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~ A CULTURA POLTICA
Serge Berstein
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.-' \y"YT"-yr0Falar de cultura poltica a muitos ttulos
colocar-se num campo
de componentes antagnicas, A histria cultural, cuja riqueza
con-sidervel desde h alguns anos, situa-se no centro dessa
renovaoem profundidade do estudo das sociedades humanas, a partir
daconvergncia das cincias sociais de que a colc des Annales
mostroua via. Referir-se ao poltico trabalhar num campo a que os
profetasdesta mesma escola lanaram o antema. caricaturando-o, antes
quealguns dos seus membros soberbamente o ilustrassem I. Do
mesmomodo, a evocao da cultura poltica inscreve-se na renovao
dahistria polltica, operada sob 'n inspirao de Ren Rmond e de quea
universidade de Paris-X-Nanterre e o Instituto de Estudos
Polticosde Paris foram os lugares de elcio, Com efeito, no quadro
dninvestigao, pelos historiadores do poltico, da explicao dos
com-portamentos polticos no decorrer da histria, que o fenmeno
dacultura poltica surgiu como oferecendo uma resposta mais
satisfatriado que qualquer das propostas at ento, quer se tratasse
da tesemarxista de lima explicao determinista pela sociologia, da
teseidealista pela adeso a uma doutrina poltica, ou de mltiplas
lesesavanadas pelos socilogos do comportamento c mesmo pelos
psi-canalistas, Foroso verificar que o historiador, aplicando ti
situaes
'!r..
f~.
I Pensamos. em particular, nos trabalhos de Frnnois Furct sobre"
RevoluoFmnccsa ou, mnis recentemente, sobre o comunismo, ou nos de
Mare Ferro,sobre a Rssia ou :1 Primeira Guerra Mundial.
2 Encontra-se uma exposio das grandes tinhas desta renovao na
obracolccuvu publicndn sob a dircco de Ren Rmond, POlir /lJ/C
hlstoirc politiquc,Paris, Lc Scuil. 1988,":i'
'i1"
349
Natlia IglsiasNatlia IglsiasNatlia Iglsias
-
I
polticas precisas estas grelhas de anlise, levado a concluir que
elasno lhe permitem explicar, salvo de maneira parcial, fenrnenos
com-plexos que tenta compreender. E se a cultura poltica responde
melhor sua expectativa porque ela , precisamente, no uma chave
uni-versal que abre todas as porias, mas um fenmeno de
mltiplosparrnetros, que no leva a uma explicao unvoca, mas
permiteadaptar-se complexidade dos comportamentos humanos.
o que a cultura poltica?
--,.-.-
Porque a noo complexa, a sua definio no poderia ser sim-ples.
Pode-se admitir, com Jean-Franois Sirinelli, que se trata de
(
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I~e, IC '/ ,\ 1.''"-. JI> -' I!
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Esta proposta de grelha de leitura do poltico atravs da
cllltlr\polltlca s tem evidentemente lmcrcsse se oferecer a
possibilidade Idemelhor. fazer compreender a natureza e o alcance
dos fenmenos ~'ue suposto explicar, Sem o que s seria mais um
termo, acrescenta~osem proveito glrin tcnica dos historiadores. Foi
a verificao 9x-perimental tentada pela revista Vil/glil/lr.? sicle,
ao propor num ~-mero cspccialf a uma quinzena de historiadores e de
politlogo aaplicao desta noo ao estudo das grandes famlias polticas
aFrana contempornea (o comunismo" o gaullismo, o eentrismo
osocialismo, a Frente Nacional), mas tambm das sensibilidades fi
0-sficas ou religiosas (a cultura laica, o catolicismo), novas
corren essurgidas no campo do poltico (a ecologia ou as mulheres),
especi fi-cidades infra ou supranacionais (a cultura poltica do
Norte ou daAquitnia, ou a Europa face . cultura poltica francesa).
