-
SBDG Caderno 86 1
Cadernos da
86 Trabalhos apresentados por ocasio da concluso do 116
Grupo de Formao Bsica em Dinmica dos Grupos, realizado na cidade
de Porto Alegre, RS,
de 10 de maro de 2005 a 27 de outubro de 2006.
Coordenao: Alessandra Martini Moesch, Especialista
Saara Maria Silveira Hauber, Didata
Porto Alegre 2006
S o c i e d a d e B r a s i l e i r a d eD i n m i c a d o s G r
u p o s
-
SBDG Caderno 86 2
Travessa La Salle, 75 Bairro Menino Deus
CEP 90130-120 Porto Alegre/RS Telefone: (51) 3028.9114 e
3061.9115
E-mail: [email protected] Site: www.sbdg.org.br
CONSELHO DIRETOR Presidente Samara M M. Ferreira Costa e
Silva
Vice-Presidente Eliane de Melo Meira Rank
Diretor Administrativo-Financeiro Geime Rozanski
Vice-Diretor Administrativo-Financeiro Roberto Scola
Diretora de Educao Carmem Maria SantAnna
Vice-Diretor de Educao Marcel Paranhos Dias
Os textos so de responsabilidade dos respectivos autores, no
representando necessariamente
o ponto de vista da SBDG.
Editorao e gravao: Suliani Editografia Ltda.
Fone/fax (51) 3384.8579 e-mail: [email protected]
-
SBDG Caderno 86 3
NCLEOS
Ncleo RS GESTOR GERAL: Mara Maru dos Santos
GESTOR ADM.-FINANCEIRO: Suzana Zimmer GESTOR DE EVENTOS:
Doralcio Siqueira Filho VICE-GESTOR DE EVENTOS: Andr Beneduzi
Ncleo SC
GESTOR GERAL: Emiliana Simas Cardoso da Silva GESTOR
ADM.-FINANCEIRO: Carmem Sinzato GESTOR DE EVENTOS: Joo Carlos
Machado
VICE-GESTOR DE EVENTOS: Maria Alexandra Cardoso da Silva
Ncleo PR GESTOR GERAL: Helena M Frana Sundin
GESTOR ADM.-FINANCEIRO: Suely do Rocio Pucci GESTOR DE EVENTOS:
Laucemir Pessine
VICE-GESTOR DE EVENTOS: Ana Silvia A. Borgo
Ncleo PA GESTOR GERAL Mauro Nogueira de Oliveira
GESTOR ADM.FINANCEIRO: Rosa M Campos de Souza GESTOR DE EVENTOS:
Rosa Helena Gonalves Moreira
VICE GESTOR DE EVENTOS: M Zenaide Marques Pereira
Ncleo MS GESTOR GERAL: Maria Selma Perez
GESTOR ADM.-FINANCEIRO: Luciana Rezende GESTOR DE EVENTOS:
Miriam de Paula Junqueira Netto
VICE-GESTOR DE EVENTOS: Mrcia Fachini
-
SBDG Caderno 86 4
Apresentao Os artigos aqui transcritos foram suscitados no
transcorrer do processo deste grupo e refletem inquietaes,
questionamentos, desejos de ampliar conhecimentos, compondo uma
especial produo. Parabns aos subgrupos pelas escolhas e
desenvolvimento de temas instigantes, que transitam pelo estudo do
modelo Tavistock, pela elucidao da identificao no campo grupal,
pelo processo de feedback, pela correlao entre liderana, narcisismo
e poder. Queremos registrar nossa alegria com os resultados do
investimento do grupo, com o trmino desta etapa, que vislumbra, ao
mesmo tempo, novos tempos e recomeos, agora enriquecidos pelos
afetos, pelas trocas e por todos os aprendizados vivenciados na
construo dos trabalhos e no transcorrer da formao! Ao leitor nosso
desejo de que os textos sejam inspiradores diante das inmeras
possibilidades e facetas do estudo da dinmica dos grupos!
ALESSANDRA MOESCH, Especialista SAARA HAUBER, Didata
-
SBDG Caderno 86 5
Sumrio
O modelo Tavistock e o desenvolvimento da liderana, autoridade e
poder nos grupos
Adriana Birmann Zilberman Braz Durval Nunes Cristina Helena
Amaral Ftima Clarice Nunes de Oliveira Mariana Rech Rodrigues
Teresinha Aparecida Dorigon Vieira
Galeria de espelhos: a identificao no processo grupal Aline da
Rosa Clezar Camila Barbiani Salaverry Florncia Graeff Schvartzman
Gabriela Souza Pezzi Miguel Frizon Guadagnin
Feedback nos grupos Um estudo comparativo Cristina Canovas de
Moura Daniela Carlesso Fernando Fries do Amaral Gabriela Vellinho
Simch Mylene Dias Rezende
Liderana, narcisismo e poder Impactos no funcionamento das
equipes na organizao RH
Adriana Bartels Lvia Cristina Dreger Tarasconi Mrcia Diehl
Rosngela Ligabue Skeny Kim
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 1
Curso de Formao Bsica em Dinmica dos Grupos Porto Alegre RS
Coordenao: Alessandra M. Moesch, Saara Maria S. Hauber
O modelo Tavistock e o desenvolvimento da liderana, autoridade e
poder nos grupos
ADRIANA BIRMANN ZILBERMAN BRAZ DURVAL NUNES
CRISTINA HELENA AMARAL FTIMA CLARICE NUNES DE OLIVEIRA
MARIANA RECH RODRIGUES TERESINHA APARECIDA DORIGON VIEIRA
v
AGRADECIMENTOS
Nossos agradecimentos s coordenadoras, Saara Hauber e Alessandra
Moesch,
pelo acompanhamento na descoberta e construo de nosso
conhecimento.
Ao grupo, que compartilhou conosco partes de sua vida,
fazendo-nos perceber
a complexidade e riqueza do processo grupal.
Aos experts no tema do trabalho, Neid Schneider e Mauro
Nogueira,
que contriburam com sua singular experincia para construo deste
trabalho.
Aos que amamos, que, mesmo sem saber,
participaram dessa vivncia mpar em nossas vidas.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 2
EPGRAFE
Quase Sem Querer Legio Urbana
Tenho andado distrado,
Impaciente e indeciso E ainda estou confuso.
S que agora diferente: Estou to tranqilo
E to contente.
Quantas chances desperdicei Quando o que eu mais queria Era
provar pra todo o mundo
Que eu no precisava Provar nada pra ningum.
Me fiz em mil pedaos
Pra voc juntar E queria sempre achar
Explicao pro que eu sentia. Como um anjo cado
Fiz questo de esquecer Que mentir pra si mesmo sempre a pior
mentira.
Mas no sou mais
To criana a ponto de saber Tudo.
J no me preocupo Se eu no sei por qu s vezes o que eu vejo
Quase ningum v
E eu sei que voc sabe Quase sem querer
Que eu vejo o mesmo que voc.
To correto e to bonito: O infinito realmente
Um dos deuses mais lindos. Sei que s vezes uso Palavras
repetidas
Mas quais so as palavras Que nunca so ditas?
Me disseram que voc estava chorando
E foi ento que percebi Como lhe quero tanto.
J no me preocupo Se eu no sei por qu s vezes o que eu vejo
Quase ningum v
E eu sei que voc sabe Quase sem querer
Que eu quero o mesmo que voc.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 2
Resumo O trabalho traz como tema central o estudo do modelo
Tavistock e suas impli-caes nos grupos. chamado de modelo
Tavistock, pois entendemos que o exerccio do mesmo vai alm de uma
tcnica grupal. Este modelo no apresenta uma proposta estrutu-rada,
pelo contrrio, desarticula totalmente um grupo, com objetivo de
fazer emergir dele ansiedades primitivas que mobilizem as relaes de
poder, autoridade e liderana. Utili-zamos como aporte terico
Wilfred R. Bion, considerado o criador do modelo e aprofun-damos
com base na literatura contempornea os conceitos norteadores do
modelo rela-es de poder, autoridade e liderana. luz dessas teorias,
num segundo momento, refle-timos sobre a vivncia de laboratrio num
grupo de desenvolvimento interpessoal e a aprendizagem adquirida a
partir da. Alm disso, o fato inovador que o grupo guia vivenciou
uma segunda experincia do exerccio, que serviu de experimentao e
apren-dizado para o grupo.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 3
SUMRIO
1 INTRODUO
.......................................................................................................4
2 JUSTIFICATIVA
....................................................................................................4
3 FOCO DO
TEMA....................................................................................................5
4 OBJETIVOS
............................................................................................................5
5 REVISO DA LITERATURA
...............................................................................5
5.1 A teoria de
Bion...........................................................................................5
5.2 Autobio(n)grafia
...........................................................................................6
5.3 O trabalho com grupos
.................................................................................6
5.3.1 A teoria dos grupos de
Bion.............................................................7
5.3.2 Mentalidade grupal cultura do grupo
............................................8 5.3.3 Suposto
bsico..................................................................................8
5.3.4 Grupo de suposto bsico
..................................................................9
5.3.5 Grupo de trabalho
.............................................................................9
5.4 O legado de
Bion........................................................................................10
6 O MODELO E O EXERCCIO DO TAVISTOCK
..............................................11 6.1 Histrico do
modelo Tavistock
..................................................................11
6.2 Objetivos e atividades do laboratrio
.........................................................12 6.3
Tavistock como exerccio
..........................................................................13
6.4 A postura do coordenador de grupos no exerccio Tavistock
....................13 6.5 A tarefa do coordenador de grupos no
exerccio Tavistock.......................14 7 CONCEITOS NORTEADORES
DO MODELO TAVISTOCK ..........................14 7.1
Liderana....................................................................................................14
7.1.1 O contexto da palavra lder
............................................................15
7.1.2 Estilos de liderana
........................................................................15
7.1.2.1
Autocrtico.........................................................................15
7.1.2.2 Democrtico
.......................................................................15
7.1.2.3 Laissez-faire
.......................................................................15
7.2 Poder e
autoridade......................................................................................17
8
MTODO...............................................................................................................18
9 ANLISE DE RESULTADOS
.............................................................................19
9.1 Grupo guia o primeiro vo
...................................................................19
9.2 Grupo guia o vo
experimental............................................................27
10 CONSIDERAES
FINAIS.................................................................................29
11.
REFERNCIAS.....................................................................................................31
DADOS DE
IDENTIFICAO............................................................................33
ANEXO..................................................................................................................34
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 4
1 INTRODUO
A habilidade de um indivduo ou de um grupo para assumir liderana
efetiva de-terminada em grande parte, pela maneira como a
autoridade investida no indivduo ou no grupo pelos outros. Podemos
ensinar as pessoas a pensar? Temos poder para legitimar ou destruir
concepes que algum traz como suas verdades absolutas, seus
sentimentos? Nesse sentido, estimulante reconhecer que ningum nasce
sabendo pensar. Que pensar se aprende. Pensar se desenvolve e
educa. No desenvolvimento do pensar, a imaginao o nico espao em que
somos realmente livres para criar e recriar o mundo a seu
bel-prazer atravs de nossas percepes.
