrantes em fiscalizações apuradas pelo Ministério do
Trabalho, tornou-se imprescindível a criação de uma nova Lei que ampare os estrangeiros no
Brasil (CORSINI, 2010), assim como a ratificação, pelo Brasil, da Convenção da Organização
das Nações Unidas sobre a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e membros de
sua família (COMISSÃO PASTORAL DA TERRA, 2014). A propósito, “o Brasil é o único
país membro do Mercosul (Mercado Comum do Sul) que não é signatário do acordo, em vigor
desde 2003” (REPÓRTER BRASIL, 2012).
Assim como há plena relevância na adesão do Brasil à Convenção da Organização das
Nações Unidas sobre a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e membros de sua
família em virtude da necessidade de tal amparo ao imigrante pela sua vulnerabilidade, é
118
fundamental, também, a ratificação da Convenção nº 143 da Organização Internacional do
Trabalho, adotada pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho na sua 60ª
sessão, em Genebra, em 24 de junho de 1975, com vigência a partir de 9 de dezembro de 1978
(CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2016).
Com diferenciais em relação aos demais Tratados Internacionais que visam à proteção
do trabalhador imigrante, uma vez que esta possui previsões específicas quanto aos direitos
sindicais, ao trabalho ilegal e à igualdade de oportunidade e tratamento na contratação entre
trabalhadores nativos e imigrantes.
Em matéria de condições de trabalho é natural a abordagem de Tratados Internacionais
decorrentes da Organização Internacional do Trabalho com maior atenção, uma vez que se trata
do ente vocacionado a tais questões, além de que por meio dela, de acordo com Zoraide Amaral
de Souza (2006, p. 432), “passou-se a disseminar, mundialmente, idéias acerca de trabalho e da
justiça social, que favorecesse, conduzisse e mantivesse a paz e a estabilidade, e ainda, que o
desenvolvimento econômico dos povos tivesse uma relação direta com a justiça social” (sic).
Sustentando a função da Organização Internacional do Trabalho diante da globalização,
em vínculo direto com o teor da Convenção nº 143, Zoraide Amaral de Souza (2006, p. 463)
relata a atuação do organismo como “mediador, no sentido de não deixar que países mais
favorecidos provoquem, em razão do poder econômico, mais pobreza e miséria aos menos
favorecidos”.
A distinção da Convenção nº 143 é baseada em duas indispensáveis previsões do
Tratado: (i) igualdade de tratamento em matéria de emprego e de profissão com relação aos
direitos sindicais dos imigrantes; e (ii) intenso combate ao trabalho informal e aos demais
abusos relacionados ao trabalho, com disposição inclusive no sentido da pena de prisão em
razão do emprego ilegal de trabalhadores migrantes. Cumpre frisar a total relevância da
ratificação da aludida Convenção, neste aspecto, pelos depoimentos de quatro dos nove
entrevistados, que indicaram que trabalham sem registro na Carteira de Trabalho.
Logo, embora os demais Tratados com a finalidade de tutela ao trabalhador imigrante
tenham seu mérito, a Convenção nº 143 atende aos graves problemas indicados nas sessões
anteriores deste capítulo, com relação ao desamparo do imigrante pelos sindicatos –
preocupação já destacada por André Gorz (1970) na década de 70 –, ao crime de sujeição do
imigrante ao trabalho em condição análoga à de escravo e demais abusos similares, mostrando-
se imprescindível à atual conjuntura brasileira, sobretudo se considerados os programas,
políticas públicas e legislações que devem ser criados pelo Brasil em caso de ratificação da
119
aludida Convenção com o objetivo de prevenir e punir a precarização do trabalho dos
imigrantes, o que é essencial pelos intensos fluxos migratórios recebidos pelo Brasil nos últimos
anos.
Quanto aos demais Tratados Internacionais voltados ao trabalhador migrante, vale
destacar as Convenções da Organização Internacional do Trabalho ratificadas pelo Brasil,
cumpre esclarecer que estes não trazem modificações significativas, na medida em que a
Convenção nº 97 se destina a questões conceituais com a preocupação de definição do
trabalhador imigrante e ao auxílio com relação a direitos alheios à proteção da condição de
trabalho, e a Convenção nº 111 possui com foco o combate à discriminação, inclusive com a
previsão de política nacional para promover a igualdade de oportunidade e tratamento, mas de
forma genérica, sem especificar a situação peculiar do imigrante.
É fundamental ressaltar, a propósito, que a Convenção nº 143 possui previsão similar
em seu artigo 10, mas com a especificação com relação à ausência de discriminação entre
trabalhadores nativos e imigrantes no tocante à oportunidade de emprego e profissão, em
evidente diferencial.
Há, enfim, a já mencionada Convenção da Organização das Nações Unidas sobre a
Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e membros de suas famílias que, assim
como a Convenção nº 143 da Organização Internacional do Trabalho, não foi ratificada pelo
Brasil, a qual apesar da previsão de diversos direitos indispensáveis ao imigrante, obviamente
não possui as específicas e relevantes previsões de combate ao abuso realizado contra as
condições de trabalho do imigrante.
A Convenção nº 143 figura, portanto, como espécie normativa elementar à promoção
do trabalho decente do imigrante, considerando-se para tanto os direitos fundamentais
indicados pela Organização Internacional do Trabalho na Declaração Relativa aos Direitos e
Princípios Fundamentais do Trabalho para atendimento da referida categoria, em especial a
“liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, eliminação de
todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, efetiva abolição do trabalho infantil e
eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação” (SILVA; MANDALOZZO,
2013, p. 125).
Disciplinando migrações em condições abusivas e igualdade de oportunidades e
tratamento, a Convenção 143 da OIT está em processo de ratificação no Brasil, tendo em vista,
sobretudo, valores como o trabalho decente e os direitos dos trabalhadores imigrantes (UNIÃO
GERAL DOS TRABALHADORES, 2016), sendo questionada a demora no trâmite do
120
procedimento que, cumpre destacar, depende do Poder Legislativo, notadamente da aprovação
das Casas do Congresso Nacional.
A ratificação da aludida Convenção já foi, contudo, rejeitada em uma ocasião. Em 14
de dezembro de 1989, o então Presidente do Senado Federal, Nelson Carneiro, promulgou o
Decreto Legislativo nº 86, de 1989, pelo qual o Brasil ratificou as Convenções nº 135 e 161 da
Organização Internacional do Trabalho e rejeitou a Convenção 143 (CÂMARA DOS
DEPUTADOS, 2016).
Cumpre esclarecer que a Convenção nº 143 da OIT foi ratificada até hoje por apenas 23
países: Albânia, em 12 de setembro de 2006, excluindo-se a parte II, que trata da igualdade de
oportunidades e tratamento ao imigrante; Armênia, em 27 de janeiro de 2006; Benim, em 11 de
junho de 1980; Bósnia e Herzegovina, em 02 de junho de 1983; Burkina Faso, em 09 de
dezembro de 1977; Camarões, em 04 de julho de 1978; Chipre, em 28 de junho de 1977;
Eslovênia, em 29 de maio de 1992; República da Macedônia, em 17 de novembro de 1991;
Filipinas, em 14 de setembro de 2006; Guiné, em 05 de junho de 1978; Itália, em 23 de junho
de 1981; Quênia, em 09 de abril de 1979; Montenegro, em 03 de junho de 2006; Noruega, em
24 de janeiro de 1979; Portugal, em 12 de dezembro de 1978; República de San Marino, em 23
de maio de 1985; Sérvia, em 24 de novembro de 2000; Suécia, em 28 de dezembro de 1982;
Tajiquistão, em 10 de abril de 2007; Togo, em 08 de novembro de 1983; Uganda, em 31 de
março de 1978; e Venezuela, em 17 de agosto de 1983 (ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL
DEL TRABAJO, 2016), delimitação que indica a dificuldade de sua aplicação e os relevantes
direitos assegurados por ela aos trabalhadores imigrantes, de modo que se observa a
incompatibilidade com os interesses capitalistas, o que explica o reduzido número de países que
aderiram a tal Convenção.
A insistência na ratificação da Convenção nº 143 possui como fundamento principal o
fato de que se trata do único Tratado Internacional com previsão expressa de medidas
repressivas e preventivas aos abusos sofridos pelo trabalhador imigrante e ao trabalho ilegal ao
qual o estrangeiro é submetido, concedendo-lhe ainda direitos sindicais, além de oportunidade
e tratamento de profissão e emprego em igualdade ao trabalhador brasileiro.
A relevância dos direitos sindicais em nível internacional é abordada por Zoraide
Amaral de Souza (2006, p. 462-463), que salienta a necessidade de “fortalecimento das
associações sindicais, [...] pois somente com tal fortalecimento é que as partes envolvidas nas
relações trabalhistas podem exigir do Poder dominante que realize as reformas jurídicas
necessárias para a melhoria das condições sociais, econômicas e trabalhistas”.
121
O problema reside, no entanto, na ausência de vigência da Convenção nº 143 da
Organização Internacional do Trabalho no Brasil, o que por consequência impede determinadas
ações imprescindíveis à tentativa de concessão de igualdade material entre trabalhadores
imigrantes e nativos e, com isso, inviabiliza a consagração do trabalho decente ao imigrante no
Brasil.
É elementar a ausência de ratificação aos Tratados Internacionais de maior relevância –
o Tratado da ONU destinado ao Trabalhador Imigrante e a Convenção 143 da OIT – e
consistência aos direitos dos trabalhadores imigrantes, em possível evidência da tendência
capitalista que conduz a voluntária omissão do Congresso Nacional, pois se está diante do que
Gaudemar (1977) e Gomes (2009) definem como mobilidade de trabalho pelo capital,
fenômeno marcado pela produção e controle de fluxos migratórios pelo sistema capitalista,
quando “trabalhadores potenciais são atraídos por novas oportunidades de emprego, impostas
pelas condições inerentes à sobrevivência, precisando vender força de trabalho” (GOMES,
2009, p. 41).
A mobilidade do trabalho pode implicar no deslocamento espacial do trabalhador “com
o objetivo do capital explorar sua força de trabalho e acumular excedente econômico”
(GOMES, 2009, p. 41), pois ela representa “no contexto do sistema de produção capitalista,
controle social, submissão e escravidão”, o que sustenta a definição de “novos escravos”
exposta por Gaudemar (1977, p. 28).
Desta forma, percebe-se a necessidade de proteção social aos imigrantes, tornando
imprescindível a ratificação da Convenção nº 143, sobretudo porque a erradicação do trabalho
escravo é uma das prioridades do Programa Nacional do Trabalho Decente, parte da Agenda
Nacional do Trabalho Decente, em compromisso assumido no ano de 2003 pelo Brasil junto à
Organização Internacional do Trabalho (SILVA; MANDALOZZO, 2013, p. 126-127).
Além disso, “a força de uma convenção da OIT, quando adotada por um país, pode
sinalizar uma mudança de paradigma em relação a um determinado assunto”
(MANDALOZZO; GUNTHER, 2014, p. 100), implicando na promoção de políticas públicas
e programas sociais com previsão constante na Convenção nº 143, o que pode significar um
relevante recomeço no tratamento do trabalhador imigrante no Brasil.
Ademais, a necessidade de recepção dos imigrantes e refugiados com hospitalidade
incondicional (GEDIEL; CASAGRANDE; KRAMER, 2016, p. 22), se vislumbra como
fundamental a ratificação dos Tratados Internacionais que possuem como principal valor a
122
igualdade entre nativo e imigrante, além de implicar no combate ao trabalho informal e às
demais formas de precarização das condições de trabalho do imigrante.
Persistindo a ausência de ratificação de tais Tratados, verifica-se que prevalecerá a
ordem do sistema capitalista, inexistindo qualquer espécie de hospitalidade ou proteção jurídica
ou social suficiente a se impor diante dos artifícios do capital que, conforme demonstrado nas
demais seções deste capítulo, são suficientes a explorar e subjugar o trabalhador imigrante ao
trabalho precário e, em casos de maior gravidade e superexploração, ao trabalho escravo, o que
demonstra a urgência existente não só na ratificação dos aludidos Tratados, mas também na
implementação das metas expostas no relatório do CONARE – Sistema de Refúgio Brasileiro:
Desafios e perspectivas, e na aprovação de novas Leis que possibilitem a hospitalidade
incondicional e a integração do imigrante.
O atendimento de tais medidas urgentes é possível e pode ser efetivado pelo governo
brasileiro sem demora, sendo condição indispensável para que se fale em proteção jurídica e
social do imigrante no Brasil, mas será apenas um começo. Para ir além, se faz necessária uma
mudança no paradigma de recepção do imigrante no Brasil e a superação do sistema capitalista,
o que certamente não está na ordem do dia e sequer é esperado diante do atual cenário político
brasileiro.
123
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista os depoimentos cedidos pelos nove imigrantes haitianos entrevistados
durante a pesquisa, assim como os relatórios e estatísticas do Observatório de Migrações
Internacionais, o relatório do Ministério da Justiça, elaborado pelo então Presidente do
CONARE, tratando dos desafios e perspectivas do Sistema de Refúgio brasileiro e, ainda, a
pesquisa bibliográfica realizada sobre migrações internacionais e trabalho, verifica-se como
primeiro ponto relevante desta análise a marca do trabalho escravo, registrada a partir do
histórico do lento processo de abolição do sistema servil que culminou na Lei Áurea,
sancionada em 13 de maio de 1888, que passa por um momento de descontinuidade em tal
ocasião, mas uma descontinuidade meramente formal.
Explica-se: o trabalho escravo deixa de existir em 1888 apenas jurídica e formalmente,
mas persiste de forma material e econômica, com o trabalhador subjugado aos domínios do
capital, sofrendo a superexploração denominada como trabalho escravo contemporâneo a partir
de categorias como exclusão e vulnerabilidade.
Em regra, o imigrante vive em situação de vulnerabilidade pela saída de seu país de
origem motivada por algumas espécies de insatisfação ou necessidade que o coloca em situação
frágil no Estado para o qual migra: questões naturais como o terremoto, política instável,
violência e miséria. No Haiti são vivenciadas todas essas características, o que evidencia o
elevado nível da vulnerabilidade do imigrante haitiano que, por consequência, o sujeita ao
trabalho precário.
