-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
1/347
BRASIL, VIOLAO DOS DIREIOS HUMANOS ribunal Russell II
REALIZAO
Ministrio da
Justia
Comisso de
AnistiaProjeto
Marcas da Memria
Universidade Federal
da Paraba
Ncleo de Cidadania e
Direitos Humanos
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
2/347
Presidenta da RepblicaDILMA VANA ROUSSEFF
Ministro da JustiaJOS EDUARDO CARDOZO
Secretrio-ExecutivoMARIVALDO DE CASTRO PEREIRA
Presidente da Comisso de AnistiaPAULO ABRO
Vice-presidentes da Comisso de AnistiaSUELI APARECIDA
BELLATO
JOS CARLOS MOREIRA DA SILVA FILHO
Conselheiros da Comisso de AnistiaALINE SUELI DE SALLES
SANTOS
ANA MARIA GUEDESANA MARIA LIMA DE OLIVEIRA
CAROLINA DE CAMPOS MELOCAROL PRONER
CRISTIANO OTVIO PAIXO ARAJO PINTO
ENE DE STUTZ E ALMEIDAHENRIQUE DE ALMEIDA CARDOSOJUVELINO JOS
STROZAKE
LUCIANA SILVA GARCIAMANOEL SEVERINO MORAES DE ALMEIDA
MRCIA ELAYNE BERBICH DE MORAESMARINA SILVA STEINBRUCH
MRIO MIRANDA DE ALBUQUERQUEMARLON ALBERTO WEICHERT
NARCISO FERNANDES BARBOSANILMRIO MIRANDA
PRUDENTE JOS SILVEIRA MELLORITA MARIA DE MIRANDA SIPAHI
ROBERTA CAMINEIRO BAGGIORODRIGO GONALVES DOS SANTOS
VANDA DAVI FERNANDES DE OLIVEIRAVIRGINIUS JOS LIANZA DA
FRANCA
Diretora da Comisso de AnistiaAMARLIS BUSCH TAVARES
Chefe de GabineteLARISSA NACIF FONSECA
Coordenadora Geral do Memorial daAnistia Poltica do Brasil
ROSANE CAVALHEIRO CRUZ
Coordenador de Projetos e Polticas deReparao e Memria
Histrica
EDUARDO HENRIQUE FALCO PIRES
Coordenador de Articulao Social,
Aes Educativas e MuseologiaBRUNO SCALCO FRANKE
Coordenadora do Centro deDocumentao e PesquisaELISABETE
FERRAREZI
Coordenador Geral de Gesto ProcessualMULLER LUIZ BORGES
Coordenadora de Controle Processual,Julgamento e Finalizao
NATLIA COSTA
Coordenador de Pr-anliseRODRIGO LENTZ
Coordenadora de Anlise e Informao ProcessualJOICY HONORATO DE
SOUZA
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABAReitora
MARGARETH DE FTIMA FORMIGA MELO DINIZVice-Reitor
EDUARDO RAMALHO RABENHORST
CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTESDiretora
MNICA NBREGAVice-Diretor
RODRIGO FREIRE
NCLEO DE CIDADANIA E DIREITOS HUMANOSCoordenadora
LCIA DE FTIMA GUERRA FERREIRAVice-Coordenadora
MARIA DE NAZAR TAVARES ZENAIDE
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EMDIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E POLTICAS
PBLICAS
CoordenadoraADELAIDE ALVES DIAS
Vice-CoordenadorELIO CHAVES FLORES
EDITORA DA UFPBDiretora
IZABEL FRANA DE LIMASuperviso de Editorao
ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JNIOR
Superviso de Produo JOS AUGUSTO DOS SANTOS FILHO
Conselho Editorialdo NCDH-PPGDH
Adelaide Alves Dias | Educaolio Chaves Flores | Histria
Fredys Orlando Sorto | DireitoGiuseppe Tosi | Filosofia
Lcia de Ftima Guerra Ferreira | HistriaLcia Lemos Dias | Servio
Social
Marconi Jos Pimentel Pequeno | FilosofiaMaria de Ftima Ferreira
Rodrigues | GeografiaMaria Elizete Guimares Carvalho | Educao
Maria de Nazar T. Zenaide | EducaoRosa Maria Godoy Silveira |
Histria
Rubens Pinto Lyra | Cincia PolticaSilvana de Souza Nascimento |
AntropologiaSven Peterke | Direito
Projeto de Digitalizao e Pesquisa: Tribunal Russell
IICoordenao:
Elena Paciotti (Fondazione Basso)Germana Capellini (Fondazione
Basso)
Giuseppe Tosi (UFPB)Lcia de Ftima Guerra Ferreira (UFPB)Marcelo
Torelly (Comisso de Anistia)
Paulo Abro (Comisso de Anistia)Equipe:
Amarilis Busch Tavares (Comisso de Anistia)Rosane Cavalheiro
Cruz (Comisso de Anistia)
Jeny Kim Batista (Comisso de Anistia)Paula Regina Montenegro
Generino Andrade (Comisso de Anistia)
Arlene Xavier Santos Costa (UFPB)Fernando de Souza Barbosa Jnior
(UFPB)
Simona Luciani (Fondazione Basso)
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
3/347
BRASIL, VIOLAO DOSDIREITOS HUMANOS
Tribunal Russell II
Reedio do original em italiano de 1975,
organizada por Giuseppe osi e Lcia de Ftima Guerra Ferreira
Editora da UFPBJoo Pessoa
2014
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
4/347
Copyright da primeira edio: Giangiacomo Feltrinelli Editore,
Milano Itlia, 1975.
Copyright: MJ-UFPB, 2014.
Direitos autorais 2014 - MJ-UFPB.
Efetuado o Depsito Legal na Biblioteca Nacional,conforme a Lei n
10.994, de 14 de dezembro de 2004.
A reproduo de todo ou parte deste documento permitida somente
com aautorizao prvia e oficial do MJ e da UFPB.
Impresso no Brasil. Printed in Brazil.
Projeto Grfico EDITORA DA UFPB
Editorao Eletrnica Emmanuel Luna Traduo do Italiano Fernando de
Souza Barbosa Jnior
Reviso do Italiano Irene Bassanezi Tosi e Giuseppe Tosi
Design de Capa Emmanuel Luna
Capa Foto do Tribunal Russell II- Lelio Basso com Vladimir
Dedijer, Franois Rigaux e Georges Casalis Arquivo Histrico da
Fundao Lelio e Lisli Basso / Instituto para o Estudo da Sociedade
Contempornea (ISSOCO).
Disponvel em:
Esta publicao resultado de iniciativa fomentada com verbas do
projeto Marcas da Memria daComisso de Anistia. Por essa razo, as
opinies e dados contidos na publicao so de responsabilidadede seus
organizadores e autores, e no traduzem opinies do Governo Federal,
exceto quando expresso
em contrrio.
Catalogao na fonte:
Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraba
EDITORA DA UFPB Cidade Universitria, Campus I s/n Joo Pessoa
PB
CEP 58.051-970 editora.ufpb.br [email protected] Fone: (83)
3216.7147
Tiragem: 3000 exemplares
B823 Brasil, violao dos direitos humanos - ribunal Rus-sell II /
Giuseppe osi, Lcia de Ftima GuerraFerreira, organizadores.- Joo
Pessoa: Editora daUFPB, 2014.348p.ISBN: 978-85-237-0916-7
1. Direitos humanos - Brasil. 2. Ditadura militar- aspectos
jurdicos. 3. Presos polticos. I. osi, Giuse-ppe. II. Ferreira, Lcia
de Ftima Guerra.
CDU: 342.7(81)
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
5/347
APRESENTAO DA COMISSO DE ANISTIA
A Comisso de Anistia um rgo do Estado brasileiro ligado ao
Ministrio da Justia ecomposto por 26 conselheiros, em sua maioria,
agentes da sociedade civil ou proessores uni-versitrios, sendo um
deles indicado pelas vtimas e outro pelo Ministrio da Deesa.
Criadaem 2001, h treze anos, com o objetivo de reparar moral e
economicamente as vtimas deatos de exceo, arbtrio e violaes aos
direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988, a Co-misso hoje conta
com mais de 70 mil pedidos de anistia protocolados. At o ano de
2012havia declarado mais de 35 mil pessoas anistiadas polticas,
promovendo o pedido oficialde desculpas do Estado pelas violaes
praticadas. Em aproximadamente 15 mil destes casos,a Comisso
igualmente reconheceu o direito reparao econmica. O acervo da
Comis-so de Anistia o mais completo undo documental sobre a
ditadura brasileira (1964-1985),conjugando documentos oficiais com
inmeros depoimentos e acervos agregados pelas vti-
mas. Esse acervo ser disponibilizado ao pblico por meio do
Memorial da Anistia Polticado Brasil, stio de memria e homenagem s
vtimas, em construo na cidade de Belo Hori-zonte. Desde 2008, a
Comisso passou a promover diversos projetos de educao, cidadania
ememria, levando, por meio das Caravanas de Anistia, as sesses de
apreciao dos pedidosaos locais onde ocorreram as violaes, que j
superaram 70 edies; divulgando chamadaspblicas para financiamento a
iniciativas sociais de memria, como a que presentementecontempla
este projeto; e omentando a cooperao internacional para o
intercmbio de pr-ticas e conhecimentos, com nase nos pases do
Hemisrio Sul.
COMISSO DE ANISTIA DOMINISTRIO DA JUSTIA
COMPOSIO ATUAL
PRESIDENTE:
Paulo Abro
Paulo Abro Secretrio Nacional de Justia do Brasil. Presidente do
Comit Nacionalpara Reugiados, do Comit Nacional para o Enrentamento
ao rfico de Pessoas eda Comisso de Anistia do Ministrio da Justia
que promove processos de reparaoe memria para as vtimas da ditadura
militar de 1964-1985. Diretor do Programa deCooperao Internacional
para o desenvolvimento da Justia de ransio no Brasilcom o PNUD.
Integrou o Grupo de rabalho que elaborou a Lei que institui a
ComissoNacional da Verdade no Brasil. Juiz integrante do ribunal
Internacional para a JustiaRestaurativa em El Salvador. Membro
diretor da Coalizao Internacional de Stiode Conscincia e presidente
do Grupo de Peritos contra a Lavagem de Dinheiro daOrganizao dos
Estados Americanos. Atualmente coordena o comit de implantaodo
Memorial da Anistia Poltica no Brasil. Possui doutorado em Direito
pela PonticiaUniversidade Catlica do Rio de Janeiro e proessor do
Curso de Mestrado e Doutoradoem Direito da Universidade Pablo de
Olavide (Espanha). Possui publicaes publicadas
em revistas e obras em lngua portuguesa, inglesa, alem, italiana
e espanhol.
