UMA VISITA A BUTRINT, PARQUE ARQUEOLÓGICO: IMPRESSÕES MARIA ELISA TOURINHO Julho 2015
PREAMBULO
Tive a chance de “descobrir” Butrint em uma viagem e me encantou. De retorno, resolvi
escrever estas impressões. O material de consulta foi apenas o disponível no local e alguma
pesquisa de internet. Há alguma inconsistência entre o material provavelmente devido à
dificuldade de tradução. As traduções para português são livres já que o material encontra-se
no idioma local e em inglês.
Parte do material visual foi extraído de quadros presentes no próprio local e, dada a
precariedade de tempo e recursos, são de baixa qualidade. No entanto, avaliando qualidade
visual versus qualidade da informação, achei conveniente incluir. As fotos, quando de minha
autoria, estão indicadas (MET).
Espero que quem ler, aprecie.
Maria Elisa Tourinho [email protected]
Oposta a Corfu, ilha grega do Mar Jônico, e separada desta por um estreito de 3 km, encontra-
se Butrint, uma antiga cidade Grega e posteriormente parte da colônia Romana de Epiro.
Butrint está no Sudoeste da Albânia e é hoje um parque arqueológico, reconhecido, dentre
outros, pela UNESCO como Patrimônio Histórico da Humanidade.
A vila de pescadores de Butrint foi fundada no século XIX e escondia enterrado um
microcosmo da Historia daquela região Mediterrânea. Embora ainda não completamente
escavada, existe ali um conjunto de monumentos desde o período Helênico – templo do século
IV AC a construções otomanas. No entorno da vila e cidade antiga de Butrint há uma gama de
referencias a antigas civilizações. A trilha do parque – figura abaixo – exemplifica a diversidade
de construções existentes no local.
PARQUE DE BUTRINT
LEGENDA: 1 – BUTRINT – SITIO DA CIDADE 6 – VILA ROMANA E DIAPORIT 2 – FORTALEZA TRIANGULAR 7- FORTIFICAÇÃO - IDADE DE BRONZE 3 – SITIO DE CIDADE ROMANA 8 – TORRE DE OBSERVAÇÃO VENEZIANA 4 – SITIO ROMANO E IGREJA SÉC. XIX 9 – VILA ROMANA E CASA DO SÉC. XIX 5 – RUINAS DO AQUEDUTO ROMANO 10 – CASTELO DE ALI-PASHA – SÉC. XIX
Fig. 1 – Sítios Históricos além dos Muros de Butrint (Butrint Foundation)
Há indícios de ocupação datados do sec. XVIII AC. Um povoamento do inicio da Idade do Ferro,
no alto da acrópole e que pode ter sido murado, é o embrião da futura cidade. A primeira vez
que Butrint foi identificada como cidade foi no século VI AC quando ocupava toda a área da
colina.
No entanto, a primeira ocupação substancial da cidade foi no séc. IV AC quando, segundo uma
antiga lenda local e baseada em escritos de Virgílio e outros , Buthrotum – antigo nome para
Butrint - foi fundada por exilados, fugindo da guerra de Troia. Nesta época, há a construção de
um teatro, um santuário e ágora, cercados por uma fortaleza com quatro portões.
Com o crescimento do Império Romano, Butrint se desenvolve como uma cidade
Mediterrânea com a construção de ponte e aqueduto, além de diversos monumentos, banhos
e fontes. Butrint oferecia recursos naturais abundantes, em parte devido a seu lago adjacente;
posição favorável como entreposto comercial facilmente acessível por terra e mar; e
localização estratégica como base naval. Júlio Cesar funda ali uma colônia romana em 40 AC.
Varias estatuas que estão no Museu do parque, se encontram quebradas, em parte explicado
por um provável terremoto que teria acontecido no séc. III.
Após o natural abandono da área, há a reconstrução no sec. IV quando são incluídos os
mosaicos como peça de decoração nas construções, já existentes e em novas. Hoje, poucos
são os mosaicos visíveis. Vários dos mosaicos dos pisos são propositalmente cobertos por areia
e terra como forma de conservação e até que seja possível desenvolver e/ou aplicar um
tratamento que evite sua destruição, tanto da cor como do uso do material.
No final da antiguidade, a cidade sofre alterações típicas da época e a região passa por vários
ataques de vândalos e possivelmente ostrogodos gerando, para sua defesa, a construção de
novos muros de proteção ao redor da cidade.