A fecundid: dedos resultados surpreende. No s confirmam a validade
da grelha.trazendo mais uma prova ao que se podia evidentemente
supor ~orintuio ou deduzir de estudos anteriores", como permitem
ai9daaflrrnar que, no estado actual das coisas, a ecologia ou a
correjtcfeminista no possuem cultura poltica constituda, alis como
ocentrisrno, e que no existe cultura poltica europeia. O que no
pro-
d. f . . 1mete e momento a estas correntes mais que um uturo
precano, como
se ver ao examinar as funes da cultura poltica. I'Cultura
poltica ou culturas polticas? j
Tal como surge aos alhos dos historiadores, ~L.no.o_dc...cult
rupoltica est pois eS.lrejtamen~.e.liga~~.c!Jltl.!m.
g~L,!~)'!!Tla.socle... .dade, ~em todavias.~._~.onfundir totalmente
com ela, ..porque o s'cucampo Jeapllcao
incid~-exCi~siv:i"JTientc-sbrep-ifco. No 'poderiapois haver
untinornia, uma vez que a cultura poltica, como a prPiiU
!.'_ 8 Vi/lglielllG sicle. RC\'lIc d'histoire, n." 44. OUI.-Dez.
1994, nmero espc inlLa Culturc politique CII France depuis de
Gaulle,
9 !,ensamos em espe~ial na import~ncia ele uma cultura po!tica
solidamcrtcconstitulda, a do comurusrno, c na brilhante demonstrao
que dela fez MprcLazar no seu livro Maisons rougcs. Lcs Partis
eOl1llllllllislCS franais et itollcnde Ia Libration IIOS jours,
Paris, Aubicr, 1992. . I
. . i352
'.'i
cultura, se inscreve no quadro das normas e dos valores que
determi-num a representao que uma sociedade faz de si mesma, do
seupassado, do seu futuro. Ora, esta noo, largamente utilizada
pelospolitlogos americanos da escola descnvolvlrnentistav'", foi
vivll-mente crlticada, ao ponto de se encontrar hoje completamente
rejei-tada pela cincia poltica. Observamos, porm, que a crltlca
incidesobre dois pontos totalmente alheios cultura
pOlllci.-riil'como n'encaram"shisloriadores: em primeiro lugar,
.aj.r1cJa.de.queoxisLiriu I
(,_JJ.lllil~~gQJ!!ljLna.i.onaLp[pr.iu..de.cuda,pov.o e, por
c:on~c:gllil1te,! :.l :'1
It!~I!.:~.-'!1!.I.i~~..p.~~E.~_~~.t:t!!_
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Pura os historiadores, evidente que no interior de uma
n~O~~ist~_~l.rrla plur~lidnde d,e ,C\lll~l.r.~s.. P,litiS' mas c.9~
~~.~~~sdeabrangeJl~iqu.~ .con:esponaen'i- rea dos valores
partilhados. Se,num dado lllolllcnto-Iilisf6ii',ess rea
s;;!oresparilhado semostr~. Pa.s~?~~~_..!!111pta, temos ent-'~ul
rura-p'O'lticiCdomin..n.T\~que faz inflectir pouco ou muito a maior
parte -'usiitias'-l'itbraspolticas contemporneas. Pode-se assim
adrnitir que, no prirniro~c.~'i.0do sculo XX,.
1L9!11.11riLPQ.~.!:~p.!!.t:>lianlLds~nip.ei1hOUIumQ!lIle.L.dom.inante,
definindo um conjunto de referncias, acimaevocadas. esta cultura
poltica dominante que explica a sort1 doPartidc Radical; que com
ela se identifica amplamenle'2. No entanto,ao lado desta, existem
outras culturas polticas, cujas referncis e'vises de futuro no so
de forma alguma comuns: a' cultura pai icasocialista sonha com uma
revoluo proletria que levaria ao ap re-
,\" cimento de uma sociedade sem classes, a cultura poltica
naciona istapreconiza a criao de um Estado autoritrio, evenwulm
niemonl'quico, que assentaria nas comunidades naturais, a cultura
ol-tica catlica procura as vias da reazao do cristianismo na cidi
de,atravs de organizaes polticlls diversas e por vezes opostas.
Masnenhuma destas culturas antug6nicas do modelo republicano se
\en-contra ao abrigo da influncia deste e todas devem, mais ou
menos,concordar com os seus princpios. O socialismo obrigado n
conjllgarsocialismo e repblica, e consegue-o de certo modo atravs
da sn~~sejaursinna, de que se pode dizer, para simplificar, que
adere no ~le-diato cultura republicana, remetendo o socialismo para
o fUlur,L'3.A cultura republicana favorece a emergncia, no seio da
nebulfsilcatlica, de uma democracia crist que retm alguns dos seus
prin-cpios, mas no a lowlidade\4. Finalmente, o prprio
nacionalismol na
rc "to ",.to, S"ge Bmto'., Hlstoire du Parti radical,
.1",Prcsscs de 1:1Fondation nauonatc dcs sdcnccs politiques,
1980-1982.
