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BRUNO DE MACEDO ZOREK OLIVEIRA MENDES: PENSAMENTO E TRAJETÓRIA DE UM INTELECTUAL LUSO-BRASILEIRO NO AMBIENTE ILUSTRADO PORTUGUÊS Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel e Licenciado em História. Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Magnus R. de Mello Pereira CURITIBA 2004 AGRADECIMENTOS
204

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Dec 01, 2018

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BRUNO DE MACEDO ZOREK

OLIVEIRA MENDES:

PENSAMENTO E TRAJETÓRIA DE UM INTELECTUAL LUSO-BRASILEIRO NO

AMBIENTE ILUSTRADO PORTUGUÊS

Monografia apresentada como requisito parcial

à obtenção do título de Bacharel e Licenciado

em História. Curso de História, Setor de

Ciências Humanas, Letras e Artes,

Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Magnus R. de Mello

Pereira

CURITIBA

2004

AGRADECIMENTOS

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2

Em primeiro lugar, necessariamente devo agradecer ao professor Magnus Pereira, meu

orientador; aquele que, com suas críticas e constantes colaborações, possibilitou que este

trabalho se realiza-se. Agradeço também aos demais professores do Departamento de

História, muitos dos quais estiveram presentes durante quase todo o tempo de minha

passagem pelo curso. Não devo esquecer dos professores dos outros Departamentos também,

principalmente os das línguas clássicas, fundamentais para a minha formação.

O laboratório Cedope foi o lugar onde eu desenvolvi a maior parte do meu trabalho,

portanto, sua presença aqui é obrigatória. Ao CNPq, eu agradeço o financiamento da pesquisa

que resultou nesta monografia.

Os meus colegas de faculdade não sabem o quanto devo a eles. Mais que colegas,

muitos deles se tornaram meus amigos, bons amigos.

Minha família, por me agüentar em casa durante todo o tempo, tanto nos bons como

nos maus dias.

Por fim, e neste caso por ser mais importante, a Ana, sobre quem eu não precis

comentar.

SUMÁRIO

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3

INTRODUÇÃO............................................................................................................4

CAPÍTULO I ................................................................................................................8

CAPÍTULO II...............................................................................................................18

CAPÍTULO III .............................................................................................................28

CONCLUSÃO..............................................................................................................46

BIBLIOGRAFIA ..........................................................................................................50

FONTES .......................................................................................................................51

ANEXOS......................................................................................................................52

INTRODUÇÃO

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4

Um dos grandes problemas da História enquanto disciplina é o da necessidade, quando

pretende explicar qualquer momento histórico, de ou pressupor que o período imediatamente

anterior ao explicado é minimamente conhecido pelo leitor, ou ignorar simplesmente as

ligações temporais futuras ou passadas relativas a este momento. Pois, comumente,

desenvolve-se o texto historiográfico a partir de uma breve explanação sobre quais eram as

condições fundamentais para que determinado contexto se constituísse; isto é, discute-se o

que possibilitou, no passado, que tal contexto se formasse no presente relativo. Ou, de outra

maneira, estabelecem-se balizas temporais e trabalha-se com o que aconteceu dentro do

espaço temporal determinado, esquecendo-se o resto. A primeira possibilidade gera um

problema insolúvel, pois o período anterior ao estudado se constituiu da mesma forma que

este, ou seja, de modo a dever características ao seu antecessor. Logo, o que antecede este

último também é resultado do seu anterior, e assim incessantemente… Portanto, há uma

referência implícita e necessária neste tipo de trabalho historiográfico a uma origem da qual

somos, de uma forma ou outra, o resultado mais recente. No entanto, esta origem não pode ser

alcançada, apenas suposta; e por dois motivos: primeiro porque as fontes mais antigas das

quais o historiador dispõe são limitadas no tempo, o que veio antes destas não se tem como

investigar, e ainda não se inventou uma máquina do tempo que permita observar o passado

anterior; e, dois, porque sempre há uma origem da origem, ou seja, nesta relação sempre há

um antes do antes e, sendo assim, nem com a máquina seria possível, pois o passado se torna

infinito. Por isso, supõe-se, e apenas isto, uma ‘origem original’ que teria iniciado todo o

processo; contudo, como esta origem é inalcansável e todo o decorrer dependente do

movimento inicial, as explicações recortadas feitas pela História são sempre e

necessariamente insuficientes, afinal, em última instância, o problema discutido está ligado a

uma causa desconhecida.

A outra maneira de se fazer História resolve o problema da ‘causa inicial’, pois põe em

xeque a relação fundamental de ‘causa e efeito’. Se se pensar como Nietzsche, a causa só

existe junto com o efeito, porque ela só pode ser definida depois que se tem o efeito; e se a

causa é dependente do efeito, se só surge depois dele, como pode ela vir antes do que a

permite existir? Conclusão: a causa não existe. Só o que existe são as Ações, o mais é ficção.

Não cabe aqui discutir como Nietzsche desenvolve esse raciocínio pormenorizadamente, a

explicação anterior, mesmo grosseira é suficiente para o intento… Ao que interessa: a

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historiografia que adota esta visão de mundo não precisa explicar o que veio antes, mesmo

porque não há relação entre passado e futuro de maneira causal; por isso, explica apenas o que

balizou e fim. O risco: fazer da História uma prática desprovida de sentido. Mesmo porque,

determinar um sentido para esta prática implica em esperar um efeito dela e, sendo assim,

pressupor que a História seja a causa de alguma coisa, o que não é possível nesta lógica. Disso

se tem que não é preciso fazer História, porque não há um porquê de fazê-la. Na verdade, não

há nenhum porquê, nada é necessário que se faça. Mas, ainda assim, se faz.

Por quê?

Porque, segundo Nietzsche, os seres humanos sentem prazer em dominar o outro. Ou,

segundo outros pensadores, Foucault ou mesmo Bourdieu, apenas o que existe entre os

homens são relações de poder; relações que, em última instância, tendem a legitimar o

discurso do mais forte. Portanto, na batalha dos discursos, cada qual se utiliza dos

instrumentos que detém para desautorizar os outros que disputam posições.

E a História neste contexto é mais um instrumento de dominação… Todavia, ainda há

um fim nobre, mas paradoxal, não só para História, como para todas as Ciências Humanas,

que é o de identificar as estruturas em que os discursos se sustentam para poder descontruí-

las. Assim sendo, cabe aos historiadores e demais cientistas sociais a função de criticar as

formas de dominação e como elas se legitimam. O paradoxo está no fato de que estas ciências

também criticam a si próprias, desconstruindo a forma como constróem e legitimam o próprio

discurso. O que gera uma desconstrução generalizada! E a nobreza estaria na possibilidade

que surge de se tentar construir sobre os escombros uma sociedade mais justa, com uma

distribuição de poderes mais igualitária. O problema é que essa imagem de sociedade, de

justiça, de igualdade etc, é também oriunda de um determinado discurso defendido por um

determinado grupo que tem interesses específicos e que age no mundo através de relações de

poder como todos os demais. Portanto, algo que não se resolve, pois é um círculo vicioso.

Nas meditações que se fizeram em torno deste tema, a escolha de uma única solução

para o problema não foi o que houve. De qualquer forma, é preciso apontar alguma na qual

seja possível sustentar a análise que vem aqui em seguida. A solução – não afirmada, apenas

sugerida – é a seguinte: identificou-se esse problema como sendo religioso. Na verdade,

‘religioso’ não é a melhor palavra, mas colocar como um problema de crença também não

satisfaz. Enfim: se levada ao extremo, a questão chega ao ponto de vista específico que

determinado indivíduo defende; e que, se também levado ao extremo, este ponto de vista

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revela a crença do mesmo indivíduo em certos princípios definidos arbitrariamente que ele

escolheu acreditar – ou foi escolhido. Por isso, o que baseia essas palavras é um arbítrio.

Acredito que existem estruturas que determinam as possibilidades de ação dos

indivíduos no mundo. Creio que estas estruturas são definidas historicamente, que conforme o

tempo passa, elas se transformam. As mudanças que ocorrem nessas estruturas são fruto das

ações dos indivíduos, portanto, mesmo determinados pelas estruturas, são os indivíduos que

as determinam também. Além disso, a única forma de transformar as estruturas, penso, é

tomando consciência delas, ou seja, através de nossa prática investigativa e de nossa análise.

Daí que muito mais importa a forma como realizamos nossa investigação do que o objeto

sobre o qual nos debruçamos. O objeto, na verdade, pouco importa, qualquer coisa pode ser

instrumento através do qual se faz a crítica, desde que se construa a relação de maneira

adequada. Afinal o objeto não se justifica sozinho como legítimo a ser estudado, é a

importância que se dá a ele em um dado contexto que o legitima. Logo, enfim, é a forma

como se aborda o objeto que justifica um estudo, abrindo a possibilidade de se escolher

qualquer objeto.

No caso, o objeto é um luso-brasileiro que viveu nos finais do século XVIII e no início

do XIX, Luiz António de Oliveira Mendes. A escolha por estudar este personagem está

intimamente vinculada a minha trajetória particular, principalmente dentro da Academia.

Num dado momento, foi-me oferecida a oportunidade de trabalhar com o professor Magnus

Pereira sobre o pensamento econômico dos intelectuais luso-brasileiros durante o período

final do Antigo Regime. Como desdobramento deste trabalho, ainda sob a orientação do

professor Magnus Pereira, comecei a investigar outros aspectos do pensamento daqueles

homens. Oliveira Mendes, sendo um dos envolvidos naquele ambiente e, também por ter sido

pouco estudado pela historiografia até o momento, foi selecionado para a análise nesta

monografia. A sugestão partiu do professor Magnus; da mesma forma, o acesso às obras de

Mendes só foi possível graças à disponibilização que meu orientador ofereceu sobre as fontes.

É preciso falar também do Cedope, o laboratório onde grande parte do trabalho foi

desenvolvida. Este espaço oferece um ambiente propício ao desenvolvimento de pesquisas,

pois há muitas pessoas engajadas nos vários projetos que se desenvolvem por lá. Como todos

os projetos têm alguma proximidade, a troca de informações é muito rica e facilita bastante os

progressos das pesquisas individuais.

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O trabalho sobre as obras de Oliveira Mendes foi realizado em duas etapas. Num

primeiro momento, foram feitas leituras bibliográficas a respeito da época, do tema, etc, ao

mesmo tempo em que os seus manuscritos foram transcritos. Várias são as obras de Oliveira

Mendes analisadas neste trabalho, mas apenas duas delas foram publicadas, todas as demais

são manuscritas. De modo que, para facilitar a leitura, todos os manuscritos, agora, possuem

uma versão transcrita. O segundo momento foi a análise propriamente dita e que traz como

resultado o que poderá ser lido logo na seqüência.

O texto está dividido em três capítulos. O primeiro deles é uma contextualização geral,

apresenta Portugal no contexto do Iluminismo, o papel dos luso-brasileiros na ilustração

portuguesa, a crise do Antigo regime e, além disso, introduz o indivíduo estudado. O segundo

capítulo se constitui da análise dos textos menores de Oliveira Mendes, desde suas invenções

mecânicas, como suas experiências com tinta de pau-brasil, até a discussão sobre a questão do

carvão combustível, entre outras coisas. O último capítulo, por sua vez, é a análise dos dois

maiores trabalho de Mendes e, de certa forma, os mais importantes, pois seus temas são a

escravidão e a agricultura; assuntos ambos que muito interesse despertavam no ambiente

intelectual português daquela época. Por fim, ainda há a conclusão, onde apresento o

resultado das reflexões desenvolvidas.

CAPÍTULO I

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8

A elite política brasileira, à época da Independência, possuía uma certa

homogenidade ideológica singular, principalmente se comparada às elites das outras

colônias latino-americanas. José Murilo de Carvalho, quando explica o processo de

independência brasileira, vincula esta característica ao que ele entende como opções

políticas, dentre outras possíveis, tais como a manutenção da unidade territorial do Brasil e

o estabelecimento da monarquia como sistema de governo depois da separação com

Portugal.1 O historiador demonstra que essa homogenidade era produto de uma estratégia

metropolitana de atração da elite colonial brasileira que buscava alçá-la a condição de

cogestora do Império.2 Esta política foi adotada no período pós-pombalino e se tornou mais

evidente depois da Inconfidência Mineira. Era uma maneira de os portugueses lidarem com

o quinhão mais rico de seus domínios que chegava, naquele momento, a superar em

importância o seu território europeu.

A educação superior era o principal meio através do qual se dava a unificação

ideológica da elite luso-brasileira. Uma parcela expressiva da elite possuía formação

universitária, ao passo que quem não fazia parte deste grupo raramente recebera qualquer

formação escolar: “a elite era uma ilha de letrados num mar de analfabetos”.3 De maneira

diferente da administração espanhola, a Coroa portuguesa evitou construir Universidades

nas colônias e centralizou a educação superior de seus súditos em Coimbra, cidade que

abrigava a única Universidade do Reino. Portanto, a formação universitária da imensa

maioria dos portugueses e luso-brasileiros foi promovida em um único lugar. Os filhos da

elite colonial vinham de diferentes províncias e, conforme a principal atividade econômica

da família, respondiam a interesses diferentes. O deslocamento geográfico e o convívio

com colegas de outras províncias facilitavam a inculcação de uma ideologia homogênea e

diluíam as diferenças regionais entre os universitários.4

O ensino superior em Portugal era dominado pelos jesuítas. A educação oferecida

pela Universidade de Coimbra tinha uma forte orientação escolástica e rejeitava as idéias

iluministas. As concepções comuns na Europa do século XVIII eram consideradas

perigosas em Portugal por questionarem muitos dos dogmas católicos tradicionais. Foi

1 CARVALHO, J. M. A construção da ordem; Teatro de sombras. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ/Relume Dumará, 1996. 2 Ver também PEREIRA, M. R. de M. “Um jovem naturalista num ninho de cobras: a trajetória de João da Silva Feijó em Cabo verde, em finais do século XVIII”. In: História: Questões & Debates. Curitiba: Editora da UFPR, n. 36, 2002. 3 CARVALHO, J. M. op. cit. p. 55 4 Idem. Ibidem.

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Pombal quem trouxe as novas idéias para o ambiente acadêmico português. Depois de

explusar os jesuítas do Reino, Sebastião de Carvalho e Melo transferiu o controle dos

sistemas educacionais para os padres do Oratório. Com uma postura mais flexível que a

dos jesuítas, os oratorianos adotaram as propostas pedagógicas pombalinas. A Reforma da

Universidade aconteceu em 1772, os métodos tradicionais dos jesuítas foram substituídos

por uma pedagogia empirista. Enfatizou-se o estudo das ciências naturais e passou-se a

valorizar muito o conhecimento produzido para fins práticos. De acordo com Crippa, essas

mudanças no ensino e na Universidade eram necessárias para que Portugal conseguisse se

adequar aos novos tempos.5 De qualquer forma, é um pouco mais tarde que o Iluminismo

emplaca efetivamente em Portugal, pois, apesar de algumas inspirações ilustradas, a

política do Marquês de Pombal ia de encontro a alguns dos principais ideais deste

movimento filosófico, como, por exemplo, os de tolerância e civilidade.6

Terminada a formação acadêmica, parte dos jovens recém formados eram

recrutados pelo governo português e assumiam cargos administrativos em diferentes partes

do Reino. De início, estes homens ocupavam posições menos importantes e, conforme

ganhavam experiência, eram promovidos para postos de maior destaque nos quadros do

governo. O começo das carreiras era uma espécie de treinamento para as funções

administrativas mais importantes, pois se entendia como necessário garantir funcionários

tecnicamente competentes para a gestão do Império. Ao mesmo tempo, eles circulavam

geograficamente, era muito difícil um indivíduo permanecer num único local durante sua

trajetória política. Esta circulação não era gratuita, fazia parte da mesma estratégia e

colaborava para criar um sentimento de unidade dos domínios portugueses nos membros

da elite.7

Segundo Lyra, os intelectuais luso-brasileiros, principalmente, assumiram aquele

sentimento de unidade de uma maneira particular.8 Recuperaram um tema frequente do

imaginário luso e o transformaram em projeto. Construiriam um novo e todo poderoso

império, o Quinto Império, nas palavras do Pe. Antônio Vieira. Este império teria duas

partes principais: o Brasil e Portugal, mas com um sentido específico, “uma unidade

5 CRIPPA, A. “O conceito de Filosofia na época pombalina”. In: PAIM, A. (org.) Pombal e a cultura brasileira. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1982. 6 NEVES, G. P. das. “Guardar mais silêncio do que falar: Azeredo Coutinho, Ribeiro dos Santos e a escravidão”. In: CARDOSO, J. L. (coord.). A economia política e os dilemas do império luso-brasileiro (1790-1822). Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001. 7 CARVALHO, J. M. de. op. cit. 8 LYRA, M. de L. V. A utopia do poderoso império. Rio de Janeiro: Sete Letras, 1994.

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atlântica imperial baseada numa pretensa relação de parceria recíproca para a defesa dos

interesses comuns”.9 A partir da colônia americana, os portugueses conseguiriam se impor

às demais potências européias e se tornar a mais importante nação do mundo. Muitos dos

que defendiam este projeto, Vieira inclusive, sugeriram que a Corte se transferisse para o

Brasil e, daqui, promovesse sua política imperial. Quando acontece a fuga da família real

em 1808, muitos entusiastas viram no episódio vergonhoso a possibilidade de Portugal

estar se tornando, finalmente, aquilo que nasceu para ser, um grande império.

O ambiente intelectual que se formou em Portugal depois do início desta política e

que propiciou a produção destas características na elite reinol e colonial é o cenário onde

se desenrolam as ações do indivíduo investigado neste trabalho. Luiz Antônio de Oliveira

Mendes nasceu na cidade da Bahia por volta de 1750.10 É um indivíduo até agora pouco

observado pela historiografia.11 Em se pensando no tratamento dado pelos historiadores a

outros luso-brasileiros que participaram do ambiente intelectual português na mesma

época, faz sentido considerar as contribuições que Mendes legou àquele ambiente.12 Sua

trajetória também foi marcada pela formação em Coimbra. Oliveira Mendes formou-se em

Direito no ano de 1777. Portanto, foi para Portugal durante os anos finais do ministério

pombalino e completou seus estudos já na Universidade Reformada. No período em que

estudou em Portugal, ainda freqüentou como voluntário aulas de Medicina. Estudou

também Filosofia, disciplina que foi tornada obrigatória depois da Reforma. Tanto o

Direito como a Medicina eram disciplinas, guardadas as diferenças que o tempo promove,

muito próximas, em sua configuração geral, ao Direito e à Medicina atuais. A Filosofia,

entretanto, era uma disciplina significativamente diferente daquela com a qual estamos

acostumados. O curso de Filosofia englobava várias áreas de conhecimento, desde a

investigação da natureza física à questões de ética. O que hoje está dividido em disciplinas

9 Idem, Ibidem. p. 118 10 As informações biográficas a seu respeito são poucas e se resumem ao que diz: SILVA, I. F.; ARANHA, B. Diccionario Bibliographico Portuguez. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001. (versão digital). 11 O único texto a seu respeito é o Prefácio de José Capela para a reedição de uma Memória de Oliveira Mendes sobre as condições sanitárias dos escravos. MENDES, L. A. de O. Memória a respeito dos escravos e tráfico da escravatura entre a costa d’África e o Brazil. Porto: Publicações Escorpião, 1977. 12 Vários dos indivíduos que compõe o grupo dos luso-brasileiros foram estudados pela historiografia. Dentre eles, há alguns famosos: José Bonifácio, José da Silva Lisboa, Alexandre Ferreira, etc. Os homens de mais destaque são aqueles que participaram de modo ativo no processo de Independência do Brasil. É neste sentido, inclusive, que Maxwell faz seu recorte no ambiente intelectual português e nomeia parte destes homens de “geração de 1790”. MAXWELL, K. Pombal. Paradox of the Enlightenment. Cambridge: University Press, 1995.

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independentes, como a Física, a Química, a Botânica, etc. bem como a Economia, naquele

momento estava definido como o campo de estudo da Filosofia.

Esta abrangência advinha da concepção de Filosofia desenvolvida pela ilustração

européia durante o século XVIII. O Iluminismo português adotou esta postura e consagrou

o empirismo como sistema privilegiado de compreensão do mundo. No entanto,

diferentemente do empirismo tal como foi concebido – onde todo conhecimento provém da

experiência, ou seja, da observação direta e da reflexão – o empirismo português “mais

parecia uma teoria do bom senso acerca da origem e da classificação das idéias, do que

uma revolucionária teoria, capaz de comprometer as bases dos conhecimentos humanos,

quer filosóficos, quer teológicos”.13

A adoção deste conceito de Filosofia não foi unânime no ambiente intelectual

português e, somente depois da Reforma da Universidade de Coimbra de 1772, é que se

tornou hegemônica. O processo de interiorização deste conceito foi lento e fragmentado,

principalmente porque as novas idéias eram importações dos outros países europeus e

havia em Portugal uma forte resistência do establishment, fundamentalmente orientado

pela tradição escolástica, a estas inovações.14

Todavia, o ponto alto do Iluminismo português foi o período imediatamente

posterior ao ministério pombalino, ou seja, o reinado de D. Maria e a regência de D. João.

O grande indicativo disto foi a criação da Academia de Ciências de Lisboa. A principal

contribuição da Academia ao movimento ilustrado – além da organização de uma

biblioteca e de um museu, da relação com a Universidade de Coimbra e dos contatos com

outras instituições congêneres no exterior – foi o estímulo à produção dos intelectuais

através das publicações que patrocinava.15

Estas publicações atingiam um público específico. Apesar de ter como pretensão

serem lidos por uma larga parcela da população reinol e colonial, os textos dos acadêmicos

acabavam circulando principalmente entre os próprios acadêmicos e membros do

governo.16 Fundamentalmente, era a elite política e intelectual quem absorvia a produção

literária portuguesa. A elite econômica em grande parte era formada por membros tanto do

13 CRIPPA, A. op. cit. p. 29 14 FONZAR, J. “Raízes da reforma do ensino do Marquês de Pombal: o Modernismo na cultura Portuguesa”. In: Educar. Curitiba: Ed. UFPR, jul./dez. 1985. 15 NOVAIS, F. “O reformismo ilustrado luso-brasileiro: alguns aspectos”. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 4, n. 7, mar./1984. 16 CARDOSO, J. L. O pensamento económico… op. cit. p. 53 e 54

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ambiente intelectual (é bom lembrar que os luso-brasileiros que fazem parte deste grupo

eram filhos da elite colonial) como do governo. Portanto, era a parcela dominante da

sociedade, em quase todos as suas subdivisões, que produzia e consumia a literatura

científica da época.

Além da Academia de Ciências e da Universidade de Coimbra, havia mais uma

instituição importante por onde circularam os intelectuais luso-brasileiros, a Casa Literária

do Arco do Cego. A finalidade oficial desta instituição era publicar trabalhos voltados para

o desenvolvimento da agricultura no Brasil. Foi instalada por D. Rodrigo de Sousa

Coutinho em 1799, mas funcionou somente durante dois anos. De qualquer forma,

enquanto ativa, a Tipografia do Arco do Cego publicou intensamente. Ana L. da Cruz

explica que a Casa Literária ainda servia para o ministro do Ultramar controlar

determinados intelectuais luso-brasileiros que, por alguma razão, quisesse manter sob

vigia. Por isso, inclusive, é que ele nomeou como diretor o frei brasileiro Mariano da

Conceição Veloso – indivíduo que não possuía formação acadêmica, mas esteve bastante

envolvido com pesquisas científicas e era homem de confiança de Souza Coutinho.17

A Casa Literária do Arco do Cego pode ser vista, exemplarmente, como a concretização de um projeto político de D. Rodrigo, voltado, a um só tempo para uma política colonial de realçar, interna e externamente, a importância do Brasil e para a ação propagandística de difundir as luzes da ciência, sobretudo no domínio da agricultura, através de publicações ilustradas, bem ao gosto das elites eruditas e acadêmicas. Por outro lado, o Arco do Cego inseria-se também no âmbito do mecenato e das clientelas de D. Rodrigo, a quem interessava a manutenção de um espaço para congregar intelectuais sob sua tutela e patrocínio, como estratégia para evitar comportamentos sediciosos.18

O grupo do Arco do Cego não contou com a participação de Oliveira Mendes. Este

intelectual tornou pública suas contribuições à sociedade lusitana através das sessões e

publicações da Academia de Ciências. Também ele estava inspirado pelo “empirismo

mitigado” típico do ambiente intelectual português, o que se percebe pelas escolhas

temáticas de seus textos. Como a grande maioria dos “filósofos” luso-brasileiros

envolvidos com a Academia de Ciências, Mendes estava preocupado com questões

práticas. Ele escreveu sobre diversos assuntos: problemas na construção de navios; sugeriu

novas tecnologias para os carros (carroças) portugueses; sobre a extração de tinta do pau-

brasil; a plantação de pinheiros; alguns problemas da agricultura em Portugal; inventou

17 CRUZ, A. L. R. B. da. “Verdades por mim vistas e observadas, Oxalá foram fábulas sonhadas”. Curitiba: UFPR, 2004. Tese de doutorado, policopiada, inédita. 18 Idem. Ibidem. p. 133

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uma espécie de escada de incêndio; falou sobre as condições sanitárias dos escravos;

também sobre a questão do carvão combustível; e outras coisas mais.

Entretanto, Mendes não dedicava seu tempo exclusivamente a estes assuntos, era o

contrário, inclusive, o que se dava. Ele era advogado da Casa de Suplicação de Lisboa e,

por isso, as “applicações Forenses” ocupavam um largo espaço em sua grade horária.

Deste modo, de acordo com ele mesmo, seu trabalho científico ficava em segundo plano.19

Somente no tempo livre era possível concretizar suas propostas. Quando Pierre Bourdieu

faz a crítica da razão erudita, aponta como fundamental “tentar explicitar os pressupostos

inscritos na situação de skholè, tempo livre e liberado das urgências do mundo que torna

possível uma relação livre e liberada com tais urgências e com o próprio mundo”.20

Portanto, a análise das obras de Oliveira Mendes, visto que produzidas em uma situação de

skholè, propicia descobertas sobre características do campo intelectual português e sobre a

posição deste autor no mesmo. Não é possível, é claro, explicar todas as disposições do

campo intelectual português a partir de um único caso. Entretanto, através da observação

de Oliveira Mendes, é possível perceber como as determinações do campo intelectual se

manifestaram neste indivíduo.

Além disso, é preciso realçar um pequeno detalhe: enquanto a maioria dos

intelectuais luso-brasileiros eram funcionários do Estado, Oliveira Mendes não. Ele era um

advogado a viver pelos próprios meios e cuja produção científica não era motivada por esta

participação. Isto não quer dizer que os textos de Mendes não fossem parte de uma

estratégia de se qualificar para receber uma comissão estatal. Muitos escreviam com este

objetivo. Entre os advogados, o desejo era se tornar ouvidor ou, para os que sonhavam

mais alto, juiz da relação da Bahia ou do Rio de Janeiro. Se era essa uma das intenções

subjacentes de Mendes, parece que ele não alcançou seu objetivo. O reconhecimento que

conseguiu se restringiu ao ambiente intelectual.

O interesse direcionado às questões práticas de Mendes e da maioria dos

intelectuais luso-brasileiros está intimamente relacionado a situação política e econômica

que Portugal enfrentava. Desde o ínicio da época moderna, Portugal sofreu um isolamento

cultural e, no decorrer, tornou-se economicamente atrasado. Portugal era entendido como

um país decadente. A antiga potência tornara-se dependente. Dom Luís da Cunha, um

19 MENDES, L. A. de O. Memoria analitico-demonstrativa da maquina de dilatação, e de contração. Lisboa: Officina de Joaquim Jozé Florencio Gonçalves, 1792. p. 23 20 BOURDIEU, P. Meditações pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. p. 9

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fidalgo estrangeirado,21 definia seu país como a “melhor e mais lucrativa colônia da

Inglaterra”.22 O principal motivo de tal atraso era econômico. As políticas gestadas pelo

governo, até então, não permitiram a Portugal acompanhar o desenvolvimento dos outros

países europeus. A atitude dos intelectuais, visto que liam seu país como decadente, foi

procurar soluções práticas que diminuíssem o atraso português e os aproximasse, em

termos de poder, das grandes nações européias. As duas principais características do

Iluminismo português derivam desta situação: Portugal não foi um dos centros geradores

do pensamento Iluminista, contudo, foi um dos primeiros países a empreender as reformas

de cunho ilustrado, o que denuncia o descompasso existente entre a “teoria” e a “prática”; e

o isolamento cultural somado a necessidade de eliminar a decadência em Portugal fizeram

com que os portugueses procurassem no exterior as soluções para seus problemas. Daí a

caraterística importação de idéias.23 De qualquer forma, tanto as reformas como as idéias

eram administradas de maneira conservadora. Segundo Neves,

a intelectualidade do império português de fins de Setecentos revela-se povoada de clérigos, que, embora se mostrando incapazes de alcançar uma secularização efectiva do pensamento, ao manterem a religião como uma espécie de clef de voûte do saber humano, nem por isso ignoraram as novas idéias, ainda que adaptando-as à sua moda.24

Concordamos com Neves, mas a ênfase dada a esta questão aqui é a inversa: os intelectuais

luso-brasileiros conheciam e se apropriavam das novas idéias, mesmo que as adaptassem

de maneira conservadora e inspirada pela religião.25

Esse isolamento cultural também significou o estancamento da independentização

dos campos eruditos portugueses. Diferentemente de outros países europeus que, desde o

Renascimento, já manifestavam as primeiras fraturas no campo filosófico, esboçando a

autonomização que mais tarde resultariam nos campos científico, literário e artístico,26

Portugal apresentava estruturas que amarravam os proto-campos em torno de

dependências comuns. Por isso, grande parte dos indivíduos produzia ao mesmo tempo em

21 Os estrangeirados são uma outra categoria de intelectuais portugueses. Há alguma polêmica no uso deste termo tanto histórica como historiograficamente, principalmente sobre os valores vinculados ao adjetivo. Grosso modo, o estrangeirado é aquele que recebeu alguma formação em outros países europeus que não Portugal e que trouxe novidades estrangeiras (normalmente “idéias”) para seu país de origem. 22 Apud: BOXER, C. R. O império marítimo português: 1415-1825. São Paulo: Cia das Letras, 2002. p. 369 23 NOVAIS, F. op. cit. 24 NEVES, G. P das. op. cit. p. 16. 25 Além disso, é preciso também relativizar um pouco a ênfase de Neves na presença dos clérigos, pois é neste momento que uma intelectualidade laica começa a aparecer em Portugal e marcar os ambientes eruditos com suas contribuições. 26 BOURDIEU, P. op. cit.

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áreas diversas. Mendes não é exceção, além dos trabalhos voltados para a utilidade prática,

escreveu peças de teatro, poesia, obras de educação moral e, inclusive, textos religiosos. A

relativa unidade que os diversos campos eruditos apresentavam dava aos intelectuais luso-

brasileiros, e neste caso Mendes é exemplar, uma ampla possibilidade de produção; quase

como os intelectuais renascentistas que produziam ciência, arte e filosofia ao mesmo

tempo.

Oliveira Mendes produziu a maioria dos seus textos na última década do século

XVIII e na primeira do século seguinte. Especula-se que tenha ocupado posições de

destaque no campo intelectual português, pois há elementos em seus textos que indicam

esta possibilidade. O argumento se sustenta, principalmente, na análise das duas Orações

latinas que Mendes recitou em sessões públicas da Academia de Ciências. Ambas foram

escritas para ocasiões especiais, uma quando Mendes foi nomeado Sócio Correspondente

da Academia e a outra por ocasião do falecimento do Duque de Lafões, fundador e

presidente da mesma instituição. Ser honrado com o título de Sócio Correspondente não

era incomum, grande parte dos membros da Academia possuía uma nomeação equivalente.

Mais raro era, por exemplo, um jovem recém formado ser nomeado Sócio Livre, como

aconteceu com José Bonifácio.27 Mendes também se tornou Sócio Livre, mas apenas em

1824, com mais ou menos 74 anos. Mesmo assim, ser Sócio Correspondente significava a

inclusão e o reconhecimento do indivíduo como membro do grupo. Por outro lado, ser o

orador responsável por homenagear o presidente e fundador da Academia da Ciências por

ocasião de seu falecimento era uma oportunidade única e revela que, naquele momento,

Oliveira Mendes havia acumulado capital simbólico suficiente para ocupar um posto

avançado no campo intelectual português. A cerimônia aconteceu em 7 de janeiro de 1807.

Até então, Mendes publicara apenas, e em 1792, a sua memória sobre uma máquina de

dilatação e contração, espécie de escada de incêndio, que ele mesmo havia concebido.28

Todas as suas demais contribuições foram leituras públicas em sessões da Academia de

Ciências. Seu trabalho mais importante, a memória sobre as condições sanitárias dos

escravos, apesar de ter sido apresentada à Academia em 1793, foi publicada somente em

1812.29 Portanto, o reconhecimento de Mendes como um indivíduo à altura de representar

os lamentos de todos os acadêmicos à morte do Duque de Lafões era devido à elementos

27 SILVA, A. R. C. da .Construção da nação e escravidão no pensamento de José Bonifácio 1783-1823. Campinas: Editora da Unicamp, 1999. p. 27 28 MENDES, L. A. de O. Memoria analitico-demonstrativa… op. cit.

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de sua trajetória independentes da qualidade reconhecida de seus textos. Ao mesmo tempo,

estes mesmos elementos colaboraram para a legitimação de certas posturas intelectuais

características de Mendes não tão correntes no campo intelectual português. Em outras

palavras: os textos de Oliveira Mendes eram tidos como trabalhos legítimos não só por

causa de sua forma e conteúdo, mas também por conta da posição do autor em relação aos

demais intelectuais dentro dos campos eruditos.30

De maneira diferente de outros seus contemporâneos, os textos posteriores à fuga

da Família Real e à invasão napoleônica não apresentam referências a estes fatos. Mendes

sempre permaneceu fiel aos preceitos da Academia de Ciências, “consagrada à glória e

felicidade pública, para o adiantamento da instrução nacional, perfeição das ciências e das

artes e aumento da indústria popular”.31 Evitou qualquer menção à problemas políticos ou

questionamento do status quo, sempre focou seus esforços em questões importantes e úteis

para a Nação, mas inofensivas e irrelevantes no que diz respeito à política. Talvez por isso

não tenha sido recrutado a participar das publicações da Casa Literária do Arco do Cego,

afinal não ameaçava o governo ou apresentava idéias perigosas.32

Voltou ao Brasil, para a Bahia ao que tudo indica, em data desconhecida. Mas antes

disto, elaborou, juntamente com José Bonifácio, um projeto para a criação da Real

Sociedade Bahiense dos Homens de Letras. Seus estatutos revelavam grandes ambições,

pois previam que esta Sociedade possuiria um observatório astronômico, biblioteca,

museu, um laboratório químico e, inclusive, um horto florestal. Além disso, publicaria um

periódico divulgando resultados de pesquisa e patrocinaria aulas de ciências, literatura,

história, línguas estrangeiras e outras disciplinas. Projeto gestado em 1810, quando a

Família Real já se encontrava no Brasil. A Sociedade Bahiense seria vinculada à Academia

de Ciências de Lisboa. No entanto, o plano se resumiu aos estatutos, tal Sociedade nunca

chegou a ser fundada.33

29 CAPELA, J. “Prefácio”. In: MENDES, L. A. de O. Memória a respeito dos escravos… op. cit. 30 Esta relação não é válida somente pare este caso, na verdade é um dos mecanismos básicos de funcionamento de qualquer campo erudito. Para mais detalhes, ver BOURDIEU, P. A economia das trocas lingüísticas. São Paulo: Edusp, 1996. 31 Plano de Estatutos da Academia de Ciências de Lisboa. Apud CARDOSO, J. L. O pensamento económico em Portugal nos finais do século XVIII: 1780-1808. Lisboa: Editorial Estampa, 1989. p. 43 32 De qualquer modo, grande parte dos intelectuais vinculados à Casa Literária estavam “desocupados” quando se reuniram à instituição e Mendes, ao que parece, não se enquadrava nesta categoria. CRUZ, A. L. R. B. da. op. cit. 33 SILVA, C. P. da. A Matemática no Brasil: uma história de seu desenvolvimento. s/c: s/ed, s/d. (versão digital) p. 18

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No final de 1824, como já dito, Mendes foi passado a classe de Sócio Livre da

Academia de Ciências. Provavelmente, nesta data, ele já se encontrava no Brasil. Esta

nomeação, considerando que Mendes estava com mais ou menos 74 anos, aparentemente

foi uma homenagem dos acadêmicos ao colega ancião. Dois anos depois, seu filho,

Clemente Álvares de Oliveira Mendes e Almeida, exerceu o cargo de Cônsul Geral do

Império em Lisboa, o primeiro a ocupar tal posição depois da Independência do Brasil.

Ignora-se também a data em que Mendes faleceu.34

34 SILVA, I. F.; ARANHA, B. op. cit.

CAPÍTULO II

Neste capítulo serão analisadas a maior parte das obras científicas de Oliveira

Mendes. Os seus textos, em sua maioria, foram leituras realizadas na Academia de

Ciências de Lisboa. No entanto, apenas um deles, nesta primeira selação, foi publicado,

a “Memoria analitico-demonstrativa da maquina de dilataçaõ, e de contracçaõ”; a

outra publicação de Mendes, uma Memória sobre a escravidão, será analisada no

próximo capítulo.

A primeira publicação de Mendes data de 1792, a já citada “Memoria analitico-

demonstrativa da maquina de dilataçaõ, e de contracçaõ”, é uma descrição de um

invento que tem por objetivo principal (ou, pelo menos, como objetivo inspirador)

ajudar as pessoas em caso de incêndio. Este invento é um carro com uma máquina que

contrai e dilata uma escada. Nos incêndios, ela seria usada para resgatar as pessoas que

estivessem presas em edifícios altos. No entanto, seu uso não se resumiria aos resgates,

também seria útil nas reformas de igrejas ou outros prédios altos, por exemplo, evitando

a construção de andaimes; também em campanhas militares, pois permitiria observar de

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cima os caminhos dos soldados. E ainda há as vantagens econômicas que tal invento

proporcionaria, como, por exemplo, a economia nos reparos necessários às construções

altas, pois, como foi dito, não seria necessária a construção de andaimes, economizando

também tempo; dos prédios públicos, caso incendiados, seria possível salvar itens

valiosos, pois, pela máquina, se retirariam estes objetos; mesmo na guerra, a sugestão

apresenta vantagens econômicas, afinal, com a observação privilegiada, poderiam os

comandantes melhorar suas estratégias e vencer as batalhas mais facilmente, ou seja,

com menos perdas.

Mendes oscila entre uma argumentação racional e outra que poderia ser chamada

“passional”. Sua estratégia é atingir o leitor das duas maneiras. Ao mesmo tempo em

que apresenta as vantagens práticas de se investir no seu invento, aponta para as

vantagens “em si mesmas” que o mesmo invento traria. Na verdade, os dois tipos de

vantagens se confundem, pois, se não são as mesmas, derivam uma da outra. Contudo,

há uma diferença no tratamento dado a elas. As vantagens práticas são explicadas de

modo racional, Mendes relaciona as características de seu invento às práticas cotidianas

da nação e, neste sentido, mostra como as rotinas poderiam ser otimizadas. Por outro

lado, Mendes assume e apresenta como verdade inquestionável a positividade de se

ajudar ao próximo. Inclusive é esta verdade o motor inicial de seu projeto. Quando

Mendes soube do incêndio, tratou de elaborar a máquina para minimizar os danos de

sinistros equivalentes. Isto é sinal da adoção inconteste da moral católica, onde o

altruísmo é uma virtude. Interessante é que o mesmo invento poderia ser utilizado para a

guerra, mas não poderia ser justificado da mesma forma. Neste caso, Mendes usa a

Razão e a Economia para argumentar.

Na continuação do texto, há um anexo que se intitula Tentativas. Nesta parte,

Mendes faz uma série de sugestões de temas que considera urgentes que sejam tratados

por indivíduos competentes, assuntos de interesse geral da nação e que ele promete se

ocupar caso não apareçam trabalhos definitivos sobre. Todas as sugestões têm como

alvo o “Público instruido” e como objetivo: ajudar “em fins tão uteis, como

interessantes”.35 O que ele propõe é a invenção de um mecanismo para tirar água de

poços; um arado de bois que semeie a terra ao mesmo tempo que lavra; uma bomba para

extrair a água dos navios; propõe observações sobre como economizar no consumo de

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19lenha; como aumentar e, ao mesmo tempo, economizar combustível para as luzes dos

faróis, aplicando o mesmo conhecimento à iluminação pública de Lisboa; um sistema de

administração da iluminação e da limpeza da capital do Império; um mecanismo de

suspensão de grandes pesos com pouco esforço; um instrumento para limpar as praias;

um aparelho para ajudar nas confecções; um discurso sobre a construção de navios; e,

enfim, um meio de levar um navio recém construído para o mar sem danificá-lo e sem

muito esforço. Todos trabalhos úteis para o progresso da Nação.

35 MENDES, L. A. de O. Memória analítico-demonstrativa da máquina de dilatação, e de contração. Oficina de J. J. F. Gonçalves: Lisboa, 1792. p. 23

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Alguns desses temas, de fato, Mendes desenvolve mais tarde, mas não todos.

Deste trecho do texto, um dos comentários mais importantes é sobre quando o autor irá

se dedicar aos projetos. Segundo ele, o trabalho como advogado tomava muito do seu

tempo. Em primeiro lugar, isso significa que Mendes era e/ou queria ser reconhecido

como um indivíduo competente no seu ofício, por isso apresentou-o neste momento.

Também justifica uma possível demora em desenvolver as sugestões, pois ele não tinha

muito tempo para empenhar nisto. E, além disto, manifesta uma característica necessária

dos campos eruditos, segundo Bourdieu, que é o tempo livre.36 É somente porque os

indivíduos envolvidos nas atividades intelectuais de uma determinada região num

determinado momento histórico reservam parte de seu tempo para desenvolver práticas

relacionadas à erudição – a leitura seria o exemplo típico –, que o surgimento dos

campos eruditos é possível. Deste modo, tanto a dedicação “diletante” às atividades

científicas de Mendes, bem como o trabalho como advogado são bens que ele aposta no

jogo de reconhecimento do campo intelectual português da época.

Alguns anos depois, em 1805, o autor leu em sessão a memória sobre a extração

da tinta do pau-brasil. O autor inicia seu texto lembrando da qualidade superior dos

tecidos asiáticos. Lembra também que muitas das melhores nações tentaram se igualar

aos orientais neste engenho, mas, por mais que se esforçassem, nunca conseguiram

alcançar a mesma perfeição. E sugere que isto se dá, talvez, porque tal honra esteja

resevada ao Brasil. Sua esperança se baseia nas semelhanças entre a Ásia e o Brasil e

nas palavras de Lineu: “LuSitani quam felices non eSsent, Si noscerent Sua bona”.37

Contudo, o autor não se prende às esperanças. Mais uma vez com o intuito de

promover a industria nacional e como forma de agradecimento à pátria, ele se pôs em

experiências para extrair a tinta do pau-brasil. Este projeto foi motivado por três

reflexões: primeira, que os orientais talvez extraissem suas tintas da mesma forma que

ocidentais e, conforme cria Mendes, o sapão, árvore da qual se produz a tinta da Ásia,

seria idêntico ao pau-brasil; segunda, que havia pau-brasil em abundância, por isso,

seria barato produzir a tinta; e terceira, que os métodos utilizados naquele momento

estavam ultrapassados e poderiam ser melhorados em muitos aspectos. Mendes

36 BOURDIEU, P. Meditações pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 37 Lusitani quam felices non essent, si noscerent sua bona. Quão felizes não seriam os lusitanos, se conhecessem sua boa. Obs.: a frase descontetualizada não faz muito sentido, pois não há a indicação de qual “boa” os lusitanos não conhecem. No entanto, segundo o que se pode supor através de Mendes, é provável que Lineu estivesse se referindo ao Brasil ou às potencialidades naturais do país.

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descreve com detalhes suas experiências e explica seu novo método de extração da tinta.

No entanto, lamenta não poder levar suas especulações até o fim, porque em Portugal

não se encontravam determinados ingredientes com facilidade.

Talvez não fosse a intenção do autor, mas é possível extrair de suas palavras

uma crítica comum à Portugal naquela época, porém mal vista pelo governo

principalmente. Primeiramente, Mendes elogia o Brasil e o aponta como possível

potência por causa de seus bens naturais. Num segundo momento, lamenta por Portugal

não possuir os mesmos bens que havia no Brasil e por isto prejudicar suas experiências.

Em outras palavras, diz que Portugal não oferece as vantagens do ponto de vista

agroeconômico que o Brasil apresenta. Levado ao extremo, este ponto de vista

coincidiria aos dos intelectuais que pregavam o abandono do terreno europeu para criar

um império nos trópicos. Contudo, os homens que manifestaram esta opinião, só o

fizeram depois da fuga da família real para o Brasil, ou seja, três anos depois da leitura

desta memória. De qualquer forma, não parece que o autor desejasse criticar Portugal

de fato. Suas palavras soam mais como uma constatação ruim do que como um ataque

às desvantagens lusitanas.

Em outro documento, com certeza anterior à memória sobre a extração de tinta

do pau-brasil, mas sem data, o memorialista já adiantava que tinha realizado

experiências com tintas e deixava a cargo da Academia definir o momento da

publicação dessas. Neste mesmo documento, apresenta suas reflecções sobre a

mastreação dos navios. Esta memória começa com a afirmação de que muito já se

discutiu o assunto na Academia de Ciências. Contudo, ainda era necessário um método

para se conhecer a qualidade dos troncos destinados a mastro, pois, até então, o que se

tinha apresentado eram técnicas de seleção da madeira baseadas na observação dos

“Symptomas externos”, insuficientes no que diz respeito a detecção da qualidade interna

da madeira. Tanto que muitos navios recebiam mastros ruins que só eram percebidos

depois do trabalho pronto ou, ainda pior, quando o navio já estava em alto mar. A

conclusão que Mendes alcança, depois de explicar seu método de análise da madeira, é

que os mastros de ávores brasileras são melhores e mais baratos e, por isso, deveriam

ser adotados por todos os construtores de barcos do reino.

Mais uma vez é possível extrair a mesma crítica contra Portugal. No entanto, o

tom é um pouco diferente. Mendes parece sugerir que existe alguma má vontade dos

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reinóis em geral em aceitar as visíveis qualidades do Brasil. Esta crítica atinge tanto os

intelectuais que já discutiram muito o problema da mastreação, mas não o resolveram;

como os construtores de navios, marinheiros etc, que teimavam em continuar nos

mesmos erros ao invés de rever sua posição a aceitar a “ajuda” brasileira.

Em 1806, Mendes complementa sua memória sobre a mastreação com uma

sobre a construção de navios. Ele explica que esta memória é como um desdobramento

lógico da anterior, “SubSequente na ordem methodica”, por isso seria coerente discursar

sobre a construção dos navios e a organização da carga no interior deles. Segundo o

memorialista, e assim justifica seu esforço, é por conta de problemas não observados

nestes dois pormenores que a grandes riscos se expõem os marinheiros e os gêneros

transportados. A principal conseqüência desta desatenção é um considerável prejuízo à

navegação e ao comércio de Portugal. Portanto, “hé digno (…) meditarSe com a maior

Circunspeção” sobre esses pormenores e buscar soluções viáveis para tanto,

principalmente para o caso do Brasil, pois é desta colônia que as cargas mais pesadas

são transportadas para a metrópole.

O memorialista demonstra conhecer em detalhes a estrutura dos navios, mas sua

erudição não se restringe aos aspectos técnicos. Também, conforme sugere, conhece a

história náutica, porém, como não pretende examinar como evoluiu a tecnologia de

construção naval, direciona seus esforços para propor melhorias à marinha mercante

portuguesa daquele momento. O autor entrou nos esforços de desvendar os problemas

da construção dos navios tendo como proposta e esperança de recompensa, “a par da

prosperid.e do Comercio, e da navegação, Reunir o Patriotismo a Felicid.e Publica”.

Diferente de Azeredo Coutinho,38 por exemplo, Oliveira Mendes não demonstra

estar preocupado com a marinha em geral. Seu foco é sobre o navio. Sobre a marinha,

apenas faz um desdobramento simples do raciocínio, dizendo que se um navio pudesse

ser otimizado, todos os outros poderiam também. Novamente frisa a teimosia dos

construtores, capitães e marinheiros que, mesmo tendo experimentado diversas

situações, continuam a organizar a carga irracionalmente e a construir os navios não

pelos melhores princípios. Neste texto, Mendes é bem enfático no objetivo declarado de

ser útil à nação. Procurou relacionar à crítica o progresso da nação. Portanto, apesar de

manter sua posição de crítico à postura dos homens relacionados à navegação, desviou

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levemente o argumento de modo a torná-lo menos ofensivo. Funcionou de alguma

forma, pois, no ano seguinte, por conta do falecimento do Duque de Lafões, Mendes

recebe a incumbência de discursar na cerimônia em homengam ao fundador da

Academia de Ciências. Mesmo assim, não foi apenas porque houve uma leve mudança

na nuance de seu discurso que Mendes recebeu este tipo de reconhecimento, muitos

outros fatores estavam envolvidos. No caso, é importante pensar sobre o peso relativo

da postura de Mendes neste texto para este momento de sua trajetória. Afinal, é a partir

deste momento que ele ganha um maior destaque.

No ano de 1811, Mendes apresentou numa sessão da Academia uma memória

sobre combustíveis. Como em outras ocasiões, Mendes inicia seu texto com a citação

latina: “NiSe utile est quod facimus, Stulta est gloria”.39 Na sequência, quando vai às

vias de fato, explica que sua memória se divide em duas partes: na primeira, discute a

economia (no sentido científico do termo) dos combustíveis; e na segunda parte, expõe

um método de fabricação mais barato para o carvão. A estes temas ele se dedica apenas

para poder ser util à nação e agradecido à pátria. Inclusive dispensa a justificativa de seu

empenho porque, fazia pouco, foram impressas suas “tentativas”, nas quais apresentou

os assuntos para os quais dirigia a atenção naquele momento, logo, estava nestes

justificado.

Há mais tempo, Mendes discorreu rapidamente sobre a iluminação pública de

Lisboa. Para falar dos combustíveis, ele relembra o que já havia dito. Em 17 de janeiro

de 1793, o autor publicou pela Academia de Ciências a sua chamada “quinta

tentativa”,40 onde defendia um método de melhorar a iluminação das ruas lisboetas a

partir da reordenação da posição dos lampiões. Portanto, nesta proposta, muito se

economizaria do azeite, pois menos lampiões precisariam ser utilizados. Outra idéia de

Mendes, a sexta tentativa, foi a criação de uma guarda noturna para promover a

tranqüilidade das ruas durante a noite. No entanto, algumas melhorias se faziam

necessárias neste último projeto, principalmente na disposição das companhias de

soldados, para que tivessem mais mobilidade e atendessem as urgências com rapidez.

38 COUTINHO, J. J. da C. A. Obras Econômicas de J. J. da Cunha de Azeredo Coutinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966. 39 Nisi utile est quod facimus, stulta est gloria. Se não é útil aquilo que fazemos, a glória é parva. Obs.: dada a ordem das palavras na frase, pode-se concluir que não é uma forma clássica, portanto, é provável que, se for um citação de fato, seja de um autor medieval ou moderno. Outra possibilidade é que a frase seja da autoria do próprio Mendes. 40 Uma das tentativas anaxadas à Memória sobre a máquina de dilatação e contração.

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De qualquer forma, colocando-se em prática tais projetos, muitos prédios

deixariam de se incendiar, pois menos lampiões haveria para iniciar os acidentes, bem

como, caso acontecesse algum, os guardas, estrategicamente distribuídos, chegariam a

tempo de controlar o fogo.

Por volta de 1799, Mendes se lançou em mais um projeto, pretendia ele extinguir

o papel moeda. Levantou uma série de “arbítrios” para que seu objetivo se cumprisse;

destes, muitos foram utilizados para outros fins, mas com grandes resultados. Um dos

arbítrios pregava que se deveria fundir a prata supérflua das igrejas em moeda corrente.

Segundo o memorialista, as igrejas ficariam com um padrão de empréstimo público que

mais tarde poderia ser resgatado; tal empréstimo seria livre de taxações sucessivas; e,

portanto, os particulares teriam menos fundos “queimados”, como é comum acontecer

por conta das arrecadações públicas. Além do bem público imediato que este arbítrio

traria, no que se refere à política, evitaria que a prata fosse dilapidada sem “Economia

Publica”. Em outras palavras, Mendes sugere que a prata das igrejas era refundida de

uma forma ou outra, portanto, melhor que fosse de modo a beneficiar a sociedade, pois

da outra forma, o metal, aos poucos, desaparecia de Portugal, diluindo-se por toda a

Europa.

Para os momentos de crise, outra sugestão era que os particulares entregassem

seus bens em ouro e prata para a fundição em moeda, em seguida recebendo o

equivalente do que entregaram em metal refundido. No entanto, durante as crises, o

comum era que se pensasse nestas providências quando já era tarde, quando as

preocupações se resumiam a economizar os carvões para fogueira.

O acadêmico explica que não lhe cabe “dar Leý ao Mundo”. Afinal, enquanto

indivíduo, ocupa um espaço extremamente diminuto do corpo social e seu papel, da

mesma forma, também é pequeno. O que lhe compete é diminuir, conforme suas

possibilidades, os males que assolam a sociedade e descobrir maneiras duradoras de

melhorar a vida de seus compatriotas.

Um dos problemas observados pelo memorialista foi que Lisboa vinha

acolhendo uma população excessiva, pois um sem número de pessoas deixava as

províncias, vindo se instalar na capital. A ponto de Lisboa não agüentar mais o inchaço,

demonstrado pelos vários sintomas negativos correntes, como as ruas cheias, nas

palavras do autor, de vadios, malfeitores e mendigos. Disto decorria também que as

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províncias ficavam desguarnecidas de mão-de-obra, diminundo-se a produção. A

capital, por sua vez, sofria com a carestia de produtos, com o excesso de bocas para

alimentar e com o número de pessoas a abrigar. Enfim, em linguagem contemporânea,

Lisboa sofria dos males ocasionados pelo êxodo rural, e que, neste caso, acontecia,

aparentemente, sem que houvesse um excedente populacional relativo nas províncias. A

partir desta constatação, Mendes desenvolve sua teoria e explica porque as fábricas

devem ser construídas longe da capital. Argumenta que, com as indústrias construídas

nas províncias, não haveria êxodo rural e os produtos seriam mais baratos, pois estaria

eliminado o custo do transporte das matérias-primas, afinal estas eram produzidas nas

províncias também. Por fim, conclui sua memória refletindo sobre como economizar

combustível nas casa e nas indústrias.

Neste texto, o primeiro lido por Mendes depois da fuga da família real, o autor

age com mais liberdade e segurança. Faz várias relações com outros temas dos quais já

havia falado e procura mostrar como o problema do carvão combustível era

fundamental para a vida social portuguesa. Além disso, apresenta algumas idéias pouco

ortodoxas, como transformar a prataria das igrejas em moeda. São dois os motivos

principais pelos quais Mendes relaxa sua postura e ousa: primeiro porque ele já havia se

firmado de alguma forma no campo intelectual português, mesmo sem ter ainda

publicado sua obra principal, mas que, ao que tudo indica, já estava em preparação; e

segundo, a desorganização do governo em Portugal criava novas disposições para o

campo inelectual, pois este ainda era vinculado de maneira muito forte aos outros

campos, principalmente ao político, e, por isso, sofria quase que imediatamente as

consequências das ações políticas.

Relacionada ao transporte dos bens, Mendes redige uma memória sobre

construção de carros (hoje em dia carroças), mas não deixa a data. Mendes divide seu

texto em quatro partes para fazer sua exposição com brevidade. Na primeira parte,

demonstra os problemas dos carros daquela época. Na segunda, fala sobre o tipo de

madeira que deve ser usada na construção dos carros e sobre a proporção das rodas e

eixos. Na terceira, de como as cargas pesadas devem ser carregadas e transportadas. E

na última, a mais importante conforme o autor, ele explica como é possível parar os

carros em terrenos inclinados “Sem retroceSso, nem adiantam.to”, através de uma

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máquina simples acoplada às rodas. Ou seja, Mendes inventou uma espécie de freio

para os carros.

Através da análise das posturas de Mendes nos seus textos, especula-se que este

sobre os carros seja anterior à fuga da família real, pois segue a “receita” dos demais

textos. Mendes apenas apresenta seu projeto e as vantagens derivadas dele. Não faz,

como na memória sobre o carvão, digressões e especulações. Este é o trabalho mais

técnico do autor.

O único dos textos deste autor que apresentou problemas é a memória sobre a

plantação de pinheiros, pois está faltando uma das páginas, o que prejudica a leitura do

manuscrito. De qualquer forma, a memória é um apelo ao incentivo da plantação de

pinheiros, pois, conforme Mendes, não há o suficiente deste gênero em Portugal, o que

o obriga a importá-lo de outras nações. E como o pinheiro é um produto utilizado para

vários fins, como construção e produção de carvão, seria de grande economia investir na

sua produção, pois evitaria a dependência estrangeira e, para os momentos de carência,

haveria alguma reserva no país.

É um texto que complementa dois outros: a memória sobre o carvão e memória

sobre a agricultura (que será analisada no próximo capítulo). Diferentemente da “escada

de incêndio”, da tinta do pau-brasil, ou dos “freios” para carroças, os temas relacionados

a agricultura chamavam muito a atenção dos membros do campo intelectual português.

Por isso talvez, ou porque a quantidade de informação a respeito fosse maior, Mendes

argumenta com mais cuidado quando fala da agricultura. A preocupação se deslocava

de um simples atrapalho do dia-a-dia para questões de dependência de outros países,

problemas de importação e exportação, produção de manufaturas com a matéria-prima

discutida, etc. A justificativa é sempre a mesma: o progresso da nação.

Como se pode notar, Mendes está quase sempre preocupado com determinados

detalhes que poderiam ser deixados de lado como supérfluos. Mas este supérfluo são

aspectos da infra-estrutura organizacional da sociedade portuguesa que não estão

correspondendo suficientemente bem às demandas desta mesma sociedade. O que

Mendes sempre procura são problemas cotidianos não detectáveis a partir da

especulação ou de amplas generalizações, afinal são problemas específicos só

perceptíveis pela observação sistemática da realidade. O que ele tenta resolver são os

pequenos entraves que dificultam a continuidade do desenvolvimento português.

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E neste sentido, há alguma unidade em seus textos, pois todos são a explanação

da detecção de um problema aparentemente óbvio, mas que, até o momento, não havia

sido resolvido por conta de falta de reflexão ou teimosia. Portanto, uma atitude para

com o mundo inspirada fortemente pelo empirismo. O que leva a pensar novamente

com Novais e Crippa, que dizem ser característica dos intelectuais portugueses e luso-

brasileiros, eles estarem muito mais ligados à questões práticas do que a abstrações. É

quase como se eles estivessem preparando o terreno para, num futuro próximo, poderem

então se dedicar à filosofia stricto sensu; contudo, algumas questões eram mais urgentes

e precisavam ser resolvidas antes. Mendes é um tipo-ideal neste ambiente: nascido no

Brasil; filho da elite colonial; estudou em Coimbra; membro da Academia de Ciências

de Lisboa; e dedicou-se à ciência no intuito de colaborar com a pátria.

Dada a situação de Portugal no contexto internacional naquele momento, não

fazia muito sentido dedicar a atenção a algo que não dissesse respeito direta e

concretamente à realidade que estavam vivendo, pois estes intelectuais, como se denota

pelso seus textos, pareciam sentir uma determinada urgência de correr atrás do tempo

perdido. Era preciso primeiro construir a casa, para depois se poder morar nela.

CAPÍTULO III

Para este último capítulo foram reservados os dois maiores textos de Oliveira

Mendes. É sintomático que sejam a escravidão e a agricultura os temas tratados neles. A

economia do Império era movimentada fundamentalmente por estas duas atividades. No

ambiente intelectual, ambos os temas eram bastante frequentes. Os problemas da

agricultura discutidos pelos intelectuais diziam respeito às políticas do governo ou à

prática dos agricultores. A constante neste assunto era a afirmação da agricultura como

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atividade indispensável para Portugal e seus domínios. A escravidão, por sua vez, foi

um assunto que gerou polêmicas. Naquele momento, era inconcebível se abolir a

escravidão no Brasil, mas houve quem fizesse tal proposta. Os posicionamentos frente a

esta questão, portanto, foram diversos. Mendes assume uma postura intermediária, sabia

que não era possível para a colônia brasileira abrir mão do trabalho escravo, mas, ao

mesmo tempo, entendia como constrangedor o tratamento desumano a que os escravos

eram submetidos. Neste primeiro momento, será analisada com vagar o que Mendes diz

sobre a escravidão.

Oliveira Mendes defende que a escravidão é o assunto mais importante a que um

acadêmico pode se dedicar. Ponto de vista divergente do da maioria dos intelectuais

luso-brasileiros que elegiam a agricultura como tema fundamental. Para justificar sua

posição, Mendes argumenta que falar sobre a escravidão, em primeiro lugar, é uma

forma de defender os interesses e a vida dos escravos, a “porção mais desgraçada da

espécie humana”. Em segundo lugar, este assunto diz respeito aos senhores de escravos,

aqueles que se mantêm à custa do trabalho cativo. E, por fim, responde à interesses do

Estado,

que sabe, e pesa, que [os escravos] são tanto mais preciosos, quanto necessários para a estabilidade, e promoção da Agricultura, e das diferentes manufacturas nos Domínios do Ultramar; de cujos transportes continuados, fazendo sucessivamente girar o Comércio, e pôr em actividade a Navegação, se percebem avultadíssimos Direitos.41

Ao defender o tema da escravidão como primordial, Mendes vincula sua

justificativa à problemas de caráter econômico e fortemente relacionados à agricultura.

Quando fala sobre o interesse dos escravos, o autor chama a atenção para a

desumanidade com a qual os cativos são tratados; no entanto, em nenhum momento

condena a prática da escravidão em si. Mendes deixa manifesta que sua indignação é

com a violência. A escravidão, naquele momento, era necessária para o

desenvolvimento do Brasil e, consequentemente, de Portugal. Oliveira Mendes tinha

consciência desta condição e, portanto, propôs que tal atividade precisava sofrer uma

reformulação. Segundo o autor, a desumanidade e a violência do tráfico e do cativeiro

eram irracionais economicamente. Os maus tratos a que eram submetidos os escravos

diminuia muito a possibilidade de sobrevivência da maioria, e os que sobreviviam,

41 MENDES, L. A. de O. Memória a respeito dos escravos e tráfico da escravatura entre a costa d’África e o Brazil. Porto: Publicações Escorpião, 1977. p. 22

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apesar de serem muito fortes, tinham sua capacidade de trabalhar também reduzida.