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
6/347
VICE-PRESIDENTES:
Sueli Aparecida Bellato
Conselheira desde 06 de maro de 2003. Nascida em So Paulo/SP, em
1 de julho de 1953.Religiosa da Congregao de Nossa Senhora - Cnegas
de Santo Agostinho, Advogada doCentro de Direitos Humanos de So
Miguel Paulista - So Paulo, do Centro de Orientaode Direitos
Humanos de Guarabira-Paraba, do Sindicato dos rabalhadores Rurais
dePiles e Borborema Paraba, advogada do Movimento dos rabalhadores
Rurais Semerra - MS, Rio Grande do Sul. Membro e coordenadora da
Associao Nacional deAdvogados Populares ANAP. Advogada do
Departamento de rabalhadores Ruraisda Central nica dos
rabalhadores, da Secretaria-executiva do Frum Nacional
contraViolncia no Campo. Assessora da Procuradoria Federal dos
Direitos do Cidado/MPF.Assessora da Comisso de Direitos Humanos da
Cmara dos Deputados e assessora
parlamentar dos Senadores io Viana e Siba Machado. Assistente de
Acusao doProcesso contra os acusados do assassinato do
ambientalista e sindicalista Chico Mendes,Joo Canuto e Expedito
Ribeiro. Membro da Comisso Brasileira Justia e Paz e RedeSocial de
Direitos Humanos. Comps a Coordenao do Grupo de rabalho Araguaia-
GA. Membro do ribunal Internacional de Justia Restaurativa de El
Salvador. Mestranda do Programa de Ps-graduao de Direitos Humanos
da UNB.
Jos Carlos Moreira da Silva Filho
Conselheiro desde 25 de maio de 2007. Nascido em So Paulo/SP, em
18 de dezembrode 1971, graduado em Direito pela Universidade de
Braslia, mestre em Direito pelaUniversidade Federal de Santa
Catarina e doutor em Direito pela Universidade Federal doParan.
Atualmente proessor da Faculdade de Direito e do Programa de
Ps-graduaoem Cincias Criminais da Ponticia Universidade Catlica do
Rio Grande do Sul (PUCRS).
CONSELHEIROS:
Aline Sueli de Salles Santos
Conselheira desde 26 de evereiro de 2008. Nascida em Caapava/SP,
em 04 de evereirode 1975, graduada em Direito pela Universidade de
So Paulo, mestre em Direito pelaUniversidade do Vale do Rio dos
Sinos e doutoranda em Direito pela Universidade deBraslia.
proessora da Universidade Federal do ocantins/O.
Ana Maria Guedes
Conselheira desde 04 de evereiro de 2009. Nascida em Recie/PE,
em 19 de abril de1947, graduada em Servio Social pela Universidade
Catlica de Salvador. Atualmente membro do Grupo ortura Nunca Mais
da Bahia e integrante da comisso organizadorado Memorial da
Resistncia Carlos Mariguella, Salvador/BA.
Ana Maria Lima de Oliveira
Conselheira desde 26 de abril de 2004. Nascida em Irituia/PA, em
06 de dezembro de 1955, Procuradora Federal do quadro da
Advocacia-Geral da Unio desde 1987 e graduada
em Direito pela Universidade Federal do Par.
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
7/347
Carolina de Campos Melo
Conselheira desde 02 de evereiro de 2012. Nascida na cidade do
Rio de Janeiro, em 22de janeiro de 1976, graduada e mestre em
Direito pela Ponticia Universidade Catlica
do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e doutora em Direito pela
Universidade do Estado do Rio deJaneiro (UERJ). Advogada da Unio
desde setembro de 2003. tambm Proessora doDepartamento de Direito
da PUC-Rio e Coordenadora Acadmica do Ncleo de DireitosHumanos.
Atualmente assessora na Comisso Nacional da Verdade.
Carol Proner
Conselheira desde 14 de setembro de 2012, nascida em 14 de julho
de 1974 em Curitiba/PR. Advogada, doutora em Direito Internacional
pela Universidade Pablo de Olavide deSevilha (Espanha), Proessora
de Direito Internacional da Universidade Federal do Rio deJaneiro
(UFRJ), Co-Diretora do Programa Mster-Doutorado Oficial da Unio
Europeia,
Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo - Universidade
Pablo de Olavide/Univesidad Internacional da Andaluzia. Concluiu
estudos de Ps-Doutorado na colede Hautes Etudes de Paris (Frana).
autora de artigos e livros sobre direitos humanos e
justia de transio.
Cristiano Paixo
Conselheiro desde 1 de evereiro de 2012. Nascido na cidade de
Braslia, em 19 denovembro de 1968, mestre em eoria e Filosofia do
Direito pela Universidade Federal deSanta Catarina (UFSC), doutor
em Direito Constitucional pela Universidade Federal deMinas Gerais
(UFMG) e ez estgio ps-doutoral em Histria Moderna na Scuola Normale
Superiore di Pisa (Itlia). Procurador Regional do rabalho em
Braslia e integra a
Comisso da Verdade Ansio eixeira da Univerisidade de Braslia,
onde igualmente proessor da Faculdade de Direito. Foi Proessor
visitante do Mestrado em DireitoConstitucional da Universidade de
Sevilha (2010-2011). Co-lder dos Grupos de PesquisaDireito e
histria: polticas de memria e justia de transio (UnB, Direito e
Histria)e Percursos, Narrativas e Fragmentos: Histria do Direito e
do Constitucionalismo(UFSC-UnB).
Ene de Stutz e Almeida
Conselheira desde 22 de outubro de 2009. Nascida no Rio de
Janeiro/RJ, em 10 de junhode 1965, graduada e mestre em Direito
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
e doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa
Catarina. proessora daUniversidade de Braslia, onde coordena um
Grupo de Pesquisa sobreJustia de ransiono Brasil, e leciona e
orienta na graduao e ps-graduao em Direito. Integra ainda aComisso
Anisio eixeira da Memria e Verdade da UnB.
Henrique de Almeida Cardoso
Conselheiro desde 31 de maio de 2007. Nascido no Rio de
Janeiro/RJ, em 23 de marode 1951, o representante do Ministrio da
Deesa junto Comisso de Anistia. Oficialde artilharia do Exrcito
pela Academia Militar de Agulhas Negras (AMAN), bacharelem Cincias
Econmicas e em Cincias Jurdicas pela Universidade do Estado do Rio
deJaneiro.
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
8/347
Juvelino Jos Strozake
Conselheiro desde 25 de maio de 2007. Nascido em Alpestre/RS, em
18 de evereirode 1968, advogado graduado pela Faculdade de Direito
de Osasco (FIEO), mestre e
doutor em Direito pela Ponticia Universidade Catlica de So
Paulo. membro da RedeNacional de Advogados Populares (RENAP).
Luciana Silva Garcia
Conselheira desde 25 de maio de 2007. Nascida em Salvador/BA, em
11 de maio de 1977, graduada em Direito pela Universidade Federal
da Bahia, mestre em Direito Pblicopela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, Especialista em Direitos Humanos eProcessos de
Democratizao pela Universidade do Chile e Doutoranda em Direito
pelaUniversidade de Braslia. Atualmente diretora do Departamento de
Deesa dos DireitosHumanos da Secretaria de Direitos Humanos da
Presidncia da Repblica.
Manoel Severino Moraes de AlmeidaConselheiro desde 01 de junho
de 2013. Nascido em Recie, em 22 de evereiro de 1974, Bacharel em
Cincias Sociais (1999) e Mestre em Cincia Poltica (2004) pela
UniversidadeFederal de Pernambuco. Membro da Comisso da Memria e
Verdade Dom Helder Cmarade Pernambuco. Proessor de Direitos Humanos
e Cincia Poltica da UNINASSAU.Associado do IDHEC - Instituto Dom
Helder Camara; Dignitatis Assessoria cnicaPopular; Cendhec - Centro
Dom Helder Cmara de Estudos e Ao Social e AssociaoNacional de
Direitos Humanos, Pesquisa e Ps- Graduao - ANDHEP; IDEJUS - Grupode
Estudos sobre Internacionalizao do Direito e Justia de ransio.
Ex-Conselheiro doConselho Nacional de Segurana Pblica Ministrio da
Justia (CONASP - 2010/2011)
e colaborador do Conselho Nacional de Deesa dos Direitos da
Pessoa Humana-CDDPH;Signatrio do PNDH-3. Colaborador da rede de
deensores e deensoras de direitoshumanos das Amricas mediado pela
Anistia Internacional (RED DE DEFENSORES YDEFENSORAS DE DERECHOS
HUMANOS DE LAS AMRICAS).
Mrcia Elayne Berbich de Moraes
Conselheira desde 23 de julho de 2008. Nascida em Cianorte/PR,
em 17 de novembrode 1972, advogada graduada em Direito pela
Ponticia Universidade Catlica do RioGrande do Sul (PUCRS).
especialista, mestre e doutora em Cincias Criminais, todospela
mesma instituio. Foi integrante do Conselho Penitencirio do Estado
do RioGrande do Sul entre 2002 e 2011 e ex-proessora da Faculdade
de Direito de Porto Alegre(FADIPA). Atualmente proessora de Direito
Penal do IBMECRJ.
Marina da Silva Steinbruch
Conselheira desde 25 de maio de 2007. Nascida em Guara/SP, em 12
de abril de 1954, graduada em Direito pela Faculdade de Direito de
So Bernardo do Campo/SP. Atuoucomo deensora pblica da Unio por 22
anos. uncionria pblica desde 1973.
Mrio Albuquerque
Conselheiro desde 22 de outubro de 2009. Nascido em
Fortaleza/CE, em 21 de novembrode 1948. membro da Associao Anistia
64/68. Atualmente preside a Comisso Especial
de Anistia Wanda Sidou do Estado do Cear.
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
9/347
Marlon Alberto Weichert
Conselheiro desde 13 de maio de 2013. Procurador Regional da
Repblica, atuando hmais de dez anos com o tema da Justia de ransio,
especialmente responsabilizao
criminal e civil de perpetradores de graves violaes aos direitos
humanos, acesso inormao e verdade, implantao de espaos de memria e
reparaes imateriais. Peritoem justia de transio indicado pela
Comisso Interamericana de Direitos Humanos daOEA. Coordenador do
Grupo de rabalho Memria e Verdade da Procuradoria Federaldos
Direitos do Cidado. Coordenador do projeto Brasil Nunca Mais
Digital. Mestreem Direito do Estado pela PUC/SP e graduado em
Direito pela Universidade FederalFluminense. Especialista em
Direito Sanitrio pela Universidade de Braslia UnB.
Narciso Patriota Fernandes Barbosa
Conselheiro desde 25 de maio de 2007. Nascido em Macei/AL, em 15
de setembro de
1970, graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas e
possui especializaoem Direitos Humanos pela Universidade Federal da
Paraba. advogado militante nasreas de direitos humanos e de
segurana pblica.
Nilmrio Miranda
Conselheiro desde 1 de evereiro de 2012. Nascido em Belo
Horizonte/ MG, em 11 deagosto de 1947, Jornalista e mestre em
Cincias Sociais pela Universidade Federal deMinas Gerais (UFMG).
Foi deputado estadual, deputado ederal e ministro da
SecretariaEspecial de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica
(SEDH 2003/2005). Quandodeputado ederal presidiu a Comisso Externa
para Mortos e Desaparecidos Polticos. Foiautor do projeto que criou
a Comisso de Direitos Humanos na Cmara, que presidiu
em 1995 e 1999. Representou por 07 (sete) anos a Cmara dos
Deputados na ComissoEspecial sobre Mortos e Desaparecidos Polticos.
membro do Conselho Consultivo doCentro de Reerncia das Lutas
Polticas no Brasil, denominado Memrias Reveladas.Foi presidente da
Fundao Perseu Abramo por 05 (cinco) anos. Atualmente
DeputadoFederal por Minas Gerais e, na Cmara dos Deputados,
Vice-Presidente da Comissode Direitos Humanos e Minorias, titular
da Comisso de Desenvolvimento Urbano esuplente da Comisso de
Legislao Participativa.