Após o difícil e oneroso percurso até chegar ao Brasil, existem dificuldades com
comunicação, moradia e adaptação e, em certos casos, o imigrante sofre com a xenofobia. Na
situação dos haitianos, percebe-se ainda a existência de ocorrências nas quais há discriminação
e preconceito racial, que facilitam o desenvolvimento de processos de alienação e dominação,
subjugando a mão de obra do trabalhador.
A continuidade da marca do trabalho escravo transparece, assim, pelo caráter escravista
do Estado brasileiro, elemento essencial para o processo capitalista de coisificação do
trabalhador, desprezando sua condição humana e estabelecendo relação de exploração de sua
mão de obra para gerar o maior lucro possível, custe o que custar: a dignidade, a liberdade, a
integridade física, o convívio com a família e amigos, os sonhos, enfim, ao empregador, apenas
interessa a produtividade e o trabalho cujo encargo é recusado pelos trabalhadores brasileiros
em determinadas situações por se tratar de atividade penosa, desgastante ou desagradável, como
124
é o caso do abate de animais em frigoríficos, a atuação na construção civil e o trabalho
doméstico, sendo constatado ao longo da pesquisa que a atração dos imigrantes haitianos às
Regiões Sul e Sudeste se deu em razão da ausência de mão de obra de baixa qualificação no
ano de 2013, justamente nas funções acima citadas, conforme divulgado na época pelo IPEA.
Nesse sentido, observa-se que o encaminhamento de imigrantes haitianos naquele
mesmo ano para as Regiões Sul e Sudeste do Brasil, para ocuparem as atividades penosas e
rejeitadas pelos brasileiros, caracteriza o processo de mobilidade do trabalho, que possui como
finalidade sustentar o sistema capitalista por meio da precarização das condições de trabalho do
imigrante.
No caso, os imigrantes haitianos, pela sua já descrita vulnerabilidade e diante da falta
de opções no mercado de trabalho (haitiano e brasileiro) são atraídos ao Brasil, mais
precisamente às regiões supracitadas, para se sujeitam às funções penosas e indesejadas pelos
brasileiros, atendendo aos anseios dos empresários e se submetendo a condições precárias como
a informalidade, jornadas abusivas, salário inferior ao piso da respectiva categoria, ausência de
previdência social, entre outras violações de direitos constatadas nas entrevistas.
A exploração da mão de obra dos haitianos é facilitada pela ausência de proteção social
efetiva do governo brasileiro. Em todas as esferas (federal, estadual e municipal), percebe-se a
ausência de políticas migratórias e atuações com o fim de auxiliar no recebimento, na adaptação
e na permanência dos haitianos no Brasil.
Neste sentido, verifica-se que a proteção social do imigrante é realizada principalmente
– e quase que exclusivamente – pela atuação de professores e alunos em projetos e cursos de
extensão desenvolvidos por Universidades, como é o caso da Universidade Federal do Paraná,
e por organizações não governamentais, tais como a Casa Latino-Americana, a Pastoral do
Migrante e o Projeto Linyon.
A fragilidade do ordenamento jurídico em matéria de direitos dos imigrantes, sobretudo
com relação às suas condições de trabalho, com a manutenção do ultrapassado Estatuto do
Estrangeiro como principal Lei sobre o assunto (com preocupação predominante com a
soberania nacional, e não com as condições de imigrante, refugiado ou apátrida), além da
ausência de regulamentação da igualdade de oportunidade com os brasileiros e da inserção do
imigrante no mercado de trabalho brasileiro.
A ausência de uma nova legislação é o retrato da indiferença do Poder Legislativo, tendo
em vista que o Brasil recebe intensos fluxos migratórios desde 2013 e até então não foi aprovada
nova Lei para substituir o criticado Estatuto do Estrangeiro, assim como não foram ratificados
125
relevantes Tratados Internacionais da Organização Internacional do Trabalho, notadamente a
Convenção nº 143, e da Organização das Nações Unidas sobre o Trabalhador Imigrante e sua
família, o que ressalta a vulnerabilidade de tal trabalhador que, juridicamente desprotegido,
resta sujeito à exploração pelas empresas brasileiras.
A Convenção nº 143 da OIT possui previsão de programas e projetos sociais com o fim
de promover a igualdade entre imigrantes e nativos, além de combater as migrações em
condições abusivas, de modo que pela ausência de ratificação de tal Tratado se vislumbra a
desproteção social do imigrante no Brasil.
A propósito, a julgar pela rejeição da ratificação da Convenção nº 143 da OIT em 1989
junto ao Senado Federal, e pela demora no processo junto às Casas do Congresso Nacional,
mesmo diante do intenso fluxo migratório recebido pelo Brasil desde 2013, vê-se que o Poder
Legislativo efetivamente não possui interesse em promover a proteção jurídica ou social, o que
certamente não é surpresa pela composição de tais Casas e suas atuais preocupações golpistas
e contrárias aos direitos dos trabalhadores, sejam brasileiros ou imigrantes.
Constata-se, pela pesquisa, a atração dos haitianos pela concessão do visto humanitário
pela Resolução Normativa nº 97/2012 do Conselho Nacional de Imigração, sendo perceptível
a finalidade já exposta de obtenção de mão de obra para encargos desprezados pelo brasileiro
em determinadas regiões: claramente é o caso da região metropolitana de Curitiba, pelos
elevados índices de admissão de trabalhadores, inclusive figurando em primeiro lugar nos
relatórios divulgados pelo Observatório de Migração Internacional.
Caracteriza-se, assim, a mobilidade do trabalho pelo capital: uma prática que atrai o
imigrante, considerando sua vulnerabilidade, a se deslocar a um país desconhecido, onde
enfrentará diversas dificuldades de adaptação e recepção, estará desamparado pelo governo
local, carente de leis que regulamentem sua situação ou lhe assegurem proteção social ou
jurídica, contexto no qual se verá obrigado a aceitar profissões com exercício de atividade
desagradável, penosa, rejeitada pelos trabalhadores nacionais, em regra submetido a condições
precárias e indignas, com remuneração incompatível e flagrante violação a diversos direitos
trabalhistas. Saliente-se, enfim, os casos de informalidade que além de tudo mascaram as
estatísticas e relatórios sobre o número de trabalhadores imigrantes inseridos no mercado
brasileiro.
Diante de tal cenário, considera-se de singular importância a ratificação da Convenção
nº 143 da Organização Internacional do Trabalho, nominada como “Convenção sobre as
imigrações efetuadas em condições abusivas e sobre a promoção da igualdade de oportunidades
126
e de tratamento dos trabalhadores migrantes”, percebendo-se simultaneamente a relevância da
manutenção da desigualdade ao capital como razão maior da ausência da postulada ratificação.
A mudança de paradigma pela ratificação da Convenção nº 143 da OIT pode representar
a consagração de uma hospitalidade incondicionada, de uma recepção que propicie ao imigrante
a adaptação digna no Brasil a partir da existência de instrumentos de proteção social e jurídica
legalmente asseguradas.
Em que pese a aludida Convenção não seja uma medida de natureza política, e sim
jurídica, no sentido de regulamentação dos direitos do trabalhador imigrante, esta prevê em seus
artigos 10 e 12 a obrigatoriedade, pelos seus membros, de formulação e aplicação de políticas
públicas para garantia da igualdade entre nacionais e imigrantes no que diz respeito a
oportunidades e ao tratamento em questões sociais relevantes como o trabalho, a segurança
social e os direitos sindicais.
A ratificação de tal Tratado Internacional implicaria, portanto, em compromissos
governamentais no que concerne à atividade do Poder Executivo no desenvolvimento de
políticas públicas, sobretudo pela necessidade de intervenção estatal na ordem econômica,
mormente pela imposição de uma condição de igualdade entre nativos e imigrantes em questões
como oportunidade de trabalho, direitos sindicais e acesso à previdência.
Trata-se, portanto, de obrigação do governo brasileiro que decorreria da ratificação da
Convenção nº 143 da OIT, resultando na promoção de políticas públicas em favor do
trabalhador imigrante. Percebe-se, portanto, que justamente por tal encargo previsto pelo
Tratado é que sua ratificação ainda não ocorreu, mesmo com os intensos fluxos migratórios e
com a necessidade de proteção social ao imigrante.
Não há previsão de ratificação da Convenção nº 143 e tal situação subsistirá, uma vez
que pelos dados analisados ao longo da pesquisa e pelos recentes acontecimentos políticos,
constata-se que tal medida não se coaduna com a lógica do governo brasileiro pós-golpe, e essa
percepção se dá tanto pelo comportamento de alguns brasileiros, pautado em preconceito e
xenofobia, quanto pela cultura escravista do empresário, sobretudo da Região Sul, que “busca”
imigrantes justamente em razão de sua vulnerabilidade, para submetê-los à máxima exploração
possível, em condição desigual com relação ao brasileiro, tendo com isso um fator facilitador
da pretensão de alimentar o vício pelo lucro provocado por um sistema egoístico que despreza
valores e direitos como a vida, a liberdade e a dignidade do trabalhador.
Não há como aceitar um sistema que coisifica uma pessoa para explorar o máximo de
sua produtividade em prol de enriquecimento. Essa cultura deve ser duramente enfrentada, por
127
meio de resistência que deve persistir mesmo em momentos de instabilidade política e
econômica, como o atual.
A resistência carece, hoje, de representatividade política e sindical – carência evidente
no caso dos imigrantes – e de ações sociais como as desempenhadas pelas Universidades,
descritas no segundo capítulo, que são indispensáveis à adaptação dos imigrantes, como é o
caso das aulas de português no Centro de Línguas da Universidade Federal do Paraná, o que foi
indicado por unanimidade no depoimento de todos os entrevistados.
O cenário preenchido, assim, por um lado pelas dificuldades e limitações legais e, por
outro, pela iniciativa de professores e estudantes das Universidades em Programas de Extensão,
demonstra claramente o caminho a seguir para a promoção da resistência e da luta pela proteção
jurídica e social do imigrante no Brasil: a disposição, a energia, a vontade e o dinamismo da
academia no desenvolvimento de projetos sociais e programas de extensão.
A solução, no entanto, não deve se limitar aos programas de extensão universitária, uma
vez que a durabilidade depende dos professores sensibilizados com a causa e não possui
recursos ou o alcance necessários, sobretudo em virtude do crescentes fluxos migratórios
recebidos pelo Brasil, mas também em virtude da imposição, pelo sistema capitalista, da
precarização do trabalho, que se desenha a partir da crise econômica, da questão racial, da
xenofobia e da situação própria do migração, fatores que agravam a vulnerabilidade, além da
ausência de leis que propiciem a proteção, tornando desamparado o trabalhador imigrante, em
situação contrária ao modelo de hospitalidade e acolhimento que se entende ideal e condizente
com os valores constitucionais e humanitários pregados formalmente pelo Brasil.
128
REFERÊNCIAS
AGÊNCIA BRASIL – EMPRESA BRASIL DE COMUNICAÇÃO. IPEA: país não vive pleno emprego nem há falta de mão de obra qualifica. 07/10/2013. Disponível em: <
http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-10-07/ipea-pais-nao-vive-pleno-emprego-nem-ha-falta-de-mao-de-obra-qualificada>. Acesso em: 03 set. 2016. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Xenofobia: medo e rejeição ao estrangeiro. São Paulo: Cortez, 2016. ALLEGRI, Ermanno. Refundar uma nação livre e soberana. In: SANTIAGO, Adriana (Org.). Haiti por si: a reconquista da independência roubada. Fortaleza: Adital, 2013. ALMEIDA, Antônio Alves de. Pastorais lutam por trabalho livre e digno. In: FIGUEIRA, Ricardo Rezende; PRADO, Adonia Antunes; SANT’ANA JÚNIOR, Horácio Antunes (Org). Trabalho Escravo Contemporâneo: um debate transdisciplinar. Rio de Janeiro: Mauad X, 2011. ALVES, Giovanni. Dimensões da precarização do trabalho – ensaios de sociologia do trabalho. 2. ed. Londrina: Práxis, 2007. __________. Dimensões da reestruturação produtiva – ensaios de sociologia do trabalho. 2. ed. Bauru: Canal 6 (Projeto editorial práxis), 2007. __________. O novo (e precário) Mundo do Trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2005. __________. Trabalho e subjetividade: O espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo, 2011. AMADOR, Solange Monteiro. Metamorfose do trabalho: direitos “informais”, deveres escravos. 2014. 168 f. TESE (Doutorado em Serviço Social) – Pontíficia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014. ANTUNES, Ricardo. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005. __________. O continente do labor. São Paulo: Boitempo, 2011.