Logo, caso os cativos fossem melhor tratados, as chances de sobrevivência seriam muito

maiores. Salvando-se estas vidas, maiores lucros teriam os traficantes que venderiam

mais escravos. Ao mesmo tempo, os senhores de escravos também sairiam ganhando,

pois comprariam homens e mulheres mais saudáveis e, portanto, com mais tempo e

melhor qualidade de trabalho a ser extraída. O Estado, por sua vez, primeiro arrecadaria

mais impostos das transações e, segundo, lucraria com os desenvolvimentos posteriores

da navegação, do comércio e da agricultura. Além disso, há a óbvia vantagem aos

próprios escravos que teriam sua vida melhorada. Este é o argumento central de

Mendes: tratar bem os escravos é igual a aumentar os lucros de todos os envolvidos.

A estratégia do autor é aproximar a racionalidade econômica ao humanitarismo.

Qualquer um destes elementos, se apresentados separadamente, não trariam um

resultado satisfatório às pretensões de Oliveira Mendes.42 Tratar o assunto apenas a

partir do enfoque econômico não seria novidade alguma. Ao passo que, sustentar seu

ponto de vista somente no sofrimento dos negros, não seria argumento suficiente para

modificar a prática. Amarrar os dois argumentos foi a solução encontrada. Contudo, na

apresentação dos seus objetivos, Oliveira Mendes assume a Medicina como o lugar

privilegiado de análise. O que o autor se propõe a fazer é

determinar com todos os seus sintomas as doenças agudas, e crônicas, que mais frequentemente acometem os Pretos recém-tirados da África (…) [e] indicar os métodos mais apropriados para evitá-lo, prevenindo-o, e curando-o.43

Todavia, ele não se resume a este ponto de vista; de acordo com os temas estabelecidos

nos capítulos, Mendes assume uma postura específica. Para explicar de que maneira o

autor se coloca durante o texto, primeiro será exposta a estrutura do livro.

Seu livro é dividido em seis capítulos. No primeiro, o autor discorre sobre as

condições naturais dos negros na África.44 Versa desde sobre o clima e a geografia até

aspectos da liberdade dos negros em seu continente, de seus costumes, das suas

produções e, também importante, das suas vestimentas. No segundo, através de uma

leitura jurídica, expõe os vários modos como os escravos são capturados e traficados. O

42 Não é possível determinar quais eram as pretensões exatas de Mendes, pois os elementos da trajetória deste indivíduo necessários para se chegar a tais conclusões não estão disponíveis nas fontes analisadas. Entretanto, algumas ponderações a respeito são possíveis. 43 MENDES, L. A. de O. op. cit. p. 21

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terceiro capítulo é sobre a “lastimosa situação dos Pretos escravos”. Divide a escravidão

em três “idades”: a primeira quando são capturados, levados ao porto e vendidos para

serem transportados ao Brasil; a segunda é o momento do transporte transatlântico e do

tempo que aguardam serem comprados por algum senhor no Brasil; a última é a vida

dos escravos no Brasil. O quarto fala a respeito das doenças agudas que acometem os

escravos por conta dos maus tratos que recebem ao longo de toda sua jornada. No

quinto, Mendes explica as doenças crônicas (algumas derivadas das agudas) que

também atacam os escravos, indicando de onde vêm as outras que não derivam das

agudas. No sexto e último capítulo, Mendes escreve sobre como evitar e curar doenças,

“tudo deduzido da experiência (doméstica e não da Clínica), das mais exactas

informações, e da presencial observação deste fatal estrago”.45

O primeiro capítulo começa com uma análise de vários elementos geográficos e

climáticos que conduzem à conclusão de que o “ar” da África é ruim e prejudicial à

saúde. Esta afirmação se baseia na comparação entre o clima africano com o de

Portugal, sendo o último elevado a condição de ideal. Neste momento, Mendes se

identifica como português, pois afirma ser o “nosso” dia de verão mais quente

equivalente a um dia de inverno rigoroso na África. Neste sentido, o autor justifica

cientificamente a mortantade elevada de portugueses na África.46 A explicação para que

os negros não morram tanto, é o fato de serem naturais do local e, portanto,

naturalmente adaptados àquelas condições. Prova disto é o fato de que os negros se

expõem a diversas intempéries (como dormir ao relento, por exemplo) que são fatais aos

europeus e praticamente não sofrem nenhuma enfermidade. Reforça esta concepção ao

falar da água que os africanos consomem. Diferencia água parada de água corrente,

explica que a primeira é ruim e a segunda boa. Os negros da África consomem água

parada.

Neste mesmo capítulo, depois de observar os condicionantes externos do

ambiente, Mendes analisa os costumes dos povos africanos. É claro seu ponto de vista

44 Na verdade, Mendes analisa a região de Angola, mas se refere a ela como África. 45 MENDES, L. A. de O. op. cit. p. 23 46 O prof. Magnus Pereira nota que, no final do século XVIII e início do XIX, era comum o governo português enviar representantes brasileiros do Estado à África, também porque era momento em que se ensaiava um compartilhamento governativo com os colonos brasileiros. Além disso, Pereira sugere que a Coroa percebera a baixa capacidade dos portugueses em se adaptar ao clima africano e a maior sobrevivência de brasileiros no mesmo ambiente e, por isso, adotara tal estratégia. PEREIRA, M. R. de

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eurocênctrico, pois toma os costumes europeus como os corretos; sua análise se

constitui em enfatizar as proximidades e as diferenças dos costumes africanos aos

europeus. Sobre os africanos, ele afirma,

Estes povos no seu clima natalício têm toda a liberdade no seu viver, e têm como uma regra inálterável, e sem limites tão somente a sua vontade. Não obstante esta franqueza do seu viver, têm certas leis, ainda que muito poucas, a que vivem sujeitos. Adoptam entre os seus costumes a Poligamia, e são severos em fazer guardar, e cumprir (para me explicar assim) no seio da sua incultura a fidelidade conjugal.47

A “liberdade no seu viver” dos africanos, tendo apenas como limite a própria

vontade, é uma concepção de liberdade que Oliveira Mendes supõe nos africanos. Esta

concepção individualista (afinal o limite da liberdade individual é dado pelo próprio

indivíduo) parece ser inspirada no liberalismo clássico.48 No entanto, Mendes não

defende esta liberdade como positiva, pois entende, como um bom advogado, que são

necessárias leis para se manter a ordem social. De qualquer forma, é preciso lembrar

que a liberdade para os africanos era algo mais próximo da liberdade grega do que deste

individualismo. Livre era o homem que pertencia a algum grupo. A não pertinência era

um dos caminhos que levava à escravidão.49

As poucas leis que existiam, portanto, eram importantes e revelavam algum grau

de civilização (e de Estado) da perspectiva adotada por Mendes. Contudo, um dos

costumes que pode ser visto como ordenador social – a poligamia – apresenta uma

contradição que Mendes retrata com ironia. Se os africanos são poligâmicos, como

podem respeitar a fidelidade conjugal? É um paradoxo. Neste ponto fica clara a

limitação do autor derivada de sua postura eurocêntrica. Ele associa fidelidade conjugal

à concepção de casamento cristão europeu, à monogamia. Portanto, julga a poligamia a

partir de uma perspectiva “monogâmica”. Como não existe fidelidade na poligamia

deste ponto de vista, Mendes classifica os africanos como incultos.

O caráter dos africanos, conforme Oliveira Mendes descreve, seria

extremamente passional. O oposto, uma postura contida e controlada, é o ideal

M. “Um jovem naturalista num ninho de cobras: a trajetória de João da Silva Feijó em Cabo verde, em finais do século XVIII”. In: História: Questões & Debates. Curitiba: Editora da UFPR, n. 36, 2002. 47 MENDES, L. A. de O. op. cit. p. 28 48 Para o liberalismo, o indivíduo é o único responsável pelos seus sucessos ou fracassos, portanto, totalmente livre para decidir os rumos de seu destino. É a mesma teoria que defende a não intervenção estatal nos assuntos econômicos das nações. Seu principal teórico é Adam Smith. Ver SMITH, A. A riqueza das nações. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1996. Coleção: Os Economistas 49 MEILLASSOUX, C. Antropologia da Escravidão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

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civilizado.50 Portanto, o fato de os negros se deixarem levar pelas paixões faz deles

bárbaros. No entanto, “ainda que vivendo no centro da barbaridade, e do gentilismo, [os

africanos são] por gênio resolutos, dóceis, sizudos, e de boa fé”.51 Mendes entende que

todos, independente se negros ou brancos, são seres humanos e que estes são bons por

natureza. Todavia, há diferenças de hierarquia entre os dois grupos dadas

principalmente pelo estado de civilização em que se encontram. Ele não chega a adotar

a idéia rousseauniana do bom selvagem – mesmo porque isto siginificaria uma crítica à

organização dos Estados europeus, a qual ele defende – entretanto, aposta nesta bondade

natural como um facilitador das mudanças propostas no tratamento destinado aos

escravos.

Apesar de conceber os brancos como mais altos na hierarquia racial, Mendes

elogia as qualidades físicas dos negros. “São os Pretos da África sadios, fortes, robustos,

e de uma boa compleição, e natureza no seu tanto”.52 O que o convence disto são as

cicatrizes que os negros têm nos seus rostos. Segundo ele, estas são muito profundas,

mas não ameaçam a vida dos portadores por causa de sua saúde privilegiada. As

cicatrizes são também enfeites, mas não só, indicam o reino, o Presídio,53 e o lugar de

nascimento dos negros. Além disso, os africanos escravizados recebem do Sertanejo que

os captura sua marca particular, útil no reconhecimento caso haja fugas. Nos portos,

recebem no peito a marca das “Armas do Rei, e da Nação”. Esta marca é chamada

Carimbo. Por último, são marcados pelo senhor que os compra, mais uma vez com fogo.

“Sem que nestes lances a natureza ceda a tais martírios”.54

A incrível capacidade dos africanos de sobreviver às constantes agressões ao

corpo remete necessariamente a sua competência como trabalhadores braçais, pois a dor

das marcas e cicatrizes seria muito maior do que a causada pelo trabalho escravo no

Brasil. Mesmo sem querer, ao sugerir isto, Mendes argumenta a favor dos castigos

corporais aos escravos, pois, visto o que aguentaram durante sua trajetória para chegar

ao Brasil, a violência com que os senhores tratavam seus cativos seria menor em

50 Norbert Elias identifica como processo civilizador a contenção progressiva das paixões e a adoção de etiquetas por parte dos povos europeus. Parte deste fenômeno foi a missão civilizatória que os europeus assumiram de levar estes costumes a outros povos do mundo. Mendes, como será desenvolvido melhor mais tarde, defende esta missão neste seu trabalho. Ver ELIAS, N. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. 51 MENDES, L. A. de O. op. cit. p. 28 52 Idem, Ibidem. p. 28 53 Os presídios eram fortificações portuguesas normalmente avançadas dentro do território africano.

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comparação à toda a violência anterior. Contudo, é preciso frisar que Mendes não

vincula expressamente a resistência à dor ao trabalho braçal, apenas elogia o vigor dos

africanos. O silêncio, todavia, não desfaz a impressão. Além do mais, na seqüência

imediata deste trecho, o autor fala a respeito dos trabalhos aos quais se dedicam os

negros na África. Depois do elogio, vem a crítica.

“Estes povos pela maior parte vivem na inércia”.55 Segundo Mendes, os

africanos se ocupavam apenas de duas atividades: agricultura e caça. Ele faz questão de

afirmar a agricultura como a atividade mais importante. Descreve quais eram as

principais culturas, mas não parece dar importância econômica a esta informação –

como supor os potenciais agrícolas locais a serem explorados pelos portugueses, por

exemplo – somente explica, para um leitor que supostamente não conhece, quais eram

os gêneros consumidos pelos africanos e a maneira particular de cultivá-los. A caça

seria secundária, praticada apenas quando não havia mais carne e apenas para suprir as

necessidades imediatas. Ademais, cita o trato com marfim e cera como uma atividade

terciária, dois produtos trocados com os sertanejos por tecidos principalmente.

Entretanto, subestima este comércio, pois se detém pouco nele e não o inclui entre as

atividades principais dos africanos.

A crítica de Oliveira Mendes é sobre a suposta inércia dos negros. Como estes

não agiam conforme a lógica econômica européia (grosso modo, uma lógica voltada

para o lucro e à acumulação), Mendes considerava-os inertes. Era a diferença de

perspectiva sobre o trabalho que provocava a crítica de Mendes. Não era importante

para as sociedades próximas a região de Angola, naquele momento, acumular bens

materiais. A lógica econômica local pregava que se fizesse a extração, a partir da caça e

da agricultura, apenas do necessário para a subsistência. O contato com os europeus, no

entanto, já havia começado a mudar a postura dos nativos da África. De qualquer forma,

ainda era relativamente pequena a influência européia no que diz respeito a mentalidade

econômica dos africanos. O mesmo não pode ser dito das atividades econômicas, pois

as atividades européias, especialmente o tráfico de escravos, modificaram bastante os

sistemas de trocas dentro daquele continente.

Devido a importância atribuída à agricultura em Portugal especialmente, mas em

toda Europa também, Mendes se detém mais pormenorizadamente sobre o assunto. A

54 MENDES, L. A. de O. op. cit. p. 29

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maneira como os africanos praticam esta atividade indigna Oliveira Mendes, daí o autor

atribuir adjetivos negativos aos negros. “São tão inertes, e tão pouco industriosos”,56

que, mesmo toda a família tendo trabalhado na lavra da terra, apenas três a semeiam;

um fura a terra com um pau, outro joga a semente e o terceiro fecha o buraco… Ou

ainda, no preparo dos alimentos: “no centro da sua rusticidade”,57 os africanos usam

poucas ervas para tempero das carnes, alguns, inclusive, comem-as cruas. No mais,

repara nas deficientes irrigição e fertilização dos campos que acontecem apenas por

escassos fenômenos naturais.

A percepção negativa que Mendes tem das práticas de subsistência dos africanos

se deve ao fato de ele estar impregnado pela lógica econômica européia. Durante o

século XVIII especialmente, a maior parte dos europeus absorveu um determinado

ponto de vista econômico e o tomou por universal, por isso a dificuldade de se entender

lógicas alheias. Este ponto de vista tem como principal teórico e representante Adam

Smith.58 No entanto, não é o liberalismo clássico que caracteriza esta perspectiva, mas

sim a mentalidade voltada para o lucro e para a acumulação.

Em seguida, Mendes descreve as habitações dos negros e a forma de construí-

las. As casas dos africanos eram cobertas de palha brava ou folhas do coqueiro. As

paredes eram de taipa. Parecidas com as habitações dos negros no Brasil. A construção

das casas não dava muito trabalho, aos poucos os negros acumulavam o material

necessário e, em mutirão, construíam as casas. Por dentro, a principal característica das

casas era uma cozinha central onde os moradores se aqueciam durante a noite com um

fogueira. Em suma, habitações rústicas condizentes à barbárie local.

Talvez por conta da facilidade com que os negros constróem e mantém suas

estruturas materiais básicas, eles estejam sempre estão em festa, não importa onde. Uma

crítica comum em Portugal aos africanos era contra as constantes festas a que se

entregavam. Na Europa, a valorização do trabalho como atividade enobrecedora, que

ficará mais forte sobretudo no século XIX, já aparecia neste momento. No entanto, neste

caso, o trabalho não é tanto uma atividade nobre, mas se opõe à “inércia” e, por isso, é

valorizado.

55 Idem, Ibidem. p. 29 56 Idem, Ibidem. p. 30 57 Idem, Ibidem. p. 32 58 FONTANA, J. História: análise do passado e projeto social. Bauru: Edusc, 1998. Ver especialmente o Capítulo 4 - Capitalismo e História: A escola escocesa.

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Mendes ainda descreve o preparo dos alimentos. Preocupa-se em comparar as

práticas alimentares da África com as do Brasil. Percebe que a cachaça brasileira é a

bebida preferida na África, mas não sabe explicar o porquê. Esta preferência, em poucas

palavras, era derivada da importância simbólica que a cachaça ocupava dentro do

sistema de trocas da região. A cachaça era um bem de prestígio, trazia reconhecimento e

poder a quem dominasse o comércio do produto.59

O último ponto abordado pelo autor neste primeiro capítulo é o vestuário. Os

negros, segundo ele, andavam quase nus. As poucas vestimentas que usavam eram de

tecidos importados e rústicos. Além de cobrir o corpo, as roupas serviam de lençóis para

a proteção noturna. Os tecidos eram um dos produtos mais importantes nas trocas entre

os africanos. Os tecidos europeus ocupavam, como a cachaça, uma posição de destaque

entre os bens de prestígio. No entanto, a maior parte dos panos vinha do interior da

própria África, produtos de outros povos trocados por bens locais.

No segundo capítulo, Mendes explica os seis modos possíveis de um indivíduo

se tornar escravo na África. Utiliza o Direito como ponto de vista privilegiado na

análise da questão. Dos seis modos, quatro são derivados de alguma forma de lei, os

dois últimos acontecem pela força. Enfatiza que, apesar de haver poucas leis (quase

nenhuma), as que existem de fato se fazem cumprir.

O primeiro crime é o adultério, o “misturar-se com a mulher, que está adscrita

por outro”.60 Lei prevista também no Direito Romano. O castigo do réu é definido por

um juiz (sova). Este juiz é uma escolha dos africanos entre si, um para cada presídio.

Além dos sovas, há nos presídios os Capitãe-mores que ajudam nos julgamentos. Estes

são investidos do cargo pelos Governadores e possuem soldados a seu serviço. A pena

máxima é a escravidão. Caso o réu seja posto nesta condição, o ofendido passa a ser o

senhor do réu e tem direito de vendê-lo.

Mesmo assim, há uma forma de se “recorrer” da sentença. O condenado pode

nomear outros “subordinados” seus para cumprir a pena em seu lugar (mulheres, filhos,

sobrinhos). Outra fórmula prevista no Direito Romano. As mulheres condenados,

contudo, não podem ser substituídas, pois se entende que elas não têm quem nomear.

59 MEILLASSOUX, C. Op. cit. 60 MENDES, L. A. de O. Op. cit. p. 39

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“Eis aqui sustentado outro costume dos Romanos, e deles transferido a nós

(portugueses), que as mulheres são princípio, e fim de família”.61

Quando há substitução, é comum serem vários indivíduos nomeados, mais ou

menos conforme a gravidade do crime. Depois há a partilha dos cativos entre os

ofendidos (credores) e os sovas que podem, então, vedê-los como quiserem. O roubo de

frutos de terras alheias é punido da mesma forma. “Eis aqui em um país inculto postos

em prática os capítulos da Lei Aquilia, que eles desconhecem inteiramente.”62 A última

forma legítima de se fazer escravos é através da guerra. Os vencedores trocam o direito

de morte sobre os vencidos pelo cativeiro. Direitos de guerra.

O quinto modo é através da força. Engana-se o indivíduo-alvo e se o prende.

Depois ele é vendido aos Sertanejos nas Feiras. No entanto, isto é visto como um crime,

por isso, caso se prove que alguém cometeu tal ato, este é condenado à escravidão. É a

famosa Lei de Talião. O último modo é um castigo que os pais de família impõem aos

seus filhos, mulheres ou outros. Às vezes por necessidade, às vezes como castigo. Pátrio

Poder e Direito Marital, Jurisprudência Romana.

O Direito era o curso mais procurado da Universidade de Coimbra. A grande

maoiria dos intelectuais portugueses e luso-brasileiros formou-se em Leis. Portanto, era

preciso demonstrar conhecimento nesta área, afinal a maior parte dos leitores saberia

identificar as qualidades intelectuais do autor justo neste pormenor. Por isso, esta é a

parte do texto onde mais aparecem citações. As referências são principalmente autores

da Roma Antiga. As citações servem como sustentação da comparação entre a cultura

européia e a africana.

O terceiro capítulo é subdividido em três partes. São as chamadas idades da

escravidão, cada uma analisada separadamente. A primeira idade é aquela na qual se

inicia o cativeiro e que termina quando os negros são revendidos nos portos para serem

levados ao Brasil ou a outro lugar. Mendes começa o capítulo com a condenação dos

maus tratos aos escravos e com a defesa dos negros.

Reduzido o homem Preto livre à escravidão na África, (…) é o indivíduo da espécie humana o mais infeliz, que se pode considerar. Em aquele instante, em que perdeu a liberdade, perdeu também tudo quanto lhe era bom, e aprazível.63

61 Idem, Ibidem. p. 40 62 Idem, Ibidem. p. 41 63 Idem, Ibidem. p. 43

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O argumento é inteiramente moral. Aqui o autor não utiliza nenhuma

racionalidade econômica, por exemplo, para justificar que os escravos não podem ser

mau tratados. No entanto, também não é contra a escravidão; lamenta a situação, mas

seu objetivo não é eliminá-la, apenas quer torná-la mais “humana”.

Os escravos, independentemente da forma como chegaram a esta condição,

eram, em geral, trocados por outras mercadorias (tecidos, tabaco, cachaça, armas, etc.)

com os Sertanejos. Da prisão em que se encontravam, os escravos passavam às

correntes. Mendes faz questão de descrever com detalhes todo o processo de

aprisionamento. De tal forma que seu trabalho científico ganha ares dramáticos. O autor

insiste na crueldade do tratamento. É uma forma de sensibilizar o leitor para a prática

que ele, Mendes, repugna.

Criado o clima de revolta no texto. O leitor é chamado à racionalidade. Depois

de desenvolver argumentos emocionais, Mendes parte à argumentação econômica.

Demonstra como esta forma de cuidar dos escravos traz prejuízos a todos os envolvidos

no tráfico. A única função que existiria em mau-tratar os negros seria a de aterorizar os

cativos. A idéia de Mendes é aproximar a postura civilizada da racionalidade

econômica, como se a missão civilizacional dos europeus estivesse necessariamente

ligada ao progresso econômico das nações. Neste caso, os países mais civilizados

seriam também aqueles que mais poder detinham sobre o mundo.

É bom lembrar que Portugal era vista como uma nação decadente pelos

membros dos seus campos eruditos. Sendo assim, a argumentação de Mendes é coerente

com a pretensão de elevar Portugal novamente a condição de potência mundial. Pois

agir civilizadamente era um dos requisitos para tornar Portugal uma nação poderosa.

A segunda idade da escravidão correspondia à viagem entre a África e o destino

final do escravo. O tratamento desumano continuava. Mendes frisa que os escravos

eram mal alimentados, viviam sem condições de higiene, sujeitos a várias doenças e

submetidos a contínuos castigos físicos. Nesta parte, a descrição feita pelo autor diz

respeito ao acondicionamento dos escravos nos portos e nos navios. A situação é

lamentável. Mendes se pergunta como podem os capitães dos navios não perceberem

que é irracional encher os navios de cativos tal como fazem, o desperdício é imenso.

Novamente, ele insiste na argumentação emocional, mas insere um ou outro argumento

econômico na sua exposição.

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A última idade começa no desembarque e termina junto com a vida do cativo.

Mendes foca o Brasil como lugar privilegiado para a descrição desta etapa.

Há portanto pois anualmente um sem número de escravos transportados de toda a Costa da África ao Brasil; parece que refolgando a humanidade oprimida, seria um dia de triunfo, de glória, e de prazer para a mesma humanidade, que escapando, a tantos perigos, entrava no Cristianismo, no centro, e na unidade da Igreja: porém assim não sucede, porque não sei se diga, que o remanecente de seus dias é mais desgraçado.64 O que Mendes faz aqui é rebater uma das justificativas mais comuns à

escravidão. Segundo muitos, a escravidão era uma forma de trazer os negros para a fé

católica e, desta forma, civilizá-los. Contudo, de acordo com Mendes, isso não

acontecia, pois os escravos eram apenas destinados ao trabalho sem que houvesse

nenhuma preocupação com a sua formação. Mais um motivo para encarar a escravidão

com maus olhos, pois, tal como estava sendo praticada, ela ia de encontro aos princípios

civilizacionais propostos para o desenvolvimento português.

Na sua argumentação, Mendes joga com as possíveis interpretações da realidade

que teriam os escravos. Afirmando, por exemplo, que eles, ao chegarem no Brasil,

esperavam ser bem tratados e ter de tudo o que fosse necessário. Mas isto também não

acontecia. O problema principal era que os senhores de escravo queriam gastar pouco e

não percebiam que, com um mínimo investimento inicial, lucrariam muitas vezes mais

com o mesmo escravo.

Por conta de toda a trajetória traumática a que os escravos eram submetidos, eles

se tornavam criminosos. O sentido legítimo da escravidão, defendido no discurso pelo

menos, portanto, era invertido: ao invés de se civilizar os povos bárbaros, a escravidão

acabava tornando-os mais perversos do que eram em estado natural. Neste sentido, a

proposta do autor é recuperar a função original da escravidão e, para isso, sugere a

mudança no tratamento destinado aos escravos.

Na seqüência, Mendes faz a análise das doenças que geralmente acometem os

negros depois da captura e durante seus transportes. O autor divide as doenças em

agudas e crônicas. As agudas são um pouco mais leves, Mendes classifica nove destas.

As crônicas, são doenças mais complicadas. A primeira delas é a mais interessante,

banzo é o nome africano para a moléstia.

64 Idem, Ibidem. p. 50

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39O banzo é um ressentimento entranhado por qualquer princípio, como por exemplo; a saudade dos seus, e da sua pátria; o amor devido a alguém; a ingratidão, e aleivozia, que outro lhe fizera; a cogitação profunda sobre a perda da liberdade; a meditação continuada da aspereza, com que os tratem; o mesmo mau trato, que suportam; e tudo aquilo, que pode melancolizar. É uma paixão da alma, a que se entregam, que só é extinta com a morte: por isso disse, que os Pretos Africanos eram extremosos, fiéis, resolutos, constantíssimos, e susceptíveis no último extremo do amor, e do ódio.65

Muito provavelmente, o banzo era o que hoje conhecemos por depressão. Esta é

a única doença que Mendes não tem um tratamento a receitar. Há ainda mais sete

doenças crônicas. Depois de apresentá-las todas, Mendes descreve um método para se

curarem ou evitarem as doenças.

É um tanto quanto arriscado para o autor caminhar pelo terreno da Medicina.

Consciente disto, Mendes afirma a necessidade de que médicos tivessem feito as

observações. No entanto, ele se considera suficientemente preparado para discorrer

sobre a saúde dos escravos. É bom lembrar que Mendes cursou como voluntário

algumas matérias de Medicina quando estudou na Universidade de Coimbra. Mesmo

assim, Mendes é enfático ao frisar que todas as suas conclusões são deduzidas “das mais

exactas informações, sizuda, e fiel experiência”.66

O capítulo em que Mendes descreve seu método é o mais importante, segundo o

próprio autor. É o capítulo “em que se compreende o fim, a que nos destinamos”.67 A

primeira sugestão de Mendes (e que ele tem como regra) é que, desde o momento da

captura, abrande-se o sofrimento dos escravos. Estes, por serem “bárbaros passionais”,

imediatamente depois de serem capturados são acometidos pelo banzo. Por isso, seria

bem melhor para a saúde dos cativos um tratamento não violento contra eles.

A segunda regra, é que, em cada grupo de cativos, houvesse pelo menos um

curandeiro, pois este indivíduo conheceria as doenças da terra, bem como teria

condições de tratá-las com os recursos dados pela mesma terra. Além de que o preço

pago por um curandeiro era bem menor do que o pago por outros tipos de escravos.

Neste momento, Mendes reconhece a medicina africana, se não como legítima, ao

menos como funcional.

Sugere ainda que as marchas deveriam ser mais lentas, com tempo suficiente

para que os escravos descansassem. As refeições deveriam ser fartas ou, ao menos,

65 Idem, Ibidem. p. 61 66 Idem, Ibidem. p. 67 67 Idem, Ibidem. p. 67

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suprir o necessário e a água deveria ser abundante. Segundo Mendes, o tráfico, tal como

estava sendo praticado, fazia exatamente o contrário, por isso havia um grande número

de escravos mortos.

Os negros precisariam de tecidos para se cobrirem, principalmente durante as

noites. De acordo com o autor, o gasto com tecidos precisaria ser somado ao custo do

escravo. Contudo, a diferença de preoços seria praticamente irrelevante, visto que o

escravo minimamente protegido das intempéries do clima seria mais valorizado.

A última regra para melhorar a jornada em direção ao porto era que os

Sertanejos levassem caçadores consigo, pois estes poderiam fornecer carne fresca para a

escravatura durante todo o percurso. Isto seria uma grande economia, pois diminuiria a

quantidade de comida a ser levada e, como os escravos não comeriam carne salgada,

evitaria o gasto excessivo de água, pois sem o sal da carne, os cativos teriam menos

sede.

Quanto à estadia nos portos, Mendes observa, em primeiro lugar, que não existe

um motivo prático para se tratar mal os escravos. O motivo desta constatação é que

havia bens em abundância em todos os portos e, por isso, não seria desperdício

alimentar bem os cativos (como pederia ser na viajem do interior para o litoral por

exemplo). Mendes cita neste momento um tal de Raimundo Jalama, o homem que

parece ter fornecido grande parte das informações (senão todas) que o autor utiliza para

produzir sua memória. De qualquer forma, os problemas continuam os mesmos, bem

como a argumentação. A causa da mortandade é a falta de mínimos cuidados para com

os escravos, e a morte dos escravos é economicamente prejudicial a Portugal. Segundo

seus cálculos, o prejuízo gira em torno de 20%.

Sobre as viagens da África para o Brasil, Mendes diz que o primeiro erro dos

traficantes é entulhar os escravos nos navios. O número de mortos nos navios era muito

grande principalmente porque não havia suprimentos para todos. O espaço para os

suprimentos era ocupado por mais escravos. Derivado deste problema, havia a péssima

condição em que o escravo chegava a seu destino. Ainda, caso fosse possível, seria

necessário construir navios especiais para o tráfico, com melhores condições de

acondicionamento dos cativos.

Novamente, Mendes critica a lógica aparentemente econômica que se aplica no

transporte dos escravos. Segundo este lógica, o correto é levar o maior número possível

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de escravos e com as condições mais precárias, pois isto significaria uma diminuição

nos gastos. Mendes defende que, caso se humanizasse o tratamento dos escravos em

todos os aspectos possíveis, com certeza os lucros seriam maiores.

No Brasil, “todo este tropel de desgraças contra os infelizes escravos; se a tudo

isto eles resistem, e saltam em os países Americanos, os que ali aportam, vem a ser mais

um resto de escravatura, do que homens”.68 Neste sentido, seria preciso que todos

fossem muito bem recebidos, para que pudessem recuperar as forças. Todavia, não era

isto o que acontecia. Os tratamentos desumanos continuavam.

Por isto neste lugar, assim como em todos os outros, tiro por infalível conclusão, que a mortandade, e estrago dos Pretos escravos, quando chegam a aportar à América, de nenhuma outra coisa provém, senão do antecipado mau trato, que é sucedido por outro igual na América, estando eles já debilitados; ao que também se ajunta a variedade do clima, as muitas virações, que o faz mais fresco, e a falta que os atenua do alimento, e do vestuário.69

Mendes defende seu ponto de vista argumentando que alguns homens de poucas

posses compravam os escravos muito doentes, cuidavam dos mesmos e depois os

revendiam, conseguindo consideráveis lucros com a transação. É uma forma de provar

suas idéias, pois, de qualquer maneira, as chances de que, em se adotando a proposta do

autor, os traficantes teriam mais lucros era apenas especulativa. Ou seja, apesar de

Mendes expor suas conclusões como derivadas da “experiência sizuda e fiel”, em última

instância, ele não tinha como provar com fatos e dados concretos as suas afirmações.

Depois de descrever o tratamento destinado aos escravos e as doenças que daí

decorriam, Mendes versa sobre como prevenir e remediar os males causados pelos maus

tratos. A prevenção consistia, basicamente, em fornecer uma boa alimentação, água e

roupas para os escravos. Manter os escravos em ambientes frescos também ajudaria. E,

o óbvio, evitar os maus tratos e a viloência contra os cativos.

As doenças depois de instaladas precisavam ser tratadas. Um dos problemas

freqüentes era o abandono dos cativos enfermos; causa de um grande número de mortes.

Para cada uma das doenças, Mendes propõe um tratamento. Em todas as sugestões de

tratamentos, o autor busca fazer um misto da Medicina européia com as práticas

africanas. O principal objetivo de Mendes era que os escravos fossem curados das

68 Idem, Ibidem. p. 77 69 Idem, Ibidem. p. 77

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moléstias com o menor gasto possível. Por isso, há uma série de propostas simples

(como banhos freqüentes, por exemplo) que ajudariam no processo de cura.

Mendes conclui sua Memória com duas reflexões. A primeira,é que as doenças

dos escravos, provavelmente se originavam não das mudanças climáticas e geográficas,

mas sim dos sofrimentos pelos quais os escravos passavam durante todas as suas três

idades. A segunda, nas próprias palavras do autor,

que havendo uma rigorosa necessidade da mesma escravatura para a promoção das nossas Fábricas, e estabelecimentos no Brasil, donde nos vem copiosos, e abundantíssimo géneros, e nos quais a Real Coroa percebe os seus justos, e devidos Direitos, a Humanidade, e os interesses da mesma Real Coroa exigem que se resista a estes absurdos.70

A escravidão era necessária ao Sistema Colonial e, necessária especialmente, ao

Brasil que, mesmo depois da Independência, continuou a manter os escravos como a

principal força de trabalho no país. Mendes sabia disto, por isso, em nenhum momento,

cita a possibilidade de se libertarem os escravos. Mas, ao mesmo tempo, entendia que a

situação não poderia continuar da forma como estava. Primeiro porque era irracional

economicamente segundo seu ponto de vista, afinal muito se deixava de lucrar com a

grande mortandade dos escravos. E segundo, porque o tratamento desumano destinado

aos escravos não correspondia às pretensões de Portugal a se tornar novamente uma

grande potência.

Os escravos eram a principal força de trabalho da economia colonial. A

agricultura, por sua vez, era a principal atividade econômica. Mendes fez uma longa

Memória sobre este último assunto também, a que será analisada em seguida. A

Memória sobre a agricultura em Portugal não possui data. Dos manuscritos é, de longe,

o mais extenso, na verdade só se compara em tamanho com a Memória anterior sobre os

escravos. A Introdução redigida por Mendes esboça os princípios sobre os quais será

desenvolvido o texto. Primeiro, que são precisos inventos, planos e indústria para que se

consiga economizar a terra ao mesmo tempo em que se conseguem mais frutos.

Segundo, que é necessário, se se diminuir o trabalho, que ele produza tantos frutos

como antes ou, quando se aumentar ou se mantiver o mesmo esforço sobre a terra, que

cada vez mais frutos sejam produzidos. E terceiro, que se preste um pouco mais de

atenção àquilo que é tido por supérfluo e, às vezes, é muito útil.

70 Idem, Ibidem. p. 89

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A primeira constatação do memorialista é que, em Portugal, há muitos terrenos

ruins e há outros muitos mal aproveitados. Por isso, há uma grande área que poderia ser

utilizada para a agricultura, mas permanece ociosa. Pois, o fato dos terrenos serem ruins

não impede que o bom agricultor os transforme em área fértil. Então Mendes faz uma

breve explicação de como se deve proceder com cada um dos tipos de terrenos para se

conseguir um bom lugar para plantar.

Uma das ações fundamentais do agricultor para preparar o terreno é a produção

de ‘estrumo’ para fertilizar a terra. Mendes dá, portanto, uma explicação pormenorizada

de como se deve preparar o adubo, bem como conservá-lo e aplicá-lo sobre os terrenos.

Inclusive, há uma explicação sobre o que fazer se o terreno não se tornar fértil de

nenhum modo, que é colocando uma grande quantidade de terra fértil sobre a área até

cobrí-la por completo.

Para se promover a agricultura portuguesa, Mendes sugere que se importe os

arbustos dos mangues brasileiros. O autor quase chega a afirmar que se se plantasse os

tais arbustos em Portugal, seria possível aumentar o território do país, pois estas plantas

criam os mangues e afastam o mar. Mas não chega a tanto, diz apenas que se

conseguiria terrenos mais férteis conforme se utilizasse o lodo onde os arbustros

crescem. Pois sua preocupação era com a manutenção da fertilidade dos campos.

Por conta da desatenção, as plantações portuguesas de trigo e outros grãos não

supriam as necessidades do país. A situação era pior nos anos em que a safra não era

boa por conta de intempéries. O que trazia a necessidade de se importar grãos das

nações estrangeiras, sendo que isso não seria necessário caso se observassem poucos

princípios que alavancariam a agricultura do estado de decadência em que se encontra.

Plantar estes gêneros em algumas das colônias seria um dos primeiros passos, pois traria

resultados a curto prazo, enquanto a agricultura em Portugal iria entrando nos eixos.

No entanto, não bastava que se tivesse terra, agricultores e disposição para o

trabalho. Fazia-se mister que a Coroa incentivasse a agricultura através de isenções ou

de relaxamentos nas taxas, pois, os impostos, tal como estavam organizados, eram

injustos aos agricultores, muito mais taxados que quaisquer outros profissionais.

No final desta memória, o autor volta a falar dos carros. Os argumentos são

próximos aos utilizados no texto específico do tema: os carros atuais são ruins e são

necessários novos, construídos com mais ciência para facilitar os transportes. O

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fundamental, de qualquer forma, era se abandonar os carros de duas rodas e somente

utilizar, pelo menos no transporte de bens da terra, carros de quatro rodas.

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45

CONCLUSÃO

O campo intelectual português no final do Antigo Sistema Colonial era marcado

por algumas disposições bastante claras. A primeira delas era a preferência declarada

por trabalhos voltados para fins práticos. Derivada desta preferência, havia uma certa

desconfiança, às vezes hostil inclusive, contra textos sobre questões teóricas. Esta

característica estava vinculada ao sentimento de urgência presente também no campo

intelectual português. A urgência era em reabilitar Portugal em relação às grandes

potências européias; pois, nos séculos anteriores, Portugal perdera a importância que a

caracterizara no início dos tempos modernos.

Foram tomadas uma série de providências para diminuir o atraso português.

Providências que se constituíram, principalmente, em reformas. O Marquês de Pombal

foi quem iniciou o processo destas reformas que, mais tarde, continuaram no período

mariano. As linhas gerais do campo intelectual português devem muito de suas

características a esta política, pois este campo ainda não possuia autonomia suficiente,

de modo que sofria de imediato as conseqüências das ações do campo político, em

primeiro lugar, mas também do econômico ou outros.

Um dos sintomas desta dependência é a organização e administração da

Universidade de Coimbra, a única do reino. Esta instituição era o local de "treinamento"

da elite reinol e colonial no sentido de prepará-las para assumir cargos administrativos

nos domínios portugueses. Formava homens a partir de uma ideologia homogênea e

buscava minimizar (ou mesmo eliminar) as diferenças regionais entre os alunos: uma

maneira de criar um sentimento de pertencimento a uma unidade composta por Portugal

e todos os seus domínios.

Quando ficou claro que o Brasil era o quinhão mais rico e importante do império

português, a Coroa adotou uma política de atração da elite colonial brasileira e buscou

alçá-la a condição de co-gestora do império. Por isso, formou-se em Coimbra um grupo

particular de estudantes, os luso-brasileiros. Estes homens podem ser agrupados porque

possuem características comuns e que os diferenciam dos demais. Primeiro, as mais

óbvias: eram jovens longe de sua terra natal (o que já propiciava uma identificação) e,

portanto, mais facilmente doutrináveis no que diz respeito a criar o sentimento de

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46 unidade do império. Segundo, foram os luso-brasileiros aqueles que mais investiram

na observação científica e na produção de trabalhos voltados à prática. No entanto, este

não foi um movimento isolado, acompanhava o espírito da ilustração européia que

buscava conhecer o mundo através da ciência para poder extrair o máximo de vantagens

dele.

Oliveira Mendes foi um dos luso-brasileiros em meio a este ambiente. Através

de sua obra, é possível perceber algumas de suas estratégias para obter reconhecimento

no campo intelectual em que atuava. Além dos critérios de cientificidade, há alguns

outros elementos que precisam ser levados em conta quando se procura identificar as

características que colaboravam para a determinação da posição do indivíduo no campo

intelectual. Mendes defende certos valores e deixa transparecer algumas características

importantes para que se consiga este tipo de definição. Destas características, algumas

são propositais, mas outras não.

Por exemplo, a família. Mendes defende a família. Para o autor, a família era

uma espécie de unidade fundamental da sociedade e, por isso, cada indivíduo precisava

cumprir o seu papel familiar da melhor maneira possível. Ele estava consciente desta

defesa, ao ponto de descrever o Duque de Lafões – um homem solteiro – como uma

espécie de pai para os membros da Academia de Ciências de Lisboa. Ser um "homem

de família" era uma obrigação moral e, ao mesmo tempo, uma forma – no entendimento

de Mendes – de garantir posições no campo intelectual português. Por isso, também,

Mendes procurava vincular a imagem de um bom pai ou um bom marido à sua própria

pessoa. Talvez a sua insistência neste sentido tenha sido importante para a posterior

promoção de seu filho à cargos diplomáticos.71

A defesa dos valores familiares estava muito próxima da defesa dos valores

cristãos. Uma boa família, bem como uma boa postura em relação a esta passavam

necessariamente pela moral católica. O comportamento digno era o do bom cristão.

Mendes procura deixar clara a sua posição de fiel católico. Mas Mendes é contraditório,

pelo menos no discurso, ao adotar, ao mesmo tempo, os dogmas da Igreja Católica e a

Ciência como Verdade. No entanto, esta postura não era incomum. Uma forma de

agradar a gregos e troianos.

71 Ver: SILVA, I. F.; ARANHA, B. Diccionario Bibliographico Portuguez. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001. (versão digital).

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47 Quando sua argumentação apela para os sentimentos do leitor, Mendes assume

o ponto de vista do religioso. Por outro lado, a argumentação racional é defendida a

partir da Ciência. Por isso, pode-se especular que este balançar entre perspectivas fosse

algo até necessário para não desagradar a Igreja principalmente, visto que esta

instituição tinha muito poder em Portugal naquele momento (mesmo que não fosse o

que tinha sido há alguns anos antes). De qualquer forma, a racionalidade derivada do

empirismo era um dos critérios de cientificidade observados no campo intelectual

português.

Fundamental, no entanto, parece ser a defesa da nação. Independente do lugar de

onde tenha vindo o indivíduo, é inquestionável a necessidade de se pensar em benefício

de Portugal e seus domínios. Talvez esta seja a "norma de conduta" mais importante dos

intelectuais no ambiente ilustrado português. Não conheço nenhuma notícia de alguém

que tenha ousado transgredir esta regra.

Mendes entendia que o indivíduo existia em função do grupo. Contudo, o grupo

se restringia à nação. Por isso, cabia a ele se esforçar, na medida do possível, para que

os interesses da sociedade fossem observados. Em termos práticos, suas Memórias

manifestavam um objetivo geral de colaborar com o Estado no sentido de promover

alguma melhoria para todos.

Em alguns momentos, Mendes adotou o ponto de vista do europeu (por mais que

fosse baiano). Principalmente quando falou sobre a escravidão. Mesmo assim, em

nenhum momento deixou de ter como horizonte os interesses de Portugal. Este ponto de

vista mais amplo se verifica na defesa da missão civilizacional que supostamente os

europeus teriam com relação ao resto do mundo. Para Mendes, esta missão era

principalmente a evangelização, mas não se resumia a isto. Além de se evangelizar, era

preciso civilizar os povos bárbaros. Duas tarefas próximas, mas distintas.

Parte desta missão civilizacional era domesticar as paixões exaltadas. (Por isso,

Mendes identifica no caráter passional do africanos um vínculo com a barbárie). E, ao

se domesticar as paixões, necessariamente se diminuem os relacionamentos baseados na

violência, pois a Razão assume o lugar antes ocupado pela Paixão e permite que se

negociem as relações sem o apelo à força. Neste sentido, humanizar-se o tráfico de

escravos não era apenas motivado pelo altruísmo, havia uma lógica racional mais

profunda por trás. Oliveira Mendes, contudo, não chega a explicitar esta lógica, quando

sua argumentação é a racional, o autor cai na discussão econômica.

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48 Outra defesa de Mendes é a do trabalho. É principalmente pela forma como ele

se relaciona com suas pesquisas que se percebe isto. Mas não só, o agricultor é muito

valorizado pelo autor, identificado como um dos principais cidadãos do reino. Uma

mostra de que havia alguma valorização do esforço, reconhecimento pelo mérito.

BIBLIOGRAFIA

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49

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Mais: ver Anexos.

ANEXOS

[f. 7]72 N.o 1.o -a-

72 Originais pertencentes a: Academia de Ciências de Lisboa. Documento digitalizado pertencente ao

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51 A Memoria

Do optimo, Ill.mo, e Ex.mo Senhor

D. João de Bragança,

Duque de Laphõens,

Deixando de especificar todos Seos titulos,

Impregos, e Dignidades.

Q.to ao q’ nos diz Respeito, Sô nos baste Referir,

Que desta Real Academia das Sciencias de Lx.a

fora m.to digno Prezidente,

E della não Reformador, e Instaurador,

Mas sim com grande gloria Sua

Fundador,

E para que nunca Seja esquecido,

E de Seos Socios, e Companheiros, nunca Se aparte,

A Tanta Grandeza, e Merecimento,

Nas pegadas, figuras, e Sombras da Morte

Dedica, conSagra, e offereSse

Este Seo pequeno dever, e limitado obzequio

Luiz Antonio de OLiveira Mendes,

o mais inSuficiente de todos os Socios,

O qual na conformidade do Seo antigo Costume

Recitou na Real Academia

Na SeSsão de 7. de Janeiro de 1807

O Autor anuncia, q’ na tradução, Sem q’ faltase aos penSamentos, mais antes em abono,

ed elucidação delles, Se vio obrigado a valerSe de algum mais ornato, e amplificaçõens,

p.a de todo fugir, e evitar alguma frieza, q’ podeSse Sobrevir ao descurso na falta dos

periodos não Serem cheios.

CEDOPE (Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses). Transcrito por Bruno Zorek e revisado por Rosângela Maria Ferreira dos Santos, em maio de 2004.

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[f. 8] O! Deos Immortal! Ai de mim! Ai de Ti Academia! Quanta não Seja fantastica, e

aparente a esperança, e a atrevida confiança dos Homens!

Nós Academicos, amabiliSsimos Socios, e com partes na dor, e na Saudade, ainda

hontem, quaze nos fins do anno paSsado, aquî mesmo neste Atheneo fomos vistos estar

m.to alegres, e no ultimo ponto do noSso prazer tão Satisfeitos, como q.m descançando

dormia nas Sombras de huma frondoza arvore, q’ figurava huma extraordinaria fortuna,

q’ nos protegia.

Hoje porem, inSurgindo hum dezar, as agonias, Nôs tristes, apoSsados de amarguras, tê

vestidos de preto por effeitos de hum acazo funisto, ainda q’ esperado nos ReSortes da

desgraça, nos achamos desherdados dos noSsos mesmos prazeres, e das noSsas antigas

alegrias.

No meo, e nos VoSsos abatidos Semblantes, divizo todo genero de diSsabor, e de

melancolias, q.do as inSurgentes tristezas, vindo Contra Nôs de todas as partes, nos

molestão, nos afligem, nos encomodão, e estamos Sendo por ellas Castigados, e

oprimidos.

O! Deos Immortal, muitas vezes invocarei o Ente Supremo, Creador, e destruidor de

tudo!

O! Sabios Companheiros, de Nós Se apar- [f. 8v] tou aquelle, q’ Só atendia, e aspirava

ao q’ era bom, e eSse mismo bom tanto mais prezava, q.do no Centro das Suas

apetencias divizava, q’ elle Se podia converter em noSso bem, e em noSsas utilidades!

De Nôs Se apartou aquelle; q’ no desempenho de todos Seos deveres Sempre desprezou

a avareza. Eu Sô o conhecî, apoderado, e m.to cheio della, q.do tinha por Sua maior

Riqueza, Solido patrimonio, e avultadiSsimos Lucros; e intereSses, o esplendor desta

Real Academia, e o Conhecî tão ambiciozo nesta p.e, q’ Sempre Se abrazava no amor da

Sua maior prosperidade, e ultimada gloria.

Tu impostura, negra mentira, vai viver degradada de mim p.a Sempre! Vai manchar

Labios impuros, bocas mercenarias, e espiritos fracos; q’ submetendo Se Só Se nutrem

da mera adulação! Não projectes offuscar o Heroe do meo elogio!

De Nôs Se apartou a minha; e alegria dos meos Companheiros; o amor de todos

Concidadãons; a Saudade, a vida, a alma desta Real Academia.

Vimos; q’ do Centro dos noSsos CongreSsos sientificos, dos noSsos ajuntamentos, e

das noSsas Conferencias Literarias desaparecera [f. 9] o noSso Prelado; o noSso chefe;

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53 e o noSso amabiliSsimo Prezidente; em testimunho do que vejo em Nôs todos

intristecidos, o q’ era bem de esperar, hum justo, e extraordinario RiSentimento a face

de tão conSideravel pirda.

Ai de mim! A mesma Atropos; q’ hé Surda, as inexoraveis Parcas me oução.

Finalm.te de Nôs Se apartou aquelle esclarecido Varão, o melhor de todos os Varõens,

aquelle, q’ em Sí era magestozo, q’ com a Sua ditoza, e Respeitavel Prezença honrava a

todos, o mais illustre da claSse dos Venerandos, e dignos anciõens, o Principal delles, o

Dinasta, o NoSso Prezidente, o Ill.mo, e Ex.mo Senhor D. João de Bragança, Duque de

Laphõens, General em chefe das Armas, cujo magnifico Nome apenas por mim

proferido, e Recordado em as VoSsas Saudozas Lembranças, Suscita com todos adornos

da eloquencia, q’ de fecunda Se torna pobre, as mais ternas ideas de Seo perfeito, e

digno elogio: Aquelle, q’ comandando as tropas, e todos exercitos; tãobem Com todo

amor, e Suma afabilidade nos prezidia, e nos Comandava, por Cuja Cauza, chorando

Marte, juntam.te Soltando gemidos, chora Pallas, e posto q’ donzella, por não ter querido

Cazar com o feio, e ascarozo Vul- [f. 9] cano, LibertandoSe da triste Condição de viuva,

Comtudo chora como Orphão Minerva, chora a Academia.

Neste justo pezar igualm.te Repartido com Marte, e com Pallas, O! Respeitaveis Socios,

tendo eu, q’ fallar do noSso amabilliSsimo Prezidente, não Sabe determinarme, p.a q.l

dos dous me haja de transportar o amor, a veneração, o Respeito, a amizade, a gratidão,

e a Sua mesma Saudoza Memoria.

Se conSultarmos a Historia dos Tempos, eSsa mestra da vida; se desenvolvermos as

antiguidades da Grecia, e as for buscar na Sua origem, entranhando me nos Seos

Costumes, Seguindo as pizadas de Seos antigos escriptores, O! Academicos, Vos bem

Sabeis, q’ em Athenas houvera hum Templo ConSagrado a Deoza Minerva, e ali

tãobem outro dedicado ao Deos Marte, aonde, desputandoSe alternadam.te, Se dicidião

as questõens mais intereSsantes, e Se julgava com todo acerto Sobre o justo, e injusto.

Este ministerio era tão Sagrado, e tão Respeitozo, q’ no Seo principio alî Se ajuntarão os

12 Deozes, p.a q’ ConheceSsem, e julgaSsem o crime de Marte, acuzado por Neptuno,

tendo incorrido no homicidio de Haliothrocio; Seo filho, por haver com força

corrompido a fi- [f. 10] lha Alcippa: a imitação do q’ depois Solão ahi estabelecera os

12 Juizes; substitutos dos Deozes, p.a q’ tãobem ficaSsem julgando.

Nas desputas, e dilemas Saudozos, q’ nas Competencias de mais Sentir, Sustenta Pallas

com Marte; Sem q’ eu Seja Juiz, abracando com imparcialidade hum meio tr.o mais

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54 Seguro; demonstrarei; Se a tanto cheguem as minhas debilitadas forças, q’ o Ill.mo, e

Ex.mo Senhor D. João de Bragança, Duque de Laphõens, NoSso Prezidente, de Saudoza

memoria, tanto entre Nós, Como entre todos; fora Reconhecidam.te em extremo hum

verdadeiro, e perfeitiSsimo amador da Sabedoria, das Artes, e Siencias.

Se tanto eu não desempenhar, confiado na VoSsa Candura de animo, na poSse dos

indultos, q’ imploro, ficando Salvo o Seo elogio, q’ por Vôs Seja Cometido a talentos de

outra estima, com grande Satisfação m.a, acreditaime ConSocios; m.to Levarei em gosto,

q’ por Vôs, e por eSse escolhido, eu Seja enSinado.

Quando a tanto eu não chegue, na falta de Rapidos Voos, q’ me denegão a desempenho,

Suprirão as minhas beneficas intençõens, os meos esforços, os meos ardentes, e

SinSeros dezejos, a m.a [f. 10v] SubmiSsão, acatamento, e Respeito, a m.a amizade, a

mesma gratidão, e tudo aquillo mais, q’ Seja Capaz de vos trazer conforto nesta minha,

e voSsa SenSibilidade.

AmabiliSsimos Companheiros, Consternados, e Saudozos Socios, em pouco não Sei,

Como poderei dizer tantas Couzas dignas, e maravilhozas, q’ exornão o Heroe do meo

elogio, e da VoSsa justa Saudade.

O noSso Prezidente desde a tenra idade té q’ contaSse mais de 86 annos, Sempre m.to

aplicadam.te Cultivou as Letras. Neste longo espaSso, e Comprida Carreira m.to de boa

vontade Sacrificou o tempo, as aplicaçõens, as fadigas Literarias, a mesma Vida a

Deoza da Sabedoria, e deste modo, Suscitando exemplos, Citou as Aguias Luzitanas, p.a

q’ Se RemontaSsem.

Por premio dos Seos trabalhos, porq’ m.to amava, e apetecia a mesma Sabedoria, humas

vezes Se lezongeava de a ter adquerido, outras desconfiando de Si mesmo, despido do

amor proprio, desenganado, de q’ a não havia alcançado, nos desvelos de tão

Reconhecida paixão, propondoSe a mais, Se entregava a novos estudos, e nestas

incertezas, p.a q’ melhor conSeguiSse o q’ [f. 11] tanto dezejava, Sempre foi visto

abrazarSe no ConstantiSsimo amor de todas siencias.

Com tanto esforço Se aplicou a estes fins, q’ p.a não perder tempo, e ganhar illustrados

Conhecimentos, com frequencia, cheio de prazer; hia ter aos homens eruditos, p.a q’

comunicandoSe com elles, metendo em giro as ideas adqueridas, m.to mais LucraSse, e

por este meio, e modo na diuturnidade delles aprendeSse.

Na Caza de Sua mesma moradia, Sempre vezitado, e cercado dos homéns Sabios,

procedendo com escolha, a cada paSso no Seo particular Se entregava com

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55 familiaridade a huma converSação agradavel, e com isto m.to Se deleitava, chegando a

tal extremo, q’ tê com Saudade dellas Se despedia.

Prezava p.a Seo maior amigo, e tinha Como nota Caracteristica p.a huma nova amizade

aquelle, em q.m divizava talentos, merecim.to, e os maiores graos da dezejada Sabedoria.

Alî, e aquî, O! [f. 11v] Saudade! o admiravamos fallando Com todo aCerto; e com a

maior erudição. Em abono da verd.e, e das minhas affirmativas, tanto ouvirão o

inSensivel destas mesmas paredes, o peSsoal do Atheneo, e nôs mesmos, em testimunho

do q’ entre as noSsas obras, q’ RemaneSsem depozitadas, Como nos Templos de

Apollo, e de Marte, ainda existem os seos bons escriptos, Recitados nas aberturas das

SeSsõens publicas desta Real Academia, q’ tê forão ouvidos para alguns Concidadõens,

a q.m Convido, p.a q’ me autorizem.

No meio de Sua idade Sendo elevado a maior p.e dos Seos titulos, e Dignidades;

cubiçando a Sabedoria, nunca jâmais farto dos bons Conhecimentos, p.a q’ melhor Se

aperfeiçoaSe, Sabendo diverSas Lingoas, de nôs, e da Sua Patria Se apartou, e fora ter

as Naçõens Estranhas.

Alî, excedendo a outros, p.a q’ o ocio o não dominaSse, cuidadozam.te mais aprendía, do

q’ converSava com os ProfeSsores de todas as Artes. Lançando fora de Sí, e a- [f. 12]

borrecendo a preguiça, vagando de huma p.a outra p.e, tanto fazia, Sô p.a Se aproveitar

das converSaçõens eruditas; e fazendo atrahír os Sabios da Sua escolha, com elles Se

comunicava com a maior frequencia. De huns, e outros aprendeo a siencia da guerra, e

da paz, e a hum tempo, Como q.m se dividia Servia a Marte, e a Minerva.

Nos ministerios de Marte não Só cumprira exactam.te com os deveres de hum bom, e

perfeito Soldado no tempo da paz, em q’ Solicito aprendera a Arte da guerra, mas

tãobem no estado della Se entregou aos lances, e açõens mais ariscadas; Sofrendo

aSaltos, e Sendo aCometido; então hê, q’ alî Resplandeceo o destincto valor de tão

Grande Capitão.

Para q’ Se não pretirão Couzas dignas, tão brilhantes, e nos exceSsos do amor da

Sabedoria, nada jámais nelle falte, o admiramos entrando nas Academias mais celebres,

aonde aCompanhado de hum animo incanSavel, e da Sua boa indole, com a maior

Curiozidade; e meudeza tudo obServara com a maior exação.

[f. 12v] ObServou, q’ por intervenção deste Socorro, ajuntandoSe os homens mais

doutos; conferindo entre Si, unidas as forças no desempenho do q.to Se propunhão; as

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56 Artes, e as Siencias; dando as mãons entre Si, m.to conSideravelm.te Se adiantavão, e

Se aproximavão, q.to podião a Sua maior perfeição.

ObServou, q’ por este meio, e modo impenhandoSe a agudeza, a disvelada industria,

hum extraordinario esforço Se abraçava com outro esforço, te q’ ambos de comum

acordo conSeguiSsem os Seos dezejados fins.

Finalm.te de perto Se esmerou em obServar; q’ por esta especie de convenção a

agricultura, a industria dos homens, a mão de obra, a fertilidade, a abundancia, os

Comodos dos Cidadõens, e tudo q.to na prosperid.e lhes era util, m.to crescião em

demazia.

Alî mesmo de longe com animo SinSero, e benefico prometera aos Seos Compatriotas

tudo aquillo, q’ no futuro elle havia fazer a bem da Sua Patria, q.do a ella RetornaSse.

Depois de m.tos annos, RestituindoSe a ella Logo lhe Segurara, q’ Se propunha fazer

huma grande, e admiravel obra em Sua utilid.e

Com a testa Coroada de Louros, como q.m triumphava, cheio de prazer, e de jubilo,

fallou [f. 13] a Patria, e lhe dice O! Patria! pela tua felicidade, existencia, duração,

pròsperidade, e aúgmento encarecidam.te vos Rogo, me hajas de crer, q’ eu Sempre te

Serei agradecido, em testimunho do q’ inceSsantem.te me acharás disvelado, e todo

Sempre aplicado em teo benificio por aquelle tempo, e espaSso, q’ eu te dever a

Respiração, e o meo Sangue, Sem Ser gelado, animando o Corpo, circular nas veas.

Tanto pelo q’ dezia Respeito a Patria, m.to mais pelo q’ dezia Respeito ao extraordinario

amor, q’ conSagravâ a Sabedoria, medindo os curtos espaSsos da vida, huma Saâ,

madura, e christaâ PhiloSophia nos Seos desenganos lhe dava a certeza, q’ Como

vivinte, e Ente Subalterno a Seo Creador, havia morrer, e aCabar; e q’ acabando elle,

tãobem acabavãoSe os Seos bons dezejos p.a com a Patria, e p.a com a Sabedoria.

PropondoSe dar a Nôs, e aos Vindouros huns clariSsimos testimunhos do q.to apetecia;

q’ os Seos dezejos, excedendo a huma vida Caduca, e tranzitoria, FoSsem

trancendentes, aSsentando o Seo esclarecido Nome nos Fastos eternos da

Immortalidade, dando mais, q’ fazer a Saturno, Suscitando novo argumento, ganhando

nova Fama, com as Suas mesmas Mãons, q.l Erope, lançando as primei- [f. 13v] ras

pedras; instituio, e erigio Esta Real Academia.

Cuidadoza; disvelada, e escrupulozam.te, tê SubmetendoSe; p.a hum melhor aCerto, a

pluralidade de votos, de todas as partes do Orbe Literario tratou de alistar aquelles

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57 Varõens Conspicuos; de toda probid.e, esforçados, de hum dicidido merecim.to, e jâ

acreditados na Republica das Letras.

Ah! Senhores, a modestia, Sendo muda, q’ me Reprehende, p.a q’ não confunda elogios,

me manda Callar, q.do eu tinha m.to, q’ fallar de Vôs!

E quanto por esta vez tão Som.te, posto q’ agradecido, SenSivel ao bem, e aos graos de

huma conferida honra, q’ tanto me destingue, e enobreSse, me peza haver Sido hum dos

da Sua escolha, em q.m taobem Recahirão os voSsos Votos, Sô por temer, q’ huma Leve

Suspeição nas aparencias de hum figurado Soborno, fazendo vacillar a verd.e, denigra o

magestozo quadro da Sua delicada pintura!

A hum tempo o vemos fazindo Recultas p.a o Deos da guerra em difeza da Patria;

matriculando alunos, e novos Sacerdotes p.a a Deoza Minerva, p.a q’ dignam.te

officiaSsem neste Templo da Sabedoria.

[f. 14] Se eu não entraSse de boa vontade neste Sacreficio, dispendendo todos meos

esforços, desmentia a Carta, q’ me derigistes, e aquella, com q’ tanto me honrastes!

Fez com q’ Lx.a Sua Patria, Sustentando, e conServando o Seo antigo Nome, Sem q’

RoubaSse a justa gloria do famozo UliSses, Se transmutaSse em Athenas, a q.l por

intervenção dos triunphos da Sabedoria, q’ a Seos pez Calca as idades, nunca jâmais

podeSse Ser demolida.

Quaze pelos trez annos de Saturno, q’ vivera, isto hé pelos 86 p.a 87 annos, q’ Contara,

havendo conSumido quaze todos no exercicio das Letras, 30 destes annos gostozam.te

empregara nos cuidados, tutoria, e Regencia desta Real Academia.

Quantas vezes Sendo acometido das infirmidades, apenas Recobrando algumas

melhoras, posto q’ oprimido com o pezo dos annos, Sempre firme nos Seos bons

dezejos, porem com os pez mal Seguros nestes pavimentos por Cauza da gota, ainda

mal convalecido, inesperadam.te nos vinha honrar nos dias das quartas feiras das noSsas

SeSsõens, e conferencias Literarias.