A partir de meados do séc. V até meados do séc. VI, se alastram a construção de edificações e
moradias vizinhas aos monumentos e a construção de igrejas e outros monumentos religiosos,
graças ao crescimento do Cristianismo na região. É desta época Grande Basílica, hoje em
ruínas. O piso da grande catedral é recoberto por mosaicos (fig. 3) assim como os nichos do
Fig. 2 – Vista da Baia através do Portão do Lago
banho público (fig. 4 ). O grande batistério é também construído nesta época e seu piso é
integralmente recoberto por mosaicos. (fig. 5)
O legado romano termina no final do séc. VI com o colapso da economia mediterrânea. Já no
séc. V, a cidade é murada deixando toda a parte desenvolvida na planície sem proteção. Os
eslavos chegam ali nos anos 580 e grande parte da cidade baixa é abandonada.
Pouco se sabe da região entre meados do séc. VII até final do séc. IX.
Em 1081, Butrint é palco de uma batalha entre Bizantinos e Normandos buscando a conquista
do território, sendo os últimos vitoriosos.
Durante o séc. XIV, a região é comprada pelos Venezianos e se torna um entreposto para
Corfu e torna-se responsável por lhe prover pesca assim como pastagem na planície. Durante o
período entre o séc. XIII até o séc. XIX, a região sofre seguidas e permanente conquistas,
reconquistas e disputas de poder pela região dada sua posição estratégica: turcos otomanos,
bizantinos, venezianos e forças napoleônicas.
Fig. 5 – Batistério – mosaicos ficam cobertos
Fig. 3 – Mosaicos da Basílica recobertos Fig. 4 – Mosaicos
No séc. XIX, Butrint está reduzida em tamanho e se limita somente aos redores do Castelo
Triangular, ao sul.
Hoje, a Acrópoles de Brutrint está parcialmente escavada e já exibe diversos monumentos e
mosaicos de diferentes épocas.
MAPA DE BUTRINT ATUAL
LEGENDA: 1 – TORRE VENEZIANA DO SÉC. 15/16 8 – CASA ROMANA CONVERTIDA EM PALÁCIO SÉC. 2 – SANTUÁRIO DO SÉC. 4 9 – FONTE SÉC. II AC 3 – TEATRO SÉC. III AC 10 – GRANDE BASÍLICA SÉC. 6 4 – CASA DE BANHO ROMANA SÉC. II AC 11 – PORTÃO DO LAGO – SÉC. IV 5 – ÁGORA 12 – PORTÃO DO LEÃO - RECONSTRUÍDO 6 – GINÁSIO, CONVERTIDO EM IGREJA 13 - ACRÓPOLES 7 – BATISTÉRIO SÉC. VI 14 – CASTELO VENEZIANO SÉC. XIV/XVI RECONSTRUÍDO
Vários muros de diferentes épocas, do séc. VII AC a séc. I AC, rodeiam a cidade – alguns
trechos, sinalizados no mapa acima (fig. 6) por meio de setas brancas. Todos são feitos com
grandes blocos (de diversos tamanhos chegando até a 2 x 1 m) de pedras retangulares ou
Fig. 6 – Sítios Históricos intra Muros de Butrint (folder Parque de Butrint)
poligonais esculpidas de encaixes perfeitos (fig. 7 - ex: pedras na figura abaixo sinalizado por
setas).
Dos quatro portões originais, dois (11 e 12 na Fig. 5) se sobressaem no conjunto: o portão do
Leão, onde um leão aparece atacando um boi, e o portão do Lago, com uma vista excepcional
para a baia. O portão ao sul é oposto ao teatro e embora não tão bem conservado impressiona
pelas construções ao seu redor.
Fig. 7 – Exemplo de Muro e Porta de Lago
Fig. 8 – Portão do Leão
O portão do Leão deve seu nome ao relevo representando um leão devorando um touro logo
acima da entrada. A pedra com o relevo não pertencia ao conjunto original e foi colocada ali
no séc. V a fim de reduzir o tamanho do portão e facilitar a defesa do local. Originalmente, a
pedra pertencia a outro monumento e pode datar do séc. VI AC.
Os monumentos que se destacam na região pertencem a diferentes épocas.
Destacam-se:
- Complexo Central
Destacam-se, no complexo do centro cultural central, o santuário de Asclepiu – originalmente
da antiguidade e que foi alterado em séc. III ou IV AC - e o teatro – séc. III AC, com lugar para
1500 espectadores. A área data originalmente do período helênico e antiguidade e foi
fortemente ampliada na época dos romanos. Concentram-se neste local: banho público,
fórum, inscrições antigas, casas ...
