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Bulletin du centre dtudesmdivales dAuxerre |BUCEMAHors-srie n 2
(2008)Le Moyen ge vu dailleurs
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Hilrio Franco Jnior
Modelo e imagem. O pensamentoanalgico
medieval................................................................................................................................................................................................................................................................................................
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Rfrence lectroniqueHilrio Franco Jnior, Modelo e imagem. O
pensamento analgico medieval, Bulletin du centre dtudesmdivales
dAuxerre | BUCEMA [En ligne], Hors-srie n 2|2008, mis en ligne le
28 fvrier 2009, consult le 06juin 2015. URL:
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Modelo e imagem. O pensamento analgico medieval 2
Bulletin du centre dtudes mdivales dAuxerre | BUCEMA, Hors-srie
n 2 | 2008
Hilrio Franco Jnior
Modelo e imagem. O pensamentoanalgico medieval
1 No debate historiogrfico conceitual das ltimas dcadas um
elemento central e polmico temsido o imaginrio, sistema de imagens
verbais e visuais articulado segundo lgica prpria.Esta, ao menos na
Idade Mdia, era o pensamento analgico. De fato, ele foi o
instrumentointelectual predominante na longussima durao histrica
ocidental at o sculo XVII, quandosomente a partir de ento o
pensamento lgico passou a ganhar cada vez mais terreno. Porexemplo,
sabe-se hoje que a sociedade da Grcia antiga no foi to racional
quanto j sepretendeu1. Sabe-se que as manifestaes do racionalismo
medieval foram muito limitadas noespao, no tempo e nos segmentos
sociais, no tendo desabrochado completamente antes dosculo XII2.
Sabe-se que mesmo depois, ainda por muito tempo e para boa parte da
populaocrist as conexes analgicas continuaram prevalecendo sobre as
lgicas, pois uma lei quedomina, em grande escala, a vida da
psique3.
2 Aps os dois ltimos sculos de ditadura da lgica, recentemente
pesquisas em diferentescampos passaram a considerar a reintegrao
dos planos do conhecimento. Tangenciando oslimites do pensamento
lgico, a cincia do sculo XX recorreu vrias vezes s
potencialidadesdo pensamento analgico, tanto nas reas ditas exatas
quanto nas humanas. No entanto aatual revalorizao do pensamento
analgico 4 no levou ainda reconsiderao do papeldesempenhado por ele
na sociedade medieval 5, a respeito da qual continua a ser
estudadoapenas na teologia 6. A forte presena do pensamento
analgico medieval no chamou aateno mesmo de historiadores
pioneiros.
3 Tomemos algumas pginas do famoso captulo de Marc Bloch sobre
as maneiras de sentir ede pensar7. L, ele afirma que na poca feudal
surgiram novas palavras por contaminaodo mecanismo lgico, e
exemplifica com um vocbulo vernculo que deu origem a umlatino:
hommage tornou-se homagium. Ora, este mecanismo lingstico conhecido
na pocaem que escrevia seu livro e aceito atualmente como espontneo
mesmo em crianas pequenas8
tinha sido comum no latim clssico, por exemplo com
honos/honoris/honorem tendo criadoo nominativo honor por analogia
com casos como os de orator/oratoris/oratorem ou
amor/amoris/amorem9. Ou seja, o pensamento analgico que poderia ter
explicado a Bloch porqueo gosto pela exatido permanecia
profundamente estranho aos espritos: simplesmenteporque prevalecia
o gosto pelo semelhante, no pelo idntico.
4 A recusa a constatar o pensamento analgico medieval deve-se,
talvez, a duplo motivo. Deum lado, extremada reao inconsciente
velha postura que via na Idade Mdia uma Idadedas Trevas ou uma
Idade da F, entenda-se, nos dois casos, uma poca sem a luz da
razo.De outro lado, aceitao literal da viso que o cristianismo
medieval oficial tinha do mundoe de si prprio, e que tendia a no
reconhecer a forma analgica de relacionar as partes seres humanos,
animais, plantas, pedras, fenmenos naturais, etc. com o todo
(Universo).Por exemplo, uma das mais importantes autoridades de
ento, Isidoro de Sevilha, consideravaa lgica ao lado da natureza e
da tica um dos fundamentos da Bblia. Ele no aceitava aanalogia
naquele papel por definir tal forma de pensamento como comparao do
duvidosocom algo semelhante que no oferece dvida, situao que no lhe
parecia cabvel na Palavrade Deus10.
5 Contudo, dado muito significativo, o que ele fez no seu
principal trabalho considerado porErnst Curtius o livro fundamental
de toda a Idade Mdia11 foi exatamente buscar pormeio de associaes
analgicas a verdade ontolgica ao mesmo tempo escondida e
reveladapelas palavras. Suas Etimologias sintetizavam duas prticas
culturais anteriores, a helensticaque via laos causais entre as
coisas e seus nomes e a exegese bblica de inspirao estico-platnica
que encontrava em todo nome a essncia metafsica da coisa designada.
Mesmocom tal concepo tendo recuado com os filsofos nominalistas (de
Abelardo a Occam), que
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defendiam o carter convencional das lnguas 12, o homem comum da
Idade Mdia jamaisdeixou de ver laos afetivos e/ou formais entre as
palavras e aquilo que elas indicam : oarbitrrio do signo proposto
pela Lingstica moderna no faria sentido para eles13.
6 Na Europa medieval, a viso analgica de mundo estava presente
tanto na culturaerudita quanto na vulgar. E sobretudo no nvel
cultural comum queles dois plos,zona que denominamos cultura
intermediria, na qual clrigos e leigos encontravam ecriavam
elementos compreensveis aos dois grupos, apesar de todas suas
diferenas sociais,econmicas, polticas e funcionais.
Similitude, me da verdade14
7 Evidentemente, pensamento analgico aquele baseado em
analogias, palavra de origemgrega ana, por meio de, legein,
assemelhar que indica proporo matemtica identidade entre as relaes
que unem os termos de dois ou mais conjuntos ecorrespondncia
semelhana entre domnios heterogneos possibilitada pela percepode
certa unidade entre eles. Analogia isomorfismo que leva
transferncia de propriedadesde algo conhecido para outro menos
conhecido, isto , gera conhecimento conectado comoutros, e no
apenas cumulativo. Logo, o pensamento analgico mtodo extensivo
quedepende mais das propriedades sintxicas do conhecimento do que
de seu contedo especfico.Ele busca similitudes entre seres, coisas
e fenmenos, todos conectados em uma totalidadeque os ultrapassa e
comum a cada elemento. Tais pontos estruturais presentes em
todocomponente do universo decorrem de uma realizao primordial, de
uma unidade bsica detudo, escalonada por semelhanas dos termos
anlogos entre si e por referncia deles ao termoprimeiro, ao
prottipo.
8 por isso que o pensamento analgico privilegia a busca de
semelhanas, sem negar contudoas diferenas entre os elementos
comparados, sejam eles sociais, naturais ou supranaturais. por isso
igualmente que as sociedades pr-industriais, inclusive a do
Ocidente medieval,fazem relativa indistino entre os eventos
daquelas esferas 15. Como os membros dessatotalidade funcionam em
rede, como as relaes so prioritrias sobre as propriedades dos
serese objetos analogizados, a modificao de um dado provoca por
contiguidade a modificaode muitos outros, algumas vezes do
conjunto, como fez o Pecado Original na concepocrist de mundo. As
correlaes estabelecidas pelo pensamento analgico entre dois oumais
termos de um mesmo sistema ou entre sistemas diferentes podem ser
diretas porsimilitude de caractersticas e/ou funes ou invertidas
por contraste ou paradoxo . Sobquaisquer dessas formas, pensamento
indutivo, comparativista e intuitivo, que automtica
eespontaneamente constitui uma malha de conexes afetivas
considerada capaz de exprimir eexplicar a integralidade do mundo,
portanto de acalmar as dvidas existenciais.
9 O papel central que o pensamento analgico desempenhou na
Europa medieval bemcompreensvel, dada a predominncia dele nas trs
heranas culturais que construram aeuropia a clssica, a bblica e a
germnica. Sem ser aqui nosso objeto examinar essesambientes
culturais, lembremos apenas que no greco-romano a modalidade
analgica deraciocnio estava fortemente presente tanto na mitologia
quanto na filosofia, manifestaesque exerceram grande influncia no
cristianismo medieval. Havia analogias duais em termosmatemticos, A
: B , como aquela que Anaximandro formulou e que como veremosseria
muito popular na cultura crist a partir do sculo XII entre
microcosmo (homem) emacrocosmo (universo)16. Das analogias de trs
termos (A: B =B: C), a mais famosa a quePlato estabeleceu no relato
sobre a caverna, no interior da qual os ocupantes vem
apenassombras, plidos reflexos do mundo visvel, por sua vez somente
reflexo do mundo das idias,a verdadeira realidade17. Aristteles, de
seu lado, insistiu na analogia de quatro termos (A:B =C: D),
exemplificando com o fato de haver uma mesma relao entre a taa e
Dioniso eo escudo e Ares, de maneira que um poeta pode dizer que a
taa o escudo de Dioniso eo escudo a taa de Ares. Ou, como a relao
entre velhice e vida a mesma que existeentre dia e entardecer,
pode-se afirmar que a tarde a velhice do dia e a velhice
oentardecer da vida18.
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10 Como so inmeras as analogias utilizadas na Bblia, ilustremos
apenas com uns poucosexemplos dos Salmos, parte do Antigo
Testamento citada mais de cem vezes no Novo e partedo livro sagrado
mais apreciada pela Europa medieval. Do primeiro tipo (ou analogia
deatribuio), lembremos que o homem justo como uma rvore plantada s
margens de umcurso dgua, d frutos na poca certa e sua folhagem
nunca seca; ele pede a Deus quetorne meus ps geis como os dos
cervos e mantenha-me nas alturas; ele define o Senhorcomo meu
abrigo, minha fortaleza, meu Deus em quem confio19. Do segundo tipo
(ouanalogia de proporo), que sua misericrdia, Senhor, esteja
conosco como nossa esperanaest consigo; como o cervo aspira s
fontes puras, minha alma aspira a voc, meu Deus;mil anos so a seus
[de Iav] olhos como [para os homens] o dia de ontem20.
Especialmenteimportantes eram as passagens nas quais o cristianismo
medieval via o salmista antecipandoeventos da Paixo e Ressurreio de
Cristo21.
11 No mbito da cultura germnica, tomemos dois casos. A natureza
e o homem eram concebidoscomo anlogos, mostra um mito islands
datado talvez do sculo VIII, embora tenha recebidoregistro escrito
no sculo X : a deusa Frigg, me de Baldr, obteve da gua, das
pedras,rvores, enfermidades, aves, bem como do fogo, dos metais,
animais e venenos, o juramentoque jamais fariam mal a seu filho,
mas deixou de lado um arbusto muito pequeno, julgadoinofensivo, do
qual o maldoso Loki extraiu um ramo que matou o jovem deus22. O
tempo e oespao, para a Fsica moderna categorias abstratas,
separadas e com caractersticas prprias,eram vistas pelos antigos
germanos como concretas e anlogas, razo pela qual estabeleciamcerta
espacializao do tempo um dia era a trajetria do Sol entre o leste e
o oeste ecerta temporalizao do espao medir uma distncia era
determinar com quantos dias decaminhada ela podia ser
coberta23.
12 A diferena estrutural entre os pensamentos analgico
reticulado, construdo de formasincrnica com elementos similares,
comparveis, paralelos e entrecruzados e lgico linear, construdo com
encadeamentos diacrnicos de elementos distintos que levam dacausa
ao efeito, ou vice-versa no significa que em determinados perodos
histricos umdesses instrumentos de deciframento do mundo exclusse o
outro. Mesmo na Idade Mdia. Oracionalismo evidentemente no era
desconhecido, e nem poderia s-lo, pois o cristianismoestimula uma
viso de mundo lgica24. Mais importante, no era ento desconhecido
porqueem toda sociedade o pensamento analgico e o pensamento lgico
so complementares, noexcludentes. So inerentes ao ser humano de
todas as pocas e todos os locais, so formasigualmente vlidas de
conhecimento do mundo e de si mesmo.