Nôs viamos, e todos nôs prezenciavamos, q’ os seos pareceres, e continuados Votos em

as noS- [f. 14v] sas ASembleas, excedendo m.to aos dos outros, erão cheios de huma

Suma agudeza, e Revestidos da maior erudição, e conSumada prudencia, Sempre nelles

Respirava hum indizivel amor, q’ tributava a Esta Real Acadimia.

O NoSso Prezidente, aquelle esclarecido Varão, q’ na claSse, e ordem dos m.tos nobres

era o mais nobre, descendente com toda proximid.e da estirpe, e linhagem Real,

exornado de m.tas Dignidades, e de acomulados empregos, quantas vezes aquî mesmo,

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58 Com grande Satisfação Suas, Repetidas Vezes, e inceSsantem.te nos chamava amigos,

Socios, Companheiros, e Sem destinção alguma Soldados, e alunos de Minerva, cujos

epitetos Sendo demonstrativos do amor, q’ nos tinha, apenas hoje Servem de inSentivos

da noSsa justa Saudade?

Elle entre os inumeraveis Sacreficios, e votos, q’ havia feito a Sabedoria, em testimunho

do grande amor, q’ tinha as Siencias, esquecendoSe da Sua mesma grandeza,

Sublimidade, e de tudo aquillo mais, q’ o fazia digno, e Respeitavel, tanto preteria com

abdicaçõens, e de tudo Se despojava no aparente, Só p.a q’ dispendendo q.to em Si

estava, foSse de nôs inSeparavel.

Quantas vezes enfermo, e por isso impoSsi- [f. 15] bilitado de poder conferir, Sendo por

nôs vezitado, com q’ anciedade perguntava por todos, e por cada hum de nôs? com q.ta

miudeza, e exação, huma, e m.tas vezes inquirindo, perguntava pelas obras do concurSo,

pelo exame, e Revizão dellas, pelas outras já Recitadas, pelas minhas, e pelas VoSsas

produçõens, fazendo entrega das q’ a elle hião ter, pela firmeza, estabilid.e, augmento, e

prosperidade desta real Academia?

Nos esforços de a prosperar, p.a q’ nada me escape, e Couza alguma Se não pretira[?],

hê justo, q’ Se não Remetão ao esquecim.to, o q’ dâ tanta gloria a Sua Saudoza

Memoria, trazendoSe a lembrança aquellas fadigas, desconSolos, abatimentos, e

amarguras, q’ elle Suportara nos exceSsos do Seo amor, q.do dezejando a duração,

perpetuidade, e augmento desta Real Academia Com transcendencia as futuras

geraçõens, com gr.de ReSentimento Seo, via : indotada esta Sua filha primogenita.

Muitasvezes Se lembrou aplicar p.a estes fins huma p.e das Suas groSsas Rendas, e o

não podia executar com a dezejada perpetuidade, porq’ lhe obzistia a natureza de bens

de vinculo, e no estado de Solteiro Só lhe deteve o paSso, p.a pertender desanexação, as

prudentes Lembran- [f. 15v] ças, de q’ Sendo a Academia da Proteção Regia, Sem

precedencia de Reprezentação, daquelle modo inSolito; lembrando descuidos, inSultava

a Benificencia Superior, q’ com justa Cauza Se daria por offendida, m.to mais atento o

parentesco, e a Comunicação privada, q’ nada jámais despenSaria.

Nestes extremos o Politico Se combatia com os Seos dezejos, com as Suas intençõens, o

Seo amor com a orfandade, a decadencia, perda, e Ruina com a prosperidade, augmento,

e duração desta Real Academia.

Cumprindo com os deveres de hum perfeito, e amoroziSsimo Pay, e de hum Zelozo, e

vigilantiSsimo Curador da Real Academia, não Só Reprezentou, e pedio de hum modo

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59 ordinario, mas tãobem m.to SubmiSsam.te Suplicou aos Seos Augustos Parentes

Reinantes hum Suficiente patrimonio, p.a q’ ella podeSse existir, permanecer, e durar, o

q’ com effeito alcançara dos Senhores Reis, e obtendo SuceSsivas confirmaçõens,

obteve, q’ o Princepe Regente. NoSso Senhor, q’ por vezes nos honra com Sua

aSsintencia, ficaSse Sendo melhor do q’ elle Protector desta Real Academia.

Alem deste exuberantiSsimo Socorro em prova de huma Suma affeição, m.to de Sua li-

[f. 16] vre vontade com mão Larga no particular e no publico com a Real Academia

amplam.te despendia do q’ era Seo; não Só p.a q’ ella duraSse, e Se conServaSse, mas

taobem p.a q’ nos progreSsos da dezejada prosperidade, Sempre hindo avante, e cada

vez mais em augmento, excedendo os Seos dias, e dos Vindouros, p.a Sempre existiSse,

e permaniceSse.

Deste modo por m.tos annos, q’ Se aproximarão a 30, desempenhou, e cumprio com as

vezes de noSso bom, perfeito, e amabiliSsimo Prezidente. Nôs todos lhe dezejavamos

huma vida mais dilatada, p.a q’ tãobem na poSse da noSsa antiga felicidade Elle m.to

mais cumpriSse.

Finalm.te em testimunho da m.a, e da VoSsa gratidão, gemão embora as abobedas do

Templo da Sabedoria, O! Companheiros, O! Academia, O! Marte, O! Tu Pallas! praze a

Deos, a Deos praze, O Ente Infinito permita, q’ este Seja aquelle feliz momento, em q’

Elle, já expiado dos delictos de homem, em Si Receba huma digna Coroa de gloria, q’

exornado da verdadr.a Sabedoria, de tantas Virtudes, das Suas optimas qualidades, esteja

gozando a maior das felicidades.

Praze a Deos, ao [f. 16v] Ente Infinito praze; q’ o Ill.mo, e Ex.mo S.r D. João de

Bragança, Duque de Laphõens, noSso amado Prelado, saudozo, Prezidente, perfeito

Pay, vigilante Curador, desvelado Fundador desta Real Academia; Praze a Deos; a

Marte, a Minerva, q’ Elle p.a Sempre fique gozando de hum descanço eterno, de huma

paz dezejada, e Constante na Graça, e Prezença daquelle Senhor, q’ hé conSolador, e

Retribuidor de tudo.

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60

[folha 1f.]

1

SynopSis, Annotaçoéns, e Arbitrios Sobre o augmento da Agricultura de Portugal,

Offerecidas, e dedicadas.

Ao

Ill.mo, e Ex.mo Snr.e Luiz Pinto de Souza, Ministro, Secretario de Estado dos Negocios

Estrangeiros, e comulativam.te Ministro, Secretario de Estado dos Negocios

Ultramarinos, ConSilheiro de Estado, Cavaleiro da ordem do Tozão Douro na Espanha,

comendador, e Grão Cruz da ordem de S. Tiago, e Senhorio dejuro, e herdade de

Ferreiros, e Tendaes.

por

Luiz Antonio de Oliveira Mendes;

Bacharel formado em Leis pela Universidade de Coimbra, e Advogado da Caza da

Suplicação em Lisboa

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61 [folha 1v.] [em branco]

[folha 2f.]

2

ExcelentiSsimo Senhor

Sempre o Amparo, e a Proteção dos Grandes em todas as idades foi a frondoza arvore

mais Robusta, e mais elevada do q’ o Cedro, a Sombra da q.l os pequenos, e os sabios

em descanço, tranquilos, e Seguros gostarão huns dos preciozos fructos da Proteção, e

ouvirão outros com satisfação o bom nome das Suas obras:

Para esta empreza, e confiança, q’ agora tomo, de Offerecer, e dedicar a V. Ex.ª as

breves SymnopSis, e annotaçoéns Sobre o augmento, e a dilatação da a agricultura

Nacional, jâ de longe, e aos poucos me propuz a inSinuar-me no benevolo animo de V.

Ex.ª, q.do entrando na contextura dos meos primeiros escriptos peSsoalm.te na prevenção

hum, a hum, como memoriais, q’ me Recomendavão, fui depozitando nas bem feitoras

Mãos de V. Ex.ª:

ESsa boa aceitação posteriorm.te unida ao bom trato, com q’ V. Ex.ª pio, e benevolo me

tem destinguido huma, e outra vez nos negocios da Repar-

[folha 2v.]

tição do meo intereSse, em q’ de perto, e a hum tempo divizei em V. Ex.ª

comprehenção, virtude, docilid.e, amor, afeição, e na grandeza d’alma capaz de tudo q.to

era magnifico, e Sublime, faz com q’ eu honre, e apadrinhe as minhas ideas com o

Heroico nome de V. Ex.ª

Eu escrevendo a V. Ex.ª no prelo, escrevo ao publico, e em q.to elle ociozo cogita na

torpe adulação, V. Ex.ª a fundo conheSe a Sinserid.e, Lizura, e verd.e, com q’ fallo a V.

Ex.ª, em apologia isto me basta. Eu o ultimo dos Cidadáons procuro o primeiro dos

Patriotas, e hum Patriota tão destincto, e tão ilustrado, q’ Sendo Capaz de escolher o q’

hé melhor, pode no Trono com felecid.e da nasção fazer valer alguns dos arbitrios.

Ex.mo Snr’, entrei nestes projectos animado das Lembranças, de q’ m.tas vezes hum

pequeno instrumento, e huma fraca mola faz pôr em movim.to huma gr.de maquina. Se

os meos penSam.tos não forem dignos de V. Ex.ª, e da Patria, V. Ex.ª hê dotado da

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62 preciza prudencia p.ª perdoar-me, e a mesma Patria Sem q’ Se entregue a

inSenSibilid.e no Reconhecim.to da inutilid.e do trabalho nunca deixarâ de Ser grata ao

menos aos meos esforços, e bons dezejos.

Ex.mo Snr’, q.m foi Virgilio Sem Mecenas? E como o filho de Peleo vencendo mataria a

Hector sem a introdução de UliSses?

Luiz Antonio de Oliveira Mendes

[folha 3f.]

3

Nihil agricultura melius, nihil homine Libere dignius. Cic. 1 Off. Cap. 42.

[folha 3v.] [em branco]

[folha 4 f.]

4

Introdução

Sendo o homem hum individuo, q’ por neceSsidade da sua mesma exsitencia Se deve

alimentar do q’, e do q.to a terra poSsa commodam.te produzir; por iSso mesmo os

cuidados de huns, em q’ hê mais prompta, e mais efficaz a [officiozade] p.ª com os

outros Seos Semelhantes, Se devem disvelar em procurar os meios, os arbitrios, e os

inventos pelos q.s a terra por medeação da industria, e destes esforços Se facilite a

entrar, e a proSeguir na Sua mesma intrinSeca força produtiva.

Assim, hê, q’ no Seo principio ella espontaneam.te produzia m.to a Satisfação do

homem; porem depois da desobediencia, e da maldição, (discorrendo-Se e Cristaâm.te),

ella por huma Ley Superior pareSe, q’ de certo modo Se arrependera de Ser franca em a

Sua mesma produção; ou pelo menos, q’ se fizera dependente de hum Socorro, e

movim.to externo, p.ª q’ pelo meio do trabalho, e dos inven.tos uteis, ella RecobraSe a

Sua condição perdida, e criminoza com inocente participação dos delictos, tudo porq’ o

homem com abuzo desgraçadam.te transgredira a Ley, e atrevidam.te ofendera ao Autor

da mesma Natureza, do q’ ella Se ReSentira na Comparte da ofenSa.

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63 Vindo pois a Ser o trabalho SuceSsivo hum Resultado do Crime, como castigo, e o

homem Reo, constituido na neceSsidade de existir, obrigado a alimentar-Se dos

[folha 4v.]

fructos do mesmo trabalho imprimido, e comunicado a terra, p.ª q’ ella, ainda q’

[imperfetam.te] continua-Se a Suprir, todo Cidadáo nestas circunstancias, q’ Se esforça

nos arbitrios, e nos inventos da milhoração da terra, nos meios, e nos modos pelos q.s

por medeação da industria o trabalho Se diminua, não Sê conSulta a prosperidade, e os

intereSses dos Seos Semelhantes, irmãos na desgraça e na existencia, mas tãobem a

felicid.e; e a melhoração do Seo mesmo patrimonio, como neceSsario p.ª a Sua

Subzistencia, e nisto proSeguindo, proSegui tãobem Socorrendo-Se em trabalhar p.ª Sî

proprio, e p.ª Remediar ao modo poSsivel os estragos da Culpa.

Ou Seja por estes Religiozos principios, ou pelos outros filozoficos, naturaes, e mais

Recentes, de q’ Sendo a terra a mesma q’ dantes era, porq’ os homéns destrahindo-Se

do Seo mais nobre, e primitivo Officio, entregando-Se todos no Seo commum

[apempa], ao ocio, a vaidade, e ao lupo, de acordo entre nôs, ou em seguim.to huns dos

outros Se abstiverão da cultura dos Campos. Seja q.lq.r, q’ seja a origem do noSso

infortunio, p.rq’ não hê do noSso destino entrarmos nas verdadeiras, e unicas

circunstancias do proposto dilema, quero com tudo isto Sô dizer, q’ o homem, q’ hê

verdadeiram.te amigo do outro homem, de Sî mesmo, e da Patria lhe hê Louvavel, q.to

poSsivel Seja, entrar nos esforços; primeiro com q’ a terra economizando-Se de certo

modo Se augmente, Se dilate, Se conServe, e Se faça melhor pelo meio dos planos, dos

arbitrios, e dos inventos, em q’ com gr.de força milita a industria: Segundo, q’ huns, e

outros Se esmerem, em q’ diminuindo-Se o tra-

[folha 5f.]

5

balho, ou sendo elle o mesmo, delle Rezulte a par do menos trabalho os mesmos, e

iguais fructos, e a par do mesmo trabalho outros m.to mais vantajozos: Terceiro, q’ pelo

meio dos socorros, q’ elles nos prestão, e nos inSinua Saibamos com utilidade noSsa

aproveitar m.tas daquellas Couzas, q’ com inadvertencia as temos por Superfluas: Es

aqui o traço da noSsa pintura, e os alicerSes, q’ Se lanção as noSsas Refleçoés.

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64 Annotação Primeira.

Em q’ Se Refere q.s, quantos, e porq’ principios entre nôs Se tenhão, e Se Reputem os

terrenos estereis com a individuação e comprehenção dos ociozoz.

Hê indespenSavelm.te certo, q’ no Mundo creado, e com m.ta especialidade no noSso

continente Luzitano, hâ m.tos terrenos incultos, bravios, e espaSsos perdidos, e ociozos

na inutilid.e por 14 principios, deixando, e preterindo-nôz outros m.tos, q’ não São da

noSsa Repartição, e do noSso instituto.

Primeiro; q’ huns São estereis por Sua

[folha 5v.]

natureza, e Situação: Segundo, q’ m.tos são arenozos, e estes de dous modos, ou porq’

São compostos de huma terra arienta, e Solta, q’ de Sî afasta: a cultura, a germinação, e

a produção, ou porq’ as areas do mar, e dos montes por ocazião das cheas, e das

Levadas, achando huma franca entrada, em gr.de altura tem cuberto a Superficie do bom

Campo: Terceiro, q’ m.tos no ocio Se achão cheos, e cubertos de pedriscos, da claSse

dos vagoz: Quarto, q’ outros m.tos, e em gr.de p.e, e espaSso a isto, e a tanto Se achão

Reduzidos pelas frequentes, e multiplicadas [Calvas] das pedreiras Razas, q’ se deixão

ver, ou q’ Logo estão pouco abaixo da Superficie da terra: Quinto, q’ a isto, e a tanto os

outros Se Reduzem pela inadvertencia, em q’ estamos de fazermos cavar, e profundar os

terrenos, p.ª acharmos huma pedreira franca, daq.l fazemos extrahir pedra p.ª as noSsas

edificaçoéns, e p.ª Ser vendida a troco de hum pequeno preço, q’ se conforme, ficando

eterno o prejuizo cauzado: Sexto, q’ nisto mesmo Se continua ainda em pedreiras

elevadas, q’ por Sima tem terrenos, q’ Se cultivão, chegando a ambição de huns a tal

desmancho, q’ atê as oliveiras, e arvores de fructos Se derribão p.ª Semelhante fim, Sem

q’ tenhão prezentes o acordo, e a lembrança, de q’ perdendo o Campo Superior, o

espaSso inferior tãobem Se perde, e Se impoSsibilita a proporção do q.to a extração da

pedra a mais Se dilata: Setimo, q’ em tanta irremediavel perda Se proSegue por Cauza

da Suma facilid.e, q’ hâ em Se tirar emtulho dos mon-

[folha 6f.]

6

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65 montes, e terrenos, q’ ficão a borda da agua, por onde paSsão as cheas, e toca com

aRojo o mar na ocazião das suas enchentes; porq’ em vez de Se lhe dificultar a entrada,

esta por este meio mais Se lhe franquea: Outavo, q’ outros m.tos mais terrenos

inSenSivelm.te vamos perdendo pela escalvação, q’ aos poucos vão fazendo as aguas

dos mar, e das cheas, Sem q’ a isto de modo algum se lhe Rezista: Nono, porq’ pelo

meio de estacadas, de cais arteficiaes, de entulhos, e de providencias, q’ nos Sejão uteis

com Revindicação não nos apoSsamos daquillo mesmo, q’ temos perdido: Decimo, p.rq’

por falta deSsa Rezistencia, e percauçoéns as aguas entrando, e continuando nos Seos

esforSsos a mais proSeguem na Sua Conquista, e de hum tal modo, q’ em pouco tempo

hindo avante impoSsibilitão, e fazem Seoz os boons Campoz, o q’ melhor noz certifica

os espraiados Lodos: Undecimo; porq’ não são entulhados os m.tos, e infinitos

espraiados, os xarcos, e as alagoas, q’ Sendo tão prejudiciaes a Saude, ocupão hum gr.de

espaSso ociozo: Decimo Segundo; p.rq’ m.tos dos terrenos, q’ São aptos, e oportunos p.ª

a cultura inadvertidam.te Se ocupão, e Se vão ocupando em Serviços, fabricos, e

estabelecim.tos, q’ bem os despenSarião, Se houveSse a Refleção, de q’ tudo isto deveria

Ser Removido p.ª os terrenos impoSsibilitados: Decimo terceiro; q’ m.tos dos terrenos

Sendo izentos deSses Recontados males, tem contra Sî a peSsima Rezolução de não

Serem franqueados, e gratuitam.te dados com exulação dos pezados foros a q.m bem os

podeSe beneficiar, a vista do desengano, q’ da conServação perene da incul-

[folha 6v.]

cultura delles por teima, e por caprixo nenhum bem nos Rezulta: Decimo quarto; q’

m.tos terrenos Sendo proprios p.ª a plantação de huns tantos generos, indiscretam.te Se

[esperdição] com o trabalho, e com a industria [notro.eo] da plantação de outros, q’ lhe

são ou contrarios, e opostos, ou q.do menos no esperdicio oportunos p.ª a plantação de

outros, o q’ Sô Se deve a falta dos perfeitos conhecim.tos da cultura, e da mesma

agricultura pratica, Servindo-lhe na insciencia de unica Ley, q’ toda terra Sofredora, e

paSsiva indeterminadam.te hê prompta p.ª Se Semear, plantar-Se, e boa p.ª produzir.

Eu dispenSo-me por esta vez tão Som.te de não proSeguir na mais individualid.e de

todos, e de cada hum dos modos e principios pelso q.s os terrenos Se tornão, e Se

conServão ociozos, inuteis, e estereis, tanto p.rq’ o inquieto espirito do Patriota no

avanço de ideas, e de conhecim.tos Suprindo-me, melhor, e mais maduram.te os

obServarâ no encontro de circunstancias, como p.rq’, depois de Recomendados, eSsa

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66 enumeração extenSiva não hê propria, e não cabe dentro dos termos de huma breve

annotação.

Annotação Segunda.

Sobre os terrenos, q’ Se tem por estereis, e q’ por iSso com abandono ficão, e Se

conSer-

[folha 7f.]

7

vão no ocio, e na inutilidade incultivados, dando-Se com animação dos agricultores os

arbitrios pelos q.s elles devem Ser Restituidos a cultura.

Hê tanto mais certo, q’ não hâ, e q’ nem pode haver terreno esteril, e q’ Rezista a cultura

na prezença, e nas vantagens da boa industria, e do maior trabalho. Aquelles, q’ São

francos, e mais promptos em produzir, e ainda aquelles outros, q’ exigem algum menor

trabalho, e pouca, ou nenhuma industria, os temos Reconhecidam.te por bons; aquelles

outros porem, q’ pedem, e q’ demandão hum esforçado trabalho, huma disvelada

insdustria, huma previa despozição, e humas tentativas, q’ no Sentir do agricultor são

ociozas, Sô porq’ em hum anno não lavrarão, não Semearão, e não colherão duas vezes,

com abandono São com dizerção condenados a estereis, e a esta claSse ficão

SucceSsivam.te acrescendo todos aquelles outros terrenos da primeira ordem, q’ Sendo

optimos paSsarão a Suficientes, e de Suficientes a estereis.

ESses mesmos terrenos Reconhecidam.te estereis jâ pela Sua natureza, jâ pela Sua

mesma Situação, e jâ pelos effeitos do abandono, tudo de baixo de hum erro manifesto,

Se tornarão fructiferos, e cultivados, despenden-

[folha 7v.]

do-Se com elles hum maior trabalho, e industria, Sendo hum, e outro aplicado com

inteligencia, e de diverSos modos.

Seja a primeira das deligencias o entrar-Se no verdadr.º, e perfeito Conhecim.to de cada

hum dos terrenos p.ª Se ver, e Se obServar o q’ lhes falta, ou o q’ de mais elles em Sî

tem, o q’ não Sendo p.ª todos, Se fazia precizo hum inteligente, e experimentado

Inspector de agricultura pelo menos em cada huma das Comarcas, p.ª q’ pelo Socorro

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67 desta boa inspeção conhecendo-Se a natureza, a qualid.e, e ainda mesmo a Situação

delles, destinando-lhes o genero da plantação, e da cultura com escolha, aprovando

huma como propria, e oportuna, e excluindo outra, como contraria, fizeSe mandar

ajuntar a elles alguma outra qualid.e de terra, e das diferentes argilas, e porçoéns

calcareas, q’ o tempira-Se, Sabendo todos, q’ deste tempero a tempo, em ordem e

proporção, ajudando, e Socorrendo huma p.e a outra, fermentando-Se todas entre Sî, o

q’ tudo verte em beneficio do Suco vigetal, hê q’ pode rezultar o Restabelecim.to, e a

perfeição dos terrenos.

Esta imistão, q’ tanto tem depreciza, como de neceSsaria, e de indespenSavel na boa

cultura das terras, a q.m o Camponez no meio da Sua Rusticid.e, e insciencia, e Sô

guiado pela experiencia lhe chama adubo, e corruptivam.te adubio, não hê na Sua praxe,

e desempenho de Suma dificuld.e, combinada a inação,

[folha 8f.]

8

em q’ estiverem os dous terrenos mais proximos, e ambos estereis por diverSos

principios; hum, porq’ Sendo todo argilozo, ou todo de huma terra calcarea, a Sua

desmarcada fortidão em gr.de grao Conforme, torra, dececa, e queima o germem da

Semente, Sem q’ ella jâ mais poSsa produzir e q.do nos esforços de produzir algum

arbusto SobreSahê, este mesmo, ou noSsa força produtiva Se abraza, ou q.do paSsa

avante, Sempre enfezado, pouco florente, e quaze Seco de lhe nenhum fructo Rezulta

pela devoração, q’ precedera, e q’ houvera do Suco vegetal, do q.l Sô Rezulta com a

experiencia o desengano, e a confirmação de esteril: Outro porq’ Sendo inteiram.te

Solto, arenozo, e constituido de huma terra de todo enfraquecida, Sendo tãobem Solta,

Sem q’ poSsa entrar em fermentação, e Se descobre paSsando a Ser comida pelos

paSsaros, e a esperdicar-Se, ou q.do esta Semente Se profunda lhe hê mais facil

apodrecer do q’ germinar-Se.

Nestas circunstancias hum, e outro Senhorio dos terrenos ociozos, e Reputados estereis,

e hum, e outro agricultor, tendo no dezengano a certeza, q’ lhe Serâ Sempre melhor, e

mais util dispender alguma industria, e trabalho, do q’ conServar ambos os terrenos

nesta perfeita inação, abandono, e inutilid.e, dando entre Sî as mãons por meio de

convenções com Rateio das despezas, ou Socorrendo-Se Reciprocam.te com as Suas

abegoarias no tem-

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68

[folha 8v.]

po mais ociozo, em q’ a agricultura não exige o trabalho, e o intretimento do gado, dos

Carros, das bestas, e dos homéns do Serviço Rustico, m.to bem, q’ Sem o maior

encomodo, e Sem huma confiavel despeza Se podem esforçar no troco, e mistura igual,

e Reciproca de hum pelo outro terreno, e nesta continuação industrioza dentro de pouco

tempo, e de poucos annos, seg.do a extenção, hum, e outro Senhorio virão a ficar com

os Seos terrenos aperfeiçoados; paSsando cada hum de baldios a Capazes de Serem

cultivados.

Quando porem na contiguid.e não haja a concurrencia destes dous deFeituados terrenos,

q’ em iguaes neceSsidades Reciprocam.te Se Socorrão, então aquelle, q’ precizar deste

beneficio com independencia deste troco, mandará buscar o tereno daquelle Sitio, q’

mais Cómodo, e util lhe Seja, Sempre de baixo da certeza, de q’ a utilid.e Rezultante

m.to q’ mereSe este esforço, encomodo,, e despeza, pois q’ hê curta, e ilimitada toda, e

q.lq.r, q.do della Se fica Lucrando p.ª Sempre.

Para Se perceber a fundo a utilid.e deste arbitrio deveSe pezar, e conSiderar bem, q’ este

terreno infructifero, esteril, e descontinuo entregue a hum perfeito abandono

desgraçadam.te de nada no ocio elle aproveita a Seo Senhorio, porq’ na inprodução, e na

esterilid.e nem ao menos lhe Serve p.ª a pastagem do gado: Nestes tr.os Se pode

conSiderar toda, e q.lq.r despeza, ou ella Seja gr.de, ou pequena, como premio dado a q.m

o fez util, e fructifero, ou como hum tenue,

[folha 9f.]

9

e menor preço pelo q.l eSse mesmo terreno de novo fora comprado, em cuja barateza

ainda m.to, q’ vem a lucrar os Senhorios delles.

Annotação Terceira.

Sobre os terrenos fracos, debeis, ao q’ lhe chamão CanSados, indicando-Se o modo, e

dando-Se o arbitrio pelo q.l elles Se tornem ferteis, e cultivados.

Havendo terrenos, q’ Sendo compostos, e constituidos das porçoéns neceSsarias, das q.s

por Serem bem ordenadas entre Sî, a primeira vista Se espere huma boa, e perfeita

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69 produção, e esta Se não conSiga por Ser debil, e fraco o terreno, ao q’ vulgarm.te lhe

chamão terras canSadas, e q’ por iSso as entregão a hum perfeito, e ultimo abandono, de

cuja dizerção nenhuma utilidade Se tira, e mais antes hum grande, e grave prejuizo da

mesma inação, em q’ elles Se conServão, então tirando-Se deSse Seo desamparo, em q’

Se achão, com trabalho, e com industria Se lhe farâ ajuntar, e acrescentar, a maneira de

q.m estruma, huma porção de terra argiloza, o q’ não Sendo ainda bastante, Se lhe

ajuntarâ de mais alguma Cinza, calice, ou cal, Servindo de regra, q’ obServada a

natureza, e a qualid.e do terreno pri-

[folha 9v.]

meiro, Sô a adjunção da terra argiloza, e calcarea a poderà Refazer, e vivificar por

effeitos de hum novo Recobro de forças, q’ Se exvahirão em as primeiras, antigas, e

precedentes produçoéns.

Neste Seo Restabelecim.to Se deve Sempre ajuntar huma p.e correspondente de estrumo,

de Sorte, q’ todo terreno antigo fique cuberto desta especie de beneficio; observando-Se

nelle huma bem graduada alternativa, e de hum tal modo, q’ encostando-Se,

aproximando-Se, e Sucedendo huns montinhos aos outros, venhão elles a cubrir com

altura toda Superficie.

Estando o Campo, e o terreno aSsim motizado, e cuberto, Se deverâ Lavrar a terra do

modo mais profundo, q’ poder conSeguir o arado, o q’ Se farâ por duas vezes no Seo

Comprimento e extenção, e terminado q’ seja este trabalho, o mesmo, e outro tanto Se

praticarâ atraveSsada, e transversalm.te a maneira de hum xadrez, de Sorte, q’ tudo bem

se misture com a terra do Solo, e fique pelo meio desta lavra humas pequenas Covas, e

huns novos montes, p.ª q’ nas covas Se poSsa Receber, e depozitar SuceSsivam.te as

aguas do inverno, e nos montinhos entranhar-Se a fresquidão do Sereno, o calor, e

aSsistencia do Sol, q’ farâ cortir, e fermentar entre Sî todas estas partes compostas, bem

intendido, q’ este beneficio todo deve Ser feito nos fins do mez de Agosto o mais

taradar, a espera das primeiras aguas do mez de Setembro.

[folha 10f.]

10

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70 No mez de Janeiro, ou no de Fevereiro em dias Secos Se deverâ fazer outra igual

Lavra da terra do mesmo modo, o q’ Se repetirâ em o mez de Abril, ou de Maio antes

das ultimas aguas.

No decurSo do verão Sobre todo este antigo beneficio jâ Recebido Se tornarâ a fazer

outro em tudo a imitação do primeiro, e procedendo-Se antes das primeiras aguas em

outra Lavra dos mesmo modo; despois dellas, havendo tido a terra hum anno de

descanço, e de beneficio, Sendo então depois de Sua lavrada p.ª a Semeadura, ficarâ

perfeita, boa, e habil p.ª todo genero de cultura, e o Campo tê ali dizerto, e dezamparado

valendo hum bom, e conSideravel preço.

Por tantas vezes Se Repetirâ este beneficio na SuceSsão dos annos, q.tas elle Se tronar

enfraquecido, o q’ Serâ dificultozo, Suprindo-Se annualm.te com alguma especie de

amanho, Sendo o principal com alguma porção de estrumo, Rezervado, depozitado,

curtido, e beneficiado com economia do modo, q’ Se indica em a competente, e

posterior annotação.

Annotação Quarta.

Sobre o vicio, esperdicio, e falta de economia, q’ hâ e q’ Se observa em o noSso uzual

estrumo.

[folha 10v.]

Como o estrumo na agricultura Seja tão preciozo Como o ouro, e hum dos generos nella

do maior precizão, e por iSso mesmo de dificultoza abundancia pela Sua grande, e

Suma aplicação, e extração; elle na Sua conServação, depozito, augmento, e fabrico Se

faz digno de hum bem penSado arbitrio, e de todos os esforços da mais disvelada

industria.

Discorrendo-Se Sobre aquelle de q’ actualm.te uzamos, e Sobre o modo, com q’ elle Se

ajunta, se faz, e Se conServa de hum p.ª o outro anno, ou pelo menos p.ª o tempo

competente, obServamos q' elle hê o menos forte, o menos substancial, e o mais

imperfeito, q’ Se pode considerar; tudo p.rq’ q.do elle hê lançado, e junto a terra, q’ vai a

estrumar, alî chega destituido de todo Seo balSamo, suco, e força, pois q’ ella Se tem

inadvertidam.te esperdiçado, e de hum tal modo, q’ não duvidamos affirmar, q’ o

Remanicente delle Sem Socorro, Sem Cautelas, e Sem pervençoéns por Sî mesmo

salvo, Lançado na terra, vem a Ser huma especie de caniço arido, de Lixo, e de

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71 folhagem Seca, e esta Sô miuda, trilhada, muida, e Solta, Sem q’ em Sî tenha a menor

Substancia, vindo a Ser q.do m.to huns Restos de estrumo.

Para entrarmos em a demonstração facil das noSsas affirmativas, e no perfeito

conhecim.to da grande perda, q’ de hum modo Se fabrica o estrume arteficial dos

vegetais, e q’ tãobem de hum certo modo Se ajunta, Se guarda, e Se dopozita todo

aquel-

[folha 11f.]

11

le outro, q’ ou Seja arteficial, ou natural, ou misto.

Quanto ao primeiro modo a experiencia nos enSina entre os Seos desenganos, q’

[emilhado], com q.l se faz o estrumo arteficial dos vegetais entre nôs, Sem q’ se lhe

ajunte alguma outra materia, q’ lhe dando o precizo Corpo em Sî Receba a Sua

substancia, e o q’, e o q.to elle tenha de preciozo, vem a Ser o Cortar, ajuntar, carregar, o

espelhar pelas estradas, (o q’ cauza huma peSsima publica Servidão), ou nos patios, e

currais dos gados, a exceição de algumas coretelhas Cobertas, indestintam.te hum grande

numero de carradas de mato, p.ª q’ este Seja trilhado pelos paSsageiros, e por todo

genero de Servidão publica, de q’ não podem despenSar os circunvizinhos, e os

viajantes de longe, ou pelos animaes, no q’ Se procede com rez conhecidos erros, q’ São

dignos de huma prompta emenda.

Primeiro, q’ Sendo trilhado, e moido o mato atê o estado de Ser Reduzido a tal, e q.l

estrumo, vindo as chuvas, q’ o [calão], e q’ o penetrão atê o Seo centro, por baixo,

oculta, e Sulapadam.te por huma especie de distilacão lhe vão Roubando com diverSão

todo Suco vegetal, e tudo q.to elle tenha, e poSsa ter demais estimavel, e de mais

preciozo, Sendo cómunicado, e entranhado na terra, cuja superficie o mato cobre, e

vindo com as chuvas as enxurradas, estas comSigo Levão huma, e a maior p.e delle,

fazendo com q’ elle Se espalhe, ou seja velôsm.te levado p.ª onde elle Se não faz

precizo.

[folha 11v.]

OS experimentados agricultores não tem deixado de conhecer, e de Reflectir com

Reconhecim.to da Sua vizivel perda, e prejuizo Sobre este primeiro erro; p.rq’ vemos, q’

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72 elles p.ª Rezistirem as levadas das aguas na porta dos Seos pateos, nas partes mais

inclinadas dos terenos delles, e ainda mesmo em as publicas estradas tem feito

atraveSsar alguns pinheiros, q’ Rezistindo as enxurradas alî fação deixar, e Reprezar

aquella p.e mais gorSseira do estrumo, q’ elles a Seos olhos veem Surgir, com o q’ nada

Remedeão; porq’ a parte mais Substancial, e a mais Subtil delle vai unida, desfeita, e

incorporada na agua, a q.l não ficando, foge, e desapareSe, o q’ Se efetua, ou por Sima

da madeira atraveSsada, ou destilada, e Subtilm.te com diverSão, e perda aos poucos por

entre ella.

Segundo, q’ ainda q.do aSsim, e tanto não Sucede-Se, q’ as mesmas aguas Sô paSsando

por elle, Lavando-o continuadam.te, lhe Roubão toda Substancia, e aquella p.e mais

precioza, q’ elle tenha: Terceiro, q’ eSse mesmo uzo, e acto da Servidão publica, q’

inceSsnatem.te por Sima delle paSsa, hê bastante p.ª q’ elle aos poucos vâ

desaparecendo.

Quanto ao Segundo modo; quando dentro dos muros, dos pateos dos predios Rusticos, e

das herdades, e ainda fora delles Se vai Repondo, e guardando em monte eSse mesmo

estrumo arteficial, o outro natural, ou misto, q’ p.ª alî Se carrega, e Se transporta, por

mais alto, q’ Seja eSse monte, SuceSsivam.te elle Se deixa calar da

[folha 12f.]

12

agua da invernadas tê o Seo Centro, porq’ hê hum Corpo Súmam.te esponjozo; da hî Se

Segue, q’ estâ Sendo continuadam.te Lavado com outra tanta, e com a mesma perda da

Sua precioza substancia, e Suco, vindo este Remanicente, q’ Se Salva, a Ser

Semelhante, e quaze irmão do primeiro.

Annotação Quinta.

Do modo Como com economia Serâ guardado, Rezervado, e inSenSivel feito o estrume

Sem huma maior, e conSideravel despeza.

Sendo o estrumo na agricultura hum dos generos da primeira neceSsidade, eSsencialm.te

precizo, e por iSso mesmo o mais preciozo, na guarda, conServa, e fabrico delle m.to q’

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73 Se deve disvelar hum perfeito, bom, e abil agricultor, Começando esta Sua empreza

pelo Sitio, Lugar, modo, e meio pelo q.l elle Se deve guardar, Ser feito, e fabricado, Sem

q’ Se diSipe, e Se experdiSe pelos meios, e modos, q’ ficão indicados, os q.s devem Ser

prevenidos, e acautelados com toda preciza economia, precedendo a tudo isto a certeza,

derivada dos principios estabelecidos, q’ a peSsa mais intereSsante, q’ poSsa ter q.lq.r

quinta, e fazenda Sempre deve Ser a Caza, Receptaculo, Sítio, e lugar, em q’ este

thezouro Se depozite, Se gu-

[folha 12v.]

arde, e Se fabrique, Sem q’ nos hajamos de esquecer do arbitrio, com q’ elle ao mesmo

tempo Se vâ com acrescimo manobrando.

Para hum, e outro fim Se escolherâ na quinta, ou fazenda proximo a principal Caza da

habitação do Colono hum terreno, [que] Seja menos apto p.ª agricultura, e não havendo

com eSse defeito, e incapacid.e Se lancarâ mão de q.lq.r outro na certeza, de q’ eSse

campo, ou espaSso não se esperdiça, e mais antes hê o q’ mais, e melhor Se aproveita.

Nelle Se farâ hum foSso, ou caldeira quadrada de oitenta palmos, ou ainda maior,

Segundo a grandeza da fazenda, ou quinta, o q’ Serâ arbitrario ao Colono, e de 20

palmos de alto, cujo desentulho Serâ aproveitado p.ª igualar o terreno da fazenda na

proximid.e do foSso, q.do isto não concorra, e p.ª tanto Se não faSsa precizo, Serâ o

entulho aplicado p.ª algum dos fins jâ indicados, ou p.ª os outros, q’ Se hão de indicar.

ESse foSso, ou Caldeira Serâ feito a medida das poSsibilid.es do Lavrador, bem

intendido, q’ q.to mais dispendioza, mais proveitoza p.ª os noSsos fins. Serâ todo plano,

do foSso lageado podendo Ser; na falta do Lagedo Ladrilhado de huns novos tijolos

vidrados na Superficie, q’ Se mandarão fazer p.ª

[folha 13f.]

13

este fim: na falta delle com o noSso tijolo ordinario; na falta delle calçado com pedra

preta, juntados, e cheos os intermedios, e os pequenos vaóns com cal de boa tempera, e

na falta com terra, e melhor com calice, como Se pratica nas noSsas uzuaes Calçadas, o

q’ tudo gradualm.te Se faz precizo, p.ª q’ o Suco, e o gaz do estrumo, q’ Se guarda, q’ Se

depozita, e q’ Se vai fazendo Se não divirta, Se não diSsipe, e Se não cómunique o Seo

mesmo oliozo com a terra, e p.ª q’ taobem por effeitos desta cömunicação na SuceSsão

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74 dos annos em Seguim.to do q’ Se aproveita não Se faça m.to mais alto, e mais

profundo o mesmo d.º foSso.

Quando o Lavrador for destituido de poSses, ou p.ª me explicar melhor, não Se achar

com forças, p.ª acudir a agricultura, e a esta tão neceSsaria Obra, Se contentarâ

Simplesm.te com o foSso terreo Sem Ser guarnecido, como Se indica, Sendo bem

intendido, q’ delle Sempre Se tirarâ maiores intereSses no depozito, guarda, conServa, e

fabrico do Seo estrumo, do q’ procedendo-Se neste artigo a Revelia, Como atê agora Se

tem procedido, Sobre o q’ competentem.te jâ Se discorrera.

Os quatro lados do quadrado do foSso Serão acompanhados, e guarnecidos de paredes

de pedra, e cal, as q.s ao mesmo tempo, q’ Servem de Resguardo, p.ª q’ a Substancia, e o

Suco do estrumo com divertimento, e com diSsipação Se não cómunique com a terra

dos mesmos lados, Servem táobem p.ª q’ amparando a mesma terra delles por ocazião

das chuvas do inverno em a Sua continuação Se não precipite.

[folha 13v.]

Estas paredes nos trez lados da quadradura do foSso sempre vencerão o terreno externo,

Superior, e impinado, na altura de trez palmos, p.ª que Servindo de Resguardo, afaste, e

desvie precipitaçoéns, e outros m.tos SuceSsos. A Superficie da parede elevada dos trez

lados Serâ guarnecida de Retretes p.ª flores, ou p.ª Se semear nelles com Rezerva as

tenras plantas, que hão de Ser mudadas p.ª os canteiros de Rega, em cuja obra Se

guardarâ huma especie de declive, p.ª q’ do tanque proximo, Soltando-Se o anel de

agua, ella por Sî mesmo, Sem nenhum outro trabalho Se Regue.

Quando a Superficie das indicadas paredes em tudo isto Se não aproveite, Se farâ cubrir

com lages, e aSsentos de pedra, as q.s Servindo a hum tempo p.ª este fim, Sevirão

tãobem em ordem p.ª a guarda, e depozito das colhidas aboboras, q’ alî ficão a mão,

Como neceSsarias p.ª o Sustento dos porcos, as q.s devendo Ser Retiradas p.ª a Sua

conServa do humido terreno, e expostos ao Sol, e ao tempo, Se tirarão tão bem dos

telhados, q’ Se extroem por ocazião deste Serviço, e Sobre posto pezo.

Em hum dos angulos do Lado do poente haverâ hum portão fechado de largura de 6 a 8

palmos, e em Seguimento delle p.ª o foSso huma escala, ou Rampa, q’ dê descida, e

Servidão p.ª elle, e esta doce, e Suave pela q.l poSsa cómodam.te Subir, e descer hum

carro, e o mesmo gado, q’ alî Se Recolher. Esta Rampa Serâ calçada, e terâ tãobem o

Seo parapeito competente

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75

[folha 14f.]

14

por aquella p.e, em q’ descendo Se dilata pela extenção do foSso.

No Lado do foSso, q’ fica ao nascente, ficando os mais lados francos p.ª a entrada, e

aSsistencia do Sol, na distancia de 20 palmos haverâ por igual em todo elle huma

pequena Rampa na altura de quatro palmos p.ª a praça, e p.ª o plano do foSso, e alî Se

correrão duas paredes; a Saber huma encostada a terra p.ª a Sustentar, e a outra na

distancia dos d.os 20 palmos, aonde ComeSsa [a baixa], e pequena rampa p.ª o foSso, e

esta parede terâ duas portas, huma, q’ dê Serventia a [legoaria], e outra, q’ dê Serventia

a estrebaria.

Na altura dito, a 12 palmos Se correrâ hum viga-me, e soalho, erescendo-Se as paredes

em todos os Seos Lados: por Sima de huns, e outros cómodos ficarão os palheiros em

huma altura competente, e estes com duas portas opostam.te nos topos, p.ª q’ de huma, e

de outra p.e Se [Saha] p.ª as terras; a saber huma por onde Se Recolha a palha, p.ª o gado

vacum, e outra por onde Se Recolha a palha, p.ª o Sustento das bestas Cavalares, Se as

houver. Da p.e, em q’ Se Recolher a palha p.ª o gado vacum haverâ na Correspondencia

da manjadoura hum alçapão, p.ª por elle Se lançar a palha preciza p.ª o Sustento delle, e

o mesmo, e tanto haverâ da p.e das bestas Cavalares, com

[folha 14v.]

divizão e Separação ao meio de hum, e outro palheiro, q.do precizo Seja.

Segundo estas dimenSoéns claro estâ, q’ das [tenas] p.ª dentro dos palheiros Se decerâ

de 4, a Seis palmos, o q’ hê conveniente p.’ milhor depozito, e guarda de huma e outra

palha. Na parede, em q’ ficão as duas portas Sobre a Rampa, q’ vai p.ª o foSso, por

Sima das referidas portas haverâ huma, ou duas janelas Rasgadas, seg.do as divizoéns

dos palheiros p.ª q’ por ellas, q’ andarão Rentes ao Sobrado, Se lançe p.ª o foSso o Lixo,

q.do os palheiros se varrerem. Nestes palheiros opostam.te em os Seos 4 Lados por Sima

das portas, e das janellas haverão 4 pequenos oculos, ou frestas por onde Refazendo-Se,

entre o ar, o q’ Se az precizo p.ª a boa, e melhor ConServação da palha.

No lado, q’ fica oposto a Rampa, q’ pelo portão dâ Servidão a Caldeira, e abegoaria,

Sobre pilares de pedra, e cal, ou onde madeiras Se correrâ hum [tilheiro] em toda Sua

distancia de largura de dez, a 12 palmos p.ª alî Se recolherem da chuva as cabras, os

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76 carneiros, q’ alî pernoitão, e toda mais creação. Emcostado a parede do fundo de

baixo do tilheiro Se correrão os puleiros p.ª as galinhas, piruz V., e na ultima ordem de

Sima cazinhas p.ª pombos, o q’ Se pode Remedear, e com mais duração com

[agulheiros], feitos neSsa mesma parede, desde o Seo principio, o q’ Sendo bom p.ª o

verão, não dispenSão algumas Cazinholas de madeira p.ª o inverno.

[folha 15f.]

15

Encostado a parede do lado do poente Se aSsentarão duas, ou trez pios de pedra

neceSsarias p.ª Se lançar a comida p.ª os porcos, q’ pelo foSso andarão Soltos: Na

parede da Rampa maior se farão coelheiras.

Estando tudo aSsim mais, ou menos perfeitam.te construido, e prompto p.ª manobrar, e

cada huma das Couzas p.ª os Seos diverSos misteres, hê certo, q’ todos estes animais

trazidos, e conServados em hum ponto de união Sempre dentro do foSso, caldeira, e

[almoSega] são outros tantos fabricantes, q’ de dia, e de noite inSensivelm.te trabalhão

por conta do agricultor, e p.ª hum conhecido augmento, e fabrico do estrumo, e de dous

modos modos [sic], hum pelo q’, q q.to estercão, e outro pelo q’ andando, e movendo-Se

de Continuo moem, e desfazem o Lançado mato, tê com o preciozo alcalino das ourinas,

q’ ajudando a Cortar, e apodrecer velozm.te o mato, fermentão o estrumo, e lhe

entroduzem a p.e espirituoza, e volatil do Seo gaz.

Na Praça desta Caldeira Se lancarâ tudo q.to Se apanhar a mão a exceição das pedras

duras, e de dificil diSsolução, q’ os q’ forem moles, argilaceas, e promptas a

desfazerem-Se pelo acido das ourinas terão huma m.to boa aceitação, e aplicação no

augmento, e fabrico do d.º estrumo.

Não perderâ o vigilante agricultor o Seo tempo, e a Sua pequena despeza, Se no angulo

do foSso paralelo ao do portão, e maior Rampa fizer Construir hum pequeno forno,

como os do cal, q’ fique com a boca p.ª a caldeira, dentro do q.l pela p.e Superior, q’

iguala

[folha 15v.]

ao parapeito, vâ lançando algumas carradas dos oSsos de todos animais, ou pelo menos

aquelles, q’ Se for achando, encontrando, e ajuntando, no q’ Se comprehenderâ o

amago, ou Sabugo dos xavelhos, do mesmo modo alguma porção de pedra calcarea no

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77 Sitios, em q’ a houver, o q’ Serâ facil, pelo m.to, q’ ella hê de comum, e Se a fazenda,

ou quinta for Situada nas proximidades do mar do mar [sic] Se aproveitarão, e Se

mandarão buscar p.ª dentro deste forno em bestas, ou em Carro as m.tas Cascas de ostras,

e de todo, e q.lq.r marisco, q’ nas praias Se achão com abundancia disperSas; em fim

neSse forno se hirâ depozitando tudo q.to tenha Resistencia a disfazer-Se, e apodrecer,

como hê a Sola, o carro velho, [Serraduras], os Cestos, q’ cabão de Servir, os Sabugos

das maSarochas do milho, as vergas dos molhos das [vides], toda especie de Caniço, o

q’ tudo Sendo intermiado com pinhas, a limpadura dos pinhais, e com os troncos dos

matos, q’ na Caldeira Se hirâ escolhendo, Se lancarâ fogo em o tempo Competente,

havendo as pervençoéns, de Se ter Sempre coberta a boca Superior do forno, p.ª o afaste

das humidades do Sereno, e das chuvas, q.do mais não Seja Senão com o mato, de cuja

manobra m.to q’ Se tirarâ p.ª o foSso, e p.ª ajuda do estrumo huma boa, e perfeita Cinza,

e misturada com ella huma gr.de porção de cal.

Todos os dias, q.do poSsa Ser, ou q.do menos em cada huma das Semanas, Se alimparâ

com paz, e com vacoiras tanto a abegoaria, como a Cavallariça, lançando-Se o estrumo

nàtural pela Rampa baixa, e esta calcada; p.ª o foSso, aSsim como por ella corre diaria,

e inceSsantem.te a ourina de hum, e de outro gado. O mes-

[folha 16f.]

16

mo Se praticarâ em Cada Semana nas parteleiras dos pombos, puleiros das galinhas, e

Coelheiras. Alî Se lançarâ o Lixo da Caza, o dos palheiros, q.do forem varridos, as

Cinzas, q.lq.r estrumos de outras p.es transportados p.ª aquelle depozito, e guarda; o

bagaço da azeitona, da uva, o Seo Retraco, e folhelho, q’ Sendo guardado, e depozitado

em as estaçoéns Competentes, Se hirâ por vezes diariam.te lançando em a pia dos porcos

p.ª Seo pasto, e Se,pre de manhaâ antes da Comida, p.ª q’ os animais da Cortelha por

elle mais entrem; as forças de todas as frutas, e ligumes, todo genero de [Subejjos]; os

troncos, e raizes indestinctam.te de todas as plantas, e com mais frequencia das tenras,

de q’ se Sustenta o lavrador, e as q’ se vendem; as folhas velhas deSsas mesmas plantas,

q’ todos os dias Sendo vizitadas Serão trazidas em gr.de Sestos com transporte p.ª a alma

Sega; o folhelho, e a limpadura das eiras; os fructos verdes, e engoiados, q’ não vão

avante, e os outros, q’ o vento varejando os lança por terra, e em huma palavra tudo q.to

com facilid.e o acazo offerecer p.ª Se transportar, ajuntar, e lançar, o q’ Sendo escolhido

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78 pelos animais p.ª o Seo Sustento, o q.l Se tornarâ em estrumo, o remanicente

desprezado virâ a conSeguir o mesmo fim.

Para q’ seja augmentado o fabrico do estrumo o bom Lavrador terâ por perceito

inalteravel, q’ Socorra a industria, q’ em cada dia Se meta, e Se lançe na Caldeira no fim

do trabalho huma carrada de q.lq.r mato, e q.do iSso não poSsa Ser, ao

[folha 16v.]

menos Seja tarifa, q’ cada hum dos trabalhadores, e Serventes ao recolher tragão a

pouca Carga do mato, q’ puderem trazer.

Isto não é tão dificultozo, como a primeira vista pareSse Ser, huma vez, q’ houver a

percaução, e a lembrança de Se impôr ao pastor das Cabras, das ovelhas, e do gado a

obrigação, q’ no acto de o vigiar, e de o apascentar, Suave, e descançadam.te na ordem

do dia Se impregue, levando comSigo o instrumento neceSsario, no Corte, e ajuntam.to

do mato, p.ª q’ elle esteja prompto na ocazião, em q’ o Carro, e os transportadores

cheguem, dizendo na Sahida p.ª q’ Sitio Se destina a fazer em aquelle dia o Corte, e o

ajuntam.to delle.

Serâ huma jococid.e alem de Louvavel, q’ inculque indutria, e bond.e neSse mesmo

pastor, Se elle com exuberancia das suas obrigaçoéns entrar com disvello na economia

de fezer na ordem do dia huns pequenos molhos de mato, a imitação dos de carqueja, p.ª

no fim da tarde os atar, e os espetar nos xavelhos do Seo gado, trazendo como p.ª cada

hum delles a Sua cea, o q’ parecendo dificultoso, e estranho no principio ao gado pela

novid.e, dentro de pouco tempo habituado, elle mesmo jâ aCostumado ao transporte em

o espaSso medido Se aproximarâ voluntario a Receber a Sua tarefa, e deste modo Se

q.do o numero das cabeças talvez q’ Se dispenSe o transporte pelo meio dos Serventes, e

ainda mesmo dos Carros.

[folha 17f.]

17

Sendo de q.lq.r dos modos SuceSsivam.te na ordem dos dias da Semana certo o

transporte do mato, em hum dos dias Se farâ transportar huma carrada de boa terra, e de

vez em q.to de caliça, tendo Sempre preferencia, q.do haja, a do lixo, e moinho das

propriedades, q’ de novo se edefição, e Se concertão, em q’ vem a hum tempo a mistura

da cal, da terra, da Serradura, e do cisco velho, e novo da madeira, tudo p.ª dar hum

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79 Corpo ao estrumo, e Receber em Sî a Substancia, e a p.e mais Subtil delle, q.do Se vai

fabricando, e não perderâ nem o trabalho, e nem a despeza Se em cada mez fizer

espalhar por Sima do carretado, e depozitado mato huma carrada de cal, e Cinza

fabricada no forno, ou de outra q.lq.r com esta mistura, e por este meio, modo, e Sistema

não tema o bom Lavrador de achar em Caza, e em arrecadaçãp p.ª Sima de 200 carradas

no fim do anno de hum bom, e perfeito estrumo.

Entre as Cinzas, Lixo, e engredientes, q’ Se deve aplicar a factura, e ao fabrico dos

estrumos Serão com economia aproveitadas as Cinzas, e o lixo dos ferreiros, as q.s em

Sî levão as fezes, as pequenas fagulhas, e a limalha do ferro, q’ Sendo lançadas na

Caldeira, por onde Corre a ourina do gado, e dos viventes, em q’ Se comprehende a do

homem, o acido della dissolvendo-os em ferrugem, esta emcorporando-Se ao estrumo

lhe darâ huma conSideravel, e indizivel fortidão pelo meio de hum 3.º Rezultado.

Igualm.te Se aproveitarâ com-

[folha 17v.]

preferencia o Lixo das carvoarias; e na ordem dos ingridientes, como o mais principal,

os Subejos, e os Remanicentes dos dos cortumes, p.rq’ com elles vem huma gr.de porção

de cal, na falta o Seo alcalino, os cabellos, q’ largão os coiros, huma imenSid.e de Casca

de arvores, o Sublime estrumo, q’ se lhe ajunta p.ª este fim, e mais do q’ tudo isto a

precioza colha, q’ de Sî largão os Coiros, e peles nos dias da infuzão, o q’ Sendo m.to

Substancial vai dar hum novo tom ao estrumo, q’ se fabrica.

Vem a Ser mais do q’ desmazelo, q’ o fabrico do tão neceSsario estrumo m.to Senão

adiante nos contornos da grande Capital de Lx.ª, tê aquella espaçoza distancia, donde

descem em carros os generos, os viveres p.ª o Seo Suprimento, e tudo aquillo mais, q’

p.ª ella indestinctam.te Se transporta; e igualm.te, q’ o mesmo, e tanto mais Se não

pratique com estreita, e plena obServancia na grande Longitude do Riba Tejo, em todas

as Suas circumvizinhanças de huma, e outra p.e, tê aquilles Limites donde os mesmos

Carros descem Carregados a procurar o facil embarque, do q’ transportão, fazendo-Se

no Retorno conduzir p.ª as fornadas Caldeiras, e foSsos ordenados o Lixo, e as

varreduras das Ruas de Lx.ª, cuja imundice metida em trabalho, e em depozito della

Resultaria hum perfeito estrumo, e deste conSumo, e extração alem de Se conSeguir

com facilid.e a limpeza da Ruas, Se fartava melhor os campos com felicid.e da a

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80 agricultura do neceSsario estrumo, ainda q’ no principio Se impuzeSem condenações,

e multas aos carros, q’ no Retor-

[folha 18f.]

18

no, hindo vazios, não foSsem a hum certo Sitio, e monte Receber a Sua pouca, ou m.ta

Carga, o q’ Sendo estabalecido m.tos cazaes heverião, q’ por hum modico preço a

Compra-Se nas estradas por onde eSses d.os carros paSsaSsem:

Não se diga, q’ os animais, q’ morão, q’ vivem, e q’ pernoitão na Caldeira, e foSso

comem, destroem, e conSomem huma gr.de p.e do mato, q’ alî SuceSsivam.te Se vai

lançando, e depozitando, aSsim como tudo mais. Da quî Se Seguem não menos de

quatro comodos, e Conhecidas utilidades ao disvelado agricultor: 1.ª, q’ deste modo

ajuda a Sustentar huma porção de criação de animais da primeira neceSsid.e p.ª o Seo

Sustento, e p.ª Se valer delles, q.do lhe for precizo, ou p.ª Serem vendidos, q.do lhe Sobre,

o q’ entra na claSe de hum dos Rendimentos do predio:

2.ª, q’ eSses mesmos animais lhe vão calcando, moendo, e trabalhando o estrumo no

Seo fabrico:

3.ª, q’ elles posto q’ comão Suficientem.te tudo q.to lhes baste p.ª o Seo Sustento,

diminuindo por huma p.e o q’ ali no foSso Se lança, e Se tem, por outra, elles

continuadam.te estrumando vão Repondo, e deixando jâ fabricada, e aperfeiçoada huma

gr.de p.e daquillo mesmo, q’ Comerão, e com hum desmarcado exceSso de utilid.e em o

gado, q’ sahê a pastar por fora, p.rq’ de noite paSsando quaze toda em descanço trazem,

deixão, e Repoem o q’ de dia na pastagem comerão:

4.ª, q’ como na Caldeira, e almacega tudo Se lança, em cuja claSse entrão as cascas das

frutas, o folhelho das uvas, m.tas ervagens,

[folha 18v.]

folhas, e troSsos tenros, o q’ entrando em podridão, e fabrico quaze tudo desapareSe,

isto aSsim jâ não Sucede sendo aproveitada na Comida pelos animais, q’ dellas mais

gostão, e q’ a ellas mais Se entregão, e por este modo, e arbitrio se pode afirmar, q’ de

cada arrouba destes inSignificantes Restos, q’ comem, os q.s certam.te desaparecerião, e

com m.to mais atenção, e certeza em as faltas macias, e tenras, chegão os animais na

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81 espiculação a Repôr, e a deixar cozido, prompto, e fabricado de 6 à 8 arrateis de hum

bom, e perfeito estrumo natural.

Não deve entrar em objeção, derivada esta da experiencia do estrumo natural dos

porcos, q’ Sendo de per Sî lançado em q.lq.r cultura a faz secar, não produzir, e não hir

avante, p.ª da hî Se tirar o argum.to, de q’ devem Ser Removidos da Cortelha, almacega,

ou foSso, o q’ hê de facil convencim.to, entrando-Se na Combinação de ideas, e estas

Sempre Relativas as m.tas inSurgentes utilidades:

1.ª, q’ como o estrumo natural destes animais hê Sumam.te quente, e forte por iSso

mesmo na Cortelha, e no depozito Se faz neceSsario, e precizo, como p.ª o tempero do

outro estrumo arteficial dos vegetais, q’ Sendo [nimiam.te] fresco, vem a Ser a vista

delle algum tanto fraco, e menos forte, e nestas circunstancias estâ elle tão Longe de Ser

prejudicial, q’ em cazo tal vem a Ser util, e neceSsario.

2.ª, q’ aproveitando alî aquelles animais tudo q.to podem a-

[folha 19f.]

19

proveitar, Se adianta com economia o Sustento, e o crescimento de huma porção de

gado, q’ vem a Ser a fartura do Lavrador no tempero de todas suas ervas, plantas, e

Legumes.

3.ª, q’ estes animais andando Sempre em hum continuado giro, e com vagarozo paSso,

melhor do q’ nenhum Outro quebra, corta, e moe o lançado mato, e tudo q.to ali Se

lança.

4.ª, q’ eSses animais não tendo as patas Razas, e mais antes angulares, e os dedos aSsim

dos dos pez, como das maóns pontudas, estas lhes Servem a hum tempo de certo, e

prompto instrumento, p.ª q’ com a ponta das unhas, quinas, e gumes doas angulos

milhor do q’ nenhum outro corte, e pique SuceSsivam.te, e de continuo o mato, e todo o

genero, q’ Se lance p.ª o fim do estrumo no foSso.

5.ª, q’ como hê propried.e neSses animais o foSsarem, Revolvendo elles no dia m.tas

vezes os compostos, q’ alî Se deitão p.ª o fabrico do estrumo, nelles acha o agricultor

huns incancaveis, e infaliveis Operarios, q’ Sô pelo Sustento trabalhão, militanto

Sempre com acrescimo, e com proveito do agricultor por todas Sobred.as indicadas

utilidades.

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82 Por ultimo não entre em Refleção, q’ as aguas, q’ em Sî [Recebem] a caldeira em todo

Seo espaSso no decurSo do inverno, e ainda aquellas, q’ a ella vem ter dos telhados dos

palheiros, podem Ser no depozito prejudiciais ao estrumo, q’ Se estâ, e q’ Se vai

fabricando, p.rq’ eSsa mesma agua Se

[folha 19v.]

faz preciza p.ª cortir, desfazer, e amaçar os compostos, e os ingridientes, q’ ali vão

Sendo depozitados p.ª factura do estrumo, o q’ conSumindo-Se, e gastando-Se hûma das

Suas p.es, outra Secando-Se, e outra purificando-Se com o calor do estrumo tê ao ponto

da Sua Redução a terra, e cal, ainda vem a Ser tão pouca, q’ p.ª acudir-Se ao incendio do

mesmo estrumo por ocazião do gaz, e dos alcalinos, q’ Se ajuntão, e q’ a hum ponto Se

defecão, Serâ precizo ao agricultor na força do calor por providencia acudir-lhe de vez

em q.to com borrufos de agua transportada, o q’ tão bem Servirâ p.ª o milhor fabrico do

estrumo, em q’ Se continua, e Se vai proSeguindo.

Annotação Sexta

Em q’ se dâ hum novo arbitrio pelo q.l, e pelo meio de hum terreno arteficial com

economia Se poupem, e Se Reduzão a cultura todos aquelles espaSsos, q’ se achão, e q’

estão ociozos, p.rq’ os terrenos, ou São inteiram.te bravios, Soltos, barrentos, arenozos, e

tão fracos, q’ jâ não podem Receber beneficio algum algum com inutilid.e da imistão, ou

p.rq’ a Sua superficie Se ache impedida, e ocupada pela

[folha 20f.]

20

imenSidade de pedriscos, ou porq’ eSsa Superficie Se ache substituida pelo [calva] das

pedreiras Razas, q’ Se deixão ver, ou por aquellas, q’ posto q’ ocultas, existem Logo

abaixo da Superficie dos terrenos.

