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A Profecia Apocalíptica de Pseudo-Metódio Author(s): José van den Besselaar Reviewed work(s): Source: Luso-Brazilian Review, Vol. 28, No. 1, Messianism and Millenarianism in the Luso- Brazilian World (Summer, 1991), pp. 5-22 Published by: University of Wisconsin Press Stable URL: http://www.jstor.org/stable/3513280 . Accessed: 13/10/2012 09:27 Your use of the JSTOR archive indicates your acceptance of the Terms & Conditions of Use, available at . http://www.jstor.org/page/info/about/policies/terms.jsp . JSTOR is a not-for-profit service that helps scholars, researchers, and students discover, use, and build upon a wide range of content in a trusted digital archive. We use information technology and tools to increase productivity and facilitate new forms of scholarship. For more information about JSTOR, please contact [email protected]. . University of Wisconsin Press is collaborating with JSTOR to digitize, preserve and extend access to Luso- Brazilian Review. http://www.jstor.org
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Besselaar_a Profecia Apocaliptica

Dec 10, 2015

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Andre Rodrigues

basselaar, a profecia apocalíptica
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A Profecia Apocalíptica de Pseudo-MetódioAuthor(s): José van den BesselaarReviewed work(s):Source: Luso-Brazilian Review, Vol. 28, No. 1, Messianism and Millenarianism in the Luso-Brazilian World (Summer, 1991), pp. 5-22Published by: University of Wisconsin PressStable URL: http://www.jstor.org/stable/3513280 .Accessed: 13/10/2012 09:27

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A Profecia Apocaliptica de Pseudo-Metodio

Jose van den Besselaar

Chegaram aos nossos dias diversas obras de Sao Met6dio (sec. III-IV): umas com- pletas ou quase completas, outras em estado fragmentario; umas na lingua original (grego), outras em traducoes eslavas que remontam ao seculo XI.I Entre elas ocupa um lugar de destaque o Symposion ou "Banquete", em que o autor, imitando o dialogo homonimo de Platao, mas alterando-lhe a tese em sentido cristao, exalta a virgindade como um acto de amor mistico ao Divino Esposo.2 Pouco sabemos da vida e da posicao eclesiastica de Sao Metodio. As noticias que a esse respeito possuimos, sao relativa- mente tardias e, nao raro, confusas e contraditorias. Mas tudo nos leva a crer que ele exerceu a sua actividade literaria entre 270 e 310 na Licia (em Olimpo, Patara, etc.), onde, segundo a tradicao, foi bispo ou, na opiniao de alguns investigadores modernos, preceptor de uma escola teologica. E provavel que morresse martir sob Diocleciano na cidade de Calcide (na Siria). Sem ser muito profundo ou original, o autor revela-se nos seus livros um espirito equilibrado, que poe todo o empenho em procurar o meio-termo entre o realismo historico da tradicao bl'blica e o alegorismo especulativo da escola alex- andrina, da qual Origenes e a figura mais imponente.

No fim do seculo VII, um autor sirio (provavelmente, monge) redigiu uma sucinta historia apocaliptica, atribuindo, por qualquer razao, a paternidade do seu opusculo a Sao Metodio. A sua personalidade e-nos completamente desconhecida, mas, pelo escrito que nos deixou, podemos verificar que andava aflito com os avanos dos islami- tas, que, num periodo de cinquenta anos, tinham invadido o Egipto, a Africa, a Siria, a Persia e varias ilhas do Mar Mediterraneo. Preocupava-o tambem a expansao dos Bulgaros e Cazares, os quais, no Norte, comePcavam a constituir uma ameaca cada vez mais seria para a sobrevivencia do Imperio Cristao de Bizancio. A sociedade, a cultura e a religiao corriam o risco de perder-se. O film do mundo nao podia tardar, visto que a historia humana entrara no setimo milenio da sua existencia, que lhe devia trazer o termo fatal.

Certos assuntos tratados por Pseudo-Metodio tiveram alguma repercussao na li- teratura messianica de Portugal, razao por que os est.udo no presente trabalho. Divide- se a materia em duas partes. Na primeira partey assinalo os topicos mais marcantes do opusculo, relacionando-os com o seu contexto hist6rico e ideologico. Na segunda, pre- tendo examinar como os sebastianistas e joanistas aproveitaram e muitas vezes deformaram alguns textos desta profecia, adaptando-os livremente a sua causa. Tal exame parece-me instrutivo, porque mostra sobejamente como tais escritores eram pouco criteriosos em lidar com textos profeticos.

Luso-Brazilian Review XXVIII, 1 0024-7413/91/000 $1.50 t1991 by the Board of Regents of the

University of Wisconsin System

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As profecias tem geralmente um destino imprevisivel ate mesmo aos proprios profetas!

ALGUNS T6PICOS DA PROFECIA

O opusculo de Pseudo-Metodio trata da historia da humanidade, principiando com a expulsao de Adao e Eva do Paraiso Terrestre, e terminando com o Juizo Final. Divide-se em duas partes: na primeira parte (cap. 1 a 9), que e pretensamente his- torica, o autor relata, numa mistura estranha de dados bl'blicos, especulacoes teologicas e elementos nitidamente lendarios, os acontecimentos do pasado; na segunda parte (cap. 10-14), que e apocaliptica, desenvolve as suas ideias sobre os tempos derradeiros. A historia, na sua totalidade, abrange um espaco de seis mil anos e poucos seculos, mas a atencao que o nosso autor presta a cada um dos sete milenios e muito desigual. O que, na parte historica, lhe cativa todo o interesse e a sucessao dos quatro Imperios Mundiais, descritos pelo profeta Daniel (Dan. 7); o ultimo deles e o Imperio Romano, cujo verdadeiro fundador foi Alexandre Magno, filho de mae etiope. Na parte apolcaliptica, fala no rei dos ultimos tempos, que restaurara o Imperio Romano, esta- belecera por breve tempo um reino de paz e prosperidade e, pouco tempo antes da manifestacao do Anticristo, depora a coroa real no monte Golgota de Jerusalem.

A Etiopia desempenha um papel importante no opusculo. O autor cita, por duas vezes, o versiculo 32 do Salmo 67, que reza: "A Etiopia se adiantara a estender as suas maos para Deus" (cap. 9 e 14). Contudo, os entendidos sao unanimes em afirmar que Pseudo-Metodio escreveu o seu trabalho nao na Etiopia, mas na Siria e em lingua siria. Alias, na Biblioteca Vaticana existe um codice que nos transmite o texto sirio.3 Mas parece que, ja na vida do autor, se fez uma versao grega do texto original,4 a qual teve uma divulgaZcao muito maior. E pouco tempo depois, um monge sirio, de nome Pedro e estabelecido num mosteiro da Franca merovingia, traduziu a versao grega para o latim. Pedro dominava muito mal a lingua latina, de modo que a sua traducao e deploravel, mas essa circunstancia nao obstava a que fosse lida e copiada. Possuimos ainda quatro copias do texto latino, que remontam ao seculo VIII,5 e numerosas outras de seculos posteriores.6 O fato prova que o opusculo teve boa acolhida no mundo ocidental, sem duvida, maior ainda do que entre os gregos.

O latim desajeitado da versao primitiva foi razao por que ela, a partir do seculo x, ficou sendo objecto de uma serie de revisoes radicais. Elas nao se limitavam a eliminar e corrigir os numerosos barbarismos, mas, de acordo com o que se costumava fazer com textos profeticos, chegavam a incluir tambem interpolacoes, adaptadas as necessi- dades do momento. Assim o texto latino de Pseudo-Metodio chegou ate nos em varias redaccoes, bastante divergentes entre si. No decurso do seculo XII, o opusculo veio a fornecer alguns dados a historiografWla medieval, nomeadamente, a obra do conego frances Petrus Comestor.7 O seu prestigio nao declinou no fim da Idade Media, o que se explica sobretudo pelo interesse dos joaquimitas por assuntos apocalipticos. E signi- ficativo que existam duas edisoes incunabulas de Pseudo-Metodio: a primeira data de 1475 (Colonia), a segunda de 1498 (Basileia).