Prudente Jos Silveira Mello
Conselheiro desde 25 de maio de 2007. Nascido em Curitiba/PR, em
13 de abril de 1959,
graduado em Direito pela Universidade Catlica do Paran e
doutorando em Direito pelaUniversidade Pablo de Olavide (Espanha).
Advogado trabalhista de entidades sindicaisde trabalhadores desde
1984, atualmente leciona nos cursos de ps-graduao em
DireitosHumanos e Direito do rabalho do Complexo de Ensino Superior
de Santa Catarina (CESUSC).
Rita Maria de Miranda Sipahi
Nasceu em Fortaleza/CE, em 1938. Formada pela Faculdade de
Direito da Universidadedo Recie. Servidora pblica aposentada pela
Preeitura do Municpio de So Paulo. Suasprincipais atividades
profissionais situam-se na rea educacional, do Direito e da
gestopblica. Militante poltica a partir dos anos 1960. Participa do
Ncleo de Preservao daMemria Poltica de So Paulo e do Coletivo de
Mulheres de So Paulo. Conselheira da
Comisso de Anistia do Ministrio da Justia desde outubro de
2009.
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
10/347
Roberta Camineiro Baggio
Conselheira desde 25 de maio de 2007. Nascida em Santos/SP, em
16 de dezembro de 1977, graduada em Direito pela Universidade
Federal de Uberlndia, mestre em Direito pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos e doutora em Direito pela
Universidade Federal deSanta Catarina. Atualmente proessora na
Faculdade de Direito da Universidade Federaldo Rio Grande do Sul,
em Porto Alegre/RS.
Rodrigo Gonalves dos Santos
Conselheiro desde 25 de maio de 2007. Nascido em Santa Maria/RS,
em 11 de julho de1975, advogado, graduado e mestre em Direito
Pblico pela Universidade do Vale do Riodos Sinos/UNISINOS. Proessor
licenciado do Curso de Direito do Centro UniversitrioMetodista
Isabela Hendrix de Belo Horizonte. Consultor da Fundao Getlio
Vargas(FGV).
Vanda Davi Fernandes de Oliveira
Conselheira desde 26 de evereiro de 2008. Nascida em Estrela do
Sul/MG, graduada emDireito pela Universidade Federal de Uberlndia e
doutoranda em Direito Ambiental pelaUniversidad de Alicante
(Espanha). presidente da ONG Ambiente e Educao Interativa- AMEDI, e
membro do CBH Paranaba.
Virginius Jos Lianza da Franca
Conselheiro desde 1 de agosto de 2008. Nascido em Joo Pessoa/PB,
em 15 de agosto de1975, advogado graduado em Direito pela
Universidade Federal da Paraba, especialistaem Direito Empresarial
pela mesma instituio. Atualmente Coordenador-Geral doConselho
Nacional de Reugiados do Ministrio da Justia (CONARE) e Diretor
Adjuntodo Departamento de Estrangeiros do Ministrio da Justia.
Ex-diretor da Escola Superiorda Advocacia da Ordem dos Advogados
Seccional Paraba. Ex-Procurador do Institutode erras e Planejamento
Agrrio (INERPA) do Estado da Paraba. Igualmente,
oiSecretrio-Executivo do Conselho Nacional de Combate Pirataria
(CNCP).
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
11/347
MARCAS DA MEMRIA:um projeto de memria e reparaocoletiva para o
Brasil
Criada em 2001, por meio de medida provisria, a Comisso
deAnistia do Ministrio da Justia passou a integrar em definitivo a
estruturado Estado brasileiro no ano de 2002, com a aprovao de Lei
n. 10.559, queregulamentou o artigo 8 do Ato das Disposies
Constitucionais ransitrias.
endo por objetivo promover a reparao de violaes a
direitosundamentais praticadas entre 1946 e 1988, a Comisso
configura-se em espaode reencontro do Brasil com seu passado,
subvertendo o senso comum daanistia enquanto esquecimento. A
Anistia no Brasil significa, a contrrio senso,memria. Em sua atuao,
o rgo reuniu milhares de pginas de documentaooficial sobre a
represso no Brasil e, ainda, centenas de depoimentos, escritos
eorais, das vtimas de tal represso. E deste grande reencontro com a
histriaque surgem no apenas os undamentos para a reparao s violaes
como,tambm, a necessria reflexo sobre a importncia da no repetio
destes atosde arbtrio.
Se a reparao individual um meio de buscar reconciliar
cidadoscujos direitos oram violados, que tm ento a oportunidade de
verem o Estadoreconhecer que errou, devolvendo-lhes a cidadania e,
se or o caso, reparando-os financeiramente, por sua vez, as
reparaes coletivas, os projetos de memriae as aes para a no repetio
tm o claro objetivo de permitir a toda asociedade conhecer,
compreender e, ento, repudiar tais erros. A aronta aosdireitos
undamentais de qualquer cidado singular igualmente oende a toda
ahumanidade que temos em comum, e por isso que tais violaes jamais
podemser esquecidas. Esquecer a barbrie equivaleria a nos
desumanizarmos.
Partindo destes pressupostos e, ainda, buscando valorizar a
lutadaqueles que resistiram por todos os meios que entenderam
cabveis aComisso de Anistia passou, a partir de 2008, a realizar
sesses de apreciaopblica, em todo o territrio nacional, dos pedidos
de anistia que recebe, demodo a tornar o passado recente acessvel a
todos. So as chamadas Caravanasda Anistia. Com isso, transeriu seu
trabalho cotidiano das quatro paredes demrmore do Palcio da Justia
para a praa pblica, para escolas e universidades,
associaes profissionais e sindicatos, bem como a todo e qualquer
local onde
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
12/347
perseguies ocorreram. Assim, passou a ativamente conscientizar
as novasgeraes, nascidas na democracia, da importncia de hoje
vivermos em umregime livre, que deve e precisa ser continuamente
aprimorado.
Com a ampliao do acesso pblico aos trabalhos da
Comisso,cresceram exponencialmente o nmero de relatos de
arbitrariedades, prises,torturas, por outro lado, pde-se romper o
silncio para ouvir centenas dedepoimentos sobre resistncia,
coragem, bravura e luta. neste contexto quesurge o projeto Marcas
da Memria, que expande ainda mais a reparaoindividual em um
processo de reflexo e aprendizado coletivo, omentandoiniciativas
locais, regionais e nacionais que permitam queles que viveram
umpassado sombrio, ou que a seu estudo se dedicaram, dividir
leituras de mundo
que permitam a reflexo crtica sobre um tempo que precisa ser
lembrado eabordado sob auspcios democrticos.Para atender estes
amplos e inovadores propsitos, as aes do projeto
Marcas da Memria esto divididas em quatro campos:a) Audincias
Pblicas: atos e eventos para promover processos de
escuta pblica dos perseguidos polticos sobre o passado e
suasrelaes com o presente.
b) Histria oral: entrevistas com perseguidos polticos baseadas
emcritrios terico-metodolgicos prprios da Histria Oral. odos
os produtos ficam disponveis no Memorial da Anistia e poderoser
disponibilizadas nas bibliotecas e centros de pesquisa
dasuniversidades participantes do projeto para acesso da
juventude,sociedade e pesquisadores em geral;
c) Chamadas Pblicas de fomento a iniciativas da Sociedade
Civil:por meio de Chamadas Pblicas, a Comisso seleciona projetosde
preservao, de memria, de divulgao e diuso advindos deOrganizaes da
Sociedade Civil de Interesse Pblico (OSCIP) eEntidades Privadas Sem
Fins Lucrativos. Os projetos desenvolvidos
envolvem documentrios, publicaes, exposies artsticas
eotogrficas, palestras, musicais, restaurao de filmes, preservao
deacervos, locais de memria, produes teatrais e materiais
didticos.
d) Publicaes: colees de livros de memrias dos
perseguidospolticos; dissertaes e teses de doutorado sobre o perodo
daditadura e a anistia no Brasil; reimpresses ou republicaes de
outrasobras e textos histricos e relevantes; registros de anais de
dierenteseventos sobre anistia poltica e justia de transio. Sem
fins comerciaisou lucrativos, todas as publicaes so distribudas
gratuitamente,
especialmente para escolas e universidades.
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
13/347
O projeto Marcas da Memria rene depoimentos, sistematizainormaes
e omenta iniciativas culturais que permitem a toda
sociedadeconhecer o passado e dele extrair lies para o uturo.
Reitera, portanto, apremissa que apenas conhecendo o passado
podemos evitar sua repetiono uturo, azendo da Anistia um caminho
para a reflexo crtica e oaprimoramento das instituies democrticas.
Mais ainda: o projeto investe emolhares plurais, selecionando
iniciativas por meio de edital pblico, garantindoigual
possibilidade de acesso a todos e evitando que uma nica viso de
mundoimponha-se como hegemnica ante as demais.
Espera-se, com este projeto, permitir que todos conheam
umpassado que temos em comum e que os olhares histricos
anteriormente
reprimidos adquiram espao junto ao pblico para que, assim, o
respeito aolivre pensamento e o direito verdade histrica
disseminem-se como valoresimprescindveis para um Estado plural e
respeitador dos direitos humanos.
Comisso de Anistia do Ministrio da Justia
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
14/347
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
15/347
SUMRIO
NOA PRIMEIRA EDIO
.................................................................................17Linda
Bimbi
NOA EDIO BRASILEIRA
..............................................................................19Giuseppe
osiLcia de Ftima Guerra Ferreira
PREFCIO
....................................................................................................................23Salvatore
Senese
DISCURSO INAUGURAL DO PRESIDENE LELIO BASSO
...........................37
ACUSAO CONRA O GOVERNO BRASILEIRO
.........................................45Miguel Arraes
RELARIO JURDICO INRODURIO GERAL
.........................................49Leo MatarassoIntroduo
.....................................................................................................................49
I. Definio e histria dos Direitos Humanos
..........................................................49II.
Contedo dos Direitos
Humanos..........................................................................56III.
Os textos internacionais sobre os Direitos Humanos
.......................................63IV. Carter obrigatrio dos
princpios sobre os Direitos Humanos ......................67
ASPECOS JURDICOS DA DIADURA MILIAR INSAURADA NOBRASIL EM 31 DE
MARO DE 1964.
....................................................................71Salvatore
SeneseI. A Conquista e o exerccio do poder por parte dos militares
brasileiros ...........72
II. Caractersticas do ordenamento jurdico atualmente operante no
Brasil .......88
ORURA E ESRAGIA DO ERROR NO BRASIL.
................................. 119Ettore BioccaPremissa
.......................................................................................................................119I.
A Doutrina brasileira da Segurana
Nacional.....................................................121II.
Os novos patres
...................................................................................................151III.
Esquadres da morte
...........................................................................................172IV.
A tortura dos presos polticos
.............................................................................189V.
Alguns testemunhos sobre a tortura
...................................................................198
VI. A tortura como doena
.......................................................................................222
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
16/347
ESEMUNHOS REFERENES AO RELARIO ORURA EESRAGIA DO ERROR NO BRASIL
DE EORE BIOCCA EPERGUNAS DO JRI A ESAS ESEMUNHAS
......................................... 237
AS RELAES ENRE A IGREJA E O PODER MILIAR NO BRASIL....... 277Jan
Rutgers
PRIMEIRA PAREI. A importncia da Igreja, como instituio, no
quadro do poder poltico noBrasil.
............................................................................................................................279II.
A Igreja antes do golpe de Estado militar de 1964.