Quando Se obServar, q’ o terreno ou hê inteiram.te arenozo, cheo de huma imenDid.e de

pedrisco, e este da claSse dos vagos, solto, barrento, ou tão argilozo, e ainda terreo, e

este tão fraco, q’ Se conheça, q’ todo, e q.lq.r beneficio lhe vem a Ser inutil, e

esperdiçado, e dificultoza em todo cazo Sem proveito a imistão de q.lq.r outra terra

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83 estranha, então pelo outro maior esforço do trabalho, e da industria Se tratarâ com

desempenho deste arbitrio fazer hum terreno superficial, e inteiram.te novo, conduzindo-

Se p.ª este fim de outra p.e huma terra, q’ seja de boa escolha, acumulando-Se esta ao

antigo terreno por q.lq.r dos indicados principios infructifero, ociozo, e inertil, e isto

pelo menos na altura de cinco a Seis palmos, bem intendido, q’ q.to mais alto for este

entulho, q’ Se lançar, e q’ Se conduzir, mais Seguro Serâ o desempenho deste plano, e

milhor ficarâ Sendo a propried.e do terreno.

Este modo, meio, e Sistema de Se aproveitar com economia, e com utilid.e conhecida os

terrenos estereis, infructiferos, arenozos, e cubertos de pedrisco, hê e deve Ser

extenSivo a

[folha 20v.]

todos aquelles outros, q’ por calvos, e descubertos nelles se deixão ver grandes Lapas, e

pedreiras, e ainda a aquelles outros Superficiaes, em q’ Logo abaixo, e Rente a elles

estão Como ocultas outras mais pedreiras, as q.s Sendo cobertas com o novo terreno do

modo indicado, jâ temos hum terreno novo, e hum espaço, q’ tendo estado no ocio, e na

inutilid.e, Se tornou a util, e acultivado.

A primeira vista bem Se deixa conhecer, q’ este modo do preparo dos terrenos não hê

proprio, e menos apto, e acomodado p.ª todo gênero de plantação, mas Sim, e tão Som.te

p.ª toda aquella cultura, q’ não depender de maior profundid.e; quero dizer, p.ª toda

cultura, q’ for Superficial, e nunca p.ª a plantação de arvores fructiferas, p.rq’ as Suas

Raizes, e Ramificações dellas procurando profundidade encontrarão a Roxa, a lapa, o

pedrisco, o mesmo velho terreno arenozo, e infructifero, q’ as farâ manter no estado da

improdução.

DispenSome de anunciar, e de individuar as diverSas culturas da claSse dsa

Superficiais, p.rq’ ellas São m.to bem Sabidas, e bastarâ lembrar, q’ ficão Sendo

Suficientes, e proprios p.ª todo genero de Legumes, de ervas, de batatas de grão, e entre

estes com grande preferencia p.ª a lavra, do trigo, do Centeio, da sevada, e do milho, q’

por não termos q.to nos baste Somos fornecidos por Nasçoéns estranhas, q’ nos levão,

Sem Ser a troco, no Re-

[folha 21f.]

21

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84 torno o noSso preciozo Realizado, e em peSsoa, ou o Seo equivalente em letras

Cambiais, q’ tanto oprimem a noSsa Praça, Sem q’ nos demore a Refleção, de q’ q.do Se

Retirão vão carregados, e abarrotados de generos, os q.s Sô São Levados, e

transportados, ou q.do São pedidos por outros, q’ não intereSsarão em a Sua Carga

deixada, e conSumida; ou pelos noSsos espiculadores, q’ com expozição vão a entrar

em tentativas.

Tãobem eSses terrenos superficiaes, q’ com este arteficio podem, e devem Ser

construidos, com a economia perciza Se aplicarão, e m.to principalm.te aos maritimos, e

aos q’ São Sugeitos as inuncaçoens, q.do menos p.ª os pastos beneficiados, o q’ Sendo

desconhecido entre nôs temos gr.de falta p.ª a pastagem dos noSsos gados, do q’ talvez

q’ nos Rezulte a neceSsid.e das carnes, q’ pela maior população, e menor produção, e

criação dellas vão Subindo a hum gr.de preço, q.do aliàs no decurSo de 25 annos as

tivermos por menos 15r’ em arretel, do q’ taobem com infalibilid.e nos Rezulte pela

falta de gados o atrazam.to da agricultura, tudo p.rq’ este artigo, q’ hê digno de entrar em

objecto, não tem merecido os disvelos da noSsa industria, q’ teria por Regras antes do

Restabalecim.to, e abundancia deste genero: 1.ª, nunca matarem-Se vacas, novilhas, e

vitellas precizas p.ª a fecundid.e, e propagação do gado: 2.ª, nunca matarem-Se bizerros,

e vitelos, p.rq’ neSsa pouca id.e perdemos as arroubas a q’ elles São ResponSaveis pelo

futuro crescim.to

Havendo, ainda q’ Seja aos poucos, esta especie de dilatação de terreno como destino

das mencionadas culturas, e com m.to mais atenção na proximid.e das povoações

maiores, e ainda junto a outra

[folha 21v.]

q.lq.r, aonde os generos fazendo-Se precizos, conSumindo-Se Se poupão os transportes

da importação, e exportação delles p.ª mais longe, q.do não em dez annos, em hum

Ceculo, e nos Seg.tes poderemos pela força do trabalho, e da industria bem destribuida

adquerir perfeitam.te a noSsa [manumiSsão] com triumfo Sobre a ambição dos

estranhos, q’ nos olhão como p.ª feudatarios, e atê dependentes do proprio Sustento.

Não hê inteiram.te nova esta Lembrança de com acrescimo se fazer bom e util q.lq.r

espaSso ociozo pelo meio dos terrenos superficiaes, mas Sim derivada da experiencia, e

do mesmo, q’ jâ vî praticado no noSso Continente, ainda q’ Sem o dezejado effeito.

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85 Na Serra de Monte Achique, vulgarm.te chamada a Cabeça, houve hum estrangeiro,

Comerciante da noSsa praça, chamado João Perret, hoje falecido, q’ alî m.to comodam.te

Comprara hum gr.de terreno, e este m.to pedrento. A pedra Solta, vaga, ambulante, e

ainda aquella, q’ elle pode mandar tirar com pouco Custo, e despeza foi aproveitada em

huns bons, altos, e fortes muros, com q’ ficou este terreno espacozo no seo circuito

fechado, e esta obra na Sua conSideravel extenção, e bond.e tirando-lhe as forças,

conSumio huma gr.de p.e do seo fundo.

As pedreiras firmes, e as Lapas por meio de [Surribaçoéns], e de terrenos, q’ fez mudar,

e conduzir, forão cubertos na altura de dez, a 12 palmos do modo, q’ deixamos

indicado, e p.ª Levar mais Se-

[folha 22f.]

22

gura a espiculação, e este arbitrio, pondo talvez em praxe o q’ vira, e obServara no

Reino, e Provincia do Seo natalicio, propondo-Se a q’ a terra vaga, Sobreposta, e

Superficial não foSse Levada pela chuva, pelas enchentes, e pelas aguas escorridas dos

montes, Seguindo as vertentes, e os vestigios das q’ abunda aquelle terreno, entre Roxas

pelo meio de abertura de valas as fez encanar, e gastando em tudo com comprehenção

de huma decente Caza, e m.tas Officinas curioza, e perfeitam.te feitas, bons 80$

cruzados, p.rq’ falacera não paSsara pelo disgosto, comeSado em vida, de ver vendida

esta Sua arteficioza fazenda por 21$ cruzados.

Este Seo projecto Sendo optimo poderia ter Sido menos dispendiozo, Se elle não Se

disvelaSe tanto no milhar, no mais forte, e no mais Sumptuozo: Se Se contenta-Se em

Se intrincheirar tão Som.te comvalados, fugindo a grande despeza dos dilatados muros

de pedra, e cal, com q’ Se feixou, o q’ Sô bastaria, e q.do m.to Levantando os de pedra

Seca com [emboço], e Reboque na extenção da estrada, q’ vai p.ª Mafra.

Tornou-Se-lhe de certo modo inutil este Seo gr.de trabalho, industria, e despeza pelo

genero da plantação, a q’ Se propoz em aquelle d.º arteficiozo terreno, no q’ Se

prejudicara o publico, p.rq’ a 35 annos a esta p.e entregando-Se disveladam.te a

plantação das Amoreiras p.ª o beneficio, e fabrico da Seda, obtendo do mesmo publico

3$ pez de Amoreiras entre as m.tas mais, q’ Se mandarão buscar a Italia p.ª a propagação

dellas, Sendo

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86 [folha 22v.]

ellas alî plantadas nos primeiros quatro, e cinco annos nada houve mais florente, e nem

mais bem vingado, de forte, q’ entre elle, e os Seos amigos paSsava por huma especie

de devertimento hirem Se Rever em aquelles tenros arbustos, q’ m.to prometião.

Depois de 4, e 5 annos Se observou, q’ todos aquelles arbustos entrarâo a mudar de Cor,

isto hê de hum verde claro, a hum verde escuro, como Se vê em as arvores velhas:

observou-Se, q’ estes arbustos nada mais crescerão, e q’ Sô Se coparão, e q’ a m.tos

delles catindo a folha por ocazião do invero nunca jâmais a Recobravão, ficando no

mesmo estado atê Se cecarem de todo: Neste meio tempo dos 4, e dos 5 annos se

disvelou aquelle agricultor em fazer plantaçoéns de m.tos Ramos, derigindo-Se a

propagação desta nova planta em gr.de numero: Ocupou-Se em fazer huma gr.de

despozição, Cazaz, e parteleiras p.ª a creação do bixo da Seda, q’ a isto corresponde-Se,

e ao q’ Se projectava ainda plantar.

Nos dous annos seg.tes depois do engroSsam.to dos toros, e dos troncos Se obServou, q’

ora huma, q’ ora outra arvore entrou com gr.de força a cecar, e todas mais Seguirão o

mesmo destino. Entrando em obServaçoéns vî, q’ aquelle terreno Superficial, q’ era no

Seo principio de 10 a 12 palmos calando-Se, habatendo-Se, e condencando-Se com o

tempo, e com as chuvas em os SuceSivos annos Se tornara a 6, e a 8 palmos de altura, e

mandando arrancar huma das ar-

[folha 23f.]

23

vores jâ cecas, obServei, q’ a Sua Raiz principal era quaze da groSura do mesmo tronco,

e quaze Raza em a Sua extremid.e, o q’ bem me inculcava, q’ aSsim q’ a Raiz chegara

ao penedo, q’ houvera, Sem q’ o podeSe Romper, RetroceSso, o q’ dera. Cauza a

engroSsar a principal Raiz, o mesmo tronco, e a Copar-Se, o q’ m.to mais me certeficou

as m.tas Ramificaçoéns, q’ Se cortarão, e estas extenSivas a todo o circuito do terreno, e

da Raiz principal, aonde havia alguma extensão, e tortura pela terra adiante, como o.m a

procurava, o q’ nunca pode ser bastante, p.ª q’ as d.as arvores vegetaSem, nem ainda

com a conServação do estado, em q’ ellas Se achavão.

Desenganado aquelle colono com este mao SuceSso das Suas primeiras tentativas, de

pouco lhe aproveitava primeira Lição; p.rq’ posteriorm.te Se propoz a fazer huma quinta

mimoza; de pouco Rendim.to, e mandou p.ª este fim vir de fora, e com despeza os

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87 enxertos das milhores frutas, e os fez plantar nos lugares aonde a agua lhe era mais

perene, do q’ ainda colhera m.tos fructos, ficando aquella quinta Reduzida a pomar, q’

Sô Se conServa a poder de amanho, de estrumo, da agua, e da vigilancia, e ainda q’ pela

Sua morte a deixaSe neste pê, com tudo pelo tempo adiante, a exceição das q’ se achão

plantadas em terreno mais profundo, espero a mesma Sorte, o q’ jâ vai sucedendo em

poder de 3.º com a desculpa de arvores velhas, q.do São novas, e Reformadas, tudo p.rq’

Se ignora a perfeita historia deste terreno, q’ vai a Ser desconhecida no maior

[folha 23v.]

numero dos annos, q’ cada vez mais vão decorrendo.

Pelos effeitos daquelle mao SuceSo, pelo q.to de mais SuceSivam.te espero, e com a

Recupilação do q’ fica dito não me proponho a entrar na Reprovação desta especie de

terreno arteficial, e Superficial; Sô me proponho com Rateficação a confirmar o q’ jâ Se

dice, q’ não Serve elle p.ª a plantação de arvores, cujas Raizes demandão, e pedem a

profundid.e do mesmo terreno p.ª a dilatação dellas.

Proponho-me Sim a demonstrar com a maior evidencia, q’ elle fica Sendo apto, e

oportuno p.ª a cultura, e Sementeria de todo, e q.lq.r ligume, e grão, fazendo Sempre

preferir aquelle, q’ seja da noSsa primeira utilid.e, e neceSsid.e; p.rq’ torno a dizer, q’ Se

aquelle agricultor Se contentaSe Sô com o cerco dos valados, e houveSe feito plantar

q.lq.r dos indicados generos, elle certam.te haveria tirado da Sua agricultura m.tas, e

grandes utilidades, e o Seo arteficio, e industria, alem de louvavel, teria Sido bem

Recebida, e a Seo exemplo por m.tos abraçada.

Não pareSa Ser de pouca atenção, proveito, e consideração este arbitrio, e o Seo

desempenho de Suma

[folha 24f.]

24

dificuld.e; a q.l vem a Ser nenhuma a vista das utilidades insurgentes, do uzo fructo

Rezultante, da fruição perene, q’ este terreno aSsim beneficiado entra a prestar ao bom,

e industriozo agricultor, e a vista tãobem do novo valor, e do maior preço, q’ entra a ter

este novo solo; porq’ vemos, q’ do pouco, ou nada da Sua primitiva estimação, ella

paSsa a valer mais, e m.to por dous principios: 1.º porq’ aSsim com acrescimo Se vê

beneficiado pelo meio da industria, q’ lhe dando huma nova forma, lhe deo hum novo

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88 valor: 2.º, p.rq’ entrando a produzir, entra, e comeSsa a Ser grato, e benefico com os

fructos ao mesmo agricultor, q’ o beneficiara, e q’ o tirara da inercia p.ª a utilid.e

Não nos deve aSustar, e menos Retroceder o paSso com inofficiozid.e deste bem

concebido plano, e arbitrio o terror panico, nascido da preocupação, q’ nos poSsa

acometer na dificuld.e do desempenho deste pensamento, o q’ aSsim, e Sempre de

ordinario Sucede em todo, e q.lq.r projecto, q’ de novo entra a parecer; p.rq’ q.to elle tem

de novo, contra elle entra a inSurgir, e a Sofrer outras tantas opoziçoéns, e inSultos, q’

vem a Ser contraria a Sua subzistencia, promoção, e duração.

O q’, e o q.to fica dito com a maior facilid.e se pode verificar nos lugares contornos, em

q’ Se vão abrindo, e indireitando

[folha 24v.]

as novas estradas, havendo as percauçoéns, e a lembrança, q’ em vez de Se fazer com o

desentulho hum novo monte, ou hum Cordão de terra a borda, e a frente das estradas, o

q’ não dâ expedição as aguas em prejuizo dos Campos, e das terras entrixeiradas, q’

eSsa mesma terra Se transporte p.ª os Lugares, e espeSsos arenozos, cheos de pedriscos,

de lapas, e de pedreiras Razas, q’ Se deixem ver a Superficie, ainda q’ o Senhorio do

campo beneficiado haja de prestar algum Socorro, e ajuda nesta obras, q’ lhe vem a Ser

tão util, observando-Se neste beneficio do transporte do terreno vago, ou mesmo nas

Surribaçoéns dos montes mais vezinhos Sempre a indicada iguald.e de 5 atê 6 palmos,

Sendo bem intendido, q’ q.to mais alto poSsa Ser eSse novo terreno Sobreposto, e p.ª alî

conduzido, m.to melhor, e mais preciozo elle ficarâ Sendo, e de m.to maior valor p.ª Seo

Senhorio.

Quando porem neste Sitio, e contiguid.e de Semelhantes terrenos, e espaSsos calvos não

houver Rompimento, abertura, aplainação, e destrocim.to de estradas, donde a hum

tempo, e com hum Sô trabalho Se poSsa comodam.te transportar o terreno, ainda q’ toda

despeza do transporte Seja a Custa do Senhorio do terreno ociozo, aproveitando-Se tão

Som.te da Cava, e da promptidão do entulho, tratarâ de surribar algum pequeno monte,

q’ se ache mais pro-

[folha 25f.]

25

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89 ximo, e mais vezinho, preferindo Sempre aquelle, q’ por medeação da Cava

desfazendo-Se o pequeno monte ou lingueta de terra o Campo Se dilate por aquella p.e,

q’ ocupa o monte, ou ligueta, fazendo-Se eSse campo no Seo nivel, q.do poSsa Ser,

igual, e Comunicavel ao outro, q’ lhe Seja proximo, e vezinho, e na falta pelo menos

com declive p.ª elle, p.ª melhor expedição das aguas.

Não concorrendo, e não Se podendo verificar em Circunstancias tais esta tamanha

utilid.e, q’ a hum tempo Se Realiza por dous diferentes modos: 1.º de Se alargar o

Campo pelo espaço, q’ deixa vago o pequeno monte, ou ligueta: 2.º o de Se unir, e fazer

igual ao outro Campo vezinho; então a todo custo em Carros, (diferentes dos q’ uzamos,

Como Se descreverâ na annotação Respectiva), cem bestas, ou de q.lq.r outro modo, Se

deve transportar o terreno de outra p.e, p.ª com elle Se formar o Solo Superficial de 5 a 6

palmos de altura, repetindo-Se m.tas vezes, q’ todo trabalho, e despeza Serâ bem

impregada neste aSsumpto, e desempenho pelo novo, e maior valor, q’ em Si Recebe

este Solo aSsim beneficiado, o q’ em concurrencia m.to q’ mereSe a pena, e o trabalho,

contrabalanciada a despeza com a utilid.e della Rezultante.

Para se facilitar no Seo desempenho este traçado plano, e p.ª q’ na execução delle mais,

e m.to Se poupe a despeza do transporte do terreno, entrando-Se em a preciza, economia,

Se

[folha 25v.]

entrarâ taobem na escolha de hum bom terreno proximo aonde profundando-Se Se

poSsa extrahir, e fazer conduzir delle a porção de terra, q’ neceSsaria Seja p.ª esta obra,

porem Sempre com as Cautelas, de q’ no Retorno Se faça transportar p.ª o centro da

mina outro terreno arrenozo, [sic] e cheio de pedrisco a propo.ção do q’ dalî Se leva, no

q’ Se continuarâ avante, e em todo aquelle espaSso, seg.do a neceSsid.e [o poder] na

conclusão, vindo a Ser o ultimo trabalho, q’ eSse mesmo lugar do FoSso venha a Ser

cuberto, e igualado com o mesmo bom terreno.

Annotação Septima

Sobre o arbítrio, e providencias, q’ se dão p.ª Serem aproveitados os terrenos arenozoz,

e p.ª q’ as areas não entrem, e não ocupem os bons terrenos, como Repelidas, e

afastadas pela construção de hum Cais arteficial, concluindo-Se como, e de q’ modo

com permanencia devem Ser construidas as estacadas.

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90

[folha 26f.]

26

Esta especie de beneficio despendido no modo, e meio de Serem formados os terrenos

arteficiais deve Ser extenSivo a aquelles m.tos, e consideraveis terrenos, q’ Se tem, e q’

Se vão tornando ociozos pelas diverSoêns dos Rios, q’ deixão as Suas matrizes pelas

aluvioéns, cheas, correntes das aguas dos montes, q’ em tempos proprios engroSsando

os Rios, e fazendo tresbordar a agua p.ª fora dos Seos Limites, [fazem] trazer tãobem

huma imenSid.e de areas, q’ aos poucos, e SuceSivam.te entrando pelas terras as vão

cubrindo, e por meio de huma guerra Surda vão conquistando a melhor porção do noSso

patrimonio, e com tanto exceSso, q’ no decurso dos annos, e dos Ceculos chegão a

Suplantar Lugares, Villas, e Cidades.

Dous são os modos, e os meios de Serem prevenidos estes annuais inSultos, q’ por m.tas

vezes São Repetidos: 1.º pela encanação dos Rios, e abertura das valas: 2.º Pelos Cais

arteficiais, fazendo-Se estacadas intricheiradas, e fortificadas com a plantação de

algumas arvores, q’ as faça com permanencia, q.do não perpetuas, duraveis, Como São

Sobreiros, Salgueiros, alamos, choupos, vimes, e outras m.tas, as q.s produzindo Se

poSsão conServar, p.ª q’ havendo este Resguardo, q’ afaste, e q’ Rezista a entrada da

agua das enchentes, tãobem afaste a entrada das m.tas, e continuadas areas, q’ ellas

arrastão, o q’ Sendo aSsim feito, Logo, e Sem demora Se deverâ principiar o entulho do

terreno arenozo, q’ Sendo con-

[folha 26v.]

quistado pelas inundaçoéns Se acha ociozo, e perdido, e m.to mais pela franca entrada, e

novas conquistas Se poderâ perder, não havendo estas pervençoéns.

Serâ feita a estacada aSsim plantada em duas ordens, porem Sempre desencontrada

huma da outra, tendo a largura de 6 a 8 palmos; entre huma, e outra estacada Se hirâ

lançando terra, q’ não Seja arienta p.ª não Ser disfeita, e levada pelos primeiros, e

SuceSivos impetos da agua, e neste fabrico do Cais arteficial nos intermedios com a

terra Se hirâ lançando alguma pedra com advertencia, de q’ q.to mais groSsa for melhor,

e encostado a huma, e a outra estacada pela p.e anterior a ella Se hirâ lançando em a Sua

extensão, e isto tê a altura da estacada, alguma madeira, e paos Compridos, e

intermeados ao longo, q’ mais, e melhor Se conServem Suplantados, e estendidos na

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91 terra, e na humid.e, no q’ poderão ter a premazia os noSsos pinheiros, tudo p.ª q’ a

trinxeira, e cais artefical mais se forte fique, o q’ igualm.te Se praticarâ encostado a

primeira Linha da estacada, q’ fica da p.e do tereno, q’ de novo se ha de formar Sobre a

arca, q’ ocupara o antigo, e p.ª q’ eSsa trinxeira, estacada, e cais arteficial ganhe

equilibrio p.ª Sustentar a terra do novo terreno, q’ a ella ha de Ser encostado, e p.ª q’

taobem a corrente das aguas nella logo Se não impregue, Se farâ huma Rampa, escala,

ou escarpa da estacada com declive p.ª o Sitio, ou lugar do Rio em q’ Se espera a

enchente, ou levada, a q.l Serâ Refeita, e Re-

[folha 27f.]

27

parada em todos os annos.

Feita do Sobred.º modo, e com a maior perfeição na frente a estacada, trincheira, ou cais

arteficial Logo, e primeiro Se comeSarâ a entulhar da estacada p.ª dentro, e Sempre por

toda Sua direção, e extensão, p.ª q’ este entulho encostado ao parapeito em ordem,

dando huma nova força, e hum bem conhecido Reforço a trinxeira, fique, e esteja

prompto p.ª Rezistir a q.lq.r inundação, e inxente, e p.ª q’ tãobem interiorm.te Sustente o

equilibrio da Rampa exterior, depois do q’, jâ com este afaste, com maior descanço Se

continuarâ no entulho do Remanicente do terreno arenozo, espraiado, e cheo de Lodo.

Adverte-Se primeiro, q’ imprehendendo-Se huma obra desta natureza, e tão util, em

hum anno, ou em dous Serão metidas, e plantadas em verde, e m.to melhor Serâ com

algumas Raizes as estacas, q.do mais não Seja de arvores Silvestres, p.ª se dar tempo a q’

ellas peguem, e comoSem a vegetar: Adverte-Se Segundo, q’ estando firme, e florente

huma, e outra estacada, Como Se dezeja, e se faz neceSsario, de 4 em 4 annos, ou q.do

mais precizo for, se farâ hum corte em toda Sua Ramage em os tempos oportunos, do q’

Rezultarâ não menos de trez utilidades:

1.ª a de não fazer Sombra a eSse mesmo terreno arteficiozo em prejuizo da produção:

2.ª a de q’ com o corte mais Se engroSarão os troncos, e Se profun-

[folha 27v.]

darão as Raizes, o q’ verte em maior Segurança, duração, e perpetuidada das mesmas

estacadas:

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92 3.ª, a de Se aproveitar deste modo, e SuceSivam.te a Ramage p.ª o estrumo, e a lenha,

de q’ temos tanta falta:

Adverte-Se 3.º, q’ nesta empresa, aSsim como no desempenho de todos os mais

arbitrios, não nos deve esmorecer a lembrança, de q’ os Rendim.tos, e os lucros não

correspondem a huma tamanha despeza, propondo-Se a Regula-los pelos primeiros

annos, q.do aliàs em todos estabelecim.tos Sempre Se Regula a conta, e o calculo pelo

tempo, e espeSso de dez annos, no q.l Sempre entra por exação a melhoria, e o preço

Real da Couza, q’ se fizera de hum novo, e maior valor.

Este artigo, aSsim considerado hê de huma gr.de monta, e de huma consideravel utilid.e,

medida esta por todos os Seos Lados: 1.º, q’ se poupa hum terreno ociozo, e inutil: 2.º,

q’ hê hum dos modos de Se economizar o noSso patrimonio tão preciozo, q.l hê a terra:

3.º, q’ esta por este dos generos, de q’ nôs mais precizamos, conSeguindo-Se alem da

independencia do Socorro estranho a barateza delles, do q’ hê inSeparavel a abundancia,

e a fartura: 5.º, q’ por este meio, e modo Se Reziste a q’ pela entrada, e aceSso franco

das aguas, e das areas não Se perca, hindo avante a conquista, maior porção de terreno,

do q’ aquella, q’ jâ Se acha perdida no ocio, e na inutilid.e, alem daquella ou-

[folha 28f.]

28

tra, q’ tem desaparecido nos escalvados, por onde o mar entrando, e as aguas aos poucos

Se dilata na esperança, e na poSse, em q’ Se confia de mais se dilatar, o q’ bem poderâ

Servir de exemplo entre outros o Rio [Mondego]: o q.l vizivelm.te Sulapando

[maraxoéns] de terra, q’ nelle Se sepultão, vai SuceSivam.te fazendo Seo o gr.de, e

famozo Campo de Coimbra.

Hum terreno, ou espaSso desta natureza de todo perdido, e entregue no ocio a hum

inteiro abandono pareSe, q’ na Sua desgraça merecendo as primeiras atençoéns, deveria

Ser dado Sem onus de foro, ou de pensão com toda facilid.e, e franqueza a toda aquella

peSsoa industrioza, q’ se propuzeSe a querer beneficiar; porq’ a despeza do beneficio

m.to q’ vem a vencer o tenue preSso do Seo quaze nenhum valor, vindo todos nôs no

comum da [Curatela] a lucrar por meio deste novo contrato, Levando como certo o

Suprimento de todo, e q.lq.r [apuro] q’ elle pode-Se, e entra-Se a produzir!

voluntaria, deveria Ser voluntaria, e neceSsaria na prompta enrtega de Semelhantes

terrenos, e ainda mesmo de todos os mais Sobre ditos Sem a menor penSão, aos

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93 industriozos agricultores, os q.s tendo Sido poSsuidos pelos [directos], e primitivos

Snr.es, estes ou por negligentes, ou por impoSsibilitados os não tem podido, e nem

querido cultivar, contentando-Se Sô com a vão, e prejudicial gloria de os poSsuir na

inação, q.do aliàs não hâ, e nem poderâ jâmais haver hum Legitimo,

[folha 28v.]

e justo poSsuidor, do q’ aquelle, q’ tirando o terreno da inercia, e do abandono o tem

beneficiado, e porq’ em noSso prejuizo não nos deve de morar os mal intendidos

principios, a estreiteza, e a Subtileza da Dir.to, de q’ ninguem deve Ser privado, e

desapoSsado do q’ hê Seo, Servirão de optimas Regras a eSse Respeito.

Primeira, q’ havendo a Couza, e a utilid.e publica no Cazo daquelle abandono, e de

Relição, q’ esta deve prevaler a particular, e ao vão Caprixo: 2.ª, q’ aquillo, q’ me não

faz mal, e a outros aproveita, facailm.te, e de boa vont.e Se deve conceder, e permetir: 3.ª

q’ não hâ modo, e meio mais bem Lembrado, e escogitado de Se promover a

agricultura, do q’ Liberta-la de foros, de medidas, de penSoens, e de laudemios, ficando

Sô a justa [Ciza] por Ser Rendas do Estado, q’ tem Suas aplicaçoéns: 4.ª, q’ todos os

Senhorios de Semelhantes terrenos impoSsibilitados, ou negligentes Serião primeiro

Requeridos com huma especie de Cominação e de [prescrio] maneira Sobre d.ª, ficando

franco Requerer q.lq.r p.ª Sî, na certeza de q’ os bens desta natureza, Sendo aSsim

conServados, e detidos na inercia, e na inutilid.e nem aproveitão aos Senhorios, nem ao

publico, nem a Socied.e, e nem o 3.º

Contrariam.te Se poderâ Reflectir, q’ todas as providencias expendidas Sobre a

Construção dos Cais arteficiais, e das estacadas com a plantação de arvores m.to q’

poderão Ser provei-

[folha 29f.]

29

tozas na Rezistencia da agua doce, e dos montes, q’ ocazionão as cheas, e a entrada das

areas, o q’ não poderâ Ser util, e verificar-Se na entrada das aguas do mar, as q.s

trazendo areas, e Sulapando os terrenos tãobem conquistão, tudo p.rq’ na contiguid.e do

mar não podem as estacadas Ser de arvores productivas, q’ alî Se plantem.

Neste cazo entrando-Se nos esforços do degredo do mal, e nas prevençoéns, de q’ elle a

mais não vâ, e ainda mesmo Recobrando-Se o Campo perdido Se farão as estacadas do

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94 modo Sobre d.º com estacas Secas, e não plantadas, devendo-Se no emtanto p.ª

Semelhante fim entrar-Se na descuberta com disvelo das madeiras, e arvores, q’ podem

florecer, e vegetar, Sendo banhadas pela agua Salgada, ainda q’ foSse por meio de hum

bom estabelecido premio, e com m.to boas esperanças Se pode entrar em as […] dos

[Manaus] arvoredo ma- […]

OS q’ não forem huns verdadr.os amigos da Patria, e os q’ não tiverem hum perfeito

conhecim.to do Mundo cultivado, e a verdadr.ª idea do ultimo ponto di perfeição, e de

adiantam.to, o q’ elle ainda pode chegar pelo meio da industria, e do trabalho, a q’ Se

poupão, Lerão estas noSsas annotaçoéns com huma especie de irrizão, ou pelo menos

inSenSiveis ao Patriotismo, e ao bem Publico com-

[folha 29v.]

hum Criminado indeferentismo; tendo, e conSiderando por Superfluo, por

desneceSsario tanto, e tão desmarcado trabalho, p.ª Se conSeguir huma Couza, e humas

certas porçoéns de fructos, q’ no Seo penSar São de pouca conSideração, perSuadindo-

Se, q’ ainda Sem elle os estão poSsuindo, e desfructando na inSenSibilid.e; e na falta do

ultimo, e do perfeito conhecim.to do mal, q’ experimentão.

Sirva-lhe p.ª Seo desengano de primeiro, e de unico argum.to, /preterindo por brevid.e

outros m.tos/, destructivo das Suas danozas preocupaçoéns, de espelho, e de famozo

exemplo a mercantil Olanda, Nasção Florente, q’ contando poucos ceculos de

estabelecim.to, trabalhando em conServar, em economizar, e em dilatar o Seo terreno, no

afaste p.ª conSeguir o Seo augmento, tê fazendo guerra ao mar, ella Se vê farta, e com

tanta abundancia, q’ nos estâ Suprindo com m.tos, p.ª não dizer com todos dos Seos

preciozos generos, q’ lhe Subejão.

Annotação Oitava

[folha 30f.]

30

Sobre os Mangues, arbusto maritimo do Brazil, indicando-Se, q.do mais não Seja, senão

por tentativas, os meios, aos modos pelos q.s elles podem Ser transportados, e plantados

em Portugal, concluindo-Se com as utilidades, q’ Se poderâ tirar do transporte deste

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95 arbusto, e analogas, ainda q’ com mais proveito, a aquellas mesmas, q’ Se tirâo em

aquelle Continente.

Em todas as grandes, extenSivas, e dilatadiSsimas praias daquelle vasto imperio, e

precioza Conquista, com m.to mais frequencia, e abundancia em as margens dos m.tos,

grandes, e extenSivos Rios, q’ tanto na distancia de legoas por ella Se entranhão, em

todas aquellas p.es, q’ Sendo, espraiadas São lodozas, e ainda mesmo nos contornos

dellas, em a terra firme, barrenta, e vermelha, aonde Razas por oCazião das aguas vivas

em cada hum dos mezes o mar a mais Se avança, dando entrada em maior espaSso a

agua Salgada, Sô porq’ deste modo menSalm.te São banhados os Mangues, alî Sem

amanho, Sem cultura, e Sem industria espontania, e voluntariam.te nascem de continuo,

e SuceSivam.te hum gr.de

[folha 30v.]

numero destes arbustos, os q.s por iSso mesmo os chamamos arbustos maritimos.

Como pois de huma, e de outra p.e dos m.tos, e grandes Rios daquelle famozo continente

este genero de arbusto maritimo hê continuado, e Constante, em a Sua geral produção, e

esta extenSiva tê aonde o mar pode chegar com latitude na prescripção dos Seos limites,

em todo este espaSso com comprehenção dos espraiados Lodos Se forma huma denSa, e

vistoza mata, q’ dâ com apoio creação a m.tas aves, e animais, q’ Sendo Rasteiras, e não

volateis Se Retirão, e Se mudão por experiencia; q.do as aguas Lunarm.te crescem, e por

cauza da Sua denSid.e, altura, e dilatação a mesma d.ª florente mata faz com q’ os Rios

Se não vejão ainda de p.es Superiores, donde Se ademira, vendo-Se p.e das velas das

embarcaçoéns, q’ por alî navegão nas enchentes das marês, marcando, e discrevendo os

Rios, parecer, q’ eSsas mesmas pequenas embarcaçoéns navegão pela terra Rapida, e

velozm.te.

Esta especiê de arvoredo por m.tos annos, q’ conte de existencia nunca jâmais excede de

40 a cincoenta palmos de altura, e a maior groSsura do Seo tronco vem a Ser como a da

mais groSsa vara de Castanho, havendo porem pela maior p.e m.tos troncos da groSsura

das varas ordinarias, e finas do mesmo Castanho. Cada huma destas arvores, q’ nunca

nascem abastecidas, ao pê de Sî

[folha 31f.]

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96 31

tem hum, ou m.tos fradores, em tanta abundancia, q’ m.tos vem a Ser os Mangues

pequenos, e com m.to mais frequencia em aquellas p.es, como no longe, e fim das praias,

aonde o mar nas enchentes menos Se demora, no q’ Se obServa, q’ q.to mais esta arvore

vem a Ser, e a estar Chegada ao mar, e por ella mais constantem.te, e com maior

aSsistencia banhada, m.to mais florente, e crescida vem a Ser cada huma destas arvores.

Na distancia de trez, e de quatro palmos do Seo tronco Sahem Como espias p.ª o lodo,

alem da Raiz principal, trez quatro, ou mais finas Raizes, q’ não excedem na groSsura

aos arcos de barril, e as mais groSsas, Como os de pipa, as q.s m.to q’ Segurão cada

huma destas arvores.

A madeira deste arvoredo hê precioza, tanto p.rq’ ella hê m.to forte, como m.to fiel, o q’

bem Se vê por amostra em a madeira de cada hum dos noSsos fuzos: della Se pode

extahir a mais fina, e firme tinta em beneficio tê das noSsas fabricas de estamparia: A

casca dos Mangues em aquelle continente, q’ corresponde aquî a do Sobro, e do pinho

Se aproveita Sem mais beneficio p.ª tingir as m.tas Redes de pescar, e nos cortumes dos

coiros, donde provem Ser chamada a folhas daquelle Pais, folha vermelha: dos troncos

mais iguais, e mais bem tirados, e finos em proporção com escolha se extrahem as varas

p.ª as m.tas embarcaçoéns, e canoas, e ainda mesmo p.ª nellas Serem atadas as velas de

humas, e outras: dos

[folha 31v.]

mais groSsos, e dos mais Reforçados se aproveitão, e Se extrahem os milhores varaes

das [Seges], q’ ali Se uzão, e q’ p.ª Portugal São Remetidos, e mandados; os esgalhos, e

a madeira mais fina, e a mais delgada aqui alem da Continuada factura dos Luzos, Se

aproveitão em os melhores Raios das Rodas das Seges: a mesma folha deste arvoredo

deitada de enfuzão tinge: eSsa mesma folha hê m.to Semelhante a do loiro, ainda q’ mais

incorpada, e alguma Couza mais Redonda: este arvoredo hê m.to groSseiro, e por iSso

mesmo m.to mais Robusto: Os Senhorios delles mais discretos os desbastão, e os mais

inerteis [acito] os cortão, e os levão p.ª o fogo, e p.ª as lenhas dos Seos fabricos.

O modo, e o Sistema de Ser transportado p.ª Portugal este genero de arbustos maritimos,

tão neceSsarios p.ª o desempenho dos noSsos fins, e projectos dos cais arteficiaes, e das

estacadas firmes, e florentes, na certeza de q’ jâ vegetão Sendo banhados pelo mar,

posto q’ em Paiz estranho, ao meo penSar, q.do mais Seja, Senão por tentativas

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97 derivadas da experiencia da Sua mesma existencia, do omni modo, e generalid.e da

mesma agua Salgada,, do tosco, Robusto, e forte do mesmo arbusto, não poderâ Ser

outro, Como o primeiro, e o mais facil, Se não pelo meio das Sementes, q’ Se mandem

buscar p.ª este fim, pois q’alî Se observa, q’ cahindo ella em ocazioéns de baixa mar,

entranhando-Se pelo lodo,

[folha 32f.]

32

terra, e area dão ocazião a nascer Sem cultura, e Sem o menor trabalho aquella

imenSid.e de arbustos desta especie.

Ora feito aSsim, e tanto Sucede Sendo tudo entregue a hum mero, e puro acazo, Sem a

menor industria, vigilancia, e cuidado, como m.to mais não Se deve esperar de huma

Sementeira Regular, industrioza, e da propagação deste arbusto, em q’ nenhuma

Semente Se perde, Sendo de propozito metida, e plantada na baixa mar, e com descanço

por todas aquellas p.es, aonde chegão as maiores aguas, tudo com precedencia de huma

pozitiva cultura.

Para Se levar neste artigo mais Segura a espiculação, e a tentativa, confiando-nos m.to

da Robustez da arvore, do groSeiro desta plantação, e Semeadura, da identid.e, e

generalid.e da mesma agua Salgada, faltando-nos Sô a combinação entre Sî dos

diferentes climas, Serâ acertado, q’ eSsas Sementes, aSsim como os mesmos arbustos

Sejão metidos no lodo, e nas p.es, em q’ o mar alcança, em diverSas estaçoéns do anno,

Sendo a mais preferida Sempre a da primavera, e ainda mesmo em o estio, p.ª q’ do

modo, q’ nos hê poSsivel procuremos a ardencia, e a correspondencia do clima pelo

menos no principio da plantação, e Semeadura deste arbusto, ocazião em q’ ella Se farâ

tanto mais neceSsaria p.ª a Sua primeira vegetação.

Alem de Se

[folha 32v.]

Ententar por este meio, e modo a propagação deste genero de arvoredo, q.do não baste,

e não Surta o dezejado effeito por ocazião das Sementes introduzidas, e depozitadas no

lodo, e nas mais p.es indicadas, Sem q’ se dê a espiculação por perdida, e por

desanimada pelo nenhum effeito do Rezultado de hum Sô anno, devendo-Se aliàs

continuar em alguns mais, e por diversas p.es do Reino, tê com variação de outras novas

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98 Sementes, mandadas buscar de diversos Sitios do Brazil p.ª este fim, estendendo-Se a

tentativa atê aos termos, e as circunstancias de Se mandar buscar eSsas Sementes mais,

ou menos secas, mais, ou menos maduras; q.do depois de poucos annos Se tire o

desengano da inprodução, no Brazil em Caixoéns cheos de Lodo Salgado Serão

[abucelados] hum proporcionado numero de pez destes arbustos, q’ alî hâ com tanta

abundancia, os q.s duas vezes no dia a imitação de humas mares arteficiaes Serão

banhados, e enSartados de agua Salgada, q’ na viagem hê prompta.

Este transporte dependendo de alguma curiozid.e, e Sendo digno de hum espirito

indagador, e propagador, vem a Ser de huma pequena despeza, e de nenhum prejuizo ao

Navio em o Seo frete, porq’ o Caixão Se porâ firme em huma das amuradas ao pê de

algum dos [embornaes] p.ª a expedição da agua Salgada, q’ o Caixão verter, e dentro

delle com o lodo, e com os arbustos Se hirâ abaulando em gr.de, e proporcionado

numero, e q.do de manhâ Se lava, e Se agua o convez, e a

[folha 33f.]

33

tolda Serâ elle cheo de agua Salgada, q’ Sendo prompta não custa dinr.º, e não diminue

a aguada do Navio, o q’ outro tanto Se Repetirâ de tarde.

Quando deste Segundo arbitrio não Se tire o dezejado effeito, o q.l pareSe Ser infalivel,

temendo-Se, e dando-se algumas providencias, p.ª q’ a continuada aSsistencia do Sol

não prejudique a este arbusto Resen tirando, e mudado, haverâ a cautela de Ser o caixão

alguma Couza alta em todos os Seos lados, e com Suficiencia p.ª q’ o lodo Sô ocupe a

metade da altura delle, e o Remanicente pela folhagem, e pequenas Ramas deste

arbusto, Sendo tudo ordenado de hum tal modo, q’ o caixão Razam.te Se poSsa cubrir

com Sua tampa nas ocazioéns da maior intenção do Sol, e q.do isto não baste, e a

descuriozid.e aborreça tanto encomodo, em o mesmo Caixão deitados Se hirão pondo

estes pequenos arvoredos com camadas de lodo, no q’ Se continuarâ tê a Superficie, e

boca do Caixão, o q’ tanto, e o mesmo Se poderâ praticar Sendo elles postos em pe no

mesmo Caixão, cubrindo-Se de lodo Salgado, e deitando-Se nelle diariam.te com

abundancia agua Salgada, e alî como em huma facil conServa Serâ transportado mais

groSseiram.te, e Sem maior encomodo esta especie de arbusto. Tãobem Se poderâ tentar

eSse transporte, sendo os pequenos arvoredos no Caixão acamados, e cubertos de Sal,

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99 porq’ ao tempo, q’ se ocultão do calor do Sol, alî partecipão da humidade Salina, e da

fresquidão do mesmo Sal.

Levando-Se

[folha 33v.]

ao ultimo ponto este noSso intento, q.do a groSsaria dos embarcadiços Rezista a este

facil modo de transporte, pela precizão, q’ temos delles, Se tentarâ pelo menos, q’

Sendo feitos huns molhos de m.tos pez destes arbustos, sejão huns metidos, e lançados

na area da bomba, aonde Sempre todo Navio fazendo, a junta agua Salgada, a q.l, ou

mais, ou menos Se Refaz SuceSivam.te, ainda q’ Se extraha pela bomba, e Sejão outros

atados, e metidos com a maior Segurança com as Raizes p.ª baixo na grade, ou meza q’

fica, e estâ firme no beque do Navio, e de hum tal modo, q’ q.do o Navio dê a Sua arfada

continuadam.te sejão eSsas mesmas Raizes banhadas, p.ª q’ o arbusto Sempre Se

conServe Sombrio, e florente, q.do tanto Se poSsa conSeguir.

Sendo de q.lq.r dos modos transportados, e postas a Salvo huma certa, e Suficiente

porção destes uteis, e neceSsarios arvoredos, no q’ Se continuarâ tê q’ bastem, e atê q’

dos plantados Se poSsa tirar novas produçoéns, Ser aí elles mandados dispor com

Repartição, e SuceSivam.te em as m.tas legoas das margens dos infinitos Rios de agua

salgada, e em aquellas m.tas partes, em q’ ella entra por ocazião das maiores aguas, e

com m.to maior preferencia em aquelles sitios, aonde o mar vai aos poucos Sulapando a

terra, e os campos, fazendo-os na quista Seos, e aonde ha o de Ser feitas as estacadas p.ª

com ellas Se Rezistir a estes inSultos, e aos outros das cheas, e entradas das areas,

[folha 34f.]

34

Sem q’ nos demore as irrezoluçoéns do m.to trabalho, de q’ em vida no crescim.to das

arvores o não veremos vingado na percepção de utilidades, ao q’ deve prevalecer, alem

da incerteza, o amor da Patria, os bons dezejos da conServação, e augmento della, e a

Refleção bem Patriotica, de q’ os vindouros, e os q’ actualm.te nos Substituem hão de

vir a Ser, e jâ São viventes, q’ devem Ser socorridos pela noSsa industria, e filantropia.

Do transporte, e da plantação destes arvoredos maritimos em todas as margens dos

noSsos diverSos Rios, na gr.de, e m.ta extensão delles, nas diverSas Comarcas do Reino,

em q’ elles hajão, e existão Se tirarão m.tas, e conSideraveis utilidades: 1.ª, q’ teremos

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100 com permanencia, e com duração huma florente estacada maritima, q’ m.to forte

fique a construção dos Cais arteficiaes: 2.ª, q’ por medeação delles, fazendo feliz o

arteficio dos Cais, com elles Se impidirâ a q’ o mar aos poucos não vâ Sulapando novas

terras; e fazendo franca entrada nos Razos, e bons campos com perda delles: 3.ª, q’ com

eSse mesmo duravel, e permanente arteficio Se Rezistirâ as enchentes dos Rios, e a

entrada de humas, e outras areas: 4.ª, q’ por medeação desta firme estacada, q’ a tudo

Rezista Se entrarâ na Reivindicação dos Campos perdidos pelo meio dos parapeitos, e

do novo Campo arteficial: 5.ª, q’ poupando-Se, e economizando-Se o terreno, tantas, e

tantas margéns, e praias ociozas as viremos ter com produção cubertas de huma madeira

tão forte, tão fiel, e de tanta duração: 6.ª, q’ as varas mais finas destes arbustos Sendo

boas, e fortes p.ª todos os ministerios, Serão optimas p.ª as pareiras, e p.ª Serem

expostas ao tempo: 7.ª, q’ as mais groSsas excedendo em duração, e em qualid.e

[folha 34v.]

as de castanho Serão excelentes p.ª os telhados das noSsas futuras edeficações: 8.ª q’

eSsas mesmas, e as mais Reforçadas Servirão p.ª os mastros, e Remos das

embarcaçoéns pequenas com gr.de Rezistencia a forca, ao tempo, e as tempestades: 9.ª,

q’ as de menos Reforço se aproveitarão, como agora Servem transportadas do Brazil,

com m.tos mais fabricos: 10, q’ da folha, casca, e madeira destes arbustos Se pode

extrahir a melhor, a mais firme, e fina tinta, com vizivel, e manifesta utilid.e das noSsas

fabricas, Servindo de amostra, e de exemplar o q’ Sem maior industria na Sua extração

prestão no Brazil nos Costumes, e tituraria das Redes da pesca, q’ tomão a fixa, e

permanente Cor dos fuzos em novo, e outras m.tas utilidades se poderão delles derivar

Compatriotando-Se comnosco este arbusto, Sendo franco, e prompto as experiencias.

Annotação Nona.

Em q’ se individuão algumas Cauzas do atrazam.to, e da deminuição dos noSsos

terrenos, o q’ verte em prejuizo da agricultura nascional, indicando-Se al-

[folha 35f.]

35

gumas providencias, por medeação da q.s o Campo, e as terras melhor Se conServem, e

de certo modo Se augmentem.

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101

Todo, e q.lq.r Lavrador, q’ hê Snr’ do Campo, e das terras, a cujo trabalho elle Se

entrega, ou p.ª q’ delle haja de extrahir, e colher os fructos neceSsarios p.ª o Seo

sustento, e da numeroza familia, q’ Sendo Sua o aCompanha, ou p.ª q’ na maior

abundancia delles com Sobra, e acrescimo os haja de meter em venda, deve bem

conhecer interna, e externam.te a qualid.e do terreno, q’ na Sua actualid.e estâ Sendo

entregue ao Seo fabrico, e trabalho.

Do perfeito conhecim.to interno Rezulta o vir elle a Saber do q’, e do q.to o terreno

cometido Seja Capaz, p.ª q’ por medeação do pezo das Suas forças, qualid.e, e Capacid.e

proporcione a elle a Semeadura, e a plantação dos generos, q’ lhe sejão correspondentes

e proprios.

Da falta deste perfeito conhecim.to nasce o prejuizo Contrario ao Seo trabalho, e ao bem

commum da Socied.e, q’ por desiguald.e de proporçoéns indestinctam.te entregando, e

Sacrificando o lavrador o terreno a plantação de huns generos, q’ lhe não São proprios,

da hî Rezulta a confuzão, e o troco, de q’ huns, e outros Lavradores andando como

perdidos na agricultura Se entregão ao q’ Se não devião entregar, de

[folha 35v.]

sorte, q’ neste indiscreto combate Se perde o tempo, o amanho, o esforço, e a industria,

e o mesmo Campo na cultura do q’ lhe hê improprio, p.rq’ a natureza do terreno, e a

qualid.e da planta, e da Semeadura militando contra tudo isto entre Sî opostam.te faz o

Seo dever, o q’ jâ aSsim não Sucederia acomodando com Conhecim.to ao terreno o q’

lhe era, e vinha a Ser mais comodo, proprio, e oportuno, e a maior p.e da lavoura por

desgraça noSsa Se acha Reduzida a esta confeSsada, e Reconhecida mizeria.

Da mesma falta deste perfeito conhecim.to nasçe, q’ dormindo os lavradores na

insciencia, descançando, e confiando Sô tudo do terreno, do amanho, e do trabalho, a q’

cegam.te Se entregão desconhecendo o q’ lhe falta, e vem a Ser neceSsario p.ª o tempero

delle, e dahî nasce, q’ de todo ignorando as diversas p.es, e as qualidades das imistoéns,

adjunçoéns, e dos mesmos Simplez, com q’ Se formaliza hum bom composto,

conServando o terreno em Ser, ou ajuntando-lhe Sem sciencia, Sem obServação, e Sem

experiencia o q’ arbitrariam.te querem, e a torto, e a dir.to, dahî Rezulta, q’ o Seo

trabalho, q’ o Seo amanho, q’ a Semeadura, q’ a plantação, e q’ o mesmo Campo lhe

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102 venha a Ser inutil, Como Se foSse detido, e conServa de na pura inercia com gr.de

prejuizo noSso, da agricultura, e do bem Comum

[folha 36f.]

36

da Socied.e, de q.m Somos membros, q’ hê a q’ vem a Sentir e a experimentar eSsa

diminuição de hum terreno, q’ existindo hê constitutivo do Seo patrimonio.

O agricultor habil, e industriozo Sabe, q’ entre os m.tos e os diverSos terrenos, q’ são

Capazes de cultura, Sempre hê o milhor, e deve Ser preferido p.ª o Seo trabalho, q.do Se

entre em escolha aquelle, q’ hê Razo, e plano, vindo este a Ser o mais digno da Sua

industria, e do Seo primeiro objecto, devendo dar nelle por bem impregado todo genero

de amanho, e isto por huma Razão bem natural, q’ com infalibilid.e Se acha corroborada

pela propria experiencia, p.rq’ neSsa qualid.e de terrenos Se acha por igual permanente,

duravel, e existente o Suco da terra, o q’ alguns lhe chamam o olioprodutivo.

Daquî não quero inferir menos com estabelecim.to de regra firme, e invariavel, q’ não

Sofre contradição alguma, Senão q’ emq.to houverem terrenos desta qualid.e, q’ nelles

primeiro Se deverâ empregar o bom agricultor, p.ª q’ tirando delles milhor Rendimento,

e mais vantajozos fructos, q’ lhe dando forças, as tenha com poSses p.ª Se hir empregar,

e beneficiar os outros terrenos, q’ São da Segunda ordem.

Pelo contrario, proSeguindo-Se em Se descrever o conhecim.to,

[folha 36v.]

e as qualid.es externas dos terrenos, vem a Ser menos Capazes, e menos idoneos

aquelles, q’ figurão em Sî planos inclinados, a q’ lhe chamamos esconSos, ou ladeiras, e

isto por huma Razão, q’ Sendo confirmativa da primeira, vem nestes a Ser tãobem

natural, e confirmada por outra tanta experiencia, q.l vem a Ser, q’ neSses planos

inclinados, ou ladeiras Subterraneam.te todo Suco, e oleo da terra, e ainda mesmo o

preciozo do estrumo por huma estreita, e interna Comunicação gradual, e SuceSsiva de

gleba, a gleba estâ destilando, ou p.ª me explicar melhor escorrendo p.ª a fralda, e p.ª a

p.e mais Raza do mesmo terreno, do q’ Rezulta, e donde nasce tudo aquillo, q’ aos

noSsos olhos nos offereSe a fiel experiencia, q’ eSsa fralda, aba cordão, e linha ultima

do plano inclinado, ou ladeira Sempre vem a Ser a mais fructifera, e a mais produtiva, e

a Superior menos, ao q’ por iSso com desconhecim.to da Razão interna, e externa lhe

chamamos sequeiro.

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103 Para o habil agricultor acudir com Remedio a este mal conhecido, e demonstrado

theorica, e praticam.te, com utilid.e propria, do bem comum da Socied.e, em q’ elle vive,

e da q.l elle hê o mais Respeitavel membro, e ainda mesmo com melhoria, e extensão do

mesmo terreno, em

[folha 37f.]

37

beneficio delle Se deve entregar em Sorribaçoéns das terras, ainda q’ seja em

Sucalculos, tudo p.ª as fazer planas do modo, q’ lhe for poSsivel, e q.do eSsa Ladeira nas

descripção da linha, e da figura do terreno for pouco inclinada, o poderâ conSeguir razo,

e plano, e a Sua mesma iguald.e com nenhum custo, tendo a advertencia, e a lembrança

de o fazer Sempre Lavrar a favor da Ladeira, quero dizer de Sima p.ª baixo, p.ª q’ a terra

pelo meio da lavra, e das aguas por Sî mesma entulhando a p.e inferior, trabalhe pela

iguald.e, q’ Servirâ a conSeguir dentro de poucos annos com gr.de fructo, utilid.e, e

proveito Seo.

O habil agricultor, q’ Caprixa em Ser perfeito no seo officio, e q’ p.ª o futuro não quer

Ser criminado, e ResponSavel a males, q’ elle mesmo por insciente, e por inadvertido

dera Cauza, o q’ deve ter, e Reputar Como inperia, q.do Se entregar, e destinar a

beneficiar, e a cultivar hum certo Campo, e terreno, q’ venha a Ser Seo por q.lq.r

principio, Se desvelarâ m.to p.ª melhor, e perfeito conhecimento do campo, q’ paSsa a

fazer objecto dos Soes cudados, e trabalho, em mandar primeiro do q’ tudo abrir huns

certos buracos da altura de 10, e de 12 palmos de distancia em distancia em todo aquelle

terreno p.ª por este mesmo, e modo com exploração Se inteirar, Se logo por baixo delle

exista, e permaneSa alguma pedreira Raza no

[folha 37v.]

todo, ou em alguma das Suas partes, p.ª q’ com a certeza Rezultante desta indagação; e

obServação melhor saiba derigir a cultura, e a lavra do Seo terreno, pois q’ por falta

destas exploraçoéns tem acontecido, q’ o agricultor proSeguindo com boa fê no

amanho, e fabrico das terras por ocazião delle, Sendo ellas na continuada, e SuceSiva

Lavra, e cultura do Campo Levadas p.ª huma p.e, e principalm.te p.ª a do declive,

ajudado tudo, e m.to pela Levada das aguas, ou do monte, ou das q’ a mesma terra

Lavrada Recebendo escorre, dentro dos posteriores annos se acha com o terreno, e

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104 Campo perdido, desaparecido, e o Seo espaSso ocupado pela gr.de calva, q’ se deixa

ver na Superficie de huma aparecida, e manifesta pedreira, ou duro Cascalho, q’ torna

infructifero, ociozo, e deminuido aquelle mesmo terreno, e Campo, q’ jâ tinhamos, q’ jâ

dantes existia, tudo em prejuizo, e atrazamento da agricultura, e do noSso patrimonio.

Quando nestas observaçoéns, e exploraçoéns nada de nocivo, e de prejudicial a

existencia, duração, e perpetuid.e do Campo, e do terreno Se encontra, claro estâ, q’ Se

não neceSsita de providencias, q’ acautelem, e q’ Segurem melhor a Sua mesma

conServação. Quando porem alguma outra Couza Se acha na profundid.e delle, tê

mesmo a indignid.e do pior terreno, então

[folha 38f.]

38

a Lavra, e a cultura do Campo Se deve Sempre derigir p.ª Sima deSsa pedreira, p.ª q’ o

terreno na ConServação da Sua existencia vê Sempre Recebendo huma maior e

proporcional altura, pelo menos, q’ a faça a mesma, e duravel Sem deterioração.

Nestes cazos do encontro de circunstancias, q’ no futuro venhão a Ser contrarias,

Opostas, e destructivas da Sua mesma duração, permanencia, existencia, e conServação,

tê Se lavrarâ a terra debaixo p.ª Sima, e a favor da maior altura da ladeira, e do plano,

p.rq’ em taes circunstancias mais vale conServar o terreno em sequeiro, e desigual, do q’

perdido, estragado, e de todo, ou em p.e extincto, e desaparecido com diminuição pelo

meio da Calva, e descuberta das pedreiras ocultas.

Quando porem em os terrenos Razos, e planos por Sua natureza, e Situação pelo meio

da investigação Se achar, q’ no centro delle concorrem algumas das preditas

circunstancias, q’ pronostiquem a Sua perdição pelo meio das continuadas, e SuceSivas

Lavras, então o habil agricultor, farâ em cada hum dos annos Lavrar a terra

alternadam.te, de Sorte, q’ neste anno Se lavre por exemplo do nascente p.ª o poente, e

no outro do poente p.ª o nascente, p.ª q’ a terra por meio della não Se ajunte p.ª hu-

[folha 38v.]

ma p.e, e Sempre Se conServe na mesma iguald.e, e no mesmo ponto de altura, e p.ª q’

tãobem no Cazo de Se diminuir, e de Se habater por ocazião da cultura, e da extração

dos fructos Se diminua por igual.

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105 Alem desta providencia Se valerâ de outras mais, q.s a de fazer carregar o estrumo no

Seo fabrico p.ª esta qualid.e de terreno com alguma mais terra, não Se descuidando de

fazer transportar, q.do mais comodo lhe for, e poder Ser alguma porção de terra, p.ª q’

aos poucos, e SuceSivam.te o vâ Reforçando, e deste modo, Sustentando o equilibrio

neceSsario, farâ com q’ elle Se conServe, Se não deteriore, e Se não diminua com

atrazamento da agricultura.

Tratando-Se de conhecer a qualid.e, e a natureza dos terrenos, q’ vão a Ser cultivados, e

da perfeita, e boa escolha delles, alem da univerSal, e firme Regra, de q’ todos devem

Ser aproveitados na cultura, Se estabeleSem de mais outras, q’ não deixando de Ser

oportunas, São uteis ao lavrador; e vem a Ser huma dellas, q’ aSsim como deixamos

dito, q’ o terreno Razo hê o melhor, o mais preferivel, e o da primeira escolha do

lavrador, p.ª q’ m.to mais felizm.te pelos esperados effeitos nelle se empregue, aSsim

tãobem na falta delle se estabeleSe, q’ na ordem da escolha Serão

[folha 39f.]

39

sempre os Segundos, os q.s ficão, e Se achão Situados nas encostas dos montes, como

melhores, e mais produtivos, bem intendido, q’ se falla daquelles terrenos, q’ fição nas

encostas da p.e do nascente, e a razão hê clara, p.rq’ eSses terrenos São m.to mais

frescos, e mais Sombrios, do q’ outros q.sq.r desta natureza, q’ Se achem diverSam.te

Situados, e isto porq’ partecipando da fresquidão da noite, vem a partecipar tãobem da

fresquidão de quaze toda manhâ, q’ hê q.do jâ o Sol mais declinado, e com menos força,

e ardor comeSsa a ter entrada, ao q’ com a modeficação preciza melhor lhe Reziste

huma, e outra frescura, q’ na antecipação os desponhem p.ª este infalivel, e diario

acometimento, vindo Sô a parteciparem do calor do Sol, q’ lhes baste p.ª a fermentação,

ajuda, e Socorro da Sua natural produção, o q’ jâ aSsim não Sucede em outra q.lq.r

encosta, aonde o sol vem a fazer m.to maior aSsistencia, desde q’ nasce tê quaze, q.do Se

poem.

Nos terrenos desta natureza, e Situação, q.s vem a Ser estes, nem menos de duas Couzas

attendiveis concorrem p.ª q’ elles Se reconheção inSuficientes p.ª agricultura: 1.ª porq’

por cauza do Seo declive, o q’ ê geral, e indestinctam.te Certo em toda, e q.lq.r ladeira,

ou encosta, o oleo deste espaSso, e porção de terreno destilando, e escorrendo Se ajunta,

e Se vem a depozitar na fralda do mesmo monte, depois de o deixar arido, e destituido

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106 delle: 2.ª, p.rq’ ficando, e Reduzindo-Se a terra por eSsa Cauza, e principio a menos

forte,

[folha 39v.]

e menos productiva, como fica dito, e demonstrado, ainda ella Se Reduz a m.to pior

estado pela gr.de, e frequente aSsistencia do Sol, q’ apertando conSome, e devora o

Remanicente de todo, e q.lq.r Suco, q’ ella ainda em Sî conServe, o q’ se effetua por

concurrencia de hum tal modo, q’ a reduz ao estado, ou de nada, e pouco produzir, ou

q.do chega a produzir hê de hum modo tão fraco, e tão inSignificante, q’ Salvando os

amanhos, os fabricos, e as mais despezas nesta p.e nenhuma utilid.e vem a deixar ao

agricultor, Sucedendo q’ m.tas vezes, q’ dahî lhe Rezulta algum prejuizo.