O presente trabalho tem por meta central, discutir questes
pertinentes ao poder, autoridade e liderana, partindo da experincia
do modelo Tavistock vivenciada no pro-cesso grupal de um grupo de
desenvolvimento interpessoal, ficticiamente denominado guia.
A liderana, autoridade e poder so considerados os principais
alicerces do mode-lo Tavistock, portanto pretendemos entrelaar o
significado desses aspectos com a expe-rincia grupal do modelo de
Tavistock.
A Metodologia de investigao utilizada buscou trazer tona para
reflexo os sen-timentos e comportamentos mobilizados no grupo
durante a vivncia do modelo Tavis-tock em dois momentos: o primeiro
aplicado pela coordenao formal do curso no pri-meiro dia de
encontro, e, o segundo, por dois membros do grupo que realizaram
uma co-ordenao experimental.
Este estudo contempla a aprendizagem adquirida com a experincia
do exerccio Tavistock e o despertar do potencial para as relaes de
poder, autoridade e liderana em processos grupais.
No temos a pretenso de que este trabalho venha a preencher todas
as lacunas sobre o modelo e o tema abordado, mas sim, provocar a
reflexo acerca da vivncia do exerccio do modelo Tavistock.
2 JUSTIFICATIVA
No decorrer do curso, muitos foram os sentimentos, percepes e
vivncias que o grupo guia experimentou. Dentre eles mereceu
destaque o modelo Tavistock.
A curiosidade quanto aos limites e possibilidades de aplicaes do
modelo tornou-se mola fundamental que impulsionou nossa investigao.
O modelo mobilizou em vrios momentos lembranas e discusses no
decorrer do curso. O que levou estes a formularem suposies a
respeito da aplicabilidade deste recurso.
As percepes oriundas da aplicao do Tavistock, um recurso
extremamente marcante por suas caractersticas, propiciaram a anlise
de inmeros movimentos, mani-festaes, atitudes, e por isso
despertando o interesse em avaliarmos a importncia do modelo dentro
do processo grupal.
A obra organizada por Zimerman retrata com preciso e nitidez o
objetivo do mo-delo Tavistock no processo grupal: com base na crena
de que a liderana e o exerccio da autoridade exigem sensibilidade
face aos sentimentos e as atitudes dos outros, capaci-dade de
compreender o que se passa dentro de um grupo, tanto no seu latente
quanto no manifesto, e habilidade de agir de maneira a contribuir
para a realizao das tarefas ine-
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 5
rentes ao grupo (Zimerman, 1997). Por estas razes fomos
motivados a investigar com mais profundidade esta temtica.
3 FOCO DO TEMA
A luz de Bion, entendemos que todo grupo funciona conjuntamente
em dois n-veis: um consciente, o nvel tarefa e onde a liderana
exercida, geralmente, por uma autoridade formal e outro nvel
inconsciente, o nvel emoo, cuja liderana (as) emerge no grupo a
servio dos pressupostos bsicos: acasalamento, dependncia e
luta-fuga. Nosso trabalho encontra-se nesse contexto, uma
experincia de laboratrio em um grupo de desenvolvimento
interpessoal que apresenta, como todo grupo, estes dois nveis, que
no so estanques, e pelo contrrio, podem caminhar juntos.
Nosso estudo se basear no emergir da liderana, poder e
autoridade e na flutua-o destes papis no grupo guia. A questo
central ser refletir e discutir sobre aprendi-zagem adquirida com a
experincia do exerccio Tavistock dentro deste grupo e suas
im-plicaes em processos grupais.
4 OBJETIVOS
Objetivo geral: Refletir e discutir questes pertinentes ao
poder, autoridade e liderana, partindo
da experincia do modelo Tavistock vivenciada no processo grupal
de um grupo de de-senvolvimento interpessoal.
Objetivos especficos: Compreender o processo de aplicao do
Tavistock no Grupo guia; Refletir sobre os sentimentos mobilizados
durante a aplicao do exerc-
cio; Identificar os trs eixos que embasam o modelo Tavistock no
processo
grupal, bem como compreender sua manifestao dentro do Grupo
guia.
5 REVISO DA LITERATURA
O presente trabalho, para fins didticos, apresentar a seguinte
estrutura: no pri-meiro item da reviso ser abordada a teoria de
Bion e suas implicaes na construo do modelo Tavistock,
posteriormente tratar-se- do modelo propriamente dito e aps sobre
os conceitos embasadores do exerccio utilizado.
5.1 A toria de Bion
Neste captulo estaremos aprofundando a teoria de grupos de Bion,
considerado o criador do modelo Tavistock para o estudo do poder,
autoridade e liderana.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 6
5.2 Autobio(n)grafia
Wilfred Ruprecht Bion nasceu na cidade de Mutra, na ndia, em
1897, pois seu pai, um engenheiro britnico estava prestando um
servio para o governo.
Participou da Primeira Guerra Mundial e saiu como heri, porm
logo abandonou esta carreira e seguiu para Universidade de Oxford,
na rea dos historiadores.
De acordo com Zimerman (1995), no campo das cincias humansticas
merecem destaque os seguintes pontos:
Bion estudou arte moderna com profundidade; Foi graduado em
letras com distino; Foi um estudioso de Filosofia, Teologia,
Lingstica, sendo professor de
Histria e Literatura; Ao conhecer os livros de Freud, ficou
fascinado e decidiu fazer medicina e
tornar-se psicanalista; Graduou-se mdico aos 33 anos; Em pouco
tempo, iniciou a prtica de Psiquiatria, tendo se empregado na
Tavistock Clinic, onde encontrou maior afinidade com o grupo que
estu-dava psicanlise.
Bion iniciou sua primeira anlise com J. Rickmann, um ex
analisando de Freud.
Esta anlise foi interrompida pela 2 Guerra Mundial. Eles
voltaram a ser encontrar como colegas no Hospital Northfield.
Bion ainda trabalhava na Tavistock Clinic quando voltou ao
exrcito em 1940, em plena guerra. Passou a se dedicar reabilitao
dos pilotos da Fora Area. Com o trmi-no da 2 Guerra, ele volta para
Tavistock e dedica-se a trabalhar com grupos compostos por pessoas
da cpula diretiva da clnica e que detinham funes de poder.
A partir de 1945, comea uma segunda anlise, agora com Melanie
Klein. Neste perodo vrias mudanas aconteceram em sua pessoa e com
sua vida. Desde cedo, foi considerado como sendo um brilhante
discpulo de M. Klein (Zimerman, 1995).
Vale destacar a forma como Bion iniciou uma conferncia certa
vez: Estou curio-so para saber o que vou dizer esta noite. Zimerman
considera que isso pode ter parecido uma brincadeira dele, mas no,
isto comprovava a forma como construa seu pensamento, uma forma
livre sem ocupao de sua mente com conceitos j firmemente
estabelecidos.
Com sua personalidade invulgar e imprevisvel, deixou diversas
imagens no mun-do psicanaltico: para muitos ele o terceiro gnio da
psicanlise, depois de Freud e M. Klein. Para outros, na oposio, ele
no passa de um tautlogo, algo esquizide e msti-co (Zimerman, 1995),
que deu uma nova e estranha roupagem a conceitos j
estabeleci-dos.
Em novembro de 1979, em uma viagem a Inglaterra, Bion faleceu de
leucemia mielide aguda, na cidade de Oxford, aos 82 anos de
idade.
5.3 O trabalho com grupos
Os trabalhos de Bion com grupos so de grande relevncia na sua
produo cient-fica, por um lado por ser onde foi reconhecida a
presena de mecanismos psicticos, e isso lhe ajudou na atuao com
pacientes esquizofrnicos e por outro, por ser onde Bion
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 7
tornou-se internacionalmente conhecido, o que lhe abriu as
portas para mostrar outras facetas de seus estudos.
Bion iniciou seus trabalhos com grupos na ala de reabilitao de
militares do Hospital Nothfield. L executou um plano de reunies
coletivas, onde se discutiam os problemas comuns a todos, e se
estabeleciam programas e exerccio e atividades. Por razes que no
bem esclarecidas, esta experincia durou apenas seis semanas.
Imagina-se que a alta cpula dos oficiais teria ficado preocupada
com a alterao no clima do hospi-tal.
Tambm criou novo mtodo de seleo de oficiais. Props a tcnica
grupo sem lder, onde era proposta uma tarefa coletiva e os
candidatos deveriam cumpri-la, sendo observados por vrios
selecionadores. Bion sintetizava a filosofia dessa seleo grupal em
uma frase: se um homem no consegue ser amigo de seus amigos,
tampouco poder ser inimigo de seus inimigos (Zimerman, 1995).
Com o fim da Segunda Guerra, Bion retorna a Tavistock Clinic. L
inicia um gru-po com aproximadamente dez diretores e trabalha com
eles em um clima de alta tenso grupal, com objetivos indefinidos,
pois ao mesmo tempo o grupo era de integrao insti-tucional, formao
tcnica, e cunho psicoteraputico. Como j tinha vivenciado
anterior-mente no hospital, essa experincia no durou muito tempo,
porm mobilizou muito os participantes, sendo que alguns buscaram
anlise individual.
Passado algum tempo, Bion volta a formar um grupo com analistas
que j tives-sem tido experincias com grupos. A idia inovadora era
que cada um desses profissio-nais poderia funcionar como paciente,
ou analista dos demais e assim todos se beneficia-riam. Mais uma
vez no teve xito total, pois ao fim de um ano o grupo teve que
encerrar por no terem mais participantes.
Mas Bion continuou suas experincias com grupos. Em 1948,
organizou grupos somente com objetivo teraputico. Com estes grupos,
ele no estabelecia nenhuma regra de procedimento e no adiantava
qualquer agenda. Sua idia era convencer o grupo de doentes a
aceitar como tarefa o estudo de suas tenses. Desta forma os
participantes de voltavam a ele, esperando que ele fizesse alguma
contribuio. Baseado ento na psican-lise, ele esperava com alguma
interpretao e a partir da comunicava ao grupo o que estava sentindo
com a situao. Conforme Bleandonu (1993) Bion sempre se expressava
de forma clara e direta, suas intervenes eram raras e concisas. Se
por acaso um membro do grupo fizesse uma considerao que ele estava
formulando, ele se abstinha de faz-la.
Foram destes grupos citados acima que Bion retirou material
emprico para cons-truir a sua teoria da dinmica dos grupos.
5.3.1 A teoria dos grupos de Bion
Para referir-se aos fenmenos observados nos mais diversos
grupos, Grimberg, Sor e Bianchedi (1973) explicam que Bion introduz
uma terminologia especfica que d certa unidade aos traos comuns
observados nas mais diversas experincias. So esses termos:
mentalidade grupal, cultura grupal, supostos bsicos, grupo de
suposto bsico e grupo de trabalho. Todos estes termos continuam
presentes at hoje.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 8
5.3.2 Mentalidade grupal cultura do grupo
A hiptese de existncia de uma mentalidade grupal deriva do fato
de que o grupo funciona em muitas oportunidades como uma unidade,
ainda que seus membros no te-nham conscincia e nem tenham se
proposto a isso.
A mentalidade de grupos a expresso unnime da vontade do grupo,
qual o indivduo contribui por maneiras das quais ele no se d conta,
influenciando-o desagra-davelmente sempre que ele pensa ou se
comporta de um modo que varie de acordo com os pressupostos bsicos
(Bion, 1975, p. 57). Ela funcionaria de forma semelhante ao
inconsciente para o indivduo.
A organizao do grupo em determinado momento pode ser vista como
a resultan-te do interjogo entre a mentalidade grupal e os desejos
do indivduo. Esta organizao, por mais primitiva que seja, chamada
por Bion de cultura do grupo. Este conceito inclui a estrutura
adquirida pelo grupo em determinada situao, as tarefas que se prope
a rea-lizar e a organizao que ele adota para realizar estas
tarefas.
A cultura do grupo funo da mentalidade grupal e dos desejos dos
indivduos que so fatores desta funo. A organizao que o grupo adota
em determinado momen-to, um durante algum tempo, surge do conflito
entre a vontade coletiva annima e in-consciente e os desejos e
necessidades dos indivduos. Para dar maior preciso ao concei-to de
mentalidade grupal Bion introduz o de suposto bsico.
5.3.3 Suposto bsico
As suposies bsicas so apontadas por emoes intensas e de origem
primitiva, consideradas como bsicas, por este motivo. Pode ser
determinado em parte, pela organi-zao que o grupo adota e o modo
pelo qual encara a tarefa que deve realizar. As suposi-es bsicas
expressam algo como fantasias grupais, relacionadas com o modo de
obter o seu objetivo ou satisfazer seus desejos. importante
destacar que estes supostos bsicos so inconscientes e podem ser
muito diferentes das opinies conscientes e racionalizadas dos
membros do grupo.
Bion descreveu trs modalidades de supostos bsicos. O primeiro o
suposto b-sico de dependncia, que segundo Grimberg, Sor e Bianchedi
(1973) a crena coletiva de que existe um objeto externo cuja funo
prover a segurana do grupo, um orga-nismo imaturo.
Outro suposto bsico o de luta e fuga, que consiste na convico do
grupo de que existe um inimigo externo e que necessrio atac-lo ou
dele fugir.
O ultimo suposto bsico o de acasalamento. E que pode ser
entendida como a crena, coletiva e inconsciente de que independente
das necessidades e desejos atuais do grupo, um acontecimento futuro
ou um ser ainda por nascer, resolver todos os proble-mas, uma
esperana messinica. Em outras palavras, estas esperanas podem estar
depo-sitadas em uma pessoa, uma idia, um acontecimento que ir
salv-los e resolver todas as dificuldades.
Grimberg, Sor e Bianchedi (1973) ainda afirmam que todos os
supostos bsicos so estados emocionais tendentes a virar frustrao
inerente ao aprendizado por experin-cia, aprendizado que implica
esforo, dor e contato com a realidade.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 9
Zimerman (1995) define que estas modalidades de suposto bsico no
se contra-pem entre si e sim o oposto, podem coexistir dentro de um
mesmo grupo e terem o sur-gimento alternado.
5.3.4 Grupo de suposto bsico
Os integrantes do grupo que tomam parte na atividade chamada
suposto bsico fa-zem de forma automtica e inevitvel. Bion chama de
valncia capacidade instintiva de participar na atividade mental e
nas atividades do grupo, de acordo com os supostos bsi-cos. Valncia
um termo tirado da qumica (o nmero de combinaes que um tomo
estabelece com outros tomos) e designa a maior ou menor disposio do
individuo para combinar-se na atividade de suposto bsico.
Bion destaca que os grupos de suposto bsico possuem formas
tpicas de se orga-nizar, em particular no que se refere ao
comportamento e liderana. Grimberg, Sor e Bi-anchedi (1973) fazem
uma descrio a seguir dos diversos grupos conduzidos com a tc-nica
proposta por Bion.
A cultura chamada grupo de dependncia, que se baseia no suposto
bsico do mesmo nome, se organiza em busca de um lder que cumpra a
funo de prover a neces-sidade do grupo. O grupo de dependncia tem
no analista (ou coordenador) o papel de quem deve realizar ou
direcionar todo o trabalho do grupo. Nota-se a perda quase total de
juzo crtico, a passividades nos membros do grupo. Conforme
relataremos posteriormen-te, este fato, no por coincidncia, ocorreu
no grupo guia logo em sua formao, na tcnica Tavistock.
A cultura chamada grupo de luta e fuga requer um tipo de lder
com caractersti-cas paranides e tirnicas. Este lder deve alimentar
a idia de que existe um inimigo den-tro ou fora do grupo de quem
necessrio defender-se ou dele fugir. Nos grupos terapu-ticos este
inimigo pode ser um membro do prprio grupo, o analista ou
coordenador, suas falas, uma doena, etc.
Quando o analista ou coordenador considerado este inimigo, o
grupo ignora suas intervenes ou demonstra seu rechao atravs de
palavras e atitudes.
A cultura do grupo de acasalamento requer um lder com
caractersticas messi-nicas e de algum misticismo. A liderana est
relacionada com um par que promete um filho, ou alguma idia
relacionada com o futuro, pode ser considerado como algo ou al-gum
que ainda no nasceu o Messias. Podemos resumir tambm como uma
esperana messinica de que uma idia ou pessoa libertar o grupo de
seus sentimentos de dio, destruio ou desespero.
5.3.5 Grupo de trabalho
Zimerman (1997) destaca que Bion concebe que qualquer grupo se
movimenta em dois planos: o primeiro que ele chama de grupo de
trabalho, que trabalha no plano do consciente e est voltado para
execuo de alguma tarefa, junto com este encontra-se o grupo de
suposto bsico, relatado anteriormente e voltado predominantemente
ao nvel emocional primitivo que se manifesta em todo grupo.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 10
Grimberg, Sor e Bianchedi (1973) destacam que o termo grupo de
trabalho usa-do por Bion para referir-se a um tipo particular de
mentalidade grupal e cultura que se origina desta
o grupo de trabalho requer de seus membros capacidade de
cooperao e esforo; isso no se d por valncia e sim por certo
amadurecimento e treinamento para participar dele. um estado mental
que requer contato com a realidade, tolerncia frustrao, controle de
emoes; anlo-go, em suas caractersticas, ao Ego como instncia
psquica descrita por Freud.
No grupo de trabalho, cada um dos membros contribui com o grupo
de acordo com suas capacidades individuais e assim consegue-se um
bom esprito de grupo. Por esprito de grupo, Bion (1970) entende que
se trata de:
a) Um propsito comum seja vencer um inimigo ou defender e nutrir
um ideal ou uma construo criativa no campo das relaes sociais;
b) Um reconhecimento comum dos limites de cada membro, sua posio
e sua funo em relao s unidades ou grupos maiores;
c) Capacidade de absorver novos membros e perder outros sem medo
de per-der a individualidade grupal.
d) A liberdade dos subgrupos internos de terem limites
exclusivos; e) Cada membro individual valorizado por sua contribuio
ao grupo e pos-
sui liberdade de movimentos dentro dele; f) O grupo deve ter
capacidade de enfrentar descontentamentos dentro de si e
possuir meios de tratar com ele. g) O tamanho mnimo do grupo
trs. Um grupo se encontra em trabalho teraputico quando ele adquire
conhecimento e
experincia sobre os fatores que contribuem para o
desenvolvimento de um bom esprito de grupo.
5.4 O legado de Bion
Zimerman (1995) destaca que os trabalhos que Bion desenvolveu
com grupos contriburam para a evoluo dos seguintes aspectos:
1) Ele foi o pioneiro de uma srie de concepes originais acerca
de dinmi-ca dos grupos e ainda empregou uma terminologia inovadora
que at hoje utilizada.
2) Bion proporcionou um melhor entendimento da dinmica
inconsciente profunda dos grupos, os supostos bsicos, que coexistem
ao nvel de qual-quer grupo de trabalho, que opera voltada para uma
tarefa.
3) Foi o criador de uma tradio da terapia de grupo, o estilo
Tavistock. 4) Em suas descobertas sobre a psicologia social dos
grupos abriu as portas
para a criao e surgimento das comunidades teraputicas. 5) Os
seus estudos acerca do mstico (indivduo contestador e inovador)
com o establishment, aumentaram o entendimento da psicologia dos
gran-des grupos.
6) Criou um mtodo original de seleo de oficiais nas Foras
Armadas.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 11
7) Propiciou o desenvolvimento de mtodos de ensino e grupos. 8)
Demonstrou um mtodo de conduzir os debates com o grande pblico,
pois geralmente utilizava dinmicas de grupo com a platia. 9)
Realizou importante mudana na prtica da psicoterapia analtica de
gru-
po. 10) Toda contribuio de Bion sobre os grupos foi reunida em
uma nica obra:
Experincias em grupos (1963). Entendemos assim, que apesar de
haver um relativo desinteresse de Bion pelo te-
ma grupal, sendo inclusive confidenciado a seus amigos que sua
analista, M. Klein, nun-ca vira com simpatia seus trabalhos com
grupos e ainda os hostilizava, todas suas contri-buies foram
essenciais para a leitura da dinmica dos grupos, o que repercute,
sem d-vida, no grupo guia.
6 O MODELO E O EXERCCIO DO TAVISTOCK
Neste captulo, abordaremos a configurao dos Study Groups,
tratados por Sch-neider, Osrio, Oliveira e Estrougo (1997) como
modelo Tavistock e a seguir apresenta-remos o exerccio Tavistock,
configurado como um recurso utilizado para identificar lide-rana,
poder e autoridade dentro dos grupos, de acordo com Oliveira
(1997).
Bion identificou que os grupos funcionam, ao mesmo tempo, em
dois nveis: um consciente, racional, objetivo, voltado para
resultados, manifesto o nvel tarefa cuja liderana, normalmente,
exercida, e o grupo tem a expectativa do manifesto dessa lide-rana;
o outro nvel, inconsciente, primitivo e latente o nvel emoo na qual
a lide-rana (ou lideranas) emerge no grupo a servio de um dos
pressupostos bsicos: unio (ou pareamento, ou acasalamento),
dependncia e luta-fuga (Oliveira, 1997).
6.1 Histrico do modelo Tavistock
A seguir relataremos um breve histrico sobre o laboratrio:
Exerccio da Autori-dade, Modelo Tavistock, conforme Schneider,
Osrio, Oliveira e Estrougo (1997, p. 415):
No final da Segunda Guerra Mundial, Willfred R. Bion, elaborou
um trabalho na Clnica Tavistock, em Londres, com grupos de
candidatos a papis de liderana em cargos governamentais. A esses
grupos foi dado o nome de grupos de estudo (Study group).
Acredita-se a formao desses grupos ter sido a resposta britnica ao
movimento de T-Group surgido nos Estados Unidos que tambm
objetivavam estudar e traba-lhar as pessoas para o exercerem
autoridade e liderana nos grupos que fossem atuar. Entre 1947 e
1948, funcionaram na Clnica Tavistock, os primeiros Study Groups. A
coordenao deste trabalho era de Bion, e havia a par-ticipao de A.
K. Rice, E. L. Trist e C. Sofer.
Conforme Schneider, Osrio, Oliveira e Estrougo (1997, p. 416),
em 1957 surgiu o primeiro congresso baseado nas idias de Bion,
patrocinado pelo Instituto Tavistock de
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 12
Relaes Humanas e pela universidade de Leicester, com o objetivo
de estudar os proces-sos de autoridade e liderana que ocorrem nos
grupos.
A partir desse momento, a Clnica Tavistock, a Universidade de
Leicester, o Insti-tuto Grubb, todos na Inglaterra, e o Instituto
A. K. Rice e o NTL (Laboratrios Nacionais de Treinamento), nos EUA,
realizaram vrios congressos com esse enfoque. Num primei-ro
momento, os ingleses adotaram o termo Congresso para identificar
essa metodologia de trabalho, pois no havia outra forma de reunir
um grupo de pessoas para estudar seu funcionamento, e tambm porque
durante o Congresso haveria palestras ministradas por
especialistas, o que fez com que passassem a utilizar a expresso
Conferncia, uti-lizadas at os dias de hoje.
Em setembro de 1993, Neid Margareth Schneider e Mauro Nogueira
de Oliveira participaram da 56 Conferncia realizada pela Clnica
Tavistock, em Londres, Inglaterra, U.K. Atendendo a idia de trazer
este trabalho para o nosso pas, em meados 1995, em Porto Alegre,
nasce o Grupo Orbis, que foi criado por profissionais
multidisciplinares.
A formao das parcerias dentro do Grupo Orbis foi baseada pelo
critrio da mul-tidisciplinaridade, a ousadia de inovar, a
serenidade e competncia nos seus respectivos campos
profissionais.
6.2 Objetivos e atividades do laboratrio
O laboratrio tem como objetivo principal propiciar oportunidades
para os mem-bros do grupo vivenciarem e refletirem sobre o seu
exerccio de autoridade e liderana, atravs de eventos especficos. Os
grupos so gerados em vrios tamanhos e com o crit-rio da
heterogeneidade entre os participantes.
Conforme Schneider, Osrio, Oliveira e Estrougo (1997, p. 416), o
laboratrio contempla as seguintes atividades: plenria de abertura,
intragrupos, intergrupos, grupos de coordenadoria e grupos de
reviso. Nessa configurao, por ser um processo que pre-v
continuidade no dia-a-dia de cada um, preconiza-se de que no h
encerramento.
Para Schneider, Osrio, Oliveira e Estrougo (1997, p. 416),
os eventos intragrupos oportunizam aprendizagem a respeito do
proces-so do pequeno grupo por meio do estudo do prprio grupo, das
relaes entre os membros do grupo, e desses para com o coordenador
qual se faz presente a todos os encontros. O papel do coordenador o
de facili-tar o processo do grupo e seu entendimento.
As experincias intergrupos possibilitam aprendizagem a respeito
do processo dos grupos entre si e do exerccio da liderana de uns
sobre os outros. J nas relaes dos intragrupos, os grupos podem
desenvolver culturas prprias. Essas interaes das dife-renas
culturais de comportamento so possveis de serem observadas quando
correm as relaes intergrupais.
As plenrias serviam como um espao para discutir o laboratrio
como um todo. Os grupos de reviso dividiam-se em discusso do que
acontecia e o que era falado, con-siderao das experincias que
levaro para o seu dia-a-dia e discusso sobre o que acon-teceria
depois do laboratrio. E os grupos de consultoria tinham como
objetivo colaborar em uma situao decorrente de alguma experincia
profissional.
Conclui-se que o laboratrio se apresenta pela experimentao dos
integrantes em exercitar sua capacidade de liderana e de ser
liderado e o impacto disso em suas vidas.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 13
6.3 Tavistock como exerccio
De acordo com Oliveira (1997), o encontro inicia com uma leitura
clara e objetiva realizada pelo coordenador sobre a tarefa do grupo
e do coordenador, e o horrio de fun-cionamento do grupo, para que
haja noo da funo temporal. Logo em seguida, adota a postura esttica
do coordenador e se d o incio da dinmica grupal propriamente dita.
Normalmente, existe uma confuso sobre o que foi lido, pois aps
alguns momentos sur-gem dvidas entre os membros do grupo sobre o
que fazer. Alguns olhares permanecem fixos em direo coordenao
oficial; outros olhares so trocados entre os membros, numa
expectativa de que surja uma idia para que seja realizada uma
tarefa. Na tentativa de resgatar o contato com a coordenao,
perguntado: At que hora ns vamos?; Que hora mesmo o intervalo?.
Esse momento caracterizado como dependncia, pois se houvesse a
resposta do coordenador, poderia aliviar o grupo de uma pequena
ansiedade inicial. Como esse conta-to no estabelecido, aps alguns
minutos de silncio, comum que um membro do gru-po faa a proposta de
que todos se apresentem, dando a conotao de
pareamen-to/unio/acasalamento, pois traz a esperana de que algum
com um bom currculo possa salvar a ptria.
Surge tambm algum interessado em liderar o grupo, mas geralmente
isso no aceito, havendo um processo de luta contra o pretenso lder,
ainda mais se houver ou-tros candidatos ao papel de lder. O passo
seguinte , aps todos se apresentarem, voltar-se para o coordenador
e pedir para que esse se apresente. Mais uma tentativa de
depen-dncia. Frustrada a tentativa, o movimento se transforma em
luta, e ento comeam a dizer: Ele no fala! Parece uma esttua! Tu
ests a pra que?
Para Oliveira (1997, p. 401),
como a cultura predominante a da centralizao, da autocracia
con-descendente e at do autoritarismo, h manifestaes contrrias,
di-zendo que o papel do lder, do gerente, do professor, orientar os
mem-bros do grupo na realizao da tarefa; ele est l para isso. Se no
cum-pre o seu papel, algum tem que cumprir. Enfim, inicia um dar-se
conta de que o espao gerado pela ausncia de uma esperada liderana
su-prido pelo prprio grupo atravs de seus membros.
O estabelecimento de regras tambm aparece durante o processo de
funcionamen-to do grupo, considerando que a nica regra imposta no
incio era com relao ao horrio. Essas regras de convivncia entram
como elemento controlador, bem como a definio de um tema (fugindo
do processo), d a sensao de tarefa sendo cumprida.
Mas, sem dvida, o que impera a confuso mental, a revolta, a
sensao de im-potncia e indignao por parte dos membros do grupo,
fazendo com que alguns mem-bros no consigam ver nexo na aplicao do
Modelo Tavistock, pois o desconhecimento da tcnica por parte dos
participantes algo que sugere uma viagem ao desconhecido, e uma
notria dificuldade em trabalhar sem coordenao ou liderana
legitimada.
6.4 A postura do coordenador de grupos no exerccio Tavistock
A postura do coordenador adotada para provocar irritao, dio,
frustrao de expectativas. adotada uma postura esttica, com o olhar
para o infinito, de forma a
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 14
aparentar um objeto sem vida no ambiente. Entretanto, a ateno do
coordenador volta-da para os movimentos do grupo, havendo um grau
muito elevado de concentrao, ob-servao e anlise dos diversos
momentos do grupo.
6.5 A tarefa do coordenador de grupos no exerccio Tavistock
O coordenador tem a tarefa de propiciar ao grupo um entendimento
do seu prprio funcionamento, fazendo intervenes, interpretaes,
esclarecimentos quanto s situaes reveladas pelo mtodo,
oportunizando insights e reflexes a certa do prprio grupo ou
comparando o funcionamento deste outros grupos.
Cabe salientar que a tarefa do coordenador ajudar o grupo poder
ser exercida por intervenes de qualquer membro do grupo, quando
este faz alguma manifestao que possibilidade a realizao ou no da
tarefa, dispensando a interveno do coordena-dor.
7 CONCEITOS NORTEADORES DO MODELO TAVISTOCK
Os aspectos tericos apresentados contemplam os trs eixos
centrais: Liderana, Autoridade e Poder, os quais foram desmembrados
em tpicos.
7.1 Liderana
A literatura sobre a liderana muito vasta, como ponto de
partida, apontaremos a contribuio de Max Weber.
difcil distinguir as formas de liderana das formas de dominao.
Essa quase justaposio aparece mais nitidamente na qualificao de uma
das trs formas bsicas de dominao denominada carismtica.
Weber descreve como, em certas circunstncias, uma ordem muito
tradicional po-de ser rompida pela ao transformadora de algum lder
que, por suas qualidades pes-soais, tenha o dom (o carisma) de
empolgar seus seguidores e renovar uma organizao ou at mesmo, uma
sociedade. A relao de dominao que, a partir da, se estabelece
pessoal. O lder, no caso, possui qualidades intrnsecas a ele que o
torna um condutor, por exemplo, pela f, pela viso e assim por
diante.
As pessoas aceitam o comando, obedecem pela santidade da tradio,
ou seja, porque sempre foi assim. O lder legitima-se por critrios
rotineiros de respeito ordem estabelecida. No mundo contemporneo a
Weber, surgira j outra forma de dominao que ele chamou de
racional-legal. O mando pode ser exercido por uma pessoa ou por uma
burocracia, por representantes eleitos ou por delegados de
corporaes. Em qualquer caso, h regras racionais legais que
delimitam o poder e que obrigam o lder a justifi-car-se: de acordo
com a lei, tal ou com o ordenamento constitucional.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 15
7.1.1 O contexto da palavra lder
Podemos encontrar em um dos diversos dicionrios da lngua
brasileira, vrios significados para a palavra lder. Dentre eles,
lder , conforme Ferreira (1999, p. 1211), [...] guia, chefe ou
condutor que representa um grupo, uma corrente de opinio, etc.
[...].
Entretanto, por trs desta simples definio, h uma gama de
caractersticas que vai muito alm de nossas observaes, de forma a
muitas vezes passar despercebida influncia que os lderes podem
exercer em nossas vidas pessoais.
Em se tratando de coordenao de grupo, o lder tem papel
fundamental para que o foco proposto para a criao e dinmica do
grupo no se desvirtue do propsito plane-jado para o objetivo
principal dessa formao.