1.\ AIl1.ill Bcrgouniollx, SociaJismc ct Rpubliquc, in Scrgc
Bcrslcin e OUileRudcllc dir., Lc Modele rpubticoin, op, cit,
14 Jcan-Donliniquc Durand, L' e",ope de Ia dmocratie
cbrC:lic/IIH!, BruxctCS,Complc!i.c, 1995; Jcan-Maric Maycur, Des
partis cOlllOliqucs li Ia dmocr I;tchrliclIllC. x/xt-xx' sicle,
Paris, Armand Colin. 1980; Picrrc Lctamcndia,JDlllocralie
c/'fliclllle. Paris, PUF. 1977.
,,"\(,"
I.:
354
sua verso barrsiana, aceita uma parte da herana republicana,
dfe-renternente da corrente maurrassiana, que estabelece a sua
identidadena rejeio global desta.Esta osmose entre cu)turas.p_llI;~
..B!uj~~..~~asladas na origem
impli-a~~~,jQ!!g~.-e.i~r urn_dado-fJ~o-sinnhri~.dejTdiopollka,
..e~(~jll!I!~~_f!l[lr~~e.~~.~.Q~....\!IILfenQf'!1~~.I?~,,:ohitly()qu.~.cor-
/Ee.~R.Q!!.~~m_dadQ..rl:!Q.Q.le!ll().da-hislr.ia.e_de_q.u:.-se..pOJJ~J.!l!i.fj&a[j
I, 1
11'8')-1 \ t.:
o_~.~~~lD},en~~._v.~..~I?~~~_o.J:>~~'?~_I?__~
-
:,
\
I
soclcdnde de urna cultura poltica republicana verdadeiramente
coe-rcntel5 Ser preciso meio sculo para que a conjuno das ideias
desolidariedade e das exigncias de justia social do socialismo d
vidaa uma cultura poltica de esquerda de que o Estado-providncia
cons-titui o tabuleiro social. Se se considerar que o rnendsisrno
representauma cultura politica do socialismo moderno muito distinta
do marxis-mo, foroso verificar que ele no d lugar a uma transformao
dacultura poltica socialista (e ainda muito parcialmente) seno com
onascimento do PS em pinay, em 1971, e que est longe de
terconquistado hoje esta corrente de opinio.Noutros termos,
necessrio o espao de pelo rnenosduas gera-
~es para Que uma ideia nova,-qc-lrz-nl-res~I~_--useada
nos-problemas da sociedade._R~!l~re _11Q.~_~piIilQs__sob.forma.de-
um con--I~_nJ9----representaes de carcter normaliy e acabe por
surgir comoeviden te-~--um-grupolmport;~ted~-c-ii-dos._ No menos
que a extenso do prazo, os vectores pelos quais passaa lntegrao
dessa cultura poltica merecem que se lhes d ateno.Verificur-se- sem
surpresa que estes canais so precisamente os dasocializao poltica
tradicional. Em primeiro lugar, a famlia, ondea criana recebe mais
ou menos directamente um conjunto de normas,de valores, de reflexes
que constituem a sua primeira bagagem poltica,que conservar durante
a vida ou rejeitar quando adulto. Depois, aescola, o liceu, a
universidade, que transmitem, muitas vezes de ma-neira indirecta,
as referncias admitidas pelo corpo social na sua maioriae que
npoinrn ou contradizem a contribuio da famlia. Vm depoisos
influnclns adquiridas em diversos grupos onde os cidados sochumndos
a viver.D exrcito desempenhou, durante muito tempo. umpnpel
irnportuntc, que tende a declinar com a pouca durao do
serviomllltnr, o nmero reduzido de jovens fi que se dirige de
futuro e asformas civis que tende a revestir para os estudantes. Em
contrapartida,o meio de trabalho continua a desempenhar um papel
essencial, mesmose a sindical izao, dantes factor importante de
socializao poltica,no tem mais que um efeito marginal. O mesmo
acontece com apertena a partidos polticos, fenmeno que foi sempre
minoritrio em
u Scrge Bcrstcin, La celturc rpublicainc, ;11 Scrgc Berstcin c
Odilc Rutlcllcdir., Le Modle rpubicain. 0)1- cir.
