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1
-,
1
Pr6xi'mo lançamento
A Tragédia Grega
Albhl Lesky
l
1
1
:
•
Nasceu êste · livro da intenção de expor, geneticamente, as
teorias a que
Marx
e s marxistas denominaram de
~ i a l i s
mo
utópico"
e
particularmente, seu postulado de
uma
reno
vação
da
sociedade através da renovação
de
seu tecido celu
lar.
Dentre
o vasto material, pareceu
ao
autor dever incluir
o que fôsse pertinente
ao
estudo
da
idéia•. Faltava,
porém, abrir uma outr a. perspectiva: a d as
~ ; . d s v a ; - .
de
n a-
lização
da
idéia; tentativas auda,zes
1
P.l\S
l
so
blematicu.
E
sobretudo
uma
tentativa
em
parti nL. •vou o
autor
u
~ r é v r
êste livro.
/
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Coleção Debates
Dirigida por J.. Guinsburg
Conselho Editorial: Anato Rosenfeld , Anita Novinsky,
Aracy Amaral , Boris Schnaiderman, Celso Lafer, Gita
K. Ghinzberg, Haroldo
de
Campos, Maria
de
Lourd
es
Santos Machado Regina Schnaiderman, Rosa R.
Krausz, Sabato Magaldi, Zulmira Ribeiro Tavares.
Equipe
de
realização: Pola Civelli, tradução; Geraldo
I
Gerson de
Souz
a, revisão; Moysés Baumstein, capa e
trabalhos técnicos.
Martin Buber
O Socialismo Utópico
~ ~
l
9 J Editôra Perspectiva
~ i • •
São Paulo
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fUND. U
NIV
t T.Di MARINGÃ
loi) 3
n
1
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B IBL tOTEC
Título
do
original:·
Der uto
pische Sor ialismus
Univ
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da
de
Estad
ual e Ma
rin
gá
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\ilfüfülfü
t
1
0000013315
Copyright by
RAFAEL BUBER
Direitos exclusivos para a língua portuguêsa:
EDITORA PERSPEÇTIVA S.A.
v. Bríg. Ltifs Antônio 3.025
São Paulo
1971
•
SUMARIO
Prólogo . . . . .
I O Conceito .
.
l I
O
Assun
to .
. . .
Os Primeiros . .
IV Proudhon . .
.
V K ropotkin . . .
V 1 Landauer .
.
VII
Tentativas i · . . .
. . .
VIII ·Marx e a Renovação da Sociedade . . . .
l X Lênin e a Renovação da Sociedade . . . .
X Outra Experiência . .. . . .
XI Na Crise
. .
.
.
. .
XII
Entre a Sociedade e o Estado
7
9
17
27
37
53
63
77
1 3
125
59
173
185
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\
\
PRó
LOGO
, Este livro nasceu da intenção de expor, geneti
camente, as teorias a que Marx e os marxistas.denomi
naram de socialismo utópico'; e, particularmente, seu
postulado de uma renovação da sociedade através da
renovação de seu tecido celular.
m
lugar de apre
sentar uma visão global da evolução de uma idéia,
prefer• ir delineando o quadro de uma idéia no
pr
oces
so de seu desenvolvimento.
Par
a a formação de um
quadro dêsse gênero, assim como para todo quadro
em geral; a questão fundamental é decidir o que deve
ser omitido. Dentre o vasto material, pareceu-me que
apenas o que fôsse pertinente ao estudo da idéia deve
ri
a
ser incluído.
O
imJ?Ortante não são as afluências,
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mas a corrente única
na
qual, finalmente, desembocam.
Emergindo do decorrer
da
História do Espírito, sur
ge-nos à frente a própria idéia.
1
Faltava ainda abrir uma outra- perspectiva, se bem1
que
de
caráter mais restrito: a das tentativas
de
reali
zação da idéia; tentativas audazes, mas problemáticas.
Somente depois poder-se-ia expor, criticamente, a re- '
lação teórica e prática do marxismo com a idéia da
renovação estrutural, relação que,
no
princípio do livro, 1
1
,
só poderia ser indicada
à
guisa
de
introdução.
Õ
·
mente então, e a partir dêsse ponto, é que eu poderia
falar de
uma
tentativa em particular, cujo conheci-
mento direto me impeliu a escrever êste livro: Fiel
J,
ao meu propósito, não a descrevi nem relatei; limitei-
j
me a esclarecer sua conexão intrínseca com a idéia,
na qualidade de uma tentativa que não malogrou.
Um capítulo final resume minhas próprias relações ]
com a idéia, relações que, até aqui, só haviam sido
expressas nas entrelinhas.
Era
preciso, ademais, assi- .
nalar também
sua
importância para o
m o m n t ~
histó
rico atual.
MARTIN BUBER
1
j
I
1
8
l
L_
,
\
I O CONCEITO
Um dos capítulos do Manifesto Comunista que
maior influência exerceram e continuam a exercer sô
bre as gerações, foi o intitulado Socialismo e Co
munismo Crítico-Utópicos{'.
Marx
e Engels,
como
se sabe, foram encarregados
pela Liga dos Justos
de
formular
uma
profissão
de
é comunista um projeto de Moses Hess fôra rejei
tado
devido
à
oposição de Engels); seria êste um
importante trabalho preliminar
para
a convocação, em
1848,
de
um Congresso Comunista Geral e
da
União
de todos os Oprimidos . Dela deveria constar também,
por instrução da diretoria da Liga, a posição
em
face
dos partidos sociais e comunistas'', isto
é,
a delimitação
9
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r
Jas
diferenças essenciais entre as tendências afins.
Com
isso ·visava-se sobrctuqo aos fourieristas, "êsses homens
superficiais", corno são chamados no ·projeto de decla-
ração que o órgão centra\ apresentou ao Congresso da
Liga, em Londres.
No
projeto elaborado por Engels,
na
ocasião, ainda
não
se fala em socialistas ou comu
nistas "utópicos", mas somente em homens que pro
põem grandiosos sistemas de reforma", "que, a pretex
to de reorga
ni
zar a sociedade, pretendem conservar as
bases da sociedade atual e, portanto, essa mesma so
ciedade"; por êsse motivo, são qualificados de "socia
::_
listas burgueses" aos quais é preciso combater, cftiãli-
ficação que, .na redação definitiva, foi· aplicada espe-:
cialmentc a .Proudhon. Entre o projeto de
En
gels e a
forma final, redigida essencialmente por Marx, há
enorme diferença. Os "Sist
em
as" - entre os quais são
incluídos os de Saint-Simon, Fourier e Owen (no pro
jeto de Ma rx eram citados também Cabet, Weitling e
até
m e s l l } ~ B a b e ~ f como autores de sisten;as semelhan
tes) -
f.,ao
considerados frutos de uma epoca cm que
a indústria e, portanto, também o proletariado, ainda
não se h:>· :am desenvolvido./ Foi a im possibilidade de
compreen<j_cr e dominar o problema "P-rcletariado" que
deu azo ao aparecimento dêsses sistemas, que
só
pode
riam ser imaginários, .ffintá
stic QJ>
e ..utúp.kos .e que,
no
fundo, propunham a abolição de uma
~ . r . c n ç - ' L d c
~ s s e s que
~ s t a v a .apc;;;-s e ç a n d o a
P.LOCCSSn ::fill.
e que, um dia, iria provccar a ''transformaçl g_geral
da
s c c i e d
a d e Aqui, Marx limita-se a formular nova
mente o que pouco an tes havia proclamado nu obra
polêmica ~ o n t r a P r o u d h o n ":bsses teóricos são uto-
pistas; devem procurar a ciência em seu espírito, pois
ainda não chegaram
ao
ponto
de
poder compreender
os fatos que
se
desenrolam ante seus olhos e converter
-
se em
seus porta-vozes". A crítica às situacõcs vi
gentes, sêbre a
qu
al são construídos os
s í s t e m ~ s ,
cons
titui, não há dúvida, valioso material de il.ustração; mas,
ao longo
d Q J . ( Q _ ~
bjstórico, tudo o
que
ela contém
de positivo está fadado a perder seuJ:'.alo.r_prático.._u.µ1
wstificaç.1o teórica. .
Só poderemos
aq
uilatar o caráter político dessa
declaração dentro do movimento socialista-comunista
de então, se considerarmos que ela se dirigia contra as
O
concepções que haviam imperado na pr?P;.ia " Liga dos
Justos" e que foram suplantadas pelas. ideias de M ~ r x .
Doze anos após a p u b l i , ~ a ç ã o .do M a m f e ~ t o Comunista,
Marx qualificou-as de doutrina
r ~ t a
. o n n a p ~ r
uma "mescla de socialismo ou comurns1 ;1o
f r a n c o - m g ~ s
e filosofia alemã", à qual êle . 9 P J I D 1 ª ~ c . Q 1 J l p r e e n s ~ o
científica da sociedade b u r ~ ~ o m o u ~ c a . . ba:e teo
n
ea
sustentávéI". O que Marx p r e t d i ~ , c ~ t ? o , era
ãemonstrar que não se trata de levar a pratica .um
sistema utópico qualquer, mas
de
colaborar. _:onsc1en
temente
no
processo histórico
de
transformaçao
da
so
ciedade
que sL v
_wfíca...ante os nossos olhos". ,; orta.n
to, o capítulo
do Manife sto que im
pugnav.a o utopis
_ }Q." tinha o significa
do
de
um
~ t o de p o I 1 t : c
1 ~ t e r ~ a ,
na acepção mais genuína· da .palavra; c l t u r v1tono
samente a luta
que Marx
, secundado por Engels, sus
tentara inicialmente dentro da própria Liga dos Justos"
(e
que agora se chamava "Liga dos C o m u n i s t a s ) ~
tra as demais tendências que se denominavam a si
mési
ii:.i
s, ou que eram denominadas por outras, de co
munistas. \Ç}_t.êr,mo "utópico" foi o último
,e
o .mais.
,afiado dardo desfechado nessa luta.
Eu disse acima: "secundado por Engels" . Con
tudo, não podemos deixar
de
aludir, aqui, a algumas
frases que, cêrca de dois anos antes
da redação do
Manifesto, Engels escreveu como intróito
à
sua tradu-
.ção de
um
fr::iem ento das obras póstumas de Fourier.
Também aí se fala das doutrinas que, no Manifesto,
são rejeitadas como utópicas; t&mbém aí Fourier, Saint
-Simon e Owen são citados; t;unbém
aí
distingue-se
entre a v_liosa crítica à
so
ciect"de_yigente e a
c s g _ ~ e _
matizaçãq:, muito menos importante, da sociedadeJii
tura. Antes, contudo, e s c r ~ v e r a Engels: O
que
os
f r a n c e s e s e os inglêses
já
disseram há dez, vinte e mes
mo há quarenta anos e o disseram muito bem, de manei
ra
muito clara, numa bela linguagem - os alemães só
agora, hú questão de· um ano, aprenderam e hcgeliani
zaram ou, na melhor das hipóteses, tornaram a desce-
. bri-lo a posteriori, p u b l i c ~ n d o - o de u
ma
forma muito
pi
or
e mais abstrata,
~ o r n o se
fôsse uma descoberta
totalmente nova". E Engels acrescenta
li
teralmente:
Não excluo disso os meus próprios trabalhos". A luta,
portanto, é também contra o p r í o passado. Não
11
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r
l
bstante, mais importante ainda é a seguinte sentença:
Fourier constrói o futuro, após haver examinado devi
damente o passado e o presente . Isto deve ser con
frontado com o que o Manifesto alega contra o utopis-
mo. E não devemos nos esquecer que o Manifesto
foi escrito apenas dez anos após a morte de Fourier.
O
que Engels, trinta anos após o Manifesto, diz
em seu livro contra Dühring, sôbre aquêles mesmos
três grandes utopistas'', e o que pouco depois incluiu,
com alguns complementos,
na
obra
ie Entwicklung
des Sozialismus von der Utopie zur Wissenchaft
(Evo
lução do Socialismo
da
Utopia à Ciência), que tanta in
fluência exerceu, constitui mera elaboração do que já
figura no Manifesto.
O
que de imediato nos surpreen
de é que êle torne a ocupar-se somente dos mesmos
três homens, fundadores
rl
socialism9'', justa
mente dos que
er m
utopistas , pv.tque não podiam
ser outra coisa, numa época em que a produção capi
talista ainda se achava pouco desenvolvida / aquêles
que se viam obrigados a ''construir imaginàriamente os
elementos de uma sociedade nova,
ja
que êsses ele
mentos ainda
não
se manifestavam palpàvelmente
na
própria sociedade antiga . Não teriam aparecido, nos
trinta anos decorridos entre o
Manifesto
e o
A nti-Düh
ring, socialistas que,
na
opinião
de
Engels, merecessem
a
denominação
de
utopistas e fôssem
ao
mesmo tempo
dignos de atenção, mas aos quais não se poderia con
ceder aquelas circunstâncias atenuantes,
uma
vez que,
em sua época, as relações econômicas
já
se haviam de
senvolvido e os problemas sociais
não
mais se -acha
vam ocultos ? De Proudhon,
para
mencionar apenas o
maior
(um
de seus livros anteriores, As Contradições
Econômicas ou a Filosofia da Miséria fôra combatido
por Marx, ainda · antes
do Manifesto em
sua famosa
polêmica), havia surgido, entrementes,
uma
série de
obras importantes
qu
e não poderiam ser ignoradas por
uma doutrina ·'científica das relações e dos problemas
sociais. Figurava também êle
(de
cuja obra impug
nada por Marx, o Manifesto Comunista toma, não obs
tante, o conceito ele utopia socialista ) entre os uto
pistas e, precisamente, entre aquêles que não poderiam
ser justificados? Se bem que no
Manif
estv seja citado
c o n ~ o
exemplo dos scciali.stas conservadores
ou
bur-
12
gueses :Marx cm sua. obra polêmica, declara que
P r o u d h ~ n e s t a ~ a
muito abaixo dos socialistas, porque
não possui suficiente coragem e entendi_mento para ele
var-se acima
do
horizonte
da
burguesia, nem mesmo
especulativamente . Após a morte de : ~ o u d h ? ~ Marx
asseverou, primeiramente num necrolog10 oflc1al que
se via compelido a endossar tôdas as palavras
de
seu
J
u
iz
· o anterior e um ano mais tarde, numa carta, rea-
' ' d
l
firmou
qu
e Proudhon ocasionava
um
gran e.
1:ia
e
que com
sua
pseudocrítica ·e
s u ~
pseudo-opos1çao aos
utopistas seduzira a juventude e os t.rabalhadores. Um
ano mais tarde, porém,
e
nove anos antes
da
compo
si
çã
o do
Anti-Dühring
escreve
~ s
numa das sete
críticas que publicou anônimamente sôbre o primeiro
volume do Capital, que Marx pretendia
_
ar
às ~
cias socialistas a base científica
qu
e nem Fourier, nem
Proudlrone nem Lassalle hãVfãffiConseguido
dar
até
então , de onde se depreende, claramente, que catego
ria
a t r i b u í ~
a Proudhon, apesar
de
tudo. Se nos repor
tarmos à época que precedeu a polêmica de Marx,
veremos, por exemplo, que em Marx e Engels
(na
Sagrada . lília)
i a m
encontrado, na obra de
Proudhon acêrca da propriedade,
um
progresso cientí
fico que revoluciona a economia política e que, pela
primeira vez, -foniapossível uma verdadeira ciência da
economia política . Proudhon , prosseguem
os
autores,
além de escrever no intcrêssc p r o l e t á r i o ~ era
um
proletário e sua obra
é um
manifesto científico
do
proletariado francês
de
importância- históri
cà
. E
mais: num axtigo anônimo datado
de
maio
de
1846
- cêrca de meio ano antes
de
iniciar a redação
da
polêmica -
Marx
o designa como comunista , num
contexto de onde se depreende que, aos seus olhos,
P r ~ u d h o n
ainda
era um
comunista representativo. Que
tena ocorrido nesse íntérim para induzir Marx a mudar
tão·
~ a ~ i c a l m e n t e _ ~ p i u i l i . o ?
É
verdade
.q
ue as
C
;.
tradictwns de Proudhon vieram a lume mas essa obra
-
nao . representa, absolutamente, uma modificação subs-
t ~ n ~ r n l de suas concepções. Até mesmo a violenta.po
lem1ca contra a Utopia comunista (têrmo com que
~ r ? u d h ~ n
refere
ao
que nós . designamos de cole
hv1smo ) nao passa
de uma
forma elaborada
da
crí
tica
à
communauté que consta
do
primeiro tratado -
3
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tão ~ a l t e c i d o por Marx - sôbre a propriedade (1840).
Mas, antes da publicação das Contradictions,
Pr
oudhon
e j e i t ~ r a um
convite de Marx para tra_balhar em cola
boração. A situação se nos torna mais clara, quando
lemo's o que Marx escreveu a Engels em julho de
1870
,
após a deflagração da guerra: Os franceses preci
sam
de
porretes. Se os prussianos v ~ n c e r e m , a centra
lização do state power se
rá
proveitosa pa
ra
a cen
tralização da classe operár
ia
alemã. A predominância
dos alemães deslocaria
da
França para a Alemanha o
centro de gravidade do movimento operário da Europa
Ocidental; basta comparar o movim
ento
de ambos os
países ·de 1866 até hoje, para vermos que a c 1 ~ s s e
o p ~ r á r @ - 1 l e m ã
é
superioL.à..J:rancesa do_p..Qnto_je } 1 s t ~
te6ric9_
( .
por sua organização. Sua preponderanc1a
sôbre
a francesa,
no
cenário mundial, seria ao mesmo
tempo a preponderância de
nossa
teoria sôbre a de
Proud
hon
etc."
Trata-se
pois, eminentemente, de
um
atitude política. Pode-se, portanto, considerar como
conseqüência lógica o fato de E;igels, logo depois,
numa
polêmica contra Proudhon S?bre a Questao ~
radia), qualificá-lo de puro diletante, de opos1c1on.1sta
inepto e ignorante
em
_economia,
que
exorta
e se lastima
lá onde nÓSdemonstramos". Ao mesmo tempo, Prou
dhon
é nitidamente tachado
de
utopista: o mundo
melhor" que êle constrói é espezinhado já em sua
nascente pelos tacões em marcha
do
progresso in-
dustrial".
Prolonguei-me um tanto
sôbre
êsse a s p e c t ~ > , por
ser a melhor maneira
de
esclarecer um ponto impor
tante. l,nicialmente, Marx e
En
gels davam o nome d.e
utopistas àqueles cujas idéias_precederam .o desenvolvi
mento decisivo
da
indús.t.r..ia,
do
proletariado e
da
luta
de classes, e os quais não
poderiam ,
por isso, levar
êstes fatôres
em
co
nsideração.
~ s t e J i
o r m e n t e ,
êsse-
conceito foi aplicado i n d ~ s t a m e n ~ e a todos aquêles
que, segundo Marx e- Engels, não queriam ou não
podiam ou não podiam nem queriam l
evar
em conta
ês
ses fatôres. D esde então, a denominação
..:_utopista:'
pas
sou .a
se
r a
arma
mais p.oderosâ-da-1uta-do-marxismo
contra o socialismo não-marxista. Não há mais a preo
cupaçãõâe
demonstrar, a todos os momentos, que a
própria opinião é mais correta que a
do
adversári
o.
Via
4
I ·
de regra, por princípio, é exclusivamente no propno
campo que
se
encontra a ciência e, conseqüentemente ,'
a verdade; também, por pringpio, no
camRQ_Q{10Sto
e J.;:
contra-se e x c l u s v a m ~ t ç a J i t q p f i l e, conseqüentemente,
o ên:O: ~ í i l l i õ s s a época, ser "utopista'..'.. significa não
'estãfà do moderno desel}YPlvirnento industrial;
o que seja o moderno desenvolvimento industrial en
i n a - n o s o
ma
rxismo. A respeito daqueles utopistas
"pré-históricos": Saint-Simon, Fourier e Owen, ir-
mava Engels
em
1850,
na
Guerra dos Camponeses
Alemães, que o socialismo teórico alemão jamais es
queceria que se apoiava sôbre. os ombros dêsscs
ho m
ens
"que, apesar de tôdas as suas fantasias e
de
todo··o
seu utopis.mo, figuram entre os pensadores ~ r p -
po
r tantes
de
tôdas as éaocas, tendo antecipado inúme
rã
s-vcrãaaes cu1a
exati ão hoje verificamos cientifica
mente".
Não
coghàm, porém, os marxistas, da possi
bilidade - o que constitui
um
a política conseqüente
- de que, também_hoj.e,.. p o s s a m e x i s t ~
conhecidos
ou
.desconhecidosL.ffi e_estejam antecipando
verdíl;.des cuja exfil s ão será verif@da pe]a_ciênci.ado'
futuro; ou, que a ciência" atual - ou melhor, uma
tenaênc
ia cie
nt
ífica
que se
identifica
c ~ m
a ciência
em
geral, como não raras vêzes sucede - esteja simples
mente decidida a considerá-l
as
inexatas, como já o fêz,
a seu tempo,
corri
os fun
dador
es do socialismo".
Aquêles eram utopislas precursores; Gstes são utopistas
<Wstrutores. Aquêles pr_g:>aravam o caminho para a
ciênci.i; estes o b l o q u e i a l l . ~ f e h z m e n t ê basta
ro
tulá-los de -utopistas para torná-los inócuos.
Permitam-me citar uma pequena experiênc
ia
pes
soal como exemplo dêsse método de pulverizacão d.o
adversário yor meio ..9a
r.otulaçã.Q. No
dia de Pen te
-êostcs de
19
2 8
, Tea
lizou.-se em Heppenheim, onde eu
então residia, um debate
1
entre dele
ga
dos socialistas
procedentes, principalmente,
de
grupos religiosos,
em
tôrno da possibilidade
de
se tornar a fomentar as fôr
ças internas
do
homem, sôbre as quais se apóia a fé
na
renovação socialista. Ao tomar a palavra, discÕrri
sôbre as questões normalmente n e g Q g ~ n c i a d a ~ e suma
mente concretas da descentralização e da forma de
trabalho.
Não se
deve rotular de utópico", disse eu,
d
( ) As
atas,
intitul11da.s
"Socialísmo
à
base
da
Fé , foram publí·
ca as cm Zurique, em 1929.
15
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aquilo em que
a i n d ~
não_pusemos nossa fô rça à a ~ ·
Isso não me impediu de ser alvo de uma observaçao
crítica por parte do presidente que, p l e s n 1 e n t ~ clas
sificou-me entre os utopistas, encerrando, com ss_o, o
assunto.
Mas, para que o socialism? saia d ~ s s e beco sem
saída em q u ~ se meteu, é preciso exammar o verd:i
deiro teor do têrmo utopistas:'.
6
II. O ASSUNTO
Já à primeira vista se nos torna patente o que
possuem em comum as utopias que figuram na história
da humanidade: elas são quadros ou imagens, e indu
bitàvelmente, quadros de algo que não existe, que
e
apenas imaginárib.- ueratmenfe, costuma-se conside
rá-las quadros-fanta,sia, mas isso não basta para defini
-l
as
. . uma_ an_ :asia
q u ~ o
div
c:
ga ,
~ j _ _ _ ~ ~
de lap para outro, 1mpUISionada por_ QCo rrênc1as
alternantes, mas que se centraliza com firmeza-tectõ
nica em um _elemento primordial e or iinário, o qmrt
d e v e r á _ . s ~ l a b o r a d o p o r _ e s s a
t a s i a .
E êsse elemento
Primordial é um desejo. A imagem utópica é um
quadro do que deve ser , e o qm} seu autor desejaria
1
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que viesse a ser. Costuma-se dizer também que as
utopias são imagens de_çl_es_ejQs mas isso, tampouco,
esgota o assunto.
Ao
falar em imagem
de
desejo, pen
samos em algo que sobe das profundezas do inconscien- '
te em forma de sonho, de sonho de vigília ou de ve
leidade , que ataca de surprêsa a alma desprevenida
e que, talvez mais tarde, seja assim chamado pela pró
pria alma e ampliado
por
ela. Através
<la
história
do
espírito, o desejo utópico gerador de imagens, embora
esteja, como tudo o que cria imagens, enraizado nas
profundezas,
nada
tem a ver com o instinto
ou
com a
a u t o g t t i s f ~ i i . 2 . : . . . :Ble se acha ligado a algo de super
pessoal que se comunica com a alma, mas que não se
acha condicionado por ela. O que aqui predomina é
o anseio pelo que é
ju§Jp
anseio que se experimenta
na
visão religiosa
ou
filosófica como revelação ou
idéia e que, por sua essência, não pode se realizar
no indivíduo mas somente na comunidade humana.
A visão daquilo que deve ser, muito embõfa--às vêzes
pareça ser independente
da
vontade pessoal, não pode
ser separada
da
atitude crítica em face
da
atual ma
neira
de
ser
do
mundo humano. O sofrimento que nos
causa um sistema absurdo prepara a alma
para
a visão
e o que esta
vê
reforça e aprofunda a compreensão
da inexatidão
do
êrro. O desejo
de
que a visão se '
realize dá forma à imagem.
Na
revelação, a visão
do qu
e é justo se consuma
1
'
na
imagem de uiri t mpo perfeito: com.o escatologia
messiânica.
Na
idéia, a visão do justo se consuma
na
cmagem de
um esp.aço
perfeito: como utopia.
Por
sua
s s ê n c i a a primeira transcende o aspecto social, ocu
pando-se do
hom
em como criação, e até mesmo como
produto cósmico; a segunda permanece circunscrita ao
âmbito da sociedade, mesmo que, por vêzes, iné:lua em
sua imagem uma transformação interna do homem.
Es
catologia significa consumação da criação; utopia, de- ,
senvolvimento das possibilidades latentes
na
comuni
dade humana, de se concretizar uma ordem justa .
Há ainda uma outra diferença majs importante. Para
a escatologia - embora ela em sua forma elementar,
profética, prometa ao 1homem uma participação ativa
na
vinda da redenção _ _ o ato decisivo vem
de ~ i m a ;
para a utopia, tudo se acha submetido à vontade cons
ciente
do
homem, : podendo-se mesmo considerá-la
8
\
\ '
imagem
da
sociedade esboçada como se não eXistissem
outros fatôres al;m dessa vontade. Nenhuma das duas,
porém, paira pelas nuvens, Assim como pretendem
despertar ou intensificar em seu ouvinte ou leitor a
relação crítica com o presente querem também lhe
mostrar a perfeição, imbuída
da
fôrça luminosa
do
ab
soluto; mas
para
· atingir essa perfeição
é
preciso trilhar
um caminho ativo no presente. E
aq
uilo que, como
conceito, poderia parece r impossível suscita, como ima
gem, to
do
o poder da fé, determinando o propósito e o
plano. Isso se
torna
possível pelo fato
da
imagem estar
associa
da
a fôrças subjacentes nas profundezas
da
reali
dade. A escatologia, quando profética, e a utopia, ·
quando filosófica, possuem
um
caráter realista.
A era
do
Iluminismo e a que se lhe seguiu desapos
saram, progressivamente, a escatologia religiosa de sua
esfera de ação; no transcurso de dez gerações tornou-se
cada vez mais difícil para o homem acreditar que, em
dado momento futuro,
um
ato divino redimiria o mundo
dos homens, isto
é
tornaria lógico o absurdo e harmô
nico o desarmônico; essa incapacidade cresceu
de
mo-
.
do
considerável, até se converter, pràticamente, numa
impossibilidade física, tanto nos homens de crença re
ligiosa como nos incrédúlos, apenas com a diferença
de que, nos primeiros, essa incapacidade permanece
encoberta à consciência, por continuarem vinculados à
tradição. Por óutro lado, a era da técnica da máquina
e da eclosão dos antagonismos sociais exerceu pro
funda influência sôbre a utopia. Sob o influxo d'a
orientação pantécnica do espírito, também a.utopia, nãc
raro, torna-se de alto a baixo técnica; a vontáde cons .
ciente do homem, s ô ~ r e a qual sempre se fundamentou,
é
agora compreendida em
~ ~ ~ i c g
assim como
. à natureza, pretende-se dominartam em a sociedade
por meio do cálculo e da construção técnicas. Essa
sociedade, porém, com suas contradições, apresenta-se
agora
ao
homem como questão inelutável; todo pen-
1
sarnento e todos os planos sôbre o futuro são forçados
a buscar-lhe
uma
solução também
na
utopia, ,o plane
jamento político e cultural cede o passo diante da ta-
refa
de
se traçar uma ordem correta para a sociedade.
Mas, neste ponto, o pensamento social evidencia
sua
categoria superior frente
ao
pensamento técnico: a ·
utopia que se entrega à fantasia técnica só encontra
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abrigo em
um
gênero romanesco bastante pobre,
onde ainda mal descobrimos algo
da
fôrça imaginativa
das grandes utopias antigas; de outra
parte
, aquela que
empreende a tarefa de esboçar os planos de
uma
edifica
ção perfeita da socieda
de
transforma-se, pelo contrário,
em sistema e essa utopia, êsse sistema social utópico ,
recolhe então tôda a fôr
ça do
messianismo desapossado.
O sistema sócial do socialismo e comunismo modernos
tem, como a escatologia, o caráter
de anun
ciação e
proclamação. ·
f:
verdade
que
Platão
já
agira impelido
pelo anseio
de estabe
lecer
uma
realidade conforme a
idéia, e até o fim de sua existência buscou,
com
in
cansável paixão, instrumentos humanos
para
a
sua
rea
lização. Mas é
só com
o socialismo moderno
que
se
inicia êsse entrelaçamento intensivo
de
doutrina e ação,
de
projeto e experiência. P
ara
Thomas Morus ainda
foi possível mesclar ensinamentos sérios
com
um
jôgo
sem compromissos, e alternar
com
superior ironia a
exposição de instituições
muito
absurdas
com
outras
que êle antes deseja do que espera que sejam imita
das.
Para
Fourier, isso
á não
é possível; nêle, tudo é
conseqüência prática e determinação lógica, visto que
o que importa é sair definitivamente de uma civiliza
ção
que, longe de
se
constituir no destino social do
homem, não passa
de uma
moléstia infantil .do gênero
humano .
A impressionànte polêmica
de Marx
e F.ngels fêz '
com
que, tanto dentro como fora do marxismo, o têr
mo ·•utópico passasse a ser aplicado
co
rrentemente a
um
socialismo que apela
à raz
ão, à justiça e
à
vontade
do homem
de
ordenar
uma
sociedade .desarticulada ,
ao
invés de limitar-se a apresentar
à
consciência ativa
o que
as
condições
de
produção
já
haviam
preparado
dialeticamente. Considera-se como utópico todo
so
- •
cialismo voluntarista, o que, de modo algum, significa
que esteja isento
de
utopia o socialismo que a êle
se
opõe, e que poderia ser classificado de ,necessitarista,
por declarar que sua única exigência é 'que se faça o
necessário para
que
sobrevenha a evolução. Os ele
mentos utópicos que êste contém são, evidentemente,
de
outro
gênero e afetam a outra ordem
de
idéias.
Já mencionei que a fôrça
da
escatologia despojada
se
transformou
em
utopia
na
época
da
Revolução
Fran-
cesa. Ma s, como já indiquei, existem duas formas
2
fundamentais ' de escatologia: uma profética, que faz
depender a preparação da redenção
__
em qualquer
momento dado e em
proporç
ões imprevisíveis - da
fôrça da resoluçã<? de todo homem a quem se dirija;
uma apocalífúca, para a qual o processo de redenção foi
fixado desde a eternidade
em
todos
os
pormenores,
com
suas datas e prazos, e para cuja realização os homens
servem apenas de instrumento. Contudo, pode-se sem-
pre
re
velar, descobrir antecipadamente o inalterável
aos homens, indicando-lhes a função
que
lhes compete.
A primeira dessas formas fundamentais procede de Is-
rael; a segunda, do antigo Irã. As diferenças, com
parações, combinações e sepa
ra
ções entre elas cons
tituem
uma parte
importante
da
história interna
do
cristianismo.
Na
secularização socialista da escatolo-
gia,· ambas
atuam
separadamente: a forma essencial- ,
mente profética, em alguns dos sistemas dos chamados
utopistas; a apocalíptica, especialmente no marxismo (o S
que não significa que êste não tenha absorvido algum
elemento profético que foi, porém, subjugado pelo apo-
..
calíptico). A fé
no
caminho em que a· humanidade,
através do êrro, atinge sua superação, assume em Marx - >
a forma de dialética hegeliana
quando se
utiliza de .,
uma investigação científica dos processos ·
de
produção.
Mas a visão das revoluções vindouras - assim como
;.
das passadas -
dentro
da cadeia .
da
necessidade <:
absoluta'', como diz Hegel, não foi tomada dêste últi-
mo. A atitude fundan1ental apocalíptica de Marx é mais
p u r ~ e. ma.is intensa que a
de
Hegel, que carece um i'-
autentico impulso para o futuro. Com razão, assinalou
Franz Rosenzweig que Marx se manteve mais fiel do
que o · próprio Hegel à crença ]legeliana no destino
hjstórico: ninguém como êle foi caPãz
de ver
onde,
ê õ ~
que
forma despontaria
no
céu
da
História a
época
da
consumação . O ponto
em
que o ímpeto
apocalíptico-utópico de Marx se desencadeia e conve
rte
todo conceito econômico e científico
em
. pura utopia,
é quando fala da transformação de tôdas as coisas que
se su ederá à revolução:social. A utopia dos chamados
utopistas
é
pré-revolucionária, a marxista é pós-revo
lucionária. A extinção do Estado, o salto da hu
manidade
do
reino
da n e c e s s i d ~ d e
para o
da Jiberd11de"
continua a fundamentar-se
na
dialética, mas
não
tem
n ~ s ciepU \E.ac.. Como
diz
qm
pens
ador
marxista,
l 3 . : 2 : t . . ~ ~ - . . . fo
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parte, envofv
er
o povo com doutrinas. Não incorramos
no
êrro do seu compatriota Martim Lutero que, depois
de haver derrubado a teologia católica,. dedicou-se, sem
perda de tempo, e fazendo grande alarde de excomu
nhões e anátemas, a fundar uma teologia protestante
Não nos convertamos, pelo fato de estarmos à frente de
um
movimento, em chefes de
uma
nova intolerância;
não
nos
comportemos como apóstolos
de
uma nova reli
gião, mesmo que essa religião seja a da lógica e da
razão". Embora êle aqui se refira, essencialmente, ao
método político, muitas declarações
de
Proudhon ates
tam que êfo também via a meta sob fl luz da liberdade
· e
da
diversidade. Cinqüenta anos após essa carta,
Kropotkin resume a idéia fundamental
do
objetivo nu
ma única frase: o desenvolvimento máximo da ind ivi
dual
id
ade de
verá
combinar-se
com
o desenvolvimento
má.ximó da associação espontânea, em todos os seus
aspectos, em todos os graus possíveis, e para
JS
fins
mais variados:
uma
associação em ·
tr
ansformação con
tínua, que traga em ·si mesma os elementos de .sua
duração e que, em todos os momentos, adote as formas
que melhor correspondam à aspiração de todos".
Era
exatamente o que queria Proudhon
na
maturidade .
do
seu pensamento. Pode-se
ob
jetar que a
meta.
final
marxista não é essencialmente diferente; aqui,
po
rém,
abre-se
um
abismo (que só poderá ser superado por
meio daquele · utopismo marxista especial) entre a
transformação futura que se realizará algum dia, e quem
sabe quanto tempo após o triunfo definitivo da revolu
ção, por um lado
e,
por outro, o caminho que conduz à
revg µção e à época subseqüente à revolução, caminho
caract
er
iza
por um
centralismo total e que não
tolera nenhum aspecto ou iniciativa que não sejam os
seus. Misteriosamente, a uniformidade como caminho
feva à diversidade corno meta final; e, misteriosamente,
a coação como caminho leva à liberdade como meta
final.
9
socialismo "utópi
co
não-marxista, pelo con
trário, busca
um
caminho substancialmente idêntico à
sua meta . inal. E le nega a crer que, confiando no
"salto" que será dado algum dia, se deva preparar, c
trementes, o contrário daquilo que se deseja alcançar;
acredita que é preciso criar, desde já, atmosfera
possível e necess ária para a·
tr
ansformação futura. 1::1e
não acredita no salto R_Ós-revolucionário, e sim na con-
4
;
.•
1
tinuidade revolucionária, ou melhor: numa êontinui
dade dentro
da
qual a revolução significa somente o
cumprimento, a libertação, a ampliação de uma reali
dade que, dentro do possível,
já
se desenrolou.
' Encarada por outro ângulo, essa diferença poderá
\ ser ainda melhor escJarecida. Quando examinamos o
1
caráter da sociedade capitalista onde surgiu o socialismo,
e-
observamos que se trntn de
uma
sociedade estrutural-
m e n t e pobre e que
se
tornará cada vez mais pobre.
Por estrutura de uma sociedade deve-se entender sua
iqueza
em
organismos sociais ou comunai
s.
Pode-se
dizer que uma sociedade é ricamente estruturada, quan-
do ela se organiza com base em sociedades autênticas,
isto é, em comunidades de ação e trabalho e em suas
subseqüentes agrupações. O que Gierke d iz
do
movi
mento unido
de
cooperativas.
da
Idade Média, pode-se
dizer de tôda sociedade _ricamente estruturada:
Ela
se caracteriza por uma tendência a ampliar e expandir
as associações, a formar outras que abranjam as coope
rativas menores, a form
ar
federações de associações iso
ladas, e amplas federações de conjunto, que abranjam
as federações particulares". Sempre que analisamos a
estrutura de uma sociedade dêsse gênero, encontramos
o tecido celular "sociedade", isto é,
um
agrupamento
maciço de sêres, uma convivência de criaturas huma
nas dotada de ampla autonomia e que se forma e refor
ma a partir
de
seu interior. A sociedade, por sua pró
pria natureza, l .ãO
é
constituída de indivíduos isolados,
mas de unidades societárias e seus agrupamentos. Pela
coação
da
economia e do Estado capitalista, essa essên
cia se foi alterando progressivamente, de sorte que o
moderno processo de individualização se . efetuou em
forma de desintegração. As antigas formas orgânicas
. . . .
contmuaram a existir em seu aspecto extenor, mas per-
deram seu sentido e sua alma: converteram-se em tessi
tura decadente. Não só o que se chama as massas, mas
tôda a sociedade é
amo
rfa, invertebrada, pobre
de
es
trutura. Não é por meio das associações resultantes da
união de interêsses econômicos ou espirituais - das
quais é o partido o mais forte - que êsse mal poderá
ser sanado. Se os homens se unem nessas' associações
não é mais por similit
ud
e de existência, e em tôdas elas
se busca inutilmente a compensação para as formas de
comunidade perdidas. · Contra êssc estado de coisas, que
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faz com que a sociedade se ponha em contradição col
sigo mesma, os socialistas utópicos , em número cres
cente, aspiraram a uma reestruturação da sociedade -
não;. como pretende a crítica marxista,
no
intuito român
ticq::de renovar fases evolutivas
já
superadas, mas
com
o
aúxílio das tendências descentralizadoras per-ceptfveis
no
seio
do
processo social e econômico
e,
também, com o
auxílio da rebelião mais profunda, que vai crescendo
paulatinamente
na
alma
do
homem, a rebelião contra a
solidão
em
massa ou coletiva.
Victor Hug__u h m ou a utopia de a verdade ma
tutina . O anseio espiritual chamado socialismo utópi
co, que parece condenado a permanecer divorci_ado de
·sua época, prepara a futura estrutura da sociedade:
prepara'', já que não existe
um
curso da
Hi
stória ne
cessário em si, independente da decisão do homem.
Essa tendência, evidentemente,
terá que
conservar as
formas comunitárias ainda existentes e animá-las com
um
nôvo espírito. Sôbre o porta l do centralismo mar- ·
xista acha-se gravada, por tempo indeterminado, a ins
crição com que Engels definiu, certa ocasião, a tirania
do
mecanismo automático de uma grande fábrica :
Las-
ciate ogni autonomia voi ch entrate
( renunciai a tôda
autonomia, vós que entrais ). socialismo utópico
luta pelo máximo de autonomia comunÁtária possível,
dentro de uma reestruturação da sociedade.
.S possível haver realizações ilusórias
do
socialis
mo, onde a verdadeira convivência
dos
homens se mo
difique muito pouco , dissera eu, naquela assembléia
socialista de
1928. A
verdadeira convivência só po
derá prosperar quando os homens experimentarem, dis
cutirem e administrarem, em comum, os fatos reais de
suas vidas,
lá
onde existam verdadeiros núcleos de ha
bitação e verdadeiras cooperativas de trabalho. Na ex
periência russa,
por
exemplo, vemos que as relações
entre os homens permanecem essencialmente inaltera
das quando
se
inserem numa organização de poder so
cialista-centralista, que determina
a
vida das pessoas e
a vida dos grupos sociais naturais. Naturalmente,
não
podemos e nem queremos voltar ao comunismo agrário
primitivo e nem
ao
estado corporativo do cristianismo
medieval. Sem
qu
alquer romantismo e, vivendo no pre
sente, temos
que
edificar
uma
autêntica comunidade
com os materiais renitentes
do
nosso momento histó
rico .
6
\
III.
OS
PRIMEIROS
·
Já assinalei a existência, no socjalismo utópico '}
de um elemento de edificação e planejamento orgânico
que procura reestruturar a sociedade e, isso, não após
a
extinÇão da ditadura
do
proletariado
num
futuro
indeterminado, mas aqui
e
agora, a partir das condições
atuais. Se isso de fato acontece, é preciso que a histó
ria do
socialismo utópico possa mostrar
a
linha evo
lutiva dêsse elemento.
Na história
do
socialismo
utó
pico destacam-se
. rês ·pares de pensadores ativos, agrupados nessa dispo
sição em função da geração a que pertencem: Saint- :
-Simon e Fourier, Owen e Proudhon, Kropotkin e
Lan-
dauer.
Em
meio ao segundo dêsses pares, acha-se o
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marco decisivo que separa a primeira fase dêsse socia
lismo - contemporânea dos
prin
cípios
do
grande capi
talismo - da segunda, contemporânea de s ~ u apogeu.
Na
primeira fase, cad a pensador contribui
com
um úni
co
pensamento construtivo, e seus pensamentos se jus
tapõeín, embora
de
início permaneçam estranhos e ina
cessíveis entre si;
já na
segunda, Proudhon e seus suces
sores rea.lizam a
ampla
síntese, a idéia. sintética da
reestruturação. Cada estágio ocupa um lugar imper
mutável.
A
fim
de
esclarecer as relações de idade,
co
nvém
citarmo·s algumas cifras. Saint-Simon nasceu doze anos
a n t ~ s . .de_Fourier e faleceu doze anos antes dêle.
Não
obstante; ambos pertencem à mesma geração, a que
nasceu antes da grande Revolução Francesa e se extin
guiu antes _1848; a única particularidade é
qu
e Fou-
rier, o
ma
is jovem, ainda pertence em sua essência ao
século XVIII, ao passo que o µiais velho, Saint-Simon,
já pertence ao século XIX. Owen- nasceu
ant
es da Re
vqlução. Proudhon na época das vitóriãs napoleónicas;
por seu nascimento, portanto, pertencem a gerações di
ferentes, mas a
m o r t e
que' para ambos sobreveio entre
1848 e 1870, toma a uni-los numa única geração. Isso
se repete com
Kr
opo
tkin, nascido antes de
1848,
e
Landauer, nascido em 1870, ambos falecidos pouco
após a primeira guerra mundial.
Saint-Simon - de quem Lorenz von Stein, o funda
dor da ciência d a Sociologia, com razão afirma ter sido
" o pr imeiro a entender em parte, e
parte
adivi
nh
ar
o poder, os elementos e as contradições da sociedade
(isto
é, da
sociedade como tal, em sua diferença
do
Es
tado) . - traz a primei
ra
contribuição, que_ também foi
a mais importante de sua época. A "crise pubertária
-em que se encontra o gênero hu
ma
no significa para êle
que "le régime industriei", a constituição dos produto-
res, t
erá
de assumir o comando. Podemos também for
mulá-lo
da
seguinte maneira: a cisão do conjunto so
cial em duas ordens essencialmente diferentes e
anta-
gônic
as
entre si , ou seja, a ordem coercitiva
do
Estado
e a ordem espontânea da sociedade, terão de ser substi
tuídas por uma estrutura uniforme. Até agora, a socie
dade foi regida por um "govêrno"; mais adiante, será
governada por uma ad ministração" que não deverá ser
confiada, como aquêle, a uma camada oposta à socie-
8
d a ~ e e integrada por, · · ~ g i s t ~ e militares, mas aos lí
deres naturais
da
p r o p
~ . 2 . Q C t e d a d e ,
aos chefes
de
~ u a
produção. Que não mais ocorra, como
n ~ s r e v o l ~ ç ? e s
históricas, que um grupo de governantes se1a subst1tu1do
por
o u t r o ~ o fato de a polícia continua:_ sendo necessária
não significa que deva haver um governo como o que
existiu até agora. "
Para
os produtores, não há o menor
interêsse em ser saqueados por uma classe de parasitas,
ao invés de outra. . . Claro está que a l
ut
a final entre
a massa _
de
_ parasitas e a
mas sa
dos
produtores
é que
i
rá
-ciecidir
se
êstes continuarão a ser vítimas daqueles
ou se assumirão a direção suprema da sociedade". O
ingênuo convite formulado por Saint-Simon
aos
senho
res trabalhadores"
para
que elejam como chefes aos
seus diretores, visando fundir numa única classe os ca
pÜalistas ativos con:i os proletários, c l u i a < espeito
de seu alheamento da realidade, a visão de uma_ordem
futura onde ·não exista
outra
dir
eçã
o senão a necessária
para as próprias funções sociais, e onde a política venha
a ser realmente o que deve ser segundo a definição
de
Saint-Simon: a ciência da p r o d u ç ~ o ou seja, dos
pré-requisitos favoráveis a esta. Os governos, por sua
essência, não podem fazer essa política: ''o govêrno
sempre
pr
eju
di
ca
a indústria,
quando
se imiscui nos
negócios desta, e a prejudica mesmo quando procu
ra
est imulá-la". Somente
com
a superação do "govêrno",
como tal, será possível tirar a sociedade da "extrema
desordem"
em
que se encontra, do estado de nação que,
sendo "essencialmente industrial", possui um govêrno
"essencialmente feudal" e
da
divisão em duas classes:
"uma que manda e outra que obedece (o saint-simo
nista Bazard, após a morte
de
seu mestre, em 1829, for
mulou-o
de
maneira ainda mais acerba: "duas classes:
os exploradores e os explorados ). A época atual é
de
tr
ansição, não
de um
tipo
de
govêrno para outro·,
mas
de uma
ordem aparente
para uma
ordem verdadei
ra, na qual " Q trabalho se tenha convertido em fonte
ele tôdas as virtudes" e ''o Estado na irmandade dos
trabalhadores" (fórmula dos saint-simonistas).
Este
pusso não pode ser dado por
uma
única nação, pois se
ria combatida pelas demais; é preciso inst
aurar
em tôda
a
Europa
o "sistema industrial" e aniquilar o sistema
fo
udal,
que
subsiste sob sua forma burguesa. Isto é o
que
i n t - S i m o n
cha
ma
de europeísmo . Contudo,
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êle não pretende com isso modificar unicamente as re
lações entre os diretores e os dirigidos, pois compreende
muito bem que a modificação deverá estender-se a tôda
a estrutura interna da sociedade. No momento em que
a constituição industrial estiver "madura", ou seja, no
momento em que a sociedade estiver madura para ado
tá-la, ela "poderá ser estabelecida com certa precisão
através desta condição fundamenta : que os indivíduos
da grande maioria da população se tenham incorpo- ,
rado a associações industriais, mais ou menos numero
sas, entrelaçadas de duas em duas, ou de três em três
etc., por vínculos industriais, de molde a permitir a ins
tituição de um ' sistema geral em que essas associações
se dirijam para um grande fim industrial comum, sendo
que elas mesmas se coordenarão de acôrdo com as suas
funções". Neste ponto, Saint-Simon se ·aproxima muito
·da idéia da reestruturação. O que lhe falta é a concepção
das unidades sociais genuínas e orgânicas, sôbre as quais
possa ser edificada essa reestruturaç
ão.
O conceito de
"associação industrial" não basta para isso. Saint-Simon
pressentiu, mas não percebeu a importância que tem a
pequena unidade social na transformação da sociedade.
Já para Fourier, essa unidade sor.ial é tudo.
:Ble
acredita haver descoberto "o segrêdo
da
associação",
vendo nêle "o segrêdo
da
união de interêsses" - fór
mula que provém da mesma época (por volta de
1820)
em que Saint-Simon dava forma definitiva ao seu "sis
tema industrial". Com razão ooservou Charles Gide que
Fourier, com isso, se estava pronunciando contra o le
gado da Revolução Francesa, que impugnava o direito
de associação e proibia o sindicato. E que .êle certa
mente, se opôs a êsse legado porque, com a destruição
da hierarquia das antigas corporações, surgiu o princí
pio "anárquico" da livre concorrência, princípio que
como predisse em 1843 Considérant, o discípulo mais
importante de Fourier, em seu Manifesto sôbre os prin
cípios do socialismo (que ao que parece influenciou o
Manifesto Comunista, iria redundar na criação de
uma situação diametralmente oposta
à
que se pretendia
com a sua implantação, ou seja: na
g a n i ~ a ç ã o
geral
de grandes monopólios, em todos os ramos". O que
Fourier opõe·a êsse princípio
é
l'association communale
sur le terrain de la production et de la consommation
(como o formula o próprio Considérant em
1848),
ou
3
st:
ja a formação de unidades sociais comúnais baseadas
na ; elação de produção e consumo. Isso significa re
fo rmar a comuna rural, que é encarada como l élement
atvéolaire de la societé - conceito que, naturalmente,
tamb ém não se encontra em Fourier, mas na escola
influenciada por Owen (a quem Fourier não quis ler).
Somente a associação livre e espontânea, escreve êle
eô1 1848, p o ~ ç ~ s o l v e r o g r a n d ~ problema do futuro,
"o problema da organização da nova ordem, da ordem
ern-que o individualismo se combina espontâneamente
ao coletivismo
(sic) ".
Somente através dêsse caminho
"será possível chegar
à
terceira e última evolução eman
ci
padora
da
história". Assim como a primeira conver
teu
os
escravos em servos e a segunda
os
servos em
trabalhadores assalariados (concepção que já encontra
mo
s em Bazard em 1829), a terceira induzirá
"à
supres
são do proletariado, à transformação dos trabalhadores
as
salariados em assóciados". Em vão, porém, procura
remos a realização concreta dos princípios de Fourier
nus
exposições que êle faz de seu sistema
ou nos
esbo
ços de seus projetos. íSeu F.alanstério foi comparado a
um grande hotel e, de fato, apresenta certa semelhança
c
om_
aquêles hotéis contemporâneos que suprem, na
medida do posslvel, a maior parte de suas necessidades
cem produção própria; só que aqui, são qs ptóprios hós
pedes a se encarregarem da produção, e em lugar das
poucas normas de conduta que, via de regra, se encon
tram em todo quarto de hotel, existe uma lei exata e
sem lacunas que, embora proporcione certos estímulos
e deixe intacta por princípio a liberdade de decisão
regula a vida diária em todos os seus detalhes. A
i n s ~
tância.suprema, o Areópago, não ordena, limitando-se
a dar instruções, e cada grupo "age segundo a sua von
tade"; mas essa vontade não pode divergir em absoluto
do Areópago, pois êste representa a
puissance d'opi-
mon . Por mais bizarra que nos pareça essa lei em mui
tos aspectos, ela contém idéias importantes e
focu
ndas,
como a da alternação de atividades heterogêneas, noção
que já p ~ e f i g u r a na "divisão de trabalho no tempo", de
Kropotkm. De outro lado, porém, e justamente quando
encarado por êste ângulo, o Falanstério se apresenta
como instituição sumamente anti-socialista. Adivisão de
traba lho que toca ao pobre Lucas durante um dia estivo
leva-o do estábulo para o jardim, dêste para a ceifadora,
3
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7/25/2019 BUBER, Martin. O Socialismo Utópico
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a horta, a manufatura etc., ao passo que a divisão do
dia de trabalho
do
rico
Mondor
leva-o
do
desfile in
dustrial para a caça, desta para a pesca, a biblioteca,
as refinarias etc.
Quando
lemos que os pobres deve
riàm gozar de um bem-estar graduado para que os ricos
sejam felizes ,
ou então
que somente através
da "mais
extrema desigualdade das riquezas é que se chega a
êsse belo acôrdo da generosidade , que consiste na
renúncia dos ricos à maior parte de seus dividendos em
favor do trabalho e do talento, constatamos que essas
unidades cunhadas
na
matriz
de uma
fantasia mecânica
não têm o direito de ser as células de uma nova ordem ·
justa. Já por
sua
uniformidade - em cada peça se
re
pete o mesmo esquema, a mesma maquinaria, a despei
to
de
tôda a enganadora diversidade interior - elas
seriam totalmente inadequadas
para
uma reestruturação
da sociedade. A
"harmonia
universal de Fourier, que
abrange o cosmo e a sociedade, rege apenas as relações
entre os indivíduos que vivem juntos,
não
entre as uni
dades (embora alguns tenham chegado a imaginar
uma federação de falanges ). O sistema
não
se ocupa
das relações entre as unidades. Cada qual constitui
um
mundo à parte, idêntico aos demais, mas elas não são
regidas pelas leis
de
atração vigentes
no
universo; não
se associam, não formam unidades superiores
e
nem se
riam capazes de fazê-lo, pois, diversamente dos indiví
duos, são iguais umas às outras. Como não se
comp
le
mentam, tampouco podem-se han;nonizar. O pensamen
to de Fourier
deu
forte impulso ao movimento
cooperativista e às suas obras, particularmente às ·asso
ciações de consumidoi:es;
mas
a idéia .construtiva do
•·socialismo utopista
só pode
adotá-lo superando-o.
Em
1822 vinha a
lume
a obra principal de Fourier,
o Tratado da Associação Agrícola Doméstica;
em
1821
e 1822, l e Systeme lndustriel de Saint-Simon, e é de
1820 o Comurúcado ao Condado e Lanark, de
Robert
Owen, publicado
em
1821,
que
é a exposição definitiva
de
seu
"Plano"
.
Mas
a Théorie des Quatre Mouve-
ments et des Destinées Générales, de Fourier, apareceu
em 1808, De la R éorganisation de l Société Européenne
da Saint-Simon
em 1814
, e · m 1813 e 1814,
A
New
View of Society, a fundamentação teórica dos planos
de
Owen.
Se
continuarmos retrocedendo alguns anos,
tropeçaremos, em princípios do século,
com
a primeira
3
obra de Saint-Simon, onde já se anuncia a crise iminente
d
humanidade, e
com
o artigo de
Fourier
sôbre a
har
monia universal, que
pode
ser considerado o primeiro
esbôço de sua doutrina. Ao mesmo tempo, porém, en- ·
contramos Owen em atividades
puramente
práticas, .JlO
cotonifício
de
New
Lanark,
onde criou instituições so
cia is exemplares. Sua doutrina, ao contrário das de
Saint-Simon e u r i e r é resultado dessas tentativas e
experiências práticas.
Ela
é, conhecesse Owen
ou
não algo das teorias de Fourier, sua réplica a estas, do
ponto
de
vista
da
história
do
espírito, é
a
solução empí
rica n f r ~ n t a n d o a solução especulativa. Aqui, pode-se
classificar
como
orgânicas
as
unidades sociais
sôbre
as
qua is se
pr
etende reconstruir a sociedade; são comuni
dades de número limitado, erigidas sôbre uma base agrí
cola, apoiadas no i:-r.incípio da associação
de
trabalho,
de consumo e de propriedade, assim como de igualda
de de privilégios e
onde
todos os membros deverão ter
" Í f _ t ~ r ê s s e s
mútuos e comuns . Já, aqui, podemos ver
como Owen, diferentemente de Fourier, alcança
a
com
preensão dos requisitos elementares
da
comunidade au
têntica, entre os quais não figura, necessàriamente nem
de maneira exclusiva, a proprie
dade
comum, e .sim uma
forma , união e
de
. associação
de
bens e, tampouco,
~ e c e s s a n a m e n t e uma igualdade de consumo, e sim uma
igualdade de direitos e facilidades. A
"vida
comunitá
ria , diz Tonnies das formas históricas da comunida
de - ou seja, da convivência duradora e genuína
dos h?mens - "é propriedade e usufruto mútuos, e é
Ipropnedad_e e
u s ~ ~ u t o ~ e
bens comuns . Ou, em outras
P ª ª ~ r a e admm1straçao em
comum
, na qual podem
existir. bens pessoais fora dos comunais, apesar de que,
em
virtude da constituição da economia comum (de
1 man_eira muito diferente do esquema
de
Fourier),
as
diferenças de propriedade permaneçam dentro de li
mites muito reduzidos, e, em conseqüência da reciproc .
d a ~ e
do
auxílio
mútuo
e
da
colaboração, em sentido
l mais geral, -
mútuo
dar e rec eb er - vem a se realizar
' aquilo que aqui. se denomina "propriedade e usufruto
mútuos , ou seja, participação adequada
dt
cada mem
bro na vida _dos demais. justamente nessa concepção
se. baseia o plano de Owen. (Posteriormente, êle
ira .mais além, incluindo "a comunidade de bens e a
soc1ação cooperativa
entre
os supremos princípios do
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projeto da colônia.) :lile
não
ignora que, para rea lizá
-la,
é necessária ·
uma
grande atividade educativa.
Até
agora ninguém foi educado
de
acôrdo
com
princípios
que permitam proceder unificadamente, salvo
para
de
fender-se ou
para
destruir a outros.
Uma
necessidade
giualménte imperiosa obrigará agora os homens a
educarem-se
para
agir em conj
un
to,
para
criar e man
r.
Owen..1iabe
que
o
que se
pretende
em
definitivo
é
uma transformação de tôda a
ordem
social
e
especial
mente, das relações
entre
governantes e governados.
Até
hoje, o interêsse dos que governam
semp
re pareceu,
e nos atuais sistemas sem
pre
parecerá, contrário ao da
queles aos quais governam. Isso continuará sendo
assim,
e
nquanto o
homem perm
anecer individualiza- ·
do , enquanto a sociedade não
se
edificar à base de viu-
.culações autênticas entre os indivíduos.
Essa
transfor
mação será efetuada, antes, em cada uma das aldeias
comunais projetadas, expandindo-se, mais tarde,
para
at
ingir a totalidade. A comissão que dirige cada aldeia
'.'fo
rmará
um govêrno local permanente e habilitado ,
que não se oponha
às pe
ssoas governadas,
mas
este
ja
lntimamente vinculado com elas . Os problemas que
Owen
~ e n o m i n a
de
a
relação das novas instituições
com
o govêrno do país.e com a sociedade antiga con
tinuam a existir,
sem
sombra de dúvida; mas des
sa
de
nominação
a
sociedade' 'antiga
á se depr
eende,
e l a ~
ramente, que Owen imagina a nova sociedade crescen
do em m io
à antiga e
reno
vando-a
por
dentro. · Assim
sendo, diversas etapas evolutivas da nova sociedade de
verão coexistir, necessàriamel)te. Vamos encontrar um
exemplo característico nesse senti
do
,
no
projeto dos es
tatutos inspirado por Owen, da Associação de tôdas as
classes de tôdas as nações , fundada
em
1835,
que
logo
passou a se
chamar
o ~ . so_cialistas , denominação
q@
então surgia pela primeira vez. Das três repartições
dessa associação, as duas inferiores
não têm
outra fun
ção que a
de
sociedades
de
consumo,
ao
passo que a
terceira deverá constituir-se numa irmandade que forme
uma classe única de produtores e consumidores, onde
as
diferenças serão apenas de idade, e
onde
não haverá
sacerdot
es
advogados, militares, vendedores
nem
com
pradores . Isso, certamente, é utopia,
mas
do tipo
especial sem o qu
al
não há ciência capaz de transfor
mar a spciedade.
4
A trajetória evolutiva que vai de Saint-Simon a
Fourier e a Owen
não é um
processo cronológico. :asses
três homens, a quem Engels denomi
na
os fundadores
do
socialismo, exer
ceram
suas
at i
vidades mais ou menos
ao mesmo tempo; poder-se-ia dizer que, nessa evolução,
êles constituem fases de superação simultâneas. Saint
-Simon começa: a sociedade deve passar de
uma
ordem
dual
para outra
unitária; a direção de
co
nju
nto
deve
ser efetuada com base nas próprias funções sociais, sem
que
se lhe
sobr
eponha a ord
em
política, como camada
à
parte
de
essência diferente.
Ao
que
contestam tanto
Fourier como Owen, dizendo
que
isso
só
é possível e
permissível, a partir de uma sociedade que coordene a
produção e o consumo, isto
é,
que seja composta por
,unidades em
que
ambos se relacionem diretamente, e
por
comunidades menores
que
trabalhem em grandes
proporções
para
o própri9 consumo. A resposta .de
Fourier diz que
cada uma
dessas unidades deve
ser
cons
tituída como a sociedade
atua
l,
no
que se refere a bens
e necessidades dos indivíduos, m as passando do anta
gonismo para a h
ar
monia, ~ e i n t o entrosamento
'dos instintos e das atividades.
f resp
os
ta
de Owen, pelo
contrário, diz que a transformação da sociedade deve
rá
·operar-se
tanto
em sua
estrutura
tot
al, como
em
cada
uma de suas células: somente uma ordem justa em cada
unidade
poderá
servir de fundamento para uma ordem
justa total. Nisso consistem os alice
rc
es
do
socialiSmo.
5
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IV. PROUDHON
Quando as contradições d comunidade e d de
mocracia, uma vez descobertas, tiverem o mesmo des
tino das utopias de
Saint-Simon e de Fourier - escreve
Proudhon em 1844, numa carta - então o socialismo,
elevando-se ao
nív
el de uma ciência, o socialismo que
nada ma is é senão economia política, apoderar-se-á d
sociedade, impulsionando-a com poder irresistível para
o seu destino ulterior. . . O socialismo ainda não tem
consciência de
si
mesmo; êle hoje se chama
o m u n s
mo. A primeira frase recorda, em mais de um aspecto,
formulações ulteriores feitas por Marx. Três meses an
tes dessa carta ser escrita, Marx encontrara-se em Paris
com Proudhon, que era quase dez anos mais velho do
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que êle, e ambos mantiveram conversações
que se
pro
longavam até altas horas da noite.
Apesar de ,
Proudhon não
querer voltar aos sistemas
utópicos e de se
opor
firmemente aos princípios es
senciais dêsses sistemas, continuou, não obstante, com
a
linha evolutiva iniciada
por
êles.
Mas
retomou essa
linha
desde o início, d e s e n v ~ l v e n d o
num plano
mais
·«levado, em
que
todo o anterior
já
está, pressuposto.
:'-temorizava-o, porém, profundamente, a idéia de que
ele mesmo pudesse acrescentar um nôvo sistema aos an
teriores. Não tenho nenhum sistema - escrevia
em
1849 -
não quero nenhum, rejeito terminantemente
essa insinuação.
O
sistema da humanidade só será
conhecido no final da humanidade . . . o que me impor
ta
é conhecer êsse caminho e,
se
me fôr possível desbra
vá-lo. O verdadeiro Proudhon difere muito
do Prou-
dhon que Marx
combateu
em sua Polêmica
e antes
disso, numa
carta
dirigida a
um
_amigo russo; diÍere
do
homem para quem, como diz a
carta
categorias e
a_bstrações são os fatos primordiais ; "as fôrças impul
sivas
que
fazem a História , basta modificá-las
para
q ~ e ~ c o r r m modificaç,ões
na
vida real. Essa hegelia
mza
ça
o de Proudhon e totalmente gratuita. N.ingyém_procurou, mais sincera e vigorosamente
do
que Prou-
dhon, o segrêdo da realidade social de sua época. "As
categorias eco
nôm
icas ,
_ç,2(plica
Marx
em
sua
Polêmica
.
não
passam de expressões teóricas das relacões s o c i a i ~
da
pro
dução"; e .
fü
:oudoon, pelo contrário: considera
relações apenas como a encarnação dos princípios
teóncos. Quanto às relações sociais concretas - pros
segue Marx foram produzidas pelos homens, da
me
sma
maneira como os tecidos, as telas etc.
Com
ra
-
zão, escreveu Proudhon
na
margem de seu exemplar da
Polêmica:
E exatamente o
que
eu digo. -A_soç,iegade
produz as leis e os materiais de sua experiência . Numa
obra posterior,
O Princípio Federativo (1863),
quese
conta
entre os seus trabalhos mais maduros for
mula êle. o mesmo conceito
com outra
p e r s p ~ c t i v a
quando diz que a razão orienta o movimento histórico
p.11ra
: a lib:_rdade, m ~ s com a condição de que leve
em
.cons1deraçao a qualidade das fôrças e respeite as suas
JeiS .
O b o r r o ~ q u ~ Proudhon tem aos sistemas provém
de sua relaçao fundamental com a realidade social.
8
Ele vê essa realidade em suas contradições e contrastes
e não tem repouso enquanto
não
consegue compreen
dê-Ias e articulá-las. Proudhon era
um
homem que
tinha a fôrça e a coragem de submergir na contradição
·e
uportáAa._ Sem se
perde
nela como pretende Una
muno, que
por
esse motivo o compara a Pascal,
permanecia dentro dela o
tempo
necessário
para
com
preendê-la em
tôda
a.
sua
crueldade, o tempo neces
sário
para
resolver, mentalmente,
"a luta
dos ele
mentos, o antagonismo das antíteses , tempo que,
por
vêzes, se prolongava excessivamente, se tomarmos
em
consideração a brevidade da existência humana. O
que Unamuno diz de Pascal - que sua lógica não era
dialética, mas polêmica - pode-se dizer também de
Prcudhon
até
certo ponto; mas não se
pode
dizer. que
Proudhon - como
Unamuno diz
de Pascal - · não
procurava
uma
síntese entre a tese e a antítese. O
que ·F:roudhon procurava não 'era uma síntese no sen
tido hegelia
no
, ou
uma
negação da negação; êle busca
VI.
como diz
em uma carta de 1844,
i'des réso
lutions synthétiques de toutes les contradictions (r
e
soluções sintéticas para tôdas as contradições). Isso
significa
que
êle estava
à
procura de
um
caminho
que
pudesse conduzir
para
fora
do
labirinto das contradições
reconhecidas e consun.rndas, das antinomias sociaís,
como dizia êle, desto.cando
~ s s e
conceito da esfera
gnoseclógica de
Kant
para a sociológica.
Te
se
e
antíte
se
eram, para
êle, categorias
gue não
se encarnam
em
épocas históricas distintas; elas coexistem. De Hegel,
êle tomou
um
certo formalismo, .mas muito pouco de seu
conceito histórico. >rondhon
(a
d..es{leito de tôdas as
suas. incursões históricas) não
era um
pensador his
tórico, mas
um
crítico social; nisso residia s
ua fôrça
e também sua limitação. compreensão dos erros
c ~ n t i d o s
na
realidade social constitui,
para
êle, a pre
missa gnoseológica que o leva a encontrar o caminho.
J?aí
por
que desenvolvidas, negando-se a elevar qual
t1tendências desenvolvidas, negando-se a elevar qual
quer das duas ao absoluto.
"Tôdas
as idéias - es
creve êle
na
Filosofia
do
Progresso
(
1851) -
sJio _
falsas, isto
é,
contraditórias e irracionais, quando to
madas
numa
acepção exclusiva. e absoluta. ; tôda ten
dência à exclusividade, ao imobilismo, é uma tendência
à
ruínu. Assim como
não
se pode considerar a im-
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presc.ndibilidade da regência de algum fator espiritual,
também não se pode fazê-lo com os fatôres materiais.
PLQudhon não acredita ·numa cega providência te
rr
ena,
procurando salvar a hulJlanidade através de transforma-
ções técnico-materiais, nem num espírito humano au
tárquico que inventa sistemas absolutamente válidos
para impô-los aos homens.
Para
êle, o verdadeiro
caminho
da
humanidade consiste em libertar-se de
crenças errôn as no absoluto:, em e s c p ~ ao d o m í n i ~
da fatalidade. " O homem nao
quer
mais ser mecani
zado. Suas aspirações dirigem-se
para
a desfataliza
ção. Daí provém também a repugnância geral contra
tôdas as utopias
de
organizações políticas e
de
credos
sociais", e menciona como exemplos (185 ). Owen,
Fourier e o saint-simonista Enfantin, mas também
Auguste Comte.
Nenhum princípio histórico - afirma Proudhon
- pode resumir-se, suficientemente, num sistema espe
culativo. Todos êsses princípios precisam ser inter
pretados e podem ser interpretados exata ou errônea
mente, e as interpretações influem, direta
ou
indireta
mente, sôbre o destino histórico do princípio. A di
ficuldade, porém, é que em nenhuma época houve um
único princípio regente.
Todos os
_princípios - e s
creve Proudhon em sua
obra
póstuma sôbre cesarismo
e cristianismo -
sªo
conteÍnpQrâneos, tanto na Histó
ria ' como na razão. Sucede apenas que, em épocas
diversas, êles possuem fôrças diferentes, quando com
parados uns aos outros. Quando um princípio luta po r
sua hegemonia , é importante que êle entre na cons
ciência e atue sôbre a vonta
de
dos homens em tôda
a sua verdadeira essência, sem distorções. A " idade
social" anunciada com a Revolução
Franc
esa - idade
precedida por
um
período de transição, a
era
das
col')stituições", do mesmo modo como a época de
Augusto precede a era cristã, à guisa de renovação,
mas sem atingir a profundidade
da
existência -
carac-
teriza-se pelo predomínio
do
princípio econômico sôbre
o
da
religião e do govêmo.
:Bste é
o princípio que,
com
o nome de socialismo, tumultuará. a
Europa
com
uma nova revolução e que, após haver constituído a
república federativa dos Estados civilizados, organizará
a unidade e a solidariedade da espécie humana
em
tô
da a superfície do globo terrestre". O mais importante,
4
hoje, é compreender o princípi? e c o n ô ~ i c o em ~ u a ver
dadeira essência, a f m de ~ v 1 ~ a ~ conflitos fatais entre
êle e a distorção desse pnnc1p10, que usurpe o seu
conceito.
Como já dissemos, Proudbon não se Limitou a pros
seguir na linha evolutiva do socialismo "utópico"; êle
tornou a percorrer essa linha desde o início, mas de
modo que o anterior surgisse elaborado e reforma_do.
f:le não
parte
especificamente do ponto em que Samt
-Simon se dete'{e;
de
uma maneira nova, muito mais
am
pla e
que
pe_?etra muito mais
p r ? f _ . i n ~ a m e n t e .
na
realidade social, ele torna a fazer a
ex1genc1a
de Saint
-Simon, de
um
regime baseado
na
economia e determi
nado pela
sua
organização. Saint-Simon parti a
da
reforma do Estado; Proudhon, .da transformação
da
so
ciedade. Só...se_pode lograr uma verdadeira reforma
da sociedade, partindo de uma modificação radical das
relações entre a ordem social e a polític;a. Não se trata
· mais de substituir uma constituição política por outra,
mas de fazer
com
que, em lugar da organização políti
ca imposta autoritàriamente à socie?ade, ~ d v e n h a
organização proveniente da própria s o c i e ~ a d e . .A
causa primordial - · diz Proudhon -
de
todas as -
regularidades
que
afligem a sociedade.'
da
opressão
?o
s
cidadãos e da
ruína
das nações, reside
na
centraliza
ção exclusiva e hierárquica dos podêres públicos . . .
é.
preciso acabar o quanto antes com ê \se monstruoso
parasitismo." :Ble não explica desde quando e
por
que
essa necessidade se tornou tão premente, mas podei:e
mos complementá-lo, fàcilmente,
se
n?s a t i v c r ~ o ~ a
duas coisas.
}?,cimeira
. enquanto a sociedade foi rica
mente estruturada, enquanto se edificou sôbre diversas
comunidades e federações de comunidades, uma e ou-
tras de grande vitalidade, o Estado foi uma m ~ ~ a l h a
que obstruía a vista e impedia os passos, penmtmdo,
porém, que dentro de seu recinto a vida comunitária
espontânea
se
formasse e
se
movimentasse;
com
o em
pobrecimento dessa estrutura, o Estado foi-se converten
do em
cárcere. S ~ g u n d a : essa mesma sociedade,
po-
bremente estruturada, despertou-se na Revolução Fran-
cesa, adquirindo consciência
de
si mesma, consciência
de seu ser como sociedade, em contraste com o Estado
e, hoje, só pode esperar que sua reestruturação se pro:
duza, restringindo o Estado - essa ordem estranha a
4
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sociedade - ao exercício exclusivo das funções que
a própria sociedade não possa levar a cabo, e que a
direção dos negócios seja entregue em mãos da pró
pria sociedade trabalhadora, que criará os .seus próprios
órgãos. A delimitação
da
função do Estado
é
questão
de vida ou morte para a liberdade, tanto coletiva como
individual." Aqui já se percebe, claramente, que o
pensamento fundamental de Proudhon não é individua
lista. O que êle opõe ao Estado não é o indivíduo como
tal, mas o indivíduo em dependência orgânica
de
seu
grupo, sendo êste considerado como união voluntária
de indivíduos. "Des
de
a Reforma e, particularmente,
desde a Revolução Francesa, um nôvo espírito ilumi
na o mundo. Depois que a liberdade fêz frente ao
Estado e que seu ideal se propagou universalmente,
compreendeu-se que liberdade não é
um
problema
individual, e sim grupal." Nas primeiras obras
de
Proudhon, ainda prepondera uma espécie de indivi
dualismo, mas êle não ignora que: "Mediante o mono
pólio, o gênero humano tomou posse
do
globo. terrestre;
mediante a associação, se converterá em seu verdadeiro
amo". No curso
da
evolução de Proudhon, o indivi
dualismo, porém,
(a
despeito de .tôdas as ressalvas do
autor em favor
da
pr.opriedade rústica individual) re
trocede cada vez mais em face de uma concepção em
que as relações problemáticas entre a pessoa e a tota
lidade se equilibram através do grupo -; - comunidade
ou associação - amplamente autônomo e cheio de
vida, pela fôrça das relações· internas. Sem que Prou
dhon chegasse a expressar o ponto de vista estrutura
lista como tal, veremos que dêle se aproxima cada
vez mais: seu anticentralismo se converte, cada vez
mais, em comunalismo e federalismo (que, evidente
mente, como êle escreve numa
carta de
1863, "fervera
durante 30 anos em suas
veias ),
isto é, torna-se cada
vez mais estruturalis ta. A grande centralização -
escreve êle em 1860 - deve desaparecer, "substituída
por institu ições federalistas e por costumes comunais".
e notável, aqui, a combinação que êle faz das "insti
tuições" que pretende criar e das formas de comunidade,
os
costumes" que devem ser conservados. · Se obser
varmos a posição que Proudhon adota na questão do
sufrág
o
universal, veremos quão intensamente êle sen
tia o caráter amorfo da ordem
da
sociedade atual. O
4
sufrágio. universal - lemos no
o p ú s c t I ~
A
S o i u ç ~ o
do
roblema Social 1848) - é uma espec1e de atomismo,
por meio do qual o
l ~ g i s l a d o r
não
p o d e n d ~
deixar 9ue
0
povo fale como umdade corpórea, convida os cida
dãos a expressar sua opinião por cabeça, viritim da
mesma forma como o filósofo epicurista explica o
pensamento, a vontade e o entendimento, por ~ o m b i -
nações de átomos". O direito de
s u f r á ~ i o pr
ecisa de
um "princípio de o r g a ~ z a ç ã o , . como ?1sse P.roudhon
no discurso que profenu
na
Assemblé
ia
Nacional de
1848.
~ s s e
princípio só pode alicerçar-se sôbre uma
estruturação efetiva da sociedade. A conservação d o ~
grupos naturais - escreve Proudhon. 1863 - e
de suma importância para o exercício da faculdade
de sufrágio: é o pré-requisito essencial do voto Sem
ela, toma-se impóssível a franqueza, a espontaneidade
e a significação clara e
i n e q ~ í v o c a d ? ~
votos . .: A
destruição dos grupos naturais,
na
atividade eleitoral,
seria a destruição moral da própria nacionalidade, a
negação da idéia revolucionária." A fundamentação
amorfa das eleições tem
por
objetivo nada menos
do
que a extinção
da
·vida política das, cidades,
o m ~ n ~ s
e departamentos, pretendendo, atraves dessa destnuçao
de tôda autonomia municipal e regional, deter a expan
são do sufrágio universal". O corpo
da
nação fica en
tão reduzido a um conglomerado de moléculas, a um
"monte de
pó
conduzido
por um
pen 'amento superior
a êle, o pensamento central. Procurando a
u n i d a d ~
sacrificamos a própria unidade". Somente q u a n ~ o for
expressão de uma estruturação b a s e a d ~ na r e ~ h ? a d e
o sufrágio universal, que atualmente e a asfma da
consciência pública, o suicídio da soberania do povo .
se tornará racional, moral e revolucionário. Antes, po
rém, é preciso que se "organize uma ? i ~ t ~ i ? u i ~ ã o equi
librada dos serviços e
se
anulem os pnvileg1os· . r o u -
dhon não ignora absolutamente que,
para
o federalismo,
o
verdadeiro problema não
é
o político, mas o eco
nômico". A fim de tornar a confederação indestrutí
vel" diz êle convém esclarecer que o direito econô
m i c ~
é
a " b ~ s e do direito federativo e
de
tôda ordem
política". A transformação
do
direito econômico de
penderá
da
resposta a duas perguntas que se i m p o r ã ~
às associações dos trabalhadores: se o trabalho, por s
mesmo, pode financiar as emprêsas como u a l m e n t e
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o faz o cafpital e se a propriedade e a direção
da
s
emp
rêsas podem ser coletivizadas. Da resposta que
se der a essas duas perguntas - diz Proudhon em seu
notável livro
Manual do Especulador da Bôlsa ( 1853)
- dependerá todo o futu ro dos trabalhadores. Se a res
posta
f ô ~
afüma
tiva
1
um
nôvo mundo
se abrirá para
a humanidade; s.e for negativa, o proletário já sabe o
que o espera. Que se encomende a Deus e à
lg reja, pois neste vale
de
lágrimas
não
há espeqmça
para êle. O projeto de Proudhon para a resposta
afirmativa
é
o mutualismo
em
.
sua
forma
mad
ura.
Existe mutualidade, reciprocidade - escreve êle -
quando numa indústria todos os trabalhadores
ao
i nvés de
trab
alharem para um empresário que lhes ~ a g a
f 1 c a ~ d o
com
seu produto, trabalham
uns para
os outros,
fabncando um
produto co
mum, cujos lucros dividem
entre si. Estendamos, agora, o princípio de mutuali
dade
que une
o trabalho
de cada
grupo às associações
de trabalho concebidas como unidades, e teremos criado
u ~ n a
form31_
de
c i v i l i ~ a ç r i o
que, de qualquer ponto de
vista, pohtico, econom1co ou estético, se distinguirá
totalmente das civilizações anteriores. Esta é a so-
lução do problema que Proudhon formula da seguinte
maneira: ) odos associados e todos livres . Mas
para que
isso
se
dê,
é
preciso que a associação
não se
converta em sistema impôsto; pelo contrário, os homens
só devem associar-se às cooperativas
de
trabalhadores
como rebanhos de
produção
- escreve
Proudhon
em
1864 -
quando as exigências
da
produção, o baratea
mento dos produtos, as necessidades de consumo e a
segurança dos próprios produtores o requeiram . As
s o c i a n d o ~ s e dessa ? 1 ª ~ e i r a os trabalhadores estarão ape
nas
a,propna raison d s choses
e poderão, em
consequencia, conservar sua liberdade no seio da as
s o c i a ç ã ~ " · ~ e n d o
esta
sua
maneira de pensar, Prou
dhon so podia opor-se, em 1848, às oficinas sociais
f i n a n c ~ a d a s pelo Estado, exigidas
por
Louis Blanc
(e,
posteriormente, por LassaJle em têrmos análogos). Ne-
las, P r o u d h ~ n só.vê uma nova forma de centralização.
Dessa maneira, diz ele, haveria um número
de
grandes
a s s o c i ~ ç ? ~ onde o operariado ficaria arregimentad
e, def1mt1vamente , escravizado pela razão de Estado
fraternidad_e, como neste momento está prestes a
se-lo pela razao
de
Estado
do
capital. O que ganha-
riam
com
isso a liberdade, a feJicidade geral, a civili
zação? Nada. Teríamos apenas mudado os grilhões
e a idéia social
não
teria caminhado um pass
o;
conti
nuaríamos a estar sob o mesmo domínio arbitrário,
para
não dizer sob o mesmo fatalismo econômico .
Proudhon exprime, aqui, a concepção que tornamos a
encontrar vinte anos depois, em form teórica, na gran
de
obra de
Gierkc. Somente a associação livre -
diz
Gierke - · cria comunidades onde subsiste a liberdade
econômica. Os organismos
que
surgem por iniciativa
e estruturação
de
seus próprios
mem
bros elevam, junta
mente
com
a vida
com
unal reconstituída, a vida indi
vidual de seus membros.
Conseqüentemente, o centralismo comunista tom
;1
para Proudhon, um aspecto de variante do absolutista,
levado a
um
monstruoso e desapiedado grau de perfei
ção. :Bsse sistema ditatorial, autoritário e aoutriná
rio
parte
do princípio de que o indivíduo está subordi
nado, por natureza, à coletividade. Somente dela pro
vém o seu direito à vida. O cidadão pertence ao
Estado como o filho à família, está em seu poder e sob
seu domínio, in manu e lhe deve submissão e obediên
cia em tôdas as coisas . Por tudo isso se compreende
que
Marx (numa
frase destinada à
Polêmica
onde aca
bou não sendo incluída) tenha afirmado que Proudhon
é incapaz de compreender o movimento revolucioná
rio , assim como se compreende, igualmente, que Pro u
dhon (numa anotação de seu diário) se refira a Marx
como tênia
do
socialismo .
No
sistema comunista,
o patrimônio coletivo acabará com tôda propriedade,
tanto a pessoal como a comunal e corporativa; a asso
ciação universal acabará absorvendo tôdas as associa
ções particulares, a liberdade coletiva por devorar tôdas
as liberdades corporativas, locais e privadas. 'Em
1864,
Proudhon define -o sistema político do comunismo cen
tralista
com
estas memoráveis
pa
lavras: Uma demo
_cracia compacta, aparentemente baseada
na
ditadura
das massas,
mas
onde estas não têm mais poder que
o necessário para assegurar a submissão geral, de
acôrdo
com
as seguintes fórmulas e princípios tomados
do antigo absolutismo: Indivisibilidade
do
poder pú
blico; centra
Hzaç
ão absorvente; destruição sistemática
ele todo pensamento individual, quer corporativo quer
local, por . considerá-lo agente destrutivo; polícia in-
5
/
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quisitorial .
Proudhon
pensa
que
não estamos muito-
11 distantes do comunismo centralista puro, tanto político
como econômico,
mas
está convencido de 'que, após
uma
última crise, à invocação de novos princípios, terá
início um. movimento em sentido contrário .
O livro (concluído pouco antes
de sua morte) onde
figuram essas palavras e ao qual Proudhon atribuía
especial importância como exposição
da
idéia tia nova
democracia , intitula-se
Da Capacidade Política das
Classes Operárias e sua redação, co'nforme êle diz, foi
inspirada no Manifesto dos Sessenta proclamação elei
toral de
um
grupo
de
operários,
cuja
maioria
era
parti,.
dária das idéias de Proudhon ( 1861). f:sse manifesto
é
o quarto
na
série dos quatro Manifestos socialistas
(o primeiro é o Manifesto
clo S
Iguais de Babeuf, o se
gundo o do fourierista Considérant, o terceiro o
Ma-
ni
sto
Comunista
e é o primeiro saído das fileiras
do próprio proletariado. Nessa declaração, em que
Proudhon
saudava um
despertar
do socialismo' .
na
Fran
ça e uma revelação
da
consciência corporativa
na
classe operária, pede-se, entre outras coisas, a insti
tuição de uma Câmara sindical,
mas
não - como em
estranho ofuscamento propuseram alguns (aqui rea-
parece a concepção
de
Saint-Simon) - composta de
patrões e operários: O que pedimos é uma câmara
composta, exclusivamente, de operários eleitos através
do
sufrágio universal,
uma Câmara
do
Trabalho .
Essa
exigência evidencia, nitidamente, a evolução
que se
pro
cessou
no
pensamento social desde Saint-Simon até
Proudhon.
Na
senda que vai
da
concepção de uma reorgani
iação da
sociedade à çoncepção
de sua
reestruturação,
Proudhon deu o passo decisivo: Constituição indus
trial'' não significa ainda estrutü.ração, mas federa
lismo
já
a implica.
· Proudhon distingue dois_ tipos de estrutura que
se
entrelaçam: a econômica, ou seja, a federação
de
gru
pos de trabalho , denomfuada por êle federação agro
-industrial'', e a política,
que se
baseia
numa
descentra.:
lização
do
poder,
na
divisão
da
autoridade, na conces
são
da
maior soberania·possível às comunas e corpora
ções regionais,
na
substituição -
até
onde fôr possível
-
da
burocracia, por uma gestão
de
negócios mais
elástica, mais direta, que brote orgânicamente dos gru;
6
pos naturais. A ' ciência constitucional pode ser resu
mida, segundo Proudhon, três postulados.
: 8
preciso:
1
Q
formar grupos reduzidos, relativamente soberanos,
e uni-los em corporações; 29 __ _ organizar o govêrno
em
cada Estado federado, separando
os
diferentes ór
aãos, o
que
significa: dentro
do poder
público, dividir
que
possa ser dividido, determinar o
que
possa
ser
determinado, distribuir,
entre
dive.rsos órgãos ou fun
cionários, tudo o que tenha sido dividido ou determina
do, rodear a administração pública
de
tôdas as condi
ções propícias ao contrôle público; 39 -
ao
invés de
dissolver os Estados federados ou autorhlades provin
ciais e municipais,
numa
autoridade central, f ~ z r com
que esta se limite a cuidar
da
iniciativa geral e da ga
rantia e vigilância mútuas . A vida da · sociedade se
consuma na fusão
de
pessoas em grupos e
de
grupos em
federações. Assim como vários homens
que
unem os
seus esforços produzem
uma
fôrça coletiva superior em
qualidade e intensidade à soma de suas respectivas fôr
ças, assim também vários grupos de
tr
_balho, relacio
nados entre si
por
intercâmbio,
produzem uma
potência
de ordem superior que deve ser considerada, particu
larmente, como sendo o poder social . Mutualismo,
organização
da
economia baseada
na
reciprocidade de
serviços e federalismo, organização
da
ordem política
baseada na irmandade dos grupos, são só dois dos as
pectos
da
mesma estrutura.
Med
iante o agrupamento
das fôrças imlividuais e a vinculação entre os grupos,
tôda a
nação
adquire figura corpór
ea.
E as nações
constituirão uma verdadeira hui:nanidade, como federa
ção de federações.
Proudhon
ocupou-se do probl
ema
de como concre
tizar a idéia de descentralização, especialmente em sua
Teoria do
Regime
Fiscal (
1861 ) , onde êle afirma
não
ignorar ·que a centralização política
tem as
suas vanta
gens, mas em troca
de
sacrifícios. Ela deslumbra a
nação, não
só por
satisfazer à vaidade coletiva,
mas
porqu
e
a razão
das criaçças e
do
povo
procura
em
tudo a. unidade, a simplicidade, a uniformidade, a iden
tidade, a hierarquia, assim como o támanho e a massa ;
por isso é que a centralização, de cujo modêlo nasce
ram tôdas as nações antigas,
se
converteu
em
meio
eficaz de disciplina. O povo gosta
1
de idéias simples
tem
razão. Infelizmente, essa simplicidade só pode
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ser encontra
da
nas coisas elementares e o mundo, a
sociedade e o homem compõem-se
de
elementos
i n d i s
solúveis, de princípios o p o s t ~ s e
de f ô r ç ~ s a n t a ~ ô ~ c . a s .
Organismo significa ~ o m p l e ~ 1 d a d e , p u r ~ b d a d e
s1gnif1ca
contradição, antagonISmo, mdependencia. O sistema
centralista pode ser ~ m i t o bonito por sua ~ a n d ~ z a
simplicidade e expansao, mas falta- lh
e
uma coisa:_ nele,
0
homem
não mais se pertence a s1 mesmo, nao
se
sente, não vive,
não
é tomado em consideração. A
idéia, porém, e a exigênc
ia de_ um
sistema que
homem
possa pertencer-se a
s1
mesmo, sentir-se
s1
mesmo e viver de um sistema que o tome em conside
ração como
i ~ d i v í d u o , não
se acha relegada à livl'e
especulação, mas está ligada aos fatos e
t e n d ê n c i ~ s
de
nossa realidade social.
No
moderno Estado consti
tucional, os diferentes grupos não necessitam de or
dens
para
realizar muitas coisas; êles são capazes de
se reger a si mesmos, sem outra inspiração que a
de
sua
consciência e de sua razão .
Em
qualquer Estado or
ganizado, segundo os princípios do direito moderno, a
ação do govêrno vai sofrendo uma diminuição progres
siva
uma
descentralização.
Uma
evolução paralela
p o d ~ ser observada
na
economia. O progresso
da
téc
nica em nossa era (questão a que Proudhon
já
alude
em 1855, em sua obra sôbre a reforma do sistema fer
roviário, mas que só se atualizou muito depois de sua
morte com
a
motorização do transporte e o projeto
de
eletrificar a produção) tende a tornar desnecessária a
concentração · da população em grandes cidades; co
meça a processar-se a dispersão das massas, assim como
seu reagrupamento . O pêso político terá que pas.sar,
paulatinamente, das cidades para os novos grupos
agrícolas e industriais .
Proudhon, contudo, não é absolutamente
de
opi
nião q
ue
o processo
de
descentralização_ já esteja ma
duro nos diversos setores; pelo contrário: no terreno
político, êle observa
na
consciência .e
na
~ o n ~ a d e
do
_
homens um movimento oposto,
de im
portancta trans
cendental. Uma febre de centralização - escreve êle
em 1861 - invade o mundo; dir-se-ia que os homens
estão cansados do que lhes resta
de
liberdade e não têm
outra aspiração senão perdê-lo . . . Será a necessidade
de autoridade que se manifesta por tôdas as partes, o
fastio
da
independência
ou
apenas a incapacidade
de
8
reger a si mesmo? Contra essa febre , contra
~ ~ s a grave enfermidade do espírito hun_iano não
há
ou
tro remédio senão as fôrças construtivas, reestrutura
doras que regem o que
há de
mais profundo no home
m.
Sua
~ x p r e s s ã o
é . a
I ? ~ i a , da
qual diz
P r ~ u d h o ~
final
de uma obra
pohttca datada
de
1863: Essa ideia
exjste,
á
está circulando , mas é preciso
q ? ~
ela
s a ~ a
das entranhas
da
situação
para
poder
adqomr
potencia
realizadora.
Na
magnitude
de
seu intelecto, Proudhon, de modo
algum, supunha que essa .situação estivessAe i ~ i n e ~ t e .
Por algumas
de
suas cartas, sabemos como ele tfi';agma
va o futuro imediato: Não nos enganemos mais: A
Europa está cansada de orden;_i e de pensamentos; : ia
está ingressando
na era da
força bruta, do desprezo
pelos princípios . E
na
mesma carta:
E
então será
deflagrada a guerra entre as seis grandes nações .
Alguns meses depois: Virão os massacres e a pros
tração que
se
seguirá a êse derramamento
de
sangue
será espantosa. .
Não
veremos os feitos
da
nova era,
estaremos lutando
na
noite. Devemos estar preparados
para suportar essa vida sem demasiada tristeza, cum
prindo com .o nosso dever. Socorramo-nos, apelemes
uns aos outros nas trevas e, sempre que houver ocasião,
façamos justiça .
E
encerrando: Atualmente, a civi
lização se encontra numa crise que
tem uma
única ana
logia
na
História: a crise
que
determinou o advento do
cristianismo. Tôdas as tradições estão esgotadas, tôdas
as doutrinas
de fé
abolidas.
Por
outro lado, o nôvo
programa ainda não está pronto quero dizer, ainda ~ ã o
penetrou na consciência das massas; eis o que conside
ro como decomposição. ~ s t e é o momento mais cruel
na existência das 'sociedades . . . Abrigo muito poucas
ilusões e não tenho esperanças
de
que, amanhã. como
por um passe
de
mágica, ressuscit; a
l i ~ e r d ~ d e . :
.
Não, não; a decadência>
por um
penodo CUJO ftm
nao
posso calcular e que não durará menos
de uma
ou duas
o-eráções tai é a nossa sina. mim, tocará ver s o ~
'
.
Md
mente o mal; morrerei em me10 as trevas . as e-
. vemos cumprir o nosso dever . Nesse mesmo .ano,
escreveu ao historiador Michelet:
Só poderemos se
guir avante., através de uma revolução total nas idéias
e nos corações. Você e eu estamos trabalhando nessa
1 \ e v o l ~ ç ã o ;
êste será o nosso orgulho perante a poste.ri-
. 9
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dade, se esta se lembrar de nós' '. Oito anos antes,
ante a proposta de um amigo para que emigrasse aos
Estados Unidos, respondera nos seguintes têrmos: Di
go-lhe que é aqui, sob o sabre de Bonaparte, sob a
férul-a
dos
jesuítas e sob o binóculo da polícia, que
teremos de trabalhar pela emancipação .do gênero hu
mano. Não há, para nós, céu mais propício nem
·terra mais fértil .
Como Saint-Simon, embora com maiores detalhes
e muito maior precisão, Proudhon colocou, em primeiro
plano, o problema da reestruturação da sociedade, sem
tratá-lo como tal. E assim como Saint-Simon não le
vantou a questão das unidades sociais que poderiam
se,rvir de células para uma nova sociedade, também
Proudhon a deixa essencialmente em suspenso, embora
dela se aproxime muito
mais.
Com Saint-Simon são
os contemporâneos, com Proudhon, os sucessores, que
irão fazer dêsse item o objeto principal de seus planos
e investigações.
O fato de Proudhon não
se
haver ocupado mais
intensamente do problema deveu-se, principalmente, .
à
sua reserva p a r ~ com a associação , uma panacéia
uniforme decretada pelo Estado para todos os males da
sociedade, como foi o caso, por exemplo, da proposta
de Louis Blanc: oficinas sociais que, tanto na indús
tria como na agricultura, seriam fundadas, financiadas
e fiscalizadas· pelo Estado. Não obstante, devem.os
observar
que
as proposições de Louis Blanc -
se
não
por sua intenção, pelo menos por seu caráter - são
socialmente estruturais:· da solidariedade de todos os
trabalhadores na mesma oficina êle passa par a a. so
lidariedade das oficinas numa mesma indúStria e,
daí, para a solidariedade das diversas indústrias. Além
· i s s o êle vê a associação agrícola baseada na união
da ·produção e do consumo: para atender às necessi
dades de todos - diz êle em sua rganização do Tra-
balho (1839) - seriam reunidos os produtos do tra
balho. de todos , que é a forma _omo êle
vê
a possibili-
.dade imediata de uma aplicação mais .radical e completa
do
sistema
da
associação fraternal . As dúvidas de
Proudhon são, como já dissemos, reservas contra
unta nova razão de. Estado , ou seja, contra a·unifor
midade, contra a exclusividade, · contra a coação. A
·for ma associativa lhe parece mais indicada para a
in:..
5# ·
ctústria do que para a agricultura, onde êle queria
conservar a classe camponesa. A despeito
de
tôdas
as
transformações de suas idéias e projetos, neste ponto
manteve-se fiel a um único princípio: o legítimo pro
prietário do sol_ô é aquêle que o cultiva.) E, mesmo na
indústria, a forma associativa só seria aplicada aos
ramos adequados para isso e para determinadas fun
ções. Ele se negava a equiparar uma reorganização da
sociedade com sua uniformização; para êle, ordem sig
nifica a ordem justa da diversidade. Eduard Bernstein'\
tem razão quando diz que Proudhon negava à associa
ção essencialmente monopolista o que concedia à as
socjação mutualista.
·Proudhon tinha
um
horror pro
fundo a tudo o que vie.sse de cima'', ao que en
\
i1_11..Pôsto ao povo, ao dotado de privilégios. Nesse
contexto, êle temia a proliferaç.ão de novos egoísmos
coletivos, que lhe pareciam mais perigosos do que os
indivíduos. Ele bem via o perigo que ameaça tôda
associação produtora que produz para o mercado livre:
ela corre o risco de
ser afetada pelo espírito do capi
talismo,.pela exploração desapiedada das oportunidades
e conjunturas. Essas dúvidas eram muito pesadas. Ti
nham suas raízes na convicção básica de Proudhon de
que
só
a justiça vincula e equaliza a liberdade com a
ordem, convertendo-as no critério de um socialismo ge
nuíno. (Segundo êle, há duas idéias: a da liberdade
e. a da unidade ou ordem.
:f:
preciso decidir-se a viver
com as duas, equilibrando-as . O princípio que pode
realizar êsse equilíbrio chama-se justiça.) Mas a forma
estrutural da futura sociedade anunciada por Proudhon,
estrl;ltura por meio da qual ,se consegue o equilíbrio
da liberdade e da ordem e que chamava de federalismo,
exigia que êle não só se ocupasse (como fêz) das
grandes unidades que haveriam de
se
federar, das na
ções, mas também .das unidades pequenas, cuja fusão
federativa constituiria a nação. Proudhon não preen
cheu êsse
r ~ q u i s i t o .
Ele só· poderia tê-lo
p ~ e e n c h i 4 o
se, partindp dêsse problema, tivesse procurado a res
posta· às suas próprias dúvidas, isto
é, se
tivesse dedi
cado o melhor
de
seu pensamento ao problema de como
se
deveria fomentar e organizar a associàção para,
se
não eliminar, pelo menos atenuar o perigo que nela se
?culta. Come :> não o fêz em grau su{iciente, por mais
importante que seja o passo· dado nesta direção com o
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seu princípio do mutualismo, não encontramos nêle uma
resposta satisfatória
à
nossa pergunta: Quais as uni
dades que devem federar-se numa legítima ordem po
pular? ou melhor: Como devem ser constituídas as
unidades para que possam federar-se numa legítima or
dem popular, numa nova estrutura social justa? Assim
sendo, ao socialismo de Proudhon falta
um
elemento
essencial. Ficamos sem saber se as unidades sociais
subsistentes, inclusive aquelas que ainda conservam seus
antigos princípios geradores, serão capazes de formar,
em seu estado atual, uma associação
justa-
e se
··
as
unidades novas o serão, caso não intervenha nelas,
desde o momento de sua criação, essa combinação de
liberdade e de ordem, como estímulo e como prinCí
pio configurador.
5
V. KROPOTKIN
Neste ponto 'entra em ação Kropotkin. Nascido
na
época - há cem anos - em que Proudhon come
çava a desfechar sua luta contra a injustiça da proprie
dade privada, a propriedade como roubo , êle acei
t_u,_deliberadamente, o legado de Proudhon
para
am·· -.
p ~ l o .
Ao
aceitá-lo, porém, simplificou-o, em parte,
de maneira fecunda e favorável para a causa. Consiste
a simplificação em atenuar a visão que Proudhon tinha ·
das contradições, o que
é
uma perda;.ao mesmo tempo,
contudo, transfere-o para
b
âmbito da História,
o
que
é uma vantagem. Kropotkin
não
é um historiador;
mesmo quando pensa historicamente êle não passa,
no fundo,. de um geógrafo social, de um cronista das
5
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I
1
situações e das condições da terra, que pensa histori
camente.
Kropotkin simplifica a Proudhon estabelecendo,
ao invés das múltiplas antinomias sociais , a simples
oposição entre os princípios da luta pela existência e
da ajuda mútua. :Ble procura fundamentar biológica,
etnológica e historicamente essa oposição de princípios.
Historicamente, êle a
vê
(influenciado, ·sem dúvida, pe
la exposição da dualidade histórica de Kireievski, de
1852) condensar-se, por um lado, na ordem coercitiva
do Estado e, por outro, nas múltiplas formas de asso
ciação: comarcãs, municipais, gremiais, corporativas e,
assim sucessivamente, até às formas modernas de asso
ciação. Numa formulação (de 1894) exagerada e des
tituída de fundamento histórico, Kropotkin expõe essa
oposição
da
seguinte maneira: O Estado é uma pro
gressão histórica que, em determinada época da vida
de todos os povos, começa a suplantar, lentamente, as
livres confederações de tribos, municípios, uniões de
tribos, aldeias e agremiações de produtores, proporcio
nando um apoio colossal
às
minorias, a
fim
de escravi
zar as massas; é a essa progressão histórica e a tudo
o que :dela deriva que combatemos . Alguns anos mais
tarde (na obra A Ciência Moderna e a Anarquia cuja
edição francesa completa foi publicada em 1913),
Kropotkin encontrou uma _formulação mais correta,
mais em conformidade com os fatos históricos. Atra
vés de
tôda a História
de
nossa civilização - diz êle -
confrontaram-se duas tradições opos.tas, duas tendên
cias: a romana e ·a popular; a tradição imperial e a
federalista; a tradição autoritária e a libertária. E, em
vésperas
da
revolução social, essas duas tradições tor
nam a se
co
nfrontar. Aqui (certamente por influência
de Gierke, que denomina os princípios antagônicos de
domínio e livre associação), êle apresenta, a par de
uma.
p e r s ~ e c t ~ v a
histórica, o ponto de vista de que o
c?nfhto histórico entre os dois podêres espirituais con
tmua a processar-se . ambém no seio
do
movimento so
cial: entre o socialismo centralista e o federalista.
o
conceito de Estado de Kropotkin é, obviamente,
muito ilmitado. :Sle não hésita em identificar o Estad()..
centralista com o Estado em geral. Na História,
t e m o ~
não apenas o Estado como torquês que destrói a essên-
54
eia das pequenas associações, mas também o Estado
como estruturá dentro da qual estas se agrupam; não
somente o grande Leviatã , cuja autoridade, segundo
Hobbes, é baseada no terror, mas também a grande
mãe
nutrit. nte que amamenta carinhosamente seus fi
lhos, as comunidades; não somente a machina machi-
n rum
que converte tudo o que lhe pertence em acces
sórios mecânicos, mas também a communtcas commu·
nitatum a fusão das comunidades, onde os membros
que as integram podem desenvolver uma vida própria
e autônoma,
em
comum . Por outro lado, Kropotkin
está certo quando diz que o nascimento do Estado cen
tralista moderno (que êle apresenta, errôneamente, co
mo o Estado em si) não é anterior ao século XVI, à
época em que
se
consumou a derrota das cidades li
vres , através da anulação de todos os ontratos livres:
comunidades de aldeia, ligas ae artesãos, irmandades,
confederações da I d a d Média . O inglês Maitland,
historiador do Direito, escreve: Podemos afirmar com
certa segurança que, em fins
da
Idade Média, operou-se
uma grande mudança nas idéias referentes aos agrupa
mentos dos homens . Foi, então, que o Estado abso
luto
se
confrontou com o indivíduo absoluto . Como
diz Gíerke,
o
Estado soberano e o indivíduo sobe(ano
entraram em luta para definir os limites de seu direito
natural e tôdas as corporações
i n t e r m e d i á r i a ~
foram
rebaixadas à condição de estnituras legalistas
e
mais
ou menos ~ r b i t r á r i a s até serem, finalmente, completa
mente destruídas . Por fim, resta apenas o Estado so
berano que, à méàida que se vai tecnicizando, devora
a tudo o que é vivo. Tudo o que é orgânico &ucumbe ·
ante o mecanismo de comando rigidamente centrali
zado, edificado a expensas da inteligência humana, que
pode ser dirigido com o simples movimentar de uma
alavanca no painel de distribuição . (Assim descreve
Carl Schmitt, o engenhoso intérprete do totalitarismo,
ao Leviatã.) Aquêle que considera mais importante
não a segurança dos indivíduos - finalidade para a
qual o Leviatã é tido como jndispensável - mas a
renovação da substância comunitária do gênero huma
no,
terá
de
combater tôda doutrina que defenda o cen
tralismo. Não há superstição mais perigosa - diz
Figgís, o historiador da Igreja - que o atomismo polí-
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ocorreu há sete séculos com os mineiros alemães - a
História nos adverte que,
na
nova estrutura social,
preocupemo-nos restringir o egoísmo coletiv.o. Kro
potkin não é
eego
-a êsse perigo. :E.le ~ a b e , por
exempl_o
(em
MutuaLAid, 1902),
que o· movunento cooperati
vista moderno, cujo caráter, em SU3;8 origens, era essen
cialmente de ajuda mútua, muitas vêzes degenerou num
"individualismo de capital
por
ações", .fomentando um
"egoís
mo
cooperativo".
Kropotkin viu, com absoluta clareza, aquilo a que
Proudbon
já
se referira: que
uma
comunidade socialista
só pode edificar-se com base
numa
dupla união inter-
/ comunal, ou seja,
na
federação de comunidades regio
nais e
na
federação de comunidades de trabalho, que
possuam, entre si, numerosos· pontos
de
contato e de
apoio - ao que êle, às vêzes, acrescenta
um
t e r c ~ i r o
princípio: o agrupamento comunal que
se
. efetua por
livre e espontânea vontade. em sua autobiografia
(1899)
que êle descreve melhor o quadro
da
nova
sociedade,
na
passagem em que se refere às concepções
básicas
da
"Federação
do
Jura'', organização anarquis
ta-comunista, fundada por Bakunin, da qual Kropotkin
participou em
1877
e nos anos subseqüentes.
Nas
atas
da
Federação
do
Jura não encontramos. nenhuma for
mulação que se possa comparar às suas, e é
de
pressu
por que as idéias
de
Bakunin, que nunca foram es
boçadas a não ser de passagem,
só
tenham atingido essa
maturidade no espírito
de
Kropotkin com o decorrer
dos anos combinando-se às de Proudhon. "Nas na
ções civilizadas, - escreve êle em sua autobiografia
- observamos o germe
de uma
novà forma social que
deverá substitu
ir
a antiga Essa sociedade será cons
tituída p r grande número
de
associações, que
se
unirão
para tudo quanto requeira um esfôrço comum: fede
ração de produtores para todos os tipos de produção,
comunidades
para
o consumo, federação dessas comu
nidades entre si e federação das mesmas om os grupos
de produção; finalmente, grupos mais amplos que
abrangerão todo
um
país e até mesmo vários, consti
tuídos por pessoas que trabalharão em conjunto
para
suprir necessidades econômicas, espirituais e artísticas,
que não estejam delimitadas a
um
determinado territó- ·
rio. Todos êsses grupos associarão os seus esf?rços por
58
eio de um acôrdo mútuo . . . Será estimulada a inicia
~ v a pessoal e-combatida
tôd_a
tendência à . u n i f ~ r m i ? a d ~
e à centralização.
E s s ~ s o c 1 e d ~ d e ,
a d ~ m a 1 s , .
nao
~ 1 c a r a
enrijecida
ell?-
formas fixas e
~ m u b v e 1 s
pois s7 ra
um
oraanismo vivo, em desenvolvimento constante. Nem
uoftormidade nem fixação definitiva; tal
é
o sadio sen
timento fundamental
de
Kropotkin. Deve-se aspirar,
como êle diz (
1896) ,
ao
ma
is completo desenvolvi
mento da individualidade, associado ao máximo desen
volvimento
da
livre associação, em todos os.
a s ~ e c t o ~ ,
em todos os graus possíveis,
para
todos os fms imagi
náveis:
uma
associação em mutação constante, que tra
ga em si mesma os elementos
de
sua continuidade e
que melhor se .adap:em _ no momento, ao múltiplo
fôrço
de
todos".
E,
a guisa de complemento, Kropotkin:
ainda insiste em 1913: "Imaginàmos a estrutura da so
ciedade como um todo que jamais chega a constituir-se
definitivamente".
Uma estrutura dêsse gênero significa: extrair
do
povo o máximo espontaneidade social e política pos
sível
no
momento. ~ s s e sistema, que Kropotkin deno-.
1ninou de comunismo (nome usurpado pela "negação
de
tôda
liberdade", impugnada por Proudhon) e ao
qual seria mais exato. e s ~ g n a r de "comunismo
e d e ~ ~ -
lista",
"I 2..
p.Qde ser imposto. Sem a
c o l a b o r ~ ç a ~ d i ~ -
ria e contínua
de
todos, êle
não
pode subsistir; .ficana
asfixiado
numa
atmosfera de coação oficial. Con ;e
qüentemente, se não criar um contato permanente entre
todos visando a -solucão de milhares e milhares de as-
'
.
-
suntos comuns, êle não pode existir, assim como
não
poderá sàbreviver se as mais minúsculas unidades -
a rua,. o bairro, o distrito, o município L
não
tiverem
vida local e independente". O socialismo terá que en
contrar sua própria forma de relações politic.as. . .
uma maneira
ou
de outra, êle terá
de
ser mais popular
e estar mais próximo ao Forum
do
que o regime
pàr-
lamentarista.
Terá
g_ue depender menos da rcpresenta
cão e se tornar mais self-governmen.t . Particularmente
;leste ponto, vemos que, o que Kropotkin realmente
combatia não era o sistema estatal em si, mas o sistema
. . \
atual em tôdas as suas formas e q u ~ sua anarquia ,
·como a de Proudbon,
é
antes
uma
acracia, ou seja, au
sência de domínio, não de govêrno.
A
anarquia, -
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escreveu Proudhon em 1864 numa carta - se é que
posso
me
exprimir nesses têrmos,
é
uma forma de
o-
vêrno ou organização,
na
qual o princípio de autorida
de, as instituições policiais, as medidas preventivas e
repressivas, a buroGracia, o regime fiscal etc., ficam
reduzidos à sua expressão mínima . Essa, no fundo,
é
também a
op
inião
de
Kropotkin. Como nos indicam
as importantes P,alavras menos (representação) e
mais
(self-government) ,
êle sabe que, quando existe
uma
vontade autêntica
de
reestruturar a sociedade, não·
é
a aplicação de
um
princípio abstrato o que importa, e
sim dirigir sua realização, reconhecer os limites que as
ci
rcunstâncias momentâneas impõem à execução
da
obra, limites que especificam o que deve e o que pode
ser feito.
~ l e
sabe o quanto deve ser intensa e pro
funda essa vontade: tôdas as relações entre os indiví
duos e entre as multidões podem ser acertadas . Mas,
êle sabe também que isso só poderá ser alcançado se
se despertar
ao
mesmo tempo a espontaneidade social,
indicando-lhe a direção em que possa desdobrar-se.
Que uma transformação decisiva
da
sociedade não
pode produzir-se sem' unia revolução,
é
fato evidente
para
Kropotkin. Para Proudhon também o era. l::ste
sabia perfeitamente que, sem revolução, não poderia
realizar-se a formidável tarefa que -
já no
livro que
Marx
atacou
por
ser pequeno burguês - êle propu
nha às classes trabalhadoras:
fazer
surgir das entranhas
do
povo, do seio
do
trabalho, uma autoridade maior
'
uma realidade mais poderosa, que inclua o capital e o
Estado e os submeta . :f:le via nas revoluções, confor
me um
discurso que proferiu em 18
48
num brinde à
revolução, manifestações sucessivas de justiça na hu
manidade e considerava o Estado moderno como an
ti-revolucionário
por
princípio . O que êle discut
ia
era
(na
conhecida carta dirigida a
Marx)
a tese segundo a
qual nenhuma reforma é possível sem que haja
um
golpe de Estado e que é preciso utilizar a ação revo
lucionár
ia
como instrumento
para
alcançarmos a re
forma social . Em decorrência, contudo, de algumas
e x p ~ r i ê n c i a s
decepcionantes, êle passou a prever a tra
gédia das revoluções e, cada vez, com maior convicção.
A r à g é ~ j a
consiste no fato de que as revoluções, quan
do
consideradas em relação à sua meta
positiva, têm
resultados
ex
atamente opostos aos desejados
pe
los re-
60
volucionários mais .honestos e ardorosos e isso, sempre
que a aspiração não tenha sido previamente configura
da
de
modo que a ação revolucionária só necessite con-
'
quistar o espaço necessário
ao l)eU
livre desenvolvimen-
to. Dois anos antes de sua morte, Proudhon declarava
com amargura:.
Foi
a luta revolucionária que nos deu
a centralização . Tampouco, essa idéia é desconheci
da
por Kropotkin. Mas êle
ac
redita piamente que basta
jnfluir sôbre a fôrça revolucionária
par
a impedir que a
revolução resulte num nôvo centralismo igualmente
mau, sen
ão
pi
or
e,
para
possibilitar que a revolução,
o povo - os camponeses e os operários citadinos -
comecem
a·
edificar,
po
r si mesmos, o t
ra
balho constru
tivo .
Par
a nós, portanto, trata-se
de inaugurar
a re
volução social, através do comunismo. Kropotkin
ignora, como Bakunin, o fato básico
de
que, no terre
no social, contràriamente
ao
que sucede com o político,
a
revqlução
não
possui fôrça criadora, e sim
uma
fôrça
de dissolução,
de
libertação e
de
inversão
de
podêres,
ou seja, que ela só pode libertar, consumar e fortalecer
o que
já
se achava previamente configurado no seio
da
~ o c i e d a d e
pré-revolucionária; assím como ignora que
a
hora da
revolução, no que se refere à conversão so
cial, não é
uma
hora
de
concepção, mas de nascimento
- desde que tenhá havido concepção
anteric:ir.
Na
doutrina de Kropotkin, naturalmente, há tam
bém elementos básicos que acentuam a importância
da
estruturação
pré
-revolucionária. Assim como, ém seu
livro sôbre a ajuda mútua, êle mostra a existência de
resquídos das antigas formas
de
comunidade em nossa
sociedade, ao mesmo tempo em que cita exemplos
de
solidariedade atual mais ou menos destituídos de for
ma, também
na
obra
Fields, Factories and Workshops
(1898, edição ampliada em 1
912),
partindo de pres
suposições puramente econômicas e
da
psicologia do
trabalho, êle traz uma contribuição importante
ao
qua
dro de uma nova unidade social, apropriada para servir
como célula geradora
de uma
sociedade nova no seio
da antiga. Aqui,
à
exageração progressiva
da
divisão
do
trabalho e
da
especialização, êle opõe o 1>rincípio
de uma integração
do
trabalho, a combinação de
uma
agricultura i
nt
ensiva com
uma
indústria descentraliza
~ . . J ' l R s e
sentido,
ê l ~
esboça o quadro de uma aldeia
Kt:ü : ~ 1 . ~ i l ~ / 0 0
. ·
6
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edificada: ao mesmo tempo, sôbre o campo e a fábrica,
aldeia onde os
mesmos
homens trabalham alternativa
mente em ambas as atividades, sem que isso implique,
absolutamente, num retrocesso de técnica. Pelo contrár
rio, tudo i
sso
será efetuado em estreita vinculação
õ -
a
evolução técnica mas de maneira tal que o homem
usufrua de seus direitos como ser humano. Kropqtkin
sabe que tal modificação não pode ser completamente
realizada dentro
do
sistema atual
da
sociedade;
e
não
obstante, êle planeja não só para amanhã,
mas
também
para o presente. Ele insiste em que todo esfôrço so
cialista
que
visa modificar as atuais relações entre o
capital e o trabalho se converterá
em
malôgro, se não
levar em consideração a tendência para uma integra
ção ; insist
e
também, em que o futuro desejado por
êle é possível agora, realizável agora . Daí à exigên
cia de que
se
inicie imediatamente a reeitruturaçao da
sociedade, não há mais que um' passo e um passo cer
tamente decisivo.
6
VI. LANDAUER
Landauer deu um passo além de Kropotkin. E
êsse passo consiste, sobretudo, numa indagação sôbre
1 1.
essência do Estado. O Estado não
é
como diz Kro
•potkin, uma instituição que possa ser destruída por
uma revolução.
O
Estado é uma situação, uma rela
ção entre .os homens, um modo dos homens se condu
zirem
uns com
os outros. Para destruí-lo,
é
preciso
restabelecer novas relações, comportar-se com
os
demais
e
uma outra maneira. Atualmente,
os
homens con-
vivem numa relação estatal , oú seja, numa relação
que torna necessário o sistema coercitivo do Estado, que
. é por êste representado. Esse sistema, portanto, só po
derá ser superado à medida que a atual relação entre
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os homens fôr sendo substituída por outra. Essa outra
relação
é
por Landauer denominada povo .
f.
uma
união entre homens que existe, de fato, mas que ainda
não se converteu em associação e federação, que ainda
não chegou
a.
ser
um
organismo superior. À medida
que
os
homens, sôbre .a base do processo
de
produção
e circulação, .voltarem a unir-se como povo
e
desen
volverem-se conjuntamente, nui:n organismo de inúme
ros órgãos e membros , é que o socialismo, que hoje
vive apenas no espírito e no desejo de alguns homens
d i s p e ~ s o s
poderá se tornar realidade, e não no Estado
mas ''fora, à parte dêle , o que vem a significar: junto
ao _Estado. Todavia, essa consolidação não significa,
como já -dissemos, fundação de algo nôvo, mas atuali
zação e reconstituição de algo que sempre existiu,
d
comunidade que coexiste, de fato, com o Estado, em
bora soterrada
e
devastada. Algum dia se saberá
que o socialismo não
é
a invenção de algo nôvo, mas o
descobrimento de algo existente, que se desenvolveu.
Assim sendo, o socialismo pode tornar-se realidade
m
qualquer• época, desde que um número suficiente de
nomens o deseje. A realização do socialismo não de
pende do grau de evolução técnica, se bem que ela,
naturalmente, começará e
se
desenvolverá em confor
midade com o nível técnico, do qual tomará·os aspectos,
mas a realização depende dos
~ o m e n s
depende de seu
espírito. O socialismo é possível e impossível em gual:
quer
é p o c a posSível, qnando
existem
os
homens que .
Õdesejam, ou melhor, gue o p r a t i c a m ~
i m p . ~
quando
os
homens não o
querem._o.u.._apenas
pretendem
qlrerê=to, sem que possam realizá-lo.
Dêsse discernimento das relações entre o Estado
e a comunidade depreende-se um ponto .importante.
Pràticamente, vemos que não pode tratar-se da alterna
tiva abstrata entre Estado ou não-Estado . O princí
pio da limitação a duas alternativas é essencial para as
decisões legítimas pessoa ou do grupo;
é,
eqtão, que
tudo o que seja intermediário, conciliador, se torna im
puro e impurificador, conseguindo apenas turvar, con
fundir, entorpecer. Mas ªsse mesmo princípio se con
verte obstáculo quando, no processo de executar a
resolução tomada, só se admite o absoluto, desvalori
zando-se a parcela realizável no momento. Se o Es-,
6
tado
é,
realmente, uma relação que
só
pode ser destruí
d com o estabelecimento de outra, é justamente à me
dida que se avança para uma nova relação que êle irá
sendo destruído.
A fim de comprendeermos bem o problema,
é pre-,
ciso dar um passo a mais. Estado (como Landauer
salientou posteriormente)
é
um
status
um estado., Os
homens que, em
dado rt10menl0,
convivem em
determi
nado espaço,
só
são capazes, até certo ponto, de se unir
da maneira devida, de observar espontâneamente uma
ordem justa e de reger, por ela,
os
assuntos comuns.
A linha
que, em qualquer momento,
limita
essa capa
cidade, constitui a base do Estado naquele momento.
Ou, dito com outras palavras:
a
medida da incapacidade
para usufruir de uma ordem justa determina a medida
da coação geral. De fato, o âmbito do Estado sempre
ultrapassa, em maior ou menor grau, - quando não o
f z acentuadamente - o nível que, naquele momento,
corresponderia ao da coação legal. A diferença que
·existe entre o Estado por princípio e o
de
fato, dife
rença que denomino plus-Estado, explica-se pelo
fato histórico, segundo o qual -0 poder acumulado não
abdicará de seus privilégios se não fôr obrigado a fa
zê-lo.
:l;:Ie
se nega a adaptar-se ao aumento
de
capa
cidade para uma ordem espontânea, enquanto esta não
exercer, sôbre êle, uma pressão suficientemente forte.
A base do poder por princípio extinguiu-se, mas não o
poder em si, enquanto não fôr destituído. O morto do
mina, assim, ao vivo. Vemos , diz Landauer numa
passagem, que o que está morto para o nosso espírito
exerce um poder vivo sôbre o nosso corpo . A tarefa
que se depreende dessa situação para os socialistas,
ou seja, para aquêles que procuram a reestruturação da
sociedade, é fazer
com.
que o domínio real · do Estado
retroceda até o limite do Estado por princípio. E é
isso o que ocorre, graças à criação e renovação da es
trutura orgânica genuína, mediante a união de pessoas
e famífias em diversas comunidades e a destas. em fe
derações. É essa expansão e não outra coisá o que
destrói o Estado, suplantando-o; evidentemente, de
ve-se suplantar apenas a parte do Estado que, em dado
momento, resultar supérflua; infundada. Uma ação
que fôsse além dêsses limites seria ilícita e ·estaria des
t.inada
ao malôgro, já que, ao ultrapassá-los, ficaria des-
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tituída do espírito construtivo para as tarefas subse
qüentes. Deparamo-nos, aqui, com a mesma proble
mática que Proudhon já descobrira e reconhecera sob
outro prisma: uma associação carente do necessário es
pírito comunitário, que não seja suficientemente vital,
não substitui o Estado pela sociedade, mas traz o Es
tado em si mesmo e o que ela faz não pode ser outra
coisa senão Estado, ou seja, política de poder e expan-
sionismo, sustentada por uma burocracia.
Igualmente importante, porém, é que para Lan
daucr, como
já
dissemos, o estabelecimento
da
socie
dade "fora" e "junto" ao Estado vem a ser, substancial
mente, "o descobrimento de algo existente e que se de
senvolveu". Além do Estado, existe realmente uma co
munidade, "não
um
a soma de indivíduos isolados mas
uma solidariedade orgânica, que se estenderá a diversos
grupos, até formar uma espécie de abóbada". Todavia,
a realidade da comunidade deve ser despertada, extraí
da de sob a crosta do Estado. Mas isso só poderá ocor
rer, quando se . perfurar essa crosta, atravessando a
acomõdação interior dos homens ao Estado, e desper
tando a realidade primitiva que sob ela dormita. "Esta
é
a tarefa dos socialistas e dos eventos que êstes origi·
naram e provocaram ·nos povos: a de começar a afrou
xar o endurecimento dos ânimos, para que o que se
encontra submerso reaflore à superfície, para que o
verdadeiramente vivo, que hoje parece estar totalménte
morto, possa desdobrar-se e crescer novamente." Os
homens assim renovados poderão, por sua vez renovar
a sociedade. E como saberão, por experiência, que o
que se manifestou
em
suas almas nada mais é que o
antiqüíssimo fundo comunitário, incorporação à nova
estrutura tudo quanto se tenha conservado de autêntica
forma de comunidade. A uma mulher que queria que
o casamento fôsse abolido, escreve Landauer numa
carta: "Seria loucura querer 'abolir' as poucas formas
de
vinculação que nos restam. Necessitamos de
for-
ma, não de informidade. Precisamos de tradição .
Quem edifica, não em vão e por capricho, mas legiti
mamente e visando o futuro, age mercê de uma anti
qüíssima tradição que lhe
é
confiada e que lhe confere
podêres. Por aí compreendemos a razão pela qual Lan
dauer não
desi
gnou com um nôvo nome a "outra" re
lação que o homem pode contrair, ao invés da estatal.
denominando-a simplesmente de "povo". Nesse "povo"
figura também a mais íntima realidade do que se deno
mina nação, ou seja, o que resta quando se descru;ta a
estatização, a politização: a comunidade de essência. a
comunidade de ser na pluralidade.
~ ~ ~ a s e m e l h a
n ç ~ ,
essa igualdade dentro do desigual, essa p r o p ~ i e ~ a d e uni
ficadora que liga entre ·
si
os membros do ·povo, êsse
espírito comum, é um f ~ t o P ? S ~ t i v o Não o .PC:rcais
vista ó homens livres, o soc1al1stas. O soc hsmo, Ih
b e r d ~ d e e justiça, só pode tornar-se realidade em meio
àqueles que, de há muito, se correspondem e um so
cialismo não pode implantar-se em abstrato, mas numa
diversidade concreta em conformidade com as harmo
nias dos povos." Aqui se põe, a descoberto, a verda
deira relaç?o entre nação e socialismo: a s ~ m e l h a n
dos conaciónais quanto à maneira de ser, linguagem,
patrimônio de trãdições, memória de um destino co
mum, é constante predisposição para uma existência
comunitária e, tão-somente edificando essa existência,
é que os povos podem ser reconstituídos. . S ? ~ e n t e
um renascimento dos Povos que parta do prmc1p10 da
comunidade poderá trazer a salvação." E também
concretamente, Landauer fat. depender a nova mani
festação - embora em forma rudimentar - de formas
comunitárias antigas e da possibilidade de guardá-las,
renová-las e desenvolvê-las. "Hoje, como em qualquer
época, o reformador radical
só
poderá modificar aquilo
que já existe. E, por isso, convém q u ~ as comunas rn·
gionais tenham sempre a sua demarcação, que uma
parte das terras seja éomunal e a outra constitua o pa
trimônio familiar, para a casa, pátio, jardim e campo."
Landauer ademais, conta igualmente com a profund i
·memória 'do solo das unidades comunais. "Muitas coi
sas há às quais podemos vincular o que ainda é capaz
de produzi; formas vivas de espírito
vivo.
Comunida
des rurais com resquícios da antiga propriedade comu
nal, cuja demarcação original, que.
há
séculos se con
verteu
em
propriedade privada, ainda p e r m n ~ c e m na
lembrança de camponeses e peões; instituições comu
nitárias para o trabalho do campo e o artesanato." Ser
socialista.significa ~ s t a r em contato vital com a vida e
o espírito comunitário. da época, estar alerta e reconhe
cer, com olhar imperturbável, o que dêles ainda .se en-
7
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contra na
profundidade de nossa vida desprovida de
comunidade e, sempre que fôr possível, enlaçar forte
mente ao perdurável as novas formas criadas.
Mas
significa também: abster-se
de
traçar esquemàticamente
os
caminhos;
saber
que,
na
vida
do
homem e
da
comu
nidade, pode ocorrer que a linha reta entre dois pontos
talvez seja a mais longa; compreender que o verdadeiro
caminho para a realidade socialista não se deduz ape
nas do que sabemos e planejamos,
mas
também
do
des
conhecido e
do
incompreensível,
do
inespera
do
e
do
que
não
se
pode
esperar; significa viver ativamente,
na
medida do possível, de acôrdo
com
êsses ditames. Em
detalhe - diz
Landauer em
1907 - nada sabemos
realmente sôbre o nosso caminho imediato; êle pode
passar pela Rússia,
mas t m b ~ m pela
índia. A única
coisa que podemos saber
é que
o nosso caminho
não
passa pelas tendências e lutas
do
dia-a-dia,
mas
pelo
desconhecido, pelo que
jaz na
profundidade e pelo
re
pentino .
Referindo-se a Walt Whitman, o poeta .
da
demo
cracia heróica a
quem
traduziu,
Landauer
compara-o a
Proudhon, -
com
quem Whitman, segundo Landauer,
tinha muitas afinidades espirituais - dizendo que am
bos uniam
em
si o espírito conservador e o revolucio
nário, o individualismo e o socialismo. O mesmo
se
pode
dizer
do próprio
Landauer. O que êle tem
em
me nte é, decisivamente,
uma
conservação revolucioná
ria: seleção revolucionária dos elementos
da
entidade
social, dignos
de
ser conservados, adequados
à
nova
construção.
A partir disso, temos que ver, em Landauer, -
o homem que provinha
de uma
família judia burguesa
do sudoeste da Alemanha e que soube chegar, incom
paràvelmente
mais
próximo
do
que Marx, ao proleta
riado e à vida proletária -
um
revolucionário. Seus
projetos
de
co
lonização sciciaHsta foram,
re
petidaqien
te, atacados pelos marxistas, sob a alegação
de
que equi
valiam a isolar-se
numa
ilha
de
bem-aventurança, afas
tada do mundo
da
exploração
humana
e
da luta
im
placável contra ela desfechada, uma ilha
de
onde se
contemplariam, passivamente, os tremendos aconteci
mentos mundiais.
Não
pode haver acusação mais
injusta. Tudo.o que Landauer planejou, pensou, disse
8
ê escreveu, quer se tratasse de Shakespeare, quer de
mística
alemã
e, principalmente, tudo quanto esboçou
sôbre a realidade socialista a ser edificada, estava im
pregnado de sua imensa fé na revolução e
de
seu pro
fundo anseio
por
ela. ''Queremos, acaso, isola
r-n
os
na felicidade? escreveu êle
numa carta
( i911).
t
viver
para
nós mesmos o que, acaso, desejamos? Não
q'ueremos fazer todo o possível e desejar o impossível,
por
amor
aos povos? .
Não
queremos o todo, a revolu
ção? Mas a luta pela libertàção· que se estende para
além de tôdas as épocas e
à
qual êle
dá
o nome
de
revolução, sàmente poderá dar frutos quando descer
sôbre nós o espírito que não se chama revolução
mas
regene
ração ;
e, dentro
da
revolução maior, as revolu
ções isoladas surgem,
para
Landauer, como um
banho
de fogo
do
'espírito, assim como a própria revolução
é,
em última instância, uma regeneração. No fogo, o
arrebatam
ento
e a fraternidade dêsses movimentos agres
sivos - diz Landauer no livro A .Revolução que escre
veu
em 1907
a
pedido meu
- - despertam, continua
mente, a imagem e o sentimento da união positiva,
através
da
qualidade unificadora do amor, que é fôrça·
sem essa regeneração passageira, seria impossível pros
seguir vivendo e acabaríamos
por
sucumbir. pre
ciso, porém, reconhecer que, embora a utopia seja de
uma beleza extraordinária,
não
tanto pelo
que
diz,
mas
pela m neira como o diz, os resultados da revolução,
finda esta,
não
se diferenciam em
muito do
que existia
anteriormente''. A fôrça
da
revolução reside
na
rebe
lião e
na
negação; ela não pode, com seus meios polí
ticos, resolver os problemas sociais.
E,
referindo-se
à
Revolução Francesa, prossegue Landauer: Contudo,
quando uma revolução chega, como essa,
à
espantosa
situação
de
se achar rodeada por inimigos internos e
externos, as fôrças ainda vivas
da
negação e da destrui
ção acabam voltando-se
contra
si mesmas; o fanatismo
e a paixão
se
convertem em desconfiança e em sêde de
sangue ou, pelo menos,
em
indiferença
ante
o horror
dos assassínios; e, em breve, o terror
à
morte passa a
ser o único meio
para
que os detentores
do
poder con
servem
seu
domínio provisório . Assim foi (escreve
Landauer
dez anos mais tarde, a respeito
da
mesma
revoluÇão, prosseguindo no mesmo ponto de
vista),
que os representantes mais fervorosos da Revolução,
69
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não importando o grupo a que tenham sido final.mente
lançados pela maré tempestuosa, acreditaram e quise
ram,
em
seus momentos
de
maior discernimento, que a
Revolução trouxesse consigo
um
renascimento
da
hu
manidade; mas tal não se deu êles impuseram obs
táculos uns aos outros, lançando-se a culpa mutuamen
I ? e l ~ fa o
da
R:volução se haver aliado à guerra, à
v1olenc1a
a opressao e
ao
poder autoritários e
à
polí
tica". Entre êsses dois pronunciamentos, vésperas
da
1 Guerra Mundial, em julho de 1914, Landauer ex
pressava a mesma crítica,
de
_orma particula.nnente
atual. "Não nos enganemos mais; - escreve êie - os
países atualmente chegaram a um ponto tal que as
agitações revolucionárias, quando se chega finalmente
a avaliar os seus resultados, serviram apenas para am
pliar o campo
de
domínio
do
poder nacional capitalista,
a que denominamos imperialismo. As convulsões re
v o l u c i o n á r i ~ s
mesmo que tenham, em
sua
origem, os
tentado as côres
do
socialismo, acabaram sendo fàcil
mente
<:_analizadas
para
a corrente
da
política,
por um
~ a p o l e a o
u_m
a ~ o ~ r
ou
um Bismarck e isso porque
todas essas 10surre1çoes nada mais eram senão instru
mentos
da
revolução política
ou da
guerra nacional.
Elas
não
podem servir
de
instrumentos
da
transforma
ção
socialista, porque os socialistas, no fundo
não
pas
sam de românticos, que se utilizam dos
m e i ~ s de
seus
inimigos; êlcs não empregam e
nem
sequer conhecem
os meios para transformar em realidade o nôvo povo
e a nova humanidade". Contudo,
já
em 1907, Lan
d a u ~ r baseando-se em Proudhon, tirara dessa teoria a
segumte conclusão: "Chegará o tempo em que se verá
melhor o que Proudhon, o maior dos socialistas, disse
em
p a l a v r ~ s incomparáveis, se bem que hoje relegadas
ao esquecimento: que
não
existe a menor semelhança
entre a revolução social e a revolução política e que,
emoora a revolução social não possa nascer e prosse
guir existindo sem revoluções políticas diversas, ela é,
no entanto, uma edificação pacífica, um organizar
à
~ a s e de um
espírito nôvo e
para um
espíri
to
nôvo e-
nada
mais". E prossegue: "Não obstante, como
d i ~ s e
Gottfried Keller: o último trunfo
da
liberdade será dis
secado. As revoluções políticas deixarão o terreno lite
ralmente livre, em todos os sentidos. Concomitante
mente, porém, já estarão preparadas as instituições onde
7
como as associações comarcãs e tantas outras institui
pode existir a liga das sociedades que administrarão a
economia, liga destinada a resgatar o espírito que é
prisioneiro
do
Estado". Mas essa preparação, a ver
dadf'.ira "transformação
da
sociedade, só poderá so
brevir com o amor, o trabalho e a paz".
Para
tanto, é
preciso, obviamente, que o espírito que se pretende
"resgatar"
já
exista nos homens em proporções sufi
cientes, a im de que preparem as instituições e reali
zem a revolução como libertação
do
solo para elas.
Novamente, Landauer invoca a Proudhon, o qual disse
aos revolucionários,
na
época revolucionária de 1848:
"Se o fizerdes, ó revolucionários, realizareis uma grande
transformação". Mais tarde, decepcionado, foi obriga
do
a fazer algo muito diferente
do
que repetir as pala
vras
da
revolu'ção.
Tudo
tem sua época e tôda época
que se segue à revolução é uma época pré-revolucioná
ria
para
todo aquêle cuja vida não se deteve no grande
momento
do
passado. Proudhon prosseguiu vivendo,
apesar
e
sangrar por mais de uma ferida.
E,
então,
pensou: se o fizerdes eu disse a êles, mas por que não
o fizeram? A resposta que encontrou consta de tôdas
as suas obras posteriores. Vertida para a nossa lingua
gem, diz: porque faltou o espírito".