...........................................283III. rs tipos de reao
da Igreja oficial diante da evoluo dos grupos de
base
...............................................................................................................................285IV.
O golpe de Estado de 1964 e a represso
...........................................................286V. O
cerne da crise Igreja-Estado
.............................................................................290
SEGUNDA PAREI. Documentao de casos de represso
..................................................................301
A SENENA
...........................................................................................................
323
POSFCIO
..................................................................................................................335ullo
VigevaniMaria do Socorro de Carvalho Vigevani
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
17/347
17
NOTA PRIMEIRA EDIO
Este volume rene uma escolha ampla de depoimentos e
testemunhossobre o Brasil,1apresentados em Roma, de 30 de maro a 06
de abril de 1974,durante a primeira sesso do ribunal Russell II,
constitudo com o objetivode denunciar a represso na Amrica Latina.
Dierentemente do precedenteribunal Russell para o Vietn, a
iniciativa encontrou grande eco na imprensaitaliana, dos jornais s
revistas especializadas e, inclusive, nos programastelevisivos.
Este ato diz muito sobre a natureza do ribunal, sobre a histria
dasua constituio, seus objetivos, as dificuldades que encontrou e
que superou.
Seria til, no entanto, dar alguns esclarecimentos acerca dos
textosaqui reunidos. O volume contm algumas intervenes
preliminares:O discurso inaugural do presidente Lelio Basso sugere
os undamentos
jurdicos que podem dar legitimidade a esse ribunal, mas,
sobretudo, destacaa importncia das iniciativas privadas para
promover a evoluo do direitointernacional. No existe tutela
institucionalizada dos direitos humanos, dessemodo, apela-se
conscincia dos povos para confiar tais direitos, ao mesmotempo
proclamados e negligenciados pelos rgos competentes.
A acusao, ormulada por Miguel Arraes, ex-governador do
Estado
de Pernambuco e exilado na Arglia, reflete as concepes polticas
do autor: aditadura brasileira denunciada porque no permite ao povo
existir como povo.
A interveno do advogado Leo Matarasso, da Corte de Paris, se
movena mesma direo, procurando enquadrar juridicamente os seus
argumentos,descreve a histria da evoluo da doutrina dos direitos
humanos, indicandolacunas e perspectivas.
Entra-se, pois, no cerne da questo com os trs
relatriosundamentais, acompanhados dos relativos testemunhos. O
magistradoSalvatore Senese ilustra a destruio do Estado de Direito;
o proessor Ettore
Biocca, da Universidade de Roma, apresenta o relatrio central
sobre o Brasil,sobre a estratgia do terror, que merece destaque
pela seriedade, riqueza eproundidade da pesquisa. O telogo holands
Jan Rutgers, com uma longa erica experincia de ministrio no Brasil,
preparou o texto sobre os conflitos entreEstado e Igreja. A
interveno final, eita pelo proessor Franois Rigaux, daUniversidade
de Lovaina, alm da sentena do jri, so anlogas s coletneasrelativas
aos outros trs governos indiciados.
1 Os textos relativos ao Chile, Bolvia e Uruguai oram publicados
numa outra edio.
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
18/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II18
odos os testemunhos oram rigorosamente transcritos e, por
essetimo trabalho a secretaria geral agradece equipe de redatores
(AGENZIA 2R).odos os textos so o resultado de paciente e rigorosa
elaborao e baseiam-seem documentos oficias do
establishmentbrasileiro e em materiais recolhidos noprprio pas. A
secretaria geral agradece os annimos colaboradores brasileiros eos
relatores europeus pelo seu generoso esoro, que permitiram esta
publicao.Mas, o agradecimento mais caloroso vai s testemunhas que
vieram de cadaum dos pases, a seu prprio risco e perigo, convictos
de cumprir um dever de
justia.
Linda Bimbi
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
19/347
19
NOTA EDIO BRASILEIRA
Esta coleo composta por quatro livros, originalmente
publicadosna Itlia na dcada de 1970, cujos ttulos na edio
brasileira so: 1) Brasil,violao dos direitos humanos; 2) Chile,
Bolvia, Uruguai: violaes dosdireitos humanos. Atas da primeira
sesso do Tribunal Russell; 3) Asmultinacionais na Amrica Latina; e
4) Contrarrevoluo na Amrica Latina.Subverso militar e
instrumentalizao dos sindicatos, da cultura, das igrejas.O livro
reerente s multinacionais teve tambm uma edio na Espanha.
Estas publicaes apresentam grande relevncia no contexto da
Justiade ransio na Amrica Latina e, em especial, no Brasil,
trazendo inormaessobre as perseguies polticas, a partir de
depoimentos prestados nas sessespblicas do ribunal Russell II,
realizadas em trs momentos: em Roma, de 30de maro a 5 de abril de
1974; em Bruxelas, de 11 a 18 de janeiro de 1975, e denovo em Roma,
de 10 a 17 de janeiro de 1976.
Os livros trazem uma parte, talvez a mais relevante, dos
documentosque oram recolhidos e produzidos pelo tribunal. Um
primeiro conjunto composto pelas narrativas impactantes e chocantes
dos que soreram na prpriapele e presenciaram os sequestros, as
prises, os maltratos sicos e psicolgicos,as torturas e os
assassinatos; e dos amiliares e companheiros de luta e de prisodos
que vivenciaram a experincia terrvel e devastadora do
desaparecimento,talvez o suplcio mais cruel e desumano que a
ditadura infligiu aos inimigosinternos.
Alm desses depoimentos, se encontra registrada tambm uma sriede
anlises e de reflexes sobre o contexto jurdico, poltico, eclesial,
social,econmico e cultural elaboradas por estudiosos e militantes
europeus e latino-americanos. So testemunhos e anlises
impressionantes pela sua qualidadee atualidade; mostram como a
esquerda latino-americana e europeia daquela
poca possua uma compreenso clara e lcida dos acontecimentos e
daconjuntura internacional naquele que oi o perodo mais obscuro,
sombrio etrgico da Guerra Fria.
Este volume, Brasil, violao dos direitos humanos contm alguns
dosdocumentos da primeira sesso do ribunal Russell II realizada em
Roma, de 30de maro a 6 de abril de 1974, na qual este tribunal de
opinio, na ausncia deum ribunal Penal Internacional e em nome da
conscincia dos povos, debateue julgou a ditadura militar
brasileira, que inaugurou o ciclo dos regimes deexceo no
continente, nos seus vrios aspectos jurdicos, polticos,
econmicos
e religiosos, com ateno especial para as enormes arontas aos
direitos
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
20/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II20
humanos, praticados atravs do uso sistemtico da tortura e da
estratgia doterror como base de sustentao do regime.
O volume traz uma nota edio italiana de Linda Bimbi, que oi
agrande auxiliar de Lelio Basso na realizao do ribunal Russell II,
que escla-rece a origem e finalidade dos textos deste livro. Para a
edio brasileira conta-se tambm com duas outras contribuies: um
precio do eminente jurista ita-liano Salvatore Senese, tambm
presente ao ribunal, que atualmente continuaprestando sua colaborao
Fundao Basso; e um poscio de ullo Vigevanie sua esposa Maria do
Socorro de Carvalho Vigevani. Ele, proessor da UNESP,estudioso de
Cincias Polticas e Relaes Internacionais; e ambos oram teste-munhas
na sesso sobre as violaes aos direitos humanos no Brasil do
ribunal
Russell II.A traduo dessas obras e publicao no Brasil s oi
possvel pormeio do projeto Marcas da Memria, a partir de ermos de
Cooperao daComisso de Anistia do Ministrio da Justia com a Fundao
Lelio e Lisli Basso- ISSOCO, com sede em Roma-Itlia, e com a
Universidade Federal da Paraba(UFPB), atravs do Ncleo de Cidadania
e Direitos Humanos, com o projeto deDigitalizao e Pesquisa: ribunal
Russell II, realizado entre 11 de outubro de2012 e 11 de outubro de
2013, com algumas metas prorrogadas at dezembro de2014 (termo
aditivo).
No mbito dessa cooperao multilateral, vale destacar
outrosprodutos obtidos, como a digitalizao da documentao do Arquivo
Histricoda Fundao Lelio e Lisli Basso reerente ao ribunal Russell
II, que representaum acervo de inestimvel valor antes praticamente
inacessvel aos pesquisadores,mas agora disponvel no Memorial da
Anistia, em Belo Horizonte-MG; arealizao de estudos com base nessa
documentao por pesquisadores daFundao e da UFPB, bem como a
publicao desses estudos na obra Memoriedi repressione resistenza e
solidariet in Brasile e in America Latina, sob aorganizao de
Giancarlo Monina (Roma: Ediesse, 2013).
Registra-se tambm o agradecimento e reconhecimento ao trabalhoda
Comisso de Anistia do Ministrio da Justia, com destaque para o
seupresidente Paulo Abro, que no mediu esoros para oerecer as
condiesnecessrias realizao de um projeto de to relevante
envergadura,contribuindo eetivamente com a promoo do Direito Memria
e Verdade,no que tange s graves violaes de direitos humanos
praticadas durante asditaduras militares na Amrica Latina.
Agradecemos ainda aos vice-presidentes da Comisso de
Anistia,Sueli Aparecida Bellato e Jos Carlos Moreira da Silva Filho
que contriburam
em misses de trabalho em Roma, bem como ao Sr. Marcelo orelly,
poca
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
21/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II 21
Coordenador Geral de Memria Histrica, que empreendeu todos os
esorospara que o projeto se concretizasse.
Vale ressaltar que a realizao do projeto no teria sido possvel
sema determinante colaborao da Embaixada do Brasil em Roma,
registrando-se especial gratido ao Embaixador Jos Viegas, e da
Conselheira Gilda MottaSantos Neves.
Um agradecimento especial vai a Alberto Filippi, este
talo-latino-americano, grande conhecedor e, em muitos casos,
protagonista da histria, dacultura e da poltica latino-americana
que, durante o VI Seminrio Internacionalde Direitos Humanos da UFPB
em Joo Pessoa, em 2010, teve a ideia deaproximar o Brasil da Fundao
Basso, pela importncia do acervo do ribunal
Russell II; proposta que encontrou o apoio do Dr. Paulo Abro, da
Comisso deAnistia do Ministrio da Justia, e no Seminrio seguinte,
em 2012, oi selada aparceria tripartite j mencionada.
Por fim, no poderamos deixar de agradecer Fundao Lelio e
LisliBasso, que aceitou com entusiasmo esta proposta. O azemos
homenageando,em nome de todos e todas que nela trabalham, as
pessoas de Linda Bimbi,Elena Paciotti e Salvatore Senese que
participaram ativamente das sesses doribunal nos anos setenta e
que, durante todos esses anos, souberam manter
viva a herana do seu undador, dando um exemplo eetivo de
solidariedade
internacional na perspectiva do socialismo democrtico.Com estes
livros e documentos, colocamos disposio de todos,sobretudo das
novas geraes que no viveram esse perodo, um riqussimo
materialdocumental que ala muito alto e claro e interdita qualquer
tentativa de revisionismohistrico. Acreditamos que, assim como ns,
todos os que lero estas pginasimpregnadas de sangue, vero esse
perodo com outros olhares: os dos protagonistasdessa trgica
histria, militantes e mrtires, em sua grande maioria jovens.