129
__________. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2. ed. 10. rev. São Paulo: Boitempo, 2013. ANTUNES, Ricardo; PRAUN, Luci. A sociedade dos adoecimentos no trabalho. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 123, p. 407-427, set. 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-66282015000300407&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 15 dez. 2015. BALÁN, Jorge. Migrações e desenvolvimento capitalista no Brasil: ensaio de interpretação histórico-comparativa. In: Estudos Cebrap. n. 5, julho-agosto-setembro. São Paulo: Editora Brasileira de Ciências Ltda., 1973. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Trad. Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2011. BASSANEZI, Maria Silvia C. Beozzo; SCOTT, Ana Silvia Volpi; BACELLAR, Carlos de Almeida Prado; TRUZZI, Oswaldo Mário Serra; GOUVÊA, Marina. Repertório de legislação brasileira e paulista referente à imigração. São Paulo: Editora UNESP, 2008. BENTO, Maria Aparecida Silva; CARONE, Iray. Psicologia Social do Racismo: Estudos sobre Branquitude e Branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Tradução de Padre Antônio Pereira de Figueredo. Rio de Janeiro: Enciclopédia Britânica, 1980. BLOG DA BOITEMPO. Michael Löwy: Escravagistas de ontem e hoje. Disponível em: < https://blogdaboitempo.com.br/2016/08/15/michael-lowy-escravagistas-de-ontem-e-de-hoje/>. Acesso em 26 ago. 2016. BRASIL. Constituição (1967): Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1967. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm>. Acesso em 24 out. 2006. __________. Constituição: República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
130
__________. Decreto nº 6.975, de 07 de outubro de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6975.htm>. Acesso em 01 set. 2016. __________. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. __________. Decreto-Lei 5.452, de 1º de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em 03 set. 2016. __________. Lei 9.474, de 22 de julho de 1997. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9474.htm>. Acesso em 03 set. 2016. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Comissão aprova projeto que muda definição de trabalho escravo no Código Penal. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOSHUMANOS/486200-COMISSAO-APROVA-PROJETO-QUE-MUDADEFINICAO-DE-TRABALHO-ESCRAVO-NO-CODIGO-PENAL.html>. Acesso em: 28 de set. 2015. __________. Convenção nº 143 da OIT Relativa às Migrações em Condições Abusivas e à Promoção da Igualdade de Oportunidades e de Tratamento dos Trabalhadores Migrantes. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-externa/ConvRelMigCondAbu.html>. Acesso em: 31 ago. 2016. __________. Decreto Legislativo nº 86, de 14 de dezembro de 1989. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/1989/decretolegislativo-86-14-dezembro-1989-358807-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 31 ago. 2016. CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1962. CÁRITAS BRASILEIRA. Centro de Referência em Direitos Humanos Dom Helder Câmara é inaugurado em Curitiba. Disponível em: <http://caritas.org.br/centro-de-referencia-em-direitos-humanos-dom-helder-camara-e-inaugurado-em-curitiba/25985>. Acesso em 28 de jul. 2015. CASTEL, Robert. A insegurança social: o que é ser protegido? Petrópolis: Vozes, 2005.
131
CAVALCANTI, Leonardo; OLIVEIRA, Antonio Tadeu; TONHATI, Tânia (Orgs.) A inserção dos imigrantes no mercado de trabalho brasileiro. Brasília: Cadernos do Observatório das Migrações Internacionais, 2014. CAVALCANTI, Leonardo; OLIVEIRA, Antonio Tadeu; TONHATI, Tânia; DUTRA. Delia, A inserção dos imigrantes no mercado de trabalho brasileiro. Relatório Anual 2015. Observatório das Migrações Internacionais; Ministério do Trabalho e Previdência Social/Conselho Nacional de Imigração e Coordenação Geral de Imigração. Brasília, DF: OBMigra, 2015 CAVALCANTI, Leonardo. Novos fluxos migratórios: haitianos, senegaleses e ganeenses no mercado de trabalho brasileiro. In: GEDIEL, José Antônio Peres Gediel; GODOY, Gabriel Gualano de (Org.). Refúgio e hospitalidade. Curitiba: Kairós Edições, 2016. DEPARTAMENTO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA. Paraná investe em políticas públicas para acolhimento de refugiados. 21/06/2016. Disponível em: <
http://www.dedihc.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=3825>. Acesso em 03 set. 2016. CHAVES JÚNIOR, Elizeu de Oliveira. Um olhar sobre o Haiti: refúgio e migração com parte da história. Brasília: LGE Editora, 2008. CONSELHO NACIONAL DE IMIGRAÇÃO. Guia de Informação sobre trabalho aos haitianos. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2012. CORSINI, Leonora. O Brasil e a nova Lei de Estrangeiros. In: Revista Global Brasil, Edição 11 – Trânsitos, 2010. Disponível em: <http://www.revistaglobalbrasil.com.br/?p=19>. Acesso em: 13 jan. 2016. COSTA, Emília Viotti da. A abolição. 9. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2010. __________. Da senzala à colônia. 4. ed. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. CURSINO, Carla Alessandra; GRAHL, João Arthur Pugsley; RAGGIO, Isabel Zaiczuk; SANTOS, Jovania Perin. Ensino de português brasileiro para alunos refugiados: uma experiência realizada no projeto PBMIH-CELIN/UFPR. In: GEDIEL, José Antônio Peres Gediel; GODOY, Gabriel Gualano de (Org.). Refúgio e hospitalidade. Curitiba: Kairós Edições, 2016.
132
DALMONTE, Edson Fernando; VIDAL, Renata Inah de Almeida. Um olhar sobre a relação entre o Brasil e o Haiti por meio da cobertura das revistas Veja e Istoé. Século XXI, Porto Alegre, v. 2, n. 2, jul-dez 2011. DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. 3. ed. Trad. Luiz Alberto Monjardim. Rio de Janeiro: FGV, 2000. __________. A loucura do trabalho. 5. ed. São Paulo: Oboré, 1980. DOMINGUES, Petrônio José. Negros de almas brancas? A ideologia do branqueamento no interior da comunidade negra em São Paulo, 1915-1930. Estud. afro-asiát., Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 563-600, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-546X2002000300006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 07 abr. 2016. ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2010. FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS DA CONSTRUÇÃO E DO MOBILIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ. MPT investigará construtoras que lesaram haitianos. Disponível em: <http://fetraconspar.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=40468:mpt-investigara-construtoras-que-lesaram-haitianos&catid=170:trabalho&Itemid=86>. Acesso em 10 jun. 2016. FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes - vol. 1. 5. ed. São Paulo: Globo, 2008. __________. A sociologia numa Era de Revolução Social. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. __________. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o “poder institucional”. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1979. __________. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1972.
133
FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Pisando fora da própria sombra: A escravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. FOLHA UOL. Brasil concederá permanência a 45 mil haitianos que chegaram desde 2010. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/11/1704865-brasil-concedera-permanencia-a-45-mil-haitianos-que-chegaram-desde-2010.shtml >. Acesso em 14 jun. 2016. __________. Para fugir da crise, haitianos trocam o Brasil pelo Chile. Disponível em: <
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/05/1768958-para-fugir-da-crise-haitianos-trocam-o-brasil-pelo-chile.shtml>. Acesso em 01 set. 2016. FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livras na ordem escravocrata. 4. ed. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1997. FRONTEIRA URGENTE. Estudante haitiano é agredido em Foz do Iguaçu por questões políticas. Disponível em: <http://fronteiraurgente.com.br/estudante-haitiano-e-agredido-em-foz-do-iguacu-por-questoes-politicas/>. Acesso em 10 jun. 2016. G1 – GLOBO. Brasil autoriza permanência definitiva a 44 mil refugiados haitianos. Disponível em: <http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2015/11/brasil-autoriza-permanencia-definitiva-44-mil-refugiados-haitianos.html>. Acesso em 14 jun. 2016. __________. Haitianos que saíram de abrigo superlotado no Acre chegam ao Paraná. Disponível em: <http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/05/haitianos-que-sairam-de-abrigo-superlotado-no-acre-chegam-ao-pr.html>. Acesso em 28 de jul. 2015. __________. MPT encontra haitianos vivendo em situação precária em Umuarama. Disponível em: <http://g1.globo.com/pr/norte-noroeste/noticia/2015/11/mpt-encontra-haitianos-vivendo-em-situacao-precaria-em-umuarama.html>. Acesso em 14 jun. 2016. GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Trad. Sergio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 2015. GAUDEMAR, Jean-Paul de. Mobilidade do Trabalho e Acumulação de Capital. Lisboa: Editorial Estampa, 1977. GAZETA DO POVO. Haitianos começam a desistir do sonho brasileiro. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/especiais/sonho-haitiano/haitianos-comecam-a-desistir-do-sonho-brasileiro-dvdnp7f7bekwvkblkuzwpmmu5>. Acesso em 01 set.
134
2016. __________. O Haiti é aqui no Paraná. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/o-haiti-e-aqui-no-parana-3apkj3juaemb1hszwl2tebia6>. Acesso em 28 de jul. 2015. __________. Paraná acolhe grupo de refugiados do Haiti. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/parana-acolhe-grupo-de-refugiados-do-haiti-89w6ol7wugiwvgy9v0hvufoem>. Acesso em 28 de jul. 2015. GEDIEL, José Antônio Peres; CASAGRANDE, Melissa Martins; KRAMER, Josiane Caldas. Universidade e Hospitalidade: uma introdução ou mais um esforço! In: GEDIEL, José Antônio Peres; GODOY, Gabriel Gualano de (Org.). Refúgio e hospitalidade. Curitiba: Kairós Edições, 2016. GEDIEL, José Antônio Peres; CASAGRANDE, Melissa Martins. A migração haitiana recente para o Brasil: bases teóricas e instrumentos político-jurídicos. In: Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD, Dourados, v. 4, n. 8, p. 97-110, jul./dez., 2015. GEDIEL, José Antônio Peres; GODOY, Gabriel Gualano de (Org.). Refúgio e hospitalidade. Curitiba: Kairós Edições, 2016. GODOY, Gabriel Gualano de. Asilo e hospitalidade: sujeitos, política e ética do encontro. 2016. 300 f. TESE (Doutorado em Direito) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. GOMES, Fábio Guedes. Mobilidade do trabalho e controle social: trabalho e organizações na Era Neoliberal, In: Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 17, n. 32, p. 33-49, fev. 2009. GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo: Ática, 1990. GORZ, André. Immigrant Labour, In: New Left Review I. Londres, n. 61, Maio-Junho 1970. Disponível em: < https://newleftreview.org/I/61/andre-gorz-immigrant-labour>. Acesso em: 07 jul. 2016. GRUPO DE PESQUISA TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO. Disponível em: <http://www.gptec.cfch.ufrj.br/>. Acesso em 28 de jul. 2015.
135
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 27. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. IANNI, Octavio. As metamorfoses do escravo: Apogeu e crise da escravatura no Brasil Meridional. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1962. IBOPE INTELIGÊNCIA. 50% da população brasileira considera negativa a vinda de trabalhadores estrangeiros para o país. Disponível em: <http://ibopeinteligencia.com/noticias-e-pesquisas/50-da-populacao-brasileira-considera-negativa-a-vinda-de-trabalhadores-estrangeiros-para-o-pais/> Acesso em 04 de jun. 2016. JORNAL GGN. Falta mão de obra de baixa qualificação, segundo estudo do IPEA. 08/10/2013. Disponível em: < http://jornalggn.com.br/noticia/falta-mao-de-obra-de-baixa-qualificacao-segundo-estudo-do-ipea>. Acesso em 03 de set. 2016. LESSA, Sérgio. A centralidade ontológica do trabalho em Lukács. Serviço social e sociedade, São Paulo, v.52, p. 7-23. 1996. __________. Cadê os operários? São Paulo: Instituto Lukács, 2014. __________. Capital e Estado de Bem-estar: O caráter de classe das políticas públicas. São Paulo: Instituto Lukács, 2013. LIMA, Benedito. SURKAMP, Luize. Erva-mate: erva que escraviza. Fortaleza, La Barca, 2012. LÖWY, Michael. Escravagistas de ontem e de hoje. In: Blog da Boitempo. Disponível em: <https://blogdaboitempo.com.br/2016/08/15/michael-lowy-escravagistas-de-ontem-e-de-hoje/>. Acesso em: 02 set. 2016. LOPES, Cristiane Sbalqueiro. A atuação do Ministério Público do Trabalho em matéria de imigração e refúgio. In: GEDIEL, José Antônio Peres; GODOY, Gabriel Gualano de (Org.). Refúgio e hospitalidade. Curitiba: Kairós Edições, 2016. LUKÁCS, György. Prolegômenos para uma ontologia do ser social: questões de princípios para uma ontologia hoje tornada possível. Trad. Lya Luft e Rodnei Nascimento. São Paulo: Boitempo, 2010.
136
MACHADO, Igor José de Renó. Imobilizações da diferença e os fantasmas de controle: reflexões sobre a produção legislativa recente sobre os imigrantes no Brasil. In: GEDIEL, José Antônio Peres; GODOY, Gabriel Gualano de (Org.). Refúgio e hospitalidade. Curitiba: Kairós Edições, 2016. MAGALHÃES, Luís Felipe Aires. Migração Internacional e Remessas de Migrantes: Elementos para uma Análise Marxista. In: Informe Gepec, Toledo, v. 15, número especial, p. 459-477, 2011. MANDALOZZO, Silvana Souza Netto; GUNTHER, Luiz Eduardo. Proteção trabalhista no Brasil. In: SILVA, Lenir Aparecida Mainardes da; MANDALOZZO, Silvana Souza Netto; MENDES; Jussara Maria Rosa (Org.). Trabalho e Proteção Social. Ponta Grossa: Estudio Texto, 2014. MANDALOZZO, Silvana Souza Netto; SILVA, Lenir Aparecida Mainardes da. A Agenda do Trabalho Decente no Contexto do Mercosul. In: COSTA, Lúcia Cortes da; NOGUEIRA, Vera Maria Ribeiro; SILVA; Vini Rabassa da. A Política Social na América do Sul: perspectivas e desafios no século XXI. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2013. MARTINS, José de Souza. A imigração e a crise do Brasil Agrário. São Paulo: Pioneira, 1973. __________. A reprodução do capital na frente pioneira e o renascimento da escravidão no Brasil. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 6(1-2): 1-25, 1995. __________. A sociedade vista do abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. __________. O cativeiro da terra. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2015. MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013. MAZZEO, Antonio Carlos. Estado e burguesia no Brasil: origens da autocracia burguesa. 3. ed. São Paulo: Boitempo, 2015. MEJÍA, Margarita Rosa Gaviria; CAZAROTTO, Rosmari. Fatores de vulnerabilidade social e mecanismos de proteção social subjacente à migração de haitianos para o Brasil. In: ANAIS DO XII SEMINÁRIO NACIONAL DEMANDAS SOCIAIS E POLÍTICAS
137
PÚBLICAS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA. ISSN: 2447-8229. Universidade de Santa Cruz do Sul: 2016. MERCOSUR. Organización Internacional para las Migraciones y el Instituto Social del MERCOSUR buscan definir agenda de trabajo conjunta. Disponível em: <http://www.mercosur.int/innovaportal/v/7896/2/innova.front/organizacion-internacional-para-las-migraciones-y-el-instituto-social-del-mercosur-buscan-definir-agenda-de-trabajo-conjunta>. Acesso em 31 ago. 2016. MÉSZÁROS, István. Para além do Capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002. MILANO, Giovanna Bonillha; GEDIEL, José Antônio Peres. Igualdade racial e territórios tradicionalmente ocupados por quilombolas. In: SILVA, Eduardo Faria; GEDIEL, José Antônio Peres; TRAUCZYNSKI, Silvia Cristina (Org). Direitos humanos e políticas públicas. Curitiba: Universidade Positivo, 2014. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Sistema de Refúgio brasileiro: Desafios e perspectivas. Disponível em: < http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Estatisticas/Sistema_de_Refugio_brasileiro_-_Refugio_em_numeros_-_05_05_2016.pdf>. Acesso em 26 ago. 2016. MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Aspectos conceituais da vulnerabilidade social. Convênio TEM – DIEESE. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2007. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NO PARANÁ. MPT-PR investiga caso de trabalhador haitiano que diz ter sido xingado de “macaco”. Disponível em: <http://www.prt9.mpt.gov.br/procuradorias/prt-curitiba/757-mpt-pr-investiga-caso-de-trabalhador-haitiano-que-diz-ter-sido-xingado-de-macaco>. Acesso em 14 jun. 2016. MONTEIRO, Simone Rocha da Rocha Pires. O marco conceitual da vulnerabilidade social. In: Sociedade em Debate, Pelotas, 17(2): 29-40, jul-dez/2011. MORAES, Isaias Albertin; ANDRADE, Carlos Alberto Alencar de; MATTOS, Beatriz Rodrigues Bessa. A imigração haitiana para o Brasil: causas e desafios. In: Revista Conjuntura Austral, v. 4, n. 20, p. 95-114, out./nov. 2013. MOURA, Rosa; CARDOSO, Nelson Ari. MOBILIDADE TRANSFRONTEIRIÇA: o ir e vir na fronteira do possível. In: SILVA, Eduardo Faria; GEDIEL, José Antônio Peres; TRAUCZYNSKI, Silvia Cristina (Org). Direitos humanos e políticas públicas. Curitiba: Universidade Positivo, 2014.