Devemos a Landauer outro esclarecimento impor
tante com respeito a Kropotkin.
Para
que a revolução
política sirva à .social são necessários três itens. Pri
meiro: os revolucionários devem estar firmemente im
buídos
da
vontade
de
libertar o terreno para edificar
sôbre êle o patrimônio comunitário existente, até con
vertê-lo numa federação de sociedades. Segundo: ·o
patrimônio comunitário deve estar preparado em ins
tituições, mercê das quais possa ser consolidado após
a libertação
do
terreno. E terceiro: a preparação deve
ser efetuada
com
autêntico espírito comunitário.
Nenhum dos socialistas anteriores reconheceu, tão
profundamente com Landauer, a importância dêsse ter
ceiro' eleme.pto, o "espírito", para a nova existência
social. B preciso, porém, ter em mente o que êle en
~ e n d i a por isso. Não se julgue poder compreender a
realidade espiritual como produto e reflexo da material,
como
mera
"consciência" determinada por um "ser"
que capta as relações técnico-econômicas, mas reconhe
cer, nessa realidade espiritual, uma entidade de caráter
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peculiar que se acha em ação recíproca com o ser so
cial, sem que,
por
isso, possa ser suficientemente expli-
cada em nenhum ponto
por
êste. ·
"Atinge-se
um
elevado grau de cultura, - diz
Landaucr - quando as diversas estruturas sociais, que
são exclusivas e que coexistem independentemente umas
das outras, se acham impregnadas de
um
espírito unifi
cador, que não se aloja nessas estruturas e nem procede
delas, mas que as rege autônomamentc, e como fato
na-
tural. Para dizê-lo em outras palavras: só se consegue
um elevado grau de cultura quando a unidade das várias
tormas de organização e de estruturas superindividuais
não
é
uma ligação exterior' imposta pelo poder mas um
espírito inerente aos indivíduos que
u l t r p s s ~
os inte
r ~ s s e s materiais,e. terrenos". Como exemplo, Landauer
cita
ª lda?e
Media cristã (efetivamente, a única época
da
H 1 s t 6 n ~ do
Ocidente que, nesse aspecto, se pode
c ~ m p a r a
as
grandes culturas do Oriente). Landauer
n ~ o a ve r e p ~ e ~ e n t a d a
por
estas ou aquelas formas de
v 1 ~ a comumtana, como as comunidades de aldeia, as
ü d ~ s
~ o r p o r a ç õ e s
e irmandades profissionais, as
-
g ~ s . c 1 ~ a ? m a s c o m ~
tampouco, pelo regime feudal, pe
l 1s
igrejas e mosteiros ou pelas ordens
de
cavalaria; ela
se caracteriza por êsse "conjunto
de
autonomias inter
ligadas'', formando uma "sociedade de sociedades". O
que conciliava tôdas essas configurações altamente di-
f
.
d
e r ~ n c r n
as e as agrupava
numa
unjdade superior
a
pro1etar-se para o alto, como uma pirâmide cujo vértice
não se constituía no domínio a pairar invisível no es
paço, era o espírito que, do caráter e da alma dos indi
v duos, animava a tôdas essas estruturas e que, fortale
cido por elas, tornava a refluir para os homens". Po
de-se invocar êsse espírito comunitário numa época
como a nossa, numa época em que, por falta de espí
rito, prevalece o espírito
de
poderoso fascínio de alguns
poucos indivíduos,
numa
época de individualismo e,
conseqüentemente,
de
atomização das massas desarrai
g a d . ~ s
e desintegradas, numa época sem espírito e, con
sequentemente, sem verdade?" É uma "época de deca
dência e, portanto, de transição" . Assim sendo é nela
.
' '
e
JUStamente
nela, que se conjura o espírito a que apa-
reça.
:Bsses
conjuras são as revoluções. Mas o que
prepara o advento
do
espírito
é
a realização. "Assim
7
como as associações comarcãs e tantas outras institui
ções de estratificação unificadora existiam antes de se
rem preenchidas pelo espírito, o qual as transformou no
que vieram a significar
na
época cristã, e assim como
existe uma maneira de
andar antes que existam as per
nas, sendo que êsse andar é que irá construí-las e for
má-las, assim também
não
será o espírito que nos colo
cará no caminho, mas o nosso caminho
é
que fará o
espírito surgir à nossa frente". :asse caminho, porém,
significa
que
os homens que chegaram à compreensão
de
que
é
impossível continuar vivendo assim, devem
agrupar-se em federações e colocar o trabalho a serviço
de seu consumo. Em colônias, em associações, sofren
do
privações". O espírito que impulsiona essas pessoas
as induz a
t r ~ l h a r
o seu caminho comum, e é única e
exclusivamente, por êsse caminho, que êle poderá se
transformar em
um
nôvo espírito comunitário. "Nós,
os socialistas, queremos
dar
ao espírito a realidade e o
clima
para
que êle, como espírito unificador, conduza
os homens
à sua
comunidade. Nós, os socialistas, que
remos materializar e corporificar
o·
espírito, queremos
pô-lo em ação, e é, precisamente assim, que espiritua
lizaremos os sentidos e a vida terrena." Contudo, para
que assim ocorra, é preciso manter o fogo do espírito
cuidadosamente aceso nas colonizações, não permitindo
que se extinga. Somente mediante o espírito vivo são
possíveis essas realizações ; sem êle, serão uma mira
gem. Mas, se o espírito .éstiver vivo nelas, poderá esten
der-se a tôdas as instituições cooperativas e associati
vas que, sem êle, não passam de recipientes vazios, de
instituições utilitárias sem qualquer finalidade. "
Qu
ere
mos levar as cooperativas, cujas fo rmas socialistas são
destituídas de espírito, queremos levar os sindicatos,
cujo heroísmo
é
destituído de meta, para o socialismo e
para as grandes exi;eriências ." O socialismo, diz Lan
dauer (1915), é a tentativa de levar a conveniência
dos homens
para
a união em liberdade, em tôrno
de um
espírito comum, isto é, da religião". Esta
é
a única
p a s s a g ~ m onde êsse pensador, que sempre rejeitou tôda
a simbologia religiosa de nossa época e tôdas as suas
proclamações de fé, pronuncia o têrmo "religião" nesse
sentido positivo e unificador - como expressão da
meta
por
êle aspirada: a união
na
liberdade, em tôrno
de
um espírito comum.
7
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ça definitivas
para
· um reino milenar ou, para tôda a
eternidade, mas de criar um grande equilíbrio geral e .
a vontade
de
reestabelecer, .periàdicamente, êsse equilí
brio. . 'Então soarão as trombetas por tôda, a extensão
de vossas temi.s ' A voz do espírito .é a trombeta
A rebelião como regime, a transfon:nação e reorgaru
zação como norma constante, a ordem através
do
espí
rito como propósito; essa era a grandeza e a sacralida
de da sociedade organizada por Moisés. É
disso que
necessitamos novamente: de
uma
nova regulamentação
e de uma revolução através do espírito, que não fixe,
definitivamente, as coisas e as instituições, mas que se
declare a si mesma como permanente. A revolução
deve ser um ingrediente da. nossa ordem social, o fun
damento do nosso regime''.
7
VII.
T NTÀ
TIVAS
' O mesmo método simplista utilizado para deno
minar de "utópicos"
os
primeiros
s o c i ~ s t a s
serviu pa
ra
classificar como "românticas" as duas grandes ondas
de movimento cooperativista
q ue por
volta de 1830 e
e
1848, inflamaram a melhor parte dos trabalhad9r:es
· da Inglaterra e
da
França. Essa denominação (român
ticas) n.ão
é
mais .justa que a outra, se
por
ela se en
t ~ n d e uma conçepção de vida embalada pelos sonhos
e apartada da realidade. Essas coi:rentes eram a expres-,
são das profundas crises que acompanharam a mecani
zação da economia moderna, tanto quanto o foram
moviment()s ·políticos: o cartismo
na
Inglaterra e as
duas revoluções na França. Mas, diversamente destas,
77
I
1
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que aspiravam a modificar o regime político e a posição
do
poder, os mo:vimentos cooperativistas pretendiam
começar pela -citação de uma realidade social, sem a
qual nenhuma modificação das relações jurídicas pode
conduzir à realização do socialismo.
:f:les
foram acusa
dos de sobrestimar a participação do homem na trans
formação e subestimar a das circunstâncias. Mas, para
·se conhecerem as possibilidades
do
homem,
numa
deter
mjnada situação, não
há
outro meio senão exigir dêle .
um esfôrço extraordinário para modificá-la. As formas
heróicas do regime cooperativista esperavam·
de
seus
membros, não
há
dúvida,
uma
lealdade e uma abnega
ção que êles não possuíam, ou na qual, pelo menos, não
podiam perseverar; tal fato, porém,,
de
modo algum
significa que a lealdade e a abnegação só possam veri
ficar-se em épocas excepcionais
de
revoluções políticas,
e que estejam ausentes
da
rotina
da
vida econômica.
NãÕ .
é
difícil ridicularizar os iniciadores
do
movimento
·cooperativista heróico, por haverem colocado
"o
ho
mem ideal em lugar
do
real . Entretanto, o homem
real se aproxima
do
ideal , justamente. quando se
exige dêle a execução
de
tarefas para as quais se julga
va
que fôsse incapaz, ou
para
as quais êle mesmo se
julgava incapacitado.
Não
só
do
indivíduo se pode
dizer que êle cresce com objetivos mais elevados , ou
melhor, que
pode
crescer com êles. O que r e a l m n t e
importa
é a
meta,
a consciência da mê
t a ê-
a
vontade
de
alcançá-la. A época heróica
da
cooperativa moder
na
buscava a transformação da sociedade; a mecânica
vê apenas o êxito das diversas eroprêsas cooperativistas.
A primeira malogrou,
mas
nem por isso se
pode
con
denar seu caminho e, tampouco, sua meta; a segunda
registrou grandes êxitos,
mas
êstes não podem, certa
mente, ser considerados ioroo etapas necessárias para
o alcance do objetivo. .
Um
paladino do regime coope
rativista burocratizado· expressa-se a respeito
do
regime
primitivo nos seguintes têrmos: Manifestemos todo o
nosso respeito e admiração por essas almas humildes e
crentes, guiadas pela chama
da
convicção social . ·
Reconheçamos, porém, que o •heroísmo não constitui,
por
.si
mesmo, um estado de ânimo apropriado para
conduzir aos êxitos econômicos . Não
há
dúvida, mas
reconheçamos igualmente que os triunfos econômicos
8
não constituem,
por si
sós,
uma·· o n q u i s t a
adequada
pa
ra conduzir
à
reestruturação
da
sociedade humana.
Comparemos alguns dados das duas épocas dêsse
movimento, no que se refere às três formas principais
de cooperação (prescindindo das cooperativas de cré
dffo) : cooperativa
de
consumo, cooperativa
de
produ
ção
e cooperativa integral Vollgenossenschaf t , ba
seada
na
união
da
produção e
do
consumo. Epoca
de
1830: em 1827 é fundada a primeira cooperativa
de
consumo inglêsa, em sentido moderno, sob a influência
das idéias
do
Dr. William King;
em
1832, a primeira
cooperativa.
de
produção francesa, erigida segundo os
planos
de Bucl::tez
e, entre ambas, a experiência de colo
nização de Owen e seus sequazes, o norte-americano e
os inglêses. :f:poça
de
1848: primeiramente a coopera
tiva de consum6 dos tecelões de Rochdale, seguida
p e ~
Ias oficinas nacionais
de
Louis Blanc e outras afins
e, finalmente, cõmo sátira, a tragicômica emprêsa
" cá-
ria" de
Cabet
verdadeiro
utopista
em
sentido negativo,
edificador social destituído
de
uma compreensão pro
priamente dita dos fundamentos humanos) às margens
do Mississipi. Todavia, como tentativas de realização
do
socialismo utópico, só iremos comentá-las quando a
finalidade desta obra assim
o
exigir.
Tanto
Çin.g
_c,omo Buchez
~ r a m
médicos e ambos,
- ao contrário Owen, ,que transformou
a
luta con
tra n religião
numa
das principais missões
de
sua vida
- cristãos fervorosos; aquêle protestante, êste católico.
:Bsse
fato não é destituído de importância. Para Owen,
o socialismo
era
fruto
da
razão;
p ~ r a
King
e
Buchez,
a realização dos ensinamentos
do
cristianismo no do
mínio
da
vida pública. Ambos -consideravãm, como diz
Buchez, chegado o momento de transformar em ins
tituições sõciais as doutrinas
do
cristianismo. Esse
sentimento religioso fundamental_ xerceu
uma
profunda
influência sôbre tôda a atitude
de
ambos e, em King,
-
qu
.e se achava
numa
posição muito próxima
à
dos
quacre..§,
com os quais colab.orava - também
na
·to
nalidade
de
suas palavras. Sentimos nêle a preocupação
concreta, direta e íntima pelo próximo,
para
com sua
alma
e
sua
vida. ·
Quando ·se evocou, em nossa época, o nome de
King, tirando-o
do
esquecimento a que se achava rele-
9
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gado, êle passou a ser considerado, com razão, como
o primeiro e o maior dos teóricos cooperativistas inglê
ses. Sle possuía, ademais, o dom da palavra pertinente,
deixando clara, para todos, a essência
do
que dizia.
Em tôda a literatura sôbre as cooperativas, nada co
nheço que desperte,
ao
mesmo tempo, uma impressão
tão popular e clássica como os 24 pequenos c a d e r ~ g §
da revista
The Cooperator
gue King escreveu e_editou
de 1828 a 1830,
para
instruir àqueles que atuavam a
favor de suaSi idéias. Sle possui, ademais,
uma
com
preensão socialista roais profunda
e, ao
mesmo tempo,
mais clara que todos os seus contemporâneos, exceção
feita a William Thompson, que
era
mais científico
mas
tAambém mais abstrato.
~ 1 ? $
parte
do
trabalho, que
e}e considera como sendo a raiz da ~ v o r e , _eja qual
fqr o tamanho que ela alcance". O traba ho, "nesse
sentido, é tudo". As classes trabalhadoras "possuem
o monopólio dêsse artigo". Nenhuma fôrça poderá pri
vá-las dêle, pois todo poder não vai além
do
poder
de
canalizar o trabalho das classes trabalhadoras?'. O que
falta a estas é capital, ou seja, dispor
de
máquinas e
da possibilidade de sustento enquanto trabalham. Mas
capital foi feito pelo trabalho" e nada é em si
mesmo"; para ser produtivo, é preciso que êle torne a
se vincular ao trabalho.
Hoje
em dia, essa combinação ,
se processa "comprando e vendendo o trabalhador, co
mo a
um
animal". A verdadeira combinação, a "qnião
natl}ral", poderá ser realizada pelas próprias classes
trabalhadoras,
mas
estas o ignoram.
No
entanto, elas
sàmente
p o d e r ã ~ ~ a l i z á - l a ,
se se agruparem, coopera
rem, formarem um capital comum e se tornarem inde
pendentes. King adere, apaixonadamente, à idéia
da
cooperação como forma
de
produção de trabalho, ante
riorjÍlente formulada por Thompson. "Assim que os
trabalhadores se unirem, tendo por bi:tse o trabalho,
ao invés do capital, o rebuliço causad . n.gitará o pó,
espalhando-o para todos os lados, e a poeira, certa
mente, cegará a mais de um empresário". Se os traba
lhadores se unirem em ·cooperativas, poderão adquirir
as ferramentas e as máquinas de que necessitam e se
converter no próprio sujeito da produção. E poderão,
igualmente, adquirir terras. King esclarece nitidamente
que, para êle, a cooperativa
de
consumo é apenas um
início e que sua meta, como a de Thompson, é a coo-
8
perativa ':integral". Assim que a "sociedade", ou seja,
a cooperativa
de
consumo, dispuser
de
capital suficien
te, poderá "adquirir terras, viver nelas, cultivá-las,. ex
trair os produtos que desejar, satisfazendo assim a tô
das as suas necessidades de alimentação, vestuário e
alojamento. A sociedade . passará, então, a chamar-se
1
comunidade". King incita igualmente os sindicatos a
adquirir terras com suas economias, instalando nelas
os seus membros desempregados, em comunidades que
tendam a satisfazer as próprias necessidades. Essas
comunidades não abrangerão mais apenas determinados
interêsses e fup.ções
de
seus associados, mas tôda a sua
vida, desde que queiram e possam viver em comum.
Mas, ainda que a comunidade de vida só possa desen
volver-se, reãlmente,
na
cooperativa integral, já deverá
existir
como
disposição psíquica
no
relacionamento dos·
membros da cooperativa de consumo. Com isso, King
não se refere apenas a
uma
solidariedade impessoal,
mas a uma relação pessoal que, embora geralmente
permaneça latente, esteja
pronta para
atualizar-se a
qualquer momento,
numa
"simpatia" que "age com
novas energias, podendo, ocasionalmente, elevar-se até
o entusiasmo".
Por
isso, deverão ser admitidos apenas
os membros capazes de
t l
entrosamento.
a r ~
King,
a lei fundamental
da
cooperação consiste em estabele
cer relações autênticas entre os homens. "Quando
alguém ingressa
numa
sociedàde cooperativa, contrai
uma nova relação com seus semelhantes e essa relação
se· converte, de imediato,
em
objeto
de
tôda sanção;
tanto moral como religiosa." Claro está· que essa exi
gência ideal, "heróica", não pôde ser mantida poste
riormente, ante o crescimento
do
número
de
membros
da cooperativa de consumo, o incremento
da
técnica e
da
burocratização. Mas
i s ~ o
se deveu também
à
insu
ficiência da cooperativa parcial, considerada do ponto
de vista
da
reestruturação da sociedade.
Quando William King,
em
1830, suspendeu a
p. J-
blicação
do Cooperator
haviam surgido, por influência
de
suas doutrinas, 300 sociedades, cuj,a maioria, porém,
não sobreviveu por muito tempo, por falta unidade
e cooperação ativa entre os membros" e devido ao "es
pírito de egoísmo" que nêles imperava, como se expri
miria
um
de seus líderes perante o Congresso de 1832.
O desenvolvimento decisivo das cooperativas de con-
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entre cooperativas, o trabalho conjunto de vários gru
pos e institutos cooperativos, empreendida, inicialmen
te, pelos Pioneiros e, subseqüentemente, pelos que se
uniram a êles. Em sua
História das Doutrinas Coo-
perativistas diz a êsse respeito o investigador romeno
Mladenatz, ins.12irando-se obviamente, em Proudbon:
O
princípio do federalismo surge de modo natural da
mesma idéia que constitui a base do sistema coopera-
tivista. Assim como, na sociedade cooperativa, as
~ s s o s se unem para satisfazer, em comum, a certas
necessidades, unem-se também diversas células coope
rativas sob o princípio
da
solidariedade para exercer
determinadas funções, sobretudo as de abastecimento
~ r ~ ~ u ç ã o . Aqui, t o r n ~ m o s a encontrar o princípio
pnm1tivo da reestruturaçao da sociedade, se bem que
naturalmente as sociedades de consumo como tais -
como cooperativas que unem apenas determinados in
terêsses
dos
homens, mas não suas vidas - não pare
çam adequadas para se constituir em células de uma
nova estrutura.
A moderna cooperativa de consumo que se con
verteu em ree,lidade indiscutível na vida econômica de
nossa época, originou-se das idéias do socialismo utó
pico . Nos planos de William King é perfeitamenteperceptível a intenção de chegar à grande realidade
s o c ~ ~ s t a , mediante a criação de ·pequenas realidades
socialistas em constante fusão e expansão.
Ao
mes
mo tempo, porém, King percebeu, nitidamente a re
volução técnico-econômica que se iniciara em s ~ a épo
ca. : ;:le descobriu a importância essencial da máquina
e .a aceitou, rejeitando todos os ataques contra ela co
loucura e
c r ~ m e .
Mas descobriu também que
os
mventores, que sao trabalhadores, destroem a si mes
mos e aos seus companheiros com os seus maravilho
sos inventos , pois vendem-nos aos seus amos
para
trabalharem contra êles, ao invés de retê-los
em
seu
poder
para
fazê-los trabalhar
om
êles . Por isso,
naturalmente,
é
preciso que o povo trabalhador se
constitua
em ~ o o ~ e : _ a t i ~ a s Os
trabalhadores pos
suem bastante mtehgenc1a para fazer tôda a maquinaria
do mundo, mas ainda não tiveram inteligência suficien
te para fazer com que ela trabalhe a seu favor. Para
King, a organizaÇão da cooperativa de consumo não
passa, pois, de uma simples etapa. para a cooperativa
de produção; também esta, por sua
vez
const1tu1 uma
etapa para a estruturação cooperativista da vida
em
sua totalidade.
Um século depois de haver surgido, a. cooperati
va
de consumo conquistou uma parte importante da
humanidade civilizada; contudo, as esperanças que King
nutria a respeito de seu desenvolvimento intrínseco ainda
não se realizaram. É bem verdade que,
em
muitos
lugares, as associações de consumo se dedicaram a
produzir para as próprias
11ecessidades
e,
às vêzes
em
larga escala. Isso se verificou, sobretudo,
na
Grã
-Bretanha, onde
as
duas gigantescas associações de ven
da por atacado, das quais a inglêsa foi considerada a
maior emprêsa comercial da Europa , exploram am
plas extensões de terra de sua propriedade e financiam
importantes indústrias (embora seus funcionários não
ten
ham uma participação direta nos lucros). Também
verdade que, como salient<?U Fritz Naphtali com ra
Lão
existe a tendência a se aprofundar, cada vez mais,
na produção por conta própria. Isso, porém, não sig
nifica que estejamos mais próximos de um enlace
orgânico entre produção e consumo, em forma de co
munidade completa, embora contemos com certos
exemplos notáveis: o de algumas grandes associações de
consumo ou suas federações que se organizaram como
c o o p e r a ~ i v a s de produção em diversos ramos ou se
incorporaram às
já
existentes. No entanto, trata-se aí
apenas de organização técnica, e não da realização de
uma autêntica idéia cooperativista; tampouco, a fusão
de associações locais, mesmo nos casos em que assu
miu próporções amplas, conservou um caráter federa
tivo autêntico. Na maioria das vêzes, as pequenas
cooperativas se transformaram, como disse alguém há
poucas décadas, de centros autônomos de solidarieda
de social
em
simples massas de membros e seus ne
góCios
em meras sucursais da grande organização.São óbvias as vantagens técnico-econômicas dessa or
ganização. O grave, porém, é que aqui não existiu
nenhuma fôrça que se empenhasse
em
preservar, no
seio das diversas cooperativas, o grau de autonomia,
compatível com as exigências técnico-econômicas, em
bora
em
alguns outros lugares, como por exemplo na
Suíça, se procurasse coibir a perda da alma e, até
mesmo, a corrupção da essência da cooperativa, atra-
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vés
de
uma descentralização sistemática. O funciona
"' ento · da ~ a í o r i a
das
grandes instituições cooperati
vistas se foi assemelhando, cada vez mais
ao
das
·capitalistas e, em muitíssimos casos, o p r i ~ í p i o da
burocracia chegou a suprimir totalmente o exercício
voluntário dos cargos anteriormente exaltado, como o
bem mais precioso e indispensável do movimento coo
p e r a t i v ~ s t a Isso pode s e ~ o ~ s e r v a d o particularmente,
nps p.aises em que
se
verificou, ·por
parte
das associa
ções de consumidores, uma cooperação crescente com
o Estado e os municípios. Nesse sentido, Charles Gide,
com tôqa razão, recordava a fábula do lôbo disfarçado
em pastor. e manifestava o receio de que, ao. invés de
cooperativizar o Estado, se viesse a "estatizar" as
cooperativas. O espírito de solidariedade só poderá
manter-se verdadeiramente vivo, enquanto os indiví
duos conservarem, entre si,
uma
vinculação yital. Fer
dinand Tônnies disse, certa feita, que a transição das
cooperativas
de
consumo. para o abastecimento comum
e, a seguir, para a produção de suas próprias neces
sidades, "assegurava a base de uma organização eco
nômica, em notório contraste
com
a ordem social'
atual", e que o
intuito
era o de,
por
êsse meio, abalar
os alicerces
do
mundo capitalista''.
Mas
o "intuito de"
jamf .is poderá converter-se em realidade, se as formas
do capitalismo continuarem a infiltrar-se nas ativida-
des cooperativistas. · ·
Buchez, que logo depois
de
King planejou e
es
:
timulou, na França, a fundação de cooperativas de
ptodução, também é, no fundo, um socialista "utópi
co". A reforma comunista que se impõe - escreve
em 1831 em sua revista, L Européen - haverá de
efetuar-se mediante a
associação
dos trabalhadores."
Para
Bucbez - que, embora católico praticante, pas
sara pela escola
do
saint-simonismo onde ocupava uma
posição muito .próxima
à
do socialista radical Bazard
- a produção
é
tudo e a organização do consumo
não chega a significar para êle, sequer, uma etapa.
Em sua opinião, a cooperativa de produção - que
êle, por compreender menos do que King a evolução
da técnica, concebe mais
no
sentido
do
artesanato que
no da indústria mod erna -' - conduz diretamente à or
dem socialista. Os trabalhadores
de
um ramo se
8
unem, juntam . suas economias, tomam empréstimos,
produzem por conta própria, restituem através de mui
tas privações, o capital emprestado, garantem mutua
mente um salário idêntico e deixam os l u ~ r o s em um
fundo comum,
de
sorte que a oficina cooperativa se
converte numa pequena comunidade industrial." U ne
pétite communauté industrie
ll
e -
aqui, aproxima-se
Buchez da concepção de King, no sentido de que uma
society pode converter-se numa community, com a
única diferença de que o primeiro atribui tal caráter
à
simples cooperativa de produção,
ao
passo que King,
com uma compreensão mais profunda, só vislumbra essa
possibilidade para a cooperativa integral. Finaliza com
a fórmula simples, demasiadamente simples: "Se to
dos
os
trabalhadores procederem assim, o problema
social ficará solucionado". Perfeitamente cônscio de
que com isso, de modo algum, ficava solucionado o
grande problema da propriedade das terras, êle recor
Jia
à
fórmula: A terra para o camponês, a oficina para
o trabalhador", sem compreender a gravidade
da
ques
tão referente à . ransformação social da agricultura.
Ao contrário
de
King, êle
não
percebia o problema
da
evolução para a cooperativa integral, o problema deci
sivo
da
reestruturação. Buchez,
por sua
vez, com
uma
sagacidade notável, percebeu muitos dos perigos que
ameaçam, internamente, o caráter e a missão socialistas
da
cooperativa de produção e, sobretudo, um: a ]2.r9ms
siva diferenciação, dentro
da
cooperativa em expansão
crescente, que
se
forma entre os sócios que a fundaram
e os trabalhadores que se vão integrando a ela, dife
renciação que imprime, indubitàve
lm
ente, à coopera
tiva, por mais que esta manifeste sua profissão
de
fé
socialista, o caráter de apêndice
da
ordem capitalista.
A
fim
de eliminar êsse perigo, Buchez, no programa
modificado que publicou depois das primeiras experiên
cias práticas (em fins de ' 1831 ) , p ~ o p õ duas medidas:
o "capital social", formado com base
na
reserva de
uma
quinta parte dos lucros obtidos, deve ser propriedade
inálienável e indivisível
da
cooperativa, a qual deverá.
declarar-se indissolúvel e renovar-se continuamente,
mediante a aceitação. de novos membros; a cooperativa
não deverá ocupar, por mais de um ano, trabalhadores
- estranhos como assalariados, devendo, ao fim dêsse pra
zo, aceitar'novos sócios,
na
medida em que êstes se tor-
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narem necessários. (Num contrato exemplar publicado
em 1840 po
ll L
Atelier, a revista dos adeptos de Buchez
o prazo se reduz a um período de prova de três
mese,,s.
A respeito do primeiro dêsses dois pontos, dizia Bu
chez que, sem êsse capital, a cooperativa passaria a "ser
semelhante a qualquer outra sociedade mercantil. Ela
seria proveitosa unicamente para os fundadores, e pre
judicial para todos.
os
que não houvessem formado par
te dela desde o princípio, visto como se converteria, de
finitivamente, em meio de exploração nas mãos dos
primeiros" .Bsse ponto do programa tinha a finalidade,
como se observou com razão, de criar um capital que
acabaria por "absorver todo· o capital industrial do país,
fazendo, assim, com que as cooperativas de trabalhado
res se apropriassem de todos os meios de produção".
Aqui, tornamos a encontrar aquêle elemento ' ' u t ó p i ~ o .
Mas, afinal, o que _ m.IDs prjtico.: _procurar criaT a rea
lidade social mediante a 're-ª_lidade sócial, cujos_
direito_s.
são .defendidos e ampliados através de métodos p _ o l í t ~
cos, ou -pretender cria r realidade social i'lnit:ameqte
através da varinha mágica da política? evidente que
êsses princípios foz:am observados de maneira muito
irregular pelas cooperativas fundadas sob a influência
de Buchez. E, vinte anos depois, o princípio do capi
tal indivisível era tão discutido que seus adeptos tiveram
de sustentar uma luta difícil e essencialmente infrutífe
ra, em defesa do princípio que se destinava a "trans
formar a propriedade" e colocar "o capital sob o domí
nio do trabalho", para que a instituição da cooperativa
beneficiasse a tôda a classe
o p e r ~ i a e
não apenas a
alguns membros afortunados que, graças a ela, se con
verteram de assalariados em capitalistas". E, justamente
na mesma época, 1852, lemos num informe da Society
or Promoting Working Men Association · (Sociedade
para promoção das associações de operários) que, na
Inglaterra, ocorria mais
º ll:
menos o mesmo. Mas,
dessas experiências - bem como de outras análogas
.efetuadas na .Idade Média e, também, de experiências
similares da história das associações de consumo -
sômente se pode deduzir que o único modo de solu
cionar, se bem que apenas paulatinamente, a proble
mát.ica
. interna das cooperativas e o poder do princípio
capitalista que a elas se impõe, é a cooperativa integral,
com todos
os
meios que possibilita. ·
:B possível que Í ouis Bland tel ha sido i ~ l u e n c ~ a -
1
:
d pelas idéias de Bucnez, a despeito de se
d1stanc1ar
d ~ l e em alguns pontos i ~ p o r t a n t e s . . Não obstante, o
· portante não foi ter pedido o auxílio do Estado para
im "oficinas sociais" que pretendia fundar ( 1841) -
as
. . .
como fêz Lassalle, postenormente, para as suas coope-
rativas de produção, alegando que "o que falta
aos
pro
letários para que se emancipem são os instrumentos de
trabalho e o Govêrno tem o dever de lhos propor
cionar". .Bsse foi um êrro fundamental e, no caso
de Louis Blanc, uma franca
c o n t r a d i ç ~ o
lógica, v.isto
que não se pode esperar
q u ~ .
um
f l º ~ e r n o 9-ue. r ~ p :
senta determinada ordem pohtlca de
v ~ d ~
a mshtu1çoes
destinadas a destruir (tal era a opmiao c l a r ~ l l l : e n ~ e
expressa por Blanc) essa m e ~ ~ ª ordem. A i;na1
ona
anti-socialista do govêmo proVtsono de 1848 agm coe
rentemente, quando subtituiu o plano de Blanc por uma
caricatura fazendo, finalmente, malograr também a
esta. I s s ~ entretanto, não afeta a essência da reforma
social p l a ~ e j a d a por Blanc. Muito mais importante.é
a essência centralis ta de seu programa. Éle pretendia
que tôdas
as
grandes indústrias constituíssem
~ u ~ a
associação única, agrupada em torno de uma oflcma
central. bem verdade que êle dava um toque de
fe
deralismo a essa idéia, - no fundo saint-simonista -
ao pedir que a solidariedade de
t o ~ o s os t r a ? ~ l h a d o r e s
de uma oficina fôsse adotada por todas as
o f ~ c m a s
den
tro de um ramo industrial, constituindo-se, finalmente,
na solidariedade de todos os ramos industriais. Mas.
o que êle entendia por s o l i ~ a r i z a ç ã o e r ~ na r e a l i d a ~ e
a organização de um orga:iism? f,ei:trabzado, com m
tuitos monopolizadores. N ao
ha
duVIda q u ~
B ~ ~ n ~
que
ria atacar em suas raízes
a
concorr'ência
11irr11t.ada
,
"êsse princípio covarde e ~ r u t a l ' ' , . como o d ~ n o ~ m o u
certa ocasião na Assembléia Nacional,.
se1a,
.1mp:;:
dir que a concorrência coletiva .su?stitu1sse a ,md1v1-
dual. De fato, êsse
é
o perigo principal
q u ~
alem das
discriminações internas, ameaça a c ~ o p e r a t i ~ a de p;o
dução.
Um
bom exemplo dêsse perigo .nos e
o f e r ~ c 1 d o
pela carta de um chefe
~ o v i m e n t o
c o o p e r n ~
v i s t a
socialista-cristão inglês, r e d 1 g ~ d a nessa m e s ~ a e ~ o c a
onde êle diz que as cooperatrvas de produçao cnadas
por êsse movimento estão "animadas por um espir.it.o
de concorrência ávido de ganâncias", e que elas asp1-
89
I
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L
ram simplesmente a uma "competição mais promissora·
que a permitida pelo sistema atual". Buchez e seus
partidários reconheceram êsse perigo, mas negaram-se
a combatê-lo através do monopolismo, que lhes parecia
ainda mais perigoso, pois significava o enrijecimento,
o fim de tôda evolução viva. Assim, propunham, pelo
contrário, que
a
concorrência entre as cooperativas fôs
se disciplinada e regulamentada pela federação das
próprias cooperativas. Aqui, temos uma federação
livre em vez da fusão proposta
por
Blanc. Contudo,
é preciso reconhecer que a idéia federalista, enl Blanc,
torna a surgir, rompendo
a
envoltura centralista, so
bretudo depois de haver malogrado o plano de ajuda
do Estado. Ele elabora o plano de Buchez de fundo·
de reserva, destinando-o a "realizar o princípio
de
ajuda mútua e solidariedade entre as diversas oficinas
sociais". Mas, ao passar do plano da íniciativa esta
tal para o das cooperativas livres, êle não vê outro
caminho para atingir essa meta senão o da f e d e ~ a ç ã o
começando côm as cooperativas já existentes. Estas
deverão entrar em acôrdo e nomear
um
comitê central
que organize em todo o país a mais importante de
tôdas as subscrições:
a
subscrição para abolir o prole
tariado". Emborà essas palavras estejam a meio ca
minho entre o sublime e o ridículo,
a
incitação
ao
pro
letariado, para que se suprima a si mesmo mediante
a cooperação, não
é
destituída de seriedade prática e
não deixou de ter a sua importância
para
a época
subseqüente. E, em fins de · 1849, vemos que Blanc
aprova a Un on des associations f aternelles a fede -
ração formada
por
mais de 100 cooperativas com o
p r ~ p ó s i t o
de realizar a mutualité du travail de seu ad
v e r ~ á r i o Proudhon. :Ble justifica essa aprovação dizen
do que essa Union também se propunha a uma "cen
tralização dos assuntos de foterêsse comum". Geral
mente, encontramos em Blanc várias idéias que per
tencem
à
tradição viva e ao contexto do socialismo
"utópico". Ble pressente que, no .futuro, a cooperativa
de produção irá transformar-se em cooperativa inte
gral, o que King prognosticou também para a coopera
tiva de consumo.
Por
isso, êle agora quer criar co
lônias comunitárias, exatamente como a Union des
associations fraternelles
por êle elogiada., que queria,
9
a título
de
federação fundar "colônias agrícolas e in
dustriais" em grande escala.
Para
tanto, Blanc parte cla
necessidade
t ~ n i c o - e c o n ô m ~ c a da
produção_ em ?1as
sa: é preciso implantar o sistema de produçao a g r i c ~ l a
em massa, combinando-a com a associação e a proprie
dade"· e êle quer transferir as indústrias, na médida
do p o ~ s í v e l ,
para
o campo e "e?1açar
?
_trabalh? in
dustrial com o agrícola". Tambem aqui e antecipada
a idéia
de
Kropotkin de
uma
?ivisão de
n:aba_lho.
no
tempo e da combinação da agricultura, da mdustna e
do artesanato
na
moderna comunidade rural.
A despeito da opressão que as federações de ;-oo
p e r a t i v a s ~ .
i m e d i a t ~ m e n t e
sofreram
por
parte das . orças
reacionárias surgiu na França, nos anos subsequentes,
grande n ú ~ e r o de novas
c ~ o ~ e r a t i v a s
de produção.
Até os médicos e os farmaceuticos se .associaran; em
cooperativas (embora neste caso? naturalmente . nao se
trate
de uma
autêntica cooperativa
de
. produçao,
uma
vez que aqui não se pode f ~ l a r de um tra?aJho em
comum).
~ f ô r ç
do entusiasmo_ o o p e r a t i v 1 s t ~
breviveu à revolução. Nem sequer, as persegmçoes
e dissoluçõeS- de muitas cooperativas depois do golpe
de
Estado conseguiram sufocar o
m o ~ i m e n t o .
.
O
ver
dadeiro perigo que as
a ~ e a ~ a v a
.provmha,.
aq.m
:orno
na Inglaterra, de seu propno seio: a c a p l t ~ b ~ a ç a o a
paulatina transformação em s o c i e ? , a d e ~ ~ a p 1 t a h s ~ a s _
s ~ m i c a p i t a l i s t a s .
Em
1850, os s o c ~ a h s t a s c n s t a ~ s
inglêses iniciavam
um
e s f ô r ~ o entusiasta p ~ r a cr:ar
uma grande 'rêde
de
cooperativas
de
produçao, a fim
de que, "'pouco a pouco, tôda a produção de ben.s de
consumo se organizasse em forma de- cooperativas,
fixando-se os preços por comum acôrdo, através .
eliminação da concorrência mútua.". Quarenta an?s
depois, Beatrice Webb comprovou que, c o ~ exceçao
de
oito cooperativas que permaneceram mais
ou
me
nos fiéis
ao
ideal de
uma
"irmandade
de
trabal?ado
res" _ se bem que a maioria, ainda assim, contivesse
um
~ u t r o
ponto duvidoso - t ô d ~ s a p r e s e n . t a v a ~
~ m a
assombrosa diversidade de orgamzaçoes
a n s t o c r a t 1 c a ~
plutocráticas e monárquicas''. Cincoenta anos depolS
de
Louis Blanc, encontramos
na
França uma
c o o ~ e r a
tíva de produção típica nesse sentido: a dos ,fabrican
tes
de lentes ·que, ao lado de um pequeno numero de
9
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ssociés e de outra aproximadamente igual de adhérents
empregava um número dez vêzes maior de assalariados.
Não obstante em tôdas
as
partes encontramos belos
exetnplos
de
luta interior
em
pr?I . do socialismo:. Elas
assumem por vêzes aspectos trag1cos, mas contem, ao
mesmo t ~ m p o , algo' de profético. A cooper.ativa de
produção foi com razão, considerada como filho pre
dileto e motivo de aflições de todos aquêles que es
peram do movimento coorcrativista algo de essencial
para a redenção
da
ilumanidade . No entanto, se ,n?s
ativermos aos fatos, poderemos compreender, facil
mente, por que um paladino das a ~ s o c i ~ ç ~ e s de consu
mo
qualificou de totalmente antt-socialtstas em sua
essência
as
cooperativas de consumo que trabalham
para o mercado livre, uma vez que os produtores, es
tabelecidos por e para
si
mesmos, sempre. e em.
t ô ? ~ s
as circunstâncias, terão interêsses separatistas, md1v1-
duais ou grupais . Mas, a prescindir do exagêro, o
que cada formulação pretende é justamente qu.e as
c o ~
operativas de produção não se
estal;>eleçam
para
mesmas . Para impedi-lo, tendem, conjuntamente, dois
grandes princípios: a combinação de produção e con
sumo na cooperativa integral e o federalismo.
O desenvolvimento das produções de consumo
obedece a uma progressão numérica. Hoje em dia,
grande parte da humanidade civilizada de n e i ~ mui
to
característica, fora dos Estados Unidos) esta orga
nizada em cooperativas, no que se refere ao co_nsume.
Por outro lado, o desenvolvimento das cooperativas
de produção (refiro-me .apenas. à c o ~ p e r a t i v ~ s de pro
dução industrial
em
sentido mais restrito, e nao. a todas
aquelas associações parciais, s o b r ~ ~ u d o a ~ r í c o l ~ s . que
se propõem, exclusivamente,. a f a c ~ l t a r e
mte?s1f1car
a
produção
individual) segue uma lmha em ziguezague
que, em conjunto, dificilmente apresenta uma tendên
cia ascendente. Surgem, con:stantemente, novas coo
perativas e, como
as
de maior vitalidade quase sempre .
se passam para , o campo do c a p i ~ a l i s ~ o não existe
continuidade. a com a cooperattva mtegral ocorre
um fato diferente· seu desenvolvimento, se é que se
pode falar
em
tal,' apresenta o aspecto de uma multi
dão de pequenos círculos que carecem de uma verda
deira vinculação. A fundação de associações de con
sumo e cooperativas de produção teve sua origem em
92
amplos movimentos que se propagaram de um lugar
para o outro. A fundação de colônias, no sentido da
cooperativa integral, teve, na maioria das vêzes, um
quê de esporádico, de improvisado, sem transcendên
cia ulterior. Ao contrário daquelas, faltou-lhes o que
Franz Oppenheimer denominou de fôrças de ação a
distância . Não porque algumas delas não tenham da
<lo
o que falar, mas
é·
que seu puder de atração era in
dividual e não deram vida a novas células comunitá
rias. Na História das colônias cooperativas ainda não
se encontroq uma tendência federativa, nem na Europa
(com exceção da Rússia soviética que carece, porém,
da base essencial de uma autêntica autonomia e da
livre decisão) nem nos Estados Unidos. As associa
ções de consumo que apresentavam um· desenvolvimen
to firme e constante federaram-se, o mesmo ocorrendo,
via de regra, com as cooperativas de produção agrícola:
as cooperativas de produção industrial fizeram-no de
modo descontínuo, com altos e baixos, e
as
colônias
comunitáiias jamais se federaram. Seu destino não obe
dece
à
sua vontade. Originalmente, não queriam iso
lar-se, mas isolaram-se. Queriam converter-se em
exemplos a serem imitados, mas não passaram de ex
periências interessantes. Queriam constituir..:se em co
meços dinâmicos e explosivos
da
transformação social,
mas cada uma delas fêz, de si tnesma, um fim. A
causa dessa diferença entre
as
cooperativas de consumo
e produção, por um lado, e
as
integrais, por outro, pa
rece-me residir numa diferença essencial do ponto de
partida. As cooperativas de consumo e de produção sur
giram de determinadas situações que eram, mais ou me
nos, as iµesmas para tôda-uma série de localidades e
fá .
bricas, de sorte que, desde o princípio, já existia o
germe para uma influência recíproca entre
as
diversas
experiências que se fizeram para dominar a situação
e, com isso, o germe para sua subseqüente federação.
Ademais, os planos que deram origem à fundação
d ~ s -
sas cooperativas não provinham de reflexões gerais,
mas de problemas com que os planejadores
se
defron
. ararri em face das próprias situações. Podemos obser
var êsse processo, nitidamente, em King e
em
Buchez
que já eram federalistas por princípio. Buchez chegou
a pensar, inclusive, numa agrupação federativa para
ós
sindicatos
que.
propôs. Tanto num como noutro caso,
93
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os planos visam suprimir
um d e ~ e r m i n a d o e s t a ~ o
de
miséria e têm caráter local por aspirarem à soluçao dos
problemas, justamente
lá
onde se m a n ~ f ~ s t a m .
: E s ~ e s
planos podem ser classificados como top1cos, ou s.eJa,
locais, já que, por
sua
essêncill, refere.m-se a d.etermma
das localidades, àquelas onde se mamfesta1? proble
mas. similitude
de
problemas, em l ~ c a i s
d ~ t e : e n t ~ s
propicia a possibilidade de que se
n : ~ h z e a
fusao
fe
deralista até se atingirem estruturas gigantescas, como
0
são ;lgumas federações atuais de associações
de
consumo.
Coisa fundamentalmente diferente
s u c e d ~ ,
em
g e ~
ral, com as cooperativas i n t e ~ r a ~ ~
tiJ?O
colôma. Aqui
vemos, repetidamente, como a ldeia
d t t ~
os seus ter
.
mos, .
independentemente .ou · da .
~ t u a ç a o m o l l e n t a ~ e ~ ,
mas sem qualquer relaçao essencial com locais def1m-
dos ou com suas exigências. Seu esbôço é desenhado no
ar para, a seguir, ser projetado s_ôbre ~ t e r r a . Sua
figuração _ quer surja de cons1deraçoes especulatrv:as,
adotando. uma
forma
esquemática, como. em Fourier, .
quer se cristalize
. d ~ e x p e r i ~ D : c i a s d e t e r m m ~ d a s ,
· adap
tando-se aos requ1s1tos empmcos,. como .em ?wen
não procura solucionar determmada s1tuaçao e, sim,
criar situações novas, independentemente
?e
l u g ~ r e ~
e
de p r o b l e m ~ s locais.