356
Frana e que tende fi s-lo cada vez mais ainda. Pelo contrrio,
nose poderia subestimar o papel dos media, em especial
audiovisuais,nessa difuso de representaes norrnalizadus que uma
cultura po-ltica. Sem dvida que preciso evitar ver as coisas de
maneiraexcessivamente simplista. Nenhum destes veetores da
socializaopoltica procede por doutrinao. No obstante, a sua
multiplicidadeprobe pensar que se exerce sobre um dado indivduo uma
influnciaexclusiva. A aco variada, por vezes contraditria, e li
compo-sio de influncias diversas que acaba por dar ao homem uma
culturapoltica, a qual mais uma resultante do que uma mensagem
unvocn,ESIa adquire-se no seio do clima cultural em que mergulha
cadaindivduo pela difuso de temas, de modelos, de normas, de
modosde raciocnio que, com a repetio, acabam por ser interiorizndos
eque o tomam sensvel recepo de ideias ou adopo de compor-tamentcs
convenientes. Que o cultural prepara o terreno do polticoaparece
desde j como uma evidncia de que alguns retiraram estra-tgias. a
observao de que o domnio cultural da esquerdo, desdea Libertao,
constitua um obstculo II penetrao na opinlo dusideias de direita
que leva, nos anos setenta, criao do GRECE, 11Nova Direita, que
fixa assim um objcctivo mctupolico, o depreparar, atravs de uma
conquista cultural dos espritos, o terrenopara uma futura conquista
pcltica!",A cultura poltica assim elaborada e difundida, escala das
gern-
es, no de forma alguma um fenmeno imvel. um corpo vivoque
continua a evoluir, que se alimenta, se enriquece com
mlriplnscontribuies, a.'; das outras culturas polticas quando elas
parecemtrazer boas respostas aos problemas do momento, os da evoluo
daconjuntura que inflecte as ideias e os temas, no podendo
nenhumncultura poltica sobreviver a prazo a uma contradio demasiado
fortecom as realidades.A cultura poltica republicana que, no fim do
sculo XIX, coloca
o seu ideal social no culto do pequeno, sonhando com uma
socie-
16 Arme-Mario Durnnton-Crabol, Yisagcs de Ia Nouvclle Droitc. Lc
GRECECI sOIr hlstoirc. Paris, Pressas de Ia Fondntion nationalc dcs
scicnccs politiques,1988_
~i
Natlia IglsiasNatlia IglsiasNatlia IglsiasNatlia Iglsias
-
dade de pequenos proprietrios independentes que realizaria as
pro-messas da Revoluo Francesa, rem de verificar que tal surge em
totalinadequno com a evoluo econmica. Tambm sem
renunciarformalmente, encontra no solidarsmo uma estratgia de
substituio,mais adaptada ao facto importante da concentrao
industrial e dodesenvolvimento do salariado, e que desde j insiste
na necessidadepara o Estado, em nome do quase-contrato que liga o
indivduo cadeia das geraes e sociedade do seu tempo, de exigir dos
maisricos que realizem, atravs da fiscalidade, o seu dever social a
favordos mais pobres e mais desfavorecidos. Lgica social que devia
con-duzir criao, depois da Segunda Guerra Mundial, do
Estado-provi-dncia que. embora nunca se tendo reclamado do
solidarismo, realiza evidncia o seu desgnio. falta de adaptao, uma
cultura polticas pode ter um declnio inelutvel. A esclerose da
cultura comunista,ligada a um modelo de operariado do sculo XIX e a
uma leituradogrntica do marxismo, muito afastada da realidade das
sociedadesevoludas do sculo xx provenientes do crescimento, tem
muito a vercom a sua perda de influncia e, por conseguinte, com o
decJnio doPartido Comunista. Noutros termos. ainda que as
representaes di-firam da realidade objectiva, elas no podem estar
em contradiocom ela, a menos que se perca toda a credibilldade e se
desaparea.Mas a evoluo das culturas polticas no resulta apenas de
uma
adaptao necessria a circunstncias forosamente rnutveis,
Eladepende tambm da influncia que possam exercer as culturas
pol-ticas vizinhas, na medida em que estas parecem trazer respostas
ba-seadas nos problemas que se depararam s sociedades num
dadomomento da sua evoluo. assim que, a partir de meados dos
anossetenta, a cultura socialista sofre uma verdadeira crise
ligada, ao mesmotempo. ineficcia demonstrada da economia
administrada dos pasesde Leste e s dificuldades do
Estado-providncia confrontado com arecesso ou com o fraco
crescimento econmico, que j no permitelibertur os excedentes
necessrios ao financiamento da proteco social.Desde logo se v
surgir no seu seio uma corrente favorvel adopo,pelo liberalismo, da
confluna cega nos mecanismos do mercado,adopo que CIlIISIl \1111
drnrna de conscincia, porque um dos funda-111t:lll0S ua ideutkhule
sociulista a crena na aptido do Estado paraconduzir 11 economia.