138
NEGRI, Antonio; COCCO, Giuseppe. GloBAL: biopoder e lutas em uma América Latina globalizada. Rio de Janeiro: Record, 2005. NUNES, José Walter; OLIVEIRA, Susana Damasceno de. Evidências da construção da figura do imigrante qualificado no Brasil: uma leitura a partir da Lei nº 6.815/80. In: VASCONCELOS, Ana Maria Nogales; BOTEGA, Tuíla. (Org.). Política migratória e o paradoxo da globalização. Porto Alegre: EDIPUCRS, Brasília: CSEM, 2015. O GLOBO. Brasil não vive situação de pleno emprego e sofre falta de mão de obra de baixa qualificação, diz IPEA. 07/10/2013. Disponível em: <
http://oglobo.globo.com/economia/brasil-nao-vive-situacao-de-pleno-emprego-sofre-falta-de-mao-de-obra-de-baixa-qualificacao-diz-ipea-10278670>. Acesso em: 03 set. 2016. OBMIGRA. A movimentação do trabalhador estrangeiro no mercado de trabalho formal: CTPSCAGED, Relatório Trimetral Jan – Mar 2016/ Observatório das Migrações Internacionais; Ministério do Trabalho e Previdência Social/ Conselho Nacional de Imigração. Brasília, DF: OBMigra, 2016. OPERA MUNDI. ‘Alguns brasileiros tratam os haitianos como escravos’, diz organização de defesa dos imigrantes. Disponível em: < http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/43152/alguns+brasileiros+tratam+os+haitianos+como+escravos+diz+organizacao+de+defesa+dos+imigrantes.shtml>. Acesso em 14 jun. 2016. ORGANIZACIÓN INTERNACIONAL DEL TRABAJO. Ratificación del C143 – Convenio sobre los trabajadores migrantes (disposiciones complementarias), 1975 (núm. 143). Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:11300:0::NO::P11300_INSTRUMENT_ID:312288>. Acesso em 31 ago. 2016. PANIAGO, Maria Cristina Soares. O controle do capital: uma impossibilidade objetiva. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 64, 2000. __________. Capital e trabalho - uma relação de subordinação hierárquica incontornável e incontrolável. Temporalis, Brasília, n.6, jul./dez. 2002. PATARRA, Neide Lopes. Migrações internacionais: teorias, políticas e movimentos sociais. In: Estud. av., São Paulo, v. 20, n. 57, p. 7-24, ago. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142006000200002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 13 dez. 2015.
139
PAULA, Júlia de. Trabalho escravo contemporâneo e trabalho degradante: uma distinção necessária. In: FIGUEIRA, Ricardo Rezende; PRADO, Adonia Antunes; GALVÃO, Edna Maria (Org). Privação de liberdade ou atentado à dignidade: escravidão contemporânea. Rio de Janeiro: Mauad X, 2013. PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 41. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ. A Pontifícia Universidade Católica do Paraná oferece curso gratuito de Língua Portuguesa para Haitianos, proporcionando, ainda, odontologia, biblioteca e tecnologias. Disponível em: <http://www.pucpr.br/noticia.php?ref=1&id=2014-08-29_53246> e <http://www.pucpr.br/noticia.php?ref=1&id=2015-09-25_59413>. Acesso em 28 de set. 2015. REDE BRASIL ATUAL. Das 482 empresas que ofereceram emprego para haitianos, só 78 puderam contratar. 30.6.2014. Disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2014/06/das-482-empresas-que-ofereceram-emprego-para-haitianos-so-78-puderam-contratar-8502.html>. Acesso em: 29 out. 2015. REQUIÃO, Ricardo Bezerra. Entrada pela porta dos fundos: os determinantes domésticos e internacionais da proteção brasileira aos direitos humanos dos trabalhadores migrantes internacionais. 2015. 190 f. DISSERTAÇÃO (Mestrado em Relações Internacionais) – Universidade de Brasília, Brasília, 2015. RICMAIS. Hotel é denunciado por trabalho escravo em Balneário Camboriú. 09/11/2015. Disponível em: <http://ricmais.com.br/sc/rictv-itajai/videos/CLuVvai0rWU/hotel-e-denunciado-por-trabalho-escravo-em-balneario-camboriu/>. Acesso em 03 set. 2016. RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2012. RICUPERO, Bernardo. Sete lições sobre as interpretações do Brasil. 2. ed. São Paulo: Alameda, 2008. SAYAD, Abdelmalek. A imigração. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 1991. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
140
SECRETARIA DE ASSUNTOS ESTRATÉGICOS. IPEA: país não vive pleno emprego nem há falta de mão de obra qualifica. 07/10/2013. Disponível em: <http://www.sae.gov.br/imprensa/sae-na-midia/ipea-pais-nao-vive-pleno-emprego-nem-ha-falta-de-mao-de-obra-qualificada-ebc-07-10-2013/>. Acesso em 03 set. 2016. SILVA, Eduardo Faria; GEDIEL, José Antônio Peres; TRAUCZYNSKI, Silvia Cristina (Org). Direitos humanos e políticas públicas. Curitiba: Universidade Positivo, 2014. SILVA, Uelber Barbosa. Racismo e alienação: uma aproximação à base ontológica da temática racial. São Paulo: Instituto Lukács, 2012. STAMM, Cristiano. Determinantes do movimento de trabalhadores pendulares na aglomeração urbana do Nordeste do Rio Grande do Sul: uma análise a partir dos transportes coletivos. 2013. 279 f. TESE (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013. SOUZA, Jessé. Os batalhadores brasileiros – Nova classe média ou nova classe trabalhadora? Belo Horizonte: UFMG, 2012. TONET, Ivo; LESSA, Sérgio. Introdução à Filosofia de Marx. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011. UNIÃO GERAL DOS TRABALHADORES. Embaixador brasileiro discursa na Comissão de Normas da 105ª Conferência da OIT. Disponível em: <http://www.ugt.org.br/index.php/post/13488-Embaixador-Brasileiro-discursa-na-Comissao-de-Normas-da-105-Conferencia-da-OIT>. Acesso em 31 ago. 2016. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. A Universidade Federal do Paraná instituiu Termo de Cooperação pelo qual promove Programa de Extensão para atendimento de imigrantes e refugiados com relação à Política Migratória. Disponível em: <http://www.ufpr.br/portalufpr/blog/noticias/ufpr-e-ministerio-publico-do-trabalho-assinam-termo-de-cooperacao-em-acoes-de-apoio-a-imigrantes-e-refugiados/>. Acesso em 28 de jul. 2015. VAINER, Carlos. Estado e Migração no Brasil: da imigração à emigração. In: PATARRA, Neide Lopes. (coord.). Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: FNUAP, 1995.
141
VASCONCELOS, Ana Maria Nogales; BOTEGA, Tuíla. (ORG). Política Migratória e o paradoxo da globalização. Porto Alegre: EDIPUCRS, Brasília: CSEM, 2015. VIOR, Eduardo. Por que o Estado do Paraná precisa da livre circulação das pessoas. In: SILVA, Eduardo Faria; GEDIEL, José Antônio Peres; TRAUCZYNSKI, Silvia Cristina (Org). Direitos humanos e políticas públicas. Curitiba: Universidade Positivo, 2014. ZAMBERLAM, Jurandir; CORSO, Giovane; CIMADON, João Marcos; BOCCHI, Lauro. Os novos rostos da imigração no Brasil – haitianos no Rio Grande do Sul. CIBAI Migrações. Pastoral da Mobilidade Humana, Brasil, 2014.
142
APÊNDICES
143
ENTREVISTAS TRANSCRITAS:
1) Identificação: ABEL 1.1. Nome: Sem identificação, por solicitação do entrevistado. 1.2. Data de Nascimento: 25/08/1983. 1.3. Sexo: Masculino. 1.4. Escolaridade: Superior. Se fez curso superior, qual? Direito. Cursando no Brasil para
“validar” o curso feito no Haiti. 1.5. Estado civil: casado. 1.6. Língua materna: crioulo e francês. 2) Situação de moradia Endereço: Curitiba. Casa – própria ( ) alugada (X) cedida ( ) financiada ( ) Divide com outras famílias? Dois amigos. Facilidades e dificuldades para adquirir a moradia: Teve facilidade em adquirir a moradia, pois passou a morar com amigos que já estavam no Brasil residindo no imóvel alugado quando chegou. 3) Situação familiar 3.1. Se é casado ou tem companheira- Sim (X) Não ( ) -Tem filhos Sim ( ) Não (X) 3.2.Vieram junto ao Brasil - Sim (X) Não ( ) (a esposa) 3.3. Se vieram como estão se organizando? A esposa veio, mas já voltou ao Haiti porque não
gostou do Brasil pelas diferenças daqui, especialmente em razão da limitada situação financeira no Brasil, porque o salário recebido (salário mínimo nacional) é insuficiente para as despesas.
3.4. Dificuldades encontradas organizar-se com seus familiares em relação a: apontou a dificuldade com a comunicação, bem como em pagar o aluguel, que no Haiti seria feito em apenas um pagamento por ano, enquanto a despesa mensal com moradia no Brasil é complicada, “gasta muito para alugar uma casa”, sendo exigido fiador ou seguro-fiança. Além disso, o salário que recebe é insuficiente para suas despesas. A vida é muito diferente aqui e tem como viver melhor no Haiti mesmo com as limitações de oportunidade e renda, pois as despesas são menores lá.
(4) Ingresso no Brasil: 4.1 Em que ano chegou ao Brasil: agosto de 2013. 4.2. Como era a vida no Haiti? Até o terremoto, a vida era boa quanto ao trabalho e às condições. Como o terremoto aconteceu em Porto Príncipe (capital do Haiti) e o país é pequeno, sua economia foi abalada e cessaram as oportunidades, não só de trabalho, mas também de estudo. 4.3. O que motivou sua decisão pela imigração? A vontade de estudar, de se especializar em
Direito Internacional. 4.4. O que o levou à escolha pelo Brasil? Tinha muitos amigos haitianos no Brasil e o
oferecimento de um visto permanente, pelo qual teve de preencher um formulário na embaixada do Brasil em Porto Príncipe, no Haiti.
4.5. O que era esperado do Brasil? Oportunidade de especialização, estudo aprofundado. 4.6. Qual foi o percurso até chegar ao Brasil? E ao Paraná? Avião de Porto Príncipe até São Paulo, depois um avião de São Paulo até Curitiba.