O
m e l h ~ r exemplo e
c o n s t i ~ m d o
pelas colonizações no estrangetr? .
" e ~ e c ~ s o , nao
se
trala
de
uma emigração
em
marcha, orgamzada e re
gulamentada sociallsticamente. A q ~ i ao i m p ~ l ; > 0 de
emigrar; acrescenta-se outro:
?
deseJo,.. de p a r t t . c 1 p ~ r
da
realização
de uma
ordem social. esse desejo e fre
qüentemente reprimido pelo dogmatismo . u m ~ orga
nização que se. julga a única acertada, a
u ~ 1 ~ a 1.usta
e
a única verdadeira, e cujas rigorosas e x 1 g e n c 1 ~ s se
opõem, às vêzes, como única fôrça coesiva à
. X : e ~ r g e n t e
relação entre seus membros . ·
(De
fato,
d1f1c1Jmente
basta a comunidade ideológica
para
fundamentar'
uma
comunidade de vida.
Para
isso, é necessário que haja
uma vinculação mais profuhda, procedente do ser do
homem.) A colôn.ia que permanece fiel à dogmática .
corre o risco de entorpecer-se e a que cresce rebelando
-se ·contra ela, o de dissolver-se, porque ambas
c a ~ e -
cem
da
fôrça modificadora e correrora que advém
da
compreensão das condições,
do
condicionamento. ~ i :
9
do impera o dogma, obtém-se o isolamento
da
colônia;
0
exclusivismo da única forma acertada impede a
união com outras colônias (embora sejam de ideolo
< ias
afins). Em
cada
uma delas, seus crentes estão
plenamente convictos de que
sua
realização inigualá
vel é única e incondicional. Contudo, mesmo quando
0
dogmatismo é menos rígido, a colônia - fechada
espiritual e económicamente - também sucumbe, so
bretudo em pais estrangeiro,
ao
destino
do
isolamento,
da ausência
de
vinculação e
da
ineficácia. Tudo isso,
entretanto, não seria
tão
determinante, se uma grande
fôrça educativa, ajudada pela vida e pelo destino, as
segurasse, à vontade e
ao
sentimento comunitários, a
vitória sôbre o egoísmo inerente, ou melhor, se êste
pudesse elevar-se por meio daquela a uma forma supe
rior. Geralmente, porém, o egoísmo coletivo substi
tui, até certo ponto e conscienciosamente, o egoísmo
individual. Quando êste ameaça, em determinado mo-
.menta, desfazer a coesão interna
da
cooperativa, aquê
le, associado não
raro ao
dogmatismo, impede que se
forme uma autêntica relação comunitária entre a coo
perativa e outras cooperativas, entre a cooperativa e o
mundo.
A maioria das experiências
de
colonização que
conhecemos fracassou ou se extinguiu, e não somente
as dos comunistas, como julgam alguns. As emprêsas
áe -séitas religiosas, naturalmente, constituem exceção,
pois sua vitalidade só deve ser entendida dentro da
fôrça de fé
do
grupo e somente como
m a n i f e s t a ç ã ~
parcial dessa fôrça. É cara.cterístico que aqui, e so
mente aqui, surja a
fonna
federativa, como ocorre com
a seita russa dos Duchoborsis
do
Canadá,
ou
dos
u -
terite B r e t h r ~ n .
I<ropotkin é muito injusto, portanto,
quando atribui o malôgro das experiências de coloni
zacão 'comunista ao fato de que se basearam num im-
. pnÍso de caráter religioso, ao invés de considerar, sim
plesmente, a comuna como
um
modo
de
consumo e
produção
dá
ordem econômica . Foi, justamente, nos
casos em que a colônia surgiu como manifestação de
uma autêntica exaltação religiosa que considerava sua
existência como o início
do
reino
de
Deus, e não sim
plesmente como
um
pobre substituto
da
religião que
ela, ger.almente, demonstrou sua fôrça p e r s e ~ e r a n t e .
9
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1 i
1
Entre as ca.usas do malôgro
da
maior parte das
experíências de colonização mencionadas por Kro
potkin
á duas especialmente dignas de nota que, no
fundo
não passam de uma só: seu isolamento da socie
dade e o isolamento entre as próprias colônias. Kropo
tkin engana-se quando atribui uma dessas causas
à
pe
quenez da comuna, argumentando que, n u ~ a comuna
pc:quc:na seus membros, alguns anos depois, acabam
aborrecendo-se de uma convivência tão íntima; entre as
colônias que se conservaram durante muito
t ~ m p o
ve
mos colônias pequenas ao lado de outras maiores. No
entanto êle tem razão quando exige a federação para
compen'sar a pequenez dos grupos. O fato de passibi
litar a passagem dos membros de uma coloma para
outra - fator decisivo para Kropotkin - não passa,
na realidade de um dos vários. efeitos favoráveis da
.
,
federação. O que é fundamentalmente importante a
federação em si,
é
que
os
grupos se completem e
aJU-
dem mutuamente, é a corrente de vida comunitária en
tre êles que se fortalece com o intercâmbio. Não menos
importante, contudo, é que as
Acolônias
tenham :Vincu-
lações, se bem que de outro genero, com a sociedade
em g e r a ~ não só porque necessitam de um mercado
para seu excedente de produção, não só porque a ju
ventude, como diz Kropotkin, não tolera o isolamento,
mas porque as colônias, quando não possuem aquela
fé messiânica especial, precisam influir no meio am
biente para poder
vive.r.
Quem traz uma m e n ~ a g e m
precisa expressá-la, não necessàriamente por meio da
palavra, mas com sua existência. ·
A
uma pergunta formulada por círculos c o l o ~ i ~
tas, Kropotkin respondeu com uma carta aberta dm
gida a todos os grupos interessados em colonização.
Nessa carta, êle insistia qQe uma entidade copiunitá
ria que quisesse ser digna dêsse nome deveria basear
-se no princípio da associação de famílias independen
tes entre si que combinassem suas fôrças. Com isso,
êle
queria dizer que o grupo individual á devia nas
cer, federativamente, da fusão das mais minúsculas
unidades comunitárias. Para que o movimento federa
tivo se desenvolva, além do grupo, é necessário que
haja espaço. Na obra A Ciência Moderna e a
n r-
quia,
diz Kropotkin que a experiência deveria ser
feita num território e acrescenta que êsse território
96
deveria abranger cidade e campo. Novamente, é pre
ciso classificar os motivos econômicos dentro do gran
de motivo social. Uma autêntica vida de comunidade
significa multiplicidade de funções e ação recíproca
tre elas, não redução, nem estrangulamento. Todavia,
não basta que uma cidade se converta em comuna ,
como parece supor Kropotkin. Se ela se defrontasse,
desarticula.da e socialmente amorfa, com a complexa
organização
da
federação de aldeias, acabaria, forçosa
mente tendo um efeito negativo.
e
preciso que ela se
articuie a
si
meSll1a
que se transforme numa federação
de cooperativas, para poder manter relações verdadei
ramente frutíferas com o campo. No planejamento eco
nômico de nossa época, decorrente, quase sempre, de
considerações de caráter técnico-organizatório, encon- .
tram-se algumas sugestões notáveis nesse sentido. ·
Do
curso problemático das m u i ~ a ~ experiências de .coloni
zação efetuadas até agora, limitar-nos-emos a citar, de
sua ampla e instrutiva História, um exemplo caracte
rístico: a primeira fundação dêsse gênero feita por
Owen e a única que foi obra pessoal sua: ~ e w Har
mony'', em Indiana.
:e.te
c9mprou a propriedade da
seita dos separatis tas ' imigrada da Alemanha, que, em
vinte anos de trabalho, lhe haviam conferido alguma
prosperidade. A aceitação de membros efetuou-se sem
distinção. O .grande economista alemão Friedrich List
anotou então em seu Diário Americano: Os elemen-
' ' . .
tos não parecef(l ser dos m e l h o r e ~ . Em primeiro
lugar, a organização da nova comumda.de base?u-se na
completa igualdade dos membros;
s e n ~ o ,
por
e ~ s e
m o ~
tivo denominada também de comumdade
da
igualda-
. '
de . Ao fim de dois anos, depois que alguns grupos se
separaram, foi ·preciso tentar t r a n s f o ~ m a r a comunidade
numa federação de pequenas sociedades.
Contudo,
também êsse plano de transformação e outros
a n ~ o g o s
fracassaram. Quando Owen regressôu de uma viagem '
à Inglaterra e tornou a ver a colônia, depois de três
anos de existência, foi obrigado a confessar que era
prematura a exp,eriência ·de unir; para que convivessem
como uma comunidade familiar,,
um
grande número de
desconhecidos que não haviam sido previamente educa
dos para essa finalidade e que os hábitos sistema
individual haviam demonstrado ser excessivamente
9
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obra comum, como na época heróica do movimento
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cooperativista ou, então, em momentos de crise em que
indivíduos que, ordinàriamente, permanecem na obs
curidade da vida privada, colocam--se, abnegadamente,
no plano da vida pública, lutando pela necessidade de
muitos. Mas, desde que as compras em. comum se
converteram em negócio, cuja responsabilidade é trans
ferida a empregados , deixaram
de
unir essencial
mente aos homens. A união passa a ser tão i m p r e c i s ~
e impessoal que não se pode mais falar em células da
comunidade e de sua fusão numa estrutura orgânica
complexa,
nem
sequer quando, ao armazém coopera
tivo; se associa também a organização cooperativa de
um setor parcial qualquer da produção. Essa idéia foi
expressa, com particular clareza; no livro The National
{Jeing do poeta irlandês George William Russell (que
escrevià
com
o pseudônimo A.E. ), obra que, escrita
com autêntico patriotismo, versa sôbre a transformação
social da Irlanda: Não basta organizar os camponeses
de
um distrito, visando uma úníca finalidade - quer
se trate·de uma sociedade .de crédito, de uma coopera
tiva leiteira, de uma fábrica de presunto ou de um ar :
mazém cooperativo (aqui devemos a c r e s c ~ n t a r ou
uma instituição que reúna tôdas essas atividades).
Tôdas essas coisas podem e devem ser elementos ini
ciais. Mas,
'Se
elas
p.ão
desenvolverem e absorverem
em sua organização todos os negócios do povoado, não
terá sido criado um
autêntico organismo. social. Quando
alguns indivíduos se unem como consumidores para
faier compras em comum, êles se põem em contato
apenas riesse ponto. Não existe uma identificação geral
de interêsses. . .
À
união especializada desenvolve,
exclusivamente, a capacidade de rendimento econômi
co. A evolução da humanidade, para além de seu nível ·
atual, depende, totalmente, de sua aptidão para criar e
unir autênticos organismos sociais.
a
exatamente isso
o que entendo por ·reestruturação orgânica da so
ciedade.
A cooperativa de produção é, ·em si, muito mais
apropriada do que a associação de consumo, para to
mar parte em
semelhante reestruturação, isto é, para
servir como célula de uma nova estrutura. A produção
em comum
exige
muito mais do homem do que a aqui-
100
sição em comum para seu consumo individual e requer
muito mais de suas energias vitais e de seu tempo. O
homem, como produtor, tem, naturalmente, muito mais
disposição para unir-se ativamente aos seus semelhan
tes do que o homem como consumidor e está mais ha
bilitado a formar, com êles, unidades sociais vivas.
Isso
é
válido para o empresário,
desde que,
através
da união, êle se tome mais forte para o desenvolvi
mento e a realização de sua atividade produtora,
do
que era ou poderia ser isoladamente; mas é particular
mente válido para o próprio trabalhador,
pois,
graças
à união, é que êle se toma realmente forte para êsse
mister. Depende, apenas, que êle tenha consciência
vital dessa perspectiva e acredite em suas possibilidades
práticas. Como já vimos, entretanto,
êle
sucumbe fà
cilmente nessa estradá, por obra
de
uma espécie de
fatalidade, à tentação de fazer
com
que os outros tra
balhem para êle. Se a associação de consumo, no plano
técnico-organizativo, sucumbe, exteriormente, à forma
capitalista, o mesmo se verifica internamente com a
cooperativa de produção, no nível estrutural e psico
lógico. A cooperativa de produção,· entretanto, é mais
acessível a uma federação autêntica e não apenas técni
ca. Contudo, mesmo nos círculos que mais entusiàsti
camente defendem a reforma social, por meio das coo
perativas de produção, subestima-se a importância de
cisiva das pequenas unidades orgânicas e sua expansão
orgânica para uma federação. Pudemos constatar êsse
fato há vinte anos, no socialismo das guildas inglêsas.
· Por um lado, concebeu-se a audaz inovação de conver
ter o Estado em sistema dual, composto pela ·organi
zação complexa e organizada dos produtores e pela
delegação unida que representaria a totalidade dos
consumidores. Por outro
lado,
no entanto, logo se evi
denciou que . os elementos das guildas n a c i o n a i s ~ · -
que compreendiam todo um ramo da indústria - par
tidários da
regiment tion into single
f
ellowship o all
t ~ 1 o s e
who are employed in any given industry
e que
amda nutriam idéias totalmente saint-simonistas, eram
rnuito mais fortes que os partidários das guildas lo·
cais'', isto é, pequenas unidades orgânicas e sua fede
ração. Para que o princípio
da
reestruturação orgânica
?e torne decisivo, é necessário o influxo da cooperativa
ll1tegral, na qual se unem produção e consumo e que,
101
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na produção, a indústria se combine com a agricultura.
Por
muito tempo que possa decorrer, antes que ela se
converta, decididamente,
na
célu
la
da nova sociedade.
é importante que a cooperativa Integral edifique, ime
diatamente,
um
vastíssimo complexo de centros magné·
ticos
de
ação, enlaçados entre si.
Uma
autêntica refor·
ma interna da sociedade, que tenha perspectivas de ser
d_uradoura, .somente
poderá
ser conseguida através da
união de produtores e consumidores, ambos
co
nstituí·
dos
em
unidades cooperativas autônomas e distintas -
união
cuja
vitalidade e fôrça socialista
só
poderão ser
asseguradas através de
uma
multiplicidade de coopera
tivas integrais, atuando conjuntamente e que, graças
füa
função
nt
ética, exerçam
uma
influência concilia
dora
e unificadora.
Para
isso, entretanto, é necessário Que,
ao
invés
das
experiências isoladas e condenadas por sua nàtu
reza ao isolamento e
que
vêm lutando mais de
um
século
por
sua existência, sejam criados vastos conjun
tos de colonização, territorialmente projetados e fede
rativamente organizados, destituídos de rigidez dogmá
tica, que permitam a coexistência
de
unidades socia,is
diversas, mas sempre 'visando o conjunto .e a nova tota
lidade orgânica.
1 2
VIII.
M RX
E A
RENOV ÇÃO
D
SOCIED DE
Vimos
que
a finalidade do chamado socialismo
utópico é substituir, tanto quanto possível, o Estado
pe
la
sociedade e, efetivamente,
por uma
sociedade
autêntica que não seja
um Estado
dissimulado. Para
o advento
de
uma
sociedade autêntiêa
são
necessárias
as seguintes condições: ela não pode constituir-se de
um agregado de indivíduos que
não
estejam estreita
mente vinculados
entre
si, pois
sua
coesão, nesse caso,
só poderia ser mantida à custa de
um
princípio político
de domínio e coação; deve compor-se de pequenas so
ciedades comunitárias e das federações dessas mesmas
sociedade ·e tanto as relações entre os membros dessas
1 3
l i
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sociedades, como as das sociedades e federações entre
si, devem ser determinadas,
na
medida do possível, pelo
princípio societário e pelo de vinculação íntima, cola
boração e auxílio mútuo. Dito com outras palavras:
somente uma sociedade profundamente estruturada
poderá substituir ao Estado.
~ s s e
objetivo,
por
sua
própria natureza, não pode ser alcançado, exclusiva
mente, através de uma mudança
na
ordem do govêmo/
isto é, daqueles que retêm o poder em suas mãos e, ·
tampouco, unicamente através de uma modificação no
sistema da propriedade, a saber, dos detentores dos
meios de produção; nem por qualquer instituição
ou
lei que regule, exteriormente, as formas sociais de vida
e, tampouco, pela ação conjunta de todos êsses meios.
Todos· êles são necessários- em determinadas fases da
transformação, ficando naturalmente implícito que não
deve resultar, daí, um sistema coercitivo que regula uni
tàriamente o todo, pois êsse sistema impediria o flo
rescimento do elemento fundamental, que é a esponta
neidade e a configuração interna, assim ·como da diver
sidade indispensável para a formação de uma sociedade
autêntica. O fator realmente necessário e imprescin
dível, a ponto de todos os outros servirem apenas para
complementá-lo e concretizá-lo, é justamente a forma
ção
da
própria sociedade· autêntica, baseada,
em
parte,
em
sociedades já existentes cuja forma ·e sentido é pre
ciso renovar e, em parte, em outras que deverão ser
criadas. Qanto mais uma tal sociedad(f existir ou se
encontrar latente no momento em que se iniciarem as
transformações externas, tanto mais ràpidamente será
possível ·tomar realidade o socialismo
no
nôvo sistema,
evitando-se o perigo de que o princípio do poder, em
sua forma econômica, política, ou
em
ambas, torne a
introduzir-se e que, sob a aparência de novas leis e
instituições, as relações humanas, ou seja, a própria
vida, fiquem tão deslocadas e desfiguradas como sob o
regime capitalista. Essas modificações do sistema polí
tico e econômico significam,
para
a realização do socia
lismo,
nada
mais e nada menos, a eliminação indispen
sável dos obstáculos. Sem a modificação do sistema
político e econômico, o socialismo permanece apenas
em idéia, impulso e experiência isolada; mas, sem a
reestrnturação efetiva da sociedadtf, a modificação do
104
i s t c existente será apenas uma fachada sem casa.
m
nenhuma circunstância, porém, deve-se considerar
a modificação do sistema em primeiro lugar, colocan
do-se, a seguir, a reestruturação da sociedade. Uma
sociedade que se transforma pode, não há dúvida, criar
os órgãos de que necessita
para
impor-se, d e ~ e n d e r s e
e eliminar os obstáculos; mas a modificação e x c l u s ~ v a
da relaç
ão
do poder não àia uma nova sociedade capaz
de superar o princípio do poder em si. Para o socia
lismo utópico , as células de reestruturação mais im
põi tantes são as cooperativas, em suas diversas formas.
Quanto mais êle progride na elucidação de sua idéia,
tanto mais claramente surge a função diretriz da coo
perativa integral, abrangendo produção e consumo.
Para essa idéia, a cooperativa não constitui um fim em
si, nem sequer quando nela· se alcança uma ampla rea
lização do socialismo. Muito mais importante
é
formar
a substância que, ãtravés da nova ordenação, será li
.berada, investida de seu direitb e vinculada à união das
diversificações. O socialismo utópico pode ser con
siderado
tópico,
justamente nesse sentido: êle não é
ãtópico'', pois deverá realizar-se dado momento,
em determinado lugar e em determinadas coµdições e
pr
ecisamente aqui e agora , dentro das possibilidades
viáveis aqui e agora. A realização local, porém, n u ~ c a
significa,
para
êle, mais do que um pont? de partida
- como se foi evidenciando, cada vez mais, no desen
volvimento da idéia - um comêço , algo que deve
existir p·ara que a realização consolide,
para
que se
conquiste a liberdade e a valtdade, para que a nova
sociedade parta dêsse comêço , de tôdas as células e
daquelas que surgirem em seu seio.
A partir dêsse ponto, formularemos a Marx e ao
marxismo as perguntas decisivas sôbre meta e cammho
Desde sua primeira formulação socialisfa, até a
plena maturidade .de seu
p e n s a ~ e n t o ~ r ~
c o r ~ c e b e
a meta de uma maneira Que muito se avmnha a do
socialismo utópico . á en agôs
to
de 1844,
êl
e es
crevia (no artigo A 1wtações Críticas : A revolução
em geral - a derrubada do poder e x i s t e ~ t e a disso
lução do regime anterior - é um
~ t o p o h t 1 ~ 0 .
·
Co tu-
do, sem revolução não se pode por o soc1ahsmo em
prática. :
Ble
necessita dêsse ato político, enquanto me-
1 5
I
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c ~ s ~ i t de d ~ s ~ r u i ç ã o e dissolução. Mas, lá onde prin
c 1 ~ 1 a ~ u a .
a t i v 1 d a d ~
organizadora, onde aflora sua pfó
pna
fmahdade, sua alma, o socialismo desprende-se de
sua envoltura política . Isso deve ser confrontado com
o seguinte trecho que data de princípios do mesmo ano
Sôbre a Questão Judaica :
Somente quand0 o ho·
mem t i ~ e r descoberto e organizado suas iorces propres
como forças sociais (portanto, não é necessário · como
diz Rousseau, modificar a natureza do homem, tÍrar-lbe
s u a ~ forces. propres e conferir-lhe outras que tenham
c a r a t ~ r
so:iat)
e, _conseqüentemente, não mais separar
s a. força social em forma de fôrça política (i.e.,
n ~ o ? 1 ~ 1 s e s t a b e l , e ~ e r o Estado como organização do
prmc1p10 de domm10), somente então é que poderá ser
c o n s u ~ ~ d a a emancipação humana . Visto como para
Marx, Jª desde aquela época, o regime político é apenas
a expressão e o resultado do domínio
de
classes, é na·
tural que desapareça com a supressão destas. Justa..
mente por isso, o homem que não está mais separado
do homem e da comunidade deixa de ser o homem
político. Isso, porém, não é considerado meramente
~ o r n o
c o ~ s e q ü ê n c i a de, desenvolvimento posterior
a r e v o ~ u ç a o ; pelo contrario, como afirma Marx naque
les dois trechos, a revolução como tal,
i.
e.
a revolu
ção em sua função puramente negativa, dissolvente .
constitui o derradeiro ato político. Quando tem início à
atividade organizadora no terreno
preparado
pela re·
v o l ~ ç ~ o , isto
é, .
u ~ ~ d o co n:1eça a função positiva
do
s?cialtsn;o, º prme1p10 p0httco é suplantado pelo so·
cial; o amb1to em que se aplica essa função deixa de
ser o âmbito do poder político exercido pelo homem
sôbre o homem. A formulação dialética demonstra.
sem deixar margem a dúvidas, qual é a sucessão dos
fatos reais, do
ponto
de vista de -Marx.
Por
um lado.
q
ato político
da
revolução social acaba não só com e
Estado
de classes, mas com o Estado em geral, come
estrutura
de
poder,
ao
passo que, pelo contrário, a re
~ o l ~ ç ã o políticá, como tal, é j u s ~ a m e n t e a que o ins·
titm em elemento de interêsse comum, isto é em ver
d a d e i r ~ J?stad? · Por outro lado, a atividade organi·.
z a d o ~ a , isto e, .a reconstrução da sociedade, só começa
depois de se naver consumado a total subversão
do
poder existente. A atividade organizadora anterio r à
revolução constitui, para êle, apenas a organização da
/
1 6
tum. Aqui, vemos com tôda clàreza o ·que é que une
Marx ao socialismo utópico :. a vqqtade de substituir
o princípio político pelo social e o que
o
separa dêle:
seu ponto de vista, segundo o qual essa substituição só
pode efetuar-se através dos meios políticos, mediante
um puro suicídio, por assim dizer, do princípio político.
Essa
opinião tem profundas raízes na concepção
· dialética que Marx faz da História e que recebeu sua
formulação clássica quinze anos depois,
no
prólogo à
obra Sôbre a Crítica da Ecorwmia Política.
Não
obstante,
no
capítulo final da
Polêmica
con
tra Proudhon, parece formular-se uma restrição não
destituída
de
importância:
No
curso de seu desenvol
vimento, a classe operária substituirá a anterior socie
dade burguesa por uma associação que excluirá as clas
ses e o seu antagonismo e não mais haverá um poder
político propriamente dito, visto como o poder político
é justamente o resumo oficial
le
résu é
officiel) do
antagonismo
no
seio da sociedade b u r g u e ~ a . Não
existirá mais poder político pràpi'iamente dito
-
o
que significa: não haverá poder político no sentido de
expressão e resultado
do
domínio de classes, o que é
óbvio, uma vez que se tiver, realmente, chegado
à
su
pressão desta. Mas será o proletariado, realmente, a
última classe que, ao se apoderar
do
poder, acaba
com o domínio
de
classes em geral? Ou melhor: não
poderá, no seio de um proletariado vitorioso, formar-se
uma nova diferenciação social que,
embora
ainda não
se denomine exatamente classe, .conduza,
não
obstante,
a uma nova posição de domínio? A b s t r n o s ~ e m o s
dessa questão, pois ela, evidentemente, não se apresen
tou a Marx. Resta, porém, uma questão não menos
grave, qual seja, a essência e a extensão do poder polí
tico impropriamente dito'', isto é, do poder político
que não mais se apóia no domínio de classes . e que
prossegue existindo depois da supressão destas. Não
haveria a possibilidade
de gue
êsse poder,
ao
invés
de
tornar-se menos, se tomasse,
ao
contrário, mais sensí
vel do que aquêle gue se apóia no domínio de classes?
.E isso, sobretudo, enquanto persistir a luta pela de
f o s ~ da revolução , isto é, enquanto a humanidade tôda
não chegar a suprimir, de fato, o domínio de classes,
ou ainda, possivelmente, enquanto ela não tiver se iden-
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porém reconhece-se ser êle o verdadeiro caminho con anteriores, seu verdadeiro segrêdo , enfim, era o fato
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ducente a essa transformação,
com
a condição indispen
sável de que a classe operária' conquiste o poder polí
tico. Marx, pràticamente, aproxima-se aqui, de
ma-
neira notável, da idéia da reestruturação, sem aceitá-la
em princípio. A êsse respeito, devemos mencionar .que
êle percebeu, nitidamente, o perigo de as cooperativas
se
transformarem em simples sociedades anônimas bur
guesas, tendo recomendado, ademais, a solução apro
priada: que todos os operários que nelas trabalharem
obtenham a mesma participação.
Contudo, menos
de
três meses· antes
da
realização
do Congresso de Genebra, Marx escreve a Engels sôbre
as tendências dos franceses,. manifestadas num debate
do
Conselho Geral da Internacional: '.'Stirnerianism0
proudhonizado. Dissolver tudb em pequenos grupos ou
comunas, formando,
por
sua vez, uma 'associação',
mas não um Estado . Aqui manifesta-se, indubitàvel
mente a corrente centralista
da
idéia de Marx, se bem
que de maneir a apenas alusiva. O federalismo de
~ q d h a n ao qual êle combate,
não
pretende, absolu
tamente, dissolver tudo em comunas,
mas
conceder uma
autonomia relativamente ampla às comunas existentes
e agrupá-las em federações, cuja união se
cónstit1;1iria
numa
forma de comunidade mais orgânica
do
que o
Estado atual. Marx, pelo contrário, declara-se firme
partidário do Estado como tal.
Entretanto, cinco an0s mais tarde,
um
aconteci
mento revolucionário mais pujante que todos os ante
ríores e oriundo de
outra
fonte, a Comuna de Paris, iria
influir novamente sôbre a concepção
de
Marx.
Numa
de suas obras mais importantes, a Alocução do Conse-
lho
Geral d
Internacional
sôbre
a
Guerra
Civil na
França
(por
êle redigida), é esboçapo o quadro da
estrutura da atividade e das intenções
da
Comuna. O
fato de 'a fidelidade histórica dêsse quadro ter sido
posta em discussão não importa
ao
caso; o quadro cons
titui uma confissão sumamente imp ortante
para
o nosso
tema
que
estuda as mudanças
de
posição de
Marx
no
que tange à formação de uma nova sociedade.
O que aos olhos de
Marx
distinguia a Comuna,
sob todÓs os aspectos, de todos os e m p r e ~ n d i m e n t o s
• De Sllrner, pseudônimo de Kaspar Schmidt, filósofo anarquista.
N. da
T.)
11
de constituir-se essencialmente num govêrno da classe
operária''. Isso deve ser
i n t ~ r p r e t d o
ao pé da letra.
Marx alude a um govêrno não somente instituído pela
classe operária, mas também exercido por ela. A Co-
muna é o autogovêrno dos produtores . A represen
tação, eleita mediante sufrágio universal pelo povo de
Paris, e cujos membros, submetidos às instruções con
cretas de seus eleitores, poderiam ser destituídos a
qualquer momento, deveria ser não
uma cooperação
parlamentar, mas operária, executiva e legislativa si
multâneamente . A mesma organização era prevista
para
todos os municípios da França, inclusive
para
as
aldeias mais insignificantes. Os municípios rurais
deveriam administrar seus assuntos comuns
no
Parla
mento do distrito e as Assembléias distritais enviariam,
por
sua vez, deputados à Delegação nacional. Ao invés
do poder centralista do Estado, com seus órgãos oni
prese·ntes , legado da monarquia absoluta, deveria sur
gir uma e p ú b l i c amplamente descentralizada. f\s
poucas, mas importantes funções ainda atribuíveis a
um
govêrno central seriam confiadas a funcionários comu
nais, isto é, rigorosamente responsáveis . A descentra
lização, porém, não significaria uma at0mização e, sim,
uma reconstituição da unidade nacional sôbre uma base
orgânica, uma reativação das energias sociais do povo
e conseqüentemente, de todo o organismo da nação.
O
regime comunal teria devolvido
ao
corpo social tô
das as fôrças que, até então, eram consumidas pelo
monstro parasitário, o 'Estado', que
se
nutre da socie
dade e entorpece seu livre movimento. S6 com êste
ato já se teria
dado
andamento ao renascimento da
França . É evidente que Marx não se refere aqui a
determinadas fo.n:nas históricas de Estado, mas ao Es
tado em geral. Pelo fato de o govêrno local autô
nomo
ser
aceito como algo natural , o poder
do
tado torna -se supérfluo . Nenhum dos socialistas
' 'utópicos
se
expressa,
no
que tange a êsse ponto, em
têrmos mais r d i c ~ s
do
que Marx.
Contudo, a estrutura política da Comuna nada
mais é, para Marx,
do
que a ante-sala
do
fator autên
tico e decisivo, o prelúdio da grande transformação so
Cial a que seria conduzida
por
sua disposição e
por
seus plãnos, se não houvesse sido aniquilada. Marx vê
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dições existentes. Engels replica a essa pretensa
xi-
escreve a Marx de Genebra
para
perguntar-lhe, como
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gêocia: Acaso os senhores
já
viram.
uma . r e v o l u ç ~ ~ ?
A
revolução é indubitàvelmente, a coisa mrus
a u t o n ~ a -
.
ria que existe . Se isso significa que a luta revolucio
nária, como tal, deve ser. efetuada debaixo
de
ordens
e sob uma disciplina severa, estall':os acôrdo; _mas,
se significa que, na época revoluc1onána, que nao
pode saber
u a n ~ o
t e r m ~ 0 ; a r ~ a totalidade
da
populaçao
deverá ser dominada, 1hm1tadamente, por
uma
von
tade autdritária em todos os domínios do pensamento e
da
vida, é incompreensível como, dessa fase,, P?ssa haver
um caminho evolutivo conducente ao socialismo.
Quatro anos após a obra sôbre a coinmune
na
carta em oue formulou uma sev
era
crítica
ao
projeto
do
P r g g r m ~ a
do
Congresso de
Unificação
Gotha,
Marx reitera suas reservas contra as cooperativas com
a flagrante tendência política de
pôr em
d ú v i ~ a u.m dos
pontos fundamentais do programa dos parttda:1os
Lassalle, para privar assim de base a trapsaçao com
êles. verdade que Marx pronuncia, a q ~ i somente
contra a fundação de sociedades co.operativas
º
auxílio do Estado e que admite ainda como finali
dade socialista a produção coopera.tivista; mas expres-·
sões como
cura
milagrosa específica , movimento
sectário e mesmo trabalhadores reacionários , com
referência ao programa de Buchez, são suficientemente
evidentes.
Não
obstante, o parágrafo que
tratava
das
associações
de
produç,
ão
com crédito do Estado foi
aprõvado pelo Congresso.
Nada, porém, rios pemiite ver tão a fundo a ati
tude ambivalente de Marx no que tange à transfor
mação interna da sociedade e seus requisitos prelimina
res, como' sua correspop.dência de 1881 com Vera
Zasulitsch.
A publicação d ~ s s documentos por
i ~ o v
é
de
suma importância, pois nêles travamos
c o n h ~ c 1 m
n t o
com os rascunhos feitos
por
Marx, alguns muito deta
lhados, para sua carta
de
r e s p o s t ~ . Os rascunhos
ocupam na publicação mais
de 90.0
linhas, com nume
rosas rasuras, çorreções e acréscimos; a carta, cêrca
de 40.
Vera Zasulitsch mulher dos grandes problemas
e dos gandes m o m e ~ t o s , como a d e n o ~ n a Stepniak;
114
autor d O .Capital - cujo primeiro volume goza de
gran
de
popularidade
na
Rússia,
e
que desempenha um
papel especialmente importante nas discussões sôbre a
reforma agrária e sôbre a comunidade
rural
russa -
quais, em sua opinião, são as perspectivas
da
comuni
dade rural pa
ra
o porvir. Trata-s e - dii ela. -
de
uma questão
de
vida e morte
para
o partido socia
lista russo,
da
· qual depende, também, o destino pessoal
dos socialistas revolucionários. Será a comunidade ru
ral - uma vez liberada do· excesso de contribuições e
impostos, bem como dos atos arbitrários
da
administra
ção - capaz de desenvolver-se em sentido socialista,
isto é de organizar progressivame
nt
e e sôbre uma base
coletivista a produção e a distribuição de bens? Neste
caso, o socialista revolucionário deverá dedicar-se com
tôdas as fôrças
à
libertação
da
comunidade rural e ao
seu desenvolvimento .
Ou
- como sustentam alguns
que se consideram marxistas e que invocam a Marx -
estará a comunidade rural, como forma arcaica , con
denada à ruína
pe
la história e o socialismo científico?
Nesse caso, os socialistas que procurariam, inutilmente,
calcular em quantas décadas o solo russ.o passaria das
mãos
do
camponês
para
a burguesia e em quantos
séculos o capitalismo na
Rú
ssia poderia chegar a
um
grau
de
desenvolvimento semelhante
ao
do Ocidente
europeu, teriam que
se limitar a difundir o
socialismo
entre os operários das cidades, cujo número aumentaria
constantemente, nutrindo-se com a massa dos campo
neses, os quais, em conseqüência da dissolução das
comunidades
de
aldeia, seriam lançados às ruas das
grandes cidades
em
busca de salários:'. Aqui, como se
pode observar, o problema consiste em
nada
menos .do
que saqer se é possível confiar numa atividade socialista
na Rússia durante as próximas gerações. 1'eve
a
Rússia
seguir o caminho do Ocidente europeu, onde o grande
capitalismo, em seu aspecto culminante, dissolve neces
sàriamente as formas arcaicas de comunidad.e, não
restando outro recurso senão o de ·preparar, para a
época ainda longínqua da industrialização, um núcleo
do proletariado urbano consciente
de
sua classe? Mas
se, pélo contrário, graças às suas peculiares instituições
agrárias, existe outro caminho para a Rússia,
um
cami
nho à margem
da
dialética histórica universal, um cami-
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dições existentes.
Por
outro lado, entretanto, êle assi
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nala, expressamente, uma pequena peculiaridade da
comunidade
rural russ
a que a torna impotente e inca
paz de qualquer iniciativa histórica : seu isolamento.
Ela
é um
microcosmo localizado e
não
existe qual
quer laço entre a vida
de um
a comuna e a
de
tôdas as
demais. Dito com outras palavras: o de que Marx sente
falta 'aqui, mesmo sem empregar o. c o ~ c e i t é a ten
dência
à federação.
Essa peculiaridade - diz êle -
não é característica
de
tôdas as agropações désse tipo
mas, em tôdas as partes onde se encontra, permitiu
nas comunas um déspotismo mais ou menos central .
Somente em meio a uma elevação geral será possível
romper o isolamento
da
comunidade rural russa. Seu
estado atual
é
econômicamente insustentável
(por
ra
zões que Marx
não
especifica):
para
salvar as comu
nas russas é necessário
uma
revolução russa , mas esta
deverá sobrevir no momento oportuno e
co
ncentrar
tôdas as suas fôrças
para
assegurar o livre progresso
da comunidade
rur
al . E ela, então, se desenvolverá
comme él é
ment
régénérateur de la société russe
et
comme élément de supériorité sur les pays asservis par
le régime capitali
ste
(como
elemento regenerador da
sociedade russa e como elemento
de
superioridade sô
bre os países dominados pelo regime capitalista).
Na breve carta que Marx, realmente, enviou a
Vera Z a s u l i ~ - : h
a indicação
de
duas passagens
O
Cap.ital
relacionadas à questão, é seguida de uma única
frase, onde diz: A análise empreendida
n'O Capital
não oferece, pois, razão alguma a favor ou contra a
vitalidade da comunidade
rura
l, mas o
es
tudo especial
que lhe dediquei e cujo material procurei nas fontes
originais convenceu-me de que essa comuna
é
o ponto
de apoio da regeneração social na Rússia. A fim de
que ela possa funcionar como tal, entretanto,
pre
ciso
antes de mais
nada
eliminar as influências nocivas que
nela penetram de todos os lados, assegurando-lhe a
seguir as condições normais
para
um desenvolvimento
espontâneo .
A base
da
argumentação
é
aqui extremamente re
duzida, de modo
qu
e a única conclusão apresentada só
pode ser compreendida em seu sentido literal.
Es
se
processo, porém, é aparentemente inevitável, pois os
118
prós e os contras apresentados nos rascunhos são cer
tamente irreconciliáveis. Teoricamente'', Marx a f i r ~
mava 'a posibilidade de
um
desenvolvimento pré-revo
lucionário da comuna no sentido desejado mas,
na
prá
tica,
f ~ z i a sua
salvação depender de que a revoluçãc
sobrev1esse
a
tempo. O fator político, neste ponto como
nos demais, é obviamente decisivo, havendo
o
receio
de
que o trabalho construtivo possa reduzir o vigor do
ímpeto revolucio
ná r
i
o
E, como a êsse fator político,
em Marx,
não co
rresponde ao discernimento
da
impor
t â n c i
da
reestruturação
da
sociedade, os prós e os con
tras tive
ram
de ser ao fim substituídos por
uma
frase
que
Vera
Zasulitsch, dificilmente, poderia considerar
como resposta à suá .pergunta decisiva. Como dizia
~ f ô n ~ i e s
já
em vida,
Marx
era um oráculo a quem, ,
freguentemente, se consultava em vão, deví
do
à ambi
güida?e de suas respostas. De qualquer modo, Vera
Zasuhtsch,
ao
perguntar se o socialista revolucionário
deveria dedicar tôdas as suas energias
à
libertação
da
comuna e a seu desenvolvimento, não conseguiu obter
da
carta de Marx - que para ela representava a auto
ridade máxima - uma resposta afirmativa. Não muito
depois
(no
prefácio à tradução russa, publicada em
1
884,
do Des
envo
lvimento do Socialismo da Utopia
à Ciência
de Engels),
Vera
Zasulitsch escrevia algumas
frases sôbre a comunidade rural, onde se notam as con
seqüências da consulta fei ta ao oráculo de Marx: a
paulatina dissolução da propriedade comunal- é inevi
tável, o futuro imediato da Rússia pertence
ao
capita
lismo, mas a revolução socialista do Ocidente acabará
também com êle no Oriente e, então, os remanescentes
das instituições da propriedade comunal poderão
p r e s ~
tar à Rússia um grande serviço . Engels, em 1822, em
seu prefácio à adição russa do Manifesto Comunista
igualmente traduzido por
Vera
Zasulitsch, abor
da
maneira
um
tanto diferente a questão - obviamente
formulada sob influência de Marx - de se a comuni
dade
rural
russa que, certamente, já era uma forma
bastante decomposta da pr imi tiva propriedade comunal
do
solo , poderia transformar-se diretamente numa
forma superior, comunista, de propriedade do solo, ou
se
deveria passar previamente pelo processo de disso
lu
ção conhecido pelo desenvolvimento histórico do
119
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solução da Assembléia do Partido, em Hannover, 1899,
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o
Partido adota uma atitude de neutralidade
em
face
da fundação dessas cooperativas de economia, considera
a função dessas cooperativas como o meio apro
priado de educar
â
classe operária para a gestão autô
noma de seus interêsses, mas não lhes atribui uma im
portância decisiva para a libertação dos grilhões da
t:scravidão assalariada .
E,
em Magdebur
g
1910, não
só
se reconhece nas cooperativas de consumo um meio
de
auxílio eficaz
para
luta de classes, como ainda se
declara que a atividade cooperativista, em geral, cons
titui
um
complemento eficaz da luta política e
sindic.a
l
para melhorar
a
situação da classe operária .
Essa linha em ziguezague por um setor geográfica
e objetivamente limitado, se bem que importante, deve
ser considerada como o símbolo da trágica falha evolu
tiva do movimento socialista . Com seu grande poder
de atração e organização, êle arregimentou o proleta
riado ao seu redor, atuando
com
grandes fôrças com
bativas no ataque e na defesa dos campos político e
econômico. Entretanto, o motivo essencial de sua con
vocação organizada e Juta - · ou seja, a formação da
nova estrutura social - não foi o verdadeiro objetivo
de
sua consciência, nem a autêntica finalidade de sua
atuação. O que Marx exaltava na Comuna de Par
is
não 1
foi
aceito, nem executado pelo movimento marxista.
ÊSte não
procurou
formas
precursoras já.
existentes
da
nova sociedade; não se empenhou seriamente em -
mentar, influir, dirigir, coordenar, federar
as
experiên
cias já realizadas ou que estavam em vias de formação
e nem efetuou o trabalho conseqüente de dar vida a
células e mais células e a federações e mais federações
de comunidade viva. A despeito da fôrça poderosa de
que dispunha, não se empenhou em dar forma à nova
existência social do homem, a quem se pretendia liber
tarpor meio
da
revolução.
24
IX. E A RENOVAÇÃO
DA
SOCIEDADE
Assim como o princípio de uma renovação interna
da sociedade, mediante a renovação de seu tecido celu
lar, não ·encontrou na doutrina de Marx um terreno
propício para a propagação da própria idéia, tampouco
o encontrou
na
grande tentativa contemporânea de pôr
em prática essa doutrina que foi um esfôrço admirável
e profundamente problemático
da
vontade
h ~ a n a
•
~ s t ponto negativo, tanto na experiência como na
doutrina, é justificado, como vimos, para a época pré
-revolucionária mediante a alegação de que, sob o do
mínimo do capitalismo, não poderia operar-se nenhuma
regeneração, mesmo que fragmentária. Todavia, para
25
a época posterior à revolução, tanto aquela doutrina
as únicas teses válidas e as únicas ordens decisivas;
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li
como esta experiência explicam. que é Ütópico querer
esboçar a forma que adotará a sociedade. A utopia
- escreve Engels (1872) - sµrge quando ousamos,
baseando-nos na situação existente, traçar. de antemão
a forma
em
que poderá resolver-se tal ou qual anfa
gonismo da sociedade existente. Em Marx - diz
Lênin - não encontramos o menor indício de utopismo
no sentido e que êle
invente a nova sociedade, ou de
q w ~
C,º":Ponha
e n s ~ a imaginação. Contudo, por
mais
mute1s
que
se1am
esses quadros da fantasia
é
de
i m p o ~ t â n ~ i a fundamental que
ª
idéia a que nos ~ p e g a -
m o ~
i ~ p n m o rumo que devera tomar a ação. A idéia
socialista, quer em Marx, quer em Lênin . salienta a
necessidade de uma estrutura da nova sodiedade com
· base em 'pequenas sociedades, estreitamente unidas por
um trabalho e uma vida comuns e em suas federações.
Nem Marx, nem Lênin, entretanto, inferem daí uma
norma clara e unitária para a ação.
