Rosangela Nair de Carvalho Barbosa A ECONOMIA SOLID`RIA COMO POL˝TICA PBLICA: uma tendŒncia de geraªo de renda e ressignificaªo do trabalho no Brasil Doutorado em Servio Social Pontifcia Universidade Catlica de Sªo Paulo 2005
Rosangela Nair de Carvalho Barbosa A ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA:
uma tendência de geração de renda e ressignificação do
trabalho no Brasil
Doutorado em Serviço Social
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo � 2005
BANCA EXAMINADORA
Prof.Dr. Luiz Eduardo Waldemarin Wanderley
Profa. Dra. Dirce Harue Ueno Koga
Prof. Dr. Geraldo Di Giovanni
Profa. Dra. Marilda Vilela Iamamoto
Profa. Dra. Maria Carmelita Yasbek
RESUMO
Esta pesquisa examina a política pública de economia solidária em processo de
constituição no âmbito do Governo Federal brasileiro. Documentação e eventos
envolvendo Secretaria Nacional de Economia Solidária, Fórum Brasileiro de
Economia Solidária e Rede Brasileira de Sócio-Economia Solidária foram as
principais fontes de investigação. Os sentidos sociais da política são abordados
em relação às transformações do trabalho e a incapacidade histórica do
segmento economia solidária independer das necessidades capitalistas. A
cooperação democrática e a solidariedade entre trabalhadores é requerida nas
narrativas demonstrando distinção com outras propostas de geração de renda
não regulamentadas. Todavia, não apresentam condições históricas para se
contraporem a vida mercantil e tão pouco para ampliarem acesso aos fundos
públicos. A mortalidade das cooperativas populares é recorrente em razão da
dificuldade para integração mercantil. A pouca tradição formativa e informativa no
tema entre os trabalhadores também é relacionada como um problema. A gestão
da Secretaria Nacional se baseia principalmente na regulamentação das
atividades, inventário das práticas existentes e fomento a limitadas ações
produtivas. A inflexão na tradição das lutas sociais em detrimento do confronto
público se expressa no material da pesquisa. Verifica-se ainda o fetiche da
retórica sobre a liberdade e autonomia dos trabalhadores em atividades
produtivas deslocadas das relações com empresas ou de trocas no mercado.
Paradoxalmente, o apoio à economia solidária, esclarece a participação ativa do
Estado na queda da perspectiva do emprego regulamentado, somando motivos
para ampliação da inversão privada de riqueza na cena pública brasileira.
ABSTRACT
This research examines the policy of solidary economy in constitution process in
the government's Brazilian Federal scope. Documentation and events involving
National Secretariat of Solidary Economy, Brazilian Forum of Solidary Economy
and Brazilian Net of Solidary Economy were the investigation main funds. The
social situation of unemployment of the workers is among main reasons of the
working initiatives in cooperatives of the solidary economy. The social senses of
politics are boarded regarding the transformations of work and the historical
inability of the solidary economy segment to be independent of capitalist needs.
The democratic cooperation and the solidarity between workers is required in the
narratives demonstrating distinction with other proposed of generation of not
regulated earning. However, they do not introduce historical terms to oppose the
mercantile life and such little to enlarge access to the public funds. The mortality
of the popular cooperatives is recurring in reason of the difficulty for mercantile
integration. The little formative and informative tradition in the motive among
workers also is related as a problem. The administration of the National
Secretariat bases mostly in the regulation of the activities, inventory of the existing
practices and fomentation to some productive actions. The inflection in the
tradition of the social fights in detriment of the confront public expresses in
research. still it verifies the fetish of the rhetoric on the freedom and workers'
autonomy in productive activities dislocated of the relations with companies or of
changes in the market. Paradoxically, the support the solidary economy, clarifies
State's active participation in the fall of the perspective of the regulated job,
summing reasons for enlargement of the wealth closet inversion in the Brazilian
public scene.
Key Words: Work, Cooperative, Solidary Economy, Public Policy
À Antonio e Eunice, com gratidão
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
Murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.
Carlos Drumond de Andrade
AGRADECIMENTOS À família Carvalho Barbosa, pelo tempo feito em fragmentos de perseverança,
sabedoria e delicadeza no lidar com a vida e alimentar minha alma. Lucinha,
Paulinho e Gagau, um pouco de vocês em tudo que faço... Carolina, Hugo e
Clara, pelo desejo que me despertam de ter esperanças ...
Aos amigos que o tempo foi mostrando o precioso afeto: Auta, Giselle, Alexandre,
Maria Regina, Márcia, Ney, Regina, Xandoca.
Aos amigos de história recente e sentimentos translúcidos: Rosemary, Geraldo.
Aos amigos que saltaram da vida comigo partilhando esse mesmo espelho do
aperfeiçoamento intelectual, com muitas faces de cumplicidade recolhendo parte
da solidão que nos toma nesse processo: Marlova, Mônica, Tatiane, Isabel.
À Carmelita pela ternura, firmeza e orientação com que foi sugerindo trajetórias
possíveis e necessárias.
Aos professores da PUC que possibilitaram as muitas janelas para visões e
revisões do conhecimento sem que ficasse perdi zes na efemeridade intelectual.
Aos funcionários da PUC que de perto ou de longe sempre ouviram minhas
querências, e as acolheram com apurado apoio.
Às revelações de amizade que se fizeram durante o doutoramento lembrando a
doçura da vida estudantil retomada com Carina, Euniciana, Nice, Silvina, e,
especial gratidão a Iris que aqui e além mar manteve uma generosa amizade.
À Fernanda Rodrigues, pela acolhida e orientação em Portugal, gratidão ampliada
à Universidade do Porto.
Aos brasileiros e portugueses que estiveram na linha da história na minha
passagem por Portugal e que puderam tornar o estágio de pesquisa um outono
proveitoso.
A CAPES, pelo financiamento a esse estágio de formação e pesquisa através da
bolsa PICDT e bolsa sanduíche realizada em Portugal.
A UERJ, pelo investimento realizado proporcionando-me liberação das atividades
docentes durante o percurso do doutoramento, especialmente à Faculdade de
Serviço Social - pelas nossas histórias acadêmicas misturadas- e, atenção de
professores, funcionários e alunos nos momentos necessários para me acolher e
me deixar ir...
Às pessoas que direta e indiretamente se relacionaram com minha pesquisa me
dando acesso a informações e convivências nos muitos espaços de sociabilidade
da economia solidária tão reveladora da destemida desigualdade social brasileira.
De tudo ficou um pouco
(Carlos Drumond de Andrade)
SUMÁRIO Introdução
15
CAPÍTULO 1 � A CULTURA DO AUTO-EMPREGO E DA INFORMALIDADE
22
1.1 A Crise do Capital e a Diluição dos Limites a Extração do
Sobretrabalho
25
1.2 A Fragilização do Trabalho a Partir da Precarização do Emprego
Estrutural
35
1.3 Tendências da Atuação do Estado nesse Contexto de Informalização
e Precarização do Trabalho
48
1.4 Consentimento às Mudanças em favor do Capital: o
empreendedorismo e a despolitização da relação Estado/Sociedade
Civil
60
CAPÍTULO 2 � A SOCIABILIDADE DO TRABALHO EM ECONOMIA SOLIDÁRIA
82
2.1 Ramos de Atividades: as múltiplas expressões e os
condicionamentos sociais
83
2.2 Organização ao Trabalho: autogestão e mercado 89
2.3 Tecnologia Social: inovação para os pequenos 141
2.4 Financiamento: o acesso dos miúdos 150
2.5 Organização Política: espaços para agir e negociar como sujeito
coletivo
161
CAPÍTULO 3 � A POLÍTICA PÚBLICA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
181
3.1 A Ressignificação do Trabalho como Causa e Conseqüência da
Política Pública de Economia Solidária
182
3.2 A SENAES: Concepções e Diretrizes da Política 214
3.3 Os Problemas do Trabalho Associado de Economia Solidária e a
Agenda Pública
237
Conclusão
270
Anexos
277
Bibliografia
286
Lista de Quadros 1 Quadro Geral dos Documentos de Experiências de Economia
Solidária Consultados p.278
2 Quadro Parcial de Documentos de Experiências de Economia Solidária � Bloco 1
p.279
3 Quadro Parcial de Documentos de Experiências de Economia Solidária � Bloco 2
p.281
4 Quadro Parcial de Documentos de Experiências de Economia Solidária � Bloco 3
p.283
5 Quadro Parcial de Documentos de Experiências de Economia Solidária � Bloco 4
p.284
6 Quadro de Cooperativas Formadas a partir de Empresas Falidas, por Localidade, Tipo de Produção e Trabalhadores
p.97
7 Quadro Sintético e Histórico da Economia Solidária no Brasil p.164 8 Quadro Demonstrativo da Estrutura do FBES p.168 9 Quadro de Entidades Nacionais de Assessoria em Economia
Solidária p.170
10 Quadro Sintético da Estruturação da SENAES e suas Proposições para Economia Solidária
p.215
11 Quadro Demonstrativo da Transversalidade da Economia Solidária no Governo
p.223
12 Quadro Demonstrativo do Orçamento da SENAES p.231 13 Quadro Sintético das Ações da SENAES entre os Anos de
2003/2004 por Atividade, Objetivo e Órgão p.232
14 Quadro Demonstrativo dos Empreendimentos de Economia Solidária por Unidade da Federação (UF)
p.235
15 Quadro Qualitativo de Entidades de Apoio por Unidades da Federação (UF)
p.235
16 Quadro Expositivo dos Problemas e Propostas de Políticas Púbicas para Regulamentação do Setor
p.245
17 Quadro Expositivo dos Problemas e Propostas de Políticas Públicas para Rede de Produção, Comercialização e Consumo
p.248
18 Quadro Expositivo dos Problemas e Propostas de Políticas Púbicas para Financiamento do Setor
p.252
19 Quadro Expositivo dos Problemas e Propostas de Políticas Púbicas para Educação
p.254
20 Quadro Expositivo dos Problemas e Propostas de Políticas Púbicas para Comunicação no Setor
p.258
21 Quadro Expositivo dos Problemas e Propostas de Políticas Púbicas para Democratização do Conhecimento e Tecnologia no Setor
p.259
Lista de Siglas ABONG Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais
ABPES Associação Brasileira de Pesquisa em Economia Solidária
ACI Aliança Cooperativista Internacional
ADS Agência de Desenvolvimento Solidário da CUT
ANTEAG Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão
e Participação Acionária
APL Arranjo Produtivo Local
ASA Articulação do Semi-Árido
BB Banco do Brasil
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BM Banco Mundial
BIRD Banco Interamericano para Reconstrução e Desenvolvimento
BNB Banco do Nordeste do Brasil
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CAGED Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do TEM
CEF Caixa Econômica Federal
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CNBB Conselho Nacional dos Bispos do Brasil
CNI Confederação Nacional da Indústria
CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CODEFAT Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador
CONCRAB Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil
CONTAG Confederação dos Trabalhadores da Agricultura
COOTRABALHO Confederação das Cooperativas de Trabalho
CUT Central Única dos Trabalhadores
DENACOOP Departamento Nacional de Cooperativismo
DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos
DRT Delegacia Regional do Trabalho
EGE Equipe Gestora Estadual
FASE Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FAZ Fundo de Assistência Social
FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador
FBES Fórum Brasileiro de Economia Solidária
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FIESP Federação das Indústrias de São Paulo
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
FMI Fundo Monetário Internacional
FSM Fórum Socical Mundial
FUMIN Fundo de Investimento Multilateral
IBASE Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Socioeconômicas
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INSS Instituto Nacional de Seguro Social
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
ISER Instituto de Estudos da Religião
ISS Imposto Sobre Serviços
ITCP Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares
MCT Ministério de Ciência e Tecnologia
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDS Ministério do Desenvolvimento Social
MST Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
MTE Ministério do Trabalho e Emprego
OCB Organização das Cooperativas do Brasil
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OIT Organização Internacional do Trabalho
OMC Organização Mundial do Comércio
ONG Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PACS Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul
PASEP Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público
PEA População Economicamente Ativa
PIB Produto Interno Bruto
PIS Programa de Integração Social
PNPE Programa Nacional Primeiro Emprego
PNQ Plano Nacional de Qualificação
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PROEMPREGO Programa de Expansão e Melhoria da Qualidade de Vida do
Trabalhador
PROGER Programa de Geração de Emprego e Renda
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PRONINC Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares
RBSES Rede Brasileira de Socio-Economia Solidária
RITCP Rede de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares
RTS Rede de Tecnologia Social
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa
SECOM Secretaria de Comunicação da Presidência da República
SENAC Serviço Nacional do Comércio
SENAES Secretaria Nacional de Economia Solidária
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SEPPIR Secretaria Nacional de Políticas Públicas para Igualdade Racial
SESC Serviço Social do Comércio
SESCOOP Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo da OCB
SESI Serviço Social da Indústria
SIES Sistema de Informações em Economia Solidária
TEA Taxa de Atividade Empreendedora
UNITRABALHO Rede Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho
15
INTRODUÇÃO
16
INTRODUÇÃO
Inserido no quadro societário de intensificação da desigualdade econômica
e da aventura dos trabalhadores pela própria reprodução social nessa transição
de Séculos, o presente trabalho analisa os sentidos sociais da constituição de
política pública para atividades laborativas nomeadas como economia solidária,
no Brasil, nos anos recentes.
A desocupação, a baixa qualidade dos empregos e a desproteção social
como conseqüências do ajuste que o capital vem realizando nos últimos anos
para atender a sua crise de acumulação provoca graves danos sociais aos
trabalhadores do centro e periferia capitalistas. Delas, decorre a iniciativa de
constituir práticas amenizadoras do não assalariamento para subsistência de
trabalhadores desempregados nomeada na parte latina das Américas de
economia solidária. Até aqui basta dizer que são ações econômicas realizadas
em sistema de autogestão através de cooperativas ou associações, tanto no
campo como nas cidades.
O termo economia solidária já é em si objeto de controvérsia teórica na
medida em que carrega duas imprecisões: uma, por supor segmentos
diferenciados e autônomos de economia; outra por classificá-la por meio de uma
categoria desde muito tempo cara ao debate ético social e historicamente
enraízado como a solidariedade, mas profundamente questionável na sociedade
capitalista que precisa desgarrar os indivíduos de valores substantivos de
convivência e inserção social e aproximá-los em condições ou situações políticas
principalmente formalistas e instrumentais para os fins de dominação que lhe são
próprios. De todo modo, sem desejar fazer uma exegese do termo enquanto tal
ou abandonar a possibilidade de pensar esse fenômeno na realidade pela
incongruência com que é nomeado, adota-se aqui a teminologia como
17
institucionalizada no aparelho de Estado; para efeito de comunicação não será
demais usá-la como se apresenta publicamente.
A abordagem do tema, nessa pesquisa, toma por suposição que as
transformações do trabalho são desencadeadas por necessidades histórico-
materiais do capitalismo, mediadas por aparatos de consentimento ativo às
mudanças, proporcionado pelo que nomeamos aqui cultura do auto-emprego, e,
contando com a participação decisiva do Estado. Alega-se que as práticas,
reconhecidas como economia solidária, entram na agenda do Estado como parte
do processo de ressignificação semântica, política, econômica e social do
trabalho. Essa pesquisa demonstra o papel ativo do Estado no sentido de
reconceituar sua atuação, desvinculando-a do problema da expansão e qualidade
do assalariamento.
Trata-se de prática recente e intrinsecamente vinculada à desobrigação
pública com a oferta de emprego, fragilização dos sindicatos e o concomitante
associativismo das organizações não governamentais. Ao longo dos anos de
1990, variadas iniciativas dessa natureza de produção e comercialização de matiz
informal ganharam expressão nas periferias das cidades e na zona rural do país a
partir da ação direta de igrejas, sindicatos e organizações não governamentais.
Nos anos 2000, ampliou bastante o interesse no tema, principalmente da
parte de governos regionais de esquerda que apoiaram e fomentaram iniciativas
econômicas dessa natureza. Com a Presidência de Luiz Inácio Lula da Silva na
República, esse apoio à economia solidária ganha estatuto de política pública
federal e ingressa no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego através da
Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) - Lei 10.683 de 28/05/2003;
Decreto 4764 de 24/06/2003 -, concomitantemente cria-se, no âmbito da
sociedade o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), articulador das
experiências no território nacional e representação junto aos governos e fóruns
internacionais.
A criação da Secretaria Nacional aponta formalmente para reconceituação
da informalidade, como novo aparato institucional de investimentos públicos na
área e interface com a sociedade a respeito do fomento do trabalho em unidades
coletivas autogestionadas.
O trabalho associado em economia solidária aparece como uma das
respostas à nova sociabilidade imposta pelo capital, sendo hoje uma efetiva
18
prática social estimada pela SENAES em 20.000 unidades produtivas no país.
Envolve segmentos heterogêneos de trabalhadores, havendo aqueles
extremamente vulnerabilizados com baixa escolarização e que nunca fizeram
parte do mercado de trabalho contratualmente formalizado, bem como
trabalhadores antes assalariados, empurrados para relações de trabalho
precarizadas via auto-emprego. Nesse quadro, é grande a presença de
segmentos de baixa hierarquia na divisão sócio-técnica do trabalho, e, as
experiênicas, podem ser localizadas em todo território nacional, tanto nas cidades
quanto nos campos, incluindo assentamentos e grupos de agricultura familiar. Em
termos de ramos de atividades, envolve desde tradicionais práticas de
subsistência como também empresas falidas transferidas para os trabalhadores e
unidades produtivas subcontratadas por empresas no processo de externalização
produtiva.
Com isso, adiantamos que a pesquisa sobre Economia Solidária como
Politica Pública aqui apresentada, está inserida nesse universo de investigação
sobre as práticas sociais decorrentes do adensamento da questão social na vida
capitalista no tocante ao acirramento da luta de classes em favor da acumulação
via menos emprego e/ou empregos precarizados � baixos salários, péssimas
condições de trabalho e desproteção social. As experiências de economia
solidária parecem se situar numa das veredas dessas mudanças societárias,
quando o Estado se descompromete com a nossa ainda incipiente perspectiva
social de universalização de direitos, entre eles, o trabalho assalariado, ao mesmo
tempo em que ensaia apoiar com maior punjança iniciativas de auto-emprego. O
campo é de mudanças na realidade concreta e no modo de conceber a vida e a
convivência social, algo em torno de uma suposta autonomização civil com o lema
a sociedade por conta própria.
Há um diferenciador nessas proposições que distingue a economia
solidária de outras medidas de geração de renda, embaralhando a análise sobre o
tema como alternativa social. Além da ocupação, os sujeitos sociais envolvidos,
inserem na narrativa a denúncia das usurpações humanas inerentes ao trabalho
capitalista. Quer dizer, a economia solidária se propõe a ser uma alternativa,
superadora mesmo da exploração social. Uma ante-sala de experimentos
socialistas ou de um outro mundo possível.
19
A pesquisa não atendeu a esse debate. Ocupou-se centralmente de
analisar os sentidos da assunção pelo Estado dessa responsabilidade pública. Ou
seja, tomou a economia solidária como uma variante de política pública e não
como movimento social ou a partir de suas potencialidades utópicas de
transformação social. Ainda que seja uma vertente importante de análise, fugiu às
possibilidades estruturais da investigação.
Buscou-se desenvolver estudos de natureza teórico-conceitual para
evidenciar as conexões entre as práticas de economia solidária e o
desenvolvimento do capitalismo contemporaneamente, paralelamente ao
levantamento de informações e acontecimentos sobre a estruturação da SENAES
no Governo Luiz Inácio Lula da Silva. Para tanto, utilizou-se das técnicas de
estudo bibliográfico; levantamento e análise de informações em documentos
escritos, depoimentos e rede eletrônica; observação participante em seminários,
conferências, feiras e encontros.
Consistiu em unidade de análise da pesquisa experiências de economia
solidária, sua organização e ação política, bem como a feição tomada pela política
pública na SENAES e no contexto do projeto político do Governo Luiz Inácio Lula
da Silva. Esse processo envolveu levantamento, organização e análise de
informações de documentos escritos de caráter normativo, informativo,
deliberativo, de discussões e legislações. Assim como, participação direta em
atividades com os sujeitos sociais envolvidos. Em parte, buscou-se a captura da
legalidade própria do mundo fenomênico, �a coisa em si� (KOSIK, 1976), através
de levantamento de dados em documentos, depoimentos e observação da
realidade.
A investigação foi direcionada para perceber as tensões e pressões das
mudanças estruturais sobre a experiência que se desenvolve, assim como seus
caminhos de reatualização e renovação da tradição do Estado perante o trabalho
e a informalidade. As contradições e ambigüidades que atravessam os
acontecimentos e que envolvem as ações coletivas dos trabalhadores
autogestionados e o Estado perante essa alternativa.
No primeiro capítulo, foram tratados alguns elementos essenciais da crise
do capital, a penalização do trabalho e a artimanha político-ideológica para
constituição da cultura do auto-emprego. Firmou-se algumas bases analíticas do
debate crítico acumulado nas Ciências Sociais sobre esse universo de modo a
20
alicerçar a análise sobre a economia solidária, evidenciando a situação de
subordinação ao mercado e ao processo de valorização capitalista. Num segundo
campo, ainda nesse capítulo, tratou-se dos processos de hegemonia e os
institutos do liberalismo que dão a liga da chamada cultura empreendedora.
No segundo capítulo, abordou-se a sociabilidade do trabalho na área,
buscando com isso evidenciar perfis de organização do trabalho e dos fatores
produtivos de modo a conhecer as características das variadas atividades
reunidas nessa expressão economia solidária. Com isso, é possível perceber a
materialidade dos problemas de sustentabilidade da atividade econômica perante
a relação mercantil, a fragilidade da experiência empreeendedora, a ideação em
torno de subjetividades democráticas no trabalho, bem como o mosaico de
práticas variadas contidas nesse universo. Para conhecer essa realidade, tomou-
se como fonte de informações estudos de outros pesquisadores ou de sujeitos
das próprias iniciativas, tendo como critério de relevância para escolha, a
possibilidade de se constituir em material com registros de elementos empíricos
do trabalho e, vinculadamente, serem estudos recomendados no meio político e
acadêmico da economia solidária. A relação de documentos se apresenta em
anexo.
No terceiro capítulo, a política pública que está sendo instituída é
apresentada em seus elementos mais político-institucionais e também desvelando
interesses sociais em jogo, o modo como as classes sociais estão respondendo a
esses descaminhos postos para o trabalho. No conjunto, é possível perceber
tanto a passivização das lutas sociais quanto a reconceituação do trabalho por
meio das mediações que vão dando acesso aos sujeitos políticos envolvidos na
economia solidária no âmbito dos aparelhos de Estado e, deste, junto a esse
amplo segmento de trabalhadores informalizados da área. Chama atenção a
vinculação visceral da SENAES com as ONGs e o fórum da área (FBES).
O eixo temático da hipótese defendida nesses capítulos é o conceito de
hegemonia -e seu componente cultura � como em GRAMSCI, por sua
capacidade de dar a entender a motivação para o consentimento social. Por isso,
teve papel chave na abordagem da pesquisa, permitindo lançar mão de
mediações entre a realidade da sociedade capitalista e a política pública de
economia solidária. Por esse caminho, assumiu-se, a par com a tradição marxista,
o desafio de compreender o objeto da pesquisa a partir de dois vetores
21
associados; um que exigiu desvelamento teórico e histórico da produção material
e reprodução social como processo dialeticamente associado, como totalidade
social. Segundo, que exige que esse conhecimento seja tomado sob a
perspectiva de ruptura, de possibilidade de rompimento com o capital.
Nesse sentido, a Teoria do Valor-Trabalho de MARX apresentou-se como
essencial em termos de oferecer categorias básicas para compreender os
processos de produção e reprodução social. Associadamente, o contexto
histórico, por conta da observância dos problemas desse tempo, próprios da
sociedade capitalista nessa transição de séculos. Do ponto de vista histórico
específico, das manifestações que se realizam na sociedade periférica brasileira,
tendo em conta a tradição e reordenamento das práticas das classes sociais.
Por isso, o conceito de hegemonia foi tomado como capaz de orientar a
captação dos processos sóciopolíticos mediadores da formação da consciência e
da ação política das classes sociais. Isso porque a existência material � o modo
de produção da vida material impinge o espírito � as formas determinadas de
consciência que orientam as práticas das classes sociais.
No conjunto, esse trabalho quer apresentar elementos introdutórios de
análise da economia solidária a partir da Teora Crítica capazes de sinalizar
elementos para apreensão da práxis historicamente determinada que aparece
fetichizada na cultura do empreendedorismo � a �pseudoconcreticidade� que dá
a impressão de ser condição �natural� a alternativa individualizante do resolver por
conta própria a reprodução social (KOSIK, 1976). O que impõe a radicalização da
crítica no sentido de superar a �pseudoconcreticidade� que toma a economia
solidária como autônoma à lógica capitalista ou potencialmente redentora da
libertação do capital, e, propulsora de mais democracia.
22
CAPÍTULO 1 � A CULTURA DO AUTO-EMPREGO E DA
INFORMALIDADE
23
CAPÍTULO 1 � A CULTURA DO AUTO-EMPREGO E DA INFORMALIDADE
A economia solidária é um fenômeno recente em curso, que começa a se
expor numa conjuntura social extremamente marcada por incertezas - revisões
ideológicas e reorganização produtiva nessa passagem de Séculos - sobre o qual
não se tem dados totalizadores. Todavia, a tendência é que as virtudes da
economia solidária se desintegrem com a análise de sua potencialidade no
mercado, quanto as condições tecnológicas da produção que aferem maior lucro
ao produtor que oferece produtos mais baratos, já que para o mercado importa a
força de trabalho global não do produtor isolado. A produtividade advinda de
condições técnicas desenvolvidas, e, que levam a menor custo do trabalho e à
extração de sobretrabalho, prevalece no enfrentamento no mercado que é único e
não dual. Não há igualdade entre os agentes econômicos e, por isso, a
submissão tende a ser a regra para atividades de baixa competividade.
De um modo ou de outro, com maior ou menor possibilidade de troca, de
alguma forma todos na sociedade se confrontam com o mercado, se subordinam
a ele. As atividades da economia solidária podem até apresentar um modo de
produzir, mas não um modo de produção diferente, e, só enquanto totalidade
pode ser compreendida. Essa é uma perspectiva por vezes incipiente na ideação
da economia solidária, quando não envereda teórica e ideologicamente pela visão
de mercados e economias heterogêneas convivendo com lógicas próprias
(LAVILLE E FRANÇA FILHO, 2004; SINGER, 1999).
Essa pesquisa toma o capital como uma totalidade que por diferentes
mediações históricas se movimenta em busca de maior acumulação. Isso significa
entender a realidade como um todo em que as partes se vinculam por relações
diversas de unidade e contradições e sempre determinadas (MARX, 1983, 1985;
KOSIK, 1976).
Por isso, se aborda a política pública para economia solidária enquanto
uma das variadas mediações que vem conformar esse novo contexto das
relações de trabalho e subordinação. A interação entre economia solidária e
produção capitalista tende a se realizar em dois sentidos: a) por meio de relações
24
de subcontratação; e, 2) para baixa de custos de reprodução do trabalhador.
Nesse processo, se viabiliza o consentimento ideológico, a ampliação de espaço
econômico para iniciativa privada e acesso aos fundos públicos, como
abordaremos adiante.
Durante os anos 1990 e 2000 as políticas de geração de renda e ocupação
se eternizaram na agenda pública, vindo anos recentes a ganhar maior
centralidade principalmente na vertente qualificação e na vertente pequeno
negócio (KREIN, 2003; MORETTO, 2003). Ainda que o impacto dessa política
seja reduzido, em termos de efetiva fixação de negócios, a disseminação do
ideário se reproduz com expressão nas diversas esferas governamentais e nos
veículos da mídia.
Essa perspectiva voluntarista do trabalho, aparece em narrativas de
exaltação da liberdade e independência do trabalho por conta própria ou como
pequeno empregador. O argumento é de que essas modalidades de trabalho
subverteriam a opressão da condição de empregado subordinado como se o
mercado não atingisse todos os espaços sócio-econômicos e não subjugasse as
decisões e ações individuais a sua própria órbita. Essa promessa de futuro
capitalista alimenta a ilusão de ascensão e transferência de classe social. Para
isso, um conjunto de instituições emergem como mediadoras desse processo de
valorização capitalista, alimentando a idéia de mercado aberto e atrativo à
mobilidade social, como se o empenho individual empreendedor nivelasse os
indivíduos no mercado e anulasse os conflitos de classe. O aparato institucional
mediador atua no convencimento lançando mão de variadas maneiras de
naturalizar os comportamentos e os modos de pensar a respeito.
Essa cultura se manifesta e se constitui pela generalização da adesão ao
auto-emprego como alternativa positiva, bem como pela cooperação para auto-
suficiência local e grupal provocando diminuição da pressão por assistência
pública sem contrapartida de ocupação. Esses elementos tornam a subjetividade
empreendedora mobilizadora de potencialidades laboriosas de iniciativa e
agenciamento de tarefas concernentes ao trabalho e negócios, de uma maneira
geral. Evidencia-se, uma forte carga ideológica na difusão de uma suposta crise
do trabalho associada a alternativa então de desenvolver habilidades individuais
para constituir o próprio negócio, e, para pensar a vida sob o sabor do mercado e
não com estabilidade de carreira profissional de longo prazo (emprego full time).
25
Projetos e não empregos, como aborda a literatura comportamental da área do
trabalho e correlatas.
Ainda que a narrativa central da economia solidária preconize
cooperativização e valores anticapitalistas, trata-se de uma vertente pouco crítica
e esclarecedora, o que pode redundar, por meio do discurso anticapitalista, no
desvio do conflito social. Ou mesmo, a definição de estratégias pouco claras de
enfrentamento e ganho de posição na luta das cooperativas por acesso e apoio
do Estado no enfrentamento com grandes empresas.
Tem-se em conta aqui a cultura como uma dimensão imperativa do
processo de dominação social, na medida em que este não é só domínio, mas
busca de hegemonia (GRAMSCI, 1978, 1979, 1981). Desse modo, a cultura
tomada enquanto vetor para hegemonia apresenta-se como categoria de
mediação fundamental para entender a realidade empírica escolhida: por que a
economia solidária passa a ser alvo de interesse nesse contexto social? Esse
raciocínio se associa, evidentemente, às categorias essenciais de compreensão
do desenvolvimento do capitalismo e do lugar de práticas econômicas dessa
natureza, entendendo os elementos da totalidade social que, em conexão, tornam
possível a escolha ou adesão ao trabalho autonômo e autogestionado. O que
evidencia como fundamental referenciar as mudanças do trabalho na
reestruturação sócio-produtiva do capital, a atuação dos sujeitos políticos
coletivos das classes sociais, e, a inflexão na atuação do Estado perante esse
quadro social. Isso trataremos nesse capítulo.
1.1 � A CRISE DO CAPITAL E OS LIMITES A EXTRAÇÃO DO SOBRETRABALHO
O vigor decrescente do capital e sua debilidade no processo de extração
do sobretrabalho impulsionaram, nas últimas décadas, o quadro de mudanças
conhecido como restruturação produtiva e restauração da dominância capitalista.
De fato, o baixo dinamismo para extração do trabalho excedente levou a
reconfiguração do processo tecnológico, organizacional e social. Como se sabe, a
viabilidade do sistema capitalista decorre da regulação do mercado de preços e
do controle econômico e político da força de trabalho para garantir rentabilidade
26
de valor na produção e, no caso, a ineficiência, para cumprir essa condição
essencial de sua existência, provocou a grave crise que conhecemos ainda nos
dias de hoje.
Exposta, a partir dos anos 1970, a crise trouxe à tona as dificuldades do
capitalismo para responder as suas próprias contradições. Na realidade, as bases
do ordenamento sócio-econômico de então e o fortalecimento da luta de classes
no local de trabalho, dificultavam a superação da baixa produtividade do capital,
sobretudo, por conta da fixidez e reduzida maleabilidade para rever contratos,
sistemas produtivos, responsabilidades estatais e poder sindical. A agudização da
crise impulsionou a desmontagem do que se conheceu como produção e
consumo de massas. A exposição de novas experiências sociais no campo da
organização produtiva e da reprodução social - associada a diminuição de
acordos que significassem amarras à valorização do capital - expressa a maior
flexibilização dos processos sociais concernentes ao trabalho, ao consumo, a
produção e a regulamentação pública associadamente ao avanço das inovações
tecnológicas e microeletrônicas.
Em termos mundiais, esse processo penalizou o trabalho, diminuindo ou
extinguindo conquistas sociais de controle público sobre o seu uso pelo capital; e,
ainda rareando os próprios postos de trabalho, por força da modernização
tecnológica com restrição ao trabalho vivo. Daí decorreu a forte desestruturação
do mercado de trabalho, alavancada pela precarização do emprego e ascensão
das taxas de desemprego, o que fomentou nova legitimidade para o trabalho
informal, como veremos adiante.
Os quadros explicativos desse processo se reiteram em torno de
argumentos principalmente economicistas, grosso modo, localizados em dois
registros básicos de análise. De um lado, abordam a crise como revelação da
revolução tecnológica provocada pela informática e microeletrônica que
dinamizou a automação e a aceleração da compressão espaço-tempo no campo
produtivo levando a depreciação do trabalho nesse contexto. Esse debate liga a
crise capitalista à crise da sociedade do trabaho evidenciando situações
empíricas que realçam esses aspectos concernentes ao avanço tecnológico e a
redução do emprego. Paralelamente, associa-se um segundo argumento que se
refere a queda de legitimidade teórica da categoria trabalho como elemento
central definidor da sociabilidade humana como fora abordado no pensamento
27
sociológico clássico (OFFE, 1989; GORZ, 1988; KURZ, 1992). O trabalho e o
trabalhador não mais ocupariam dominância nas práticas sociais contemporâneas
e nem mais dariam sentido integrativo à sociedade ( HABERMAS, 1980). Com a
automação, entra em desuso a força de trabalho e, por isso, a crise e os
problemas sociais não decorreriam da exploração capitalista, mas de sua
ausência em razão dessa suposta abolição do trabalho.
Num segundo registro, encontramos aquele campo explicativo organizado
a partir da noção de desgaste das bases do fordismo, particularmente delimitado
em torno dos estudos concernentes a �Teoria da Regulação� e, num outro
assentamento, aquelas interpretações baseadas na chamada �Especialização
Flexível�. Como se sabe, o fordismo é abordado na literatura para nomear uma
determinada fase do capitalismo baseada na produção em massa de produtos
padronizados em linhas de montagem, sob rotinas de trabalho rígidas, intensas e
homogêneas. Sob essa lógica produtiva, o capital alcançou altos índices de
produtividade estimulados pela aliança de classe com sindicatos. Mas, essa
matriz produtiva e política era adensada pela agenda macroeconômica
keynesiana que favorecia o incremento salarial e o crescimento da demanda
pelos produtos padronizados1. De acumulação intensiva de capital, o período do
fordismo é marcado pelo firmamento e expansão do trabalho assalariado baseado
nessa relação produção-consumo de massas. Na verdade, os acordos coletivos
entre as classes e o Estado arbitravam a relação salários/lucros de modo que a
gestão da reprodução ampliada da força de trabalho pelos capitalistas visava,
com efeito, articular produção e mercado (BRAGA, 1996, 2003).
Nos últimos 30 anos, a �Teoria da Regulação� teve larga repercussão no
meio intelectual e político internacional com expressão em todos os continentes e
atuação seminal da França de onde se destacam os estudos de Robert Boyer,
Michel Aglietta, Alain Lipietz, Benjamin Coriat, entre outros. Variados programas 1 As políticas macroeconômicas keynesianas se baseiam na obra de J.M.Keynes e foram empregadas em vários Estados após a Segunda Guerra Mundial, conformando parte da arquitetura do chamado Welfare State (Estado de Bem Estar Social). Essas políticas se baseavam na análise da impropriedade da auto-regulação do mercado para conciliação de interesses públicos e privados como abordado pelo liberalismo. Para amenizar as crises imanentes do capitalismo � pela tendência ao desemprego involuntário e desinvestimento produtivo em prol da especulação financeira � J.M.keynes sugere atuação do Estado no sentido de aumentar e estabilizar o investimento produtivo de modo a elevar os índices de emprego, a renda e o crescimento econômico. Trata-se de uma alternativa para preservar o desenvolvimento capitalista regulando o mercado, tendo o Estado como agente ativo no investimento em obras públicas para elevar o consumo. Cf.: 1) Miglioli Jr, Acumulação de capital e demanda efetiva, São Paulo,
28
de pesquisa foram desenvolvidos nas Ciências Sociais a partir de um conceito
elementar chamado �modo de regulação� � referente a faixa possível de
distorções da acumulação capitalista que ainda possibilita níveis de coesão social
na coletividade. A relação salarial seria a base institucional dessa regulação. As
crises na história do capitalismo seriam então provenientes do descompasso
entre os institutos de mediação e a acumulação num contexto de agregação
social; representa a exposição dessa incongruência e ao mesmo tempo a
imposição de sementes de uma nova possibilidade de regulação. O fordismo foi
um desses estágios de regulação e a crise se vincula a fragilização da relação
social de assalariamento com a restrição dos empregos estáveis e protegidos2.
Os estudos pós-fordistas ancorados no paradigma da chamada
�Especialização Flexível�, também, tomam a reestruturação produtiva em sua
dimensão econômico-tecnológica como reveladora do esgotamento do método
fordista de produção e consumo, paralelamente a indicação de uma nova
organização produtiva. A decadência do sistema industrial de produção de
massas seria substituído por unidades de produção menores � pequenos lotes �
com diversificação de produtos. Essa produção flexível seria instrumentalizada
pela tecnologia informacional e microeletrônica, bem como pela colaboração entre
unidades produtivas e trabalhadores-empresas � conglomerados regionais �
refundando um novo contexto colaboracionista das classes sociais em favor de
altas taxas de produtividade. Para PIORE e SABEL, os principais articulistas
dessa argumentação, a saturação do mercado de bens de consumo de massa
determinaria a emergência dessa crise do capitalismo, paralelamente a afirmação T.A.Queiroz, 1982; 2) Lúcia Cortes da Costa, A reforma do Estado no Brasil, uma crítica ao ajuste neoliberal, Tese de Doutorado, São Paulo, PUC, 2000. 2 A influência dos regulacionistas sobre a sociedade capitalista nesse contexto de crise foi muito além do referendo acadêmico de seus estudos, transbordando em experiências políticas na Europa, particularmente no governo Lionel Jospin na França, que absorveu direta e indiretamente variados expoentes dessa corrente de idéias onde se destaca Michel Aglietta, Robert Boyer e Alain Lipietz. Instituíram campos de pesquisa, publicações e programas de governo que visavam atuar sobre essa crise e os novos parâmetros de regulação tendo em vista modelos de organização produtiva inovadores, renda mínima de inserção, integração de jovens em empregos temporários, qualificação, entre outros temas. A atuação dos regulacionistas se referenciava num universo político-ideológico reformista típico da chamada democracia salarial européia. Na Teoria da Regulação os processos sociais inerentes a mundialização econômica exigiam novo percurso de colaboração dos trabalhadores com a burguesia de modo a superar a desagregação imposta pela crise do fordismo. Isso se daria, no contexto europeu, por meio de um modo de regulação pós-fordista para recompor o crescimento econômico de forma eqüitativa e eficiente. Aqui os regulacionistas afirmam sua estratégia de compromisso social, fazem a passagem para normatividade e descartam a luta de classes desfazendo a herança marxista carregada até então � mesmo que de matiz mais althusseriano. Uma estratégia de hegemonia que ensejava dar vigor a
29
de um modelo de desenvolvimento estruturado pela produção de pequenos lotes,
extinção da economia de escala e dinamização de modos flexíveis de contratação
e uso da força de trabalho; mais adequados à demanda diversificada e
fragmentada dos mercados. A inconstância do mercado encontraria na estrutura
produtiva maior flexibilidade para responder com produtos diversificados e
personalizados.
Com efeito, processa-se uma mudança de base na organização produtiva
do capital exigindo recomposições no conjunto do sistema em razão da exigência
de maior maleabilidade e mobilidade dos processos produtivos e sociais. O que
provocou o acirramento de heterogeneidades e hierarquizações sócio-
econômicas em espaços geográficos e sociais mais amplos. Ao lado da contumaz
oligopolização das empresas de ponta, áreas pouco competitivas ganharam
investimento para empresariamento e setores tradicionais passaram a acolher
regressividades sociais como trabalho parcial, temporário e subcontratado. Essa
nova configuração produtiva horizontalizada movida por contratação de terceiros
� pequenas e médias unidades produtivas -, a tercerirização, se fez à sombra da
fragilização dos sindicatos3. Na realidade, esse processo contemporâneo confirma
que o tempo de trabalho social continua sendo essencial para valorização do
capital, e que, por isso, sua intensificação é uma busca constante, assim como as
inovações no sentido de transpor fronteiras, limitações espaciais de modo a
constituir produção, circulação e consumo em consonância mundial.
Este pode ser um ângulo de análise da totalidade, mas não lhe desvela. No
conjunto, essas matrizes explicativas se distanciam da apreensão da totalidade reestruturação econômica e social correndo por fora da pauta norte-americana e inglesa dos anos de 1980 e 1990 com R.Reagan e M.Tatcher. (Rui Braga, A Nostalgia do Fordismo, São Paulo, Xamã, 2003). 3 �Esses sistemas de produção flexível permitiram uma aceleração do ritmo da inovação do produto, ao lado da exploração de nichos de mercado altamente especializados e de pequena escala � ao mesmo tempo que dependeram dela. Em condições recessivas e de aumento da competição, do impulso de explorar essas possibilidades tornou-se fundamental para a sobrevivência. O tempo de giro � que sempre é uma chave da lucratividade capitalista � foi reduzido de modo dramático pelo uso de novas tecnologias produtivas (automação, robôs) e de novas formas organizacionais (...). Mas a aceleração do tempo de giro na produção teria sido inútil sem a redução do tempo de giro do consumo. (...) . A acumulação flexível foi acompanhada na ponta do consumo, portanto, por uma atenção muito maior às modas fugazes e pela mobilização de todos os artifícios de indução de necessidades e de transformação cultural que isso implica. A estética relativamente estável do modernismo fordista cedeu lugar a todo o fermento, instabilidade e qualidades fugidias de uma estética pós-moderna que celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda e a mercadificação de formas culturais.� (David Harvey, A Condição Pós-Moderna, 1992, p.148). A redução do tempo do circuito de valorização do capital que envolve inovações tecnológicas e organizacionais, agilidade dos trabalhadores para revisão de habilidades e adaptação as mudanças ensejadas no capitalismo. Mas, é um tempo que também atinge a
30
social e cada qual a seu modo, superestimam a dimensão técnico-econômica no
centro do contexto histórico, reificando os elementos econômico-materiais
específicos do desenvolvimento das forças produtivas, naturalizando-os como
possibilidade histórica. Por outro lado, ideologia e política não possuem
autonomia, pois há vinculação genética ao modo como se faz a vida, como se
produz para viver. A potencialidade teórica e política da análise depende da
articulação dessas dimensões perceptíveis enquanto totalidade. No pólo de
análise segmentar aludido, a teoria da luta de classes se afasta do horizonte
interpretativo dificultando a percepção das bases essenciais da restauração do
capital imperialista desses anos recentes ao passo que fomenta a fragilização
política e organizativa perante a ampliação da exploração do sobretrabalho. Daí
decorre uma pauta colaboracionista para recompor material e politicamente a
dominação do capital sobre o trabalho.
Com efeito, a crise capitalista contemporânea sintetiza as contradições,
conflitos e rivalidades reproduzidos no processo de expansão imperialista do
capital e de enfrentamento com a experiência socialista no período posterior a
Segunda Guerra Mundial, entre os anos de 1950 e 1970. A maximização desse
expansionismo e o endurecimento da luta de classes nesses anos levou a
fragilização da correlação de forças sociais entre burguesia, trabalhadores e
Estados-Nações. A crise dos úlitmos anos, se manifesta com efetivo
rebaixamento do lucro e rentabilidade dos mecanismos tradicionais de
acumulação numa conjuntura de mercados restritos. Associadamente ao
esgarçamento das bases do consentimento em torno das estratégias colonialistas
realizadas na periferia do sistema capitalista e do próprio welfare dos países
centrais4. Por isso, a crise é a um só tempo a maximização da intensa expansão
produtiva proveniente dos acordos anteriores � Fordismo/Keynesianismo - como
também a revelação da fragilidade do suposto equilíbrio da intrincada relação
mecanismos de hegemonia de Estado, expansão multinacional dos ganhos da
acumulação e forças produtivas (BRAGA, 1996; COGGIOLA, 2002). dimensão sócio-cultural- requer aceleração da vida social, que implica conflitos, resistências e perdas econômicas para diferentes segmentos sociais 4Cf.: Eric Hobsbawn, Era dos Extremos, São Paulo, Companhia das Letras, 1995). As estratégias colonialistas foram as marcas indeléveis de associação de países subordinados no sistema mundial à sociedade burguesa industrializada. Outro modo, foi aquele que se realizou nos países monopolistas dominantes por meio do Welfare State, que agregavam elementos das lutas sociais dos trabalhadores, o que de certo modo também empurrava o �trabalho sujo� do capitalismo para
31
A estratégia imperialista no período posterior a Segunda Guerra Mundial
objetivava a internacionalização da produção e dos mercados à sombra da
dominância norte-amerciana. Mas, era também uma estratégia de enfrentamento
da experiência socialista, o que fazia da chamada �guerra fria� um estimulador a
mais do expansionismo capitalista daqueles anos. Tanto financiando a
reestruturação da Europa arrasada pela guerra como ampliando os mercados de
investimentos multinacionais e da órbita de ingerência do Fundo Monetário
Internacional e Banco Mundial � ditando as formas de desenvolvimento e
crescimento industrial no mundo.
Os desdobramentos políticos advindos desse enfrentamento EUA e União
Soviética, foram igualmente relevantes para luta de classes no contexto da
descolonização da África e Ásia, bem como no incremento do desenvolvimento
nos países de industrialização tardia da periferia do sistema. A intenção de fazer
cairem as barreiras geopolíticas para esses projetos societários dinamizava a
correlação de forças sociais em dimensão internacional e no interior dos Estados-
Nações. O apelo socialista e o razoável índice de desenvolvimento econômico
tornava o projeto soviético influência marcante em movimentos anti-imperialistas
em variados países de desenvolvimento tardio. A �guerra fria� servia como
motivador importante da hegemonia norte-americana através da ajuda à Europa e
ao Japão, e, também, do investimento desenvolvimentista para os demais países.
O que era tanto uma subordinação política através do consentimento ao
capitalismo norte-americano como uma potencialidade econômica na medida em
que o aumento de produtividade nesses países, amparados pelos americanos,
era conseguido por meio da imposição do sobretrabalho; tendo como arbitragem
a população de reserva desempregada e migrante. Sendo este, o elemento
central para pensar tanto o período expansionista do capitalismo quanto as
mudanças da contemporaneidade. Tanto um quanto outro confirmam a realização
da lei geral absoluta da acumulação capitalista nos termos em que MARX trata os
efeitos da disponibilidade de força de trabalho ou do exército industrial de reserva
(1980,1983).
As evidências históricas demonstram que conforme cresceram as ações
reivindicatórias dos trabalhadores nas metrópoles européias, a descolonização
dos anos de 1970 foi se tornando mais funcional ao capital em razão do o Terceiro Mundo formando aquilo que I. Mèzaros chama de �caixa 2�. (István Mészáros, Para
32
barateamento dos custos produtivos. Os imigrantes tornavam possível a
renovação e ampliação do exército industrial de reserva, mais maleável que a
força de trabalho nacional ( HOBSBWAM, 1995).
Nesse sentido a reconstrução européia e o fortalecimento norte-americano
no sistema de dominação - com larga prosperidade entre os anos de 1950 e 1960
� se realizaram nesse jogo de luz e sombra com as capacidades do reservatório
de força de trabalho. A estratégia internacionalista é usada ao sabor das
necessidades de extração do sobretrabalho intensivista e das condições políticas
do consentimento das classes sociais.
O decréscimo da taxa de lucro e os consequentes índices de desemprego,
inflação e queda do poder de compra dos trabalhadores nos anos 1970
demonstram a fragilização da capacidade de se manter essa estratégia
expansionista do capital em bases econômicas rentáveis e sob consentimento
político-ideológico. Exemplo disso é o crescimento do descontentamento operário
com o trabalho parcelizado, repetitivo e desqualificante dos países centrais, que
impulsionou greves e absenteísmos principalmente na Europa nesses anos.
Nessa época as chances de novos mercados encontravam-se em processo de
esgotamento, a potencialização da concorrência internacional já entrava em
choque com as exigências políticas nacionais e os avanços tecnológicos
começavam a diminuir o tempo de giro de realização do capital imprimindo outro
ritmo ao conjunto do sistema5.
Daí decorre o entendimento de que se trata, em termos gramscianos, de
uma crise orgânica do capital provocando mudanças nas bases de dominação
tradicionais burguesas. Nunca uma crise proveniente do desenvolvimento
autônomo das forças produtivas como enfatiza a abordagem economicista
mencionada antes. São colocados em questão os fundamentos do consentimento
das classes subalternas tanto dos países centrais quanto dos periféricos Além do Capital, São Paulo, 2002, p.1006) 5 �Vemos assim (...) como a divisão do trabalho acarreta necessariamente uma divisão de trabalho maior, o emprego de máquinas, um maior emprego de máquinas, o trabalho em grande escala, um trabalho em maior escala. Essa é a lei que lança constantemente a produção burguesa para fora de sua antiga via e constrange o capital a intensificar sempre mais as forças de produção do trabalho, depois que começou a intensificá-las, a lei que não lhe concede nenhum repouso e lhe murmura continuamente aos ouvidos: Adiante! Adiante! Essa lei não é senão a lei que, nos limites das oscilações das épocas comerciais, nivela necessariamente o preço de uma mercadoria a seu custo de produção� (K.Marx, Trabalho Assalariado e Capital, Obras Escolhidas, Lisboa, Alfa-Omega, s/d, p.78). O que provoca as crises de superprodução, de modo que �Quanto mais aumenta o capital produtivo, tanto mais se estendem a divisão do trabalho e o emprego da
33
modificando o universo intelectual e moral que fornece sentido às práticas. As
próprias classes dominantes vêm ruir referências institucionais de agregação da
sociedade e do processo de dominação, o que lhes impõe por necessidade
histórica � para recomposição da hegemonia - a escolha de alternativa
restauradora a essa fragilização material e política.
As mutações no universo produtivo, do trabalho e da dominação que
passamos a conhecer com maior envergadura a partir dos anos 1980 e 1990
conformam essa estratégia restauracionista no sentido de forjar contratendências
a queda da taxa de lucros e o desgaste das bases de dominação. A persuasão
para isso caminha no sentido da despolitização das vida social e naturalização da
economia como podemos depreender da estratégia belicista e financeira desses
anos. Com vistas a recomposição do seu ciclo reprodutivo, o capital se
reorganizou produtivamente em dimensão global associadamente a recomposição
do sistema de dominação, em suas vertentes ideológica e política, objetivado no
que se conhece como neoliberalismo, reforma do Estado, desregulamentação de
direitos sociais e do trabalho (COGGIOLA, 2002; MÉSZÁROS, 2002). No tocante
a reorganização produtiva, operou-se a reestruturação da produção e do trabalho
de modo a instrumentalizar a recomposição da feição expansionista do capital em
patamares mais dinâmicos.
Os estudos de MÉSZÁROS mostram que a financeirização da economia6,
a dívida externa e o poderio militar exercem influência decisiva no processo
imperialista atual, colocando-se como uma estrutura de poder internacional
extremamente coativa para fazer manter a subalternidade de classes e Estados,
mediante os planos estruturais de diminuição dos investimentos sociais,
priorização do pagamento dos serviços da dívida, privatização de empresas e
obras públicas, produção voltada para exportação e austeridade salarial. Isso se
dá com o redimensionamento das políticas liberais e a reestruturação produtiva
voltada para mudanças organizacionais e tecnológicas. As agências multilaterais
cumprem o papel de recomendar as práticas de restauração do capital e
condicionam o apoio financeiro à submissão a essa tutela, transfigurando-se no
modelo possível do crescimento amparado pelo colonialismo do mercado inerente
a essa passivização do projeto restaurador. No mercado de consumo máquina, quanto mais a divisão do trabalho e o emprego do maquinismo aumentam, mais a concorrência entre os operários cresce e mais se contrai seu salário.� (Ibid, p.81).
34
contemporâneo apresenta-se como extremamente complexo e desestabilizador
independer do crédito avalizado pelo Fundo Monetário Internacional, o que o
torna, junto com o Banco Mundial, credor de políticas anti-nacionalistas.
Os efeitos disso, são o empobrecimento dos trabalhadores e a refundação
da sujeição política tornando incerta a capacidade de resistência à taxa de
exploração no trabalho e queda da oferta de serviços sociais de reprodução.
Assim, a passivização (BRAGA, 1996; VIANNA, 2004) das conquistas
democráticas dos trabalhadores se apresenta como uma realidade paupável
nesses anos que correm, tamanha a miserabilidade social em escala mundial. A
pauperização continua a funcionar como dosador necessário do aumento de
riqueza � necessidade da superpopulação relativa, nos termos de MARX.
Essa realidade, se torna mais severa por conta da passivização ou
transformismo, pois sem a perspectiva revolucionária no horizonte, sem os
enfrentamentos populares anti-imperialistas e nacionais-populares, as conquistas
sociais e democráticas são reduzidas à necessidades de mercado e o
individualismo passa a recompor uma importante base de consentimento,
pressionado por essas mediações que tornam excessivamente precárias a
sobrevivência individual e do Estado nacional (BRAGA, 1996).
Isso se dá, reatualizando aqueles aspectos essenciais do capitalismo em
todos os tempos, como: a) a orientação para o crescimento; b) apropriação do
trabalho excedente � controle do trabalho dinamiza a luta de classes em direção
ao desenvolvimento do sistema tendo como referência os custos do trabalho e o
excedente; c) exigência de ser tecnológica e organizacionalmente competitivo e
inovador (dinâmico) - para domínio do mercado e controle do trabalho, e, daí
decorre a quase naturalização do processo, como algo bom e indispensável.
Como se sabe, essa arquitetura seminal do capitalismo se realiza em
sociedade, e, as contradições expressas nos processos sociais onde se
materializam as lutas de classes mostram a propensão do sistema para as crises
e a superacumulação � capacidade produtiva ociosa, desemprego, excesso de
estoque (MANDEL, 1982, 1990). A dinâmica da vida capitalista se concentra
nessa permanente busca de equilíbrio para conter essa tendência e a crise
recente expõe o arranjo fordista de equilíbrio se manifestando tanto geográfica e
geopoliticamente no plano de uma grave crise de endividamento com 6 Formação de um mercado mundial de capital-moeda e arbitragem da taxa de lucro real no nível
35
repercussões na dinâmica da luta de classes e dos Estados-Nação. A força das
contradições inerentes ao capitalismo, sobrepujaram o controle que vinha sendo
estabelecido pelos chamados mecanismos fordistas.
O que se deseja reforçar aqui é que isso ocorreu numa clara ofensiva contra
os trabalhadores e os possíveis acordos públicos como o do período fordista,
deslocando o poder de enfrentamento deles na luta de classes. De modo que, sob
esses novos patamares, a depreciação da força humana de trabalho se alongou
levando vastos contingentes à situação precarizada ou para fora do processo
produtivo, fazendo-nos conhecer em dimensões desumanas o chamado
desemprego estrutural não decorrente de contingência histórica, mas do novo
arranjo do processo produtivo e da valorização do capital que extingue postos de
trabalho e se beneficia da precarização para diminuição dos custos.
1.2- A FRAGILIZAÇÃO DO TRABALHO e PRECARIZAÇÃO DO EMPREGO
A precarização do emprego costuma ser definida na literatura
especializada por oposição ao emprego assalariado formalmente contratuado,
protegido por lei ou negociações coletivas - como conquistado e instituído no
Século XX. É precário aquele trabalho que se realiza sob uma ou mais das
seguintes condições: a) tempo parcial do dia/semana/mês, extensas jornadas de
trabalho, pagamento por produção/serviço; b) sem garantias legais de
estabilidade ou proteção contra dispensas, carga horária definida, descanso
semanal, férias, condições salubres, seguridade social, seguro-desemprego,
aposentadoria, licença maternidade, licença doença, acidentes de trabalho entre
outros quesitos. É precário, porque submete o trabalhador à condições arriscadas
para sua vida, à cruel dominância da concorrência no mercado, sem ações
coletivas de enfrentamento, sem segurança de cobertura social no futuro ou de
quando não mais puder dispor da força de trabalho.
O desemprego é peça chave do processo de exploração e sempre
funcionou como dosador da oferta de mão-de-obra e, por isso, também da
arbitragem dos salários, das formas de contratação e conseqüentemente dos
níveis de exploração (MARX, 1980, 1981). Nos anos 1970, o emprego despencou
mais elevado da história do capitalismo.
36
em índices alarmantes e a diminuição dos custos sociais do trabalho, com a
precarização, se transformaram numa alternativa rentável ao capital. Nesse
sentido, é que se observa que o ritmo ascendente do desemprego se manteve
elevado desde os anos de 1980 e em 2003 chegou a cifras sem precedentes -
185,9 milhões de trabalhadores � 6,2% da força de trabalho mundial, segundo a
Organização Internacional do Trabalho - OIT. E, as medidas tomadas não vêm
sendo capazes de superar a recessão e subverter esta tendência a menos e
piores empregos. Ao contrário, são estes custos humanos que estão
movimentando a maior liberdade do mercado e inversão privada.
Em proporções bem diferentes, essa lógica social atinge o conjunto do
sistema mundial colocando limites à luta de classes que se processa no centro e
periferia, capitalistas. Embora a intensidade do drama social e maneiras de
sobrevivência sejam distintos, os indicadores da União Européia, EUA e Japão
revelam igualmente recuo da renda, direitos e proteção social. Onde as taxas de
desemprego se mantiveram � sem aumentos espetaculares � cresceu a
concentração de renda, o que confirma a perspectiva de acirramento da
desigualdade social nessas inovações no processo de acumulação e
sociabilidade capitalista do tempo presente7 .
A iniqüidade se expressa em níveis elevados de desocupação por longa
duração, de feminização do contingente desempregado ou empregado
precariamente, e, a maior dificuldade da juventude8 para encontrar espaço no
mercado de trabalho.
Junto ao desemprego, associa-se a precarização baseada na degradação
das condições e relações de trabalho reestruturando o mercado e alargando a
heterogeneidade social com trabalhos parciais, terceirizados, temporários, com
sérias conseqüências para processos de solidariedade e formação de identidades
coletivas entre os trabalhadores.
7 Segundo a OIT o número de trabalhadores pobres � que vive com 1 dólar dia ou menos � chegou a seu máximo histórico nos últimos anos atingindo 550 milhões em 2003, sendo 130 milhões jovens entre 15 e 24 anos de idade. Nesse processo, há recuo dos rendimentos dos que vivem do trabalho em favor do capital acelerando a relação de desigualdade da repartição da renda. O PNUD ( Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) constatou que em 2002 os 20% mais ricos ganhavam 150 vezes mais que os 20% mais pobres, monstrando que os mais ricos acumulam alta de rendimentos e os demais grande recuo. 8 A taxa de desemprego entre os jovens de 15 a 24 anos chegou a 14,4% em 2003, somando 88 milhões de pessoas e confirmando o forte aumento da última década. Ainda que os jovens somem 25% da força de trabalho, eles chegaram a 47% do contingente de desempregados no mundo.
37
Essas duas faces da moeda � desemprego e precarização � respondem
materialmente pelas necessidades de rentabilidade financeira fazendo recuar os
salários e as proteções dos contratos de trabalho, legislações específicas e/ou
negociações coletivas. Os estudos mostram que a crise de acumulação do
capitalismo nessas três décadas foi contornada com aumento dos rendimentos do
capital às expensas do desemprego e precarização do emprego, tomados como
pontos nodais da dinâmica da luta de classes, que impôs o recuo das conquistas
sociais do trabalho regulamentado, protegido.
Nesse contexto, a informalidade ganha novo sentido e legitimidade. É bom
que se diga que o termo é usado para designar práticas diferentes. Grosso modo,
se refere a atividade econômica caracterizada por 1) unidades produtivas
baseadas no descumprimento de normas e legislação concernente a contratos,
impostos, regulações e benefícios sociais; e, 2) ocupações sem proteção social,
garantias legais e estabilidade, sendo recorrente ainda o fato de serem atividades
de baixa produtividade, sem estabilidade, baixos salários quando não se realizam
sem remuneração por ação de familiares e auto-emprego9.
Serve � a informalidade - para descrever agregado estatístico como no
Brasil a situação de �trabalhadores sem carteira assinada�10. Hoje, entretanto,
segundo alguns estudos, estaria perdendo valor cognitivo em decorrência da
deslegitimação do trabalho regulamentado. Todavia, a limitação interpretativa
sempre fora uma característica enquanto categoria descritiva que é. Serve para
descrever manifestações histórico-concretas, mas não lhe desvela os sentidos.
9 A expressão informal foi usada pela primeira vez num estudo da OIT sobre o Quênia nos anos 1970, como uma característica do continente africano em contraste com a sociedade salarial ocidental. Todavia, já era uma preocupação comum na América Latina no mesmo período, tendo como parâmetro central a difícil generalização do assalariamento. Ver a respeito dos problemas histórico-concretos do trabalho não regulamentado no Brasil: Francisco de Oliveira, Crítica à razão dualista, São Paulo, Boitempo, 2003; Lúcio Kowarick, Espoliação urbana, São Paulo, Paz e Terra, 1979. Acerca das polêmicas e controvérsias contemporâneas sobre o tema informalidade, ver: Luiz Antonio Machado da Silva, Mercado de trabalho ontem e hoje- informalidade e empregabilidade como categorias de entendimento, in, Além da fábrica, São Paulo, Boitempo, 2003; Manoel Luiz Malaguti, Crítica à Razão Informal, São Paulo, Boitempo, 2000; Jorge Mattoso, A Desordem do Trabalho, São Paulo, Scritta,1995; Ricardo Antunes, Os Sentidos do Trabalho, São Paulo, Boitempo,1999; Kjeld Jakobsen e outros (orgs.), Mapa do Trabalho Informal, São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2000. 10 No Brasil o emprego assalariado regulamentado abrange direitos sociais assegurados constitucionalmente como salário mínimo, pagamento de horas extras após jornada de 8 horas, descanso semanal remunerado, férias anuais, aviso prévio em caso de dispensa, 13ºsalário, pagamento por atividades insalubres e perigosas, maior remuneração do trabalho noturno, licença gestante, seguro desemprego, previdência social e fundo de garantia por tempo de serviço. São obrigações do empregador em qualquer situação, independente de flutuações do mercado.
38
Como já situado, a parcela de trabalho que se realiza sem amparo de
institutos de mediação universalizantes, diminui custo produtivo e engrossa as
taxas de lucro por extração livre de trabalho não pago. Vimos, também, que essa
modalidade de trabalho se manteve presente em todo o período expansionista do
capitalismo entre os anos de 1950 e 1970. O trabalho assalariado regulamentado
se expandiu ao longo desses anos, mas também seu coadjuvante o trabalho
informalizado, sem amparo público. Via de regra, a maior informalização
permaneceu como uma realidade viva nos países subordinados do sistema,
confirmando a dualidade como atributo permanente do mercado de trabalho
mundial. O desenvolvimento das forças produtivas e o crescimento da riqueza do
capital mundial não se fez pela universalização de direitos sociais no trabalho,
mas, às custas da subordinação social de países de capitalismo tardio aos
Estados burgueses clássicos no processo de monopolização do capitalismo.
A divisão internacional do trabalho na fase monopólica do capital é
altamente excludente para aqueles que ingressam tardiamente no modo típico da
vida capitalista. A condição subordinada e dependente do centro do sistema, lhe
faz refém de um quadro limitado de acesso aos institutos da sociedade burguesa
típica. A lógica do capital dos monopólios, se alimenta de segmentos altamente
competitivos e hordas pauperizadas que funcionam como satélites, gravitando em
torno daqueles poucos nichos. Os estudos FERNANDES(1987) mostraram que o
pauperismo, o desemprego e a superexploração do trabalho nesses países de
desenvolvimento industrial tardio, se vinculam à incompletude e impossibilidade
de plena industrialização perante o mercado internacional. A crise social se
mantém, como permanência, porque os elementos determinantes se reproduzem
continuamente (MANDEL, 1990), o que impõe um mercado de trabalho altamente
restritivo e empurra a maioria para esfera da informalidade, do favor, do inusitado,
do remediado.
Em termos estruturais, opera-se a lógica da conciliação como mediação
política, preservando o arcaico no moderno (FERNANDES, 1987); o trabalho
expoliado característico dos tempos coloniais se prolongando no tempo do
trabalho assalariado. Essa associação arcaico-moderno, ao invés de um
impecilho à generalização da sociedade burguesa, revela a exigência da
segmentação social para fazer prevalecer a rentabilidade e poderio do capital
monopolizado. Neste sentido, a informalidade se articula geneticamente ao
39
processo de dominação social, sendo necessária, mesmo, ao formato de
desenvolvimento empreeendido nos países de capitalismo tardio da periferia do
sistema mundial e, que, hoje, se reatualiza como genética da organização
produtiva flexibilizada.
No âmbito da OIT, trabalhadores informais são aqueles por conta própria
(exceto profissionais liberais), os familiares não remunerados, os que realizam
serviços domésticos, os empregadores e empregados de pequenas empresas.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o saldo de
empregos formais (com carteira de trabalho) no Brasil, entre 2003 e 2004 foi de
23 mil e de informais de 240 mil. Ou seja, de cada emprego formal criado mais 10
se apresentaram no segmento da informalidade, o que significa que a
recuperação do mercado de trabalho de que se fala é de abertura de vagas sem
carteira de trabalho. O quadro é alarmante na medida em que são 2,5 milhões de
desempregados e 2,8 milhões que nem são considerados na PEA porque não
mais procuram emprego por desalento.
Em modo descritivo, mesmo nos casos de índices de crescimento de
emprego formal, é precária a qualidade das vagas, na medida em que 7 em cada
10 trabalhadores que ingressaram com carteira de trabalho entre janeiro e junho
de 2004 o fizeram recebendo entre meio e 2 salários mínimos. Segundo DIEESE
(Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), baseado
no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) do Ministério do
Trabalho � essa é a característica do 1,034 milhão de empregos criados no Brasil
nesse primeiro semestre. Em termos de qualidade, pode-se dizer que a situação
tem sido progressivamente desfavorável ao trabalhador já que em 2002, 68%
ganhavam até 2 salários mínimos, em 2003 chegou-se a 71, 93% e em 2004
(primeiro semestre) atingiu o percentual de 72,13%. Confirmando o fenômeno do
achatamento salarial que cresce ostensivamente por meio da arbitragem operada
pela desocupação e que leva a que o trabalhador demitido � de todos os setores
da economia - seja substituído por outro que ganha até 40% menos. Quer dizer,
mesmo com a geração de empregos formais, o poder aquisitivo não é positivado
e consequentemente o crescimento sustentável da economia � pensando-se em
termos de renda para poupança e consumo. De fato, é uma cruzada contra o
emprego, pela maior subjugação dos trabalhadores, por meio da desocupação e
da depreciação da remuneração dos postos protegidos com carteira de trabalho.
40
De acordo com a OIT, em 1990, 51,6% dos empregados na América Latina
constituíam o exército de informais. Em 1997, a curva ascendente chegou a
57,4% - sem incluir o trabalho agrícola e nem o serviço doméstico. O maior
crescimento entre esses percentuais se deu no Brasil, Argentina e Venezuela que
chegaram em 1997 com, respectivamente, 59,3%, 53,6% e 47,7% de contingente
de trabalhadores ocupados na informalidade. Na realidade, as conseqüências da
mundialização financeira e deslocamento de processos produtivos foram bem
acentuados na América Latina. As políticas macroeconômicas � proliferação da
ortodoxia monetária � realçam as desigualdades sociais no continente. O ajuste
estrutural e os investimentos externos não foram capazes de positivar os índices
de novos postos de trabalho em favor de melhorias no processo de reprodução
social. Opera-se crescimento intermitente, quando o caso, sem expandir trabalho
de qualidade11.
A informalidade não é mais transitória como se considerava ao tomá-la
como excedente de mão-de-obra que, em época de crescimento, incorporava os
contingentes sobrantes na formalização das relações de trabalho. Colchão
amortecedor acolhendo a mão-de-obra excedente em períodos recessivos, com a
função de baixar o custo do trabalho e da reprodução social para o capital. No
caso, aqui, a luta de classes em favor da acumulação, continua arbitrando a
exploração do trabalho com o excedente advindo da informalização, todavia com
diminuto controle social e poder de barganha dos trabalhadores.
A informalização passa a se desenhar como anti-errática, transmutada de
exceção em virtude. E, daí, derivará uma outra inserção das atividades informais,
na medida em que começa a se esgotar essa função de mecanismo anticíclico,
posto que o crescimento do desemprego é superior ao das atividades em situação
de informalidade, se acompanharmos os índices do IBGE.
O que leva a tomar o trabalho como configuração híbrida dos processos de
trabalho e de formas produtivas, já que nas práticas sociais contemporâneas tem-
se observado que a formalidade se nutre da informalidade e esta se ampara em
práticas formalizadas em termos estruturais e das dispersas adaptações do 11 �Segundo informe da Fundação Getúlio Vargas, 60% da População Economicamente Ativa (PEA) brasileira trabalha em economia informal. Isto se reparte da seguinte maneira: 23,4% são empregados por conta própria ou independentes, 11,2% são empregados não remunerados, 11% se encontram no setor privado, 7,6% trabalham no serviço doméstico e 6,5% são trabalhadores agrícolas� (Lúcia Rosales, Resena sobre la economia informal y su organización en América Latina. Global Labour Institute, s/d)
41
trabalhador para assegurar rendimentos necessários ao sustento, com a
associação de atividades regulares e irregulares baseadas em contratação
estável e, também, informalidade. Ao salário, se agregam rendimentos outros de
atividades familiares ou clandestinas que em conjunto respondem pela
sobrevivência dos trabalhadores. Isso, também, não é tão novo assim. Desde os
anos 1970 e 1980, estudos sobre o contexto urbano, mostram que a aridez da
vida na cidade empurrava os segregados para ações de trabalho não-pago como
forma de acesso à proteção e benfeitorias nas cidades � práticas aparentemente
arcaicas de economia que se casam intrinsecamente com a expansão capitalista
diminuindo seus custos e potencializando seu dinamismo na intensa exploração
do trabalho. Se realizava a relação dialética arcaico e moderno em prol da
compatibilização das necessidades da acumulação global. Essa simbiose, arcaico
e moderno, formal e informal, estabelecia a ponte entre o atraso e o conflito de
classe.
Entretanto, na contemporaneidade, o recuo da possibilidade histórica do
pleno emprego e da proteção social universal � testemunho dado pelas
experiências social-democratas européias e que se colocavam como perspectiva
social, ressignificam a categoria informalidade tirando-lhe o caráter de
antagonismo à relação salarial. O que antes era exceção, se apresenta como
permanência. Daqui em diante, essas hierarquias caem por terra e é possível
identificar heterogeneidade nas relações de trabalho e a combinança de formatos
diversos de produção econômica e reprodução social.
Para alguns, a informalização chega a aparecer como antídoto ao drama
do desemprego estrutural no país, já que 60% de sua mão-de-obra trabalha por
conta própria ou em ocupações desregulamentadas; daí o desemprego aberto ser
descompassado com a aridez do drama da desocupação nacional. Todavia, de
antídoto se converte em fator deletério na medida em que a informalização
advém e produz precarização, achatamento salarial e diminuição do
enfrentamento coletivo dos conflitos, penalizando as próprias condições de
reprodução social dos trabalhadores. Conformam pequenas receitas de
sobrevivência, mas em nada elevam a qualidade de vida e as possibilidades de
emancipação social.
42
De fato, estamos diante de processos sociais que fomentam formas
diferenciadas e mais complexas do trabalho. Cada vez mais o capital e sua lei do
valor necessitam do trabalho, mas, o fazem, crescentemente por meio, também,
do trabalho parcial ou precarizado. Essa demanda, proporciona a intensificação
da extração do sobretrabalho, em menos tempo, garantindo maximização do uso
da força de trabalho. O valor trabalho continua preponderante, o que se alteram
são as formas sociais com a diminuição do trabalhador estável, ampliação do
trabalho intelectual e precarização baseada em contratos temporários,
terceirizados e informais. E, isso se dá, com a maior intercessão entre trabalho
material e imaterial no campo da subordinação à produção de mercadorias e de
capital, quando o trabalho intelectual assume também a forma abstrata porque é
tomado pelo capital como mercadoria.
As mudanças operadas envolvem novas formas de organização do
trabalho e da produção. As pequenas empresas (e pequenos negócios), o
trabalho precário e informal são redescobertos, dinamizando a economia tanto
nos centros hegemônicos como nos periféricos do sistema mundializado. Os
estudos de MARX já mostravam que o capitalismo periodicamente apresenta
caminhos dessa natureza. Todavia, as experiências recentes assumem a
heterogeneidade produtiva e organizacional demonstrando a preponderância da
dinamização da acumulação sobre os arranjos sociais, por isso a necessidade de
desmontar o poder dos sindicatos e fragilizar a luta de classes em favor do grande
capital12.
Com efeito, essa forma de maior flexibilidade do capital como de resto
ocorreu com o fordismo, não se generalizou no mundo como se imaginava nos
anos 1980 e 1990, provocando, na verdade, uma combinação de processos que
inclui eficiência fordista associada a dispositivos de menor rigor como
organizações e relações de trabalho tradicionais (artesanais ou familiares) e 12 �A transformação da estrutura do mercado de trabalho teve como paralelo mudanças de igual importância na organização industrial. Por exemplo, a subcontratação organizada abre oportunidades para a formação de pequenos negócios e, em alguns casos, permite que sistemas mais antigos de trabalho doméstico, artesanal, familiar (patriarcal) e paternalista (�padrinhos�, �patronos� e até estruturas semelhantes à mafia) revivam e floresçam, mas agora como peças centrais, e não apêndices do sistema produtivo . (...) a ascensão de novas formas de organização industrial e o retorno de formas mais antigas (...) representam coisas bem diferentes em diferentes lugares. Às vezes, indicam o surgimento de novas estratégias de sobrevivência para os desempregados ou pessoas totalmente discriminadas (...), enquanto em outros casos existem apenas grupos imigrantes tentando entrar num sistema capitalista, formas organizadas de sonegação de impostos ou o atrativo de altos lucros no comércio ilegal em sua base. Em todos
43
informalizadas; a ressurgência de práticas econômicas tradicionais se coaduna
com a economia do tempo presente. Tal feito, diversifica as relações contratuais
no mercado e a força de trabalho com implicações diretas sobre identidade,
consciência e prática política dos trabalhadores. Exemplo disso, são a fragilização
da ação sindical, a ampliação do emprego do trabalho feminino desvalorizado e a
difusão do empreendedorismo (TAVARES, 2004).
É claro que a alternativa à crise pela via da desvalorização da força de
trabalho é uma receita conhecida na história do capitalismo. Como se sabe, a
expansão do capital ao longo desses séculos, não só extinguiu formas
econômicas não afetas aos interesses de acumulação, como, também,
subordinou formatos sobreviventes a sua lógica mercantil, muito embora, modelos
de organização e regulação social não tenham se homogeneizado de modo que,
ainda, é possível indagar sobre práticas econômicas não convencionais ao
formato capitalista e sua participação nas relações sociais de seu tempo. Duas
alternativas se apresentam: as atividades de subsistência que pouco interessam
ao capital; as atividades informalizadas que baixam os custos do trabalho conformando uma atualizada e rentável maneira de acumulação capitalista, de
modo subordinado. Tanto uma quanto outra, podem ser encontradas na economia
solidária, segmento que nos interessa nessa pesquisa, e, estão associadas a
processos sociais atados e determinados pelo movimento do capital que produz,
arruina e re-cria práticas econômicas não abalizadamente capitalistas. Nesse
estágio do capitalismo13, o acirramento da informalidade no âmbito do processo
de terceirização desfaz a validade da argumentação que restringia a
informalidade à segmentos de subsistência individual e familiar. No caso, a
informalidade se engata à lógica do capital, favorecendo a diminuição dos custos
de produção pela via da ausência de direitos trabalhistas e transferência dos
riscos aos trabalhadores sem vínculos. Engate, este, consentido pelo Estado e esses casos, o efeito é uma transformação do modo de controle do trabalho e de emprego.� (David Harvey, Condição Pós-Moderna, São Paulo, Loyola,1992, p.145). 13 É bom recolocar que a internacionalização da economia, financeirização e mundalização do capital, estabeleceu como marcos centrais mecanismos de: 1) reorientação dos mercados para fluxos de investimentos e comércio de valorização das altas rendas; 2) liberalização dos mercados para livre circulação de capital e partes de cadeias produtivas; 3) diminuição das fronteiras políticas de soberania nacional de países subordinados na divisão internacional do trabalho; 4) reordenamento do acesso a fundos públicos de modo a concentrar as decisões sobre os excedentes de capital entre os próprios capitalistas; 5) diminuição da política como espaço de acertos de convivência; 6) reestruturação produtiva por disseminação de inovações tecnológicas como a microeletrônica e organizacionais como a flexibillização trabalhista, funcional e da cadeia produtiva.
44
sob subordinação da organização produtiva do capital. A reestruturação produtiva
redetermina as relações de produção e, assim, o modo como se insere o trabalho,
prevalecendo relações informais como as mais rentáveis, em parte considerável
da cadeia produtiva.
Isso exige que observemos que a redução do emprego e a terceirização,
elementos dessas transformações no mundo do trabalho fortalecem novas
sociabilidades e a informalidade ao invés de ser residual pode vir a ser mais
indistingüível da organização produtiva. Cada vez mais o trabalho assalariado é
recomposto com o trabalho autônomo ou de pequena empresa, o que leva a que
a relação de emprego seja obscurecida, transfigurada em relação de negócios,
transação comercial de mercadorias.
Com essa flexibilização do trabalho, o deslocamento de postos da relação
salarial para a informalidade, tem se dado pelo crescimento de cooperativas,
trabalho familiar ou domiciliar e pequenas empresas14. Ainda que se argumente
sobre a autonomia e independência desses meios de trabalho, prevalece a
pressão do desemprego e a chamada liberdade se esvai na subordinação ao
processo de trabalho das empresas contratantes. Demonstrativo dos limites das
pequenas unidades produtivas e das cooperativas para se manterem com
sobrevida, sobretudo, num contexto econômico agressivamente competitivo em
nível internacional e onde o Brasil tem inserção espetacularmente subordinada
(TAVARES, 2004; MONTANO, 1999).
Em outro terreno estão as práticas de subsistência que também no campo
da informalidade - por expurgo do restrito contexto do assalariamento - geram
renda para consumo ao passo que igualmente obscurecem o desemprego,
demonstrando que a exploração do trabalho está na base dessas sociabilidades
de maior e menor conexão com o capital.
Tratam-se então de dois tipos de atividades informais: 1) atividades sem
vínculo com a acumulação capitalista ainda que participe do capital e da renda
14 A literatura internacional sinaliza que a organização produtiva flexibilizada reconstrói as modalidades de ocupação para fazer frente a cooperação competitiva e nesse contexto a geração de trabalho tem sido mais acentuada em bases produtivas integradas por pequenas e médias empresas na medida em que a concentração de capitais e megafusões de empresas na economia globalizada limitam a produção e expansão de empregos. Um exemplo emblemático e bastante referido nas análises acadêmicas e políticas é o modelo �Terceira Itália� (Giuseppe Cocco e outros, Empresários e Empregos nos Novos Teritórios Produtivos, Rio de Janeiro, DP&A, 1999). No Brasil, essa possibilidade de articulação de territórios produtivos vem sendo pensado pelo Programa Arranjos Produtivos Locais do Governo Federal.
45
gerada; 2) atividades dependentes contratualmente e subordinada a organização
produtiva de empresas, podendo ser tanto produtiva quanto improdutiva. Nesse
segundo caso, tende a responder à terceirização e flexibilização do trabalho. No
caso do primeiro tipo, ainda está por se estudar mais a fundo qual seria o seu
sentido e a sua funcionalidade, todavia seria possível associá-lo às práticas de
gestão da pobreza e ao barateamento da reprodução da força de trabalho mal
pago da informalização. Essas unidades produtivas, são subordinadas à lógica
mercantil capitalista, mas não constituem trabalhos produtivos � não geram mais-
valia � nem improdutivos � o trabalho não se troca por dinheiro, como dinheiro ou
como capital (MARX, 1980, 2004).
Reitera-se que as sociedades periféricas costumam manter atividades de
trabalho não tipicamente capitalistas, por força da própria inserção na divisão
internacional do trabalho e da permanência de produtividade baseada na extração
de mais-valia absoluta, que em períodos de crise absorvem trabalhadores com
baixa renda do trabalho ou distanciados do mercado � e mesmo porque o
desenvolvimento do capital não abarca o conjunto da sociabilidade, havendo
sobrevivências de outros modos de produzir. São formas de trabalho baseadas na
subsistência que não têm objetivo de acumulação. Isso se expressa em
atividades agrícolas, artesanais e de pequenos serviços e mercadorias. Em geral,
não há venda de trabalho, mas de mercadorias e os produtores detem o próprio
meio de produzir, podendo ser auxiliado pelos familiares - �não se caracteriza
como uma troca de capital por trabalho, nem consubstancia a diferença entre
trabalho produtivo e improdutivo (...) estamos tratando de indivíduos que só têm a
força de trabalho para vender. Mas para sobreviver não a estão vendendo ao
capital. O fato de estarem no circuito do mercado não significa que são
trabalhadores do capital� (TAVARES, 2004, p.152).
Sejam as atividades de sobrevivência sem fim capitalista, sejam aquelas
associadas diretamente à moderna flexibilização, há um efetivo redirecionamento
do horizonte do trabalho na sociedade contemporânea que ainda está por melhor
se expor empírica e teoricamente. Malgrado, essa transitoriedade das práticas e
entendimento teórico, busca-se aqui enquadrar a indagação sobre os sentidos da
constituição de políticas públicas de economia solidária, exatamente nesse
momento de afrouxamento das perspectivas de trabalho massivo protegido e
alargamento da informalização. Com isso, acredita-se que o ambiente social
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favorável a informalização conta com a gestão direta do Estado e, a percepção
disso, como fundamento da chegada da economia solidária nos aparelhos
públicos, não pode ser esquecida, paralelamente, a própria indagação sobre a
possibilidade de que, com o deslocamento da informalidade à condição de
generalização do trabalho capitalista, novos sentidos podem estar sendo
delineados, também, para a informalidade de subsistência.
A subsistência, apesar de não participar da lógica da acumulação,
enquanto unidade produtiva, se vincula à produção capitalista pela via da troca
para sobrevivência no mercado, e, dada sua baixa incorporação tecnológica, o faz
tendo que produzir mais do que outros agentes econômicos presentes na troca.
Precisa incorporar maior quantidade de trabalho socialmente necessário, o que já
impõe maior exploração do trabalho que se situa nessa condição de
informalidade. Na realidade, a troca é o meio exigido para suprir as necessidades
sociais e se a lei do valor lhe é expansiva não há como fugir a sua determinação.
Esses são os limites das práticas autônomas e locais. Pois, se o
desenvolvimento do capital chega ao ponto de generalizar o trabalho abstrato e
se estabelecer numa relação planetária, onde de fato os agentes econômicos
preponderantes orientam a acumulação, como deixar ganhar impulso práticas que
ganhem afeição da sociedade sem deslocá-las para a disputa no mercado? Não
há essa possibilidade do local se autonomizar. A economia não é aberta e nem
heterogênea sob a formação capitalista.
Por isso, que alguns críticos ponderam a respeito da irrelevância teórica de
argumentações sobre organizações voluntárias em torno de pequenas produções
como solução para crise, exatamente porque não há como se deslindar do capital.
Podendo colaborar sim velando a realidade com o fetiche da positividade da
iniciativa empreendedora.
As pequenas empresas, as cooperativas e o trabalho em domicílio para
terem sucesso no sentido de se prolongarem no tempo, dependem das relações
de subcontratação com grandes empresas podendo integrar o próprio processo
de trabalho da contratante � tendo o ritmo e racionalidade gerencial ditado por ela
- , e, os trabalhos que não possuem vínculo estreito com a organização produtiva
� trabalho de subsistência - o fazem por meio subordinado no mercado
(MONTAÑO, 1999; TAVARES, 2004). O capital não é só materialidade
econômica, mas �uma forma incontrolável de controle sociometabólico (...) a qual
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tudo o mais, inclusive seres humanos, deve se ajustar (...)�(MÈSZÁROS, 2002:
p.96) o que lhe reserva a característica totalizante e exigência de mediações que
garantam sua reprodução. Por isso, o limite dessa perspectiva autonomista da
solidariedade e cooperação no trabalho quando restrito a um pequeno
grupamento e, sua funcionalidade para reavivar o fetiche da mercadoria através
da legitimação da informalização das relações de trabalho.
Todavia, os movimentos de expansão e contração do capital fazem e
refazem espaços para as atividades não tipicamente capitalistas, donde se deduz
suas relações de subordinação com essa vida mercantil típica. Mas, do ponto de
vista liberal essa segmentação social é natural no sentido de ser como se
apresenta, de ser assim que funciona a produção e distribuição de riqueza,
reafirmando o dualismo social - porque nem todos vão acompanhar as
necessidades do capital - e a não abrangência mesma do acesso ao bem estar.
A ideologia empreendedora parece servir para fortalecer essa proposição,
buscando adesão e consentimento a sua dissimulação nas práticas sociais
concretas.
A lei do valor é avassaladora no sentido de impor a forma de exploração
adequada, seja requisitando ou expulsando trabalhadores, impondo a
precarização, recriando a clandestinidade, tudo isso por meio de idéias como
essa do espírito empreendedor e da autonomia do trabalhador; nem um pouco
resistente ao real, onde são altas as taxas de mortalidade dos negócios e onde
atua de fato o anel de ferro da grande empresa ( MONTANO, 1999). A igualdade
de condições no mercado é uma ilusão: onde há igualdade não há lucro (MARX,
1980, 1981).
As condições precárias de trabalho e de inserção no mercado, por parte
das pequenas empresas, cooperativas e associações lhe são inerentes, de modo
que esse é o atrativo para que permaneçam como tal na informalidade, pois daí
decorre o interesse para a economia tradicional já que diminui os custos. A perda
desse atrativo, por meio da maior regulamentação como prevê alguns setores do
governo, inclusive da economia solidária, coloca em risco a própria existência
desses ocupações enquanto tais (MALAGUTI , 2000).
Nesse sentido, as relações entre as unidades de trabalho são mais
intrínsecas do que aparentemente são apresentadas, na medida em que �o
capitalismo não coexistiria com outra forma de organização com a qual tivesse
48
que compartilhar poder. Tentativas dessa natureza ou são cooptadas ou
destruídas. Como o contrato individual de trabalho tornou-se privilégio de
trabalhadores mais qualificados, portanto mais produtivos, todas as pretensas
formas de trabalho autônomo são incorporadas pelo capital que, efetivamente, as
estimula, confirmando a tendência à generalização do trabalho informal�
(TAVARES, 2004, p.74).
O que em última instância limita a autonomia do trabalho por conta própria
ou em cooperativas para o cultivo ideológico do trabalho, pois esse só se realiza
como trabalho abstrato se se subordinar as necessidades do capital. E, é isso,
que se dá nas relações de subcontratação que as pequenas unidades produtivas
e cooperativas estabelecem para poder operar mais rentavelmente, e, nessa
condição, o processo de trabalho da empresa líder é que rege o trabalho local.
Isso implica em limites para autonomia e solidariedade � virtudes da economia
solidária- porque as leis da acumulação são determinantes.
1.3- TENDÊNCIAS DA ATUAÇÃO DO ESTADO NO CONTEXTO DE
INFORMALIZAÇÃO
Nesse quadro de mudanças, a transferência de renda ao capital se faz por
meio de um mecanismo político importantíssimo do processo social
contemporâneo que é a inflexão na atuação do Estado, demonstrando que é tanto
uma questão econômica quanto de poder. A ação política conservadora no
Estado � e por meio dele � principalmente nessas duas décadas passadas,
associadamente ao recuo das lutas sociais induziram condições políticas e
culturais favoráveis a interiorização das desregulamentações sociais enquanto
crença e práticas. As grandes desigualdades daí advindas geraram mais
desproporções de poder em favor do capital mundializado (CHESNAIS, 1996).
Mas, isso não é novo. O Estado sempre cumpriu um papel fundamental
para o firmamento do projeto burguês. Segundo MÉSZÁROS, a característica
centrífuga do metabolismo do capital exige um comando que a realize sob
aquiescência da sociedade e quem faz isso é o Estado. Vejamos.
A tenacidade das conseqüências sociais da mundialização do capital, hoje,
tem aludido que não se trata de um sistema controlável pela força racionalizadora
49
dos homens, como previsto pela tecnocracia, ou pelo mercado, como tratam os
liberais. De certo modo, essa possibilidade de controle sempre permeou nossos
horizontes intelectuais e políticos, caindo por terra, posteriormente, a crise dos
anos 1970, desnudando um importante atributo que é inerente a trajetória bem
sucedida do capitalismo no mundo que é seu caráter socialmente abrangente.
Sua condição totalizadora que a tudo influencia � homens e práticas � dá conta
de sua viabilidade produtiva e a própria base do descontrole; pois, a amplitude do
domínio escapa ao controle. A medida que se firmou na história, o capitalismo foi
passo a passo impondo seu sistema tanto aos trabalhadores � uma evidência
empírica desde os primeiros tempos � quanto aos próprios capitalistas enquanto
indivíduos particulares.
Esse processo centrífugo e totalizador exige um tipo de comando político
que oriente as práticas econômicas e sujeitem a sociedade a ele. Isso, de modo
absolutamente instintivo tornando os efeitos da força e do poder estabelecimentos
da própria ordem da natureza, o que invoca um construto ideológico sofisticado e
disseminador no sentido totalizante de modo a dar propósito a desigualdade
social e justificar a liberdade abstrata da escolha política.
Para entender isso, é preciso retomar aquelas forças essenciais que
determinam o sistema, a orientação expansionista (sem fronteiras) e a extração
do trabalho excedente. Qualquer impedimento nesses vetores provoca crises de
efeito incontrolável, o que é um problema tamanha a dimensão destrutiva do
desenvolvimento hoje15. Mas, isso só é possível pela imanente capacidade
reprodutiva do sistema com o trabalho assalariado; decorrente da eliminação das
amarras das práticas econômicas anteriores vinculadas a auto-suficiência que
tornou o capitalismo promissor na extração de trabalho excedente para realizar a
troca advinda da insuficiência das práticas de subsistência. Isso ainda se faz por
meio da reificação da venda contratual (livre) do trabalho, isentando o capital da
responsabilidade com a concretude da exploração do excesso de horas
trabalhadas.
15 MÉSZÁROS chama atenção para as matizes do desenvolvimento histórico do sistema capitalista que realçam os defeitos estruturais de seu próprio processo de desenvolvimento, como os ataques ao meio ambiente e as severas conseqüências para humanidade ou mesmo essa perversa segregação social operada pelo desemprego mostrando-se como essencialmente destrutiva como lógica mesma de seu metabolismo sócio-econômico.
50
Segundo MÉSZÁROS, o Estado moderno é a arquitetura coerente para
garantir a produtividade do sistema - via sua expansividade e dinamismo na
extração do trabalho excedente � e, a crise do capital, coloca em relevo a crise
das instituições do Estado como vemos contemporaneamente. Na realidade, o
Estado viabiliza a estrutura coesiva necessária a essa condição expansionista e a
extração do sobretrabalho, sem que isso se passe como exploração ou provoque
rebelião, ao mesmo tempo, o faz constituindo-se como uma estrutura à parte do
capital.
Por um lado, o Estado atua no sentido de evitar o controle social da
produção e faz isso impondo a contraditória relação entre iguais que são livres, o
que garante eficácia da força de trabalho no processo de exploração. Para isso,
há uma estrutura legal que normatiza essa relação de forças desproporcional
como equivalentes, e, desse modo, opera-se o despotismo no trabalho com a
salvaguarda estatal para a propriedade � meios de produção e produto � e
controladores. Por meio do aparato estatal, também, se normatiza e garante a
articulação das unidades econômicas até a formação de monopólios.
Por outro lado, o Estado tem uma ação sobre a promoção do consumo
garantindo escoamento da produção. Para entender isso é preciso que se recorde
que a superação da autosuficiência e da centralidade da prática econômica em
torno do valor de uso é mobilizadora do expansionismo do capital na medida em
que estabelece a ruptura entre uso e produção, de modo que o consumo se
desloca de qualquer aderência com as necessidades reais, ganhando sentido
próprio a ponto de se constituir em expansivas iniqüidades sociais legalmente
estabelecidas pela proteção ao consumidor. A ação do Estado para atenuar essa
fragmentação vai no sentido de proteger o sistema de possíveis enfrentamentos à
desigual distribuição e consumo, além de promover o próprio consumo através de
serviços como educação, saúde, seguridade e manutenção do aparato
administrativo-jurídico-militar. Ainda que essa ação não supere a fragmentação
inerente a estrutura do sistema � que precisa existir enquanto tal � a correção
empreendida pelo Estado complementa as requisições do capital até onde não
lhe provoque ineficiência ou prejudique sua sustentabilidade material.
A subordinação das necessidades humanas à reprodução de valor de troca
é a marca distintiva do sistema do capital e isso só foi possível perante o objetivo
51
de tornar a produção de riqueza o objetivo dos homens mediante a separação
valor de uso e valor de troca � desconexão necessidade e produção de riqueza16.
De toda forma, essa ação do Estado para suprimir efeitos desagregadores
decorrentes da fragmentação provoca variadas contradições, entre elas, a
correção que se realiza em território nacional enquanto a reprodução do capital
desconhece fronteiras. O efeito histórico é a constituição ( e naturalização) de um
padrão binário que distingue o universo geopolítico em : países centrais � com
padrão de vida mais elevado para os trabalhadores e democracia liberal; países
periféricos � maximização da exploração e autoritarismo estatal. Trata-se da
hierarquia de Estados a partir das relações de força do poder do capital
globalizado, perdurável historicamente, até que seja vantajosa para margem de
lucro. Nesse sentido, atuação expansionista monopolista no exterior e alguma
proteção no plano interno para não sucumbir unidades de produção ainda viáveis.
Os estudos demonstram que no período expansivo do capitalismo,
posteriormente a Segunda Guerra Mundial, a atuação do Estado se dirigia à
prevenção de flutuações e incertezas do mercado como regulador e produtor de
investimentos para o desenvolvimento capitalista no contexto monopolista, o que
envolvia inversão de fundos públicos ao capital e também promoção do consumo
via pleno emprego e aparatos de proteção social incorporando reivindicações
sindicais sem nem sempre tornar realidade as vantagens prometidas. Como dito,
essa era uma relativa estabilidade política presente nos países centrais, premida
pelas possibilidades socialistas no mundo, pela busca de cooperação do operário
a esse expansionismo e ao consenso político em torno da democracia burguesa.
Outro é o momento dos últimos 30 anos.
Para a periferia do sistema mundial, o desenvolvimentismo, ainda que
carregado do fetichismo da expansão dos benefícios da divisão internacional do
trabalho, reservava ao Estado ação especial. Essa se baseava em intervenção
planificada e decisiva ao investimento estrutural básico para as indústrias e
16 Romper com essa lógica perversa não significa retomar o passado e voltar para a era da reprodução social baseada no valor de uso como na tradição de autosuficiência comunitária, afinal, para hoje essa experiência social impõe severos limites as práticas produtivas e de consumo. Por outro caminho, sinaliza o autor a possibilidade de promovê-lo, o valor de uso, �à função adequada, potencialmente dinâmica e criativa, de regulação do sociometabolismo� (I.Mészáros, Para Além do Capital, São Paulo, Boitempo, 2002, p. 610), tendo-se em conta que a emancipação humana é inseparável da expansão quantitativa e qualitativa da produtividade.
52
formação da cultura urbano-industrial reificando a crença de que o processo
acelerado de desenvolvimento elevaria a pobreza à cidadania (OLIVEIRA, 2003)
Neste caso, a subordinação na dinâmica do capital mundial tornou o
Estado subserviente à pauta internacional, estabelecendo e patrocinando as
condições materiais efetivas ao desenvolvimento da acumulação. Com agenda
situada na produção de bens de consumo duráveis e bens de capitais � e, com
hiato tecnológico devastador em comparação com o pólo dominante do mercado
� os picos de crescimento econômico são intermitentes, fazendo rodízio com
longos estágios de recessão e estagnação. Isso, sempre fragilizou a sociedade
local e promoveu a maior subordinação às vicissitudes da acumulação
provocando a fragilização e exploração dos trabalhadores nativos enquanto se
regenerava o capital.
Com esse perfil, o Estado brasileiro se associou ao processo de
industrialização e modernização capitalista mantendo a tradição autoritária de
modo que o aparato institucional do incremento industrial se fez sob o patrocínio
da exclusão dos de baixo e combinado com a elite agrária. O trabalho livre e a
formação do mercado assalariado se faz orientado pela exclusão política dos
trabalhadores. Por meio da ideologia do favor, se mantém a convivência do que
seria inconciliável. Aparentemente disparatado, a combinação de modos arcaicos
e modernos afirma a subordinação colonial ao sistema, por isso seus fenômenos
particulares não podem ser tomados como iguais aos dos países dominantes e
tendem a ser mais perversos (CHASIN, 1999 ).
Nesse sentido, possui mediações políticas específicas que não reproduzem
aquelas associações políticas e econômicas operadas nas formações sociais que
realizaram a revolução burguesa clássica, pois aqui favor e igualdade ganham
uma gramática própria atualizando velhas práticas e mantendo a dominação.
Favor, não impede a igualdade na versão nacional do liberalismo � de matiz
autoritário e paternalista ( CHAUÍ, 2001; PAIM, 1998).
Resguardadas essas tendências estruturais, é possível ver que a atuação
do Estado brasileiro na formação e desenvolvimento do mercado de trabalho se
deu em três momentos distintos. O primeiro se inicia nos anos de 1930, a partir de
quando o Estado tem uma atuação imperativa no incremento urbano-industrial,
tornando-o dimensão chave da dinâmica social e constituindo as bases da
poupança necessária para a industrialização, com dinâmico crescimento
53
econômico e de postos de trabalho. Nesse período, a formalização das relações
de trabalho convive com a reiteração da flexibilidade do mercado � informalidade,
baixos salários e rotatividade nos empregos. Isso ganha proporções absurdas em
termos de subordinação social no período ditatorial dos anos 1960 e 1970, o que
favoreceu sobremaneira a correlação de forças em prol da internacionalização da
economia e investimento público no setor privado. A expectativa era que o
crescimento econômico aumentaria os postos e a qualidade da regulação do
trabalho, superando o achatamento salarial e a informalidade. Aqui, a acumulação
desde sempre se baseou em baixos custos de mão-de-obra e o que se
evidenciou por mais de 50 anos foi a regulamentação da relação capital/trabalho
por meio das leis trabalhistas, combinando-a com desigualdades históricas
(DEDECCA, 2003; POCHMANN, 2001 e 2004).
De todo modo, adotava-se os fatores formais de emprego como veículo de
integração social na sociedade urbano-industrial e por isso o crescimento do
assalariamento urbano foi alto no Brasil e na América Latina como um todo entre
os anos de 1950 e 1980; associadamente a reprodução de forte índice de
informalidade.
Ainda que os anos 1980 sejam de estagnação econômica e endividamento
para atrair recursos externos, a redemocratização do país e as lutas sociais em
torno dos direitos sociais universais contrabalançavam as forças em favor de
conquistas sociais para os trabalhadores, constituindo um segundo momento
relevante para atenção pública ao trabalho, mesmo que o cenário fosse de
desinvestimento produtivo e dependência financeira internacional (PRONI e
HENRIQUE, 2003).
Os anos de 1990 firmam o processo de aprofundamento do desemprego
prolongado e da inserção do país no campo das estratégias de liberalização
política e econômica que já marcavam os países centrais. O desenvolvimento
sustentável e o crescimento do emprego decorreriam da livre ação do mercado
com o esvaziamento do Estado. Recuperar crescimento e produtividade para o
capital nacional e internacional significava desregulamentação social para
transferência de renda ao capital e competitividade, reduzindo os custos salariais,
diminuindo a ação do Estado na proteção social, no investimento produtivo direto
e sua maior atuação na flexibilização organizacional, produtiva e trabalhista,
54
desconstruindo as práticas e institutos públicos criados até então no país17. Os
anseios de modernização tecnológica e integração aos rumos da economia
mundial sobrepuseram o papel ativo do Estado na promoção do emprego
nacional; até então, era um punjente empregador direto e indireto na qualidade de
regulador das estratégias de desenvolvimento econômico18.
O que confirma aquela assertiva mencionada anteriormente de que a
ascensão das teses de desregulamentação pública do trabalho e direitos sociais,
bem como de financeirização da economia se deram concomitantemente a
despolitização das alternativas societárias e descenso dos movimentos populares
de massa o que conduziu o conflito de classe para maior penalização do trabalho.
De modo que aquilo que antes era meio de vida requerido como expectativa de
futuro � o trabalho � se transforma na peça principal de ajuste para a
competitividade no concerto da concorrência internacional.