144
4.7. Quais foram as dificuldades no percurso até chegar ao Brasil? E ao Paraná? Apenas financeiras para pagar a viagem. 4.8. Como foi a viagem? Cansativa. 4.9. Quais foram os custos da viagem? $ 2.000,00 (dois mil dólares). 4.10. Qual é a sua situação de permanência no Brasil? Visto permanente. 4.11. Como funciona o visto de trabalho e o procedimento para obtê-lo? Obteve o visto ainda no Haiti, o que lhe garante no Brasil pelo tempo que quiser. 4.12. Qual foi a realidade encontrada no Brasil e, em particular, no Paraná? Crítica com
relação à insuficiência do salário para pagar suas despesas, em especial a moradia. (5) Condições de trabalho no Brasil: 5.1. Profissão no Haiti e no Brasil: Formado em Direito no Haiti, trabalhava numa ONG denominada “Open Street Map” e numa rede de televisão de sua cidade, onde fazia edição e direção da programação. Chegou a atuar como ator. No Brasil é estudante do 2º ano do curso de Direito da Universidade Federal do Paraná e recebe bolsa de um salário mínimo nacional referente ao trabalho no Projeto de Política Migratória da mesma Universidade. 5.2. Onde trabalha? Na Universidade Federal do Paraná, como bolsista do Projeto já
mencionado. 5.3. Se é mulher, sofreu ou sofre alguma discriminação? Prejudicada. 5.4. Trabalha há quanto tempo lá? Um ano. 5.5. Onde trabalhou antes? Por quanto tempo? Porque saiu do emprego anterior? Já lecionou sua língua materna, o “crioulo”, junto ao Centro de Línguas e Interculturalidade da Universidade Federal do Paraná. Parou para atuar junto ao Projeto no qual participa atualmente de Políticas Migratórias. 5.6. Tem registro? CTPS? Visto? Como é regularizada sua situação de trabalho? Possui visto permanente de trabalho e como é bolsista, não possui registro na CTPS. 5.7. Qual a função/atividade que executa? Ajuda no atendimento aos imigrantes, especialmente com a comunicação. 5.8. Percebe diferenças no trabalho com relação ao trabalhador nativo no tratamento dos empregadores? Relata diversas situações que tem conhecimento de abuso sofrido pelo haitiano, que trabalha em jornadas de trabalho exaustivas, não recebe horas extras e tem renda inferior aos brasileiros que atuam na mesma função e na mesma empresa. 5.9. Como é o tratamento dos colegas de trabalho brasileiros? Muito bom. 5.10. Qual é a sua jornada de trabalho (carga horária) diária e semanal? 20 horas semanais. 5.11. De quanto tempo é o intervalo diário entre manhã e tarde? Não há. 5.12. Você trabalha sábados e domingos? Tem um dia de descanso por semana? Descansa sábados e domingos. 5.13. Como é o ambiente de trabalho em relação à higiene e à conservação? Muito bom. 5.14. O seu local de trabalho possui sanitário e refeitório disponíveis? Sim. 5.15. Você realiza atividades penosas, insalubres ou perigosas? Recebe equipamento de proteção? Apenas o atendimento. Não há perigo, nem atividade penosa ou insalubre. 5.16. Você recebe instruções para o uso de equipamento de proteção? Prejudicada. 5.17. Qual é a sua remuneração? Respeita o piso da sua categoria? Salário mínimo nacional. 5.18. Você é pago por horas extras trabalhadas? Não faz horas extras. 5.19. Você possui acesso à previdência social? A empresa onde você trabalha o orienta sobre isso? Não possui, pois faz apenas estágio. 5.20. Quando precisa resolver situações de saúde onde procura? Nunca precisou. 5.21. Se utiliza Unidades de Saúde, é bem atendido? Prejudicada. 5.22. Já se machucou no trabalho? Não.
145
5.23. Você tem acesso ao sindicato? Recebe auxílio do sindicato de sua categoria? Os sindicatos entraram em contato no ano passado para solicitar auxílio na comunicação com outros haitianos. Conseguiram seu contato pelas aulas de crioulo. 5.24. Há assistência ou proteção ao imigrante no Brasil? Muito precária e limitada. 5.25. Você se sente protegido e/ou amparado pelo governo brasileiro? E por outras instituições? Quais? Apenas pela Universidade Federal do Paraná. 5.26. Quais instituições de assistência ou proteção (social/jurídica) que procura? Como ocorre tal proteção? Nunca precisou. 5.27. Em que momento precisou delas? Prejudicada. 5.28. Em relação a língua, sofre problemas na comunicação? Sofreu quando chegou, nos primeiros meses. Agora está bem melhor. 5.29. Se sim, já procurou curso da língua portuguesa? Onde? Faz curso de língua portuguesa no CELIN aos sábados à tarde desde agosto de 2014, onde deu aulas de crioulo. (6) Futuro: 6.1. Qual é a sua expectativa morando no Brasil? Qual é o seu plano para o futuro? Quer terminar o curso de direito, fazer uma especialização em Direito Internacional no Brasil ou em outro país e voltar a morar no Haiti. 6.2. O que espera para sua família no Brasil? Não quer ficar no Brasil. -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
1) Identificação: JAMES 1.1.Nome: Sem identificação, por solicitação do entrevistado. 1.2. Data de Nascimento: 01/05/1987. 1.3. Sexo: Masculino. 1.4. Escolaridade: Médio. Se fez curso superior, qual? Não fez. 1.5. Estado civil: solteiro. 1.6. Língua materna: crioulo e francês. 2) Situação de moradia Endereço: São José dos Pinhais. Casa – própria ( ) alugada (X) cedida ( ) financiada ( ) Divide com outras famílias? Com o primo. Facilidades e dificuldades para adquirir a moradia: Dificuldade em alugar a casa pela exigência de fiador e pelo alto valor do aluguel. 3) Situação familiar 3.1. Se é casado ou tem companheira- Sim ( ) Não (X) -Tem filhos Sim ( ) Não (X) 3.2.Vieram junto ao Brasil – Prejudicada. 3.3. Se vieram como estão se organizando? Prejudicada. 3.4. Dificuldades encontradas organizar-se com seus familiares em relação a: Prejudicada. (4) Ingresso no Brasil: 4.1 Em que ano chegou ao Brasil: março de 2015. 4.2. Como era a vida no Haiti? Não havia expectativa de encontrar trabalho e é muito caro para estudar. A vida era “mais ou menos”, mas com muitas limitações financeiras e com poucas oportunidades de trabalho.
146
4.3. O que motivou sua decisão pela imigração? O interesse pela agronomia. Pelas informações que tinha do Brasil, acreditava que aqui poderia estudar agronomia. 4.4.O que o levou à escolha pelo Brasil? As terras e a possibilidade de aprender agronomia. 4.5. O que era esperado do Brasil? O contato com a terra, aulas de agronomia e oportunidades
de estudo e trabalho. 4.6. Qual foi o percurso até chegar ao Brasil? E ao Paraná? Avião de Porto Príncipe até a República Dominicana. Depois, outro avião da República Dominicana até o Equador. Do Equador, pegou um ônibus até o Brasil, chegando no Estado do Acre. Do Acre, pegou um ônibus até Curitiba. 4.7. Quais foram as dificuldades no percurso até chegar ao Brasil? E ao Paraná? O valor muito caro, o cansaço, a demora, as incertezas e o desconforto. 4.8. Como foi a viagem? Demorada e sem conforto. 4.9. Quais foram os custos da viagem? Não lembra. 4.10. Qual é a sua situação de permanência no Brasil? Visto permanente. 4.11. Como funciona o visto de trabalho e o procedimento para obtê-lo? Obteve o visto permanente facilmente com o auxílio dos advogados da Casa Latino Americana (CASLA). 4.12. Qual foi a realidade encontrada no Brasil e, em particular, no Paraná? A realidade foi a crise financeira e a dificuldade em conseguir emprego ou estudar, além das complicações para conseguir moradia e se comunicar com os brasileiros. Não conseguiu ainda contato com a terra ou estudo com a agronomia pelas dificuldades financeiras que não imaginava. (5) Condições de trabalho no Brasil: 5.1. Profissão no Haiti e no Brasil: No Haiti era professor de línguas para crianças, enquanto no Brasil trabalha como “serviços gerais”. 5.2. Onde trabalha? Em uma fábrica de suco, picolé e sorvete. 5.3. Se é mulher, sofreu ou sofre alguma discriminação? Prejudicada. 5.4. Trabalha há quanto tempo lá? Sete meses. 5.5. Onde trabalhou antes? Por quanto tempo? Porque saiu do emprego anterior? Não trabalhou antes, apenas procurou emprego entre março e agosto de 2015. 5.6. Tem registro? CTPS? Visto? Como é regularizada sua situação de trabalho? Possui visto permanente de trabalho, mas o empregador não quis registrá-lo. Perguntado sobre o motivo pelo qual aceitou a ausência de registro, explicou que como levou seis meses para conseguir o emprego, aceitou ficar sem o registro. 5.7. Qual a função/atividade que executa? Trabalha com as máquinas que fazem o suco e o picolé. 5.8. Percebe diferenças no trabalho com relação ao trabalhador nativo no tratamento dos empregadores? Ele e o outro haitiano que trabalham na empresa são os únicos que não são registrados. Além disso, acredita que recebe menos que os colegas e ele e seu colega haitiano tem que chegar antes dos demais empregados. 5.9. Como é o tratamento dos colegas de trabalho brasileiros? No começo era ruim, mas melhorou. 5.10. Qual é a sua jornada de trabalho (carga horária) diária e semanal? De segunda à sexta das 7 às 17 horas. Quando precisa trabalhar mais, recebe hora extra. 5.11. De quanto tempo é o intervalo diário entre manhã e tarde? Só pode parar para o intervalo quando termina a produção imposta pela manhã. 5.12. Você trabalha sábados e domingos? Tem um dia de descanso por semana? Não trabalha sábados e domingos. 5.13. Como é o ambiente de trabalho em relação à higiene e à conservação? Normal, muito limpo. 5.14. O seu local de trabalho possui sanitário e refeitório disponíveis? Apenas refeitório.
147
5.15. Você realiza atividades penosas, insalubres ou perigosas? Recebe equipamento de proteção? Não sabe dizer. Não há equipamento. Lida apenas nas máquinas de fazer suco e picolé. 5.16. Você recebe instruções para o uso de equipamento de proteção? Prejudicada. 5.17. Qual é a sua remuneração? Respeita o piso da sua categoria? Salário mínimo nacional. Não sabe dizer sobre o piso da categoria. 5.18. Você é pago por horas extras trabalhadas? É. Sempre que trabalha a mais, recebe a mais. 5.19. Você possui acesso à previdência social? A empresa onde você trabalha o orienta sobre isso? Não sabe do que se trata. Após explicação a respeito, diz que nunca foi informado sobre a previdência social. 5.20. Quando precisa resolver situações de saúde onde procura? Nunca precisou. 5.21. Se utiliza Unidades de Saúde, é bem atendido? Prejudicada. 5.22. Já se machucou no trabalho? Não. 5.23. Você tem acesso ao sindicato? Recebe auxílio do sindicato de sua categoria? Não sabe dizer. Nunca teve informação sobre sindicato. 5.24. Há assistência ou proteção ao imigrante no Brasil? Nunca recebeu. 5.25. Você se sente protegido e/ou amparado pelo governo brasileiro? E por outras instituições? Quais? Foi auxiliado pela Casa Latino Americana (CASLA) e pela Universidade Federal do Paraná. 5.26. Quais instituições de assistência ou proteção (social/jurídica) que procura? Como ocorre tal proteção? Recebeu ajuda da Casa Latino Americana (CASLA) para obter o visto permanente. 5.27. Em que momento precisou delas? Para obter o visto permanente. 5.28. Em relação a língua, sofre problemas na comunicação? Sofre. 5.29. Se sim, já procurou curso da língua portuguesa? Onde? Faz curso de língua portuguesa no CELIN aos sábados à tarde desde janeiro. (6) Futuro: 6.1. Qual é a sua expectativa morando no Brasil? Qual é o seu plano para o futuro? Pretende ficar no Brasil e aprender agronomia. Espera a oportunidade de lidar com a terra. 6.2. O que espera para sua família no Brasil? Não possui família. Pretende casar no Brasil. -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
1) Identificação: RENATO 1.1.Nome: Sem identificação, por solicitação do entrevistado. 1.2. Data de Nascimento: 24/06/1984. 1.3. Sexo: Masculino. 1.4. Escolaridade: Superior. Se fez curso superior, qual? Jornalismo. 1.5. Estado civil: solteiro. 1.6. Língua materna: crioulo e francês. 2) Situação de moradia Endereço: São José dos Pinhais. Casa – própria ( ) alugada (X) cedida ( ) financiada ( ) Divide com outras famílias? Quatro amigos. Facilidades e dificuldades para adquirir a moradia: Dificuldade em razão da comunicação e do preço do aluguel.
148
3) Situação familiar 3.1. Se é casado ou tem companheira- Sim ( ) Não (X) -Tem filhos Sim ( ) Não (X) 3.2.Vieram junto ao Brasil - Sim () Não (X) 3.3. Se vieram como estão se organizando? Prejudicada. 3.4. Dificuldades encontradas organizar-se com seus familiares em relação a: prejudicada.
Teve muitas dificuldades com comunicação e moradia. (4) Ingresso no Brasil: 4.1 Em que ano chegou ao Brasil: maio de 2013. 4.2. Como era a vida no Haiti? Pobre. Não tinha oportunidade de trabalho. 4.3. O que motivou sua decisão pela imigração? A vontade de trabalhar. 4.4. O que o levou à escolha pelo Brasil? Seus amigos diziam que no Brasil tinha muito
serviço e era mais fácil conseguir trabalhar. 4.5. O que era esperado do Brasil? Conseguir trabalhar facilmente. 4.6. Qual foi o percurso até chegar ao Brasil? E ao Paraná? Foi de avião de Porto Príncipe até a República Dominicana. De lá, pegou outro avião até o Equador, de onde partir de ônibus até o Acre. No Acre, pegou um ônibus para Curitiba. 4.7. Quais foram as dificuldades no percurso até chegar ao Brasil? E ao Paraná? Falta de conforto e de privacidade, o que tornou a viagem muito cansativa. 4.8. Como foi a viagem? Muito cansativa. 4.9. Quais foram os custos da viagem? Não lembra. Foi muito caro, mas não lembra quanto custou. 4.10. Qual é a sua situação de permanência no Brasil? Visto permanente desde março de 2016. 4.11. Como funciona o visto de trabalho e o procedimento para obtê-lo? Foi muito difícil conseguir o visto. Obteve depois de uma demora de dois anos, graças ao auxílio da Casa Latino Americana. 4.12. Qual foi a realidade encontrada no Brasil e, em particular, no Paraná? Uma grande dificuldade para encontrar um emprego. Demorou quase dois anos para conseguir um emprego. (5) Condições de trabalho no Brasil: 5.1. Profissão no Haiti e no Brasil: Era jornalista no Haiti, enquanto no Brasil trabalha como ajudante de motorista de uma transportadora. 5.2. Onde trabalha? Numa transportadora. 5.3. Se é mulher, sofreu ou sofre alguma discriminação? Prejudicada. 5.4. Trabalha há quanto tempo lá? Desde março de 2015. 5.5. Onde trabalhou antes? Por quanto tempo? Porque saiu do emprego anterior? Não trabalhou antes. Passou quase dois anos procurando emprego. 5.6. Tem registro? CTPS? Visto? Como é regularizada sua situação de trabalho? Possui visto permanente de trabalho, mas não possui registro na CTPS. 5.7. Qual a função/atividade que executa? Auxílio ao motorista da transportadora fazendo o carregamento e descarregando os produtos transportados. 5.8. Percebe diferenças no trabalho com relação ao trabalhador nativo no tratamento dos empregadores? Não pode ser motorista por ser haitiano, de acordo com seu empregador, e isso faz com que trabalhe tanto quanto os colegas de trabalho, mas receba menos. 5.9. Como é o tratamento dos colegas de trabalho brasileiros? Normal. 5.10. Qual é a sua jornada de trabalho (carga horária) diária e semanal? Das 08:00 às 20:00 horas, com uma hora de intervalo. Dependendo da entrega, pode permanecer mais tempo trabalhando.