Segundo Bennis (1996, p. 38), existe uma grande variao nas
caractersticas dos lderes, que podem ser altos, baixos, jovens,
velhos, desleixados, homens ou mulheres. No entanto, muitos
ingredientes comuns entre eles, se no todos, podem ser
encontrados:
O primeiro ingrediente bsico de um lder uma viso maior. O lder
tem uma idia clara do que quer fazer tanto no campo profissional
quanto pessoal e fora para persistir diante de reveses e mesmo
derro-tas. Voc s pode chegar a algum lugar se souber onde est indo
e por qu. [...] O segundo ingrediente bsico da liderana a paixo
paixo silen-ciosa pelo que a vida pode oferecer combinada a uma
paixo especfica por uma vocao, uma profisso, um rumo. O lder ama o
que faz e ama faz-lo. [...] O lder que exala paixo transmite
esperana e inspira ou-tras pessoas. Este ingrediente tende a
manifestar-se de maneiras diferen-tes [...]. Outro ingrediente
bsico a integridade. Acredito que h trs elemen-tos essenciais que
compem a integridade: autoconhecimento, sinceri-dade e maturidade
(Bennis, 1996, p. 38).
Para Hersey e Blanchard (1986), existe uma carncia de
verdadeiros lderes na so-ciedade. A deficincia no diz respeito ao
preenchimento de cargos por pessoas com ta-lento para liderar, mas
sim de profissionais que queiram assumir funes significativas de
liderana, habilitadas para exercerem tal papel com eficcia.
Ainda sob a luz destes autores, descrevemos abaixo sua definio
de liderana: a) liderana a atividade de influenciar pessoas
fazendo-as empenhar-se volunta-
riamente em objetivos de grupo (Terry, apud Hersey e Blanchard,
1986, p. 103). b) definem liderana como influncia interpessoal
exercida numa situao e diri-
gida, atravs do processo de comunicao, para a consecuo de
objetivos especficos (Tannenbaum, Weschler e Massarik, apud Hersey
e Blanchard, 1986, p. 104).
c) A liderana consiste em influenciar pessoas para a realizao de
um objetivo comum [...] (Koontz e ODonnell, apud Hersey e
Blanchard, 1986, p. 104).
Sem dvida, o significado da palavra lder, sugerindo-nos um
elemento capaz de influenciar pessoas em determinados grupos
sociais e/ou empresariais, possibilitando a existncia de ordem e
objetivos comuns nas atividades executadas.
Contudo, fundamental observarmos as colocaes de Bennis (1996, p.
38), com relao ao perfil comportamental dos lderes quanto viso,
paixo e integridade. No obstante, poderamos acrescentar a esse rol
de qualidades do lder o desenvolvimento da resilincia, que a
capacidade que algumas pessoas possuem de transformar um
proble-
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 16
ma em oportunidade de crescimento e desenvolvimento, de forma
criativa. Diante de um fracasso ou imprevisto negativo, no culpam
outras pessoas, alm de possurem muito humor e sempre agirem com
integridade e tica.
7.1.2 Estilos de liderana
Podemos encontrar muitos autores que falam sobre estilos de
liderana, teorias, ciclos, etc., bem como uma extensa variedade
desses estilos. Esses estudos acompanha-ram o desenvolvimento da
Teoria das Organizaes e tiveram uma sensvel influncia na Teoria da
Administrao.
A fim de que possamos classificar o comportamento dos lderes nas
organizaes ou nos grupos sociais, necessrio que conheamos alguns
dos estilos de liderana exis-tentes.
7.1.2.1 Autocrtico (primrio)
O estilo de liderana autocrtico, tambm conhecido como primrio,
caracters-tico pelo comportamento autoritrio, onde prevalecem as
vontades do lder, no permi-tindo aos liderados a possibilidade de
expresso de idias e sentimentos. A nfase desse estilo na concentrao
das tarefas.
7.1.2.2 Democrtico (secundrio)
O estilo de liderana democrtico, tambm conhecido como secundrio,
caracteri-za-se pela nfase nas relaes humanas, permitindo que os
processos de trabalho sejam discutidos dentro do grupo, para uma
posterior tomada de deciso.
7.1.2.3 Laissez-faire
Consiste na liderana com baixa influncia do lder, e total
liberdade para os lide-rados.
Os diversos estilos de liderana, num primeiro momento, sugerem
que um modelo de comportamento adotado pelo lder, desenvolvendo sua
capacidade de influenciar pessoas de acordo com suas caractersticas
pessoais, desenvolvidas com o passar do tem-po.
Entretanto, os efeitos dos estilos de liderana apresentam uma
variao bastante interessante:
[...] estudos com grupos conduzidos por Kurt Lewin. [...]
compararam os efeitos da liderana sobre diferentes agrupamentos
[...] Os lderes au-tocrticos conseguiram alcanar maior produo, mas
o grupo apresen-tou sinais de agressividade, tenso e ansiedade. Os
resultados dos gru-pos com lderes democrticos foram
qualitativamente melhores do que os dos liderados por autocratas,
embora a produo fosse inferior, com
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 17
sinais de maior coeso e comprometimento grupal. Quanto liderana
laissez-faire, os autores verificaram que tanto a qualidade quanto
a quantidade das atividades realizadas eram inferiores em relao aos
dois tipos citados anteriormente. Isso levou a concluso de que o
excesso de liberalidade era prejudicial produo, ao passo que a
liderana demo-crtica apresentava vantagens que a tornavam superior
s demais [...] (Lewin, apud Bitencourt, 2004, p. 281).
Com base nos estudos sobre o comportamento dos lderes quanto ao
estilo de lide-rana mais adequado, os diversos autores concluram
que no existe um estilo ideal de postura de liderana. O mais
conveniente seria a utilizao da competncia em fazer uma leitura do
ambiente, uma anlise dos personagens, o entendimento das tarefas a
serem executadas, para ento definir o melhor estilo a ser adotado
em um determinado grupo de liderados.
Em nossas pesquisas literrias, focando o papel de liderana no
grupo guia, po-demos observar duas condies importantes para se
tomar a iniciativa de apresentar-se para a liderana de um
grupo:
[...] Para que um membro tome iniciativa de tentar servir a uma
funo do grupo, pelo menos duas condies parecem necessrias: (a)
precisa estar ciente da necessidade de tal funo; (b) precisa
sentir-se capaz de realiz-la, sentir-se com suficiente habilidade
para isso, ou sentir-se se-guro nessa tentativa. [...] (Cartwright
e Zander, 1967, p. 398).
7.2 Poder e Autoridade
conveniente, neste momento, desfazermos um possvel engano quanto
a um su-posto sinnimo entre poder e autoridade, pois ainda h certa
confuso entre o significado dessas palavras. O poder algo que se
adquire atravs da fora da lei. J a autoridade algo que surge atravs
da competncia, da experincia, do exemplo. Enquanto o poder
utilizado para dominar, para o cumprimento de tarefa, a autoridade
a ferramenta que convida o grupo a servir, a crescer, ao se
desenvolver.
Um dos pontos que o Tavistock busca observar o poder dos membros
do grupo. O psicanalista J. Lacan (1979) observou que a partir do
momento que algum se v rei, ele muda sua personalidade. Um cidado
qualquer quando sobe ao poder, altera seu ps-quico. Seu olhar sobre
os outros ser diferente; admita ou no ele olhar de cima os seus
governados, os comandados, os coordenados, enfim, os demais.
Estar no poder, conforme Lacan (1979, p. 318) d um sentido
interiormente dife-rente s suas paixes, aos seus desgnios, sua
estupidez mesmo. Pelo simples fato de agora ser rei, tudo dever
girar em funo do que representa a realeza. Tambm os comandados so
levados pelas circunstncias a v-lo como o rei do pedao.
O psicanalista Rossi (2006) afirma que quando uma pessoa exerce
o poder sem levar em conta os interesses da coletividade que est a
ela submetida, torna-se autoritria, arrogante e agressiva. Tudo
isso, numa tentativa que com o tempo vai se tornando infrut-fera de
evitar a perda do controle da situao.
Conforme Moscovici (2005, p. 136), o poder consiste na
capacidade de uma pes-soa conseguir que outra pessoa ou grupo aja
da forma desejada pela primeira. A pessoa
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 18
com poder modifica o comportamento dos outros, manipula os
outros sua vontade. Moscovici revela que a French e Raven
classificam o poder em seis bases principais:
a) legtimo (autoridade); b) de coero; c) de recompensa; d) de
referncia (de identificao ou carismtico); e) de conhecimento (de
perito); f) de informao. O poder legtimo chamado autoridade e
atribudo pela organizao formal,
constituindo-se em elemento da estrutura hierrquica dos grupos
sociais formais. Uma caracterstica marcante o grau de autoritarismo
que alicera a relao entre coordenador e coordenado.
O poder de coero a utilizao de ameaas e/ou punies como forma de
A mobilizar B. Essas punies podem aparecer com aes psquicas atravs
de mudana na maneira se reportar ao coordenado, na diminuio da
ateno e at mesmo na indiferena.
J, o poder de recompensa, consiste na utilizao de promessas de
recompensas, gratificaes, elogios, abraos, sorrisos, validaes,
etc., como forma se obter resultados.
O poder de referncia est baseado na relao que utiliza a
identificao psicol-gica entre os indivduos nas questes sociais,
seja atravs do gosto pelo mesmo esporte, da casa na mesma praia, na
formao acadmica na mesma universidade, no gosto pela arte, fazendo
com que o lder seja visto como um modelo a ser seguido.
O poder de conhecimento expressa a condio de utilizar a
especializao em de-terminado campo ou assunto. Face a expertise, as
idias so acatadas, havendo certa faci-lidade na resoluo de
problemas e conflitos.
O poder de informao utilizado para influenciar os outros, com a
liberao de doses homeopticas de informaes, ou do sigilo das
mesmas.
Considerando as classificaes acima e o fato de o incio dos
grupos de formao bsica de dinmica de grupo ser heterogneos quanto s
expectativas, ansiedades e obje-tivos, a disputa do poder torna-se
inevitvel. E levando-se em conta a aplicao do mto-do Tavistock, por
suas peculiaridades de total mobilizao dos membros, essa tentativa
de conquista de poder torna-se ainda mais arraigada.
8 MTODO
O mtodo por definio o caminho utilizado para se chegar ao fim.
Para contri-buir na formulao do problema, esclarecer e definir
conceitos, idias, utilizou-se a pes-quisa exploratria, realizando
entrevista com especialista no Modelo Tavistock. Foram duas
abordagens, uma por entrevista e a outra por e-mail.
Definido o problema de pesquisa, optou-se pelo mtodo
observacional. De acordo com estudos na rea da pesquisa social:
O mtodo observacional um dos mais utilizados nas cincias sociais
e apresenta alguns aspectos curiosos. Por um lado, pode ser
considerado como o mais primitivo, e conseqentemente, o mais
impreciso. Mas, por outro lado, pode ser tido como um dos mais
modernos, visto ser o que possibilita o mais elevado grau de
preciso nas cincias sociais. Tanto que em psicologia os
procedimentos de observao so fre-
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 19
qentemente os estudados como prximos aos procedimentos
experi-mentais. Nestes casos, o mtodo observacional difere do
experimental em apenas um aspecto: nos experimentos o cientista
toma providencias para que alguma coisa ocorra, a fim de observar o
que se segue, ao pas-so que no estudo por observao, apenas observa
algo que acontece ou j aconteceu (Gil, 1994, p. 35).