Aplicando-Se hum eficaz Remedio a tão conhecido, e percebido mal, estabalecendo-Se

outra geral regra, q’ no seo comum não deixarâ de Ser de algum modo proveitoza, se

tratarâ por meio de Sucalculos, e de Surribaçoéns de Se fazer huns certos planos

indestinctam.te em toda, e q.lq.r encosta do tamanho e do espaSso, q’ ella em Sî mais

admitirem, p.ª q’ deste modo possivel, ainda q’ Seja em partes, Se conSiga a dezejada

iguald.e dos terrenos, p.rq’ desta maneira Se ocorre, a q’ o oleo, e a substancia dos

terrenos não Se encaminhem p.ª huma Sô p.e, deixando as outras mais inanidas, aridas, e

destituidas do balSamo, e do Suco vegetal, o q’ Serâ extenSivo tê a q’ melhor Se

conServe, e Se demore debaixo da mesma Regularid.e a fresquidão recebida, o mesmo

Calor do Sol, e o Mesmo beneficio Rezultante dos estrumos, o q’ tudo proporcionalm.to

influe na vegetação, e na cultura.

[folha 40f.]

40

Continuando-Se na indagação dos meios, e dos modos pelos q.s o patrimonio do noSso

terreno melhor Se conServe, Se não diminua, e mais antes Se augmente, deve haver

toda vigilancia, e cuidado em Sî permetir, q’ a borda do mar, e nas alturas por onde

paSsão os Rios doces, e as cheas das aguas dos montes Se não tire, e Se não transporte

terra, e ainda mesmo areas, p.rq’ eSsa inconSiderado paSso a proporção do q’, e do q.to

Se tira com diminuição do terreno Se dâ franca entrada ao mar, as aguas, e as areas, o q’

tudo vai proSeguindo em Ruinas, e facilitando a Conquista dos Campos, e das terrenos

Salvos.

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107 Não Se deve tãobem pelos mesmos principios do atrazamento, e diminuição dos

terrenos permetir, q’ elles sejão cavados p.ª o fundo, e centro p.ª delle Se tirar barro p.ª

os fabricos do tijolo, da telha, da Louca, e de outras m.tas Couzas, o q’ Se deve Sô

praticar nos pequenos montes, e alturas da terra, q’ seja boa, e acomodada, p.ª estes fins,

por medeação do q’ a hum tempo Se conSiga a plainice, e a extensão dos Campos, e q.do

em ultima neceSsid.e se faSsa precizo frofundar o terreno, p.ª a extração deSse bom,

escolhido material, Serâ Sempre com a condição de o fazer encher com outro terreno, q’

Se transporte ao mesmo tempo, q’ outro dalî Se tira, e Se leva, o q’ Se praticar â ainda

em os terrenos proprios, Sendo a isto, e a tanto obrigado Com a Cominação de Se fazer

a Sua custa pelo Inspector

[folha 40v.]

Respectivo da agricultura Comarcâo, de baixo da certeza, e dos irrefragaveis principios,

de q’ a utilid.e publica, e o bem do Estado, e da Patria deve prevalecer a particular, e de

q’ cada hum hê Snr.’, e poSsuidor da Couza, e nunca destruidor, e diSsipador della em

prejuizo Comum da Socied.e

Igualm.te com prevenção Saudavel tãobem Se deve prohibir, q’ Se não desentulhe o

chão Razo, e igual, p.ª q’ na Sua profundid.e se haja de extrahir, e abrir pedreiras, p.rq’

eSsa extração deve Sô Ser Rezervada, e permetida p.ª os montes, e alturas de pura

pedra, e Roxa, o q’ abunda, p.rq’ a hum, e ao mesmo tempo tirando-Se, elevando-Se a

pedra com alguma mais profundid.e Se dilata com augmento o mesmo espaSso, e

terreno, q’ vai ficando vago.

Na extração da pedra, q’ por Sî constitue algum pequeno monte com advertencia util Se

deve aCautelar, q’ nunca Se faça derribar, e lançar por terra montes, q’ Sobre Sî tenhão

terrenos Capazes de cultura, e m.to menos os q’ tenhão oliveiras, e arvores de fructo,

Como uzualm.te Se estâ praticando, no q’ vimos a ter m.tas perdas: 1.ª da diminuição do

terreno, q’ dezejamos augmentado: 2.ª, e conSeguintem.te a dos fructos, e produçoéns,

q’ lhe São correspondentes: 3.ª a das arvores fructiferas, q’ com o decurSo de m.tos

annos crescerão, e

[folha 41f.]

41

chegarão ao estado, e ao ponto de produzir.

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108 Ainda q’ hajamos dito, q’ Se não deve abrir pedreiras em Campo Razo, e plaino,

Contudo isto Sô se deve intender, q.do se faz precizo desentulhar com profundidade p.ª

Se achar, e extrahir a pedra com perda do Campo superficial: quando porem em eSses

mesmos Campos razos, e plainos estiver patente, e manifesta alguma pedreira, q’ com a

Sua calva estâ ocupando hum espaSso ociozo, esta Serâ a primeira das pedreiras, q’ Se

deverâ com preferencia a todas as outras profundar; porq’ a tempo, q’ Se extrahê a

pedra Se vai com dilatação do terreno formando hum novo, q’ dantes não existia:

comcluindo-Se com huma invariavel Regra aplicada a toda, e q.lq.r extração, q’ Sempre

o Lugar della ficarâ cheo, e ocupado de terreno, q’ p.ª alî Se transporte, q’ bem

inculque, q’ em tal espaSso Se não bolira.

ProSeguindo-Se avante no Sistema de Se conServar, e de se dilatar os terrenos Se

deverâ mandar entulhar todos os foSsos abertos, e grandes espaSsos, em q’ de preterito

Se tem tirado terra, barro, area, e pedra, q’ dando ocazião a precipicios tê dos gados,

Sustentão na perpetuid.e infinitos espaSsos ociozos mantidos na inutilid.e, extendendo-

Se a noSsa economia tê ao ponto de Se mandarem emtulhar as m.tas Lagoas, q’ sendo

prejudiciaes a Saude dos habitantes circumvezinhos, em Sî Recebendo Sem expedição

as aguas dos montes ocupão desneceSsariam.te m.tos dilatados espaSsos com graviSsimo

prejuizo da

[folha 41v.]

agricultura.

As mesmas, e outras tantas providencias devem Ser extenSivas 1.ª, p.ª Serem entulhados

os m.tos, e infinitos espaSsos, e lugares espraiados, q’ se desocupão em gr.de distancia,

q.do as aguas decem por ocazião das vazantes, e q’ Se ocupão q.do as aguas crescem por

ocazião das enchentes, ainda q’ p.ª este fim, e intento Se construiSsem bons, firmes, e

groSsos cais de pedra, e cal: 2.ª p.ª Serem entulhados as m.tas, e infinitas Caldeiras, e

Reprezas, da agua Salgada, q’ Se fazem, e q’ Se conServão em huma gr.de extensão dos

terrenos ocupados p.ª com ella moerem as azenhas, e trabalharem os moinhos, o q’ torna

todos estes Sitios sezonaticos, e doentios em prejuizo dos povos habitantes, ao q’ nos

entregamos primeiro, do q’ tenhamos, q.do não seja com Sobra, nem ao menos o grão

precizo, e neceSsario p.ª o noSso suprimento, e Sustento.

Para moer toda maior quantid.e deste genero nos bastarão os actuaes moinhos de vento,

e os outros mais, e m.tos, q’ se podem construir, e levantar, q’ por não ocuparem maior

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109 espaSso São os milhores, e p.rq’ tãobem ocupando o cume dos montes incultos

trabalhão Redondam.te; Sem q’ de todo fiquemos privados das azenhas, porq’ ainda bem

a pezar noSso nos ficão as m.tas, q’ moem na distancia de m.tas Legoas com agua doce,

as q’ por neceSsid.e em o Seo curSo vem procurando, depois das Suas [Regas] uteis, e

indespenSaveis, a precipitação, e a entrada no mar.

Sirva-nos de ulti-

[folha 42f.]

42

mo ponto da economia Sobre a dilatação dos terrenos, alem de outros m.tos, q’ por

brevid.e Se omitem, e isto Como huma Regra certa, e invariavel, q’ q.do p.ª o futuro Se

tratar do estabelecim.to, e aSsentam.to de algum gr.de, ou pequeno fabrico, ou ainda

mesmo de algum Lugar, povoação, e maior, ou menor edeficio, e direção de estradas,

encanam.to de Rios, cortumes, cordoarias, corraes, eiras, e tudo aquillo mais, q’ não

dependa da vegetação, e da Cultura, Sempre p.ª estes fins, e intentos Se escolherâ com

preferencia os piores terrenos, p.ª q’ sendo elles por isto ocupados cresção, e fiquem

disto Livres, e izentos todos aquelles, q’ São bons, e dignos de huma bem Regulada

cultura, os q’ lhes ficão Sendo adjacentes, tudo p.ª q’ o contrario não Suceda, e não

prevaleça, ficando em tudo isto ocupados os bons terrenos, vindo a Ser adjacentes os de

pior condição.

Annotação Decima

Em q’ Se demonstra, q’ por cauza da decadencia e q’ por falta do desuzo da cultura,

animação della, economia, Socorro, e dilatação dos Campos, e dos ter-

[folha 42v.]

renos, hindo a mais a diminuição, e atrazam.to delles, apenas temos, e colhemos, com a

diferença, e destinção dos annos estereis, produtivos, a não produtivos, o trigo, e o grão,

com q’ nos Sustemos em huma 3.ª, ou 4.ª p.e do anno, q.do aliàs promovendo-Se,

vigiando-Se, e Socorrendo-Se a agricultura, a economia, a conServação, e a dilatação

dos terrenos, e Reduzindo-Se a cultura o q’ estâ inculto, teriamos todo grão, genero da

1.ª neceSsid.e, p.ª o Sustento de todo anno com afaste, e izenção das grandes Somas, q’

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110 por ocazião do provimento deste artigo paSsão p.ª os Reinos Estrangeiros com

vizivel dano, e prejuizo noSso.

Hê verd.e constantiSsima, q’ não depende dos esforços de huma fiel, e Rigoroza

demonstração, q’ apenas por desgraça noSsa Sô Se acha cultivada huma 3.ª p.e do

Reino. Esta prepozição hê tanto certa, q’ nos bastarâ olhar p.ª a Superficie do noSso

terreno, e isto em toda, e q.lq.r p.e aonde estejamos, ou p.ª aonde nos hajamos de

encaminhar, e vigiar, acompanhando-nos a Refleção preciza, e por medeação della nos

Capacitaremos de huma verd.e tão mani-

[folha 43f.]

43

festa, ainda q’ mais verificada em humas provincias, do q’ em outras, o q’ não influindo

no Sistema das noSsas affirmativas, o não controverte, p.rq’ se hâ Provincias, q’ se

achão mais cultivadas, outras hâ, q’ Se conservão menos abastecidas de Povos, e de

habitantes, e por iSso com influencia da Sua pior situação m.to menos beneficiadas por

lhes faltar o maior trabalho, e industria.

Aquî, Como em Lugar oportuno, pareSe, q’ espontaneam.te inSurge contra o noSso

estabelecido Sistema huma Refleção, q’ devendo Ser atendivel vem a Ser destructiva

das noSsas affirmativas, e dos mesmos principios, e arbitrios disperSam.te indicados, e

constantem.te Recomendados, q.l vem a Ser, q’ Como a 3.ª p.e do noSso terreno Se ache

cultivado, Restando-nos ainda as outras duas partes por cultivar, temos com m.to

[Subejo] terrenos vagos, e incultos p.ª aonde Se devem derigir todas [as] forças da

noSsa agricultura, Reputando-Se por ociozos, aerios, e desneceSsarios todos os mais

projectos, e arbitros firmados nas precedentes annotaçoéns, cujo desempenho na pratica

exige hum desmarcado trabalho, e huma esperdiçada industria.

Estas, e outras m.tas Refleçoéns ocurrentes, Serão proprias em aquelles, q’ no fundo do

Seo coração não forem verdadeiros amigos da Patria, do bem Publico, e da felicidade

dos Povos, q.do apenas extrahidas se para na Superficie das Couzas. Outras m.to mais

Relevantes eSsencialm.te existem, q’ devem prevalecer a aquellas, as q.s todas nunca

jâmais as poderei individuar,

[folha 43v.]

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111 porem me contentarei apenas em Referir algumas, q’ me Sejão mais promptas,

paSsando na certeza pelo disgosto de me escaparem m.tas

Primeira, q’ Se deve trabalhar m.to, e fortem.te pela conServação, milhoração, e extensão

dos terrenos, q’ jâ São Reconhecidam.te bons, e aptos p.ª a cultura:

Segunda, q’ neSses mesmos, e maiores esforços se deve entrar, e proSeguir em todos

aquelles terrenos, q’ estão, e q’ Se achão proximos a Capital, as Cidades, Villas,

Lugares, e a toda, e q.lq.r povoação, aonde havendo a precizão dos generos p.ª o Seo

Suprimento, e p.ª o Sustento dos Seos habitantes, elles vem a ter maior, e melhor

extração, e vendagem, em q’ Se poupa a groSsa despeza dos Seos transporte [sic], q’ os

fazem mais caros:

Terceira, q’ com outra tanta, e maior economia Se deve proceder em os terrenos, e

Campos, q’ ficão na Contiguid.e, e vizinhanças dos portos do mar, dos m.tos Rios

Salgados, e doces, e ainda mesmo na proximid.e das publicas estradas por onde tudo

mais comodam.te Se pode conduzir, p.ª q’ os generos com diminuição do trabalho, e das

maiores despezas barateados, hindo procurar a Sua extração, melhor paSsem de

Provincia a Provincia, a q.m vai fornecer pela falta, q’ delles tem, p.rq’ abunda, e Se

emprega esta por Ser propria em outros, q’ cultiva.

Quarta, q’ ainda q’ Restão as duas partes do noSso continente p.ª

[folha 44f.]

44

serem cultivadas, Sendo a melhor, a mais escolhida, e a mais prompta, q’ se cultiva, esta

hê a q’ deve merecer todas noSsas attençoéns:

Quinta, q’ hâ nos Remanicentes m.tos escalvados, e montes, q’ por Sua natureza São

incultos, e incapazes de Ser Reduzidos a huma perfeita cultura:

Sexta, q’ q.to mais distantes, e impovoados Se achão, e estão os terrenos, mais

dificultoza, e tardia lhes ha da vir a Ser a cultura:

Septima, q’ não Se deve Regular a agricultura p.ª o sustento da noSsa actual população,

e prezentes habitantes do noSso Continente, mas Sim p.ª toda aquella mais, e m.ta, q’

devemos esperar, e dezejar, aliàs veriamos a não apetecer o noSso agumento, e maioria,

descancado, e pondo firme ponto na noSsa progreSsão, e na misma descendencia Contra

a boa ordem da natureza:

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112 Oitava, q’ posto q’ cultivando-Se as outras duas partes, q’ nos Restão do noSso

Continente vieSemos a ter todo, e q.to pão nos foSse precizo p.ª o noSso Sustento, ainda

aSsim mesmo outra tanta economia Se deveria praticar na conServação, milhoração, e

extensão do noSso terreno, acautelando-Se, e prevenindo-Se os annos da esterelid.e, ao

q’ Sô Se pode ocorrer com a maioria, espaço demais, e dilatação do mesmo existente

terreno:

Nona, q’ pelo meio das providencias dadas, estabelecidas, e de alguns dos arbitrios

firmados Se previne, a q’ pela en-

[folha 44v.]

trada das aguas, e das areas o Salvo terreno a mais, e SuceSsivam.te Se não vâ

diminuindo com perda noSsa, extreitando-nos cada vez mais, q.do nos devemos esforçar

em nos alargar q.to podermos:

Decima, q’ ainda mesmo q.do tiveSsemos a imortal gloria, e o dezejado triumfo de

poSsuirmos todo noSso terreno cultivado perfeitam.te, conServado, milhorado, e

dilatado na poSse da colheita de mais fructos dos q’ nos erão precizos p.ª o noSso

Suprim.to, e conSumo com pleno, e geral exterminio da importação actual, q’ prazer não

teria o verdadr.º Patriota, admirando trocada a Sena, o Captiveito em Resgate, vendo em

os Seos dias, ou ao menos com esperanças bem fundadas nas futuras gerçoéns da Sua

descendencia transportados p.ª os Reinos estranhos aquelles mesmos generos em

qualid.e, com q’ nos tempos desgraçados nos Suprirão.

Hê verd.e tanto mais constante, certa, e infalivel, q’ a p.e cultivada do noSso terreno Sô

nos pode, e nos estâ Suprindo com o grão precizo p.ª o noSso Sustento em os annos

ferteis, e abundantes em huma 3.ª p.e do anno, e nos annos mesno fecundos Sô em a 4.ª

p.e delle, e Como a neceSsid.e Restante vem a constituir-Se, e a estar p.ª como Suprim.to

infalivel na Razão dupla, duplicada tãobem vem a Ser a dependencia, em q’ estamos,

q.to a este importante artigo, com as Nasçoéns estranhas, q’ a conta

[folha 45f.]

45

deste, Sustentando a acendencia, nos levão a troco o noSso preciozo.

Para q’ as noSsas prepoziçoéns não paSsem por avançadas, e por temerarias, façamos,

com q’ ellas sejão [adseripticias], e contrahidam.te Capazes de alguma mais

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113 demonstração. Da razão, em q’ estâ a falta, e a neceSsid.e por nôs inSuprida, e

inremediada p.ª com o Suprim.to do Socorro estranho, Se deriva, e Se extrahe a outra, q’

Sendo os neceSsitados do genero huns Compradores certos, e infaliveis, isto dâ cauza, e

dahî inSurge a hostilid.e, q’ nos fazem Sem querer os 80, a 90 Comerciantes, entre

Estrangeiros, e Portuguezes, q’ Se impregão, e q’ Se destinão p.ª nos matar a fome, a

mandarem buscar por Sua Conta estes Generos das Nasçoéns estranhas em Seguim.to

dos Seos esperados Lucros.

Cada hum destes CamoSsarios, propondo-Se aos Seos fins diversam.te, e por m.tas vias

escrevem a outros tantos Correspondentes das Praças Estrangeiras, aparecendo deste

modo todos alî em concurSo, e quadruplicadam.te exigindo, e pedindo a hum tempo a

Compra, e a RemeSsa destes importantes generos, Sendo certo, q’ elles Sobem de preço

a proporção dos lançadores, e compradores delles, Se segue, q’ por Cauza deste

Laberinto, e concurSo com Lucro estranho, e com prejuizo Nascional os generos

Remetidos pelo menos vem

[folha 45v.]

sobrecarregados com 100 reis mais em alqueire, do q’ elles poderião custar-Se forão

izentos destas multiplicadas preferencias.

Tratando-Se de acudir a tanto mal, em q.to a agricultura nascional Se não firma deveras

na Sua dilatação, o q’ deve Ser o primeiro objecto, e atrahir as noSsas primeiras

atençoéns, por meio de providencia interina Se estabeleceria huma Companhia de

agricultura Nascional, a q.l teria por hum dos Seos fins, (sendo sugeita a inspectoria do

Ferreiro, q’ lhe Serveria de Caixa; de baixo de huma contadoria Separadam.te creada p.ª

isto, Recebendo por apolices toda, e q.lq.r quantia a particulares com a infalibilid.e de

fazer Repartir em cada hum dos annos os lucros Respectivos), o mandar camprar por

huma Sô peSsoa em cada huma das Praças estrangeiras os Referidos generos.

Esta boa, e util Companhia Reduzida com economia de despezas a huma Simples

contadoria, Sempre Seria Lucroza, e izenta de quebra, e de falencia, p.rq’ exterminados

os ComiSsarios de trigo, q’ declarão guerra ao genero, e a noSsa neceSsid.e, aparencia

ella nas Praças estrangeiras por hum Sô correspondente a Ser huma unica Compradora

delle, em cujas circunstancias Sendo-lhe atê oferecido por hum bom, e baixo preço Sem

afronta, e lanços de 3.os, Sempre a Compra Seria Razonavel, e o ganho do mesmo modo

certo, e infalivel.

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114

[folha 46f.]

46

Ella Seria extenSiva, e ao mesmo tempo benefica com extinção dos aSsentistas a troco

de huma Simples ComiSsão, em q’ Sempre Se lucra, sobrecarregando-lhe o preço do

Seguro, em dar pelo Seo primeiro custo todo o provim.to, e munição de guerra, aSsim

naval, Como terreste [sic], p.rq’ não hê justo negociar com o Estado, e com o publico

enfraquecendo-lhe as forças, e com os dous Respeitaveis Corpos da noSsa defeza, e p.ª

q’ os fundos dos particulares Se não destrahão, e não entrem em despezas, q.do não

lucrão; p.ª esta Contadoria social, e Respectiva entrarâ pelas Rendas do mesmo Terreiro

huma orçada, e Competente Soma, e esta Sempre Regulada pelos preços mais baixos

dos Referidos generos, q’ Sô Sentira o acrescimo do comiSsão, e do Seguro, como fica

dito.

Não devemos nunca perder de vista o ultimo ponto demonstrativo da diferença, em q’

estâ a noSsa agricultura, e colheita do Trigo, milho, e Cevadas no Suprimento da 3.ª, e

4.ª p.e do anno com as duas 3.as, e 4.as partes Restantes, com q’ por importação nos

Suprem as Nasçoéns estranhas.

Dos aSsentos, e lembranças tomadas no Terreiro da Sahida de huns, e de outros

generos, alem do q’ Se conSumira no Suprimento dos habitantes das terras, e das

povoaçoéns donde elles forão transportados, e trazidos, e ainda mesmo com o

abatimento, e desconto, do q’ cada hum fazendo-Se por q.lq.r principio Snr.’ dos

Respectivos generos os

[folha 46v.]

tem tirado do Mesmo Terreiro p.ª o Seo conSumo, Consta, q’ no espaSso de 16 annos,

decorridos desde o anno de 1778, tê o de 1795 Se vendera alî de Trigo, Milho, Centeio e

Cevadas da terra, 515$328 moios 41 ¾ alqueires, q’ pelos preços medios, e mediocres

vierão a importar em 11:825:9 20$999 r’.

Das mesmas Lembranças, e aSsentos consta, q’ neSse mesmo espaSso decorrido, e

aSima mencionado, Se vendera no Terreiro entre Trigo, Milho, Centeio, e Cevadas

trasnportadas dos Reinos Estrangeiros, 1:313:625 moios 5 6/4 alqueires, os q.s

Reduzidos, e estimados pelos preços medios, e mediocres vierão a importar, Senão foi

em m.to mais em 31:488:484$536 r’, ao q’ deve acrescer a importantiSsima, exorbitante,

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115 e conSideravel Soma do m.to biscouto, da gr.de porção de bulaxa, e de hum Sem

numero de barricas de farinhas introduzidas, com q’ actualm.te Se nos etâ Suprindo.

Esta Soma, Se não for ainda m.to mais Consideravel, de 31:488:484$536 r’, alem da

importancia do biscouto, da bulaxa, e das farinhas, vam a Ser a em q’ no decurSo de 16

annos fomos, e estamos Sendo prejudicados com a perda nunca jâmais tornada,

Recuperada, e Restituida do noSso preciozo, q’ fora p.ª os Reinos estrangeiros, tudo por

falta da agricultura nascional, da Con-

[folha 47f.]

47

servação, milhoração, e dilatação do noSso terreno, e do augmento, q’ deveria ter entre

nos a recomendada agricultura.

Annotacão umdecima.

Em q’ por mero, e puro arbitrio Se certifica, q’ no [atalhe] com infalibilid.e preciza Se

pode bem prevenir este mal, dano, e prejuizo experimentado na perda de tão gr.de Soma

a este titulo Levada, procedendo-Se na plantação destes generos, e ainda de outro, q.l hê

o linho em alguma das noSsas colonias, pelo menos interinam.te, em q.to a agricultura

nascional do Reino Se augmenta, e Se dilata, Como tanto Se dezeja.

Se mais adjunção de docum.tos, e de titulos, e Sem q’

[folha 47v.]

tãobem Se faça jâ mais precizo p.ª nos autorizarmos, Recorrer aos livros das entradas, e

das Sahidas das noSsas Alfandegas Se sabe, q’ em as noSsas idades entre os graóns da

primeira neceSsid.e, q’ dos Reinos Estrangeiros, Como da Carolina, e de outros m.tos

portos Se transportava p.ª Portugal, era o arroz, e q’ eSsa importação desmarcada, q’

tanto cabedal nos Levou inteiram.te desapareceo depois dos estabelecim.tos da

Companhia do Parâ, e Maranhão, e depois q’ com maior força em todo Brazil maritimo

Se cuidara como de profiSsão no fabrico, e plantação deste genero, o q’ tanto Sucedera

em alguns outros generos, como ao anil, ao Cacao, a Baunilha, e ao Cafê.

Havendo precedido huma tão gr.de Licão m.to feliz em todos os Seos effeitos, q’ por Ser

tão proxima a nôs não pode entrar em duvida, e contestação, p.rq’ a tudo isto Rezistirâ a

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116 propria experiencia, e os noSsos mesmos dias; não poderâ haver huma maior Razão,

q’ nos convença, e q’ seja impeditiva, e destructiva deste noSso Socorro, e do mesmo

traçado plano, q’ aSsim Como Somos Capazes, Sem haver Couza, q’ nos desanime, de

fazer Sacudir o jugo pelo meio da plantação, e da cultura do arroz em as noSsas

colonias, e provincias ultramarinas, q’ o mesmo, e q’ outro tanto poderemos conSeguir

com igual feliz SuceSso em as plantaçoéns do trigo, e do centeio, do q’ p.ª desafio jâ

temos tido amostras, e por diverSas p.es, Sem q’ se fale na do milho; p.rq’ esta Sempre

foi

[folha 48f.]

48

constante, frequente, uzual, e huma plantação primitiva com abumdancia em todas, e

Cada huma das noSsas colonias ultramarinas.

Sendo pois, Como São cada huma dellas aptas, e Capazes p.ª esta qualid.e, e genero de

plantação, e de cultura, não Sendo novo, q’ algumas dellas, como as das Minas em terra

dentro, Salvando alguns certoéns, obrigadas da neceSsid.e, e da distancia jâ Se Suprem

com algum trigo nascional, e proprio do Paiz, e Sendo tãobem justo, q’ as colonias, q’

Se ocupão em as lavras, e em plantaçoéns do aSucar, do tabaco, do algudão, do cacao,

do cafê, do anil, da mandioca, e da farinha chamada de pao, e em todos os mais generos,

e ligumes, com q’ Reciprocam.te Se Socorrem, (de cuja dizerção voluntaria, deixando, e

paSsando de huns generos a outros aSenados pelo maior preço; Se seguirâ, como agora

Sucede, em aquelles Paizes huma quaze univerSal fome, e carestia, o q’ bem Se

preveneria havendo huma matricula de lavradores, licenciados, Repartidos, e

apropriados p.ª a plantação dos generos pela Meza da Inspeção Respectiva, e esta

exactiSsima em os Seos deveres, ou pelo Juiz conServador Inspector da agricultura

Provinciana), e Sendo tãobem justo torno a dizer, q’ as colonias, q’ Se ocupão nestes

Seos estabelecimentos disto Se não detrahão, do q’ Se Segue, e hê inSeparavel a

imperfeição dos generos a q’ elles Se propoem, m.to q’ bem nesta nova plantação podião

ser poupadas, aproveitadas, e impregadas as vastas, e fetiliS-

[folha 48v.]

simas campinas do Rio Grande, e todas aquellas outras ociozas indeterminadam.te de

todo Brazil, q’ foSsem Capazes, e acomodadas p.ª este genero de plantação, huma vez

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117 q’ a ellas Se entregaSem os novos Lavradores, e por este meio, e modo certam.te q.do

não foSsem Senão licenciados por dez, vinte, e mais annos, seg.do a neceSsid.e o pediSe,

veriamos não Sô a colhermos, e a Suprir-nos com todo o trigo, e grão precizo, mais

ainda com tanta abundancia, q’ entraria em espiculação o manda-lo p.ª fora do Reino,

Como tem Sucedido ao arroz.

Igualm.te p.ª Se dar hum corte com desterro da dependencia a gr.de importação do linho,

o q’ deve entrar em objecto, p.rq’ no Seo troco, permutação, e venda nos leva huma

exorbitantiSsima Soma cujo genero por Ser tãobem da primeira neceSsid.e, tem huma

gr.de, e prompta extração, e conSumo em Portugal Sendo manufacturado, e m.to maior

em todo Brazil, q’ com elle Se supre, e Se veste, p.ª esta plantação m.to q’ vem a Ser

optimas, e oportunas as proximidades das m.tas extensas Lagoas do Grão Parâ.

Para q’ Se não desanime hum, e outro projecto com as Lembranças, e com as objeçoéns,

de q’ o preço dos fretes nos transportes farâ na longitude estes generos Caros; de q’ não

ha-

[folha 49f.]

49

verâ q.m Suprindo anime huma, e outra plantação, no q’ pela distancia não poderâ entrar

a mesma contadoria da Inspectoria Terreiro; de q’ ainda q.do ella m.to mais perto estivese

nunca deveria entrar no laboriozo, e miudo Suprim.to a diverSos Lavradores,

disnaturalizando-Se da Simplicid.e do seo trabalho, p.ª Se hir misturar com huma

agencia toda mercantil, cujo trafico pederia m.tos Caixeiros, e huma pozitiva Caza, e

escripturação eregida p.ª este fim; de q’ Restabelecida a agricultura em Portugal ficarião

em ocio todos aquelles terrenos, e os mesmos Lavradores Sem destino certo, e Sem

apropriação ao trabalho.

A tudo isto Se Satisfaz de hum modo breve, e terminantiSsimo, q.l vem a Ser, q’ o terror

da Carestia do frete do genero no Seo transporte, e q’ menos a longitude não nos deve

desanimar, p.rq’ eSsa distancia não teme a America Ingelza, q’ nos estâ fornecendo, e

Suprindo em p.e, q’ o frete deste genero Sempre Serâ diminuto de 80, a 100 r’ por

alqueire, conveniente ao genero, e ao Senhorios dos Navios; tanto p.rq’ esta Carga m.to

q’ Se chega, Se une, e ocupa m.to pouco espaSso proporcionalm.te, Como porq’ não

deixa de fazer Conta, vindo cada mil moios a merecer o frete de 600$000 r’, e 2$ moios

de 1:200$000 r’, e aSsim progreSsivam.te seg.do a grandeza, e as toneladas dos Navios,

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118 havendo todas esperanças, de q’ ainda eSse frete a m.to mais desça, e se baratea pelos

fundam.tos, e pelas circunstancias, de q’ Sendo a Carga Limpa, e a mais aseada, haverâ

m.tos Navios, q’ por

[folha 49v.]

q’ por todo, e q.lq.r preSso convencionado o hirâ buscar, auxiliando-me com as duas

Refleçoéns: 1.ª de q’ nunca hum moio de trigo ocuparâ mais espaSso, do q’ o de q.lq.r

pipa transportada: 2.ª, q’ importando o frete de cada hum moio em 6$000 r’, vemos, q’

os Navios vão Carregar, e transportar por conta do Contrato cada huma pipa da Carga

imunda de azeite de peixe por 4$800 r’, e p.rq’ em todo Cazo Sempre isto lhe Serâ

melhor, e mais lucrozo, do q’ invernar com dispezas, com danificação dos cascos, e com

perda certa do totalid.e dos fretes, em Pernambuco, B.ª, e Rio de Janr.º pela falta do

Suprim.to das estivas, q’ São obrigados a fazer, pela falta das competentes Cargas, ou

por cauza das esterelidades, e das contra-Safras, ou p.rq’ os vazos construidos com

indescripção m.to q’ superabundão, e vencem a correspondente Carga: do q’ tudo quero

concluir, q’ no estimado, e orçado preço do frete deste genero, ou elle seja o

mencionado com o ganho do maior preço no espaSso da pipa, e do aSeio da Carga, ou

q.lq.r outro, em q’ Se entre por estipulação, Sempre virão a lucrar conSideravelm.te os

proprietarios dos Navios.

DispenSo-me por esta vez tão Som.te entrar nas Refleçoéns, de q’ m.tos dos noSso

Navios Se armão com gr.de custo, despezas, e debaixo de hum desmarcado, e

extraordinario Risco, expozicão, e danificação dos Seos Cascos, gastando, e

conSumindo desde o Seo primeiro Costeo atê Ser des-

[folha 50f.]

50

carregado o espaSso de dous annos, em q’ se deve Supor p.ª o Regulam.to dos Seos

prejuizos pelo menos a perda de duas viagéns, ou de dous fretes, p.ª afim de hirem a

[Talaxeira] na Azia, e em alguns mais portos daquella aRiscada costa carregar pimenta.

Se isto pois, e tanto Se faz em Seguimento, e procura de hum genero, q’ não hê noSso, e

q’ não hê da primeira neceSsid.e, Sô com o fim, de q’ o lucro o paSsemos p.ª os Reinos

estranhos, q.tos maiores exceSsos, (q.do aliàs vem a Ser m.to menores), não mereSerâ o

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119 trigo, e o mais grao nascional; e Provinciano, q’ Sendo proprio hê da noSsa primeira

neceSsid.e, e indespenSavelm.te precizo p.ª o noSso natural Sustento.

Outro mais arbitrio concorrerâ, p.ª q’ Se barateê o frete deste genero no Seo transporte

daquella, ou ainda de outras noSsas colonias, q.l vem a Ser, q’ neSses transportes Se

podem, e Se devem impregar as m.tas das noSsas embarcacoens pequenas, e ligeiras, q.s

São as [Fumacas], as Cruvetas, e as galeras, as q.s Sendo de pouco Custo, demandão

hum pequeno costeo, e m.to curta, e diminuta a Sua tripulação, em q’ Se poupão as

Soldadas, Reduzidas a menor numero de peSsoas, e o mesmo Sustento, [e reçoéns], e

nisto q.to a mim m.to mais Se lucraria, do q’ nas desgraçadas negociaçoéns da Costa da

Mina.

Atê aquî hum terror panico nos amendrontava, de q’ era hum quaze impoSsivel o virem

as [Fumacas] daquel-

[folha 50v.]

le continente a Portugal; porem a neceSsid.e unida ao maior intereSse, e a hum

desmarcado Lucro nos obrigou, a q’ Se entraSe neSsa expozição, e Sortindo o bom

effeito em as primeiras, m.tas outras, e as mesmas no Retorno Se expozerão, e aquillo

mesmo, q’ no Seo principio Cauzou admiração Se tornou em uzual jâ Sem espanto, e

com frequencia, como hoje vemos, e experimentamos.

Ora Se a neceSsid.e, Se a garantia, Se o Seguim.to dos intereSses, e dos maiores Lucros

nos fez feixar os olhos, perder o medo, e nos dispoz a entrar nesta especie de expozição,

m.to mais hê o q’ nos mereSse o bom amor da Patria, e m.to mais, q.do elle Se reveste, e

hê acompanhado de outros tantos, e iguais intereSses. Essa mesma expozição pelo

tempo adiante Se farâ m.to menor a proporção do q.to Se vulgarizar a plantação deSse

genero em todo Brazil, p.rq’ sendo ella comum as Camaras dos Navios maiores, e ainda

mesmo dos menores não poderão ter Carga mais limpa, e nem mais aSeada, e ellas Sô

bastarão p.ª de per Sî, atento o gr.de numero delles, SuceSsivam.te nos hir fornecendo,

tendo prompta Sem demora, e em boa arrecadação o Seo frete na arça do Terreiro pelo

Sahida, e vendagem deste genero, em q’ tê com economia Se poupa a comiSsão da

Cobrança.

Sendo certo, q’ este novo genero de plantação em as Colonias deve Ser animada,

Socorrida, e Suprida; Seria justo,

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120 [folha 51f.]

51

q’ nos primeiros 5 annos do Seo estabelecim.to foSse Livre, e izenta de todo, e q.lq.r

dir.to, e imposto, q’ nos 5 annos Seg.tes sô pagaSe meia contribuição, e q’ a contadoria

privativa da Inspectoria do Terreiro por conta da nova companhia da agricultua

nascional, e Provinciana manda-Se dous emiSsarios da mesma contadoria, hum p.ª o

Rio Gr.de, e outro p.ª o Parâ, p.ª com dinr.os fazer Suprim.tos aos novos plantadores destes

generos, Sempre com a Cautela do valor tão Som.te das duas partes, do q’ elles poderão

colher; p.rq’ com este liquido do Suprim.to a dinr.º Se livraria a Contadoria, e a

Companhia de embaraços, de hum trafico inteiram.te mercantial, das inSurgentes

queixas, de Serem Caros, e do escrupulo de Serem sobrecarregados os generos

Supridos, de hum gr.de numero de caixeiros, e porq’ tãobem os lavradores com dinr.º a

vista tudo Comprarão a Sua Satisfação, e mais barato, Sendo a Sua maior, e principal

despeza do pagam.to de folhas, ou da Compra de escravos, e de bois, o q’ tudo se effetua

com dinr.º, e não com generos, e vindo estes com as precizas guias p.ª o Terreiro, aonde

nada Se vende fiado, em cada hum dos annos haverâ huma prompta Liquidação de

contas entre os Lavradores, e a contadoria, e entre a contadoria, a as apolices Sociais,

Salvas as despezas, fazendo-Se imprimir em cada hum dos annos a folha dos preços

corr.tes em cada hum dos mezes, as entradas, e as Sahidas, dando-Se deste modo por

meio de hum manifesto huma conta publica, q’ abranja tê as despezas com mantença da

boa fê.

Quando por felicidade noS-

[folha 51v.]

sa no decurSo de tempos, e da SuceSsão dos annos, ainda q’ aos poucos vieSemos a

conSeguir com Restabelecim.to, e dilatação da agricultura a noSsa geral, e plena

manumiSsão pelo meio da constante, e perpetua independencia das nasçoéns estranhas,

mediando os trez indicados Socorros, então Se levantarião: 1.º, q.to as Colonias os

prestados auxilios, tê mesmo com a Suspenção dos suprimentos, ficando aquelles

Lavradores Reduzidos achaSse, de q’ jâ por Sî porSeguerião, se lhes fizeSe conta, na

certeza, de q’ tudo q.to nos abunda não nos faz mal.

Nesta Suspenção de auxilios, e de Socorros bem premeditada nunca em as colonias Se

vinha a prejudicar a 3.os no Cazo da dizerção, e do Retiro da plantação deste genero, o

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121 q’ jâ Seria dificultozo, p.rq’ elles huma vez nella estabelecidos Sempre proseguerião,

como Sucedera em os mais generos, ainda mesmo depois da extinção das outras

Companhias, q’ auxiliando os Supria; pois q’ a terra, e o Solo não ficando [deterior] Se

Reduzia ao q’ Se entregarião a outras novas, ou antigas culturas, em cujo desmancho, e

distração, (Sempre dificultoza de Suceder, depois de tantos annos de estabelecim.to),

nada Se vem a esperdiçar, e a prejudicar-Se a 3.os, p.rq’ a plantação do trigo, de todo o

grão, e do linho hê a mais Simples, q’ Se pode conSiderar, pois q’ huma, e outra mais

depende de hum bracal, e annual trabalho, dos fabricos, e amanhos, do q’ de

despendiozas offinas, e de hum gr.de, e desmarcado trem.

Igualm.te Se Suspenderia nos prestados auxilios, e Suprim.tos feitos

[folha 52f.]

52

a mesma agricultura de Portugal derigidos a estas plantaçoéns, sempre com as izençoéns

abaixo indicadas, e descriptas, tê mesmo com a extinção da Contadoria, e da Companhia

instituida, q.do de todo, e com humas gr.des forças jâ entre nôs estiveSe Restabelecida a

agricultura destes generos, e com tanta firmeza na Sua duração a perpetuid.e, q’

chegaSemos a colher huma 3.ª, ou 4.ª p.e de mais da q’ nos hê preciza p.ª o noSso

Sustento, e suprim.to, o q’ não Serâ deficultozo, e menos impoSsivel, entrando em

cultura as duas p.es, q’ Restão p.ª Serem cultivadas, acrescendo a ellas as outras p.es

aproveitadas com economia dos terrenos abandonados por estereis, canSados,

infructiferos, arenozos, e pedragulhozos, depois do q’ hum, e outro genero exonerado

das despezas da Contadoria, e dos lucros Sociaes da Companhia comeSsarião Sobre Sî a

fazer huma Livre entrada no Terreiro pelo preço, q’ mais comodo foSse, o q’ verterâ em

utilid.e dos Nascionaes.

Annotação Decima Segunda.

Em q’ Se Recomenda, q’ tratando-Se da prosperid.e

[folha 52v.]

da agricultura, não basta, q’ hajão terrenos p.ª serem cultivados, agricultores, e a

disposta industria; faz-Se precizo, q’ tudo isto Se anime, e Se Somente pelo meio dos

privilegios, das izençoéns, do alivio dos impostos, e das penSoéns, e pelo meio de hum

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122 prompto Suprim.to, p.ª q’ tudo isto de concerto convide aos novos Lavradores a

entrar com gosto, e com proveito na cultura das terras, premiando-Se a industria,

mantendo-Se na decencia, e na estimação nos antigos, e modernos Lavradores.

Sendo os lavradores, e os agricultores os individuos da maior estimação, os mais nobres,

e os mais honrados Cidadaons, jâ p.rq’ no Comercio dos homens as Suas produçoéns no

sobejo do Seo natural Sustento, influindo no trafico derão origem a antiga permutação, e

em Seguim.to della a todos os mais contractos, em q’ hoje girão, e Se conServão a

Nasçoéns mais civilizadas, jâ p.rq’ entre nôs delles Se deriva na sua fonte a premitiva

nobreza(a), q’ na poSseSsão das Suas terras, ainda hoje formalizão no Seo fundo, e

patrimonio gr.de, groSsas, e

[folha 53f.]

53

illustres Cazas; jâ porq’ por medeação dos Seos esforços, trabalho, industria, e disvelos

elles chegarão a Sustentar a mesma Patria em ambos os tempos, aSsim da paz, Como da

guerra, a mantença, e promoSsão da Sua justa defeza; jâ porq’ finalm.te a agricultura

dando forças, e Constituindo a felicid.e dos Imperios fomenta, estende, e dilata a

navegação, e o fabrico de tudo aquillo, q’ hê da noSsa primeira, e ultima neceSsid.e,

concluindo-Se, q’ ella nos Sustenta, e nos veste, e q’ por iSso vem a Ser os braSsos da

Republica. Huns homens desta Cathegoria, (sem q’ eu traga em Seo favor a Serie das

Leis agrarias), q’ vivem atê na simplicid.e dos Seos bons costumes, não São olhados

com aquellas vistas, de q’ tanto São merecedores.

Pelo contrario, q.do menos preterindo o Seo mesmo desgraçado indiferentismo, São os

agricultores as peSsoas mais infelizes, q’ eu vejo, e q’ eu poSso conSiderar entre as

m.tas, q’ no noSso terreno ocupão a Superficie da terra, (sem q’ eu fale dos Lavradores

fartos, Ricos, e abundantes), porq’ aquelles homens trabalhando de dia, e de noite,

faltando tê ao Seo natural descanço, arrostando-Se com o Sol a espera, de q’ elle nasça,

e Se ponha, com a mesma noite, com o Sereno, com a chuva, e com o gelo, chegando tê

a esperar a lua, paSsando neste exercicio a laborioza vida, cantando annos Sobre annos,

encanicendo-Se, e curvando os ombros, no fim della apareSem Rotos, esfarrapados, e

quaze mendigos nas tristes afliçoéns da dezamparada familia, e esta

a Esta tãobem foi a […] e o principio della dos […]

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123

[folha 53v.]

numeroza, q’ o Rodea. Estes milhores Soldados da Patria, q’ tanto trabalharão, e

militarão p.ª o bem della, sem q’ tenhão contado, e Sem q’ aleguem Serviços, q’

Remunerados sejão, Sem terem a q’ Recorrão, gemendo na desgraça, e lutando na

impoSsibilid.e com a vida, quaze q’ constantes morrem inSocorridos ao dezamparo.

Ditozos Campos de Arzila, q’ em hum dia vos vistes banhados com hum, e outro

Copiozo Sangue dos Herois guerreiros, cujos nomes com gloria tem paSsado a

imortalid.e dos tempos, dia em q’, destruindo-Se o Mundo, faz guerra ao Mundo, dia em

q’ ao Som das trombetas com horror da humanid.e o poder de triumfos correra o Sangue

dos viventes como Rios entre os juncos, e as pedras dos teos circumvezinhos montes,

para bem vos sejão dados, q.do vejo os teos fructos mais bem vingados esculpidos nos

elevados Porticos, q.do vejo, q’ o pobre, e honrado Lavrador, q’ por dilatados annos

aSsim na paz, Como na guerra Suprira e Sustentara a estes, e a outros m.tos vencidos, e

aos m.tos mais vencedores, não tem nome, e nem gloria, q’ transmita aos Seos!

Esta mizeria, infelicid.e, e Reconhecida desgraça, em q’ vivem, e morrem inSocorridos

o Comum dos noSsos Lavradores, e conSeguintem.te com q’ Se vê perSeguida a mesma

agricultura dentro da orfand.e com Restituição ha de com infalibilid.e Ser devida a

alguns infaustos, e opostos principios, q’ Se contraponhão a Sua pros-

[folha 54f.]

54

perid.e, dilatação, e augmento. São estes tantos, e tão numerozos, e a primeira vista tão

conhecidos, q’ na concizão nunca jâ mais poderão Ser todos Referidos. Cento, e huma

vez estâ calculado, q’ o habil, e esforcado agricultor, q’ Sobre Sî toma p.ª beneficiar, e

p.ª cultivar huma gr.de, ou pequena porção de terreno, q’ lhe hê entregue p.ª este fim por

q.lq.r dos modos pelo Snr’ directo, Sendo-lhe tiradas todas as penSoéns, e impostos,

aSsim dos quartos, jugadas, outavos, dizimos, Como dos foros, ou medidas da avultada

Renda, q’ paga, apenas Sô lhe vem a ficar a m.to custo hum 3.º Livre, de Sorte, q’

cultivando, Semeando, e colhendo hum moio de pão, sô delle, depois de hum indizivel

trabalho, Salvos os amanhos, lhe vem a pertencer vinte alqueires.

Neste Laboriozo Officio, tão neceSsario p.ª a existencia, e subzistencia individual, e da

Socied.e, Se vem a verificar huma Regra, q’ o faz tanto mais desgraçado, e esta Sempre

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124 contraria a natureza, a qualid.e, e a eSsencia de todos outros Officios, q.l vem a Ser;

q’ havendo Ley expreSsa, q’ Sô manda dar a 3.ª p.e dos ordenados aos proprietarios, e

aos Senhorios delles, ficando Salvas com os emulumentos as outras duas 3.as p.es p.ª q.m

braçalm.te os Serve, neste de lavrador, e de agricultor m.to pelo contrario Sucede; porq’ o

Senhorio directo em descanço, e as diverSas contribuiçoéns, a q’ elle estâ Sugeito, e

ResponSavel, vem Sempre a perceber as duas 3.as p.es do q.to o terreno produz, e pode

produzir, ficando apenas Sô livre p.ª o triste, pobre, e esforçado agricultor, q’ foi

incanSavel a 3.ª p.e Restan-

[folha 54v.]

te, e a desgraça neste ponto, e artigo hê delle tão inSeparavel, q’ ainda no Cazo dos

infelizes SuceSsos, das esterelid.es, das cheas, e decorrer mal anno, as medidas das

penSoéns tê afiançadas, q.do não São pagas adiantadas, Sempre São certas, de Sorte, q’

todos os infortunios, e tudo q.to mal pode Suceder Sempre vem a Recahir Sobre o

mizeravel agricultor, e nunca Sobre o S.r directo, e Sobre todos os mais percebedores

das m.tas, e diverSas penSoéns, porq’ o mais infeliz delles, vem a Ser aquelle, q’ sem

trabalho algum, e Sem o menor dispendio na espera ha de com infalibilid.e Receber a

proporção do q’ se colher.

Figure-Se, q’ hum destes Lavradores hê cazado, e q’ a Sua familia Se compoem de Seis

peSsoas pelo menos; a Saber delle, de Sua m.er, de dous filhos, de hum criado, e de

huma Criada: sendo constantem.te certo, q’ p.ª o annual Sustento de cada huma peSsoa

hê indispenSavel meio moio de pão; fazendo-Se a Conta, e o orSam.to pelo 3.º do grão,

q’ lhe fica Salvo, p.ª o lavrador Se Suprir com os 3 moios, q’ lhe são neceSsarios, se lhe

faz precizo a justa 9 moios de trigo, e não colhendo por q.lq.r contrario incidente, Se vê

na extrema neceSsid.e tê de o comprar. Aquî Se faz encontradiça huma breve, e

terminante Refleção, q.l vem a Ser, de q’ esforços não deve Ser aSsistido o lavrador, q’

comSigo, e q’ com a Sua familia comSome hum 3.º do grão, q’ planta, fazendo entrega

dos dous terços aos Senhorios directos, e ao pagam.to das diverSas penSoéns, p.ª q’ lhe

hajâ de ficar Salva q.lq.r outra p.e p.ª entrar em vendagem, em lucro, e no Suprim.to, e

Sustento de outros m.tos individuos, q’ lavradores não São.

[folha 55f.]

55

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125 Es aquî como o deligente, habil, e não descuidado agricultor, Sendo disvelado, e

ainda feliz no anno da plantação, e da colheita, fazendo entrega de 6 moios de trigo ao

S.r directo, os mais penSoéns, e contribuiçoéns, e conSumindo indespenSavelm.te 3

moios com o Seo, e com o Sustento da familia, no fim do anno apareSe pobre, e

destituido daquillo mesmo, q’ plantara, e q’ fizera objecto do Seo unico, e principal

trabalho

A tudo isto de mais acresce o neceSsario, e infalivel Suprim.to do vestuario, da Carne,

do peixe, do azeite, do vinho, do Calçado &., q’ Sendo tãobem generos da primeira

neceSsid.e, Sendo certo, q’ em especie a terra não produz, devem Ser comprados com o

Rezultado da mesma Lavoura.

Aplique-Se com a maior economia outro tanto, isto hê o valor mais de 3 moios de trigo

p.ª todos estes Suprim.tos, e p.ª tudo aquillo mais, de q’ a familia percizar; es aquî o

Lavrador Reduzido ao estado delle Ser percizo Recolher 18 moios de trigo, p.ª q’ os

Seis moios lhe fiquem Salvos; e es aquî tãobem, q’ ainda mesmo, e q.do chegue a

Recolher os d.os 6 moios de trigo; p.rq’ p.e delles, p.ª não dizer todos, e p.e dos seo valor

hê neceSsariam.te empregada em Couzas conSumptiveis, a Razão, e a demonstração,

p.rq’ no fim do anno Sem-

[folha 55v.]

pre ha de, e deve aparecer pobre, e m.tas vezes alcançado.

Hê tão indeliz o Lavrador, e conSeguintem.te a agricultura, q’ em vez de achar, e de

encontrar no Snr.’ directo toda pred.e, beneficencia, e compaixão, na certeza; de q’ elle

mais trabalha p.ª 3.os, do q’ p.ª Sî proprio, p.ª q’ annualm.te delle mereSa huma baixia na

Renda, m.to pelo contrario Sucede, p.rq’ em cada hum anno, ou q.do menos no fim da

escripturada [venda], a vão mais sobrecarregando, Sem q’ o terreno tenha Recebido

mais beneficio, e augmento, e de hum tal modo, q’ na SuceSsão dos annos, metendo

neSse aperto ao lavrador, e agricultura, vem no descanço a perceber quaze Sô p.ª Sî as

duas terças p.es dos generos, e do grão, q’ em dinr.º, ou em especie a terra produz.

Para dispôr melhor este engano ao lavrador no trienio, e em q.lq.r espaSso da corrente

Renda elle Sabe prevenir-Se de hir tendo a mão, e de hir esperançado, p.ª lhe fazer

guerra huns novos preferentes, e huns novos Lançadores, Sendo Sempre o melhor

aquelle, q’ paga adiantado, e q.do as Rendas, as medidas, e as penSoéns, q’ se percebem,

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126 jâ achão em hum tal ponto de extração, q’ jâ não podem fazer Conta, propondo-Se a

atrahir, e engodar a novos

[folha 56f.]

56

afeiçoados Lavradores, São cuidadozos, dispondo a fraude, em mandar fixar p.ª a

convocação delles publicos editaes, no q’ m.tas, e m.tas vezes Sucede, q’ Sahindo-lhe

errada a espiculação dispedindo, e disgostando ao antigo lavrador, e não aparecendo

outro, q’ por Sua conta em Cabeça propria por effeitos da experiencia vem com perda

na Renda a Sentir aquelle mesmo dano, e prejuizo, q’ elle de sangue frio na moleza, e na

inercia Cauzava a 3.os

O Lavrador, q’ conta por felicid.e, e com inveja dos outros, o Ser por m.tos, e mais annos

conServado na velha, e permanente Renda, Sente, e experimenta o beneficio publicado

pelo Senhorio directo, q’ elle Se propoem a fazer bem a aquelle pobre, e honrado

homem, a Seo mesmo Compadre, e afilhado, e q’ por iSso o não exclue, e não entra

com elle em preferencia com outros; porem nestas circunstancias o ardilozo Senhorio

maliciozam.te Sabe ocultar, q’ as Rendas, q’ as penSoéns, e q’ as medidas lhe São por

m.tos annos dadas, e Sepridas adiantadam.te, no q’ Se faz, e Se troca o beneficiado, ainda

q’ o vâ pedir emprestado, ou a juro da Ley, q.do a uzura não hê maior, Sô p.ª adquerir

SuceSsivam.te a Sua Con-

[folha 56v.]

servação, e p.ª por mais annos, fugindo a preferentes, desfrutar huma Renda, q’ não Seja

tão Leziva. Desgraçado entre nos o Officio, q’ não espera, q’ elle mesmo Renda, e

produza, p.ª q’ com o Seo Rendim.to, produto, e Rezultado Se pague ao Senhorio, q’

nelle não trabalha.

A mais ainda Se estende a desgraça do util, e neceSsario Lavrador, q’ a cada paSso hê

inquietado, e destrahido da Sua mesma ocupação, e ministerio, Sendo humas vezes

Severam.te pinhorado em os fructos, em tudo mais, q’ hê Seo pela mesma Renda, ainda

não apurada, e não disposta, o q’ m.tas vezes tãobem lhe sabe dispôr huma mão uzuraria

Supridora, q’ teme, cercado de hum medo eminente, q’ elle vâ vender o genero, e q’

metendo em Sî o Seo producto, torne inutil o contracto uzurario; Sendo outras

sequestrado pela pequena, e modica exigencia de q.lq.r das diverSas contribuiçoéns, em

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127 cujas ciscunstancias de ordinario Sucede, q’ pela exigencia de 5 se sequestra 100;

sendo outras chamadas p.ª os empregos, em unus publicos; outras incomodados p.ª as

expediçoéns, e transportes das Rendas publicas, e do Estado; outras finalm.te p.ª q.sq.r

fins, Sendo-lhe tomados, e aprehendidos os Seos mesmos Carros, filhos, e Cri-

[folha 57f.]

57

ados

As noSsas Leis, q’ não deixão de Ser agrarias no Seo tanto, q.do Rezervão as ferias p.ª o

tempo das vendimas, q.do tratão das coimas; q.do Relevão, e dispenSão aos Lavradores

em diverSas p.es, e m.to principalm.te da sciencia do Dir.to, e dos estillos ForenSes,

determinão por hum dos Seos gr.des, e magnificos privilegios, q’ nos bois, Carros, e

arados dos Lavradores Se não poSsa, e Se não deva Realizar pinhora; porem tudo isto, e

tudo q.to Se acha disposto a este Respeito, e em favor da agricultura vem a Ser nada p.ª

Se conSeguir os dezejados fins.

Aos Seos infortunios de mais acresce, q’ não obstante Serem elles por todos os Lados

perSeguidos, e encomodados, como Se deixa Reflectido, m.tas vezes Sucede, q’ havendo

terrenos oportunos, agricultor habil, q’ esteja disposto a entrar em esforços de Se propôr

a cultivar, e ainda mesmo huma boa, e prompta industria, isto tudo não basta, p.ª q’ dahî

Se haja de conSeguir o dezejado, e ultimo effeito, tudo epla falta dos Socorros

neceSsarios, e de hum indespenSavel, efficaz, e desintereSsado Suprim.to, e este sempre

a tempo da Sua infalibilid.e

De tudo isto Se pode, e devo concluir; q’ olhando-Se

[folha 57v.]

Com vistas Serias p.ª o bem da Patria, e p.ª a intereSsante prosperid.e da agricultura, não

basta p.ª o Seo certo, Seguro, e infalivel progreSso, o haver promptos, e facilitados

terrenos, bons, e habeis agricultores, todos os esforços dispostos, e ainda mesmo a

disvelada, e a arteficioza industria, mais tãobem de concerto com tudo isto Se faz

precizo hum Liberal Suprim.to, q’ tranquilizando, e ajudando as fadigas dos Lavradores

promova os reciprocos intereSses, Socorra; e anime a agricultura no Seguim.to das Suas

prosperid.es, q’ Se disponha a firmar o bem, e o patrimonio da Patria neste Seo Seguro

estabelecim.to

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128 Como pois com a maior certeza, e infalibilid.e seja a todos notorio, q’ o bom, e q’ o

disvelado agricultor proSeguindo em o Seo Louvavel, e desmarcado trabalho, Sô vem a

chamar Seos com certeza a 3.ª p.e dos fructos colhidos, dando_se Remedio ao conhecido

mal, e trabalhando-Se q.to Seja poSsivel pela antiga, natural, e primitiva Liberd.e dos

predios, nenhum outro poderâ Ser mais oportuno nos termos da Sua justa manimiSsão

por via de Regra, do q’ Libertar-Se os terrenos, e a mesma agricultura de toda, e q.lq.r

pensão, e impostos, Sempre com a lembrança, de q’ elles são odiozos, e tanto mais

inSuportaveis, q.do gravitan-

[folha 58 f.]

tando Recahem em artigo, e generos da primeira neceSsid.e, e m.to mais intoleraveis,

q.do eSses mesmos generos pela Sua gr.de falta a par do prompto conSumo Se acha em

decadencia, e no Seo maior atrazam.to, p.rq’ nada pode haver, q’ lhe Seja mais nocivo, e

contrario a Sua existencia, promoSsão, e augmento, do q’ na Sua força eSses actuaes

onus; ou pelo menos fazer com q’ modificando-Se os impostos, q.to poSsivel seja, elles

Se Reduzão, e Se levem ao estado, de q’ com Satisfação minorada, dos fructos Sempre

venha a ficar Salva p.ª o lavrador em lugar de huma, as duas 3.as p.es, no q’ Sem graça,

Sem privilegios, e Sem izençoéns Se vai de acordo com a generalid.e de todos os mais

officios.

Isto, q.do não seja no todo das contribuiçoéns, Serâ q.to seja poSsivel na maior p.e dellas,

estabelecendo-Se huns novos arbitrios, q’ Rejão tanto os aforam.tos, e as Rendas de

preterito, como as de futuro na cohibição do disfarçado Senhrio directo, q’ tudo acha

pouco, propondo-Se com huns, e outros a libertar a agricultura das continuadas

traiçoéns, q’ se lhe armão, e das indiziveis torturas, q’ inceSsantem.te Se lhe faz, e q’

ella paciente, e sofredora experimenta; e Suporta.

Seria no desempenho das obrigaçoéns do Inspector geral da agricultura Nascional, fazer

expedir ordéns a cada hum dos Inspectores Provincianos, p.ª q’ procedendo primeiro

[folha 58v.]

na medição dos terrenos, procede-Se pelo meio de louvados da Inspectoria, e dos q’

nomeaSem os Senhorios delles, na justa avaliação deSses espaSsos arrendados, p.ª q’

tanto as Rendas de futuro, como as de preterito Se ficaSsem p.ª Sempre Regulando Sem

mais exceSso no vencim.to de trez por cento, recebidos, e pagos no fim das colheitas, ou

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129 em dinr.º, ou em generos pelos preSsos Correntes, o q’ ficaria a arbitrio do Lavrador;

porq’ não hâ maior tortura, e barbarid.e, de q’ o Senhorio directo, Sem q’ o terreno tenha

Recebido em Sî algum beneficio, q’ por elle foSse feito, levante arbitrariam.te a Renda

q.do, e como m.to queira.

A isto por providencia deveria mais acrescer, q’ huma vez q’ o lavrador, Seg.do esta

estimaSsão, tiveSe prompto o valor da terra, q’ elle cultiva, propondo-Se a liberta-la do

Captiveiro estranho, promovendo-Se, e auxiliando-Se a natural Liberd.e dos predios, lhe

faria franco entregar ao Senhorio o preSso delles, e Rezistindo a este facto, bastaria, q’ o

puzeSe em juizo, p.ª dahî em diante Se ficar Reputando pleno Snr’ da Couza, do q’ em

beneficio da agricultura Rezultaria a conhecida utilid.e, de q’ cada hum no q’ hê proprio

mais trabalha de profiSsão na certeza, de q’ trabalha, e Se propoem a fazer melhor o q’

hê seo, o q’ aSsim jâ não Sucede no que hê de 3.º

Deste modo, e por esta p.e Socorrndo-Se a agricultura

[folha 59f.]

se animava em geral aos Lavradores, e Se convidava a outros m.tos a entregar-Se a ella;

porq’ tinhão a certeza, de q’ jâ Sabião, q’ hião pagar huma modica, e Racionavel Renda,

e q’ não temião, e q’ em cada hum dos annos Seg.tes, Sendo paSsada de huns a outros,

ella foSse Levantada com extremo, e com tortura a mais, e a mais, tê q’ o Senhorio da

propried.e vieSse a conSeguir, e a ter a certeza, de q’ o Lavrador Sô trabalhava, e Se

canSava p.ª elle, vindo a altear o preSso da Renda, q.do o terreno não havia Recebido

delle bemfeitoria, e beneficio algum, q’ isto, e tanto, ocaziona-Se circunstancias estas,

em q’ Sô pelas novas despezas Se permite altear o preSso da Couza, q’ Se arenda.

Com esta providencia, e deste modo Se vinha a desterrar a iniqua, e injusta poSse, em q’

uzuraria; e escandalozam.te estão os Senhorios dos terrenos em perceber com

transverSsão, com degredo, e com esquecim.to do primeiro preSso da Couza comprada a

titulo de medidas, e de moios, 8, 10, e 12 p.r100, atraiçoando a agricultura, q.do aliàs o

Lucro de 3 p.r100 no preSso de bens desta natureza vem a Ser o justo, e Racionavel; p.rq’

o fundo, e o casco da propried.e hê eterno; p.rq’ elle Se não deteriora, e mais antes

milhora por cauza da cultura, e dos amanhos, e porq’ finalm.te não Sofre, e Se não

expoem a nenhum Risco, e Se em todo e q.lq.r emprego vem a Ser Racionavel, justo, e

legitimo o lucro correspondente de 5 p.r100, como por exemplo na Construção de Cazas,

de Navios, ainda mesmo em giro mercantil, e em dinr.os a juro

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130

[folha 59v.]

sobre hipotecas desta natureza, em q’ Se gasta com concertos, e com Reparos, em q’ o

mesmo total da propried.e no decurSo Regular de cem annos desapareSe, alem dos

Riscos a q’ estâ, e fica exposta, do mar, dos incendios, e dos terramotos, cujos Seguros

Salvão os terrenos, q’ se dão de renda p.ª Serem cultivados, a vista do Reflectivo, e de

ponderado vem a Ser bom, e firmiSsimo o Sobred.º Lucro da Renda de 3 p.r100 nas terra,

q’ Se lavrão, e q’ entregando Se dão p.ª Serem cultivadas; com cuja providencia,

havendo huma especie de taxa nas Rendas; tãobem Se afasta, e Se acautela, com q’ os

Senhorios dos terrenos em cada annos jâmais sublimem, e elevem as d.as Rendas m.to a

Seo arbitrio.