13 Como bem notou Edgar Morin, toda renncia ao conhecimento
emprico/tcnico/racionalconduziria os humanos morte; toda renncia s
suas crenas fundamentais desintegraria asociedade de que fazem
parte25. Observao essencial, nem sempre levada em conta
peloshistoriadores. Com efeito, desde o sculo I a.C. o racionalismo
clssico passara a argumentarcom a relatividade de toda percepo
sensvel e tornou-se ctico, viu o esgotamento deseu carter terico e
especulativo26. O cristianismo, sntese da mstica oriental (Jesus) e
dafilosofia grega (Paulo) pretendia superar esse impasse,
oferecendo a possibilidade de conhecero incognoscvel (Deus) por
meio do concreto (Criao). Alcanar o intangvel pelo
sensveltornava-se possvel pela observao de um tecido de reflexos,
de comparaes, de gradaes,de metforas, de smbolos. Em suma, de
analogias.
14 Nada estranho, portanto, que a afirmativa bblica segundo a
qual Deus disps tudo commedida, nmero e peso, tenha sido entendida
analogicamente tanto no sculo I a.C., poca desua formulao, quanto
na Idade Mdia27. Nmero no era uma quantidade exata, e sim maisum
instrumento de decodificao possvel do mundo28. Logo, natural que a
linguagem dopensamento analgico seja a simblica, adjetivo vindo do
substantivo sumbolon, por sua vezderivado do verbo sumballein,
reaproximar algo conhecido o smbolo, o significante dealgo
invisvel, misterioso (o significado). Reaproximao que exerccio
analgico, operaomental que de uma semelhana imperfeita conclui
outra(s), e desta(s) ainda outra(s) e assimsucessivamente. Isso
levou alguns estudiosos a pensarem que analogia induo seguida
de
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deduo, e que portanto o tratamento simblico do mundo pressuporia
um tratamento anteriorracional29.
15 Tal considerao tem o mrito de negar o carter pretensamente
pr-lgico das sociedadesditas arcaicas, mas para no se cair no
exagero oposto preciso especificar que se trata nodo racionalismo
lgico, e sim do racionalismo analgico, cujo resultado sempre
hipottico.Observao essencial, para que no se despreze a distino
entre smbolo e alegoria30. Esta,com efeito, uma espcie de metfora
prolongada, uma comparao que funde dois termosem um nico, como no
clssico exemplo aristotlico: j que Aquiles por sua coragem pareceum
leo, pode-se dizer que Aquiles um leo. Diferentemente, o smbolo no
funde oselementos em questo, preserva a identidade de ambos ainda
que detectando pontos comuns,homologias (semelhana de estrutura) e
analogias (semelhana de funo). Os smbolos soprefiguraes do mistrio
no dizer de Isidoro de Sevilha31.
16 Ver em Cristo o cordeiro de Deus que leva o pecado do mundo
no confundi-lo com obode expiatrio das civilizaes orientais32,
estabelecer uma analogia (levar o pecado)baseada numa homologia que
adota como metfora outro animal o dcil e puro cordeiroe no o voraz
e lbrico bode 33. Ou seja, o smbolo est para o sentimento assim
como aalegoria para o pensamento: enquanto a analogia fundamento do
smbolo e este expressoverbal e/ou visual daquela, constituindo-se
ambos em formas complementares de entrever arealidade intangvel, a
alegoria dedutiva, conceitual, construo de algo no lugar deoutro34.
Expressando um conjunto mais amplo de transformaes histricas que
aos poucosalargava a rea do pensamento lgico em detrimento do
analgico, de Amalrio de Metz(c.775-853) a Jacopo de Varazze
(1226-1298), os liturgistas e hagigrafos pretendendo tudoexplicar
passaram cada vez mais do simbolismo ao alegorismo: na vela a cera
o corpo deCristo, a mecha Sua alma, a chama Sua divindade35.
17 Sendo religio do Verbo, o cristianismo v o mundo como imagem
de modelos contidos namente de Deus e materializados atravs de suas
palavras faa-se luz, que brote vegetaoda terra, etc. ou de seus
gestos modelou o homem da argila, faam isso em minhamemria, etc.36.
Para conhecer Deus, inalcanvel pelo homem de forma direta, os
cristosmedievais observavam a natureza. Assim fazendo, seguiam a
sugesto da prpria palavradivina: pela grandeza e beleza das
criaturas conhece-se por analogia seu autor. Ou ainda,desde a criao
do mundo, o invisvel de Deus, seu eterno poder e divindade,
torna-se visvel inteligncia por meio de suas obras37. o que
constatavam comentadores do texto sagrado.Para Dioniso Areopagita,
Deus cognoscvel graas s analogias das quais Ele a causa; paraToms
de Aquino, toda Revelao se d por analogia38. Observao da natureza,
portanto,mas no em busca de leis naturais, causais, e sim de relaes
comparativas e simultneas.
18 O pensamento medieval no ficou, entretanto, imune s
transformaes globais dos sculosXII-XIII, que levaram a um recuo da
viso mtica e da correspondente forma analgicade interpretar o
mundo. Desde ento as prticas da racionalidade lgica ganharam
terreno.Na arquitetura, por exemplo, sabe-se desde o clssico estudo
de Erwin Panofsky que ogtico e a escolstica apresentavam vrios
pontos de contato, cujo denominador comum erao pensamento lgico 39.
A escrita, contnua at o sculo X, passou a partir de ento cadavez
mais a separar as palavras e a aperfeioar a pontuao, no sculo XII a
usar ttulos,captulos com paragrafao e espaos vazios entre os
pargrafos tornando o texto maisleve e possibilitando a insero de
novas informaes e reflexes , em meados do sculoXV a organizar os
nmeros em coluna. Alis, a lenta substituio iniciada no sculo
XII,generalizada apenas em meados do XVI dos algarismos romanos,
mais concretos, pelosarbicos, mais abstratos, tambm ia nessa direo.
O mesmo fazia a difuso de diversosinstrumentos intelectuais,
testemunhos da preocupao classificadora da poca. Desde osculo XII,
antologias, glossrios, lxicos e sumas; desde a primeira metade do
sculo XIII,ndices temticos, ndices alfabticos, numerao de pginas,
concordncias, catlogos debibliotecas; desde o sculo XII, mas
sobretudo do XIII, esquemas nas imagens visuais40.
19 Essa mudana na linha tendencial do uso dos dois tipos de
pensamento nos ltimos sculosmedievais no deve, evidentemente, ser
entendido como evoluo no sentido valorativo
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do termo. Tampouco podemos pensar que aquela nova tendncia levou
destruio domtico/analgico pelo lgico/emprico, como defendem os
historiadores que interpretamo Renascimento como oposto da Idade
Mdia. Mesmo porque o movimento culturaltradicionalmente chamado de
Renascimento no alcanou a maior parte da populao(campesinato) e do
territrio europeu salvo algumas grandes cidades mercantis e sedes
decortes monrquicas, eclesisticas e senhoriais. Ademais, as prprias
elites culturais da pocacontinuaram a interpretar de forma analgica
tanto fenmenos naturais (caso da magia) quantosociais (caso da
heresia)41
Os campos20 No que diz respeito Europa medieval, pensar por
analogia significava estabelecer conexes
entre o mundo divino e o mundo humano, entre o Modelo e suas
imagens. O universoera visto como uma grande rede de analogias
porque na cultura crist o ponto inauguraldaquelas relaes era
evidentemente a Criao, que significa a presena, embora
incompleta,de propriedades e formas do primum analogatum (Deus) nos
secunda analogata, sobretudono homem, feito imagem e semelhana
Daquele 42. Deus, de acordo com a definiode um monge em 1114-1115,
era o bom fabricante de imagens cuja palavra registrada naBblia foi
ao longo da Idade Mdia o grande modelo da literatura, da
iconografia e em largamedida de toda a cultura crist43.
21 Do ponto de vista cosmolgico, o conceito de relao analgica
entre os humanos e o universo comum a vrias sociedades arcaicas 44,
inclusive a dos cristos medievais, que tomaramcontato com o tema a
partir das culturas clssica sobretudo o pensamento estico e
judaica.Eles viam a si prprios como anlogos ao cosmo, acreditando
que se Deus formara o homemdo limo da terra ao qual estava
destinado a retornar45, cada parte do seu corpo assemelha-se a uma
parte do universo. Sua cabea ao cu, seu peito ao ar, seu ventre ao
mar, seus ps terra. Seus sentidos aproximam-se dos elementos, a
vista do fogo, a audio e o olfato do ar,o paladar da gua, o tato da
terra. Seu sangue corresponde gua, sua respirao ao ar, seucalor ao
fogo. Seus ossos so como pedras, as unhas como rvores, os cabelos
como ervas, ossentidos como animais46. O tema aparece na
iconografia e mesmo no ambiente do naturalismofranciscano47.
22 De acordo com um apcrifo do sculo I hoje conhecido a partir
da verso eslava do sculoX , as correspondncias decorriam do prprio
ato de criao, quando Deus ordenou suaSabedoria que fizesse o homem
com sete elementos, Sua carne da terra, seu sangue doorvalho e do
sol, seus olhos do abismo dos mares, seus ossos de pedra, sua
racionalidade davelocidade anglica e das nuvens, suas veias e seus
cabelos das ervas da terra, sua alma demeu prprio esprito e do
vento48. Contudo o esquema mais difundido entre os sculos Ve XIII
associava o corpo humano aos quatro elementos, ar, fogo, terra e
gua49. O ponto departida para tanto estava no nome do Primeiro
Homem, cujo acrstico sintetiza o universo A (de Anatol, leste em
grego), D (de Diesis, oeste), A (de Arktis, norte), M(de Msembria,
sul) para os meios judaicos alexandrinos50 e cristos primitivos51.
Oscristos medievais aceitaram e desenvolveram essa relao52, cujo
carter analgico aparecena prpria seqncia das letras no acrstico,
embora por oposio: leste/oeste, norte/sul.
23 Como o homem tem correspondncia com o restante da natureza,
esta era pensada em termoshumanos. A primavera associada infncia, o
vero adolescncia, o outono maturidade,o inverno velhice 53. Da
mesma forma que o homem, o mundo tem umbigo, Jerusalm,prolongamento
da tradio grega para qual a ilha sagrada de Delos era omphalos tes
gs. Assimcomo o ser humano envelhece, o mundo tambm (mundus
senescit). A rigor, cada momentoda Criao pode ser visto nos seres
humanos. Para Geoffrey de Saint-Victor (c.1125-1196), acriao da luz
corresponde aos sentidos que permitem ao homem perceber a realidade
externa.A separao das guas superiores das guas inferiores comparvel
separao da intelignciae da razo que correspondem aos elementos
ativos, ar e fogo em relao imaginao e sensualidade correspondentes
aos elementos passivos, terra e gua ; a separao entreterra e gua
eqivale distino entre Bem e Mal; a criao dos astros, luz da f; a
criao
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dos peixes e das aves, aos sentimentos naturais ; a criao dos
animais terrestres, aos atoscaritativos dos cristos54.
24 Das projees e retroprojees entre macrocosmo e microcosmo
decorriam outras analogias,conforme o contexto histrico. Isso pode
ser exemplificado com a metfora antropomrficada sociedade, que via
nos clrigos a alma do corpo social, no rei sua cabea, no conselho
denobres o corao, nos funcionrios os costados, nos juizes e
governadores de provncia osolhos, ouvidos e a lngua, nos guerreiros
as mos, nos arrecadadores de impostos o ventre e osintestinos, nos
camponeses os ps55. Exemplo mais expressivo a imagem que os
medievaistinham do Criador. Apesar de o relato bblico falar em Ado
sendo feito de terra56, at o sculoXII essa idia foi tratada com
cuidado para evitar aproximaes com o Demiurgo platnicoque construra
o mundo com material pr-existente e portanto eterno, concepo
contrria crist. Mas com as transformaes socioeconmicas da Idade
Mdia Central, passou-se aidentificar a atividade do Criador com a
de um arteso. Na Bblia de Lambeth, de meadosdo sculo XII, uma
iluminura mostra sem pudor Deus esculpindo Ado com as duas mos57.No
claustro da catedral de Elne, no sul francs, cerca de trs dcadas
depois uma esculturarepresenta o homem ainda incompleto, pernas
mergulhadas na argila da qual est sendo feito.No sculo XIII,
acompanhando os progressos da economia artesanal, tal analogia foi
utilizadamais intensamente, como em um relevo de Chartres ou um
vitral da Sainte-Chapelle de Paris.No sculo XIV, uma iluminura
inglesa mostra um anjo modelando um bloco informe deargila
assistido por Cristo, que na cena seguinte completa a criao do
homem58, de maneirasemelhante a um mestre de corporao de ofcio que
d acabamento final ao trabalho de umaprendiz.