Atravs do resgate da memria histrica dessa poca sombria,
espera-mos contribuir para que ela se torne finalmente uma pgina
virada na histria da
Amrica Latina, um alerta para que no se repita nunca mais, e um
incentivo paravalorizar e ortalecer a democracia to preciosa e to
rgil na qual temos o privil-gio de viver, tambm graas ao sacricio
dos que lutaram contra a ditadura.
Joo Pessoa, UFPB, 2014
50 anos do golpe civil-militar no Brasil
Giuseppe osi e Lcia de Ftima Guerra Ferreira
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
22/347
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
23/347
23
PREFCIO
1. Premissa
Esta coleo rene as atas das trs sesses do ribunal Russell II
sobrea Amrica Latina, realizadas ao longo de cerca dois anos em
Roma (30 demaro a 5 de abril de 1974), em Bruxelas (11 a 18 de
janeiro de 1975) e, enfim,de novo em Roma (10 a 17 de janeiro de
1976).
De tais sesses, que tiveram um grande eco na imprensa
internacionale entre os estudiosos de direito e poltica
internacional, alm dos historiadores,dirigentes e militantes
polticos, oram publicadas as sentenas e os relatriosprincipais, em
vrios pases e idiomas. Mas, esta a primeira vez que, graasao
compromisso conjunto do Ministrio de Justia brasileiro e da
FundaoBasso so digitalizadas todas as atas das trs sesses,
conservadas nos arquivosda Fundao, em sua integralidade; dando
assim de novo voz s vtimas e stestemunhas da violncia
institucionalizada praticada a partir de 1964, no Brasile,
sucessivamente, nos dez anos que se seguiram, sobre todos os outros
povos docontinente latino-americano.
Dessa violncia, o ribunal Russell IIindagou as ormas
institucionaiscomuns aos vrios pases, a doutrina subjacente a tais
ormas institucionais, otipo de Estado a que esta deu lugar, suas
origens e suas causas proundas, sua re-lao com as dinmicas
econmicas e a conjuntura mundial. Mas, este relevanteesoro de
investigao e compreenso da realidade no oi exercido no olimpoda
academia ou das grandes instituies culturais mesmo sendo o
resultado doempenho conjunto de muitos ilustres acadmicos e prmios
Nobel de vrias dis-ciplinas mas, recolhendo o grito de dor das
vtimas e de todos os que lutavamcontra quela violncia; e
alimentando-se dela. Deste modo, o tribunal contri-buiu para
inaugurar uma orma, at aquele momento, indita (ressalva eita
peloprecedente do primeiro ribunal Russell, do qual alaremos em
breve) de estra-tgia para a emancipao humana e de mobilizao poltica
e cultural. Uma es-tratgia que, nas dcadas sucessivas, demonstrou
suas potencialidades e ganhourapidamente terreno ultrapassando os
esquemas clssicos e consolidados da aopoltica, at ento hegemnicos;
a tal ponto que em ocasio das grandes mobi-lizaes contra as novas
guerras de alguns anos atrs algum alou da opinio
pblica como de uma segunda potncia mundial.
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
24/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II24
Por essa razo, o ribunal Russell II constitui um evento
poltico,cultural e idealmente undamental da segunda metade do sculo
passado.
2. O tribunal de opinio como instrumento de luta pela emancipao
humanaem um mundo globalizado.
Esta afirmao exige um esclarecimento que remete s
grandesalteraes introduzidas, no estado do mundo e no
correspondente universo de
valores tico-polticos, a partir do final do segundo conflito
mundial. Paul Valryescrevia, em 1945, que o mundo a que ns, homens
e naes, comeamos apertencer, no seno a imagem, s aparentemente
semelhante ao mundo que
nos era amiliar. O sistema de causas que determina o destino de
cada um de nstende a estender-se totalidade do globo, sacudindo-o
no seu conjunto a cadalacerao; no existem mais problemas
circunscritos pelo ato deles aconteceremnuma rea limitada. Apenas
alguns anos depois, em 1947, uma eminentepersonalidade poltica
italiana, Vittorio Emanuele Orlando, colocando-se doponto de vista
do jurista rente s novidades introduzidas na ordem planetriae nas
relativas regras , no hesitava em alar de revoluo mundial.
Hoje,depois de mais de meio sculo, a intuio contida nesta rmula se
confirma,incontestavelmente, exata no seu ncleo essencial: as
mudanas institucionais
e culturais trazidas com o fim do segundo conflito mundial
incidiramproundamente no apenas no paradigma do direito, mas,
tambm, sobre asestruturas de poder e o imaginrio coletivo.
Hoje, com eeito, afirmao largamente diundida e prestigiada
(porexemplo, por Luigi Ferrajoli) que, com a Carta das Naes Unidas,
se verificouuma revoluo copernicana no ordenamento internacional,
uma vez que deste
vieram a azer parte, como ius cogens, trs valores, entre eles
proundamenteligados: a paz, os direitos humanos e a autodeterminao
dos povos. Graas aesta revoluo, o paradigma do direito
internacional (e do direito interno de
muitos Estados hoje, praticamente todos que subscreveram aquele
pactumassociationis) mudou: a soberana igualdade dos Estados no
plano internacional,embora reafirmada pela Carta da ONU, (art. 2,
1), no permite mais aoEstado de se comportar, como acontecia no
passado, sem qualquer outro limitea no ser aqueles derivados dos
pactos que o prprio Estado houvesse assinado.Este j no mais livre
de recorrer ameaa, ou pior, ao uso da ora em relaoaos outros
Estados; de submeter outros povos dominao colonial; de instituirum
regime racista ou de apartheid; de violar os direitos undamentais
da pessoahumana, seja esta um cidado ou um estrangeiro. Esta
revoluo teve uma
primeira dramtica confirmao nos processos de Nuremberg e de
quio. Em
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
25/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II 25
particular, os princpios de Nuremberg oram reafirmados pela
AssembleiaGeral das Naes Unidas atravs da Resoluo 95-I, de 11 de
dezembro de 1946,quase como a confirmar que as regras afirmadas e
aplicadas pelo ribunal deNuremberg constituam uma parte integrante
da nova ordem internacional.Seguiram-se outros instrumentos
internacionais, de desigual estatuto jurdico,em um crescendocada
vez mais articulado: da Declarao Universal dos DireitosHumanos,
aprovada pela Assembleia Geral das Naes Unidas, em 10 dedezembro de
1948, Resoluo da Assembleia Geral da ONU, n. 1514-XV, de14 de
dezembro de 1960, sobre os povos coloniais, aos Pactos sobre os
direitoscivis e polticos e sobre os direitos econmicos, culturais e
sociais de 1966, at aConveno contra a tortura, assinada em 10 de
dezembro de 1984 e a Conveno
que aprova o Estatuto que cria a Corte Penal Internacional,
assinado em Romaem 17 de julho de 1998. Alm disso, preciso
relembrar que alguns dos maissignificativos instrumentos citados,
todos inspirados nos valores da Carta daONU, reafirmam seu carter
de pacto constitucional de convivncia queunda a nova ordem
internacional, aproundando, especificando, articulando etornando at
mais incisiva graas introduo de garantias secundrias alacerao da
velha ordem produzida pela introduo da Carta da ONU e pelosribunais
de Nuremberg e de quio.
Cabe aqui uma digresso que pode ajudar a entender como,
durante
algumas dcadas, as culturas jurdica e poltica no acolheram as
novidades queiam se acumulando, a partir da undamental ruptura de
1945.De ato, ao olhar o estado do mundo e ao sentir a opinio
pblica
internacional, alm das elaboraes culturais lato sensu (inclusive
aquelasjurdicas e as ideias que os juristas tm do direito) dos
primeiros anos dops-guerra, ser necessrio concluir que os trs
valores que a Carta da ONUintroduziu no ordenamento jurdico
internacional ficaram, durante cerca de15-20 anos, por assim dizer,
ocultos; e, sobretudo, como ficou completamenteoculto o nexo que os
une.
alvez, o nico valor realmente sentido nos primeiros anos aps
1945era o da paz, porque muito viva era, ainda, a dura experincia
da guerra, dassuas devastaes, dos seus horrores; lancinante demais
o choque provocadopelos terrveis eeitos da arma atmica e das suas
no incio, inimaginveis consequncias. Forte demais havia sido o
temor (que esta arma tornaraextremamente concreto) que a guerra
pudesse significar a destruio total doscontendentes e o fim da
civilizao. Mas, exatamente porque baseado nestesundamentos, o valor
da paz era sentido e interpretado numa orma negativa epobre, sem
ligaes com outros valores: como terror da guerra e, em
particular,
da guerra atmica. O rpido desenvolvimento da arma nuclear pela
Unio
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
26/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II26
Sovitica e a Guerra Fria oereceram ao valor da paz a dimenso
estreita e,todavia, nos seus limites, eficaz do equilbrio do
terror. Isto oi suficiente paraque as grandes potncias chancelassem
oficialmente o princpio que veta o usoda ora nas relaes
internacionais e evitassem proclamar o direito de azerguerra;
direito que, hoje, ao contrrio, se escuta proclamar com
requncia,ainda que as guerras tenham ocorrido ora do Ocidente e dos
pases do Bloco doLeste.
No que diz respeito ao princpio de autodeterminao e de
igualdignidade dos povos, inegvel que os imprios coloniais no
desapareceramimediatamente aps 1945 (a prpria Declarao de 1948,
como j oi observado,de alguma orma os pressupem) e que, para a
eliminao de alguns deles, oram
necessrias guerras sangrentas (Indochina, Arglia etc.). Somente
em 1960, coma Resoluo n. 1514, j citada, o direito dos povos a no
serem submetidos aregimes coloniais, ocupao estrangeira ou mesmo a
um regime de apartheidoi solenemente proclamado e considerado parte
integrante do chamado iuscogensde direito internacional.
No que se reere, enfim, Declarao Universal, que
deveriarepresentar a explicitao e a sistematizao do valor de ius
cogensdos direitoshumanos, em seu Prembulo afirma-se que esta
representa o ideal que todosos povos devem visar. Isso no
significa, como oi longamente afirmado, que
a Declarao no possua valor jurdico; uma vez que tal rmula
contida noPrembulo que, para os documentos internacionais, o lugar
onde se misturamproposies jurdicas e opinies polticas expressa o
auspcio que as normascogentes colocadas a seguir pudessem alcanar
um tal grau de eetividadea ponto de concretizar o ideal ao qual
tende a Carta da ONU e a prpriaDeclarao.
Somente a partir de meados dos anos 80, tambm graas s
sentenasjudiciais, seja da Corte Internacional de Justia (com a
importante sentenasobre o problema dos rens americanos no Ir, onde
se afirmava a tese de
que exista, como parte do direito internacional cogente a todos,
uma srie deprincpios derivantes da Declarao Universal de 1948),
seja de Cortes SupremasOcidentais (com a histrica sentena da Corte
de Cassao rancesa, em meadosdos anos 80, no caso Klaus Barbie),
pode-se dizer que ora aceita a opiniode que, pelo menos no que diz
respeito a uma srie de disposies relativasaos direitos undamentais,
as normas da Declarao azem parte do direitointernacional geral como
direito consuetudinrio em que todos os pases sereconhecem.
Este acidentado percurso teve, entre seus motores principais,
a
mobilizao crescente de grupos de mulheres e homens em todo o
mundo e, em
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
27/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II 27
particular, a conscincia que tais massas tiveram que suas
reivindicaes de paz,liberdade e dignidade possuam uma legitimidade
muito superior quela dospoderes constitudos que procuravam neg-las.