Emq.to as Rendas forem arbitrarias, e ambiciozam.te Regidas, e Reguladas pelos

Senhorios dos terrenos, militando neste cazo o mal aplicado principio, de q’ a cada hum

hê franco impor Leis Sobre a Sua Couza, alteando, e deminuindo, como m.to, e bem lhe

parecer; emq.to Se não obServar este arbitrio, q’ os cohiba, tê mesmo com as

Cominaçoéns de perder o mesmo terreno p.ª o denunciante no Cazo de Se provar, q’

Leva, e q’ percebe mais a eSse titulo o Senhorio delle; emq.to eSsas mesmas Rendas não

forem estimadas, orçadas pelo fundo morto do preSso, e do valor do terreno, tidos, e

havidos como produto, e Rendim.tos de hum Capital, q’ não pareSse, e q’ não Se

diminue, e nunca por moios, e por medidas certas; emq.to as terras forem Sugeitas

[folha 60f.]

60

a quartos, e a oitavos, do q’ ellas produzem, vindo a industria a Ser proveitoza, e

comunicada individam.te a 3.os, q’ não trabalharão, e q’ não entrarão nella; emq.to geral,

e plenam.te a agricultura não for Libertada de todos os mais, e infinitos onus, q’

actualm.te Suporta, emq.to o lavrador, os seos filhos, criados, Serventes, e os Seos

mesmos carros, e gados, o q’ tudo com elle Se emprega no beneficio, e amanho das

terras, não forem tidas por peSsoas, e Couzas priviligiadas, e izentas de todo, e q.lq.r

encomodo, e distração, Sempre em todos os Cazos havidos por humas peSsoas quaze

Sagradas, o q’ a antiguid.e jâ Respeitou nos Cultos, e dedicaçoéns a Deuza Ceres, e o

gentilismo nos festejos, e Sacrificios feitos a fertilid.e dos Campos; Sem o q’ gemerâ,

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131 Como agora geme a agricultura entre os Seos desenganos, tê com Retiro de m.tos

Lavradores, na Sua imperfeição, e atrazam.to

Alem de tudo isto, q’ com infalibilid.e poderâ Reanimar a agricultura, e convidar a m.tos

de novo, a q’ ella mais de profiSsão Se entreguem não deixariam de Ser m.to uteis outras

providencias SubSequentes, de q’ Seria digno de hum bom premio annualm.te

estabelecido, e tirado das Rendas do Terreiro, aquelle Lavrador, q’ com guias do

Inspector Provinciano houveSe nelle feito entrar da Sua propria Lavra maior numero de

moios colhetivam.te de todos os graóns, ou q’ perante elle com test.as, e com a certidão

dos dizimos pagos houveSe justificado, q’ com effeito havia Recolhido, e vendido eSse

maior numero de moios, p.ª q’ em concurSo pelo meio das justificaçoéns, e dos

informes na

[folha 60v.]

Inspectoria do terreiro por huma especie de Sacreficio a Ceres Sempre no primeiro do

anno Se publica-Se o premio conferido ao mais digno dos lavradores.

Entraria, e Seria objecto de hum 2.º premio, todo aquelle industriozo agricultor, q’

mostraSe com docum.tos, e com justificativos de haver feito terrenos arteficiozos, tendo

aproveitado com geral beneficio da agricultura os espaSsos ociozos, jâ das pedreiras

Razas, jâ ocupados pelo Lodo, e entrada das aguas, jâ Revindicadas pelas estacadas, e

p.r q.lq.r dos modos Sobred.os, e especificados em os Lugares competentes, e alem disto

ficaria Snr’ perpetuo deSse novo terreno, q’ elle o fez Seo, huma vez q’ ao Inspector

Provinciano foSse pedido, e por elle dezignado p.ª Ser beneficiado, e de mais izento de

pagar toda, e q.lq.r contribuição, e imposto, e este extenSivo, (trabalhando-Se pela

dezejada Liberd.e dos predios), tê ao não pagam.to das Sizas no Cazo das futuras vendas,

no q’ premiando-Se, as Rendas do Estado Se não prejudicão, p.rq’ ao tempo, q’ elle

mesmo gratefica, e RecompenSa, Sô deixa de perceber, o q’ nunca jâmais percebera, do

q’ tudo Se faz digno hum agricultor desta primeira ordem, concluindo-Se, q’ Sem

vantajozos premios não Se esperta, e menos Se desafia a dormiente industria, na certeza,

e no desengano, q’ Sem elles nada Se conSegue

Seria hum justo privilegio digno de hum bom agri-

[folha 61v.]

61

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132 cultor esforçando-nos em conSeguir a liberd.e dos terrenos, q’ huma vez q’, (a

exceição dos terrenos vinculados de preterito, p.rq’ estes por estimaSsão ficarão

Reduzidos ao rendim.to de 3 p.r100, como fica arbitrado, nas esperanças, e nos Rogos, de

q’ Se não vinculem p.ª o futuro), o Lavrador Remediado esteja disposto a Comprar a

mesma Renda, q’ paga do terreno, q’ por elle estâ Sendo cultivado, offerecendo

primeiro o preSso ao Senhorio, não querendo aceitar, pondo em Juizo o valor dos 20

annos da Renda, Regulada esta a trez por cento, Como fica dito, a Respeito do q’ p.ª a

Regularid.e da avaliação dos predios urbanos, e Rusticos jâ hâ Ley pozitiva, q’ a d.ª

Renda Se haja por elle, Comprada, e adjudicada por conSolidação, e perpetua izenção

do mesmo terreno, q’ elle fabrica.

Outro tanto, e o mesmo, debaixo da destinção de vinculados, a não vinculados, Se

praticarâ por privilegio agrario na RemiSsão, e extinção dos odiozos foros, onus Real,

q’ Se eterniza em a propried.e Rustica, os q.s Sendo pezados, e traidores, os Senhorios

directos valendo-Se ocultam.te da impoSsibilid.e, do alcance, e do atrazamento do

agricultor, q’ tem feito bemfeitorias p.ª as Suas acomodaçoéns, no decurSo dos annos,

Sendo elles inSenSivelm.te vencidos, vem na exigencia este titulo a conquistar, e a fazer

Seo o trabalho, as forças, a indus-

[folha 61v.]

tria, e tudo q.to hê de 3.º, q’ cahira em com iSso, e q.do não por meio de dispostas

adjucaçoéns, e opçoéns, ou pelo meio de Subhastaçoéns, em q’ com a Solução dos

atrazados foros Se percebe hum escandalozo, e avultado Laudemio a titulo de dir.to

Senhorial, o q’ unindo-Se, e incorporando-Se a Ciza tudo Recahindo Sobre o preSso da

venda, vem a fazer com q’ Sendo tudo Salvo, m.to menor elle Seja, concluindo-Se, q’

tudo vem a Sentir, e a pagar o pobre agricultor, p.rq’ os lançadores e os compradores, q’

nunca São nescios, tãobem São fieis, e exactiSsimos nestes Seos orçam.tos, ao q’ acresce

a infalibilid.e da meia Ciza não Comtemplada, q’ Sempre hê certa no vendedor, q.r elle

Seja voluntario, q.r involuntario; concluindo-Se tãobem por ultimo, q’ de q.lq.r dos

modos, q’ se conSidere o contracto emfiteutico, q’ Sempre este por todos os Seos lados

vem a Ser tanto Lucrozo ao Senhorio directo, q.to nocivo, e prejudicial ao Colono,

Senhorio util.

Este artigo dos foros, q’ por via de Regra Sô pagão os terrenos, e q’ por iSso mesmo

vem este imposto a Ser privativo, e a Recahir desde a Sua Origem, e instituição m.to

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133 mais Sobre agricultura, parecendo na Sua primeira vista huma couza

SimpliSsiSsima, bem aceita, e distituida de prejudiciaes circunstancias, entrando-Se no

Seo fundo com Refleção Patriotica, na dureza, constancia, perpetuid.e delles, nos Seos

effeitos, e conSeque-

[folha 62f.]

62

cias, elles bem penSados, m.to q’ bem Se podem chamar huns nocivos impostos, e por

iSso mesmo m.to dignos de Serem desnaturalizadas de todo o genero de propriedades, e

m.to mais pelos seos danozos effeitos da inocente agricultura, por cuja Cauza m.to mais

merecedores devem Ser com profundid.e das noSsas mais Serias Refleçoéns.

Assim hê, q’ elles comeSsão, e tem a Sua primeira instituição em pouco mais de nada,

em hum baixo preSso, e tanto aSsim, q’ m.tas vezes São chamadas hum ovo por hum

Real: Es aquî a Sua primeira entrada, e aSsentam.to; porem eSse mesmo ovo fermentado

pelo calor da ambição, e da malicia chega a produzir venenozos inSetos, e Roedoras

idras, q’ estragando tração toda agricultura.

Vamos na demonstração por partes. Esse mesmo imposto, q’ na Sua origem pareSe

tenue, e Suave, jâ hê pezado, não Sô porq’ com perpetuid.e, Constancia, e tenacid.e

grava, e com eSsa a impoSsibilitar agricultura, mas tãobem porq’ a elle jâ precedera a

dispendio, e a perda de huma grande Soma, ao q’ lhe chamão Luvas, sob cujas ocultas

estipulaçoéns de ordinario Se effeituão os aforamentos, aos q.s os dolozos Senhorios, e

os [emfiteutas] adoçadas, p.ª os não chamar enganados, apelidão perpetuos, ou

[fetoixim].

Não parão aquî os estragos deste mal, elles vão avante

[folha 62v.]

Sempre com proveito do Senhorio directo, e Com vizivel prejuizo do Senhorio util;

porq’ este tomando a Seo cargo bemfeitorizar, tê com edeficação de comodos hum

terreno, q’ por inculto, e q’ por não beneficiado pouco, ou nada valia, fazendo o

preciozo a Sua Custa, Se por algum dos uzuais principios voluntaria, ou involuntariam.te

Se expoem, e Se Rezolve a vender, e ainda mesmo no Cazo da falencia, e da morte, vem

o Senhorio directo m.tas vezes inesperadam.te, e q.do menos cuida, a Receber huma gr.de

Soma a titulo de Laudemio, q’ de ordinario hê Sempre o mais avançado no acto da

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134 condescendencia da escripturação, e da estipulação, ao q’ Se facilitão os Colonos

convidados pela certeza, de q’ Logo Senão paga, e m.tas vezes esperançados, de q’ tarde,

ou nunca Se virâ a pagar, e Como as ocazioéns, e os motivos de destrahir São mais

frequentes, de q’ as de conServar, neste jogo Leva Seguro Sempre o ganho o Snr’

directo, aSsim como a perda, e o prejuizo certo o Senhorio util.

Este contracto por todos os Lados, q’ Se conSidere, e q’ Sem eSsa, Sendo profundado,

vem a Ser uzurario, e Leonino, e como tal Sempre Reprovado, p.rq’ o Senhorio util, q’

toa de foro hum certo terreno tosco, inculto, e destituido dos Resguardos neceSsarios, e

dos comodos, q’ São indespenSaveis p.ª o Seo arranjam.to, ou Se vê Reduzido ao

extremo de não beneficiar, e de não milhorar o terreno, ou propondo-Se a milhorar, q.to

mais o milhora, mais trabalha p.ª fazer util, e lucroza a condição do directo Snr’; p.rq’

nes-

[folha 63f.]

63

tes termos m.to maior vem a Ser o futuro Laudemio, q’ elle q.do menos espera, Recebe.

Para Se demonstrar, q’ os foros, e q’ os Laudemios São huns onus odiozos, e Sô

lembrados, e inhorentes aos terrenos p.ª o prejuizo, gravamem, e o atrazamento da

agricultura, basta Reflectir-Se, q’ os foros todos os annos em trato SuceSsivo Se devem,

e Se fazem exigiveis, e q’ os Laudemios importando em huma gr.de, e conSideravel

Soma Se pagão e Se Recebem por tantas vezes, q.tas a Couza, e o dominio util Se vende;

de Sorte, q’ militando estes dous impostos cada hum em a Sua Respectiva p.e no

decurSo de cem annos m.tas, e m.tas vezes com Recepção dos preSsos pelas quantias por

dous Lados embolSadas tem o Senhorio directo vendido a Couza, ficando Sempre com

ella p.ª as futuras, e novas vendas em virtude do dir.to Senhorial, q’ lhe fica Salvo, e q’

delle hê com Rezerva inabdicavel; de Sorte, q’ no Comercio dos homens não hâ, e nem

pode haver Soma mais Sagrada, mais productiva, emprego mais limitado, e menor, q’

mais Renda, e q’ deixe mais RepetidiSsimos Lucros pelo meio da m.tas, e continuadas

percepçoéns, q’ lhe vem ter a Caza m.tas vezes q.do menos Se espera.

M.tas vezes Sucede, q’ pelo atrazam.to, e não pagado

[folha 63v.]

foro, achando-Se o terreno beneficiado por 3.º na exigencia por conSolidação, execução

de Sentenças obtidas, e por adjudicaçoéns vem eSse mesmo beneficio a ficar

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135 pertencendo, e a encorporar-Se ao Senhorio directo, e fazendo tudo Seo, ou torna a

dar por hum maior foro estipulado a novo Senhorio util com precedencia de m.to

maiores Luvas, p.ª dispôr futuras negociaçoéns, e novas conquistas a este Respeito, ou

desde Logo paSsa a constituir nelle huma vantajoza Renda, a q.l Sendo arbitraria entra a

paSsar a mais, e a Subir de ponto de hum tal modo, q’ dentro de poucos annos com a

excluzão de huns, e com aceitação de outros Rendeiros por meio de apuração vem a

fazer Seo tudo q.to mais pode produzir aquelle terreno, Reduzindo o Rendatario a hum

tal estado, e metendo-o em hum tal aperto, q’ este conhecendo tarde o engano, e a

tortura, chega com a entrega do terreno m.tas vezes experimentado a deixar, e a Retirar-

Se da Cultura dos Campos.

Quando por meio daquelle aforam.to no terreno Se constitue algum prazo em vidas, e

finalizadas ellas Se Recorre aos Senhorios directos, e Se pede com Reconhecim.to novo

em prazam.to, estes aos poucos, e inSenSivelm.te Sobrecarregando o foro, e

conSeguintem.te a agricultura. Es aquî Como huma Couza, q’ no Seo principio não

Sendo nada, depois de tempo veio a Ser m.to. Es aquî Como pelo meio

[folha 64]

64

dos odiozos foros, e Laudemios Se tiraniza, e Se força a agricultura.

Ocorrendo-Se com providencias a estes inSultos, q’ São dignos da cohibição, Se

Socorrerâ a agricultura com o arbitrio, de q’ ou o preSso, e a quantia do [canon]

emfiteutico seja a mesma de 3 p.r100, Regulada pelo valor, e estimação do terreno, como

fica dito, com inteira, geral, e plena extinção dos exorbitantiSsimo Laudemios, ou tão

Som.te de hum por cento Sobre o valor, jâ com a comtemplação da existencia delles, o

q’ ficarâ na escolha ao arbitrio dos Senhorios directos, p.rq’ Sendo elles avultados seg.do

a milhoração dos terrenos, frequentes, e Repetidos, m.to q’ vem a exequar, e ainda

mesmo a vencer aos d.os trez por cento, entrando em jogo, e em a lea, tanto a

milhoração, Como o acontecim.to da venda, e os mais infortunios, o q’ tudo hê bem de

Se esperar.

Não Se podendo na Sua generalid.e em Socorro da agricultura verificar-Se esta

Redução, compadecendo-Se de hum mal entendido prejuizo de 3.º, q’ não o hâ, e não

pode nunca haver nos contractos uzurarios, e lezivos, q’ por iSso São proscriptos, pelo

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136 menos Como as duas partes do noSso Continente Se acha por cultivar, elle Se espera

augmentado por effeitos da econo-

[folha 64v.]

mia, indicada em os Seos competentes Lugares, m.to q’ subzistindo tudo q.to ao preterito,

Se pode verificar o desempenho deste arbitrio q.to ao futuro, ocazião em q’ nem

proxima, e nem Remotam.te Se pode temer, e conSiderar-Se eSse d.º prejuizo de 3.º;

militando Sempre os principios, de q’ com abrangim.to do preterito, e do futuro Se

Libertem os predios, e os terrenos tanto das Rendas, Como dos foros, huma vez q’ ao

Senhorio Se offereSsa, e em Juizo Se conSigne os 20 annos do Seo Rendim.to, ou por

estimaSsão o Seo justo valor; vindo por este modo, e meio da comtemplação aos 3 p.r100

de Rendim.to a Ser abaixado o preSso da venda dos terrenos com comtemplação da Sua

duração, existencia, do nenhum Risco, e [danuncuma] minoração seg.do aquella

diferença, q’ hâ do 5 p.r100 do juro da Ley, e de tudo mais, q’ os Senhorios podem

extorquir, a 3 p.r100, de cujo indulto Regulado pela Razão, pela natureza, e verd.e da

Couza, Se faz digno a agricultura, comprando com eSse abalim.to, aliàs justo, os

terrenos pelos Seos Legitimos preSsos: militando os outros mais, de q’ nunca deverão

Sofrer Rendas, e foros, e nem futuras Cizas os terrenos arteficiaes, e os espaSsos

economizados.

Ainda q’ tudo isto, q’ não Sendo pouco, pareSsa Suficiente p.ª animar, Restabelecer,

promover, e dilatar a agricultura, e p.ª convidar a q’ a ella Se enrteguem, procurando-a

os novos agricultores, não hê bastante, p.rq’ de ordinario, e m.tas vezes pela maior p.e

pode acontecer, q’ hajão

[folha 65f.]

65

m.tos, e m.tos individuos, q’ deliberadam.te a ella Se queirão dedicar; pode mais

acontecer, q’ hajão facilitados, e promptos terrenos, q’ haja nelles a procurada industria,

porem q’ por falta de meios, e de Suprimentos tudo fique em inação, e Sem

proSeguim.to, e de nenhum effeito com vizivel prejuizo da agricultura nascional, e do

Estado, q’ continua a Ser mantido em as Suas mesmas neceSsidades, e precizoéns.

Para Se acudir a isto, e p.ª Serem poupados os individuos uteis a Patria com precedencia

de informes, Sobre o comportamento, e idoneidade delles, tirados pelo Inspector

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137 Provinciano, lhes Seria franco, e certo o Suprimento neceSsario p.ª se desterrarem os

Contractos uzurarios com os lavradores, a titulo de lhe Serem adiantadas quantias, q’

lhe manda-Se fazer a contadoria da Companhia da agricultura Nascional, no q’ entraria

o Inspector Provinciano com as cautelas, de q’ nunca elle excede-Se as duas partes do

grao, q’ eSses Lavradores podeSem Recolher, afiançando huns p.r outros, Remetendo

com guias os generos p.ª o Terreiro, p.ª Se lhe dar entrada, e Sahida, ou vendendo-Se na

Provincia eSses generos perante elle com Recebim.to do alcançe, e do Suprim.to,

fazendo-Se-lhe a conta com o premio, e com o avanço de 6 p.r100, a saber 5 p.r100 do

juro, e premio do dinr.º, e hum p.r100 p.ª as despezas da contadoria, e inspectoria; no q’

vindo a lucrar Sempre a Companhia, e a ficar Segura com hipoteca priviligiada nos

generos, em q.lq.r p.e, q’ elles foSsem achados, Seguindo na exigencia tê aos compra-

[folha 65v.]

dores, q’ Sem eSsa formalid.e, guia, e exoneração os fizeSe Seos p.r q.lq.r titulo, ou

principios, q’ mais Relevantes foSsem, p.rq’ tê as Rendas, ou foros Serião pela

Inspectoria, e Contadoria pagos, Se vinha tãobem a fevorecer e a Socorrer-Se a

agricultura Nascional no Seo Restabelecim.to, e augmento, Sendo este o principal, e

unico objecto, como jâ debaixo do mesmo arbitrio competentem.te dicemos.

Para as gr.des, importantes, e neceSsarias obras da abertura das valas, da encanação dos

Rios, dos desentulhos delles p.ª os fazer navegaveis, tê aonde mais pode Sem Ser, p.ª as

intereSsantes obras da factura, e construção dos cais arteficeaes, das estacadas, das

aberturas das novas estradas, e atalhos, q’ dos pequenos lugares, e povoaçoéns vem ter

as estradas geraes, dando-Se lhe boa Servidão, aSsim de pê, como de besta, e de carro,

p.ª deste modo Se facilitar, e Se promover a cultura dos Campos pelo facil transporte

dos generos; igualm.te p.ª as uteis obras da creação das fontes, aonde as não houver, dos

aSsentam.tos de povoaçoéns em os Sitios ermos, e dezamparados de habitantes, vindo

este a Ser hum dos meios, e dos modos de Se firmar, e de Se dilatar a agricultura; p.rq’

com augmentos de Cazaes, e da povoação a neceSsid.e de Se Sustentar os obrigarâ a

entrar neste ministerio, e a proverem-Se de tudo q.to mais lhes for precizo, o q’ bem

autoriza, e jâ lhes poderâ Servir de exemplo a utilid.e Rezultante do actual aSsentam.to

de fabricas em Seme

[folha 66f.]

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138 66

lhantes Sitios, como fora a dos vidros em a Comarca de Leiria, q’ comeSsando em a

noSsa idade em pouco mais de nada, e Sô com o convite, e ajustes dos officiaes, dos

operarios, dos Serventes, e dos trabalhadores neceSsarios; Levando comSigo as Suas

familias, e atrahindo outras estranhas, e afins, hoje Se compoem do emprego de mais de

duas mil peSsoas entre gr.des, e pequenas, e de mais de 400 Cazaes, os q.s estabelecidos

jâ agora Sempre hirão a mais, e ainda mesmo p.ª as outras uteis obras dos terrenos

arteficiaes, q.do os particulares fugindo ao trabalho, e as despezas a tanto Se não

exponhão, e Se não entreguem; p.ª tudo isto, q’ tanto involve no beneficio comum da

agricultura Serâ aplicado o imposto, e a decima a imitação de huma especie de Falcidia,

ou de Pegaziana, extrahida dos Legados, e das heranças, q’ meram.te forem deixadas as

peSsoas estranhas, exceptuando-Se por privilegio o q’ for deixado aos Lavradores, e

agricultores, Sendo este tributo Suave de Se Suportar, e gostozo de Se pagar em os

Juizos das contas dos testamentos, p.rq’ q.m herda, e hê instituido inesperadam.te por Ser

estranho em 10$ cruzados, e q.m vier a Ser legatario de 100#000 r’, Suave, gostoza, e de

boa vont.e Sempre pagarâ a decima Respectiva; e p.rq’ em Cazos taes, engroSsando-Se

o patrimonio dos particulares, o publico em p.e minutiSsima tãobem deve Ser na

[deRelição] das Couzas Sem prejuizo de 3.º hum Legitimo herdr.º, e bom Lagatario.

Desta-

[folha 66v.]

nova, e avultadiSsima Renda Se tornarâ atuar outra decima, p.ª q’ neSsa Soma Se

constituão fixos, e annuaes premios, (bem intendido, q’ Sem elle ninguem trabalha, se

esforça, e não poem em exercicio a oculta industria), p.ª Serem dados a aquellas

peSsoas, q’ mais Se destinguirem em cada hum dos diverSos Ramos da agricultura, e a

q.m felizm.te descubrir q.lq.r invento, q’ util lhe Seja; Servindo esta Renda tãobem de

fundo, e de patrimonio, p.ª q’ com ella em o hospital erigido no centro do Reino Sejão

no descanço Sustentados os Respeitaveis, e invalidos agricultores, q’ com o Suor do Seo

Rosto, e q’ a poder de vigilias nodurnas, militando na paz, Sustentarão a Patria,

mostrando-Se ella deste modo Reconhecidam.te agradecida aos Seos paSsados

trabalhos.

Annotação Decima Terceira.

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139 Sobre os carros, de q’ uzamos, demonstrando-Se os Seos defeitos, e a neceSsidade,

q’ temos de outros melhores.

A

[folha 67f.]

67

Apenas entrando-Se nas primeiras, e nas mais breves Refleçoéns, por medeação dellas

bem Se deprehende q.to pouco comodos, e m.to prejudiciaes Sejão os carros, de q’

uzamos, e q’ por tantos annos Se conServão no exercicio do transporte do q’, e do q.to

nos hê precizo.

Esta primeira invenção tão neceSsaria, como util, hê certo, q’ adormecera, e q’ parara

nas primeiras ideas dos Seos diverSos inventores, o q’ melhor nos certefica o nenhum

grao de perfeição, a q’ ella tenha chegado, p.rq’ se alguns cuidados, e esforços no

proSeguim.to com combinação das mesmas primitivas ideas ella houveSe merecido, na

emenda de conhecidos erros, e no acrescimo do melhor, nos achariamos certam.te bem

Servidos. Vamos no lodo, e em cada huma das Suas partes annotar os Seos defeitos.

Esta machina no Serviço do Seo trafico, Sendo proporcionalm.te a mais forte, a mais

pezada, hê a menos Segura, ao q’ Se segue, e donde Se originão infinitas desgraças.

Este vizivel, e Conhecido defeito hê proveniente de diverSos principios. Primeiro da

baixeza, e pequinhez de huma, e outra Roda, as q.s ainda aSsim mesmo entrão a Ser

diminuidas, e vencidas por m.tas dimenSoéns de grosuras, e de alturas, q’ as captivando

as Reduzem ao estado da impoSsibilid.e de nunca jâmais poderem trabalhar debaixo do

preceito da Sua invenção, e faltando elle, q’ hê o mesmo, q’ faltar a proporcional

correspondencia em todas as Suas partes, tudo Se reduz a huma desordem,

[folha 67v.]

e imperfeição.

São as duas pequenas Rodas do Carro vencidas, e deminuidas Sem contradição pela

demaziada groSsura do pao do eixo, q’ atracando huma roda a outra, as fica tendo

certas, e firmes nas Suas extremindades; pela altura das tritoras, q’ cavalgando eSse

mesmo eixo Sobre q’ trabalhão Se elevão jâ com mais exceSso da [preferia] do circulo,

q’ discrevem as mesmas Rodas; pela groSura finalm.te da madeira, q’ construe o

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140 estrado, bacia, ou meza do d.º Carro; de Sorte, q’ juntas todas estas dimenSoéns

entre Sî vem o plano Superior, q’ ha de Receber o pezo, e a carga, a ficar quaze meio

palmo com vencim.to das Rodas mais alto, do q’ ellas; e conSeguintem.te na mesma

altura vem a ficar a Recta do plano, q’ virâ a Suportar o pezo, e a Carga, q’ ha de Ser

transportada.

Nestas circunstancias q.r a pezada carga Seja volumoza, ou não volumoza, Como toda

ella no trabalho Se conduza fora, e longe do eixo, q’ deve Suportar o pezo, e do ponto

centrifogo, q’ Rege a Segurança desta maquina, tê com maior vencim.to da Roda,

ocorrendo q.lq.r incidente,

[folha 68f.]

68

q’ obzistindo Se lhe contraponha, ao primeiro encontro, e movimento com a maior

facilid.e na contingencia de infelizes SuceSsos Se tomba o Carro. A tudo a isto acresce

em favor dos infortunios, q’ q.do a Carga hê volumoza, e demanda maior altura, nos

Lados do plano Se costuma Levantar huns certos paos, ao q’ lhe chamão [fuciros], os q.s

ficão Servindo de paredes em todos os Lados do estrado, ou meza do Carro.

Estas existindo Longe, e afastadas do centro do circulo da Roda, e a Carga, e o pezo

dezamparado, e correndo do diametro della p.ª a preferia, desde o eixo da Roda atê o

ultimo ponto da elevação da Carga descrevem huma perfeita alavanca, Sem q’ pela p.e

inferior do carro tenha outra, q’ lhe corresponda de igual pezo p.ª Sustentar o neceSsario

equilibrio.

Esta alavanca Superior hê inteiram.te oposta, e destructiva das Leis da gravid.e, e tanto

ao mesmo tempo, q’ q.do ella Se inclina, hê SuspenSiva de todo pezo, q’ o carro

Suporta. Trabalhando este em os perfeitos planos, não Se conheSe o defeito, e menos os

perigos; q.do porem neSses mesmos planos Se encontra algum buraco, pedra, Lameiro,

ou q.do o carro paSsa a trabalhar em

[folha 68v.]

os planos inclinados, e com m.to mais evidencia em as Subidas, e descidas das Ladeiras

com a mesma concurrencia dos inclinados planos, em cujos cazos, e circumstancias a

alavanca tãobem inclinada entra a fazer o Seo dever, e a cumprir com todos os Seos

officios mechanicos, com a maior facilid.e o mesmo Carro Se tomba, ao q’ tem

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141 acompanhado gr.des, e infinitas desgraças, o q’ Se deve ocorrer com providencias, q’

as afastem.

Sendo o carro huma machina tão pezada, como na Realid.e hê, vem a Ser certo, e

infalivel, q’ huma p.e das forças dos bois, (alem da irrigularid.e de Sua mâ construção, a

falta da Repartição do pezo, e Carga Sobre huma neceSsaria, e Suficiente baza),

inutilm.te Se esperdiça Sô em a arrastar, q.do aliàs por m.tas, e maiores, q’ foSsem as

forças todas Sem distração Se deverião poupar, e economizar p.ª Serem empregadas na

condução da Carga, q’ elles arrastão, e transportão.

Como toda carga, e pezo, q’ Se propoem a Ser conduzida, e transportada, Sendo posta

Sobre o Carro, vem a ficar como depozitada Sobre huma balança, Servindo-lhe de

braços a metade do Carro, q’ se despede do eixo p.ª a extremid.e delle, e outra metade,

q’ do eixo

[folha 69f.]

69

por meio da lança do carro Se vai terminar no jugo de bois, tudo p.rq’ o Carro Seg.do a

Sua constructura Sô trabalha Sobre hum unico eixo, e duas Rodas, o equilibrio da Carga

posta nesta balança hê difficultiSsimo de Ser conServado, e Reduzido a huma fiel, e

Rigoroza praxe, e isto por duas Razoéns: 1.ª p.rq’ o Rustico, groSseiro, e insciente

carreiro aRuma a carga como melhor pode, como Sucede, e como esta Se lhe offerece:

2.ª, q’ ainda q’ o carreiro foSse o mais experiente, e a peSsoas mais Limada, e pervista,

nunca a poderia aRumar de outro modo com exacta obediencia, e com hum fiel

desempenho do procurado, dezejado, e neceSsario equilibrio, p.rq’ nos olhos, nas

maóns, e na pozitura dos volumes não pode ter com exactidão a Regular certeza do pezo

della.

Sendo, como hê, indespenSavel, e Sempre certa com infalibilid.e a perda do equilibrio

da Carga posta Sobre o Carro, ou posta Sobre a descripta, e demonstrada balança, hê

certo, q’ eSsa infalivel perda do equilibrio, vem a fazer com q’ a Carga de q.lq.r modo,

q’ Se conSidere venha a oprimir mais, do q’ se pode explicar o gado, q’ a ella Se

Submete p.ª a transportar; porq’ Se Se conSiderar, q’ o equilibrio falta, e q’ a Carga

mais pende p.ª a extremid.e do Carro, a imaginação Supra a explicação, e a pintura, de

q’ Sendo

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142 [folha 69v.]

chamada mais a Carga p.ª a extremid.e, q’ os bois se afogão ao tempo do trabalho do

transporte, vindo este a Ser m.to mais Laboriozo, p.rq’ tem m.to mais q’ vencer na falta

do equilibrio: Se Se conSiderar, q’ a mesma Carga na perda do equilibrio pende, e estâ

toda na desiguald.e da balança p.ª a p.e da lança, e do jugo, temos, q’ toda pezada carga

Se vem a depozitar no jugo de ambos os bois, e q’ estes em vez de arrastar, de Rolar, e

transportar a Carga, a vem carregar toda Sobre Sî, e nesta opreSsão obServamos, q’ os

bois subcumbidos a cada paSso afocinhão, Se curvão, vão a terra, e no transporte pelo

menos Levão as cabeças, e as ventas proximas ao chão, a q’ tanto os obriga o pezo

concurrento, e depozitado na extremid.e da lança, q’ vem descancar no jugo de ambos os

bois.

Ainda q.do a carga por huma fiel, e não achada mão com o maior, e mais exacto

equilibrio foSse posta, e arrumada Sobre o carro, ou balança, aSsim mesmo na manobra,

exercicio, trabalho, e transporte Sempre o d.º equilibrio Se veria a perder nas Subidas, e

descidas das Ladeiras, em cujas diverSas operaçoéns obServamos nas subidas a Carga

Sempre procurando a extremid.e dos carros, e nas descidas derigida toda p.ª o jugo dos

bois, e ahî vemos, q’ nas sabidas os bois posto q’ afo

[folha 70f.]

70

gados Sempre Levão as cabeças alterozas, p.rq’ a lança dos carros, q’ obedece, e

corresponde ao maior pezo da extremidade do carro na falta do equilibrio as Suspende,

e as faz Levantar: mais vemos, q’ nas decidas, gravitando todo pezo p.ª o jugo dos bois,

tudo pela falta do equilibrio perdido, q’ estes espumando, e afocinhando a cada paSso

Se curvão, hindo ao chão hora hum, e hora outro.

Nos carros, de q’ actualm.te nos Servimos finalm.te se obServa hum palmar defeito, o q.l

dâ cauza a m.tas mais desgraças, e vem este a Ser, q’ como elle Sô trabalha Sobre hum

eixo, e duas pequenas Rodas, como temos dito, toda carga, q’ Sobre elle Se depozita

vem a ter, e a procurar o Seo ponto, e centro de gravid.e, e estando o carro com a Sua

Carga em algum plano mais, ou menos inclinado, o q’ hê frequentiSsimo, e ordinario,

porq’ os planos Rectos São RariSsimos, ou pelo menos em concurrencia m.to menos,

eSse centro, e ponto de gravid.e Sempre vem a Ser o ponto da preferia da Roda, q’

ficando mais baixa toca, e descança na Superficie do terreno, e procurando o Carreiro

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143 nesta pozitura, e Situação virar o carro, e entrando nestes esforços ambos os bois,

com a maior facilid.e, e promptidão, ou Se tomba o Carro, ou se parte o eixo, e o

mesmo, e outro tanto Sucederia em q.lq.r outro eixo, q’ m.to mais forte foSse, e neste

acto de

[folha 70v.]

se tombar, de estalar, e de Se partir Repentinam.te o eixo, vindo por terra de q.lq.r modo

a Carga m.tos Se fazem infelizes vidas da desgraça, e dos mizeros [SuaSsos].

Annotacão Decima quarta.

Em q’ se descreve a configuração dos Carros, de q deveremos uzar.

OS carros, de q’ deveremos uzar no trafico, e transporte de tudo q.to nos hê precizo, e

neceSsario Sempre Serão de quatro Rodas, e isto pelas quatro mechanicas Razoéns: 1.ª

porq’ deste modo Solidam.te vem o carro a Sustentar com toda firmeza, e perpetuid.e a

configuração de hum verdadr.º paralelogramo, o q.l Servindo de huma Regular baze a

todo, e a q.lq.r pezo, farâ

[folha 71f.]

71

com q’ nunca jâmais o Carro com facilid.e Se tombe: 2.ª porq’ toda Carga, e pezo

Repartindo-Se com iguald.e pelos dous eixos, conSeguintem.te taobem Se vem a

Repartir pelas quatro Rodas do Carro: 3.ª, q’ todo pezo, e q.lq.r carga jâ Se transporta

com independencia, e exulação do antigo equilibrio: 4.ª porq’ deste modo, descancando

todo pezo, e Carga pozitivam.te Sobre o carro, fição os bois em toda sua Liberd.e, Livres

da opreSsão, e com as forças Rezervadas, como deve Ser, p.ª unicam.te arrastarem a

carga, q’ transportão.

As Rodas destes novos carros Sempre Serão do tamanho das das [sic] noSsas seges, e

desta maioria das Rodas Rezultão varias utilidades. 1.ª, de q’ Sendo aSsim maiores

avanção na condução, e no transporte maior espaSso, e conSeguintem.te mais caminho:

2.ª, q’ com huma Sô tirada dos bois pondo-Se ellas em movim.to m.to q’ Se poupão as

forças aos mesmos bois: 3.ª, q’ o pezo, e a Carga vem a ficar sobre, e proximo ao eixo,

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144 aonde fica existindo, e permanicendo o ponto de gravid.e, o q’ m.to concorre p.ª q’ o

carro Senão poSsa tombar.

Estas Rodas São as q’ se devem mover, p.rq’ des-

[folha 71v.]

cançando com Repozição o pezo, e a Carga Sobre o eixo, vindo o pezo ter as Rodas por

comunicação, e por partecipação, jâ elle q.do não Seja alguma Couza menor, não obriga

tanto as Rodas, o q’ m.to facilita o trabalho, e o transporte na maior força da condução, e

melhor Salva na prompta volubilid.e, q.lq.r encontro, e Rezistencia, como de pedras, e de

outra q.lq.r couza encontradiça.

O ultimo eixo, ou Seg.do Sendo de ferro, e Semelhante aos das Seges deve Ser firmem

aSsim como hê nas mesmas Seges; pelo Contrario o primeiro, e ao mesmo tempo as

Rodas, em tudo igual, e Semelhante ao Seg.do, Serâ Sempre movidiço pelas Razoéns, q’

depois Se indicarão, cujo movim.to tanto das Rodas, como do eixo a hum tempo m.to

concorre p.ª maior volubilid.e do carro no giro do Seo trabalho.

As Rodas Serão em tudo Semelhantes as das Seges, e aSsim fabricadas, posto q’ com

algum mais Reforço, seg.do a destinção dos Carros, como Logo Se farâ: do jugo de cada

hum dos bois pela p.e externa virão dous tirantes, a Saber hum de cada Lado, q’ certos

prendão na testa, ou topo da mez dos carros, o q’ Servirâ não Sô p.ª q’ estes ajudem a

puxar o Carro, mas tãobem

[folha 72f.]

72

p.ª q’ obriguem aos bois, q.do castigados pelo pezo, q’ arrastão, e q’ conduzem, a não

Sahirem com o Corpo p.ª fora da direção, e linha do trabalho nos transportes, como

uzualm.te Sucede por falta deste apoio, do q’ Rezulta, q’ hum dos bois folga, e foge com

o Corpo ao Serviço, e q’ o outro Sô trabalha, o q’ ocaziona hum m.to mao, e desigual

trabalho.

Não entre em duvida, e nem Sirva da menor objeção a lembrança de q’ os carros de

quatro Rodas não podem obedecer com promptidão as voltas, e aos cimicirculos, q’

elles descrevem nas encruzilhadas das estradas, nas Ruas, nos becos, e em todo, e q.lq.r

corte dos angulos, o q’ de neceSsid.e ha de, e deve fazer por obrigação do Seo destino, e

trabalho.

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145 Isto m.to q’ Se Supre da maneira, e modo Seg.te Sendo o primeiro eixo Rotundo,

voluvel, trabalhando dentro dos olhos, ou buracos de dous curtos ferros, q’ devem

descer, e estar oposta, e paralelam.te nos angulos dentro da bacia, ou estrado do Carro na

distancia do topo, e do lado della palmo, e meio com pouco diferença.

Estes dous ferros do olho p.ª Sima em toda extensão da groSsura da meza do Carro deve

ter, e descrever

[folha 72v.]

huma fiel, e perfeita figura triangular. Este triangulo mais pequeno deve paSsar, e

trabalhar de outro perfeito triangulo vazado de ferro maior, q’ estarâ cravado nos dous

angulos da meza do Carro, Sendo hum, e outro triangulo feito entre Sî com huma tal

dimenção, e proporção, q’ na manobra, e exercicio do trabalho, fallando na faze de

todos, descreva a figura de hum fino Samão, e este Sempre imperfeito, e concebido de

hum tal modo, q’ nunca o triangulo menor poSsa dar volta inteira dentro do triangulo

maior, e esta peSsa Se terminarâ com hum botão, ou chapa no mesmo ferro, q’ fique

excedendo a groSsura da meza do Carro, trabalhando este Sempre Sobre outro ferro do

triangulo maior, q’ Se mandara entranhar, e cravar no Lugar competente em a meza, e

bacia do Carro.

Sendo aSsim bem ordenadas estas duas peSsas, fabricada huma, e outra com a folga

perciza, hê certo, q’ esta folga dâ a outra tãobem preciza, p.ª q’ o Carro, descrevendo o

cimiciuculo, q’ o triangulo menor descreve dentro do maior, dê a volta aSsim a dir.ta,

como a esquerda, q’ lhe Seja neceSsaria no giro, e trafico do Seo trabalho.

D

[folha 73f.]

73

Dada a forma, e o modo, com q’ na Sua generalid.e devem Ser construidos os novos

Carros, devemos agora fazer a destinção dos carros, q’ São destinados p.ª o carreto, e o

transporte das Couzas mais maneiras, como São milho, trigo, todo o genero de grão, de

ligumes, Sal, terra &, o q’ pede huma facil, e prompta descarga, dos outros mais fortes,

e mais Reforçados, q’ Serão proprios p.ª em Sî transportarem Couzas de maior pezo.

Aquelles basta q’ tenhão as Rodas, ainda q’ mais groSseiras, como as das Seges. Na

meza do Carro p.ª o Seo fundo Se farâ firme huma peSsa da boa madeira, q’ p.ª o centro

da p.e do topo, e do fim do Carro Se estreite, a q.l descreva huma figura quaze piramidal,

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146 cortada esta na distancia de trez palmos na profundid.e, de Sorte, q’ dentro della a

granel, e Solta, como em huma medida, ou [fanga] Se lançe os indicados generos, e tudo

aquillo mais, q’ Se queira transportar, de maneira, q’ chegando-Se ao Sitio do

transporte, correndo-Se, e desprendendo-Se o ferrolho, ou prizão, q’ feixa o fundo da

peSsa, aberto o postigo do fundo, de pancada Se despeja o q’ Se conduzira, com o q’ Se

poupa a despeza dos Sacos, e o inutil trabalho, como

[folha 73v.]

no transporte da terra, e da area, de Se estar a despejar, e a descarregar por vezes, o q’

hê extenSivo a todos os mais generos desta natureza, Legumes &.

OS carros porem destinados p.ª o transporte de maiores pezos terão as Rodas, e os eixos

do mesmo feitio, porem com m.to mais Reforço, e a bacia, ou estrados destes carros Serâ

feita p.ª Sua maior Levidão de hum grade de boa, e fiel madeira.

Nem Se diga, q’ os eixos, e q’ as Rodas deste feitio não poderão em Sî Suportar os

maiores pezos, e graves Cargas, p.rq’, levando nôs firmes os principios, e Sempre diante

dos olhos, como certos, e infaliveis, de q’ o pezo, e a Carga Se Reparte pelo dous eixos,

e pelas quatro Rodas, Se vemos, q’ as noSsas Seges de ordinario Sem destroço dentro

de Sî carregão duas peSsoas, q’ pezão de quatro, a cinco arrobas, es aquî oito arrobas;

duas peSsoas mais na Sua tabua; es aquî outras oito arrobas, e no Seo todo dezaseis

arrobas, a estas acresção mais quatro do pezo da Sege, e o jogo, es aquî vinte arrobas;

Logo Sendo tudo em dobro Reforçado, Sem ademiração veremos, q’ os dous eixos, e q’

as quatro Rodas bem podem Su-

[folha 74f.]

74

portar, conduzir, e transportar o pezo, e a carga de quarenta arrobas, o q’ bastarâ, q’

carregue q.lq.r carro, p.rq’ tãobem com mais neste exercicio, e ministerio não poderão os

bois.

Fim

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147

[f. 104]73

N.o 13 Memoria

Sobre o methodo, q' se deve obServar na extração da tinta do pao Brazil, em vizivel

beneficio das fabricas do Reino,

a q.l foi Lida na SeSsão publica de 11 de Julho de 1805.

As boas, e finas tintas, com q' os Aziaticos esmaltão as Suas manufacturas, tem Servido

de fortes estimulos a todas Naçõens industriozas; e por mais, q' cada huma dellas tenha

Caprixado neste artigo, ainda té hoje o desempenho, a par da industria, não tem

Correspondido as Suas fadigas: Talvez q' esta gloria esteja Rezervada p.a o Continente

do Brazil, com elles emparelhado nos acazos venturozos dos Seos descubrim.tos:

Esperanço-me q.to poSso nos Sentimentos de Lineo, q.do me diz = LuSitani quam felices

non eSsent, Si noscerent Sua bona =, e tãobem em conSiderar, q' Sendo analogos os

Socorros, q' prestão hum, e outro Conti [f. 104v] nemte, os da Costa de Coromandel não

São mais afortunados nas invençõens do Sapao, e da Xaya, com q' Suprem o Colorido,

do q' nôs na descoberta do pao Brazil.

73 Originais pertencnetes a: Academia de Ciências de Lisboa. Documento microfilmado pertencente ao CEDOPE (Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses). Transcrito por Rosângela Maria Ferreira dos Santos, em março de 2004.

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148 Se estas fortunas, e Riquezas São germanas, meos SinSeros Votos, Sendo

agradecido a Patria, q' me nutre, São os de promover a industria Nacional? Se meos

anuncios não Corresponderem aos apetecidos acertos, na fallencia delles, terão quebra

meos dezejos?

Entre os meos enSaios Curiozos, e ao mesmo tempo uteis, em beneficio das fabricas da

estamparia, e tinturaria da Seda, do algudão, das Lans, do papel, e de todo q.lq.r outro

genero, me propuz extrahir do pao Brazil a tinta, q' elle mais podeSse dar em Socorro de

todos estes fabricos.

Concebî este projecto impelido de tres SuceSsivas Refleçõens, q' me não

despenSarão entrar em hum manifesto util: 1.a, de q' talvez q' os Povos orientaes Se

valerão deste mesmo modo de extractos, e esta Simples desconfiança fez [f. 105] pôr em

agitação as minhas primeiras ideas concebidas no proSeguimento da dezejada

Combinação, Reputando Ser entre elles o Sapao identico ao noSso pao Brazil: 2.a, de q'

este genero de tinta nacional por abundantiSsima, e menos despendioza, deve Ser

aquella, de q' mais devemos uzar com excelencia da Sua fina Cor na tinturaria dos

indicados g.nros: 3.a, de q' a actualid.e com q' Se procede nesta extração hê a menos

industrioza, q' se pode Supor, e conSiderar; porq' se estraga nesta operação na inutilid.e

a maior p.e da d.a tinta, q' ficando preterida no esperdicio, e no abandono, deixa de Ser

extrahida.

Falhando o 1.o do Refutado Sistema, com q' prezentem.te se faz este inSuficiente

extracto, p.a depois paSsar ao noSso, todos Sabem, q' elle conSiste, em fazer lascar,

mutilar, e partir em p.es minutiSsimas o d.o pao Brazil, deitandoSe de infuzão por pouco

tempo na agua Simples, ao q' apenas, Sem mais proporção, Se lhe ajunta huma arbitraria

quantid.e de pedra [f. 105v] hume, q.do Se propronhe aproveitar a fecula do mesmo pao.

Os fabricantes Se desenganão, q' por este meio, e modo nada ConSeguem; porq'

depois de dias vem achar a tinta, e o extracto pouco forte, havendo aliás depozitado em

Suas caldeiras huma Suficiente porção de pao Brazil, q' não Corresponde ao extrahido, e

ainda mesmo eSsa porção de estracto Sempre declina em hum Carmezim, q' foge p.a

Roxo, entrando na partecipação de ambas as Cores, por falta de hum estimulante

graduado, q' Segure, e faça mais avivar.

EntregandoSe a espiculaçõens, apetecendo huma extração tanto mais forte,

quanto peremptoria, paSsão a Referver a mesma Sobred.a infuzão, no q' procedem com

erro manifesto; porq' RequeimandoSe a Cor, desapareSse o escarlate, a Cor de Roza

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149 viva, e Seca, e tudo Se transmuta em hum Carmezim, mais, ou menos adusto, e

apertado, Seg.do a força desta apuração, maior, [f. 106] e menor activid.e do fogo, q' se

lhe aplica.

O q' acabamos de dizer nos effeitos de huma extração acelerada, e obrigada, bem

nos certefica, tanto a mesma cor perdida, degenerada, e transmutada em Carmezim,

como o Remanicente do pao Brazil, q' vai Ser achado Roxo escuro, denegrido, e quaze

preto, seg.do a vivacid.e, constancia, e dutação do fogo.

Esta degeneracão hé certa, e infalivel, não Sô porq' a activid.e do fogo Refervera

a natural Cor, em cuja operação ella fugira, e desaparecera com perda della, mas tãobem

porq' por meio deste esforço involuntario Se obrigara a madeira Suprir ao estracto com

as mais partes, de q' ella Se compoem.

O que Se Reflecte hê de tanta crença na prezença de experiencias, q' m.to desenganão, q'

ainda mesmo no desempenho do novo Sistema obServei, q' Sendo a infuzão demorada

por mais tempo, [f. 106v] do q' devia Ser, fermentada a materia, havendo diSolução das

p.es, fui achar degeneradas as d.as Cores em Carmezim mais, ou menos apertado, Seg.do

o tempo, e a qualid.e dos Compostos.

Sô me libertei desta precipitação no estado da Seg.da obServação, fazendo Retirar de 8

em 8 dias huma porção Certa de fluido, e todo aquelle extracto, introduzindo, e

Repondo mera doze dos fluidos, identicos aos primeiros, Sendo progreSsivo nas

Subtraçõens, e intruzõens de 8 em 8 dias, Sempre pelo dimidio, te a terminação total de

meio quartilho, como depois indicarei.

Os mesmos fabricantes achandoSe alcançados em utilidades, Lançando Suas

vistas p.a todos mais extractos, e Compozição dos Coloridos, lhe tem feito ajuntar certos

acidos, tanto p.a ConSeguirem huma mais prompta extração, Como p.a fazerem avivar a

mesma Cor extrahida.

[f. 107] Porem com isto mesmo nada conSeguem; porq' Sô obtem a degeneração da

Cor, e o prejuizo de fazer estragada, e de nenhuma duração as fazendas, q' São tintas, e

estampadas com as desta tempera, o q' com dano, e perda noSsa Se verifica, com mais,

ou menos adjunção delles, em todo geneno de fabrico de huma, e outra claSse.

Devemos pois por via de huma Regra inalteravel, fugir, q.to mais Se poSsa, dos acidos,

tanto p.a Se evitar a degeneração da Cor, como p.a conServarmos com maior

Rezistencia, e duração as fazendas do noSso fabrico, ou pelo menos graduar, e temperar

a Compozição de tal modo, visto q' elles São generos da primeira neceSsid.e na

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150 diSsolução, p.a q' elles no Contrabalanço venhão a Ser menos prejudiciaes: Devemos

igualmente fugir das Operaçõens a fogo, tê com economia da lenha, pelas Razõens jâ

indicadas, e Sobreditas.

Nesta em [f. 107v] preza dilatei as minhas vistas p.a o Suco dos Vegetaes, q'

foSse mais capaz de extrahir a Cor do pao Brazil, e de mais a entranhar com perpetuid.e

em toda, e q.lq.r fazenda.

Entre outros m.tos, q' hâ no Continente do Brazil, dei preferencia a trez, q' tãobem São

uzuaes, e vulgares entre os orientaes, cujo Suco cahindo em q.lq.r fazenda, Sem q' a

estrague, crava, e entranha nella huma nodoa perpetua.

O primeiro Suco vegetal Seja o das bananeiras, cujos troncos, e talos das Suas dilatadas

folhas, tê hoje inuteis, na certeza de q' cada huma destas arvores Se Cortão, colhido o

unico fructo, paSsados por q.lq.r moenda, como a das Canas do aSucar, por Serem m.to

limphaticos, darão Super abundante quantidade de fluido, com q' Se Supra não Só a este

extracto, mas tãobem a todo q.lq.r outro genero de tinturaria de diverSa Cor.

O Segundo, [f. 108] seja o Suco do Cajû, de cujos fructos por agrestes m.to

abunda todo Brazil, ainda mesmo nas Suas matas, e Com tanta fartura, q' os Nacionaes

daquelle Continente, alem de os comer, os convertem, e fazem uzo delles p.a Suas

Limonadas, p.a a factura do vinagre, e do vinho, aplicandoSe tãobem por meio de huma

medecina pratica, natural, e Rustica, p.a o Curativo da queixa, e infirmidade celtica,

produzindo hum feliz effeito.

AdverteSe, q' a virtude de entranhar a nodoa, e toda, e q.lq.r Cor, q' a ella Se

ajunte, tãobem Se acha na goma, q' produz as grandes arvores destes fructos; por Ser

ella hum sublimado delles, e do mesmo Suco vegetal.

O terceiro Seja o Suco do Coco verde, ao q' lhe chamão Coco mole, cuja Casca, e

entrecasco Se estroe, e Se esperdiça com frequencia naquelle Paiz, huma vez, q'

partidos, aproveitão a nata do mesmo Coco.

Sendo pois pizada esta Casca [f. 108v] em Verde, fazendoSe della q.lq.r infuzão,

ainda mesmo em agua Simples, Se extrahe della huma cor m.to Segura, aCanelada, e

perpetua.

Não hezito affirmar, q' os Aziaticos com esta tintura natural, m.to frequente, e

abundante, mais, ou menos forte, dão huma permanente Cor as Suas gangas, Suprindo

com ella ao algudão amarello, q' não chega a tanto, como demonstrarei, q.do

periodicam.te tratar deSse artigo de profiSsão, e porq' a primeira banhada Seja mais

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151 forte, e de melhor cor, a q' aCompanha huma fiação mais fina, e igual, desta

operação fraternizada me perSuadom, q' inSurgem as gangas[?] da primeira Sorte, q'

merecendo maior preSso, lhe chamão tãobem da primeira agua de Nanquim, o q' jâ Se

não verifica nas gangas da 2.a, e terceira Sorte, q' aproveitão o Resto da infuzão, por

onde São paSsadas gradualm.te

[f. 109] Cada hum destes trez productos da Natureza São bem dignos de huma especial

memoria, atentas as Suas utilidades Conhecidas, e desconhecidas, ao q' me prometo

anunciar pela Sua ordem, p.a q' avivando, e expertando genios Raros, indagadores, e

obServadores, aos poucos Se formaliza com força unida, e desafiada huma historia

Brazilica, posto q' parcial, e individual, de q' temos Suma falta

Não incorri nos descuidos de fazer achar, e ajuntar ao dezejado extracto da tinta do pao

Brazil huma especie de Composto, q' Sendo universal, e Comum a aquelle, e ao noSso

Continente, m.to CooperaSse p.a a extração da d.a tinta, e q' ao mesmo tempo a fizeSse

Segurar, e entranhar em toda qualid.e de fazenda, q' precizaSe Ser tinta, e estampada e

entre alguns, q' podem ter esta aplicação, força, e virtude, preferî o de meia 4.a [f. 109v]

de Casca de Romaâ, bem moida, deitada de infuzão em huma Canada de agua de

Sisterna, o q' tãobem Se pode Socorrer com igual porção da baga verde do Cipreste, em

Lugar da Casca de Romaâ.

Seja pois a Receita da extração da tinta do pao Brazil

Primeiro do q' tudo, Se deve fazer grozar o pao Brazil, ReduzindoSe a huma Serradura

de madeira, p.a mais Se facilitar a extração, e a diSolução.

Seja o depozito da Serradura do pezo de hum arratel na infuzão de duas Canadas do

Suco, de q.lq.r dos vegetaes, q' deixo indicado, (e na falta em duas Canadas da agua

Simples de Sisterna), e juntam.te em duas Canadas do fluido do Sal Microcosmico,

incorporandoSelhe hum arratel de pedra huma: Depois de 8 dias, Se Retire a infuzão

apurada, e [f. 110] sendo esta primeira tinta perfeitiSsima, no Remanicente da Serradura

depozitada Se lhe introduza Canada, e meia de Cada hum dos fluidos com adjunção de

trez quartas de pedra hume; decorridos 8 dias Se Subtraha a infuzão, e Se Reponha

huma canada de Cada hum dos fluidos com Suprimento, e adjunçào de meio aratel de

pedra hume: findos os 8 dias Se torne a Retirar a infuzão, e Se lhe acrescente meia

Canada de Cada hum dos fluidos, encorporandoSelhe huma quarta de pedra hume;

depois de 8 dias Se desvie a infuzão, e Se acrescente hum quartilho de Cada hum dos

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152 fluidos, e Se depozite meia quarta de pedra hume: paSsados 8 dias Se faça a

Costumada Retirada, e Se lhe introduza meio quartilho de cada hum dos fluidos com

acrescimo de huma onça de pedra hume, e depois de 8 dias Se faça a Retirada,

havendoSe a extração por feita, com e Repozição desta ultima quantid.e Se Continuarâ

Sempre de 8 em 8 dias, obServandoSe o fraco [f. 110v] da tinta, q' Se for extrahindo.

Para q' o extracto Seja perfeito, e nas Retiradas das infuzõens não aCompanhe p.a da

Serradura do pao Brazil, e tãobem p.a q' da mesma natureza sejão as feculas, q' se hirão

conServando, e depozitando em Separado em alguma porção de tinta p.a o fabrico da

perfeita Sinopla, deve a d.a Serradura na infuzão estar clauzurada em hum pequeno

Saco, pouco apertado, p.a melhor Se proceder na extração, e Sahir toda ella pura.

AdeverteSe, q' q.do pertendermos extrahir a d.a tinta unicam.te escarlate, e este m.to vivo,

deverâ Ser feito todo extracto da forma aSima indicado, tão Somente com adjunção do

fluido do Sal Microcosmico, Sendo eSsa doze inteira com Remoção, e preterição de

q.lq.r outro fluido, porem Sempre com adjunção das estabelecidas quantidades de pedra

hume.

Por meio deste Sistema, de q.lq.r dos modos concebido, com pou [f. 111] co mais

de 400 r' de dispeza, alem da industria, e da mão de obra, Se farâ o extracto de dez

Canadas de boa, e fina tinta do pao Brazil, e p.a q' a cor extrahida mais Se avive,

Sustentando o escarlate, e este não decline em Carmezim pelo tempo, q' durar a infuzão,

se ajuntarâ no principio de cada huma das operaçõens huma pequena porção do Suco do

Limão azedo, e este graduado, e Repartido de tal modo, q' no extracto das dez Canadas

desta tinta nunca exceda adjunção de hum quartilho deste Suco, q' excedendo, Se porâ a

perder toda tinta, entrando na degeneração de hum amarelo adusto, e agemado.

AdverteSe, q' este extracto deve Ser feito, LançandoSe o Saco da Serradura de

infuzão em hum vazo, e Redoma de Vidro, e na falra em Tina, ou vazo Vidrado, e

nunca em vazilha de Cobre, de estanho, de Latão, e de q.lq.r outro metal, p.a q' estes

acidos, posto q' modeficados, não entrem na diSolução dos metaes no longo tempo das

SuceSsivas infuzõens, Suscitando [f. 111v] a degeneração da Cor a proporção, q' se for

extrahindo.

Fiz o indicado extracto com adjunção do Suco vegetal das Bananeiras, e por Se

pouco vulgar neste continente, o fiz tãobem com a infuzão da Casca de Romaâ, e da

Ruiva: ProSegui nas tentativas da Cor escarlate mais fina, e mais Subida no Simples

fluido do Sal Microcosmico, com exterminação, e Remoção de q.lq.r outro fluido, e

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153 nesta p.e obServei, q' p.a melhor perfeição da tinta devia a quantid.e da Serradura

principiar por meio arratel, e em cada huma das operaçõens hir Sempre ajuntando huma

proporcional p.e na mesma porção dos fluidos Subtrahidos, té inteirar o aratel da d.a

Serradura, e tudo Correspondeo ao q' dezejava, porq' me deo perfeito escarlate, o

Carmezim, Cor de Roza viva, e Seca.

Com a d.a tinta fiz tingir a Seda, o algudão em Rama, a laâ, o pano de linho, o

paninho fabricado em Inglaterra, e o papel, do q' aprezento amostras.

[f. 112] Fiz tingir a pena branca, e o junco, o q' tudo tomou a Cor escarlate, e Sendo

atinta Capaz de penetrar o vidro da pena, e do jundo, adquerî a Certeza, de q' a d.a tinta

era finiSsima.

Era bem digno de entrar em concurSo os dous aSumptos: 1.o descubriSe o modo, e o

Sistema, de Se fazer perpetua, e ConServada esta Cor, ainda mesmo depois de Ser

paSsada pela infuzão da Ruiva, com Rezistencia a todo uzo, e Lavages: 2.o, descubrirSe

o modo, e o Sistema de Se dar Corpo a d.a tinta, p.a com ella Se pintar a fresco, e a olio

com aSistencia, e duração, da Sua primitiva cor.

Como por effeitos desta extração na diSsolução das partes ficão feculas da Cor

escarlate, e Carmezim, o q' se deve a adjunção da pedra hume, e ao fluido do Sal

Microcosmico, o q' m.to ajuda ao dezejado extracto, tratandoSe de Ser aproveitadas, fico

trabalhando, e com boas esperanças, no acerto, e Compozição da perfeita Sinopla.

Se eu [f. 112v] merecer a fê publica de fiel Escriptor, o Synedrio Academico

Crea, q' com huma quarta de Serradura do páo Brazil fiz o extracto, com q' procedî, e

me entreguei a todas estas experiencias, e q' ainda me Sobrou tintura p.a mais.

Oh! Patria, se destes meos inventos, e tentativas Rezultar utilidades, ellas não Sejão

minhas, todas Sejão VoSsas!

Luiz Antonio de oLiveira Mendes

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154

[f. 113]74 N.o 14.

NiSe utile est quod facimus, Stulta est gloria

Memoria Sobre a Economia da materia Combustivel

Esta Memoria Se divide em duas Partes

Na primeira tratarei da pozitiva Economia, q' deve haver nos generos Combustiveis, q'

São aplicados a todas noSsas percizõins, conSumos, e fabricos, e com toda intenção aos

noSsos particulares, e domesticos uzos.

Na Segunda p.e Se tratarâ da Compozição de Certo Carvão arteficial; q' por menos

despendiozo vem a Ser Socorrente da dezejada Economia da materia Combostivel.

