Projeto Memória M Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de João Monlevade ANO I - Nº 3 MAR ABR / 2008 No livro “Formação Sindical - História de uma Prática Cultural no Brasil” (Escrituras Editora, 1996), a historiadora Sílvia Maria Manfredi, ao abordar as experiências de capacitação sindical na década de 80, destaca as iniciativas de quatro entidades. Uma delas é a Fundação Casa do Trabalhador, de João Monlevade. A idéia de criação da Casa, lembra a historiadora, começou em 1978, no meio de um grupo de trabalhadores que participavam de um encontro de reflexão. Dois anos depois, em 29 de dezembro de 1980, a instituição era registrada. Apesar de ter como sua clientela potencial os habitantes de toda a região que se estende de Belo Horizonte a Ipatinga, no Vale do Aço - trajeto da BR-381 -, foi escolhida como local para a sede a cidade de João Monlevade. A razão não foi apenas a localização central do município, mas, Publicação bimestral do Centro de Referência e Memória do Trabalhador (Cerem) Equipe: Rosália Oliveira/Wir Caetano Jornalista Responsável: Wir Caetano (MG05857JP) A assistente social Regina Fazzi (esq) integrou a equipe da Casa do Trabalhador http://memoria.metalurgicosmonlevade.com.br email: [email protected]principalmente, por ser “palco do trabalho de organização e renovação que a partir do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos se irradiava para as demais entidades regionais e nacionais”. Desenvolvida para ser um instrumento que contribuísse “para o avanço das lutas e da organização de diferentes setores das classes populares”, a Casa manteve-se em atividade até o início dos anos 90. A CASA DO TRABALHADOR
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Projeto Memória
M Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicosde João Monlevade
ANO I - Nº 3
MAR ABR/2008
No livro “Formação Sindical - História de uma Prática Cultural no Brasil” (Escrituras Editora, 1996), a historiadora Sílvia Maria Manfredi, ao abordar as experiências de capacitação sindical na década de 80, destaca as iniciativas de quatro entidades. Uma delas é a Fundação Casa do Trabalhador, de João Monlevade.
A idéia de criação da Casa, lembra a historiadora, começou em 1978, no meio de um grupo de trabalhadores que participavam de um encontro de reflexão. Dois anos depois, em 29 de dezembro de 1980, a instituição era registrada.
Apesar de ter como sua clientela potencial os habitantes de toda a região que se estende de Belo Horizonte a Ipatinga, no Vale do Aço - trajeto da BR-381 -, foi escolhida como local para a sede a cidade de João Monlevade. A razão não foi apenas a localização central do município, mas,
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A assistente social Regina Fazzi (esq)integrou a equipe da Casa do Trabalhador
O dia era 11 de setembro de 1978, uma segunda-feira, e já terminara a greve dos metalúrgicos da Belgo-Mineira, usina de Monlevade, uma das duas primeiras greves do Brasil após a decretação do AI-5 pela ditadura militar. Perto de São Gonçalo do Rio Abaixo (a cerca de 25 km de João Monlevade), o Brasília guiado por José de Alencar Rocha caía em uma ribanceira. Ele morreu no local. Os demais ocupantes do carro tiveram ferimentos generalizados.
Alencar, que presidira o Coral Monlevade, era integrante da diretoria que assumiu o Sindicato dos Metalúrgicos em 1972 (comandada por João Paulo Pires de Vasconcelos) e sua morte ocorreu dias antes de sua posse na presidência da entidade sindical, prevista para o dia 20 de setembro.
O “Jornal de Monlevade”, em sua edição de nº 39, do dia 15 daquele mês, dizia que a cidade “ficou perplexa” com a notícia do acidente. “Sua participação nos movimentos comunitários sempre foi decisiva”, destacava o periódico.
Quatro anos depois, seria inaugurado o Conjunto Habitacional José de Alencar Rocha, que foi construído por reivindicação dos metalúrgicos e ganhou esse nome em homenagem ao velho companheiro.
Foto de Alencar (à direita); elefoi vice-presidente do Sindicatodos Metalúrgicos na chapa deJoão Paulo (à esquerda) e morreu dias antes de assumir apresidência da entidade.
No dia 13 de dezembro de 1968, o general Costa e Silva, então presidente do Brasil, editava o Ato-Institucional nº 5 (AI-5), que permitia ao governo federal legislar sem contestação, fechar o Congresso, cassar mandatos, demitir funcionários públicos a seu bel-prazer. Começava uma era de intensificação da censura e da violência.
Em 2004, o Sindicato dos Metalúrgicos de Monlevade - responsável, em 1978, por uma das duas primeiras greves no país durante a vigência do AI-5 (a outra aconteceu no ABC) - realizou, junto a outras entidades sociais, um concurso de redação para alunos do ensino médio, com o tema “Resistir sempre, Ditadura Nunca Mais”. Era uma forma de aguçar, nos jovens, a memória e a reflexão sobre um período de sombras.
A iniciativa do concurso se revela ainda mais importante agora, quando a decretação do Ato Institucional nº 5 completa 40 anos. Pesquisa do instituto DataFolha revelou que oito em cada 10 brasileiros nunca ouviram falar do AI-5.
VillarNo dia 31 de março de 1985 (data em que o golpe militar completava 21 anos e ano da primeira eleição para presidente da República após a ditadura), os metalúrgicos de João Monlevade perdiam um líder: José Villar Sobrinho. Ele sofreu um infarto, por volta das 17 horas.
Villar, nascido em 9 de fevereiro de 1937, morreu aos 48 anos sem conseguir se aposentar, embora pleiteasse aposentadoria desde 1983, depois de três décadas de trabalho.