Contudo, de fato, as promessas de crescimento duradouro e elevação do
emprego não se realizaram e bem ao contrário: ascendeu a taxa de desemprego,
recuou o volume de renda do trabalho na soma nacional, a variação do Produto
Interno Bruto (PIB) foi uma das piores e o câmbio se tornou o eixo da anti-política
de desenvolvimento acirrando a dependência e a vulnerabilidade de qualquer
trajeto mais autonômo para o país19. A decorrência disso é a reprodução desses
17 Elementos reconhecidos pelas instituições financeirasagências multilaterais � Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional - como responsáveis pela vulnerabilidade externa do país, dificultando que dificultava investimentos estrangeiros na economia e equilíbrio doa balançoa de pagamentos. Superar essas vulnerabilidades passa a significar contenção de crises financeiras e da ação do capital especulativo internacional. 18 �Do saldo total negativo de 3,2 milhões de empregos assalariados formais destruídos na economia brasileira durante a década de 1990, 17,1% foi de responsabilidade direta da reformulação do setor produtivo estatal. Ou seja, de cada cinco empregos perdidos, nos anos 1990, um pertencia ao setor estatal� (Márcio Pochmann, A Década do Mitos, São Paulo,: Contexto, 2001, p. 29). 19 A perspectiva de soberania é posta em questão por essaela dinâmica estrutural, pois de acordo com Francisco de Oliveira, a internacionalização produtiva e financeira do capitalismo rompeu o círculo keynesiano na medida em que essa circularidade se dava na esfera nacional, o que fica comprometido com o descompasso entre desterritorialização da acumulação e Estado nacional (O sSurgimento do aAnti-vValor: capital, força de trabalho e fundo público, Novos Estudos, São Paulo, CEBRAP, outubro de 1988) .... 1988).. Nesse denso processo social tanto global quanto local, modificam-se idéias, práticas e sujeitos políticos, levando José Luis Fiori, a chamar atenção especial para a alarmante reconversão da esquerda latino-americana: �De derrota em derrota, no Chile e no México, como no Brasil, na década de 1990 completou-se um giro de 180 graus com relação ao projeto original da esquerda latino-americana. Agora, em vez do nacionalismo, o cosmopolitismo de cócoras; em vez da reforma agrária, o agrobusiness; em vez das políticas de desenvolvimento, a desregulação dos mercados e a privatização do Estado; em vez das políticas universais de bem-estar, a focalização e a filantropia �não-governamental�; em vez das políticas macroeconômicas ativas, de inspiração keynesiana, as políticas ortodoxas de corte monetarista. No campo teórico, uma boa parte da esquerda substituiu o conceito de �sociedade de classes� por �sociedade em redes�; e trocou a crítica ao imperialismo pela defesa entusiasmada do
55
fatores que promovem a fragilização do trabalho em termos de oferta efetiva e de
proteção social � como a informalização, de onde emerge o autoemprego e as
práticas de economia solidária.
Mas, afinal o que vem sendo feito pelo Estado em termos de políticas
públicas para lidar com esse drama do emprego e assim contornar suas
conseqüências para a sociedade brasileira?
As primeiras medidas foram tomadas nos anos 1990 iniciando aquilo que
se convencionou chamar nova geração de políticas de emprego (PRONI e
HENRIQUE, 2003). Em sentido histórico, o paradigma de ações públicas para o
emprego se consolidou principalmente nos países centrais e se apresentou como
mecanismo associado ao pleno emprego no pacto que envolvia o Estado de Bem-
Estar Social. Objetivava proteger o trabalhador e o vigor do mercado. Resultou
então o Sistema Público de Emprego baseado nos programas de seguro-
desemprego, intermediação de mão-de-obra e formação profissional.
Sob a crise econômica dos anos 1970 e a queda dos compromissos com o
pleno emprego e direitos sociais universais, esses programas se transformaram
na própria política de emprego indutora de flexibilização do mercado de trabalho e
da focalização da atenção pública, o que em conjunto produziam a ressignificação
do trabalho como não direito.
Essa nova geração de estratégias de atuação pública visou tão somente
atenuar as pressões sobre o mercado de trabalho, por isso se centrou em
medidas que adiantavam aposentadorias, ampliavam o seguro-desemprego e
atrasavam a entrada dos jovens no mercado. Por outro lado, também buscou uma
forma de inserção no mercado, mais focalizada aos grupos socialmente
vulneráveis, fazendo emergir programas como primeiro emprego para os jovens,
requalificação técnica e pequenos negócios.
A pauta reducionista e impositiva, foi e é largamente recomendada pelas
agências multilaterais ( OIT, OCDE, Banco Mundial e FMI) e se expressa em três
dimensões:
�desenvolvimento associado� com o Império.� ( Revista Carta Capital, 23 de junho de 2004, p. 38). O importante a reter aqui é que essas passagens não são acéfalas, operadas por mãos invisíveis; são escolhas políticas. Segundo Marco Aurélio Nogueira, parte dessa crise social decorre da �incapacidade que governos, partidos e organizações têm demonstrado de se pôr à altura dos fatos e processos de mundialização do capital e da revolução tecnológica. Decorre também, é claro, dos arranjos sociais e das correlações de forças prevalecentes, bem como do maior ou menor vigor das instituições políticas democráticas. Seja como for, não se trata de uma fatalidade�. (Um Estado para a sociedade civil, São Paulo, Cortez, 2004, p.89).
56
1- políticas de moderação salarial � em geral, implicam flexibilizar as
relações de trabalho e provocam um enfraquecimento do poder dos
sindicatos; 2- políticas de caráter laboral (voltadas ao mercado de
trabalho) � para incitar o trabalhador a buscar e aceitar um novo trabalho,
atualizar as qualificações profissionais e oferecer incentivos às empresas
para contratarem trabalhadores mais vulneráveis ao risco de desemprego;
e 3- retomada do crescimento econômico � presente de forma mais
contundente nas publicações da OIT. (MORETTO, 2003, p.242/243)
No Brasil, o nascedouro de um sistema público de proteção ao emprego
que amparasse os desempregados data de 1986, com o seguro-desemprego,
sendo, em 1988, incluído na Constituição Federal definindo fundo específico para
ações que envolviam, também, a intermediação de empregos e a qualificação.
Quando nasceram as bases do que, em 1990, chamou-se de Fundo de Amparo
ao Trabalhador (FAT) voltado para financiar políticas de proteção baseado numa
fonte própria de recursos (PIS/PASEP) para o Programa Seguro-Desemprego,
sob gestão tripartite (trabalhador, governo e empresário) e paritária. Todavia, as
mudanças estruturais no capitalismo reiteraram as possibilidades de se completar
esse padrão de proteção pública entre nós, deixando o trabalhador com limitada
atenção e refém de um mercado de trabalho extremamente desigual (DEDECCA,
2003).
Assim, o que pudemos evidenciar como atenção pública ao trabalho entre
os anos 1990 e 2000 é uma associação, segundo MORETTO, da vertente
tradicional � seguro-desemprego, qualificação e intermediação de mão-de-obra -
com os programas de geração de trabalho e renda, visando �transformar os
desempregados e trabalhadores do setor informal em empreendedores bem-
sucedidos.� (2003, p.270). Os estudos mostram que até hoje é fraca a
repercussão desses programas em decorrência da dinâmica econômica estrutural
não favorável a autonomia e sustentabilidade econômica do país; e, no bojo
disso, também pelo permanência de um ambiente desestruturador do trabalho e
suas formas de organização, o que só limita possibilidades de maior igualdade
social.
Esses programas de geração de renda ganham impulso por interesse do
CODEFAT (Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador) em torno
do ano de 1993, dirigindo recursos advindos do trabalho para financiar ações
57
promotoras de renda e ocupação. Um dos primeiros mecanismos foi o
microcrédito que se destinou a conceder recursos do FAT para o PROGER
(Programa de Geração de Emprego e Renda) via as instituições financeiras
federais � Banco do Brasil, Banco Nordeste, BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social), FINEP (Financiadora de Estudos e
Projetos) e CEF (Caixa Econômica Federal). Visava-se com isso conceder
créditos à pequenos empreendimentos individuais ou associativo ou cooperativo
do setor formal que gerassem ocupação e renda. Além disso, estimava-se
organizar e resgatar as unidades informais baseadas no auto-emprego e
produção familiar. E, ainda a sustentabilidade das iniciativas via qualificação
profissional, gerencial e assessoria técnica.
Além disso promoveu-se o PROGER Rural, específico para geração de
emprego no campo; o PRONAF � Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar, voltado para financiamento do produtor rural que explora a
própria terra com a família; e, o Crédito Produtivo Popular destinado ao setor
informal mais pauperizado e distinguindo-se nas frentes a) BNDES trabalhador -
específico dos governos dos estados e municípios e b) BNDES solidário -
coordenado por ONGs.
Os balanços sobre a eficácia desses programas não são nada animadores,
sobretudo, porque o baixo crescimento econômico e a queda dos rendimentos
deprimiram o mercado nacional de modo que a mortalidade dessas iniciativas se
manteve como tendência, pressionados pelos fatores macroeconômicos e em
decorrência dos agentes econômicos públicos continuarem a exigir garantias
semelhantes as entidades financeiras privadas o que entravou o efetivo acesso a
crédito (PRONI e HENRIQUE, 2003).
Outro não foi o destino do PROEMPREGO � Programa de Expansão e
Melhoria da Qualidade de Vida do Trabalhador, de 1996, que via o BNDES se
definia para o fomento de grande monta à obras urbanas que potencializassem a
competitividade e acomodassem a curva ascendente do desemprego em áreas
geográficas socialmente mais vulneráveis. As condições estruturais, a opção pela
estratégia de pagamento dos serviços da dívida e a baixa inversão de recursos
nessa rubrica não possibilitaram maiores efeitos sobre o quadro do desemprego.
Tendo o Estado se limitado a administração das exceções.
58
Mas, isso não pode ser tomado como um fracasso. Por meio desses
dispositivos, vem se processando consenso ideológico que favorece a
ressignificação do trabalho como não direito. As próprias entidades sindicais
passaram a consumir suas agendas para operacionalização de práticas de
intermediação de mão-de-obra, qualificação e incentivo a cooperativas. Governos
regionais de diferentes matizes ideológicos consagraram essas práticas.
Judiciário atuou abrindo jurisprudência para as práticas de informalização ou se
detendo longe de fiscalizações mais apuradas. De modo que se formou uma elite
ocupada em dar respostas operativas a ocupação, mesmo que o principal
resultado fosse imaterial no sentido do consenso pela quase naturalização da
informalização das relações de trabalho. O Estado como indutor dessa
ressignificação do trabalho � ou seja, as mudanças nas relações de trabalho
ocorrem com a ação decisiva do Estado20.
Essas mudanças institucionais21 trouxeram um elemento inovador que é a
ação direta do Estado, particularmente do governo federal, demonstrando como o
trabalho se rege pelo que o poder público indica, o que é absolutamente
temerável numa conjuntura extremamente desfavorável aos trabalhadores. O
mercado de trabalho brasileiro nunca foi uma fantasia � ao contrário a regulação
pública criou ou fez vistas grossas à alta rotatividade da mão-de-obra, à variação
salarial, às horas extras e ao autoritarismo das relações de trabalho � mas, a
20 �Desde a adoção do Plano Real, o governo promoveu sensíveis mudanças por meio de projetos de lei, leis complementares, medidas provisórias, portarias, entre outras modalidades de ação do poder público, que já promoveram flexibilização ainda maior da alocação do trabalho (trabalho por prazo determinado, denúncia da convençaão 158 da OIT, flexibilização da legislação para a formação de cooperativas, suspensão temporária do contrato de trabalho, flexibilização da legislação existente sobre o trabalho em tempo parcial e trabalho temporário e demissão de servidores). Além disso, introduziram a flexibilização no tempo de trabalho e na remuneração (banco de horas, liberação do trabalho aos domingos e remuneração variável � PLR) e por meio de portaria TEM (n.865/95) restringiu-se o poder de autuação da própria fiscalização do Ministério.�( CUT. A Ameaça a Redução de Direitos Sociais de Todos os Trabalhadores, Brasília, Senado Federal: CUT, 26/02/2002. Mmeo.).) 21 Segundo Krein, a reiteração da flexibilização do mercado de trabalho brasileiro foi promovida, sobretudo, por meio de três tipos de flexibilidade: 1) Numérica ou quantitativa, liberando as empresas para empregar e despedir visando diminuir custos e atender as necessidades produtivas; 2) Procedimental, que corresponde aos procedimentos para solução de conflitos, flexibilizando a fiscalização do Ministério do Trabalho e viabilizando arbitragem privada via Comissões de Conciliação Prévia; e, 3) Funcional, ajusta a força de trabalho para polivalência e reestruturação organizacional, para a jornada adequada a produção, para flutuação do salário segundo as atividades realizadas e premiações (José Dari Krein, Balanço da Reforma Trabalhista do Governo FHC, In, Marcelo Weishaupt Proni e Wilnês Henrique (org) Trabalho, Mercado e Sociedade, São Paulo, UNESP, UNICAMP, 2003). Por meio de ações tópicas e diversificadas foi-se derruindo a mediação jurídico-política do assalariamento por onde se travava o conflito e se realizava a ação coletiva.
59
referência à formalização da carteira de trabalho e a recente agregação do direito
ao trabalho na Constituição colocaram anseios de expansão de efeitos
civilizatórios, agregaram experiências e formaram identidades (TELLES, 1999).
Hoje, há a banalização das possibilidades de salvaguardar o trabalho de garantias
sociais e a difusão dessa liberalização como modo de se viver nos novos tempos
� empreendedor, competitivo. Isso por indução do Estado. Ou seja, consiste em
política de emprego o próprio auto-emprego22.
De fato, como mostra a literatura na área, isso se inicia pelas prerrogativas
introduzidas na economia pelo Plano Real, mudanças na legislação e ação do
judiciário. De forma que, ao seu modo e nas várias dimensões, o Estado foi
paulatinamente montando um mosaico de pequenas ações e medidas que, em
conjunto, conformam esse novo modo se entender o trabalho e a atuação pública
ao seu entorno. O crescimento do trabalho-estágio, cooperativas, trabalho
informal, achatamento salarial e liberação para demissões foram induzidas por
ação direta do Estado brasileiro. Servindo possivelmente para atenuar tensões do
mercado de trabalho, mas também conflitos sociais que fossem onerosos para a
abertura econômica e subordinação internacional ao capital financeiro
(CHESNAIS, 1996, 2003).
Nos tempos recentes, o Governo Luiz Inácio Lula da Silva não parece se
distinguir dessas tendências tomadas pelo governo anterior, afinal dá seguimento
a política monetária ortodoxa, paralelamente a esses programas pontuais de
pouca efetividade social num cenário de depressão econômica e de baixa
soberania. Ainda que mudanças pontuais possam ser relacionadas, de maneira
geral, perdurará o mesmo paradigma de interpretação dos problemas políticos,
econômicos e sociais, bem como a visão sobre o papel do Estado nesse contexto.
Há provavelmente ampliação de crédito em determinadas áreas, maior
investimento nas pequenas unidades produtivas, mas isso não desonera o Estado
do concomitante fortalecimento do capital especulativo, do subsídio aos grandes 22 Além da repercussão econômica esse processo de mudanças afeta as subjetividades individuais e a vida social por meio de novos significados para as relações familiares e comunitárias. A provisão mercantil proporcionada pelo assalariamento � mesmo que não fosse estensivo � apontava para maior homogenização e universalização social, canalizando o conflito e as identidades forjadas na experiência social. A fragmentação e heterogeneidade das formas de trabalho e reprodução social tendem a pesar em direção a relações mais locais e pontuais conturbando o enfrentamento das contradições e conflitos sociais. Ou seja, repercute sobre as subjetividades intrínsecas a inserção econômico produtiva, desonerando de sentido valores e identidades que emergiam da cultura do trabalho assalariado.
60
conglomerados através da dívida pública e do fomento ao agronegócio. Na
realidade, não se tem apontado para o enfrentamento de fato do drama da
informalização, do desemprego e da fragilização dos trabalhadores enquanto
sujeitos políticos. Ver como a economia solidária emerge como política pública
nesse contexto foi o interesse dessa pesquisa.
1.4- CONSENTIMENTO ÀS MUDANÇAS: O EMPREENDEDORISMO E A DESPOLITIZAÇÃO DA RELAÇÃO ESTADO/SOCIEDADE CIVIL
As inovações provocadas pelas transformações econômicas e políticas no
contexto produtivo capitalista não se fizeram sem que enlaces entre processos
dessa natureza e processos culturais tenham se ajustado. O que significa dizer
que há produção e disseminação de idéias e valores que atuam no
convencimento do trabalho informal como alternativa social mesmo. Trata-se da
cultura do autoemprego baseada em dois eixos temáticos de sustentação: 1)
Defesa do trabalho por conta própria como uma realidade concreta intangível e
como mobilizadora das virtudes empreendedoras de �empresariamento de
pequeno porte�; 2) Difusão da �sociedade por conta própria�, como alternativa a
diminuição da intervenção estatal na promoção do emprego assalariado e na
garantia de direitos sociais tendentes à universalização. Esses dois eixos
argumentos sustentam a cultura de estruturação e legitimação do autoemprego
como uma das tendências de enfrentamento da crise social capitalista com
significado também no segmento economia solidária.
Cultura como mediadora dos processos de produção material que
garantem a dominação econômica e política mediante a formação das
consciências e práticas das classes sociais. Enquanto processo social, a cultura
possibilita captar os enlaces entre a crise do capital e as novas modalidades de
controle do trabalho, entre elas, o auto-emprego e a economia solidária. Novos
modos de se lidar com o trabalho no contexto da crise e reestruturação produtiva
que são indicativas e requerem novas sociabilidades advindas de práticas de
dominação, exploração e resistências, também reconceituadas. Dimensão
formadora de subjetividades coletivas que amalgam as classes sociais ao projeto
social de recomposição capitalista que se faz hegemônico pela generalização da
61
visão de mundo de uma classe que é dominante e dirigente nos termos de
GRAMSCI. Nesse sentido, entender essa cultura configura-se como recurso
heurístico para identificar e estabelecer os nexos do crescimento do auto-
emprego � sua positividade nos discursos de diferentes sujeitos políticos das
classes � e a totalidade social.
Assim entendido, as mudanças não são só econômicas no aparelho
produtivo e apropriação de riquezas, mas também na maneira das classes sociais
pensarem, lidarem e resolverem os dilemas sociais. Nessa abordagem,
considera-se que a cultura do auto-emprego, as proposições e negociações em
torno de institutos mediadores que a materializam enunciam o modo como as
classes sociais estão respondendo à reestruturação do trabalho a partir das
soluções engendradas pelo capital para responder a sua crise.
Não é mais do que isso que vemos nesse grupo de sujeitos políticos
envolvidos na economia solidária � inclusive, de sindicato de trabalhadores � e no
ambiente sócio-cultural mais amplo favorável aos pequenos negócios e sua
cooperação em rede como mencionam lideranças de entidades industriais do país
e organismos financeiros internacionais. Uma sociabilidade do trabalho de tipo
novo, não mais circunscrita a relação de assalariamento, mas voltada para o auto-
emprego envolvendo novos padrões comportamentais, nova ética, nova
moralidade, bem como aparatos institucionais de difusão e sustentação desse
modo de vida.
O primeiro eixo temático dessa cultura do auto-emprego diz respeito ao
conjunto de idéias e visão de mundo que gravita em torno do chamado
empreendedorismo, principalmente, enquanto virtude do �empresariamento de
pequeno porte�. Consiste numa modalidade de atuação sócio-econômica
característica dos tempos restauradores recentes. Compõe o universo de
argumentos e estratégias das novas modalidades produtivas flexibilizadas do
capital que traz em si nova subjetividade, novo comportamento e novas relações
sociais no contexto do trabalho e da produção. Mais que isso, porque se insere,
também, no campo das ações públicas acerca do desemprego e da geração de
renda. Ou seja, chega a ter uma função mediadora importante na adesão e
legitimação da sociedade a esse contexto de trabalho fragmentário, volátil e
inseguro do capitalismo contemporâneo.
62
Na realidade, a proposição do empreendedorismo é um desdobramento da
ideologia e institucionalidade neoliberal voltada para a liberalização da economia
e a quebra das regulamentações sociais. O período keynesianista-fordista seria
um interlúdio no capitalismo amarrando a liberdade individual e a competição no
mercado, encobrindo o passado histórico da função empreendedora como força
motriz do capitalismo, por isso a queda da taxa de lucro. Reaquecer a
rentabilidade implica retomar esse mito fundador, o espírito do capitalismo
consubstanciado na figura do sujeito social empreendedor.
Os estudos de SCHUMPETER no início do Século XX mencionavam a
centralidade da figura do empresário capitalista nos rumos econômicos. A
inovação, criatividade e perseverança dos indivíduos que tomavam a frente
pequenos negócios, consistiam em elementos essenciais da reprodução
capitalista no sentido de sua expansão e rentabilidade. Cumpriam então papel
histórico fundamental pela potencialidade e ação empreendedora.
No contexto da produção em massa do fordismo a situação é outra. Com o
processo de concentração de capital e oligopolização empresarial, essa figura
heróica perde sentido enquanto motivadora essencial da inovação capitalista, e,
os estudos, como a órbita da acumulação de capital, passam a se ocupar
primordialmente das grandes empresas e sua estruturação burocrática
profissionalizada. Na segunda metade do Século XX, a eficiência decorre da
produção em grandes parques industriais verticalizados com diversificadas
necessidades produtivas e gerenciamento profissionalizado. Aqui, a
administração científica e a tecnologia assumem as vezes da figura do
empreendedor no processo de acompanhamento e inovação empresarial.
A retomada do empreendedorismo na cultura da restauração do capital o
reatualiza e o reinsere nas necessidades essenciais do processo de acumulação
e de dominação social. No momento em que se declara maior liberalização do
mercado e menor atenção pública à proteção social, assume importância a
argumentação schumpeteriana. Não se trata de uma volta às origens puras como
quer dar sentido a racionalidade neoliberal. A estrutura transnacional do capital, a
interdependência dos mercados, os grandes conglomerados empresariais e a
desregulamentação social são forças punjantes do sistema capitalista, hoje, que
constrangem iniciativas individuais desse porte. Todavia, a inovação aparece
como um elemento essencial para sustentabilidade e competitividade no
63
mercado, sobretudo nesse universo de maior incorporação tecnológica nos
processos produtivos. Por outro lado, a estrutura produtiva foi flexibilizada ao
quebrar com a fixidez de contratos, relações comerciais, relações trabalhistas e
de organização produtiva, o que exige estruturas empresariais aderentes às
necessidades mais voláteis, bem como padrões de gerenciamento
impulsionadores do interesse do trabalhador em se manter com ocupação. Aqui,
então o empreendedorismo passa a compor a base da nova cultura do trabalho
desvinculada do assalariamento e individualista.
O sistema de idéias schumpeteriano, retomado nesse contexto, se baseia
no argumento de que o desenvolvimento econômico depende de ações
inovadoras e de risco por indivíduos particulares que fugindo da reprodução
contínua da economia se arriscam em novos arranjos rentáveis, abrindo novas
veredas de negócios. Daí entender a �destruição criativa� como elemento fértil do
meio capitalista que faz superar antigos produtos, hábitos e processos em favor
das inovações introduzidas pelo produtor empreendedor23. A nova pecha
inovadora passa a carrear investimentos e a desenvolver campo de trabalho,
como num fluxo circular até que novas entradas criativas removimentem os
investimentos. Evidentemente essa descontinuidade provoca processos de
ascensão e queda econômica e social de processos produtivos antigos, mas
também de segmentos e frações sociais.
O que implica superar a visão econômica neoclássica de equilíbrio pelas
forças livres do mercado e tomar o capitalismo como um sistema instável, cíclico,
não aderente ao pleno emprego. Aqui, então já se imaginava políticas indutoras e
aceleradoras de desenvolvimento econômico, endógenas ao mercado, como
passará a ser difundido após a Segunda Guerra Mundial.
23 Ver em David Harvey os efeitos culturais disso quando analisa o papel do descontínuo na
Modernidade acirrando o efêmero e temporário. �Se o modernista tem de destruir para criar, a única maneira de representar verdades eternas é um processo de destruição passível de, no final, destruir ele mesmo essas verdades. E, no entanto, somos forçados, se buscamos o eterno e imutável, a tentar e a deixar a nossa marca no caótico, no efêmero e no fragmentário. A imagem nietzschiana da destruição criativa e da criação destrutiva estabelece ema ponte entre os dois lados da formulação da Baudelaire de uma nova maneira. Note-se é que o economista Schumpeter empregou essa mesma imagem para compreender os processos do desenvovolvimento capitalista. O empreendedor, que Schumpeter, considera uma figura heróica, era o destruidor criativo �par excellence� porque estava preparado para levar a extremos vitais as consequências da inovação técnica e social. E era somente através desse heroismo criativo que se podia garantir o progresso humano. Para Schumpeter, a destruição criativa era o leitmotif progressista do desenvolvimento capitalista benevolente.� (David Harvey, Condição Pós-Moderna, São Paulo, Loyola,1992, p.26)
64
Com influência weberiana, SCHUMPETER dá autonomia ao mundo
econômico e define o ato de produzir como a combinação de materiais e forças. O
modo dessa combinação define a reprodução contínua, o crescimento operado
pela manutenção da reprodução e por ajuste de método. O desenvolvimento
exige novas combinações (de materiais e forças) provocando descontinuidades
naquele ciclo. Nesse conceito, inclui cinco situações inovadoras: introdução de
um novo produto ou serviço, um novo método de produção, abertura de um novo
mercado, acesso a uma nova fonte de matérias-primas, e, instituição de uma
nova organização industrial como monopólios.
As combinações novas são os empreendimentos e os indivíduos que as
realizam os empreendedores. A ação desses indivíduos se caracterizam por isso
como empreendedoras e o movimento conjunto que caracteriza o modo de
potencializar o capitalismo pela ação empreendedora chama-se
empreendedorismo. Nesse campo de definições o empreendedor não precisa ser
o proprietário do negócio, ao contrário, muitas vezes a situação de desvinculação
de uma empresa em particular é que possibilita o despreendimento para propor e
realizar combinações novas. A condução do fluxo contínuo é trabalho de rotina e
não diz respeito a figura empreeendedora.
A insurgência dessa visão schumpeteriana se articula também à nova
funcionalidade das pequenas empresas no contexto produtivo contemporâneo. A
desverticalização produtiva ressignificou o pequeno negócio como satélite na
órbita de grandes empresas ou como unidades associadas em contextos
regionais, fragmentando os processos produtivos e de comercialização.
O pequeno negócio passa a responder por maior dinamicidade para
atender políticas econômicas de resultados, para introduzir inovações com
rapidez, para reestruturar mercados, enfim, a pequena estrutura favorece a maior
capacidade de reestruturação se for necessário aos interesses de acumulação.
De outro lado, o pequeno negócio também aparece como possibilidade de
ocupação para trabalhadores desempregados tendo em vista o enxugamento,
incremento tecnológico microeletrônico e informacional das grandes empresas.
Assim, seja como realidade concreta, seja como ideologia a figura desbravadora
do auto-emprego criativo que se realiza por conta própria passa a compor e dar
coerência ao universo de subjetividades coletivas de restauração do capital.
65
Essa abordagem do empreendedorismo ganhou expressão por meio de um
enfoque, sobretudo, mais comportamental, voltado para descrever a motivação do
comportamento empreendedor e consequentemente os traços típicos do mesmo
� criatividade, persistência, liderança, iniciativa, individualismo, habilidade para
lidar com recursos e pessoas, habilidade para identificar oportunidade e para
correr risco. Tratam-se dos estudos behavioristas dos anos 1970 e 1980
difundidos no meio acadêmico e editorial principalmente por David Clelland. Mas,
hoje, o universo dessas reflexões é bastante eclético com reduzido consenso e
potencialidade teórico-explicativa, funcionando mais como agenda de treinamento
de atos para condução eficiente de negócios. À isso tem se dedicado variada
literatura de tipo manual de administração e gestão de negócios, bem como
cursos livres e universitários.
A dinâmica heterôgenea e hierarquizada das relações sociais capitalistas
no interior das sociedades nacionais e entre Estados-Nações dão outro
significado para experimentos concretos empresariais. O caso do Brasil é
exemplar a esse respeito. O capitalismo se realizou numa posição subordinada no
contexto da hegemonia norte-americana da segunda metade do Século XX e sob
processo de desenvolvimento baseado na acelerada internacionalização do
mercado e parque industrial. Situação em que a figura empreeendedora do
empresário desbravador não encontra meio para fomento e reprodução, mesmo
que um caso ou outro possa ser contado. O mesmo se assevera quando
evidenciamos que a tradição burguesa nacional é de associação com o capital
internacional e o Estado, via de regra com baixa influência schumpeteriana
(OLIVEIRA, 2003). A nossa industrialização se deu por meio da associação
capital privado e Estado, o que representou um mercado interno protegido às
grandes corporações aqui instaladas nos setores mais dinâmicos da economia.
Esse foi o padrão de inovação brasileira - subordinada e associada ao capital
internacional - o que no limite significou pouca inovação, mas reprodução das
forças produtivas nos termos e necessidades do capital internacional dominante
no sistema.
Todavia, gradativamente, desde os anos de 1980 se desenvolvem ações
no sentido de constituir aparatos de formação e divulgação do empreendedorismo
no meio acadêmico e editorial. Primeiramente, há uma grande movimentação no
mercado editorial com vasta publicação de títulos sobre o tema. Somente nos
66
anos de 1990 iniciam-se cursos de formação de empreendedores em diferentes
níveis educacionais. Tudo indica que um dos principais motivadores da inserção
desse debate nos centros de formação superior decorreu da necessidade de
preparação de jovens para inserção num mercado de trabalho sem garantias de
emprego ou estabilidade num tempo de alta competitividade principalmente pela
mundiaização do mercado. Formar profissionais não mais para grandes empresas
e em situação de subordinação à padrões organizacionais rígidos, mas habilitado
em sua formação específica e capaz de gerar seu próprio trabalho; capaz de
tornar o conhecimento universitário num produto ou serviço. Aí então, a
pertinência de além do conhecimento científico ter o que chamam de �capacidade
empreendedora�24.
Entretanto, chama atenção que a capacidade empreendedora das
economias no mundo hoje seja inversamente proporcional ao desenvolvimento
das forças produtivas locais e a consequente posição de poder na hierarquia
mundial de modo que quanto maior a geração e apropriação de riqueza menor o
índice de empreendedorismo.
Desde 2001, a evolução da atividade empreendedora vem sendo medida
no mundo num conjunto diversificado de países produzindo taxas anuais que
servem para avaliar o grau de envolvimento dos países com essa vertente de
auto-emprego � TEA (Taxa de Atividade Empreendedora)25. O Brasil sempre se
manteve entre os 7 países com taxas mais altas de empreendedorismo � 13% -
no total de 34 países, o que significa, em termos absolutos no ano de 2004, 15
milhões de indivíduos.
Todavia, o que mostram esses dados de 2004 é que se perpetua como
tendência o empreendedorismo enquanto alternativa dos países periféricos, 24 O primeiro curso surgiu na década de 1980 na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e depois chegou a praticamente todas as instituições de ensino superior. O CNPQ, o SEBRAE, a FINEP e o BNDES desde os anos 1990 oferecem programas de fomento direto a formação nessa área e a promoção de produtos concretos como é o caso ds incubadoras tecnológicas de empresas ou de cooperativas. 25 O Global Entrepreneurship Monitor (GEM) realiza desde 2001 pesquisa anual sobre a taxa de empreendedorismo local e as variantes de estímulo a sua expansão. Participam da pesquisa 34 países - Japão, Eslovênia, Hong-kong, Bélgica, Suécia, Croácia, Portugal, Hungria, Itália, Finlândia, Alemanha, Holanda, Espanha, Dinamarca, África do Sul, Cingapura, Grécia, França, Reino Unido, Israel, Noruega, Irlanda, Polônia, Canadá, Estados Unidos, Argentina, Austrália, Brasil, Islândia, Nova Zelândia, Jordânia, Equador, Uganda, Peru. Em 2004 a Taxa de Atividade Empreendedora Total (TEA) ficou entre 1,5 e 40%, com uma média de 9,3%, o que representa 73 milhões de indivíduos entre 18 e 64 anos abrindo novos ou administrando negócios. A TEA é
67
enquanto uma taxa menor é encontrada na maioria das sociedades burguesas
tradicionais européias e também no Japão. Intermédio nesse quadro ficam os
EUA, a Austrália e a Nova Zelândia que apresentam alta renda nacional e taxas
também altas de empreendedorismo. Além da comparação do índice de
empreendedorismo com a renda nacional, é curiosa, também, a correlação entre
as altas taxas de empreendedorismo e a baixa proteção social pública dos
Estados nacionais como os casos desses últimos Estados anglo-saxões de renda
alta, mencionados.
Esses elementos bastariam para indiciar a fragilidade da argumentação
que associa o empreendedorismo à bem aventurança econômica capitalista.
Países de alta renda e forças produtivas desenvolvidas não, necessariamente,
seguiram o modelo do empreendedorismo. Entretanto, por esses dados
verificamos que o quesito motivação é ainda mais revelador dessa variação, na
medida, em que é possível distinguir claramente que nos países de renda alta o
empreendedorismo é motivado pela �oportunidade� e nos países periféricos o
principal incentivador é a própria �necessidade�, como no caso brasileiro pelo alto
percentual de desemprego, desigualdade social e frágil proteção social pública.
As variáveis escolaridade e renda, abordadas na pesquisa, também, asseveram
essa realidade social mais perversa entre os países subordinados do capitalismo,
pois os empreendedores brasileiros não somam mais que cinco anos de estudos,
enquanto o índice de diplomação universitária é alto na maioria dos
empreendedores dos países centrais.
De modo que é possível verificar que o empreendedorismo se constitui de
fato numa alternativa de ocupação imposta pela agenda burguesa dominante, ao
passo que também é uma escolha política de perspectiva de desenvolvimento e
sociabilidade.
O segundo pólo desse novo arcabouço de sentidos e significados que
favorecem o consentimento as medidas restauradoras do capital diz respeito as
novas perspectivas postas para sociedade civil no contexto do trabalho. A partir
de certos feixes de práticas e retóricas constituiu-se ao longo dos últimos 30 anos
novos significados para sociedade civil e sua relação com o Estado denotando
específicos e dissonantes concepções de bem comum, reconceituando nossa
prática e interpretação sobre democracia, justiça e igualdade social no país. medida como porcentagem da força de trabalho que está iniciando novos empreendimentos ou
68
Nessa perspectiva, dois grandes focos de disputa de significados podem ser
considerados aqui. Um referente a matriz neoliberal que acentua a sociedade civil
como parceira das políticas de ajuste político-financeiro das agências multilaterais
e de desestatização por força da sua associação ao próprio mercado e
responsabilização com os encargos que antes eram do Estado. Outro, que
emerge com o conjunto de proposições e práticas sociais de associativismo civil
dos chamados novos movimentos sociais, e, que trazem em seu bojo a
dinamização do protagonismo da sociedade civil nos destinos da vida social,
fortalecendo aí o envolvimento com a agenda, instituições e experiências mesmo
de práticas econômicas supostamente reveladoras de maior autonomia dos
cidadãos e do comunitarismo perdido na modernidade por força do individualismo
e atomização do sujeitos sociais, como evidenciado pelos debates da crise
civilizatória do final do século passado (SINGER, 1999, 2002).
Mesmo que por programas de ação e influências teóricas diferentes, esses
focos de abordagem sobre os destinos da convivência social concorrem pelo
significado da sociedade civil nesse cenário social ao mesmo tempo que também
se igualam na fragilização de enfrentamentos coletivos e projetos de hegemonia
de contraposição ao capital, consumindo-se como vertentes teórico-políticas
distintas, mas não necessariamente adversas.
Na sociedade civil neoliberal a dinâmica social é caracterizada pela
competição privada sem grandes regulações públicas e interferências do Estado.
Sociedade civil e mercado se igualam ou se associam no diagrama da estrutura
social, deixando o Estado como componente à parte daqueles. Uma variante
liberal menos radical menciona, também, a sociedade civil como arena não-
estatal porém pública porque voltada para o interesse geral. A idéia da
associação ao mercado se faz presente exatamente porque os valores
processados nas práticas sociais se orientam pela competição entre indivíduos e
pela maximização de vantagens no sentido de fazer prevalecer os próprios
interesses individuais. Nesse quadro valorativo os institutos políticos coletivos são
de reduzida ou nula referência, prevalecendo a versão voluntarista e
assistencialista quando se trata de referência à coisa pública. O Estado é
minimizado às funções da lei e segurança ou ainda à ações compensatórias
administrando negócios abertos há até 42 meses.
69
sobre situações de miséria e pobreza extremas. Um Estado no limite liberal e
representativo no sentido clássico do liberalismo.
Aqui, vale uma pequena digressão para afiançar a necessidade de
identificar continuidades e distinções entre as modalidades de liberalismo no
tempo, destacando-se primordialmente a manifesta nos Séculos XVIII e XIX, e, a
que se apresenta na época recente. Em primeiro lugar, observa-se que tanto
antes como agora o núcleo central da argumentação continua sendo o mesmo
desde Adam Smith: a) despolitização do mercado e livre circulação dos indivíduos
e capitais; b) aprofundamento do individualismo como pilar das relações sociais;
c) igualdade de oportunidades para todos nas condições iniciais de partida a
serem mobilizadas pelas competências distintas de cada um.
Mas, o novo liberalismo do final do século passado e início deste traz
novos arranjos, entre os quais, deve-se destacar primordialmente a estruturação
científico-acadêmica alcançada e a maior generalização social de seus
argumentos. Até então, a doutrina e filosofia liberal não atingira o campo
metodológico das ciências sociais com tamanha organicidade26. Essa é a lógica
do debate das políticas sociais desde os anos de 1980, refém de conceitos como
eficiência e equilíbrio, de reduzido substrato teórico explicativo ainda que se
apresentem como arcabouço de cientificidade para os reordenamentos políticos
neoliberais, prometendo, por isso, eficácia social � mais ideológica que real, mas
com grande efeito social.
O segundo diferencial diz respeito a maior generalização e adesão ao
campo doutrinal liberal. A partir dos anos 1980, primeiro no universo anglo-saxão
e depois de forma espraiada no mundo, houve uma ampla acolhida e
disseminação dos estudos liberais nas universiddes e veículos de divulgação
científica como publicações e eventos. Formando, nesse contexto, gerações em
diversos campos de conhecimento que vieram conduzir as reformas liberalizantes
impostas pelos acordos econômicos e políticos. De outra parte, essa
generalização também se expressou na vasta difusão de suas premissas nos
veículos de informação de massa como os aparelhos de cultura da imprensa. De
modo que na cadência das necessidades materiais do capital, ia, também, se
26 A melhor expressão disso é o chamado �índividualismo metodológico� que sob bases formais aborda as ações sociais a partir das escolhas racionais dos indivíduos como se pode ver na Teoria da Escolha Racional que domina o campo da Ciência Política e Economia na atualidade.
70
forjando um senso comum sobre a perspectiva das mudanças, em geral, no
campo da desregulamentação social e do individualismo.
Evidentemente, a repercussão disso se expressou melhor quando o
pensamento neoliberal migrou para o campo efetivo da política orientando
reorganizações institucionais e acordos sócio-políticos como iniciado pelos
conservadores R.Reagan e M.Tatcher, reconduzidos no mundo pelas agências
multilaterias. A viabilidade prática disso, por imposição, igualizou condutas de
�ajustamento econômico� em diferentes contextos nacionais despolitizando as
possibilidades de ações públicas (CHESNAIS, 2003).
Essa ascensão acadêmica e política do novo liberalismo contou com o
paralelo amortecimento dos conflitos sociais por força da queda do comunismo e
da crítica social na perspectiva dos trabalhadores, como sempre polarizou o
cenário social desde as origens do liberalismo. Sem contraponto à altura, o
pensamento neoliberal se colocou como alternativa à crise do capital. E, o que de
fato foi decisivo nesse processo foi a aderência do fundamentalismo liberal às
necessidades materiais do capital. A desregulação dos mercados, a privatização
de empresas e instituições públicas e a assombrosa globalização econômica sob
dominância do capital financeiro foram vetores das recomendações liberais que
atenuaram as consequências da desaceleração econômica do capitalismo,
mesmo que não tenham provocado circuitos longos de crescimento em nenhum
dos territórios sócio-geográficos de mobilidade do capital. Por força das dívidas
externas e suas negociações, as recomendações das agências multilaterais
tornam os fundamentos neoliberais, a agenda comum dos Estados (CHESNAIS,
1996; FIORI, 1997).
Mas, é interessante atentar que essa emersão e expansão do novo
liberalismo não se faz da noite para o dia. Segundo ANDERSON (1995), as idéias
iniciais do Caminho da Servidão do austríaco F.Hayek amargam certo ostracismo
pelo desinteresse perante o contexto intervencionista do desenvolvimento pós
Segunda Guerra Mundial, mantendo-se por isso na clandestinidade dos debates
acadêmicos e políticos de outrora. Todavia, ali já estavam os elementos que
emergiram contra o welfare state mais recentemente. A partir dos anos 1960 e
1970, F.Hayek e mais recentemente M.Friedman, entre outros, começam a
ganhar terreno contrapondo o keynesianismo a exemplo da crise de crescimento
econômico que se iniciava.
71
A contemporaneidade de acontecimentos como a derrocada das
experiências socialistas e a homogeneização e supremacia da economia de
mercado nas agendas nacionais, induziu a argumentação ideológica dos novos
liberais da associação necessária entre democracia e economia de mercado; para
economia ser eficiente e competitiva era necessário regimes liberais. Todavia,
seja nas novas democracias dos países reestruturados, seja nas democracias
maduras, amarga-se uma crise profunda desse regime político. São ilustrativos
disso, a queda da militância partidária, aumento das abstenções eleitorais,
indistinção dos programas políticos dos partidos, descaracterização e descrédito
das instituições parlamentares e representativas em geral, ascensão dos veículos
da mídia na formação de opinião se contrapondo aos partidos políticos.
Entretanto, seria isso um paradoxo na medida em que se aprofunda exatamente
quando o regime se expande no mundo ?
Na década de 1980, BOBBIO (1987, 1992) já apontava o esgarçamento
dessa associação liberalismo e democracia, na medida em que o extremo da
democracia teria sido alcançado com o partido de massas que promovera o
Estado Social ocupado com a proteção social, objeto de questionamento e vitória
dos conservadores neoliberais. O Estado mínimo não estabelece compromisso
social e implica restrição à participação política e direitos sociais, o que para
BOBBIO é a própria derrota do avanço da democracia conquistada no Século XX.
Por isso, essa contradição, esse paradoxo tende a se acentuar.
Nesse quadro valorativo a sociedade civil emerge como âmbito adequado
para superar, por meio do associativismo, os desterros, morosidades e injustiças
postos pela burocracia pública e pelo mercado. Tomando-a então como espaço
da resolução das intempéries deixadas pelos destemidos �satãs� Estado e
mercado. Por esse caminho, se processa uma clara hostilização dos governos no
sentido de atuar com eficácia sobre as necessidades individuais e coletivas
básicas dessa cidadania que se faz principalmente no mercado.
Daí evoluiu-se para a idéia de uma sociedade civil atuante em causas
cívicas e na execução e gerenciamento de políticas e programas em colaboração
com governos, mas visando se contrapor ao próprio Estado. De uma dimensão
mais participativa chegou-se a versão gerencial que apesar de se associar (e
depender) dos governos reitera a distinção Estado-sociedade civil, tomando-a
como reinado genuíno do interesse público. Antes que um paradoxo, se trata da
72
reiteração da lógica neoliberal que quer desconstruir a idéia do Estado social tão
abordado distintamente na cultura social-democrata do passado e no socialismo
ideado e experienciado até anos recentes. Na cultura do novo liberalismo, a
sociedade civil substitui o Estado na responsabilização com a questão social, o
fazendo por meio de ações tópicas, fragmentadas e despolitizadas de agentes
não governamentais. Desse arcabouço doutrinário foram sendo constituídos
aparatos institucionais como o chamado �terceiro setor� � que emerge nessa
dicotomia, sem ser nem Estado, nem mercado (MONTAÑO, 2002).
Como se sabe, os dispositivos legais instituídos nas gestões de Fernando
Henrique Cardoso alargaram essa relação Estado/entidades civis transferindo a
execução de programas e serviços públicos para organizações sociais, fundações
ou empresas. As bases doutrinárias e institucionais da reforma gerencial iniciada
foram sustentadas na perspectiva de maior eficiência na oferta de serviços
sociais, mobilizando a competitividade de mercado nesse universo antes restrito
ao funcionalismo público27.
Desde então, o que se percebe é o amplo crescimento do universo de
entidades que têm sua própria sustentabilidade vinculada aos serviços que
oferecem em nome dos governos contratantes das diferentes esferas. Uma
vertente de negócios com o Estado que cresce bastante por transferência de
responsabilidades públicas, sem licitação, movimentando cifras significativas de
orçamentos públicos num efeito que acaba por complexificar ainda mais as
fronteiras entre público e privado28.
O montante é de tal importância para as ONG�s que em média 50% dos
orçamentos das organizações advém dos cofres públicos. De modo que essa
associação ou sinergia entre ONG�s e governos pode ser relacionada como um
valioso mercado que emprega e movimenta recursos significativos, ao mesmo
tempo que em termos políticos reafirma a feição colaboracionista (menos 27 Cf. Luiz Carlos Bresser Pereira (org), Reforma do Estado para a cidadania: a reforma gerencial brasileira na perspectiva internacional. São Paulo: Ed. 34, Brasília: Enap, 1998. 2) Vera Petrucci e Letícia Schwarz (org), Administração pública gerencial: a reforma de 1995, Brasília: UNB/Enap, 1999. 28 �Recursos � de acordo com o Instituto Licitus � ONG dedicada a monitorar as contratações públicas -, a União, Estados e municípios adquiriram bens e serviços no valor de R$ 120 bilhões em 2003. A fatia do governo federal equivale a R$14,2 bilhões, dos quais R$6,9 bilhões, ou 48%, contratados sem licitação. E em obediência à lei, o que é uma característica dessas parcerias. Já o Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) registra em 2003 transferência de R$1,386 bilhão do Tesouro Federal para instituições privadas sem fins lucrativos. Até 27 de julho (de 2004), outros R$ 486 milhões já haviam sido repassados.� (Lourival Sant�anna, Terceiro setor
73
contestatória) quando não reitera o patrimonialismo servindo como fator ativo no
processo de malversação de verbas públicas.
A área é complexa, diversificada e de frágil regulação, conhecimento e
controle público29. Estudo do ISER (Instituto de Estudos da Religião) mostrou,
em 1999, que o setor movimentava 1,5% do PIB brasileiro, suas despesas
somavam cerca de R$ 10 bilhões em 1995, incorporando 1,12 milhão de
empregos (2,2 % do trabalho não agrícola). Os anos se passaram e esses dados
possivelmente só aumentaram o que nos incita a reiterar a crescente importância
econômica desse segmento no acesso a fundos públicos30 e os muitos interesses
sociais em jogo nessa oferta de serviços à população, em nome dos governos.
Ë notável que a crescente imposição de práticas de reponsabilidade
governamental executadas por ONG�s envolva governos de diferentes matizes
ideológicos desde que o Governo Fernando Henrique Cardoso iniciou essa
avalanche. Isso envolvendo as áreas mais diferentes de atuação �da saúde
indígena à construção de cisterna no semiárido�31.
O argumento da competência especializada � notório saber na área � e da
agilidade para oferecimento dos serviços têm movimentado a elaboração de
assume as tarefas do Estado, O Estado de São Paulo, in, Um retrato das ONG�s no país, Rio Estudos, n.138, Prefeitura do Rio de Janeiro, Instituto Pereira Passos, setembro de 2004, p.1). 29 �No cadastro da Receita Federal, o ítem que o captura de forma mais precisa é o das �Outras Atividades Associativas Não-Relacionadas Anteriormente�, sob o código 9199500 do índice de atividades do IBGE. Em 1991, havia 220 mil estabelecimentos sob essa rubrica. Hoje, são 435.278. Aí entra de tudo, de associação de filatelistas ao Greenpeace � uma das dez organizações estrangeiras cadastradas como tais na Receita. ONG mesmo, aí compreendidas as sociedades civis e as fundações, ninguém sabe ao certo quantas são.� (Lourival Sant�anna, Terceiro setor assume as tarefas do Estado, O Estado de São Paulo, in, Um retrato das ONG�s no país, Rio Estudos, n.138, Prefeitura do Rio de Janeiro, Instituto Pereira Passos, setembro de 2004, p.3). 30 Fundo público, entendido nessa pesquisa como mais-valia social incorporada pelo Estado nos termos de Francisco de Oliveira, O Surgimento do Anti-Valor: capital, força de trabalho e fundo público, Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, 1988. 31 �Enxuto, o Estado tem delegado cada vez mais funções para a sociedade civil. Da saúde indígena à construção de cisterna no semi árido. Obrigado a cortar R$1 bilhão de verbas de custeio em 2004, o governo federal descobriu que, só no anos passado, destinou quase R$1,3 bilhão para entidades privadas sem fins lucrativos, em transferências diretas e sem licitação. Infiltrado na máquina pública, o terceiro setor transformou-se em braço do Estado, o que preocupa o governo e as próprias organizações não governamentais (ONG�s). (...) Do total de recursos repassados para as entidades privadas sem fins lucrativos, R$ 1, 007 bilhão foi destinado às atividades de responsabilidade do governo (custeio), como o programa de alfabetização. Só R$ 104, 8 milhões foram para obras (investimentos). (...)� (Cátia Seabra, A força das ONGs no Governo, Jornal O Globo, 3 de maio de 2004, p.3). O Governo Lula criou uma comissão para estudar a regulação so setor, mas faz uso incrementado dessa parceria como mostram esses dados. A Prefeitura de São Paulo, sob o Governo Marta Suplicy também fez largo uso desse dispositivo de parceria, na maioria das vezes sem licitação púbica sob o argumento do notório saber e da urgência da execução dos serviços. O mesmo argumentam os Governos do Estado de São Paulo, do Rio de Janeiro e também a Prefeitura municipal carioca.
74
novas leis ou o encontro de brechas legais que evitem os processos públicos
licitatórios em favor de consultores de ONG�s.
Assim como aconteceu com os bancários, metalúrgicos, cobradores de
ônibus e estivadores, chegou a vez dos funcionários públicos verem seus
postos de trabalho minguarem. Tarefas tão variadas quanto administrar
hospitais, conferir processos de presidiários, criar tecnologias para
transporte coletivo, tornar a cobrança de impostos mais rápida ou pensar o
currículo escolar estão sendo repassadas para consultores ligados a
ONG�s. Para tornar a máquina mais eficiente, governantes promovem um
acelerado processo de terceirização da administração pública. Só em São
Paulo, o Estado e a Prefeitura gastam quase R$ 1 bilhão por ano para
contratar esses profissionais. Em todo país, tornou-se uma prática
disseminada pelos governantes. E fazem isso por meio de brechas legais
ou criando novas leis que permitem fugir dos demorados concursos
públicos e licitações e viabilizam as parcerias. Ganham a agilidade e o
conhecimento de profissionais de iniciativa privada e ficam livres dos altos
custos previdenciários dos barnabés. Mas, ao mesmo tempo, legitimam
meios que tornam a administração pública vulnerável às ações
personalistas de políticos e empresários. (MANSO e NUNOMURA, 2004)
O mesmo se repete no estado do Rio de Janeiro, como podemos
evidenciar da investigação da Delegacia Regional do Trabalho que detectou que
3.324 servidores do Departamento de Trânsito do Estado não possuiam contrato
formal de trabalho e se vinculavam ao trabalho por meio de entidades do terceiro
setor para desenvolver atividades de rotina do órgão público, como emitir carteira
de identidade. Em 2004, o número de informais era mais que o triplo de
concursados e isso ocorria por mediação de ONGs e cooperativas32.
Mas, os argumentos vão se sofisticando e incorporando os próprios
problemas urbanos que os aparelhos públicos não conseguem dirimir, como, o
caso da Prefeitura do Rio de Janeiro que afirma ser a terceirização dos serviços a
32 Bruno Manso e Eduardo Nunomura. Fugindo de concursos e licitações. Um retrato das Ongs no país, Coleção Estudos da Cidade In Rio Estudos, n.138, setembro de 2004. Prefeitura do Rio de Janeiro, Instituto Pereira Passos, p.5-6
75
melhor maneira de atuar nas comunidades submersas em estruturas de violência
ligadas ao tráfico de drogas33.
É possível que esta seja uma forma também de criar um mercado local
favorável aos interesses políticos inerentes a relação prefeitura/autoridades
comunitárias, de modo que, também, se realize aí formatos clientelistas de
acesso à serviços públicos e de constituição de lideranças políticas. Pelo visto, se
misturando numa relação de promiscuidade com o tráfico de drogas, o que pode
aumentar a densidade da despublicização dos serviços governamentais
oferecidos nas periferias das cidades34.
O mais ilustrativo é que esse procedimento se faz sem licitação e com
amparo legal, pois de acordo com a Lei 8.666/93 projetos de baixo custo
dispensam concorrência pública em favor de �inquestionável reputação ético-
profissional� da organização e urgência na execução do serviço. Argumentos
muitas vezes de nenhum controle ou efeitva comprovação pública. A exceção vira
a regra e a concorrência pública passa a não ser prioritária nos negócios do
Estado.
Ou seja, a complexidade dessas relações e dos sentidos das práticas das
ONGs exige a percepção de que esse processo está para além do viés político e
democrático que parte dessas experiências encerra. De fato, existem ONGs que 33 �Em áreas pobres do Rio, a violência transformou em rotina a terceirização de serviços municipais, com a transferência de ações de saúde, limpeza, esporte e assistência social para ONGs e associações de moradores. Por intermédio de convênios, as entidades recebem da prefeitura dinheiro para atuar numa determinada região e acabam desempenhando funções do Estado, como contratar pessoal. Nas comunidades, a terceirização e o serviço público convivem lado a lado. O prefeito do Rio César Maia (PFL), diz que a violência e o tráfico mudaram a forma de contratação nas favelas. Segundo ele, a terceirização é a saída para contratar mão-de-obra local, pois é difícil manter concursados em áreas controladas por traficantes. Maia cita a exigência, por parte de organismos como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e o Banco Mundial, de participação do terceiro setor (ONGs e entidades da sociedade civil) na gestão de projetos. (...) a maior parte dos casos, os convênios são feitos sem licitação. A prefeitura do Rio afirma que não há ilegalidade, por entender que a licitação é considerada dispensável ou inexigível, de acordo com a lei 8.666: contratos de pequeno valor, notória especialização ou impossibilidade de competição ( por exemplo, na contratação de associação de moradores para atuar em uma favela).� (Fernanda da Escóssia, O Rio Contrata Ongs para Serviços em Favelas, Folha de São Paulo, Sucursal do Rio, 17/11/2003) 34 A experiência do Rio de Janeiro é bem elucidativa do tamanho dessa inversão de papéis e de numerário público para entidades civis: �a COMLURB ( Companhia Municioal de Limpeza Urbana) optou por repassar o dinheiro para as associações de moradores, que contratam os garis. Hoje há 2.557 garis comunitários na cidade. Para o gari comunitário, o salário base é o mínimo (R$240); para o da COMLURB, R$ 400. Na saúde, a prefeitura tem recorrido a ONGs e associações de moradores para implantar, em comunidades pobres, os programas de saúde da família e agentes comunitários, que atendem hoje 400 mil pessoas em favelas. A folha de pagamento mensal dos dois programas vale R$ 2 milhões. (...) As creches também são um exemplo de área em que o poder público não dá conta da demanda. (...) Enquanto a conveniada atende 25 mil crianças, a
76
se dedicam ao alargamento das possibilidades de melhoria da qualidade de vida
da população e sua participação política, mas, nesse processo, também para
estas ONGs, permeia um mercado de acesso a fundos públicos que não é nada
desprezível. Ainda assim, olhemos um pouco o que esse segmento de ONGs
ligadas à mobilização social nos trouxe no processo de redemocratização desde
os anos 1980.
Na sociedade civil dos novos movimentos sociais a perspectiva dualista,
também, se reitera e a relação com o Estado é principalmente de distanciamento
ou de dificuldades de enfrentamento e disputa. É claro que aqui, a política tem
acento destacado nas práticas, discursos valorativos e normativos. Ainda que
persista uma relação ambivalente com o Estado, há inovações importantes na
formação dessa cultura e no tensionamento dos destinos sociais possíveis para
democracia e justiça social entre nós.
A experiência autoritária dos Estados ditatoriais na América Latina e a
própria revisão política das práticas revolucionárias engendradas nos Estados
socialistas experenciados, foram fatores importantes na revalorização da
sociedade civil no Brasil e América Latina por meio principalmente da luta pela
democracia. A idéia de que mudanças não operariam �de assalto ao Estado�,
trazia em contrapartida a importância da disseminação da democracia em práticas
moleculares de modo que uma reforma moral e intelectual pudesse se espalhar e
municiar transformações fundamentais na sociedade. Essa visão fortaleceu-se no
segmento político da esquerda brasileira e latino-americana, sobretudo, a partir
dos anos de 1980 fundamentada no conceito de sociedade civil da Teoria
Gramsciana. Compreender a sociedade civil como arena política de exposição de
consensos e conflitos entre sujeitos sociais e, por isso, território de disputa por
hegemonia, significava tomá-la como elemento novo para a tradição política da
esquerda e, consequentemente, na luta pela democracia.
O contexto autoritário favorecia captar Estado/Sociedade Civil como
instâncias separadas, reaquecendo a dualidade liberal. De fato, a realidade
mostrava essa dicotomia na medida em que o Estado se impunha como
organização burocrático e política, sob a ditadura, sobretudo, pelo uso da força
coercitiva e policial. A ausência dos trabalhadores e seus segmentos mais
empobrecidos do cenário público fora sempre, mesmo em regime civil, um rede própria atende 19.193 crianças de zero a três anos.� Fernanda da Escóssia, O Rio Contrata
77
grande hiato na história do Estado urbano- industrial brasileiro. Nesses anos dos
novos movimentos sociais, a sociedade civil será inclusive encarada como a
instância da possibilidade de liberdade, como corpo unitário e homogêneo que
abriga a virtuosidade do bem comum contra a imagem diabólica do Estado.
Paralelamente, com o surgimento e expansão dos movimentos sociais em
sua multiplicidade de interesses associadamente à complexificação e
heterogeneidade das sociedades latinoamericanas, colocaram na ordem do dia a
fragmentação de interesses de variados sujeitos políticos. A exigência, então, de
pensar formas de transcender interesses corporativos particulares e valorizar a
convivência social num jogo de persuasão e conquista valorizando a expressão
dos diferentes sujeitos políticos, o que em si significou a reconceituação da
política.
A partir desses fatores, na realidade, o que se começa a confrontar são
projetos de democracia em termos de sua significação valorativa para o contexto
social capitalista de final de século e crise sócio-econômica, bem como de suas
pequenas e variadas formas de expressão prática na vida social. Essas
experimentações dos novos movimentos sociais além de novos sujeitos políticos
colocou em cena nova concepção, aparatos institucionais, agenda e ações
políticas. Isso significou um efetivo contraponto para desestabilização do Estado
autoritário e renovação do Estado em regime civil, como, também, na
reelaboração de sua Carta Constitucional em 1988. O que implicou numa gama
variada de práticas voltadas para renovar a política no sentido do questionamento
ao autoritarismo e hierarquização da tradição social brasileira, associadamente a
projeção de sujeitos sociais antes desconsiderados enquanto tais na esfera
política nacional como mulheres, negros, homosexuais, desempregados, sem
teto, sem terra, entre outros trabalhadores. O que de modo algum restringia a
democratização da sociedade aos rituais formais das instituições tradicionais do
regime político, mas polemizava com a desigualdade social e formalismo
representativo da doutrina da democracia liberal.
Embora não se possa falar de um entendimento comum e coerente, essa
renovação democrática carregou na estratégia política centrada na constituição
de uma luta social antiautoritarismo para renovar a sociedade civil e na
Ongs para Serviços em Favelas, Folha de São Paulo, Sucursal do Rio, 17/11/2003
78
interpretação sobre as virtudes dessa renovação como mostra os estudos
realizados e organizados por ALVAREZ, DAGNINO, e, ESCOBAR (2000).
Por outro lado, o que se evidencia é uma forte tensão entre essa
renovação ética da sociedade civil e a dimensão da política mesmo enquanto
projeto de poder, o que reitera a falsa dicotomia sociedade civil em relação ao
Estado e ao Mercado, permanecendo aquela como portadora das virtudes de um
futuro humanizante, embora sem perspectiva efetiva de poder.
Tal modalidade de sociedade civil estaria composta por movimentos que se
auto-organizam e se autolimitam e que poderiam, acredita-se, disciplinar as
instituições mais sistêmicas, como o Estado e o mercado. Estruturando-se
como um sistema independente e que se auto-referencia, a sociedade civil
poderia moderar os excessos do Estado e do mercado e estabelecer-se
como um campo onde a composição social se recriaria. Impregnada da
função de intermediar o sistema político e os grupos sociais, a sociedade
civil criaria condições para que se formasse uma �vontade pública� dotada
da capacidade de se institucionalizar nos corpos parlamentares e nos
tribunais, para falar num tom não muito distante do léxico de Habermas.
Não é por outro motivo que essa idéia de sociedade civil se abre bastante
para os temas da comunicação intersubjetiva, dos vínculos culturais
espontâneos, da �desobediência civil� e do ativismo ético. (NOGUEIRA,
2003, p.12)
A política se confunde com a ética e a idéia de uma sociedade civil
homogênea reitera um universo bastante abstrato, dotado de �bons valores�, mas
distante das possibilidades efetivas de enfrentamento dos conflitos sociais, da luta
de classes ou dos desmandos do mercado que atravessam concretamente a
sociedade civil e conformam a totalidade social. Ainda que renove a idéia de
direitos sociais no Brasil e o processo de publicização das demandas sociais de
variados sujeitos sociais, seja em termos de agenda, seja de organização
institucional e política valorizando a autonomia e democracia nas práticas políticas
contra o autoritarismo, a tutela e o clientelismo da tradição da formação social
brasileira - a idéia de luta pelo poder inerente ao conceito de hegemonia
gramsciano, é desvirtuado do debate e ação política. Assim, a sociedade civil
deixa de ser Estado, o que, no caso em questão, despolitiza o enfrentamento da
problemática histórica e contemporânea do trabalho reiterando a cultura da
79
segmentação, da fragmentação e do não enfrentamento de alternativas viáveis de
ocupação que subvertam a desigualdade social histórica.
Num contexto de acirramento da concentração de capital e poder, a
viabilização da economia solidária como alternativa depende da compreensão
intelectual e política de sua inserção na totalidade social, por exemplo, no
contexto dos rumos do desenvolvimento do capitalismo mundial, na específica
relação com o mercado, pensando-se o conjunto da cadeia produtiva, bem como
no acesso, disputa e controle de fundos públicos no Estado. A dicotomia
sociedade civil � Estado dificulta entender e concorrer por recursos materiais e de
poder nesse processo, provocando o provável insulamento da economia solidária
na dinâmica social da terceirização da produção, na ampliada informalidade,
reconduzindo a exploração a patamares eficientes para época. Tudo sob a idéia
de democratização da propriedade com a transfiguração do trabalhador em
empresário.
O que se desejou mostrar aqui foram algumas premissas analíticas para
compreensão dessas mudanças no trabalho particularmente o auto-emprego e a
informalização. Tanto em sua dimensão material concreta quanto nos dispositivos
de consentimento social. As práticas sociais não se regem pela força impositiva
do capital sendo-lhes exigente bases morais, ideológicas e intelectuais que dêem
sentido as coisas e as legitimem. A ideologia liberal do empreendedorismo, da
independência quando se é patrão e da supressão do trabalho assalariado
tendem a constituir esse universo simbólico plasmado na materialidade dos
objetivos capitalistas que obscurecem e dissimulam o sobretrabalho advindo da
exploração da suposta organização autônoma do trabalho. Transformam
trabalhadores em pequenos empresários com a ilusão de poder econômico e de
mobilidade social incluindo mudança de classe social, o que dissumula a real
exploração.
As medidas de ajuste estrutural têm induzido os Estados nacionais a
viabilizarem ações que amenizam ou camuflam a pobreza e o desemprego, e,
nesse processo a informalidade aparece nos textos das agências multilaterais
como coadjuvante das políticas de assistência, restrita às atividades de
sobrevivência deslocadas do núcleo da economia política que promove a riqueza
capitalista. O deslocamento do debate em torno do desenvolvimento para a luta
80
contra a pobreza torna o emprego assistência, dissimulando a contradição capital-
trabalho e os conflitos de classe.
Mas, isso não destitui o Estado de uma atuação de nova estirpe nesse
campo. Na verdade, há uma preocupação em tratá-las � as atividades de auto-
emprego - como empresa com racionalidade sistemática de melhoramento dos
processos de trabalho com vistas a melhor desempenho, e, isso, é bem diferente
das ações isoladas de indivíduos, familiares e vizinhança. Se antes a
informalidade era enfrentada pelos aparatos governamentais com políticas de
emprego de modo a aumentar postos de trabalho, intermediar mão-de-obra e
habilitar trabalhadores para o mercado, agora as ações públicas tendem a se
concentrar na dinamização de seu potencial de gerar ocupação a custos
elementares através das Organizações Não Governamentais.
Há estudos que interpretam as indicações das agências multilateriais como
cindidas em duas perspectivas a respeito do como lidar com a informalidade.
Uma, para atuar com trabalhadores que estão fora do mercado de trabalho e que
possivelmente não retornarão dada a defasagem de sua formação e experiência
perante as necessidades do capital. Outra, voltada para trabalhadores que ainda
têm sentido para o capital e formam o exército industrial de reserva, onde o
capital deseja escamotear a informalidade, principalmente, por meio da dita
autonomia e independência do auto-emprego.
É claro que muitas dessas ações não atingem condições de acumulação
sistemática o que torna a área pouco atrativa ao capital. Para a racionalidade
liberal dualista, essa pobreza é endógena à economia mercantil difundindo a
visão segmentar de uma economia de subsistência e outra afeita a acumulação,
baseada no livre mercado e, por isso, eficiente, homogênea e socialmente coesa.
Nessa abordagem, considera-se que a cultura do auto-emprego, as proposições e
negociações em torno de institutos mediadores que a materializam enunciam o
modo como as classes sociais estão respondendo a reestruturação do trabalho.
Não é mais do que isso que vemos nesse grupo de sujeitos políticos envolvidos
na economia solidária � inclusive, de sindicato de trabalhadores � e no ambiente
sócio-cultural mais amplo, favorável aos pequenos negócios e sua cooperação
em rede como mencionam lideranças de entidades industriais do país e
organismos internacionais.
81
CAPÍTULO 2 � A SOCIABILIDADE DO TRABALHO EM ECONOMIA SOLIDÁRIA
82
CAPÍTULO 2 � A SOCIABILIDADE DO TRABALHO EM ECONOMIA
SOLIDÁRIA
Durante essa pesquisa, evidenciamos que a abordagem das experiências
tende a se concentrar em discursos essencialmente valorativos, sem deixar
entrever, com maior distinção, as características sócio-institucionais dessas
práticas econômicas e sua inserção na totalidade social. A retórica se concentra
num discurso autoreferido de defesa de virtudes anticapitalistas nomeadas pelos
sujeitos sociais envolvidos.
Como dito anteriormente, a economia solidária se generaliza nos anos
1990, principalmente, sob indução de entidades civis e governamentais voltadas
para geração de ocupação e renda. Chama bastante atenção que o diferencial
dessas ações, nesse momento, seja o formato jurídico-institucional assumido
como modelo � cooperativa ou associação autogerida � por isso, a feição
solidária, bem como, sua justificativa, se basear na substituição estrutural ao
trabalho assalariado convencional e requalificação do universo de atividades
informais de trabalho.
O inusitado é que o solidarismo em atividade econômica não era uma
tradição da prática política dos trabalhadores brasileiros e nasce nesse contexto
já como crítica ao tipo de cooperativismo que vingou em nossa sociedade, voltado
principalmente para a agroindústria. Com efeito, trazem uma narrativa com ênfase
acentuada na questão da autonomia, como herança mesma das lutas sociais de
democratização do país, particularmente da cultura de ressignificação de práticas
dos nomeados �novos movimentos sociais�. Há, então, junto com as iniciativas de
economia solidária, um outro sentido construído para o cooperativismo em nossa
sociedade porque com horizontes substantivamente mais participativos e
democráticos � o �novo cooperativismo�.
Uma segunda inovação de relevo, diz respeito aos sujeitos políticos
indutores dessas práticas, em geral, atuantes nos processos de renovação da
democracia no país como sujeitos coletivos representados nos sindicatos, igrejas,
universidades, entidades civis de direitos humanos e partidos de esquerda, no
83
caso, principalmente o Partido dos Trabalhadores. No conjunto, migram das
ações mais reivindicatórias de enfrentamento do desemprego e qualidade das
relações de trabalho, junto ao poder público e empresariado, para a colaboração
com soluções pragmáticas ao deserto da desocupação. Não qualquer solução,
mas as que tivessem os traçados da economia solidária.
A literatura sobre o tema pode ser distingüida em três modos de
abordagem. Um pólo, mais afeito as questões filosóficas, éticas e conceituais que
envolvem essas práticas de economia ou que assim se deseja. Outro extremo,
que centra análise nos aspectos históricos da tradição de solidariedade entre
trabalhadores comos os experimentos de cooperativas, mutualismo ou
comunidades operárias. Em outro ponto, a abordagem se centra principalmente
em relatos e estudos de casos de práticas econômicas concretas.
Contudo, tende a ser comum aos três segmentos, a defesa apologética das
práticas. Quer dizer, parte significativa das narrativas sobre economia solidária,
mesmo as mais acadêmicas, dependem de uma abordagem performática
baseada numa narrativa autoreferida com ênfase sobre a positividade das
experiências perante os problemas humanos de grande envergadura nessa
passagem de Séculos como o efeito destrutivo da lógica da acumulação
capitalista sobre o meio ambiente e os trabalhadores, tanto em termos de
qualidade de vida quanto de desemprego e pobreza.
Aliás, essa abordagem cênica parece compor o próprio processo social de
afirmação e institucionalização desse coletivo de idéias e práticas, mesmo no
meio universitário. O que é em si uma armadilha para o estudo que aqui se
realiza, exigindo atenção ao aprofundamento histórico dos sentidos das práticas e
dos argumentos em torno delas no contexto da totalidade social.
Apesar de ter inserção incerta na história das várias formações sociais,
costuma-se associar a economia solidária a economia social � pouco conhecida
no Brasil. Isso não resolve os problemas teóricos, mas sinaliza legados e
tradições que se quer reconstruir ou superar. De modo freqüente, as ciências
sociais assinalam que economia social representa um amplo e heterogêneo
campo cognitivo, pois variadas noções são usadas para tratar de práticas sociais
e ramos de provisão de serviços, produção e renda.
A partir do Welfare State, por volta dos anos 1950, em países como França
onde essa associação Fordismo-Keynesianismo se realizou, parte desse apoio
84
social aos trabalhadores passou a ser direito social e responsabilidade pública
estatal � quando não extinguiu, subordinou as mutualidades e associações à
condição de quase aparelho do Estado. De maneira geral, as cooperativas
também sucumbiram a uma maior formalização, adequando-se as exigências da
competitividade da economia de mercado com a modernização das forças
produtivas, ampliação das estruturas organizacionais e burocratização das
práticas participativas.
Nos anos recentes, com a crise do capital e o desenlace regressivo do
Estado protetor e do pleno emprego, a temática da economia social e da
solidariedade é recolocada sobre novas bases. O que não é extraordinário na
medida em que a economia social ganha expressão em momentos de crise como
ocorreu nas transformações iniciadas com a introdução do trabalho assalariado e
o modelo de organização intensiva da exploração do trabalho; na crise de
1929/1930 que apontava para o estremecimento da regulação concorrencial no
capitalismo; e, na crise contemporânea. Ou seja, estaríamos, então, diante de
uma manifestação defensiva comum a períodos de crise social que fazem emergir
com expressividade práticas de subsistência para reprodução dos trabalhadores ?
Há uma pequena distinção que merece atenção, pois pode proporcionar
outro contorno para essas velhas práticas. Elas reaparecem quando a resposta
para a crise � não o paliativo � está centralizada na baixa do custo do trabalho por
meio de processos de informalização e precarização, efetivos propulsores
também das cooperativas e pequenas empresas, passíveis de serem
incorporados na economia social (e solidária). Esse é um diferencial importante,
que essa pesquisa persegue e que polemiza com outos estudos no tocante a
grade de leitura entrever um mesmo fenômeno reeditado, o que não parece ser o
caso.
O problema do emprego e reordenação do trabalho reestabelecem as
relações da sociedade contemporânea com a economia social, dando
institucionalidade as suas variadas formas para responder a flexibilização
produtiva e a destinação de ocupação e renda para os excluídos do mercado
formal de emprego. Mas, há uma mudança de perspectiva perante o
desenvolvimento assumindo-o como não abrangente mesmo, e, isso é
absolutamente distinto dos acordos em torno do Keynesianismo-Fordismo e do
Estado desenvolvimentista da periferia que vigorou até recentemente. Nesse novo
85
contexto, os direitos sociais perdem a referência política e ideológica de
universalidade de modo que o emprego é retirado da arena de compromissos
públicos do Estado e se converte em atenção residual de programas de
capacitação para mobilizar atributos individualizados de empregabilidade ou ainda
ações de incentivo a auto-emprego e economia social.
Mas, nessa altura a idéia de economia solidária já ganhava expressão na
Europa e nas Américas. Na realidade, agora, já se fala de uma distinção com a
economia social, restrita à práticas acomodadas ao sistema capitalista � onde o
melhor exemplo são as cooperativas tradicionais. Frente a banalização das
práticas associativas da economia social, desenvolvem-se novas entidades,
articulações de interesses, espaços e sujeitos políticos ocupados com o comércio
eqüitativo, as finanças solidárias, o intercâmbio não-monetário e iniciativas locais
que valorizam os serviços de proximidade2.
Nesse quadro, é que em 2000 é criado na França, pela primeira vez no
mundo, o Secretariado de Estado para economia solidária, com caráter de
ministério. Diga-se, no governo do socialista Leonel Jospin que teve pela frente o
desafio de enfrentar o ápice do problema do desemprego e da queda de
produtividade na França, nesse contexto de crise do capital. No Brasil, é nesse
governo atual � Luiz Inácio Lula da Silva � que a economia solidária passa a ser
ação coletiva formalizada no aparelho de Estado, guardadas as distâncias
históricas, também como uma proposição de governo, até aqui, com tradição em
lutas sociais em defesa do trabalho. O que não seria absurdo sugerir, como
verficou essa pesquisa, que a economia solidária se apresenta como uma
estratégia da esquerda aos tempos de reordenamentos sociometabólicos da
sociedade capitalista e das assertivas ideológicas e políticas, motivo que realça
2 Estratégias visando respostas para esta crise vão surgir de dois lados. Em primeiro lugar, estratégias que têm sua origem na sociedade civil. Aparece uma nova militança, que, frente, à retração do emprego e à incapacidade do Estado de enfrentar a situação, tenta elaborar outras formas de trabalhar. Desde 1985, ressurge o conceito de solidariedade, não no sentido anglo-saxônico de caridade, mas numa perspectiva tipicamente francesa, numa dimensão republicana de meio de conciliação entre direitos individuais e responsabilidade do Estado. Em segundo lugar, estratégias públicas de apoio à criação de empregos financiados por fundos públicos, apoiando-se nas organizações da economia solidária, voltadas para inserção social (...). Enfim, a partir dos anos 90, a ação encontra uma forma de legitimação, mas sobretudo uma fonte de reflexão e de debates, às vezes polêmicos, graças ao interesse manifestado por parte do mundo acadêmico. Assim, a referência à solidariedade como componente indispensável da atividade econômica permitiria reconstruir uma ação coletiva mais de acordo com os ideais que constituíram a origem de uma economia social considerada por muitos militantes em via de �banalização�.� ( Anne Marie Wautier, Economia Social na França, In, Antonio David Cattani (org), A Outra Economia, Porto Alegre, Veraz Editores, 2003, p.111)
86
ainda mais o exame sobre seus sentidos e potencialidades emancipatórias, de
fato35.
Foi o interesse em entender esse universo de experiências sociais e
econômicas que motivou a elaboração desse capítulo, particularmente a
possibilidade de caracterizar seus traços sociais tendo em vista a apreciação,
posterior, da política pública que está se desenhando para o setor.
A estratégia de pesquisa adotada assumiu duas fases principais e
interligadas. De um lado, levantamento de dados sobre as experiências e, por
outro, a escolha daquelas mais elucidativas para os objetivos da pesquisa. De
imediato, percebemos que a variedade e complexidade de iniciativas nesse
campo � e, igualmente sua embrionária constituição � contavam negativamente
no sentido da realização de estudos de casos. Pouco auxiliariam para o processo
de interpretação exigido em nossos objetivos, tamanha a diversidade de práticas
consideradas nessa noção de economia solidária.
De toda forma, como a narrativa sobre o tema era (é) essencialmente
impregnada por apelo performático sobre suas virtudes � como que num rito de
convencimento para adesão � mais que explicativo das práticas mesmas,
resolvemos insistir um pouco mais e não deixar de estabelecer uma aproximação
maior com as práticas concretas desse campo, escolhendo aquelas experiências
documentadas que fossem publicamente referenciadas pelos sujeitos envolvidos
e que explicitassem informações sobre a organização do trabalho em singulares
manifestações de economia solidária. Um grande auxílio para isso, além do
levantamento e análise documental, foi a observação participante realizada em
fóruns e espaços de debates do tema organizados pelos sujeitos coletivos
envolvidos. O que incluiu seminários, encontros, reuniões e rede eletrônica como
participante de três listas centrais das discussões e constituição da economia
solidária no Brasil.
35 Vale pontuar que a história do movimento operário guarda um conjunto instigante de debates (e práticas) sobre possibilidades libertárias em experimentos próprios dos trabalhadores. A dimensão dessa tradição é tamanha que não podemos deixar de lembrar aqui obras como: 1)Aloisio Teixeira (org), Utópicos, Heréticos e Malditos, os percursos do pensamento social de nossa época, Rio de Janeiro, Record, 2002; 2) Antonio Gramsci, Antologia, México, Ed. XXI, 1978; 3) Alain Guillerm e Yvon Bourdet, Autogestão, uma mudança radical, Rio de Janeiro, Zahar, 1976; 4) Eric J. Hobsbawm, Mundos do Trabalho, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2000; 5) E.P. Thompson, Costumes em Comum, São Paulo, Companhia das Letras, 1998; 6) Rosa Luxemburgo, Reforma ou Revolução? Lisboa, Estampa, 1970; 7) Karl Marx, As Lutas de Classes na França (1848-1850), São Paulo, Global, 1986; 8) Karl Marx, O Dezoito do Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo, Moraes, 1987; 9) Karl Marx, Miséra da Filosofia, São Paulo, Ícone, 2004.
87
Com esse amparo na convivência � de caráter investigativo -, foi possível
escolher os estudos mais representativos para essa pesquisa. Como dito, o
caminho tomado foi o de recolher do conjunto da documentação levantada �
afiançada pela própria observação participante � aquele segmento de estudos
que relata resultados de pesquisas ou experiências em curso, tomados aqui como
fonte de investigação (anexo).
Quatro blocos de documentos foram organizados para análise, cumprindo
aquele critério fundamental mencionado quanto ao registro do trabalho. O
primeiro bloco é constituído pelos relatos sobre cooperativas formadas a partir de
empresas falidas induzidas ou assessoradas pela ANTEAG � Associação
Nacional de Trabalhadores de Empresas em Autogestão - e pelo estudo levado a
efeito pelo IBASE � Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas - sobre os
empreendimentos de economia solidária no Rio Grande do Sul, estado que além
de possuir maior tradição no campo do cooperativismo recebeu forte indução às
práticas de economia solidária pelos governos populares petistas nos últimos
anos. O segundo, reune os resultados das pesquisas coordenadas e animadas
pela Unitrabalho e que envolve diferentes regiões do país e áreas de produção e
serviços, possibilitando a clara identificação da heterogeneidade das práticas de
trabalho nesse universo. O terceiro bloco, aborda cooperativas de ramos
diferentes amparados por incubadoras universitárias no caso a Universidade de
São Paulo e Universidade Federal de Juiz de Fora. Em quarto, estão duas
experiências isoladas, mas não menos importantes, uma bastante peculiar no
contexto da economia solidária e referência nacional e internacional no meio, que
é a experiência do Banco Palmas; e outra, que relata estudo sobre cooperativa de
reclicagem de materiais sólidos ou lixo, área de investimento expressivo para
geração de renda nas periferias urbanas das grandes cidades do país, motivo que
levou-nos a incluir o documento nesse estudo (anexos). A expressiva diversificação jurídica, social e geográfica chama bastante
atenção nessa coletânea de práticas de economia solidária que pudemos reunir
aqui. Ramos econômicos tecnologicamente pouco especializados e outros de
maior qualificação, abrangendo tanto a área urbana quanto a zona rural. Nesse
quadro, há o contraste de regiões geopolíticas bem empobrecidas como no
88
nordeste do país paralelamente a áreas de tradição industrial de ponta como a
região metropolitana paulista (ABC paulista). Igualmente contrastante, é a reunião
de trabalhos taylorizados com aqueles essencialmente rudimentares e insalubres
como separação manual de lixo. Ou ainda, a presença marcante do chamado
novo sindicalismo e Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. O capítulo buscará
expor os elementos organizativos da produção realizada nesse campo de
experiências que nos foi possível identificar no material investigado.
2.1- RAMOS DE ATIVIDADES : AS MÚLTIPLAS EXPRESSÕES E OS CONDICIONAMENTOS SOCIAIS
Ainda que a terminologia economia solidária seja de uso diversificado, ao
atingir recentemente o estatuto de política pública passou a ser definido como
�conjunto de atividades econômicas � de produção, distribuição, consumo,
poupança e crédito � organizadas sob a forma de autogestão.� (SENAES, 2004a,
p.6)
Não obstante, é preciso que se saiba que também costuma ser usada para
designar quaisquer práticas econômicas populares que estão fora do
assalariamento formal � como comércio ambulante, pequenas oficinas, serviços
autônomos, artesanato, confecções de costura �, englobando ações que são
individualizadas e outras que agrupam pessoas, onde o sentido de coletividade
precisa ser enfocado provocando a solidariedade ali na produção da atividade
econômica, propriamente. O comum entre elas é a ausência de direitos
publicamente assegurados. Entretanto, governos e entidades civis envolvidos
estão normatizando a área e, nesse caso, a economia solidária vem sendo
entendida como uma modalidade específica de economia popular que reune
grupos em associações, cooperativas ou pequenas empresas, baseados na
cooperação e autogestão36.
Mesmo assim, é válido saber que outros segmentos sociais também a
incorporam como toda e qualquer iniciativa empreendedora desenvolvida por
desempregados excluídos do mercado com vistas a constituir seu próprio 36 Trata-se de uma ação política clara para instituição de sentidos e práticas sociais nesse universo multifacetado da informalidade, por onde é possível perceber e qualificar as respostas que esses sujeitos políticos estão agenciando no reordenamento do trabalho e do capital no mundo hoje.
89
negócio37. O campo é de entroncamento desses vários significados, muito
embora o discurso hegemônico nos fóruns articuladores dessas inciativas, e, que,
hoje, também, são abrigados no governo seja da vinculação dessas práticas
econômicas com ações coletivas autogestionárias, daí o sentido da
solidariedade38.
Nas pesquisas, em geral, se faz uso de indicadores comuns para
caracterizar se o empreendimento é solidário, apreciando as experiências a partir
da : autodenominação de cooperativa ou associação/empresa autogestionária;
distribuição igualitária ou eqüitativa dos rendimentos; gestão democrática por
meio de fóruns coletivos de tomada de decisão como assembléias, conselhos e
reuniões, bem como eleição da diretoria a partir do preceito cada homem um voto;
existência legal definida em estatutos e normas em assembléia dos associados39.
Segundo a Secretaria Nacional de Economia Solidária, esses
empreendimentos,
a) São organizações coletivas (associações, cooperativas, empresas
autogestionárias, grupos de produção, clubes de trocas, etc.),
suprafamiliares, cujos sócios/as são trabalhadores/as urbanos e rurais. Os
que trabalham no empreendimento são, na sua quase totalidade, 37 Cf.: Lia Tiriba, Economia Popular e Cultura do Trabalho: pedagogia(s) da produção associada, Ijuí, UNIJUÍ, 2001; Antonio David Cattani (org), A Outra Economia, Porto Alegre, Veraz, 2003. 38 Os elementos ideo-políticos que compõem esse paradigma de experimentações teóricas, políticas e práticas se afirmam como deconsistem em: a) difusão de valores culturais que centralizam o homem como sujeito e finalidade da atividade econômica; b) desenvolvimento de práticas de reciprocidade e espírito cooperativista; c) assunção do feminino como essencial nesse processo de constituição de uma economia sustentada na solidariedade; d) associação entre produção, distribuição e consumo, mediante investimento no desenvolvimento local, com redes de consumidores orientados por princípios éticos, solidários e sustentáveis nas suas escolhas de consumo, e, redes de comércio e preços justos; e) negação da mercantilização da natureza com sacrifício do meio ambiente e do ecosistema (terra, água, reservas florestais, animais); f) política autogestionária de financiamento responsável por meio de descentralização de moedas; comércio justo associado ao uso de moedas comunitárias, controle dos fluxos financeiros e limitação das taxas de juros; g) associação a movimentos e lutas sociais por um Estado democraticamente forte a partir da sociedade e voltado diretamente para ela; e por outro modelo de globalização que seja contra-hegemônica ao socialmente excludente em vigor; h) agenciamento de novos sujeitos políticos na prática econômica através de democratização do poder, da riqueza e do saber, e sutentada na gestão participativa sem a tutela do Estado e distanciada das práticas cooperativas burocratizadas. Ver: 1)Encontro Brasileiro de Cultura e Sócio-Economia Solidárias, 2000, Mendes, RJ, Carta de Mendes, O Girassol, Rio de Janeiro, v.1,n.1, 2001. 2) GT de Economia Solidária, Economia Solidária, Fundamento de uma Globalização Humanizadora, In, Forum Social Mundial, 2002, Porto Alegre, SEDAI, 2002. 39 A autogestão é concebida como repartição de poder e esforços para ação produtiva cooperativa visando por meio dela humanizar o trabalho e ampliar a democratização na sociedade. Não é um conceito novo na medida em que acompanha a história do movimento operário, dos falanstérios, a comuna de Paris e a revolução russa. Muito embora em tempos mais contemporâneos tenha sido
90
proprietários/as ou co-proprietários/as, exercendo a gestão coletiva das
atividades e da alocação dos seus resultados.
b) São organizações permanentes (não são práticas eventuais). Além dos
empreendimentos que já se encontram implantados, em operação, deve-se
incluir empreendimentos em processo de implantação quando o grupo de
participantes já estiver constituído definido sua atividade econômica.
c) São organizações que podem dispor ou não de registro legal,
prevalecendo a existência real ou a vida regular da organização.
d) São organizações que realizam atividades econômicas de produção de
bens, de prestação de serviços, de fundos de crédito (incluindo as
cooperativas de crédito e os fundos rotativos populares administrados
pelos próprios sócios/as trabalhadores/as), de comercialização (compra,
venda e troca de insumos, produtos e serviços) e de consumo solidário. As
atividades econômicas devem ser permanentes ou principais, ou seja, a
�razão de ser� da organização.
e) São organizações econômicas singulares ou complexas. Ou seja,
deverão ser consideradas as organizações de diferentes graus ou níveis,
desde que cumpridas as características acima identificadas. As
organizações econômicas complexas são as centrais de associação ou de
cooperativas, complexos cooperativos, redes de empreendimentos e
similares.� (SENAES, 2004a, p.7)
Como se vê, são organizações caracterizadas como de natureza coletiva,
permanente, podendo ser de estrutura singular ou complexa, e, se distribuem por
um conjunto de atividades distingüíveis como produção de bens, prestação de
serviços, fundos de crédito, comercialização e consumo solidário.
Essas práticas são reunidas como atividades econômicas em seis grandes
temas assim organizados: 1) Agricultura, Agropecuária, Agroindústria; 2)
Produção (indústria, artesanato, confecções, etc.); 3) Prestação de Serviços
(alimentação, consultoria, limpeza, serviços gerais, etc.); 4) Extrativismo (pesca,
silvicultura, exportação florestal, mineração, etc.); 5) Comercialização e Troca; 6)
Crédito/Fundo Rotativo (SENAES, 2004a).
Nessa ordem descritiva (e normativa) � que se apresenta limitada a sua
fisionomia fenômenica � estão trabalhadores desprovidos de condições sócio- metaforseado na linguagem empresarial capitalista. Cf.: Alain Guilherm e Yvon Bourdet,
91
culturais para ingresso no mercado e trabalhadores que mantém relações
mercantis via a subcontratação dentro do mecanismo de terceirização produtiva e
dos serviços. Para avançar um pouco mais na análise, é possível perceber que
essa fisionomia múltipla que possuem as atividades informalizadas � fora da
relação empregado-empregador � podem ter os contornos mais nítidos quando
as tomamos na vinculação com o capital, este entendido como relação social
preponderantemente absolutizante, por sua própria genética (MARX, 1983).
O trabalhador que não consegue ingressar no mercado formal � e toma a
vida em punho por meio dessas atividades aparentemente díspares como as da
economia solidária � mantém relações de tipos diferenciados com o capital,
porém combinados. Como vimos antes, são duas grandes vertentes: as relações
de subcontratação e as atividades de subsistência. Cada qual a seu modo
responde às necessidades contemporaneamente postas para a valorização do
capital e sua produtividade.
A subsistência, ainda que não participe da valorização do capital, se faz
através de atividades subordinadas à relação do capital, por meio das trocas que
precisam ser feitas no mercado. O trabalhador desempregado que desenvolve
atividades para seu sustento básico, conseguindo em troca pequena renda para
alimentação e cuidados elementares, por exemplo, não contribui nem direta nem
diretamente para valorização do capital, porque não lhe entrega tempo de
trabalho não pago para ser acrescido como capital. Não obstante, sua
subordinação se mantém por meio da ida ao mercado para aquisição de víveres,
objetos e serviços que se estabelecem socialmente vinculados produtiva ou
improdutivamente ao capital. Além de se constituir como exploração, na medida
em que participa da rede de reserva necessária para deixar baixo o custo de
trabalho � por isso seu desemprego -, e, também, porque acrescenta tempo de
trabalho a mais para poder chegar ao mercado; a mais que sua necessidade
elementar de consumo familiar � como o aumento da produção de hortaliças para
troca, por exemplo.
A subcontratação estabelece uma conexão com o capital que pode ser
produtiva ou improdutiva. No primeiro caso, o trabalho executado produz a
remuneração do trabalhador e, retirada essa quantia, o capital é acrescido de
Autogestão, Uma Mudança Radical, Rio de Janeiro, Zahar, 1976.
92
mais-valia que nada lhe custa. É trabalho consumido como valor de troca, seja o
operário na fábrica ou o médico na clínica particular (MARX, 2004a).
Já a improdutividade se caracteriza pela ausência de produção de capital,
sendo a relação estabelecida via rendimentos porque é uma troca de dinheiro por
trabalho e não compra de força de trabalho. É trabalho consumido como valor de
uso, o dinheiro passa de uma mão para outra e o intercâmbio se extingue aí.
Trabalhos que se realizam no âmbito da circulação são dessa natureza e são
fundamentais, por exemplo, para diminuir o tempo de retorno do dinheiro de
circulação da mercadoria para finalizar o processo de valorização. Também,
porque parte do capital criado se transforma em rendimentos movimentando o
consumo (TEIXEIRA, 1988). Malgrado a diferenciação, estão em relação de
complementariedade para produtividade, ao mesmo tempo que de subordinação
perante o trabalho efetivamente produtivo, produtor de valor40.
Com a desregulamentação do trabalho, tornou-se possível extrair
sobretrabalho sem que haja relação explícita de assalariamento, fazendo parecer
troca de equivalentes (e não exploração). E, com o crescimento dessa
informalização, amplia-se o espaço econômico tanto para trabalho produtivo e
improdutivo, quanto para aquele vinculado à subsistência. A particularidade da
economia solidária, em termos estruturais, vem sendo instituída como aquele
segmento que responde a essa corrente de forças sociais manifestada em
variadas áreas por meio do cooperativismo41. 40 Como mostra Francisco de Oliveira sobre o dualismo, o �subdesenvolvimento� é fruto da expansão do capitalismo e a informalidade igualmente (Crítica à Razão Dualista, São Paulo, Boitempo, 2003). Não, uma oposição. O mesmo abordam os estudiosos da teoria da subordinação, atestando a vinculação da informalidade a economia produtiva moderna capitalista na condição de subordinado sócio-econômico( P.R.C.Souza, Salário e Emprego em Economias Atrasadas, Campinas, Unicamp/IE, 1999). Mas, a razão dual dos liberais recompõe a dicotomia aparente com uma economia dos pobres � sobrevivência � e uma economia produtiva do capital mesmo. Mas, na prática social, conformam uma mesma organização produtiva, coexistem como unidade, com sentido para a dominação capitalista contemporânea, encontrando sua razão de ser no trabalho coletivo. 41 Nem todos os empreendimentos estão exatamente no formato jurídico de cooperativa, alguns existem como associação que se rege pelo Código Civil, que dada a abrangência, apresenta certas facilidades como por exemplo não exigir mínimo de 20 pessoas para fundação como no caso da cooperativa e, em termos poíticos, não se subordinar a Organização das Cooperativas do Brasil. Vale dizer que essa diferenciação chega a ser objeto de disputa, como no caso do SEBRAE que tende a orientar os pequenos grupos de negócios para formarem associação e, assim, manterem sua assessoria. A diferenciação entre associação e cooperativa pode variar bastante, contando para isso inclusive o fato da organização cooperativa ser ainda uma prática tradicional no país e as associações reservarem maior margem de liberdade. No caso da pesquisa no Distrito Federal o que se observou é que as associações ainda são maioria e as razões são as seguintes: � Razões econômicas: elas querem evitar as taxas obrigatórias e também desconfiam dos ganhos que poderiam obter ao pagá-las. Razões jurídicas: não reúnem um número suficiente de membros para formar a cooperativa. Razões de natureza social: história do bairro e das
93
Compreende uma trama multifacetada de práticas econômicas envolvendo
tanto o campo quanto a cidade. Nessa distinção, merece destaque a chamada
agricultura familiar com forte inserção no meio da economia solidária, como
pudemos depreender na observação participante e documentação dessa
pesquisa. Isso, significa o envolvimento das atividades de plantação, pecuária,
como também leite, laticínios e extrativismo. Atividades de pequeno porte
profundamente vulneráveis em razão da histórica concentração de terras e
monocultura no país, das características de risco que lhe são próprias pelas
intempéris da natureza e estrutura de comercialização, e, do investimento
crescente de fundos públicos na agricultura industrial no chamado agronegócios.
Esses fatores associados à depredação do meio ambiente conformam o quadro
de desvantagens do cultivo de pequeno porte no contexto rural brasileiro e que
motivam o envolvimento em torno desse tipo de agenciamento coletivo em
economia solidária42.
A agricultura familiar se caracteriza pela produção agrícola ou pecuária
realizada em pequena extensão de terra, em geral, com mão-de-obra da própria
família proprietária ou gerente do estabelecimento. Nos últimos anos, se
constituiu, também, como um movimento afirmativo e propositivo de um
desenvolvimento sustentável ecológica, econômica e socialmente. Os produtos
que criam além dos alimentos do plantio são os mais variados como conservas
vegetais, doces, geléias, mel de abelha e derivados, melado de cana, licores,
produtos de panificação, embutidos de animais, defumados, ovos, leite e
derivados.
Muitas dessas iniciativas no campo se vinculam às cooperativas rurais
envolvidas com os assentamentos provenientes de reforma agrária e do MST,
que, também, potencializam as práticas de economia solidária seja pelas virtudes
atividades (por exemplo, uma socialização religiosa propicia mais facilmente dinâmica comunitária). Assim mesmo, muitas das associações comportam-se como cooperativas, em muitos aspectos de seu funcionamento.�(Christiane Girard Ferreira Nunes, Introdução à Economia Solidária no Distrito Federal, In, Luiz Inácio Gaiger (org), Sentidos e Experiências da Economia solidária no Brasil, Porto Alegre, UFRGS, 2004.p.235). 42 Ver a respeito: Zander Navarro, Mobilização Sem Emancipação, As Lutas Sociais dos Sem-Terra no Brasil, In, Boaventura de Souza Santos, Produzir para Viver, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002; Horácio Martins de Carvalho, A Emancipação do Movimento, o Movimento de Emancipação Social Continuada, In, Boaventura de Souza Santos, Produzir para Viver, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002; João Marcos de Almeida lopes, O Dorso da Cidade, Os Sem-Terra e a Concepção de uma Outra Cidade, In, Boaventura de Souza Santos, Produzir para Viver, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002.
94
da sustentabilidade ecológica, seja para organização coletiva da produção da
terra, equipamentos e repartição do produto43.
Na realidade, o governo federal incorpora a responsabilidade de atenção a
esses novos segmentos cooperativistas populares por meio da SENAES. As
grandes cooperativas da agropecuária, por exemplo, que se associam à
estratégia do agronegócio não estão sob a proteção da SENAES. Na estrutura
federal, o cooperativismo, até então, era incluído entre as áreas de atenção do
Ministério da Agricultura particularmente do seu Departamento Nacional de
Cooperativismo (DENACOOP) , que apesar da pasta específica ali também
absorvia e absorve propostas de financiamento para cooperativas urbanas. Trata-
se de uma situação confusa no âmbito da organização do governo há várias
décadas e que o crescimento e diversidade do cooperativismo na atualidade
denuncia44.
Por outro lado, no contexto urbano chama bastante atenção as atividades
de reciclagem de materiais sólidos e artesanato como as principais áreas de
trabalho autogerido nas periferias metropolitanas45. Nessa dimensão urbana,
43 No caso do MST grande parte das 140.000 famílias assentadas organizam-se em cooperativas de produção e muitas delas estão reunidas na CONCRAB ( Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil). Ademais, em julho de 2004, num encontro dos agricultores familiares instituiu-se a Associação Brasileira de Agricultura Familiar e Economia Solidária. 44 A OIT define, em sua recomendação 193/2002, a cooperativa como �uma associação autônoma de pessoas unidas voluntariamente para satisfazer suas necessidades e aspirações econômicas, sociais e culturais em comum por meio de uma empresa de propriedade conjunta e de gestão democrática�. No Brasil, o cooperativismo se rege pela lei 5.764/71, corrigida na Constituição Federal de 1988 com a outorga de autonomia perante o Estado. O sistema cooperativo é unificado em torno da Organização das Cooperativas Brasileiras � OCB - desde a promulgada lei de 1971. Transitam na Câmara Federal variados projetos de reformulação da lei, ainda sem destino certo. O cooperativismo brasileiro até recentemente era de baixa expressão nos centros urbanos, por isso talvez a política de apoio tenha se mantido no Ministério da Agricultura voltada principalmente para as unidades rurais. Para os sujeitos políticos da economia solidária a OCB e sua prática são reconhecidas como �cooperativismo tradicional� porque acomodado a perspectiva empresarial de maior acumulação e a gestão formalista distante da democracia participativa gênese das práticas autogestionárias. Essa disjunção de interesses mostra a urgência de se pensar o cooperativismo globalmente no país de como garantir igualdade de tratamento pelo poder público para as diversas experiências existentes. Para se ter idéia da premência de se enfrentar isso basta saber que ao Sistema S destinado a educação e capacitação � à exemplo do SESC, SENAC, SESI, SEBRAE - também acorrem recursos financeiros para o cooperativismo, no caso, para a OCB através do seu Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo � SESCOOP. 45 No I Encontro Nacional de Economia Solidária realizado no ano de 2004 em Brasília, as atividades de agricultura e artesanato eram as mais concorridas nos debates � dos 1631 participantes, 430 eram envolvidos com artesanato e 279 com agricultura. O que demonstra o envolvimento desses dois ramos no âmbito das experiências e dos debates de economia solidária no Brasil. Áreas de maior valor industrial tiveram uma expressão bem mais baixa como metalurgia com somente 6 e couro e calçados com 5. No entanto, tudo indica que a dimensão urbana tende a ganhar expressão como demonstra pesquisa do Rio Grande do Sul: �... a problemática rural continua tendo uma importância significativa dentro da dinâmica econômica do Estado, mas também que as cooperativas, grupos e associações crescem nas regiões urbanas e nas grandes
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estão, principalmente, setores como alimentação, artesanato, costura, confecção,
indústria, prestação de serviços e reciclagem de lixo. O caso da reciclagem é bem
típica enquanto alternativa de geração de renda coletiva nesses anos46. Em geral,
seguem o padrão da maioria desses empreendimentos contando com estímulo e
assessoria de ONGs, igreja e órgãos públicos47.
Outro seguimento representativo na documentação analisada é o industrial,
basicamente constituído pelas empresas assumidas por trabalhadores no lastro
das falências iniciadas nos anos 1990. São as chamadas empresas autogeridas
assessoradas, em geral, pela Anteag � Associação Nacional dos Trabalhadores
em Empresas de Autogestão e Participação Acionária, criada em 1994.
Em 2000, segundo a entidade, existiam no país 65 empresas autogeridas
em diversos segmentos da indústria; empresas, já existentes no mercado e que
se transformaram em cooperativas de produção para responder ao desemprego
estrutural alargado com a abertura do mercado nesse processo de mundialização
cidades como uma opção, face ao aumento do desemprego e à crise do setor industrial. Assim, segundo os dados (...), é maior a proporção dos empreendimentos que atuam no espaço urbano (71%; para 29%, na área rural).�(Ana Mercedes S. Icasa, Solidariedade, autogestão e cidadania: mapeando a economia solidária no Rio Grande do Sul, In, Luiz Inácio Gaiger (org), Sentidos e Experiências da Economia Solidária no Brasil, Porto Alegre, UFRGS, 2004, p.33) 46 Na verdade, a primeira grande e expressiva cooperativa surgiu em São Paulo � Cooperativa dos Catadores Autônomos de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis (COOPAMARE) no final dos anos 1980. Seguida nos anos 1990 pela Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável (ASMARE) de Belo Horizonte. Em pouco tempo, essa tendência se reproduziu em outras iniciativas semelhantes nas variadas cidades brasileiras. Realizam desde o início dos anos 2000 encontros regionais e nacionais visando regular o setor e articular lutas e identidades. 47 Como se sabe, o lixo é hoje um grande problema ambiental para qualidade de vida humana e do planeta em geral, demonstrando uma das faces mais destruidoras do metabolismo do capital. As distorções no descarrego de material em desuso na produção, comércio ou vida privada tem motivado acordos políticos internacionais de frágil atenção dos governos e ações organizadas ou informais de reaproveitamento. Nesse quadro não seria oportuno desconsiderar que milhares de trabalhadores sobrantes do mercado de trabalho vivem desses despejos do consumo produtivo e improdutivo capitalista. De norte a sul do país, famílias inteiras ou indivíduos isoladamente sobrevivem junto com animais nocivos e diversas situações insalubres para coleta de alimentos para consumo próprio ou de material sólido para revenda. Num severo quadro de bárbarie humana a que a herança iluminista não poderia dar as costas. �No Brasil, são mais de 45 mil crianças trabalhando no lixo e existem pelo menos 24.340 catadores de lixo nos lixões, sendo que 22% têm menos de 14 anos de idade. Algumas estimativas projetam que o número de trabalhadores nesse segmento chega perto de um milhão (estimativa aproximada, visto a informalidade do setor). As pessoas que trabalham com o lixo estão longe do exercício de seus direitos de cidadania.� (Márcio Magera, Os Empresários do Lixo, São Paulo, Editora Átomo, 2003, p.18). A reciclagem se apresenta como uma alternativa sustentada para diminuir os problemas ambientais e fonte de ocupação para segmentos laborais. Todavia, segundo estudos, ainda se usa pouco desse recurso � ou seja se recicla pouco do montante geral de lixo � e a mercantilização no setor é bastante acentuada comandada pelas grandes indústrias como é o caso sobretudo das latas de alumínio. Para se ter uma idéia a reciclagem da lata cresceu de 45% em 1990 para 80% em 2002, o que coloca o Brasil entre os primeiros na reciclagem desse material, menos pela consciência ambiental e mais pela força centrífuga das grandes indústrias.
96
do capital. Sem condições de responder à competitividade exigida ou aos planos
econômicos dos governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, várias
empresas sucumbiram motivando essa alternativa pioneira no cenário brasileiro,
enquanto movimento, decorrente de setores do sindicalismo, da assunção pelos
trabalhadores da massa falida e transformação da produção para processo
autogestionário pelos próprios trabalhadores.
�essas indústrias estão nos mais diferentes setores de produção
(metalúrgico, metal-mecânico, artefatos de couro, cristais e vidros,
agroindústria, extração mineral, moveleiro, máquinas, transporte, plástico e
químico), dos mais diferentes tamanhos (algumas com dezessete ou até
oitocentos trabalhadores) e dos mais diferentes pontos do país ( Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Rio de
Janeiro, Espírito)�.(ANTEAG, 2000, s/p).
Para efeito elucidativo apresentam então 14 experiências, que naquela
altura haviam se constituído como cooperativas a partir da massa falida das
empresas. Segundo a entidade, por meio dessas experiências se reconstituíram
postos de trabalho através do associativismo entre os trabalhadores, viabilizando
renda e resgate da auto-estima num ambiente extremamente penoso de
desalento por desemprego e empobrecimento como esse que se constituiu a
partir dos anos de 1990.
QUADRO N. 6 Quadro de cooperativas formadas a partir de empresas falidas, por
localidade, tipo de produção e trabalhadores
COOPERATIVA ANO FUNDAÇÃO
ANTIGA EMPRESA
LOCALIDADE TIPO DE PRODUÇÃO
No. TRABALHADOR ENVOLVIDO
Cooperminas 1987 CBCA � Companhia Brasileira Carbonífera de Araranguá
Criciúma / SC Mineração de carvão
400
Bruscor 1998 - Brusque / SC Cordas e cadarços
15
Makerly (autogestionada)
1991-1995 (extinta)
Makerly (privada)
Franca / SP Calçados 482
Cooperativa Friburguense de Ferramentaria
1993 Indústria Eletromecânica
Friburgo / RJ Ferramentas Não menciona
Coopertêxtil 1994 Fábrica de Cobertores Parayba
São José dos Campos / SP
Cobertões e mantas
402
Sakai � 1995/1998 Sakai (privada � Ferraz Móveis 30
97
autogestionada (extinta) empresários
japoneses)
Vasconcelos /
SP
populares �
cozinha
modulada de
aglomerados
Coopervest � Cooperativa dos Trabalhadores de Confecções de Sergipe
1994 Villa Romana (Sergipe)
Aracaju / Se Confecção de roupas
530
Hidro-phoenix 1994 Domênico Bestetti
Sorocaba / SP Macacos hidráulicos e ferramentas semelhantes
40
Juiz de Fora Participações � Facit
1995 Facit (Sharp) Juiz de Fora / MG
Máquinas 87
Frunorte � Associação de Participação e Gestão Compartilhada dos trabalhadores da Frunorte
Década 1990 (sem referência exata)
Frunorte Vale do Assu / RGN
Fruta 178
Cooparj 1996 Indústria de Parafusos Águia
Duque de Caxias / RJ
Parafusos 28
Coopertex � Cooperativa Autogestionária Insdustrial de Trabalhadores Têxteis
1996 Indústria Têxtil Delta
São Paulo Fitas elásticas para confecções e calçados
101
Coopermambrini � Cooperativa Autogestionária dos Trabalhadores Mambrini
1997 Mambrini Indústria Mecânica e Metalúrgica ltda
Vespasiano / MG
Carroceria para caminhão e similares
40
Cootenor 1999 San Lup Têxteis ltda
Birigui / SP Tecido 21
Fonte: Anteag, Autogestão: construindo uma nova cultura nas relações de trabalho, São Paulo,
Anteag, 2000.
As experiências ocorreram em meio a processos bem acentuados de
drama social, conflito com instituições públicas e encargos financeiros. Elas,
carregavam como herança o fato de serem as primeiras iniciativas nessa direção
numa época de drástica liberalização da estrutura produtiva e comercialização
internacional e, nesse caso, são exemplares os casos da Makerly de Franca, São
Paulo, que exigiu do Sindicato dos Sapateiros e funcionários da empresa a
ocupação da sede do banco Banespa como forma de agilizar e pressionar para
que obtivessem resposta favorável ao financiamento solicitado para que a fábrica
não fechasse e passasse às mãos dos trabalhadores. Situação mais
enternecedora foi da Cooperminas, em Criciúma, Santa Catarina, em que os
98
mineiros ocuparam a estrada de ferro principal canal de escoamento do carvão no
sul do país para fazer valer acordos políticos acertados com o governo federal na
época. no sentido de garantir os empregos via liberação de recursos para o
projeto autogestionário dos trabalhadores48.
O conjunto das experiências mostra que não existe legislação e normas
públicas para amparar os trabalhadores oriundos de empresas que entram em
falência. Via de regra, ficam com meses de salários atrasados e o conjunto dos
demais direitos sem efetiva cobertura. As próprias instituições públicas tanto no
executivo como no judiciário levam um tempo bastante oneroso para responder
às necessidades que são preementes para trabalhadores em situações de risco
como essas. Por outro lado, a documentação deixa entrever como que, a passos
bem pequenos, foram conquistando a opinião pública e alianças no âmbito da
burocracia governamental para conseguir recursos visando assumir empresas
falimentares, garantir empregos e iniciar a autogestão. As experiências exibem,
também, o movimento sindical nesse processo, particularmente como o segmento
novo sindicalismo � representado pela Central Única dos Trabalhadores - foi se
revelando nesse processo como sujeito coletivo diretamente envolvido com a
efetiva busca de alternativas para o desemprego deixando sua feição mais
reivindicatória (ALVES, 2000).
As contradições desse processo social são bem manifestas. O
reordenamento do trabalho exige um tipo de inserção produtiva que não mais se
assemelha a relação empregado-empregador, situado num mesmo espaço formal
e sustentada em contrato estável. Essas vias, que começam a ser constituídas
nesses anos, aparecem como saídas defensivas para manter postos de trabalho
48 �Nessa ocupação da estrada de ferro se dá um sério confronto, pois : arrancam os trilhos e paralisam o transporte de carvão. (...) As autoridades locais insistem em tirar todos dali e recolocar os trilhos, para a passagem do carvão. São cerca de 50 mineiros com mulheres e crianças acampados sobre os trilhos. (...) Cento e oitenta homens da polícia militar cercam o acampamento, enquanto o comandante da operação ordena a retirada dos mineiros. A resposta foi imediata: pedras e paus contra cassetetes, bombas de gás de efeito moral e escudos. Em poucos minutos, mais de 1 mil mineiros se aglomeram no bairro Pinheirinho. A política recua e negocia. (...). O acordo foi traído. Por volta das 4 horas dessa mesma madrugada, os mineiros que haviam permanecido no acampamento são alertados por moradores de que haviam policiais por todo o bairro. Instantes depois, 600 homens da Polícia Militar desalojam violentamente as famílias (...). Por volta das 8 horas da manhã, havia cerca de 2 mil mineiros, de várias empresas, em Pinheirinho. O pacato bairro vira palco da maior batalha campal já ocorrida em Criciúma. (...). Uma nova delegação de mineiros se dirige para Brasília, onde, novamente, foram realizados inúmeros contatos mal sucedidos. Isso foi determinante para a decisão de acampar em frente ao Ministério da Indústria e Comércio (...). Conseguem, finalmente, um documento assinado pelo presidente da República, José Sarney, que garantia recursos (...)� (Anteag, Autogestão, construindo uma nova cultura nas relações de trabalho, São Paulo, Anteag, 2000, p.34)
99
� muitas vezes em lutas aguerridas perante empresários e governos � e, passo a
passo, vão tomando a forma de estratégia contínua de inserção nesse universo
flexibilizado, passando a manifestar maior coerência para as elites econômicas e
políticas, e, menor resistência social. De outro lado, para segmentos dos
trabalhadores, a alternativa criada então é aproveitar o possível para agregar os
trabalhadores visando coletivizar a experiência de trabalho49.
Na realidade, os trabalhadores assumem esses projetos com um grande
ônus, pois, em geral, abrem mão de passivos trabalhistas ou investem os
recursos recebidos nessa aventura no mercado. Houve casos em que os
trabalhadores assumiram as dívidas da empresa como foi a situação da Sakai,
em Ferraz de Vasconcelos, São Paulo, o que levou a própria falência da
cooperativa posteriormente:
A doação da empresa para os empregados, com a alteração do contrato
social, fez com que os trabalhadores herdassem todo o passivo da Sakai,
muito maior do que o ativo. As enormes dívidas com fornecedores e
bancos, os vários pedidos de falência e principalmente a dívida trabalhista
da empresa, ameaçavam o sucesso da nova Sakai autogestinária.
(ANTEAG, 2000, p.73)50.
Grosso modo, foram processos que envolveram mobilização dos
trabalhadores enquanto grupos de empregados isolados ou amparados pelos
sindicatos visando recuperar os postos de trabalho. Todavia, também existem
49 O trabalho assalariado no modelo fordista nunca fora saudável ao trabalhador com a segmentação, repetição das linhas de montagem e externalização do trabalho de concepção. Muito menos a informalidade, baseada na exploração estensiva sem mediação regulatória pública. Mas, de alguma forma nesses tempos a luta política dos trabalhadores expunha conflitos e possibilidades de negociação em relações de trabalho que podiam se especificar com maior claridade, o que em si colocava a possibilidade de algum controle e alguma vantagem ao trabalhador. Nessa subjugação dos trabalhadores e suas entidades representativas, passa-se para a construção de formas de trabalho que garantam sobrevida aos trabalhadores, em condições de fragilidade política, por isso passam tendencialmente a se envolver com alternativas que se adequam ao contexto necessário ao capital. Com o agravante de que aderem a essas alternativas � muitas vezes as únicas possíveis é bem verdade, se pensarmos em termos de efetiva condição de sobrevivência para não fenecerem em hordas de trabalhadores -, com o problema de a tomarem como viabilidade para conquista do socialismo, como via para desmontar o capitalismo por dentro criando sua própria morte, num tempo que é de fato de supremacia do capital com altos índices de produtividade, expansão e concentração de riquezas. As contradições teóricas e políticas desse destino são expressivas, e, já vistas por Marx no debate com Proudhon ( Karl Marx, Miséria da Filosofia, São Paulo, Ícone, 2004) 50 �Com a dolorosa experiência da Sakai foi formulada uma regra na Anteag: os trabalhadores não devem nunca assumir o passivo das empresas. A orientação é deixar que a falência aconteça e negociar com o juiz e o síndico da massa falida a retomada das atividades, buscar financiamento para comprar as máquinas ou trocá-las pelas dívidas trabalhistas e, só então, entrar novamente nos galpões para trabalhar.� (Anteag, Autogestão, construindo uma nova cultura nas relações de trabalho, São Paulo, Anteag, 2000, p.75)
100
casos de constituição de cooperativas por indução dos próprios empresários
proprietários como a Coopertex de São Paulo:
A grande verdade é que, muito embora a Cooperativa Autogestionária
Industrial de Trabalhadores Têxteis tenha surgido dos funcionários da
Indústria Textil Delta, a idéia partiu mesmo do ex-patrão. Empresa familiar,
a Delta, em 1993, começou a enfrentar dificuldades financeiras e deixou de
pagar impostos. Em 1996, o dono, acreditando que esta seria a grande
solução, lançou a idéia de criar uma cooperativa para reduzir custos, e,
realmente reduziu. Os trabalhadores foram convencidos de que perderiam
os direitos trabalhistas, mas ganhariam bem mais. A mudança foi feita em
clima de coação e de ameaças, porque o dono só apontava duas
alternativas: ou se formava a cooperativa ou seria obrigado a fechar as
portas, encerrar as atividades e todos ficariam desempregados. Foi então
criada a cooperativa para a qual se terceirizou a produção. A Delta
continuou existindo, mas a cooperativa passou a deter 99,99% da
empresa. O processo era o seguinte: a Delta comprava a matéria-prima,
entregava para Coopertex produzir e depois comercializava. Durante um
ano foi esse o sistema que funcionou. Em 1997, o dono chamou os
trabalhadores e fez a seguinte proposta: quero que vocês assumam o
controle da empresa como um todo, incluindo o ativo e o passivo ou vamos
encerrar nossas atividades. A Coopertex assumiu o passivo e o maquinário
obsoleto (...) (ANTEAG, 2000, p. 121/122)
De fato, aquilo que poderia ser considerado exceção � constituição oficial
de estrutura empresarial para burlar direitos trabalhistas - passa a ser permitido
nesse universo da desregulação do trabalho. Permissão instituída legalmente no
Governo Fernando Henrique Cardoso, por meio da lei 8949 de 1994 que
estabeleceu que não existe vínculo empregatício nessas relações
cooperativas/associados e a empresa que contrata serviços; lei do contrato
temporário de trabalho de 1998 e projeto de lei 5843, de 2001, que altera o artigo
618 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Demonstrando, a ação decisiva
do Estado como indutor dessa ressignificação do trabalho � ou seja, como as
101
mudanças nas relações de trabalho ocorrem com a ação decisiva do Estado,
tendo o cooperativismo como um dos focos de atenção51.
Como dito antes, o cooperativismo como prática social possui histórias bem
diferenciadas no mundo. Na maioria dos países de tradição industrial as
cooperativas nascem no século XIX, vinculadas a idéia de suprir as debilidades
deixadas pela economia de mercado, com o que se convencionou chamar,
sobretudo, na Europa, de economia social52. Recentemente, a OIT definiu, em
sua recomendação 193/2002, a cooperativa como �uma associação autônoma de
pessoas unidas voluntariamente para satisfazer suas necessidades e aspirações
econômicas, sociais e culturais em comum por meio de uma empresa de
propriedade conjunta e de gestão democrática�. Essa é uma conduta internacional
dos órgãos oficiais transnacionais e instituições financeiras multilateriais, indicada
para contornar a crise do emprego e para responder às necessidades da
acumulação flexível53.
A modalidade economia social � embora, nem tenha se constituído como
uma tradição no Brasil� pode ser reconhecida nas primeiras experiências de
institutos e caixas de assistência, saúde e aposentadorias, ou em experiências de
associações e cooperativas operárias que não se desenrolaram com grande
51 TEM (Cf.: CUT. A Ameaça a Redução de Direitos Sociais de Todos os Trabalhadores, Brasília, Senado Federal, CUT, 26/02/2002, Mmeo.).) 52 �Os movimentos operário, anarquista, cristão e socialista (utópicos e reais) propugnavam e organizavam ações de interesse comum, como cooperativas, mutualidades e associações, que desempenhavam funções produtivas, de consumo e de interajuda em situações de vulnerabilidade (mortes, doenças, desemprego), querendo com isso responder à indiferença do mercado capitalista. Na França, por exemplo, em resposta ao liberalismo econômico do século XIX, lutas sociais desencadearam a criação e a regulamentação das cooperativas (1867), dos sindicatos (1884), mutualidades (1898) e das associações (1901). Hoje, considera-se a economia social francesa solidamente constituída empregando 1,7 milhão de trabalhadores, 7,7% do emprego nacional. Por outro lado, a partir do fordismo e keynesianismo, pós-Segunda Guerra Mundial, parte desse apoio dos trabalhadores passou a ser direito social e responsabilidade pública estatal � quando não extinguiu, subordinou as mutualidades e associações à condição de quase aparelho do Estado. Nos países em que se celebrou esse arranjo, como a França, de maneira geral, as cooperativas também sucumbiram a uma maior formalização, diminuindo a motivação inicial em torno da solidariedade de classe e adequando-se às exigências da competitividade da economia de mercado com a modernização das forças produtivas, ampliação das estruturas organizacionais e burocratização das práticas participativas.� (Rosangela Nair de Carvalho Barbosa, O Cooperativismo, Ocupação e Renda em Portugal, Revista Serviço Social e Sociedade, n.80, São Paulo, Cortez, novembro de 2004) 53 No estudo que realizei sobre o cooperativismo em Portugal pude constatar ser o cooperativismo uma tática de investimento da União Européia na estratégia maior em torno do empreendedorismo. Para isso, abriu nesses anos 2000 fundo estrutural de investimento para subsidiar financeiramente programas nacionais, instituiu o Estatuto da Sociedade Cooperativa para regular os negócios no continente e a Universidade Cooperativa Européia para formação e pesquisa na área. (Rosangela Nair de Carvalho Barbosa, O Cooperativismo, Ocupação e Renda em Portugal, Revista Serviço Social e Sociedade, n.80, São Paulo, Cortez, novembro de 2004)
102
lastro em nossa história. As práticas que permaneceram por mais tempo foram
acomodadas à sombra do Estado autoritário pós-1930, que, como no caso do
atrelamento dos sindicatos, ampliou a vigília também para outras iniciativas
operárias. Segundo GOMES (1988), na realidade, na esfera urbana o
associativismo em torno da mutualidade, solidariedade e cooperação se constituiu
como forte elemento de disputa política perante a incipiente classe operária,
acabando por interessar mais como contraposição às lideranças sindicais, no
embrionário trabalhismo brasileiro, do que por virtudes conflitivas e de resistência
(FAUSTO, 1977). No campo, foi principalmente o cooperativismo que ganhou
maior expressão, como parte do projeto urbano-industrial no sentido de facilitar e
baratear o abastecimento das cidades � da reprodução dos trabalhadores � como
mecanismo de agrupamento de pequenos produtores para crédito agrícola, mas
que só encontra grande fôlego no projeto dominante do pós-1964 que subordina
as cooperativas à grande empresa agrícola - o agronegócio que ganhou
expressão entre nós nas últimas décadas (MENDONÇA, 2002).
Resulta desse quadro, uma experimentação cooperativista entrecortada
com a estrutura de poder dominante e menos afeita às lutas sociais dos
trabalhadores. Enquanto proposição de experiência econômica sustentada por
ação coletiva dotada de valores questionadores da vida capitalista, a prática
autogestionária ganha espaço, no país, no curso do processo de
redemocratização, a partir dos anos de 1980, e, sob a ascendência dos
chamados novos movimentos sociais e, posteriormente, com a participação das
ONGs (ALVAREZ, 2000; SADER, 1988). Já no formato de economia solidária,
como começava na França nos mesmos anos, muitas vezes se articulando com
forças sociais ligadas ao trabalho e também mantendo vínculos com as questões
geracionais, étnicas, ecológicas e de gênero54.
54 É bem verdade que na América Latina já se falava nessa época de uma economia popular (1) Luís Razeto, Economia de solidaridad y mercado democrático, Santiago, Chile, PET, 1985, V.2; 2) J.L. Coraggio, Desarrollo humano, economía popular y educación, Buenos Aires, Instituto de Estudios y Acción Social /Aique Grupo, 1995) que agregava as variadas atividades fora do assalariamento formal � fora das relações de trabalho contratuadas e de proteção social, com que grande contingente de trabalhadores ia fazendo a vida acontecer por meio de comércio ambulante, pequenas oficinas, serviços autônomos, artesanato, confecções de costura, entre outros. O que em muitas formações sociais do continente refletiam o sempre perverso e concentracionista processo de exploração periférico que se manteve rentável ao capital internacional exatamente pela condição de informalização das relações de trabalho e contingenciamento de hordas humanas no limite da auto-subsistência. A estrutura de dominação no Brasil é um exemplo típico, sobretudo se considerar a envergadura de sua potência econômica e desenvolvimento tecnológico quando comparado a maioria do continente (Florestan Fernandes,
103
Quando esses sujeitos políticos envolvidos com os novos movimentos
sociais emergem com essa narrativa da economia solidária, já havia articulação
política em diferentes pontos do país, colocando em questão interesses que, até
então, estiveram em jogo para segmentos envolvidos com as lutas sociais
tradicionais do trabalho como os sindicatos do chamado �novo sindicalismo�, a
maior central sindical brasileira - CUT -, o MST e outros segmentos implicados
com históricos enfrentamentos políticos por liberdade, democracia e justiça social
na Igreja Católica � particularmente, a Teologia da Libertação -, intelectuais e
universidades.
O cooperativismo ganha expressão, agora, como alternativa ao
desemprego e à informalidade fragmentária. Mas, não qualquer cooperativismo.
As narrativas são claras ao estabelecerem uma cisão entre o que propõem e a
tradição cooperativista brasileira em torno da OCB. A diferenciação estaria na
verticalização da prática política cooperativista, distante da dinâmica democrática
e participativa.
Esse novo cooperativismo, igualmente questiona a reprodução de
cooperativas de trabalho enquanto alternativa de fachada para empresas ou como
arremedo de agregação de trabalhadores para terceirização, como naquele
depoimento da cooperativa formada a partir da empresa Delta que vimos atrás.
A proposição sobre o novo cooperativismo abraçado na economia solidária,
traz um limitador na análise, pois, apesar da validade tática de se pensar a
coletivização de experiências de trabalhadores informais de modo a tentar ampliar
o poder de barganha na estrutura econômica no mercado, não elimina o
antagonismo, o conflito de classe transformando trabalhador em empreendedor
coletivo, porque há a ilusão da propriedade. Não é a propriedade coletiva a
definidora, mas a relação do tempo social de trabalho com as necessidades do
capital. Por sua vez, o efeito da solidariedade é limitada a pequenos grupos, não
compondo a organização coletiva do trabalho na sociedade. O que pudemos
evidenciar marcadamente na pesquisa, é que há, por um lado, claro limite de
percepção teórica a respeito das relações sociais que atravessam as cooperativas
e, por outro, uma vasta complexidade social na tenra experiência acumulada até
aqui. A Revolução Burguesa no Brasil, 3.ed., Rio de Janeiro, Guanabara, 1987; Francisco de Oliveira, Crítica à Razão Dualista, São Paulo, Boitempo, 2003).
104
Em termos descritivos, os estudos demonstram que os motivos para
escolha dessa alternativa de trabalho ao mesmo tempo que são os mais variados
em todo país, são também comuns à cinco grandes categorias motivacionais.
1-A partir de terceirização: a motivação inicial para criação se dá a partir de
uma empresa que quer terceirizar uma determinada área da produção,
geralmente demitindo empregados da própria empresa e recontratando-os,
através de cooperativa.
2- Organização feita através de associações: a partir de empreendimentos
sem fins econômicos (como associações de deficientes auditivos), o grupo
se organiza também em atividades de geração de renda.
3- Mobilização inicial feita pela Igreja ou Estado: geralmente ligadas a
projetos sociais e comunitários. Estes empreendimentos surgem a partir da
iniciativa dessas instituições, que geralmente oferecem uma estrutura
física, verbas e assistência técnica. Muitas vezes elas ajudam a construir a
própria identidade do grupo e, não raro, tornam-se uma referência para ele.
4- Através de processos de mobilização social e lutas populares:
contingentes de trabalhadores ou desempregados lutam para ter acesso ao
trabalho a aos meios de produção, e conseguem o direito de iniciar ou
continuar suas atividades.
5- Através da organização espontânea de grupos: opção pelo sistema
autogestionário como o mais adequado para criação da empresa. As
cooperativas de trabalho que se formam sem a influência específica da
terceirização de uma outra empresa são um bom exemplo. (CARVALHO e
PIRES, 2004, p.194-195)
São motivações que, embora não revelem a essencialidade dos sentidos
dessas práticas do trabalho autogerido, como vimos abordando, apontam
mecanismos importantes de mediação extremamente funcionais para realização
daquela, como o papel indutor de entidades civis e órgãos públicos.
As evidências da pesquisa mostram que o contexto sócio-político e a ação
de agentes externos como governos locais são extremamente decisivos para
constituição e reprodutividade das experiências. Exemplo disso é a região
metropolitana industrial paulista (ABC), espaço urbano tradicional do segmento
industrial e, também, da formulação de lutas operárias e identidades coletivas
105
decisivas na recente transição democrática brasileira e na reelaboração de lutas e
consensos em torno de direitos sociais no país. Nessa espacialidade se forjaram
experiências de governos locais populares com expressão tanto no âmbito do
executivo quanto do legislativo. As políticas e programas sociais desenvolvidos
pelas prefeituras locais, além de trazerem essa expectativa de centralizar a
administração nos direitos sociais, humanos e na participação popular, engendrou
iniciativas para atenuar os problemas do desemprego que durante as décadas de
1980 e 1990 já eram marcados pelo reordenamento produtivo de âmbito mundial
como se sabe, com sérias conseqüências sociais para essas cidades
profundamente dependentes da tradicional estrutura industrial55.
O que se percebe no material investigado, é que a ação indutora ou o
testemunho de experiências bem sucedidas possibilita a construção de novos
laços suplantando o que fora esgarçado com o desemprego e a destituição do
trabalho assalariado no formato conhecido. Essas práticas econômicas
proporcionam a recondução da experiência individualizada para iniciativas
coletivas deslocando-se de saídas individualistas, contando para isso com forte
indução externa no ponto de partida, como o caso das incubadoras (ITCPs)56.
Todavia, os estudos acumulados mostram que é preciso mais de um grupo de
desempregados e/ou um curso de capacitação oferecido pelo governo em
programas de qualificação para que empeendimentos dessa natureza se
viabilizem concretamente. Uma prática de experiência comum geradora de
confiança entre os indivíduos em tempos de escassez e de abundância de
trabalho costuma ser relacionada como fator extremamente positivo nessa 55 As ações sistemáticas da Prefeitura de Santo André desde 1996 envolviam �iniciativas como o programa de geração de trabalho e renda, que se articula por um conjunto de ações tais como: formação e requalificação profissional mediante a instituição de centros de formação e qualificação profissional, bolsa-emprego, programa do primeiro-emprego, voltado ao segmento juvenil da cidade, banco do povo e a instalação da incubadora de cooperativas de serviços e produção�(Elmir Almeida e outros, A Participação Efetiva e a Conquista da Autonomia, Luiz Inácio Gaiger (org). Sentidos e Experiências da Economia Solidária no Brasil, Porto Alegre, UFRGS, 2004, p.180). 56 Os estudos sinalizam também haver complicadores nessa relação visceral com as assessorias e incubagens pela possibilidade de limites a autonomia do grupo, oscilando as experiências entre a tutela e o apoio muito efetivo ao empreendimento, a exemplo da experiência de incubagem da prefeitura de Santo André que segundo pesquisa não vislumbrou essa autonomia ainda como realidade efetiva (Elmir Almeida e outros, A Participação Efetiva e a Conquista da Autonomia, Luiz Inácio Gaiger (org), Sentidos e Experiências da Economia Solidária no Brasil, Porto Alegre, UFRGS, 2004, p.185.
106
direção. Dimensão relacionada como superadora das fragilidades dos programas
de qualificação governamentais que não geram atividade produtiva, pela ausência
dessa possibilidade coesiva.
A motivação via trabalho comunitário é bem marcada na trajetória da
Coomute (Cooperativa de trabalho constituída por mulheres da periferia urbana
de Recife). Foi criada em 1994 com apoio de uma organização não
governamental Coletivo Mulher que visava abordar com as mulheres da
localidade problemas como violência doméstica. Desse ponto inicial, expandiram
para o debate da questão da saúde, das relações com os maridos, da educação
dos filhos e do trabalhos das mulheres. Nesse movimento, chegaram ao problema
da baixa renda e do desemprego entre as participantes, motivo que impulsionou a
criação da cooperativa para prestar serviços de limpeza e conservação. A forma
cooperativa decorreu da necessidade de estabelecer relação jurídica com os
clientes. Recebem apoio de uma organização religiosa alemã que proporcionou a
compra das instalações atuais da entidade. O perfil é de mulheres de 18 a 50
anos com grau de instrução que varia entre analfabetismo e ensino médio
incompleto. Um quadro social repetitivo nas periferias metropolitanas do país,
onde essas associações e cooperativas estão sendo criadas: mulheres na fase
adulta e com baixa escolarização.
Na experiência mineira ressalta-se como fator motivador para criação de
novos empreendimentos solidários, o testemunho de outras práticas: �a existência
de um Empreeendimento Economia Solidária (ou mais), no ramo ou na região que
apresenta sucesso econômico e solidariedade entre os membros, converte-se em
fator decisivo na motivação para construção de novos Empreendimentos de
Economia Solidária� (CARVALHO E PIRES, 2004, p.191). Como se, por meio
daquele exemplo, trabalhadores desgarrados do mercado assalariado fossem
testemunhando outro percurso social.
De fato, o testemunho de outras experiências é tomado como agente
indutor de novos grupos de autogestão como pudemos confirmar em depoimentos
nos eventos em que se fez observação participante nessa pesquisa. A presença
de uma experiência na região de moradia ou no campo econômico a que se está
envolvido, e sua efetiva reprodutividade como opção perante a desocupação,
anima outros trabalhadores desempregados ou em outras situações de trabalho
precarizantes a se interessarem pelo trabalho associado dessa natureza.
107
De Pernambuco, temos a Roupagem , uma cooperativa de costureiras
criada a partir de um
golpe da antiga empresa (ZC Confecções) contra seus empregados e
fornecedores. A então proprietária fugiu do estado, levando consigo as
máquinas e deixando uma dívida acumulada, relativa ao pagamento do
último mês de salário, décimo terceiro dos empregados e demais encargos
trabalhistas, além de indenizações por demissão dos empregados.(....) Os
empregados (...) com o apoio da Polícia Federal, conseguiram enterceptar
a carga (...). Vitoriosos, conseguiram reorganizar a empresa com quarenta
e cinco empregados (dos cinquenta e cinco anteriores) que acreditaram na
idéia de formar uma cooperativa. ( JESUS, 2004, p. 301).
Como vimos, a criação de cooperativas como subterfúgio para diminuição
de custos produtivos é também um motivador, ainda mais estimulado pela
descentralização e terceirização produtiva. A liberalização das relações de
trabalho fez com que as cooperativas de trabalho fossem autorizadas no Brasil
com a inclusão na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1994. Com este
dispositivo, o cooperativado e a cooperativa foram autorizados à prestarem
serviços a uma empresa sem configurar vínculo empregatício. Hoje, segundo a
OCB, esse tipo de trabalho já representa 7% da força de trabalho e se afigura
como o ramo cooperativado que mais cresce no país.
A pesquisa sobre economia solidária no Distrito Federal, mostra
exatamente a expressividade desse crescimento na região, pois em 1990 existiam
somente 20 cooperativas e em 2004 somavam 100 cooperativas legalizadas.
Embora seja um número menor que do resto das regiões do país é um
crescimento expressivo, confirmando a cooperativa como uma alternativa efetiva
para os que vivem do trabalho e não encontram emprego.
De baixa expressão numérica ente nós, as cooperativas, envolvendo
especificamente população com necessidades especiais como deficientes e
usuários de serviços de saúde mental, tem se apresentado como uma via de enfrentamento das peculiaridades desses segmentos no contexto do trabalho.
Experiências internacionais apontam as cooperativas como uma via bem
sucedida no campo dos direitos humanos e, no Brasil, as práticas nessa área têm
crescido bastante principalmente em discussões no âmbito do setor de saúde
mental do Ministério da Saúde ( DAKUZAKU, 2003).
108
De modo geral, as atividades de trabalho autogerido abarcadas na
economia solidária crescem nesse quadro de desemprego travestida no discurso
empreendedor de autonomia, independência e espontaneidade, no entanto, são
paradoxalmente fruto da ação indutora do capital, dos governos, ongs, igrejas e
movimento sindical57. Em primeiro plano, formatos redimensionadores da
exploração do trabalho e, em segundo plano, com apoio público efetivo sob a
ambígua argumentação da requalificação da informalidade para o plano dos
direitos sociais e da organização coletiva dos trabalhadores. Por onde se constrói
institutos e mecanismos mediadores de legimidade intelectual e moral58.
Em todas essas iniciativas, o trabalho de incubadoras, entidades religiosas
e ONGs mantêm-se como fortes impulsionadores dos empreendimentos,
sobretudo, em ações vinculadas à situação de pobreza como bem demonstra o
relato da experiência da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), tendo em vista, inicialmente, o
interesse em desenvolver atividade extensionista na periferia da cidade, o que
redundou em trabalho de geração de renda (HECKERT, 2003). A pioneira ação
da Cáritas do Brasil, ainda na década de 1980, é exemplar a esse respeito e
seminal no processo de constituição e articulação de sujeitos políticos e
constituição desse campo da economia solidária59.
A ambiguidade é uma marca acentuada nesse universo de debates e
práticas. Para uns o trabalho autogerido é antecipação do socialismo porque 57 A pesquisa de Minas Gerais mostra um caso bem elucidativo dessa trama de indução para o trabalho autogerido, no caso diretamente por sindicato: �é uma empresa do ramo metalúrgico, localizado na região metropolitana de Belo Horizonte. Surge em 1997, quando da falência da empresa na qual os atuais cooperados trabalhavam, através de acerto judicial e do pagamento dos benefícios trabalhistas devidos, os quais foram pagos com as máquinas e imóveis da empresa. Durante este processo, de negociação e luta para receberem os direitos trabalhistas devidos, houve uma grande atuação do Sindicato dos Metalúrgicos da região, que ajudou na mobilização dos trabalhadores e os assessorou no tocante às questões legais. O sindicato foi também o elo de ligação com a Anteag, que auxiliou os trabalhadores na organização de uma cooperativa. No processo, os trabalhadores se dividiram e formaram três diferentes cooperativas, de acordo com os três diferentes tipos de produtos fabricados na empresa anterior.� (Ricardo Augusto Carvalho e Sanyo Drumond Pires, Para Além dos Aspectos Econômicos da Economia Solidária, In, Luiz Inácio Gaiger (org), Sentidos e experiências da economia solidária no Brasil, Porto Alegre, UFRGS, 2004, p.212/213) 58 Isso não é de todo desconhecido ou indeterminado estruturalmente na medida em que a flexibilização do trabalho nessa expressão da informalidade cresce a par com a desregulação social, dando mais liberdade ao capital. 59 Ver: Ademar de Andrade Bertucci e Roberto Marinho Alves da Silva (org), Vinte Anos de Economia Popular Solidária, trajetória da Cáritas Brasileira dos PACS à EPS, Brasília, Cáritas Brasileira, 2003.
109
sustentado em valores anticapitalistas, numa visão bem voluntarista do trabalho
(SINGER, 1999). Outros, como OLIVEIRA, sinalizam um período transitório �a
construção de espaços de contraponto para práticas diferenciadas de �trabalho�
não poderá estar (ainda) definitivamente desvinculada da esfera da grande
circulação, construída pelo e para o capital para atender suas necessidades de
expansão� (2004, p.328). Para esse autor, o que contribuirá nessa direção é o
amadurecimento e expansão de experiências solidárias; solidariedade aqui
entendida como controle efetivo dos meios de produção pelos produtores
associados e articulação entre os vários trabalhadores e experiências, na disputa
com o capital.
Por outro lado, a ambigüidade inerente a esse universo da economia
solidária confunde a possibilidade de uma organização voluntária do trabalho.
Ainda que atenue efeitos destrutivos do capital sobre o trabalho - o que não é
pouco -, a dubiedade teórica e política concreta pode confirmar a força
totalizadora dominante do capital. Se assim o é, que fique explícito: se trata de
uma opção no contexto das novas diretrizes do capital sem horizonte de futuro
altermundista definido a priori. Entender isso, coloca-se como essencial para
construir táticas de enfrentamento com as grandes empresas no mercado,
condição de sobrevida das pequenas unidades econômicas.
Reforçando: a informalidade ou o trabalho não assalariado tende a se
tornar mais essencial ao sistema capitalista, o que vem modificando o próprio
trabalho coletivo com maior segmentação do processo de trabalho. Uma mudança
que se faz na forma como se realiza o essencial que continua determinante � a lei
do valor. 2.2- ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO: AUTOGESTÃO E MERCADO
O mesmo caráter múltiplo e heterogêneo que marca a estruturação formal
da economia solidária se prolonga nas práticas de organização e gestão produtiva
e do trabalho. Variáveis como partilha democrática da gestão e dos resultados do
trabalho � definidoras desse universo de práticas econômicas baseadas na
solidariedade � são de experimentação muito diversa60.
60 Há diferenças que ainda não são realçadas nos estudos para maior profundidade a respeito do tema, como as lógicas próprias de cooperativas de produção, de serviços e de trabalho. Via de regra, são abordadas como experiências comuns.
110
Evidencia-se, no material consultado, duas ordens de questões
concorrentes aí. Primeira, a inserção na estrutura econômica que faz com que o
empreendimento de economia solidária tenha maior ou menor vinculação com a
economia mercantil. Segunda, a fragilidade da experiência cooperativista na
formação dos trabalhadores brasileiros. Vejamos cada qual ao seu tempo.
Não existe uma cadeia produtiva autonôma de economia solidária. Rara é
a experiência nessa órbita. Nem os trabalhos menos especializados se
desvinculam da cadeia formal, seja para obter matéria-prima no mercado, seja
fazendo o produto ou serviço circular naquele. Por isso, sua lógica organizacional,
ritmo produtivo e custo tende a ser comandado de fora, pelo mercado. A margem
de autonomia é pequena ou inexiste nos casos em que o empreendimento tem
viabilidade econômica para se manter enquanto tal.
Como afirma CRUZ-MOREIRA, a respeito do setor de confecções, as
cooperativas não têm governança sobre o trabalho. A segmentação e
subcontratação são realidades vivas envolvendo empresas estrangeiras e
nacionais do setor � como Levi�s e Staroup � que realizam efetivamente o
comando da cadeia produtiva. Em geral, são cooperativas constituídas por
mulheres sem formação escolar que garanta competitividade, desempregadas ou
que nunca se inseriram em trabalho formal e sempre mantiveram uma relação
artesanal de costura no bairro. Esses condicionantes, fazem com que as
cooperativas se limitem ao trabalho parcelar demandado pelas empresas,
quase nunca realizam sequer o corte dos tecidos ou o desenho original
das peças. As empresas mantêm as governanças (poder de decisão,
controle e organização da cadeia produtiva) do negócio � design,
comercialização, mercado e distribuição � e às vezes o controle e a
supervisão da produção nas cooperativas. (CRUZ-MOREIRA, 2003,
p.212).
Isso, tem se reproduzido exponencialmente por conta do desemprego e
empobrecimento, particularmente em razão dos �muitos programas
governamentais e de ONGs (que) realizam cursos de corte e costura,
aumentando o contingente de mulheres que �sabem costurar um pouquinho� e
que não constituem em si mão-de-obra especializada� (CRUZ-MOREIRA, 2003,
111
p.212), logo sem condições de subverter essa lógica produtiva extremamente
subserviente.
O que só reforça a ambigüidade das estratégias nesse segmento de
economia popular que, por um lado, se concentra nas possibilidades de disputa
no mercado, vislumbrando, a longo prazo, ações inovadoras que levem tecnologia
e recursos para conquista autoral de nichos de mercado mais competitivos pelas
cooperativas, de modo a melhorar renda e subverter o quadro de pobreza.
Associadamente aos anseios de que essas atividades se deem em modelo
cooperativo superador da cultura do trabalho capitalista.
Esses limites das cooperativas no contexto sócio-econômico são bem
marcados a depender do que também conclui MAGERA em sua pesquisa a
respeito das cooperativas de reciclagem de lixo incapazes de mudar o panorama
de exploração dos catadores de lixo pelos sucateiros e grandes indústrias.
mesmo os catadores formando cooperativas para fugirem da exploração
econômica, esta continua, porque as indústrias que compram os materiais
reciclados são poucas (formam um mercado oligopsônio), exigem grandes
volumes para negociarem e estes volumes só são alcançados, muitas
vezes, por sucateiros que estão há mais tempo no mercado e financiados
pela própria indústria (MAGERA, 2003, p.133).
O sucateiro é que tem a infra-estrutura necessária como equipamentos
mínimos do tipo balança, prensa, triturador, caminhões, galpão, telefone, capital
de giro.
cooperativas estudadas precisam, no final do mês, distribuir rendimentos a
seus cooperativados que deles precisam para sobreviver. Esta situação
leva as cooperativas a venderem seus produtos a um preço muitas vezes
abaixo do que aquele pago no mercado e, considerando-se o fato de que
não conseguem acumular volume maior para venda pois não possuem
espaço para isso, compreende-se por que as cooperativas ficam nas
�mãos� dos sucateiros e indústrias controladoras deste mercado. (Ibid,
2003, p.133).
Demonstrando que as cooperativas não tem condições e nem poder de
barganha para estipular preço do material, pois, além de contar com concorrente
superior no mercado, os meios de trabalho são praticamente inexistentes ou
muito depreciados. A concorrência entre catadores dispersos é acentuada e o
112
grupo ainda conta com pouca formação escolar que lhe garanta maiores
informações, além de estar bem distante do acesso às necessidades urbanas
elementares fragilizando-se política e culturalmente nessa disputa no mercado.
Possuem pouca informação sobre autogestão de cooperativa e, via de regra, a
prática se assemelha a relação encarregado/empregado, com razoável
desconhecimento dos cooperados sobre os preços, custos e vendas do material.
A relação subordinada no mercado dificulta bastante o trânsito desses
empreendimentos perante as empresas que detém as rédeas mercantis. E, essa
subordinação pode variar dentro do próprio grupo, pois, segundo pesquisa do
Distrito Federal, cooperativas inseridas em bons nichos de mercado tendem a
deter maior poder de negociação, como as organizações de informática ou
agroexportação. Ou, como no caso da cooperativa Roupagem de Pernambuco
que manifesta uma prestigiosa sustentação econômica, mas seus clientes
continuaram os mesmos da empresa anterior, e, isso tudo, teve forte incentivo da
Indústria Têxtil Santista que continuou fornecendo matéria prima para a
confecção.
Uma das razões fundamentais de terem conservado os grandes clientes é
o fato de a Santista haver renovado o contrato de homologação com a
Roupagem, garantindo-lhe não apenas a permanência dos antigos clientes,
mas uma adesão permanente de novos clientes. (JESUS, 2004, p.303)
O estudo sobre as cooperativas de vestuário de São Paulo demonstra um
pouco dessa penosa realidade empreendedora no mercado. Com a liberalização
comercial dos anos 1990 e a conseqüente invasão de produtos de origem asiática
a preços baixíssimos, a reorganização produtiva provocou significativas
mudanças incentivadas pela própria �guerra fiscal� dos estados61. De modo geral,
a redução de empresas e de postos de trabalho tem sido o destino das indústrias
61 �Os governos dos estados do Norte e Nordeste do Brasil implementaram, na última década, políticas de industrialização para desenvolver as regiões mais pobres. Diversas experiências se baseiam em modelos de terceirização e flexibilização da produção, valendo-se para isso de outro modelo organizacional da produção: as cooperativas de trabalho � para as quais trabalham governo, empresas privadas, ONGs, agentes financeiros públicos e privados. As relações entre essas empresas são típicas de centro-periferia, fundamentalmente na busca de mão-de-obra não sindicalizada a qual não se lhe garantem todos dos direitos. Estabeleceu-se, então, a chamada �guerra dos incentivos fiscais�: os estados do Nordeste e de outras regiões do país tentam atrair várias empresas para si, e gerar renda. No caso do estado de São Paulo e de alguns outros do sul do país, os impostos são maiores, os sindicatos são mais fortes, ainda se cumprem alguns direitos trabalhistas, infra-estrutura, os imóveis e a mão-de-obra são extremamente caros. Enfim, esses estados enfrentam custos de produção mais altos.� (Juan Ricardo Cruz-Moreira, Cooperativas Populares de Confecção do Estado de São Paulo, André Ricardo Souza e ouros (orgs), Uma Outra Economia é Possível, São Paulo, Contexto, 2003, p. 201)
113
do vestuário paralela a abertura de novas plantas automatizadas e com baixa
demanda de mão-de-obra, com o artíficio de transferência para as regiões norte e
nordeste do país. Por outro lado,
algumas empresas de confecção que não têm capacidade de investimento
e não podem transferir suas plantas para outros estados, ou necessitam de
rapidez para atender a demanda do mercado em que atuam, em vez de
emigrar para outras regiões ou fechar suas fábricas optam por negociar
com os trabalhadores sua dispensa estimulando-os a se organizarem em
cooperativas ou empresas autogestionárias prestadoras de serviço,
subcontratando depois sua produção. (CRUZ-MOREIRA, 2003, p.202).
Sempre dependentes, gravitam na órbita das empresas maiores. Pelos
dados da pesquisa, é possível verificar que isso ocorre mesmo com as unidades
autogestionárias que se constituem com o incentivo de entidades públicas ou
civis, visando estimular a geração de renda. Em geral, acabam se inserindo nas
relações de subcontratação como essas outras cooperativas mencionadas.
Considerando a cadeia produtiva do segmento de confecção têxtil como
composta por três elos caracterizados como produtores de insumo, fabricantes de
roupas e comercializadores, o que se evidencia na experiência analisada em São
Paulo � e passível de generalização enquanto uma tendência nacional � é que
As cooperativas de confecção situam-se principalmente no segundo elo da
cadeia. Em geral elas atuam como faccionista � subcontratadas para
outras empresas ou como pequenas empresas de produção, informais,
realizam sua própria comercialização em mercados marginais. As
produções variam desde produtos semi-artesanais decorativos de cama,
mesa e banho produzidos com retalhos industriais até empreendimentos
familiares que funcionam com uma pequena e obsoleta máquina de tricô.
(CRUZ-MOREIRA, 2003, p.203).
Essa experiência mostra o paradoxo ou a acomodação entre a forma
cooperativa e a lógica do capital concentracionista, já que, em muitas situações,
os cooperativados não regem seu próprio trabalho, mas são comandados de fora
continuando assim com o chamado �patrão�. De certo modo, a própria cooperativa
avalisa a precarização do trabalho colocando os trabalhadores a serviço de
outrem, aproveitando-se dos subsídios e incentivos fiscais e tributários, e da
diminuição dos custos trabalhistas. O que demonstra a complexidade de se
114
constituir um circuito econômico solidário como se idealiza nas manifestações
políticas no meio.
No ramo da reciclagem de lixo, o crescimento das cooperativas tem sido
um fato em todo o território urbano do país, sobretudo para melhor inserção dos
catadores individuais na cadeia produtiva da reciclagem do lixo. Nem por isso, a
condição de autogestão coletiva garante autonomia. Nem sempre, o
cooperativismo nesse setor consegue suplantar a exploração na área, quando
não, ao contrário, esconde relações predatórias por força da valorização industrial
do material reciclável.
As cooperativas, por dificuldades econômicas e falta de uma gestão
organizacional, apenas separam e enfardam o lixo reciclado e acabam
tendo de vendê-lo para sucateiros com maior poder de barganha e
vendem-no em grandes quantidades para as indústrais e microempresas,
usuárias dos produtos reciclados como matérias-primas para transformar
estes resíduos em novos produtos com valor de uso (exemplo: grãos de
PVC usados em injetores e extrusoras, sacos de lixo, pregadores, baldes,
cabides, aparas, vidros, etc.). Com isto, o valor maior ou a parte que
agrega maior valor nos resíduos reciclados, volta para as mãos dos
grandes capitalistas. Sim, eles mesmos, os geradores do lixo, acabam
roubando novamente o valor, para gerar mais lixo depois. Eis a prima facie
do ecocapitalismo. ( MAGERA, 2003, p.23)
Segundo os dados, o setor industrial é o maior beneficiário da reciclagem
de lixo e o sucateiro é o intermediário que faz os negócios com os catadores de
lixo62.
�O sucateiro ou o �homem da balança�, como é também conhecido é o
intermediário e, nesta cadeia de comercialização, registram-se até três 62 �a latinha de alumínio tem um alto índice de reciclagem, seu preço (R$2,00/kg) difere dos outros produtos em mais de 5 vezes, considerando-se o segundo melhor preço, o do PET (R$0,36/kg). A latinha de alumínio é tratada com muito �carinho�pelos catadores, não só por seu preço, mas por imposição das grandes indústrias que dominam a maior fatia de mercado no Brasil� (Márcio Magera, Os Empresários do Lixo, um paradoxo da modernidade, São Paulo, Átomo, 2003, p.135). Na realidade, se trata aqui do exemplo clássico do engate entre a estrutura informal e as indústrias: �Os catadores e os depósitos clandestinos incorporados ao setor industrial vêm atender os anseios do capital industrial, proporcionando preços baixos (menos que seu custo real). Neste modelo vigente, será difícil qualquer resultado positivo da Coleta Seletiva ou até mesmo das cooperativas de reciclagem de lixo. Eis o grande paradoxo do discurso ambientalista proposto no Brasil nos últimos anos.�(Ibid, p. 137). Para informações sobre o tema ver f�órum nacional de articulação de órgãos públicos e entidades civis para gestão do lixo e desenvolvimento social: www.lixocidadania.org.br.
115
estágios ou fases de intermediários até chegar a industria. Todo o
processo depende muito do mercado e grau de comercialização do
material reciclado (valor dos produtos).�( Ibid, 2003, p. 41).