Como bom Patriota, apenas valendome das distraçõens do q.to me ocupa no neceSsario,

e pezado trafico da minha Subsistencia, Sem q' nada deva ao Publico, tudo porem aos

meos esforços, Sempre me propuz do modo poSsivel, entre escaças fadigas, Ser util a

Nação, e agradecido a Patria.

Nào precizo perante Vôs, e a mesma Patria, valerme de hum justificativo, q'

acreditandome Verdadeiro, melhor indeniza meos SinSeros Sentimentos; porq' no prello

a pouco, cunhando o manifesto das minhas [ileg.] aplicaçõens, fiz transmiSsivel em

extracto o montão de objectos, a q' me havia proposto.

Se me hê Licito, Sem q' me esqueça da ordem, e do Sistema, Recordar-me do paSsado,

não Sô p.a vos entreter na quadra benigna das voSsas atençõens; mas tãobem p.a melhor

afiançar me, no volatil, como introductivo a esta Memo [f. 113v] ria, trarei a lembrança

Certos aSumptos por mim tratados, q' o tempo de nôs afasta.

74 Originais pertencentes a; Academia de Ciências de Lisboa. Documento digitalizado pertencente ao CEDOPE (Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses). Transcrito por Rosângela Maria Ferreira dos Santos, em maio de 2004.

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155 Hé Certo, q' em beneficio Comum Lembrei a iluminacão da Cidade, o q' Segundo

meos bons dezejos, ainda não tem chegado com Economia Publica ao aproximado

ponto da Sua exigida perfeição.

Propondome mais Ser util, do q' Remediar o mal, fez o objecto da minha quinta

Tentativa, entre as m.tas, q' impreSsas, p.a q' melhor CorreSsem, fiz publicar na SeSsão

gr.de desta Real Academia de 17 de Janr.o de 1793, q' havia particular methodo de

ordenar huma Luz Central, a q.l bem Suprida, e Reproduzida, com afaste de Sombras

impeditivas; della Rezultava hum gr.de augmento de luz.

Eis aquî hum novo Sistema pelo q.l Se economizava o azeite da noSsa actual

illuminação. O Publico Sente a perda, e entra no maior dispendio de Suprir p.a hum Só

fim quadruplicadas Luzes, q.do huma lhe bastaria. Nôs experimentamos, q' não obstante

todo este esperdicio, na maior p.e da noite as Luzes, q.do não morrem, Se conServão em

triste orfandade.

Hê Certo, q' em ocazião oportuna, e m.to a tempo, acautelando a Segurança interna da

Cid.e, e prosperando a tranquilidade Publica, inculquei q.to pude a creação das guardas

nocturnas, e tanto fizera o objecto da m.a Sexta Tentativa, e não obstante haverSe

abraçado este arbitrio, Com tudo na preterição de algumas [f. 114] couzas, ainda elle jaz

em huma gr.de p.e de outra tanta imperfeição; porq' na divizão deste Corpo por

Companhia; em cada huma, Seg.do o Local dellas, lhes falta o depozito neceSsario de

huma bomba, a q' foSsem advertptos[?] Certo numero de aguadeiros, e de artifices de

habitaçõens aproximadas, p.a q' com os Soldados daquella guarda houveSsem de acudir

com presteza em toda hora a q.lq.r incendio, aSsim q' foSse perSentido.

Eis aquî por meio de providencias instantaneas, ou pelo menos pouco alongadas, hum

dos meios pelos q' com Economia Publica, deixaria de Ser incendiados m.tos predios, o

q' tanto, a q' vertia, mediando Cautellas, em utilid.e de muitos particulares.

Pelos annos de 1799, entre preceitos, q' me forão gratos, Reforçados pelos Rogos da

verdadr.a amizade, de q' me Resta a Saudade, me entreguei de profiSsão a infinitos

arbitrios, q' Só tinhão por fins em materia Sugeita a extinção da moeda papel.

Muitos delles Superiorm.te forão, e estão Sendo abraçados p.a outros detalhes, q' com

infalibilid.e São m.to mais intereSsantes.

Hum dos arbitrios fora, q' a Prata superflua das Igrejas, ficando ellas com hum Padrão

de emprestimo Publico, foSse fundida em moeda Corrente, p.a q' com ella Se entraSse

neSse Resgate, eximindoSe o mes [f. 114v] mo Publico do pagam.to de hum juro

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156 acrescido em trato SuceSsivo, LibertandoSe os particulares, seg.do Suas urgencias, de

verem huma, e m.tas vezes circularm.te queimados os Seos fundos por intervenção dos

Continuados, e auterados Rebates, em cujo trafico tão exuberante, atê a malignid.e

escandecida nas multiplicadas perdas chegou a Supor, e a conSiderar com audacia, q'

mãons traidoras, e pouco fieis nas arecadaçõens Publicas, e nos pagamentos Circulares

com Lucro proprio bem dispunhão a maior intruzão.

Reforcei os meos penSamentos, q' tendo origem na neceSsid.e Publica não deixavão de

ver ao longe o Solapado orgulho do genio devorante da paciente Europa, todo apostado

tornar de manSso em bravo o touro da filha de Agenor, com as Refleçõens Politicas, de

q' Secundariam.te por este meio, e modo Se diminuia de antemão a venenoza Cobiça do

filho das Furias, de hum amigo em todos os tempos fantastico, sô no precario com

despozição da fraude entregue de proficão a projetos fubulozos, q' bem se manifestarão

no tempo da desmascarada perfidia.

Por effeitos pois deste arbitrio Se inventariarão, e Se Repezarão as Pratas das Igrejas, e

emq.to Crimino em torpe trafico, as váns promeSsas do germen das maldades, do

apostata da Razão, da verd.e, e da honra, juramen [f. 115] tadas na ireligião de huma

neutralidade fingida, e abstendome de tudo q.to hê Politico, Reconheço ignorar a Cauza,

porq' hum arbitrio tào util Como intereSsante, apenas bem disposto, deixaSse de hir

avante.

O certo hê, q' as Pratas das Igrejas Refundidas, padecendo huma total transformaçào no

Seo fizico, metidas em Laboratorio Politico Se queimarão Sem Economia Publica, e de

todo desaparecerão com grande perda noSsa, e com exterminio irreSarcivel do noSso

preciozo.

Entre eSses mesmos projectos tãobem Lembrei, q' em quadra Critica, q.do as noSsas

neceSsidades mais instavão, Seria util huma Copioza fundição de moeda de prata, e

ouro, RecebendoSe com franqueza hum, e outro genero dos particulares, entregandoSe a

p.es o monetario, equivalente delles.

A falta desta providencia, Lembrada a tempo, deo Cauza a q' a mordentiSsima

uzura, nutrindoSe de huma queima Lastimoza, nos Sordidos intereSses devoraSse o

Restante do noSso preciozo, paSsando os particulares pelo grande disgosto, e perda de

verem queimados, ainda a m.to Custo com officiozidades, os Seos fundos pela metade

do Seo justo valor.

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157 Depois de tempos aSsim hê, q' aparecerão eSsas mesmas Saudaveis

Providencias, porem foi, q.do jâ nos achavamos debelitados, e apenas Sô ocupados em

economizar os pequenos Carvõens da fogueira grande.

[f. 115v] Ao Academico não Compete dar Leý ao Mundo, porq' elle está entregue com

vezes de Pay da Patria, a q.m bem o Rege. Só lhe pertence na Sua individualidade, como

minutiSsima p.e integrante do Corpo Social sofrer no particular paciente oclotrismo[?]

dos males neceSsarios. Só lhe Compete na SubmiSsão procurar adoçalos q.to mais lhe

Seja poSsivel, fazer com q' eSse mesmo conforto Seja transcendente a Seos

Compatriotas, e p.a q' elle seja tanto mais efficaz, Se deve disvellar em descubrir meios,

e modos pelos q.s eSses mesmos malles em Sua gr.de parte Sejão minorados.

Quando pelos annos de 1793 me entreguei as d.as Tentativas, q' se autorizarão Com

decididas experiencias, fallando Com particularidade da quarta Tentativa, q' entra em

privativo objecto desta Memoria, a q.l tem por fins a economia da materia Combustivel,

e com especialid.e daquella, q' se faz preciza, e indespenSavel aos noSsos particulares

ConSumos, e domesticos uzos, foi excitado de trez Couzaes, q' no Seo Sequente

infalivelm.te nos havia molestar, como agora experimentamos.

Primeira, q' desde então com grande força os habitantes de todo Reino, proporcionalm.te

dizenhando as Provincias, segundo Seos fins, e intereSses, por huma Reunião

acomulativa Se encorporavel a esta Capital, Como [f. 116] Patria Comum a todos.

A experiencia, q' he mestra de tudo, nos enSinou no futuro, q' da[?] dizerção frequente

dos Lugares territorios, e do voluntario abandono dos natalicios, a habitação em Lx.a

chegou a tal ponto pelo augmento da povoação, q' os predios urbanos sendo

insufficientes, poucos, e deminutos p.a Receber e hospedar a infinitos Concurrentes,

Cellanio[?] os duellos Judiciaes, q' houverão a eSe Respeito, tanto derá[?] Cauza, a q'

elles SobiSsem a huma escandaloza Carestia.

Desta acceSsão[?] perene e SuceSsiva [*] Se Seguirão huns Certos males, q' mais Se

Sofrerão, e Se Sofrem, do q' Se Recintão; porem preterindo muitos, não me poderei

despenSar de Referir os mais principaes, quais Vem a Ser, q' Lisboa neSse[?]

gigantesco ficou Sendo huma estatua, q' tendo Seos membros debelitados, e

enfraquecidos, q' erão as Provincias, Só ficoû Com o peito de bronze[?] p.a com

Rezistencia, e fortaleza melhor Sofrer este gravamen[?].

* Consta uma estampilha no valor de 10 Réis.

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158 Que deste Seo acrescimo indestinto Se Seguirâ ficar ella Onerada com Vadios,

malfeitores, e pelo menos com a desgraçada mindicidade. Que por Cauza [f. 116v] desta

extraordinaria Concurrencia todos generos conSuptiveis da primeira neceSsidade, atenta

a prompta extração Sobirão a hum maior preSso, paSsando ao extremo de os não haver:

Quê os generos Provincianos, ainda q' poucos proporcionalm.te por falta de Operarios,

devendo desaparecer nas distancias em os Suprimentos daquelles individuos, q' ali

devião Ser Constantes, conServados em humas partes na Carestia, por os não haver, e

em outras na barateza, e na perda, entrarão a exigir huns Caros transportes, q' na

exportação gravando os Sobrecarregavão.

Foi a Segunda Razão impulSiva, q' me Recomendou entrar em a d.a 4.a Tentativa as

Serias Cogitaçõens, de q' neSses esopaSsos alongados, atenta a diuturnidade dos tempos

com influencia grande dos acrescidos habitantesm, jâ Se havião em trato SuceSsivo

Reduzido a Sinzas a maior p.e das Lenhas, e dos matos Confinantes, e q' nas estreitezas

de hum Suprimento diario feito aos noSsos uzos, e ConSumos domesticos, a q' não

podiamos faltar, SocorrendoSe a noSsa Subzistencia hiamos buscar eSsas mesmas

Lenhas tanto Longê, q.to mais Se cortavão, e Se conSomião.

Finalm.te fora a 3.a Cauzal, q' tanto me empelira, ter obServado, q' no Centro da Capital,

[f. 117] mediando novos estabelecimentos Se aSsentavão infinitas fabricas, e com maior

forçâ da Repartição daquellas, q' demandavão a inceSsante queima das Lenhas, e de

todo mais Combustivel, Como erão as de Cal, de Tijolo, de Telha, de azulejos, de

Vidros, de chapeos, de aguardente, de Saboarias, de Louça de todas qualidades, de

Refinaçõens de aSucar, de pâo, de biscouto, de bolaxas, das maSsas de diferentes

especies, e outras m.tas ficando Longê de nôs as de papel, de branqueaçõens, de

estamparias, de fiaçõens, de tecelagéns, e outras mais, q' exigem, q' as drogas, e generos

da primeira neceSsid.e p.a Seos Suprimentos foSsem daquî transportados com

conduçõens, e Reconduçõens ociozas.

PondoSe de parte as conSideraçõens, q' nos não pertencem, de q' talves[?] q' Seria

Conveniente, q' as fabricas na Sua univerSalid.e deverião Ser aSsentadas nas Provincias

em Razão do augmento da Povoação, e de ficar mais Comoda a mão de obra, o q' faz

baratear os generos fabricados, hê Certo, q' q.s erraSsem, q.r acertaSsem os antigos,

dentro de meio Seculo viamos, q' em Carros era Conduzido p.a Suprimento desta Capital

das distancias de trez, e quatro Legoas o pão já fabricado daquelles Sitios, aonde o trigo,

e o mais grão [f. 117v] era plantado, moido, e manufacturado, com economia grande

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159 dos transportes desneceSsarios, e da mesma materia combustivel, q' se aproveitava

nas proximidades do Seo mesmo fabrico.

Cabendo em Refleção atendivel, tãobem hê Certo, q' hum, e m.tos Copos, q' hum, e m.tos

chapeos, ficão Sendo, atento o Seo pouco pezo, generos de facil transporte, q.do aliás em

Seos fabricos jâ tem conSumido outros m.tos generos, como a lenha, q' por putados[?]

são de dificil, e despendioza Condução.

[*] A Razão m.to q' aprova, q' Sô Se transportem os generos jâ fabricados, e q' Se

OffereSsem promptos na Sua existencia p.a Serem aplicados aos noSsos pozitivos uzos,

e ConSumos, e não aquelles, q' por neceSsidade do fabrico de todo desaparecerão, e Se

conSumirão no mesmo fabrico.

Militem m.to embora eSses ConstantiSsimos descuidos, ao menos do modo poSsivel

tratemos de os Reparar no mesmo Local das aSsentadas fabricas, com Recomendada

especialidade aos noSsos particulares, e domesticos uzos, entregandonos com proveito

gr.de a duas meras, e Simples Refleçõens, q' por manifestas, e autorizadas por

experiencias merecerão na Crença toda atenção

Primeira, [f. 118] q' hê hum erro Comum, ogServando tanto neste Continente,

Como no do Brazil nas apuraçõens da agua das Canas do aSucar, e nas destillaçõens da

agua ardente, SupriremSe as fornalhas inceSsantem.te com q.ta mais Lenha ellas poSsão

ConSumir, e devorar, no q' desapareSsem Serras deste genero, na perSuazão erronea, de

q' q.to mais Se forneSse, e Se amontoa o Combustivel, m.to mais adiantão o Seo fabrico,

q.do aliás Sem q' conSigão Seos fins, desta inadvertencia Sô Se Segue com

Superfluidade hum vizivel esperdicio da materia combustivel, o q' outro tanto com a

mesma inRefleção, e negligencia prejudicial Se pratica em Cada huma de noSsas Cazas.

Segunda, q' q.r as fornalhas Se derijão aquecer o concavo dos fornos, q.r em

fazer Referver nas Caldeiras os fluidos, apurar, e destillar, hê certo, o q' decide m.tas

experiencias, q' no demonstrativo prefiro[?] p.a não Ser molesto, q' huma, e outra Couza

Recebendo em Si o ultimado grao de Calor, nunca jâmais elle poderâ Sobir a mais,

vindo a Ser baldados, e desneceSsarios outros acrescidos esforços, dos q.s Só Rezulta a

devoração ocioza, a prejudicial, e inutil queima do mesmo Combustivel, e de tudo q.to

Se fabrica.

Em todos estes diferentes objectos Serâ nas Cautellas o unico, e o principal trabalho,

fazer, com q' a materia Sugeita em Sí Receba o Seo ultimado grao de Calor,

* Idem.

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160 graduandoSe este de tal modo, q' fique Sempre ConstantiSsimo, e permanente na Sua

intenção com total afaste da queima inutil do amontuado Combustivel

Destas minhas fadigas [f. 118v] Rezultarão as ConSequencias, de q' apenas

huma Carrada de lenha, e a 4.a p.e da materia Combustivel Se conSumia com proveito, e

indispenSabilid.e no fabrico, e q' trez Carradas da mesma Lenha Se queimavão com

perda grande no Sacrificios da inutilidade, e esta tanto mais SenSivel na progreção

infinita.

Se acazo pois as duas precedentes Refleçõens forem adoptadas, como mereSsem com

gr.de proveito, e Economia noSsa, por meio das indicadas advertencias, sendo com toda

especialidade aplicadas aos noSsos domesticos, particulariSsimos uzos, naquelle termo

feliz, em q' com Lucro triplicado no afaste do esperdicio Se economizar deste modo, ate

[*] em noSsas fornalhas domesticas, todo genero combustivel; a 1.a p.e desta Memoria,

pelo q' lhe diz Respeito, Serâ então premiada com a imortalid.e do Emblema Academico

= NiSe utile es quod facimus stulia est. gloria.

Apresentada na ASsembleia ordinaria do dia 27 de Abril de 1811.

J.P. Fragozo.

Luiz Antonio de OLiveira Mendes

[f. 17]75 Ludovicus Antonius de oLivr.a Mendes,

nuper Academia natus,

Academiæ

* Idem. 75 Originais pertencentes a: Academia de Ciências de Lisboa. Documento digitalizado pertencente ao CEDOPE (Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses). Transcrito por Rosângela Maria Ferreira dos Santos, maio de 2004.

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161 Optimam fortunam,

Summam que felicitatem

inperpetuum

deSiderat.

[f. 18] Quanta cum spe, Sodales optimi, Academici inquam, anterioribus annis, quaSi ab

incunabulis Academiæ, quatuor firme percurrentibus Lustris, pro Virili ad Academiam

[ileg.] scripta miSiSsem.

Quod placuit diSserere, indeliciis habui, non Solum, ut deme mediocriter

scribente, in Ariopago aliquod, qualecum que ve testestimonium præbuiSsem, sed

etiam, ut vestro induteos animo, paulatim accedens, tacite dicerem, quantum a scribi in

alunorum album appetecerem, æxistimarem.

Post tempus indeSideriis sterum, al que iterum conabar idem, et hoc ingurgete scripta

moleste injudicata permanSerunt, de nique SupreSso nomine, in Academiam Contuli.

Opera in ad picendum qued tantum optabam, inter Suffragia, auspicius CommiSsa, in

Tantorum virorum PræSentia Suffragari emergerunt.

Obid, inSuspecto judicio, ignoto viro, injudicandis quam Celitior noneSsem! Summa

cum Laude Paladios Labores me Ceteris præcellentim, Laureata fronte, Tu Academia in

honorandis [f. 18v] digniorem virum, juste, sponte, Libenterque Coronasti.

Id, quod multum Sit, et amultis æx istimatur, mihi crede, me intriumphis non

acquiescentem, optimatibus amplexum, amicis, Sodalibus, peregrinis que non viSsis

comitatum, quaSi ad Capitolium ascendentem, mehercule fateor, numquam plene

hilarem in nobili, optima que Cæptu Red didêSsil, quod ad maiora evectus, maiora

æxistimabam, in alunos Referri, in Academicis an numerari, diutiús ab hine, et

inposterúm valde expectarem.

Si pro tunc infodalitiis vobis gratus, jucundus ve forem, prætermiSsis Laudibus, Solum

ad Vos pervenire, inconspicuis RecenSeri meminiSsem.

In ambiguis nesciebum, que me Verterem, Si in accipiendo Lauros deciSos, Si spe

Summo gaudio in alunos promoveri inties immorarer.

Expectavi diú, diúque expectavi, quous que tandem beneficencia Vestra confiSus, per

Comitra turmatim intervos, qui adestis, ad Summum Academiæ Cæptum in sperate,

felicitér que CuiSse perventurus.

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162 [f. 19] Si protunc, quanta cum spe, pronunc, quanta cum Lætitia, tantum munus

jucundè, grato que animo Susciperem?

Quid Superest! me augurantem honoris divitem, oppreSsum gaudio, me fronte, manibus

que Lauros ferentem, jamjam ad gremium Reddetum, Congratulari: Academiæ boni

ConSulerc, ut vota, Suffragia, Comitia, quæ erga me nuper Contulistis, æqui, probique

vir, Saltem Sufficientia non destituti, inania non Sint.

Quid Superest! me die, noctuque Sudato opere, eLucubrari: me in scientiarum tramite

perambulantem deperditum, ne perperam incubuiSsem, ad apicem, acumen, fastigia

Sublevari, er RusSùs ab hine erroribus incolumem, avobis indultum, ingenii tarditate

exulata, imbecilitate ommiSsa, inedia flagelata, firmo pede ad meliora acuratè, felicitèr

que pergere.

TequæSo Credatis, hac in Re, ad huc imbecilitate obSistente Robori, Conatibus enixus

[ileg.] Viribus incumbam. Licet erum invirtulis favorem tua Vola Suffragentur, de mæ

quam pluribus negotiis tradito, interociniis [ileg.] imia non isperetis.

[f. 19v] Si per Deum Licuerit, tempus, tranquilitas, ocia, Requiem ame promittente

uSurparentur, ut in Academiam exiguum opus, quebrè testimonia sæpèsæpiùs offerendo

mittam. Fac poSsim, ut aSiduus, inSatiabile Cupiditate, Summo estudio Academiæ

utilis Reddam.

Quid mihi prodest, et Academiæ profuiSset, si facundra, Solertia, ingenium, facultas

cogitandi, vis diSserendi, sudore irrito, deficiant, deSerant, destituant!

Oh! utinam, promiSso Robore Summam Academiæ gloriam extollere, deSideratam

fortunam promovere, auguratam felicitatem, er omne id, quod bonum, optimum que Sit,

ad ampliùs oh! utinam augere potuiSsem.

Dixi.

[f. 90]76 [desenho]

[f. 91] N.o 12

Memoria Sobre a melhoria dos Carros.

Eu a dividirei em quatro partes, abracando o methodo Synthetico, p.a q' tãobem abraSse

a brevidade, e a poSsivel Concizão.

76 Originais pertencnetes a: Academia de Ciências de Lisboa. Documento microfilmado pertencente ao CEDOPE (Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses). Transcrito por

Page 163: bruno macedo zorek - historia.ufpr.br · Porque, segundo Nietzsche, os seres humanos sentem prazer em dominar o outro. Ou, segundo outros pensadores, Foucault ou mesmo Bourdieu, apenas

163 Na primeira parte, discorrerei Sobre os defeitos dos noSsos actuaes Carros.

Na Segunda Sobre a qualidade das madeiras, e modo, com q' devem Ser Construidos;

Sobre a grandeza, e numero das Suas Rodas, dos eixos, e Seos movimentos.

Na terceira Sobre o modo, com q' os grandes pezos, Como de huma Coluna, peSsa de

ferro, e bronze, ou huma grande trave, Sejão Suspendidos, p.a Serem transportados.

Na quarta, e a mais principal, Sobre o modo, com q' Se pode fazer parar hum Carro,

estando Carregado, Sem RetroceSso, nem adiantam.to, aSsim nos planos inclinados das

Sobidas, Como das decidas, dandoSe folego ao gado, Com economia das Suas forças

esperdiçadas, tudo por effeitos de huma maquina facil, Singela, e menos Complicada, q'

esteja inente as Rodas, e aos mesmos Carros, Sem q' seja impeditiva do movimento

ordinario, e progreSsivo delles.

[f. 91v] Parte Primeira

Sobre os defeitos dos noSsos actuaes Carros.

Os Caros de transporte, de q' actualm.te uzamos, São m.to mal Construidos, e p.a tanto

convencer, e demonstrar, primeiram.te affirmamos, q' nelles não hâ huma Sô Couza, q'

deva Ser aprovada, e q' mais facilite o transporte; pelo Contrario, tudo q.to nelles Se vê,

e Se observa, hé oposto, p.a q' elles mais se dificulte, e por iSso eSsa actual Construção

delles deve Ser de nôs degradada.

DiscorrendoSe Sobre a Sua Configuração, Combinada com os preceitos, movimentos,

forças fizicas, e Mechanicas, vemos, q' a meza dos Carros, a q' Se Segue o xideiro,

Sendo tudo Reposto em hum eixo Comum, se propenhe a descrever huma balança, o q'

conSegue, q.do avemos imperfeitiSsima pela desigualdade dos Seos braços.

Entremos em demonstração.

Para q' melhor Se perceba huma verd.e tão manifesta, deve SaberSe, q' a metade da

meza dos mesmos Carros, q' descança no eixo [f. 92] Comum, com acrescimo do

xideiro; ou lança, q' SobreSahe, hê Comprida, e prolongada, e por conSequencia mais

pezada, de q' o Remanicente, e a outra metade da meza, q' fica na p.e posterior do

mesmo eixo, q' não tem tal acrescimo.

Havendo desigualdade em hum dos braços da d.a balança, Como demonstrado fica, hê

bem Certo, q' elle descreve huma alavanca, ou hum braço da balança Romana, o q.l

Rosângela Maria Ferreira dos Santos, em março de 2004.

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164 trabalhando pelo augmento do pezo, o adquire, e ConSegue, huma vez q' em toda

Sua maioria, e extenção Recebe a metade do pezo depozitado no eixo Comum, o q.'

descança com este acrescimo no jugo dos bois, q' Se impregão em aRastar os Carros, e

tudo, q' os sobrecarrega.

A noSsa inadvertencia chega a hum tal ponto a eSse Respeito, q' ainda quando vejamos

a cada paSso bicar o gado nos planos Rectos, Sendo bem manifesta a Cauza, nem por

iSso Se tem tratado de huma tão neceSsaria emenda, e Reforma.

Ainda quando por hum abSurdo, Se podeSse conSiderar em Si perfeita eSsa balança,

Como o transporte tem, q' vencer na desigualdade dos Caminhos, e das estradas os

planos inclinados das Sobidas, e descidas, Se [f. 92v] gueSe, q' no 1.o Cazo, perdendo a

balança o Seo natural equilibrio, vindo todo pezo ter ao braço posterior, este faz com q'

o gado, entrando em esforços, jâmais poSsa proSeguir, maltratandoSe, e afogandoSe

com as broixas de Coiro, q' sofocão, e apertão Suas gargantas.

No Segundo Cazo das descidas, por oCazião de Se hir depozitar todo pezo no

cabeçalho, canga, e jugo dos bois, estas afocinhandoSe o primam, Sem poder hir avante,

e por mais, q' Se esforção, q.do m.to, Só fazem Suspender o pezo; q' os Carrega, aflige, e

incomoda, e Se proSeguem, apenas São movidos, e impelidos pelo mesmo pezo, q' os

oprime.

Em q.lq.r destas operaçõens, as minhas Serias Refleçõens tem visto os mesmos bois,

humas vezes Lagrimar de Sentidos, e outras espumar de Raivozos, a q.m acompanhão

internecidos balidos, memoriaes estes, q'a natureza oprimida manda a Razão, os q.'

Sendo aceitos pelo bom filozopho, intristecendoSe, disto mesmo Se deve Compadecer.

As Rodas dos noSsos Carros São demaziadam.te pequenas, e por iSso pouco conduzem

p.a q' os transportes Sejão facilitados, pela Razão manifesta, de q' vencem menos

espaSso de terreno, e alem deste defeito acresce o [f. 93] outro, de q' m.to cooperão, p.a

q' os Carros Carregados Se tombem com toda, e maior promptidão.

Para Ser mais infalivel este desgraçado SuceSso com perda da vida de m.tos, q' nos

descuidos, e inadvertencias Se aproximão aos mesmos Carros, acrexce, q' as

chamaceiras, e bunecas, em q' estão firmes os cocõens, tudo Cavalgado Sobre o eixo

Comum do Rodeiro, fazem Suspender a meza do Carro a huma tal altura, q' o plano

della vem a vencer a preferia de ambas as Rodas.

Como pois o plano da meza dos Carros hé paralelogramo, e os foeiros adjacentes,

Cravados nella, vão formar hum Solido da mesma natureza, Construido pela futura

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165 Carga, SegueSse, q' todo Centro de gravidade excedendo, e Sendo m.to Superior as

preferias das Rodas, precipitandoSe huma dellas nos falSos de q.lq.r dos panos, Com

toda, e maior facilid.e os d.os Carros Se tombão.

SegueSse tãobem, q' a figura paralelograma, descripta pela meza dos carros, e

confirmada pelo Solido da Carga, não deve Ser aprovada, mas antes excluida, por

menos Segura.

[f. 93v] Acresce nesta p.e por ultimo, q' esta mesma meza dos Carros, com Sua Carga

adjacente q' excede a cercumferencia das Rodas, descançando no eixo Comum, por

grande erro tem huma folga, q' com Relação a meza, e a meaâ exçede a meio palmo, e

porq' não trabalha justa com as d.as Rodas, q.do Sucede encontrar falSos em q.lq.r dos

planos, perdendo a mesma Carga Centras o Seo equilibrio, vindo de infuste a pancada

forte, augmentada a força della pello pezo, Contra a Roda paciente, ou o eixo Se quebra

no ponto da força impregada, ou Rezistindo a ella o Carro Se tomba.

Aquî torno a Concluir, q' a d.a folga deve Ser proscrevida, p.a Se obviar q.lq.r dos danos,

q' São de peSsimas ConSequencias.

Parte Segunda.

Em q' Se trata da qualidade das madeiras, de q' devem os Carros Ser Construidos, da

Configuração delles, da grandeza, e numero das Suas Rodas, dos eixos, e dos Seos

movimentos. [f. 94] Posto q' as madeiras, de q' se faz hum Constante uzo na Construção

dos Carros, como São Sobro, ulmo, e outras mais, Sejão as melhores, q' hajão no noSso

Continente, Comtudo no estado da melhoria, Se deve na substituição fazer uzo de outras

m.to mais fortes, e Rezistentes.

Para Se demonstrar a inSuficiencia das madeiras adaptadas neste Constante uzo,

bastarâ, q' Se entre em trez Refleçõens, e todas m.to atendiveis, pelo m.to, q' desenganão,

Certeficão, e Comprovão.

Primeira, q' as buecas, e cocoins trabalhando no eixo Comum do Rodeiro, o desgasta, e

o moe de tal Sorte, q' o adelgaçando, chega a formar hum fraco, pelo q.' o eixo, Sem

poder Rezistir ao pezo, e a força da pancada forte, ordinariam.te Se quebra, Como a

esperiencia, mestra de tudo, Constantem.te desengana, aprova, e Confirma.

Segunda, q' p.a mais Se desviar este Reconhecido mal, Se tem deixado a indicada folga,

tudo p.a q' as bonecas, e os [f. 94v] cocõens não trabalhem em hum ponto Certo,

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166 havendo o desengano, de q' Se o fizeSsem, moendo, e gastando o eixo Constantem.te,

em pouco tempo o Cortarião, cedendo a debilid.e, e a fraqueza a força do pezo, e ao

trabalho.

Terceira, q' p.a Se auxiliar a inSuficiencia deSsas madeiras, Se tem adoptado, darSe

maior groSsura as Suas peSsas, do q' deverião ter, paSsandoSe te a forrar as mezas dos

mesmos Carros.

As madeiras pois, de q' se deve fazer hum constante uzo, Serão pela Sua ordem, as da

Sucupira do Brazil, as de Pao Roxo, Pao ferro, e Pao d'arco, todas do mesmo

Continente, pela Razão, dispenSandome de fazer huma Rigoroza Analyze, de q' São

madeiras m.to fieis, e fortes, e por iSso mesmo m.to mais Rezistentes a todo trabalho, e

ao pezo, q' o Carro ha de transportar.

Nào obita, q' ellas na Combinação Sejão alguma Couza mais pezadas; por q' entrandoSe

no precizo disconto, ellas exigem menos groSsura, e nenhuns Reforços.

[f. 95] Ainda q.do Se podeSse Conciderar, q' os Carros Construidos ficarião mais

dispendiozos, e alguma Couza mais pezados, Comtudo no estado da melhoria, da

Segurança, da duração, e do afaste de desgraças, tudo Se deve omitir, e Sempre abraçar

o indicado pelos fundamentos expostos.

A configuração dos novos Carros, dandoSe mais Largura, do q' aquella, q' os actuaes

Carros tem, deve Ser quadrada, porq' todo Solido Construido, ou todo Corpo formado,

q' tem huma baze desta natureza, hé mais firme, e mais Seguro, do q' outro q.lq.r, pois q'

fica Sendo Composto de quatro angulos Rectos, e estes entre Si iguais.

Hé Certo, q' o Solido da Carga não excedendo ao quadrado, nunca jâmais Se poderá

tombar, e p.a q' tanto Suceda, e Se verifique, Se farâ precizo primeiro, o q' hê dificil de

Suceder, q' o falSo enContrado no terreno exceda a altura do mesmo quadrilatero, e q.do

Se conSidere, q' huma, e outra Couza m.to exede, e poderâ aContecer, Comtudo Serâ

m.to mais Raro o SuceSso de tombarSe, aSsim Como m.to mais frequente, Sendo os

Carros construidos Com bazes estranhas, q' descrevão outras figuras, q' não Seja esta do

quadrado.

[f. 95v] As mezas dos Carros nunca Serão Rolas, e gradadas, como alguns Sentem,

propondoSe a fazelas mais Leves. DemonstraSe. Ou isto Se pode ConSeguir, e Se deve

fazer por meio de traveSsas, q' sobreponhão, ou por meio de entalhes, e de emalhetados

de cutelo, Reciprocam.te feitos na madeira de humas, e outras peSsas.

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167 No primeiro Cazo a madeira, q' Sobrepoem Constantem.te em todas as peSsas da

grade, q' se ha de fazer firme com Reforçados pregos, vem no Sobre posto, por meio de

huns quadrados ocultos, a Comprehender aquella mesma madeira q' ocuparião os

quadrados Rotos, e vazios, q' se deixão ver no xadrez da mesma meza dos Carros.

No Segundo Cazo, Como q.tos mais fortes Reciprocam.te em Si Receber as peSsas da

Construção, m.to mais fraco, e falSificado ficarâ Sendo o Corpo Construido, ainda

mesmo no Cazo de Serem eSses Cortes m.to justos, e acertados, o q' nunca Se poderâ

fazer, Sem q' em alguns delles fique alguma falha, folga, e menor intervallo, de q.lq.r

tamanho, e qualid.e, q' elle Seja, daquî Se Segue, q' o d.o Corpo Construido Serâ menos

Rezistente [f. 96] ao trabalho, e Sempre prompto, e obediente a gemer, a SentirSe, e a

quebrarSe, cedendo a força, e a grandeza do pezo, q' ha de transportar.

Para Se obviar os falSificados, e ao mesmo tempo aCautelarSe a deminuição do pezo

das mezas dos Carros, dispenSandoSe, q' sejão forradas, Se despenSarão tãobem as

traveSsas, q' as ReforSsem, huma vez, q' as d.as mezas Sejão Construidas da maneira

Seg.te

Aparelhada a madeira do quadrado da meza dos Carros, Sendo bem faciada, e

Reçalteada huma Contra a outra, p.a q' Sobrepondo pouco, Se adquira o neceSsario

descanço; em p.es Certas, com distancia de palmo e meio, Serâ brocada com huma pua,

ou varrumão e fazendoSe huns cavilhõens da mesma madeira do comprimento do

quadrado, e da groSsura do ferro da pua, ou do varrumão, a força de maca Se farão

entranhar as d.as Cavilhas, e deste modo a meza do Carro ficarâ tendo tanta

ConSistencia, Como Se foSse feita de hum Sô pranxão.

Este [f. 96v] modo de Construir, alem de Ser firmiSsimo, e m.to forte, não hé nada novo,

porq' aSsim Se pratica no Brazil na Construição das Naos de guerra, Como Se pode

obServar na Nao S.to Antonio, q' despida, patentiando tanta industria, estâ Recebendo

fabrico.

AdverteSe, q' nas peSsas paralelas aos lados do quadrado, q' tãobem São paralelas as

Rodas do Carro, nos angulos do quadrado Sahirão huñs braços de dous a trez palmos, q'

em Si hão de Receber os moitõens precizos p.a a Maquina de Suspender os maiores

pezos, e da p.e externa nas Suas extremidades os olhos das quatro alavancas, precizas p.a

fazer parar os Carros Carregados nos planos inclinados das Sobidas, e descidas.

As Rodas dos novos Carros Construidos Sempre Serão quatro com Relação, e

correspondencia aos quatro angulos do quadrado da meza: Serão de maior grandeza, q'

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168 poSsão Ser, e admita o tamanho do quadrado, e p.a q' ellas ganhem maior espaSso,

Se farâ com q' os Rodeiros, e eixos, sendo fixos trabalhem com proximidad.e as

extrimedades do quadrado, [f. 97] p.a q' p.e da Circunferencia das Rodas fiquem fora do

mesmo quadrado, porem Sempre acompanhada, e defendida dos braços angulares,

Sobre Sahidos, Como aSima Se indicara.

As ditas Rodas Serão Construidas do mesmo modo, q' a meza, tudo p.a adquerir tanta

força, e ConSistencia, como Se foSse feita de madeira inteiriça, poupandoSe a groSsura

do Reforço, do meão, as Relhas interiores, q' falSeficão o todo dellas, as meias Luas de

ferro, as chapas, gateados, as paSsadeiras, e outras m.tas Couzas; porq' Como as ditas

Rodas no Seo movimento Circular por vezes ha de chegar ao ponto da emenda, q'

Suporte todo pezo transportado, nesta Continuação aluindoSe, e ReSentindoSe, Serâ

m.to facil, posto q' chapeadas, quebraremSe.

Igualm.te Se deve proscrever o uzo de Serem as Rodas Construidas com Raios, Como

alguns Sentem, propondoSe a desviar o pezo dellas, o q' alem de Ser mais despendiozo,

Como os d.os Raios não podem Ser entranhados na [f. 97v] preferia das Rodas, e no

Cilindro do eixo Comum, Se não por meio de entalhes, o q' traz debelid.e, e fracos aos

Corpos Construidos; havendo no giro dellas oCazião alternada, em q' todo pezo, ora

descançe, e Se depozite no falSo da Roda, ora perpendicular em hum Sô ponto do Raio

della, SegueSe, q' encontrandoSe em q.lq.r dos planos a menor Cavidad.e, Serâ Certo, e

infalivel com a força da pancada RenderSe o Raio por mais forte, q' elle seja, e por

ConSequencia a mesma Roda

AdverteSe, q' eSsas novas Rodas devem Ser vestidas, e chapeadas de ferro da mais forte

tempera, e no aSsentamento deSsas chapas Se deve obServar, e praticar, q' ellas fiquem

Lizas, Sem Cabeças pontudas de pregos, q' Sobreponhão, como actualm.te com vizivel

erro Se executa, procurandoSe deste modo poupar a chapa de ferro, ou Rasto, Sem Se

advertir, q' com isto Se impoSsibilita, e Se dificulta o proSeguimento dos Carros, porq'

nesta operação, havendo huma Roda quaze dentada, os bois não Sô tem, q' medir as

Suas forças com o pezo, p.a lhe dar movim.to, mas [f. 98] tãobem em vencer, e

desapegar a Roda, q' Se acha emtalado no vão das pedras das calçadas, e Cravada na

terra, Como bem Se obServa no Rasto de q.lq.r Carro.

Os dous eixos Comúns das quatro Rodas devem Ser aSsentados com firmeza na meza

dos Carros, dispenSandoSe chamaceiras, bunecas, e coçõens, Como peSsas não Sô

desneceSsarias, e Superfluas, mas tãobem Como prejudiciaes; porq' concorrendo p.a a

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169 elevação da meza, e do Centro da gravid.e, Cooperão p.a q' os Carros Se tombem, e

tãobem p.a q' se adelgaSse o eixo do mesmo Carro, Como demonstrado fica.

A Razão porq.' eSsas Rodas devem girar, e Rolar nas extrimidades dos eixos hê

clariSsima; porq' Sendo certo, q' o pezo p.r quantos mais movimentos Se Reparte, mais

facil vem a Ser o movimento do pezo, q' suporta no transporte delle, concluo com a

preciza Legitimid.e, q' eSsas quatro Rodas voluveis ao mesmo tempo nas extremidades

do eixo, e do quadrado m.to facelitão o pertendido, e dezejado transporte.

Torno a cocluir por exuberancia, q' q.to mais forem o numero das Rodas, mais [f. 98v]

prompto Será o movimento do pezo, e o mesmo transporte.

Hé tempo de Concluir por ultimo, Sem abuzarmos das atençõens, q' Se nos propuzemos

a Construir hum Carro de m.to maior duração, as extremidades dos eixos Sempre Serão

forradas de chapas de ferro, e igualm.te o Circulo do Centro das Rodas, tudo p.a q' hum

ferro trabalhe outro ferro, e huma madeira não Castigue outra madeira, ainda no Cazo

de Ser forte, e m.to Rezistente ao trabalho, ao pezo, e a força.

Parte Terceira

Sobre o modo, com q' os grandes pezos devem Ser Suspendidos, p.a Serem

transportados.

O Carro aSsim Construido vistirâ e Cobrirâ a peSsa, ou pezo, q' ha de transportar, e

colocado Sobre elle pelos intervalos das Rodas em as extremidades do mesmo d.o pezo,

opostam.te de Cada parte Se meterão trez alavanças, alçapremas, ou braços de huma

balança [f. 99] Romana: A extremidade do Referido pezo virâ ter hum ganxo, q' abranja

a prizão, q' elle tiver, e a Corda, q' Se Segue ao ganxo paSsarâ primeiro pela Roldana,

ou pequeno moitão, q' estiver por baixo do xideiro, depois pelo outro, q' estiver firme no

anel da extremidade do braSso direito, Sahido no quadrado, e por ultimo pelo outro do

braço esquerdo.

Na parte inferior do pezo no quadrado da meza do Carro, e nos braços SobreSahidos se

despora a mesma operação, Servindo tudo de aparelho.

Na parte Superior, e inferior da meza do Carro, aonde Se achar firme ao pao quadrado,

q' nas extremidades forma os eixos do Rodeiro, Se aSsentarâ huma porca, ou Rosca de

parafuzo, a q.l abrangerâ a altura tanto da groSsura da madeira da meza, Como a outra

do pao diagonal, q' nas extremidades ha de formar os diferentes eixos.

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170 Por esta Rosca paSsarâ hum Reforçado parafuzo de ferro, q' na p.e inferior tenha hum

Curto ganxo, q' vâ Receber o pezo, q' ha de Suspender.

[f. 99v] Nas cabeças dos d.os dous parafuzos haverão huns Cortes, ou moças profundas,

em q' Caibão justos os palmetados das quatro alavancas, q' por não trabalharem Servirão

de braçadeiras, ou animanivelas.

Estando tudo aSsim disposto, e ordenado, a hum tempo Se impregarão no pezo todas

estas forças Repartidas, e augmentadas de hum modo extraordinario, porem aplicadas, e

trazidas por união de forças a hum Sô ponto de Suspender, o q' farâ por maior, q' Seja o

pezo.

Hê justo, q' se demonstre.

Como pois deixamos estavelecido, q' o pezo Repartido pelos diverSos movimentos, por

este meio, e modo mais Se facilita o transporte, e por conSequencia a Suspenção delle

por effeitos da força impregada, hé Certo, q' de huma p.e Contra o pezo, e a favor da

Suspenção, Se vem aplicadas trez alavancas, ou trez braços da balança Romana, e de

outra p.e opostam.te outraz trez.

Eis aquî não menos, do q' seis estimulos, ou atritos, ou 6 movimentos comunicados ao

pezo, e impregados na Suspenção delle.

[f. 100] Hé Certo, q' a corda, q' prende na p.e Superior do pezo, paSsando pelas trez

Roldanas, o q' outro tanto Se verifica na p.e inferior delle, Servindo de Condutor,

tãobem Serve de Comunicar ao pezo os outros 6 movimentos das Roldanas, agitadas

pela força, q' impregada na extremidade da Corda, della com Reforço vem partecipar o

Corpo, q' Se quer Suspendido.

Hé certo, q' os dois parafuzos, postos em movimento pelas alavancas, braçadeiras, e

animanivelas, por este Conductor tãobem Se vão Comunicar ao Solido, q' Se procura

Suspender, e com alguma mais excelencia, porq' ao mesmo tempo, q' Suspendem,

prendendo, e Contrahindo a Si todos outros movimentos na Rosca, Servindo de

depozitarios, tãobem Servem p.a q' huma vez q' adqueridos, nunca já Retrocedão,

desviandoSe infortunios no Cazo de Se quebrar a Corda, ou as alçapremas.

Eis aqui não menos de 14 movimentos, a Saber 6 das alavancas, ou alçapremas, 6 das

Roldanas, e dous dos parafuzos, todos de huma vez impregados no Corpo, q' ha de Ser

transportado, e Como todos [f. 100v] elles em Si tenhão augmentos de força, hé Certo,

q' calculados os 14 movimentos, elles vem a Comprehender em Si outros muitos

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171 movimentos, q' São bem Capazes de Suspender todo, e q.lq.r maior pezo, por grande,

e mais extraordinario, q' elle Seja.

Haverâ alem de tudo isto duas Cordas, Correntes, ou tirantes, q' prendão na extremidade

dos braços anteriores, e da Canga, ou Cabecalho, q' Servindo de apoio, e de espias,

Cooperem, p.a q' os dous bois metidos em esforços proSigão certos, todas Suas forças

em tempo neste Conato Sejão impregadas com igualdade no trabalho, e nas pertençoins

de transportar, e Conduzir, e p.a q' Sendo hum delles de memos Robustez, ou negandoSe

por malicia aos mesmos esforços, hum boi não maltrata outro boi, Seo Companheiro.

Parte quarta.

Sobre o modo, com q' Se pode fazer parar os Carros Carregados nos planos inclinados

das Sobidas, e descidas, auxiliandoSe os transportes, SocorrendoSe, e dan [f. 101] doSe

Socorro, e folego ao gado, p.a q' nos esforços não esperdiSsem Suas forças, tudo por

effeitos de huma maquina Simples, e menos Complicada, inherente ao mesmo Carro.

Na parte interior das quatro Rodas dos Carros com proximidade aos Circulos dos quatro

eixos estarão aSsentadas com a maior firmeza quatro Rodas menores de ferro, q' Sendo

dentadas terão huns quadrados no Centro, p.a q' Cada huma melhor Se aSsente, e Se

firme na madeira das Rodas principaes do mesmo Carro.

Nas extremidades dos quatro braços indicados, por meio de parafuzos estarão firmados

os olhos dos aneis folgados de Cada huma das alavancas.

Haverão outros parafuzos, com Respeito a Cada huma dellas, firmados nos lados da

meza do Carro, em q' se depozitem, e descanSsem as extremidades das alavancas

Soltas, q.do não trabalhão, e os Carros Se movem, e Caminhão nos planos Rectos.

Quando os Carros Carregados entrarem a descer e Se quizer dar folego ao gado, [f.

101v] Socorro, e descanço, p.a Se fazer, com q' elles parem, e não proSigão nos planos

inclinados das descidas, obzistindoSe a precipitação, Se desprenderâ, Se Soltarâ, e Se

tirarâ do descanço, e do Sobreposto as duas alavancas anteriores, e os Seos palmetados

virão Cravar Certos, e infustar nos dentes, q' lhe competir das Rodas menores, tãobem

anteriores, e impedindoSe deste modo, tão Reforçado, os movimentos das Rodas

maiores, tãobem se impidirâ, q' os Carros Carregados não proSigão, não Se adiante, e

não Se precipitem.

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172 Quando os d.os Carros Se propuzerem Sobir algumas Ladeiras, e montar os planos

inclinados das Sobidas, descançando as alavancas anteriores, q' ficarão sobrepostas nos

parafuzos, Se Soltarão as duas alavancas posteriores, q' descançavão, e Soltas ellas,

hirão Constantem.te contando no SuceSsivo os dentes das Rodas menores posteriores, de

Sorte, q' q.do as Rodas maiores, e por conSequencia os Carros queirão entrar em hum

movimento Retrogado, Sendo os dentes das Rodas menores alçapremados pelos

palmetados das alavancas posteriores, q' lhe in [f. 102] fustão, nunca jâmais poderão

elles Retroceder com perda dos espaSsos, e dos terrenos, q' nas Sobidas tiverem

avançado, adquerido, e ganhado.

Deste modo teremos hum perfeito, e Reforçado Carro, bem Capaz de Rezistir a todo

trabalho, e Sendo firme, e mais Seguro, q.to Se poSsa conSiderar, alem das utilidades

inSurgentes, aSima indicadas, conSultandoSe intereSses, acautelandoSe danos, e

prejuizos, no Centro dos bons dezejos, afastando, e prevenindo infortuneos, apetecemos

Ser uteis a humanid.e, não Sô nas fadigas de huma vida trabalhoza, mas tãobem

tomando Sobre nôs no desvio a curatela dos Seos males, e desgraças, q' deste modo de

alguma Sorte ficão prevenidas.

Se tanto for util ao Publico, milite o proverbio Academico: os Sabios de Athenas, do

Athineo, do Ariopago, escrevão nos Templos de Minerva, de Apollo, e de Marte,

Capitolios da Sabedoria, na Repozição de triumphos conSeguidos, o preciozo emblema,

ditado por Pallas =

NeSi utile, quod facimus stulta est gloria.

Luiz Antonio de oLivr.a Mendes.

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173

[f. 216]77 Entre os meos enSaios Curiozos, e ao mesmo tempo uteis, em beneficio das

fabricas de Seda, estamparia, tinturarias, e laneficios, invejando as delicadas, finas, e

firmes Cores, com q' os Aziaticos promovem estes Ramos da Sua industria, me propuz

extrahir do pao Brazil a tinta, q' elle podeSse dar em Socorro de todas estas

manufacturas.

Trez Couzas obServei no desempenho deste projecto, q' São bem dignas de atenção: 1.a,

q' a tinta extrahida do d.o pao hê a mais fina, q' Se pode conSiderar, porq' metendoSe

nella de infuzão q.lq.r pano de Seda, de algudão, de Lãz, e alguma folha de papel por

espaSso de 24 horas toma huma huma cor tão fixa, q' nunca desmereSse.

Eu Levaria as minhas tentativas ao ultimo ponto, Se neste continente me foSse poSsivel

ter a agua do Caijû, dos cocos em verde, e o Suca das bananeiras; porq' cada huma

destas aguas entranhão huma nodoa com a Segurança das Cores, q' ellas admitem, q' hê

mais facil RomperSe com o uzo a fazenda, do q' extinguirSe a entranhada nodoa, e

Seg.do obServei [f. 216v] no Paiz do meo Natalicio não hezito affirmar, q' os Aziaticos

Se valem destes Socorros p.a mais Segurarem as Cores em todas Suas manufacturas,

certeficado, de q' elles tem com abundancia todas eSsas plantas, donde forão

transportadas p.a o Brazil no tempo primitivo da Sua in cultura.

77 Originais pertencnetes a: Academia de Ciências de Lisboa. Documento microfilmado pertencente ao CEDOPE (Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses). Transcrito por Rosângela Maria Ferreira dos Santos, em março de 2004.

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174 Segunda, q' q.lq.r porção de pao Brazil, Reduzida a Serradura, perene, e

constantemente, paSsando por ella 15 dias, ou trez Semanas de infuzão, continua dar a

extração da tinta, e fallando com experiencia, havendo trez mezes, q' Se acha de infuzão

huma certa porção de serradura de pao Brazil, q' não excede huma quarta, havendo

extrahido huma gr.de porção de tinta, q' tem tingido entre outras Couzas huma Resma de

papel, ainda me não desenganou, q' deixava de dar a extrahida tinta mais, ou menos

forte, do q' me Rezulta a Certeza, q' eSsa tinta, SabendoSe extrahir, vem Ser a mais

Comoda, q' pode Ser.

Terceira, q' o Seo extrato hê Simples Sem mais despeza, a exceição de alguma pedra

hume, q' se ajunta, o q' mais certefica a Comodidade, e a barateza da d.a tinta.

[f. 217] Feito o extrato da d.a tinta em Seo ponto Sublime fiz tingir o pequeno pano de

Seda, e destemperando-a fiz tingir em Cor mais desvanecida o Setim papel, e em Cor

m.to mais desvanecida o pano de Caça.

O mesmo, e outro tanto pratiquei na tinturaria do papel, Sendo a 1.a tinta a mais forte, e

destemperando fiz tingir a Seg.da folha do papel da amostra, no q' continuei

progreSsivam.te atê a 4.a tinta, e folha de papel da cor mais desvanecida.

Tentando em querer fazer degenerada a d.a tinta, a 1.a, e mais forte a Reduzî a hum

Carmezim escuro, declinando alguma Couza a Roxo, e da Seg.da amostra do papel

Carmezim a Reduzî a Cor de violate, e da ultima amostra do papel cor de Roza Seca a

cor de flor de pecigueiro.

Fiz as tentativas, q' me pareSserão uteis: meti na infuzão as duas penas, Sem q' foSsem

ao fogo, e Sahirão da Cor escarlate, q' aprezento, e na tinta degenerada metî a 3.a pena,

q' Sahio Carmezim. Na d.a infuzão meti tãobem por tentativa algum juneo, e porq' a d.a

tinta paSsara, e penetrara bem o vidro da pena, e do juneo, ti [f. 217v] ve hum claro

testimunho, de q' a d.a tinta era fina, alem de a ter posto ao Sol, ao Sereno, e a chuva, em

q' pouco, ou nada desmerecera.

Fiz extrahir alguma p.e mais Subtil da d.a tinta, dando lhe Corpo da mesma tinta, p.a q'

ao Leo, e a tempera Se podeSe com ella pintar, a q.l aprezento, e moida ella ha de ter

todo bom effeito.

Quando a Real Academica aprove este meo invento, e descuberta, e o julgue digno de

utilid.e ao publico, e aos noSsos fabricos tratarei de anunciar o modo, e o Sistema, q' se

deve praticar na extração da d.a tinta.

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175 Luiz Antonio de OLiveira Mendes

[f. 218] N. 8.

Memoria Sobre o modo de Se conhecer, q.do os Paos do Brazil, q' hão de Servir p.a a

mastrezção das Naos, e dos Navios, Se achão perfeitos no Seo interior, p.a Serem

Cortados.

Posto q' Sabia, e eruditam.te neste Atheneo Se tenha demonstrado, q.to mais poSsa

Concorrer, p.a q' pelos Symptomas externos Se conheça, q' q.lq.r pao de Certo Lote Se

ache Capaz, e idoneo p.a Sofrer o neceSsario Corte, p.a com elle Se acudir as noSsas

precizõens, q' instão pelo melhor acerto, Comtudo ainda nos Resta, p.a aconSumação de

hum objecto tão intereSsante, conhecer, Se elle no Seo interior esteja maduro, São, e

perfeito, Sem q' depois de frustrado trabalho, e conSideravel despeza; feita no Corte,

desbaste, e condução, venhamos a ficar, entre enganos, mal Servidos, perSuadindo nos,

de q' nos achamos Senhor de hum bom, e Suficiente pao, q.do aliás elle não presta, e em

Si hê menos Capaz, p.a o ministerio, q' elle vai Ser [f. 218v] aplicado.

Hê tão intereSsante, e digno de maior atenção este aSumpto, q' alem de Se procurar

deste modo acautelar os danos, e prejuizos inSurgentes de huma Superflua, e

conSideravel despeza, tãobem Se procura ReSalvar outros tanto mais calamitozos, e de

peSsimas ConSequencias, q.s vem a Ser, conhecerSe este defeito oculto no alto mar, q.do

o d.o pao, aplicado a mastreação, metido em paSsivo trabalho, não podendo Rezistir a

elle, Se Rende, ao q' Se Segue huma Certa, e infalivel desalvoração Com perda, e Risco

das vidas, e da fazenda.

Torno a dizer, q' não bastão os indicantes meram.te externos, p.a nos Certeficar

de hum modo Certo, infalivel, e terminantiSsimo, de q' com effeito o d.o pao no Seo

todo Se acha São, maduro, e perfeito, q.do aliás tudo isto Sô nos Certefica, o q' nos pode

Certeficar, q' na Sua maior p.e, e circumferencia Se acha tal, q.l nos indica, o q' de

nenhum modo entre escrupulos, desconfianças, e incertezas nos pode trazer a

infalibilidade, de q' na permanencia da Sua vege [f. 219] tação elle Se acha São, e igual

no Seo todo.

Bem pode acontecer, Como as vezes aconteSse, na falta desta Certeza fizica, oculta, e

desconhecida aos noSsos olhos, q' hum pao, q' a Seo favor tenha todos indicativos

externos de perfeito, isto não Corresponda no Seo intrinSeco, e Se não verifique no Seo

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176 amago, e Coração, ao q' lhe chamão Cerne, estando elle vazio, ouco, ou verde no Seo

interior, e Sendo Cortado, ocazião em q' elle morre, começando a epoca da Sua natural

destruição, originandoSe a podridão no fraco do verde interno, della no oculto do Seo

Centro entrarâ a existir huma nova falha, e macula, q' o faça menos Capaz de Rezistir ao

trabalho, a q' vai Ser Sacreficado.

Logo isto tanto mais inculca a extrema neceSsid.e, q' hâ, de Se entrar em huma

averiguação tanto mais exacta a este Respeito.

Nem Se diga, q' havendo em toda arvore q' vegeta, hum Ramo perpendicular, Superior,

e mais elevado, q' Corresponda ao Seo [f. 219v] amago, Coração, Cerne, e a Raiz

principal, mais groSsa, e mais dilatada, este Ramo no Seo externo pela diferença da Cor

do Seo verde, neceSsaria, e infalivelm.te demonstra, q' o d.o pao no Seo interior Se acha

verde, ou maduro, Capaz, ou inSuficiente p.a Sofrer o neceSsario Corte.

Isto, e tanto Só poderâ concorrer, q.do m.to, p.a obServação, e Conhecimento, de q' com

effeito o d.o pao Se ache, ou Se deixe de achar, verde no Seo interno; não poderâ de

nenhum modo Ser aplicavel a indagação, de q' elle no Seo interior Se ache viciado,

podre, e cheio de cavidades, ocultas aos noSsos olhos.

Logo Se deve Recorrer a outros principios, e a outras mais Severas, e exactas

indagaçõens.

Ainda mesmo no primeiro Cazo, de Se conSiderar diverSa a cor deSsa Ramificação

Superior com alguma diferença da Cor dos outros Ramos, não poderemos entrar em

huma Combinação fiel, e infalivel, por m.tas Razõens, q' nos Rezistem.

Primeira, pelo pouco, q' huma Cor difere [f. 220] da outra.

Segunda, porq' huns Ramos Se confundem com os outros do mesmo tronco, e ainda

mesmo com os das mais arvores circumvezinhas.

Terceira, porq' Sendo estas arvores com Relação aos Seos troncos de huma demaziada,

e conSideravel elevação, na Sua Suma distancia, e altura, a q' não chega huma perpicaz

vista, não hâ oportunid.e, p.a Se entrar em huma obServação tão Rigoroza.

Quarta, porq' Como estes paos de Lote Se achão pela maior p.e dentro das matas

Virgens, aonde tudo hê denSo, e escuro pela contiguid.e de huns a outros, esta Confuzão

nos inhibe de toda obServação.

Quinta, porq' as vezes poderâ aContecer, q' na Sua Superiord.e esteja de vez, e maduro o

d.o pao, ocazião em q' o verde de toda Ramage Serâ igual, e deixe de estar no Seo

Centro, aonde Se originarâ a macula, e o defeito, huma vez q' elle Seja Cortado.

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177 Antes de entrarmos no anuncio do modo de Se conhecer o pao maduro, e

Livre de Cavidades, de Vicio, e de de [f. 220v] feitos no Seo intrinSeco, deve SaberSe

com natureza de historia, e introductiva a materia Sugeita, q' nas matas Reaes nos

Estados do Brazil, e nas diverSas Capitanias delle, todo pao da ClaSse dos escolhidos, q'

tem de 4 a 5 palmos de diametro, e 100 palmos de altura, Sendo bem feitos, e

perpendicularm.te elevados, Sofrem a marca Real de hum = R =, gravado a fogo, p.a q',

aSsim indicado, Se não Corte, e nelle Se não toque, e tem Crime, e Sanção penal q.m

entra en transgreSsão da Ley imposta.

Este pao, q' fica gozando da Sua izenção, e imunid.e, huns lhe chamão pao de Rey, e

outros pao de Ley, e affirmão, q' tudo isto em Si promiscuam.te hé o mesmo, porq'

aquelles incultos Certanejos viciando a primitiva palavra entrarão Corrompidam.te a

chamar pao de Ley.

Porem, eu Sempre direi, Sem q' Se faça questão de nome, q' o Seo proprio, e verdadeiro

apelido, hé pao de Ley; porq' as clauzulas, condiçõens, e Requezitos do dezignado pao

ter 4 p.a 5 palmos de diametro, e 100 palmos de altura, forão os q' o Reconhecerão

izento de hum vulgar Corte, impondo a pena a q.m transgredir, [f. 221] e Sendo esta a

Ley, e a Sanção penal, q' o izenta, e priviligia, tãobem deve Ser, donde derive o Seo

proprio, e verdadeiro nome.

Os Homéns pretos naturaes da Africa, e com extenção, e transcendencia aquelles outros,

q' não São, lhe chamão pao de Carimbo, e isto porq' Carimbo na lingoa Africana quer

dizer, e Se chama aquella marca, q' com a letra = R = os homens Pretos Recebem a

ferro, e a fogo, (com dor geme, e estremeSse a Natureza humana)!, q.do pagão os

Direitos p.a o Brazil, e porq' outro tanto vem praticado em aquellas arvores, q' Recebem

a marca Real, por iSso lhe chmão pao de Carimbo, Sobre cuja palavra jâ diSsertei na

memoria da Cauza das infirmidades dos homens pretos Recen tirados da Africa p.a

America, q' Se acha encorporada ao volume quarto das Memorias Economicas, e deixo

Referido, e lançado no Dicionario da Lingoa Africana.

Desta expreSsão, aliás vulgar naquelle Continente, se faz hum frequente uzo, e se acha

tão adoptada por effeitos desta analogia, e derivação, q' todos por equivalen [f. 221v] cia

no Sentido translaticio della Se valem, p.a exprimir, e Significar o páo de Ley.

Para Se conhecer, q' q.lq.r pao desta marca, ou q' q.lq.r Outro, q' Se queira Cortar, Se

acha Libertado das maculas, defeitos, vicios, falhas, Cavidades, e falSos no Seo interior,

ou ainda mesmo, de q' Se acha verde no Seo Centro, entrarão nesta operação duas

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178 peSsoas vigilantes, e haverâ hum prego grande de aço, e huma Canula do mesmo

aço, huma, e outra peSsa Sem a menor falha.

Na arvore, q' Se escolher p.a Ser Cortada, Se cravarâ o prego, hum dos

individuos hirâ pôr o ouvido bem Rente ao tronco do pao na p.e oposta ao fixado prego,

de tal modo, q' não entre ar, nem Som algum externo; Com a palma da mão taparâ o

outro ouvido, e estando prompto farâ Signal ao Companheiro, p.a q' dê com a Canula

huma pancada forte em o d.o prego.

[f. 222] Esta mesma Operação Se farâ nas trez Restantes partes da Circumferencia do

tronco da arvore, q' se destinar Ser Cortada, tudo p.a q' a experiencia Seja fiel, e as

operaçõens enchendo os Seos deveres, Sejão Conformes.