149
5.11. De quanto tempo é o intervalo diário entre manhã e tarde? Uma hora para almoço. 5.12. Você trabalha sábados e domingos? Tem um dia de descanso por semana? Descansa sábados e domingos alternados. 5.13. Como é o ambiente de trabalho em relação à higiene e à conservação? É o caminhão da empresa. 5.14. O seu local de trabalho possui sanitário e refeitório disponíveis? Não. 5.15. Você realiza atividades penosas, insalubres ou perigosas? Recebe equipamento de proteção? Não. Apenas carrego e descarrego os produtos no caminhão. 5.16. Você recebe instruções para o uso de equipamento de proteção? Prejudicada. 5.17. Qual é a sua remuneração? Respeita o piso da sua categoria? Salário mínimo nacional. 5.18. Você é pago por horas extras trabalhadas? Não. O salário é sempre o mesmo, ainda que seja necessário trabalhar mais. 5.19. Você possui acesso à previdência social? A empresa onde você trabalha o orienta sobre isso? Não tem conhecimento. 5.20. Quando precisa resolver situações de saúde onde procura? Nunca precisou. 5.21. Se utiliza Unidades de Saúde, é bem atendido? Prejudicada. 5.22. Já se machucou no trabalho? Não. 5.23. Você tem acesso ao sindicato? Recebe auxílio do sindicato de sua categoria? Nunca teve contato com sindicatos. 5.24. Há assistência ou proteção ao imigrante no Brasil? Da Universidade, da Casa Latino Americana e da Pastoral do Migrante. 5.25. Você se sente protegido e/ou amparado pelo governo brasileiro? E por outras instituições? Quais? Pela Universidade e pela Casa Latino Americana. 5.26. Quais instituições de assistência ou proteção (social/jurídica) que procura? Como ocorre tal proteção? As informadas na pergunta anterior, principalmente a Casa Latino Americana, que ajudou na obtenção do visto permanente. 5.27. Em que momento precisou delas? Para obter o visto. 5.28. Em relação a língua, sofre problemas na comunicação? Sofreu muito no início, mas agora se adaptou. 5.29. Se sim, já procurou curso da língua portuguesa? Onde? Faz curso de língua portuguesa no CELIN aos sábados à tarde desde o começo de 2015. (6) Futuro: 6.1. Qual é a sua expectativa morando no Brasil? Qual é o seu plano para o futuro? Quer voltar para o Haiti assim que tiver dinheiro suficiente. 6.2. O que espera para sua família no Brasil? Não quer ficar no Brasil. -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
1) Identificação: DENIS 1.1. Nome: Sem identificação, por solicitação do entrevistado. 1.2.Data de Nascimento: 04/03/1980. 1.3. Sexo: Masculino. 1.4. Escolaridade: Ensino Médio. Se fez curso superior, qual? Não fez. 1.5. Estado civil: casado. 1.6. Língua materna: crioulo e francês. 2) Situação de moradia Endereço: Curitiba. Casa – própria ( ) alugada (X) cedida ( ) financiada ( )
150
Divide com outras famílias? Mora com o irmão. Facilidades e dificuldades para adquirir a moradia: Foi muito difícil conseguir alugar a moradia pelas exigências da imobiliária de fiador e porque é muito caro o aluguel no Brasil. 3) Situação familiar 3.1. Se é casado ou tem companheira- Sim (X) Não ( ) -Tem filhos Sim (X) Não ( ) – Um filho de 06 (seis) anos de idade. 3.2.Vieram junto ao Brasil - Sim ( ) Não (X) 3.3. Se vieram como estão se organizando? A esposa e o filho ficaram no Haiti e virão
“quando Deus quiser”. Está tentando juntar dinheiro para isso, mas é muito difícil guardar dinheiro porque no Brasil tudo é caro e precisa de muito dinheiro para a viagem.
3.4. Dificuldades encontradas organizar-se com seus familiares em relação a: despesas que dificultam a economia de valor para trazer a família ou voltar ao Haiti para visitá-los.
(4) Ingresso no Brasil: 4.1 Em que ano chegou ao Brasil: março de 2015. 4.2. Como era a vida no Haiti? Difícil. Era difícil conseguir serviço e ganhar dinheiro. 4.3. O que motivou sua decisão pela imigração? A necessidade de trabalhar e ganhar dinheiro e a falta de oportunidades no Haiti. 4.4. O que o levou à escolha pelo Brasil? A propaganda de muitos amigos haitianos de que
aqui no Brasil seria muito bom. 4.5. O que era esperado do Brasil? Oportunidade de trabalhar. 4.6. Qual foi o percurso até chegar ao Brasil? E ao Paraná? Foi um avião de Porto Príncipe até São Paulo e depois um avião de São Paulo para Curitiba. 4.7. Quais foram as dificuldades no percurso até chegar ao Brasil? E ao Paraná? A viagem foi muito cara. Teve dificuldades para pagar. 4.8. Como foi a viagem? Não lembra. 4.9. Quais foram os custos da viagem? Não lembra, apenas destaca que foi muito cara. 4.10. Qual é a sua situação de permanência no Brasil? Possui visto provisório e CTPS. 4.11. Como funciona o visto de trabalho e o procedimento para obtê-lo? Não sae dizer sobre o procedimento, apenas que é demorado, mas foi auxiliado pela Pastoral. 4.13. Qual foi a realidade encontrada no Brasil e, em particular, no Paraná? Muita
dificuldade para conseguir moradia e encontrar um emprego (levou quase um ano). (5) Condições de trabalho no Brasil: 5.1. Profissão no Haiti e no Brasil: No Haiti trabalhava como pedreiro, no Brasil trabalha num estacionamento lavando carros. 5.2. Onde trabalha? Num estacionamento de carros. 5.3. Se é mulher, sofreu ou sofre alguma discriminação? Prejudicada. 5.4. Trabalha há quanto tempo lá? Dois meses. 5.5. Onde trabalhou antes? Por quanto tempo? Porque saiu do emprego anterior? Esse é o primeiro trabalho. Antes disso procurou emprego por quase um ano. 5.6. Tem registro? CTPS? Visto? Como é regularizada sua situação de trabalho? Tem visto provisório e CTPS, mas o patrão não aceita assinar ou registrar. Perguntado porque aceita tal condição, afirmou que é necessário porque o Brasil está em crise e levou quase um ano para achar o emprego. 5.7. Qual a função/atividade que executa? Lava carros. 5.8. Percebe diferenças no trabalho com relação ao trabalhador nativo no tratamento dos empregadores? Os colegas de trabalho brasileiros podem ir para casa no horário normal de fim do expediente (mais cedo que o depoente).
151
5.9. Como é o tratamento dos colegas de trabalho brasileiros? Amistoso. Tem amigos ali, inclusive da igreja. 5.10. Qual é a sua jornada de trabalho (carga horária) diária e semanal? Das 08:00 às 18:00 horas (para ir embora, deve terminar de lavar todos os carros “do dia”, o que as vezes leva mais de duas horas), de segunda à sexta e aos sábados das 08:00 às 12:00 horas. 5.11. De quanto tempo é o intervalo diário entre manhã e tarde? Só há intervalo se termina de lavar os carros. Se tem muitos carros para lavar, não há intervalo. 5.12. Você trabalha sábados e domingos? Tem um dia de descanso por semana? Descansa aos domingos. 5.13. Como é o ambiente de trabalho em relação à higiene e à conservação? Normal. 5.14. O seu local de trabalho possui sanitário e refeitório disponíveis? Não. 5.15. Você realiza atividades penosas, insalubres ou perigosas? Recebe equipamento de proteção? Não há perigo, nem atividade penosa ou insalubre, apenas lava carros. 5.16. Você recebe instruções para o uso de equipamento de proteção? Prejudicada. 5.17. Qual é a sua remuneração? Respeita o piso da sua categoria? Salário mínimo nacional, sem comissões por carro lavado. 5.18. Você é pago por horas extras trabalhadas? Não. 5.19. Você possui acesso à previdência social? A empresa onde você trabalha o orienta sobre isso? Não sabe do que se trata. 5.20. Quando precisa resolver situações de saúde onde procura? Nunca precisou. 5.21. Se utiliza Unidades de Saúde, é bem atendido? Prejudicada. 5.22. Já se machucou no trabalho? Não. 5.23. Você tem acesso ao sindicato? Recebe auxílio do sindicato de sua categoria? Não. Não recebe auxílio. 5.24. Há assistência ou proteção ao imigrante no Brasil? Apenas da Universidade e da Casa Latino Americana. 5.25. Você se sente protegido e/ou amparado pelo governo brasileiro? E por outras instituições? Quais? Pela Casa Latino Americana e pela Universidade Federal do Paraná. 5.26. Quais instituições de assistência ou proteção (social/jurídica) que procura? Como ocorre tal proteção? A Casa Latino Americana, que lhe auxiliou com o visto. 5.27. Em que momento precisou delas? Para obter o visto provisório. 5.28. Em relação a língua, sofre problemas na comunicação? Sofre até hoje. É muito difícil entender o que os outros dizem e ser compreendido. 5.29. Se sim, já procurou curso da língua portuguesa? Onde? Faz curso de língua portuguesa no CELIN aos sábados à tarde desde agosto de 2015. (6) Futuro: 6.1. Qual é a sua expectativa morando no Brasil? Qual é o seu plano para o futuro? Juntar dinheiro para trazer a família ao Brasil. Quer comprar terreno e construir casas no Brasil para vender, como fazia no Haiti. 6.2. O que espera para sua família no Brasil? Felicidade e contato com a Igreja, onde é feliz. -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
1) Identificação: SHEILA 1.1. Nome: Sem identificação, por solicitação da entrevistada. 1.2. Data de Nascimento: 21/04/1975. 1.3. Sexo: Feminino. 1.4. Escolaridade: Médio. Se fez curso superior, qual? Não fez. 1.5. Estado civil: casada.
152
1.6. Língua materna: crioulo e francês. 2) Situação de moradia Endereço: Colombo. Casa – própria ( ) alugada (X) cedida ( ) financiada ( ) Divide com outras famílias? Mora com o marido, o filho e um casal de amigos. Facilidades e dificuldades para adquirir a moradia: As maiores dificuldades são a comunicação, o entendimento com a imobiliária, a necessidade de fiador e o valor do aluguel. 3) Situação familiar 3.1. Se é casado ou tem companheira- Sim (X) Não ( ) -Tem filhos Sim (X) Não (X) – Um filho de 12 (doze) anos de idade. 3.2.Vieram junto ao Brasil - Sim (X) Não ( ) 3.3. Se vieram como estão se organizando? Economizando o possível para arcar com as
despesas, sempre com fé em Deus. 3.4. Dificuldades encontradas organizar-se com seus familiares em relação a:
comunicação, moradia, economia para pagamento de todas as despesas e ofensas na rua. (4) Ingresso no Brasil: 4.1 Em que ano chegou ao Brasil: outubro de 2013. 4.2. Como era a vida no Haiti? Difícil. Faltava dinheiro, faltava trabalho. 4.3. O que motivou sua decisão pela imigração? A decisão do marido para procurar trabalho. 4.4. O que o levou à escolha pelo Brasil? A informação de muitos amigos de que no Brasil havia trabalho de sobra. 4.5. O que era esperado do Brasil? Oportunidades de trabalho para a família. 4.6. Qual foi o percurso até chegar ao Brasil? E ao Paraná? Avião de Porto Príncipe até Equador, depois um ônibus até o Acre e um último ônibus de lá até Curitiba. 4.7. Quais foram as dificuldades no percurso até chegar ao Brasil? E ao Paraná? A falta de conforto, dormir em qualquer lugar, não ter a intimidade respeitada. Foi muito triste. 4.8. Como foi a viagem? Já disse (item anterior). 4.9. Quais foram os custos da viagem? Não sabe dizer, mas foi muito caro. 4.10. Qual é a sua situação de permanência no Brasil? Possui um visto provisório. 4.11. Como funciona o visto de trabalho e o procedimento para obtê-lo? Obteve o visto junto a uma ONG. Não sabe dizer qual foi a ONG, nem como conseguiu o visto. 4.12. Qual foi a realidade encontrada no Brasil e, em particular, no Paraná? Dificuldade para conseguir trabalhar, encontrar um lugar para morar e pagar as contas. A vida aqui não é fácil, mas com fé na palavra de Deus, tudo vai melhorar. (5) Condições de trabalho no Brasil: 5.1. Profissão no Haiti e no Brasil: No Haiti já trabalhou num hospital, mas estava sem trabalha fazia mais de um ano. No Brasil, trabalha como cozinheira e faxineira. 5.2. Onde trabalha? Num restaurante. 5.3. Se é mulher, sofreu ou sofre alguma discriminação? Se sente ofendida pela diferença com os homens que trabalham no restaurante, pois precisa trabalhar mais e ganha menos que o marido. Se sente ofendida pelo olhar dos homens 5.4. Trabalha há quanto tempo lá? Trabalha no restaurante há dez meses. 5.5. Onde trabalhou antes? Por quanto tempo? Porque saiu do emprego anterior? Não trabalhou antes. Demorou muito para conseguir o emprego.