que SI! encontra posta em questo. O divrcio
358
que ento se d entre a cultura poltica socialista tradicional, a
queaderem os militantes e que constitui a prpria base da identidade
doPartido Socialista, e essa adopo do lbernlisrno que alguns
socialis-tas desejam inscrever no tempo, mas que os governos
socialistaspraticam sem ousar anunci-lo abertamente, caracterizam
bastantebem o processo de evoluo das culturas polticas, obrigadas u
trans-formar-se, mas que s podem faz-to confrontando-se com
tradiesde que retiram precisamente uma grande .parte da sua
fora!".Resta perguntar qual o interesse que pode revestir o estudo,
pelo
historiador, desta nebulosa complexa que a cultura poltica,
colocadana encruzilhada da histria cultural e da histria poltica e
que tentauma explicao dos comportamentos polticos por Lima fraco do
pa-trimnio cultural adquirido por um indivduo durante a sua
existncia.
Para que servem a cultura poltica e o seu estudo?
Recordamos mais lima vez que a verdadeira aposta est em
com-preender as motivaes que levam o homem a adoptar este ou
aquelecomportamento poltico. A questo, que mal agitou os
historiadores,est, pelo contrrio, no centro do questionamento dos
polillogos, quecolocam geralmente o problema em termos muito
contemporneossob a forma de um entendimento do fenmeno de
participao ou decompromisso POllico1s A hiptese das investigaes
sobre a culturapoltica que esta, uma vez adquirida pelo homem
adulto, constituiriao ncleo duro que informa sobre ,IS suas
escolhas em funo da visodo mundo que traduz. O estudo da cultura
poltica, ao mesmo temporesultante de uma srie de experincias
vividas e elemento determi-nante da aco futura, retira n sua
legitimidade para :L histria da duplafuno que reveste. no conjunto
um fenmeno individual, interio-
17 Alain Bergounloux, Grard Grunberg, Le LOII!: Remords du
pouvoir. LcPuni sociaiiste franais, 1905/991, Paris, Faynrd,
1992.
18 Vcr, sobre este ponto, 1\ posio do problema pelos politlogos
em NormaMayer, Pascnl Pcrrincau, Les Comportcments politiqucs,
Paris, Arrnnnd Colin,1992, ou in Pascnl Pcrrincau dir.,
L'EIICngcl/lcJ/I potitiquc, dclin 014 11I11/(11101/1,Paris, Prcsses
de Ia Fondntion nationalc dcs scicnccs politiques, 1994.
359
Natlia IglsiasNatlia IglsiasNatlia IglsiasNatlia IglsiasNatlia
IglsiasNatlia IglsiasNatlia Iglsias
-
rizndo paio homem, I:: um enrneno colecvo, partilhado por
grupos1I11Jl1eroIiOS.A Iorn da cultura poltica como elemento
determinantc do com-
portamcnto do indivduo resulta, em primeiro lugar, da lentido e
dacomplexidade da sua elaborao. Adquirida no decurso da
formaointelectual, beneficia do carcter de certeza das primeiras
aprendiza-gens. Reforada pela confrontao destas com os
acontecimentossurgidos durante a existncia humana, continua a
aumentar em poderde convicO e no papel de chave da leitura do real.