Embora, o segmento seja de despejo das sobras do consumo produtivo e
individual, a cadeia reserva certa complexidade social. Os catadores e
cooperativas depois de juntarem certo volume de material
�negociam com o sucateiro que, por seu poder de barganha, vende em
grande volume para as indústrias que utilizam esses resíduos em seu
processo produtivo, fechando assim, a terceira fase. O valor absoluto e a
agregação de valor nestas transações ficam com os sucateiros e as
indústrias, sobrando muito pouco aos verdadeiros donos do lixo.� (Ibid,
2003, p. 42)63.
Na realidade, as relações precarizantes dificultam a mobilidade sócio-
econômica das cooperativas de qualquer segmento, muito embora a narrativa das
virtudes do empreendedorismo e do auto-emprego precise dar coerência e
convicção a essa insegurança social, transmutada na liberal independência e
liberdade.
A falta de acesso direto a mercados, inclusive aos mercados de periferia da
capital e da grande São Paulo, e a disputa com produtos mais competitivos
provenientes de empresas que subcontratam sua produção em outros
estados ou também em São Paulo são os principais motivos para essa
posição desfavorável na estrutura produtiva do setor. A gestão das
cooperativas necessita ainda de mais conhecimento e competência, além
dos de costura e de gerenciamento de sua produção, para poder passar de
simples operadoras de máquinas a supridoras de produtos finais e pacotes
completos de serviços (CRUZ-MOREIRA, 2003, p. 223).
63 É preciso ter em conta as vantagens do retorno desse lixo para as indústrias, no sentido da diminuição de custos produtivos e maior rentabilidade econômica: �A reciclagem está intimamente ligada ao modelo capitalista vigente, quando, como instrumento econômico, cria condições de os resíduos selecionados/separados voltarem ao processo produtivo, para novamente formarem novos produtos. O capitalista aceita a reciclagem como forma de suprir a falta de matéria-prima, visto que o preço pago é bem menor que se tivesse de comprar a matéria-prima virgem e, com a aplicação do material reciclado, tem uma redução do consumo de energia e, consecutivamente, nos custos de produção. O catador, por sua vez, também não questiona, pois vê na reciclagem do lixo sua única forma de sobrevivência apesar de saber que está sendo �tapeado� (...).�(Márcio Magera, Os Empresários do Lixo: um paradoxo da modernidade, São Paulo, Átomo, 2003, p. 107)
116
Nesse caso, do setor de confecções, sem conseguir viabilizar sobras
porque a escala de produção não é elevada o suficiente, alimenta-se o círculo
vicioso da precarização � sem conseguir avançar na cadeia produtiva com
atividades que agreguem maior valor ao produto e trabalho, as cooperativas se
limitam a responder às necessidades das empresas e suprir os processos que
exigem ainda maior mão-de-obra e de baixa qualificação.
Os estudos das empresas autogestionárias mostram que a manutenção de
algumas práticas produtivas levadas à efeito pela empresa originária dão um
formato diferenciado a essas experiências. Primeiro, evidenciamos que elas se
agregam na cadeia produtiva tradicional do mercado formal capitalista. Mais que
isso, contam com essa condição para se manterem vivas, ou seja, seguirem
garantindo os mesmos nichos de mercado, o que nem sempre ocorre devido a
própria falência, a baixa produtividade, maquinário obsoleto, entre outros fatores.
A Cooperminas, por exemplo, depende da relação estabelecida com a Gerasul,
empresa de energia da região sul do país:
Produzindo e vendendo para Gerasul, única cliente, a situação melhorou
um pouco. Com o aumento da cota da Gerasul, investem mais em
maquinário.(...) O novo contrato é por dois anos e meio. O cliente é certo, a
empresa sabe que vai vender determinada quantidade por mês, permitindo
uma programação de despesas adaptada às receitas previstas . Não tem
como produzir e não vender, no dia certo o pagamento é feito.(ANTEAG,
2000, p.38).
A fragilidade no mercado é também realçada no embate com grandes
empresas como no caso de Franca, São Paulo, onde a empresa e, depois, a
cooperativa Makerly fecharam as portas por força do poderio econômico - no
mercado setorial dos calçados - do Grupo Sândalo.
Tende a ser comum que a sustentabilidade e viabilidade econômica dessas
empresas autogestionárias se vinculem ao processo de terceirização, como a
Cooperativa Friburguense de Ferramentaria originária da externalização do
segmento de ferramentas da Indústria Eletromecânica e que adquiriu,
posteriormente, também a Bocsh, IBM, Itautec e Ford como clientes. A
Coopertêxtil fabrica cobertores e mantas para Pierre Cardin, Vioson e Requinte,
tendo a multinacional Rhodia como principal fornecedora de matéria-prima. A
cooperativa Coopervest decorreu da terceirização da Villa Romana em Aracaju,
117
Sergipe, para produzir jeans para Pierre Cardin, Ives Saint Laurent, M.Officer, VR
e Hanover Square, mas como faz parte do processo produtivo não compra
matéria-prima, apenas realiza serviços: �trabalhamos faccionando produtos:
apenas riscando, cortando, confeccionando, lavando e acabando peças�
(ANTEAG, 2000, p. 83).
O Banco Palmas já aparece como uma outra vertente de empreendimento.
Segundo a pesquisa, a experiência vincula sua sustentabilidade a uma cadeia
produtiva capaz de unir produtor, comércio e consumidor dentro do próprio bairro
de Palmares. �Isto tem significado identificar o perfil produtivo do bairro, as suas
demandas, impulsionar e alavancar atividades produtivas locais, a partir do
microcrédito, conhecer os espaços de comercialização� (MELO NETO SEGUNDO
e MAGALHÃES, 2003, p.31). Não é de toda uma cadeia exclusiva do bairro e com
elos somente de economia solidária, na medida em que as unidades produtivas e
de serviços locais não produzem tudo o que necessitam para consumo. Todavia,
há um empenho em fazer a renda circular no próprio bairro. Há um efetivo esforço
para constituir um mercado a parte.
Essa parece ser uma inquietude muito presente nas narrativas da
economia solidária, seja nos estudos e pesquisas, seja nos debates políticos e
normativos: a possibilidade de uma cadeia produtiva genuinamente solidária
porque autogerida pelos trabalhadores e preservacionista do meio ambiente. Mas,
entre a inquietude e a realidade pragmática de viabilização de renda por muitas
vezes se espraia um certo distanciamento.
O próprio consumo ético ou justo ou solidário � que se coloca como
possibilidade de mecanismo de controle do mercado - é uma ideação de pouca
repercussão em nossa sociedade. Constitui uma vertente de economia solidária
por meio da crítica ao consumismo do capitalismo que promove por um conjunto
amplo de mediações a alienação social. Ampara-se também na noção de
desenvolvimento sustentável, orientado pela prática de negação dos produtos
fabricados em condições de exploração do trabalho humano e de agressão ao
meio ambiente64. 64 No contexto internacional, aAs práticas de comércio justo desenvolvidas na Europa vêm sendo concebidas como de religação do Norte e Sul, ou seja, de relacionamento justo entre países ricos situados ao norte e países pobres do sul. Hoje, cerca de 340 cooperativas de 18 países do sul mantêm acordos com entidades do Norte para esse comércio / consumo ético. Também conhecido como Fair Trade, nasceu nos anos de 1960 por iniciativa de europeus e norte-americanos de ONGs, agências de cooperação e grupos consumidores. Vender produtos feitos por pequenos produtores vitimados pelo isolamento comercial ou pela pobreza, consistia em seu
118
É claro que a idéia de consumo solidário data do próprio surgimento do
cooperativismo em Rochdale, na Inglaterra, em 1844 enquanto cooperativa de
consumidores ocupada com a aquisição, pelos trabalhadores, de gêneros
alimentícios, a preços acessíveis (BUBER, 1986; SINGER, 1999). De certo modo,
isso se repete em várias partes do mundo, inclusive, no Brasil. Todavia, as
cooperativas brasileiras de consumidores logo se vinculam à grandes lojas de
comercialização perdendo a maior relação com o cooperado e seu controle. Além
disso, o conceito, hoje, inclui essas outras virtudes como a não exploração do
trabalhador e a preservação do meio ambiente. Intentam difundir que as trocas
nunca são estritamente econômicas, são relações sociais sustentadas em valores
onde os indivíduos se reconhecem como pertencentes a uma ordem social.
Mas, como dito, as formas alternativas de comercialização são muito
embrionárias, no Brasil. Há agenciamentos pequenos, principalmente, vinculados
aos movimentos ecologistas que questionam a qualidade dos alimentos e o
abastecimento nas cidades. Ainda que sirvam como contraponto, com pequenas
cooperativas de consumo de alimentos sem agrotóxicos, adubos químicos e
exploração da força de trabalho, não chegam a constituir uma rede de
distribuição, a preços competitivos65.
objetivo principal. Nos anos de 1970 definiram os princípios orientadores do que chamam relação comercial mais justa: preços mínimos e demandas de longo prazo para reduzir exposição a flutuações; preços justos (vinculados ao bem-estar de produtores e familiares) e proximidade com consumidores para excluir intermediação desnecessária; pré-financiamento da produção para viabilizar acesso ao capital; garantias de condições de trabalho saudáveis e seguras; proteção ao meio ambiente; igualdade de gênero; proteção às crianças; transparência na gestão e prestação de contas. Na segunda metade dos anos de 1980 em diante surgiram as iniciativas formalizadas de colaboração em torno do comércio justo como as entidades: IFAT (International Federation for Alternative Trade); Max Havelaen; EFTA (European Fair Trade Association); News (rede de 3000 lojas européias de comércio justo); FIF (Fair Trade Federation); FLO (Fair Trade Labeling Organizations International). Em Portugal, experiências nesse campo podem ser acessadas através dos sites: e No Brasil, as experiências nesse campo são ainda recentes e se articulam como economia solidária. Desde o ano de 2002 essas articulações vêm se dando através do �FACES do Brasil� � Fórum de Articulação do Comércio Ético e Solidário do Brasil � constiuído pelas seguintes entidades: SERE (Serviços, Estudos e Realizações para o Desenvolvimento Sustentável), FASE, Fundação Friedrich Ebert/ILDES, Fundação Lyndolfo Silva, IMAFLORA, Ministério do Desenvolvimento Agrário/Secretaria da Agricultura Familiar, VIVA RIO, Visão Mundial e Prefeitura de São Paulo. No momento discutem os padrões de comércio ético e solidário no Brasil de modo a estruturar as práticas, dinamizar as trocas e estabelecer sêlos (www.facesdobrasil.org.br).
65 �O Comércio Justo certificado tem crescido a taxas anuais acima de 20%, no período de 1997 a 2003, tendo alcançado, neste último ano, um movimento global em torno de 500 milhões de dólares, em 18 países. Cerca de 800 mil famílias, na África, América Latina e Ásia, foram beneficiadas, e o total do pagamento extra (Premium) somou mais de 38,8 milhões de dólares. Atualmente, o Comércio Justo tem como principais mercados a Suíça, com 100 milhões de euros, um consumo per capita anual entre 10 e 16, e a maior penetração, com 24% do mercado global de banana de Comércio Justo, seguidas pleo Reino Unido e Alemanha. A França, a Áustria e a
119
Nesse sentido, a produção e o seu escoamento ou responde às relações
de subcontratação ou se mantém em mecanismos de comercialização precários
de baixo e incerto retorno monetário. Essa condição estrutural relativiza a
autonomia do negócio como aventado nas narrativas e limita as suas
potencialidades de experimentações autogestionárias. Vejamos um pouco disso.
Como dito antes, a auto-gestão apesar de não ser um ideal ou prática
nova, ganha expressão no Brasil somente nos anos 1990, já nesse processo de
busca de alternativas ao desemprego estrutural. O tema é ainda difuso, mas nas
pesquisas se fez uso de indicadores comuns para caracterizar se o
empreendimento era solidário: 1) gestão democrática por meio de fóruns coletivos
de tomada de decisão como assembléias, conselhos e reuniões, bem como
eleição da diretoria a partir do preceito cada homem um voto; 2) distribuição
igualitária ou eqüitativa dos rendimentos.
Como mostram as pesquisas estudadas, não se pode perder de vista, que
a dinâmica dos processos sociais impõe uma diversidade de rumos e sentidos
para as práticas de economia solidária. A contradição perante a estrutura
capitalista e a frágil tradição cooperativista pode justificar essa diversidade de
iniciativas de democracia e solidariedade encontradas nas organizações locais de
trabalho:
1) Empreendimentos Econômicos com Traços Predominantemente
Solidários: cooperativas criadas com o objetivo claro de gestão
democrática envolvendo participação dos membros em assembléias e
tomadas de decisões, bem como produção coletiva e distribuição de renda
igualitária. 2) Empreendimentos de Caráter Associativo, baseados na
Articulação e Cooperação de Produtores Individuais: produtores individuais
articulados coletivamente para acesso a tecnologia, comercialização e
assistência técnica, havendo a dinâmica de tomada de decisões coletivas,
mas operacionalização centrada em lideranças que respondam pelo grupo.
Cada qual ganha conforme sua contribuição e trabalho no grupo. 3)
Empreendimentos Econômicos de Caráter Familiar com diversos Níveis de
Solidariedade e Cooperação, amplamente determinados pelas Lógicas de
Noruega apresentam as maiores taxas de crescimento. O maior desenvolvimento é esperado nos EUA e escandinávia. A gama de produtos certificados pela entidade internacional inclui café, chá, arroz, cacau, mel, açucar, frutas frescas e até produtos manufaturados, tais como bolas de futebol, que são vendidos em mais de 3 mil world shops em 18 países e entre 70 a 90 mil pontos de venda convencionais.�( SEBRAE, Pesquisa Mundial Comércio Justo, Brasilia, 2004, p.5-6)
120
Liderança ou Autoridade estabelecidas em Nível Familiar ou Comunitário:
apresentam características bem diversas de democracia e solidariedade
tendo as mesmas relação com as organizações de apoio, trajetória dos
participantes e contexto social. Tendem a apresentar maior fragilidade
financeira e a democracia decorre principalmente da proximidade dos
participantes do que de explícitos traços doutrinários. A questão
mobilizadora do grupo é a situação de desocupação ou empobrecimento,
e, não os valores acerca da gestão coletiva e democrática do trabalho. Seu
formato pode variar de uma pequena cooperativa a uma microempresa
familiar. 4) Empreendimentos Econômicos com Traços predominantemente
Empresariais Competitivos: empreendimentos baseados na lógica
empresarial, onde a tomada de decisões se concentra num corpo técnico-
gerencial, fóruns coletivos são formais e o trabalho é desenvolvido por
grande número de trabalhadores assalariados. Perfil típico das chamadas
cooperativas tradicionais, onde o solidarismo e a democracia perderam o
significado substantivo, servindo apenas como retórica formal escondida
numa prática de gestão verticalizada. (ICAZA, 2004)
Um aspecto importante, a considerar aqui, é a histórica indagação sobre a
possibilidade de vinculação entre gestão democrática e viabilidade econômica.
Pesquisas mostram certa tendência à relação proporcionalmente inversa, de
modo que quanto mais cooperativo o processo de trabalho, maior debilidade
financeira, e, quanto maior essa viabilidade econômica menor o solidarismo, se
aproximando da empresa capitalista. As evidências da pesquisa mostram que, em
geral, experiências autogestionadas conseguem se manter por força do apoio de
incubadoras ou outras organizações assessoras porque via de regra contam com
grandes dificuldades para responder por todos os encargos..
Na realidade, pequenos negócios e cooperativas possuem limites para
manterem solvidade em razão de dificuldades para crédito, manter capital de giro,
dinamizar comercialização e compra de matérias primas, incorporar tecnologia,
entre outros fatores econômicos. Esses descompassos, trazem à tona a questão
de fundo do enfrentamento da relação desses empreendimentos com o mercado
capitalista; a negação disso, na leitura do fenômeno e na prática política, produz
esse paradoxo contribuindo pouco para esclarecer e municiar o enfrentamento e
maior controle possível da inserção desses segmentos no mercado. Alguns
121
estudiosos da área sinalizam a necessidade de articular a �lógica empresarial com
a lógica solidária� (GAIGER, 1999), mas ao mesmo tempo afirmam a dualidade de
mundos e falam da economia solidária como uma outra economia.
No entanto, trata-se de pensar a produtividade mesmo. E, nesse contexto
capitalista, produtividade é produção de mais-valia � diga-se novamente, que o
fato de não produzi-la não isenta a atividade do processo de exploração. Como
se sabe, o que torna o trabalho produtivo, nesses termos, é o tempo de trabalho
a mais (não pago) embutido nele, que pode ser extraído tanto na fábrica quanto
na empresa de serviços, na cooperativa ou na escola. Aquilo que é extenuado do
trabalhador para servir ao capitalista (MARX, 2004a). Não se trata de um
conceito � trabalho produtivo � vinculado simplesmente a natureza da atividade
ou do efeito útil presente entre trabalhador e produto do trabalho. Se o excedente
de trabalho em favor do capital gera mais-valia, a variável na constituição desse
valor é o tempo de trabalho necessário à produção da mercadoria, inclusive da
mercadoria força de trabalho (meios de subsistência decorrentes da renda
familiar e das indicações postas pela cultura de cada formação social). A troca,
nesse caso da força de trabalho, se dá entre equivalentes no momento da
circulação, quando venda e compra no mercado se referem a mercadorias
análogas. Mas, ela só se realiza no trabalho coletivo, na produção, onde não
possui escolha porque absolutamente submetido aos meios de produção que por
desejo do capitalista determina o que e quanto produzir. São essas relações
sociais que constituem o trabalho produtivo, quando o trabalho é subordinado ao
capital na produção enquanto expressão do autoritarismo do trabalho morto
sobre o trabalho vivo.
Dessa relação essencial decorre uma extrema penalização do trabalho
com o espetacular desenvolvimento tecnológico do trabalho morto que exige
menos agentes do trabalho vivo e, logo, sua maior oferta e sua consequente
desvalorização como força para movimentar o trabalho e o desemprego estrutural
com o paralelo aquecimento das taxas de produtividade do capital de modo
concentracionista. Uma grandeza cresce enquanto a outra decresce, enquanto
determinação histórica já manifesta na teoria do valor por MARX.
No trabalho assalariado formalizado, esse quantum a mais é retirado de
uma parte da jornada de trabalho, desnecessária a manutenção do trabalhador.
No trabalho informal, isso, é anevoado na esfera da circulação enquanto relação
122
de prestação de serviços, quando é parte do trabalho produtivo coletivo. Faz
parecer que não há valorização a mais que a própria produção de mercadorias,
escamoteando a produção de mais-valia. Relações escamoteadas, que parecem
não abrigar no trabalho subcontratado ali desenvolvido o tempo social necessário
à produção de excedente. No entanto, o tempo é importante, mesmo nas
atividades de economia solidária vinculadas a sobrevivência, sem ligações diretas
com o capital. Mesmo que a atividade não esteja ligada à produção capitalista, a
sobrevivência do trabalhador que a executa está. De mais a mais, produzir em
quantidade suficiente para o mercado para além do consumo próprio implica mais
tempo para mais volume. E, só há tempo social geral e não um para atividades
formais, outro para informais e economia solidária.
A opção pela estratégia coletiva de enfrentamento dos problemas comuns
aproxima as várias experiências, mas não as iguala como se pode depreender
desse quadro apresentado.
Esse é um fator delicado, pois, na realidade, mostra-se uma certa
dificuldade para apropriação do trabalho coletivo, incorporação de tecnologia e
manuseio de informações e técnicas de gerenciamento financeiro e de
planificação. Quando imprescindível, esses conhecimentos tendem a se
concentrarem em trabalhadores especializados não atingindo o conjunto
autogestionário. Percebe-se no discurso a respeito, a idéia de um paradoxo, pois
lida-se com uma tecnologia de gerenciamento que não se reproduz como saber
coletivo e na prática se mantém a orientação taylorista da empresa tradicional
capitalista. A questão, então, não está somente na gestão democrática, mas no
desafio de �apropriação do próprio processo e das estratégias produtivas e de
comercialização por parte dos trabalhadores. As dificuldades quanto ao produto
próprio são emblemáticas das dificuldades encontradas.�(ICAZA e ASSEBURG,
2004, p.71)
A terceirização impede essa autonomia e mascara as relações de trabalho.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, o setor calçadista ampliou as cooperativas
exatamente nos anos 1990 com esse intuito de responder às necessidades de
externalização da produção expostas por grandes empresas. Muito embora a
iniciativa seja dos trabalhadores e seus sindicatos e não diretamente de empresas
como em outras regiões do país �nordeste, por exemplo- a motivação se insere
123
nesses processos de flexibilização. E a maioria das cooperativas criadas nesse
período visavam recuperar empresas falidas66.
A motivação dos sindicalistas era uma resposta efetiva para crise econômica e um contraponto ao anseio das empresas em torno do
cooperativismo, de fato. Desse modo, a produção se engata às necessidades da
empresa de grande porte e os direitos trabalhistas tradicionais do assalariamento
caiem por terra.
Essa dependência da relação de subcontratação não deixa de trazer
diferença na medida em que enquanto cooperativa, os trabalhadores têm chances
de desenvolver autonomia mais do que em ateliês e oficinas individuais que,
também, mantém relação terceirizada com as empresas. Todavia, prevalece
nesse processo a estabilidade da subcontratação na medida em que o segmento
autonomamente conta com baixa tecnologia e mantém procedimentos de trabalho
ao estilo taylorista, com linhas elementares de montagem, parcelização e tarefas
repetitivas. Superar esse limite, seria necessário vasto capital de investimento
para aquisição de tecnologia e qualificação, fatores ausentes nesses
grupamentos, o que os leva a continuar na relação de subcontratação e
subordinação com os negócios se realizando a partir da demanda da contratante
e menos por produção própria no mercado 67.
Mas, a motivação pode ser bem variada como mostra a situação da
Cooperagri de Itaparica, Pernambuco, que
foi criada principalmente para viabilizar a contratação de técnicos para
assistência técnica aos agricultores, prestada no início da implantação dos
perímetros irrigados por empresas privadas contratadas pela CHESF. A
assistência técnica tanto faz parte de um compromisso institucional,
assumido pelo governo brasileiro através da CHESF junto ao BIRD,
durante as negociações de financiamento do assentamento quanto faz 66 � De fato, 66% das cooperativas de calçado tiveram a contribuição direta dos sindicatos do calçado, para sua formação, e 33% foram constituídas por iniciativa de outros atores, entre os quais empresários, políticos, grupos de igrejas ou desempregados à procura de alternativas.� (Ana Mercedes Sarria Icaza e Hans Benno Asseburg, Autogestão e Viabilidade em Cooperativas de calçado no Rio Grande do Sul, Luiz Inácio Gaiger (org), Sentidos e Experiências em Economia Solidária, Rio Grande do Sul, UFRGS, 2004, p.58). 67 �Assim, são os empreendimentos terceirizados os que conseguiram se viabilizar, condicionados, é verdade, à manutenção das demandas das empresas que os contratam. A estabilidade das cooperativas que produzem para Azaléia � Coopac e Coopernovi � destaca-se nesse sentido. Por sua vez, as que partiram para o produto próprio apresentaram uma série de dificuldades e não conseguiram de fato garantir sua solvabilidade, inviabilizando a realização de seus objetivos. Isto ficou evidente no caso da Cootreia e na experiência de incubadora em que participou a Coopernovi. Em ambos os casos, o problema é significativo�(Ana Mercedes Sarria Icaza e Hans Benno Asseburg, Autogestão e Viabilidade em Cooperativas
124
parte das exigências dos trabalhadores, através de seus sindicatos. Assim,
a figura do associado aderente representa, de um lado, a preocupação
com a obrigação institucional de estender os serviços de assistência
técnica, mesmo àqueles que politicamente não se identificam com as
cooperativas e, de outro, a possibilidade de ampliar o montante de
recursos financeiros que são repassados pela CHESF à cooperativa. Isso
se dá com base no número de agricultores assistidos pela cooperativa.
Dessa forma, quanto mais agricultores assistidos, maior a proporção de
recursos repassados, o que nos faz identificar o sócio aderente como uma
�moeda de troca�.(JESUS, 2004, p.284).
Neste quadro, a autogestão é uma formalidade para seus membros,
mesmo que cumpram as determinações institucionais de eleições e assembléias.
Esse não é um caso raro. O formalismo na condução se repete em pequenas e
simples entidades de periferia como no caso da cooperativa Coomute de Recife,
onde os pesquisadores evidenciaram centralização do poder de decisão na
diretoria.
Pouco ou quase nada é debatido em assembléias, inclusive o
encaminhamento de assuntos que dizem respeito a todos os associados,
como por exemplo, a adoção de critérios para escala de serviços e reforma
do estatuto. (...) Existe, de um lado, desmotivação pelos poucos e
irregulares ganhos financeiros que deveriam advir da prestação de serviço
de limpeza, o que gera uma apatia e desinteresse em estar participando de
reuniões, reivindicando em assembléias, etc. De outro lado, falta
identificação de parte das cooperadas com a cooperativa, sobretudo as
mais recentes, algo necessário para despertar interesse em conhecer
melhor a cooperativa, saber efetivamente como funciona e quais seus
objetivos.� (Ibid, 2004, p.299) Além desse formalismo com os mecanismos participativos, há em quase
todas as experiências pesquisadas a contradição de não conseguirem suplantar a
cultura taylorista de mero executor de tarefas, como se para muitos trabalhadores
esse fosse o modo natural do trabalho68 . O universo cultural em que foram
de Calçado no Rio Grande do Sul, Luiz Inácio Gaiger (org), Sentidos e Experiências de Economia Solidária no Brasil, Porto Alegre, UFRGS, 2004, p.68) 68 Fora desse padrão estão as práticas mais artesanais e de baixa racionalização, em que os sujeitos não vivenciaram experiências mais estandartizadas.
125
socializados até então e que constituiu determinado diagrama de sentidos para
organização do trabalho em suas práticas.
Por isso, a dificuldade de muitas cooperativas para que o conjunto assuma
efetivamente as demandas de gestão integral do empreendimento. O processo de
autogestão exige um trabalhador subjetivamente menos subserviente ou
autoritário para que saiba lidar com a crítica, a partilha de poder, a escuta, o
debate coletivo e a negociação. Para a pesquisa realizada no Rio Grande do Sul
somente a motivação para a renda não favorece a cooperação tamanha a
socialização no trabalho assalariado. Nessa pesquisa evidenciaram que a história
sindical e o ideal de autogestão foram fatores potencializadores das experiências
dessa natureza.
No trabalho da ANTEAG com as cooperativas�empresas autogestionadas,
aparece reiterativamente como uma dificuldade do segmento dos trabalhadores
associados, o lidar com esse novo contexto de gestão.
Existem casos de os trabalhadores gostarem tanto da gestão empresarial
como gestores empresariais e se recusam a responder enquanto
verdadeiros donos coletivos da empresa. O caminho é educar os
proprietários coletivos para que assumam o controle da gestão. (...) Não
adianta ter o controle da empresa se não se tem o controle da gestão.
(ANTEAG, 2000, p.22).
De modo que, para a entidade, a principal estratégia nesses processos
autogestionários é a de refazer valores de submissão e incentivar a solidariedade
e capacidade intelectual do coletivo gestionário. A pouca tradição cooperativista
na história brasileira e, consequentemente, herança de trabalho essencialmente
subordinado, municiam a ANTEAG no sentido de sugerir a educação e
capacitação para autogestão como saída para a qualificação das experiências de
economia solidária.
Mesmo assim, reforçam conquistas alcançadas � ainda que nesse quadro
cultural de subordinação � demonstrável na requalificação das relações de
trabalho em termos de mando e de direitos trabalhistas. Na Cooperminas, por
exemplo, �O superior e o subordinado foram eliminados do cenário. Hoje não
existe o autoritarismo nem o escravismo observado anteriormente e as relações
são democráticas. Os trabalhadores colocam sua opinião, reivindicam, criticam e
também recebem críticas.�(ANTEAG, 2000, p.36) .
126
Outros mostram como a ideação da autogestão vai sendo reinventada no
dia a dia da gestão produtiva, em meio a muitas contradições, levando-se em
conta que a pouca experiência em práticas de gestão costuma ser o mais comum,
como a Bruscor que produz cordas e cadarços. Ou na Makerly que por isso
mesmo teria chegado a falência:
os trabalhadores, acostumados à relação patrão-empregado,
frequentemente têm dificuldades em adaptar-se à nova realidade, em
especial aqueles que tinham um cargo com maior autoridade e, de uma
hora para outra, se vêem igualados a todos os outros. A reação é a de
restabelecer a hierarquia e passar a fazer o papel de patrão. Foi assim que
aconteceu na Makerly, e esse foi um motivo fundamental para o fracasso
da experiência. ( ANTEAG, 2000, p.55).
A experiência em Juiz de Fora reforça esse dilema centrado na
socialização dos cooperados no trabalho subordinado e, por isso, apresentam
dificuldades para organizar o trabalho individual e coletivamente.
de uma maneira geral, são indivíduos cujas relações com o sistema
produtivo clássico tem ocorrido na condição de empregados de empresas,
exercendo, portanto, um papel secundário e passivo no sistema de
produção. (...) se deparam com um choque cultural na medida em que
terão que exercer um papel distinto daquele para o qual foram formados,
tanto cultural, quanto em termos de educação formal.(...) as soluções para
os problemas encontrados nas cooperativas, possivelmente, não são as
mesmas ou não podem ser aplicadas da mesma forma como ocorre nas
empresas. (HECKERT, 2003, p. 125-126).
A racionalidade da organização do trabalho costuma ser um complicador
para esses segmentos, e, via de regra, se repete a lógica taylorista como as
cooperativas paulistas Hidro-phoenix, Coopertronic e Cooper-jeans apresentados
na pesquisa de VIEITEZ E NAKANO (2004, p. 157). Por outro lado, a diferença se
acentua quando se fala de empreendimentos de tipo mais artesanal, pois aqui o
trabalho é tão simples e rudimentar que nem divisão do trabalho taylorista ganha
espaço como o caso de unidades de reciclagem de lixo e artesanato. Empregam
tecnologia simples, sem agregação de valor ao produto e com divisão do trabalho
pouco diversificada.
127
A experiência da incubadora da Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF) menciona a fragilidade da racionalidade laborativa, havendo certa
despadronização dos serviços e produtos, provocando dificuldades para manter
um modelo de qualidade.
Os bens apresentam acabamento em função dos materiais e insumos
disponíveis e do cooperado que confecciona. Os serviços são prestados
sem um padrão de atendimento ao cliente. (...) As instalações para a
produção de bens são precárias e geralmente improvisadas. Mesmo
quando se organiza um lay out de implantação, as atividades acabam por
ocorrer sem que sejam respeitados fluxos de trabalho estabelecidos(...).
(HECKET, 2003, p. 124)
No tocante a participação nos resultados alcançados pelas cooperativas,
vê-se que cada qual imprime uma conduta, muitas em razão do nível de
produtividade alcançado, nem sempre elevado o suficiente. De todo modo, há
tendência a manter salários em dia e em alguns casos, com seguridade social.
Mesmo que o investimento seja alto, a contar pelas dívidas das empresas
anteriores, no caso das empresas autogeridas, e, a recorrente necessidade de
estender horários de trabalho para aumentar produtividade, tendo em vista o
baixo investimento tecnológico. Para a ANTEAG, em 2000, era necessário
estruturar melhor a questão da remuneração. �Os atuais sistemas de retirada nem
sempre são objetivos e variam de empresa para empresa, com divisão igual ou de
acordo com a qualificação da função.� (ANTEAG, 2000, p. 136).
Em termos de resultados econômicos, é possível identificar nos estudos
respostas positivas no tocante as cooperativas gerarem trabalho e renda. Isso é
ainda mais decisivo entre as cooperativas que se mantém na relação de
subcontratação, pois por esses mecanismos afiançam certa garantia de
ocupação, em razão de acerto de demanda e preços. No entanto, é essa
segurança que também fragiliza o empreendimento, na medida em que limita a
autonomia econômica, no sentido, por exemplo, do desenvolvimento de produto e
marca próprios. Todavia, fundos sociais de apoio e segurança social, como prevê
a legislação cooperativista brasileira ( Lei 5764/71), tendem a ser inexistentes
entre os cooperados porque dependem da contribuição individual de cada um e,
em geral, preferem não perder renda líquida.
128
Em algumas pesquisas demonstra-se que o trabalho partilhado e a divisão
eqüitativa dos resultados não é tão dificil na medida em que o trabalho é dividido
em tarefas simples, o nível tecnológico não é alto e a organização física do
trabalho facilita o encontro, rodízio de tarefas e vigilância de todos. Dessa forma,
o montante da remuneração tende a ser bastante próximo entre todos os
trabalhadores (ICAZA e ASSEBURG, 2004, p.65).
A experiência da BRUSCOR uma empresa autogestionária do Vale do
Itajaí/SC � produz cordões, cadarços e elásticos - parece vincular essas características ao projeto de trabalho associado mesmo. Segundo estudo, há
competitividade no mercado e mesmo que a corda seja um produto de baixa
tecnologia eles conseguem estabelecer relações democráticas no trabalho e fazer
distribuição igualitária dos rendimentos, mesmo com funções diferentes; além
disso, os sócios tem acesso aos serviços de saúde, formação, programas
educacionais, lazer e previdência social pública (PEDRINI, 2004, p.120).
Na Usina Catende por exemplo, a pesquisa detectou que o principal ganho
para os trabalhadores entrevistados era a mudança na estrutura de mando:
isto é, o grande diferencial estaria na quebra das seculares relações de
mando e subserviência vigentes na cultura do açúcar. Por outro lado,
julgamos que a simples implantação do sistema de parceria com os
canavieiros (a chamada cana de morador), em franca expansão (previsão
de 150 mil toneladas, na safra de 2002, contra 45 mil toneladas, na safra
de 2001), apontaria talvez para a viabilidade e para participação, no
sentido da maior entrega da produção pelos que aderiram ao projeto.
(JESUS, 2004, p.296).
Esse dilema, diante da reprodução da racionalidade tradicional do
capitalismo e a ideação autogestionária, aparece no contexto de todas as
experiências, o que acaba sendo favorável à reprodutividade, tamanha a
vinculação com a totalidade social, regida pelo mercado. Todavia, pelo exposto,
também, não é de se perder de vista que, possivelmente, se estabelecem no
plano imediato, relações menos nocivas e danosas aos trabalhadores, trazendo à
tona práticas de valorização da subjetividade e interface entre os trabalhadores no
contexto do trabalho, mesmo que limitadas.
Mas, além da produção autogerida e por meio dela, enquanto processo vão
se forjando os próprios sujeitos, marcando as subjetividades com a prática das
129
reuniões, da explicitação de conflitos, de negociação, companheirismo,
divergências e aprendizagens. Isso porque, além da sustentação material a que
estão envolvidos, a experiência de autogestão abrange também essas dimensões
não materiais em torno da liberdade e autonomia.
a maioria dos empreendimentos econômicos solidários respeita em boa
medida os príncipios do cooperativismo. As cooperativas das periferias
mais pobres nascem em momentos de crise, quando alguns problemas
aparecem mais claramente. Um deles é o enfraquecimento dos elos
sociais. Existe um retraimento de grupos (jovens, desempregados) ao
redor de comunidades bastante fechadas. Neste sentido, as cooperativas
surgem de um esforço dos moradores da periferia de criar algo a partir do
lugar onde moram, isto é, transformar uma cidade-dormitório em um lugar
de vida. (NUNES, 2004, p.255)
Não é bom perder de vista que essas interpretações podem também
idealizar uma situação mítica de igualitarismo e homogeneização social no
território comunitário que nem sempre revelam condicionantes autoritários e
antiuniversalizantes que submergem nas práticas sociais de proximidade.
A complexidade dessas experiências de autogestão salta a vista nessas
pesquisas, como é o caso da cooperativa Roupagem que se assemelha bastante
a empresa privada no tocante a divisão de tarefas, jornada de trabalho rigorosa e
controles e sanções bem semelhantes a tradição empresarial, mas na memória
dos trabalhadores, segundo os investigadores, o que mais chama atenção é a
conquista da empresa que estava em falência. Tendo como pano de fundo a luta
deles para reaver o maquinário, novas instalações fabris e a retomada do
comando das atividades pelos próprios trabalhadores. Processo de conquista que
se faz numa teia contraditória de muitos vieses de subordinação, como a
tradicional divisão do trabalho em tarefas segmentares, mantendo a rígida
separação entre tarefas intelectuais e tarefas de execução manual, a
discriminação de gênero que favorece os homens com as atividades mais
rentosas e prestigiosas no contexto da confecção. Onde a autogestão se
manifesta principalmente na posse e uso dos meios de produção.
A idéia de organização participativa envolve processos variados de
socialização e formação política, bem como de circulação de informações
variadas em complexidade, de modo que os sujeitos possam criar e interagir
130
campos de conflitos possibilitadores de novos arranjos sócioinstitucionais
reinventando direitos, deveres e valores. E, nesse sentido, é preciso ter em conta
que a maioria não possui experiência anterior em cooperativismo ou outras
formas de trabalho associado. Ademais, a mortalidade de cooperativas e
pequenas empresas é razoavelmente alta, segundo OCB e SEBRAE, o que
prejudica ainda mais a consittuição desses espaços e cultura menos
individualistas.
Por isso, talvez, considerem como atrativo do trabalho também o
companheirismo entre os trabalhadores nas questões referentes a autogestão da
produção e a vida social em geral, contrastante com o trabalho assalariado na
empresa que por sua própria lógica organizativa distanciaria mais os
trabalhadores. Na pesquisa no Distrito Federal foi evidenciado que � nas
cooperativas, existe uma autorização de se compartilhar, por exemplo vivências e
emoções da vida cotidiana. Diríamos até que esse aspecto é um dos mecanismos
integradores privilegiados. O trabalhador aparece menos fragmentado.� (NUNES,
2004, p 243)
A valorização da auto-estima, também, costuma ser lembrada na medida
em que essas experiências recolocam os trabalhadores em atividade para
sustento próprio e da família, o que á ainda mais ressalvado no caso das
mulheres na periferia, onde o trabalho em cooperativa muitas vezes é o primeiro
realizado fora de casa e o que elas conseguem associar com a vida familiar. Em
muitos casos, revelam a cooperativa como importante mediador para maior
autonomia pessoal seja através do estímulo ao retorno à escola ou a diminuição
da dependência financeira. De Juiz de Fora vem o seguinte depoimento:
Depois que entrei, comecei a trabalhar, a minha vida mudou. Até meus
vizinhos já perceberam. Quando estou na fila do banco para receber, me
sinto poderosa. Não entrava no banco, trabalhava em casa de família,
agora tenho meu cartão para tirar o dinheiro, o meu convênio farmácia, já
pensou? Até voltei a estudar! Quando fui eleita membro da Comissão de
Ética e Disciplina da Cooperativa me senti importantíssima. Quando vi que
tinha que fazer Atas das Reuniões, resolvi voltar a estudar. E mais ainda,
me sinto cada vez mais cidadã quando participo destas coisas todas.
(HECKERT, 2003, p. 147)
131
Para TIRIBA (2001) há elementos nesse tipo de trabalho que indiciam a
constituição de uma cultura do trabalho baseada na autonomia do trabalhador
como sujeito do próprio trabalho no processo de produção e na gestão do
negócio. A narrativa nos debates e textos de difusão da economia solidária como
alternativa social é estruturada de modo a envolver e convencer os sujeitos
políticos participantes de que é possível se constituir enquanto coletivo como
movimento social por trabalho. A repercussão disso sobre a estrutura social
desencadeadora da injustiça e do não direito ao trabalho é pouco clara, mas o
movimento tem certa força agregadora reunindo e motivando os indivíduos no
sentido de instituirem novos sentidos para o trabalho. É marcante nesses
discursos e análises a interpretação de que se tratam de ações voltadas para
outras formas de vida mesmo, associadamente a geração de ocupação e renda.
reforçam o desafio de construir uma nova lógica empreendedora, capaz de
desenvolver a autonomia e a solidariedade como elementos intrínsecos da
forma como se produz e se trabalha. Nessa direção, percebe-se, também,
que os trabalhadores constroem novas relações de trabalho e de
cooperação, não apenas pela experiência interna desenvolvida pelo grupo,
mas também pelas possibilidades de participar em outros espaços de
discussão, ampliando dessa forma sua compreensão das dinâmicas
econômicas e sociais nas quais o grupo está inserido. (ICAZA, 2004, p. 51-
52)
O que podemos perceber, é que ainda que o trabalho em economia
solidária não se autonomize do contexto capitalista, se diferencia da experiência
tradicional do assalariamento ou da ocupação individualizada, por isso essas
experiências colocam o desafio de se pensar os significados que vão sendo
construídos pelos trabalhadores nessa experiência associada para nomear e dar
sentido as práticas que aí vão sendo traçadas e vivenciadas por onde vão se
fazendo como trabalhadores associados.
A cooperação e a participação favoreceria o descentramento do
trabalhador, passando a superar a posição funcional do ganho privado em favor
�ganhos materiais e imateriais derivados dessa interação forte com o outro
trabalhador e com o próprio trabalho� (IBASE, 2004, p.24). Confirmam isso com o
resultado da pesquisa no Rio Grande do Sul, onde 66% dos entrevistados
132
consideram que trabalham de forma distinta da anterior e a principal distinção
para 79% deles é o �maior empenho e compromisso do trabalho�.
Todavia, é fato também que conforme cresce o assalariamento na área
econômica, por força da expansão da empresa tradicional em conjuntura
econômica mais favorável, diminui o cooperativismo em razão da preferência pela
estabilidade do assalariamento, ocorrendo migração entre esses segmentos.
Segundo a pesquisa do Rio Grande do Sul, além dos problemas financeiros, as
cooperativas que têm vida curta, fecham motivadas também por essa fragilidade
de adesão ao projeto cooperativo.
Não é incomum que trabalhadores se insiram nas cooperativas sem
adesão valorativa efetiva e transportem a experiência das relações de trabalho
empresariais, levando muitas vezes as cooperativas para longos processos
judiciais trabalhistas. Para o setor da economia solidária, costuma-se considerar
que concorre para isso a baixa tradição cooperativista brasileira e círculos de
formação educacional e cultural nesse campo. Mas, os condicionantes são
também da materialidade produtiva englobante do capital e das dificuldades em
se manterem de pé, alternativas ou situações extremamente subordinadas no
sistema envolvente69.
Há complicações pragmáticas nessas passagens de empresas falidas, por
exemplo, para cooperativas, porque envolvem diminuição de salário e seguros
sociais. A gestão coletiva diferentemente da heterogestiva exige envolvimento de
69 A fragilidade do segmento popular de cooperativas se acentua por diversos fatores como vimos
mostrando, mas também pelas dificuldades de resolver direitos trabalhistas na justiça e
dificuldades para realizar investimentos financeiros de monta para reverter a situação econômica
do empreendimento: �a Cooperativa do Sabor, ainda não tendo resolvido a situação de seus
cooperados com a questão trabalhista, e com problemas financeiros, passa por uma crise que
desmotiva o grupo. A situação trabalhista, que talvez seja a questão mais grave, emperra todo o
processo de desenvolvimento da cooperativa, que não consegue crescer e fazer investimentos,
dada a insegurança de perder bens que sejam adquiridos por eles de forma honesta e que podem
ser simplesmente penhorados para pagar dívidas da antiga proprietária. Essa desmotivação,
gerada pelo desgaste do tempo transcorrido, a insegurança e os problemas financeiros
propiciaram uma apatia de quase todo o grupo, que acabou reduzindo suas reuniões, gerando
mais problemas de relacionamento e também administrativos para a cooperativa.�(Sandra Rufino,
O Processo Produtivo Autogestionário, a experiência da Cooperativa do Sabor, In, André Ricardo
de Souza e outros, Uma Outra Economia é Possível, São Paulo, Contexto, 2003, p. 264)
133
responsabilidade com a produção coletiva e com a poupança para capital de giro,
por exemplo. A pesquisa de Minas Gerais mostra que a partir de uma crise
�com a diminuição da remuneração e da demanda de trabalho, muitos
trabalhadores deixaram a cooperativa, sem, no entanto, dar baixa
formalmente. Simplesmente pararam de ir à cooperativa, alguns arranjaram
outros empregos, outros estavam fazendo serviços temporários e alguns
haviam se aposentado.(CARVALHO e PIRES, 2004, p.214)
A ambigüidade dos sentidos e das relações no trabalho associado pode
chocar os envolvidos, fragmentando os vínculos e o próprio destino da
organização. O que só demonstra que, além dos aspectos econômicos e políticos,
a sustentabilidade do empreendimento também depende da subjetividade que ali
se processa, a coerência da moralidade do trabalho associado. Não por outro
motivo a ANTEAG acentua a necessidade de reforçar a capacitação para
autogestão. Ou, as entidades civis que mantiveram liderança nesse processo de
constituição do movimento da economia solidária, atuam no sentido de constituir
espaços agregadores de encontros de trabalhadores cooperativados ou
desempregados voltados para discutir alternativas de trabalho associado, mas
também difundir experiências de mesmo porte nacionais e internacionais que se
mantiveram viáveis mostrando que é possível. Esse testemunho é ainda somado
às práticas de valorização de rituais locais de congraçamento e festividades dos
trabalhadores de suas regiões de origem.
Na realidade, costuma-se entender, nesses estudos sobre economia
solidária, que as dinâmicas sociais empreendidas nesses processos
proporcionam restabelecimentos de elos na esfera de trabalho que pela natureza
do trabalho são elos tanto de vizinhança e proximidade quanto societais,
processos de integração que possam superar a atomização insuflada pelo
distanciamento social provocado pelas desigualdades sociais e desemprego
estrutural.
Nessa reconceituação do trabalho estabelece-se, nesse momento, uma
ponte entre o chamado mundo vivido e o trabalho. Vinculação do
empreendimento com lutas sociais de melhoria urbana do território de moradia
expresso na participação no planejamento público local, nos assentamentos
agrários ou apoiando outras iniciativas com o empréstimo de local para
realização, por exemplo, de reuniões e cursos da comunidade.
134
A fragilização social dos trabalhadores nesse universo agressivo do capital
mundializado, aparece como problema que pode ser enfrentado pela economia
solidária. Determinados setores, como o de confecções, por exemplo, em que o
trabalho é intensivo e as costureiras trabalham para receber não mais que 2
salários mínimos e sob condições de trabalho bem sacrificadas, são realçados
como merecedores de atenção política, ao mesmo tempo em que incentivados
pela facilidade de incorporação de mão-de-obra não qualificada. É um setor
bastante concorrido, com inúmeras modalidades de trabalho que se estendem da
pequena empesa às atividades de fundo de quintal, associações e cooperativas,
todas concorrendo para diminuição dos custo dos trabalho das empresas líderes.
Nesse contexto socialmente agressivo, consideram como
imprescíndivel restabelecer elos para que as pessoas voltem a reconstruir
procedimentos de confiança mútua. As relações de trabalho utilitaristas
vulnerabilizaram por demais os trabalhadores. O que as políticas sociais
podem e devem favorecer são condições para que novas socializações se
realizem.(NUNES, 2004, p 265)
Frente a fragilização das condições de subsistência com a precarização do
trabalho, a economia solidária indica um campo de socialização que favoreça
agregação e humanize a vida coletiva, dando sentido à inserção social dos
indivíduos.
Entretanto, a materialidade dos empreendimentos ainda que restabeleçam
auto-estima dos envolvidos no desalento do trabalho, é entrelaçada pela
insegurança social. De fato, a viabilidade é bastante tênue em muitos
empreendimentos como mostra a pesquisa sobre Pernambuco que na
Cooperativa de Conservação e Limpeza - Coomute - na ocasião com apenas 2
contratos que envolviam dez mulheres enquanto outras 16 atendiam demandas
esporádicas. Ainda que a organização não governamental que apoia o
empreendimento auxilie na identificação de clientes, o meio é bastante tortuoso,
como mostra a dificuldade, por exemplo, de participar de licitações públicas
quando edital exige que a entidade tenha todo o material para realizar os
serviços, fato que contradiz o baixo ou inexistente capital de giro desses
empreendimentos. Além disso, segundo a entrevistada �o mercado, nesse ramo
de atividade, é muito grande, apesar de muito competitivo, sobretudo porque
existem em Recife muitas empresas terceirizadas para atender a demanda
135
desses serviços� (JESUS e outros, 2004, p.298). Mas, segundo o pesquisador a
fragilidade do grupo também decorre da inexperiência em negócios e trabalho
coletivo, bem como dificuldade para conciliar a atividade com o trabalho
doméstico. No entanto, é válido lembrar que a mortalidade das pequenas
empresas é altíssima e a exploração do trabalho nesses formatos autônomos, por
isso, essa realidade tende a ser mais penosa e complexa do que se aborda no
meio. E, isso, não é uma questão teórica menor na medida em que encobre a
contraditória necessidade do capital e sua exigência de tornar suas idéias
dominantes, ou seja, ditas e acreditadas também pelos trabalhadores.
A presença de apoio externo costuma ser decisivo para as unidades
produtivas. No caso da pesquisa sobre cooperativas de reciclagem de lixo, isso é
reconhecido, mas se acentua, também, que, esses segmentos de apoio, acabam
como verdadeiros �mentores� do empreendimento, o que é mais reforçado pela
fragilização educacional e cultural dos cooperados - maioria analfabeta ou sem
concluir o ensino básico -, motivo referido como explicativo do baixo indice de
conhecimento sobre cooperativismo, por exemplo. O que é realçado como
limitador da autonomia das cooperativas perante esses órgãos públicos ou
privados de apoio. Embora não atendam a autonomia pretendida, atenuam algumas limitações na qualidade de vida desses trabalhadores que vivem da
reciclagem, por exemplo.
Os mecanismos de integração das esferas da cadeia com vistas a
comercialização, habitualmente usados, tem sido feiras, fóruns, centrais de
compras coletivas, centrais de comercialização coletiva e moedas de troca.
O interesse na formação de elos e integração é tanto subjetivo quanto
econômico mesmo, pois, segundo os estudos, evidencia-se que, além das
experimentações em curso, exige-se hoje maior articulação horizontal e vertical �
entre áreas, regiões e cadeias produtivas � de modo a se colocar enquanto
circuito econômico.
Essa questão da comercialização é bem recorrente nos relatos e debates
observados na pesquisa como um problema para a divulgação dos produtos e
serviços e a troca, efetivamente. Os pequenos produtores de Santa Catarina
sinalizam como principal problema a comercialização, de modo que quando o
poder público apoiou localmente a criação de uma cooperativa para esse fim �
Cooperprove � favoreceu a ampliação dos negócios levando a que famílias
136
retornassem das cidades para o campo e outras ampliassem suas atividades
agrícolas (PEDRINI, 2004).
Essa tem sido a tendência das discussões sobre normatizações do setor:
reivindicar que o poder público fomente estratégias de escoamento da produção e
serviços dos trabalhos autogeridos. Financiando feiras e mercados populares, e,
igualmente, abrindo oportunidades legais e políticas para que compras possam
ser feitas pelo próprio poder público para merenda escolar, limpeza, mobiliário,
manutenção, e outros encargos70.
A comercialização e a cadeia produtiva são aventadas tanto como
possibilidade fora do mercado capitalista convencional ou como anexas à ele,
reforçando esse caráter ambigüo do movimento e das políticas públicas que se
apresentam na área
uma cooperativa de costura, serigrafia e alimentação de Porto Alegre,
constituída em 1986, denominada �Cooperativa de Costureiras Unidas
Venceremos Ltda� que possui atualmente um total de 25 associadas. O
segundo, a �Associação de Malhas Medianeira - AMME Ltda� de Santa Maria,
com 7 associados. Ambos são exemplos de empreendimentos que atuam na
área de confecções em geral. Estas duas experiências mostram também que
é possível viabilizar empreendimentos econômicos produzindo apenas para
parceiros que atuam na defesa de um mesmo projeto político, ou seja, estes
empreendimentos possuem como parceiros/clientes os movimentos sociais, as
pastorais sociais, os sindicatos, as ONG´s, os partidos políticos, que, ao
adquirirem produtos para eventos dos mais variados tipos, preferem contratar
70 �Outra questão fundamental de ser democratizada em nosso país, é o chamado �Estado
Consumidor�, ou seja, o conjunto de compras dos poderes públicos representa volumes e cifras
astronômicos para os pequenos e médios produtores e empresários, e podem e devem cumprir
um papel de estimuladores da economia local e regional. O volume de compras e a gama de
produtos adquiridos pela máquina Estatal, são carreados para as grandes empresas nacionais e
multinacionais, reproduzindo a concentração de renda e a exploração da força de trabalho, sendo
desprezado todo o potencial estimulador e fomentador das economias regionais e locais, através
dos pequenos empreendimentos e dos empreendimentos solidários. Se não podemos falar em
�privilegiar� os pequenos e os solidários, no mínimo devemos falar em democratizar esta fatia de
mercado, que é carreada de maneira geral para os grandes, através de processos de licitações e
critérios complexos, e exigências que torna quase impossível a participação dos pequenos.�
(Alberi Petersen, Práticas locais de comércio justo e solidário, s/d, p. 8)
137
um empreendimento da EPS (Economia Popular e Solidária), ao invés de
contratar qualquer empresa mercantil, que não tenha nenhum tipo de
compromisso com a sociedade ou com a comunidade. Neste formato existem
muitos outros empreendimentos em todo o Estado do Rio Grande do Sul.
(PETERSEN, s/d, p. 8)
Práticas com poucas condições de se replicar para o conjunto social
produtivo da magnitude do existente no país, com demanda limitada e,
possivelmente, geradora de competitividade, porque, também, se traduz numa
faceta de mercado, mesmo que certificado socialmente.
Mas, a disjunção nas narrativas e práticas se asseveram nesse universo da
comercialização e troca. Do ponto de vista da vida concreta, a homogeneização e
concentracionismo do sistema financeiro internacional tem proporcionado a
emersão de experiências particulares para enfrentrar as crises, como os
chamados Clubes de Trocas e Moedas Sociais.
�clube de trocas em que circulam moedas cunhadas pelos próprios
participantes. Esses clubes já existem, sob diferentes formas, em diversos
países desenvolvidos como: Canadá, Estados Unidos, Japão, Austrália,
Nova Zelândia, Holanda, França, espanha, Inglaterra; e em países
periféricos, tais como: México, Colômbia, Chile, Equador, Tailândia,
Indonésia, Uruguai, Brasil e Argentina. No Brasil tem-se conhecimento da
existência de cubes de trocas que utilizam moedas próprias nas cidades de
São Paulo (cinco grupos), Rio de Janeiro, Fortaleza, Florianópolis e Porto
Alegre.� ( BÚRIGO, 2001, p.2).
Denominam de moedas sociais, exatamente por terem sido moedas
criadas como instrumento monetário à serviço de uma economia diversa da
capitalista. Mas, a moeda social e os circuitos alternativos de troca não são fatos
novos. Registra-se na história, evidências, no contexto já das unificações
nacionais, de moedas desse tipo em momentos de recessão econômica na
Europa e Estados Unidos nos anos 1920 e 1930. �Infelizmente a maioria dessas
iniciativas foi abortada pelas autoridades monetárias temerosas com a
possibilidade de expansão da proposta de uma �economia livre�.� (BURIGO, 2001,
p. 17).
No entanto, é no quadro atual de reordenamento capitalista que ressurgem
os clubes de trocas e as moedas sociais, agora, aparentando maior expansão
internacional e permissividade quando não incentivo das autoridades financeiras
138
internacionais. Trazem consigo necessidades efetivas de consumo e ensejo de
constituir uma pedagogia de contraponto à sociedade capitalista:
�moedas alternativas são emitidas por grupos e coletividades, interessadas
em reinventar uma nova forma de transação (e de convivência) entre
pessoas. Para seus idealizadores, esses novos instrumentos monetários
representam um sinal de resistência ao predomínio das moedas oficiais,
por entender que estas levam ao surgimento de desertos monetários onde
muito potencial produtivo permanece inútil apenas devido à escassez do
meio de ativá-lo: dinheiro. Ou seja a baixa circulação da moeda colabora
para a ampliação da concentração financeira das pequenas localidades e
de setores empobrecidos, dificultando os planos de desenvolvimento.�(
BURIGO, 2001, p. 17).
Isso significa �fortalecer a organização comunitária, incentivar à criação de
circuitos econômicos e culturais includentes, combater a concentração financeira
e inverter a lógica da desertificação monetária� (BURIGO, 2001, p. 17). O que
facilitaria a confiança na localidade e circulação de bens e serviços, por
intermédio do espírito empreeendedor que motiva as pessoas a oferecem seus
serviços nesse outro mercado, a exemplo do ocorrido na crise argentina do final
dos anos 1990.
O Clube de Trocas consiste num espaço em que os participantes trocam
produtos, serviços e saberes, sem a intermediação de dinheiro, moeda oficial.
Tende a se constituir por relações de afinidade em que os associados já possuem
história de convivência ou passam a conviver a partir do clube. No Brasil, a
experiência se inicia nos anos 1990, primeiramente sob influência do modelo
francês baseado na troca de saberes. No segundo momento, 1998, a partir do
modelo argentino que acrescentou trocas de produtos e serviços.
Durante os encontros e feiras de troca faz-se uso da moeda social � cada
local costuma batizá-la com um nome representativo para o grupo. Essa moeda é
usada para facilitar a troca de produtos, serviços ou saberes. Chama moeda
social porque é criação, distribuição e controle do próprio grupo. Não há
circulação de dinheiro, somente de bônus (moeda social), havendo por parte do
139
clube algum controle para garantir diversificação de produtos, serviços e saberes
para que a troca possa ser dinamizada71.
Nesse sentido, podemos ver que são reunidos nesse grande amparador
que é a economia solidária um feixe heterogêneo de manifestações de produção,
comercialização e troca sustentado na autogestão das atividades e
empreendimentos. Nesse universo, emergem também formatos de organização
do trabalho diversos e relativos a cada modalidade e sua relação com a totalidade
social da vida capitalista. Daí decorre uma sociabilidade complexa que mistura
intencionalidades e práticas antes de fronteiras mais nítidas como a autogestão e
a organização segmentada e hierarquizada. A narrativa em torno do esforço para
dar mais coerência as intenções políticas contrastam com a inserção
essencialmente subordinada das unidades econômicas (e seus trabalhadores empreendedores) de modo que as idéias e intenções não estão contraditórias,
mas fora do lugar nos termos de CHAUÍ (1982) na medida em que quer
transformar segmentos de trabalhadores extremamente vulneráveis em
empreendedores e, ainda, ideologicamente anticapitalistas.
A contar pelos dados e análises das pesquisas, exigiria-se uma luta de
Titãs, pois as cooperativas precisam se relacionar com o mundo capitalista que a
cercam, ganhando condições de competitividade no mercado, e, se empenhar em
torno da distinção com o capitalismo e suas relações indiferenciadas perante o
lucro72.
71 As trocas são as mais variadas e podem se estender para além do momento da feira a ponto de um conjunto de hortaliças semanal ser trocado por aulas de informática ou de línguas estrangeiras. Segundo depoimento em grupo de discussão na internet, o Clube de Trocas de São Paulo, por exemplo, tem negociado em suas feiras ítens como: 1) produtos agropecuários (hortaliças, leguminosas, cereais e ovos); 2) alimentos (macarrão, bolo, pão, biscoito, tortas e doces variados; 3) vestuário (camisas, calças, vestidos, roupas infantis, colcha, lençol, biquini, roupas íntimas, meia-calça), sapatos e chinelos; 4) artigos de limpeza (papel higiênico, cotonete, sabonete, sabão em pedra); 6) produtos de limpeza pessoal das marcas Avon e Natura; 7) Artesanato (pano de prato, toalhas, tapetes, chapéu, enfeite de geladeira, puxa-saco, cartão de aniversário, material pedagógico, caixinhas de presentes, quadros, colares, bricos); 8) Serviços: corte de cabelo, manicure, trança africana, manutenção e máquina de costura, manutenção de computador, serviços técnicos em eletrônica, TV, vídeo e CD, costureira, tapeceiro, psicóloga, confeiteira, pedreiro, cozinheira, encanador, marceneiro, carpinteiro, pintor, serralheiro, contador, auditor fiscal e contábil, serviços de repórter, filmagnes de aniversários e casamentos, economista, engenheiro em postos mecânicos, eletricista, professor de matemática e outros. Apesar de ser relacionada como uma das práticas de economia solidária, sua incorporação no meio é bem embrionária, às vezes objeto de certo conflito observável nos fóruns de discussões por conta da não introdução do tema nos grupos de trabalho dos eventos ou na pesquisa sobre mapeamento da economia solidária no Brasil, realizada pela Secretaria Nacional e Fórum Brasileiro de Economia Solidária. 72 �O que deve impulsionar a economia solidária, portanto, diversamente da economia capitalista, não é a acumulação tautológica do capital, por meio da utilização generalizada do trabalho assalariado e da competição, mas sim a reprodução e a generalização da própria comunidade de
140
Essa ambigüidade, não intercepta o processo de produção de novos
sentidos e práticas para vida econômica dos trabalhadores desempregados ou
subempregados. Como se desejou mostrar na abordagem desse tema da
organização do trabalho, três forças sociais interagem aí : as relações de
subcontratação das cooperativas; a cultura do trabalho estandartizado taylorista;
a racionalidade artesanal do trabalho de subsistência. Esses condicionantes
associados com a frágil tradição do cooperativismo, torna a experimentação
prática da economia solidária um quadro de muitas contradições e ambivalências.
Ainda assim, em meio aos paradoxos, modos diferentes de se trabalhar estão
sendo construídos em situações novas de cooperativas recém criadas como
naquelas provenientes de empresas falidas. Há intensificação de trabalho com
alargamento do horário de expediente e também maior proximidade e
entendimento entre os trabalhadores. Quer dizer, nessas inovações leva-se em
conta aspectos subjetivos positivos do trabalho, mesmo que o fantasma do
trabalho assalariado tradicional ronde as novas experiências lembrando a maior
segurança do salário, do horário fixo e a menor responsabilidade.
2.3- TECNOLOGIA SOCIAL: INOVAÇÕES PARA OS PEQUENOS
Em termos de educação, o que se evidencia é a baixa escolaridade dos
trabalhadores na grande maioria dos empreendimentos, isso tanto em termos de
diplomação formal quanto no que respeita a formação técnica para a execução da
finalidade econômica da unidade, como, também, sua gestão.
A formação é reiteradamente um ponto importante, revelado pelas
pesquisas, e, ainda, que iniciativas sejam tomadas, elas estão sempre aquém das
necessidades na maioria dos casos, como na Cooperativa de Moveleiros de João
Alfredo (Comovel) no agreste pernambucano:
Recentemente, havia sido ofertado um curso de fabricação de móveis e
segurança no trabalho para os associados, com professores da UFPE
(Universidade Federal de Pernambuco). O referido curso, financiado pelo trabalho, compreendida esta como a produção e reprodução estável de postos de trabalho em condições de eqüidade ou igualdade social, bem como o estabelecimento de relações reguladas entre os empreendimentos econômicos no âmbito societário da divisão do trabalho.� (Candido Giraldez Vieitz e Marilena Nakano, A Economia Solidária no Estado de São Paulo e os Diferentes Tipos de Empreendimentos, In, Luiz Inácio Gaiger (org), Sentidos e Experiências da Economia Solidária no Brasil, Porto Alegre, UFRGS, 2004, p. 153-154).
141
Ministério de Agricultura, entre os seus objetivos, visava a orientar a
fabricação de móveis de qualidade, evitar o desperdício e difundir técnicas
de segurança do trabalho. Apesar de iniciativas como essa, a qualificação
da mão-de-obra continua sendo a principal dificuldade encontrada do
grupo. (JESUS, 2004, p.307).
As Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP) funcionam
como apoio efetivo por um tempo que varia de dois anos a mais, e, que envolve
infraestrutura com local para instalações da produção, reuniões, escritórios e
central de negócios. Além de equipamentos e condições para telefonia, internet e
computadores, bem como assessoria e formação para condução dos negócios e
gestão cooperativista. Isso ocorre, até que as cooperativas se consolidem e
possam se estruturar por conta própria.
Em várias experiências dessa natureza, em ITCP, a presença de
trabalhadores da periferia com pouca formação escolar e profissionalizante, é
bastante recorrente:
se constatou que �reciclagem� (coleta, triagem e comercialização de
resíduos sólidos), costura (...) e produção de alimentos se repetiam em
quase todos os municípios em que se desenvolveu o projeto. Esse fato
corrobora experiências já vivenciadas pelas incubadoras de cooperativas,
onde se constatou que as atividades definidas pelos grupos são fruto das
habilidades e de mercados já conhecidos. No caso da atividade de
reciclagem percebe-se também forte influência da divulgação de várias
experiências nessa área, feita pela mídia ou por ONGs. Em ambas
ocupações a grande maioria era de mulheres, proporção maior no caso
dos trabalhos de costura e de produção de alimentos. Essas atividades
tradicionalmente associadas aos ofícios domésticos a cargo da mulher
refletem, ademais, a enorme quantidade de mulheres à procura de uma
fonte de renda, o baixo nível de escolaridade e qualificação, assim como o
curto e desesperante horizonte de emprego desse contingente de
pessoas.� (CRUZ-MOREIRA, 2003, p.211)
A recondução da tecnologia voltada para a parte formativa mesmo dos
trabalhadores é tomada como um ponto central do processo de recondução das
empresas autogestionadas. Explicita-se que a desconstrução do mando e
142
subjugação fordista precisam ser encarados como um processo de desalienação
do trabalhador dos sentidos do trabalho.
Foram educados não para a liberdade, mas para a submissão. Foram
educados, não para saber, mas para obedecer. É preciso então refazer o
tempo todo o discurso da dominação, no geral e em espaços de ordem
mais técnica, administrativa e de gerenciamento. Mais adiantadas ou
menos adiantadas, todas as empresas têm o fordismo incorporado: cada
um tem o seu canto, cada um tem que olhar para aquele negócio, tem que
fazer bem feito aquilo que sabe. O homem certo, no lugar certo. A
compartimentação, a atomização, anos a fio na cabeça dos
trabalhadores.(...). (ANTEAG, 2000, p. 26).
Isso não é só um intento, mas crucial para permanência da experiência
cooperativista. �O desafio é que os trabalhadores carecem de cultura
cooperativista e inexperiência na gerência de negócios para levar suas
cooperativas ao sucesso, em lugar das antigas empresas que
afundara.�(ANTEAG, 2000, s/p, depoimento Paul Singer), menciona Paul Singer
para reiterar o papel da ANTEAG e Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas
Populares nessa perspectiva.
Para ANTEAG, a resistência dessa cultura do trabalho fordista na
mentalidade do trabalhador é um limitador para a recomposição das empresas
falidas em forma autogestionária, superior mesmo à baixa composição do capital
de giro. Essa mudança repercute de modo ambivalente para o trabalhador, pois
embora valorize o comportamento cooperativo, se recente do excessivo
comprometimento e responsabilidade com a rentabilidade do negócio que ora
aparece como positivo ora como entrave reacendendo o aprendizado do trabalho
subordinado da empesa convencional, demonstrado na maior dificuldade para
lidar com a gestão do negócio - tarefa afeita aos segmentos limitados ao trabalho
mais intelectualizado, conforme detectaram em pesquisa no Rio Grande do Sul.
A pesquisa �Iniciativas Autogestionárias no Rio Grande do Sul�, realizada
pelo Ibase e Anteag em 2001, ouvindo 367 trabalhadores de 13 unidades
autogestionárias do estado de uma amostra de 420 empreendimentos, com
objetivo de verificar mudanças comportamentais dos trabalhadores ante as
mudanças organizacionais e institucionais da empresa autogestionária. Chama
atenção, nessa pesquisa como nos demais estudos e publicações da ANTEAG, a
143
centralidade do viés político-pedagógico comportamental dos trabalhadores
associados para subverterem o autoritarismo capitalista convencional nas
empresas. Ainda que essa não seja uma dimensão desprezível, seu apartamento
das condições estruturais do trabalho coletivo em que se engatam essas
cooperativas, enfraquece o debate para uma percepção sobretudo voluntarista do
trabalho.
Nesse processo, há uma visão ampla de formação que inclui a dimensão
técnica da produção mesmo, a gestão e também a escolarização formal. No
conjunto, além da herança fordista, das limitações para acompanhar os avanços
tecnológicos do setor, esses trabalhadores, trazem também o legado da baixa
escolarização o que, enquanto fatores somados, contribui para fragilização
competitiva. A visão sobre a necessidade de enfrentar esses desafios e ampliar a
inserção cultural dos trabalhadores é uma constante na narrativa da ANTEAG,
que algumas cooperativas conseguem acompanhar.
O problema do maquinário obsoleto aparece em todas as experiências
relatadas pela ANTEAG, pois, em geral, as empresas originárias já faliram por
baixa produtividade em decorrência de equipamentos ultrapassados para os
níveis de competitividade do mercado. As cooperativas que assumem esse
parque de tecnologia atrasada e sem capital de investimento tendem a sacrificar,
ainda mais, o próprio trabalhador cooperado � que nessa condição adere mais
facilmente a expansão das horas de trabalho � para aumentar produtividade. O
mesmo pode ser evidenciado numa cooperativa de serviços incubada pela UFJF
(HECKERT, 2003).
A situação não é unívoca, havendo cooperativas de baixa inversão
tecnológica e modernização como os taxistas do Distrito Federal que não
conseguem renovar a frota de veículos, e, por outro lado, em menor proporção
nesse segmento, grupos do setor de informática com equipamentos tecnológicos
bem avançados (NUNES, 2004, p.241). O que gera demandas diferenciadas
para poder público, assessores, e, para a relação entre eles.
Não por outra razão, paralelamente ao crescimento desses
empreendimentos autogestionados, surgem iniciativas de debate e programas
públicos para abordar o problema da tecnologia nesses processos de produção e
trabalho. De modo geral, prevalecem dois modos de abordar a questão, um que
evidencia a fragilidade e inviabilidade do empreendimento em razão da estrutura
144
retrógada ou artesanal da produção, tendo como referência a �tecnologia
convencional� do capitalismo. Outro modo de abordagem, que foca a temática
sob o viés da alteridade cognitiva e política do conceito e aplicabilidade da
tecnologia, e, por conseguinte, a necessidade de se desenvolver tecnologia que
seja própria para economia solidária, o que chamam tecnologia social
Tecnologia Social, é �conjunto de técnicas e prccedimentos, associados a
formas de organização coletiva, que representam soluções para a inclusão social
e melhoria da qualidade de vida�, conforme definição consensuada em seminário
realizado pela Fundação Banco do Brasil em 2004. Costuma-se exemplificar
como tipos de artefatos tecnológicos dessa estirpe, o �multimistura� �
complemento alimentar usado no Brasil para o combate a desnutrição � e, as
cisternas de placas pré-moldadas que servem como reservatório de água de
chuva para períodos de seca no nordeste do país. Ou, ainda, os artefatos criados
no processo de reciclagem de resíduos sólidos. Em geral, associam-se à
características, como, simplicidade, baixo custo, fácil aplicabilidade e impacto
social. A noção de fundo é que a tecnologia decorre de escolhas éticas e políticas
não cabendo, por força da coerência ideológica e social, absorver a tecnologia
convencional no contexto da economia solidária73..
A ponderação sobre as relações tecnologia e projeto de desenvolvimento
da sociedade atravessa a história do capitalismo, naturalizando-as por tomar a
tecnologia como imanente a maior qualidade de vida social, por provocar maior
riqueza e crescimento material. De outra parte, buscando adaptar a tecnologia às
necessidades e realidade das sociedades periféricas, pobres em capacidade e
recursos para investimento tecnológico74.
Segundo os estudiosos do tema, a origem dessa preocupação não envolvia
valorizar tradições, mas melhorar as técnicas usadas localmente em favor da
73 (Cf.: Antonio E.Lassance Jr. E Juçara Santiago Pedreira, Tecnologias Sociais e Políticas Públicas, Tecnologia Social: uma estratégia para o desenvolvimento, Rio de Janeiro, Fundação Banco do Brasil, 2004, p.66) 74 Nesse caso, dá-se o nome de Tecnologia Apropriada (TA) em contraposição a inadequação da tecnologia convencional para o conjunto da sociedade. �A Índia do final do século XIX é reconhecida como o berço do que veio a se chamar no Ocidente TA. O pensamento dos reformadores daquela sociedade estava voltado para a reabilitação e o desenvolvimento das tecnologias tradicionais, praticadas em suas aldeias, como estratégia de luta contra o domínio britânico. Entre 1924 e 1927, Gandhi dedicou-se a construir programas, visando à popularização da fiação manual (...) Isso despertou a consciência política de milhões de habitantes das vilas daquele país sobre a necessidade da autodeterminação do povo e da renovação da indústria nativa hindu (...)� ( Renato Dagnino e outros, Sobre o marco analítico-conceitual da tecnologia social, Tecnologia Social: uma estratégia para o desenvolvimento, Rio de Janeiro: Fundação Banco do Brasil, 2004, p. 19) .
145
melhor simetria entre tecnologia moderna e meio ambiente, por exemplo. O
mesmo teria se replicado na China e em alguns estudos alemãs. A noção básica
era que tecnologia caracterizada por baixo custo, pequena escala, simplicidade e
adequação ao meio ambiente seria mais adequada ao mundo periférico. A própria
OIT aderiu ao tema e fomentou estudos nessa direção para África e Ásia. Entre
as principais críticas essa apropriação está a de que a mesma exaltaria o
tradicional como um revival primitivista ou que não atuaria sobre a estrutura de
poder econômico e político que está na base da hierarquização social das
escolhas e acesso a tecnologia no mundo.
O acirramento da dependência e subordinação dos países periféricos no
contexto mundializado do capital onde o desenvolvimento tecnológico é um fator
de relevo, mas também a depredação do meio ambiente e da vida humana com o
trabalho precarizado � trouxe a tona o redirecionamento desse debate sobre a
tecnologia a partir dos anos de 1980. Então, é nesse conjunto de mudanças que,
também, emerge uma discussão particularizada sobre tecnologia social.
A inserção subordinada e excludente do Brasil nesse universo
concentracionista do capital de onde deriva a extrema desigualdade social e o
caráter predatório sobre o meio ambiente, condiciona a revisão do debate na
direção de se pensar escolhas tecnológicas adequadas aos valores políticos que
se deseja superadores desse mal-estar social. No caso, mais uma ideação das
narrativas da economia solidária e outras inciativas do que uma perspectiva
teórica e política muito clara. Percebe-se que é um debate com diferentes
perspectivas de análises e possibilidades teóricas. Uns, imaginam mais a
formulação de aparatos tecnológicos que sirvam para amenizar a pobreza e a
miséria. Outros, segundo essa linha, enfatizam a formatação de órgãos de
fomento e assistência que repliquem a tecnologia para grupamentos sociais e
regiões geopolíticas pertencentes à zona de desemprego estrutural e baixa
produtividade. Uma outra linha de discussão, desenvolve argumento sobre a
necessidade de pensar teoricamente tecnologias imanentes ao trabalho e
produção autogeridos, preservacionista do meio ambiente e de postos de
ocupação, como no caso dos empreendimentos de economia solidária.
A tecnologia passa então a ser entendida como um espaço da luta social
no qual projetos políticos alternativos estão em pugna, e o
desenvolvimento tecnológico é delimitado pelos hábitos culturais
146
enraizados na economia, na ideologia, na religião e na tradição. O fato de
esses hábitos estarem tão profundamente arraigados na vida social a
ponto de se tornarem naturais, tanto para os que são dominados como
para os que dominam, é um aspecto da distribuição do poder social
engendrado pelo capital que sanciona a hegemonia como forma de
dominação. (DAGNINO, 2004, p.46)
A tecnologia é escolha social e não técnica � puramente � escolha que
garante maior acumulação de capital, mas também controle do poder de continuar
fazendo a escolha, controle de poder de classe � isto quer dizer, o controle
técnico não é uma exigência tecnológica pura.
Para essa corrente de pensamento,
A eficiência é uma moldura (valor formal) que pode carregar diversos tipos
diferentes de valores substantivos. Na teoria crítica, as tecnologias não são
vistas como ferramentas, mas como suportes para estilos de vida. A teoria
crítica da tecnologia abre-nos a possibilidade de pensar essas escolhas e
de submetê-las a controles mais democráticos.(DAGNINO, 2004, p.51)
O objetivo é pensar �um substrato cognitivo-tecnológico a partir do qual
atividades não inseridas no circuito formal da economia poderão ganhar
sustentabilidade e espaço crescente em relação às empresas convencionais.�
(Ibid, 2004, p.51). Isso significa adequar conhecimento científico e tecnologia
(máquinas, equipamentos, informações, organização produtiva e do trabalho) às
finalidades econômicas, mas também sociais e ambientais. Haveria então um
novo código sócio-técnico baseado em critérios como:
a participação democrática no processo de trabalho, o atendimento a
requisitos relativos ao meio ambiente (mediante, por exemplo, o aumento
da vida útil das máquinas e equipamentos), à saúde dos trabalhadores e
dos consumidores e à sua capacitação autogestionária. (Ibid, 2004, p.52-
53).
Quer dizer, é preciso dar conta das especificidades do projeto político do
empreendimento econômico. O replicar de tecnologia de uma empresa falida para
cooperativa, por exemplo, exige que se altere como o excedente gerado deve ser
repartido. Igualmente, a ampliação dos conhecimentos dos trabalhadores quanto
a produção, gerência e concepção de produtos, é uma exigência por conta da
propriedade coletiva dos meios de produção. O mesmo quanto ao
147
questionamento da divisão social do trabalho e progressivo maior controle do
trabalhador, como prevê a autogestão. Ou mesmo a possibilidade de revitalizar
maquinário antigo e reequacioná-lo com nova tecnologia para outras funções,
bem como o necessário investimento em pesquisa para seleção e invenção de
tecnologia adequada às demandas e não passível de adequação da tecnologia
convencional.
Parte desses objetivos vêm sendo perseguidos pelas Incubadoras
Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP). Trata-se do legado de quase
dez anos de experiências em projetos universitários. Hoje, algumas prefeituras já
tem suas experiências de incubagem, mas as primeiras, e, ainda, a maioria, são
incubadoras vinculadas à área de extensão das universidades. A idéia deriva da
experiência de incubagem de empresas � adequada, no caso, ao cooperativismo
popular � e, visa dar infra-estrutura, assessoria e capacitação para estruturar
cooperativas populares criadas por iniciativa de trabalhadores desempregados ou
em situação de precarização. Em 1999, essas incubadoras foram reunidas em
rede passando a formar a Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de
Cooperativas Populares formada por 16 incubadoras: UFRJ, USP, UFC, UFRN,
UFRPe, UEB, UFJF, UFSJ, UFV, UFSCAR, PUC-SP, Unicmap, UFPR, FURB
(Blumenau), UCP (Pelotas) e UNISINOS. Merece destaque o protagonismo das
incubadoras da UFRJ � primeira a ser criada no país, em 1995 � e da USP de
onde emergiram diversos trabalhos, pesquisas e seminários coordenados pelo
atual secretário nacional � Paul Singer e parte de sua equipe no governo75.
Mais recentemente, essa discussão específica sobre tecnologia social e a
possibilidade de intercâmbio entre diferentes sujeitos políticos levou a constituição
da Rede de Tecnologia Social (RTS) cujo objetivo �é promover o desenvolvimento
75 No caso das incubadoras de governos locais, pelo que se sabe, são programas de incubagem que se realizam a partir de convênios com incubadoras universitárias como das prefeituras de São Paulo, Santo André e Recife. As incubadoras universitárias compõem a UNITRABALHO � outro efetivo agenciador nesse campo da economia solidária � rede universitária nacional que agrega 92 universidades e instituições de ensino superior, criada em 1996, para articular e promover parcerias de pesquisas e estudos sobre o trabalho ( www.unitrabalho.org.br). Vale dizer que figura entre programas de fomento do governo federal o PRONINC ( Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares) criado entre 1995 e 1997 tendo como financiadora a FINEP, o BNDES e o Banco do Brasil, que vem aumentando volume de recursos promovendo com isso maior engajamento das universidades. É interessante considerar que até 2001, as atividades econômicas incubadas pelas ITCPs das universidades se concentravam na área de serviços � 70% - nomeadamente em serviços gerais (limpeza e manutenção) e em serviços de coleta e seleção de material reciclável ( Sonia Heckert (org), Cooperativismo Popular, Juiz de Fora, UFJF, 2003, p. 130)
148
local sustentável mediante técnicas e metodologias transformadoras,
desenvolvidas na interação com a população, que representem soluções para
inclusão social� (TECNOLOGIA SOCIAL, 2004, p.211). Nesta rede, participam
órgãos públicos, unidades econômicas e entidades da sociedade civil.
É bem perceptível que a parceria com organizações de assessoria ou
órgãos públicos seja decisivo no processo de comercialização, infraestrutura
produtiva e formação dos associados no tocante a conhecimentos técnicos, mas
também jurídicos e educativos em autogestão. Ao lado dos empreendimentos de
economia solidária, cresce um emaranhado de organizações de assessoria
técnica que passa a interferir nos processos de constituição das políticas públicas
de apoio e financiamentos, ao passo que também vão difundindo essa ideação da
economia solidária como uma possibilidade social e motivo de diálogo com o
poder público. Tomando a tecnologia como elemento material mesmo, mas
também como cultura, como modo de fazer o trabalho autogerido.
A questão teórica que se impõe é a de entender até onde é possível pensar
na autogestão para além de uma alternativa no trabalho capitalista. A ideação do
socialismo por meio do empreendedorismo se estrutura numa narrativa sem base
histórica real pela densidade da rigidez da totalidade social que vincula a
sobrevivência dos pequenos a sua associação subordinada às grandes
empresas.
A sustentabilidade capitalista se vincula ao tempo de trabalho e aqui a
tecnologia tem historicamente papel essencial. Não a tecnologia tomada
segmentarmente na hierarquia social, mas entendendo-se que �Tempo de
trabalho socialmente necessário é aquele requerido para produzir um valor de uso
qualquer, nas condições dadas de produção socialmente normais, e com grau
social médio de habilidade e de intensidade de trabalho.� (MARX, 1983, p.48)
A identificação dessa temática tecnologia, nas pesquisas sobre as
experiências de economia solidária, levou-nos a perceber que a fundamentação
tecnológica do processo de mudança produtiva é ainda um intento reconhecido
como necessário, mas pouco claro sobre o seu sentido conceitual e operativo
para fortalecer as unidades produtivas. Mesmo que seja essencial para a
viabilidade da atitude empreeendedora exigida nesse contexto de trabalho
liberalizado, de matiz autogerido e que também precisa garantir eficiência.
149
Para o mercado importa a força de trabalho global, não as condições
sociais e virtudes da economia solidária. A maior produtividade implica redução
do preço da mercadoria e da força de trabalho, o que garante melhores condições
de venda no mercado. Como o mercado é único, o confronto dos segmentos
favorece aquele com condições vantajosas de produtividade. Por isso, se afirma
que não há igualdade entre os agentes econômicos, pensando-se os
empreendedores individualmente, nem enquanto segmentos econômicos
coletivos diversos. Nessa condição, só entra no mercado em condições de
disputa trabalhadores informais em áreas inovadoras que não são de
investimento do capital, mas tão logo, seja rentável tende a ser absorvido no seu
circuito concentracionista.
De outro lado, percebe-se uma teia de novos problemas e sujeitos políticos
a pensar, discutir, intercambiar e disputar significados e fundos públicos para esse
fim � estruturar o empreendedorismo. Nesse processo, a amibiguidade se expõe
em veredas que ora assinalam um campo comum para problemática tecnológica
ora um universo específico � de trabalho, mercado, tecnologia � para os
trabalhadores desempregados, agarrados a esse único horizonte do auto-
emprego.
2.4- FINANCIAMENTO: O ACESSO DOS MIÚDOS
A possibilidade da fomentação da atitude empreendedora junto aos
trabalhadores desempregados ou inseridos em atividades econômicas de
subsistência, tem como um ponto de choque a ausência de capital acumulado e
de oportunidade de acesso ao sistema financeiro. No conjunto, as iniciativas de
economia solidária, são testemunhas dessa indisposição elitista do sistema
financeiro com os trabalhadores sem garantias.
As experiências autogestionárias ligadas a ANTEAG, todas vivenciaram a
dificuldade de construir a prática nesse campo. A ausência de bens que
afiançassem empréstimos era um limitador. Mas, também, as dívidas das
empresas falidas originárias com órgãos públicos constituindo um permanente
obstáculo para o trabalho associado, sobretudo para renovar equipamentos e
garantir capital de giro.
150
A Coopervest enfrentou períodos difíceis que hoje espelham a realidade
da grande maioria das empresas de autogestão do Brasil. A cooperativa
recebeu um não de vários bancos quando buscou empréstimos para
financiar capital de giro e compra de matérias-primas, um problema
compartilhado pela maioria delas. Tentamos o BNB, Banese e Banco do
Brasil.(...) Ao consultar os passivos fiscais das antigas empresas, o Cadin �
Cadastro Informativo dos Créditos Não Quitados, órgãos e entidades
federais impedem com base legal, a tomada de empréstimos junto a
instituições financeiras e órgãos governamentais. (ANTEAG, 2000, p.82,
83).
Essas negativas eram uma constante nas várias experiências iniciadas no
anos 1990, o que quando não impedia mais fragilizava a inserção no contexto do
mercado.
A falta de capital de giro para investir na renovação do parque industrial é
um dos problemas mais sérios. Sabem que já passou da hora de buscar a
modernização para competir num mercado com concorrentes em posições
bem mais confortáveis e sempre fabricando produtos novos. Sem muito
fôlego, com a disposição de vencer essa guerra, a Cooparj disputa o
mercado como pode, esclarece Alcântara: sem dinheiro girando,
praticamente não conseguimos nos mexer. Um mês produzimos, outro
não. Somos comparados com o melhor parafuso do mercado, nosso
produto tem qualidade, mas perdemos por falta de diversificação e
inovações. (ANTEAG, 2000, p.116)
É bem verdade que essas experiências foram forçando a burocracia
pública e o capital financeiro a olharem para essas inovações produtivas de
pequeno porte que chegavam como pressão, por força de ações de sindicatos,
mas, também, pela via da modernização da organização produtiva com a
terceirização como vinha ocorrendo no mundo.
O processo de autogestão com o controle efetivo dos trabalhadores pode
ser separado em duas etapas. O primeiro terminou em 1990, com
experiências isoladas, com uma postura mais defensiva. Passados dois
anos � depois de sofrer discriminação na área de crédito e atuar sem apoio
da maioria dos sindicatos � tem início uma segunda fase, em que os
resultados começam a aparecer. Novos empréstimos foram liberados,
151
abriu-se maior campo de discussões e de parcerias. A autogestão antes
defensiva, hoje é pró-ativa. A minha participação na autogestão se dá
como representante da CUT no FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
Hoje sou suplente, mas durante cinco anos fui titular do Conselho
Deliberativo do FAT (Codefat), o que abriu portas para contatos em
instituições como o BNDES. (ANTEAG, 2000, s/p, depoimento Tiago
Nogueira).
Segundo relato da ANTEAG, até 1997 o BNDES � Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social - foi incapaz de formular uma política
específica para as empresas de trabalhadores, para atender suas necessidades
sob critérios de viabilidade econômica diferentes do capital empresarial
tradicional. O mesmo começou a ocorrer paulatinamente com a entrada de
determinados técnicos e a formulação da política nacional em torno da chamada
inclusão social. De acordo com a entidade, outro caminho foi tomado pela FINEP
� Financiadora de Estudos e Projetos - que desde o início financiou a própria
ANTEAG nesse processo de assessoria e formação de trabalhadores para
autogestão, mesmo que a questão das garantias de financiamento tenham sido,
também, com essa financiadora um ponto de fragilização.
Na pesquisa sobre os empreendimentos do Rio Grande do Sul, a questão
financeira aparece com centralidade nas preocupações sobre as possibilidades
de crescimento da empresa. Ainda que esse não seja um dado trabalhado pelos
pesquisadores perante a subjetividade dos trabalhadores, justificam tal
preocupação se reportando ao fato de que �Estas empresas estão inseridas no
mercado capitalista, sendo, portanto, instadas a ter competitividade, um produto
de qualidade, conhecer o mercado e os clientes.� (IBASE, 2004, p. 50).
No âmbito dos debates e publicações da economia solidária, costuma-se
dar bastante relevo a experiência cearense de programa de geração de renda e
trabalho da Associação de Moradores do Conjunto Palmares, da grande Fortaleza
- o Banco Palmas. O referido programa teve início na segunda metade dos anos
1990 e decorreu da avaliação da associação sobre os limites do processo de
urbanização que se realizou na localidade com benfeitorias urbanas para a antiga
favela, mas que gerou dificuldades para permanência dos moradores em razão
dos custos dos serviços urbanos e da especulação imobiliária. A valorização da
localidade expulsava os moradores para lugares mais insalubres e distantes. A
152
associação passou então a desenvolver ações de geração de renda, criando um
programa que associava o desenvolvimento do pequeno negócio local � a preços
mais competitivos para os moradores � com pequenos empréstimos sem se
vincular aos pesados critérios dos programas governamentais apoiados em juros
altos, ficha de crédito ilesa e avalistas com garantias econômicas. O Banco
Palmas, gerenciado pela Associação de Moradores, se baseia nas relações de
vizinhança como medida de segurança para aprovação de crédito, tendo por meio
dessas ações dinamizado as relações de produtores e consumidores na região
(MELO NETO SEGUNDO e MAGALHÃES, 2003).
O Banco Palmas compõe hoje um sistema que envolve uma série de
produtos e serviços visando dinamizar a economia do bairro com microcrédito,
cartão de crédito, feira de produtores locais, loja solidária, empreendimentos
produtivos (Palmafashion, Palmalimpe, Palmart), Clube de trocas e moeda social,
incubadora feminina, laboratório de agricultura urbana, compras coletivas, e,
Escola Comunitária de Socioeconomia Solidária. A base dos financiamentos e
envolvimento social com o sistema é a relação de vizinhaça.
Nos bairros pobres ninguém mais que os vizinhos conhecem tão bem as
pessoas. Todas as fragilidades e virtudes estão expostas cotidianamente;
as casas são conjugadas e as portas estão sempre abertas; as relações
fluem rapidamente pela solidariedade entre as famílias, sendo comum que
os vizinhos ajudem uns aos outros com um pouco de açúcar, um café, um
remédio ou outro gênero de primeira necessidade; e as crianças,
rapidamente, se socializam e começam a conviver coletivamente,
articulando os pais nestes círculos de amizade. (...) Quando a vizinhança
não quer fazer comentários sobre determinada pessoa por temer alguma
retaliação, isso é um indicador de que não se de um bom tomador de
crédito.� (Ibid, 2003, p.F16)76
O relato da experiência não deixa de mencionar os dilemas dessa prática
que corre por fora do sistema financeiro oficial:
76 Para se ter idéia do tamanho desse projeto, vejamos: �Toda a carteira de crédito do Banco Palmas, atualmente, é de apenas R$30.000,00 (trinta mil reais). Esse montante não cobre os custos de funcionamento do banco, que anualmente precisa recorrer a ajuda da cooperação internacional. �Para se manter autosustentável o Palmas necessitaria de uma carteira de 400 mil reais. (....) Até dezembro de 2002, os relatórios do Banco Palmas registram 1.400 (mil e quatrocentas famílias) diretamente beneficiadas pelo projeto. A inadimplência em dezembro de 2002 estava em torno de 3.5%�. (João Joaquim de Melo Neto Segundo e Sandra Magalhães, Banco Palmas ponto a ponto, Fortaleza, Expressão Gráfica, 2003, p. R 15)
153
Dificilmente, o Banco Palmas funcionaria na sua atual plenitude de ações
dentro do marco legal hoje existente no Brasil. (...) Não estamos afirmando
que fazemos as coisas �ilegais� e sim que a legalidade que acompanha a
formalidade do atual sistema financeiro não comporta as ações de
microcréditos que desenvolvemos. Em outras palavras: temos a liberdade
de fazermos porque não somos controlados pelo Banco Central. Mas, a
informalidade tem um preço. A opção de se manter informal restringe o
acesso do Banco Palmas a outras fontes de financiamento, a captação de
recursos públicos e de poupança. Poucos financiadores aceitaram a forma
como operamos nossa carteira de créditos. (Ibid, 2003, p. T16)
A tendência à reinvenção da cidadania nessas experimentações, podem
ser vislumbradas pela incorporação de segmentos socialmente oprimidos como
mulheres, trabalhadores mais velhos, deficientes, bem como ao trazer à tona
problemas da localidade de moradia. A inserção dessas iniciativas na localidade
de residência e mobilização de recursos da proximidade recoloca outra relação
entre trabalho e cidade ou trabalho e espaço da moradia. Alguns
empreendimentos sinalizam essa articulação com o desenvolvimento local, mas
nem todos caminham nessa perspectiva, muito embora, pareça ser esse o sentido
de futuro dessas iniciativas para publicizarem suas necessidades sociais e
disputarem fundo público, na medida em que o trabalho se afasta daquela forma
clássica de expressão do conflito capital-trabalho. A experiência em torno do MST
pareça ser uma distinção bem marcada como naquelas cidades e regiões em que
fóruns coletivos de gestão foram instituídos. O território local costuma ser
relacionado como beneficiário do aumento do consumo dos trabalhadores
associados que conseguem manter algum nível de sustentabilidade no
empreendimento, sendo isso considerado uma ampliação dos possíveis
beneficiários desses projetos. Quer dizer: não se restringe ao universo individual
e familiar do trabalhador, o que possibilita pensar dentro desses limites a
estruturação econômica também da região77.
Essa relação com a localidade pode também revelar regressividades
importantes, na medida em que lidamos com um conjunto heterogêneo de
experiências num contexto social bem diversificado geopolíticamente também. 77 É preciso pensar esse deslocamento para localidade exatamente quando o capital mais se centraliza e concentra. É nesse universo que as políticas macroeconômicas impõe a privatização e
154
Por exemplo, a pesquisa sobre economia solidária em Pernambuco revela a
promiscuidade da relação de sujeitos políticos locais com empreendimentos
dessa natureza como a cooperativa de movéis Comovel, em que o presidente tem
acesso aos segmentos políticos locais, mas ao invés de fortalecer a autonomia do
grupo cooperativo parece fazer uso dessa vantagem em causa própria. (JESUS,
2004, p.308)
Entre as empresas autogeridas esse é um tema bem enfatizado na
narrativa dos assessores e lideranças do movimento autogestionário, o que
também se reflete nas próprias experiências sistematizadas como é o caso da
Facit de Juiz de Fora, em Minas Gerais, que mantém envolvimento com a
localidade através, por exemplo, da manutenção de uma escola regular que
auxiliou muitos moradores a concluírem o primeiro grau.
A experiência do Banco Palmas, como dito, emergiu como uma estratégia
de desenvolvimento local e, por isso, como eles dizem, mobilizaram produtores e
consumidores em torno do atendimento das necessidades da população do bairro
no próprio bairro.
O que importa é que com R$500,00 (quinhentos reais) se consegue gerar
um posto de trabalho no Banco Palmas. É que uma obra construida no
bairro no valor de R$51.000,00 mil reais, se transforma em 102 mil
unidades monetárias e que tudo isso circula localmente. Que uma mulher
em situação de risco é resgatada em sua cidadania e consegue de volta
sua trabalhabilidade com o custo individual de R$125,00 (cento e vinte e
cinco reais) mensais. Que mulheres que antes estavam expostas às
drogas e violência hoje ocupam cargos de diretoras executivas da
Associação de Moradores, porque voltaram a se reintegrar a comunidade.
(...). Contudo, o que mais importa, é que ali, no Conjunto Palmeira, a
comunidade decidiu que ela jamais vai aceitar conviver pacificamente com
a fome e a pobreza sem que uma solução seja buscada de si própria.(Ibid,
2003, p.R16).
Os laços de proximidade (muitas vezes de parentesco) fazem com que a
economia solidária (como a informal, em geral) se fortaleçam nesse horizonte
incapaz de gerar empregos. Os vínculos, atenuam a insegurança social e as
crises, contornando demissões com diminuição da remuneração ou outras liberalização para descentralização produtiva fragmentando os contextos de trabalho aumentando
155
vantagens. A empresa fica limitada para diminuir salários, então demite. Mas, o
negócio familiar ou solidário amplia a jornada e reduz remuneração na expectativa
de dias melhores.
O tema do financiamento se repete nos relatos das experiências e nos
debates como pedra fundante da constituição e desenvolvimento dessas
iniciativas econômicas. Na prática, vivencia-se a dificuldade de acesso à crédito
tanto para negócios de porte como para as empresas autogestionárias como para
cooperativas populares embrionárias. Por meio de vários mecanismos
burocráticos, legais e normativos os trabalhadores desempregados são impedidos
do acesso ao sistema financeiro nacional. Esse é o diagnóstico central dos
sujeitos políticos envolvidos na economia solidária.
A abordagem desse tema expõe o caráter concentracionista e elitista do
sistema financeiro nacional, reforçando a perversa tradição sócio-histórica de
segmentação social dos trabalhadores, ainda mais acentuado nesse panorama da
financeirização e mundialização dos últimos 20 anos que deprime sobremaneira
as regiões menos antenadas com o poder econômico e tecnológico78. Na
condução das políticas econômicas toma-se como central
os incluídos no mercado de consumo, para os quais se pensa e se
executa a política macroeconômica. Assim, são descartados de imediato
aproximadamente os 30% da população que só existem como �clientes�
das políticas sociais do Estado e não contam para formulação das políticas
macroeconômicas, tal qual se passou e se passa nos países que adotaram
as teses do Consenso de Washington.(TOSCANO, 2004, p.2).
A perspectiva é então pensar como ativar negócios para esse segmento
tendo em vista a exigência de crédito. Nessa linha, encontra-se o debate sobre
microcrédito e instituições financeiras locais, idealizado como renda
o excedente de trabalhadores e, por consegüinte, penalizando a classe trabalhadora. 78 Para se ter uma idéia dessas características do sistema é bom lembrar que �atualmente, são 110 bancos que operam no país. Entretanto, é um segmento extremamente concentrado � os 50 maiores bancos (sem o BNDES) detinham, em dezembro de 2003, cerca de 84,1% dos ativos totais do sistema -, e apresentam elevada rentabilidade, principalmente nas operações com títulos da dívida pública e na especulação com moedas fortes.� (Idalvo Toscano, Bancos Populares de Desenvolvimento Solidário, São Paulo, Pólis,2004, p.3) O Sistema Financeiro Nacional é controlado pelo Banco Central e é formado por bancos comerciais, bancos de desenvolvimento, bancos de investimentos, financeiras, associações de poupança e empréstimos, diversas instituições que fazem intermediação financeira e também as cooperativas de crédito. Sendo dos bancos comerciais os que mais diretamente atendem a população em geral e onde se �praticam umas das mais altas taxas de juros do mundo na ponta consumidor, são extremamente seletivos na concessão de crédito (tanto produtivo, quanto o que se destina ao consumo das famílias), são restritos em seu atendimento � 35% da população e menos da metade dos municípios têm acesso aos serviços bancários � e, ao contrário do que seria desejável, não guardam nenhuma funcionalidade com qualquer projeto de desenvolvimento.� (Ibid, p. 2)
156
autosustentável, capaz de gerar ocupação produtiva e consumo. A idéia passa
por constituir uma modalidade própria de finanças que envolva crédito, poupança
e seguro para os trabalhadores não assalariados e desempregados visando
investimento produtivo e o próprio consumo familiar. O que aparece tanto como
ampliação do acesso social quanto espaço de alargamento de territórios sociais
de investimento econômico. Dubiamente, parece instituição de dois mundos
financeiros e ao mesmo tempo a expansão da capitalização para o conjunto
social.
Os estudos coordenados por Ricardo Abramovay (2004) a respeito da vida
financeira de famílias vivendo próximas à linha da pobreza mostra que a distância
da população do sistema financeiro formal não se dá por falta de demanda, mas
por descompasso entre serviços ofertados (e seus custos) e realidade de vida no
interior rural do país e na periferia pobre das grandes cidades. Mostram uma
diversidade de modos financeiros informais de se fazer empréstimo ou poupança
para cobrir necessidades produtivas ou de consumo familiar em tempos
econômicos mais depressivos ou de infortúnios por doença ou morte entre
familiares. Um conjunto de modos de finanças informais baseada na rede de
relações sociais a que trabalhadores e suas famílias estão inseridos.
O que se percebe é que essa vida financeira miúda e minguada passa a
compor universo de estudos:
Comprar fiado, �vender na palha�, guardar um produto esperando melhor
preço, desfazer-se de um animal para enfrentar uma doença, tomar
dinheiro emprestado para aproveitar oportunidade econômica, constituir
uma caixinha entre amigos e vizinhos, fazer seguro-funeral, são apenas
algumas das formas pelas quais a reprodução dos indivíduos passa por
laços que são, ao mesmo tempo, sociais, muitas vezes pessoais e quase
sempre financeiros. (...). A vida financeira das famílias deve ser encarada
sob o ângulo de suas ligações sociais: cada operação exprime vínculos,
que podem ser de igualdade, de subordinação, de hierarquia, de
cooperação, de exploração, mas que, de forma impressionante, revelam o
amplo domínio da reciprocidade nas sociedades contemporâneas.
(ABRAMOVAY, 2004, p. 21-22)
Ainda que esse traçado da informalidade também revele e reitere
processos de dominação social local, os estudos adiantam que esse jeito de lidar
157
com as finanças é eficiente ali nas relações localizadas, de vizinhança e
familiares. Porque, como no caso do Banco Palmas, são agéis na coleta de
informações e a base de confiança faz com que a inadimplência seja quase nula
porque sustentada em obrigações, relações morais recíprocas. Por isso, o custo
das transações é baixo. Serviços muito caros e exigentes nos bancos oficiais, se
levarmos em consideração a realidade sócio-econômica dessa população �
clientes considerados de maior risco. O problema reside no quanto a
personalização favorece a maior dominação social, fazendo com que serviços
financeiros distantes do sistema formal, embora voltados para necessidade local,
reforcem a �propensão permanente a ligar proximidade, baixos custos de
transação à dominação clientelista e formas perversas de exploração do trabalho�
(ABRAMOVAY, 2004, p. 25)79.