Fig. 9 – Portão do Canal
Fig. 10 –Complexo
Fig. 11 – detalhe do Santuário Fig. 12 – teatro ao fundo
Fig. 13 – Esquema do Santuário de Asclepius
LEGENDA: SANTUÁRIO ANTIGO 1 – TEMPLO 2 – PASSARELA COBERTA 3 – TESOURO COM OFERENDA SANTUÁRIO DO SÉC. III AC 4 – TEATRO 5 – REFUGIO PARA PEREGRINOS 6 – “TEMENOS” MURO 7 – PORTÃO 8 – FONTE A composição e estilo das pedras das diversas estruturas são testemunho das diferentes
épocas das construções.
Fig. 14 – Diferentes estruturas do Complexo e detalhe
Com a chegada dos romanos, os banhos – vários deles – são construídos pela cidade. Na fig.
15, em primeiro plano, vê-se o banho que fica no complexo central. No detalhe, aparece a
placa de Banho Publico e vê-se ao fundo o teatro, ao alto, o castelo e a torre..
Construção romana
Fig. 15 – Banho publico e detalhe.
Ainda neste complexo, pode-se ver uma manumissão escrita na pedra com o decreto de
alforria de libertação de escravos (fig. 16) e parte do fórum romano (fig. 17).
Fig. 16 –manumissão Fig. 17–parte do Fórum
– Poço e Fonte da Ninfa
Por trás do Portão do Leão e parte dele, em um dos lados, encontra-se a fonte romana
dedicada ao culto de Ninfas.
Fig. 17 – detalhe do verso do Portão do Leão: Fonte da Ninfa
- Grande Basílica e Batistério
As construções cristãs são construídas a partir do séc. V até a Idade Média e destacam-se: a
Grande Basílica e o Batistério.
Fig. 18 – Grande Basílica
Fonte romana Portão e Parede Helênica
Fig. 21 – detalhe do mosaico
- Santuário de Ninfas
O Santuário, parte do sistema do aqueduto, foi construído no séc. I ou II. O sistema interligava
os diversos santuários ao aqueduto e a sistema de aguas da cidade.
Fig. 22 – Santuário de Ninfas.
- Castelo
No cume da Acrópoles, há um castelo veneziano reconstruído, respeitando a fortificação
arcaica, que oferece uma boa vista que engloba Corfu, a planície de Vrina, o canal de Vivari até
a cidade de Konispoli, próxima à fronteira com a Grécia.
Acima, uma imagem – precária – da evolução da ocupação da região de Butrint. No período
helênico, séc. III AC, a ocupação se restringe à península e toda a cidade é cercada por muros
de pedra com encaixe perfeito. No período romano, com inicio com a chegada de Cesar a
Butrint em 44 AC, e após disputa com Pompeia, Butrint torna-se uma colônia romana. A cidade
se desenvolve extramuros e grandes projetos como o aqueduto e ponte sobre o Vivari canal
são construídos. No séc. I, o perímetro urbano da cidade cresceu fora das muralhas,
atravessou o canal, e se expandiu na planície oposta.
A segurança da cidade é constantemente reforçada com a construção de diversas muralhas
através dos tempos.
No séc. XV, a fim de assegurar a segurança da cidade e garantir a atividade da pesca, os
venezianos constroem uma fortaleza no lado sul do canal, a Fortaleza Triangular.
A fortaleza triangular, antes dedicada à defesa, torna-se o Castelo de Ali Pasha, militar albanês,
em finais do séc. XVIII. Dado o novo interesse do Governante, caça, a região se revitaliza.
O museu de Butrint, embora de pequeno porte, abriga uma grande quantidade de material da
escavação local, desde objetos paleolíticos e neolíticos; da idade do bronze e ferro, helênicos,
romanos, bizantinos e venezianos. Não é permitido tirar fotos no seu interior e não há material
disponível no local sobre os objetos ali guardados.
Hoje, Butrint é objeto de estudo de diversas instituições e especialistas, nacionais e
estrangeiros. Em 2000, foi criado o Parque Nacional de Butrint com uma área de 94km2. O
parque recebe apoio da Fundação Butrint, Banco Mundial e UNESCO e de instituições tais
como ICCROM e ICOMOS. O projeto envolve igualmente o desenvolvimento das comunidades
e instituições locais, com foco nos diversos sítios a serem explorados no país (anexo I).
Chega-se ao parque arqueológico através da cidade de Sarandi, ao sul do País, que após o
longo período fechado ao turismo, inicia um processo de desenvolvimento de sua vocação
mediterrânea com a construção de diversos hotéis e resorts.
Fig. 23 – Cidade de Sarandi