Os tribunais de opinio podiamser um instrumento undamental para
adquirir esta conscincia, a condio deconseguir ligar-se a processos
objetivos que estremecem a sociedade. O ribunalRussell II realizou,
de maneira inigualvel, tal condio, graas capacidadede Lelio Basso
de ler em tais processos e de se inserir nestes as lutas para
aemancipao humana. No apressado dizer que, nesta empreitada, ele
deuuma demonstrao concreta do que considerava a tarea do
revolucionrio:somente alguns anos antes do incio do ribunal, ele
escreveu: ... o que distingueo autntico revolucionrio do reormista
no , como muitas vezes repete um
marxismo deormado por aquilo que chamamos de tradio
revolucionriapopular, a luta pela conquista violenta do poder, mas,
a capacidade deinterveno subjetiva nos processos objetivos de
desenvolvimento da sociedade.
3. O encontro de Lelio Basso com os tribunais de opinio
A ocasio para Lelio como gostava de ser chamado por aquelesque
colaboravam com ele de experimentar as potencialidades de umribunal
de opinio e as condies de sua eficcia, oi oerecida pelo ribunalque,
em meados dos anos 60, Bertrand Russell instituiu para condenar
oscrimes internacionais dos Estados Unidos no Vietn. Desde 1955, de
ato, ofilsoo e matemtico ingls havia dado vida, junto com Albert
Einstein, aum movimento pacifista. Diante da crescente mobilizao
contra a guerra noVietn, Lorde Russell teve a ideia de criar um
ribunal de opinio, compostopor eminentes personalidades do mundo
cientfico e cultural, dotadas degrande prestgio internacional e
provenientes de vrios horizontes ideais, para
julgar o comportamento dos Estados Unidos naquela rea do mundo.
Entreas personalidades convidadas em Londres, em novembro de 1966,
para dar
vida ao ribunal, figurava Lelio, conhecido por seu compromisso
antiascistae de resistncia ao nazi-ascismo durante a guerra, pela
contribuio dada Constituio italiana como membro da Assembleia
Constituinte, peloseu prestgio de estudioso marxista. No dia 15 de
novembro de 1966, estaspersonalidades constituem um ribunal
internacional contra os crimes deguerra cometidos no Vietn e
publicam um texto sobre os objetivos da iniciativaem que se l,
entre outras coisas: Consideramo-nos como um tribunal que,mesmo
desprovido do poder de aplicar as sanes, haver de responder a
um
dado nmero de questes com a imparcialidade e o rigor que se
espera de um
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
28/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II28
tribunal. A primeira sesso do ribunal deveria ter acontecido em
Paris, entre25 de abril e 5 de maio de 1967, mas, no dia 19 de
abril, o general De Gaulle, napoca presidente da Repblica, veta a
concesso do visto de entrada na Franaa Vladimir Dedijer, ilustre
personalidade da resistncia iugoslava ao nazismoe componente do
jri, motivando tal ato, em uma carta enviada ao filsooJean Paul
Sartre, presidente do jri , com o carter subversivo da
iniciativapromovida pelas ilustres personalidades que constituam o
ribunal sob o mantode simples cidados, uma vez que o exerccio da
jurisdio pertence somenteao Estado. A sesso oi deslocada para
Estocolmo, onde aconteceu regularmenteentre os dias 02 e 10 de maio
de 1967. Abrindo a sesso inaugural, J. P. Sartrereivindicou a
legitimidade da iniciativa:
O ribunal Russell no substitui nenhum poder legtimo:ele nasceu,
ao contrrio, de uma lacuna e de um apelo... anossa impotncia a
garantia da nossa independnciaNo representando nem governos, nem
partidos, nopodemos receber ordens de ningum: examinaremos osatos
segundo a nossa conscincia e em plena liberdade deesprito E,
todavia, qualquer que seja a nossa vontadede imparcialidade e de
universalidade, somos conscientesque esta no suficiente a legitimar
a nossa empreitada.
O que queremos, na verdade, que sua legitimao seja...a
posteriori. De ato, no trabalhamos para ns mesmos,nem to somente
para nossa edificao moral, e nopretendemos impor as concluses que
chegaremos comouma ulgurao. Na verdade, ns desejamos, graas
colaborao dos meios de inormao, manter um contatoconstante com as
massas que, em qualquer parte do mundo,
vivem a dor da tragdia do Vietn. Ns desejamos que estasmassas
aprendam como ns aprendemos, que descubramconosco os relatrios, os
documentos, os testemunhos, que
estas possam apreci-los e possam construir, como ns, asua prpria
opinio, dia aps dia. As concluses, quaisquerque sejam, queremos que
nasam por si mesmas, paratodos, ao mesmo tempo que para ns; talvez
at antes.Esta sesso uma empreitada comum, cujo resultadofinal deve
ser, segundo a expresso de um filsoo: uma
verdade que se torna tal. Sim, se as massas ratificaro onosso
julgamento, ento ele se tornar verdade e ns, noinstante mesmo em
que desaparecermos, elas ar-se-osentinelas e poderoso apoio daquela
verdade, saberemos
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
29/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II 29
que omos legitimados e que o povo, maniestando-nos oseu
consentimento, revela uma exigncia prounda: aquelaque um verdadeiro
tribunal contra os crimes de guerra,
seja criado como rgo permanente, ou seja, que tais crimespossam
ser, em qualquer lugar e em qualquer momento,denunciados e
punidos.
A mais de trinta anos de distncia, a instituio da Corte
PenalInternacional interveio para realizar, ainda que de orma muito
impereita,o voto e a proecia expressos por Sartre, graas tambm
continuidade e aoenriquecimento que sua inspirao encontrou no
compromisso levado adiantepor Lelio Basso na dcada seguinte.
4. Do Tribunal Russell ao Tribunal Russell II sobre a Amrica
Latina e aoTribunal Permanente dos Povos.
A sesso de Estocolmo oi seguida de uma segunda sesso emRoskilde,
Dinamarca, de 20 de novembro a 1 de dezembro de 1967. Ambasoram um
sucesso e contriburam sensivelmente para alimentar e ortalecer
omovimento contra a guerra no Vietn.
Lelio, que oi relator geral de ambas, contribuiu de orma
decisivapara a organizao dos trabalhos e o rigor e clareza das
concluses, verificandotambm as grandes possibilidades de mobilizao
de massa que tal empreitadapermitia.
Foi assim que, alguns anos depois, em ocasio de um seminrio
sobreo tema Estado e direito em uma poca de transormao, que
aconteceu noChile de Allende, entre 4 e 14 de janeiro de 1973 e
organizado pelo Institutopara o Estudo da Sociedade Contempornea
ISSOCO, que ele undou edirigiu, em colaborao com o Ministrio da
Justia chileno e com o Centrode Estudios de la Realidad Nacional de
la Universidad Catlica de Chile
(CEREN), desenvolveu atravs uma intensa troca de reflexes e
anlises,inclusive com exilados brasileiros o projeto, que os
exilados brasileiroshaviam solicitado desde 1971, de um segundo
ribunal Russell contra oprocesso de militarizao em curso na Amrica
Latina. al processo, iniciadoem 1964 com a instaurao da ditadura
militar no Brasil, revelava um desenhoalternativo ao projeto
kennediano de resolver os problemas de reestruturaodo capital no
subcontinente associando as burguesias nacionais a um projetode
desenvolvimento baseado no aumento do consumo de massa e na
extenso
de um mercado popular, segundo o esquema delineado nos programas
da
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
30/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II30
Aliana para o Progresso. O desenho alternativo quele kennediano,
apoiadopor muitas multinacionais e por poderosos crculos
estadunidenses, visava,ao contrrio, uma explorao intensiva da ora
de trabalho, a represso dequalquer possibilidade de organizao da
classe trabalhadora, um mercadorestrito reservado s aixas
mdio-altas da estrutura social, mas, integrado emum amplo circuito
supranacional de mercados similares, e postulava uma erozrepresso
interna realizvel atravs de uma ditadura militar. Estes dois
projetosconviveram por um certo tempo, tanto que o ano de 1964 , ao
mesmo tempo, oano do golpe militar no Brasil e o ano em que
aDemocraciaCrist,de EduardoFrei, maciamente apoiado pelos Estados
Unidos, ganhou a eleio no Chile como slogan revoluo na liberdade.
Mas, em 1973, as iluses kennedianashaviam
sido abandonadas h algum tempo: o racasso de Frei, cuja
presidncia encerra-se com um balano desastroso nos planos econmico
e poltico, evidenciou aimpraticabilidade do projeto kennedianosem
incisivas reormas estruturais e areapropriao dos recursos por parte
dos pases em desenvolvimento; reormasque os crculos polticos e
econmicos dos Estados Unidos no estavamabsolutamente dispostos a
permitir. Por outro lado, o caminho da instauraodas ditaduras
militares na Amrica Latina, de uma base ideolgica orte quese
expressava na chamada Doutrina da Segurana Nacional, parecia ter
sidoempreendido de orma irrevogvel como, inelizmente pouco tempo
depois, os
atos se encarregariam de confirmar tambm no Chile.No comeo de
1973, este trgico eplogo no parecia inevitvel.odavia, Lelio sentia,
j h algum tempo, a necessidade de denunciar estaestratgia de brutal
suocamento da democracia e seus resultados.
O golpe de Estado no Chile, por um lado, confirmou as anlises
queestavam na base do projeto; por outro lado, determinou a incluso
da situaochilena entre aquelas objeto do ribunal, de acordo com o
costume bassianodenunca perder de vista as especificidades, mas,
numa viso geral dos enmenos.
Neste meio tempo, Lelio havia encontrado Linda Bimbi e sua
comunidade de missionrias leigas que, de acordo com as palavras
da prpriaLinda: haviam percorrido sozinhas um dicil caminho de
libertao docatolicismo cercado pelo clericalismo, at uma ecumnica e
inter-religiosa,atravs da experincia da secularizao. Foradas, no
final dos anos 60, aabandonar a conortvel proteo do convento pela
ajuda evanglica oerecidas vtimas da ditadura militar brasileira e a
todos os que a combatiam, Lindae suas irms abraaram, sem hesitao, a
causa do ribunal, ornecendo suapreparao, antes, e s suas vrias
sesses, depois, uma contribuio to decisivae insubstituvel quanto
discreta. Desde ento, Linda e sua comunidade ligaram
inextricavelmente seu desempenho e sua vocao quele de Lelio e s
suas
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
31/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II 31
realizaes, at a sua morte e mais alm, at hoje, na Fundao que
carrega onome dele e que se esora para continuar sua atividade.
A deciso de realizar o ribunal oi publicamente anunciada
emBruxelas, no dia 6 de novembro de 1973, em ocasio de uma
grandiosaexposio que o governo militar brasileiro tinha organizado
no corao daComunidade Econmica Europeia (CEE), para ilustrar o
milagre brasileiro dezanos aps o golpe de Estado e atrair os
investidores e a opinio pblica europeia.
O milagre era aquele de um pas grande quase como a
Europainteira, cujo PIB havia crescido no ritmo de 10% ao ano; um
pas rico dematrias primas, recursos de todo o tipo, massas de
trabalhadores, onde h dezanos no ocorriam greves nem tenses sociais
e o chamado risco pas para os
investidores estrangeiros podia ser considerado inexistente. Os
maiores jornaisda Europa diundiam esta imagem. O anncio do ribunal
era um convite aolhar para a ace oculta do iceberg, a barbrie e a
desumanizao que eram seupressuposto; um convite a se perguntar se o
crescimento econmico podia serconsiderado um valor absoluto ao
ponto de sacrificar o valor da pessoa, presentenos milhes de seres
humanos degradados e embrutecidos, que representavam oaspecto
trgico deste milagre.