A habituao doesprito sua utilizao como grelha de anlise acaba por
tom-Ia umfenmeno profundamente imeriorizado e que, como tal,
imperme-vel crtica racional, porque esta faria supor que uma parte
dospostulados que constituem a identidade do homem fosse posta
emcausa. Assim, douard Herriot, intelectualmente formado numa
fam-lia da classe mdia patriota, depois pela universidade
positivistn ekantiana dos anos de 1880-1890, que se tomou por sua
vez professore partidrio do ideal laico, republicano e reformista
ligado heranadi Revoluo Francesa dos meios em que viveu, vai
encontrar no casoDreyfus ocasio para pr concretamente em prtica a
sua culturapoltica, entrando para a Liga dos Direitos do Homem,
militando nasunivcrsidades populares e aderindo depois ao Partido
Radical, expres-so partidria adequada da cultura poltica de que se
reclama. A partirde ento, e para o resto da sua existncia, medida
dessa culturapolticu c dessa experincia de juventude que considerar
os aconte-cimentos polticos, arriscando-se a ficar ultrapassado
quando as refe-rncias que cunslituem as bases dessa cultura se
deslocaram por efeitodOI modificao das circunstncius '". A partir
da, uma bagagem tosolidamente integrada, e que beneficia do )leso
da experincia, dadedicao s causas pelas quais se milita, no poderia
ser atingida porcrlticus provenientes da argumentao racional. Quer
isto dizer que acultura poltica s proviria do instinto, do
emocional, da sensibili-dade? Isso seria esquecer que a sua aquisio
faz supor um raciocnio,que p-Ia em prtica com um dado facto implica
anlise ou, pelo
19 li dcmonstrno tentada na nossa ubra douard Herriot 0/110
I?plrbliqllceu personne, Paris, Prcsscs de 10 Fondation nationnlc
dcs scicnccs potuiqucs,t9SS.
360
menos, ti adeso a uma anlise proposta e que, se o compromisso um
acto do ser profundo, ele no nem impulsivo, nem
irreflectido.Simplesmente, e todos tm conscincia disso, a
interioruao dasrazes de um comportamento acaba por criar
automatlsmos que soapenas O atalho da diligncia racional
anteriormente realizada.Se u cultura poltica acaba por fazer
integralmente parte do ser
humano, significa isso que, passada uma certa idade, se tornou
intan-gvel? Sem a chegar, pode-se pelo menos admitir que, uma
vezalcanada a idade madura, difcil p-Ia em questo, salvo
traumnsmograve. Pode-se considerar que a derrota de 1940, o fenmeno
dadeportao durante a Segunda Guerra Mundial ou, de maneira
menosdramtica, o movimento de Maio de 1968 para os universitrios
ouintelectuais, na medida em que pem em causa identidades,
trouxeramefcctivamente a mutao, o abandono de culturas polticas
slida-mente instaladas. ou a adeso a novas formas de cultura
poltica.Ora, se a cultura poltica retira a sua fora do fncto de,
interiorizada
pelo indivduo, determinar as motivaes do acto poltico, ela
inte-ressa ao historiador por ser, em simultneo, um fenmeno
colectivo,pnrtilhado por grupos inteiros que se reclamam dos mesmos
postula-dos e viveram as mesmas experincias, Se existe um domnio em
queo Icnrncno de gerao encontra justificao plena e total, bemeste20
Submetido mesma conjuntura, vivendo numa sociedade comnormas
idnticas, tendo conhecido as mesmas crises no decorrer dasquais
fizeram idnticas escolhas, grupos inteiros de uma geraopartilham em
comum a mesma cultura poltica que vai depois deter-minar
comportamentos solidrios face aos novos acontecimentos. Pode--se
assim evocar a ~erao do caso Dreyfus, a que pertencem homenscomo
Lon Blum, Edouard Herriot, Maurice Viollette ou Joseph
Paul--Boncour, detentores da cultura republicana, para quem a
fidelidadeao ideal da Revoluo Francesa, n crena no progresso, o
primado doindivduo e a defesa dos seus direitos, o regime
parlamentar. a von-tade de reforma social constituem um conjunto
coerente e homogneo
lU Sobre o fenmeno de gerao, ver li utilizao que dela Icz
Jcan-FranoisSirinclli, Gnration intellectuelle, Paris. Fayard,
1988. Consultar igualmente onmero especial Lcs Gnrations, Vingrieme
siclc. RCI'"C (I'histoire, 11.0 22,Abril 1989.