Em seguida, o opusculo, munido do titulo Revelationes, entrou nas grandes coleccoes das obras patristicas. Delas mencionamos aqui a Magna Bibliotheca Veterum Patrum et Anti- quorum Scriptorum Ecclesiasticorum Collectio, editada por Marguerin de la Bigne em nove tomos (Paris, 1575-1579). Em 1613 o jesuita italiano Roberto Belarmino escrevia na

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sua obra De Scriptoribus Ecclesiasticis8 que o livrinho atribuido a Sao Met6dio lhe parecia supositicio, mas essa nota critica nao impedia novos editores de o incluirem numa colecao consideravelmente ampliada (14 tomos), que saiu em Colonia (1618-1625); esta e a edisao que Antonio Vieira deve ter consultado no Colegio de Santo Antao de Lisboa.9 O opuseulo encontra-se ainda na Maxims Bthliotheca Veterum Patrum, etc., publi- cada em Liao (27 tomos, a partir de 1577). Nesta ultima edisao, o texto de Pseudo- Metodio vem acompanhado da nota marginal: Falsissimus liber et inepte S. Methodio diu ascriptus, qu ique h tc locum non inven issetn n isi Jam praeceduntibus h ajus Bib liothecae edition ib us faisset editus. I0 Reeditou-se, portanto, por respeito a uma longa tradicao da Bibliotheca, mas o seu caracter apocrifo estava fora de duvida para os novos editores. Se Vieira tivesse acompanhado os progressos da filologia e critica historica, poderia ter tomado conhecimento dessa sentenca peremptoria nos ultimos anos da sua vida, mas tal in- teresse era completamente alheio ao seu espirito insaciavel de textos profeticos.

Para ficarmos com uma ideia da maneira pouco cientifica como procedeu Pseudo- Metodio, passemos a ver alguns topicos da sua historia apocaliptica. Tres ou quatro deles entraram, com as inevitaveis deformacoes, na literatura messianica de Portugal.

1. Os quatro filhos de Noe

A Bl'blia conta que Noe tinha tres filhos: Sem, Jafet e Cam (Ge'n. 5:31; 9:18), dos quais descendem as tres familias de povos que os antigos israelitas conheciam: os semi- tas na Mesopotamia, Siria, etc; os jafetitas na Media, Grecia, etc., e os camitas no Egipto, Etiopia, etc. (cf. Gen. 10). Ora, Pseudo-Metodio conhece um quarto filho de Noe, que lhe teria nascido depois do Diluvio, no ano 100 do terceiro milenio (cap. 3). Na versao latina, ele chama-se Ionito e, na versao grega, Moneton, Ionetos ou Hyione- tos,l' e seria o inventor da astrologia e da arte de predizer o futuro. Segundo o nosso autor, os quatro Imperios Mundiais remontariam aos quatro filhos de Noe mediante uma serie bastante complicada de casamentos, conquistas, etc. Nao me quero deter em expor essa historia fantasista; alias, ela tem pouca importancia para o profetismo do mundo latino. Basta dizer aqui que nao foi o nosso autor que a inventou, ele tomou-a emprestada a uma fonte siria do seculo VI, o chamado "Tesouro da Cova", que se teria achado na cova, onde se acolheu Adao depois da sua expulsao de Eden e onde foi se- pultado. 12

2. A figura de Alexandre Magno

Nao menos fantasista e o que Pseudo-Metodio nos conta de Alexandre Magno, fa- zendo dele o filho de Filipe de Macedonia e de Khuset,'3 uma princesa etiope. Esta, de- pois da morte prematura do seu filho, regressa a sua patria, onde se casa com Byzas, o rei-fundador de Bizancio. Nasce-lhes uma Ellha Byzantia, a futura esposa de Romulo, rei de Roma, a quem dara tres filhos, que se tornarao os reis de Alexandria, Bizancio e Roma (cap. 8-9). Assim o Imperio Romano sucessor dos tres referidos reinos tem a sua origem numa princesa etiope e, uma vez cristianizado, durara ate a consumacao dos seculos.

Esta fabula espantosa, que zomba dos factos mais solidos da historia, deve ser um elemento tomado a uma variante etiope das numerosas vidas romanceadas que na- quela epoca circulavam sobre Alexandre Magno. Ao que eu saiba, ela nao deixou vestigios na literatura sebastica.

Pseudo-Metodio conta-nos outro facto notavel de Alexandre Magno, nao menos es-

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pantoso do que a sua origem etiope. Segundo ele, o rei macedonio seria um sincero e piedoso adorador do Deus de Israel. Uma vez, ao fazer uma expediJcao ao extremo Oriente, o heroi veio a topar num conglomerado de 23 povos imundos, descendentes de Jafet: eles comiam ratos, caes, serpentes e ate cadaveres e fetos humanos. Ao saber disso, Alexandre, temendo que aquela imundicie um dia chegasse a conspurcar a Terra Santa, forcou-os a transmigrar para uma regiao setentrional, onde duas altas mon- tanhas, separadas por uma passagem estreita, os deviam encerrar para sempre. Mas, nao contente com tal encerramento natural, pediu a Deus que as duas montanhas se fossem aproximando uma da outra, o que elas prontamente fizeram, gracas a um mila- gre do Ceu, deixando um intervalo de apenas doze cubitos. Neste espaco intermediario Alexandre mandou erguer uma torre de ferro e unta-la com asincitum,'4 um material a prova de fogo e marteladas. Mas, pouco tempo antes de aparecer o Anticristo, aquela torre de ferro ha-de desabar e os 23 povos sairao da sua clausura, para invadir as terras dos cristaos, espalhando o pavor por toda a parte. Um chefe da milicia celeste (o ar- canjo Miguel?) ha-de derrota-los perto da cidade de Jope ( = Jafa). Este e o breve re- sumo do que lemos nos capitulos 8 e 13 da nossa historia apocaliptica.

A not icia de que Alexandre constru lu portas de fe rro num de sfilade iro d a se rra de Elburz, ao Sul do Mar Caspio, nao muito longe da actual cidade de Teerao, encontra-se pela primeira vez numa obra de Flavio Josefo,l5 e,apesar de pouco fidedigna, foi per- filhada por diversos autores, que nao deixaram de a enriquecer com alguns pormenores pitorescos, e acabou por entrar na literatura, ficando com a sua expressao classica numa lenda siria do inicio do seculo VI. Nela, reminiscencias do passado iam-se mis- turando com milagres e visoes escatologicas. Entre os 23 povos imundos,l6 chefiados pe- los monstros apocalipticos Gog e Magog,l7 encontram-se os Hunos e os Alanos, que invadiram o Imperio no seculo v. Ao falar dos povos imundos, Pseudo-Metodio deve ter pensado tambem nos Cazares e nos Bulgaros (estes, ainda nao eslavizados), que constituiam, na epoca da redaccao do seu opusculo, um grande perigo para Bizancio, mas nao os menciona explicitamente.

Metamorfoseada e integrada num contexto diferente, a fabula do encerramento mereceu a atenao de Antonio Vieira, que a relatou e brevemente comentou, como havemos de ver mais adiante (cf. infra, II 3).

3. 0 setimo milenario

Ao escrever a sua profecia apocaliptica, Pseudo-Metodio Julgava saber que o mundo entrara no setimo milenario da sua existencia, epoca em que se daria o fim da historia humana.

De acordo com a praxe bizantina, que partia das listas genealogicas, tais como elas se encontravam na versao grega da Bl'blia,feita pelos "Setenta", o nosso autor situava a Encarnacao por volta de 5500 da Era Mundial. Pelos factos a que alude na parte apo- caliptica do seu opusculo podemos verificar que o redigiu na segunda metade do seculo VII, epoca em que o mundo tinha, pelo menos, 6150 anos de existencia. O tempo urgia.

Vejamos o seu segundo ponto de partida: este mundo tera uma duracao de 6000 anos. A crenta baseia-se no paralelismo que a especulaao teologica da epoca julgava existir entre os seis dias da criacao e os seis milenios da sua duraao. Diz a Bl'blia: "E Deus acabou no setimo dia a obra que tinha feito, e descansou no setimo dia de toda a obra que tinha feito" (Gen. 2: 2). E diz o apostolo Sao Pedro: "Um dia, diante do Se- nhor, e como mil anos, e mil anos como um dia".'8 O numero seis, no referido texto do

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livro Genesis, tem, alem de um sentido historico, um profundo significado profetico: o mundo durara seis milenios. Ora, este prazo ja estava ultrapassado, quando Pseudo- Metodio escrevia a sua historia. Tal facto nao o abalou. Muitos dos que interpretavam assim as Escrituras excogitaram argumentos engenhosos que lhes permitissem alargar o prazo. Assim Germano I, patriarca de Bizancio no seculo VIII, calculava a duracao do mundo em 6500 anos.l9 Pseudo-Metodio e prudente: nao arrisca a fazer calculos exac- tos, contentando-se em dizer que o fim esta iminente, porque o mundo ja se acha no setimo milenio (cap. 10, no fim).

Diz a Bl'blia que "Deus descansou no setimo dia", razao por que os israelitas de- viam santificar o sabado, descansando no setimo dia da semana (cf. Exod. 20: 8-11). I:)esde o inicio do seculo II, alguns exegetas julgavam que ao setimo dia da criacao, em que Deus descansava, devia corresponder, na historia humana, o setimo milenio, em que os justos reinarao durante mil anos com Cristo (cf. Apoc. 20: 1-6). Este reino de Cristo sera a penultima fase da historia: depois de um breve interregno do Anticristo, segue-se-lhe o oitavo dia, em que Cristo ressurgiu: e a eterna bem-aventuranca no Ceu.20 Esta opiniao teve uma divulgacao relativamente grande nos primeiros seculos do cristianismo, sobretudo no Oriente. Nao quero entrar aqui na historia complicada do primitivo milenarismo cristao, cuja exposicao levaria muito tempo. Basta dizer que Sao Metodio, a quem o nosso autor atribuia a autoria do seu opusculo, foi milenarista. Ele relacionava o Reino milenario de Cristo nao so com o setimo dia da criacao, em que t)eus descansou, mas tambem com o setimo mes do ano, em que os judeus celebravam a Festa dos Tabernaculos. Uma das virgens do seu "Banquete" fala assim:

For just as the Israelites of those days first travelled from the border of Egypt and came to the Tabernacles, and after departing from here again they came to the Promised Land, so it is with us. Setting out from here and making my way from the Egypt of this life, I come first to the resurrection,2l the true construction of the tabernacle [ - do meu corpo]; and there, setting up my tabernacle decorated with the fruit of virtue on the first day of the risen life, which is the Judgment, I shall celebrate with Christ the Millennium of Rest [ . . . ]. Then, once again, following Jesus [ . . . ] I shall arrive in heaven, just as the Jews after the rest of the Tabernacles came to the Promised Land. For I will not abide in the Tabernacles, that is, the tabernacle of my body will not remain the same, but after the Millennium it will be changed from its human appearance and corruption to angelic grandeur and beauty ....22

A esse milenarismo um pouco abstracto e quase platonico de Sao Metodio e com- pletamente alheia a visao escatologica de Pseudo-Metodio. Esta e mais concreta, mais terrestre, mais politica e, alem de tudo isso, nao abrange um periodo de mil anos, mas limita-se ao reinado relativamente breve do ultimo rei romano.

4. O rei dos ultimos tempos

Nos ultimos tempos, o Imperio Romano sera invadido por hordas de ismaelitas, que destruirao as cidades, profanarao as igrejas, matarao mulheres e criantas, e im- porao tributos muito pesados aos cristaos. Enfim, sao filhos do deserto, possessos do de- sejo de transformar o mundo civilizado num grande deserto. Mas, quando tiverem em

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seu poder grande parte das terras cristas, "entao despertara, como de sono de vinho, o rei dos Gregos e Romanos, a quem os homens consideravam como morto e de nenhum prestimo".23 Ele ira com furor sobre os terriveis inimigos, lancando-os fora do territorio cristao e perseguindo-os ate a peninsula arabica; depois da sua vitoria definitiva, ha-de impor-lhes um jugo seis vezes mais pesado do que eles tinham imposto aos cristaos. Em seguida, inaugurara um reino de paz, concordia e prosperidade, como nunca houve na terra. Mas a euforia geral sera cruelmente estorvada pela saida dos povos imundos do seu claustro. Os cristaos se esconderao nas montanhas e nas grutas. Os monstros serao derrotados perto de Jafa (ao que parece, sem que o "rei dos ultimos dias" participe na empresa militar) por um chefe da milicia celeste. A paz restabelecida sera, porem, efe- mera, porque ja se aproxima o reino do Anticristo (cap. 13). Impoe-se a questao: quem e o rei dos Gregos e Romanos, que despertara como de sono de vinho? A falta de indicios seguros, dependemos, neste particular, de conjec- turas, que, por sua vez, dependem de conjecturas acerca da data exacta do opusculo. Uns datam-no em 655 ou pouco tempo depois, no reinado de Constante III; outros op- tam pelo periodo entre 678 e 678, no reinado de Constantino IV; outros ainda preferem os anos 697-8, que se seguem ao destronamento de Justiniano II.24 Nao quero entrar a fundo neste problema, que, por mais interessante que seja, e de somenos importancia para o nosso assunto. Contudo, creio que os dois candidatos mais indicados sao Cons- tantino IV e Justiniano II. Ambos passavam, aos olhos de muitos, por reis "de nenhum prestimo". Na minha opiniao, o mais provavel dos dois eJustiniano II: na epoca da re- daccao da profecia, ele vivia em exilio, mas o nosso autor esperava que tornasse a reinar. De facto, voltou em 705, mas nao correspondeu as altas expectativas de alguns dos seus subditos. Depois de um breve reinado, cheio de vingancas, foi degolado em 711.

5. A deposicao da coroa emJerusalem No capitulo final do opusculo (cap. 14) lemos que, decorrido algum tempo depois do desbaratamento dos povos imundos, se manifestara o Anticristo, o filho da perdicao. Ele descende, tal comoJudas Iscariote, da Tribo de Dan,25 e seduzira muitos fieis com falsos milagres e, estabelecendo-se no Templo de Jerusalem,26 far-se-a adorar, como se fosse Deus. Entao Deus enviara Elias e Henoch27 para o desmascararem, mas os dois pagarao a sua intervencao com a morte. Mas ja estao contados os dias do filho da per- dicao. De repente aparecera o sinal do Filho do Homem: o Anticristo sera devorado por um fogo que desce do ceu, os impios serao lancados no inferno, e os justos resplandes- cerao como as estrelas no ceu.

Pouco tempo antes de aparecer o Anticristo, o ultimo rei dos Gregos e Romanos ira aJerusalem, subira o monte Golgota e pendurara a coroa real na Santa Cruz, entre- gando o Imperio Cristao a Deus. A Cruz, adornada com a coroa, se levantara ao Ceu, e o rei entregara a alma a Deus. Assim se cumprira a profecia do salmista: 'A Etiopia se adiantara a estender as suas maos para Deus" (Salmo 67: 32), pois sabemos que o Imperio Romano tem as suas raizes numa princesa etiope. Tambem a deposicao da coroa real em Jerusalem nao e invencao de Pseudo- Metodio, mas o tema ja se encontra no Oraculo da Sibila Tiburtina, cujas partes essen- ciais remontam ao governo do Imperador Constancio II (350-361), o protector dos arianos e perseguidor dos ortodoxos.28 Neste vaticinio lemos que o rei dos ultimos tem- pos sera Constante,29 muito zeloso da causa ortodoxa. Este, ao cabo de um reinado su-

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mamente feliz, que nao durara menos de 112 anos,30 ira a Jerusalem para ali depor o seu diadema e todas as insignias da sua realeza, entregando o Imperio Cristao ao Deus Pai e ao Filho. Logo em seguida, o Anticristo se manifestara em toda a sua malicia.

A deposicao da coroa tornou-se um topico predilecto aos autores de livros apocalip- ticos da Idade Media. Um certo, Adso, monge frances, escreveu entre 949 e 954 uma carta a Gerberga, a esposa do rei Luis IV da Franca, para lhe dar uns esclarecimentos sobre o Anticristo.31 Diz ele que o ultimo rei a governar o Imperio Romano na sua tota- lidade sera um Frances. No fim do seu governo, ira aJerusalem, onde depora o ceptro e a coroa, nao no monte Golgota, como queria Pseudo-Metodio, mas no monte das Oli- veiras.32 Na segunda metade do seculo, XIV, certo joaquimita, pessoa pouco identifi- cavel para nos, que escrevia sob o nome de Telesforo de Cosenza, adoptou esta figura do Rei frances no seu livro De magnis tribulationib2ls et statu Ecclesiaen que Vieira conhe- cia.33 Telesforo acrescenta ainda alguns detalhes a historia: o ultimo Monarca ira aJe- rusalem, acompanhado do s restantes do seu exe rcito, e depora as insignias reais em cima do Sacro Sepulcro, que se acha no monte das Oliveiras.34

PSEUDO-METODIO E OS MESSIANISTAS DE PORTUGAL

Os messianistas de Portugal andavam mal informados acerca de vida e das obras de Sao Metodio. O facto nao e de estranhar, porque naquele tempo os estudos patristicos se achavam na fase inicial. Ainda hoje devemos confessar que nos escapam muitos por- menores da vida do panegirista da virgindade. Para os sebastianistas, porem, ela nao tinha nada de problematico: sem a minima hesitacao faziam dele bispo de Tiro35 ou de Antioquia.36 Mas toda aquela ignorancia em assuntos biograficos e facil de perdoar, quando comparada com a sua tremenda falta de senso critico em materia profetica.

Sao frequentissimas as referencias ao opusculo de Pseudo-Metodio, tanto nos escri- tos dos sebastianistas ortodoxos, como dos dissidentes, sendo raro o fenomeno que uma coleccao de profecias o passe em silencio.3' Ninguem lhe punha em duvida a autentici- dade, nem sequer o erudito Antonio Vieira. A bem dizer, eram pouquissimos os que conheciam o opusculo na integra. De acordo com a praxe comum entre estes escritores, alegavam apenas frases isoladas, violentamente arrancadas do seu contexto, que pouco lhes interessava.

Nesta segunda parte do meu trabalho, pretendo examinar alguns vestigios que o opusculo deixou nos papeis messianicos do seculo XVII: o despertar do Rei, a deposicao da coroa real emJerusalem, o encerramento dos povos imundos por Alexandre e os seis milenios. Em cada um dos quatro referidos casos, a perspectiva historica e completa- mente diferente da que apresenta o texto original.

1. 0 despertar do Rei

A profecia acerca do despertar do Rei e praticamente a unica frase de Pseudo- Metodio que vem a ser textualmente citada pelos messianistas portugueses. O texto (com as inevitaveis variantes) ocorre em numerosos cartapacios, ora em latim, ora em portugues, ora nas duas linguas.38 Reproduzo-a aqui em portugues, tal como se encon- tra no Jardim Ameno:38 "Despertara um Rei com grande furor, como de vinho, a quem os homens tinham por morto; este ira sobre os filhos de Ismael [vindos] do Mar da Etiopia". A frase parece-me uma traducao fiel do texto original.

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Em 1624 Manuel Bocarro refere-se ao celebre texto, mas em forma visivelmente re- tocada por mao de humanista,40 e aplica-o a Filipe IV de Castela,4' ou III de Portugal, dizendo:

Como o Rei, o Cesar, estivesse sem tomar armas, sem gozar das costu- madas vitorias, cuidaram os homens que era morto, que nao tinha a potencia de antes; o que espero em Deus que se ha-de agora verificar em Felipe o Terceiro de Portugal, que, imaginando os inimigos que esta quasi morto, se excitara do sono, para vencer o mundo.42

Temos motivos sobejos para supor que Bocarro, ao aplicar a profecia a Filipe IV de Castela, nao fora completamente sincero. Dois anos depois, quando vivia exilado na It- alia, prometia solenemente a Casa Ducal de Braganca a Restauracao do Reino e assim, indirectamente, a coroa imperial da Monarquia Lusitana.43

Aos sebastianistas ortodoxos parecia muito facil explicar o texto de Pseudo- Metodio como profeeia da vinda inesperada de D. Sebastiao, julgado morto por muitos. Dou aqui apenas um exemplo. Um antagonista de Vieira44 relaciona "o sono de vinho" com "a vinha" da qual fala Bandarra nas trovas 17 e 18:

Vejo, vejo, direi vejo, E sair com grao desejo, agora que estou sonhando, e deixar a sua vinha, semente d'el-Rei Fernando e dizer: "Esta casa e minha, fazer um grande despejo. agora que ca me vejo!"45

Em seguida, acrescenta aos versos citados este comentario:

"Sair com grao desejo, e deixar a sua vinha" e o mesmo que deixar o lugar em que ele [sc. D. Sebastiao] ate agora esta retirado e encoberto; e a este chama Bandarra "vinha" com grande propriedade, aludindo as palavras de Sao Metodio [ . . . ]: "Despertara um Rei com grande furor, como de vinho, a quem os homens tinham por morto". E, para mostrar o desejo e furor com que ha-de vir, o faz tambem Bandarra vindo de vinha: "e deixar a sua vinha".46

Antonio Vieira, porem, na sua famosa carta do Maranhao, ve no texto alegado uma clara alusao a ressurreiSao de D. Joao IV. Ademais, nao hesita em dizer que as pa- lavras de Sao Metodio andam mui viciadas nos cartapacios dos sebastianistas.47 Parece- me que ele tinha em vista um texto atribuido a Sao Metodio, que nao passa de um arranjo de profecias heterogeneas e se encontra em diversos cartapacios;48 ate Gregorio de Almeida cita uma parte dele no seu livro.49 Transcrevo aqui o texto latino, normalizando-lhe a ortografia e munindo-o da minha traduao:

In his diebus apparebit in Luna vitale Nestes dias aparecera na Lua um simbolo signum, et resurget Rex Latinus ex vital, e despertara do sono o Rei Latino, somno, quifiuit asinus et camelus; de- que foi asno e camelo; mas transformado inde Leo dissipabit Agarenos et dicetur em Leao, desbatara os Agarenos [ = Sar- Magnus Imperator Romanorum, et racenos, cf. Ge'n. 21: 8-20; 25: 12-18] e

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restituet Domum sanctitatis, et erit sera chamado o Grande Imperador dos pax plurima. Romanos. Restituira a Casa Santa [ =Je-

rusalem], e a paz sera abundante.....

Certos elementos da profecia pareciam talhados para a figura de D. Sebastiao: foi "asno" em por em risco a independencia nacional; foi "camelo" em fazer uma expe- dicao ao deserto de Marrocos;50 mas sera "Leao" em desbaratar os Agarenos. Mas con- fesso ignorar a origem do texto, que nao e de Pseudo-Metodio.

Voltemos a carta do Maranhao. Na mesma pagina em que Vieira manifesta o seu menoscabo da forma viciada que o texto de Sao Metodio apresenta nos cartapacios dos sebastianistas, gaba-se de ter lido o texto autentico na "Biblioteca Antiga dos Santos Padres", titulo pouco exacto, mas com o qual indica sem duvida a Bibliotheca Magna, etc. editada em Colonia entre 1618 e 1625.51 Gaba-se tambem de saber reproduzir, "navegando ao rio das Almazonas" [sic], a famosa frase de Sao Metodio, tal como a lera na dita edicao. Vale e pena confrontarmos o texto citado com o da edicao colo- niense:

Vieira, Obr. Esc. VI, p. 54: Bibl. Magna, III, p. 386: Expergiscetur tamquam a somno Expergiscetur tamquam homo a somno vinz; vini, quem putabant homines quasi quem aestimabant homines tamquam mortaum mortaum et inutilem esse. esse et in nihilo utilem profecisse.

Apesar de serem numerosas as diferencas formais entre os dois textos, nao chegam a afectar o sentido fundamental da frase. Como muitas vezes, espanta-nos tambem aqui a fabulosa memoria do jesuita, que, decorridos uns dez anos depois da leitura, era capaz de reproduzir os elementos essenciais da profecia. Mas nao podemos dar grande apreco a traducao que ele nos apresenta: "Acordara, como de sono de vinho, aquele que cuidavam os homens que, como morto, era inutil". Fazendo caso de interpretar a profecia como uma evidente alusao a ressurreicao de D. Joao IV, que morrera, dava as palavras latinas quasi/tamquam mortaum valor objectivo, traduzindo-as por "como morto", isto e: "visto que estava morto". Muito mais natural e muito mais adequado ao texto latino e dar-lhes valor subjectivo e traduzir: "como se estivesse morto/como que morto".

O caracter capcioso da traducao vieiriana nao escapou ao autor de Ante-Vieira,52 outro antagonista do jesuita. Escreve ele em 1661:

Aqui o adverbio quasi mostra, com melhor significacao, ser julgada aquela pessoa de que fala o Santo, "como morta" (quasi mortaum), o

que se nao duvida poder-se acomodar ao rei ausente, a quem todos julgam por morto [=D. Sebastiao]; que, se falara do actualmente morto [ = D. Joao IV, que actualmente ou realmente morreu], nao diria quasi, senao mortaum absolutamente [ = sem complemento]. E nao so julgam como morto ao Desaparecido, senao tambem inutil para tantas faccoes de guerra e outras mais, entendendo que, com sua larga idade, estara debilitado nas forcas. [ . . . ] A palavra quasi nao e indicativa de certeza, senao somente de sospeita ou parecer....53

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Parece que Vieira, directa ou indirectamente, teve conhecimento da contestacao. Ao redigir no carcere da custodia de Coimbra as suas Representafoes, tornou a falar do assunto e tentou defender a sua traducao da seguinte maneira:

Houve quem reparou na palavra quasi, dizendo que se nao podia en- tender del-Rei D. Joao, pois nao e "quasi morto", senao verdadeira- mente morto. Assim interpretam as cousas os que as tomam mais pelo sonido que pelo sentido. Quasi ali quer dizer utpote, assi como no texto: Vidimus gloriam ejus quasi Unigeniti a Patre [Evang. Joao, 1: 14], onde o quasi nao quer dizer "quasi Unigenito", senao "como verdadeiro Unig- enito". De maneira que vem a ser o sentido de Sao Metodio: "que sera reputado como verdadeiramente morto e, por isso, estimado como inu- til", assi como o sao os mortos, que nao prestam nem servem para cousa alguma, quanto mais para uma empresa tao grande. E daqui mesmo se confirma a verdade deste sentido, porque de quasi mortaum nao se segue bem o inutilem esse, pois sabemos que muitos, depois de quasi mortos, foram muito uteis e prestaram para muito. Exemplo seja o nosso Rei Joao, que, antes da sua restituicao, esteve quasi morto de uma febre malina, e depois de recebidos os sacramentos, disse a Deus: Si populo tuo necessarius sum, non recuso laborem [ = "Se eu for necessario ao teu povo, nao recuso o trabalho"; nao e texto bl'blico, e nao sei localiza-lo] .54

No texto alegado, Vieira comeca por dar a quasi (particula subjectiva) o valor de ut- pote (particula objectiva), troca essa que nao e de todo impossivel, mas extremamente rara. Em seguida, equipara a particula latina fuasi SO adverbio portugues "quase" ( = paene, em latim). Torce o sentido de uma frase, que nao tem nada de problematico, forando-a a dizer coisas ajustadas a sua tese.

Ainda em 1686 Vieira da mostras de nao ter mudado de ideia, dizendo:

San Metodio, hablando del Conquistador de la Tierra Santa, dice que, despues de muerto, se levantara, "tamquam potens crapulatus a vino" [Salmo 77: 65], el que, por estar muerto, era reputado por inutil. Sus palabras son: "Expergiscetur tamquam a somno vinz; quem putabant homines quasi mortaum et inutilem esse. )55

A teimosia fazia parte integrante da estrutura mental dos messianistas portugueses. Nem mesmo um espirito do quilate de Vieira conseguia eximir-se dela.

2. A deposifao da coroa real

Nas antigas profecias, a deposiSao da coroa tinha um profundo significado simbo- lico: todas as instituioes humanas, inclusive o Imperio Cristao, por mais valiosas que sejam em tempos normais, tornam-se falhas e perdem a sua razao de ser, ao aproximar- se a luta decisiva entre Deus e as foras diabolicas nos tempos derradeiros. A entrega da coroa a Deus e, por assim dizer, o acto final da historia humana. Tal era o pensamento da Sibila Tiburtina, Pseudo-Metodio, Adso e Telesforo, para os quais o feliz reinado do ultimo Imperador nao passava de um interregno breve entre dois periodos calamitosos.

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Mas o Quinto Imperio, com que os messianistas de Portugal sonhavam, nao tinha nada de um interregno, sendo concebido como um longo periodo historico. Antonio Vieira aduz seis argumentos para tornar plausivel que o Imperio consumado de Cristo na terra tenha a duracao de muitos anos e ainda seculos,56 avizinhando-se, neste ponto, dos antigos milenaristas. E os sebastianistas acreditavam firmemente que o Imperio Mundial, uma vez fundado pelo Encoberto, nao havia de morrer com a morte dele, mas alegavam uma profecia de S. Isidoro: Muchos hijos e hijas de legt'timo matrimonio tendra' el Encubierta 57

Pelas ditas razoes, o tema da deposicao da coroa pouco se compadecia com as aspi- racoes dos messianistas portugueses. Contudo, deixou um eco longinquo no ja referido papel Ante-Vieira) onde lemos:

Levantara Deus um homem velho de muita idade a reinar segunda vez em seu Reino, quando bem descuidados estiverem de tal sucesso; e que o dito Rei, em tanta idade, teria grandes vitorias dos inimigos da Fe, sujeitando-os, e que recuperaria a Santa Casa de Jerusalrem do poder dos Turcos, e que o dito Rei viveria cento e vinte anos; e que, estando no Monte Oliveti, pediria a Deus o desapressasse dos trabalhos desta vida presente, e Deus o ouviria, e, morreria com muita suavidade e consola,cao.58

A profecia, nesta forma, contem alguns elementos que faltam as profecias antigas e que foram obviamente acrescentados pelos sebastianistas: "a reinar segunda vez" e "quando bem descuidados estiverem", etc. Mais importante, porem, e notarmos que o gesto de entregar o destino da cristandade a Deus aqui se transformou num acto devo- cional e meramente pessoal. Note-se ainda que, segundo a nossa profecia, o Rei nao morrera com 112 anos de governo, como queria a Sibila, mas com 120 anos de idade, numero que se explica por um texto bl'blico: "os dias do homem serao cento e vinte anos" (Ge'n. 6: 3). D. Sebastiao, que nasceu em 1554, ha-de morrer, portanto, em 1674.

Uns doze ou quinze anos antes dessa data fatal, um certo Inacio de Guevara, fer- voroso sebastianista e infatigavel coleccionador de profecias, compunha um poema heroico, ainda inedito,59 dividido em 16 Cantos, que abrangem, ao todo, 202 oitavas: chama-se Monarquia Lusitana. Qualificar a obra de poema e, como se diz em ingles, um overstatement, sendo mais apropriado o termo "catalogo rimado de profecias". Faltam- lhe a inspiracao, a habilidade tecnica, a imaginacao, a arte de variar, etc.: enfim, falta- lhe tudo para ser poema.

Nao mencionei Inacio de Guevara por causa dos seus meritos literarios, mas por um motivo bem prosaico: ele assentou numa das suas oitavas (n.° 108) o argumento bl'blico dos 120 anos, lei ferrea a que nem o Encoberto podera escapar:

Depois que no Deluvio Universal toda a humana carne pereceo, e pagou de contado cada qual a pena que por culpas mereceo, nao premite a Ceu mais que algum mortal (que de castigo tal depois nasceo)

. . . vlvesse mals que cento e vlnte anos, termo que o Ceu tem posto aos humanos.

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O nosso poetaco nada profetiza acerca da deposicao da coroa imperial em Jerusa- lem. Triunfalista, como e, so sabe que D. Sebastiao (oit. 27I, 5-6):

. . . tambem a Santa Cruz levantara no Sepulcro de Nosso Redentor.

3. 0 encerramento dos povos imundos

Segundo Pseudo-Metodio, Alexandre Magno teria encerrado os povos imundos perto do Mar Caspio. Na epoca das Cruzadas, sem duvida, sob a influencia do anti- semitismo crescente, os povos imundos foram substituidos pelas Dez Tribos de Israel, que o rei dos Assirios deportara para Gozan, uma regiao da Media (fins do seculo VIII

a. c.). Nao sei indicar com precisao a origem da substituiJcao, nem o local exacto. So posso dizer que a nova fabula adquiriu a sua forma classica na Historia Scholastica de Pe- dro Comestor. Diz ele60 que Alexandre Magno, ao achar-se proximo das Dez Tribos, que moravam alem dos Montes Caspios, recebeu delas uma embaixada que lhe pedia as fizesse sair da regiao em que estavam encerradas. Quando o Rei soube que a causa da reclusao era a sua apostasia do Deus de Israel, respondeu-lhes que as havia de encer- rar com mais rigor ainda. Mandou construir uma muralha alta e larga que lhes devia impossibilitar qualquer saida, mas, vendo que um esforJco meramente humano era in- suEiciente para tamanha empresa, suplicou ao Deus de Israel que completasse a obra iniciada. De repente, as montanhas foram-se ajuntando, de modo que a morada das Dez Tribos se tornou completamente inacessivel.

Antonio Vieira conhecia a nova versao do milagre, e comentou-a da seguinte maneira:

O qual milagre concedem e nao estranham os autores catolicos e gravissimos, que admitem outros na mesma conquista de Alexandre, que, ainda que gentio, obrava por mandado de Deus e como instru- mento de sua justica e providencia, por particular visao ou revelacao do mesmo Deus6'

No fim da Idade Media, muitos atribuiam as Dez Tribos um papel escatologico, em muitos pontos, analogo ao dos povos imundos. Limitamo-nos aqui a relatar o que a esse respeito nos comunica o ja referido Telesforo de Cosenza. Segundo ele,62 o Anti- cristo reconduzira as tribos encerradas e, com o auxilio delas, destruira muitos reinos, Sao gentes repugnantes, que comem carne humana e bebem sangue humano. A analo- gia e obvia.

Mas Vieira nao seguia esta opiniao, optando por outra mais benevola para com os judeus, a qual tinha tambem uma longa tradicao e, em ultima analise, remonta ao livro apocaliptico de Pseudo-Esdras (fim do seculo I d.c.).63 Resumo o substancial desta pro- fecia nas seguintes palavras de Vieira:

Que as dez tribos, estando na terra dos Medos, se resolveram a nao viver entre gentios e a guardar, quando menos, no destero a Lei que na patria nao haviam guardado. E que com este conselho, ajudados mila- grosamente de Deus na passagem dos lugares mais estreitos do rio Eu- frates, postos em salvo da outra banda, caminharam para uma terra ate aquele tempo inabitada, a qual se chama Arsareth, e dista da regiao

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dos Assirios ano e meio de caminho, e que ai estavam e estariam ate os ultimos tempos. [ . . . ] Que na sua volta lhe abrira Deus o rio Eufrates milagrosamente, para que passem a pe enxuto e sem impedimento. Milagre semelhante ao do Mar Vermelho e rio Jordao em tempo de Moises e Josue.64

Traduzida em termos cristaos, a profecia de Esdras significa que, no fim dos tem- pos, as Dez Tribos sairao do seu claustro e abrasarao a Lei de Cristo. Integrada na ideologia do Quinto Imperio, significa que elas ajudarao o Encoberto, se nao com as armas, ao menos, com as suas riquezas. Diz Vieira, dirigindo-se em 1643 a D. Joao IV,

ja naquela data considerado por ele como o Encoberto:

...as nossas profecias contam esta felicidade entre os prodigiosos efeitos do milagroso reinado de Vossa Majestade, porque dizem que ao Rei Encoberto virao ajudar os filhos de Jacob e que, por meio deste so- corro, tornarao ao conhecimento da verdade de Cristo, a quem reconhecerao e adorarao por Deus.65

"As nossas profecias" sao as trovas do Bandarra, como se evidencia num passo da carta do Maranhao, onde lemos:

Finalmente, diz Bandarra que o mesmo Rei ha-de introduzir ao Sumo Pontiflce os dez tribos de Israel, que naquele tempo hao-de sair e aparecer no mundo com pasmo de todo ele. No principio do Sonho Pri- meiro66 introduz Bandarra a dous Hebreus, um chamado Dan, e outro chamado Efraim, os quais vem para falar ao Pastor Mor, que e o Sumo Potifice, e para serem introduzidos a ele, pedem a entrada a Fernando, que ja dissemos representa a el-Rei, e dizem assim por modo de dialogo:

Efraim Dizei, Senhor, poderemos ao grao Pastor falar? E daqui lhe prometemos

. ... rlcas Jolas que trazemos, se no-las quiser tomar.

Fernando Judeus, que lhe haveis de dar?

Dan Dar-lhe-emos grande tesouro, muita prata, muito ouro, que trazemos de alem-mar. Far-me-eis grande merce de me dardes vista dele.

Fernando Entrai, Judeus, se quereis. Bem podeis falar com ele, que la dentro o achareis.6'

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A questao das Dez Tribos afastou-nos um pouco de Pseudo-Metodio. Creio, porem, que valeu a pena expo-la sumariamente, porque nos ensina o importante papel escatologico que Vieira reservou para os judeus, alias, em plena conformidade com a sua simpatia pelo povo eleito do Velho Testamento. Neste particulary eram ele e o sapa- teiro de Trancoso excepcoes entre os messianistas de Portugal. Muitas vezes le-se que o sebastianismo e uma corrente profundamente influenciada pelo hebraismo. E uma afir- macao das mais ambiguas e, alem do mais, completamente gratuita. Quem ler com atencao os papeis dos sebastianistas deve chegar a conclusao de que quase todos os se- bastianistas portugueses sao impiedosos e irremediaveis anti-semitas, a comecar com D. Joao de Castro. O sapateiro de Trancoso e Antonio Vieira foram excepcoes.

4. Os seis milenios

Pseudo-Metodio tinha para si que o mundo entrara no setimo milenio da sua exis- tencia, epoca em que havia de perecer. Tambem muitos ocidentais aderiam a crenca de que a duracao do mundo seria de 6000 anos, mas, diferentemente dos Gregos, si- tuavam a Encarnacao por volta de 4000 da Era Mundial, de modo que o fim do mundo devia ser por volta de 2000 d.C. Ainda na epoca de Vieira havia muitos exegetas e teologos sobretudo, nos paises catolicos que achavam provavel que o fim do mundo houvesse de dar-se no setimo milenio. Um deles era Cornelio a Lapide ou Cornelis van den Steen (1567-1637), je- suita flamengo e professor de Exegese em Lovaina e, desde 1616, em Roma; deixou vo- lumosos comentarios a todos os livros da Bl'blia (salvo os Salmos e o Livro de Job), gozando uma imensa autoridade nos seminarios. Vieira consultou-os com afinco, tanto na redaccao dos seus sermoes, como na das suas obras profeticas. Cornelio aduz quatro argumentos para fundamentar a antiga opiniao. Em primeiro lugar, aponta para o paralelismo que, muito provavelmente, existe entre os seis dias da criacao e os seis mile- nios (cf. supra, I 3). Segundo, presume que cada uma das tres fases religiosas da historia humana seja de duraSao mais ou menos igual: a Lei Natural (de Adao a Abraao) durou 2000 anos, como tambem a Lei da Circuncisao (de Abraao a Cristo); do mesmo modo, tambem a Lei da Graca durara 2000 anos. Terceiro, o mundo mostra signais de en- velhecimento, ja nao tendo a vitalidade de outrora.68 Quarto, a crenca tem uma longa e veneravel tradisao, ocorrendo nao so entre os judeus e os cristaos, mas tambem entre os gentios.69