153
5.6. Tem registro? CTPS? Visto? Como é regularizada sua situação de trabalho? Possui visto provisório e CTPS, mas o dono do restaurante não fez o registro, nem vai fazer. Perguntada porque não reclamada disso, afirma que prefere não falar sobre isso. 5.7. Qual a função/atividade que executa? Cozinha, lava a louça, limpa o chão, limpa as mesas, limpa tudo. 5.8. Percebe diferenças no trabalho com relação ao trabalhador nativo no tratamento dos empregadores? Não sabe dizer, pois só tem haitianos trabalhando no restaurante sob comando de um casal de brasileiros, donos do restaurante. 5.9. Como é o tratamento dos colegas de trabalho brasileiros? Prejudicada. Não possui colegas de trabalho brasileiros. 5.10. Qual é a sua jornada de trabalho (carga horária) diária e semanal? Das 16 horas às 02 horas da manhã, de terça a domingo. Só vai pra casa quando está tudo limpo, “tem que limpar tudo antes de ir”. 5.11. De quanto tempo é o intervalo diário entre manhã e tarde? Não há intervalo. Trabalha direto. 5.12. Você trabalha sábados e domingos? Tem um dia de descanso por semana? Trabalha. O descanso é segunda-feira. 5.13. Como é o ambiente de trabalho em relação à higiene e à conservação? Muito limpo. A depoente limpa tudo. 5.14. O seu local de trabalho possui sanitário e refeitório disponíveis? Sim. 5.15. Você realiza atividades penosas, insalubres ou perigosas? Recebe equipamento de proteção? Não realiza atividades desse tipo. 5.16. Você recebe instruções para o uso de equipamento de proteção? Prejudicada. 5.17. Qual é a sua remuneração? Respeita o piso da sua categoria? Salário mínimo nacional. 5.18. Você é pago por horas extras trabalhadas? Não recebe pelas horas extras, é apenas o salário mínimo, por mais que trabalhe. O marido ganha a mesma coisa e trabalha apenas até a meia noite. 5.19. Você possui acesso à previdência social? A empresa onde você trabalha o orienta sobre isso? Não sabe do que se trata. Após explicação, diz que não possui. 5.20. Quando precisa resolver situações de saúde onde procura? O posto de saúde do bairro. 5.21. Se utiliza Unidades de Saúde, é bem atendido? O atendimento é muito bom. 5.22. Já se machucou no trabalho? Não. 5.23. Você tem acesso ao sindicato? Recebe auxílio do sindicato de sua categoria? Nunca entrou em contato com o sindicato, pois acha que nunca precisou. 5.24. Há assistência ou proteção ao imigrante no Brasil? Acha que não. 5.25. Você se sente protegido e/ou amparado pelo governo brasileiro? E por outras instituições? Quais? Não, pois poderia ter recebido auxílio para encontrar a moradia quando chegou ao Brasil ou em outros momentos em que passou dificuldade, não teve ajuda do governo brasileiro. 5.26. Quais instituições de assistência ou proteção (social/jurídica) que procura? Como ocorre tal proteção? A Universidade onde faz as aulas de português e a ONG que ajudou com o visto. 5.27. Em que momento precisou delas? Para as aulas e o visto. 5.28. Em relação a língua, sofre problemas na comunicação? Sofreu muito. Agora está melhorando com as aulas. 5.29. Se sim, já procurou curso da língua portuguesa? Onde? Faz curso de língua portuguesa no CELIN aos sábados à tarde desde o ano passado. Não sabe dizer desde qual mês. (6) Futuro:
154
6.1. Qual é a sua expectativa morando no Brasil? Qual é o seu plano para o futuro? Quer voltar a morar no Haiti com sua família. 6.2. O que espera para sua família no Brasil? Conseguir guardar dinheiro para voltar ao Haiti. -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
1) Identificação: NICOLAS 1.1. Nome: Sem identificação, por solicitação do entrevistado. 1.2. Data de Nascimento: 10/10/1988. 1.3. Sexo: Masculino. 1.4. Escolaridade: Superior incompleto. Se fez curso superior, qual? Fazia contabilidade. 1.5. Estado civil: solteiro. 1.6. Língua materna: crioulo e francês. 2) Situação de moradia Endereço: São José dos Pinhais. Casa – própria ( ) alugada (X) cedida ( ) financiada ( ) Divide com outras famílias? Com três amigos. Facilidades e dificuldades para adquirir a moradia: para pagar o aluguel, que é caro. 3) Situação familiar 3.1. Se é casado ou tem companheira- Sim ( ) Não (X) -Tem filhos Sim ( ) Não (X) 3.2. Se vieram como estão se organizando? Não possui esposa, nem filhos. 3.3. Dificuldades encontradas organizar-se com seus familiares em relação a: é solteiro e
não tem filhos, mas sentiu dificuldade para encontrar moradia e na comunicação com os brasileiros.
(4) Ingresso no Brasil: 4.1 Em que ano chegou ao Brasil: setembro de 2014. 4.2. Como era a vida no Haiti? Mais ou menos bem. 4.3. O que motivou sua decisão pela imigração? O problema do terremoto que deixou difícil a vida no Haiti. 4.4.O que o levou à escolha pelo Brasil? Muitos amigos falaram que era mais fácil ir ao Brasil. 4.5. O que era esperado do Brasil? Oportunidade de especialização, estudo aprofundado. 4.6. Qual foi o percurso até chegar ao Brasil? E ao Paraná? Avião de Porto Príncipe até Panamá, depois um avião do Panamá ao Equador, e do Equador de ônibus até o Acre, e um segundo ônibus do Acre até Curitiba. 4.7. Quais foram as dificuldades no percurso até chegar ao Brasil? E ao Paraná? Financeira e a falta de conforto e comodidade. 4.8. Como foi a viagem? Levou dias. A viagem é longa. 4.9. Quais foram os custos da viagem? Não lembra, mas foi muito caro. 4.10. Qual é a sua situação de permanência no Brasil? Visto permanente. 4.11. Como funciona o visto de trabalho e o procedimento para obtê-lo? Conseguiu o visto permanente em novembro de 2015, depois de muito tempo tentando. 4.12. Qual foi a realidade encontrada no Brasil e, em particular, no Paraná? Dificuldade financeira e desemprego. Demorou para conseguir um emprego. (5) Condições de trabalho no Brasil:
155
5.1. Profissão no Haiti e no Brasil: No Haiti, era professor de ensino médio, enquanto no Brasil trabalha em fábrica de produção de amendoim. 5.2. Onde trabalha? Fábrica de amendoim. 5.3. Se é mulher, sofreu ou sofre alguma discriminação? Prejudicada. 5.4. Trabalha há quanto tempo lá? Um ano, mais ou menos. 5.5. Onde trabalhou antes? Por quanto tempo? Porque saiu do emprego anterior? Não trabalhou antes. Demorou para conseguir um emprego. 5.6. Tem registro? CTPS? Visto? Como é regularizada sua situação de trabalho? Possui visto permanente de trabalho e CTPS. É registrado na fábrica de amendoim. 5.7. Qual a função/atividade que executa? Opera as máquinas que fabricam o amendoim. 5.8. Percebe diferenças no trabalho com relação ao trabalhador nativo no tratamento dos empregadores? Não há diferença. 5.9. Como é o tratamento dos colegas de trabalho brasileiros? Normal. 5.10. Qual é a sua jornada de trabalho (carga horária) diária e semanal? Trabalha das 13:30 até às 22 horas. 5.11. De quanto tempo é o intervalo diário entre manhã e tarde? Sim, intervalo de uma hora. 5.12. Você trabalha sábados e domingos? Tem um dia de descanso por semana? Trabalha de segunda à sexta e dois sábados por mês. 5.13. Como é o ambiente de trabalho em relação à higiene e à conservação? Normal. 5.14. O seu local de trabalho possui sanitário e refeitório disponíveis? Sim. 5.15. Você realiza atividades penosas, insalubres ou perigosas? Recebe equipamento de proteção? Não há perigo, nem atividade penosa ou insalubre. 5.16. Você recebe instruções para o uso de equipamento de proteção? Prejudicada. 5.17. Qual é a sua remuneração? Respeita o piso da sua categoria? Salário mínimo nacional. 5.18. Você é pago por horas extras trabalhadas? Não recebe, mesmo quando trabalha a mais. 5.19. Você possui acesso à previdência social? A empresa onde você trabalha o orienta sobre isso? Não possui. 5.20. Quando precisa resolver situações de saúde onde procura? Nunca precisou. 5.21. Se utiliza Unidades de Saúde, é bem atendido? Prejudicada. 5.22. Já se machucou no trabalho? Não. 5.23. Você tem acesso ao sindicato? Recebe auxílio do sindicato de sua categoria? Não tem contato com sindicatos. 5.24. Há assistência ou proteção ao imigrante no Brasil? Muito pouco. 5.25. Você se sente protegido e/ou amparado pelo governo brasileiro? E por outras instituições? Quais? Na Universidade Federal do Paraná. Não lembro de outras instituições. 5.26. Quais instituições de assistência ou proteção (social/jurídica) que procura? Como ocorre tal proteção? Nunca precisou. 5.27. Em que momento precisou delas? Prejudicada. 5.28. Em relação a língua, sofre problemas na comunicação? Sofreu nos primeiros meses. Agora está bem melhor. 5.29. Se sim, já procurou curso da língua portuguesa? Onde? Faz curso de língua portuguesa no CELIN aos sábados à tarde desde novembro de 2015. (6) Futuro: 6.1. Qual é a sua expectativa morando no Brasil? Qual é o seu plano para o futuro? Quer voltar a morar no Haiti, mas não sabe quando, mas não quer ficar todo seu tempo no Brasil. Se tivesse dinheiro, voltaria hoje ao Haiti. 6.2. O que espera para sua família no Brasil? Não quer ficar no Brasil.
1) Identificação: JULIO 1.1. Nome: Sem identificação, por solicitação do entrevistado. 1.2. Data de Nascimento: 12/05/1980. 1.3. Sexo: Masculino. 1.4. Escolaridade: Ensino Médio. Se fez curso superior, qual? Não. 1.5. Estado civil: casado. 1.6. Língua materna: crioulo e francês. 2) Situação de moradia Endereço: Curitiba. Casa – própria ( ) alugada (X) cedida ( ) financiada ( ) Divide com outras famílias? Mora apenas com o irmão. Facilidades e dificuldades para adquirir a moradia: Teve facilidade em alugar a residência. 3) Situação familiar 3.1. Se é casado ou tem companheira- Sim (X) Não ( ) -Tem filhos Sim (X) Não ( ) – Possui uma filha de 04 (quatro) anos de idade. 3.2.Vieram junto ao Brasil - Sim ( ) Não (X) 3.3. Se vieram como estão se organizando? Pretende trazer a mulher e a filha no futuro. 3.4. Dificuldades encontradas organizar-se com seus familiares em relação a: para vir ao
Brasil, tanto é que a esposa e a filha não vieram ainda, pela questão financeira. (4) Ingresso no Brasil: 4.1 Em que ano chegou ao Brasil: Julho de 2015. 4.2. Como era a vida no Haiti? Tinha pouca oportunidade de emprego. 4.3. O que motivou sua decisão pela imigração? A oportunidade de emprego. 4.4. O que o levou à escolha pelo Brasil? O depoente queria conhecer o Brasil, gosta do
futebol do Brasil. 4.5. O que era esperado do Brasil? Emprego e as pessoas do Brasil, o futebol do Brasil. 4.6. Qual foi o percurso até chegar ao Brasil? E ao Paraná? Avião de Porto Príncipe até São Paulo, depois um avião de São Paulo até Curitiba. 4.7. Quais foram as dificuldades no percurso até chegar ao Brasil? E ao Paraná? O preço. Foi uma viagem muito cara. 4.8. Como foi a viagem? Foi muito cara. 4.9. Quais foram os custos da viagem? Foi muito caro. Mais de $ 5.000,00 (cinco mil dólares). 4.10. Qual é a sua situação de permanência no Brasil? Possui visto permanente. 4.11. Como funciona o visto de trabalho e o procedimento para obtê-lo? Não sabe explicar. 4.12. Qual foi a realidade encontrada no Brasil e, em particular, no Paraná? O depoente
gosta muito do Brasil. (5) Condições de trabalho no Brasil: 5.1. Profissão no Haiti e no Brasil: No Haiti, como mecânico. No Brasil, trabalha como padeiro ou cozinheiro. 5.2. Onde trabalha? Numa panificadora. 5.3. Se é mulher, sofreu ou sofre alguma discriminação? Prejudicada. 5.4. Trabalha há quanto tempo lá? Faz oito meses.