Como o modelo Tavistock foi utilizado no primeiro encontro do
grupo guia e havia orientao de que os membros produzissem relatrios
das atividades, esta fonte documental tornou-se registro importante
para anlise. Embora a utilizao de dirios e registros na pesquisa
social tenha recebido muitas crticas por no ser passvel de
trata-mento estatstico, apresentou inestimvel valor para a realizao
de estudos e observao com vistas a estimular a compreenso do
problema de pesquisa.
Solicitou-se ento que os 21 membros do grupo guia enviassem seus
relatrios, que seriam utilizados para captar as percepes e
sentimentos dos participantes no mo-mento da vivncia do exerccio
Tavistock, no aspecto qualitativo. Destes seis (6) atende-ram a
solicitao.
Para complementar os dados do relatrio aplicou-se um questionrio
fechado com quatro (4) perguntas, via internet (Anexo). Destes doze
(12) foram respondidos. O ques-tionrio estava orientado para obter
dados quantitativos da vivncia do modelo Tavistock pelo grupo guia,
buscando identificar os sentimentos e comportamentos mais
recorren-tes. Estes foram criados pela percepo dos autores, com
base na observao da vivncia.
Na elaborao metodolgica deste trabalho, acreditou-se que o
melhor caminho era a combinao de diferentes instrumentos de
pesquisa, primando pela complementari-dade entre si.
9 ANLISE DE RESULTADOS
A partir da observao do grupo de desenvolvimento interpessoal,
relatamos a ex-perincia do exerccio da Tavistock, que aconteceu em
momentos distintos deste grupo. No primeiro encontro do Grupo guia
Mdulo I e no primeiro encontro do terceiro mdulo, coordenado pelas
participantes do grupo de desenvolvimento, no exerccio de coordenao
experimental.
9.1 Grupo guia o primeiro vo
As reflexes levantadas acerca do processo do grupo surgiram
hipoteticamente, no se caracterizando por verdades absolutas ou
inquestionveis. Partimos da idia que a finalidade desse grupo
estudar seu prprio comportamento medida que este ocorre. Nesse
sentido, entendemos que a proposta ajudar o grupo no desempenho da
sua tarefa. Segundo o modelo Tavistock s h interveno quando for
julgado, pela coordenao, que a interveno facilitar o trabalho do
grupo. Sempre ocorrer no sentido de prover melhores oportunidades
para os membros aprenderem sobre a natureza da autoridade, os papis
sociais e os problemas interpessoais, no exerccio da mesma. No caso
de haver interveno, esta dever ser pontual e assertiva. Este um
exerccio grupal geralmente visto como gerador de angstia e
ansiedade deixando emergirem seus lderes para traba-
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 20
lharem suas necessidades. um exerccio que cria tenso e cansao
podendo levar at exausto.
O grupo guia era formado, inicialmente, por vinte e trs pessoas,
sendo que seis (6) eram formados em administrao; um (1) era
analista de sistemas; uma (1) era assis-tente social; uma (1)
advogada; uma (1) professora de educao fsica; onze (11) eram
psiclogas; uma (1) sociloga e um (1) contador. Logo no segundo
encontro, uma psic-loga desistiu da formao e ao final do primeiro
mdulo o contador tambm desistiu. O grupo seguiu ento at o final da
formao com 21 membros.
Aps a leitura formal dos objetivos do primeiro mdulo pelas
coordenadoras, o grupo se calou. Este silncio, que parecia eterno,
sugeria representar a indignao e per-plexidade das pessoas que
chegavam para o encontro inaugural do grupo.
Aps o impacto da maioria das pessoas com a tcnica Tavistock,
veio um silncio prolongado, que causou muito incmodo. O fenmeno do
silncio no campo psicanalti-co, de acordo com Zimerman (1999, p.
370), restringe-se, mais particularmente, pessoa do paciente
silencioso e enfoca predominantemente, sob o vrtice de uma
modalidade de resistncia anlise. De modo geral, um dos fatores que
deve ser respeitado, o que diz respeito ao estilo particular de
cada psicanalista ou coordenador em separado, desde que ele conhea
suas motivaes para se manter silencioso ou falante. Um outro fator
bastante relevante consiste em uma decisiva influncia dos
paradigmas vigentes, nas re-gras tcnicas, que caracterizam os
distintos perodos.
Em relao s causas mais comuns que determinam os silncios na
situao anal-tica, esquematicamente, podem ser distinguidos os
seguintes:
Simbitico: se julgam no pleno direito que o analista adivinhe as
suas de-mandas no satisfeitas;
Bloqueio: da capacidade de pensar; Inibio fbica: medo de falar
devido a uma forte ansiedade paranide de
dizer bobagem, ser mal interpretado, etc.; Protesto: paciente no
tolera a relao assimtrica com o analista e protesta,
acreditando que assim obrigar o analista a falar mais; Controle:
forma de testar a pacincia do analista, ou impedir que este
tenha
material para construir suas interpretaes; Desafio narcisista: o
paciente cr que permanecendo silencioso triunfar e
derrotar seu analista; Negativismo: tanto pode ser uma forma de
identificao com os objetos
frustradores (as relaes) que no lhe respondiam, como pode estar
repre-sentando o necessrio uso do no;
Comunicao primitiva: por intermdio dos efeitos
contratransferenciais que o silncio da paciente desperta no
analista, ele pode estar fazendo uma im-portante comunicao daquilo
que est inconsciente e que no consegue ex-pressar com palavras;
Regressivo: paciente adormece no div como uma forma de sentir-se
como uma criana tendo uma me a velar o seu sono;
Elaborativo: espao e tempo necessrio para o paciente fazer
reflexes, cor-relaes, insights.
Inicialmente o grupo mostrou um silncio mais relacionado ao
simbitico por ver-
se desprovido de uma necessidade que suprida pela oferta, por
parte dos coordenadores, de uma atividade que esteja contendo a
ansiedade inicial.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 21
Pelos relatos, tambm foram observadas inibies fbicas pela
preocupao em estar falando algo descontextualizado, bem como o
bloqueio da capacidade de pensar. No entanto, muitos foram os
silncios elaborativos, principalmente aps as intervenes da
coordenao em que o grupo recuou e, a partir do silncio, pode avanar
em ensaios de aprendizagem coletiva.
As pessoas, supostamente, chegaram ao encontro, com uma
expectativa de aco-lhimento e de integrao, pois isso o que acontece
na maior parte dos grupos que esto iniciando. Mas, neste momento, o
grupo se deparou com uma situao inusitada, provo-cando manifestaes
de sentimentos de frustrao, confuso e decepo. Segundo Bion (1970,
p. 45),
[...] quando um grupo se forma, os indivduos que o formam
esperam obter alguma satisfao dele. claro, tambm, que a primeira
coisa de que se do conta um sentimento de frustrao produzido pela
presena do grupo de que so membros.
notrio o fato de que as formaes grupais provocam uma atitude
natural de busca dos iguais, atravs da identificao de pensamentos,
atitudes, vestimenta, etc. No se percebia a busca das pessoas em
descortinar os sujeitos que estavam compondo aquele conjunto. Havia
necessidade de mapear o grupo, talvez numa tentativa de conhecer
quem fossem as pessoas com quem cada um mais se assemelhava.
Conforme Laplanche e Pontalis (1995, p. 226), identificao o
processo psico-lgico pelo qual o sujeito assimila um aspecto, uma
propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou
parcialmente, segundo o modelo desse outro. A personalidade
constitui-se e diferencia-se por uma srie de identificaes.
Poucas pessoas tinham conhecimento de que esta tcnica seria
aplicada no primei-ro encontro; a grande maioria desconhecia esse
fato. Mas, de qualquer forma, todos se mostraram desorientados.
Nossa hiptese que sentimento e outros semelhantes comea-ram a se
diluir no grupo de modo que foi se criando um conjunto de
semelhanas no ditas.
Num dos relatos de uma pessoa do grupo lemos o seguinte:
diante da proposta, o sentimento de desorientao e confuso que se
instalou foi o que predominou durante todo o dia. De repente tambm
fui, de certa forma, invadida pelos sentimentos daquele que estavam
expondo sua frustrao, angstia e ansiedade. Embora estas sensaes no
traduzissem o que eu sentia, era como se elas estivessem fazendo
parte devido a intensidade daquilo que estava sendo dito.
A manifestao da pessoa acima nos remete ao que Bion (1970, p.
41-42) nos descreve como mentalidade grupal. Segundo o criador
deste modelo, nota-se que aquilo que o indivduo diz ou faz num
grupo ilumina tanto a sua prpria personalidade quanto a sua opinio
do grupo; s vezes, sua contribuio ilumina uma mais que a outra. No
caso, o indivduo est preparado para efetuar algumas contribuies
como provindas de si mesmo, mas existem outras que gostaria de
fazer de forma annima. Se o grupo continuar fazendo essas
contribuies annimas, esto lanadas as bases para um sistema de evaso
e negao. Dessa forma, a hostilidade dos participantes colocada
anonimamente, mes-mo que os indivduos neguem ou no percebam que
esto expressando hostilidade ou frustrao.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 22
Uma mentalidade grupal seria ento o fundo comum ao qual as
contribuies annimas so efetuadas e atravs do qual os impulsos e
desejos implcitos nestas contri-buies so satisfeitos. Em geral a
mentalidade do grupo se contrasta com os objetivos confessados
pelos membros individuais do grupo.
Ele acrescenta ainda que o sentimento mais proeminente
experimentado pelos grupos o sentimento de frustrao; uma surpresa
muito desagradvel para o indivduo que chega buscando satisfao. Pois
de natureza dos grupos negarem certos desejos, satisfazendo outros.
Mas a maior parte dos ressentimentos causada pela expresso, no
grupo, de impulsos que as pessoas desejam satisfazer anonimamente.
Ento a frustrao produzida no indivduo pelas conseqncias que para si
mesmo decorrem dessa satisfa-o.
Percebemos que o grupo, aparentemente, esperava que as
coordenadoras direcio-nassem o encontro, o que no aconteceu. Isso
sinaliza o suposto bsico de dependncia, de Bion (apud Sampaio,
1995), em que existe um objeto externo, cuja funo fornecer segurana
para um organismo imaturo, nesse caso, o novo grupo que estava se
forman-do.
No grupo de dependncia, no estgio inicial, quando os grupos so
formados, os membros do grupo ou equipe querem testar e descobrir
quais os comportamentos inter-pessoais que so aceitveis no grupo,
com base na reao do coordenador e dos outros membros do grupo a
cada novo comportamento apresentado. Todos observam os demais
esperando algum tipo de orientao ou indicao de como proceder em
diferentes situa-es. H um relacionamento de dependncia uns dos
outros e uma tentativa de testar dife-rentes comportamentos para
perceber quais sero aprovados pelo grupo (Marinho e Oli-veira,
2005, p. 51).
Bion (1970, p. 170) afirma que exceo do lder, a temerosidade
passa a ser a virtude suprema do indivduo neste tipo de grupo. Os
momentos de silncio, no grupo, nos lembram o temor e a confuso
relatada por alguns participantes. No saber o que fa-lar por no
sentir segurana e no saber-se aceito pelos integrantes, em
especial, est em jogo a aceitao da coordenao.