25 Do ponto de vista antropolgico, as analogias medievais entre
Modelo e Imagem regiam-se pelas chamadas relaes simpticas59, quer
dizer, de contgio coisas que estiveram emcontato continuam sempre a
agir uma sobre a outra, mesmo distncia e de similitude o semelhante
evoca o semelhante, agir sobre um agir sobre o outro60. A presena
dessasrelaes est abundantemente testemunhada na Europa
medieval.
26 Na hagiografia, os milagres seguiam os modelos pelos quais
Cristo havia curado, exorcizado,ressuscitado e alimentado. As duas
primeiras modalidades baseavam-se no princpio docontgio : curar e
exorcizar so gestos prximos, que decorrem da ao sagrada (ainterveno
milagrosa) sobre agentes sagrados embora malficos (demnios). As
duas ltimasmodalidades estavam fundamentadas no princpio da
similitude: Cristo restitui a vida pois vida61, multiplica pes e
peixes e por analogia de inverso transforma gua em vinho62.Tomando
dois exemplos ao acaso, o primeiro de uma fonte de fins do sculo
IV, outrode meados do XIII, vemos o fundamento analgico dos
milagres medievais. Um caso decontgio encontra-se na cura realizada
a distncia por So Martinho, que chamado por algumgravemente doente
ps-se a caminho e depois de ter percorrido apenas metade da rota
oenfermo recuperou-se ao perceber o poder de quem se aproxima63. Um
caso de similitudeinteressante est na vida de So Nicolau, que mesmo
diante da grande escassez alimentar pelaqual passava sua cidade no
podia criar comida ex nihilo. Foi necessrio ali aportarem
navioscarregados de trigo, cada um dos quais a pedido do santo
deixou certa quantidade, que nofaltou na carga levada ao seu
destino e que graas a outro milagre alimentou a populaopor dois
anos e serviu ainda para a semeadura64. Isto , o santo s pde fazer
o milagre dotrigo a partir do trigo, produzir algo a partir de seu
anlogo.
27 Na liturgia crist, os exemplos possveis so muitos porque toda
ela est estruturada de maneiraanalgica para preservar em registros
terrenos atos divinos. O ponto de partida foi dado peloprprio
Modelo, cuja Encarnao e Paixo deveriam ser prolongadas, como
explicado a seusdiscpulos na ltima Ceia ao dividir e entregar a
eles o po : Isto o meu corpo dadopor vocs; faam isto em minha
memria65. O fato antropolgico ganharia posteriormentefundamento
filosfico, com Toms de Aquino explicando que os corpos naturais
alteram-se quando se tocam66. Nascida de uma analogia arquetpica, a
liturgia crist no poderiadeixar de ser desenvolvida e praticada por
meio de analogias, regidas como aquela tanto peloprincpio de
contgio quanto de similitude.
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Modelo e imagem. O pensamento analgico medieval 8
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28 do primeiro tipo o anel que o bispo usa a partir da sagrao
como smbolo de fidelidade sua esposa, a Igreja67, objeto colocado
no quarto dedo da mo, denominado por isso anular,j que se
acreditava que por ali passasse uma veia ligada diretamente ao
corao68, smboloda inteligncia humana69. Outro exemplo o da gua
benta, que resulta de um processo decontiguidade quando a graa do
Esprito Santo toca o sacerdote e este por sua vez toca agua comum e
nela mergulha uma vela acesa que simboliza o Esprito Santo,
transformando-a70. Contagiada pelo poder divino, tal gua ganha
poder de realizar curas71, purificar pessoas(como no batismo),
espaos sejam laicos como casas ou religiosos como claustros ,
objetos(caso das benes de alimentos) e animais (como em
determinadas festas). Devido ao atomodelar, o momento ritualmente
adequado para esse contgio o Sbado Santo e a vsperado Pentecostes,
que comemora justamente a descida do Esprito Santo sobre os
apstolos. tambm um encadeamento desse gnero que fundamenta o
sacramento da ordem. O poderrecebido pelos apstolos tinha sido
transmitido por meio de imposio da mo aos bispos, queatravs de
gesto semelhante podem sagrar outros bispos, estes ordenar diconos
e padres, quepor sua vez exercem o mesmo poder pelo mesmo gesto em
certos ritos voltados aos leigos.
29 A presena do princpio de similitude pode ser ilustrada pelas
vestes sacerdotais, usadas deacordo com cada prtica litrgica e
cujas cores no expressavam apenas valores estticos,mas sobretudo o
significado profundo delas : negro humildade, branco castidade,
cinzadiscrio, amarelo sabedoria, verde f, azul esperana, vermelho
caridade 72. Vrios gestosrituais, acompanhados por frmulas muito
variadas, que compreendiam oraes e exorcismos,tambm se baseavam na
similitude com gestos arquetpicos. o caso da consagrao de umaltar,
quando o bispo derrama leo santo sobre a pedra e canta-se uma
antfona que relembraJac vertendo leo na pedra sobre a qual dormira
e tivera a viso do Senhor. o caso, de usomais amplo, da genuflexo
como sinal de humilhao e venerao, como fez Salomo quandoda
consagrao do Templo de Jerusalm e como o salmista ordena que se faa
diante de Deus73.
A expresso30 Do ponto de vista iconogrfico, em funo do carter
analgico do pensamento medieval o
homem daquela poca no se via apenas como imagem, mas tambm
criador de imagenspara exaltar o Modelo. claro que tais imagens
podiam ser literrias, como no caso de umaimagem divina especfica
tornar-se um modelo (So Martinho) que entrega a prpria imagem(o
texto da Vita Martini) a seu arteso (Sulpcio Severo)74. Mais
freqentemente elas eramiconogrficas, mostrando um rei, um bispo ou
um santo imagens humanas privilegiadas doCriador entregando a
Cristo Modelo enquanto Deus, imagem enquanto homem a maquete(imagem
da imagem) de uma igreja imagem do Modelo divino por sua planta
cruciforme.Um mosaico de Monreale, de fins do sculo XII, mostra o
rei oferecendo a maquete da igreja Virgem, imagem explcita enquanto
ser humano e modelo implcito enquanto matriz doModelo-imagem que
Cristo. Na sua efgie morturia, colocada diante do altar-mor da
igrejade So Blaise, em Brunswick, entre 1235-1240, o duque
Henrique, o Leo, segura a maqueteda igreja na qual est sepultado,
criando assim intrincado jogo de modelos e imagens.
31 Reflexo divino, uma imago no poderia ser destruda. Ao
contrrio de todos os outros objetosfabricados fora das especificaes
tcnicas determinadas pelas normas legais, no se deviaeliminar as
efgies dos santos, mesmo quando mal feitas75. Se um texto de carter
jurdicocomo o Livre des mtiers, elaborado para um contexto urbano e
crescentemente monetarizado(Paris, 1258), preocupava-se com questes
desse tipo, que elas respondiam a inquietaes dasensibilidade
coletiva. Com mais razo, isso acontecera na Europa rural e romnica
dos doissculos anteriores. A especificao tcnica que a
historiografia sempre interpretou apenas nonvel material, parece na
verdade ter estado no plano da relao modelo/imagem: toda
esttuasagrada deveria ser esculpida em um s bloco de pedra, com
exceo do crucifixo, compostopor trs peas76.
32 J o II Conclio de Nicia, em 787, afirmara que a honra
dedicada ao cone alcana oprottipo, e aquele que se prosterna diante
do cone prosterna-se diante da hipstase daqueleque estcontido
nele77. Se a imagem cumpre esse papel essencial de mediadora
porquecontm alguma substncia do modelo, da a utilizao dela atender
antes de tudo a necessidades
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Modelo e imagem. O pensamento analgico medieval 9
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espirituais. bastante bem conhecida a passagem na qual Gregrio
Magno, numa carta aobispo iconoclasta de Marselha, compara as
imagens a livros destinados a quem no sabeler 78. Para a elite
eclesistica medieval as imagens sem dvida sempre tiveram
funopedaggica, porm esta no era a nica, talvez mesmo sequer a
essencial. Quando o papafez seu clebre comentrio, tinha em mente um
contexto especfico, no estava dando umadefinio ampla e completa de
imagem. Alis, se ele insistiu sobre a faceta pedaggica, porque esta
representava certa novidade para a poca. Ademais, como algumas
imagensvisuais estavam ao alcance apenas de clrigos caso das
iluminuras de manuscritos ouestavam colocadas a distncias muito
longas para olhos humanos caso de certos capitise vitrais , pode-se
com razo duvidar de sua finalidade supostamente pedaggica.
Diversascenas pintadas ou esculpidas em locais pouco acessveis,
pouco iluminados ou muito altos,no estariam ali como elementos
apotropaicos, propiciatrios ou exorcsticos mais do
queevangelizadores? As imagens no deveriam, antes de tudo, projetar
no mundo terreno aspectosdo mundo arquetpico? No era essa crena que
lhes dava grande poder de interiorizao, ques vezes gerava mesmo
transformaes psicossomticas?
33 No caso mais destacado, o Modelo imprimiu sua imagem viva (os
estigmas) em outra imagemviva (Francisco de Assis), quando a fora
emotiva da imagem do crucifixo da igreja de SoDamiano imprimiu-se
no corao do santo e fez, anos depois, com que as feridas
modelaresdo Senhor fossem representadas no corpo do seu fiel 79. O
Modelo (Deus), fez-se imagem(o Filho) da sua prpria imagem (o homem
em geral), tornando-se um novo Modelo (Deusencarnado) que assumiu
uma nova imagem de si mesmo (o serafim) e projetou-se em
outraimagem um homem especfico, Francisco que acabaria por se
tornar outro modelo SoFrancisco, o alter Christus. Ou seja, desde
que o Crucificado daquela pequena igreja rural faloua Francisco,
desencadeou-se complexo jogo de espelhos no qual Modelo e Imagem
acabarampor se confundir, por se fundir, por se tornar um s.
34 Do ponto de vista lingstico, se o peso do pensamento analgico
sempre forte80, com maisrazo na cultura medieval, da a intensa
presena da metfora, da metonmia, da sindoque edo paradoxo verbais
ou visuais. No caso especfico da metfora, Aristteles j notara
queela relao analgica que deve ser extrada de coisas vizinhas por
gnero e contudo desemelhana no bvia, assim como tambm em filosofia
sinal de perspiccia perceber aanalogia mesmo entre coisas muito
diferentes81. Na Idade Mdia, a analogia como principalinstrumento
cognitivo era quase confundida com a metfora, e nesse sentido
Umberto Eco temrazo ao falar na atitude pan-metafrica medieval82.
No seio dessa atitude, uma das metforasmais utilizada, como veremos
no prximo item, era a especular anjos e homens como espelhode
Deus.
35 Enquanto manifestao medieval de metonmia ou analogia de
atribuio extrnseca 83, emprimeiro lugar estava obviamente a Criao :
toda criatura metonmia do Criador, tantoquanto Criador metfora do
Indizvel. Em segundo lugar, podemos lembrar como umadas metonmias
de maior alcance sociolgico e psicolgico o culto s relquias. De
fato, pelocarter de contiguidade prprio da metonmia, um pequeno
fragmento de um corpo ou umobjeto considerado santo eqivalia no
imaginrio cristo medieval totalidade daquele corpoou objeto,
independentemente de quantos outros fragmentos houvesse ou onde
estivessem.Da mesma forma, a hstia permitia ao cristo aceder
totalidade de Cristo, contida naquelepequeno pedao circular de po
consagrado. Mais do que um deslocamento de sentido depo para carne
, era na expresso (metafrica) freudiana uma condensao 84, ouna
expresso (literal) crist uma comunho. No se tratavam, nesses
exemplos, apenas deinterpretao erudita, e sim de sentimento
coletivo. Como Chaucer coloca na boca de umpersonagem, somente um
tolo no sabe que todas as partes derivam desse todo [o
MotorPrimeiro], uma vez que a natureza jamais poderia ter origem em
um pedao ou poro dealguma coisa85.