O eco suscitado pelas trs sesses do ribunal Russell IIe a
mobilizaoque elas produziram constituem um ato histrico sobre o
qual no preciso
voltar a alar. importante evidenciar, todavia, que a partir dos
trabalhosdaquelas sesses, Lelio se convenceu que osse chegada a
hora de comeara escrever um texto que juntasse os princpios e as
regras que inspiravam oribunal, para oerecer uma perspectiva
coerente e sistemtica a todos aquelesque se batiam para a realizao
da revoluo mundial comeada com a Cartada ONU e o processo de
Nuremberg.
No que se reere, particularmente, dimenso do direito
aplicadopelo ribunal, o campo das relaes internacionais oerecia a
Lelio um terrenode escolhas para realizar as suas anlises tericas
sobre o carter dicotmico
do direito em conexo com a lgica contraditria que percorre a
sociedadecapitalista (neste caso, na poca de internacionalizao do
capitalismo, dasociedade internacional) e o desenvolvimento
dialtico das oras produtivas queoperam em seu seio. A liquidao do
colonialismo, o aparecimento, no cenriointernacional, de novos
atores, cujos povos, nos sculos precedentes ao segundoconflito
mundial, eram somente objeto de direito; o banimento, como
crimeinternacional, da guerra que, nos sculos passados, era tida
como instrumentolcito de resoluo das controvrsias internacionais; a
afirmao, como regracogente do direito internacional,
daparidignidade entre todos os povos e todos
os seres humanos; a proclamao como ius cogensdo direito
autodeterminao,
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
32/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II32
eram apontadas por Lelio persuasivamente como possveis brechas
abertasno edicio da velha sociedade internacional, portadoras de um
novo direitointernacional cuja progressiva afirmao sobre os
elementos do velho direito,ainda ortemente presentes na cultura dos
especialistas e/ou na prtica dasrelaes internacionais, era tarea
das oras progressistas e amantes da paz.
Uma tarea eminentemente poltico-cultural destinada a
desmistificaras prxis e os lugares comuns que as chancelarias
utilizam para encobrir osprprios comportamentos inspirados na lgica
do domnio e do abuso ouda mesquinha viso do chamado interesse
nacional. De tal tarea, as trssesses do ribunal representam uma
realizao, tanto mais eficaz enquantoos reeridos trabalhos, no
contaminados por slogans ou posicionamentos
claramente propagandsticos, alm do j lembrado rigor na
reconstruo dosatos e das respectivas causas, undavam-se sobre o
valor do direito, valor, que poca, constitua um dos undamentos da
ideologia ocidental em contraposiocom o campo socialista. Empunhar
os valores que, mesmo nascidos deuma lgica alternativa, as oras
dominantes usam para legitimar o prpriodomnio, objetivamente
apoiadas pelo extremismo revolucionrio que a elesnega qualquer
capacidade libertadora ora uma constante do ensinamentobassiano que
encontrava agora modo de se desdobrar indutivamente atravsda
extraordinria atuao (o ribunal) de um imponente trabalho,
paciente,
meticuloso, at o limite do pedantismo.Por outro lado, nesta obra
de ormulao e ilustrao do novo direitointernacional que a poltica
dos Estados Unidos e dos governos ditatoriais porestes mantidos
violavam, adquirem uma particular importncia as resolues,que os
vrios rgos das Naes Unidas (principalmente a Assembleia Geral) e
arelativas agncias ormulavam naqueles anos, ou seja, as vrias
Cartas de direitos,as Convenes internacionais aprovadas ou em curso
de elaborao. extos,muitas vezes, carentes de eficcia obrigatria e,
desse modo, de valor jurdicomuito desigual (como Lelio no cansava
de advertir) e, todavia, relevantes
aos fins da atribuio de sentido s disposies de ius cogens, cujo
significadopreceptivo vinha, de tal modo, a ser plausivelmente
dilatado e enriquecido emuno de uma reconstruo sistemtica do novo
direito internacional. Nestaateno e valorizao de textos Lelio, por
exemplo, insistiu, em vrias ocasies,no significado e na importncia
da Resoluo de 6 de dezembro de 1974 queaprovava, com 115 votos a
avor, 6 contrrios e 10 abstenes, a Carta dosDireitos e Deveres
Econmicos dos Estados a sua postura oi muito dierentedaquela de
outros prestigiosos expoentes da cultura de esquerda, que
viamnestas Cartas e Declaraes, e em seu tumultuoso multiplicar-se,
o sinal de um
substancial vazio de tais instrumentos diante do poder econmico
e poltico das
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
33/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II 33
oras dominantes; sem compreender as visveis fissuras que este
universo depapel estava introduzindo na totalidade articulada do
domnio.
E exatamente para tornar mais incisivas tais rachaduras que,
jdurante os trabalhos da ltima sesso do ribunal, Lelio concebeu o
projetode sistematizar, num breve documento redigido em artigos e
precedido porum prembulo, o novo direito internacional que estava
emergindo e, como decostume, chamando a colaborar com o
empreendimento juristas de vrios pasese homens polticos que, sempre
mais numerosos, estavam atentos s elaboraesbassianas.
A abordagem metodolgica era anloga quela que o havia guiado
emsua obra de constituinte, antes, e de intrprete da Constituio
italiana, depois.
Individuar alguns preceitos-guias que servissem para iluminar
todas as outrasdisposies, organizando-as em um contexto de sentido
coerente e unvoco. Atais preceitos-guia, ele designava um papel que
segundo o seu ensinamento desenvolvia, na Constituio italiana, o
art. 3 e o art. 49. Estes preceitos eramindividuados na proteo da
paz, nos direitos humanos e nos direitos dos povos.rs regras, entre
elas intimamente conexas e interdependentes, que podiam,
j naquela poca, considerar-se parte do ius cogens internacional,
ainda que aconexo e articulao entre eles no ossem incontrovertidas.
E, todavia, o fioque as une ora por Lelio lucidamente enunciado no
discurso de abertura da
segunda sesso do ribunal, cuja clarividncia pode ser plenamente
apreciadasomente se se compara com a posio da mais prestigiosa
doutrina hoje emvigor, h quase 50 anos de distncia:
Creio que, baseado no que disse, alguns princpios resultam,at
agora, aceitos como normas de direito. Em primeirolugar, com base
na prpria Carta da ONU, o banimentoda guerra, do recurso ora e de
qualquer outra orma deagresso e a obrigao para todos os governos de
perseguiro objetivo da paz e das relaes amigveis entre os
povos,
exatamente para aastar todas as possveis causas daguerra. Mas,
todas as mais altas tribunas da humanidade,tanto religiosas como
polticas afirmam, repetida eunanimemente, que no pode existir paz
sem justia e,exatamente com esta afirmao se abre o Prembulo doato
constitutivo da Organizao Internacional do rabalho. igualmente
reconhecido que no pode haver justia semigualdade ou, pelo menos,
sem desigualdades excessivas,porque como indica o mesmo ato a
misria e a injustiaameaam a paz.
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
34/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II34
Nesta operao de reconstruo, a novidade suscetvel de
ecundosaproundamentos coloca-se, alm da j assinalada conexo entre
os trspreceitos, no vnculo que se institui entre direitos do homem
e direitos dospovos. Lelio, que dos direitos humanos oi sempre um
inabalvel deensor,tinha, no entanto, clarssimo que o homem, cujos
direitos inalienveis se tratade assegurar, no uma abstrao, mas, um
sujeito historicamente determinado,pessoa inserida em uma trama de
relaes econmicas, sociais, culturais, queormam a sua especfica
identidade, cuja tutela no pode ocorrer atravs daaplicao de mdulos
abstratos, que no considerem as especficas conotaesdo contexto
coletivo no qual a pessoa ormada. al postura az emergirem primeiro
plano tal contexto coletivo, que Lelio indicou como o povo. A
humanidade eita de povos, cada um com a prpria identidade, assim
comoos indivduos que compem cada um dos povos e a prpria
humanidade. Adoutrina clssica do direito internacional considerava
sujeitos de tais direitossomente os Estados. Ao lado destes
emergem, laboriosamente, atravs dadoutrina dos direitos humanos, as
pessoas, os seres humanos; trata-se, agora, deassumir que um novo
sujeito entra na cena internacional, o povo, e de promovero
reconhecimento de tal novo sujeito, ao qual azem, atualmente,
reerncianumerosos textos do prprio direito internacional, do
prembulo da Carta dasNaes Unidas Declarao pela Independncia dos
Povos Coloniais, de 1960,
at s numerosas resolues da Assembleia Geral das Naes Unidas.A
Declarao Universal dos Direitos dos Povos, que exprime esteesoro de
sistematizao em proposies normativas entre elas coerentes,oi
proclamada em Argel, em 4 de julho de 1976. Lelio, que tinha um
ortesenso de continuidade histrica no extenuante caminho da
humanidade,mesmo na diversidade das situaes e das culturas, quis
que a proclamaoda Declarao acontecesse, simbolicamente, no dia do
aniversrio da Declaraode Independncia norte-americana, quase a
significar que, como esta Declaraohavia assinalado o incio da idade
da democracia e dos direitos humanos no
mundo ocidental, da mesma maneira a Declarao de Argel poderia
assinalaro incio da poca da igual dignidade entre todos os povos e
todos os sereshumanos do planeta.
No escapava, alm disso, a Lelio, atento observador da
realidadeinternacional, como o estado do mundo apresentasse (e,
podemos acrescentar,ainda hoje apresenta) sempre novas e mais
agudas crises dos direitosundamentais dos homens e dos povos. Mas,
tal constatao, longe de induzi-lo a capitular ou a um desesperado
realismo, motivava-o ainda mais aoe iniciativa, convencido como ele
era de que o caminho da emancipao
da humanidade mede-se nos tempos longos, que vo bem alm da vida
do
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
35/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II 35
indivduo e se alimenta da luta diria e, mesmo, dos parciais
sucessos de tal luta,ainda que obscurecidos e submersos pelas
injustias desenreadas. A Declaraode Argel era um grito e uma
denncia permanente de tais injustias. Era preciso,a partir dos
ensinamentos obtidos pela sua experincia com os tribunais
deopinies, criar um instrumento, igualmente permanente, que fizesse
ressoaraquela denncia cada vez que um mnimo de mobilizao, num dado
contexto, oconsentisse.
Na onda destas reflexes, Lelio concebeu a ideia de dar vida a
umTribunal Permanente dos Povos que pudesse constituir esse
instrumentoconstante. Em tal ideia trabalhou intensamente at o dia
de sua morte, ocorridaabruptamente, em 16 de dezembro de 1978, no
mesmo dia em que ora
organizada, em Roma, a apresentao de um volume escrito em sua
homenagem.Na viglia escreve Leo Matarasso ora acometido, no Senado,
por umligeiro mal-estar. Internado no hospital e colocado em
observao, adormeceusegurando entre as mos o grosso volume dos
escritos em sua homenagem.Nunca mais acordou. Alguns dias mais
tarde, no Natal, teria ocorrido o seu 75aniversrio.