Na diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos, começou a mostrar seu perfil de liderança já em 1975, quando levantou a bandeira de um sistema humano de turnos de revezamento.
Ele assumiu a presidência da entidade em 1978, no lugar de José de Alencar Rocha, que morreu antes de tomar posse. Seu mandato foi marcado por lutas e, em razão disso, em três anos, foram três greves. Entre as conquistas que garantiu, junto aos trabalhadores, está a construção do conjunto habitacional que ganhou o nome de seu antecessor.
Marina Eugênia de Souza, a “Dona Preta”, 68 anos, nasceu na área rural de Alvinópolis, perdeu a mãe, vítima de febre amarela, quando tinha 1 ano de idade e, sete anos depois, ficou órfã também de pai. Aos 9, ela começou a trabalhar como empregada doméstica, atividade que manteve ao longo da vida.Dona Preta mudou-se para João Monlevade em 1960 e seu espírito atuante e combativo construiu uma história na comunidade. Ainda nos anos 70, engajou-se nos movimentos populares, trabalhando em Comunidades Eclesiais de Base, na Pastoral Operária e na Pastoral da Mulher. Integrou a primeira diretoria da Fundação Casa do Trabalhador, instituição nascida do berço das lutas sindicais e populares. Ela foi a fundadora, em 1982, da Associação das Lavadeiras de João Monlevade, que, em 87, se transformaria na Associação das Profissionais Domésticas e Lavadeiras. Como integrante do chamado “Grupo de Mulheres”, nos anos 80, Dona Preta tem sua história associada também ao apoio à trajetória dos metalúrgicos de Monlevade.
Em julho, o senhor José Emílio, aposentado da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira (atualmente ArcelorMittal), doou uma série de recortes de jornais ao Centro de Referência e Memória do Trabalhador (Cerem). Entre o material doado, está entrevista de Bento Jacob (foto) ao jornal “O Momento”, publicada em edição de 31 de março de 2004. Bento foi um dos integrantes da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos deposta com o golpe militar de 1964.
O ex-diretor conta ao jornal que, após o golpe, soldados da Polícia Militar invadiram a sede do Sindicato e retiraram vários documentos, entre os quais a ata de assembleia realizada no dia 31 de março, com um texto em apoio ao presidente deposto João Goulart e seu cunhado Leonel Brizola. Depois, “começaram a pipocar as prisões de sindicalistas”, lembra Bento. Ele, por exemplo, foi preso em uma garagem da Belgo quando estava trabalhando, às 15 horas do dia 12 de abril de 64. Na cadeia, onde ficou por oito dias, momentos difíceis. “Um deles foi a informação de que seriam levados para um presídio no arquipélago de Fernando de Noronha. (...) Isso se chegassem lá, já que muitas eram as notícias de pessoas que simplesmente desapareciam, mortas pela ditadura”.
“Brasília - Sete horas depois de terem chegado à Praça dos Três Poderes com faixas e cartazes alusivos ao desemprego, líderes metalúrgicos mineiros, acompanhados de dois deputados do PT, dois do PMDB e um do PDS, foram recebidos ontem, às 16h30, sem constarem da agenda, pelo [vice-]presidente Aureliano Chaves (...). A mesma sorte não tiveram o prefeito de Flores (PE), Edilton Santana, e um grupo de estivadores do Paraná (...).(...) foi dada ordem para que subissem ao 3º andar, onde fica o gabinete presidencial, os líderes Leonardo Diniz, Antônio Ramos, [João] Paulo Pires [de Vasconcelos] e mais os deputados Luís Dulce e Mares Guia (PT), Luís Guedes e Cássio Gonçalves (PMDB) e Paulino Cícero (PDS), além do vereador João Bosco Pascoal, de João Monlevade. (...) Entregaram um documento denunciando ameaças de dispensas e pressões contra o Sindicato pela Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, que já dispensou cerca de 3 mil empregados (...).
“O ministro Murilo Macedo, depois da audiência no Planalto, saiu para visitar o presidente Figueiredo, na Granja do Torto. Lá, prometeu entrar em contato com a Belgo-Mineira, para evitar mais demissões”.
(Matéria publicada no Jornal do Brasil em 25/08/1983. João Paulo Pires de Vasconcelos foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Monlevade de 1972 a 1987; Leonardo Diniz; de 1981 a 1987; e Antônio Ramos, de 1987 a 1990)
O ano era 1984. O Cedal (Centro de Estudos para a América Latina) convidou alguns sindicalistas latino-americanos para visitar países europeus e trocar experiências com trabalhadores do Velho Mundo. Foram dois chilenos, um venezuelano e quatro brasileiros.Entre os líderes do Brasil, estava João Paulo Pires de Vasconcelos, que presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos de 1972 a 1978 e permanecia como integrante da diretoria da entidade nos anos 80. “O ponto alto da viagem foi, sem dúvida, a visita que João Paulo Pires, de João Monlevade, fez à OIT - Organização Internacional do Trabalho -, em Genebra, Suíça”, destacava o jornal “Diário da Tarde”, de Belo Horizonte (MG), na edição de 17 de abril.O jornal relatava que João Paulo entregou ao diretor geral da OIT um documento assinado por 70 sindicatos, intitulado “Sobre a Situação do Trabalhador Brasileiro Hoje”. O documento trata da extrema contradição entre os ganhos do capital e do trabalho, principalmente a partir de 1964. O modelo econômico brasileiro “explorou intensivamente um único produto: a mão-de-obra escrava, remunerada a preços irrisórios”, diz o texto, redigido pelo ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos.