1 BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNC): EXISTE ESPAÇO PARA A EDUCOMUNICAÇÃO E A MÍDIA-EDUCAÇÃO, NO NOVO PROJETO DO MEC? Ismar de Oliveira Soares 1 CCA/ECA/-USP, NCE/USP, ABPEducom, OLCAMI Outubro de 2015 A proposta de documento sobre a Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Básico, colocada em debate, no segundo semestre de 2015, pela Secretaria de Educação Básica do MEC 2 , detalha, na Área de Linguagens 3 um total aproximado de 80 componentes curriculares de interesse para a Educomunicação e a Mídia-Educação 4 . 1 - Professor Titular da Escola de Comunicações e Artes USP, onde é coordenador pedagógico da Licenciatura em Educomunicação <www.cca.eca.usp.br>. Jornalista responsável pela revista Comunicação & Educação <http://www.revistas.usp.br/comueduc/>. Fundador do NCE – Núcleo de Comunicação e Educação da USP <http://nce-usp.blogspot.com/>. Presidente da ABPEducom- Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais da Educomunicação <www.abpeducom.org.br>. Membro do Conselho da OLCAMI - Observatório Latinoamericano e Caribenho de Alfabetização Midiática e Informacional. <[email protected]>. 2 - <HTTP://BASENACIONALCOMUM.MEC.GOV.BR/#/SITE/INICIO> 3 - http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/conhecaDisciplina?disciplina=AC_LIN&tipoEnsino=TE_EF. 4 - Trabalhamos, neste texto, com as terminologias “Educomunicação” e “Mídia-Educação”, não porque as entendamos como sinônimas, mas porque refletem dois caminhos, igualmente legítimos, de abordagem para a relação entre a Educação e Comunicação. O primeiro conceito (Educomunicação), cuja partida dá-se na interface Educação/Comunicação, tem como foco os processos comunicativos, enquanto o segundo (Mídia-Educação), com origem nas preocupações da Educação com o fenômeno midiático, volta-se para as mídias como espaços de cultura e ferramentas pedagógicas. Entendemos que os dois conceitos têm o que oferecer para solucionar as carências do documento em exame, que o presente texto pretende identificar. Texto preparado para apoiar os debates que venham a ser promovidos em torno a projetos curriculares que levem com conta as demandas que a Era da Informação e da Comunicação colocam para as políticas de Educação. Toma como estudo de caso o pré-projeto da Secretaria de Educação Básica do MEC sobre o tema da Base Nacional Comum Curricular. O artigo elabora suas análises a partir do campo da Educomunicação, em diálogo com a área de Mídia-Educação e com a proposta da UNESCO sobre a Alfabetização Midiática e Informacional.
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Base Nacional Comum Curricular(BNC) e Educomunicação
Base Nacional Comum Curricular(BNC): existe espaço para a Educomunicação e a Mídia-Educação, no novo projeto do MEC? Texto do professor Ismar de Oliveira Soares (ECA-USP, ABPEducom).
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BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNC):
EXISTE ESPAÇO PARA A EDUCOMUNICAÇÃO E A MÍDIA-EDUCAÇÃO, NO
NOVO PROJETO DO MEC?
Ismar de Oliveira Soares1
CCA/ECA/-USP, NCE/USP, ABPEducom, OLCAMI
Outubro de 2015
A proposta de documento sobre a Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Básico, colocada em debate,
no segundo semestre de 2015, pela Secretaria de Educação Básica do MEC2, detalha, na Área de Linguagens
3
um total aproximado de 80 componentes curriculares de interesse para a Educomunicação e a Mídia-Educação4.
1 - Professor Titular da Escola de Comunicações e Artes USP, onde é coordenador pedagógico da Licenciatura em Educomunicação
<www.cca.eca.usp.br>. Jornalista responsável pela revista Comunicação & Educação <http://www.revistas.usp.br/comueduc/>. Fundador do NCE –
Núcleo de Comunicação e Educação da USP <http://nce-usp.blogspot.com/>. Presidente da ABPEducom- Associação Brasileira de Pesquisadores e
Profissionais da Educomunicação <www.abpeducom.org.br>. Membro do Conselho da OLCAMI - Observatório Latinoamericano e Caribenho de
Alfabetização Midiática e Informacional. <[email protected]>. 2 - <HTTP://BASENACIONALCOMUM.MEC.GOV.BR/#/SITE/INICIO> 3 - http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/conhecaDisciplina?disciplina=AC_LIN&tipoEnsino=TE_EF. 4 - Trabalhamos, neste texto, com as terminologias “Educomunicação” e “Mídia-Educação”, não porque as entendamos como sinônimas, mas porque
refletem dois caminhos, igualmente legítimos, de abordagem para a relação entre a Educação e Comunicação. O primeiro conceito
(Educomunicação), cuja partida dá-se na interface Educação/Comunicação, tem como foco os processos comunicativos, enquanto o segundo
(Mídia-Educação), com origem nas preocupações da Educação com o fenômeno midiático, volta-se para as mídias como espaços de cultura e
ferramentas pedagógicas. Entendemos que os dois conceitos têm o que oferecer para solucionar as carências do documento em exame, que o presente
texto pretende identificar.
Texto preparado para apoiar os debates que venham a ser promovidos em torno a
projetos curriculares que levem com conta as demandas que a Era da Informação e
da Comunicação colocam para as políticas de Educação.
Toma como estudo de caso o pré-projeto da Secretaria de Educação Básica do MEC
sobre o tema da Base Nacional Comum Curricular.
O artigo elabora suas análises a partir do campo da Educomunicação, em diálogo
com a área de Mídia-Educação e com a proposta da UNESCO sobre
em contínuo intercâmbio de questões, informações e propostas com sua comunidade, como protagonista social e
cultural”.
O reconhecimento de que a escola deva garantir condições para “o desenvolvimento de múltiplas linguagens” e
para “o uso criativo e crítico dos recursos de informação e comunicação” – questões já presentes no ideário do
Programa Mais Educação, da própria Secretaria, implantado a partir de 20086, - aponta, indubitavelmente, para
a presença, no novo documento da SEB/MEC, de elementos caros ao pensamento educomunicativo e mídia-
educativo.
Restam, contudo, como já assinalamos na abertura do artigo, algumas dúvidas a serem respondidas, quais
sejam:
- Que procedimentos poderiam ser sugeridos na base curricular comum para que o exercício da criticidade e da
criatividade possam ser efetivada no cotidiano escolar?
- Em que tempo escolar poderia ser promovida esta alfabetização midiática e informacional?
- Como integrar o ideário do Programa Mais Educação aos novos propósitos da educação curricular?
2. Áreas de conhecimento e temas integradores
Os objetivos de aprendizagem são apresentados a partir de quatro áreas do conhecimento, a saber: Linguagens,
Matemática, Ciências Humanas e Ciências da Natureza e seus respectivos componentes curriculares. Segundo a
Secretaria de Educação Básica, tal organização visa superar a fragmentação na abordagem do conhecimento
escolar pela integração e contextualização desses conhecimentos, respeitando-se as especificidades dos
componentes curriculares que integram as diferentes áreas.
A integração entre os componentes de uma mesma área do conhecimento e entre as diferentes áreas é
estabelecida, ainda, pelos Temas Integradores. São eles: Consumo e educação financeira; Ética, direitos
humanos e cidadania; Sustentatibilidade; Tecnologias digitais; Culturas africanas e indígenas.
Interessa-nos, particularmente, a área de Linguagens que trata dos conhecimentos relativos à atuação dos
sujeitos em variadas esferas da comunicação humana, das mais cotidianas às mais formais e elaboradas. São
conhecimentos que – segundo o projeto – “possibilitam mobilizar e ampliar recursos expressivos, para construir
sentidos com o outro em diferentes campos de atuação, além de propiciar a compreensão de como o ser humano
se constitui como sujeito e como age no mundo social em interações mediadas por palavras, imagens, sons,
gestos e movimentos”.