36 Como exemplo medieval de sindoque, ou analogia de atribuio
intrnseca, podemos lembrardo calendrio litrgico, estruturado em
quatro tempos, o do Desvio correspondendo ao inverno,o da Renovao
primavera, o da Reconciliao ao vero e o da Peregrinao ao outono,
ou,
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em outra escala, respectivamente noite, manh, ao comeo da tarde
e ao anoitecer86. J queo pensamento analgico uma grande rede
conceitual, o que vale para o calendrio litrgicocomo um todo vale
para suas partes constituintes. Os setenta dias do ciclo da
Septuagsimacorrespondem aos setenta anos que os judeus estiveram
cativos na Babilnia e s setentacentenas de anos que duraro o exlio
humano na Terra. Os sessenta dias da Sexagsimareferem-se a duas
coisas. Uma, a multiplicao das seis obras de misericrdia dar de
comeraos famintos, de beber aos sedentos, visitar os enfermos,
vestir os desnudos, hospedar ospereginos, enterrar os mortos pelas
dez normas do Declogo. Outra, a multiplicao donmero dez designativo
do homem quatro elementos no corpo, trs na alma, mais o amora cada
uma das trs pessoas da Trindade pelo nmero seis que o redimiu
Encarnao,Natividade, Paixo, Descida ao Inferno, Ressurreio,
Ascenso87. O calendrio estabelecidopela Paz de Deus entre meados do
sculo X e meados do XII proibia as lutas em parte dasemana porque
Quinta-feira foi o dia do Perdo, Sexta o da Paixo, Sbado o da
Aleluia eDomingo o da Ressurreio, isto , pelo mecanismo sinedquico
todas as Quinta-feiras sode perdo e assim por diante.
37 O paradoxo tambm no era apenas figura de linguagem. Em termos
teolgicos e filosficos, coincidentia oppositorum que revela a
essncia da viso analgica de mundo, da a forade smbolos como a Cruz
que aponta para norte, sul, leste e oeste, sendo portanto sntesedo
Universo , o homem microcsmico que o prprio macrocosmo em outra
escala , oAndrgino primordial macho e fmea ao mesmo tempo, por
excelncia o ser paradisacoanterior ao Pecado e sntese destas
snteses o Cristo Deus e homem, celeste e terrestre,centro e
circunferncia, alfa e mega. A mais popular suma hagiogrfica do
sculo XIII, cujaargumentao deveria corresponder sensibilidade e
forma de pensar mais difundida deento, no hesita em recorrer
dezenas de vezes ao uso de paradoxos. Em uma delas, a ttulo
deexemplo, o papa afirma que Cristo teve fome para saciar o gnero
humano e sede para oferecera taa da vida, foi tentado para livrar
das tentaes, detido para libertar das garras do demnio,zombado para
isentar da derriso, amarrado para soltar das amarras do pecado,
humilhado paraexaltar, despojado para cobrir a nudez do primeiro
erro com o manto da indulgncia, coroadocom espinhos para restituir
as flores do Paraso, pregado na rvore da cruz para desprender
darvore da concupiscncia, obrigado a beber fel e vinagre para
introduzir o homem na terra doleite e do mel, tornado mortal para
dar imortalidade88.
38 A pardia, formulao derrisria de um paradoxo, apesar de sua
aparente negatividade tambmno deixava de revelar e confirmar os
valores profundos da sociedade medieval. Mais doque crtica social
destrutiva, era mensagem moralista que funcionava como instrumento
deressocializao pela fora do riso. Da ter se manifestado tanto em
ambiente monstico comono clebre Coena Cypriani do sculo IV, quanto
na esfera burguesa dos fabliaux dos sculosXII-XIII. Ela podia ser
tanto literria, como nesses exemplos, quanto gestual no caso das
Festasdos Loucos. Interessante exemplo iconogrfico encontramos em
uma iluminura francesa dociclo arturiano, que a partir de um jogo
de palavras e de imagens entre singe (macaco) esigne (signo),
parodia a Virgem com o Menino ao mostrar uma freira amamentando
ummacaco.
39 Cena forte que resulta, de acordo com Michael Camille, de uma
deformao voluntria dotexto, admitida na margem do manuscrito porque
as questes sexuais eram marginalizadas nasociedade medieval crist.
Por isso aquela imagem mostra uma mulher que no virgem ecujo pecado
inaceitvel (pois era freira) engendrou uma aberrao, um falso humano
(macaco)que no imagem e semelhana (como o homem) de Deus (o menino
Jesus). Se este ltimo imagem de si prprio (Deus-homem), o macaco
simulacro Dele89.
A interpretao40 Do ponto de vista teolgico, o recurso analogia
reconhecidamente um dos procedimentos
mais freqentes de conhecimento, linguagem e argumentao90. Na
Idade Mdia, recorriama ela tanto os platnicos quanto os
aristotlicos. Para Dioniso Areopagita, analogia acapacidade das
criaturas de participarem das virtudes divinas 91. Para Toms de
Aquino, forma de aproximar coisas que tm ao mesmo tempo significao
igual (ou unvoca )
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e diferente (ou equvoca ), quer dizer, que aproveita o sentido
hierrquico caro aosneoplatnicos, e a causalidade aristotlica que
inclui a exemplaridade. Se a relao entre Deuse tudo de causalidade,
Ele causa anloga do mundo, no gerando iguais a si, como fazo homem,
causa unvoca92. Logo, os nomes atribudos a Deus e aos outros seres
no o sode forma unvoca ou equvoca, mas analgica por referncia a uma
coisa nica93.
41 Quando o ser humano, principal imagem divina, pecou, gerou
necessidade de outra imagem,mais perfeita, da o prprio Criador ter
assumido a forma da criatura: a Encarnao reveloucompletamente o
modelo divino, pois Cristo imagem do Deus invisvel94, espelho do
Pai95.Como, de certa forma, todo homem o . E sobretudo, mais do que
os outros homens, o primeirodeles, Ado, que est acima de todo ser
vivo96. Entretanto o pecado baixara um vu entreDeus e o homem. Este
perdera o brilho, a beleza, a sabedoria, a imortalidade,
tornando-seimagem opaca do Criador. Da precisar de Cristo, imagem
perfeita da Divindade quem meviu, viu o Pai97 para atravessar
aquele vu e poder se reconhecer novamente no reflexodivino. Somente
ento o homem, imagem de Deus, pode outra vez partilhar as
caractersticasdo Modelo: a glria da imagem a glria daquele que ela
representa98.
42 A diferena entre uma imagem e um dolo estava exatamente no
fato de a primeirarefletir um prottipo que existe, enquanto o
segundo falso por no partir de um modeloreal 99. No Ocidente,
enquanto uma representao plstica de Cristo, da Virgem ou de umsanto
era considerada imago, a de uma divindade pag era simulacrum. Se
Bernardo deAngers, em 1013, num primeiro momento interpretou a
esttua-relicrio de Santa Foy comosuperstio, costume idiota de gente
simples, depois reviu sua posio graas aosmilagres realizados por
interveno dela, passando ento a consider-la imagem sagradaem memria
da reverenda mrtir em honra de Deus soberano100. Se a religiosidade
popularaceitava a curiosa prtica de agredir imagens de santos que
no haviam bem cumprido seupapel de intercessora101, era por
considerar que assim se punia, atravs da imagem, o modelo.
43 Fundamentada nesta cosmoviso associativa, a iconografia
medieval colocava com freqnciacenas veterotestamentrias face a
cenas neotestamentrias. Isso ocorreu principalmente naItlia central
desde o sculo IV, como mostram os ciclos de afrescos de San Pietro
Fuori-le-mura e San Paolo Fuori-le-mura. Mas isso tambm acontecia
em outras regies, por exemplono Arago da primeira metade do sculo
XII com os afrescos de Bags, nas proximidadesde Viena com as placas
esmaltadas feitas em 1181 por Nicolau de Verdun para o mosteiro
deKlosterneuburg, no sul francs das ltimas dcadas do sculo XII no
claustro de Saint-Ponsde Thomires, um pouco por toda parte nas
diversas verses feitas no sculo XIII da chamadaBible moralise e nos
sculos XIV-XV da Biblia pauperum.
44 Por influncia da religiosidade judaica e por medo idolatria,
at o sculo XI foram raras asrepresentaes iconogrficas de Deus Pai,
que aparecia apenas por intermdio de Cristo. Eeste, at o sculo
VIII, tinha sido pouco figurado na Cruz. Com o crescente
cristocentrismoocidental, o bom cristo, o homem perfeito, passou a
ser visto como reflexo da glria divina,como imago Dei. o que mostra
o fato de um rapaz que rejeitara o Diabo e permanecera fielescravo
de Cristo ter merecido que na igreja a imagem do Salvador olhasse
fixamente para elee o acompanhasse com os olhos quando mudava de
lugar102. O significado dessa passagem,diz o mesmo texto em outro
ponto, que Deus aeterno speculum e todo santo reflexo
desseespelho103. Inversamente, o mau cristo ou o no-cristo era
simulacrum, imago diaboli. Nopor acaso, os camponeses eram
reiteradamente descritos pela literatura medieval como seresmuito
feios, mais parecidos com animais do que com homens, longe de serem
imagemde Deus.
45 A ordem universal explicada e justificada pela teologia
fundava-se igualmente em processoanalgico, com os poderes terrenos,
do papa ou do imperador at aos pequenos senhores locais,nascendo
por contiguidade com o de Deus, modelo de legislador (Dez
Mandamentos), de juiz(Juzo Final) e mesmo em certo sentido de
carrasco os demnios punem em nome Dele, socarrascos de Deus104. A
prtica do ordlio, forma simblico-jurdica de conhecer a vontadede
Deus, era claramente analgica, fosse por similitude o mal atrai o
mal e revela o culpado fosse por inverso o bem e o mal repelem-se e
revelam o inocente , baseando-se no princpio
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de que causas iguais produzem fenmenos jurdicos e sociais
iguais105. Presente no textobblico, o ordlio recuaria somente com a
disseminao do pensamento lgico, da em 1215a Igreja desautorizar seu
uso106. O que no eliminou o pensamento analgico da vida
jurdicaocidental, como demonstra aquilo que se chama de
jurisprudncia, e que nada mais do queum veredicto decidido por
analogia com outro.
46 Do ponto de vista semitico, sem dvida a forma de construo de
significados do queera observado e imaginado dava-se na Idade Mdia
muito mais por analogias do que pordedues107. Ou seja, por um
pensamento que integra campos cognitivos e afetivos, que vo mundo
como hipertexto organizado de modo fractal, no qual cada conexo da
rede ela mesma composta por toda uma rede. o que acontecia entre a
hierarquia do mundodivino Cristo, serafins, querubins, tronos,
dominaes, potestades, virtudes, principados,arcanjos e anjos e a
hierarquia feudal imperador, reis, prncipes, duques,
marqueses,condes, viscondes, bares, casteles. o que tornava a
simetria entre elementos arquitetnicosou iconogrficos um dado
essencial da arte romnica. o que fundava e regulava as relaes
deparentesco artificial, nas quais por exemplo uma madrinha do
latim popular matrina, pequenamater, me passava a ter funes
simbolicamente maternas em relao ao afilhado, oque estabelecia
interditos incestuosos.
47 Como na rede universal de significados tudo que existe sob
forma material foi antes concebidoe depois criado por Deus, todos
os seres e coisas so imagens, so reflexos, so espelhos. Tudose
reporta a um Primeiro Modelo, cuja totalidade no pode ser colocada
em fragmentos darealidade material. Partindo do texto bblico
videmus nunc per speculum in aenigmate:tunc autem facie ad
faciem108 tal metfora foi com insistncia utilizada no sentido de
algoque revela, ainda que imperfeitamente, verdades difceis de
serem alcanadas de forma diretaou ampla. Assim ela aparece em,
dentre outros, Dioniso Areopagita, Cassiodoro, GregrioMagno,
Adlhelm, Alcuno, Rbano Mauro, Hildeberto de Lavardin, So Bernardo,
Alain deLille, Pseudo-Hugo de Saint-Victor, Hildegarda de Bingen,
So Boaventura e Dante109. Para oclrigo secular Pedro Lombardo,
sintetizando de certa maneira todos aqueles autores, a alma um
espelho no qual de vrias formas conhecemos Deus110. Para o
cisterciense Guilhermede Saint-Thierry, o espelho da f crist o
instrumento de salvao do homem111. Para odominicano Jacopo de
Varazze, a vida do apstolo Barnab foi espelho de santidade112.
48 Como toda relao Modelo/Imagem especular, ganharam grande
importncia no pensamentomedieval (prolongada no dos sculos
posteriores) os termos do campo semntico de specio speculum,
spectrum, spectator, specularius, specimen, prospicio,
circumspicio, suspicio, etc.Portanto, no casual que tenha existido
toda uma literatura medieval de speculum, com apalavra sendo
aplicada ao ttulo de obras de diferentes tipos113. De maneira
ampla, desde SantoAgostinho at o sculo XIII aceitou-se o
neoplatonismo de Plotino, para quem o universo umespelho no qual a
alma-mundo ou princpio inteligvel aparece refletido. Mesmo a
literaturalaica adotou a idia, com a Epistola presbyter Johannis e
com Dante Alighieri usando oespelho como metfora de Deus, com Le
roman de la rose considerando Deus espelho daNatureza114. Entre os
sculos XII e XVI, os poetas dedicados ao amor usaram o tema
doespelho de forma cada vez mais introspectiva115, porque tal
metfora no apenas aproximavaamantes terrenos como tambm associava o
amor humano ao Amor divino.
49 Especulares tambm eram os livros bblicos. Desenvolvendo e
insistindo sobre sugestes dosprprios textos neotestamentrios,
Agostinho via no Antigo Testamento o espelho do Novo evice-versa, e
de forma geral na Bblia o espelho do conhecimento116. Essa idia
tipicamenteanalgica da Concordantia Veteris et Novi Testamenti foi
defendida por muitos, como Isidorode Sevilha, Walfrido Estrabo,
Suger, o Speculum Humanae Salvationis. Mesmo no interiorde cada
conjunto testamentrio, vetero ou neo, as passagens eram associadas
analogicamente.Assim, o trabalho exegtico era, em ltima anlise, a
busca dos significados profundos dapalavra divina pela aproximao de
textos espacialmente afastados na Bblia. Para o homemmedieval, Deus
falava por analogias.
50 Por isso especular era tambm exemplo bastante conhecido mas
que no se pode deixarde citar por ser muito expressivo a
arquitetura eclesistica. Se o claustro, quase sempre
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quadrangular e com uma fonte central, era imagem do Paraso
terrestre117, o caso mais claro o da igreja romnica, baseada em uma
analogia de proporo. Sua planta foi concebida a partirda conjugao
de quatro termos revelados pela Bblia : Deus encarnou-se e foi
crucificadopara salvar o gnero humano; Ele prprio anunciou sou a
porta, quem entrar por mim sersalvo; o homem imagem de Deus; o
corpo humano templo de Deus construdo compedras vivas118. O
principal resultado desse jogo de similitudes foi a percepo de a
igrejaser o corpo de Cristo. A abside, por onde se comea a
construo, corresponde cabea voltada para Oriente, bero do sol
salutis , muitas vezes com absidolas representando a coroade
espinhos; a nave ao tronco e aos membros inferiores; o transepto
aos braos abertos; ocruzeiro ao peito119. Nesse ltimo local que
muitas vezes est o altar, sempre o ponto centralda igreja, porm
outras vezes ele se encontra na abside120. De qualquer forma, o
templo cristooptou pela planta cruciforme para indicar ao homem que
ele ou deve estar crucificado para omundo ou deve seguir o
Crucificado121.
51 O cruzamento da nave com o transepto cria dois espaos, um
quadrangular no solo (chorus) eoutro circular no teto (corona).
Espaos que no eram meramente geomtricos ou estticos:o crculo est
para o quadrado assim como o Cu est para a Terra122. significativo
que noromnico o quadrado, analogia do terreno quatro pontos
cardeais, quatro rios do den, quatroestaes, etc. , estivesse
inscrito no crculo, analogia do celeste (abbada do cu,
astros)123,enquanto no famoso desenho de Leonardo da Vinci sobre as
propores humanas a conceposeria diversa, tributria de outro
contexto intelectual e psicolgico. Ali o quadrado e o
crculosobrepem-se parcialmente, sem predominncia de um deles, e no
interior uma sobreposiode figuras humanas mantm interessante relao
com aqueles smbolos: uma delas de pernasjuntas e braos abertos
mostra-o tocando apenas o quadrado, outra de pernas separadase
braos um pouco levantados coloca-o apoiado no crculo e com as mos
encostadas noquadrado.
52 Do ponto de vista psicolgico, analogia era uma leitura do
mundo muito afetiva e dinmicaque superava os sentimentos de solido
csmica e de insegurana buscando identificar elosentre os homens e
deles com o universo. Exemplo marcante o da eucaristia124, que
reneas duas formas de relaes simpticas. Como pela lei do contgio um
alimento transmite suasqualidades ao consumidor da o princpio
universal as pessoas so o que comem e pordecorrncia os tabus e as
recomendaes alimentares o mesmo faz o alimento simblico dacomunho
eucarstica. Pela lei da similitude invertida, esse alimento
vegetariano (po zimo)transformado pelo rito em carne (o corpus
Christi) da vtima sacrificial (hostia) introduz naboca no a morte
como em qualquer refeio carnvora , mas a vida o Sacrificado
eDevorado continua vivo, vivifica, o po da vida 125 , funde-se no
com o corpo doconsumidor e sim com sua alma. Pela similitude
direta, a ingesto da hstia diviniza o fiel, daa eucaristia ser para
a liturgia romana opus redemptionis.
53 As liturgias no oficiais, isto , as prticas culturais que a
Igreja medieval chamava desupersties, tinham o mesmo fundamento que
os ritos catlicos as relaes de analogiaque aproximavam, explicavam
e tornavam operacionalizveis modelos sagrados e imagensterrenas. O
uso apotropaico de anel com pedao de osso de avestruz, condenado
por SantoAgostinho, no se diferenciava estruturalmente do uso
ortodoxo de anel com relquia desanto126. Da mesma forma, portar no
pescoo uma corrente com figa ou uma corrente comcrucifixo. Ambas
prticas litrgicas eram vivenciadas de maneira inconsciente
(analgica)e diferenciadas de maneira consciente (ideolgica). Da as
freqentes passagens de umacondio litrgica a outra: o crio pascal
era nos primeiros sculos cristos dividido depoisda cerimnia em
pequenos pedaos que protegeriam os fiis de tempestades e
demnios,mas depois passou a ser deixado na igreja127.
54 A alta porosidade da fronteira entre aquelas duas formas
litrgicas no podia impedir quea fora estruturante do analgico
contaminasse a circunstancialidade do ideolgico. Porquea viso
analgica de mundo era muito mais ampla e enraizada que a ideologia
crist, amagia fazia parte do universo mental e cultural tanto dos
leigos quanto dos eclesisticos. Aastrologia nunca foi descartada
apesar das crticas antifatalistas que lhe eram dirigidas pelo
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pensamento oficial desde os primeiros tempos do cristianismo, e
no sculo XII muitos tratadosgregos e rabes sobre o tema foram
traduzidos por clrigos e dedicados a bispos, que norecusavam essas
homenagens. Medicina e astrologia estavam estreitamente associadas,
talvezdesde Hipcrates, no sculo V a.C., pela analogia entre corpo
humano e astros, pela concepode que o homem sntese do universo.
Assim, a prtica decorrente desta concepo levava emconta no um
diagnstico individual, e sim a combinao das quaternidades
envolvidas nascaractersticas da pessoa, da doena e da elaborao e
administrao dos medicamentos128.
55 Considerava-se essencial a estao do ano em que se estava
primavera, vero, outono,inverno , o grupo zodiacal que regia a
pessoa fogo, composto pelos signos de ries-Leo-Sagitrio; terra,
Touro-Virgem-Capricrnio; ar, Gmeos-Libra-Aqurio; gua,
Cncer-Escorpio-Peixe , a fase da vida do indivduo infncia,
adolescncia, maturidade, velhice ,seu temperamento sangneo,
colrico, melanclico ou fleumtico , as qualidades essenciaisdo
remdio (seco, mido, quente ou frio). Assim, levando em conta todos
esses dados, porexemplo algum que sofresse de gota deveria pegar um
pouco de ouro, minrio quente, denatureza semelhante ao sol e que se
associa ao ar, aquec-lo para tirar qualquer impureza,depois
reduzi-lo a p, mistur-lo com um pouco de farinha e gua e comer em
jejum, fazendono dia seguinte com essa mesma massa biscoitos a
tambm serem comidos em jejum e queprotegeriam de gota por um
ano129.
56 Naquele contexto de pensamento altamente afetivo, natural que
fossem privilegiadasformas lingsticas afetivas, mais apropriadas
para express-lo. Alm do uso de metforas,metonmias, sindoques e
paradoxos, sobre os quais j chamamos a ateno, a atrao
pelaetimologia tambm estava fundada no jogo especular
modelo/imagem. Para os peregrinoscompostelanos vindos de
alm-Pireneus, o contato com o Outro era com freqncia difcil,da o
cronista explicar que o nome dos navarros (navarrus) vem de non
verus, noverdadeiro130. De acordo com a Legenda urea, os anglos no
poderiam ser chamados deoutra forma devido sua fisionomia de seres
angelicos. O gafanhoto que rodeava o santo semparar, diz a mesma
fonte, estava indicando para ele no sair daquele local, pois o nome
doinseto, locusta, deriva de loco stare, ficar no lugar131.
57 Especialmente importante era a etimologia antroponmica,
baseada no princpio do bonumnomem, bonum omem, segundo o qual o
prenome dava ao indivduo caractersticas do modelopatronmico. Outra
vez a Legenda urea fornece ilustraes interessantes, pois para ela
asvirtudes e histrias dos santos podem ser explicadas a partir dos
nomes deles. Silvestrevem de sile (luz) e terra (terra) para
mostrar que ele seria luz da terra pelo exemploe pela devoo, ou
deriva de silva (floresta) e theos (Deus) porque ele atraiu para af
homens silvestres, incultos. Juliano surge da associao de jubilus
(alegria) comana (em cima), significando aquele que sobe ao Cu com
jbilo, ou decorre de julius(incipiente) e anus (ancio), indicando
nesse caso algum dedicado s obras divinastoda a vida, da juventude
at a velhice. Ceclia deriva de coeli lilia (lrios do Cu) oude
caecis via (guia de cegos) ou de coelo lya (presa ao Cu) ou ainda
de caecitatecarens (sem cegueira)132.
58 Enfim, como toda imagem imita, copia, reduplica e torna
presente o modelo, por serdescendente de Ado todo homem mantm relao
especular com Deus. Chega-se a Deusatravs dos homens e aos homens
atravs de Deus. Conhecer o Um conhecer os Outros. NoUno estcontido
o Diverso, neste se encontra aquele. Nos termos de uma tradio
judaica,os homens so diferentes entre si porque so todos imagens de
Deus133. Nessa linha, doistextos apcrifos, um de comeos do sculo II
e outro da segunda metade do mesmo sculo,j tinham afirmado que Deus
o espelho no qual o homem pode se conhecer134. Clemente
deAlexandria, por sua vez, dizia no extremo fim do sculo II que ver
seu irmo ver Deus135.Santo Agostinho, depois acompanhado, dentre
outros, por So Bernardo, reconheceu que parao homem conhecer Deus
preciso conhecer a si prprio, e para conhecer a si prprio
precisoconhecer Deus136.
59 A partir disso, o pensamento analgico medieval estabeleceu
conexes interagentes do mundodivino com o mundo humano, do Modelo
com sua Imagem. verdade que o evangelista
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Modelo e imagem. O pensamento analgico medieval 15
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dissera apenas assim na Terra como no Cu137 mas a rigor a
recproca era consideradaverdadeira, via-se as aes terrenas
provocando reaes celestes, ou, formulando de outramaneira, a relao
sagrado/profano era dialtica e no causal138. Ora, como qualquer
formade pensamento, a analgica constri-se com imagens
etimologicamente, idia, ideos, aquilo que se v , buscando entre
elas laos que permitam entrever a realidade-matrizdaquelas imagens
que so sempre nicas embora cada uma delas no exista seno em funode
outras. Toda imago apresenta certa similitudo com a res que
pretende expressar, mas sendotambm representatio, atualizao dessa
res, signum, algo que estaqum do modelo, doarqutipo. Talvez
pensando nisso, que Ruperto de Deutz dizia que imago liga-se
unidadee similitudo multiplicidade139.
60 No quadro sociocultural da Idade Mdia, o caminho do Modelo
Imagem e desta queleera duplo, e ambos predominantemente analgicos.
A segunda via passava por oraes,mortificaes, misticismo. A
primeira, pela construo de variadas imagens. As verbaisdos exempla
ou as visuais dos afrescos e das esculturas medievais faziam mais
do quesimplesmente ilustrar pontos importantes da moral e da
dogmtica crists. Clrigos e leigosconcordavam quanto ao fato de elas
anunciarem realidades transcendentes. Sua grande funoera expressar
no por imitao, mas por participao na essncia fatos fora do
alcancedo observador, recuperando eventos do passado ou antecipando
os do futuro. Ao contrrio dainterpretao lgica, elas no levavam
aqueles elementos para o ouvinte ou o observador. Elaslevavam o
ouvinte ou o observador at o tempo e a situao narrados.
61 Reconhecia-se, alis, que a qualidade de um sermo ou de uma
figurao plstica estava emrealizar a fuso entre aqueles que recebiam
tais imagens e o modelo delas. Como Deus eternamente contemporneo
de todos os homens, uma imagem plstica Dele tornava cadahomem
contemporneo de Deus. Como Ele est em todas as partes, e sempre, a
rigor nohaveria necessidade de figur-lo em pedra, parede, madeira,
metal, vidro ou pergaminho, ano ser para colocar homem e Divindade
num mesmo plano de comunicao possvel. Masna verdade Ele s assume
sua funo modelar a partir do momento em que gera imagens,
elasmesmas geradoras de outras imagens. A forma de sentir e pensar
da Idade Mdia fazia comque tudo fosse imagem de um modelo, todo
modelo tivesse imagem, toda imagem pudessefuncionar como
modelo.
62 A palavra humana, instrumento essencial da construo cultural,
era considerada reflexo dopensamento do Criador materializado pela
boca da criatura. Quando Ado deu nome aosanimais, ele apenas
pronunciou aquilo que Deus incutira na sua mente.
Significativamente,a primeira palavra dita por Ado foi Deus 140, o
qual ganha identidade, destaca-se dainfinitude e atemporalidade que
Ele prprio, apenas ao criar uma imagem que mesmo sendo sua
semelhana no Ele, um Outro, que lhe d um nome. Ou seja, o Modelo
eternogera uma Imagem que pela sua prpria existncia gera
historicamente o prprio Modelo.A Imagem, por sua vez, torna-se ela
mesma modelo e passa a funcionar como mediadorapara que todas as
imagens alcancem o Modelo. Nessa relao que funde Modelo e Imagem,e
que constantemente inverte e subverte toda tentativa doutrinria de
causalidade, apenas opensamento analgico possibilitava o pleno
mergulho, ao mesmo tempo emocional e racional,nas profundezas do
mistrio cosmolgico.
Notes
1E. R.DODDS, The Greeks and the irrational, Berkeley, 1951; G.E.
R.LLOYD, Polarity andanalogy. Two types of argumentation in early
Greek thought, Cambridge, 1966; M.CAVEING,Irrationalit des
mathmatiques grecques, Lille, 1998.2A. MURRAY, Razn y sociedad en
la Edad Media [1978], trad., Madri, 1982.3C. G.JUNG, Aion. Estudo
sobre o simbolismo do si-mesmo [1976], trad., Petrpolis, 1982(Obras
completas, 9/2), p.249. M.FOUCAULT (Les mots et les choses. Une
archologie dessciences humaines, Paris, 1966, p.32-40) considera o
papel da similitude central at fins dosculo XVI, mas a rigor ele
foi decisivo por mais tempo. o que indica o exemplo da Espanhade
meados do sculo XVII, onde o sistema de pensamento analgico
caracteriza o Sculo
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Modelo e imagem. O pensamento analgico medieval 16
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de Ouro, cf. A.REDONDO, Introduction, in A.REDONDO, Le corps
comme mtaphoredans lEspagne des XVIe et XVIIe sicles, Paris, 1992,
p.5. o que demonstra o interessantecaso do fundador da Fsica
moderna, Isaac Newton (1642-1727), que ainda tinha como mtodode
deciframento dos segredos do Universo relacionar a palavra (Bblia)
e a obra (natureza)divinas: M.WHITE, Isaac Newton, o ltimo dos
feiticeiros, trad., Rio de Janeiro, 2000.4 Na Epistemologia, Edgar
Morin reconhece que a analogia prpria a toda atividadecognitiva e a
todo pensamento. Mais ainda, o esprito no se serve apenas de
analogias :o objetivo mesmo da atividade cognitiva de simular o
real percebido, construindo umanlogo mental (representao), e de
simular o real concebido elaborando um anlogo ideal(teoria) , cf. O
mtodo [1973], trad., Porto Alegre, 1999, t.3, p. 170 e 174. Na
Fsico-qumica, Ilya Prigogine prope o paradigma da ordem por flutuao
provando que o caosentrpico permite toda uma complexa srie de novas
organizaes que lhe autoriza a falar emnova racionalidade cientfica,
cf. La Nouvelle Alliance. Mtamorphose de la science, Paris,1979. Na
Biologia celular, Henri Atlan critica o mito racional do Ocidente e
demonstra aexistncia de mltiplas racionalidades, cf. tort et
raison. Intercritique de la science et dumythe, Paris, 1986. Na
Neurologia, Antnio Damsio demonstra a falsidade da tese
cartesiana,cf. O erro de Descartes: emoo, razo e o crebro humano
[1994], trad., So Paulo, 1996.Na confluncia da Matemtica com a
Msica, Oscar Joo Abdounur prope a recuperaodo papel do pensamento
analgico, cf. Matemtica e Msica. O pensamento analgico naconstruo
de significados, So Paulo, 1999.5Ele quase sempre merece referncias
apenas de passagem, por exemplo em A.J. GUREVITCH,As categorias da
cultura medieval [1972], trad., Lisboa, 1991, p.76 e 104; A.J.
GUREVITCH,Medieval popular culture, Cambridge/Paris, 1988, p.240;
H.MARTIN, Mentalits mdivales,XIe-XVesicle, Paris, 1996, p.175.6
Como mostram os grandes dicionrios especializados : J. HASTINGS,
Encyclopaedia ofReligion and Ethics, Edimburgo/Nova York, 1908,
t.1, p.415-419; G.KRAUSE e G.MLLER,Theologische Realenzyklopdie,
Berlim, 1978, t.2, p.625-650; A.VACANT, E.MANGENOTe E.AMANN, dir.,
Dictionnaire de thologie catholique, Paris, 1903, t.1,
col.1142-1154;Lexikon des Mittelalters, Munique/Zurique, 1980, t.1,
col.569-570; J.STRAYER, Dictionaryof the Middle Ages, Nova York,
1982, t.1, p.359-360; W.KASPER, dir., Lexikon fr Theologieund
Kirche, Friburgo, 1993, t.1, col.577-582; A.VAUCHEZ, dir.,
Dictionnaire encyclopdiquedu Moyen ge, Paris, 1997, t.1, p.62-63;
H.D. BETZ, D.S. BROWWNING, B.JANOWSKI eE.JNGEL, Religion in
Geschichte und Gegenwart, Tbingen, 1998, t.1, col.446-451; J.LEGOFF
e J.-C.SCHMITT, dir., Dicionrio temtico do ocidente medieval
[1999], trad., Bauru,2002, p.497-499; C.GAVAUDAN, A.LIBERA e
M.ZINK, dir., Dictionnaire du Moyen ge,Paris, 2002, p.52-54.7La
socit fodale [1939-1940], Paris, 1973, p.120-124.8K. INAGAKI e
G.HATANO, Young childrens spontaneous personification as
analogy,Child Development, 58 (1987), p.1013-1020.9F. SAUSSURE,
Curso de lingstica geral [1916], trad., So Paulo, 2000,
p.187-192.10ISIDORO DE SEVILHA, Etimologas, II, 24, 8, ed. W.M.
LINDSAY, trad. J.OROZ RETA eM.A. MARCOS CASQUERO, Madri, 1982, t.1,
p.396-397; ISIDORO DE SEVILHA, Etimologas,I, 28, 1, ibid.,
p.320-321. Podemos ver aqui uma manifestao medieval de uma das
oposiesdefinidas por E.Morin (O mtodo, op. cit., p.210) entre os
dois tipos de pensamento: oemprico-racional exercendo forte
controle lgico do analgico, enquanto o simblico-mticoexerce forte
controle analgico do lgico.11E. R.CURTIUS, Literatura europia e
Idade Mdia latina [1947], trad., So Paulo, 1996,p.607.12A. KLINCK,
Die lateinische Etymologie des Mittelalters, Medium Aevum, 13
(1970),p.93-145. Isso no significa que os nominalistas no
praticassem o pensamento analgico,como mostra o exemplo de Abelardo
: G. ALLEGRO, Lanalogia nei trattati trinitari diPietro Abelardo,
in Knowledge and the sciences in medieval philosophy, Helsinki,
1990,p.317-324.13F. SAUSSURE, Curso, op. cit., p.81-84.14Nonne
similitudinem veritatis matrem: AGOSTINHO, Soliloquiorum, II, VII,
13, ed. PL,32, col.891.15Como mostrou H.de Lubac (Surnaturel. tudes
historiques [1946], Paris, 1991, p.327,369-373 e 395-402) a palavra
supernaturalis parece ser do sculo VI traduo latina das
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cartas de Santo Isidoro de Pelusa , mas entrou no vocabulrio
teolgico apenas no sculoIX traduo do Pseudo-Dioniso feita por
Hilduno e por Ergena , e de forma tmida, poisfoi pouco usada at
meados do sculo XIII, difundindo-se to somente a partir de Toms
deAquino.16 P. ALLERS, Microcosmus from Anaximandros to Paracelsus
, Traditio, 2 (1944),p.318-407; C.H. KAHN, Anaximander and the
origins of Greek cosmology, Nova York, 1960.17La Rpublique, VII,
1-III, 514a-518b, ed. e trad. E.CHAMBRY, Paris, 1933,
p.145-151.18Potique, 21, 1457b, ed. e trad. J.HARDY, Paris, 1932,
p.62.19Salmo, I, 3; XVII, 34; XC, 2.20Salmo, XXXII, 22; XLI, 2;
LXXXIX, 4.21No primeiro caso, Salmos, LXIX, 22; XXII, 8.19,
contidos em Mateus, XXVII, 34.39.35.No segundo caso, Salmos, II,
1-2; XVI, 8-11; CXXXII, 11; CX, 1; CXVIII, 22, presentesem Atos dos
apstolos, IV, 25; II, 25-28.30.34; IV, 11.26.22Vlusp, ee.31-33, em
LEdda potique, trad. R.BOYER, Paris, 1992, p.540-541; Eddamayor.
Poesia nordica siglos IX-XIII, trad. L.LERATE, Madri, 1986,
p.29-30.23A. J.GUREVITCH, As categorias, op. cit., p.46-47.24 A.
KOJEVE, Lorigine chrtienne de la science moderne , in Laventure de
lesprit.Mlanges Alexandre Koyr, Paris, 1964, t.2, p.295-306.25E.