Vieira toca de leve o assunto na Historia do Futuro, onde diz que "a conjectura ou tra- diao dos seis mil anos [ . . . ] ainda tem lugar de poder ser verdadeira",'° e versa-o am- plamente na sua segunda Representafao,71 onde da mostras de ter lido a exposiSao do mestre. Escreve esta sua defesa em 1666 e, a certa altura (p. 243), diz que ao mundo restam ainda, em numeros redondos, 340 anos; em outro passo (p. 241), onde o Reino consumado de Cristo na terra ocupa o setimo milenio, fala em 1340 anos. Mas, para ele, nenhum desses numeros se deve entender "com exaccao aritmetica [ . . . ], senao com verdade e inteireza moral, ainda que faltem ou sobejem alguns anos" (p. 222). O que, para ele, e de importancia fundamental e a defesa destas duas teses: o Reino de Cristo sera anterior ao reino do Anticristo, e, ao passo que este sera de curta duracao, aquele existira por muitos anos e ainda seculos: existira durante um periodo de mil anos. Vieira nao tem medo de incorrer na censura dos quiliastas ou milenarios, por- que: "ainda que destes mil anos se lhe deu o nome, nao e porque a inteligencia do dito numero de mil anos fosse alguma hora notada por erro, mas porque nesses anos assim

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contados introduziam algumas felicidades pertencentes mais ao corpo que ao spirito, e nao decentes nem dignas do Reino de Cristo".'2

Com o seu milenarismo francamente confessado, Vieira afasta-se bastante da opi- niao de Pseudo-Metodio, que nunca fala no Reino consumado de Cristo na terra e so conhece um breve periodo de paz, justiSa e piedade durante o breve reinado do ultimo Imperador. O jesuita portugues tinha uma grande paixao pelas mais diversas profecias, mas era delas juiz "parcial", no sentido duplo da palavra. Interessava-se apenas por aquelas partes das profecias que lhe servissem; as outras passava em silencio, como se nao existissem. No presente trabalho vimos como ele presta toda a atensao ao "desper- tar do Rei", profecia que lhe parece apropriada a sua tese, mas que deixa de lado diver- sos outros textos profeticos do mesmo Pseudo-Metodio. Um deles e o caracter Efemero do Reino esperado.

Com o mesmo interesse "selectivo" estudava todas as profecias, talvez, com a unica excepao das trovas do Bandarra, que correspondiam completamente as suas aspi- raoes de messianista lusocentrico. Ele mesmo incorria na mesma censura de que in- culpava os seus compatriotas, os quais, segundo ele, liam a Blzblia, sem prestarem a devida atentao nem ao contexto, nem a coerencia interna. Ele gabava-se de procurar "a coerencia de uns lugares com outros, de modo que todos se pudessem entender con- cordemente, sem contradiao ou repugnancia em todo o Texto Sagrado".73

Nada mais dificil do que o conhecimento das suas proprias incoerencias!

NOTAS

1Edicao incompleta e antiquada ap. Migne, PG 18, col. 27-407.-Edicao nova do texto grego e a traducao alema das antigas versoes eslavas por N. Bonwetsch, Lipsia, 1917.

2Edicao critica feita por H. Musurillo, SJ.: Le Banquet (Paris, 1963), com a traducao francesa por V.H. Debidou. Uma traducao inglesa foi feita pelo mesmo H. Musurillo: The Symposium (Lon- dres, 1958), com excelentes anotacoes. Existem tambem traducoes da obra em alemao (Kempten- Munchen, 1911) e em italiano (Florenca, 1951).

3Codice Vaticano Siriaco, no. 58 (do ano de 1584), texto que em 1976 ainda nao estava publi- cado, como lemos na obra de A. Lolos, p. 23 (cf. a nota seguinte).

4Texto grego editado por A. Lolos: Die Apokalypse des Pseudo-Methodios, Meisenheim am Glan, 1976.

5Baseando-se nestas quatro copias, E. Sackur editou o texto latino no livro: Sibyllinische Texte und Forschungen, p. 60-96 (Halle, 1898), com uma importante introduJcao. Existe uma ed. fac- similar do livro, feita em Turim, 1976.

6Uma nova edicao critica do texto latino esta sendo preparada por D. Verhelst para o "Corpus Christianorum" de Turnhout.

'Petrus Comestor (="Pedro que devora [livros]") e a designacao habitual de um conego frances (ca. 1100-ca. 1170). Ele tornou-se conhecido sobretudo como autor de uma historia sa- grada, a chamada Historia Scholastica (ap. Migne, PL 198, col. 1058-1644), um resumo dos livros historicos da B11zlia, acrescentados de noticias tiradas de historiadores profanos, Padres da Igreja e obras apocrifas.

8Sirvo-me da ed. de Colonia (1645), onde o texto citado consta na p. 67. 9A. Vieira, Esperancas de Portugal, ap. "Obras Escolhidas" (edd. A. Sergio e H. Cidade), t. VI,

p. 54. Em 1990 deve sair um livro meu (Vieira apoiado e contestado), contendo uma ed. critica da fa- mosa carta do Maranhao, seguida de textos ineditos suscitados por ela (pela "Imprensa Nacional-Casa da Moeda", Lisboa).

t°Maxima Bibliotheca, etc., t. III, f. 732.

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"Cf. o texto grego e o aparato critico na ed. de Lolos, p. 56-57 (cf. nota 4). Texto editado (com a traducao alema) por C. Bezold: Dic Schatzhohle, Lipsia, 1883.

130 nome de Khuset lembra o de Chus ou Cush, filho de Cam (Cf. Gcn. 10: 6) e tido por pro- genitor dos Etiopes.

140 leitor procurara em vao este vocabulo num dicionario latino; nem sequer esta registado em Ducange. Asinciton e transcricao da palavra grega (asinthyton), que significa "indestrutivel". A explicacao que Pseudo-Metodio da do termo ("material a prova de fogo e ferro") entrou no di- cionario bizantino (ca. 1000), que antigamente se atribuia a Suidas.

l5Cf. Flavio Josefo, De Bello Judaico, VII 4 (§ 245). '6Na versao latina sao enumerados 23 povos e reis, mas a lista se segue a frase: Hi viginti duo

reges consistunt reclusi intrinsecus portamm, quas confucitAlexander(p. 23 da ed. Sackur). 7Cf. Apocalipse de S. Joao, 20: 8. '82a. Carta de S. Pedro, 3: 8.-Cf. Salmo, 89:4. '9Cf. Germanus ap. Migne, PG 98, col. 417. 20Esta doutrina ja se encontra na chamada carta de Barnabe (cap. 15), que data, muito pro-

vavelmente, da epoca do Imperador Hadriano; cf. Dcr Barnabashnef, ed. H. Windisch (Tubingen, 1920), p. 381-384.

2'E' a chamada prima resurrectio dos justos (cf. Apoc. 20: 6). 22Traducao inglesa do Padre H. Musurillo, p. 139 (cf. nota 2). 23Cf. o texto do Salmo 77: 65: "O Senhor despertou como quem dorme, como um valente em-

briagado de vinho" 24A data de 655 ou pouco tempo depois e proposta por A. Lolos (p. 22 da sua ed. do texto

grego); E. Sackur, porem, prefere uma data posterior (p. 45-53). 25Tal descendencia deduzia-se das palavras do patriarcaJaco acerca do seu filho Dan, cf. Gen.

49: 17: "Torne-se Dan uma serpente no caminho, uma cerasta no atalho, que morde as unhas do cavalo, para que o cavaleiro caia para tras."

260 Templo de Jerusalem sera reconstruido pelo Anticristo, como muitos acreditavam. Pseudo-Metodio nao menciona o facto explicitamente.

27Elias e Henoch sao duas figuras do Velho Testamento, que nao morreram, mas foram vivos arrebatados por Deus (cf. resp. 2 Reis, 2: 1-12, e Gen. 5: 24); acreditava-se, porem, que os dois ha- viam de voltar no fim dos tempos (cf. resp. Malaquias, 4: 5-6 e Eclesiastico, 44:16). Durante muitos seculos julgava-se que "as duas testemunhas", que segundo o autor do Apocalipse (11: 3-13) devem voltar no tempo do Anticristo, seriam Elias e Henoch.

28Uma das suas vitimas mais notaveis foi S. Atanasio, patriarca de Alexandria.-A edicao do Oraculo da Sibila Tiburtina encontra-se no ja referido livro de E. Sackur (p. 177-187), e no livro de A. Kurfess, Sibyllinische Weissagungen (Berlin, 1950), p. 264-278.

29Constante governou a parte ocidental do Imperio Romano (333-350), e foi assassinado pelo usurpador Magnencio. Quer o autor do nosso oraculo nao acreditasse a morte do seu heroi, quer esperasse na sua ressurreicao, de qualquer modo ansiava pelo regresso do defensor da causa orto- doxa.