Se elle ouvir o toque baSso, e Rouco, hê Signal evidentiSsimo, q' o amago,

Coração, e Cerne do páo Se acha verde, e defeituozo com esta macula.

Se o Som do toque da Canula no prego Cravado fizer zunida, ecco no Seo interior, Serâ

hum Signal Certo, e infalivel, de q' no Centro do pao hâ cavidades ocultas aos noSsos

olhos, vicios, e falSos, aonde Retumba, Se detem, e Se depozita, entrando em giro eSse

Som do toque Comunicado.

Finalm.te Se o Som nas 4 Operaçõens for igual, fino, puro, Corrente, Sem RetroceSso e

detenção alguma, bem Como o toque da Campainha, e da experiencia da Louca, q' não

hé falhada, Se tirarâ a [f. 222v] certeza, de q' o pao no Seo todo Se acha São, e Sem

macula alguma.

A Razão, porq' tudo isto Corresponde ao q' dezejamos Saber, Se deriva de huma

demonstração fizica, q.l vem a Ser.

O Som, q' auxilia noSsas experiencias, hê nascido do encontro, e concuSsão da Canula

no prego cravado, e fixado no tronco da arvore: Este Som nascente da materia

homogenea, q.l hê a Canula, e o prego, este por Se achar encorporado ao pao, por hum

tal mediador, o 3.o Rezultado, q.l hê o Som Se comunica a materia ethorogenea, q.l hê o

tronco da arvore, e por effeitos desta Comunicação, o mesmo Som Se dilata por toda

extenção della, Sustentando o Som do toque da materia Contacta, huma vez q' eSsa

materia ethorogenea esteja Capaz, habil, e disposta p.a Receber.

O modo, e a Sufficiencia de o Receber com igualdade, Sem discrepancia,

deminuição, quebra, e Rezistencia do mesmo Som, hê estar, e acharSe o madeiro per [f.

223] feito, habil, São, igual, Sem macula, e vicio algum no Seo interior, como no Cazo

dos noSsos dezejados acertos.

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179 Ainda mesmo estas experiencias Sendo auxiliares, e de algum modo exactiSsimas,

com aproximação ao q' Se procura Saber, haverâ hum novo Cazo, em q' todas ellas

desmintão, q.l vem a Ser, havendo na p.e Superior, inferior, ou em q.lq.r dos Seus Lados

do páo, e do tronco da arvore huma pequena fenda, por onde Livrem.te fara o Som

Comunicado do toque, e conceição da Cancela no prego, em cuja pervenção

descubrindo providencias uteis a este Respeito com Conhecim.to de Cauza entrarâ, e

proSeguirâ algum genio tanto feliz, q.to illustrado, q' auxiliando-me em huma empreza,

q' tenho por proveitoza, melhor aCautelle tanto os estragos da economia nas Superfluas

despezas, q' afinal Se ReconheSem perdidas, como ReSalve a perda das vidas, e

fazendas dos noSsos Compatriotas.

[f. 223v] AdverteSe, q' na escolha do madeiro, e pao, q' se destinar, p.a Ser Cortado,

Sempre Se darâ preferencia a aquelle, q' tenha melhor Seguimento, e q' nos espaSsos, e

longos annos da Sua vegetação, extenção, e dilatação, tenha Sido mais izento de ter tido

galhos na Comprida idade da Sua duração, e existencia.

Porque todos Sabem, q' eSses galhos, e Ramages, posto q' não existentes, forão

oriundos, e tiverão por May a medula interior do mesmo pao, donde elles Se derivão, os

q.s nos esforços irrezestiveis da Sua natural vegetação, Rompendo, e aCostando os

filamentos, de q' Se compoem o madeiro, formalizão hum falSo, e fraco em o d.o pao,

ao q' lhe chamamos vulgarm.te nôs, e isto bem, e melhor se obServa em q.lq.r esqueleto

botanico, e na folha de q.lq.r arvore, q' Sendo hum modelo do tronco Comum, toda Sua

Ramificação, figurada em Linhas, q' Se dilatão prende, e nasce da preferia do sutalo[?].

[f. 224] Deste modo escolheremos hum bom, e perfeito pao de maior, ou menor Lote,

seg.do as noSsas precizõens, o q' tendo principio na escolha dos madeiros Suficientes p.a

a mastreação das Naos, e Fragatas, Serâ extenSivo aos particulares, e a todos, e q.s q.r

Senhorios, e proprietarios de dilatadas, e densas matas naquelle Continente, o q' poderâ

entrar em objecto de hum novo Ramo de Comercio, tê hoje desconhecido.

Porem, p.a q' elle melhor se firme, e Se estabeleça em favor, e em Socorro da noSsa

independencia, e economia particular, se faz precizo debelar, e desvanecer dous erros

comúns, e inveterrados, q' tendo as Suas Raizes mais firmes, e mais dilatadas do q'

aquelles madeiros no Continente do Seo natalicio, Se nutrem com a inSuficiencia, e

desconhecimentos de alguns Nauticos, e por iSso tem elles hum facil, e prompto, e

prompto convencim.to.

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180 Primeiro, de q' a mastreação dos Paos do [f. 224v] Brazil hê Sumam.te pezada: 2.o, q'

a mastreação total destes paos, porq' hê m.to mais forte, não brandea, não verga, não

entra em flexibilid.e nas ocaziõens precizas, e não obedece a força, e a furia dos Ventos,

e das tempestades inSurgentes, e estas declamaçõens Continuas a tem Condenado a hum

quaze desuzo, ao q' Sô Recorrem no Cazo da extrema neceSsidade.

Quanto a primeira Cauzal de hum tão prejudicial afaste, todos Sabem, q' o pezo

pelas Leis phizico-Mecanicas Sempre procura o Seo Centro de gravidade: Toda

mastreação, Seg.do estes incontrastaveis principios por huma Ley intrinSeca primeiro

gravita Sobre a quilha do Navio; eSsa quilha, o mesmo Casco, e todo Navio descança,

Seg.do as Leis phizico-hydraulicas Sobre as colunas de agua, q' o Suspende, o q' Se faz

demonstravel de dous modos.

Primeiro, q' todo, e q.lq.r Navio não Se Suspende, Sem ter huma Suficiente coluna de

agua, q' medindo no Seo espaSso, vencen [f. 225] do, ou pelo menos equilibrando o Seo

pezo, o faz pôr em nado:

Segundo, q' depozitandoSe em todo, e q.lq.r Navio maior porção de Carga do q' peza a

Coluna de agua Correspondente ao espaSso, q' elle ocupa, a q.l no Seo todo o Suspende,

e o conServa em nado, elle Se soSobra, e vai a pique, corroborrandoSe hum, e outro

demonstrativo com o infeliz SuceSso, de q' q.do Sucede haver agua aberta em q.lq.r

Navio, introduzindoSe, e RepondoSe no porão delle huma grande porção de agua, q'

augmentando o pezo interno a proporção do q' diminue a Coluna de agua externa, q' o

Suspende, o d.o Navio emContinente Se Submerge.

Logo q.m Suporta todo pezo da mastreação não hê a quilha, nem o Navio, mas Sim a

Coluna de agua Correspondente, q' o Suspende, e poem em nado, a q.l tem por baze as

outras m.tas colunas de agua, q' não contrabalanção, e não ComenSurão o total pezo do

d.o Navio.

[f. 225v] Entra em Refleção atendivel, q' Como toda mastreação de paos do Brazil, por

iSso mesmo, q' elles São mais fortes, e mais fieis, seg.do a lotação, e a maioria dos

Navios, ella Sendo mais delgada, de menos Corpo, e tãobem menos pezada, vem na

deminuição a equilibrarSe com a mastreação de pinho, q' demanda maior groSsura.

Quanto ao Seg.do abuzo, inveterado erro, e falSa Supozição, p.a concluirmos com acerto,

deve SaberSe, q' q.lq.r mastreação de pinho, q.do brandea, e Se verga, hê pela força do

vento impregada com maior, ou menor violencia no Seo Velame.

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181 Se eSsa força hê mediocre, e Só Capaz de fazer vergar a mastreação, m.to

Constantem.te melhor Sofre a mastreação, q' for de paos do Brazil, por Ser de madeira

mais forte, fiel, e mais Rezistente.

Se eSsa força imprimida for extraordinaria, tal, q.l faça estalar a mastreação de pinho, e

desalvorar o Navio, excedendo ao [f. 226] brandeo, e a flexibilid.e, a tudo isto melhor

Rezistirâ a mastreação de paos do Brazil; por iSso mesmo, q' hê de madeira tanto mais

forte, fiel, e Constante.

A tudo isto de mais acresce, q' por Cauza deSse bradeo, q' Se tem por util, e neceSsario,

Se procura a destruição de todo Navio, porq' Se deixa o Seo maSsame Sempre folgado,

p.a q' elle aCompanhe a eSsa elasticidade.

Toda enxarxia do Navio prende nos Cadernaes, e botõens das mezas: ESsas

mezas Se achão fixas ao Cavername, e entrando a jogar o Navio na maior força do Seo

trabalho, p.a Se acautelar, defender, e poupar a mastreação, alem de fazer estalar, e

estragar todas espias, viradouros, e maSsame meudo, q.m Sofre todo trabalho hê o casco

do Navio, q' metido em aperto, e em forços, abalandoSe o Cavername, Se Segue a agua

aberta, e as prejudiciaes avarias.

Pelo Contrario Sendo a mastreação dos Navios de paos do Brazil, posta ella de tal [f.

226v] modo, e maneira, q' metida em trabalho venha a ficar a prumo, aCompanhada da

enxarxia quaze justa, q' a ampara, e lhe Serve de apoio, Sendo toda mastreação bem

espiada, Longe de estallar as espias, como Sucede na mastreação de pinho, metida em

jogo, e em brandeo, q.m vem a Soportar toda força, e trabalho hé a mastreação, e não o

Navio.

Trez Simples Refleçõens devem terminar este descurSo: 1.a, Se a extrema neceSsid.e

nos obriga por vezes, na falta da mastreação de pinho, a valer deste genero de

mastreação? 2.a, Se alguns, q' não podem dispender groSsas Somas nas

importantiSsimas mastreaçõens de pinho, aSsim Se Suprem, e Se Remedeão? 3.a, Se a

d.a mastreação de pinho evidentem.te hé a mais fraca, porq' alem de Ser de inferior

qualid.e, Se compoem de duas, e trez antenas, q' Se cintão com ferro, e maSsame, e Se

lhe ajuntão Xumeias, e Contra Xumeias tãobem cintadas, p.a Se Reforcar a fraqueza, e a

força unida, p.a q' desterrandoSe abuzos inveterados, não Se deve fa [f. 227] zer hum

Constante uzo da mastreação dos paos do noSso Brazil, chegando tê a influir em hum

novo genero de mercancia.

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182 Deste modo, alem de Se Socorrer, m.to Lucrarâ o Comercio, e Navegação;

nos livraremos de maiores despezas, o noSso preciozo a eSse titulo, no abandono do q'

temos com injuria, e irrizão noSsa, não hirâ quaze a Revelia p.a os Reinos Estrangeiros:

Os meos unicos intereSses, e Reconhecidos Lucros no Centro dos meos Votos,

testimunhados por Compatriotas, q' me ouvem, Sejão o dezejar Ser util ao Publico, a

Patria, ao Estado.

Luiz Antonio de oLiveira Mendes

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183

[folha 7 (1)]

N.º 1.º a- 7

A Memória

Do optimo, Ill.mo, e Ex.mo Senhor D. João de Bragança, Duque de Laphoéns, Deixando

de especificar todos Seos titulos, Impregos, e Dignidades.

Q.to ao q’ nos diz Respeito, Só nos baste Referir, Que desta Real Academia das

Sciencias de Lx.ª fora m.to digno Prezidente, E della não Reformador, e Instaurador,

Mas sim com grande gloria Sua Fundador, E para que nunca Seja esquecido, E de Seos

Socios, e Companheiros, nunca Se aparte, A Tanta Grandeza, e Merecimento, Nas

pegadas, figuras, e Sombras da Morte Dedica, conSagra, e offereSse Este Seo pequeno

dever, e limitado obzequio Luiz Antonio de Oliveira Mendes, o mais inSuficiente de

todos os Socios, o qual na conformidade do Seo antigo Costume Recitou na Real

Academia Na SeSsão de 7. de Janeiro de 1807

O Autor anuncia, q’ na tradução, sem q’ falta-se aos penSamentos, mais antes ém

abono, e de lucidação delles, Se vio obrigado a valerSe de algum mais ornato, e

amplificaçoéns, p.ª de todo fugir, e evitar alguma frieza, q’ podeSse sobrevir ao

descurso na falta dos periodos não Serem cheios.

[folha 8 (2)]

8

O! Deos Immortal! Ai de mim! Ai de Ti Academia! Quanta não seja fantastica, e

aparente a esperança, e a atrevida confiança dos Homens!

Nós Academicos, amabiliSsimos Socios, e compartes na dor, e na Saudade, ainda

hontem, quaze nos fins do anno paSsado, aquî mesmo neste Atheneo78 fomos vistos

78

a.te.neu sm (gr athénaion) 1 Antig Em Atenas, templo de Atená em que poetas e sábios liam as suas obras em público. Em Roma, escola de estudos filosóficos, literários etc., fundada por Adriano. 2 Associação científica ou literária. 3 Estabelecimento de instrução.

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184 estar m.to alegres, e no ultimo ponto do noSso prazer tão Satisfeitos, como q.m

descançando dormia nas Sombras de huma frondoza arvore, q’ figurava [dhuma]79

extraordinaria fortuna, q’ nos protegia.

Hoje porem, inSurgindo hum dezar,80 as agonias, Nôs tristes, [apoSiados]81 de

amarguras, tê82 vestidos de preto por effeitos de hum acazo funisto, ainda q’ esperado

nos [ReSortes]83 da desgraça, nos achamos desherdados dos noSsos mesmos prazeres, e

das noSsas antigas alegrias.

No meu, e nos VoSsos abatidos Semblantes, divizo todo genero de diSsabor, e de

melancolias, q.do as inSurgentes tristezas, vindo Contra Nôs de todas as partes, nos

molestão, nos afligem, nos encomodão, e estamos Sendo por ellas Castigados, e

oprimidos.

O! Deos Immortal, muitas vezes invocarei o Ente Supremo, Creador, e destruidor de

tudo!

O! Sabios Companheiros, de Nós Se apar-

[folha 8 verso (3)]

tou aquelle, q’ Só atendia, e aspirava ao q’ era bom, e eSse mismo bom tanto mais

prezava, q.do no Centro das suas apetencias divisava, q’ elle Se podia converter em

noSso bem, e em noSsas utilidades!

De Nôs Se apartou aquelle; q’ no desempenho de todos Seos deveres Sempre desprezou

a avareza. Eu Sô o conhecî, apoderado, e m.to cheio della, q.do tinha por Sua maior

Riqueza, Solido patrimonio, e avultadiSsimos Lucros; e intereSses, o esplendor desta

Real Academia, e o Conhecî tão ambiciozo nesta p.e, q’ Sempre Se abrazava no amor da

Sua maior prosperidade, e ultimada gloria.

MICHAELIS: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Cia. Melhoramentos, 1998 – (Dicionários Michaelis). 79

As duas primeiras letras estão borradas. 80 de.sar sm (cast desaire) 1 Desaire. 2 Ato indecoroso. 3 Falta de elegância. 4 fig Mancha; desdouro. 5 Revés de fortuna. 6 Desastre. MICHAELIS… Op. cit. 81

Outra possibilidade: apoSsado. De qualquer forma, as duas palavras possuem o mesmo significado. a.pos.se.a.do adj (part de apossear) V apossado. MICHAELIS… Op. cit. 82

Interpretação: até. 83

Outra possibilidade: Refortes; Interpretação: [?]

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185 Tu impostura, negra mentira, vai viver degradada de mim p.ª Sempre! Vai manchar

Sabios impuros, bocas mercenarias, e espiritos fracos; q’ submetendo Se Só Se nutrem

da mera adulação! Não projectes offuscar o Heroe do meo elogio!

De Nôs Se apartou a minha; e alegria dos meos Companheiros; o amor de todos

Concidadaóns; a Saudade, a vida, a alma desta Real Academia.

Vimos; q’ do Centro dos noSsos congreSsos sientificos, dos noSsos ajuntamentos, e das

noSsas Conferencias Literarias desaparecera

[folha 9 (4)]

9

o noSso Prelado; o noSso chefe; e o noSso amabiliSsimo Prezidente; em testimunho do

que vejo em Nôs todos intristecidos, o q’ era bem de esperar, hum justo, e

extraordinario RiSentimento a face de tão conSideravil pirda.

Ai de mim! A mesma Atropos;84 q’ hé Surda, as inexoraveis Parcas85 me oução.

Finalm.te de Nôs Se apartou aquelle esclarecido Varão, o melhor de todos os Varoéns,

aquelle, q’ em Si era magestozo, q’ com a Sua ditoza, e Respeitavel Prezença honrava a

todos, o mais illustre da claSse dos Venerandos, e dignos ancioéns, o Principal delles, o

Dinasta, O NoSso Prezidente, o Ill.mo, e Ex.mo Senhor D. João de Bragança, Duque de

Laphoéns, General em chefe das Armas, cujo magnifico Nome apenas por mim

proferido, e Recordado em as VoSsas Saudozas Lembranças, Suscita com todos adornos

da eloquencia, q’ de fecunda Se torna pobre, as mais ternas ideas de Seo perfeito, e

digno elogio: Aquelle, q’ comandando as tropas, e todos exercitos; tãobem Com todo

amor, e Suma afabilidade nos prezidia, e nos Comandava, por Cuja Cauza, chorando

Marte,86 juntam.te87 Soltando gemidos, chora Pallas,88 e posto q’ donzella, por não ter

querido Cazar com o feio e ascarozo Vul-

84

Á.tro.po sm (gr átropos) […] 3 Poét A morte. MICHAELIS… Op. cit. Átropos: a mais velha das três parcas. Ver nota seguinte. 85

par.ca sf (lat parca) 1 Mit Cada uma das três deusas (Cloto, Láquesis, Átropos) que fiavam, dobravam e cortavam o fio da vida. 2 fig A morte. MICHAELIS… Op. cit. 86

Mar.te sm (lat Marte) 1 Deus da guerra, na mitologia grega e latina. […] 3 Guerra. 4 Homem guerreiro. MICHAELIS… Op. cit. 87

Outra possibilidade: juntan.se. 88

Palas – gigante cujo nome Minerva [ou Atena] adotou quando presidia à guerra e aos combatentes, pelo fato de havê-lo vencido, tendo-lhe arrancado a pele que ela levou consigo em sinal de triunfo.

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186

[folha 9 verso (5)]

cano,89 Libertando-Se da triste Condição de viuva, Contudo chora como [Orphão]90

Minerva,91 chora a Academia.

Neste justo pezar igualm.te Repartido com Marte, e com Pallas, O! Respeitaveis Socios,

tendo eu, q’ fallar do noSso amabilliSsimo Prezidente, não Sabe determinarme, p.ª q.l

dos dous me haja de transportar o amor, a veneração, o Respeito, a amizade, a gratidão,

e a Sua mesma Saudoza Memoria.

Se consultarmos a Historia dos Tempos, eSsa mestra da vida; se desenvolvermos as

antiguidades da Grecia, e as for buscar na Sua origem, entranhando-me nos Seos

Costumes, Seguindo as pizadas de Seos antigos escriptores, O! Academicos; Vos bem

Sabeis, q’ em Athenas houvera hum Templo ConSagrado a Deoza Minerva, e ali

tãobem outro dedicado ao Deos Marte, aonde, desputando-Se alternadam.te, Se dicidião

as questoéns mais intereSsantes, e Se julgava com todo acerto Sobre o justo, e injusto.

Este ministerio era tão Sagrado, e tão Respeitozo, q’ no Seo principio ali Se ajuntarão os

12 Deozes, p.ª q’ ConheceSsem, e julgaSsem o crime de Marte, acuzado por Neptuno,92

tendo incorrido no homicidio de [Haliothrocio];93 seo filho, por haver com força

corrompido a fi-

VITORIA, L. Dicionário da Mitologia. Rio de Janeiro: Editora Gertum Carneiro, s/d. p. 83 89

Vulcano, deus romano do fogo e da metalurgia, de origem itálica. Cultuado em Roma desde a fundação da cidade, é identificado ao Hefestos grego. Grande Enciclopédia Laurousse Cultural. São Paulo: Nova Cultural, 1998. 90

Interpretações: 1. Órfã: considerando que o Duque de Lafões fosse pai de Minerva e, portanto, da Academia; 2. Orfeão: como se Minerva chorasse de maneira semelhante a um coro; 3. Orfeu: nesta hipótese, Minerva estaria chorando à moda do poeta. Orfeu, personagem da mitologia grega, poeta e músico da Trácia, filho do rei Éagro ou de Apolo, segundo diferentes versões. Famoso por seus dotes musicais, encantava a tudo e a todos com sua lira. Quando morreu Eurídice, sua mulher, Orfeu ficou desesperado e desceu aos Infernos para buscá-la. Obteve o consentimento das divindades, mas havia uma condição: Orfeu não deveria olhar para Eurídice antes de atingirem a claridade. Na volta, porém, já prestes a sair dos Infernos, ele não resistiu e voltou-se para ver a amada. Nesse momento Eurídice lhe foi arrebatada para sempre, e Orfeu foi condenado a viver sozinho na Terra. A ele é atribuída a invenção da lira e dos rituais divinatórios e mágicos. Grande Enciclopédia Laurousse Cultural. Op. cit. 91

Mi.ner.va sf (de Minerva, np) 1 Deusa do paganismo greco-romano que presidia às artes e às ciências. […] MICHAELIS… Op. cit. 92

Ne.tu.no sm (lat Neptunu) 1 Mit Divindade que presidia ao mar (chamada Posídon pelos gregos). […] 3 poét O mar. MICHAELIS… Op. cit.

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187 [folha 10 (6)]

10

lha [Alcippa]:94 a imitação do q’ depois [Solão]95 ali estabelecera os 12 Juizes substitutos

dos Deozes, p.ª q’ tãobem ficaSsem julgando

Nas desputas, e dilemas Saudozos, q’ nas Competencias de mais Sentir, Sustenta Pallas

com Marte; Sem que eu Seja Juiz, abracando com imparcialidade hum [meio tr.º]96 mais

Seguro; demonstrarei; Se a tanto cheguem as minhas debilitadas forças, q’ o Ill.mo, e

Ex.mo Senhor D. João de Bragança, Duque de Laphoéns, NoSso Prezidente; de Saudoza

memoria, tanto entre Nós, Como entre todos; fora Reconhecidam.te em extremo hum

verdadeiro, e perfeitiSsimo amador da Sabedoria, das Artes, e Siencias.

Se tanto eu não desempenhar, confiado na VoSsa Candura de animo, na poSse dos

indultos, q’ imploro, ficando Salvo o Seo elogio, q’ por Vôs Seja Cometido a talentos de

outra estima, com grande Satisfação m.ª,97 acreditai-me ConSocios; m.to levarei em

gosto, q’ por Vôs, e por eSse, escolhido, eu Seja enSinado.

Quando a tanto eu não chegue, na falta de Rapidos Voos, q’ me denegão a desempenho,

Suprirão as minhas beneficas intençoéns, os meos esforços, os meos ardentes, e

SinSeros dezejos, a m.ª

[folha 10 verso (7)]

93

Alirrocio ou Halirrotio: filho de Netuno assassinado por Marte. Obs.: a primeira letra está borrada. Ver nota seguinte. 94

Alcipa – filha de Marte e esposa de Alirrocio, filho de Netuno. Alirrocio inflingindo maus tratos a sua esposa foi morto por Marte o qual foi julgado por um tribunal augusto de atenienses.* Tão eloquentemente se houve na sua defesa que foi absolvido. Esse tribunal tomou desde então o nome de Areópago (Ares significa Marte, em grego e pagos, colina). VITORIA, L. Op. cit. p. 11 Variação encontrada: Alcipe. * Obs.: em outras versões da história, a assembléia que julga Marte é formada pelos Deuses, como expõe Mendes. Ver: http://www.facom.ufba.br/com112_2000_1/mitos/ares.htm 95

Interpretação: Sólon. Sólon, estadista ateniense (c. 640 - c. 558 a.C.), um dos Sete Sábios da grécia. membro de uma família aristocrática, mas empobrecida, ficou conhecido quando persuadiu os atenienses a lutarem contra Mégara pela posse de Salamina. Escreveu poemas de grande inspiração cívica dirigidos a seus concidadãos. Seu nome ficou ligado à reforma social e política que provocou a expansão da Grécia. Tendo se tornado arconte (594-593 a.C.), aboliu as dívidas fundiárias, mandou repatriar os cidadãos vendidos ao estrangeiro como escravos e proibiu a servidão por dívidas. Dividiu os cidadãos em quatro classes, segundo a renda, o que acabou com o império das grandes famílias; estabeleceu um conselho de 400 elementos e aumentou os poderes da Assembléia. Com suas reformas, Sólon estabeleceu as bases daquilo que seria mais tarde, a partir de Clístenes, a democracia ateniense. Grande Enciclopédia Laurousse Cultural. Op. cit. 96

O trecho está um pouco borrado. 97

Outra possibilidade: pr.ª.

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188 SubmiSsão, acatamento, e Respeito, a m.ª amizade, a mesma gratidão, e tudo aquillo

mais, q’ Seja Capaz de vos trazir conforto nesta minha, e voSsa SenSibilidade.

AmabiliSsimos Companheiros; Consternados, e Saudozos Socios, em pouco não Sei,

Como poderei dizer tantas Couzas dignas, e maravilhosas, q’ exornão98 o Heroe do meo

elogio, e da VoSsa justa Saudade.

O noSso Prezidente desde a tenra idade té99 q’ contaSse mais de 86 annos, Sempre

[m.to]100 aplicadam.te Cultivou as Letras. Neste longo espaSso, e Comprida Carreira m.to

de boa vontade Sacrificou o tempo, as aplicaçoéns, as fadigas Literarias, a mesma vida a

Deoza da Sabedoria, e deste modo, Suscitando exemplos, citou as Aguias Luzitanas,101

p.ª q’ Se RemontaSsem.

Por premio dos Seos trabalhos, por q’ m.to amava, e apetecia a mesma Sabedoria, humás

vezes Se lezongeava de a ter adquerido, outras desconfiando de Si mesmo, despido do

amor proprio, desenganado, de q’ a não havia alcançado, nos desvelos102 de tão

Reconhecida paixão, propondo-se a mais, Se entregava a novos estudos, e nestas

incertezas, p.ª q’ melhor conSeguiSse o q’

[folha 11 (8)]

11

tanto dezejava, sempre foi visto abrazar-se no ConstantiSsimo amor de todas siencias.

Com tanto esforço Se aplicou a estes fins, q’ p.ª não perder tempo, e ganhar illustrados

Conhecimentos, com frequencia, cheio de prazer; hia ter aos homens eruditos, p.ª q’

comunicando-se com elles, metendo em giro as ideas adqueridas, m.to mais LucraSse, e

por este meio, e modo na diuturnidade103 delles aprendeSse.

Na Caza de Sua mesma moradia, Sempre vezitado, e cercado dos homéns e Sabios,

procedendo com escolha, a cada paSso no Seo particular Se entregava com

98

e.xor.nar (lat exornare) vtd Ornar muito; enfeitar, ataviar, engalantar. MICHAELIS… Op. cit. 99

Interpretação: até. 100

A grafia não está muito clara. 101

[?] 102

des.ve.los (é) sm (de desvelar) 1 Ato ou efeito de desvelar-se; cuidado carinhoso. 2 Vigilância, cuidado, zelo, atenção. 3 Dedicação, afeição. 4 Objeto dessa afeição: “As letras e o irmão são seus desvelos” (Morais). Pl: desvelos (ê). MICHAELIS… Op. cit. 103

di.u.tur.ni.da.de sf (lat diuturnitate) Duração longa; largo espaço de tempo. MICHAELIS… Op. cit.

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189 familiaridade a huma converSação agradavel, e com isto m.to Se deleitáva, chegando

a tal extremo, q’ tê104 com Saudade [delles]105 Se despedia.

Prezava p.ª Seo maior amigo, e tinha Como nota Caracteristica p.ª huma nova amizade

aquelle, em q.m divizava [talentos],106 merecim.to, e os maiores grãos da dezejada

Sabedoria.

Alî, e aquî, O!

[folha 11 verso (9)]

Saudade! o admirávamos fallando com todo aCerto; e com a maior erudição. Em abono

da verd.e, e das minhas affirmativas, tanto ouvirão o [inSensivel]107 destas mesmas

paredes, o peSsoal do Atheneo, e nôs mesmos, em testimunho do que entre as noSsas

obras, q’ [RemaniSsem]108 depois todas, Como nos templos de Apollo,109 e de Marte,

ainda existem os seos bons escriptos, Recitados nas aberturas das SeSsoens publicas

desta Real Academia, q’ tê110 forão ouvidos para alguns Concidadoens, a q.m Convido,

p.ª q’ me autorizem…

No meio de Sua idade[,] Sendo elevado a maior p.e dos Seos titulos, e Dignidades;

cubiçando a Sabedoria, nunca jâ mais farto dos bons Conhecimentos, p.ª q’ melhor Se

aperfeiçoa-Se, Sabendo diverSas Linguas, de nôs, e da Sua Patria Se apartou, e [foi a]111

ter as Naçoéns Estranhas.

Alî, excedendo a outros, p.ª q’ o ocio o não dominaSse, cuidadozam.te mais aprendía do

q’ converSava com os ProfeSsores de tódas as Artes. Lançando fora de Si, e [a-

[folha 12 (10)]

104

Interpretação: até. 105

Outra possibilidade: dellas. 106

Outra possibilidade: tulentos. 107

Outra possibilidade: infensivel. in.fen.so adj (lat infensu) 1 Adverso, contrário, inimigo. 2 Irado, irritado. MICHAELIS… Op. cit. 108

Interpretação: remanescessem. re.ma.nes.cer (lat remanescere) vint Ficar de sobra; restar, sobejar, sobrar: Remanescem ainda certos obstáculos. MICHAELIS… Op. cit. 109

a.po.lo sm (lat Apollo, np) […] 5 Mit greco-romana Deus que conduzia o carro do Sol e era o chefe das nove musas. MICHAELIS… Op. cit. 110

Interpretação: até. 111

Outra possibilidade: fora.

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190 12

borricendo]112 a preguiça, vagando de huma p.ª outra p.e, tanto fazia, Sô p.ª Se aproveitar

das converSaçoéns eruditas; e fazindo Atrahír os Sabios de Sua escolha, com elles Se

comunicava com a maior frequencia. De huns, e outros aprendeo a siencia da guerra, e

da paz, e a hum tempo, Como q.m se dividia Servia a Marte, e a Minerva.

Nos ministerios de Marte não Só [cumpria]113 exactam.te com os deveres de hum bom, e

perfeito Soldado no tempo da paz, em q’ Solicito aprendera a Arte da guerra, mas

tãobem no estado della Se entregou aos lances, e açoéns mais aRiscadas; Sofrendo

aSaltos, e Sendo aCometido; então hé, q’ alî Resplandeceo o destincto valor de tão

Grande Capitão.

Para q’ Se não pretirão114 Couzas dignas, tão brilhantes, e nos exceSsos do amor da

Sabedoria, nada já mais nelle falte, o admiramos entrando nas Academias mais cilebris,

aonde aCompanhado de hum animo incanSavel, e da Sua boa indole, com a maior

Curiozidade; e miudeza tudo obServara com a maior exação.115

[folha 12 verso (11)]

ObServou, q’ por intervenção deste Socorro, ajuntando-Se os homens mais doutos;

conferindo entre Si, unidas as forças no desempenho do q.to Se propunhão; as Artes, e as

Siencias; dando as maons entre Si, m.to consideravelm.te Se adiantavão, e Se

aproximavão, q.to podião a Sua maior perfeição.

ObServou, q’ por este meio, e modo impenhandoSe a agudeza, a disvelada116 industria,

hum extraordinario esforço Se abraçava com outro esforço, te117 q’ ambos de comum

acordo conSeguiSsem os Seos dezejados fins.

Finalm.te de perto Se esmerou em observar; q’ por esta especie de convenção a

agricultura, a industria dos homens, a mão de obra, a fertilidade, a abundancia, os

112

Outra possibilidade: aborrecando. 113

A última letra está borrada. 114

pre.te.rir (lat praeterire) vtd 1 Ir além; ultrapassar: Preterir os limites do tolerável. 2 Deixar de parte; não dar importância a; não fazer caso de: Atendia a todos, sem preterir ninguém. Preteriu a vida eterna pelas vanglórias terrenas. 3 Omitir: Muito meticuloso, não preteria pormenores. 4 Abstrair, prescindir de: Preterindo particularidades, o caso torna-se diferente. […] MICHAELIS… Op. cit. 115

e.xa.ção sf (lat exactione) […] 3 Correção, exatidão, regularidade. 4 Pontualidade. 5 Exigência. MICHAELIS… Op. cit. 116

Ver nota 25. 117

Interpretação: até.

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191 Comodos dos Cidadoéns, e tudo q.to na prosperid.e [lhes era]118 util, m.to [crescião]:119

em demazia.

Ali mesmo de longe com animo SinSero, e benefico prometera aos Seos Compatriotas

tudo aquillo, q’ no futuro elle havia fazer a bem da Sua Patria, q.do a ella RetornaSse.

Depois [de m.tos]120 annos, RestituindoSe a ella logo lhe [Segurara],121 q’ Se propunha

fazer huma grande, e admirável obra em Sua utilid.e

Com a testa Coroada de louros, como q.m triumphava, cheio de prazer, e de jubilo,

fallou

[folha 13 (12)]

13

a Patria; e lhe dice: O! Patria! pela tua felicidade, existencia, duração, prósperidade, e

áugmento encarecidam.te vos Rogo, me hajas de crer, q’ eu Sempre te Serei agradecido,

em testimunho do q’ inceSsantem.te me acharás disvelado,122 e todo Sempre aplicado em

teo benificio por aquelle tempo, e espaSso, q’ eu te dever a Respiração, e o meo Sangue,

Sem Ser gelado, animando o Corpo, circular nas veas.

Tanto pelo q’ dezia Respeito a Patria, m.to mais pelo q’ dezia respeito ao extraordinario

amor, q’ conSagravâ a Sabedoria, medindo os curtos espaSsos da vida, huma [Saã],123

madura, e [chrislãa].124 PhiloSophia nos Seos desenganos lhe dava a certeza, q’ Como

vivinte, e Ente Subalterno a Seo Creador, havia morrer, e aCabar; e q’ acabando elle,

tãobem acabavãoSe os Seos bons dezejos p.ª com a Patria, e p.ª com a Sabedoria

Propondo-Se dar a Nôs, e aos vindouros huns clariSsimos testimunhos do q.to apetecia;

q’ os Seos dezejos, excedendo a huma vida Caduca, e tranzitoria, FoSsem

trancendentes; aSsentando o Seo esclarecido Nome nos [Fastos]125 eternos da

118

Outra possibilidade: lhe sera. 119

As duas primeiras letras estão borradas. 120

Outras possibilidades: den.ter – dem.ter – de n.ter – de m.ter – den.tos – de n.tos. 121

Outra possibilidade: Segurava. 122

Ver nota 25. 123

Interpretação: Sã. 124

Interpretação: cristã. 125

fas.to […] sm pl Registro público de fatos ou obras memoráveis; anais; história. MICHAELIS… Op. cit.

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192 Immortalidade, dando mais, q’ fazer a Saturno,126 Suscitando novo argumento,

ganhando nova Fama, com as Suas mesmas Maóns, q.l Erope,127 lançando as primei-

[folha 13 verso (13)]

ras pedras; instituio, e erigio Esta Real Academia.

Cuidadoza; disvelada,128 e escrupulozam.te, tê129 Submetendo Se; p.ª hum melhor aCerto,

a pluralidade de votos, de todas as partes do Orbe Literario tratou de alistar aquelles

Varoéns Conspicuos;130 de toda probid.e, esforçados, de hum dicidido merecim.to, e jâ

acreditados na Republica das Letras.

Ah! Senhores, a modestia, Sendo muda, q’ me Reprehende, p.ª q’ não confunda elogios,

me manda Callar, q.do eu tinha m.to, q’ fallar de Vôs!

E quanto por esta vez tão Som.te, posto q’ agradecido, SenSivel ao bem, e aos graos de

huma conferida honra, q’ tanto me destingue, e enobreSse, me peza haver Sido hum dos

da Sua escolha, em q.m taobem Recahirão os voSsos Votos, Sô por temer, q’ huma leve

Suspeição nas aparencias de hum figurado Soborno, fazendo vacillar a verd.e, denigra o

magestozo quadro da Sua delicada pintura.

A hum tempo o vemos fazindo [Recultas]131 p.ª o Deos da guerra em difeza da Patria;

matriculando alunos, e novos Sacerdotes p.ª a Deoza Minerva, p.ª q’ dignam.te

officiaSsem neste Templo da Sabedoria.

[folha 14 (14)]

14

Se eu não entraSse de boa vontade neste Sacrificio, dispendendo todos meos esforcos

[sic], desmentia a Carta, q’ me derigistes, e aquella, com q’ tanto me honrastes!

126

Saturno, divindade itálica e romana, identificada ao Cronos dos gregos. Deus dos vinhateiros e dos camponeses, instalou-se na Itália (Lácio), que governou e onde fez reinar a idade de ouro. Tinha um templo no Fórum de Roma. Grande Enciclopédia Laurousse Cultural. Op. cit. 127 Erope – Nome della moglie dell'empio Atrèo la quale si lasciò sedurre dal cognato Tieste, da cui ebbe i due figli che Atrèo imbandì, in un convito, al fratello Tieste. Prima, essa aveva sposato Plistène; e benché Atrèo avesse, poi, avuto da lei Agamennone e Menelao, quando seppe dei rapporti intercorsi tra lei e Tieste, la fece annegare. http://www.i-2000net.it/mitologia/EEE/Erope.htm 128

Ver nota 25. 129

Interpretação: até. 130

cons.pí.cuo adj (lat conspicuu) 1 Que dá nas vistas. 2 Distinto, ilustre, notável. MICHAELIS… Op. cit. 131

[?]

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193 Fez com q’ Lx.ª Sua Patria, Sustentando, e conServando o Seo antigo Nome, sem q’

RoubaSse a justa gloria do famozo UliSses,132 Se transmutaSse em Athenas,133 a q.l por

intervenção dos triunphos da Sabedoria, q’ a Seos pés Calca as idades, nunca já mais

podeSse Ser demolida.

Quaze pelos trez annos de Saturno,134 q’ vivera, isto hé pelos 86 p.ª 87 annos, q’

Contara, havendo conSumido quaze todos no exercicio das letras, 30 destes annos

gostozam.te empregara nos cuidados, tutoria, e Regencia desta Real Academia.

Quantas vezes Sendo acometido das inFirmidades, apenas Recobrando algumas

melhoras, posto q’ oprimido com o pezo dos annos, Sempre firme nos Seos bons

dezejos, porem com os pez mal Seguros nestes pavimentos [por]135 Cauza da gota,136

ainda mal convalecido, inesperadam.te nos vinha honrar nos dias das quartas feiras das

noSsas SeSsoéns, e conferencias Literarias.

Nôs viamos, e todos nôs prezenciavamos, q’ os seos pareceres, e continuados Votos em

as noS-

[folha 14 verso (15)] *

sas ASembleas, excedendo m.to aos dos outros e não cheios de huma Suma agudeza, e

Revestidos da maior erudição, e conSumada prudencia, Sempre nelles Respirava hum

indizivel amor, q’ tributava a Esta Real Acadimia.

O NoSso Prezidente, aquelle esclarecido Varão, q’ na claSse, e ordem dos m.tos nobres

era o mais nobre, descendente com toda proximid.e da estirpe, e linhagem Real,

[exornado] de m.tas Dignidades, e de acomulados empregos, quantas vezes aquî

mesmo, Com grande Satisfação Suas, Repetidas Vezes, e inceSsantem.te nos chamava

amigos, Socios, Companheiros, e Sem distinção alguma Soldados, e alunos de Minerva,

cujos epitetos Sendo demonstrativos do amor, q’ nos tinha, apenas hoje Servem de

inSentivos da noSsa justa Saudade?

132 133 134

sobre os três anos… 135

Outra possibilidade: per. 136

go.ta (ô) sf (lat gutta) […] 3 Med Moléstia constitucional, muitas vezes hereditária, caracterizada pelo excesso de ácido úrico e pelos ataques de artrite aguda, que são acompanhados de dor, inchação e vermelidão das pequenas articulações. […] MICHAELIS… Op. cit.

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194 Elle entre os inumeraveis Sacrificios, e votos, q’ havia feito a Sabedoria, em

testimunho do grande amor, q’ tinha as Siencias, esquecendo Se da Sua mesma

grandeza, Sublimidade, e de tudo aquillo mais, q’ o fazia digno, e Respeitavel, tanto

[preteria] com [abolicaçoéns], e de tudo Se despojava no aparente, Só p.ª q’

dispendendo q.to em Si estava, foSse de nós inSeparavel.

Quantas vezes enfermo, e por isso impoSsi-

[f. 16]

15

bilitado de poder conferir, Sendo por nós vezitado, com q’ anciedade perguntava por

todos, e por cada hum de nós? com q.ta miudeza e [exação], huma, e m.tas vezes

inquirindo, perguntava pelas obras do concurSo, pelo exame, e Revizão dellas, pelas

outras já Recitadas, pelas minhas, e pelas VoSsas produçoéns, fazendo entrega dos q’ a

elle hião ter, pela firmeza, estabilid.e, augmento, e prosperidade desta real Academia.

Nos esforços de [aprosperar], p.ª q.l nada me escape, e Couza alguma Senão [pretira],

hé justo, q’ senão remetão ao esquecim.to, o q’ dâ tanta gloria a Sua Saudoza Memoria,

trazendo-Se a lembrança aquellas fadigas, desconSolos, abatimentos, e amarguras, q’

elle Suportava nos exceSsos do Seo amor, q.do dezejando a duração, perpetuidade, e

augmento desta Real Academia Com transcendencia as futuras geraçoéns, com gr.de

reSentimento Seo, via : indotada esta Sua filha primogenita.

Muitasvezes Se lembrou aplicar p.ª estes fins huma p.e das Suas groSsas Rendas, e o

não podia executar com a dezejada perpeturidade, porq’ lhe obzistia a natureza de bens

de vinculo, e [ao] estado de Solteiro Só lhe deteve o paSso, p.ª pertencer desanexação,

as prudentes Lembran-

[f. 17]

ças, de q’ Sendo a Academia da proteção regia, Sem prudencia de Reprezentação,

daquelle modo inSolito; lembrando descuidos, inSultava a Benificiencia Superior, q’

com justa Cauza Se daria por offendida, m.to mais atendo o parentesco, e a

Comunicação privada, q’ nada ja mas despeSaria.

Nestes extremos o Politico Se combatia com os Seos dezejos, com as Suas intençoéns, o

Seo amor com a orfandade, e decadencia, perda, e Ruina com a prosperidade, augmento,

e duração desta Real Academia.

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195 Cumprindo com os deveres de hum perfeito, e amoroziSsimo Pais, e de hum Zelozo,

e vigilantiSsimo Curador da Real Academia não Só reprezentou, e pedio de hum modo

ordinario, mas tãobem m.to SubmiSsam.te Suplicou aos Seos Augustos Parentes

Reinantes hum Suficiente patrimonio, p.ª q.l ella podaSse existir, permanecer, e durar, o

q’ com effeito alcançara dos Senhores Reis, e obtendo SuceSsivas confirmaçoéns,

obteve, q’ o Princepe regente. NoSso Senhor, q.l por vezes nos honra com Sua

aSsintencia, ficaSse Sendo melhor do q.l elle Protector desta Real Academia

Alem deste exuberantiSsimo Socorro em prova de huma Suma affeição, m.to de Sua li-

[f. 18]

16

vre vontade com mão larga no particular e no publico com a Real Academia amplam.te

despendia do q’ era Seo; não Só p.ª q’ ella duraSse, e Se conServaSse, mas taobem p.ª

q’ nos progreSsos da dezejada prosperidade, Sempre hindo avante, e dada vez mais em

augmento, excedendo os Seos dias, e dos Vindouros, p.ª Sempre existiSse, e

permaniceSse.

Deste modo por m.tos annos, q’ Se aproximarão a 30, desempenhou, e cumpriu com as

vezes de noSso bom, perfeito, e amabiliSsimo Prezidente. Nós todos lhe dezejavamos

huma vida mais dilatada, p.ª q’ tãobem na poSse da noSsa antiga felicidade Elle m.to

mais cumpriSse.

Finalm.te em testimunho da m.ª, e da VoSsa gratidão, [gemão] embora as abobedas do

Templo da Sabedoria, O! Companheiros, O! Academia, O! Marte, O! Tu Pallas! [praze]

a Deos, a Deos praze, O Ente Infinito permita, q’ este Seja aquelle [solei] momento, em

q’ Elle, já expiado dos delictos de homem, em Si Receba huma digna Coroa de gloria,

q’ exornado da verdadr.a Sabedoria, de tantas Virtudes, das Suas optimas qualidades,

esteja gozando a maior das felicidades.

Praze a Deos, ao

[f. 19]

Ente Infinito praze; q’ o Ill.mo, e Ex.mo S.r D. João de Bragança, Duque de Laphoéns,

noSso amado Prelado, saudozo, Prezidente, perfeito Pais, vigilante Curador, desvelado

Fundador desta Real Academia; Praze a Deos; a Marte, a Minerva, q’ Elle p.ª Sempre

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196 fique gozando de hum descanço eterno, de huma paz dezejada, e Constante na Graça,

e Prezença daquelle Senhor, q’ hé conSolador, e Retribuidor de tudo.

[p. 1]

N.º [9]

1

13

NiSi utile est quod facimus; stulta est gloria.

Já em minhas Prenotaçoéns, q’ offereci a esta Real Academia, descorri do modo, q’ me

foi poSsivel, Sobre o metodo, e o Sistema, q’ se devia obServar, p.ª q’ por meio de

huma despendida industria vieSemos a conseguir da plantação dos noSsos pinheiros

huma certa porção de madeiras, q’ no seo grao de adquerida perfeição foSsem capazes

de Substituir com iguald.e os generos desta natureza, q’ de [Riga], de Flandres, e de

outras mais partes, São transportadas p.ª o noSso Continente, a Serem aplicadas ao

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197 noSso uzo, ConSumo, e as noSsas Construçoéns; a titulo de q’ a par da Carestia, e da

neceSsid.e se faz transporta p.ª os reinos estrangeiros grandes, e ConSideraveis Somas.

Ali ainda q’ entraSe em objecto as ConSideraçoéns inSurgentes, e as Regras mais

adequadas, q’ devião Ser observadas, e desempenhadas, tanto na plantação deS-

[p. 2]

ses pinheiros, o q’ não deve Correr a Revelia, como Se pratica, [em as antes] com

vigilancia, até Comescolha da melhor Semente, ainda q’ Se mandaSe buscar de fora,

Como fizera o S.r Rey D. Diniz, destinto, e bem Conhecido na historia, entre optimas

qualidades, com a boa denominação de agricultor, e auxiliarm.te, q.do menos, por

Suprimento com o mesmo [penisco], q’ na Sua actualid.e produz, e expontaneam.te nos

offereSe o Rial pinhal de [Leiria], tanto na extração, e fabrico do alcatrão, q’

concorrendo m.to, e a tempo p.ª a milhoração deSsas madeiras, Concorreria tãobem, p.ª

q’ SupriSemos territorialm.te de hum genero, de q’ temos tanta falta, Como na

Regularid.e, q’ se devia praticar na esgalhação, e decote dos pinheiros, Sempre graduada

em beneficio da cultura dos mesmos pinhais, o q’ Se faria extenSivo a mesma Limpeza

delles, tudo derigido aos proveitozos, e uteis fins da Sua conServação, e milhoração no

estado da Sua adolecencia, Comtudo prevenindo males, estragos, e danozas

conSequencias, q’ no futuro infalivelm.te havião Ser prejudiciais, ali mesmo posto q’

tocaSe em todos, e em Cada hum destes pontos, na ordem do descruSo, e da

demonstração, depois de haver

[p. 3]

114

falhado em todos estes aSumptos com demora, e mais profundam.te, Como de profiSsão,

tãobem falhei em outros de paSsage com a maior brevid.e, e Ligeiram.te

Entre os aSsumptos desta Segunda ordem já ali prevenindo estragos, dánozas, e futuras

conSequencias, Criminei, q’ era Couza inteiram.te oposta, e decerto modo [obsistiva], e

destructiva da boa cultura dos noSsos pinhais as duas Couzas, q’ tão uzualm.te na

inSenSibilidade vemos praticadas:

1.ª, a intruzão, e o conSentimento dos gados p.ª serem postados entre os pinheiros já

vingados, e Recenascidos:

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198 2.ª, a ilimitada faculd.e Sem aSsistencia de Inspector, q’ os Senhorios, e proprietarios

dos pinhais permitem a 3.os a titulo de Compra, p.ª entrarem nas esgalhaçoéns, e na

limpeza delles por hum tenue preSso, e por hum m.to mais avultado no Corte de alguns

pinheiros, posto q’ dezignados, numerados, e especificados nas forças do Contrato.

Isto, q’ em aquelle descur-

[p. 4]

[falta a página 114v]

[p. 5]

115

não fazemos o menor Cazo na ConSideração, de q’ nos não fazem nenhuma falta, vindo

ella a Ser percebida, Como agora, em q’ o futuro Se tornou em prezente na ordem dos

tempos deCorridos, o q’ por huma conSequencia infalivel, e esta Sempre danoza não Só

impadio, e Retardou a vigetação, e a creação dos Referidos pinheiros Substituidos, mas

tãobem nesta Sua minorid.e os extinguio, dando Cauza na SuceSsão dos annos a huma

grande falta de lenhas, Como agora Sentimos, e experimentamos com grave dano, e

prejuizo noSso.

Tãobem isto, e tanto Se origina, Como todos os dias Se vê, e Se observa da ilimitada

faculdade, q’ os Senhorios, e q’ os proprietarios dos pinais Sem mais Refleção, e Sem

inspectoria permitem a 3.os, p.ª q’ a titulo de esgalhaçoéns, e da limpeza dos mesmos

pinhais a troco de hum tenue preSso, ou por outro maior chegando a vender Certo

numero de pinheiros especificados, devastando [paSsão] e [fies] Compradores a Sombra

desta estipulação a levar comSigo todos aquelles outros pinheiros menores, q’ podem

conquistar uzurpativam.te, e fazer Seos, ao q’ de mais acresce; o q’ merecia Cohibição

em devaça aberta; q’ m.tos de [Seos] mesmos proprieta-

[p. 6]

rios, e Senhorios dos pinhais, ou por neceSsitados, dezejando Converter tudo q.to

poSsuem a dinr.º, ou por desafectos aos Legitimos herdeiros, e aos imediatos

SuceSsores, ou ainda Sem isto, querendo em Suas vidas perceber tudo q.to mais podem

perceber, não hezitão, não Se demorão, e nenhuma duvida tem fazer Logo effectiva

venda deSses Fortes de madeiras em todo, e q.lq.r estado, em q’ Se ache o pinhal, ainda

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199 não vingado, vindo por este meio, e modo a tornar inutil aquillo mesmo, q’ com

acrescimo por medeação da vegetação viria a Ser util, e dar m.to maior Lucro, depois de

haver acudido, e Salvado as noSsas faltas, neceSsidades, e percizoéns:

Tudo isto, q’ diz Respeito a privativa economia do existente, m.to q’ Se podia Socorrer,

e auxiliar conSultando-Se de outro modo a maior abundancia deste genero; aliás percize

p.ª os noSsos Suprimentos, e ConSumos, tratando-Se de prosperar com multiplicação

esta plantação em todos aquelles Lugares, e Sitios arenozos, e infructiferos, de q’ tanto

abunda o noSso Continenti, os q.s todos Se conServão no oCio, e na inutilid.e, Como já

Refleti em aquellas d.as Prenotaçoés, trazen-

[p. 7]

116

do no Convencim.to, e na perSuazão p.ª exemplo os bem vingados pinheiros, q’ ainda

hoje existem plantados, e Com toda boa produção nas dezertas, e estereis praias de

Nazaret, p.ª q’ por intervenção deste Socorro dentro de poucos annos, ainda mesmo

conSultando as vantages, e as utilidades dos noSsos SuceSsores, venhamos todos a Ser

Supridos, e Remediados, aCautelando-Se os danos, e os prejuizos, p.ª q’ não vão a mais,

e no futuro não Se fação tanto mais acrescidos, e no ultimo ponto inSuportaveis.

Tãobem Reparando danos, e aCautelando males, q’ Se multiplicão, Serião providencias

uteis, q’ aquellas Recomendações preceptivas, q’ as noSsas Leis derigirão, e

encumbirão aos Magistrados Provincianos em os tempos primitivos Sobre a plantação

dos Sobreiros, Carvalhos, e azinheiros foSsem aplicaveis, e extenSivas com outra tanta,

e igual força a plantação dos pinheiros; porq’ não hâ maior Razão, p.ª q’ aquelle genero,

de q’ tinhamos falta mereSeSe tanto, e deixe agora de merecer o mesmo este outro

genero no estado actual das noSsas Constantes neceSsidades, e percizoéns.

Para q’ melhor Se acuda,

[p. 8]

e Se Remova esta falta, e tamanha Carestia no estado da pervenção, e da economia

publica, ficando, Como aSima Se diz, todos os baldios aplicaveis a esta plantação, não

deixarião de ter forças de providencias uteis, q’ todos aquelles Senhorios de terrenos,

improprios p.ª as outras plantaçoéns, e Sementeiras, q’ os conServão no ocio, e na

esterelidade, dentro de anno, e dia foSsem Compelidos a Se entregarem a este genero de

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200 facil, e indispendioza plantação, tendo Contra Si a Cominação, de q’ por meio de

denuncias foSsem tomados, e dados a denunciantes p.ª este mesmo fim com o onus de

hum tenue, e inSignificante foro, no q’ ainda os proprietarios m.to Lucravão, porq’ do

mesmo inutil vinhão atirar infaliveis Comodos, e nôs a Sermos Supridos com aquillo, q’

nos falta.

Sendo todas estas providencias, aliás intereSsantes, e economicas, uteis, não deixão de

Ser igualm.te, e m.to mais proveitozas as outras, q’ tanto mais Cooperão p.ª o desterro, e

exterminio da Carestia, e do maior preSso deste genero da primeira neceSsidade, o

fazer-Se Re-

[p. 9]

117

mover do Centro da noSsa Capital, e de todos Seos Contornos, e ainda mesmo das 5

Legoas do Seo destrito, aquelles fabricos, q’ dependem de lenhas, e de generos

combustiveis p.ª a Sua manobra, trabalho, e proSeguim.to, na Certeza, de q’ humas

breves Refleçoéns bastarão p.ª q’ fação boas, valiozas, e acreditaveis as noSsas

affirmativas:

1.ª, q’ hê hum erro CraSso, q’ não ademite desculpa, e a menor defeza, o aSsentam.to de

fabricos na Capital, aonde todos os generos no Seo Comum Sobem m.to de preSso, o q’

senão verifica em Provincia, em q’ por via de Regra, q’ não admite exceição, toda mão

de obra Sempre vem Ser m.to mais Comoda, o q’ coopera m.to p.ª a barateza do genero

fabricado, facilitando-Se a extração, e o Consumo delle:

2.ª, q’ hê outro erro tanto mais Criminozo, q’ as lenhas, e q’ as materias Combustiveis

com transportes desneceSsarios, Superfluos, e escuzados venhão de longe por hum

maior preSso a procurar, e a Suprir o fabrico, q.do aliás os fabricos São aquelles, q’

devem p.ª a Sua subziztencia, duração, exaltação, e maior perfei-

[p. 10]

ção hir Sempre Longe procurar eSses Seoz generos da 1.ª neceSsid.e:

3.ª, q’ a experiencia fizica convencendo m.to a todos desengana, q’ todo genero

fabricado hê de hum grande, e ConSideravel valor proporcionalm.te Concebido, e q’

hum Sô transporte delle em Si contem, e Comprehende m.tos mais transportes, q’ o fogo

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201 conSumira, e devorara, de Sorte, q’ nesta incluzão hum Sô homem, ou hum Sô Carro

Carrega, e transporta o q’ m.tos carregarão, e transportarão:

4.ª, q’ deste concurSo, em q’ todos a hum tempo procurão o mesmo genero, q’ hê da 1.ª

neceSsidade p.ª todos, os particulares em menor quantidade p.ª os Seos Suprimentos

diarios, de q’ Senão podem despenSar no Seo Local, e os fabricantes em m.to maior,

deste conflicto ocurrente, q’ Labora com a mesma activid.e nas invernadas, em q’ não

podem haver promptos transportes, hê q’ se origina, e q’ se faz mais acrescida a

Carestia do procurado, indespensavel, e neceSsario genero.

Ella por ultimo sublimando Se faz tanto

[p. 11]

118

mais penoza, e inSuportavel, adquirindo humas desmarcadas forças da indiscripção,

com q’ faltando-Se a huma economia particular, nos noSsos uzos, e nos mesmos

fabricos Se faz queimar a lenha, e entregar-Se ao fogo, p.ª q’ m.tas vezes em trato

SuceSsivo a devore, e a ConSuma, Sem q’ se Reflicta, q’ todo, e q.lq.r Liquido, e fluido,

q’ Se procure derreter, calcinar, cozinhar, e aquecer, não pode em Si mais Receber do q’

hum Supremo grao de Calor, a q’ Senão pode exceder, q’ seja Capaz de produzir eSses

dezejados effeitos, e q’ adquerido elle, vem a Ser Superflua, desneceSsaria, inutil, e

ocioza, alem do q.to baste p.ª o conservar, toda aquella mais porção de lenha, q’ de

continuo os noSsos bons dezejos, e as noSsas deligencias, p.ª lhes não chamar

irefleçoéns, faz ajuntar, como jâ anunciei em huma das minhas Tentativas, e p.ª q’ com

Satisfação dos meos projectos Sem m.to custo seja acreditado, fique Livre a q.lq.r p.ª

desengano entrar em aquellas experiencias, e observaçoéns, em q’ eu jâ entrei primeiro

antes de fallar no publico.

Luiz Antonio de Olivr.ª Mendes

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202

[f. 306] Descubrimentos uteis

do Brazil

N. 7.o

[f. 307] N- 31

Memoria Nautico-Maritima,

Sobre o modo, com q' devem Ser cons-

truidos, e Carregados os Navios, conSul-

tandoSe a Sua maior duração, e Serem

mais Veleiros, e mais

breves Suas viagens.

Depois de Se haver tratado do Conhecimento interno de hum bom, e perfeito

pao, p.a a mastreação dos Navios, q' entregandoSe a transportes Cruzão a Carreira do

Brazil, pareSse Ser analogo, e SubSequente na ordem methodica, trantarSe da

Construção delles, da boa despozição, e arumação da Sua pezada Carga, ReflectindoSe

Sobre inadvertencias, e algumas Couzas, q' se omitem, CriminandoSe transgreSõens,

com q' em tudo isto Se procede; do q' Rezulta danificaremSe os Navios, Serem mais

prolongadas Suas viagéns, maior o Risco, extenSivo as avarias, as arribadas, ao perigo

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203 das vidas, e dos generos transportados; terminandoSe o discurSo com o Sistema mais

apropriado, e modo mais oportuno, com q' a mesma Carga deve Ser Regulada, disposta,

e arumada, p.a mais Se Salvar a danificação delles, e p.a q' sejão menos RonSeiros;

cujos objectos por intereSsantes, sendo dignos da maior atenção, merecendo noSsos

cuidados, emparceirados com o Comercio, prestão Socorros a [f. 307v] Navegação.

Hé digno de todo Reparo, meditarSe com a maior Circunspeção Sobre a

irregularid.e, e maneira, com q' no actual em as noSsas Praças mercantiz Sào

Carregados os Navios de transporte, e com toda particularid.e nos Portos do Brazil,

donde os generos de hum ConSideravel pezo São exportados daquelle, p.a este

Continente.

Por via de Regra, toda Carga mais groSsa, e mais pezada, com justa

Cauza hé depozitada, e arrumada por despozição, e direção de hum bom, e habil

Contramestre, ou pelo Seo Substituto, q' na tripulação lhe chamão guardião, desde o

mastro do traquete, a q' tãobem lhe chamão mastro de proa, té o mastro da Gata, ou da

mezena, a q' lhe chamão mastro de Rê, e a esta Carga, q' se depozita no prolongo do

porão, lhe chamão Lastro, e primeira estiva.

Como ella aSsim disposta, e arrumada vai ocupando p.e do groSso do Navio,

chegando ao forro do Cavername, q' he eliptico, não podendo por iSso a elle encostar de

todo as Caixas de aSucar, q' São paralelogramas, no encontro das Curvas, hê a mesma

Carga amparada, e atacada com toda aquella outra, q' hê mais meuda, como São feixos,

de aSucar, Rolos de tabaco, barriz, madeira, Lenha, varas, e com tudo mais, seg.do

exige o vão, e o espaSso, ainda não ocupado.

Atê este ponto, ainda mesmo tê a maior [f. 308] força da intruzão, e Repozição

da Carga em bordo Recebida, no Cazual, e não por Sistema adoptado, poderâ haver

huma perfeita, e natural Regularidade, a q' Se não pode faltar, porq' toda ella se vai

aSsentando por igual Sobre a Recta da quilha do Navio, donde nascem as Curvas, e

Cavername, e no espaSso, q' dilatandoSe, e elevandoSe constitue, e formaliza o todo do

porão delle.

Porem tudo involuntariam.te Se transforma no proSeguim.to de Se completar a

Carga, e no acto de Ser o Navio abarrotado, ou porq' no Remanicente do porão, em

huma p.e Se poem Carga mais pezada, e em outra mais Leve, o q' outro tanto Se pratica,

q.do Se Sobrecarregão as cobertas, com a intruzão das aguadas, q' por ultimo São

metidas, as Camaras, e os agazalhados de proa, ou porq' nos delgados, e vãons da

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204 mesma proa, q' Sendo Rotunda, e Semicircular, nelles se depozita Carga mais

pezada, e de melhor arumação, conSultandoSe os intereSses de maior frete, Como São

Rolos de tabaco, q' no calculo do espaSso, q' ocupa, com Relação a todo q.lq.r outro

genero, vem a pezar mais, ainda mesmo Com Respeito a Carga, e pezo dos feixo de

aSucar.

Para q' as noSsas affirmativas não paSsem por paradoxos, entremos em pozitiva,

e Rigoroza demonstracão. Hum feixo de aSucar entra no pezo de 4, 5, 6, e 7 aroubas:

Hum Rolo de Tabaco, ocupando o mesmo espaSso, excede a 14 aroubas: Logo [f. 308v]