6 - O Programa Mais Educação contou com o suporte teórico da Educomunicação, presente no Caderno Pedagógico do macrocampo
”Comunicação e Uso de Mídias” <http://deitarare.educacao.sp.gov.br/Documentos/Comunica%C3%A7%C3%A3oeusodemidias.pdf>
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3. Área de Linguagens
No texto da Secretaria de Educação Básica, a área de Linguagens reune quatro componentes curriculares:
Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Arte e Educação Física. Esses componentes articulam-se na
medida em que envolvem experiências de criação, de produção e de fruição de linguagens. Segundo o
documento, “a utilização do termo linguagens, no plural, aponta para a abrangência do aprendizado na área, que
recobre não apenas a linguagem verbal, mas as linguagens musical, visual e corporal”.
O texto lembra, ainda, que a tarefa do letramento - que diz respeito à condição de participar das mais diversas
práticas sociais permeadas pela escrita – “abrange a construção de saberes múltiplos que permitam aos/às
estudantes atuarem nas modernas sociedades tecnológicas, cada vez mais complexas, também em relação às
suas formas de comunicação”.
Tal atuação requer autonomia de leitura nos diversos campos e suportes midiáticos, além de preparo para
produzir textos em diferentes modalidades e adequados aos propósitos e às situações de comunicação em que os
sujeitos se engajam. No caso, seria de se supor – nas políticas de formação dos educadores - a previsão de um
letramento midiático e informacional, que garantisse à comunidade educativa um avanço tranquilo e coerente na
obtenção dos graus de aprendizagem que se fizerem necessários.
É bom lembrar que as práticas de compreensão e de produção de textos são constitutivas da experiência de
aprender e, portanto, presentes em todas as demais áreas.
4. Práticas Comunicativas entre os componentes da Área de Linguagens
Como já lembrado, o exame dos componentes curriculares da Área de Linguagens aponta para uma presença
significativa de metas relativas à comunicação, seus processos e linguagens, bem como sobre as tecnologias da
informação, todas elas elementos constitutivos da Educomunicação e da Mídia-Educação. Reunimos tais metas,
ano-por-ano, retomando especificamente o que se espera venha a ocorrer, dado o novo programa, com a prática
expressivo-comunicativa, em decorrência do processo de ensino/aprendizagem.
Antes, porém, para melhor entender a opção pelos conteúdos a serem analisados no pré-projeto da proposta
governamental, dedicamos a continuidade deste tópico a elucidar as especificidades dos conceitos de
Educomunicação e Mídia-Educação.
4.1 – Sobre a Educomunicação
A Educomunicação é aqui assumida como um paradigma que busca entender, de um lado, a natureza da inter-
relação comunicação/educação, como espaço de construção de sentidos voltado ao planejamento e à
implementação de ecossistemas comunicativos abertos, democráticos e criativos e, de outro, as possíveis
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práticas educativas capazes de facilitar uma relação de autonomia dos usuários em relação ao sistema massivo
de comunicação e informação (leitura crítica da comunicação). A mediação das tecnologias facilitam os
processos de produção comunicativa, colaborando para a aprendizagem e para o exercício da prática plena da
cidadania (SOARES, 1999).
A Educomunicação diz respeito, portanto, às relações de comunicação em dado espaço ou ambiente
(ecossistema) em que os grupos humanos estão inseridos, trabalhando para que sejam democráticos, abertos,
construtivos e colaborativos, preocupando-se, de igual forma, com a recepção crítica e ativa das mensagens
veiculadas pelos meios comerciais e públicos.
A Educomunicação – familiar, no Brasil, como fundamentação teórico-prática do trabalho de organizações que
militam na educação não formal7 – tem, igualmente, a ver com a didática formal quando propõe que as relações
entre professores e alunos se estabeleçam a partir de uma perspectiva dialógica e colaborativa, alinhando-se, no
caso, com as pedagogias progressistas. Por seu lado, as tecnologias da informação passam a ser vistas como
novas oportunidades para o protagonismo infanto-juvenil. Portanto, não são as tecnologias em si o que
interessa, mas as mediações que propiciam.
A definição traduz uma prática latino-americana, que emergiu da mobilização da sociedade civil, a partir dos
meados do século XX, em torno do direito universal à expressão. A prática se fez presente junto a organizações
sociais voltadas para a defesa dos direitos humanos, especialmente os relativos à expressão, à sustentabilidade,
bem como ao respeito às identidades e ao protagonismo infanto-juvenil. Tem caracterizado o trabalho de
institutos que desenvolvem projetos de educação para a comunicação, através de exercícios de leitura crítica da
mídia e de produção midiática solidária e colaborativa.