36/
Natlia IglsiasNatlia IglsiasNatlia IglsiasNatlia Iglsias
-
"
'~
'IIU! gulnr, durante a sua vida, o seu comportamento poltico. A
partirdo fim cios IIn05 vinte, chega s posies importantes uma gerao
queviveu, uns trincheiras ou na retaguarda, o trnumntismo da
PrimeiraGuerra Mundial e que vai, por reaco a esta, repudiar
amplamenteli cultura republicana em proveito dos dois elementos
chave que voconduzir 11 sua aco e que so o pacifismo e o
realisrno?'. AristideBriand o seu inspirador e esta corrente
ilustrada por homens comoJoseph Caillaux, Pierre Laval ou Marcel
Dat, que no tm decertoa mesma idade, mas que parecem ter retirado
as mesmas lies dasexperincias vividas e que desenvolvem uma cultura
poltica sem tabue sem fronteiras, para uso dos sobreviventes do
grande massacre. Poroposio a esta gerao realista, que se ilustrar
pela resignao derrota de 1940, v-se aparecer depois desta uma nova
cultura polticarnarcada por um retomo ao ideal patritico, . vontade
de renovaoeconmica e social, unio dos Franceses, que marca uma
novacultura republicana, de que O gaullismo ser o principal
vecror'",Para o historiador, o interesse de identificao desta
cultura pol-
tica duplo. Permite em primeiro lugar pelo discurso, o
argurnentrio,o gestual, descobrir as raizes e as filiaes dos
indivduos, restitu-Ias coerncia dos seus comportamentos graas
descoberta das suasmotivaes, em resumo, estabelecer uma lgica a
partir de uma reu-nio de parmetros solidrios, que respeitam ao
homem por urnaadeso profunda, no que a explicao pela sociologia,
pelo interesse,pela adeso racional a um programa se revela
insuficiente, porqueparcial, determinista e, portanto, superficial.
Mas, em segundo lugar,passando da dimenso individual dimenso
colectiva da culturapoltica, esta fornece uma chave que permite
compreender a coesode grupos organizados volta de uma cultura,
Factor de comunhOIdos seus membros, ela f-Ias tomar parte
colectivarnente numa visocomum do mundo, numa leitura partilhada do
passado, de uma pers-pectiva idruica de futuro, em normas, crenas,
valores que constituem
li Jcan-Franois Sirinclli, Gnration intelicctuelle, 01', cit., O
repdio doidealismo republicano est descrito ;11 Jcan Luchairc, Une
gllralioJl raliste,Paris, Valols, 1928.II Scrge Berstcin, La V
Rpubliquc:un nouvcau modle rpublicain? , in
Serge Bcrstcin c Odilc Rudellc dir., Le Modlc rpublicain, op.
cit..
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Ium patrimnio indiviso, fornecendo-lhes, para exprimir tudo
isto, umvocabulrio, smbolos, gestos, at canes que constituem um
verda-deiro rituaF3.No centro da nova ateno dada doravante pelos
historiadores ao
fenmeno cultural, a cultura poltica ocupa pois um lugar
particular.Ela apenas um dos elementos da cultura de uma dada
sociedade, oque diz respeito nos fenmenos polticos. Mas, ao mesmo
tempo,revela um dos interesses mais importantes da histria
cultural, o decompreender as motivaes dos netos dos homens num
momento dasua histria, por referncia ao sistema de valores, de
normas, decrenas que partilham, em funo da sua leitura do passado,
das suasaspiraes para o futuro, das suas representaes da sociedade,
dolugar que nele tm e da imagem que tm da felicidade. Todos
oselementos respeitarues ao ser profundo, que variam em funo
dasociedade em que so elaborados e que permitem perceber melhor
asrazes de actos polticos que surgem, pelo contrrio, como
epifcn-menos.
1) Sergc Bcrstcln, Ritcs ct ritucls politiqucs, ln Jcan-Franols
Sirincllidir.,Dlctionnairc historique c/c Ia I'ie polisique
franaise 011 xx' sicle, Paris, rUF,1995,
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