[...] as primeiras experincias do grupo de dependncia de
qualquer modo indicam que existe uma acentuada incapacidade por
parte dos in-dividuas no grupo em acreditar que tenham
possibilidade de aprender algo de valor uns dos outros (Bion, 1970,
p. 173).
Ao constatar que as coordenadoras iriam ficar caladas, estticas,
o grupo se frustra e comea a expressar sua insatisfao. O grupo
alimenta expectativas a respeito do curso. Alguns comearam a
reclamar, a queixar-se de que estariam perdendo o seu tempo
estan-do ali sem ter, aparentemente, nada a fazer. Outros ainda
colocaram que no era nada disso que esperavam, pois vieram em busca
de tcnicas de dinmica de grupo; esperavam aprender como se aplicam
atividades de desenvolvimento grupal. At mesmo que repen-sariam a
continuidade na formao se esta continuasse com estas
caractersticas.
Entendemos que, nesses momentos, o grupo estava, de alguma
forma, questio-nando a coordenao e, por conseqncia, a eficcia da
sua autoridade.
Momentos de tenso eram intercalados por explicaes. Pois uma das
expresses mais usadas pela coordenao foi: explicaes, explicaes,
explicaes... Poderia ser uma forma de defesa racionalizando.
Enquanto isso vinha novamente uma interveno da coordenao, ento o
grupo tenta retomar o foco.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 23
Entendendo ou no a consigna lida pela coordenao, o grupo viveu
momentos de auto-exposio, colocando como cada um se sentia, de modo
que uma participante colo-cou que, ao final do Tavistock, estava
cansada de tanto esforar-se para expor seus sen-timentos. Esse
esforo em conhecer-se, em cada um lutar para expor-se da melhor
for-ma, para constituir um grupo pode ser entendida pelo exposto
por Freud (1997, p. 81) como um processo a servio de eros que a
civilizao faz, cujo propsito combinar in-divduos humanos isolados,
depois famlias, depois raas, povos em vista de uma unida-de. O
trabalho de eros este. As reunies de pessoas devem estar
libidinalmente unidas umas s outras. A necessidade e vantagens do
trabalho em comum, por si s no mantm as pessoas unidas. Existiria
um natural instinto agressivo do homem uma hostilidade de cada um
contra todos e de todos contra um que se ope ao programa de
civilizao e o instinto de vida o eros. A evoluo da civilizao est
ligada luta destes dois instintos, de vida (eros) e de morte
(agressividade).
Uma integrante relatou que o grupo usou palavras sem sentido
para, quase que, provocar as coordenadoras (a sarem de sua postura
esttica). Essa tentativa de provoca-o, instigando atravs de formas
indiretas nos remete a uma luta, uma briga.
Observa-se, ento, um clima de luta no grupo, uma querela
indireta contra a coor-denao descrita por Bion (1970, p. 58-60)
como grupo de suposto bsico de luta e fuga. Se s se pode lutar ou
fugir, tem-se de encontrar algo com que lutar ou de que fugir. No
caso, o grupo luta contra a imagem da coordenao e, ao mesmo tempo,
foge da tarefa de confrontar-se, de trabalhar o seu processo. Alm
disso, se a presena de um inimigo no for evidente ao grupo, a
melhor coisa que se pode fazer escolher um lder para quem ela o .
No caso do grupo guia, a coordenao seria o suposto inimigo que
estaria expondo o grupo a tal sofrimento.
De acordo com Moscovici (2005, p. 122), so exemplos de momentos
de luta, no grupo: atacar, depreciar o grupo; impacincia agressiva
com o grupo. (Vocs dizem que esto satisfeitos com o grupo, e, no
entanto, h pessoas desligadas. Eu ponho dvidas na eficcia de um
grupo em que h pessoas que no participam). Ainda atacar membros
individualmente; bloquear o grupo (Consegue-se alguma coisa
significativa com essa dramatizao? Tenho dvidas quanto validade
desse mtodo. No entendi para que estamos fazendo isso.) Exemplifica
tambm com a autopromoo s custas de outros (Sinto-me responsvel pelo
grupo. No consigo simplesmente ficar sentado e deixar o grupo
afundar, e projeo de hostilidade (Eu me voluntrio para ser bode
expiatrio).
Uma integrante do grupo comentou que o mesmo teria que andar
sozinho, pois es-ta era a proposta do exerccio. Surge a idia de uma
apresentao de cada participante. A idia seria que houvesse duplas
em que cada um dissesse um pouco de si e aps, um co-lega
apresentasse o outro. Segundo Oliveira (1997, p. 401), o suposto
bsico dominante nesse momento de pareamento/unio/acasalamento, pois
trs embutida uma esperana de que algum com um bom currculo poder
nos liderar.
A partir de desse momento, houve diversas idias de atividades
para o grupo, on-de alguns integrantes buscavam atividades e ou
assuntos que pudessem ser interessantes ao grupo. Essa tentativa de
buscar uma tarefa nos leva a pensar no grupo de trabalho de Bion
(1970, p. 131). Conforme este autor, todo grupo, por casual que
seja, se encontra para fazer algo; nessa atividade, de acordo com
as caractersticas do indivduo, eles cooperam.
O grupo se caracteriza por grupo de trabalho quando desempenha
uma atividade racional, ou seja, h uma cooperao voluntria. Todo
grupo que se forma necessita de
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 24
conhecer-se. Entendemos que a atividade de apresentao despertou
no grupo a necessi-dade de estabelecer vnculos.
luz de Bion, existem emoes bsicas que so fatores sempre
presentes quando falamos de um vnculo que prope que se selecionem
trs grandes grupos de emoes: amor, dio e conhecimento. Esses so
intrnsecos ao vnculo entre dois objetos, j que uma experincia
emocional no pode ser concebida isoladamente de uma relao.
Constatamos a dificuldade do grupo em externar emoes e
sentimentos. Pois comeam a aparecer, no grupo, os explicadores da
razo que deveriam ser seguidos: eram os candidatos a lderes. E quem
eram estes lderes. Que tipos de lideranas eles re-presentam? Que
formas de poder eles nos lembram?
Segundo Moscovici (2005) muito difundida em Psicologia Social a
classificao de French e Raven (1959) que indica seis bases de
poder: legtimo, de coero, de re-compensa, de referncia, de
conhecimento e de informao.
No caso do Grupo guia, poder legtimo, de referncia e informao
identificado nas coordenadoras. Poder de coero de alguns colegas
que convenceram outros a de-sempenharem tarefas ou deixar de
desempenhar.
Passado o momento da apresentao, alguns integrantes do grupo
sentiram a falta de estabelecer algumas normas, diretrizes ou
combinaes para andamento do processo. Iniciou-se ento um conflito
entre os integrantes sendo que uns afirmavam que as regras j haviam
sido estabelecidas na assinatura do contrato e outros que no. Nesse
nterim surgem tentativas de ocupao do papel de lder. Com isso,
conflitos e oposies fortes presena de um lder. A manifestao contra
isso era a seguinte: liderana no se ganha, se conquista. importante
tambm considerarmos a questo do gnero, pois foram os homens os que
tomaram a frente para a conquista da liderana, sendo que eram a
minoria e no foram legitimados por um grupo de mulheres.
Por este aspecto, a luz de Anjos e Sierra (1999, p. 19),
consideramos as diferenas sexuais no sentido antropolgico. Sob o
as-pecto antropolgico, as diferenas sexuais so poderosas. A conjuno
das diferenas sexuais tem a possibilidade de gerar um
enriquecimento incomensurvel da vida incluindo a prpria procriao.
As diferenas sexuais, se tomarmos a sexualidade no sentido amplo,
invadente da vi-da, so responsveis at pela alimentao e por todas as
formas de co-municao. Isso quer dizer que nas diferenas sexuais
temos um poten-cial enorme de incentivo vida, s relaes, produo e
reproduo. Mas, bem sabido que, no obstante a conjugao dos poderes,
em grande parte responsvel pelo avano da vida humana, na histria,
tam-bm a contra posio e luta dos poderes uma realidade. Chegamos
as-sim disputa, dominao, s assimetrias de relaes. Mais
concreta-mente vemos a dominao dos homens sobre das mulheres, o
patriarca-lismo, o machismo.
Refletindo sobre o posicionamento do grupo em relao tomada do
poder, per-cebemos que h uma compreenso mais desenvolvida a
respeito das relaes de gnero. Pois conforme Butler (2003), tanto
mulheres quanto homens poderiam ocupar espao de liderana. No h mais
polarizao em um dos sexos, principalmente no masculino como
acontecia no decorrer da histria quando se trata da assuno de
espaos de poder.
A partir desse fato fizemos algumas hipteses: o grupo
percebendo-se sem coor-denao, abre espao para que algum ocupe este
lugar. Uma segunda hiptese seria o emergir natural do grupo de
possveis lderes.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 25
Conforme Bion (apud Zimermam, 1995, p. 76), os lideres nascem a
partir das ne-cessidades do grupo e emergem das ansiedades
primitivas deste. No caso, a liderana surgiu, no entanto, no foi
legitimada pelo grupo. Entendemos que o poder no proble-ma. Faz-se
necessrio desmistificar esta palavra. Segundo Moscovici (2005) o
poder est intimamente relacionado ao processo de influncia social.
Quando uma pessoa influncia outras nos seus pontos de vista e nas
suas aes, esta pessoa tem poder. Este lhe confe-rido pelas outras
pessoas que a percebem como detentora de um atributo especial, como
capaz de influenci-las. So os prprios influenciados que atribuem
poder ao influencia-dor, pelo processo da percepo, em decorrncia de
mltiplos fatores cognitivos e emo-cionais. Em nosso caso, houve a
tentativa de ocupar o espao de poder, mas o grupo no permitiu a
legitimao desta tentativa.
Na seqncia observamos a continuidade da luta do grupo tentando
ocupar um lu-gar de destaque, expressando uma necessidade narcsica.
Segundo Freud (apud Zimer-mam, 1995) o narcisismo secundrio, por
sua vez, como o seu nome indica, alude a uma espcie de refluxo da
energia pulsional, a qual depois de ter investido e ocupado os
objetos externos sofre um desinvestimento libidinal, quase sempre
devido a fortes decep-es com os objetos externos provedores, e
retornam ao seu lugar original, o prprio ego.
Percebemos que o grupo seguiu um tempo de embates em torno de
quem teria melhores argumentos e colocaes para evidenciar o seu
brilho. O que supomos que per-passou o imaginrio dos integrantes do
grupo.