O conceito articula saberes e práticas em torno a campos de intervenção na realidade, dentre os quais a área da
“gestão da comunicação nos espaços educativos”; a área da “educação para a comunicação” (media education);
a área da “mediação tecnológica na educação” (information literacy); a área da “expressão comunicativa através
das artes” (arte-educação), entre outras.
A Educomunicação dialoga com o pensamento educativo da UNESCO em torno à necessidade de se implantar
programas governamentais voltados à “alfabetização midiática e informacional”. Dialoga, igualmente, com os
7 Destacamos quatro documentos que traduzem os referenciais educomunicativos sustentados por organizações não governamentais: (1) Educomunicar, Comunicação,
Educação e Participação para uma educação pública de qualidade <http://www.cidadeescolaaprendiz.org.br/wp-content/uploads/2014/06/educomunicar_rede-cep.pdf>; (2) Mudando sua Escola, Mudando sua Comunidade, Melhorando o Mundo, Sistematização da Experiência em Educomunicação!
<http://www.unicef.org/brazil/pt/br_educomunicacao.pdf>; (3) Guia de Educomunicação: <http://issuu.com/portfolio_viracao/docs/guia_educomunicacao> e (4) Guia
Mais Educomunicação: <http://issuu.com/renajoc/docs/guia_mais_educomunicacao/9>.
grupos organizados que promovem com notável empenho práticas educativas denominadas de Mídia-Educação.
Na verdade, as ações e pesquisas na área da Mídia-Educação colaboram para o entendimento da natureza das
mediações tecnológicas nos espaços educativos.
4.2 – Sobre a Mídia-Educação
Para definirmos o termo “Media-Educação”, recorremos a três entrevistas realizadas pelo portal da OSCIP
planetapontocom8, com vozes que vêm trabalhando o tema com reconhecida intensidade, no Brasil: Rosália
Duarte, Mônica Fantin e Inês Vitorino9.
Para Rosália Duarte, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), a mídia-educação é um
conceito que se traduz em um trabalho educativo sobre os meios, com os meios e através dos meios. E explica:
“Sobre os meios” refere-se ao estudo e análise dos conteúdos presentes nos diferentes veículos e suas
linguagens; “Com os meios” diz respeito ao uso dos recursos e suas linguagens como ferramentas de apoio às
atividades didáticas; e “Através dos meios” contempla produção de conteúdos curriculares para e com os meios,
em sala de aula e, também, a educação a distância ou virtual, quando o meio se transforma no ambiente em que
os processos de ensino-aprendizagem ocorrem.
Igualmente, para Mônica Fantin, coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre Infância, Comunicação e Arte, da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o conceito de mídia-educação deve considerar a centralidade
que as novas mídias e tecnologias ocupam na vida contemporânea. No caso, ao se discutir a mídia-educação,
deve-se falar em objetivos, no plural, tais como: a formação de um sujeito crítico e criativo, além de usuário
ativo e responsável das mídias.
Já Inês Vitorino, Coordenadora do Grupo de Pesquisa da Relação Infância e Mídia (Grim), da Universidade
Federal do Ceará (UFC), não se identifica com um termo específico, entendendo que a proposta subjacente às
terminologias “educomunicação”, “mídia-educação”, “alfabetização para os meios”, “uso crítico das mídias”
etc. deve ser a de promover um envolvimento crítico dos educandos com os processos comunicativos e, em
particular, com a comunicação midiática, o que inclui a leitura crítica dessa comunicação e também a sua
apropriação, ou seja, a possibilidade de vivenciar a comunicação como direito, como forma de expressão, como
partilha de diferentes formas de ver e agir no mundo.
8 - www.planetapontocom.org.br
9 - As entrevistas com as três especialistas são acessíveis no portal da revistapontocom, respectivamente, nos seguintes endereços: <HTTP://WWW.REVISTAPONTOCOM.ORG.BR/ENTREVISTAS/MIDIAEDUCACAO-EM-DEBATE-3>;