157
5.5. Onde trabalhou antes? Por quanto tempo? Porque saiu do emprego anterior? Antes de trabalhar na padaria trabalhou como pedreiro por alguns meses, mas era muito ruim. Aí um amigo indicou a padaria e está muito bom. Para o depoente é muito bom trabalhar na padaria. 5.6. Tem registro? CTPS? Visto? Como é regularizada sua situação de trabalho? Possui visto permanente de trabalho e registro na CTPS. 5.7. Qual a função/atividade que executa? Cozinha pães e bolos. 5.8. Percebe diferenças no trabalho com relação ao trabalhador nativo no tratamento dos empregadores? Não há diferenças, é muito bom trabalhar lá. 5.9. Como é o tratamento dos colegas de trabalho brasileiros? Muito bom. 5.10. Qual é a sua jornada de trabalho (carga horária) diária e semanal? 07 às 18 horas. 5.11. De quanto tempo é o intervalo diário entre manhã e tarde? Uma hora, ao meio dia. 5.12. Você trabalha sábados e domingos? Tem um dia de descanso por semana? Descansa sábados e domingos. 5.13. Como é o ambiente de trabalho em relação à higiene e à conservação? Muito bom. 5.14. O seu local de trabalho possui sanitário e refeitório disponíveis? Tem tudo lá. 5.15. Você realiza atividades penosas, insalubres ou perigosas? Recebe equipamento de proteção? Apenas o atendimento. Não há perigo, nem atividade penosa ou insalubre. 5.16. Você recebe instruções para o uso de equipamento de proteção? Prejudicada. 5.17. Qual é a sua remuneração? Respeita o piso da sua categoria? É um pouquinho, não é muito não. Não chega a mil. 5.18. Você é pago por horas extras trabalhadas? Quando precisa trabalhar a mais, pagam. 5.19. Você possui acesso à previdência social? A empresa onde você trabalha o orienta sobre isso? Tem, sim. Recebe orientações. 5.20. Quando precisa resolver situações de saúde onde procura? Nunca precisou. 5.21. Se utiliza Unidades de Saúde, é bem atendido? Prejudicada. 5.22. Já se machucou no trabalho? Não. 5.23. Você tem acesso ao sindicato? Recebe auxílio do sindicato de sua categoria? Possui acesso, mas nunca precisou. 5.24. Há assistência ou proteção ao imigrante no Brasil? Sim, há auxílio. 5.25. Você se sente protegido e/ou amparado pelo governo brasileiro? E por outras instituições? Quais? Não sabe, apenas o senhor Jesus está com o depoente na rua. 5.26. Quais instituições de assistência ou proteção (social/jurídica) que procura? Como ocorre tal proteção? Prejudicada. 5.27. Em que momento precisou delas? Prejudicada. 5.28. Em relação a língua, sofre problemas na comunicação? Teve um pouco, mas como sabe falar espanhol teve facilidade. 5.29. Se sim, já procurou curso da língua portuguesa? Onde? Faz curso de língua portuguesa no CELIN aos sábados à tarde desde o ano passado. (6) Futuro: 6.1. Qual é a sua expectativa morando no Brasil? Qual é o seu plano para o futuro? Quer trazer a família para o Brasil, mas depois que passar a crise. 6.2. O que espera para sua família no Brasil? Quer trazer a família ainda, quando for possível. -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
1) Identificação: CARLOS 1.1. Nome: Sem identificação, por solicitação do entrevistado. 1.2. Data de Nascimento: 11/05/1993 1.3. Sexo: Masculino.
158
1.4. Escolaridade: Superior incompleto. Se fez curso superior, qual? Direito, por dois anos. 1.5. Estado civil: solteiro 1.6. Língua materna: crioulo e francês. 2) Situação de moradia Endereço: Curitiba. Casa – própria ( ) alugada (X) cedida ( ) financiada ( ) Divide com outras famílias? Com dois amigos. Facilidades e dificuldades para adquirir a moradia: Não teve dificuldade, pois mora com amigos que já estavam no Brasil. 3) Situação familiar 3.1. Se é casado ou tem companheira- Sim ( ) Não (X) -Tem filhos Sim ( ) Não (X) 3.2.Vieram junto ao Brasil - Sim ( ) Não (X) 3.3. Se vieram como estão se organizando? Veio apenas o depoente. 3.4. Dificuldades encontradas organizar-se com seus familiares em relação a: não se aplica,
pois não possui esposa, nem filhos.
(4) Ingresso no Brasil: 4.1 Em que ano chegou ao Brasil: maio de 2015. 4.2. Como era a vida no Haiti? O estudo era caro e não havia empresas para trabalhar. 4.3. O que motivou sua decisão pela imigração? O estudo, que no Haiti é caro. 4.4. O que o levou à escolha pelo Brasil? Em outro país demoraria mais para conseguir o visto
e seriam exigidos mais documentos. De acordo com amigos, no Brasil seria rápido para conseguir o visto.
4.5. O que era esperado do Brasil? Facilidade para o visto e oportunidade de trabalho. 4.6. Qual foi o percurso até chegar ao Brasil? E ao Paraná? Avião de Porto Príncipe até Equador, e dali em diante de ônibus, passando pelo Acre, até Curitiba. 4.7. Quais foram as dificuldades no percurso até chegar ao Brasil? E ao Paraná? A demora. Foram dias de viagem, mas aquele percurso era mais barato. 4.8. Como foi a viagem? Foi muito cansativa. 4.9. Quais foram os custos da viagem? Não lembra. 4.10. Qual é a sua situação de permanência no Brasil? Possui data agendada (20 de maio) para retirar o visto permanente de trabalho. 4.11. Como funciona o visto de trabalho e o procedimento para obtê-lo? Não sabe dizer. 4.6. Qual foi a realidade encontrada no Brasil e, em particular, no Paraná? Dificuldade
para conseguir emprego. Levou três meses. (5) Condições de trabalho no Brasil: 5.1. Profissão no Haiti e no Brasil: No Haiti apenas estudava Direito, não chegou a trabalhar porque era difícil encontrar emprego, no Brasil trabalha como auxiliar de produção em fábrica de ração para animais e estuda logística na UTFPR. 5.2. Onde trabalha? Numa fábrica de ração para animais. 5.3. Se é mulher, sofreu ou sofre alguma discriminação? Prejudicada. 5.4. Trabalha há quanto tempo lá? Seis meses. 5.5. Onde trabalhou antes? Por quanto tempo? Porque saiu do emprego anterior? Não teve trabalho anterior. A fábrica de ração para animais foi o primeiro emprego no Brasil. 5.6. Tem registro? CTPS? Visto? Como é regularizada sua situação de trabalho? Possui registro na CTPS.
159
5.7. Qual a função/atividade que executa? Trabalha diretamente na máquina, jogando a matéria prima para fazer a ração. 5.8. Percebe diferenças no trabalho com relação ao trabalhador nativo no tratamento dos empregadores? Tem haitiano que faz o mesmo trabalho que os brasileiros e não ganha a mesma coisa. O depoente acha que ganha a mesma coisa que seus colegas brasileiros. 5.9. Como é o tratamento dos colegas de trabalho brasileiros? Normal. 5.10. Qual é a sua jornada de trabalho (carga horária) diária e semanal? 08 às 17:48 hrs. 5.11. De quanto tempo é o intervalo diário entre manhã e tarde? Uma hora, ao meio dia. 5.12. Você trabalha sábados e domingos? Tem um dia de descanso por semana? Descansa sábados e domingos. 5.13. Como é o ambiente de trabalho em relação à higiene e à conservação? Normal. 5.14. O seu local de trabalho possui sanitário e refeitório disponíveis? Sim. 5.15. Você realiza atividades penosas, insalubres ou perigosas? Recebe equipamento de proteção? As vezes realiza atividades desagradáveis. Tem equipamento de proteção. 5.16. Você recebe instruções para o uso de equipamento de proteção? Recebe. 5.17. Qual é a sua remuneração? Respeita o piso da sua categoria? Salário mínimo nacional. 5.18. Você é pago por horas extras trabalhadas? Não faz horas extras. Não é permitido. 5.19. Você possui acesso à previdência social? A empresa onde você trabalha o orienta sobre isso? Não possui, não recebe. 5.20. Quando precisa resolver situações de saúde onde procura? Nunca precisou. 5.21. Se utiliza Unidades de Saúde, é bem atendido? Prejudicada. 5.22. Já se machucou no trabalho? Não. 5.23. Você tem acesso ao sindicato? Recebe auxílio do sindicato de sua categoria? Nunca foi ao sindicato. Não tem acesso. 5.24. Há assistência ou proteção ao imigrante no Brasil? Apenas no Acre. 5.25. Você se sente protegido e/ou amparado pelo governo brasileiro? E por outras instituições? Quais? Não se sente protegido, para conseguir documentação os haitianos tem que trabalhar para conseguir pagar, tudo é cobrado. Só no Acre há auxílio com alimentação. 5.26. Quais instituições de assistência ou proteção (social/jurídica) que procura? Como ocorre tal proteção? Não, nenhuma. Não ocorreu proteção, nem auxílio. 5.27. Em que momento precisou delas? Prejudicada. 5.28. Em relação a língua, sofre problemas na comunicação? Sofreu, mas comprou dicionário de língua portuguesa para lidar com a dificuldade. 5.29. Se sim, já procurou curso da língua portuguesa? Onde? Faz curso de língua portuguesa no CELIN aos sábados à tarde desde o final de 2015. (6) Futuro: 6.1. Qual é a sua expectativa morando no Brasil? Qual é o seu plano para o futuro? Quer voltar a morar no Haiti e estudar em outros países. 6.2. O que espera para sua família no Brasil? Não tem planos no Brasil. -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
1) Identificação: THIAGO 1.1. Nome: Sem identificação, por solicitação do entrevistado. 1.2. Data de Nascimento: 02/01/1990. 1.3. Sexo: Masculino. 1.4. Escolaridade: Ensino Médio. Se fez curso superior, qual? Não fez. 1.5. Estado civil: solteiro. 1.6. Língua materna: crioulo.
160
2) Situação de moradia Endereço: Araucária. Casa – própria ( ) alugada (X) cedida ( ) financiada ( ) Divide com outras famílias? Mora sozinho. Facilidades e dificuldades para adquirir a moradia: Foi normal. Paga aluguel para uma brasileira. 3) Situação familiar 3.1. Se é casado ou tem companheira- Sim ( ) Não (X) -Tem filhos Sim ( ) Não (X) 3.2.Vieram junto ao Brasil - Sim ( ) Não (X) 3.3.Se vieram como estão se organizando? Veio sozinho. Questão prejudicada. 3.4. Dificuldades encontradas organizar-se com seus familiares em relação a: Veio
sozinho. Questão prejudicada.
(4) Ingresso no Brasil: 4.1 Em que ano chegou ao Brasil: 20 de março de 2015. 4.2. Como era a vida no Haiti? Muito difícil conseguir emprego. 4.3. O que motivou sua decisão pela imigração? A necessidade de trabalhar. 4.4. O que o levou à escolha pelo Brasil? O irmão que já trabalhava no Brasil falou que aqui
seria fácil conseguir emprego. 4.5. O que era esperado do Brasil? Oportunidade de emprego. 4.6. Qual foi o percurso até chegar ao Brasil? E ao Paraná? Avião de Porto Príncipe até o Peru, e de lá outro avião até o Equador. Depois disso foram oito dias de ônibus até Curitiba. 4.7. Quais foram as dificuldades no percurso até chegar ao Brasil? E ao Paraná? Foi muito demorado. Oito dias de viagem. 4.8. Como foi a viagem? Muito demorado. 4.9. Quais foram os custos da viagem? Não lembra, mas foi muito caro. 4.10. Qual é a sua situação de permanência no Brasil? Não tem visto, ainda procura regularizar sua situação. 4.11. Como funciona o visto de trabalho e o procedimento para obtê-lo? Ainda não tem. 4.12. Qual foi a realidade encontrada no Brasil e, em particular, no Paraná? Foi “mais ou
menos” para encontrar trabalho. (5) Condições de trabalho no Brasil: 5.1. Profissão no Haiti e no Brasil: No Haiti era professor de escola primária. No Brasil, é cozinheiro. 5.2. Onde trabalha? Num restaurante. 5.3. Se é mulher, sofreu ou sofre alguma discriminação? Prejudicada. 5.4. Trabalha há quanto tempo lá? Dez meses. 5.5. Onde trabalhou antes? Por quanto tempo? Porque saiu do emprego anterior? Trabalhou em outro restaurante antes do atual. 5.6. Tem registro? CTPS? Visto? Como é regularizada sua situação de trabalho? Possui registro na CTPS. 5.7. Qual a função/atividade que executa? Cozinha. 5.8. Percebe diferenças no trabalho com relação ao trabalhador nativo no tratamento dos empregadores? Não há diferença. 5.9. Como é o tratamento dos colegas de trabalho brasileiros? Normal.
161
5.10. Qual é a sua jornada de trabalho (carga horária) diária e semanal? 23 horas às 07 horas, parando apenas na segunda-feira. 5.11. De quanto tempo é o intervalo diário entre manhã e tarde? Não há. 5.12. Você trabalha sábados e domingos? Tem um dia de descanso por semana? Descansa sábados e domingos. 5.13. Como é o ambiente de trabalho em relação à higiene e à conservação? Muito bom. 5.14. O seu local de trabalho possui sanitário e refeitório disponíveis? Sim. 5.15. Você realiza atividades penosas, insalubres ou perigosas? Recebe equipamento de proteção? Apenas o atendimento. Não há perigo, nem atividade penosa ou insalubre. 5.16. Você recebe instruções para o uso de equipamento de proteção? Prejudicada. 5.17. Qual é a sua remuneração? Respeita o piso da sua categoria? Mil reais. Não sabe o piso 5.18. Você é pago por horas extras trabalhadas? Não recebe horas extras. 5.19. Você possui acesso à previdência social? A empresa onde você trabalha o orienta sobre isso? Possui, normal. Há orientação. 5.20. Quando precisa resolver situações de saúde onde procura? Nunca precisou. 5.21. Se utiliza Unidades de Saúde, é bem atendido? Prejudicada. 5.22. Já se machucou no trabalho? Não. 5.23. Você tem acesso ao sindicato? Recebe auxílio do sindicato de sua categoria? Não tem. Não sabe do que se trata. 5.24. Há assistência ou proteção ao imigrante no Brasil? Tem gente que ajuda, que gosta de falar sua língua, francês e inglês. Não sabe especificar. 5.25. Você se sente protegido e/ou amparado pelo governo brasileiro? E por outras instituições? Quais? Não percebe auxílio de nenhuma instituição. 5.26. Quais instituições de assistência ou proteção (social/jurídica) que procura? Como ocorre tal proteção? Prejudicada. 5.27. Em que momento precisou delas? Prejudicada. 5.28. Em relação a língua, sofre problemas na comunicação? Mais ou menos. 5.29. Se sim, já procurou curso da língua portuguesa? Onde? Faz curso de língua portuguesa no CELIN aos sábados à tarde há cinco ou seis meses. (6) Futuro: 6.1. Qual é a sua expectativa morando no Brasil? Qual é o seu plano para o futuro? Não sabe, está bom aqui no Brasil, mas não tem planos. 6.2. O que espera para sua família no Brasil? Não possui nenhum plano.
162
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
CESSÃO GRATUÍTA DE DIREITOS DE DEPOIMENTO ORAL
E
COMPROMISSO ÉTICO DE NÃO IDENTIFICAÇÃO DO DEPOENTE
Pelo presente documento, eu, o(a) entrevistado(a):