MORIN, O mtodo, op. cit., p.186. Por esta razo no se pode concordar
que a iluso filha da analogia [] o pensamento analgico cria uma
dupla iluso [] de uma explicaofalsa e de uma ao imaginria do homem
sobre o mundo e sobre si prprio: M.GODELIER,Mito e Histria :
reflexes sobre os fundamentos do pensamento selvagem [1971],
inM.GODELIER, Horizontes da Antropologia [1973], trad., Lisboa,
s.d., p.356-360. De fato,o que parece ser ilusrio de um ponto de
vista externo (lgico e emprico), bastante real de um prisma
psicolgico e histrico devido relao inevitavelmente emotiva do
homemcom o mundo, consigo mesmo e com o prprio pensamento.
Raciocinar por analogia no negaa lgica, muitas vezes a alimenta.
Este o caso, sugerido pelo fsico H.Bacry (La symtriedans tous ses
tats, Paris, 2000, p.326-338), da teoria da relatividade, que
segundo ele terianascido do argumento de simetria.26A. J.FESTUGIRE,
La rvlation dHerms Trismgiste, Paris, 1944, t.1, p.5-66.27
Sabedoria, XI, 21. Um caso de analogia numrica iconogrfica
estudamos em Acircularidade do quadrado. Uma hiptese interpretativa
do claustro de Silos , TemasMedievales, 10 (2000-2001),
p.135-160.28Um erudito medieval subscreveria perfeitamente a
observao de seu colega moderno,segundo a qual o meio de conhecer as
formas mortas a lei matemtica. O meio decompreender as formas vivas
a analogia, O.SPENGLER, Le dclin de lOccident, esquissedune
morphologie de lhistoire universelle [1923], trad., Paris, 1948,
t.1, p.16.29E.RABIER, Leons de philosophie [1884], Paris, 1903,
p.248; D.SPERBER, La pensesymbolique est-elle pr-rationnelle?, in
M.IZARD e P.SMITH, La fonction symbolique, Paris,1979,
p.17-42.30Segundo M.-D. Chenu (La mentalit symbolique, in M.-D.
CHENU, La thologie audouzime sicle, Paris, 1976, p.190) o
simbolismo emana de uma adeso do nosso ser, esua clareza esconde-se
de certa forma, no decurso da experincia espiritual, no interior
dasprprias imagens mediadoras do mistrio, da sua intensidade e seu
valor, mesmo estticos.A alegoria, por sua vez, procede no dessa
operao esttica em estado puro, mas de suaexplorao crtica, para
extrair dela pensamentos abstratos e chegar a uma exposio
didtica.No limite, a explicao submerge a significao.31 Mysticorum
Expositiones Sacramentorum, ed. PL, 83, col. 207B. No
acompanhamos,portanto, N.Jdice (Analogia e imagem do mundo no texto
medieval, in H.GODINHO, Aimagem do mundo na Idade Mdia, Lisboa,
1992, p.103), que v na imaginao analgicauma forma de olhar e
descrever o mundo que no interpretao como ocorre com aimaginao
simblica, e sim uma aproximao de similitude das coisas e dos
fatos.Ora, em primeiro lugar acreditamos que nenhum olhar e descrio
possam ser neutros, tratam-se sempre de aes interpretativas sobre o
mundo: por que olhar isto e no aquilo? por quese colocar a nfase
descritiva neste e no naquele aspecto? Em segundo lugar, as coisas
e osfatos vistos e descritos por analogia so sempre selecionados e
aproximados de acordo como capital simblico da sociedade
observada.
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32Joo, I, 29. A tradio do bode expiatrio que recebe e leva para
longe todo o mal dasociedade estava presente tanto entre os hebreus
(Levtico, XVI, 5-28; Nmeros, XXVIII, 30)quanto entre os
mesopotmicos. Para estes, pelo menos segundo um fragmento assrio
citadopor H.Gressmann (Altorientalische Texte und Bilder zum Alten
Testamente, Tbingen, 1909,t.1, p.101), um cordeiro podia servir de
substituto para o sacrifcio de um homem. Veja-seainda o clssico e
polmico R.GIRARD, A violncia e o sagrado [1972], trad., So Paulo,
1990.33Outra manifestao da mesma metfora est em Mateus, XXV, 33,
onde se diz que quandodo Juzo Final o Senhor separar as ovelhas
(oves) direita, os bodes (haedos) esquerda,imagem repetida por
vrios autores medievais, dentre eles SO BERNARDO, Sermones sobreel
Cantar de los Cantares, 35, I, 2, ed. J.LECLERCQ, trad.
I.ARANGUREN, Madri, 1987 (Obrascompletas de San Bernardo, 5),
p.506-507.34Na verdade os medievais no faziam conceitualmente tal
distino (cf. U.ECO, Arte ebeleza na esttica medieval [1987], trad.,
Rio de Janeiro, 1989, p.76 e 82-101), mas ela podeser aplicada
quela poca como recurso intelectual moderno que ajuda a compreender
melhoras realidades psicolgicas do passado.35De ecclesiasticis
officiis, I, 26, ed. PL, 105, col.1046; Legenda urea, 37, ed. Th.
GRAESSE,trad. H.FRANCO JNIOR, So Paulo, 2003, p.250-251 (a propsito
da Virgem).36Gnesis, I, 3.11; II, 7; Lucas XXII, 19.37
Respectivamente, Sabedoria, XIII, 5 ; Epstola aos romanos, I, 20. O
peso dessapotencialidade explicativa na formao da cultura ocidental
fica clara pela clebre frase deAlbert Einstein: a investigao
cientifica, postulando a priori a inteligibilidade do
Universo,pertence ao domnio da crena religiosa.38De divinis
nominibus, VII, 3, ed. PG, 3, col.870D-871A; Suma Teolgica, I-I,
q.1, a.9,ed. A.BLOT, trad. A.CORRA, Porto Alegre, 1980, t.1,
p.11-12.39Architecture gothique et pense scolastique [1951], trad.,
Paris, 1981 ; R.BECHMANN,Villard de Honnecourt. La pense technique
au XIIIe sicle et sa communication, Paris, 1991.No entanto
Panofsky, seguindo a tendncia marcante de seu tempo, atribui um
excessivocarter lgico ao pensamento escolstico, minimizando seu
procedimento analgico, toimportante em determinado perodo da
metafsica tomista, como mostra B.MONTAGNES, Ladoctrine de lanalogie
de ltre daprs saint Thomas dAquin, Louvain/Paris, 1963.40P.SAENGER,
The separation of words and the order of words: the genesis of
medievalreading, Scrittura e civilt, 14 (1990), p.49-74; G.CAVALLO,
Libri e lettori nel Medioevo.Guida storica e critica, Roma/Bari,
1989 ; R. H. ROUSE, La naissance des index , inH.-J. MARTIN e R.
CHARTIER, Histoire de ldition franaise, Paris, 1982, t. 1, p.
77-85.Sobre o conjunto desses assuntos, M.B.PARKES, Scribes,
scripts and readers. Studies in thecommunication, presentation and
dissemination of medieval text, Londres, 1991. Sobre osalgarismos
arbicos, o clssico L.C. KARPINSKI e D.E. SMITH, The Hindu-Arabic
system ofnumerals, Boston, 1911. Sobre as imagens, J.-C.SCHMITT,
Les images classificatrices,Bibliothque de lcole des chartes, 147
(1989), p.311-341.41F. A.YATES, Giordano Bruno e a tradio hermtica
[1964], trad., So Paulo, 1987 ;M.KUNZE, A caminho da fogueira
[1982], trad., Rio de Janeiro, 1989.42Gnesis, I, 26, cf. tambm
Sabedoria, II, 23.43 GUIBERTO DE NOGENT, Autobiographie, I, 2, ed.
e trad. E.-R. LABANDE, Paris, 1981,p.12-13; N.FRYE, The Great Code.
The Bible and Literature, Nova York, 1981.44C.Lvi-Strauss (Sur
quelques problmes poss par ltude des classifications primitives,in
Laventure de lesprit, op. cit., t.2) mostra que a populao indgena
norte-americana dosOsages reparte os seres e as coisas em trs
categorias, associando-as ou ao cu ou gua ou terra, e classifica a
guia como terrestre por lig-la ao raio, o raio ao fogo, o fogo ao
carvo,o carvo terra (p.335-336). O belo e clssico estudo de E.E.
Evans-Pritchard (Bruxaria,orculos e magia entre os Azande [1937],
trad., Rio de Janeiro, 1978) descreve o mecanismoanalgico das
relaes de uma sociedade africana com a natureza em geral.45Gnesis,
II, 7; III, 19.46HONRIO AUGUSTODUNENSIS, Elucidarium, I, 59, ed. e
trad. Y. LEFVRE, Paris, 1954,p.371; HONRIO AUGUSTODUNENSIS,
Sacramentarium, 50, ed. PL, 172, col.773CD, e, demaneira um pouco
diferente, De imagine mundi, I, 82, ed. PL, 172, col.140CD.47
Respectivamente, F. SAXL, Macrocosm and microcosm in mediaeval
pictures , inF. SAXL, Lectures, Londres, 1957, t. 1, p. 58-72 ; J.
MCEVORY, Microcosmus and
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macrocosmus in the writing of St Bonaventure, in J.C. BOUGEROL,
S.Bonaventure 2: Devita, mente, fontibus et operibus Bonaventure,
Grottaferrata, 1974, p.309-347.482 (Slavonic Apocalypse of) Enoch,
J 30, 8, trad. F.I. ANDERSEN, in J.H. CHARLESWORTH,The Old
Testament Pseudepigrapha, Londres, 1983, t.1, p.150.49JERNIMO,
Liber contra Joannis Hierosolomitanum, 25, ed. PL, 23, col.376B;
AMBRSIO,Hexaemeron, VI, 9, ed. PL, 14, col.265; AGOSTINHO, De
Genesi ad litteram / Del Genesis a laletra, III, 4, ed. e trad.
B.MARTIN PREZ, Madri, 1969 (Obras de San Agustn, 15),
p.548-549;ISIDORO DE SEVILHA, De natura rerum, IX, 1-2, ed. PL, 83,
col.977-978; RBANO MAURO,De anima, 11, ed. PL, 110, col.1119;
REMGIO DE AUXERRE, Commentarius in Genesim, 27,ed. PL, 131,
col.57A; HILDEGARDA DE BINGEN, Causae et curae, II, 9-12, ed.
P.KAISER,Leipzig, 1903, p.42; GEOFFREY DE SAINT-VICTOR,
Microcosmus, 19, ed. Ph. DELHAYE, Lille/Grenoble, 1951, p.46-47.50O
texto mais antigo que fala no acrstico admico o j citado (nota 49)
apcrifo 2 Enoch,J 30, 13, p. 152 ; Sobre a influncia desse texto,
J. M. EVANS, Microcosmic Adam ,Medium Aevum, 35 (1966), p.38-42.
Tambm se referem ao acrstico alguns dos OrculosSibilinos: II, 195
(de poca desconhecida), III, 24-26 e VIII, 318-323 (ambos do sculo
III),XI, 1-4 (posterior ao ano 226), trad. E.SUREZ DE LA TORRE, in
A.DIEZ MACHO, Apocrifos delAntiguo Testamento, Madri, 1985, t.3,
p.287-288, 355 e 360. Ainda durante a Idade Mdiaos judeus
continuaram especulando sobre o tema, como demostra S.S. KOTTEK,
Microcosmand Macrocosm according to some Jewish medieval works up
to the 12th century, Janus, 64(1977), p.205-215.51Os mais antigos
textos em ambiente cristo so: de incio do sculo III, De montibus
Sinaet Sion, 4, ed. W.HARTEL, Viena, 1871 (CSEL, 3-III), p.108,
l.10-12; de fins do mesmosculo, ZOZIMO, Livre de Soph, 11,
traduzido e citado por A.J. FESTUGIRE, La rvlation,op. cit., p.269.
Sobre tais textos, D.CERBELAUD, Le nom dAdam et les points
cardinaux.Recherches sur un thme patristique, Vigiliae Christianae,
38 (1984), p.285-301.52 Em princpios do sculo V, JERNIMO, Expositio
quatuor Evangeliorum, ed. PL, 30,col.533B; AGOSTINHO, Enarrationes
en Psalmi / Enarraciones sobre los Salmos, XCV, 15,ed. e trad.
B.MARTIN PREZ, op. cit., t.21, p.518-519. No comeo do sculo VIII,
BEDA,In Pentateuchum commentarii, Gn 4, ed. PL, 91, col.216; In
sancti Johannis EvangeliumExpositio, II, ed. PL, 92, col.666-667.
Em fins do mesmo sculo, ALCUNO, Commentariain sancti Johannis
Evangelium, II, 4, ed. PL, 100, col.777A.Na primeira metade do
sculoseguinte, WALFRIDO ESTRABO, Expositio quatuor Evangeliorum,
ed. PL, 114, col.861-862;AMALRIO DE METZ, De ecclesiasticis
officiis, I, 7, ed. PL, 105, col.1004B; RBANO MAURO,De laudibus
sanctae crucis, I, 12, ed. PL, 107, col.197-198. Em princpios do
sculo XII,HONRIO AUGUSTODUNENSIS, Elucidarium, op. cit., I, 64,
p.372.53E.SEARS, The ages of man. Medieval interpretation of the
life cycle, Princeton, 1986.54 Ph. DELHAYE, Le sens littral et les
sens allgoriques du Microcosmus de Geoffreyde Saint-Victor,
Recherches de thologie ancienne et mdivale, 16 (1949),
p.155-160.Para o uso dessa analogia em Bernardo Silvestre, Alain de
Lille, Hildegarda de Bingen eGottfried von Strassburg, dentre
outros, ver R.FINCKH, Minor Mundus Homo. Studien
zurMikrokosmos-Idee in der mittelalterlichen Literatur, Gttingen,
1999, p.116-155, 159-199,200-250 e 280-320.55 A formulao clssica
desse conceito evidentemente a de JOO DE SALISBURY,Policraticus, V,
2, ed. PL, 199, col.540BD.56Gnesis, II, 7.57 LONDON, Lambeth Palace
Library, fol. 6v. Sobre a iconografia deste manuscrito,D.DENNY,
Notes on the Lambeth Bible, Gesta, 16 (1977), p.51-64.58Saltrio de
Canterbury, PARIS, BnF, lat. 8846, fol.166.59 Descritas desde E. B.
TYLOR, Primitive culture : researches into the development
ofMythology, Philosophy, Religion, Art and Custom, Londres, 1871, 2
vol.; J.G. FRAZER, TheGolden Bough, Londres, 1898, 2 vol. (3 ed.
1911-1915, 12 vol.) ; M. MAUSS, Thoriegnrale de la magie
[1902-1903], in M.MAUSS, Sociologie et anthropologie, Paris,
1950,p.3-141, at P.ROZIN e C.NEMEROFF, The laws of sympathetic
magic: a psychologicalanalysis of similarity and contagion, in
J.STIGLER, G.HERDT e R.A. SHWEDER, CulturalPsychology : essays on
comparative human development, Cambridge, 1990, p. 205-232
;P.ROZIN, La magie sympathique, in C.FISCHLER, dir., Manger
magique. Aliments sorciers,croyances comestibles, Paris, 1994,
p.22-37.
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Modelo e imagem. O pensamento analgico medieval 20
Bulletin du centre dtudes mdivales dAuxerre | BUCEMA, Hors-srie
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60O estabelecimento dessa lei no apenas produto da observao da
cincia moderna sobreoutras culturas, tendo sido explicitada pelos
prprios medievais, por exemplo na afirmao deque res similes sibi
sunt habiles: Legenda aurea, 45, ed. Th. GRAESSE, Osnabruck,
reed.1969, p.184 (trad. bras. p.275).61Joo, I, 4; III, 15-16. 36;
V, 24.40; VI, 35. 48; X, 10; XI, 25; XIV, 6; Epstola
aoscolossenses, III, 4; I Joo, V, 12.62No primeiro caso, Mateus,
XIV, 19-21; XV, 36-38; Marcos, VI, 41-44; VIII, 6-9; Lucas,IX,
16-17 No segundo, Joo, II, 7-9; IV, 46.63SULPCIO SEVERO, Dialogos,
II, 2, 3, ed. C.HALM, trad. C.CODOER, em Obras completas,Madri,
1987, p.224-225.64Legenda, 3, 4, p.71.65Lucas, XXII, 19, conforme
tambm Mateus, XXVI, 26; Marcos, XIV, 22.66Summa contra gentiles,
II, 56, ed. Leonina, Roma, 1934, p.150 (corpora enim
naturaliatangendo se alterant).67 INOCNCIO III, De sacro altaris
mysterio, I, 61, ed. PL, 217, col.796BC ; GUILHERMEDURAND DE MENDE,
Rationale Divinorvm Officiorvm, III, XIV, 1, ed. A.DAVRIL e
T.M.THIBODEAU, CCCM, 140, p.213-214.68HONRIO AUGUSTODUNENSIS, Gemma
animae, I, 166, ed. PL, 172, col.609CD; GUILHERMEDURAND, Rationale,
I, IX, 10, p.116. Enquanto as esposas usavam o anel na mo esquerda,
osesposos e os bispos podiam faz-lo tanto numa quanto noutra mo,
cf. J.GAUDEMENT, Notesur le symbolisme mdival. Le mariage de lvque
[1978], in J.GAUDEMENT, La socitecclsiastique dans lOccident
mdival, Londres, 1980, p.77, n.34. O anel usado pelos bispose
prelados quando celebram pontificalmente chamado pelo Missal de
annulus cordis.69Dentre muitos outros, ISIDORO DE SEVILHA,
Etimologas, XI, I, 118.127, t.2, p.32 e 35;HILDEGARDA DE BINGEN,
Causae et curae, op. cit., II, 1-2, p.43.70 Por isso a graa do
Esprito Santo gua viva de acordo com Ruperto de Deutz(Commentaria
in Evangelium S. Joannis, IV, 4, ed. PL, 169, col. 353B) gua que
fluido Esprito Santo conforme Bruno de Wrzburg (Expositio
psalmorum, 77, ed. PL, 142,col.293B).Sobre isso, J.MAGNE, La
bndiction romaine de leau baptismale: prhistoiredu texte, Revue de
lhistoire des religions, 156 (1959), p.25-63.71Durante a Idade Mdia
as virtudes milagrosas da gua benta no se diferenciavam da
guabenzida ou utilizada por um santo, ainda que sem carter
litrgico, cf. F.CABROL, Eau, inDictionnaire darchologie chrtienne
et de liturgie, Paris, 1921, t.IV/2, col.1685-1686. Acapacidade
curativa desta gua tambm decorria de um contgio, no caso as
virtudes do santo,mesmo leigo: a gua com que se lavara So Geraldo
de Aurillac curou diversos doentes (ODODE CLUNY, De vita sancti
Geraldi Auriliacensis comitis, II, 10, ed. PL, 133,
col.676C-677A);o contato com a gua usada por um piedoso monarca
cristo devolveu a viso a um cego(HELGAUD, Vie de Robert le Pieux /
Epitoma vitae regis Rotbertis Pii, 11, ed. e trad. R.H.BAUTIER e
G.LABORY, Paris, 1965, p.76-77).72 HONRIO AUGUSTODUNENSIS,
Sacramentarium, 29, ed. PL, 172, col. 762D-763A ;GUILHERME DURAND,
Rationale, III, XVIII, p.224-229.73Respectivamente, Gnesis, XXVIII,
11-18; 1 Reis, VIII, 54; Salmos, XCIV, 6.74SULPCIO SEVERO,
Epistola, II, 3, in Obras completas, op. cit., p.179-180.75TIENNE
BOILEAU, Le livre des mtiers, 62, 8, ed. R.de LESPINASSE e
F.BONNARDOT,Paris, 1879, p.130.76TIENNE BOILEAU, ibid., 61, 9,
p.128. Na Itlia os crucifixos eram feitos em cinco partes,cf.
P.WILLIANSON, Gothic Sculpture, 1140-1300, New Haven/Londres, 1995,
p.7.77Horos du Concile de Nice II, trad. M.-F. AUZPY, in
F.BOESPFLUG e N.LOSSKY, NiceII, 787-1987. Douze sicles dimages
religieuses, Paris, 1987, p.33.78GREGRIO MAGNO, Epistolae, 13, ed.
PL, 77, col.1128-1130. Sete sculos depois, umbispo e liturgista
ainda repetia a idia: GUILHERME DURAND, Rationale, I, III, 4, p.36,
l.57-58.Sobre a evoluo da postura ocidental em relao imagem,
J.-C.SCHMITT, LOccident,Nice II et les images du VIIIe au
XIIIesicle, in F.BOESPFLUG e N.LOSSKY, Nice, ibid.,p.271-301.79
TOMS DE CELANO, Vita seconda di San Francesco dAssisi, I, VI, 10,
trad.S.COLOMBARINI, in Fonti francescane, Pdua/Assis, 1990, 4e ed.,
p.562; TOMS DE CELANO,Trattato dei miracoli, II, 2, ibid., p.739.
Sobre a histria dos estigmas, C.FRUGONI, Francesco
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e linvenzione delle stimmate. Una storia per parole e immagini
fino a Bonaventura e Giotto,Turim, 1993.80A atribuio da
criatividade de toda lngua analogia vem desde H.PAUL, Prinzipiender
Sprachgeschichte, Halle, 1880, p.100 ; passando por F.SAUSSURE,
Curso, op. cit.,p.191-195, J.O. JESPERSEN, Language, its nature,
development and origin [1922], Nova York,1949, p.92, L.BLOOMFIELD,
Language [1933], Londres, 1958, p.275; C.HOCKETT, A coursein modern
linguistics, Nova York, 1958, p.36 e 50. 81Rthorique, III, 11,
1412a, ed. e trad. M.DUFOUR e A.WARTELLE, Paris, 1973, p.68.
ParaTOMS DE AQUINO, Suma teolgica, op. cit., I-I, q.1, a.9, t.1,
p.12, apresentar uma verdadesob a forma de similitudes usar
metforas, o que convm doutrina sagrada.82U.ECO, Metfora [1980], in
Enciclopdia Einaudi, trad., Lisboa, 1994, t.31, p.222.
Abibliografia reunida por W.A. SHIBLES, Metaphor: an annotated
bibliography and history,Whitewater (Wisconsin), 1971, lista 61
ttulos que estudam a metfora como sendo analgica.83 A. CHOLLET,
Analogie , in Dictionnaire de thologie catholique, op. cit., t.
1,col.1144.84Pode-se sintetizar o deslocamento freudiano como a
passagem do interesse e da intensidadede uma representao para
outras representaes originariamente pouco intensas, ligadas
primeira por uma cadeia associativa. A condensao a interseco de
vrias cadeiasassociativas reunidas em uma nica representao. Cf. J.
LAPLANCHE e J.-B. PONTALIS,Vocabulrio da psicanlise [1987], trad.,
So Paulo, 2001, s. v. A aproximao entremetonmia e os conceitos
psicanalticos foi sugerida por U.ECO, Metfora, op. cit.,p.231.85
The Canterbury tales, em The Portable Chaucer, trad. T. MORRISON,
Harmondsworth,1977, p.120.86Legenda, Prlogo, p.41-42.87Legenda, 31,
p.226; 32, p.229. Analogias numricas semelhantes so feitas nos
captulosseguintes deste texto, sobre a Qinquagsima (33) e a
Quaresma (34).88Legenda, 12, 3, p.77. O mesmo autor ao expor a
Paixo esclarece seu mtodo, examinaros fatos sagrados pelos
semelhantes e pelos contrrios : 51, p.326 (per similia et
percontraria, ed. GRAESSE, p.229). A grande freqncia de analogias
na Legenda urea devia-seao fato de ter sido concebida por um
dominicano para servir de repertrio para a pregao deseus confrades.
Com efeito, para bem veicular suas mensagens os sermes recorriam
bastantes analogias, como mostram N.BRIOU, Lart de convaincre dans
la prdication de RanulphedHomblires, in Fair