Em
ambos, o
elemento centralista da política revolucionária suplanta
o elemento descentralizador da nova construção. Para
ambos, o êxito
da
revolução depende de uma ação for
temente centralizada e isso, como já vimos encerra um
conteúdo ao· qual não se pode
m e n o s p r e ~ r
que
falta é que se trace, continuamente, o limite entre as
necessidades ·dessa ação e as tarefas possíveis de for
maçãu descentralizadora
da
sociedade (que
não
redun-
, dem em prejuízo da ação), entre aquilo que exige a
realização da idéia e aquilo que a própria idéia exige,
entre as pretensões da vida política da revolução e os
direitos de uma vida socialista 'incipiente. Marx e
Lênin, via de regra, se decidem essencialmente a favor
da política, isto é, do· centralismo: Marx, na teoria e
em suas diretrizes para o movimento; Lênin, na prática
revolucionária e na reorganização do Estado e dà eco
nomia. É verdade que isso pode ser atribuído em gran
de parte à Situação, às dificuldades com que se defron
tou o movimento socialista e aos problemas especiais
que o regime soviético teve de superar. Acima de tudo,
porém, manifesta-se aí uma concepção e uma tendên
cia que e n . c o n t r ~ m o s em Marx e em Engels e que fo-
ram herdadas por Lênin e Stálin: concepção de um
centro absoluto da doutrina e da ~ Q . _ q u a l ,partem
26
--- -
--
·-
concepção de uma ditadura dêsse centro disfarçada
em
ditadura do proletariado . Ou, para dizê-lo
em
outros
têrmos: tendência de perpetuar a política centralista da
revolução em detrimento das necessidades descentra
listas do socialismo incipiente. Par a Lênin ·foi mais
fácil seguir essa tendência, graças justamente àquela
s i t u _ a ç ã ~ onde e evidenciava, nltidamente, que a revo
Juçao amda nao chegara ao seu fim. A contradição
existente entre a reivindicação de
M ~ r x ,
de que o prin
cípio político seja substituído pelo social, por um lado,
e a persistência de fato do domínio do princípio polí-
. tico, por outro, é dissimulada sob a afirmação de que
a
revolução ainda não chegou ao fim: -Aqui, evidente
mente, não se toma
em
consideração que o socialismo,
para
~ , a ~ x , a b a n d o : ° ~
sua envoltura política quando
tem zruczo sua atividade ..organizadora . Oculta-se,
aqui, uma problemática encoberta nada menos do' que
pela concepção materialista da história. Para esta a
política é simplesmente avaliação e expressão da l ~ t a
de classes e, com a supressão do Estado de classes o
princípio político fica destituído de base. A luta mortal
empreendida pela única doutrina e ação válidas contra
qu,alquer outra concepção· do socialismo não pode :::er
considerada apolítica; ela precisa, por exemplo, apre
sentar como ilegítimo qualquer outro socialismo, estig
matizando-o de resíduo de ideologias burguesas. En
quanto
exi 'itir
outra concepção do socialismo a revolu- ·
ção não terá terminado e o princípio FOlÍtico ainda
nãç:i poderá ser substituíd.o pelo princípio soci.al, embo
ra já
t ~ n h
sido iniciada a atividade organizadora. O
poder político, no sentido impróprio , pode tornar-se,
em sua pretensão centralista, mais amplo, mais radical,
mais totalitár io do que o poder político
no
sentido·
próprio jamais o foi. Isso, como já dissemos, não
equivale:. a afirmar que Lênin tenha sido simplesmente
centralista.
Em
certo' aspecto, êle o foi menos do que
Marx, encontrando-se mais próximo de Engels do que
êste. Mas seu pensamento e sua vontade eram domi
~ a d o s , ·como· em Marx. e Engels, pelo motivo da polí
tica revolucionária, ficando reprimido o motiv0 vital e
social que exigia uma vida comunal descentralizada·, de
modo que a preponderância dêste último foi apenas
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constante para a ação descentralizadora. A . e r a n Lên in e s } ~ i v - s e ao verdadeiro problema da ação
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r
t
espiritual recebida por Lênin trazia seu
se1p
dis
córdia: política socialista .de revoluçao sem v1tahdade
socialista.
Lênin como se sabe; procurou superar essa pro
blemática
da
doutrina de Engels, insistindo energiea
mente em que
a '
1
supressão,,
se
refere ª? Estado ~ u ~ -
ouês
e a
extinção aos resíduos
do
regime proletano
~ p ó s a revolução socialista . O Estado, como poder
especial de repressão , é
i n d i s p e n s á v e ~ ,
segundo ~ n g e , l s ,
para a
repressão
da b u r g u e s ~ a , c:u
seJa,
c ~ m o
ditadura
do
proletariado, como orgamzaçao cei:itrahzada de seu
poder.
E
indiscutível que, nisso,
Lêmn. o n c o r ~ a
a intenção de Marx (e de Engels) ; .com razao, . ele
invoca a frase em que Marx (1852) d1z que essa dita
dura constitui
uma
transição
para
uma sociedade sem
classes. Contudo,
para
o
Ma
rx
de
1871,
para
o entu.
siasta da Comuna a descentralização já deveria estar
.
.
sendo preparada em
~ : i o
ao centraltsmo n e . c ~ s s a n o
para
a ação revolucionana e, quando
E n g e ~ s ~ i ~ i a ql.le
a
nacionalização dos meios
de
prodt:tção s1gruflcava a
supressão do Estado.
c o m ~
E s t ~ d o , referia-s.e aos.
r ? - .
cessos deeisivos
CUJOS
efeitos imediatos
tenam m1c10
assim que se concluísse a ação revolucionária.
Lênin enaltece
em Marx
o fato de,
em
1852,
êste ainda
não
perguntar concretamente o que deverá
ser colocado em lugar
da
máquina cslatal que se p r ~ -
tende demolir,,. Isso lhe foi ensinado, como Lênm
expõe a seguir,
pe
la Comuna
de
Paris.
Mas
a Comuna
de
Paris foi a realização
da
idéia de homens que se
formularam essa pergunta de maneira muito concreta.
Lênin enaltece em
Marx
o fato dêste ater-se estrita
mente
à
base objetiva da experiência histórica .
Mas
a experiência histórica da Comuna se tornou possível,
justamente porque, no espírito dos r e ~ o l u c i o n á r i o s
a p a ~
xonados, vivia a imagem
de uma
sociedade descentrali
zada, desestatizada em alto grau, que êles
se
propuse
ram a converter em realidade. Os pais espirituais
da
Comuna possuíam justamente aquela linha conceptual
tendente
à
descentralização, que não se encontra
em
Marx e Engels, e os chefes da revolução de .1871 ten
taram, embora com meios insuficientes, começar a
rea-
.
lizá-la em plena revolução.
13
mediante uma fó1mula dialética: Enquanto
hounr
Estado, não haverá liberdade.
Quando
houver liber
d a d e ~
não haverá mais Estado .
A
dialética obscurece,
aqui, o problema essencial: examinar, dia a dia, qual,;o
máximo
de
liberdade que hoje pode e deve ser permi
tido, averiguar quanto
Estado
ainda é necessário
hoje, extraindo sempre as conseqüências práticas. Pre
sume-se que, enquanto o homem fôr como é,
nã0-
pode
rá absolutamente, haver liberàade e existirá sempre
Esta do , ou seja, coação. O que importa, dia a dia,
é
não mais Estado
do
que o necessário, não menos
l -
berdade
do
que a admissível. Liberdade significa, do
ponto de vista social, liberdade para a comunidade l -
vre, comunidade independente
da
coação
do
Estado.
Cla ro est á - diz Lênin - q ue não
se
pode, ab- ·
solutamente, determinar o momento a partir do qual se
processará a extinção. Isso
não
está absolutamente
claro. Quando Engels diz que, ao apoderar-se dos meios
de produção, o
Esta
.
do
se converte
no
representante,
de
fato, de tôda a sociedade, tornando-se portanto auto
màticamente supérflu.o, deduz-se ser êsse justamente o
momento em que deveria começar a extinção do Estado.
Se ela não começa aí,
então
fica demonstrado
que
à
tendência
a
suprimir o
Estado
não faz realmente
parte
da
ação revolucionária como fator determinante.
Por
tanto, não se
pode,
absolutamente,
esperar dessa revo
lução e ·de suas conseqüências uma extinção ou ·mesmo
.uma r ~ d u ç ã o
do
Estado. O poder não abdica quando
não é obrigado a isso por um poder contrário.
Em
setembro de í 917, Lênin declara: que a ques
tão mais premente e atual de política
de hoje
é a
transformação
de
todos os cidadãos em trabalhadores
e empregados de um único grande 'sindicato', ou seja,
de todo o Estado . A sociedade tôda - prossegue
- convert e- se
em
um
escritório e
uma
fábrica
com
o
mesmo trabalho e o mesmo salário. Isso, porém, nos
faz lembrar aquelas palavras de Engels, já eitadas, sô
bre o
caráter
tirânico
do
mecanismo automático de uma
grande fábrica, em cuja entrada houvesse uma placa
com os seguintes dizeres:
Lasciate
ogni autonomia, voi
ch'entrate.
E verdade que,
para
Lênin, essa disciplina
de fábrica não passa de
uma
etapa necessária para a
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Lênin, naturalmente,
não
ignorava que
os
Conse
lhos eram uma organização essencialmente descentralis
''.Devemos
ser
centralistas,
ma
s há
m o m ~ n t o s
o
preceito oposto: Devemos ser descentralistas, federa
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ta.
Tôda
a Rússia - diz êle em abril de
1917
está coberta
por
uma rêde
de
órgãos governamentais
autônomos locais. As medidas especificamente revo
lucionárias - abolição
da
polícia, abolição
do
exército
regular, armamento de tôda a população - podiam ser
executadas também pelo govêrno autônomo local e é
isso Q que importa. Ble não dedica uma única palavra
e, aparentemente, um único pensamento. sequer,
à
pos
sibilidade de que êsses órgãos,
uma
vez cumprida a ta
refa, poderiam e deveriam fundir-se
com
base
numa
descentralização e funcional.
Para
a implantação
e
fortalecimento
da
administração autônoma,
não
há
outra
finalidade senão a de política da revolução: rea
lizar, r b i t r à r i
e n t e ~
a administração
autônoma
ig
nifica impulsionar a revolução . f: evidente que, nes
se contexto, fala-se também, embora passageiramente ,
em
um motivo social: a comunidade rural. Esta, que
significa
a
autonomia total ,
a
ausência
de
tôda tutela
superior , é muito adequada
para
a classe camponesa
(afirmar
que
nove
entre dez camponeses deveriam
estar de acôrdo
com
ela foi, diga-se
de
passagem, um
êrro fundamental). E seguem-se os esclarecimentos:
Devemos ser centralistas,
mas
há
momentos
em que
a
tarefa é transferida
para
a província; devemos deixar
às diversas localidades
o
máximo de iniciativa. . . So-
mente o nosso partido apresenta soluções que dão, real
mente,,
impulso à revolução.
À
primeira vista, é in
compreensível como êsse centralismo necessário possa
conciliar-se com essa autonomia total. Mas, ap6s
uma
observação mais atenta, notamos que essa compatibi
lida
de
reside
no
fato de o ponto de vista absolutamen
te dominante ser o da política ou estratégia revolucio
nária: também essa autonomia
é
elemento integrante de
um programa de ação e
não
conseqüência prática de um
conceito estrutural. Esta, principalmente, é a razão
pela
q u<l;l
a exigência programática d a
a
usência de tôda
tutela superior - exigência, não
para
um desenvol
vimento pós-revolucionário, mas que deverá
ser
execu
tada em 111eio à revolução, como algo destinado a
impulsionar a revolução - se converteu
tão
ràpida
mente em seu extremo oposto.
Uma
atitude verdadei
ramente socialista teria escolhido, em lugar do precei
to
:
36
listas ·autonomistas,
mas
há momentos em que a tarefa
' .
principal
é t r n s f e r i ~
~ ~ r o centro, porque assim
?
exige a ação revoluc1onana.
Tenh
amos, porém, o cm
dado
de
evitar que suas pretensões se estendam
para
além
de
seus limites objetivos e temporários .
Para
melhor compreendermos a contraposição entre
centralis
mo
e os momentos mencionados,
é
preciso
ter
em mente que
na
província, como salientou o próprio
Lênin, chegou-se freqüentemente à formação de
ccr
munas, particularmente nos centros proletários , ou
melhor, que
a
revolução comunal local progrediu .
As
palavrãs
de
ordem
estão
em conformidade com êsses
fatos.
Uma
palavra de ordem como a seguinte,
que
se
seguia àquela descrição
d8:
situação - Comunas .loca.is,
isto é, completa autonomia local
com
poder arb1tráno,
sem polícia, sem ·funcionários, autocracia das massas
e operários e camponeses armados - foi e permane
ceu, por mais que invocasse
a
experiência
de
Paris, uma
palavra de ordem de cunho político revolucionário, isto
é,
um
objetivo que não visava essencialmente
à
implan
tação
de
uma estrutura descentralizada
da
sociedade,
depois
de
ultrapassada a revolução: o fundamento de
cisivo é sempre o centralismo. Não podemos deixar de
ficar profundamente impressionados ao lermos,
no
mes
mo projeto de Lênin (de
maio
de
191
7), a proposição
para
que se tome por modêlo a província e se conver
tam em
comunas
os
subúrbios e bairros das grandes
cidadts. Contudo, tampouco essas medidas têm
outra
razão
de
existência se
não
a
de
impulsionar a revolução
e propiciar
uma base
mais segura para a concentração
de
todo o poder político nos Conselhos ( Somos
minoria,
as
massas ainda
não
confiam
em
nós'', dizi\l
Lênin, mais ou menos
na
mesma
época).
Lênin é,
inegàvelmente, um dos maiores estrategistas revolucio
nários de todos os tempos; o que o converte
numa
figura
problemática é sobretudo o fato de a estratégia revolu
cionária
para
êle, assim como a política revolucionária
para
Marx,
se
haver convertido na s
upr
ema lei,
não
somente
da
ação,m as também
do
pensamento. Pode-se
alegar que foi precisamente essa a base de seu êxito;
mas cabe certamente a essa atitude - a par
com
um
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Nesse artígo, Lênin enumera pela primeira vez
os
diversos motivos que, a seu ver, imprimiram aos Con
evidentemente, não pensava assim. E, alguns dias mais
tarde a expressão brinquedo reaparece
em
curioso
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selhos sua importância fundamental. A ordem em que
cita êsses motivos é particularmente característica de
seu ponto de vista:
19)
A nova máquina estatal , que
substitui o exército permanente pela Guarda Vermelha,
confere ao próprio povo o poder armado. 2<>) Estabe
lece um vínculo íntimo, indissolúvel e fàcilmente con
trolável entre a direção e as massas. 39) Acaba com
a burocracia, permitindo eleger e destituir. 4Q Me
diante o contato que estabelece com as diversas pro
fissões (Lênin, mais tarde, formula-o de maneira mais
exata: profissões e unidades de produção) , facilita
as
reformas mais importantes. 5<>) Organiza a vanguarda
destinada a elevar e educar as massas. 6<.>) Entrela
çãrido a função legislativa com a executiva, combina as
vantagens do parlamentarismo com as da democracia
direta. Em primeiro plano, aparece aqui o poderio
político revolucionário; em segundo plano, a organi
zação das reformas e, em terceiro, a forma do Estado.
A questão referente à possível importância dos Con
selhos para uma transformação da estrutura social não
é abordada.
Contudo, na opinião de Lênin, só foi possível aos
Conselhos superar o problema que se lhes apresentava,
12.orque
os
bolchevistas - se apossaram de sua direção,
preenchendo a nova forma com um conteúdo concreto
de ação, ao passo que antes, pelo contrário, os revolu
cionários sociais e os mencheviques os haviam degra
dado ao nível de locais sub-reptícios, que chegavam a
apodrecer e descompor-se ainda em vida . Só de
pois de
se
apoderar do poder político - prossegue
Lên in - é que os Conselhos poderão, realmente, pro
gredir, desenvolvendo plenamente suas disposições e
capacidades, pois, do contrário, nada têm a fazer; são
simplesmente células geradoras e não
é
possível con
tinuar sendo célula geradora por muito tempo)
ou
brinquedos . Essa frase é notável por mais de uma
razão. No que tange à imagem das células geradoras,
impõe-se, inevitàvelmente, a pergunta sôbre se Lênin
nunca pensou que os Conselhos poderiam amadurecer
mediante crescimento e articulação até se converterem
em células de um organismo'social _enovado; mas Lênin,
14
cont;xt-0 nas teses de Lênin para uma conferência em
Petersburgo, onde diz: Tôda a experiência das duas
revoluções, a de 1905 e a de 1917, nos confirma que o
Conselho de Deputados de Operários e Soldados só
tem realidade como órgão de sublevação, como órgão
do poder revolucionário. Afora essas tarefas, os Con
selhos não passam de brinquedos . Aqui podemos ver
claramente ·qual é o único aspecto que realmente im .
porta a Lênin. Naquele momento, é evidente que êle
deveria insistir no
as
pecto atual; mas o exclusivismo
com que o faz, não permitindo sequer ·a idéia de que os
Conselhos possam ter uma tarefa autônoma e dura
doura, fala -em têrmos inequívocos. Acrescente-se que,
aqui, ressurgem quase litera1mente as frases de 1915:
órgãos de sublevação e somente em conexão com
a sublevação . O que quer que Lênin tenha investiga
do e meditado sôbre
os
Conselhos, nos dois anos em que
se converteu
no
Lênin histórico, para êle continuaram
sendo meios para o fim révolucionário. Que não so
mente
os
Conselhos existiam por amor à revolução,
mas também. - em um sentido mais profundo, mais
elementar - que a revolução existisse por amor aos
Conselhos,
nem
sequer lhe passou pela cabeça. A par
tir dêsse fato - refiro-me não ao Lênin como pessoa,
mas ao tipo e ao espírito que nêle se manifestarain de
modo exemplar - pode-se
~ n t e n e r
que
os
Conselhos
tenham fracassado tanto na realidade como na idéia,
Que o lema de Lênin, Todo o poder para os
.
Con
selhos , foi concebido exclusivamente no sentido da
política revolucionária se nos torna ainda mais patente
quando, naquele artigo, lemos a proclamação: Não
estarão os 240.000 membros do Partido
dos
Bolche
vistas eni condições de governar a Rússia no interêsse
dos pobres e contra
os
ricos? Todo o poder aos
Sovietes não significa, pois, no fundo, senão: To
do o poder para o Partido através ' dos Sovietes - e
.nesse aspecto. de política revolucionária e mesmo de
política partidária, nada há que aponte para o outro
aspecto, o socialista-estrutural. Pouco depois, assegura
Lênin que o,s bolchevistas são centralistas por convic
ção, por seu programa e por tôda a tática de seu parti
do . O centralismo; portanto, apresenta-se não como
141
•
puramente tático, mas
c o ~ o
questão de princípio. . O
Estado prolétário dizem - de ve ser e n t ~ a l t s t a
Lênin,
predSf :mente
no mesmo discurso - con
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Os
Conselhos conseqüentemente, devem subordinar-se
1
ao govêmo poderoso ; o que resta, porém, de sua rea-
lidade autônoma? Ora, também a êles se concede um
centralismo especial: contra sua união por .ramos
de produção , contra sua centralização , nenhum bol
chevista tem o que objetar. Mas Lênin, ao que parece, ·
não suspeita que essas uniões só têm caráter socja
lista e construtivo q u ~ d o se produzem espontâneamen
te, de baixo para cima, quando não são propriamente·
uniões, mas fusões, quando há um processo não centra
lista, mas federativo.
Na proclamação de Lênin População dez dias
após a tomada do poder, lemos: Vossos Sovietes, a
partir de agora, são órgãos do poder público, órgãos
revestidos de podêres, órgãos determihantes . As ta
refas que, pouco depois, são designadas aos Conselhos
referem-se essencialmente ao contrôle. Isso, em si, ba
·seava-se na situação, mas
era
muito pouco: faltava
o contrapêso positivo.· Tais instruções não podem bas
tar para que os Conselhos desenvolvam plenamente
suas disposições e capacidades .
:b
verdade que
Lênin, na assembléia do Partido, em março de 1918,
repete suas idéias sôbre o nôvo tipo de Estado sem
burocracia, sem polícia, sem exército regular , mas
acrescenta: Na Rússia .isso foi recentemente inicia
do e
mal
iniciado . Seria um êrro grave supor que
a culpa cabe unicamente à execução insuficiente de
um
projeto suficiente: ao próprio projeto faltava a
substância vital. Em nossos projetos - diz Lênin,
à guisa de esclarecimento - ainda há muitas coisas
tôscas, 'incompletas. Contudo, o fato realmente grave
e fatal
fo
i que a direção, que não era somente política,
mas também espiritual, não tivesse dirigido os sovietes
para seu desenvolvimento e seu aperfeiçoamento.
Aq
uêles que criaram
as
comunas -.- prossegue Lênin
- não as compreenderam. Is
so
nos faz pensar no
que êle disse
um
dia após seu regresso
à
Rússia: Não
comprendemos
os
·Conselhos . Na realidade,
pG1'ém,
.
nem êle
os
compreendia ainda em sua essência - só
que não queria compreendê-los nesse aspecto.
42
testando a Bukharin, que exigia que o programa in
cluís
se
uma caracterização
da
ordem socialista - de
clara: Não podemos caracterizar o socialismo. Que
aspecto tomará o socialismo quando adotar sua
fo
rma
definitiva, não sabemos e nem podemos adiantar .
E,ste
é,
indubitàvelmente, üm raciocínio marxista. Mas
é justall1,ente aqui que
se
evidencia com clareza histó
rica a limitação
da
ideologia marxista em suas relações
com uma realidade que se está formando ou em vias
de formação. O fator potencial, que para
seu
desen
volvimento necessita ser fomentado por uma idéia de
es trutura social, continua a ser ignorado. Evidente
mente, pode-se não saber que aspecto tomará o so
cialismo , mas pode-se saber que aspecto se deseja que
êle tome e essa sapiênqia assim como êsse desejo, ou
seja, essa vontade consciente, influi na realização - e,
quando se é centralista, é precisamente êsse centralismo
o que influi na realização. Na História coexistem sem
pre, mesmo quando variam as proporções de fôrça,
tendências evolutivas centralistas e descentralistas.
Aquela pela qual se pronunciar a vontade consciente,
dotada do poder adquirido, será de importância essen
cial para o resultado - e_ é muito raro e düícil que
uma vontade dotada de poder renuncie ao centralismo.
Haverá al_ go mais natural e consistente do que uma
vontade centralista que
ignora o elemento potencia]
descentralista nas estruturas de que se utiliza? Os ti-
jolos com os quais
se
edificará o socialismo - diz
Lênin - ainda não foram fabricados. Em
seu
centra
lismo, êle não viu e nem reconheceu qúe
os
Conselhos
eram
êsses
tijolos
e,
como não os ajudou a isso, êles
não
se
converteram em tijolos.
Pouco após a Assembléia do Partido, diz Lênin
no primeiro projeto para as Teses sôbre
s
Tarefas
Imediatas do Poder Soviético
num capítulo que não
foi
adotado na redação definitiva: Somos a favor do
centralismo democrático. . .
Os
adversários do centra
lismo sempre apontam a autonomia e a federação como
meios de luta contra as contingências do centralismo.
Na realidade, o centralismo democrático não exelui,
absolutamente, a .autonomia mas, pelo contrário, pres
supõe sua necessidade. Nem mesmo a federação
43
(Lênin refere-se aqui somente
à
federação política)
se opõe, de qualquer modo, ao centralismo democrá
id
ade da transição . Nos anos subseqüentes, Lênin
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tico. Numa ordem democrática e, em escala maior,
num Estado organizado em conformidade com o prin
cípio dos Sovietes, a federação será sempre apenas uma
etapa transitória
para
um centralismo verdadeiramente
democrático . Observa-se que. Lênin não pensa, abso
lutamente. em restringir o· princípio centralista ao fe
deralista. :Ble quer, apenas, - de seu ponto de vista
revolucionário - tolerar uma realidade federal até que
esta se dissolva no centralismo. Sua tendência e sua
diretriz ,são, portanto,, inequ1vocamente centralistas. E
não
é
essencialmente diferente o que êle pensa a res
peito da autonomia local.
'Ble
recomenda admiti-la
até certo ponto e conferir-lhe suas atribuições, mas só
até. o limite em que se
inicl.am
as decisões propriamente
ditas e,. portanto, as instruções centrais. Tôdas essas
estruturas populares e sociais têm apenas uro valor po
lítico, estratégico, tático e provisório. Nenhuma delas
tem o
al.,ltêntico
direito à existência,
um
valor estrutural
autônomo, nenhuma pode ser membro vivo de um.a
entidade comunitária
em
formação, nenhuma deve ser
preservada e·fomentada' para o futuro a que se aspira.
Um
mês depois de Lênin ditar aquêle projeto, os
comunistas de esquerda s ~ i n l r m os danos que,
para os germes do socialismo, representava
·
fato de
a forma da administração do
Estado
desenvolver-se em
direção ao centralismo b'l,lrocrático,
à
supressão da auto
nomia dos sovietes 10cais e à renúncia efetifa ao tipo
de Estado-comuna que
é
regido por baixo - o mes
mo tipo, em suma, que Lêoin,
em
seu discurso, dizia
ser o tipo do poder soviético. Hoje, não pode haver
mais dúvida quanto a
q u ~ m
naquela época, tinha ra
zão ao julgar a situação e a tendência da evolução:
Lênin ou seus críticos. Todavia, o próprio Lênin o
soube no final
e
sua vida. As referências à Comuna
de Paris são cada vez mais raras após aquêle discurso;
até cessarem por completo. ..
Um
ano
após a revolução de outubro, declarava
Lênin: Na Rússia, a máquina burocrática foi total
mente aniquilada . Mas, em fins de 1920, êle
o n s i ~
dera a república soviética um Estado de operários com
eXérescências burocráticas , a que denomina de
a
rea-
44
não podia deixar de constatar que a proporção entre
as excrescências e o tronco do qual brotavam se torna
ra mais desfavorável e que as investidas para o estado
em que deveria consumar-se a transição se tornaram
mais insignificantes.
Em
fins de 1922, no relatório
Cinco Anos de Revolução Russa e Perspectivas da Re-
volução Mundial apresentado ao
IV
Congresso da n-
ternacional Comunista, Lênin diz simplesmente: Ado
tamos a antiga máquina do Estado . :f:le.
se
consola,
na certeza de que dentro de alguns anos seria possível
modificar, radicalmente, a máquina. Essa esperança
de Lênin não se concretizou e nem poderia concreti
zar-se partindo de suas presimposiç
õe
s. ble pensava ,
essencialmente, em formar e empregar novas fôrças
mas o problema
era
estrutural, não pessoal.
Uma
bu
rocracia não se modifica porque mudatn os nomes que
a compõem e os indivíduos mais bem preparados que
saem das escolas soviéticas e faculdades operárias su
cumbem à sua atmosfera.
A verdadeira decepção de Lênin foi
com
a inalte
rável atividade da burocracia .que, embora certamente
não em suas pessoas, mas
na
tenaz persistência de seus
objetivos, tornou a mostrar-se mais forte gue o princí
pio revolucionário. :Ble parece não haver investigado
a causa
mãis profunda
do
fenômeno, o que
é
bastante
cumpreerisível. A revolução de outubro foi uma revo
lução social apenas no sentido de que modificou, até
certo ponto, a ordem e estratificação sociais, suas
formas e instituições; mas uma revolução verdadeira
mente social deveria ir mais longe e investir a sociedade
de seus direitos em face do Estad0. Com referência a
êsse problema, Lênin indicou que a extinção do Estado
se produziria numa evolução cujo momento histórico
não podia ser
p r e ~ i s d o
e cujo processo ainda não
podia ser imaginado. Mas reconheceu que uma parte
da missão poderia ser realizada no presente, através
da determinação de uma · tarefa imediata para o pro
grama 'de ação dos ·dirigentes, apresentando como a
nova forma do Estado, cuja realização deveria ser ini
ciada imediatamente, o Estado-comuna . Marx, con
tudo, caracterizara claramente êsse Estado como a
li -
bertação mais completa possível das cadeias do princí-
145
pio político, por parte da sociedade trabalhadora.
Assim que a ordem comunal das coisas se implantou
dora
qu
os havia produzido. A ditadura
do
prole-
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'
em Paris e nos pontos centrais secundários - escre
veu - o antigo govêrno centralizado deveria haver
cedid
o,
também nas províncias, ante o govêrno autô
nomo dos produtores. Essa transição do princípio
político para o social que,
na Fr
ança, se elaborou ba
seado ideologicamente no pensamento social desde
Saint-Simon até Proudhon, foi proclamada por Lênin
como sendo a diretriz essencial para a atividade orga
nizadora da direção, mas ela não se converteu nessa
diretriz. O p
ri
ncípio político tornou a estabelecer-se
em formà modificada, onipotente e
os
perigos externos
que realmente ameaçavam a revolução serviram-lhe de
amp
la
justificativa. Que naquelas circunstâncias não se
poderia empreender uma demolição radical do princí
pio
p o l í t i ~ o
pode permanecer como fato incontestável.
Mas teria sido possível a implantação de uma diretri
z,
segundo a qual se ampliariam, cada vez mais,
os
lim
i-
tes de poder do princípio social, na medida em que o
permitissem as circunstâncias. O que ocorreu foi o
con
tr
ário. Os representantes do princípio político, isto
é, · substancialmente
os
revolucionários profissionais
que haviam assumido o poder, velaram
ciosame11te
para
que não se restringisse sua esfera de comando. ver
dade que ampliaram suas fileiras com pessoas capaci
tadas procedentes do povo, pfeenchendo com elas
as
lacunas que se produziam, mas aquêles que se incor
poraram à direção ficaram marcados até o âmago de
suas almas pelo princípio político; cónverteram-se
em
substância do Estado e deixaram de ser substância da
sociedade. Os que resistiam a. essa transformação não
conseguiam manter-se ou renunciavam ao seu propó
si
to. O poder do princípio social não deveria intensi
ficar-se. O govêrno autônomo dos produtores -
surgido antes da ·revolução e que começou a manifes
tar-se, espontâneamente, durante a mesma - e sobre
tudo
os
sovietes locais, apesar de tôda a aparente liber
dade de manifestação e deliberação, foram privados de
poder pelo domínio do partido que, com seus diversos
métodos, visíveis
ou
invisíveis, em tudo
os
obrigava a
conformar-se cotn a doutrina e vontade da central, a té
que pouco restou da seiva daquela fôrça popular cria-
46
. tariado é de fato uma ditadura ao Estado sôbre a
sociedade e, certamente, uma ditadura desejada, ou
pelo menos tolerada, pela imensa maioria do povo.
porque êste espera que assim venha a consumar-se a
anelada n ~ v o l u ç ã o social. A burocracia, que tanto
mo-
Jes
tava a Lênin, justamente porque êle desejaria abo
Ji
J
a,
- ·para êle, o Estado-comun
a
era no fundo o
Estado desburocratizado - é apenas um f n ô m ~ n o
inevitável, concomitante com a autocracia do princípio
político.
Notável é que, dentro do próprio Partido, tenham
surgido continuamente novas tentativas para quebran
tar essa autocracia. A mais interessante, por provir
dos
operários industriais, é, a meu ver, a oposição dos
operários de março de 1921 que proclamou a tese de
que ·
os
órgãos centrais para a administração· de tôda
a economia política deveriam ser eleitos pelos p r o d ~ t o -
res unidos em federações profissionais. Isso ainda não
significa, absolutamente, um govêrno autônomo. de pro
dutores . mas é um passo importante nesse sentido, em
bora não tenha um caráter genuinamente descentrali
zador. Lênin refutou êsse desvio anarco-sindicalista ,
dizendo que uma união dos produtores só poderia ser
aceita p o ~ um marxista, numa sociedade destituída de
classes, numa sociedade composta exclusivamente por
operários, na qualidade de produtores.
Na
Rússia, en
tretanto, além dos resquícios
da
época capitalista, ainda
existiam duas classes: a dos camponeses e a dos ope
rários. Conseqüentemente, enquanto o comunismo não
estiver consumado, convertendo todos
os
camponeses
em
operários, não se pode pensar numa administração
autônoma da economia, na opinião de Lêoio. Dito
com outras palavras (visto como a consumação do co
munismo coincide com a total extinção do Estado) :
não se pode pensar numa redução radical
do
poder
interior do Estado, enquanto. êste não tiver exalado o
último suspiro. Êsse paradoxo tornou-se uma verda
deira máxima de conduta para _a
direçJio
do
regime
soviético. Somente a pa
rt
ir daí é
que·
se pode com
preender, em conjunto, a atitude mutável 'de Lênin no
que se refere ao regime cooperativista.
47
Não
pretendemos, todavia, criticar as contradi
ções. O próprio Lênin, já em 1918, não sem razão
ilha em meio à sociedade capitalista, não passava evi-
d
t
d U
l . .
entemen e e ma O a mas a cooperativa que,
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insistia em que, sempre que uma nova classe surge na
ar
ena histórica como regente da sociedade, verifica-se
um período de experiências e vacilações para a escolha
de novos métodos que correspondam à nova situação.
Três anos mais tarde, êle acrescenta, inclusive, que
o
movimento se desenrola invariàvelmente em zigue
zague'', como o demonstra a História das revolu
ções . ~ l e não tomou em consideração .·que tudo isso
é
indubitàvelmente certo
para
as revoluções políticas;
mas que quando, pela primeira vez na História Univer
sal, o elemento da transformação social intervém em
proporções tão amplas, o gênero humano - tanto o
povo que atravessa o processo como os povos que
são testemunhas dos acontecimentos - anseia por vis
lumbrar, em tôdas as experiências e vacilações, um
prenúncio claro do futuro, a tendência
para uma
exis
tência socialista que significa: uma comunidade basea
da
na
liberdade. No caso em questão,
por
mais ex
traordinário que lhe parecesse o que sucedia, êsse pre
núncio não se manifestou e a atitude mutável de Lênin,
com referência ao regime cooperativista, constitui· uma
prova a mais de que
a
referida tendência não existe.
Durante o período pré-revolucionário, as coope
ratjvas, para Lênin, não passavam de lamentáveis
meios paliativos dentro da sociedade burguesa e agen
tes do espírito pequen9-burguês. Um mês antes da
v o u ç ã o
de outubro, em face da grave crise econô
mica que se abatia sôbre a Rússia, êle propunha. o
agrupamento obrigatório da população em cooperati
vas de consumo, como uma das primeiras medidas re
volucionário-democráticas a serem tomadas. Em ja
neiro do ano seguinte, escreveu rio esbôço de um de
creto : Todos os cidadãos devem pertencer a uma coo
perativa
de
consumo local e as cooperativas de con
sumo existentes serão nacíonalizadas .
Em
vários se
tores do Partido, essa exigência foi interpretada e apro
vada como medida
para
eliminar as cooperativas, pois,
como se exprimiu com razão um teórico bolchevista, a
afiliação voluntária era considerada a característica es
sencial de uma cooperativa. Mas Lênin não era dessa
opinião. Segundo êle, a cooperativa, como pequena
48
após a supressão do capital privado, abrange tôda a
sociedade
é
socialismo . Daí, que a incumbência do
poder soviético seja converter todos os · cidadãos, sem
exceção, em membros de uma· cooperativa creral do
Estado, numa única e ime;:nsa coope.rativa ;ornum .
O que não foi dito
é
que o princípio da cooperativa
perdia., assim, todo o seu conteúdo de autonomia e até
mesmo sua existência como princípio, limitando-se a
ser uma instituição do Estado, forçosamente centralista
-burocrática, sob
um
nome cujo significado ficara d
es
virtuado.
A
realização dêsse programa foi empreendida
n o ~
a ~ o s
subseqüei;it-es:
tôdas as cooperativas
foram
refundidas sob a direção das associações de consumo
que, no fundo, se converteram em órgãos estatais de
di stribuição de mercadorias. Não obstante, dois anos
depois de haver formulado as tarefas do poder sovié
tico , Lênin não quis efetuar, de imediato, a naciona
lização radical e opunha-se àqueles que pretendiam,
abertamente, substituir as cooperativas
por
uma rêde
única de organizações · governamentais. Seria ótimo,
~ - ª ~ é i m ~ o s s í v e l , afümou Lênin, querendo dizer que
t imposs_
1vel
por enquanto . Ao mesmo tempo, po
rem, contmuou a ater-se fundamentalmente
ao
conceito
da
cooperativa como tal e declarou, invocando Marx
e sua própria atitude no Congresso
da
Inter:nacional
de.
Copenhagen ( 191O), - onde insistiu no efeito socia
l i z a ~ t e . que teria a cooperativa, após a expropriação dos
capitalistas - que a cooperativa poderia ser um meio
para a edificação de um nôvo sistema econômico. Seria
preciso encontrar novas formas cooperativistas que
correspondam às condições econômicas e políticas da
ditadura do proletariado e facilitem a transição para
o verdadei:o centralismo socialista . Uma instituição
que é, essencialmente, cerne e embrião da descentra
li
zação social, deveria converter-se, portanto, no ele
mento construtivo de um nôvo centralismo total de
cunho socialista . E evidente que Lênin, aqui, não
parte de conjeturas teóricas mas das exigências práticas
do momento que, como se sabe, era sumamente grave
e requeria os mais enérgicos esforços. Quando Lênin,
numa formulação que recorda os postulados dos uto-
49
pistas e anarquistas - e .que inverte seu sentido -
exige que a cooperativa de produção se una
à
de con
fvas ser muito natural que a máquina estatal coope
r ~ t i v Í s t a funcionando de acô.rdo com um plano fixo.
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sumo , cita como razão a necessidade de aumentar a
quantidade de produtos; uma experiência de dois anos
demonstrara a conveniência dêsse meio. E, um ano
mais tarde, ouvimo-lo polemizar, violentamente, contra
as cooperativas que, em sua forma antiga, ainda não
superada, constituem um refúgio para a mentalidade
contra-revolucionária . Na famosa obra sôbre o tri
buto em espécie, de princípios de 1921,
êle
assinala,
expressamente, o perigo que encerra uma cooperação
de pequenos produtores: ela fortalece, inevitàvelmente,
o capitalismo pequeno-burguês. Na atual situação da
Rússia - prossegue Lênin - a liberdade e
os direitos
das cooperativas significam liberdade e direitos para o
capitalismo. Seria tolice ou um crime fecharmos
os
olhos ante essa verdade evidente . E mais adiante: O
capitalismo cooperativo, sob o poder soviético, ao con
trário do capitalismo da economia privada, forma uma
variedade do capitalismo de Estado e, como tal, nos é,
por ora, ú J e vantajoso. . . Devemos esforçar-nos por
conduzir o desenvolvimento do capitalismo pela senda
do capitalismo cooperativista . Essa advertência e ins
trução limitava-se a formular verbalmente o que, de
fato, se praticara nos anos do errôneamente chamado
comunismo de guerra (o próprio Lênin, fazendo um
exame retrospectivo, fala em outubro de 1921 do êrro
cometido quando nos decidimos a passar diretamente
para a produção e distribuição comunistas ).
Contudo, acompanhada dos demais efeitos desfa
voráveis da extrema centralizaÇão e em relação com a
Nova Política Econômica que se iniciava, começou a
impor:se, também aqui, uma tendência ao retrocesso.
Dois di as antes daquele discurso admonitório de Lênin,
fôra promulgado um decreto para restabelecer a coo
perativa como organização econômica, em suas dife
rentes formas: de consumo, agrícola e industrial. Dois
meses mais tarde, seguiu-se um decreto que foi o pri
meiro passo para anular, totalmente, a fusão coordena
da de tôdas
as
espécies de cooperativas, na federação
das associações de copsumo
Zentrosojus).
Em fins
do mesmo ano, declarava o presidente dessa federação,
num discurso sôbre a situação e missão das coopera-
15
se tivesse tornado burocrática, imóvel e desprovida de
elasticidade ; _mencionou as vozes que falavam em
libertar a cooperativa da servidão ao Estado e chegou
a admitir que há momentos em que é preciso falar
dessa emancipação . Efetivamente, a população, mui
tas vêzes, compara a organização coercitiva à escravi
dão. A parti r de então, como declarou uma parte auto
rizada a respeito das cooperativas agrícolas, renunciou
-se, total e terminantemente , a qualquer intervenção
governamental nos assuntos das mesmas, ficando a
atuação limitada às outras possibilidades, resultantes do
sistema de capitalismo de Estado, de controlar as
cooperativas mediante a influência econômica , até
que aquelas que não pudessem ou não quisessem adap
tar-se fôssem
d
ilacera
da
s e aniquiladas . De qualquer
modo, providenciou-se para que membros de c o n f i n ~
do Partido interviessem
na
direção, tanto das centrais
como das diversas associações, e que fôssem efetuadas
as
necessárias depurações .entre
os
represe
nt
antes das
cooperativas. ·
Dois anos após seu discurso sôbre o tributo em
espécie, em maio de 1923,
no
longo artigo que escre
veu sôbre o regime cooperativista, Lênin forneceu a
base teórica para o nôvo desenvolvimento que então
se encontrava t:m seu ponto culminante. Ao iniciar
mos a nova poUtica econômica - diz êle - fomos
um tanto precipitados, pois nos esquecemos de pensar
no regime cooperativista. Contudo, êle não mais se
limita a aceitar a cooperativa como elemento necessá
rio
à
economia estatal da época de transição. A coope
rativa é, repentinamente, colocada no ponto central da
nova ordem socialista. O agrupamento cooperativo d,a
população é agora enfatizado por Lênin como a única
tarefa que nos resta . A cooperativização da Rússia
adquire, aos seus olhos, uma importância colossal ,
gigantesca'', ilimitada . Ainda não é - diz êle -
a realização da sociedade socialista, mas é tudo o que
é necessário e suficiente para a edificação dessa socie
dade. E vai ainda mais longe: a cooperativa conver
teu-se não só no requisito prévio da organização social,
mas em sua própria alma. Uma ordem social com-
5
posta de cooperativas esclarecidas - explica êle
- .
com
propriedade comunal dos meios de
prod
ução,
gd
àpenas aparente.
Nem
mes
mo
agora Lênin pensa
na
cooperativa como estrutura espontânea e autô
nom
a,
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ças à vitória do proletariado sôbre a burguesia, isso é
uma ordem socialista. E conclui:
O
simples
c r e ~ c i -
mento
da
cooperativa significa, pa ra nós, o crescimento
do
socialismo e, Se conseguíssemos a plena coope
ra
tivização, estaríamos pisando com ambos os pés em
terr
eno soc ial ista . Na planejada cooperativa do .Es-
tado que englobaria tudo, Lênin vê a concretização
dos sonhos
das
antigas cooperativas iniciadas com
Robert Owen . Aqui, a contradição entre a idéia
e
a realização
at
inge o seu ápice. O importante para
aquêles
uto
pistas , a começar por Rob
ert
Owen, em
suas idéi
as
e planos
de
associação,
era
o agrup
ame
nt
o
voluntário de homens em pequenas unidades, indepen
dentes
em
sua vida e trabalho comunitários, e
sua
união
voluntária numa comunidade
de
comunidades. O que
Lênin salienta como realização dessas idéias e planos
é exatamente o extremo oposto; é
um
complexo enor
me, inexoràvelmente centralizado,
de
centros de pro
dução
governamentais e repartições governamentais,
um
mecanismo de instituições
de
produção e consumo
burocràticamente dirigidas e engatadas a uma engre
nagem. Não há mais lugar
para
a livre decisão,
para
a livre agrupação,
não
resta sequ
er
a possibilidade de
se sonhar com tais coisas; com sua realização aca
bou-se o sonho. Em todo caso, essa .era a função que
Lêniri atribuía
à
função cooperativista no
Es
tado e não
o negou naquele artigo, tão avançado em outros aspec
tos, que escreveu oito meses antes
de sua
morte. ate
quis
dar a
base teórica decisiva
ao
movimento que
já
chegara ao seu mais amplo desenvolvimento e que tra
zia consigo, em todos os setores,
uma
restri
ção
do cen
tralismo; negou-lhe, contudo, - forçado por s
ua
ma-
neira
de
racioci nar - a base da base: o princípio da
li
berdade.
Nessa mudança tão pronunciada de Lênin face
ao regime cooperativista, muitos quiseram ver uma
a
pr
oximação às teorias dos demagogos russos, para
quem
as
formas de união cooperativa latentes ou
re
s
surgidas no povo eram o ponto de partida e o cerne
de uma futura ordem
da
sociedade e aos quais Lênin
combatera durante tanto tempo. Mas a afinidade é
52
crescendo por impulso interno e seguindo sua própria
Jei. O
que
êle esperava, depois
de
tantos esforços pe
nosos
para
unir o povo em um todo que o seguisse
numa
submissão voluntária, depois
de
tôdas
as
decep
ções sofridas com as excrescências burocráticas , mar-
t;ado
pela enfermidade e na
pr
oximidade da morte, era
unir duas coisas incompatíveis entre si: o
Estado
oni
tutel
ar
e a cooperativa
em
pleno florescimento, ou seja,
a coação e a liberdade. Em tôdas as épocas
da Hi
stó
ria, a cooperativa e s
ua
s formas precursoras só pude
ra
m desenvolver-se realmente nos hiatos que escapa
vam ao
poder
do E
stado
e
de
suas formas precursoras.
Um
Estado sem lacunas exclui,
por sua nat
ureza,
um
verdadeiro desenvolvimento
da
cooperativa. A idéia
de Lênin era ampliar o âmbito da cooperativa e unifi
cá-la
de
tal
modo em sua
estrutura, que
ela só se
distin
guisse funcionalmente
do
Estado e que coincidisse ma-
terialmente com êle.
Is
so · equivale
à
quadratura
do
círculo.
Stálin explicou a modificação operada, entre
1921
e 1923,
na
concepção
de
Lênin sôbre as cooperativas,
dizendo que o capitalismo de Estado não conseguira
arraigar-se na medida desejada e que as cooperativas,
com
seus
1
milhões de membros, haviam começado
a. associar-se, 'intimamente, com a nova indústria socia
lista em desenvolvimento. s s o não
há
dúvida, indica
essencialmen
te
os verdadeiros motivos de Lênin,
mas
não basta para explicar seu repentino entusiasmo pelas
cooperativas.
B
notório, ademais,
que
Lên
in
esperava
que o princípio cooperativista contrabalançasse a buro
cracia
que
tanto o molestava. A cooperativa, entre
tanto, só teria
podido
converter-se em semelhante con
trapêso em sua livre forma original,
não
na forma coer
citiva
de
Lênin,
a
qual dependia
de
uma burocracia
realmente gigantesca .
Como
já
dissemos, a idéia coercitiva
de
Lênin
não
foi plenamente executada. O movimento
de
retrocesso
co
nduziu finalmente, em maio· de 1924,
ao
restabeleci
mento
da
afiliação voluntária, inicialmente apenas
para
os
cidadãos dotados
de
voz ativa, isto
é,
com
direito a
voto e, em princípios de
1928,
também pa
ra
outros,
53
b d
nas cooperativas
de
consumo
rur
ais, em
ora
re uzm o
os seus direitos.
Em
fins de 1923, declarava aquêle
nas mesmas proporções, o antagonismo entre a cidade
e o campo seria eliminado em ritmo acelerado . Em
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pre
sidente do Zentrosojus: Temos
de
reconhecer
11ue
es
ta
transição para a livre afiliação deveria ter sido efe
tuada antes. Teríamos podido enfrentar esta c
ri
se sôbre
uma
base mais firme .
Não
obstante, continuqu-se a
exercer utna coação indireta, mediante o su
pi::imento
preferencial
da
s coupt:'rativas.
Em
192 5, inteiramo-nos
através
do
então presidente
do
Conselho Central de
Sindicatos que,
na
distribuição
de
subvenções e emprés
timos, leva-
se
em conta a afiliação às cooperativas, de
um modo que muito
se
aproxima
ao
da
coação.
E,
dez
anos mais tarde, as cooperativas
ur
banas, que
de há
muito vinham sendo prejudic
ad
as pelas intervenções
governamentais, foram abolidas de um único golpe em
654 cidades.
· O que foi dito basta
par
a demonstrar que o regime
soviético sempre oscilou, pràticamente, entre a imedia
ta
centralização radical e a tolerância temporária de
setores relativamente descentralizados, mas que nunca
nem de modo
ap
roximado converteu em máxima
de
sua conduta a orientação para aquêle fim do socialis
mo formulado
por
Marx: desprendimento
da
envol
tura política . Para completar o que foi dito, podem
trazer-se à baila suas ·d
iv
ersas atitudes durante o plano
qüinqüenal
de
1926-1931 para a coletivização dos
camponeses. Limitar-
me
-ei a citar em ordem cronoló
gica a sucessão
de
algumas manifestações e aconteci
mentos característicos.
Em
fins de 1927,
Molo
tov
assinalou o atraso
da
agricultura e pediu que, para su
perá-lo, fôssem desenvolvidas as coletividades rurais,
valiosas apesar de seus defeitos, em conexão com o
plano geral
de
industrialização.
Em
junho
de
1928,
Stálin declara a necessidade de ampliar com a máxima
intensidade as coletividades existentes e fundar outras
novas. Em abril
de
1929, é lançado
na
assemblé
ia
do
Partido o lema
para
a cria
çã
o, ainda d:ura
nt
e o plano.
qüinqüenal, de um setor de produção socializada que
servisse de contrapêso pax:a a economia individual. A
ação coletivizadora adotou, de imediato, mais ou menos
abertament
e,
formas coercitivas e, inicialmente, pareceu
ser tão
b em
sucedida que Stálin declarou, em fins do
mesmo ano: Se o movimento coletivista prosperasse
4
princípios
de
1930, o Comitê Central do Partido cons
tatou a diminuição qo ritmo previsto no plano e
pr
ocla
mou, energicamente, a necessidade de lutar contra tô
das as tentativas de retardar o movimento.
No
prazo
de três anos, deveria ser levada a cabo a coletivização
completa, através
da
persuasão
e
de outros meios .
Os comitês executivos distritais rivalizaram entre si na
aplicação de suas medidas puramente administrativas;
declarou-se, não poucas vêzes, que o distrito era a
comarca
da
coletivização comple
ta
e, quando a per
suasão n
ão ba
stava, recorria-se·à ameaça. Não tardou
a
p a t e n t e a r - ~
entretanto, que a im
pre
ssão
de
êxito
total, produzida pe
la
grande proliferação de agrupações
de produção coletiva,
era
ilusória. Os camponeses. rea
giam à
sua
própr
ia
maneira, sacr ificando o gado ou
mesmo sublevando-se e a ação empreendida para eli
minar aos latifundiários de na
da
adiantou, pois, muitas
vêzes, os pequenos proprietários
de
terras faziam causa
comum com êles e o Exército Vermelho espalhou o
descontentamento entre os filhos dos camponeses.
Foi
então que Stálin, em seu famoso artigo A Vertigem
Ante o Exità efetuou a mudança que parecia necessá
ria. A política da coletivização, afirmou êle, baseia-se,
segundo a doutrina de Lênin,
na
voluntariedade.
Não
se pode criar,
à
fôrça, centros
rur
ais de produção cole
tiva. Isso seria estúpido e reacionário
.
Lênin ensi
nara também que implantar o cultivo coletivista do
solo por meio de decreto seria o pior dos absurdos''.
O princípio
da
voluntariedade fôra infringido; o ritmo
da
ação
não
correspondera
ao
do desenvolvimento e
se haviam saltado etapas intermediárias necessárias do
cam
inho que conduz à comunidad.e rura l completa. O
.Comitê Central ordenou, então, que não mais se em
pregassem métodos coercitivos. A .assembléia do Par
tido proclamou, em julho, que a produção
rura
l coletiva
só poderia
ser
edificada com base no ingresso voluntá
rio e que tôda tentativa de aplicar a violência ou a coa
ção administrativa constituía uma violação à diretriz
do Partido e um abuso do poder .
No
outono, o co
missário
da
Agricultura tornou a criticar
os
métodos
brutais e ultra-administrativos que haviam sido aplica-
155
dos
·a
os centros rnrais coletivos e aos seus membros".
Contudo, menos
de
cinco meses mais tarde - quando,
fábrica estatal - sufocou o valor peculiar, o valor
estrutural
da
comunidade aldeã e só poderia tê-lo sufo
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em
decorrência
da
maior liberdade outorgada,
um
bom
número de camponeses abandonou as colônias coleti
vas, apesar das novas vantagens usufruídas - o
m ~ s -
mo
comissário, referindo-se aos camponeses que nao
haviam aderido ao movimento coletivista, disse em seu
relatório
ao
Congresso:
Com
quem estão êles, com
os kulaks ou com os coletivistas?. . . f possível perma
necer neutro agora?"
Ou
seja: quem não estiver a favor
da
coletivização, está contra o regime soviético. O
Congresso confirmou essa atitude. Nos anos subse
qüentes, após as atenuações impostas pelas crises ali
mentícias, seguiram-se novas medidas vigorosas, até
que, em 1936, cêrca
de 90%
dos camponeses já esta
vam coletivizados, embora apenas uma diminuta fração
'fôsse constituída
de
comunas totais.
A antiga Rússia aldeã subsistiu até
1 9 2 ~ ,
como
formulou acertadamente Maynard.
Do
ponto
de
vista
do
rendi llento econômico, só se
pode
louvar que ela
tenha sido extinta, juntamente
com
seu tradicional sis
tema
de
cultivo
do
solo. Mas, quando examinada sob
o ponto
de
vista
da
estrutura social, a questão se apre
senta em outros têrmos. Analisada
por
êsse ângulo,
vemos ue não
foi
muito indicada. a adoção de uma
política
~ í g i d a para
êsse caso. Impunha-se transformar
as unidades estruturais
exisknles, de modo a que se
acomodassem às novas condições e necessidades, con
servando, não obstante, seu caráter estrutural, sua es
n c i a
como células autônomas. Essa tarefa não foi
levada a cabo. Afirmou-se, 'certamente com razão, que
a idéia marxista, associada à racionalização agrícola em
grande escala, à industrializaçã? e
t e c n i ~ i c a ç ã o
.
agricultura, foi injetada na antiga c o m u m d d ~ aldea
russa que habituara os camponeses
ao
cultivo em
comum do solo. Mas a tendência, motivada por razões
políticas, de converter o cultivo
do
solo .
em
d e ~ a r t a -
mento da
indústria e os camponeses em assalanados
dessa indústria, a tendência a uma economia estatal que
a tudo .abrangesse e controlasse, - para a qual a coo
perativa agrícola representava apenas uma etapa no
caminho
da
comuna total e esta, apenas uma fase de
transição para a sucursal local da seção agrária da
156
cado. Assim como a um indivíduo, não se pode tratar
onipotentemente um organismo social, isto é, como
meio para um fim, sem privá-lo de sua essência vital.
Do
ponto
de
vista
do
leninismo - disse Stálin em
1933
- os centros rurais coletivos, bem como o<;
sovietes, considerados como forma
de
organização,
são
apenas uma arma e
nada
mais que uma arma." Não
se pode, naturalmente, esperar que uma àrvorezinha
convertida em estaca produza fôlhas.
l>or muito mais tempo,
do
que em qualquer outro
povo, conservou-se no russo a inclinação "medieval"
de unir-se em pequenos grupos para uma obra comum.
Do artel, a mais original estrutura social nascjda dessa
inclinação, disse Kropotkin,
há
quarenta anos, que êle
era a autêntica substância
da
vida camponesa russa;
é
uma união em parte permanente, em parte passageira,
de pescadores, caçadores, artesãos, comerciantes, car
regadores,
depoiytdos à Sibéria, camponeses que acor
rem à cidade
para
trabalhar como tecelões ou carpin
teiros, camponeses que se propõem a explorar, em co
mum, o cultivo
do
trigo
ou
a criação
de
gado, separando
sempre, nitidamente, a propriedade comum e a indivi
dual. Para uma grande idéia de reestruturação, havia,
aqui,
um
elemento construtivo
de
incomparável valor.
A revolução bolchevista
não
o utilizou como
tal.
Não
tinha qualquer aplicação para pequenas comunidades
autônomas.
Entre
os tipos
de kolkhoz
prefe.riu,
no
momento presente'', como diz Stálin, o artel agrícola,
por motivos técnico-econômicos, mas é natural que não
tenha visto nêle mais que
uma
instituição transitória.
Um de
seus melhores economistas teóricos resumiu a
finalidade
do
arte . O cultivo
do
solo - disse êle -
só poderá consic;ierar-se socializado, quando todos os
artéis agrícolas tiverem sido substituídos
por
empreen
dimentos estatais e quando a terra, os meios de produ
ção
e o inventário vivo pertencerem ao Estado centra
lizado. Então, os camponeses, como assalariados
do
Estado, viverão em casas comunais
.
em grandes cida
des agrárias, centros de maiores demarcações eletrifi
cadas. A imagem ideal, à qual pertence essa represen
tação,
é,
na veràade, o quadro
de
uma sociedade total
57
e definitivamente desestruturada.
J\/Jais
~ i n d a é o
quadro de um Estado que devorou a sociedade.
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O regime soviético realizou grand.es feitos. no ca
m-
po da técnica econômica e outros a 1 ~ d a _maiores,
campo da técnica de guerra. Seus c1dadaos parec . m
aceitá-lo essencialmente por diversas razões; ~ m s
sitivas, outras negativas, umas fictícias e outras reais
e
sua atitude parece compor-se de uina mescla de
vaga resignação e confiança prática. De ~ o d o
ge.ral
pode-se dizer do indivíduo que se ent.rega a esse regime
onde goza
de
tão pouca liberdade de pensamento e
ação: não é possível retroceder m a ~ pelo m e n o ~ no
seritido do rendimento técnico, há progresso. A situa
çã
o muda de aspecto quando examina,
i ~ p a r c i a l -
roente, o que êsse Estado realizou
em
matéria
de
so
cialismo.
Em
postulados socialistas, muito; ·em estrutu
ra socialista, · nada. Que aspecto terá - p e r ~ u n t a ~ a
em 1918, o sociólogo.Max Weber--: aquela
a ~ s o c ~ a -
ção' de que fala o Manifesto Comumsta? Quais sao,
particularmente, as células geradoras de semelhantes
organizações que o socialismo possa apresentar para o
caso de, realmente, lhe surgir a oportunidade de apo
derar-se do poder e dispor as coisas a seu modo?" No
país em que o socialismo, realme;ite,
t ~ v e
essa
o p o r t ~ -
ni
dade, havia células d o ~ s desse tlpo como, possi
velmente,
em nenhum outro de nossa época; mas elas
não foram desenvolvidas. Todavia, ainda há tempo
para uma mudança e uma transformação - nã? uma
mudança
de
tática, como tão freqüentemente fizeram
Lênin e seus colaboradores, mas uma mudança funda
mental. Para trás não podem voltar; só podem prosse
guir
par
a a frente - mas numa nova direção. Tudo
depende de que ainda existam,
no
fundo, fôrças ' .ue
emerjam à superfície e efetuem essa transformaçao.
Pierre Lerou
x
que parece
ha
ver sido o primeiro a em
pregar a palavra socialismo,_ abia o que dizia quando,
em 1848, dirigiu à Assembléia Nacional
f r a n c e ~ a
as
seguintes palavras: "Se não quiserdes uma comunidade
humana, digo-vos que exporeis a cultura à sina de pa
recer em espantosa agonia".
58
X OUTRA.
EXPER
I:BNCIA
A era do grande capitalismo teve o ·efeito, como
vimos, de desestruturar a sociedade. A sociedade que
a precedeu era constituída de sociedades de diversos
tipos. Possuía uma estrutura complexa e pluralista, o
q_ue lhe conferia uma vitalidade social específica, capa
Cttando-a a o
fe
recer resistência à tendência totalitária
do E s t ~ d o centralista pré-revolucionário, mesmo quan
do vános de seus elementos já apresentavam uma vida
autônoma bastante debilitada. A política da Revolu
ção Francesa, .dirigida contra os privilégios dessas asso
ciações, esmagou a resistência. · A partir de então, o
nô
vo centralismo
do
grílnde capitalismo logrou o que
não lograra o antigo: atomizar a sociedade. O capital
59
que domina as máquinas e, através delas, a sociedade
quer defrontar-se somente com indivíduos, e o Estado
uma nova sociedade. Ambas as f o ~ m a s de cooperativa
passaram por um grande desenvolvllllento, m
as as
co
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moderno segue-lhe
os
passos, despojando progressiva
mente
os
grupos de .sua vida autônoma. As organiza
ções de luta que o proletariado ergue contra o capital,
a ·econômica sindicato) e a política partido , não
podem, por sua própria natureza, combater êsse
pro-
cesso de decomposição, pois não tem acesso à vida da
sociedade e nem
às
suas bases: a produção e o con
sumo. A passagem do capital para
as
mãos do Estado
tampouco pode ocasionar a reestruturação, mesmo
quando estabelece uma rêde de cooperativas obrigató
rias, pois estas, destituídas de uma autêntica vida autô
noma, são incapazes de converter-se em. células de uma
nova sociedade socia
li
sta.
conteúdo objetivo primordial do movimento
cooperativista consiste, portanto, na tendência à rees
truturação
da
sociedade, à recuperação
da
coesão in
terna sob novas formas tectônicas, numa nova i onso-
ciatio conçociationum. f fundamentalmente falso,. co
mo demonstrei, qualificar de romântica
ou
utópica
~ s s a
tendêncja, pelo fato de, em seus primórdios, ter surgido
algumas
vêzes
associada a reminiscênci
as
românticas e
fantasias utópicas. Ela é total e fundamentalmente tó
pica
e
construtiva, isto
é,
propõe modificações perfei
tamente realizáveis em determinadas condições e com
determinados meios. Psicolôgicamcnte, ademais,
da
se b
as
eia numa eterna necessidade do hom·em, se bem
que freqüentemente reprimida e mesmo anestésiada:
a de poder sentir sua c
as
a como o aposento de
um
edi
fício maior, ao qual pertença espiritualmente, e cujos
mor?dores lhe confirmem sua própria existência como
ser human
o,
atrav
és
da convivência e do trabalho com
êle. Uma união, baseada apenas na convergência de
opiniões e
as
pirações, não pode satisfazer a essa ne
c e s ~ d a somente uma união que se traduza em vida
comunitá
ri
a pode satisfazê-la. Não obstante, a orga
nização cooperat
ivi
sta da produção e a do consumo, se
paradamente, também se revelam insuficientes, pois
. somente compreendem o homem em um determinado
ponto e n
ão
na configuração de sua existência; e, de
vido ao seu caràter meramente parcial e funcional, são
igualmente incapazes de se converterem em células de
16
operativas de consumo só em formas totalmente buro
cratizadas e
as
de
d u ç ã o
em formas
t o t a l t ~ e n t e
especializadas; hoje, e ~ ~ s do que n u ~ ~ a . p o ~ e m
abra
nge
r a vida comumtana. a c ? n s ~ ~ e n c i a desse
fato que impulsiona p ~ a a
f
s m t ~ t l c a para a
cooperativa integral, cuja expenenc
1a
mais p o d ~ r o s a é
a colônia comunitária, na qual se forma uma vida em
comum baseada na união de produção e consumo, de
vendo entender-se por produção n ~ o apenas c ~ l t i ~ o
da terra , mas sua associação orgânica com a mdustna
e o artesanato.
As diversas experiências efetuadas na Europa e
na América, no curso de século e meio em que fun
daram colônias rurais· dêsse gênero, quer de o n e n t ~
ção comunista, quer c o o p e r a t i v i ~ t a em séntido mais
restrito, fracassaram em sua totahdade. Po.r f r ~ c a s s a -
das chamo não só aquelas emprêsas de colomzaçao .que,
após uma existência mais ou menos breve, se desinte
graram totalmente ou adotaram
Ufll
sistema
c a p i t 8 : 1 i ~ t a
bándeando-se para o lado contrário; nessa c ass1f1ca
ção devem ser incluídas,
i g u ~ l m e n t e
a q u e l a ~ que se
co
nservaram isoladamente, pois
a
tarefa genuma, rees
truturadora das novas comunidades rurais começa c ~ m
su
a
federaçao
isto é, com s
ua
união sob o ~ e s m o -
cípio que rege sua estrutura interna. A isso nao se
chegou quase em parte alguma. Tampouco se pode
falar de um êxito socialista nos casos em que, çomo
nos
dukhobors
do Canadá, existe uma união federa
tiva, pois a própria f e d e ~ a ç ã o se m ~ n t é m
i s o l a ~ a
e
pão
· exerce qualquer influência de atraçao e educaçao
s ~ b r e
a sociedade
em
geral; o cumprimento da .tarefa ~ 1 c o u
apenas no comêço. Notável é que Kropotkn:i co 1s1dere
êsses dois fatôres - o isolamento das coloruzaçoes en
tre si e seu isolamento
da
sociedade - como causas
de seu malôgro também em sentido
'Usual.
.
A tarefa socialista só será realizada na m e d 1 ~ a
em que a nova aldeia, que une
as fonna_s
de produç.ao
e enlaça a produção com o consumo, tiver um e f ~ 1 t o
reestruturador sôbre a sociedade urbana que se tornou
amorfa. Esse efeito só será decisivo, quando e sempre
que o desenvolvimento técnico ulterior facilitar e mesmo
161
exigir a descentralização
da
produção industrial.
No
entanto, a moderna colônia cooperativista já pode pos
isenção
de
ânímo e ponderação, cumpre dizer que êsse
é
o único ponto
do
mun
do
em que, apesar de tôdas as
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suir, hoje,
uma
fôrça
de
irradiação para o interior
da
sociedade urbana. f preciso insistir, novamente, em
que se trata
de uma tendência construtiva e tópica.
Seria romântico e utópico querer dissolver as cidades,
assim como, antigamente, foi romântico e utópico que
rer dissolver as máquinas. Mas é construtivo e tópico
querer articular orgânicamente as cidades
em
estreita
conexão com o desenvolvimento técnico, e transfor
má-las em agregados de unidades menores. Em vários
países,
já
se começa, atualmente, a dar importantes
passos nesse sentido.
Até onde
me é
dado observar
na
História e no
presente, apenas a
uma
única experiência
de
vulto,
para a
cr
iação de uma cooperativa integral, se pode
atribuir certo êxito
m
sentido socialista. a colônia
cooperativa hebraica da Terra de Israel, com suas dife
rentes formas.
há
dúvida de que também ela se vê
a braços com
uma
profunda problemática em todos
os
três s etores:
de
relações internas,
de
federação e
de
influência sôbre a sociedade em geral. Não obstante,
ela comprovou sua existência em todos os três setores
e foi a única a consegui-lo.
Em
nenhuma parte,
na
,
história da colonização cooperativa, se encontra essa n-
cansável procura
de uma
forma
de
convivência adequa
da
a êsses grupos humanos, êsse contínuo experimen
tar, sacrificar-se, analisar criticamente e tornar a expe
rimentar, êsse constante brotar de novos ramos do
mesmo tronco, originados
do
mesmo impulso configu
rador.
E,
em nenhuma parte,
há
essa atitude vigilante
em face da própria problemática, essa contínua con
frontação com ela, essa vontade tenaz de discuti-la e
êsse esfôrço incessante
po
r superá-Ia, que apenas raras
vêzes se manifesta, exteriormente, por meio da palavra.
Aqui, e somente aqui a comunidade em formação ge
rou órgãos
para
o conhecimento de si mesma, órgãos
cujas percepções sempre a conduzem novamente
ao
desespêro. Mas é um desespêro que destrói uma espe
rança sentimental
para
fazer brotar
uma e s p e r ~ n ç a
mais
- elevada,
ou
seja, a esperança que só
g ~ r m i n a
no
solo
do
desespêro e que deixa
de
ser sentimehto
para
tor
oar-se unicamente obra. Por isso, com a mais absoluta
162
falhas parciais, se pode reconhecer um
não-malôgro
- e um não-malôgro certamente exemplar.
A que se atribui êsse fato? O melhor meio para
se conhecer o caráter peculiar dêssa obra de coloniza
ção
cooperativista
é
examinar as causas que a motiva
ram e vice-versa.
·U1J
de seus fatôres tem sido repetidamente assi
nalado: é que a comunidade rural judaica da Terra de
Jsrael deve seu nascimento não a uma· doutrina, mas a
uma
situação, à calamidade, à coerção, às exigências
da
situação. · Oõservou-se que,
na
criação
da kvutzá
(comuna
rural ,
a obra precedeu a ideologia. Isso é
indubitàvelmente verdadeiro, mas
é
preciso fazet uma
ressalva. O que naturalmente se pretendeu foi que
determinados problemas
do
trabalho e
da
organização
que a realidade palestinense
a p ~ e s e n t a : v a
aos coloniza
dores fôssem solucionados mediante a
sua
união. O
q u ~
um
conglomerado avulso
de
indivíduos teria sido
incapaz
de
superar - e que nem poderi a haver tentado
superar naquelas circunstâncias - foi arriscado, ten
tado e alcançado pela coletividade. Mas aquilo a que
se atribui o nome
de
ideologia - prefiro denominá-lo
com uma palavra mais antiga mas não antiquada: o
ideal -
não
era, ~ s m e n t e algo que se pudesse
acrescentar a posteriori e que, a posteriori justificasse
as realidades criadas.
No
espírito
das
primeiras comu
nas pàlestinenses, combinavam-se motivos espirituais
.aos motivos exigidos pelo momento, aos quais, por
ºvêzes, se
me
sclavam curiosamente a reéordação
do
artel
russo, impressões advindas
da
leitura dos chµmados so
cialistas utópicos e a repercussão apenas consciente das
doutrinas bíblicas de justiça social. O importante é
que
êsse motivo espiritual conservou, quase sem exce
ção,
um
caráter maleável, plástico. Havia muitos e
diferentes sonhos para o futuro.
À
frente, vislumbra
va-se urna nova forma de família, mais ampla. Os indi
víduos viam-se, a si mesmos, como sendo a vanguarda
do
movimento trabalhista e, inclusive, como á realiza
ção direta
do
socialismo, como o protótipo de uma nova
sociedade e se propunham como objetivo a criação
de
um nôvo homem e de
um
nôvo mundo. Nada disso,
163
porém, adquiriu a rigidez
de um
programa fixo e con
cluído. Não se trazia, como sempre ocorreu
na
história
formação interior não conseguiu
o m p a n h á
A
medida que Eretz Israel
se
conv
ert
1a de pais _de
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das coo
per
ativas,
um
esquema que poderia ser
pr
eenchi
do
mas não modificado pelos dados concretos. ideal
produzia impulsos,
mas
não dogmas; estimulava, mas
não impunha.
Todavia, mais importante
do
que tudo isso foi o
fato de existir - por trás daque
la
situação palesti
nense que apresentava problemas
de trab
alho e
de
or
ganização - uma situação histórica, a situação de
um
povo atormentado por uma grande crise exterior e
que a e
la
respondeu com uma grande
tra
nsformação
interior. E essa situação histórica produziu uma elite:
a dos
halutzim
dos precursores, integrada por ele
mentos
de
tôdas as
cl
asses
do
povo e que ultrapassou
essas classes. A forma de vida adequada a essa elite
era
a
da
co
lônia comunitária, não apenas em
um
único
aspecto, mas em tôda a sua gama de matizes, desde a
estrutura social
de
ajuda mútua
à
comuna. Essa era
a fgrma mais apropriada
para
a execução das tarefas
halutzianas centrais e, concomitantemente, a for
ma
em que.o ideal de vida social podia realmente compe
netrar-se na vida nacional. Por seu passado histórico,
era
intdnsecamente impossível a essa elite e à sua for
ma de vida caírem na estática e no isolamento. Suas
tarefas, suas obras, seu espírito iniciador, convertiam
-nas em centros
de
atração e irradiação.
Em
todos os
pont
os, a halutziu t propendia
à
formação de uma co
munidade nacional nova, transformada;
no
momento
em que se bastasse a si mesma, teria renunciado a si
mesma. Era preciso que a colônia comunitária, como
célula nuclear da sociedade em formação, exercesse
uma profunda atração sôbre os homens que a ela se
entregar
am
de corpo e alma; e que
não
só educasse
par
a a autêntica vida comunitária aquêles que se incor- '
poravam, mas que, também, exerçesse
uma
influência
construtiva e estruturadora sôb
re
a periferia
da
socie
dade. A dinâmica histórica determinou o
cará
ter dinâ
mico das relações entre a colônia comunitária e a so
ciedade.
gsse caráter sofreu consideráveis prejuízos, quan
do o ritmo da crise exterior se acelerou e suas formas
de manifestação se tornaram tão radicais que' a
tr a
o
s-
164
aliâ
de ascensão , em um. dos
p a i s ~ s de
m u g r a ç a ~
surgia, ao lado da halutz1ut a u t ê n t 1 c ~ . uma
s e ~ i -
halutziut. À
fôrça de atração
da
coloma comumtá
ria não diminuiu
mas
s
ua
fôrça educativa não estava
preparada para o' enorme fluxo de
ma
terial
h u ~ a n
de
difere
nte
formação e êste conseguiu, algumas vezes,
influir também sôbre a coloração
da
comunidade. E,
simultâneamente, operou-se
uma
t r a ~ s f o r m ~ ç ã o nas re
lações com a sociedade em g e r ~ l . A
m e d i
que esta
se modificava em sua estrutura interna, reduzia-se tam
bém, cada vez mais, a influência transformadora
da
s
células geradoras, sôbre as quais começou a exercer
uma influência nem sempre imediatamente reconhecí
vel
mas que, hoje, se evidencia claramente, pois
a p o d ~ -
rou-se dos elementos essenciais das mesmas e os a
ss1-
niilou.
Na vida dos povos e, particularmente, na vida
dos povos que se
defr<?ntam
com
u m ~
cri
se h i s t ó r ~ c a
é fundamentalmente importante º.surgimento a
.e.
ehtes
autênticas, isto é, não usurpatónas, qualificadas
para exercer uma função central; é preciso que. essas
elites permaneçam fiéis à sua missão frente à
s o c i e d ~ d e
e q
ue
não substituam as. relações coo; ela por relaçoes
consigo mesmas e, finalmente, que saibam completar-se
e renovar-se de modo apropriado ~ u a tarefa.
~ s t e
último ponto implica em duas condiçoes: 9ue as
e b t ~ s
possam influir sôbre seus sucessores naturais,
de
manei
ra que êstes prossigam com
sua obra de m ~ d ? .
adequa
do,
0
que sempre constit4i .
um
pr_?blema dihcil e que,
mediante a eleição e a preparaçao
a ~ r t a . d a ~ o r m e m
umá descendência espiritual
na
qual
se1a
m mclu
1d
os to
dos os elementos habilitados e, se possível, nenhum
outro ou, · quando isto
f
ôr
i n e v i t ~ u e
procure
uma compensação mediante a d e v t d ~
~ f l u 7 n c 1 ~
edu
cativa.
o
destino histórico
da
colomzaçao
1u
da1ca
na
Palestina deu vida à elite halutziana que encontrou
na
·colônia comunitária seu núcleo social. E, com a che
gada dos semi-halutzim outra on
da do
mesmo ,
tino histórico introduziu nesta elite uma problemat1ca,
ou
melhor,
fê
z com
qu
e desabrochasse nela uma
pr ·
blemática latente que, até agora, ainda
não
consegmu
65
ser dominada e
à
qual será preciso dominar para atin
gir a próxima etapa no caminho de sua tarefa. A tensão
A . im de visualizar a causa do não-malôgro das
colônias comunitárias judaicas
da
Palestina, parti do
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interna entre aquêles que assumem tôda a responsabiJ
bitidade pela comunidade e aquêles que a ela se esqui
vam de tôdas as maneiras, só pode ser superada a par
tir
do interior da comunidade.
O ponto em que irrompe a problemática não é a
relação com a idéia, nem com a comunidade e, tam
pouco, com o trabalho;
em
todos êsses aspectos, os
semi halutzim ·dominam-se, esforçam-se e cumprem,
bem ou mal, aquilo que dêles se espera. O ponto em
que a problemática se manifesta, o ponto em que se
p r o ~ u z o
: a f r o u x a m ~ n t o ,
é a relação com o compa
~ e i r ~ . Nao me refiro, absolutamente, à questão tão
discutida a seu tempo, da intimidade da pequena"
kvutzá
e da perda dessa intimidade na "grande"; refiro
-me a algo que nada tem a ver com a extensão da co
munidade. Não se trata de intimidade - esta se esta
belece deixa de estabelecer-se, independentemente
da amphtude clo grupo; trata-se da receptividade. Uma
comunidade autêntica não precisa ser composta de ho
mens que se façam constantemente companhia; deve
ser constituída de homens que, justamente como com
panheiros, sejam mutuamente receptivos e bem dispos
tos. Comunidade autêntica
é
aquela que, em todos os
aspectos de sua existência, possui potencialmente o
ca-
ráter
de
comunidade. Portanto, as questões sociais in
t e r n ~ s de uma c o m u n i ~ B ; < l e são, na realidade, questões
relativas
à
sua autent1c1dade e, conseqüentemente, à
sua fôrça interna e à sua consistência. Os homens que
criaram a colônia comunitária judaica na Palestina ti
nham um profundo conhecimento instintivo dêsse fato·
A • • L.
1
esse mstmto parece não estar mais tao desperto como
antes. No entanto, também nesse terreno tão impor
tante, encontramos aquêle auto-exame e autocrítica
coletivos tão inexoràvelmente penetrantes, a que
á
me referi. Mas,
para
compreendê-los e apreciá-los em
~ ~ u
justo valor, é preciso vê-los conjugados à _relação
mcómparàvelmente positiva, quase religiosa dêsses ho
mens, com a essência mais íntima, mais genuína, de
sua colônia. Ambos sãG aspectos do mesmo mund0
psíquic0 e nenhum dêles pode ser compreendido sepa
radamente.
66
caráter não doutrinário de sua formação. Ssse caráter
· também determinou, substancialmente, o seu desenvol
vimento.
Em
absoluta liberdade, mutiplicaram-se re
petidamente novas formas que, por sua vez, deram
origem a novas formas intermediárias, tôdas elas nas
cidas livremente
do
desdobramento de necessidades so
ciais e psíquicas particulares, adquirindo tôdas elas li -
vremente, desde o início,
sua
ideologia própria. Cada
uma delas aliciou seus adeptos, propagou-se, expandiu
-se e formou sua área de domínio mais ou menos ex
tensa, sempre em absoluta liberdade. Os partidários
das diferentes formas pronunciaram-se cada qual a fa·
vor
da
sua, as vantagens e defeitos de cada uma foram
comentados com a mais intensiva tolerância mútua,
mas tudo isso, naturalmente, no terreno da causa co
mum e
da
tarefa comum em que cada uma das formas
reconhecia a relativa
justificaçãO' das demais
em
sua
função especial. :st e ·é um fato único e sem paralelos
na
história das colonizações cooperativas. E, ademais,
ao que me conste, em nenhuma outra parte da h i s ~ ó r i
do movimento socialista observou-se, como aqw, o
princípio
da
integração
em
meio ao processo da dife
renciação.
As diversas formas e formas intermediárias, que
foram surgindo em diferentes épocas e situações, repre
sentam estruturas societárias diferentes e os homens
que as organizavam tinham, na inaioria das vêzes, tanta
consciência disso como das necessidades sociais e psí
quicas que os impulsionavam. Não se deram conta,
com a mesma clai:eza de fato, que as diversas formas
correspondiam a diferentes tipos de homens e que, por
conseguinte, assim como a forma origínal de kvutzá
propiciou o desdobramento de novas formas, também
do tipo original do halutz se desprenderam novos tipos,
cada qual com seu modo de ser peculiar e seu desejo
de realizar-se em
um
modo de vida especial. :: ver
dade que, muitas vêzes, foram os fatôres econômicos
e outros de ordem externa que induziram determinados
homens a afastar-se de uma forma
para
aderir a outra;
mas, substancialmente, cada tipo procurou nessa for
ma determinada a realização social de sua peculia-
67
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a formação de uma communitas communitatum isto é:
para a formação de uma sociedade reestruturada.
redução do Estado à função de unificador, ou absorção
da sociedade amorfa pelo Estado todo-poderoso; plura
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u disse que, no desenvolvimento dêsse temerário
empreendimento do povo judeu, vejo um não-malôgro
exemplar. Não posso falar em um êxito exemplar.
Muito
ia l
ta ainda para que chegue a sê-lo. Mas
é
assim nesse ritmo, com êsses reveses, decepções e no
vas audácias que se operam
as
verdadeiras transfor
mações no mundo do Homem.
Mas, então, é lícito dizer que êsse não-malôgro seja
exemplar? Eu mesmo indiquei que foram circunstân
ciais e condições muito especiais que conduziram a essa
situação. E o que disse da kvutzá um seu represen
tante, que ela é uma criação tipicamente palestinense,
pode afirmar-se de tôdas as suas formas.
Não obstante, quando uma experiência obteve um
certo êxito em determinadas circunstâncias e condicões,
pode ser igualmente tentada, quando as drcunstâncias
e condições forem menos favoráveis, submetida a alte-
rações. ·
fora de dúvida que a última Grande Guerra
constituiu o prelúdio da crise mundial. Esta, - após
a turbulenta pausa que não pode ser de longa dura
ção - provàvelmente, irromperá de início nos peque
nos países ocidentais, cuja arruinada economia só aoa
rentemente poderá ser restaurada.
As
pequenas nações
defrontar-se-ão diretamente com a necessidade de so
cializações radicais, sobretudo da expropriação do solo.
Tornar-se-á então de uma importância decisiva saber
quem será o sujeito real da economia transformada
e
o proprietário dos meios sociais de produção: o poder
central de
um
Estado totalmente centralizado, ou as
unidades sociais dos trabalhadores rurais e urbanos que
vivam e produzam
em
conjunto, através de suas cor- .
porações representativas, de sorte que
os
órgãos trans
formados do Estado não tenham que desempenhar ou
tras funções senão as de conciliação e administração?.
Dessas decisões,
às
quais logo se seguirão outras aná
logas nas nações maiores, dependerá, em grande parte,
a formação de uma nova sociedade e de uma nova cul
tura. Está
em
jôgo a decisão sôbre a base: reestrutu
ração da sociedade como federação de federações e
170
lismo socialista ou unitarismo socialista ; a justa pro
porção, diàriamente adaptada à condições v a r i á v e i ~
entre a liberdade dos grupos e a ordem geral, ou ordem
absoluta, imposta por tempo i n d e f i n i d o ~ com a promes
sa de uma era de liberdade que se supoe deverá sobre
vir por si mesma , posteriormente. Enquan_to .ª pró-.
pria Rússia não tiver. sofri?o t r ~ f o r m a ç a o mterna
substancial, - e h01e é imposs1vel vislumbrar quando
e como ela se dará - temos de denominar com o
po deroso nome de
o s ~ o u
a um dos d?is pólos
socialismo · entre os quais deverá ser feita a opçao.
Apesar tudo,
a t r e v o ~ m e
a denominar o outro pólo
de Jerusalém'
•
171
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fícil de ser compreendida; cçnsiderado sob o prisma· do
espírito,
é
uma encarnação não menos difícil de se
compreender e, possivelmente, a única; contemplada de
assim como o trabalho técnico do homem se distinguia,
~ o r seu caráter, de tôdas .as obras análogas dos animais.
Também os macacos se servem dos bastões que en
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ambos
os
lados,
é
uma existência que se encontra subs
tancial e constantemente ameaçada por perigos internos
e externos, e exposta crises cada vez mais profundas.
Durante sua passagem pelo caminho terreno, o homem
foi aumentando·
em ritmo
crescente o que se costuma
denominar de seu poder sôbre a natureza, e conduziu,
de trfünfo
em
triunfo, o que se deliberou denominar
de a criação de seu espírito. Entretanto, enquanto pas
sava por crise após crise, começou
a
sentir, cada vez
mais profundamente, a fragilidade de tôda a sua gran
deza e, em horas de clarividência, conseguiu entender
que, apesar de tudo o que se costuma chamar de pro
gresso
da
humanida,de, não caminha absolutamente por
uma estrada aplanada, mas é obrigado a trilhar, pé
ante pé, uma estreita cumeada entre abismos. Quanto
mais grave fôr a crise, tanto mais sério e consciente da
responsabilidade. é o conhecimento que de nós se exige
pois, embora o importante seja o feito, somente o feito
esclarecido no conhecimento contribuirá para superar a
crise. Na época de uma grande crise, não basta con
templar retrospectivamente o passadó próximo para
aproximar de uma solução o enigma presente; é preciso
confrontar
a
fase do caminho atingida pelo homem,
com sua fase inicial, sempre que seja possível repre
sentá-la. O ponto essencial, em tudo aquilo que ajudou
o homem a sair, por assim dizer, da natureza e a man
ter-se frente a ela, apesar de sua fragilidade como ente
natural - ainda mais essencial do que fazer um mun
do técnico de .coisas especlficamente configuradas -
foi
o fato de haver-se unido aos seus .semelhantes para
a defesa e a caça, para a colheita e o trabalho; e isso·
de modo a que - até certo ponto desde o princípio
e,
posteriormente, em escala crescente - passasse a
considerar aos demais, a cada indivíduo,
cotr.ío
sêres
·independentes em relação· a êle, entendendo-se assim
com êles, dirigindo-lhes a palavra e deixando que lhe
dirigissem a palavra. Essa formação de
um
mundo
social através .de pessoas ao 1. llesmo teinpo depen
dentes e índependentes entre si, distinguia-se, por sua
natureza, de tôdas
as
emprêsas similares dos animais,
74
contram, utilizando-os como alavancas, escavadeiras
ou armas, mas isso acontece de modo puramente oca
sional, pois não são ·capazes de conceber e
f b r i c ~ r
uma ferramenta como um objeto destinado a determi-
nados usos e não a outros, e que seja
de
emprêgo
permanente. E, não obstante, muitos insetos.
vivei:n.
.sociedades organizadas, observando uma estrita
d1v1sao
de trabalho. Mas é justamente essa divisão de trabalho
o que determina suas relações mútuas. São todos êles,
até certo ponto, instrumentos, mas é a própria sociedade
que dêles se serve para seus fins instintivos . Falta a
improvisação, o grau, mesmo que modesto, de indepen
dência mútua, a possibilidade de se considerarem sem
pre
livres entre
si
e, conseqüentemente,
a
relação
de pessoa a pessoa. Assim como a criação t é ~ n i c a
específ ib do homem, significa conferir autonomia às
coisas assim também sua criação social específica sig
nifica'conferir autonomia aos sêres de sua espécie. A
partir dessa peculiaridade exclusiva
do
homem, deve-se
compreender seu caminho com todos, os. seus altos e
baixos e, conseqüentemente,. nosso propno ponto nes
se caminho, nossa grande cnse particular.
No
atual ·nível evolutivo
do
gênero humano, pre
valece essa linha, a linha de formação e transformação
de comunidades através de uma crescente autonomia
pessoal, de seu mútuo r e c o n h e c i m e n t ~ e. da colaboração
sôbre essa base. Os dois passos mais importantes da
dos pelo homem das eras primitiv.as em direção à socie-
. dade humana podem ser, até certo ponto, determinados.
Um dêles foi o fato de, dentro de cada clã, através de
uma maneira muito primitiva de divisão do trabalho,
as
pessoas haverem sido reconhecidas e u t i l i z a d ~ s s e ~
gundo a aptidão especial de cada uma, o que fm con
ferindo ao
clã
um crescente caráter de união, sempre
renovada, dos representantes de diferentes funções. O
segundo foi o fato de diversos clãs se unirem, sob
determinadas condições e necessidades, para procurar
alimentos, e empreender expedições guerreiras
eµi
con
junto, condensando sua ajuda ·mútua em costumes e
leis cada vez mais fixas e de - assim como anterior-
75
j
mente entre as pessoas - haver sido discernida e
reconhecid
a,
entre as comunidades, uma diferença de
caráter e de função. Desde então, sempre que se de
menos do que nas totalitári
as
, em seu próprio princí
pio. Em tôda parte, só passou ~ o r _ t a r a o ~ g a n i z a -
ção completa das fôrças, a observanc1a m d 1 s c u t l v das
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senvolveu uma comunidade humana, foi sôbre as mes
mas bases da autonomia funcional,
do
reconhecimento
mútuo e da mútua responsabilidade, individual e cole
ti
va. E verdade que surgiram centros de poder de di
ferentes tip
os
que organizaram e asseguraram a ordem
e a segurança comuns, mas a esfera política em sentido .
mais estrito - o Estado,
com
seu poder policial e sua
burocracia - permaneceu, frente
à
sociedade articu
lada de modo orgânico-funcional,
com
o uma sociedade
organizada constituída de diversas sociedades, cujos
membros lutavam, lado a lado, e ajudavam-se mUtua
mente. . Em cada uma das pequenas e grandes agru
pações que constituíam a grande sqciedade, em cada
vma dessas comunidades e a s s o c i a ç õ e ~ : a pessoa hu
mana, apesar de tôdas
as
dificuldades conflitos, se.n
tia-se pertencer ao seu clã, vendo-se afirmada e confir
mada em sua própria autonomia e responsabilidade
funcionais. .
À medida gue o princípio polí
ti
co centralis ta sub
jugava o social descentralista, a situação foi-se modifi
cando. Todavia, o aspecto decisivo não foi o fato de o
Estado, especialmente em suas formas mais ou menos
totalitárias, haver debilitado e reprimido cada vez mais
as federações livres, mas o fato de o
prin ípio
político
haver penetrado com seu cunho centralista nas f e d e ~
rações, transformando sua estrutura ·e sua ·vida interna
e politizando assim, cada vez mais, a própria sociedade.
O fato de a sociedade se haver acomodado de tal for
ma ao Estado foi favorecido pela circunstância de -
em conseqüência
do
desenvolvimento da economia mo-.
derna com seu caos organizado e da luta de todos con
tra todo s pelo acesso às matérias-primas e um lugar
muito maior no mercado - haverem surgido, em lugar
dos antigos antagonismos entre os Estados,
a n t a
g o n ~ s
mos entre as próprias sociedades. A sociedade indivi
dual que
já não se sentia ameaçada tão somente pelos
vizinhos, mas também pelo estado ge
ra1
da
si
tuação,
não soube encontrar outra salvação senão a de subme
ter-se, totalmente, ao princípio do poder centralizado;
ela o converteu nas formas democráticas não muito
.
176
palavras de ordem, a imposição dos nterêsses r ~ a 1 s
ou
supostos do Estado. sôbre tôda a
s o c 1 e d ~ d e .
E . sso se
desenrola paralelamente a um desenvolvimento interno.
No imenso caos da vida moderna,
dis
simulado apenas
p
elo
perfeito funcionamento da
m á q ~ i
econômica e
estatal, o indivíduo une-se ao coletivo. A pequena
comunidade em que êle se achava incluído não pode
ajudá-
lo. Som
ente as g r a n ~ e s comunid
a.des
,
-ª
seu ver,
podem fazê-
lo
e
êle
~ r ~ 1 t e
com
s a t 1 s f a ç a o ~
que o
privem de sua responsabilidade pessoal; o que e \ ~ quer
é apenas obedecer. E assim perde-se o bem i_:?atS pr
ciso a vida entre homem e homem;
as
conexoes auto
n o ~ a
ficam d
es
tituídas de importância, definham as
relações pesoais, o próprio espírito se assalaria como
funcionário. A pessoa humana converte-se de membro
de uma corporação comunitária em engrenagem da má
quina coletiva . Assim como o homem, na técnica
degenerada, está a ponto de perder o senso
do
r a b a l h ~
e da medida, êle também perde, na sociedade degene
rada o senso de comunidade e isso, justamente quando
tem
a
ilusão de estar vivendo completamente entregue
à
sua comunidade.
Uma crise dêsse gênero não pode ser supera.da
mediante a aspiração de retornar a um ponto n t ~ n o r
do caminho. mas somente quando
se
procura dommar,
sem q u a l q u ~ r restriçã
o,
a problemática
p r e s
. Não
podemos voltar atrás, só
no
s é dado prosseguir adiante.
Mas só podemos prosseguir adiante quando sabemos
para onde nos dirigimos.
Deve
mos
começar, e isso é
evid
ente, pelo estabe
lecimento de uma paz vital que arrebate . ao princípio
político a soberania sôbre o princípio socia
l.
E, uma
vez mais, êss-e primeiro objetivo não pode ser alcança
do mediante a ar
te da
o r g a n i ~ a ç ã o
política, mas so
mente através da intensa vontade dos povos de explo
rar e adm inistrar, conjuntamente o planêta Terra,
segundo os territórios, jazidas de; matéria-pri
ma
e po
pulações. Contudo, justamente daí surge a ameaça
d_ um perigo maior que todos os anteriores: o de um
centralismo planetário ilimitado que devore a tôda a
77
comunidade livre. Tudo depende de que o trabalho
de
u l ~ i v o
da terra não seja entregue ao princípio
,mente falsa, uma comunidade que não se edificasse
Sôbre
uma verdadeira vida comunitária de grupos maio
ou menores, que vivem ou trabalham em conjunto
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polític
o
O cultivo em comum do solo só é
p ~ s í v l
quando
é socialista. Mas se a questão referente ao destino da
humanidade atual é saber se esta poderá decidir-se e
c; :ducar-se para um administração socialista em comum,
o ponto essencial dessa questão concerne ao próprio
.socialismo: como será o socialismo, sob cujo signo se
conseguirá - se se conseguir - o empreendimento
em
comum por parte da humanidade?
A ambigüidade dos conceitos utilizados é maior
aqui do
que em qualquer outra parte. Diz-se, por·
exemplo, que o socialismo é a transição do poder sôbre
os meios
de
produção, das mãos dos empresários para
as mãos da coletividade, mas tudo
e p ~ n e
do que se
entende por coletividade. Se ·é o que costumamos de
nominar de Estado, isto
é,
uma institui9ão em que
uma multidão essencialmente inarticulada deixa que
seus interêsses sejam conduzidos por uma chamada re -
presentação, então essa circunstância se terá ;modifica
do numa sociedade socialista, sobretudo porque os ope
rários se sentirão representados pelos titulares do poder
sôbre os meios de produção.. Mas o que
é
representa
ção? Acaso a maior falha d sociedade moderna não
consiste justamente em nos deixarmos representar em
demasia? E, numa sociedadé socialista , o povo não
se deixará acaso representar, tanto política como eco
nômicamente, de modo a imperar quase ilimitado o
princípio de se. deixar representar e, com êle, a acu
mulação' quase ilimitada do poder central? Entretanto,
quanto mais um grupo humano se deixa representar na
decisão sôbre questões comuns, sobretudo por repre
sentantes alheios a êle, tanto mais carecerá de vida
comunitária e de conteúdo comunitário. A comunidade
- não a primitiva, mas a comunidade possível e ade
quada aos homens de hoje - manifesta-se sobretudo
na comum manipulação ativa do coletivo, sem o que :
não pode subsistir.
A esperança primordiat' de tôda a História é a
formação
de
uma autêntjca comunidade do gênero hu
mano,
ou
seja, uma comunidade de
conteúdo absoluta-
mente comunitário
Seria fictícia, ilusória e profunda-
78
e com base em suas relações mútuas. Tudo· depende,
portanto, de que a
co
letividade para cujas mãos pas
sar o poder sôbre
os
meios de ·produção possibilite e
favoreça, por meio de sua estrutura e de suas institui
ções, a verdadeira vida de comunidade dos diversos
grupos, até que êstes se convertam nos autênticos su
jeitos do processo de produção; de que a multidão
assim articulada e seus membros (as comunas de
diversos tipos) sejam tão poderosos quanto o permitam
os empreendimentos econômicos comuns da humanida
de; e de que êsse deixar-se representar centralista não
ultrapasse, jamais, o ponto que fôr imperativamente
exigido pela nova ordem. A questão referente ao desti
no interno não tem a forma de um dilema fundamental·
ela consiste em traçar uma linha de demarcação j u s t ~
- que deverá ser ..continuamente retraçada - a linha
que estabelecerá os múltiplos limites entre os setores
que devem ser necessàriamente centralizad.os.e os que
podem ser deixados livres, entre o índice de govêrno
e o índice de autonomia, entre a lei de unidade e a
exigência
d
comunidade. O incessante exame das su
cessivas situações, desde a exigência d comunidade, que
es
tá
continuamente expost à violação por parte do
poder central, vigilância sôbre a verdade dos limites
que varia de acôrdo com a mutabilidade das condições
históricas, seria confiado à consciência espiritual da
humanidade, a uma instfincia peculiaríssima, à repre
sentação incorruptível d idéia viva. Uma nova forma
de quimera aguarda aqui aos vigilantes platônicos.
Falo em representação da idéia. Não
em
um prin
cípio rígido, mas na figura viva que quer tornar-se tan
gível justamente n matéria desta vida terrena. Tam
pouco, a comunidade deve converter,.se ein dogma;
também ela, quando surgir, deve satisfazer, não a um
conceito, mas a uma situação. A concretização da
idéia de comunidade, como a concretização de qual
quer outra idéia, não terá uma validade universal e
permanente; ela será sempre, apenas, um resposta do
momento a um questão do momento.
179
Devido a êsse seu sentido vital, é precisó afastar
da idéia de comunidade todo sentimentali.smo, todo'
exagêro e exaltação. A comunidade nunca é estado qe
to, São Francisco, concatenou a união com tôdas
as
criaturas.
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ânimo e, mesmo quando· é sentimento, ela é sempre
sentimento
de
uma
organização
Comunidade é a or
ganização interior de uma vida comum que conhece
e abarca o "cálculo" mesquinho, a "casualidade" re
belde, a "preocupação" ameaçadora. E comunidade
de necessidades e, somente a partir daí, comunidade de
espírito; é comunidade de esforços e, somente a par
ti
.r daí, comunidade de salvação. Mesmo aquela co
munidade - a "religiosa" - que chama senhor ao
espírito e salvação ao seu objeto, só é comunidade
quando serve ao seu senhor na realidade simples, co
mum, corriqueira,
na
realidade que .ela não escolheu,
mas que lhe foi cabalmente imposta; somente quando
abre o caminho para a sua promissão, através das bre
nhas dessa hora impraticável. O que vale não são cer- .
tamente
as
"obras", mas a obra da fé. A comunidade
da
fé
só o é verdadeiramente, quando
é
comunidade de
trabalho.
Creio que a verdadeira essência da comunidade
deve ser procurada no fato - notório ou ignorado __
de ela possuir um centro. A gênese
da
com.unidade só
pode ser compreendida, quando se considera que seus
membros têm uma relação comum com o centro e que
essa relação
é
superior a tôdas as demais: o círculo
é
traçado pelos raios, não pelos pontos periféricos. E,
efetivamente, só 'se pode reconhecer a origem do centro
quando se reconhece sua transparência para o divino.
Todavia, quanto mais tecreno, mais
c
riatura " e r r a i -
gado se apresenta o centro, tanto roais verdadeiro e
transparente êle é. O fator "socia
l
é inerente a êsse
aspecto, não como setor do mesmo, mas como o mun
do da comprovação: aquêle pelo qual se manifesta a
verdade do centro. Para
os
primitivos cristãos não
bastava a comuna distanciada do mundo ou acima dêle;
dirigiam-se, portanto, ao deserto para ter comunidade
apenas com Deus e ficarem isolados do mundo per
turbador. Foi-lhes mostrado, entretanto, que Deus não
queria que o homem ficasse a sós com êle. E, acima
da santa impotência da solidão, cresceu a ordem frater
nal. Finalmente, ultrapassando o domínio
.de
São Ben.:.
18
Entretanto, não é apsolutamente necessário que
uma comunidade seja "fundada". Lá, onde o destino
histórico colocou um grupo humano em um espaço
comum de natureza e vida, houve lugar para a formação
de uma autêntica comuna. E esta não precisou do altar
de um deus da cidade, visto como os cidadãos sabiam
que se encontravam ao redor do inominável e unid
os
por êle. Pôra-lhes concedida uma
c o n v i v ê n c
vivifi
cante e continuamente renovada, que só
dese1ava
ser
desenvolvida
na
contigüidade de tôdas as relações. Os
assuntos comuns eram deliberados e decididos em co
mum - nos casos mais felizes,
nãQ
por representantes,
mas na assembléia da praça do mercado - e a soli
dariedade experimentada em público irradiava-se em
todos os contatos pessoais. . Podia surgir a ameaça do
isolamento; o espírito - que
a q u ~
prosperava c?mo
em nenhuma outra parte - o dominava e, com vistas
ao povo, à humanidade e ao cosmo, abria grandes ja
nelas nos muros estreitos.
Há quem replique,
c o n ~ u d o
que tudo
i s ~ o p a s s o t ~
para não mais voltar. A cidade ~ o d e r n nao possui
uma ágora e o homem moderno nao tem tempo para
deliberações das quais se encarregam
os
representantes
eleitos. A convivência concreta foi desmantelada pela
pressão da quantidade e
pel8:
forma de orga;11ização.
O trabalho nos vincula a um tipo de pessoas düerentes
daquelas
às
quais nos vincula o ócio; o mesmo ocorre
com o esporte e a política; o dia e alma estão ~ i d a -
mente separados. · As
v i n c u ~ a ç õ e s
sao a p e n ~ s o b ~ e t i v a s
pr9cura-se administrar, con uµtamen.te,
os
. ~ n t e r ~ s ~ . ~ s e
tendências comuns e não ha lugar para a contigwda
de". A coletividade não é uma espécie de reunião
dável, mas uma grande federação de ~ ô r ç a s ec,an?m
tcas
ou políticas, pouco fecunda para o o
?
romant1co da
imaginacão, mas
c o m p r e e n s í v ~ l n u m e r i ~ a ~ ~ n t e .
Ela
se manifesta em ações e efeitos e o md1v1duo pode
pertencer a ela sem intimidades, mas com a consciên
cia de sua contribuição energética. As "ligas" que
opõem resistência à evolução inevitável terão que desa
parecer. i: verdade que ainda existe a família q u ~
como comunidade doméstica, parece exigir e garantir
181
um mínimo de
conv1vencia.
Mas também ela sairá
d crise em que se encontra, em forma de federação,
visando uma finalida.de ou, então, desaparecerá.
roblema que, como já dissemos, não deve ser tra;
um P
pri·ncípio mas - como tudo o que afeta a
tado como ',. · d
entre a ideta e a reahdade -
com
o gran e
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Perante essa mescla de conhecimentos verdadeiros
e conclusões errôneas, pronuncio-me a favor do renas
cimento
da
comuna. Renascimento, não recuperação.
e
fato, não se pode recuperá-la, embora me pareça
que todo sôpro de fraternidade nos edifícios de aparta
mentos, tôda manifestação de calorosa camaradagem
durante
as
pausas da fábrica altamente raciona
li.zada
,
signifiquem um crescimento de comunitariedade no mun
qo
e,
em
bora
às
vêzes me
pa
reça mais real uma comu
nidade rural do que um parlamento, a comuna não pode
se
r recuperada. Contudo, parece-me que a sorte
do
gênero humano depende da possibilidade de que · a
comuna renasça das águas e do espírito
da
immente
transformação da sociedade. Um ente comunitário
orgânico - e somente êstes podem formar uma huma
nidade configurada e articulada - jamais se integrará
à base de indivíduos, mas de comunidades pequenas
e minúsculas: uma nação é comunidade na medida em
que possui conteúdo comunitário. Se a familia não sair
purificada e remoçada da crise que hoje parece ruína,
a organização estatal nada mais será do que uma má
quina que
se
alimentará com os corpos das gerações.
A comuna
que
assim poderia renovar-se existe apenas
como resíduo. Quando falo de seu renascimento, não
penso numa situação mundial perdurável, mas numa
situação modificada. Quando falo das novas comunas
- pode-se também denominá-las: as novas cooperati
vas - refiro-me aos sujeitos
da
economia transforma
da, às coletividades para cujas mãos deverá passar o
poder sôbre os meios de produção. Uma vez mais· tudo
depende de que estejam prontas, preparadas.
Que qu antidade de autonomia econômica e polí
tica - visto como serão necessàriamente unidades ·
econômicas e políticas ao mesmo tempo - deverá
ser-lhes concedida, é uma questão técnica que dever
ser constantemente formulada e solucionada, mas for
mulada e solucionada a partir do conhecimento (
está acima ela técnica) de que a fôrça interna de uma
comun
id
ade depende de sua fqrça externa. As rela
ções entre centralismo e descentralização constituem
82
0
t r a n s ~ ~ a espírito, sopesando, incansàvelmente, a propor
ta o adequada, Centralização sim, mas nunca além do
ç ~ ~
0
necessário para as condições
de
lugar e te?1Pº·
. a i n s t ã n c
chamada a traçar e retraçar
as
. da demarcação permanecer
al
erta em s ~ a c o n s c 1 . e ~
. a distribuição entre a base e o vértice da pira-
cia, . d b . sm
mide será totalmente diferente o
q.ue
e OJe, . ~ ~ · . o
nos Estados que se chamam comunistas, ou. sei a. que
iram·
à
comunida
de.
Na estrutura da sociedade que
asp , . d en
imagino, deverá haver tambem um sistema e repr
es
. -
tação; êle não
se
traduzirá, entretanto, como os a t u a i ~
em pseudo-representantes das massas amorfas de elei
tores, e sim nos representantes acreditados do
t r a b a l ~ o
das comunidades produtoras. Os representa?os t a r ~ o
unidos aos seus representan.t
es,
não como boie em vazia
abstração, através da fraseologia de um prog:ama par
tidário mas, concretainente, através da atuaçao comum
e
da
experiência comum
Contudo, o ponto essencial é que o processo d • ~ ·
formação de comunidades persista nas r e l a ~ õ e s d a ~
comunidades entre si. Somente uma comunidade de
comunidades poderá ser qualificada como ente comu
nitário.
O esbôço que aqui desenhei em rápidos. t r ~ ç o s de:
verá juntar-se aos autos
do
"socialismo utópico" ~ t e
que suas fôlhas sejam abertas pela tempestade. Assim
como não creio na "incubação" da nova estrutura de
Marx, tampouco acredito na partenogêne.se de
B a ~ u
n i n
partindo do seio da
r e v o l u ç ã ~ .
Todavia, a c r ~ d no
encontro
da
iµiagem e do destmo na hora plástica.
83
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XII. NTR A SOCIEDADE E O ESTADO
Na nova -análise social , publicada
em
fins de
1938 por Bertrand Russel, sob o título Poder , o po-
.der é descrito como sendo a noção básica da sociolo
gia , no mesmo sentido em que a energia é a noção
básica da física. Est a ousada tese do importante lógico,
que lembra o ensinamento de Nietzsche, ao
qual
com
bate, é um exemplo característico de que, ainda
em
nossos dias, após um século de sociologia científica, o
princípio soCial é confundido com o político. Sempre
se soube que, em tôdas
as
formações sociais, é encon
trável uma determinada dose de poder, autoridade e
preferência, dose esta que é um meio indispensável
à
85
sua sobrevivência; mas em nenhuma formação social
não-política tal elemento é o fundamental. Para tôdas
e
las,
porém, é fundamental que
os
homens se encon
camente, .a qualquer cidadão part1c1par do conselho,
ao lado de sua atividade particular e comercial, podia
naturalmente ser derivada de uma evolução da divisão
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trem num estado de intervinculação ou que se unam
entre si e, ass im, formando uma união já existente ou
a ser fundada, c
ri
em uma sociedade. Não se trata de
substituir o elemento primário por outro secundári
o,
a
associação pela subordinação, a convivência pelo do
mínio e, falando esquemàticamente: a estrutura do ho
rizontal pela do vertical.
É
com razão que o sociólogo
americano Maclver declara que equiparar o soci
al
com o político, significa tornar-se culpado do mais
grosseiro de todos os equívocos, o que impede qualquer
compreensão, tanto da sociedade quanto dõ Estado .
É antiga es ta deficiente diferenciação entre os dois
princípios,
so
b cuja cooperação mais ou menos proble
mática está colocado todo o convívio humano. Um
cláss
ico
exemplo de sua confusão, .sem dúvida de es
pécie contraposta, é o famoso trecho da Republica em
que Platão deriva a criação da polis antes .de tudo,
do· ato social primevo, que
é
da divisão de trabalho
e, depois, de modo quase imperceptível, acrescenta
.aos outros misteres que se fizeram necessários o do
g
ua rdião , do
s e n h o ~
com o que, de súbito, a
emi
nente bipartição política da população em mandal}tes e
mandados, dom inantes e dominados, os que dispõe de
meios coercitivos e os submetidos a
êles, ass
um iu o
inofensivo caráter de mera divisão de trabalho. Pre-
cisamos observar atentamente como Platão procede
aqu
i. :Ble
faz com que o seu Sócrates, no colóqu io,
proponha a tarefa de examinar mentalmente uma polis
cm formação . Cóm isso, os leitores do diálogo pen
savam
naturalmente num Estado do tipo da Atenas
contemporânea, tal como esta emergira
da
reforma de
·Clístenes, ou ·seja, numa comunidade em que a diféren
ça governantes e governados mal era perceptível
ao cidadão livre, pois, no quadro de cidadãos em cons
tante alteração dêstes parà aquêles, os representados
se
faziam . epresentantes, e a elegibilidade
e
a possibilida
de de destituição dos funcionários não permitiam o
surgimento da burocracia sufocante. Esta comunidade,
na qual a
for.t
e base da escravidão possibilitava, bà
si
-
186
de trabalho, na qual o ofício político permanecia fora
da especialização. Entretanto, a classe, ou melhor, a
casta dos guardiães, que Platão introduz
no
decorrer
desta derivação, não faz mais parte da polis histórica,
mas de sua Utopia e, aqui, ela se coloca apresentada
a
nó
s como uma profissão dentre outras, na verdade
em face do restante da comunidade, numa pura relação
política de uma sociedade dominante para
com
a domi
nada; digo uma sociedade, e não apenas um grupo, .uma
vez que,
pe
la liberação de seus membros da proprieda
de particular e do casamento particular, ela
é
destacada
da ordem social geral e erigida em uma sociedade
própria.
Esta confusão do princípio social e político é
característica na maior parte do pensamento da Anti
güidade.
Na
maioria dos impérios do antigo Oriente,
quase não encontramos nenhum germe de uma sepa
ração compreensível entre
as
formaçõ
es
sociais estatais
e extra-estatais; evidentemente, porque à última, na
realidade, não foi concedida uma existência e desen
volvimento independentes. A única exceção
é
a antiga
China, onde existiam duas culturas, lado a lado: a
es
tatal-urbana, centrada à volta da
c ôrte,
baseada no
exército, no funcionalismo e na classe oficial ·dos le-
trados, e a campestre, baseada totalmente na comuni
dade aldeã - uma, essencialmente político-histórica e
outra essencialmente de8provida de história, determina
da
apenas pelo invariá
vel
ritmo natural das estações
do ano, das
gex:ações
human
as
a nascer e perecer, es
sencialmente social no sentido mais estrito. Esta se
gunda cultura, relativamente autônoma e encerra
da
em
si, é a que fundamentou o sistema de ensino de ·
Lao-Tsê, no qual, entre o indivíduo e o Estado (os
Estados individuais de que se ·compunha o Império) ,
erguem-se duas formações puramente sociais, a casa
e a comunidade, ao passo que, no sistema confuciano,
radicado na cultura urbana, restou das duas formações
apenas casa, a família, com o que ela, em contraste
com a comuna aldeã, se adaptou completamente, em
187
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to embora, no seu fim, Marco Aurélio tenha convertido
a definição aristotélica no social específico, com o seu
dito: Nascemos para a cooperação ; porém, o que
o gênero humano é um só povo; a totalidade dos mor
tais é a comunidade· daqueles que desejam ter comu
nhão entre si
Totum genus humanum est unus popu-
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não se fêz
foi
aquilo que é preciso exigir de tôda espe
cificação conceitual, a fim de que adquira o caráter de
verdadeiro conhecimento: a descoberta, descrição 6
explicação daqueles elementos da realidade que cor
respondem
ao
recém-adquirido conceito específico. Ao
nôvo conceito da sociedade é tirado o caráter concreto,
ao
se lhe tirar a limitação, e isto ocorre da maneira
mais sublime: quandó se formula o ideal do humanis
mo universal, sem fornecer-lhe o método
da
realização.
Quando o estóico fala, na nova língua, de uma societas
generis humani
ou, na língua antiga, de uma Megaló
polis, sucede o mesmo: uma idéia expressiva se opõe à
da realidade, porém não consegue encontrar nela o
regaço a partir do qual poderia gerar a nova configu
ração viva; pois êle se desfez
da
corporeidade. O
Estado de Platão, embora contrário à polis foi no
entanto concebido a partir dela, sendo em todo caso
uma estrutura, mesmo que idealizada; a mera forma
de vida e mera ordem estatal de Zenon, um século
mais tarde, .era ainda apenas um nobre sentimento, e
ao
fim,
mesmo disso restou tão pouco, que Cícero
pôde ver, no Império Romano, a realização do Cosmo-
, politismo. Não existe; mencione-se à margem, nenhum
outro Universalismo prático realizável - isto
é,
com
as
fôrças concebidas ao .homem, ainda que, naturalmente,
com seu extremo esfôrço - afora o dos Profetas de Is
rael, o qual aspira não à supressão da sociedade nacio
nal; juntamente com tôdas
as
'suas formas de organiza
ção, mas à cura e reformulação destas, e com isto ao
estabelecimento da condição prévia para a sua
conjunção.
A Idade Média cristã aceitou, de um lado, a no
ção básica do Universalismo estóico numa forma cris
tianizada,
ao
denominar a almejada humanidade unida,
uma
vez como
res publica generis humani,
como Esta
do Universal, e outra vez como
ecclesia universalis,
como Igreja Mundial; contudo, o princípio social como
tal é expresso aqui, às vêzes, com uma pureza que a
Stoa desconhecia; assim, lê-se em Guílherme de Occam,,
o grande pensador intuitivo do século XIV: Todo
190
Lus; universitas mortalium est una communitas volen-
tium habere communionem
n
invicem), e cada união
individual,
quodlibet particulare collegium,
é reconhe
cida como parte dessa comunidade. Mas, de um modo
geral, o pensamento 'medieval não ultrapassa a amálga
ma aristotélica do social com o político. Embora a
florescente forma corporátiva da época seja tomada
e.m
conta
na
formação c o n c e i ~ u l jurídica, não medra
porém uma compreensão sociológica das uniões não
-políticas. Ao contrário, a tendência _e dirige de mo- .
do crescente para uma subsunção teórica e subordina
ção prática de tôdas elas sob o Estado, ou conforme
expressa Gierke, para uma representação · exclusiva
de tôda a vida coletiva pelo Estado . Somente no
período final da Renascença entra em·avanço a idéia do
direito independente das uniões não-políticas frente ao
Estado. Tal avanço ·encontra sua expressão mais vi
gorosa na Política do jurista alemão Althusius (por·
volta de 1603 . Mesmo assim, também aqui tôdas
essas estruturações ainda são estabelecidas, não entre
o indivíduo e uma ampla sociedade - tal conceito ·es
pecial ainda falta - mas, como em Aristóteles, entre
o· indivíduo e o Estado. Portanto, não se reconhece
nenhuma diferença entre elas e êle, salvo que cada
uma delas possui uma relativa autonomia, enquanto
que o Estado, ao contrário, possui uma soberania ex
clusiva; contudo, esta encontra naquela uma barreira
intransponível ( Gierke), isto é, o Estado não pode
ferir o direiío particular de cada uma dessas uniões
sociais. A sociedade aqui ainda não é, na verdade, con
cebida co'nio tal, mas é constituída segundo sua idéia;
na verdade, forma não a sociedade, mas o Estado em
nome delas, como a
societas immortàlis et perpetua,
conforme Grotius a formulou, ou em seu próprio nome,
como a civitas composita na linguagem de Althúsius,
a consociatio consociationum; mas pelo fato delas pa
recerem estar tôdas
ligS;das
entre si, associadas entre
si, isto significa uma deçisiva novidade no conheci
mento sociológico. claro que esta .novidade é inicial
mente ·dominada pela idéia. do .poder estatal irrestrito,
191
a qual agora
se
apresenta numa logicidade até então
desconhecida. •
No sistema de idéias de Hobbes, as formações
sem estrutura, visto que o moderno capitalismo indus
trial de pronto pretendia defrontar-se apenas
com
indi
víduos sem direito de coalizão. Pouco mais de um
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intermediárias são em princípio eliminadas, pois, para
'êle, não existem graus para a constituição
do
Estado,
na qual
se
unem, antes, os indivíduos desconexos, por
mêdo de, no caso contrário,
se
destruírem uns aos ou
tros. Esta unificação, que consiste
na
subordinação de ·
tôdas s vontades a uma única vontade, ou a uma·
única reunião, Hobbes, em seu livro
De cive,
deno
mina
civitas sive societas civilis.
Ao que eu saiba,
é aqui que aparece, pela primeira vez no pensamento
moderno, aquêle conceito retomado em fins. do século
XVII
por Locke, divulgado no século XVIII por Adam
Smith,
nas
Lectures on Justice,
e
po
r Ferguson, no ·
Essay on the History of Civil Society, da
sociedade
burguesa ,
a
qual vamos reencontrar no século XIX
na
filosofia de Hegel e
na
sociologia de Lorenz von
Stein· como sendo o oposto do Estado, e aqui, em
Hobbes, êle ainda
se
identifica inteiramente com o.
Estado. Sem dúvida, Hobbes conhece também o prin
cípio social,
na
forma de livres acôrdos entre
os
indi
víduos, para o reconhecimento e a segurança das con
dições dadas de propriedade; êle o conhece como exis
tente e o tolera nesse sentido, pois ainda não concebe
o Estado-Leviatã como totalmente realizado. Tônnies,
porém, acerta indubitàvelmente
na
opinião mais íntima
de Hobbes, quando assim o interpreta:
O
Estado
satisfaria
seu
conceito da maneira roais completa,
sé
regulasse tôdas
s
atividades dos cidapãos e
se
tôdas
s
vontades ôssem dirigidas por uma única vontade su·-
perior. Enquanto tudo isto não fôr concretizado,
há
ainda sociedade no Estado .
Em
outras palavras: o
Estado que alcançou a perfeição eliminará também o
último resquício de· sociedade. Tal Estado
p e r f e i ~ o
chegou bem próximo daquele que atualmente denomi
namos de totalitário.
O ascenso do terceiro Estado, que
se
iniciou na
era
de Hobbes, e que se dispôs a substituir a dupla so
ciedade
da
Idade Média por uma sociedade uniforme,
certamente
só
até inclufr:se nela, conduziu a um libe
ralismo do Estado perante as sociedades, o qual estava
pronto a tolerar p e n ~ s uma sociedade atomizada e
192
séc
ulo após o aparecimento do
Leviatã,
o füiocrata
Turgot escreve,
na Enciclopédia,
no artigo Fonda
tions :
es citoyens ont des droits, et des droits sa-
crés pour le corps
même
de la société (com o que
·Turgot não entende ainda outra coisa senão
o
Estado) ;
·ils existent indépendamment d'elle; ils en sont les élé :
ments flécessaires. . . Mais les corps particuliers n'exis
tent point
par
eux-mêmes, ni pour eux; ils ont été
formés pour
la
société et ils·doivent cesser d'exister
au
moment qu'ils cessent d'être utiles .
Contudo, Tur
got não conta nestes
corps particuliers
tôdas
s associa
tions libres,
algumas das quais elogia no mesmo artigo.
Mas á cinco anos depois, Rousseau escreve em seu
Contrai Social,
em cujo conceito básico, a
volonté gé
néraÚ,
o princípio político e o social voltam a ser con
fundidos de maneira altamente duvidosa, embora Rous- ·
seau,
em
geral, saiba distinguir entre o contrato social
e ·
a
instifüição governamental vigente:
li importe,
pour avoir bien l'énoncé de
la
volonté générale, qu'il
n'y ait pas
de
société partielle dans l'état .
Em
outras palavras: em face
do
Estado não deve haver
sociedade que
se
cqnst:itua de diferentes sociedad'es
maiores e menores, por conseguinte, nenhuma socieda
de de autêntica estrutura social, em que a múltipla as
sociação espontânea dos indivíduos para finalidades
comuns de cooperação e convívio conjunto, represente
.então a essência vital da comunidade. Mas, uma vez
que existem
sociétés par'tielles,
continua Rousseau, il
efJ
faut multiplier le nombre et en prévenir
l i n ~ g a -
lité .
Em outras palavras: quando não
é
possível
suprimir a livre formação de sociedades,
seu r a i ~
de
ação deverá ser circunscrito através da criação de socie
dades tais que estejam plenamente determinadas pelas
intenções e planos
do
Estado, e é preciso cuidar para
que s livres nunca
se
tornem mais fortes diante das que
não são livres.
· A Revolução Francesa pôde contentar-se, de mo
do geral,
com
o cumprimento
da
primeira dessas duas
instruções, principalmente ao eliminar, como fôra
193
J
tentado durante o reinado
de
Lu ís XVI, o direito de
coalizão, porque um Estado absolutamente livre não
pode· tolerar nenhuma. corporação em seu interior"
Hegel
não comp
ara,
como
Saint-Simon, apenas dois
tipos de chefia,
mas
sim a sociedade burguesa em
oeral e o Estado em geral. Ambos, porém, não se .
~ o n f r o n t a m aqui de um mod o polar, ma s a sociedade
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(Reso
luç ão da Assembléia Legislativa, de agôsto de
1791). Em contrapartida,
a
cooperação de ambos os
métodos, em maior escala,
poderá
ser reencontrada na
história
da
Revolução Russa.
Somente quando a sociedade burguesa plenamen
desenvolvida emergiu do seio da Revolução, torna
ram-se possíveis as tentativas de confrontar o Estado
com
a
socieda
de co
mo tal. As
du
as primeiras te
nt
a
tivas são, m todo sentid
o,
tão diferentes quanto pos
sível.
A primeira procede
de
Saint-Simon. Os projetos
de reforma mais ou menos quiméricos dêsse genial
diletante baseiam-se essencialmente na verdadeira e im·
porta
nte diferenciação entre
dua
s espécies de chefia,
a social ou administrativa e a política ou governamen
tal. Ele não as define suficientemente,
mas
faremos
provàvelmente justiça à sua concepção, se dissermos
que o poder administrativo
é
limitado pelas condições
específicas das determinações e tarefas técnicas da che·
fia,
ao
passo que o poder governamental apenas expe
rimenta uma limitação através
da
relação quantitativa
de poder para ·
com
outros fatôres . A sociedade,
com
o
que Saint-Simon compreende os pr
omo
tores da produ
ção econômica e cultural, é na medida em que esteja
organizada, administrada, enquanto o Estado é chefia
do. Não precisamos nos ocupar aqui com a Froposta
de Saint-Simon no sentido de dividir a direção do Es
tad
o,
ou seja, confiar a chefia dos interêsses nacionais
a uma seleçã·o dos mais aptos e mais experimenta
do
s
no
campo da produção social, dando-lhe assim um
cu
nho administrativo e deixar às instâncias políticas
ap
e
nas a preservação da defesa e segurança. Contudo.
citemos a palavra de Sai
nt
-Simon
re
la
cionada
com
o as
sunto: "Para ser menos governada, a nação foi à
Revolução; ela nada conseguiu exceto ser governada
mais ainda".
A outra distinção básica entre o social e o político,
a de Hegel, é oposta à de Saint-Simon em sua aprecia
ção dos dois fatôres. Mas
já
o propósito é diferente.
94
situa-se entre a família e o Estado, entre um totalida
de e unidade relativas e uma totalidade e unidade ab
solutas, como a pluralidade incompleta e desunida, en
tre
a
forma
e a for
ma com
o o
informe, um produto do
mundo moderno, uma estrutura do pormenor, onde
cada qual se conside
ra
uma finalidade e todo o resto
n
ada
vale, e 'onde todos agem em conjunto só
po
rque
cada um se utiliza do outro
co
mo meio p
ara at
ingir o
seu
próp
rio fim; e
os
grupos e cla$ses
em
cujo
âmbito
tais indivíduos
tão
possuídos por seus
fi
ns, entram em
um antagonismo que a sociedade é incapaz de superar
devido à sua na tureza: só o Es tado consegue fazê-lo,
governando as ondas de tôdas as paixões" pela "razão
iluminante" . É êle o moderador
da
calami
da
de so
cial", porque a sua substância não é o i n t e r ê s ~ e . p a ~ t
cu
lar, como
na
sociedade,
ma
s o geral e
a
umf1caçao,
seu motivo
a
fôrça da razão que se realiza como von
tade . Assim, a até aí mais forte diferenciação
co
nce
i-
tua entre os princípios
torna
a desagu
ar
numa glori
ficação do Estado, que
lembra
Hobbes. No quadro
crítico
de
Hegel sôb
re
a sociedade
modern
a, falta, tudo
aquilo que ainda
pode
ser n t ~ a d o
em n o s s ~
e ~ o ~ a
para uma
obra em comum: l ~ g i u m a c o ~ p e r a ç a o
dariedade, auxilio mútuo, camaradagem fi
l
e entusias
mo ativo. A espontaneidade social criativa está total
{llente ausente, ela, que logicamente
não
existe
acorren
tada, como ·o poder
do Est
ado,
mas tão
-somente
na
pr
ofusão de fenômenos coletivos
i n d i v i d ~ a . i s
mas. ?ue,
no domínio
da
sociedade , com todo o sigilo, equilibra
a balança
da
contradição. Por
outro
lado, a ~ a r e ~ e
aqui um Estado, o qual não conhec
emo
s pela h1stona
universal, mas unicamente pelo sistema de Hegel. b
certo que, segundo êle,
na
idéia
de Estad
o,
~ ã o
1
se d e ~ c
ter em mente Estados determinados,
mas
sim 'exami
nar em si a idéia, êste
ve
rdadei
ro
Deus". Pois o Estado
histórico, individual, se encontra no mundo, por con
seguinte na esfera do arbítrio, do acaso e do u í v o c o
e como mesmo um aleijado
cont
inua sendo um ser v1 ·
95
vo, o afirmativo, a vida, subsiste a despeito da carên
cia, e dêste' afirmativo é que aqui se trata
.
Mas apli
que-se tudo isso à sociedade, e o quadro se altera.
bàsicamente.
cial e aue absorve tão completamente a livre sociedade
que,
nâ
verdade, só
pode
efetuar a
sua
dissolução
na
visão escatológica; por isso é que se inicia, com Marx, o
movimento
de
um socialismo,
no
qual o princípio so
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Com Saint-Simon e Hegel estamos
no
limiar do
moderno conhecimento sociológico.
No
entanto, a so
ciedade
que
é conhecida tornou-se outra: é a socieda
de
das modernas lutas
de
classe.
Os
dois homens, que
nesta hora, cada qual a seu modo, se propuseram a criar
uma síntese
de
Hegel e
do
saint-simonismo,
ou
seja,
Lorenz von Stein, o fundador
da
sociologia científica,
e Marx, o autor
do
socialismo científico, desenvolveram
sua reflexão
tão
fundamentalmente a partir
dà
nova si
tuação, que
no
ponto decisivo
da
relação éntre o prin
cípio político e o social não pud
eram
assumir a herança
de
Hegel, nem a de Saint-Simon. Stein, que provém
de
Saint-Simon, não partilha
da
crença dêste sôbre
a
tomada
do
govêrno pelos dirigentes
da
produção social,
porque considera a sociedade
t ã o ~ s õ m e n t e
como o ce
nário real dos conflitos humanos; procura agarrar-se à
função repressora e unificadora
do
Estado perfeito de
Hegel, mas não o consegue realmente. Marx, que
aprendeu o pensamento
de
Hegel, contesta tal função
do
·Estado, porque êste, em seu caráter de superestru
tura , é necessàriamente um instrumento da classe so
cial dominante, e almeja substituí-lo por um Estado que,
por via
da
ditadura
da
última categoria, prepare a so
ciedade sem classes, para depois dissolver-se nela. Stein,
para
quem o movime
nto
do antagonil)mo entre o
Estado e a sociedade
é
o conteúdo
de tôda
a história
interna de todos os povos , concede ao Estado a
premacia
na
abstração filosófica, mas,
na
apreensão ·
da
realidade concreta, afirma a sociedade
de
todo estre
mec
ida por
conflitos, e é com ela que se preocupa;
é
por êst motivo que com êle se inicia
(e não
com Com e,
como pensam alguns, o qual,
na
distinção entre o prin
cípio social e político, se coloca atrás
de
Saint-Simon)
a ciência
da
realidade social. Marx, que
na
reflexão
teórica de sua fase madura não se ·interessa primària
mente pelo Estado, sabe em seus projetos apenas do
Estado revolucionário, altamente centralizado, que
abrange tudo, que não deixa lugar para o princípio so-
96
cial p e n ~ existe ainda como meta final e não no esque
ma prático real.
Atualmente em meio de um extenso e minucio-
.
sarnente diferenciado trabalho de conhecimento e pla
nejamento social, a sociologia encontra-se ainda, e
novamente, diante
do
problema
da
relação entre o prin
cípio social e político. Não se
~ e v e
confundir esta
r e-
lação
com
a existente entre sociedade e Estado, pois,
como
Tarde
afirma com razão,
não há
nenhuma forma
de
atividade social, que
por um
modo qualquer ou num
momento qualquer não se torne política; mas
é
preci
so entender as formas
de
sociedade aqui e
as
in.stitui
ções estatais ali, como a cristalização de ambos os
princípios. Entretando, ·nisso é de importância
f u n ~
mental reconhecer a diferença de estruturas, que existe
entre os dois campos
no
tocante à relação de unidades
e pluralidade. A sociedade de
uma
comunidade de
povo não é composta de indivíduos
mas
de
~ o c i e d a d e s
e não, como achava
Comt
e, apenas de famíhas, porém
de várias sociedades e grupos, círculos, agremiações,
associações e comunidades, distintas _Pelo seu tipo, ca
ráter, extensão e dinamismo. A
s o c i e ~ d e
não
é
so
mente o seu conjunto e contôrno,
mas
também a sua
substância e essência; êles estão contidos nela,
mas
ela
também se encontra nêles todos e nenhum dêles pode
afastar-se dela. A sociedade realiza-se principalmente
na
medida em que
da
simples proximidade
<le
umas
face às outras, as sociedades almejam unir-se umas às
outras, e
na
medida em que .entre elas se desenvolvem
ligações e pactos ·de tôdas as espécies, ou seja, ela se
realiza
no
campo social-federativo. Assim como, através
do
uso e costume, junta e aproxima os indivíquos em
sua forma de vida e, através da opinião pública, no sen
tido da continuidade, os indivíduos em sua mentalida
de,
do
mesmo modo influi nos contatos e relações
mútuas entre as sociedade
s Ela
não consegue, porém,
97
dominar os conflitos entre os diversos grupos, não tem
o poder de.reunir os que estão separados e contrapos
tos
entre
s1
ela pode desenvolver a unidade, porém
não pode impô-la. Sômente o Estado consegue fazê-io.
em comum o seguinte: cada uma possui mais poder
do que exigem
as
circunstâncias e esta capacidade de
disposição a mais é na realidade aquilo que entende
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Os
meios de que se utiliza não são mais de natureza
social,
mas
especificamente política. Entretanto, todos
os meios à sua disposição, tanto a autoridade penal
quanto a propaganda, tampouco bastariam em
um
Es
tado que não fôsse dominado por um grupo social,
portanto, relativamente independente das
fissu
ras so
ciais, para vencer
as
esferas de conflitos, não fôsse o
fator político básico da instabilidade geral. O fato de
que cada povo se sente ameaçado pelos demais dá
ao
Estado a decisiva fô rça unificadora; êle ap·óia no
instinto
de
autopreservação da própria sociedade; a
latente situação externa de crise lhe possibilita às vêzes
vencer a interna. Imaginemos um permanente estado
de paz verdadeira, positiva e criadora, entre os povos,
e a supremacia do princípio político sôbre o social di
minuiria essencialmente. No entanto, isto significa de
maneira nenhuma que então também teria de diminuir
a fôrça necessária para submeter a situação interna do
conflito. Antes, seria de supor que,
se
no lugar da
anarquia existente entre os povos, houvesse coopera
ção entre êles na gestão das matérias-primas, na deter
minação
dos
modos de preparação e na norma do mer·
cado mundial, a sociedade estaria pela primeira vez .
apta a constituir-se como
tal.
No campo. do princlpio
social, gestão significa o mesmo que govêrno no campo
do político. Também no campo do primeiro, é indis
pensável q
ue
entendidos ordenem como deve ser execu
tado ~ u i l o que é desejado pela união ou pela coopera
tiva, e é indispensável que as pessoas nomeadas execu
tem as ordens, cada qual a sua. parte. Chamamos, por
conseguinte gestão uma capacidade de disposição, li
mitada pelas condições técnicas dadas e reconhecida
teórica e pràticaroente dentro do limite das mesmas, a
qual, em qualquer transposição de seus limites se anula
em
si m e s m ~
chamamos de govêrno
uma:
tapacidade
não-técnica, mas talvez apenas constitucionalmente
limitada, ó que quer dizer que, em determinadas altera
ções de situação, os limites
se
alteram e às
vêzes
até
se
apagam totalmente. Tôdas as formas de domínio têm
98
mos por poder político. Este excesso, cujo nível natu
ralmente não se pode calcular, representa a exata di
ferença entre gestão e govêrno. Denomino isso de
superavit político. Sua justificativa é
fo
rnecida pela ins
tabilidade externa e interna, pela situação de
cr
ise la
tente entre os povos e em cada povo, situação essa que
pode a qualquer momento se tornar atual, exigindo am
plas providências itnediatas a serem rigorosamente obe
decidas. Embora nos Estados governados em
fo
rma
parlamentar, na hora de irrompimento de crise tenham
de ser conferidos plenos podêres especiais tam
bém
nêles o superavit político, por sua natureza, não está
sempre determinado. Em outras palavras: o princí
pio político em relação ao s o c i ~ l é sempre mais forte
do que exigem as circunstâncias dadas. Daí resulta
uma constante redução da espon.taneidade social.
Acontece, entretanto, que tanto a vitalidade social
de um povo, como também a sua unidade cultural e
independência, dependem em grande parte dessa es
pontaneidade.
or
isso, surgiu muitas vêzes a inda
gação de como se poderia reforçá-la, libertando-a o
mais possível da pressão do princípio político. Indi
cou-se particularmente o quão desejável seria uma des
centralização do poder político. Na realidade, quanto
maior fôr a relativa autonomia concedida
às comuni:-
dades locais e regionais como também às funciona
is
ma
ior se tornará o espaço para um livre desenvolvi
mento dos podêres sociai
s.
E evidente que a pergunta
não pode ser Centralização ?ª d e ~ ~ e n t a l i z a ç ã o ?
porém.apenas: Em que áreas e pen.mtida uma a i ~ r
medida de descentralização da capaCidade de d1sp
os1
-
ção do que a já existente? Esta demarcação, natu
ralmente, precisa ser revista e renovada constantemente
com
as
condições · cambiantes.
Afora esta mudança na distribuição do poder,
é
também do interêsse de uma sociedade em constituição
aspirar a uma transformação progressiva da essênci
do poder, de modo que tanto govêrno quanto possível
passe à gestão. Isto quer dizer: cumpre verificar con
tinuamente em que campos a relação entre a direção
99
governamental e administrativa pode ser alterada em
favor da última. A exigência
de
Saint-Simon de uma
maior participação da sociedade econômicamente
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dutiva e cultural na plasmação
da
vida pública não
pode 'efetivar-se pela via que, cerno
foi
formulado em
nossos dias, leva os administradores a tomarem conta
do poder (isto, certamente, não significaria melhora),
mas sim peta vi.a que leva o poder a tprnar-se admi
nistração, na medida em que as
ç õ e s
gerais e
especiais o permitam.
niversidade
t ~ d ~ l
de aringá
mmií füi
TTí11
0000013315
COLEÇÃO DEBATES
1 A Personagem de Ficção
A. Ro
8
sc
0
rueld,
A
Décio de A. Prado, Paulo Emílio . ornes.
2.
Jnformaç.ão.
Linguagem. Comunicação Décio
J Balanço da Bossa Augusto de Campos.
4. Obra Àberta Umberto
Eco
5.
Sexo e Temperamento
Margarct Mcad.
6
· Fim do Povo Judeu? George Friedmann
7.
Texto/Contexto Anato Rosenfcld.
8. O Sentido e a Máscara Gerd .A. Bornhcim.
Cândido,
Pignatari.