O Tribunal Permanente dos Povos veio luz apenas alguns
mesesdepois, graas ao compromisso e a determinao de tantas pessoas
que comLelio tinham colaborado e, em particular, de Linda Bimbi, de
Gianni ognoni,
que oi secretrio geral do Tribunal Russell II e de Franois
Rigaux que, domesmo ribunal, havia sido relator geral e que do novo
organismo oi, por muitotempo, presidente, guiando com mos seguras o
incio e, por longos anos, assucessivas atividades.
Muitas personalidades ilustres, que haviam eito parte do jri
doTribunal Russell II, aceitaram azer parte do jri do novo ribunal.
Entre elas,o escritor Julio Cortazar que, em ocasio da audincia
pblica que anunciava,oficialmente, o nascimento (Bolonha, 24 de
junho de 1979), pronunciou estaspalavras
...No uma leviandade dizer que em numerosas ocasies,um poema ou
as palavras de uma cano, um filme ouum romance, um quadro ou um
conto, uma obra teatralou uma escultura transmitiram ou transmitem
ao povoa noo e o sentimento de numerosos direitos que
osespecialistas exprimem e articulam na orma jurdica.No uma
leviandade se algum como eu, simplesmenteinventor de histrias de
antasia, tenha, uma vez mais,decidido participar deste tipo de
iniciativa e de dizer o
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
36/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II36
que digo neste momento... um trabalho longo e dicil;
precisamente esta a razo pela qual ocorre intensific-lodia aps dia;
este ribunal dos Povos que se constitui hoje,
em Bolonha, d-nos novo impulso, uma nova razo deperseverana.
Inventemos pontes, inventemos estradas emdireo daqueles, de muito
longe, que ouviro a nossa voz earo, um dia, tanto clamor que abater
as barreiras que lhesseparam, hoje, da justia, da soberania e da
dignidade.
Estas palavras do grande romancista so, talvez, o melhor guia
leituradas atas aqui publicados.
Roma, Junho 2014.Salvatore Senese
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
37/347
37
DISCURSO INAUGURAL DO PRESIDENTELELIO BASSO
30 de maro de 1974 Manh
1. Quando, em novembro de 1966, Bertrand Russell reuniu,
emLondres, 15 pessoas de vrios pases, dentre elas este que tem o
orgulho de vosalar neste momento, para constituir um organismo que
examinasse e julgasse oscrimes americanos no Vietn, imediatamente
provocou, inclusive na imprensa,uma discusso sobre o direito que
estas pessoas teriam de proclamarem-se
juzes. E a discusso oi to mais animada na medida em que ao
organismoundado por Bertrand Russell se deu o nome de ribunal
Internacional para oscrimes de guerra, posteriormente denominado
simplesmente ribunal Russell.
Ns tnhamos conscincia dos nossos limites e tambm nos pusemoso
problema da nossa legitimidade. Na declarao constitutiva, aprovada
emLondres, no dia 15 de novembro de 1966, escrevemos:
Ainda que esta tarea no tenha sido confiada por
qualquerautoridade constituda, ns assumimos a responsabilidade
nointeresse da humanidade e para a deesa da civilizao. A nos-sa ao
baseia-se em um entendimento pessoal. Somos abso-lutamente
independentes de qualquer governo e de qualquerorganizao oficial ou
semioficial e acreditamos firmementede expressar o proundo anseio e
a dor, de todos aqueles que,em muitas naes, so irmos. Acreditamos
firmemente quea nossa ao contribuir a despertar a conscincia do
mundo.
No discurso introdutrio Primeira Sesso, aberta em Estocolmo,
em
12 de maio de 1967, o presidente do ribunal, Jean-Paul Sartre, a
esse propsito,declarou:
emos plena conscincia de no ter recebido um mandatode ningum,
mas, se tomamos a iniciativa de nos reunir,o fizemos porque sabamos
que ningum poderia dar-nos este mandato. Certamente o nosso ribunal
no uma instituio. Mas, ele no substitui nenhum poderconstitudo: ao
contrrio, ele, na realidade, nasceu de umvazioe de um apelo.
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
38/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II38
O vazio ao qual Sartre se reeria era a alta de
organismosinternacionais oficialmente constitudos e capazes de
julgar os crimes deguerra. Os ribunais de Nuremberg e de quio o
fizeram em virtude dodireito do vencedor e, exatamente por isso,
pde-se contestar a legitimidade.O apelo do qual alava era aquele
que vinha da conscincia moral dos povos,oendida pelo que estava
acontecendo no Vietn. O apelo, sobretudo, vinhado povo vietnamita,
agredido pela potncia mais orte do mundo. Ns nosautonomeamos ento
intrpretes desta conscincia moral e a nossa legitimidadederiva, por
isso, da nossa capacidade de interpretar esta conscincia.
Dessemodo, Sartre conclui a sua argumentao dizendo: O que ns
queremos, na
verdade, que a legitimidade do ribunal seja retrospectiva, ou se
se preere, a
posteriori..No me compete explicar, neste momento, se e em que
modo aquelePrimeiro ribunal obteve a sua legitimidade aposteriori.
Pessoalmente, acreditoque sim, e o confirma o ato de que, em um
recente ratado de Direito PenalInternacional, do proessor Claude
Lombois - diretor da Faculdade de Direito eEconomia de Limonges, -
publicado em 1971 pela editora Dallez, dedicado umcaptulo a Les
solutions nouvelles dordre politique: Le ribunal de Stokholm, e
emoutros pases oram escritas dissertaes acadmica sobre o
significado jurdicodesta iniciativa. Ainda que nestes textos possam
ser encontradas crticas,
sobretudo de ordem jurdico-ormal, o simples ato que, para alm da
opiniopblica ao qual ele principalmente se dirigia, o ribunal
Russell tenha entradonos bancos universitrios, significa que as
objees ormais no tm ora pararear a marcha dos novos princpios
jurdicos.
2. Este segundo ribunal tambm se ps, no ato de sua constituio,
oproblema da sua legitimidade. Ele oi pensado, inicialmente, para
julgar somentea represso no Brasil, mas, aps o golpe chileno, oi a
prpria viva do presidenteAllende que nos procurou para solicitar a
instituio de um ribunal que se
ocupasse tambm do Chile. No se tratava somente de acrescentar um
Estado aoutro Estado: notrio que entre os generais brasileiros e os
generais chilenos emesmo entre as duas polcias, existiram acordos
que contriburam preparaodo golpe de Estado. Mas o mesmo tinha
acontecido no Uruguai e na Bolvia; oBrasil no era apenas um caso de
ditadura militar, mas parecia ser um modeloque tendia a se estender
por toda a Amrica Latina. Foi por isso que, na reunioconstitutiva,
realizada em Bruxelas em 6 de novembro de 1973, decidiu-se adotaro
nome de ribunal Russell II pela Represso no Brasil, no Chile e
AmricaLatina.
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
39/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II 39
Na declarao constitutiva afirma-se:
No momento da constituio, o ribunal Russell II deveexpressar-se
sobre a prpria investidura. Isto no rejeitaa ideia que um tribunal
necessariamente uma emanaode um poder. Uma sociedade, to pouco
organizadacomo a internacional, regida por um poder diuso,
noexercido pela pessoas jurdicas, os Estados, nem pelosseus
governantes responsveis diante do povo, mas pelosprprios povos. O
nico undamento racional e real daordem internacional a vontade de
paz dos homens emulheres convictos da sua solidariedade.
Este chamamento direto aos povos, este chamamento vontade
doshomens e mulheres talvez seja arbitrrio? alvez seja esta uma
afirmao polticasem qualquer undamento jurdico, a ponto de no poder
justificar a pretensode exercer em seu nome a uno jurisdicional
atravs de um ribunal que sejaa emanao da vontade popular, ao invs
do poder constitudo? O prembulo daConveno de Haia n. 4, de 18 de
outubro de 1907, contm a amosa ClusulaMartens, segundo a qual o
Direito das naes resultante dos costumesestabelecidos pelos povos
civilizados, dos princpios da humanidade e dos
ditames da conscincia pblica.Atravs desta clusula, inserida em
uma Conveno aprovada ouratificada pela grande maioria dos Estados
daquela poca, os ditames daconscincia pblica tornam-se uma onte
reconhecida de direito. Passaram-se quase 70 anos desde ento e se
poderia pensar que aquela tenha sido umarmula genrica sem
consequncias. Mas, exatamente oito dias atrs, no dia 22de maro, em
Genebra, a Conerncia diplomtica sobre direito humanitrio,aprovou,
pela grande maioria, o artigo 10 do Primeiro Protocolo Adicional
Conveno de Genebra de 1949, no qual o artigo primeiro da Clusula
Martens
textualmente repetido. Estamos, portanto, diante de um princpio
de direitoincontestvel, reconhecido pela maioria dos Estados, ainda
vigente, e no qual osditames da conscincia pblica tornam-se onte de
direito.
Mas esse no o nico caso de um chamado conscincia dospovos. Ao
contrrio, pode-se dizer que a prpria ONU tem nesse princpio oseu
undamento. L-se, de ato, no Prembulo de sua Carta, que os povos
dasNaes Unidas ( explcito o reerimento aos povos) esto:
determinados emreafirmar a nos direitos undamentais do homem, na
dignidade e no valor doser humano, na igualdade de direito dos
homens e das mulheres, assim como das
naes grandes e pequenas.
-
7/23/2019 Brasil Violacao Direitos Humanos Miolo Final
40/347
Brasil, violao dos direitos humanos - Tribunal Russell II40
E a afirmao de que so os povos das Naes Unidas queproclamaram a
sua a nos direitos humanos undamentais retomada pelaDeclarao
Universal dos Direitos Humanos, de 1948.
Em uma direo anloga est o art. 38 do Estatuto da
CorteInternacional de Justia, que o art. 92 da Carta das Naes
Unidas define comoparte integrante da mesma Corte. O art. 38, ao
elencar as vrias ontes de direito,enumera os princpios gerais de
direito reconhecidos pelas naes civilizadase, ainda que esta
distino entre naes civilizadas e brbaras esteja ultrapassadahoje e
seja inaceitvel, permanece inalterado o sentido da disposio
segundoa qual os princpios aceitos pela comunidade internacional
so, de ato,normas jurdicas, independentemente da existncia ou no de
um instrumento
internacional ou nacional que as tenha proclamado tais.
3. No h qualquer dvida de que os direitos humanos so
reconhecidoscomo tais por todas as naes, inclusive por aquelas que
no os respeitam. Os di-reitos humanos esto presentes no direito
interno, porque se encontram estabele-cidos em quase todas as
constituies modernas e esto presentes no direito inter-nacional, no
qual uma srie de instrumentos de natureza diversa os proclamarame,
inclusive, os codificaram. Os relatrios jurdicos que ouviremos nos
alaro dissomais detalhadamente; eu preciso apenas lembrar aqui a
Declarao Universal dos
Direitos Humanos de 1948 e os dois Pactos aprovados em 1966; a
Carta Europeiados Direitos Humanos e, no que se reere Amrica
Latina, a Carta de Bogot de1948 e a Conveno de S. Jos da Costa Rica
de 1969, que um dos documen-tos mais avanados neste campo. Mesmo
desconsiderando outros instrumentos,tambm estes com a sua
importncia, no h qualquer dvida de que a constantereafirmao destes
mesmos princpios, tanto em um mbito universal como naONU, quanto
naquele regional como para a Europa e Amrica Latina ou, ainda,em
mbito nacional como em muitas constituies, indica claramente que
estesprincpios respondem conscincia popular e aqueles que exercem o
poder no
devem s