Na obra de Klein, h uma aluso a uma constelao de fenmenos
inter-
relacionados, como: tipo de angstia predominante em uma
determinada situao (a pa-
2
3
5
7 78 8
9 9 9 99
10 11
0
2
4
6
8
10
12
Niv
el (m
dia
)
Comportamento
1 TAVS - Comportamento do grupo(em relao ao prprio grupo)
Mais Importante
Menos Importante
O grfico acima nos permite observar que, quanto ao comportamento
do grupo (em relao ao prprio grupo) durante a primeira aplicao do
Modelo Tavistock, o que mais se manifestou foi a observao, com grau
2; a prudncia, com grau 3; a impacincia, com grau 5; retraimen-to e
aproximao, com grau 7; submisso e flexibilidade, com grau 8;
liderana, agressivida-de, manipulao, competio e fuga, com grau 9;
desprezo, com grau 10; e o comportamento com menos impacto foi
espontaneidade, com grau 11.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 26
3
5 56
7 88
9 9 99 9
10 10
0
2
4
6
8
10
12
NV
EL
(md
ia)
Sentimentos
1 TAVS - Sentimentos do Grupo(em relao a si prprios)
Mais observado
Menos observado
ranide ou a depressiva); os mecanismos defensivos utilizados
para domin-las as pul-ses que esto em jogo; as caractersticas dos
objetos que esto involucrados nessa cons-telao; a qualidade e a
intensidade das fantasias inconscientes ativadas; o estado das
instncias psquicas do ego e do superego; os sentimentos e os
pensamentos do sujeito, tudo isso configurando uma totalidade em
movimento na qual nenhum fator pode ser considerado de forma
independente de todos os demais.
No levantamento, conforme grfico anterior, feito com os
participantes do grupo, chama ateno os dois principais
comportamentos reconhecidos: observao e prudncia. Estes
comportamentos apontados como os mais proeminentes podem ser
relacionados com os sentimentos predominante no grupo durante o
Tavistock, a angstia e a insegu-rana.
So sentimentos e atitudes que nos do a idia de certo travamento.
O grupo ob-serva com prudncia, angustiado, inseguro, ambivalente e
frustrado. Sentimentos estes que sinalizam hostilidade, ausncia de
movimentao e pode-se caracterizar como um funcionamento mais
obsessivo do conjunto de pessoas que se espelha neste recorte de
sentimentos.
Impacincia e retraimento tambm podem revelar o desconforto que o
grupo esta-va sentindo. No conjunto, estes quatro tipos de
sentimentos e comportamentos tambm podem evidenciar hostilidade, no
entanto, uma hostilidade que no foi expressa de forma satisfatria
pelo motivo da alta incidncia de atitudes passivas. Somente a
atitude de im-pacincia pode remeter a ao.
O grfico acima nos permite observar que, quanto aos sentimentos
do grupo (em relao a si prprios) durante a primeira aplicao do
Modelo Tavistock, o que mais impactou foi angustia, com grau 3;
insegurana e ambivalncia com grau 5; frustrao com grau 6; abandono
com grau 7; confiana e raiva com grau 8; empatia, solido, rejeio,
motivao e fuga com grau 9; e os sentimentos com menos significncia
foram serenidade e medo, com grau 10.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 27
Os sentimentos intermedirios, conforme grfico acima, foram de
abandono, con-fiana, raiva, empatia, solido e rejeio. J os
comportamentos intermedirios foram de aproximao, submisso,
flexibilidade, liderana, agressividade e manipulao.
Visto que a espontaneidade est como o ltimo comportamento, pode
inferir co-mo uma dificuldade desse grupo a expresso de sentimentos
hostis. Lanando um olhar retrospectivo podemos entender at porque
tantas vezes agimos como irmozinhos ten-tando preservar, talvez, as
boas relaes.
9.2 Grupo guia o vo experimental
A segunda experincia do modelo Tavistock ocorreu no 14 encontro,
caracteri-zando-se pelo primeiro encontro de uma nova etapa do
grupo guia. A proposta de apli-cao do modelo partiu de dois membros
do grupo em coordenao experimental. O ob-jetivo de tal aplicao
seria de mobilizar o grupo para uma nova experincia de interao sem
uma coordenao formal, de modo a emergir o prprio potencial dos
demais partici-pantes. Tambm havia um interesse das coordenadoras
de experimentarem a conduo do exerccio Tavistock.
Os primeiros sentimentos observados foram de confuso e
sentimentos do co-nhecido, frustrao, ambivalncia e certa ansiedade.
Um integrante do grupo chegou a verbalizar: fazer coordenao dessa
forma muito fcil!, sendo que este integrante do grupo tinha sempre
o caderno na mo para fazer seus relatos.
Apesar do grupo se mostrar confiante no exerccio apresentado,
houve pouco im-pacto e tambm do grupo se mostrar confuso tentando
buscar referncias, pois aparece-ram questes do tipo o que teremos
que fazer quem vai nos dizer? Qual ser o nosso direcionamento para
discutirmos?
A observao intensa dos integrantes do grupo direcionou a
formulao de algu-mas hipteses:
1: Algumas projees foram direcionadas s coordenadoras, que de
certa forma eram vistas pelo grupo como mais interpretativas
oriundas da clnica, e que talvez por isso mesmo devessem trazer
algo diferente, criativo, que superassem expectativas.
2: O grupo ficou ambivalente por um longo tempo, como se no
quisesse admitir de qual era a proposta onde um dos objetivos da
coordenao era observar a fotografia do grupo naquele momento, incio
de um novo mdulo, que comportamentos iriam surgir quanto s disputas
de poder, autoridade e quem seria legitimado para o processo nesse
momento.
Sabemos que o foco maior deveria estar no inusitado, pois a
presena do coorde-nador naquela postura aparentemente neutra
provocar a ansiedade ao mximo. esta ansiedade diante do inusitado
que far o grupo reagir nos pressupostos bsicos.
Como o grupo j tinha uma trajetria junto, o efeito desta segunda
experincia de Tavistock pareceu completamente distinto da primeira
vivncia. O grupo j havia con-quistado maturidade e integrao
suficientes para aproveitar esta segunda oportunidade para discutir
temas relevantes no grupo e exercer seu potencial de liderana nas
relaes com os colegas.
Conceitualmente, esta 2 experincia caracterizou-se mais por um
laboratrio ex-periencial do que um recurso formal at por questes de
ordem prtica como tempo, co-nhecimento dentre os membros do grupo,
dentre outras variveis.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 28
Mas de qualquer sorte, o mais marcante no modelo Tavistock
aquilo que Bion refere: sem memria, sem desejo, sem pensamento, o
coordenador estar dessa forma mais disponvel para o grupo, para que
possa ler o processo grupal, sem levar suas hist-rias, percepes e
expectativas do grupo.
Os aspectos que evidenciam esse processo so melhor compreendidos
quando vi-venciados em operao real, aqui e agora no grupo,
evidentemente com aquela postura aparentemente neutra da
coordenao.
Observamos tambm no grupo uma ateno permanente, considerao,
postura e espao de compreenso, mas com certo comportamento
ambivalente, ora com um fun-cionamento grupal mais controlador, com
caractersticas obssessivo-compulsivas e em outro momento mais
espontneo, flexvel e menos prudente. Talvez essa segunda coor-denao
tenha um significado menos ameaador, tornando o grupo mais
empoderado. Comprovamos isso atravs do questionrio aplicado ao
grupo, nos levando a pensar que a submisso em relao coordenao das
colegas-pares, a questo da autoridade no pa-recia os incomodar,
conforme grfico abaixo:
O grupo demora a falar, a integrar suas falas, que nos leva a
fazer um entendimen-
to novamente dos sintomas de dependncia como foi anteriormente
relatado. ntido para o grupo que este processo foi menos ameaador,
pois no havia uma preocupao com as coordenadoras nas suas poucas
intervenes, menos ameaas, menos insegurana e mais motivao e
liberdade, certamente demonstradas pelo grau de vinculao j
exis-
4
6 66 6
7 7 7
89 9
10 1111
0
2
4
6
8
10
12
Nv
el (m
dia
)
Obs
erva
o
Flex
ibili
dade
Esp
onta
neid
ade
Impa
cin
cia
Pru
dnc
ia
Com
peti
o
Lide
ran
a
Apr
oxim
ao
Agr
essi
vida
de
Ret
raim
ento
Fug
a
Des
prez
o
Man
ipul
ao
Sub
mis
so
Posturas
2 TAVS - Comportamento do grupo(em relao ao prprio grupo)
Mais Importante
Menos Importante
O grfico acima nos permite observar que, quanto ao comportamento
do grupo (em relao ao prprio grupo) durante a segunda aplicao do
Modelo Tavistock, o que mais se manifestou foi a observao, com grau
4; a flexibilidade, espontaneidade, impacincia e prudncia, com grau
6; competio, liderana e aproximao, com grau 7; agressividade, com
grau 8; retraimento e fuga, com grau 9; desprezo, com grau 10; e os
comportamentos que menos tiveram manifesta-o foram manipulao e
submisso, com grau 11.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 29
tente no grupo, onde cada um a sua maneira pode romper as
algemas, experimentar novos papis, transformar, mudar,
arriscar.
Levando em conta os dados do instrumento de pesquisa obtidos com
o grupo, os sentimentos de fuga, abandono e medo no foram to
identificados nesta etapa do proces-so grupal, de acordo com o
grfico abaixo:
No trmino dessa atividade as coordenadoras saram em silncio e
iniciou-se o
processo do grupo, como forma de avaliao do trabalho realizado.
Alguns sentimentos expressados pelo grupo foram: surpresa, validao
pois o grupo pode andar s, vontade de estar no lugar de, a tcnica
deveria ser usada em outro momento, as que se achavam binicas se
autorizaram a aplicar essa tcnica, as coordenadoras se
pouparam.
Talvez inconscientemente, o fugir do inusitado, observar o
momento do grupo e a tentativa de excluso dele, de alguma forma
proporciona ao grupo o exerccio de espon-taneidade e talvez o mais
significativo, a incluso da dimenso grupal, pois estamos trei-nados
a perceber, no mximo, a dimenso interpessoal.
10 CONSIDERAES FINAIS
A partir dos aportes tericos desenvolvidos, juntamente com o
entendimento dos dois processos vividos pelo grupo com o modelo
Tavistock, passamos a fazer algumas consideraes.
5 56 6 7
7 78
8 8 89 9
10
0
2
4
6
8
10
12
NV
EL
(md
ia)
Sentimentos
2 TAVS - Sentimento do Grupo(em relao a si prprios)
Mais Importante
Menos Importante
O grfico acima nos permite observar que, quanto aos sentimentos
do grupo (em relao a si prprios) durante a segunda aplicao do
Modelo Tavistock, o que mais impactou foi ambiva-lncia e confiana,
com grau 5; angstia e empatia com grau 6; frustrao, insegurana e
motivao com grau 7; raiva, serenidade, solido e rejeio com grau 8;
fuga e abandono com grau 9; e o sentimento com menos significncia
foi medo, com grau 10.
-
SBDG Caderno 86 v O modelo Tavistock e o desenvolvimento da
liderana... 30
A vivncia grupal propicia um grande aprendizado aos seus
membros, na me-dida em que oferece um contexto laboratorial de
novas experincias de relao.
O grupo elege alguns indivduos para representarem determinados
papi