30Quanto a este numero de anos, cf. E. Sackur, p. 146-149. 310 tratado de Adso De Ortu et Tempore Antichristi foi editado por D. Verhelst, no Corpus Chris-

tianorum de Turnhout (1976); o texto esta incluido tambem no referido livro de E. Sackur (p. 104- 113).

32Adso, De Ortu, etc. (ed. Verhelst, p. 26; ed. Sackur, p. 110). 330 opusculo de Telesforo (redigido em fins do seculo XIV) ficou incluido numa compilacao de

escritos profeticos que o dominicano Rusticiano publicou em Veneza (1516) sob o titulo Expositio magni Prophetae Joachim [ . . . ]; cf. M. Reeves, The Influence of Prophecy in The Later Middle Ages, Ox- ford, 1969 (p. 262-264, e p. 343-345). Vieira conhecia e ate possuia uma copia do livro de Rusti- ciano, a quem chamava, menos correctamente, "Rusticano", considerando-o como "religioso de Sao Francisco", cf. A. Vieira, Defesa, etc., ap. "Obras Escolhidas" (edd. A. Sergio e H. Cidade), t. VI, p. 104.

34Rusticiano, Expositio, etc., f. 30V.

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21 Besselaar

35Assim D. Joao de Castro, ap. J. L. de Azevedo, A EvoluXcao do Sebastianismo (Lisboa, 1947), p.

35. Nas obras impressas de J. de Castro, a profecia de Pseudo-Metodio praticamente preterida;

mas e muito provavel que tenha sido comentada por ele numa das suas numerosas obras ineditas.

36Assim o autor anonimo de um papel dirigido contra A. Vieira, ap. Macquinafoes de Anto'nio

Vieira Jesuita (cod. Bibl. Nac. no. 2674, p. 325). Este artigo inedito ainda sera publicado no meu

Vieira apoiado e contestado (cf. nota 9).

3'Uma delas e o Cata'logo das Profecias (inicio do seculo, XIX), no cod. Bibl. Nac. no. 8627.

38Registo aqui apenas os codd. Bibl. Nac. no. 10740 (p. 94); Torre do Tombo, nos. 774 (f. 11-

12), e 1172 (p. 14 e p. 96). 39Cod. Torre do Tombo no. 774 (f. 11V).-Quanto aoJardim Ameno, cf. J.v.d. Besselaar, O Sebas-

tianismo, ap. "Biblioteca Breve", Lisboa, 1987, p. 36-37.

40A frase reza assim na obra de Bocarro: Excitabitur Caesar, perinde ac homo duki sopore correptus, e

somno; hic reputabitur ab hominibus veluti mortaus.... O medico-astrologo tomou-a emprestada ao

Chronicorum Libellus deJoannes Carion (ed. Liao, 1543, p. 356), que a considera como um vaticfnio

anonimo. Mas o mesmo Bocarro, poucas linhas mais adiante, cita as palavras: Expergiscetur Rex in

furore magno, etc., atribuindo-as, desta vez, a Sao Metodio.

4iBocarro dedicou o seu Stado Astrologico, a primeira parte da sua Anacephaleosis (1624), a Felipe

IV (III), querendo-lhe mostrar "astrologicamente, como em Portugal ha-de ser a ultima e mais po-

derosa Monarquia do Mundo" (Prefacio do Stado Astrologico, Lisboa, 1624, f. 3V; cf. f. 56V).

42Bocarro, Stado Astrologico, anotacao a oitava 99 (f. 55V).

43Cf. J.L. de Azevedo, A Evolucao do Sebastianismo (ed. citada na nota 33), p. 158-161.

44E' o autor ja referido na nota 34.

45A falta de melhor, sirvo-me da edicao muito deficiente: "Profecias do Bandarra", apresenta-

das por A. C. Carvalho (Lisboa, s.a.), p. 41.

46No cod. Bibl. Nac. no. 2674, p. 325-326.

47A. Vieira, Esperancas de Portugal, ed. cit. na nota 9, p. 54.

48p. ex., no cod. Bibl. Nac. no. 798, f. 139r. E' deste codice que me sirvo na reproducao do

texto que se segue no texto do meu artigo.

49G. de Almeida, RestauracaodePortugalProdigiosa, ed. D. Peres (Barcelos, 1939-1940), t. IV p.

30. Este autor relaciona a profecia com a aparicao de uma Hostia adorada por dois Anjos, na Lua

Uaneiro de 1641). 50As palavras "que foi asno e camelo" foram omitidas por Gregorio de Almeida.

slCf., alem do passo na carta do Maranhao (p. 54), A. Vieira, Cartas (ed. J.L. de Azevedo,

Coimbra, 125-1928), t. III, p. 761.

52O titulo e Ante-Vieira (nao Anti-Vieira), como naquele tempo tambem se dizia Ante-Cristo, Ante-

Mafoma, etc. Tambem este tratado ainda inedito sera publicado no meu Vieira apoiado e contestado

(cf. nota 9). 53Manuscrito na coleccao Obras do Padre Anto'nio Vieira, da Bibl. da Acad. das Ciencias, t. XIII,

p. 309-311. 54A. Vieira, Representacoes, ed. por H. Cidade sob o titulo de Defesa perante o Tribunal do Santo Of-

t'cio (Salvador, 1957), t. I, p. 206.

55A. Vieira, Cartas, t. III, p. 757-758.

56A. Vieira, Representaoes, t. II, p. 221-226.

5'Ap. D. Joao de Castro, Paraphrase e Concordanfia de alguas Prophecias de Bandarra, Paris, 1603, f.

120V; existe desta obra uma ed. fac-similar, feita no Porto (1942).

58No cod. referido na nota 50, p. 423-424.

59Conservado em diversos manuscritos, p. ex., nos codices da Bibl. Nac. nos. 400 (f. 72-134) e

551 (f. 1-63). 60Pedro Comestor, Historia Scholastica, ap. Migne, PL 198, col. 1498.

6'A. Vieira, Representaicoes, t. II, p. 114.

62Ap. Rusticiano, Expositio, etc., f. 29V-30r. Mas cumpre anotar que Telesforo, um pouco mais

adiante (f. 31r), revoga essa teoria, substituindo-a por outra que ve nas Dez Tribos adeptos de

Cristo nos ultimos tempos.

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63E o chamado Livro IV de Esdras, que, embora excluido do canon pelo Concilio de Trento, continuou a gozar grande prestigio entre os cristaos. O passo relativo as Dez Tribos encontra-se no cap. 13: 39 47.

64A. Vieira, Representafoes, t. II p. 114 e 143. 65A. Vieira, Proposta feita a el-Rei D. Joao IV...., ap. "Obras Escolhidas", t. IV, p. 24 66Nas edd. impressas do Bandarra, que, todas elas, remontam a edicao principe de Nantes

(1644), as trovas citadas tem os numeros 822 83 e 84 (p 60 da ed. de A C. Carvalho). 67A. Vieira, Esperanfas) ed. citada na nota 9, p. 28-29. 68O envelhecimento do mundo e um tema tratado por alguns autores classicos (p. ex., o poeta

latino Lucrecio, De Rerum Natura, II 1144-1174) e por diversos Padres da Igreja. 69C. a Lapide, Commentaria in Apocalypsin, Antuerpia, 1629 p 297-299. '°A. Vieira, (Livro Anteprimeiro da Historia do Futuro, ed. J. van den Besselaar, (Lisboa, 1983) p

170. 71A. Vieira, Representafoes, t. II, p. 217-254 em que examina tres questoes: la "Se a duracao do

Imperio completo de Cristo e estado consumado da Igreja ha-de ser por muitos anos?"; 2a "Se o tempo do dito Imperio e estado consumado da Igreja ha-de ser antes ou depois do Ante-Cristo?"; 3a "Se antes da vinda do Ante-Cristo e provavel, em qualquer opiniao, que se passem ainda muitos anos e seculos?"

72A. Vieira, Representafoes, t. II, p. 222; cf. Defesa, ap. "Obras Escolhidas", t. VI, p. 117. 73Vieira, Defesa, ap. "Obras Escolhidas", t. VI, p. 159.