A perspectiva apontada pelo estudo é a de fomentar cooperativas de
crédito localizadas, capazes de apropriação das necessidades efetivas dos
trabalhadores e de suas tradições de vínculos sociais, com o dispositivo de
depurar o que é meio de dominação clientelista nessas relações sociais através
dos possíveis mecanismos substantivos de democracia e participação do
cooperativismo80.
De outro lado, os estudos sinalizam a potencialidade dessas finanças de
proximidade no sentido de tornar o território local campo de investimento econômico e mobilização de negócios que favoreçam o próprio retorno, liquidez e
rentabilidade das organizações financeiras interessadas nessa fatia de mercado �
porque, de fato, é disso que se trata também: abertura de investimento de menor
79 Trata-se do caso do proprietário de terra que faz o pagamento de meeiros com alimentação de consumo familiar por serviços prestados de valor nem sempre muito claro. Contrapartidas não conroláveis. Ou do patrão que adianta o pagamento do salário em gastos no comércio local ou em pagamento de necessidades de doença ou funeral, também de difícil controle exato da dívida. Diferente não é o caso de comerciantes que ficam com o cartão bancário de pensionistas para �controlar� os seus gastos. 80 A Central Única dos Trabalhadores criou um sistema específico para isso � Sistema Ecosol de Crédito Solidário, a que o estudo em tela dá grande destaque: �as cooperativas podem contribuir para a redução da pobreza e da vulnerabilidade das famílias vivendo próximo à linha da pobreza oferecendo-lhes serviços que correspondam a suas reais necessidades, mas também contribuindo para ampliar o círculo de relações sociais destas famílias além daquele a que estão atualmente restritas. Contrariamente aos bancos � que oferecem políticas públicas como um serviço autônomo, segmentado e que nem de longe é o primeiro passo para o acesso a outros serviços -, a vocação das cooperativas é fazer desta oferta um meio de fortalecer o tecido econômico local e os horizontes de inserção social dos indivíduos a que o sistema bancário muito dificilmente abre as portas.� (Ricardo Abramovay (org.), Laços Financeiros na Luta contra a Pobreza, São paulo, Annablume, 2004, p. 61)
158
porte, capaz de movimentar capital e se constituir como possibilidades para
futuros médios e grandes negócios -, ou se engatar a estes de forma terceirizada.
Quer dizer, no lastro desse processo concentracionista financeiro
desenvolve-se a idéia de dar atenção ao pequeno, ao local, por meio, em diversos
pontos dos diferentes continentes, da preocupação com o microcrédito ou, em
sentido, mais abrangente, as microfinanças81. Uma modalidade de financiamento
voltada especificamente para indivíduos ou coletivos impedidos de ascender ao
sistema oficial voltado para quem já tem renda, ocupação, aptidão e garantias
econômico-jurídicas.
O microcrédito baseado em pequenos empréstimos avalizados em
relações de vizinhança ficou conhecido pela experiência indiana iniciada com
Muhammad Yunus com o Grameen Bank nos anos 197082.
Disseminou-se no mundo, e, hoje, afastado de suas perspectivas iniciais, o
conceito de microcrédito é adotado pelo mercado financeiro sob as orientações do
Banco Mundial e FMI, induzindo a criação de carteiras de crédito específicas para
o setor informal e de pequenas empresas nos bancos tradicionais. A Organização
das Nações Unidas (ONU) acredita que estratégias socioeconômicas dessa
natureza podem colaborar com os objetivos de desenvolvimento do milênio, por
isso instituiu o ano de 2005 como Ano Internacional do Microcrédito visando
promovê-lo no combate a pobreza.
Antes da experiência indiana semelhante ocupação com o acesso ao
crédito aparecia nas cooperativas de crédito, precursoras dessa tentativa de furar
o cerco do sistema financeiro83. No Brasil, embora a primeira experiência seja de
81 O conceito de microfinanças é mais abrangente que microcrédito, na medida que inclui além do crédito outros serviços financeiros essenciais para vida produtiva e o consumo familiar como poupança e seguros. 82 Segundo Yunus o empreendedorismo depende de investimento financeiro de modo a igualizar as oportunidades: �A minha idéia, meu conceito, é que toda figura humana é um empreendedor em potencial. Precisamos então construir e criar instituições para ajudar os empreendedores, porque são eles que fazem as coisas acontecerem. Como todas pessoas podem ser empreendedoras, precisam então de instituições financeiras diferentes das tradicionais. Desta forma, cremos que o crédito deve ser aceito como um dos ítens dos direitos humanos, porque tudo o que precisa ser feito necessita de dinheiro. E aí está o sentido da criação das organizações de microcrédito. Isso porque não existem instituições que apóiem a obtenção do dinheiro. As pessoas pobres não podem pedir dinheiro emprestado nas instituições tradiconais, mas apenas de agiotas. Isto ocorre desde os primórdios da humanidade� (Silvio Caccia Bava, O microcrédito contra a pobreza, Jornal Diário de São Paulo, 19/10/2004, p. 2) 83 �As cooperativas de crédito surgiram, em meados do Século XIX, em alguns países da Europa e disseminaram-se, a seguir, para outros continentes. (...). O cooperativismo de crédito talvez tenha sido a melhor resposta econômica e organizativa que as camadas mais empobrecidas das
159
1902 no Rio Grande do Sul, segundo os estudiosos do tema, nunca foi uma área
de forte interesse ao longo do Século XX.
Essa imagem negativa esteve presente, de um lado, entre os governantes
e as elites, que viam no associativismo um espaço de criação de
movimentos políticos de cunho socialista, e de outro, no meio dos
banqueiros, que temiam a implantação de novas formas de concorrência
no setor financeiro. Acredita-se que o receio era que a massificação das
cooperativas de crédito poderia, quando menos contrabalançar as altas
taxas de lucratividade que o setor bancário alcança no Brasil.(...). Esses
temores foram, inclusive, responsáveis pela criação de restrições legais,
que praticamente impediram o funcionamento do cooperativismo de crédito
no país, durante todo o período militar. Somente com a redemocratização
dos anos 1980, o processo de expansão é retomado, ainda que num ritmo
lento em relação às dimensões e necessidades do país.(BÚRIGO, 2003,
p.10)84
Além disso, acredita-se também ser possível que o setor cooperativo
creditício tradicional esteja orientando-se para maior concentração e
verticalização, voltando-se para os interesses essencialmente de mercado, o que
�pouco poderá fazer para contrapor o modelo concentrador de renda, de fuga de
capitais e de oportunidades de desenvolvimento econômico de regiões menos
atraentes ao capital� (Ibid, 2003, p.10).
sociedades recém industrializadas na Europa e da América do Norte encontraram para se defender das altas taxas de juros. Grupos de proletários urbanos, de agricultores familiares e de pequenos artesões se tornaram para estabelecer um novo instrumento de barganha frente à exploração exacerbada dos controladores de dinheiro. Antes da existência das cooperativas de crédito, o agiota era, muitas vezes, a única alternativa que os necessitados encontravam para obter recursos vitais à sua sobrevivência e de suas famílias.� (Fábio Luiz Búrigo, Desafios e Potencialidades das Instituições Financeiras Locais, Blumenau, Congresso Latino-Americano de Microcrédito, 2003,p. 4) Pelo que se sabe em diversos países as cooperativas de crédito foram estimuladas por legislações levando a que se tornasse apoio do Welfare State, como no caso da França que se expandiu com tamanha capilaridade a ponto de fomentar pequenos grupos cooperados da agricultura. Todavia, como todo sistema cooperativo, também se acomodou a oligopolização do capitalismo e passo a passo, muitas dessas cooperativas se distanciaram das necessidades dos cooperados e mais se aproximaram dos modelos bancários tradicionais. O que recentemente se deseja retomar sobre outras bases políticas. 84 �Em junho de 2003, o governo federal informava que, enquanto no caso brasileiro o segmento cooperativista de crédito não alcança a 1,5% das operações, na Alemanha ele representa 20% do sistema financeiro, na Espanha é responsável por 45% do crédito, na Itália por 28% da movimentação financeira e nos Estados Unidos conta com 80 milhões de associados, que movimentam 480 bilhões de dólares ativos.� (Fábio Luiz Búrigo, Desafios e Potencialidades das Instituições Financeiras Locais, Blumenau, Congresso Latino-Americano de Microcrédito, 2003, p.12)
160
O microcrédito vem sendo pensado como instrumento de estímulo ao
desenvolvimento local de modo a dinamizar economias de pequenas regiões, isso
tanto no sentido de ampliar a inserção no circuito financeiro tradicional quanto na
constituição de um sistema a parte voltado para o segmento mais empobrecido.
Em termos gerais, os novos instrumentos monetários que (re) surgem em
várias partes do mundo, dentro do movimento da economia solidária, são,
quando menos, demonstrações de que o dinheiro oficial não está
atendendo às necessidades sociais e econômicas da maioria da
população, atuando, principalmente como elo de reprodução do capital.�
(Ibid, 2003, p. 16).
Mas, não só facilitando o crédito, mas desenvolvendo ações que fortaleçam
a manutenção dos empreendimentos financiados, consolidando parcerias e
cadeias produtivas que coloquem em relação produtores e consumidores.
Na narrativa a respeito, no campo da economia solidária, não se trata de
ampliar oferta de crédito, mas um outro projeto sócio-econômico de base local,
fazendo disseminar variadas formas de finanças que movimente a localidade � a
exemplo do Banco Palmas - ao mesmo tempo que integre
as diversas e plurais iniciativas espalhadas Brasil a fora, articulando-se em
um �Sistema de Crédito Popular Solidário� no qual as instituições
participantes tenham como princípio fundamental fazer de cada um dos
usuários de seus serviços em associado que participa efetivamente das
decisões da instiutição e que detêm uma fatia, mesmo que incialmente
pequena, do capital das mesmas. (TOSCANO, 2004, p.6)
Com base nesses dados, trata-se da ampliação do universo de práticas
econômicas, incluindo aí novas modalidades de financiamento, mas também
reconstituição de relações e laços sociais que se realizam (realizavam) menos
oficialmente.
2.5- ORGANIZAÇÃO POLÍTICA: ESPAÇOS PARA AGIR E NEGOCIAR COMO SUJEITO COLETIVO
Essas demandas chegam ao cenário sócio-político do país no lastro de
alguns anos de experimentações, articulações políticas e agenciamentos
produtivos envolvendo, como mencionado antes, organizações não
governamentais (ongs), movimentos sociais, igreja e sindicatos. Já antes de
161
alcançar o nível central da República fora objeto de compromissos regionais em
governos locais, como também na dimensão internacional à exemplo da agenda
elaborada a partir e nas variadas edições do Fórum Social Mundial85.
No tocante as experimentações da sociedade, elas ganham sentido no
amplo processo reformista dos anos de 1990 que desqualificou o Estado
enquanto instância política e de proteção social, e do giro dos movimentos sociais
na perspectiva de uma ação mais testemunhal � mostrar pragmaticamente como
se faz. Floresceram entidades, associações e organizações novas e
reestruturadas, ocupadas com a prática de gestão de programas sociais, velando
pelo que se chamava �fortalecimento da sociedade civil�86. As ações no campo
da geração de renda e trabalho são um bom exemplo disso, tendo muitas delas
deslocado-se para economia solidária, onde de fato evidenciamos em suas
experiências concretas o apoio de organizações não governamentais ou
organizações religiosas realizando capacitação, assessoria, doação de recursos
ou cessão de infra-estrutura para a produção associada87.
Aos poucos, essas experiências foram ganhando visibilidde local e
incorporação em programas de governos regionais como alternativa ao
desemprego e desaquecimento econômico territorial; mesmo com os limites de
governalidade desses governos sobre os fatores macroeconomicos. Isso é
85 A respeito do Fórum Social Mundial, conferir: 1) Antonio David Cattani (org), Fórum Social Mundial, a construção de um mundo melhor, Porto Alegre, Petropólis, UFRGS, Vozes, 2001. 2) François Houtart, François polet (orgs), O Outro Davos, mundialização das resistências e lutas, São Paulo, Cortez, 2002. 3) Samir Amim, François Houtart (org), Mundialização das resistências, o estado das lutas 2003, São Paulo, Cortez, 2003. 4) Chico Whitaker, O desafio do Fórum Social Mundial, um modo de ver, São Paulo, Fundação Perseu Abramo/ Loyola, 2005. 86 Vale lembrar que essa visão guarda-chuva reserva muitas contraditoriedades e trilhas de entendimento � não é possível esquecer a própria ressonância das lutas sociais dos anos de 1980 que ainda tem suas virtudes reverberando entre as entidades envolvidas. Todavia, as circunstâncias de desqualificação do Estado nos anos 1990 também se revelaram nesse agir autônomo dos indivíduos nas intercessões das dimensões de gênero, etnia, geração com as propriedades da experiência de classe social mesmo. O problema é que ao restringir o papel do Estado se deixa livre o mercado e �Se um Estado é indispensável, não é porque a sociedade, a democracia ou a sociedade civil precisem de um �tutor�, mas, ao contrário: é porque essa é uma das condições para que elas sejam mais autônomas e potentes.� ( Marco Aurélio Nogueira, Um Estado para sociedade civil, São Paulo, Cortez, 2004, p. 67). 87Chama atenção a presença daquelas entidades que atuaram e se projetaram no âmbito dos movimentos sociais nos anos de 1980; muitas de caráter nacional o que tanto demonstra seu dinamismo como sua capilaridade e capacidade de articulação social; e, ainda, a presença da Central Única dos Trabalhadores (CUT) com sua Agência Nacional de Desenvolvimento (ADS) e sistema de crédito apontando novo caminho para entidade sindical. Conta a documentação investigada que a Igreja Católica teve um papel decisivo nos primórdios das experiências através da Cáritas, conforme registra: Ademar de Andrade Bertucci e Roberto Marinho Alves da Silva (org), Vinte Anos de Economia Popular Solidária, trajetória da Cáritas Brasileira dos PACS à EPS, Brasília, Cáritas Brasileira, 2003.
162
particularmente expressivo enquanto economia solidária em governos populares
de esquerda, principalmente do Partido dos Trabalhadores. Paulatinamente,
foram se forjando nas regiões metropolitanas e rurais práticas de fomento à
economia solidária, fortalecendo ações já existentes de organizações da
sociedade e entidades religiosas ou sindicais. São destaques nessa direção o
Governo do Estado do Rio Grande do Sul 1999/2002 (LEBOUTTE, 2003),
Prefeitura de São Paulo (2000/2004), Prefeitura de Recife (2000/2004), Prefeitura
de Santo André, Prefeitura de Belém, Prefeitura de Chapecó (SC), Prefeitura de
Porto Alegre, Prefeitura de Caxias do Sul, Prefeitura de Belo Horizonte, entre
outras88.
Não se pode dizer que há entrosamento unívoco de ações e idéias nesses
governos petistas, mas apenas que o formato de economia solidária enquanto
produção associada chega a ser uma forte tendência que almeja se estruturar e
se apresentar como uma opção de trabalho e vida na particularidade da
governança petista. Em termos de ações práticas, de modo geral, fomentam
direta ou indiretamente Feiras e Entrepostos de Economia Solidária, Incubagem
de Cooperativas/Associações Produtivas, Qualificação Técnica e de Autogestão,
e Programas de Microcrédito/Banco do Povo.
Na realidade, entre os anos 1980 e 1990, foram se processando
experimentações variadas de práticas econômicas, mas é entre finais da última
década e início desses anos recentes que ganha expressão um movimento de
articulação de sujeitos políticos, valores e perspectivas sociais. O quadro abaixo
apresenta uma síntese dos principais marcos dessa tenra história.
88 A experiência de São Paulo foi apresentada nas publicações: Márcio Pochmann, Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade, São Paulo, Cortez, 2002; Márcio Pochmann (org) Reestruturação Produtiva, Rio de Janeiro, Vozes, 2004. Segundo os gestores da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da prefeitura na época, os seus programas estavam centrados na periferia urbana e nas necessidades dos desempregados a ponto de ser possível falar de um choque distributivo, mesmo que nos limites da gestão desses problemas pelo município: Renda Mínima ( 323 mil famílias atendidas), Bolsa Trabalho (63,4 mil famílias atendidas), Começar de Novo (58,9 mil famílias), Operação Trabalho (20,5 mil jovens e adultos), São Paulo Confia/Banco do Povo (22,9 empréstimos concedidos), Oportunidade Solidária (19,2 mil pessoas); Capacitação Ocupacional (116,6 mil jovens e adultos), São Paulo Inclui (5,7 mil empregos intermediados). Particularmente no Programa Oportunidade Solidária, diretamente vinculado ao fomento da economia solidária, a secretaria informa que em 2004 (até julho) perto de 20 mil beneficiários dos demais programas redistributivos foram capacitados para autogestão, cooperativismo e empreendedorismo; e, 300 empreendimentos estão em processo de incubação com apoio de 12 incubadoras.
163
QUADRO N. 7 Quadro sintético e Histórico da Economia Solidária no BRASIL
PERÍODO ACONTECIMENTO BREVE DESCRIÇÃO
Anos 1980 e 1990
. Primeiras experiências de economia solidária
Experimentação de variadas experiências de geração de renda e trabalho por ONGs isoladamente e pela Cáritas através do seu programa Projetos Alternativos Comunitários ( PACs)
1998 . Encontro Latino-Americano de Cultura e Sócio-Economia Solidárias � Porto Alegre/RGS
Com a participação de países como México, Peru, Nicarágua, Bolívia, Espanha, Argentina e Brasil, elaborou-se a �Carta de Porto Alegre� onde se definiu entendimento sobre a economia solidária como alternativa social a internacionalização do capital e a pobreza dos países periféricos, estabelecendo estratégias para constituição de uma rede na região.
1995/ Anos 2000
. Experiências de políticas públicas regionais de economia solidária
Práticas de fomento e fortalecimento de programas de geração de renda e trabalho baseadas em economia solidária em governos municipais e estaduais com destaque para o protagonismo do RGS.
1997/ 2001 Articulação Internacional Articulação intercontinental liderados pela Rede Peruana de Economia Solidária, Redes do Quebec/Canadá e da França em torno de uma globalização solidária.
2000 . I Encontro Brasileiro de Cultura e Socioeconomia Solidários, em Mendes/RJ . Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária � RBSES
Com a participação de movimentos sociais, produtores populares e instituições de assessoria da sociedade civil, criou-se a Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária com o objetivo de constituir redes regionais para forlatelcer, articular e divulgar os grupos de produtores e consumidores a fim de dinamizar a cadeia produtiva de economia solidária.
2002 . Rede Intercontinental pela Promoção da Economia Social e Solidária (Canadá)
Criação da rede com o objetivo de desenvolver respostas inovadoras para os problemas da internacionalização da economia e promover o intercâmbio entre países dos hemisférios norte e sul.
2001/2004 . Fórum Social Mundial Nas quatro edições do fórum, três delas realizadas em Porto Alegre e a última na Índia, os debates e intercâmbios de idéias e práticas em economia solidária foram paulatinamente crescendo e ganhando as principais atenções do evento.
164
2001 . Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária89
Instituído durante o I Fórum Social Mundial (FSM) para articular o debate e as entidades interessadas no tema nacionalmente; representou as redes internacionais de economia solidária junto ao comitê internacional que promove as edições do FSM.
2001 . Rede Global de Socioeconomia Solidárias
Criação da rede, com a participação de 21 países, durante o I Forum Social Mundial objetivando integrar e divulgar a produção e comercialização locais e nacionais.
2002 I Plenária Brasileira de Economia Solidária
Essa plenária discutiu e definiu a articulação nacional de trabalhadores envolvidos com economia solidária e entidades de assessoria.
2003 . III Fórum Social Mundial � Presidente Luíz Inácio Lula da Silva, récem empossado. .II Plenária Brasileira de Economia Solidária
O presidente assume compromisso de fortalecer a economia solidária em seu governo através de uma secretaria.
2003 . Secretaria Nacional de Economia Solidária
Instituída a secretaria no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, com a posse de Paul Singer por sugestão dessa articulação nacional de economia solidária
2003 . III Plenária Brasileira de Economia Solidária . Fórum Brasileiro de Economia Solidária- FBES (Brasília) .Fórum Nacional de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária
Plenária Nacional de Economia Solidária convocada pelo GT Brasileiro de Economia Solidária, precedida de plenárias regionais em 18 estados, consituiu com 800 delegados de todo o país o Fórum que passou a ser instância máxima de organização da sociedade nessa área. O fórum ficou composto por trabalhadores empreendedores da economia solidária, assessorias, gestores públicos e movimentos sociais atuantes nesse campo A partir do crescimento das práticas de economia solidária nos governos � iniciadas no Governo do Rio Grande do Sul (1999-2002) e Prefeitura de Porto Alegre (2000-2004) � desde 2002 se iniciou uma articulação entre os gestores governamentais e em agosto de 2003 a rede de gestores de políticas públicas foi formalizada
FONTE: Elaborado pela autora a partir de documentação do FBES e da RBSES
89 Formado pelas seguintes entidades: Rede Brasileira de Sócioeconomia Solidária (RBSES); Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária (ANTEAG); Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE); Cáritas Brasileira; Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE); Instituto de Políticas Alternativas do Cone Sul (PACS); Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs); Rede Unitrabalho; Agência de Desenvolvimento Solidário da Central Única dos Trabalhadores (ADS/CUT); Associação Brasileira dos Dirigentes de Entidades Gestoras e Operadoras de Microcrédito, Crédito Popular Solidário e Entidades Similares (ABCRED); Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil do Movimento dos Trabalahdores Sem Terra (CONCRAB/MST); Secretarias de Economia do Governo do Rio Grande so Sul (1999-2002) e da Prefeitura de Porto Alegre (2000-2004).
165
Como se vê, a dinâmica social envolveu ações nacionais e internacionais
em torno das conseqüências da mundialização e da maior concentração de
riquezas. Nesse contínum de atividades, fez-se plenárias, atuou-se no Fórum
Social Mundial e criou-se o Fórum Brasileiro de Economia Solidária, considerado
hoje o espaço de articulação da sociedade a respeito desse tema.
As evidências da pesquisa confirmam que a constituição do FBES é
produto de atuação sócio-política de proposição de mudanças na cena social de
natureza bem contemporânea, tanto nacional como internacionalmente. Em
primeiro lugar, se apoia basicamente em ONGs, segundo, reafirma a
característica de ação em rede e fóruns, terceiro, apresenta capacidade
mobilizatória internacional.
Essas são características marcantes de mobilização da sociedade por
temas sociais de interesse comum nos tempos recentes. Gravitando entre uma
ação mais contestatória e outra mais colaboracionista com o Estado, os estudos
sobre movimentos sociais e ONGs têm mostrado o protagonismo dessas
entidades civis voltadas para dar assessoria política e executrar serviços no
campo do que chamam desenvolvimento social90.
Isso não quer dizer que ONGs mais utilitárias, no sentido de
essencialmente voltadas para obtenção de resultados e cumprimento de
contratos, não estejam no universo de entidades assessoras da economia
solidária. A heterogeneidade desse campo, demonstrado nos vários estudos a
respeito, com certeza se reproduz no universo da economia solidária. Alguns
dados da pesquisa obtidos principalmente na observação participante de eventos
e rede eletrônica afiançam isso. Todavia, é possível identificar que foi constituída
uma faixa de forças políticas hegemônicas que coordena os principais espaços
onde se elabora, debate e dissemina as narrativas doutrinárias e a agenda do
movimento para negociação com o poder público. Aqui, então, têm papel chave
90 Os dados sobre as ONGs no Brasil é ainda de difícil precisão. Em 1998, somavam 5 mil organizações, mas acredita-se que esse número tenha crescido em mais de 40%. Não é à toa que entre as proposições qualitativas, no âmbito do próprio movimento. Aliás, essa dificuldade de mensurar e conhecer as ONGs, segundo o Banco Mundial, é um problema global, variando muito as estimativas e fontes de informação. Cf.: 1) Leilah Landim (org), Ações em sociedade: militância, caridade, assistência, etc, Rio de Janeiro, Nau Editora, 1998; 2) Leilah Landim e Neide Beres, Ocupações, despesas e recursos: as organizações sem fins lucrativos no preocupações da SENAES figura o mapeamento das organizações que prestam assessoria às unidades de economia solidária, que é uma incógnita em termos quantitativos e Brasil, Rio de Janeiro, Nau Editora, 1999; 3) John W.Garrison, Do Confronto à Colaboração, relações entre a sociedade civil, o governo e o Banco Mundial no Brasil, Brasília, 2000.
166
as entidades nacionais que compõem a coordenação nacional do FBES, via de
regra, todas ligadas a vertente política democratizadora, o que garante certo
discurso comum nas proposições da economia solidária. Se por um lado, isso não
expressa a realidade das muitas e miúdas práticas que ocorrem no território
nacional, forja a direção política para o programa social que se quer instituir e vai
buscando consentimento para esse propósito.
No entanto, há também aqui outra artimanha do perfil das ONGs
demonstrado nos estudos � a capacidade de sublimar diferenças e se articular em
torno de proposições comuns. Isso é razoavelmente constatado na pesquisa
havendo um acordo tácito quanto a dirimir possíveis conflitos e centrar a atuação
na organização do segmento no cenário público, o que nem sempre é uma
estratégia política positiva na medida em que pode evitar a pedagógica formação
em torno da exposição de conflitos e entendimentos sobre projetos políticos.
O viés internacional marca a própria constituição desse universo de
entidades na medida em que toma-se como pólo impulsionador o Fórum Global
organizado por ONGs brasileiras em 1992 - uma conferência não governamental
que reuniu mais de 25.000 delegados durante a Conferência das Nações Unidas
para o Meio Ambiente no Rio de Janeiro (Rio 92). Depois dessa, se seguiram
várias outras atividades e mobilizações temáticas de nível internacional
culminando nas várias edições do Fórum Social Mundial onde as ONGs e a
economia solidária ganham crescente participação. De certo modo, a própria
constituição das ONGs no Brasil foi se realizando a partir dos anos 1980 em
processo de articulação no contexto nacional e internacional. Não é incomum os
encontros nacionais e os variados tipos de redes e fóruns de articulação também
de caráter internacional. Para o Banco Mundial, a rede de ONGs brasileiras está
entre as mais dinâmicas da América Latina, possuem densa capacidade de
interligação temática e flexibilidade para atuação em diferentes áreas, e, grande
mobilidade para construção de coalizões que envolvam mobilizações políticas
com instrumentos tipo abaixo-assinados, boicotes e manifestações, bem como
agendas comuns de redução da pobreza, direitos humanos e meio ambiente
(GARRISON, 2000).
167
QUADRO N. 8 Quadro Demonstrativo da Estrutura do FBES
FÓRUM BRASILEIRO DE ECONOMIA SOLIDÁRIA ESTRUTURA FINALIDADE
1- Fóruns Estaduais Instância local responsável pela animação e organização da economia solidária na região e interlocução com o fórum nacional, sendo composto pelos empreendimentos de economia solidária, entidades de assessoria e gestores públicos
2- Coordenação Nacional Principal instância de decisão do FBES, composta pelos representantes das entidades e redes nacionais de fomento a economia solidária, 3 representantes por estado que tenha fórum constituído ou em processo, sendo que 2 são empreendimentos e 1 é assessor ou gestor público
3- Conselho Interlocutor Função de realizar a interlocução com a SENAES, formado pelas entidades e redes nacionais de fomento e 1 representante de empreendimento de cada estado
4- Grupos de Trabalho Constituídos conforme as demandas de ações do fórum e para o avanço da plataforma da economia solidária; atualmente comporta os grupos: Mapeamento, Finanças Solidárias, Marco Legal, Comunicação, Políticas Públicas, Relações Internacionais e Produção, Comercializaçào e Consumo.
5- Secretaria Executiva Suporte para encaminhamento dos trabalhos do fórum em especial a comunicação entre as instâncias e a operacionalizaçào de reuniões e eventos
Fonte: Documentos do FBES � www.fbes.org.br
Como no processo de sua constituição ainda nas plenárias, o Fórum
Brasileiro de Economia Solidária (FBES) se organiza hoje com secretaria
executiva, fóruns estaduais, coordenação nacional, conselho interlocutor e grupos
de trabalho. Segundo o FBES, �consiste fundamentalmente na articulação entre
três segmentos do movimento de Economia Solidária: empreendimentos
solidários, entidades de assessoria e fomento, e gestores públicos�.
A intensificação da relação das ONGs com os aparelhos do Estado têm
sugerido a constituição de dois dilemas políticos significativos. Um, a capacidade
de manter independência e autonomia ao que muitas organizações requerem que
é a possibilidade de fiscalizar e controlar a atuação do Estado. Outro dilema, que
é a conflituosa relação da ONG como representante política dos trabalhadores da
economia solidária, como observou DAGNINO (2004) a respeito de outras áreas.
Quanto a independência perante o Estado, vimos na pesquisa que esse
processo inicial de implementação é marcado por intensa simbiose ao custo de
168
membros do FBES questionarem a diminuição dos debates internos do fórum ou
membros da RBSES, em comunicação na rede eletrônica, observarem o
abandono da agenda própria definida no encontro nacional. Além da efetiva
dependência do FBES das verbas públicas e de sua direta parceria na
normatização das ações da SENAES91.
Por outro lado, a representação política é algo menos problematizado
publicamente, embora seja notório nas narrativas expressas nos documentos
escritos, na comunicação na rede eletrônica e no I Encontro Nacional de
Empreendimentos de Economia Solidária. Em geral, as assessorias atuam como
se estivessem na condição de representação, então, em nome dos trabalhadores.
A idéia de �notório conhecimento� das assessorias sobre as necessidades e
virtualidades do segmento parece estar submerso nessas práticas. Um exemplo
claro disso é a indefinida representação dos movimentos sociais no FBES. O
tema não possui espaço nas várias reuniões e grupos de trabalho do fórum para
aglutinação ou deabte a exemplo do que ocorre com as entidades de assessoria
(ONGs). Ainda que seja complexo entender isso por meio da decodificação do
que é movimento social e o que é ONG , no caso das assessorias dessas
entidades na economia solidária a situação é outra, pois garantem dinâmicas
próprias para articulação de interesses no interior do FBES.
Decorre desse comportamento e horizonte político nebuloso das relações
ONGs/Estado um problema a ser elucidado que é essa questão da representação
política e legitimidade para acesso e controle de fundos públicos. Sobretudo,
porque sem perder de vista a dimensão econômica, as ONGs compõem parte do
mercado interessado no financiamento público direto para suas próprias
atividades ou intermediação de interesses junto a outros mecanismos
financiadores.
Entretanto, isso não nos afasta do reconhecimento da trajetória e herança
política das entidades civis que estão à frente desse processo de constituição da
economia solidária e, particularmente, do FBES. Ao contrário, isso é que torna o
91 Segundo os estudos acumulados, a questão do financiamento dessas entidades migrou de uma atuação mais incisiva de fontes de recursos do exterior de agências de cooperação internacional de igrejas (Protestante e Católica), fundações privadas e algumas agências governamentais, para certa dependência dos orçamentos públicos nacionais em decorrência da queda daquela colaboração internacional em favor de outros contextos sociais e da abertura do Estado para parcerias na execução de seus serviços. O que fez com que direta ou indiretamente as Agências Multilaterais Internacionais também passassem a compor o quadro de remessas de recursos para as ONGs.
169
contexto sócio-institucional politicamente ainda mais complexo. Os sujeitos
políticos diretamente envolvidos foram trabalhadores de pequenas unidades
produtivas populares e entidades conhecidas no cenário sóciopolítico brasileiro
pela atuação junto à movimentos sociais e lutas por democracia participativa, com
o protagonismo destacável de entidades nacionais como mostra o quadro abaixo .
QUADRO N.9
Quadro de Entidades Nacionais de Assessoria em Economia Solidária ENTIDADES NACIONAIS DE ASSESSORIA E
FOMENTO A ECONOMIA SOLIDÁRIA CARACTERIZAÇÃO
RBSES � Rede de Socioeconomia Solidária Criada em 2000, num encontro nacional em Mendes/RJ. A idéia de uma rede nacional surgiu em 1998, em Porto Alegre, no Encontro Latino-Americano de Socioeconomia Solidária. Lá ficou acordado que cada nação procuraria tecer laços rumo às articulações nacionais. A RBSES foi então resultado de mais de uma década de animação e articulação de várias forças envolvidas e/ou interessadas no desenvolvimento das práticas da economia solidária, e hoje reúne centenas de pessoas, empreendedores, mediadores, pesquisadores, entidades, tendo os instrumentos da internet como um dos meios de comunicação e dinamização das suas várias redes estaduais, braços locais da RBSES. A cada dois anos são realizados encontros e seminários nacionais para rever estratégia de atuação.
PACS � Políticas Alternativas para o Cone Sul Entidade com 18 anos de atuação nacional e internacional e que, desde 1996, tem atuado como um dos atores na produção e reflexão de conhecimento relacionado à economia solidária e os seus eixos transversais. O PACS integra o Fórum de Cooperativismo Popular do Rio de Janeiro, a RGSES, a RBSES e, desde 1998, é um dos membros da equipe global de animação do Pólo de Socioeconomia Solidária da Aliança para um Mundo Responsável, Plural e Solidário. Há alguns anos o PACS vem promovendo grupos de trocas solidárias e trabalhando o tema das moedas sociais. No Rio de Janeiro, é um dos articuladores da Rede Estadual de Trocas Solidárias. O PACS tem sido um dos elos principais de ligação do GT brasileiro com as diversas redes internacionais de economia solidária.
FASE � Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional
Organização quinquenária de atuação junto aos movimentos populares, sindicais e ambientais, traz, na sua história o apoio às ações comunitárias e desenvovleu, nos anos 90, um banco de dados � Geração � de iniciativas de Trabalho e Renda e articula um projeto de diálogo entre pesquisadores e movimentos sobre a sustentabilidade e democracia, o PBDS. A FASE também administra um fundo de apoio a pequenos projetos nacionais e edita revista já consagrada entre as organizações dos movimentos sociais, a PROPOSTA, veículo de disseminação da Economia Solidária
ANTEAG � Associação Nacional dos Trabalhadores de Empresas em Autogestão
Tem mais de 10 anos de existência e nasceu como resposta de parte do movimento sindical às situações de falência de empresas. Surge no interior do DIEESE, órgão de assessoria sindical, e passa, paulatinamente a ser assumida pelos próprios
170
trabalhadores do conjunto de dezenas de empresas articuladas. Foi uma das principais entidades de formação para autogestão e fomento da economia solidária no governo do RS. Teve parte de seu trabalho avaliada pelo IBASE.
O IBASE � Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas
Criada pelo Betinho, no início dos anos 80, tem oferecido avaliações de programas governamentais de diferentes políticas públicas, entre elas, os de Trabalho e Renda. Realizou,em meados de 90, a primeira avaliação do PROGER � Programa de Geração de Emprego e Renda do Ministério do Trabalho, com recursos do FAT, além de participar da coordenação internacional do FSM e ter papel protagonista no Fórum Nacional de Segurança Alimentar. Este fórum é herança da mobilização da Cidadania Contra a Fome, hoje reeditada pela CNBB com o nome de MUTIRÃO e incorporada nas ações de governo do Programa FOME ZERO, cuja contribuição da ótica da Economia Solidária em suas ações estrututurantes é cada vez mais evidente.
Cáritas Brasileira Organismo internacional que no Brasil está vinculada à CNBB, atuando fundamentalmente junto à populações excluídas, vem, desde 1980, promovendo a organização de grupos associativos no campo e na cidade através dos seus fundos de mini-projetos ou projetos alternativos comunitários (PACs) em quase todos os estados brasileiros com incidência maior no Nordeste e no Rio Grande do Sul, onde surge com maior peso, a articulação da economia popular solidária. A Cáritas contribue também, na perspectiva do desenvolvimento local sustentável, com a ASA (Articulação dos Fóruns do Semi-Árido) no Nordeste, com as articulações e fomento das associações e cooperativas de catadores de papel e material reciclável em várias partes do país e com fortalecimento do cooperativismo nos assentamentos da Reforma Agrária, em alguns deles juntos com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e com Movimento dos Trabalhadores Sem Terra ( MST).
MST/Concrab � Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
Confederação das Cooperativas da Reforma Agrária Brasileira. A luta pelo acesso à terra e pela organização ds produção rural familiar e solidária, tem feito do MST um dos principais atores da resistência e transformação do campo numa pespectiva sustentável ambiental e socialmente justa. Sua presença na articulação da Economia Solidária é mais forte e visível nas bases estaduais.
Rede de ITCPs � Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares
Tem a peculiaridade de unir a pesquisa tecnológica à perspectiva da cooperação e do popular, reunindo professores, pesquisadores e universitários no apoio à iniciativas nascentes da Economia Solidária. Iniciada em 1998, surge para vincular de forma interativa e dinâmica as ITCPs, favorecendo a troca de tecnologias e conhecimentos entre as universidades participantes e entre os grupos populares recém incubados e/ou já estruturados em cooperativas.
ADS/CUT _ Agência de desenvolvimento Solidário da Central Única dos Trabalhadores
Traduz o esforço de parte do movimento sindical dos/as assalariados/as de buscar alternativas aos desempregados e/ou precarizados. Sua criação é recente e as agências estaduais implantadas concorrem com recursos, diagnósticos, elaboração de projetos e assistência técnica oferecidos e, em alguns casos, partilhados com outras organizações, entre elas, a UNITRABALHO.
UNITRABALHO Reúne, há mais de 5 anos, pesquisadores das universidades voltados para as questões do trabalho,
171
tendo sido a principal organização de avaliação do Planfor/FAT (Programa Nacional de Formação Profissional). Tem desenvolvido projetos de mapeamento das iniciativas de economia solidária no Brasil, promovido pesquisas e seminários sobre o tema e, como a ITCP, tem experiências de Incubação de Cooperativas. Participa mais recentemente do GTBrasileiro.
Rede Brasileira de Gestores de Políticas Públicas da Economia Solidária
Composta por representantes de administrações estaduais e municipais que assumem políticas e programas de apoio à economia solidária, vinha acompanhando as articulações do GTBrasileiro, antes da sua constituição, que é, formalmente, recente. Reúne mais de duas dezenas de representações e grande parte dela teve papel fundamental no apoio às mobilizações estaduais que confluíram para a constituição do Fórum Brasileiro
A ABICRED � Associação Brasileira de Instituições de Micro-Crédito
Também de constituição recente, passou a participar do GTBrasileiro a partir da I Plenária Nacional da Economia Solidária, em dezembro de 2002. É formada por agências operadoras de crédito popular governamentais ou não governamentais e se propõem a articular experiências e políticas governamentais que favoreçam as estratégias da economia popular e solidária.
Fonte: site do FBES � www.fbes.org.br
Essas entidades e redes têm papel fundamental na condução do fórum e
dos destinos da economia solidária no país. Delas saem os 12 representantes da
coordenação nacional que se somam, mais 3 representantes de cada estado,
sendo que dois destes necessariamente de empreendimentos locais. Essas
entidades nacionais, na realidade, cumpriram papel primordial na fundação e
condução do GT Brasileiro que produziu as plenárias nacionais, atuou nos Fóruns
Sociais Mundiais, na formulação da plataforma de reivindicações ao Governo Lula
e na criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária, inclusive na
destinação de seus quadros políticos e técnicos.
À contar pela trajetória política e pelos argumentos de seus documentos
fundamentais são entidades perfiladas diretamente com as lutas sociais dos
trabalhadores brasileiros num campo político de enfrentamento com as elites em
favor das lutas históricas dos trabalhadores. Por isso, o protagonismo no âmbito
da economia solidária se assemelha a conversão de idéias e perspectivas de
sujeitos políticos fundamentais de nossa história recente, perante essa maior
penalização do trabalho no mundo. A expansão do trabalho assalariado e
qualificação das relações de trabalho passam a dispor de menor atenção e, nesse
vazio, ingressa o trabalho associado. Operando, possivelmente, aquele
172
transformismo de que nos fala GRAMSCI sobre a passivização das conquistas
sociais, no caso, pelas mãos diretas dos próprios sujeitos representativos dos
trabalhadores (1978).
Desde o início, o grupo que mantém liderança nas questões envolvidas
com a economia solidária é caudatário do movimento de fortalecimento da
sociedade civil e de uma agenda principalmente ética, do que de disputa e
enfrentamento político por hegemonia. A busca de alternativas de ocupação e
renda se associou a um discurso crítico dos processos sociais engendrados por
essa mundialização que dá supremacia a livre circulação e volatilidade do capital
financeiro92.
vocação de constituir o fundamento de uma globalização humanizadora, de
um desenvolvimento sustentável, socialmente justo e voltado para a
satisfação racional das necessidades de cada um e de todos os cidadãos
da Terra seguindo um caminho intergeracional de desenvolvimento
sustentável na qualidade de sua vida (G T de Economia Solidária para o II
Fórum Social Mundial, 2001, p.1).
Como se pode observar, há uma tensão nas narrativas sobre a economia
solidária centrada nessa relação meios econômicos e emancipação. Não estando em
jogo somente a ocupação para fins de renda mesmo que esse não seja um interesse
distante. Isso pode ser evidenciado no fato de muitos de seus protagonistas atuarem
efetivamente em ações políticas contra as Instituições Financeiras Multilaterais
(Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio,
Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos) e os acordos dos
países ricos prejudiciais ao trabalho, a reprodução social e ao meio ambiente. A
92 Vale aqui qualificar que a potencialidade política e ideológica do ativismo em torno do Fórum Social Mundial no sentido de confrontar o capitalismo e fortalecer iniciativas de emancipação social é ainda de frágil interpretação sociológica. Entretanto, o fato é que vem conseguindo reunir ativistas contrários a mundialização e proporcionando o intercâmbio de experiências, pesquisas e lutas sociais. As contradições que encerra fazem parte de sua virtuosidade enquanto estratégia política de sociabilidade anti-mundialização, posta num contexto de descenso dos movimentos sociais tradicionais de massa e de deslocamento do pensamento crítico das mazelas da sociedade de mercado. �A sociedade civil balizada pelo movimento de �desobediência civil� e pelo associativismo alternativo que hoje preponderam nos ambientes democráticos e de esquerda expressa uma indignação em marcha. Trata-se, antes de tudo, de um campo de resistência. Sua fragmentação é em boa medida inevitável, já que reflete uma situação explosiva, multifacetada, complexa, despojada de centros organizacionais.(...) Ao mesmo tempo, porém, seu constante e dedicado ativismo facilita e impulsiona a disseminação de éticas alternativas que, pelos interstícios do sistema global, contribuem para o desgaste político ou mesmo a condenação moral de muitas opções governamentais e orientações doutrinárias.� ( Marco Aurélio Nogueira, Um Estado para Sociedade Civil, São Paulo, Cortez, 2004, p. 112).
173
economia solidária aparece, então, na narrativa dos sujeitos sociais empenhados na
sua difusão, como estratégia de gestação de uma vida social não subjugada ao
mercado. Ainda que a materialidade disso não esteja bem delineada � ou que não
possa se realizar sem transformações profundas no metabolismo do capital � essa é
a perspectiva de futuro manifesta nos diversos espaços da economia soildária.
O objetivo original desse grupo de trabalho (Grupo de Trabalho Brasileiro
de Economia Solidária) era garantir junto ao conjunto de organizadores do
Fórum Social Mundial que o movimento e as experiências de economia
solidária fossem reconhecidas como contribuições para o outro mundo
possível. Esse era um dos objetivos. O outro, era garantir em cada edição
do Fórum Social Mundial, a proposição e organização com um conjunto de
redes puxadoras precisavamos garantir dentro da estrutura do Fórum
Social Mundial um painel no eixo 1- Produção de riquezas e reprodução
internacionais dessa temática nos conteúdos dos painéis e mais uma série
de eventos, como seminários ou oficinas, ligadas aos temas da economia
solidária, como consumo ético, comércio justo, finanças solidárias,
autogestão e outros.(GOMES, 2003, s/p)
Quer dizer: em meio à ambigüidades desse conturbado processo de
mudanças que o capitalismo passa nos últimos 20 anos, há movimentos sinuosos
que também apontam para formulação de uma nova cultura do trabalho em sentido
gramsciano, tendo o trabalho como mediação educativa de novas práticas e
subjetividades centradas no homem e sua emancipação (TIRIBA, 2001). A questão é
saber até onde isso é possível.
Do ponto de vista dos documentos do Fórum Social Mundial, a produção
associada, a diversidade da cultura local e a sutentabilidade ecológica dessas
experimentações econômicas conformam os elementos chaves do que chamam de
projeção de espaços não capitalistas. A forma cooperativa é revisitada em suas
origens para tratar estruturas mais igualitárias e participativas da unidade econômica.
Refere-se aos valores experenciados nas práticas inglesas de Rochdale iniciadas em
1844 pelos trabalhadores industriais, e que se multiplicaram por outras iniciativas na
Inglaterra e no mundo, sendo por isso considerada a experiência pioneira; a
experiência mater do cooperativismo.
Ainda que o cooperativismo tenha se acomodado ao capitalismo como são
as cooperativas que conseguiram se colocar no mercado funcionando quase como
174
empresas, com espaço inclusive para aquelas que existem legalmente enquanto tais,
mas que correspodem a organizações de fachada, cuja lógica é basicamente o lucro.
Fazem uso das facilidades para acesso a crédito ou benefícios fiscais, mas se regem
por práticas formalistas e autocráticas, sem participação substantiva dos seus
membros93. As cooperativas de que se fala nesse terreno do Forum Social Mundial e
da economia solidária, como vimos, são as que resgatam as pioneiras referências do
século XIX e a compatibilizam com as necessidades sociais contemporâneas de um
desenvolvimento sustentável, multicultural e solidário porque plasmado na gestão e
propriedade coletiva das unidades econômicas.
SINGER, reune em seu pensamento a esse respeito duas ordens de
argumentos que merecem atenção aqui. Primeiro, considera que a economia
brasileira não é totalmente capitalista porque a maioria não trabalha numa empresa
capitalista, mas desenvolve variadas atividades que vai do trabalho agrícola aos mais
informalizados nas periferias das cidades. Por isso, a possibilidade de pensar modos
de produção diferentes incluindo o de trabalho autogestionado envolvido como
economia solidária. Há uma certa ambiguidade no conceito levando a que ele
trabalhe na verdade com a categoria atividade econômica e não modo de produção
como se firmou na tradição marxista. Uma das principais contribuições de MARX é
exatamente essa noção da força centrífuga do capital e as relações que engendra
constituirem um modo de produção que, por definição, organiza e institui a sociedade
com as mediações necessárias aquele propósito, no caso, numa densidade
hegemônica nunca vista antes.
Nesse sentido, HOBSBAWM é elucidativo ao nos lembrar a atualidade do
pensamento de MARX perante a força do concentracionismo e do fetiche do capital
93 Há ainda as cooperativas que se tornam formas de precarização do trabalho possibilitando ao �empresário� não assumir encargos trabalhistas e remunerar menos os empregados. No Brasil, são também conhecidas como �pseudocooperativas� ou �cooperfraudes�. As cooperativas de trabalho estão hoje entre as que mais crescem no cenário nacional. Por meio da Lei 8949/1994, aboliu-se o vinculo empregatício entre o cooperativado (cooperativa de trabalho) e o tomador dos serviços � o contratante da cooperativa. Daí em diante proliferaram as cooperativas de trabalho, tanto em setores de baixo dinamismo econômico como naqueles de mão-de-obra qualificada. Chega a ser objeto de conflitos entre Ministério Público do Trabalho e o próprio executivo federal na medida em que divergem quanto a caracterização dessa prática e sua ação desestruturadora sobre as relações de emprego. O conflito é de tal dimensão que no âmbito do próprio Ministério do Trabalho e Emprego é possível encontrar incentivo a essas cooperativas na Secretaria de Política de Emprego e sua condenação pela instância responsável pela fiscalização do trabalho no ministério. Dentro do sistema OCB (Organização das Cooperativas do Brasil), das 7549 cooperativas, 2109 são cooperativas de trabalho, sendo que em 1996 esse número não excedia a 699.
175
nessa transição de séculos tornando a mercadorização mediada pelo dinheiro algo
de enorme significado para compreensão dos processos sociais;
Se você realmente lê o manifesto comunista de 1848, ficará surpreso com o
fato de que o mundo, hoje, é muito mais parecido do que aquele que Marx
predisse em 1848. A idéia do poder capitalista dominando o mundo inteiro,
como também uma sociedade burguesa destruindo todos os velhos valores
tradicionais, parece ser muito mais válida hoje do que quando Marx morreu (
HOBSBAWM, 1997, p.2)
Essa perspectiva teórica de SINGER dificulta que ele observe as forças
centrífugas da lógica do capital sobre as atividades cooperativadas e a dependência
delas da relação mercantil que, embora tenha a aparência de multiplicidade, é una.
As relações com o mercado moldam por fora o regime produtivo nas cooperativas,
mesmo que elas tentem criar uma ambiência mais participativa e propositiva o que
não é pouco para os próprios trabalhadores. Ainda que fale do cooperativismo como
uma utopia militante (1999), berço de tradições libertárias, SINGER não vê o trabalho
autogestionado como horizonte a ser coletivizado para sociedade: �Não acredito que
daqui a 50 anos a economia solidária será a única economia do país. Não é nem
desejável, porque é sadio para ela própria que haja alternativas, inclusive o
capitalismo.� (2004, p.9).
Por outro lado, SINGER, considera que o trabalho assalariado deve ser
desprezado como alternativa social, diz ele:
�...há razões para crer que o trabalho autônomo é preferível ao assalariado: 1º.
Porque sendo autônomo torna seu sujeito mais conhecedor de sua atividade e
portanto mais capaz e instruído, ao passo que o trabalho assalariado faz com
que o sujeito aprenda apenas o que é necessário para realizar suas tarefas; 2º.
O trabalhador autônomo reúne as qualidades do empreendedor com os do
produtor direto, duas funções que o capitalismo tende a separar; 3º no caso do
trabalho autônomo coletivo ele tende a ser cooperativo e administrado de
forma democrática por todos que dele participam.� (SINGER, 2004, p.5)
Os limites do efeito do trabalho assalariado como se realizou na tradição
industrial fordista estão mais do que expostos na literatura especializada, todavia é
curioso que se retire da arena que o assalariamento envolve também identidade da
condição social e explicitação da relação patrão /empregado. Ou seja, os elementos
176
políticos que favoreceram o giro da reestruturação produtiva visando o
escamoteamento da relação capital/trabalho.
As condições estruturais da produtividade capitalista, hoje, indicam outras
possibilidades do trabalho cooperativado. As manifestações dos pioneiros do
cooperativismo ocorreram num outro tempo de desenvolvimento das forças
produtivas, democracia política, organização do trabalho e história do socialismo. A
situação jurídica de propriedade comum nas cooperativas não as isenta da
submissão a lógica do capital, como se desqualificou esse formato ao longo
sobretudo do século XX por associação visceral com o mercado ou por conta de sua
fragilidade perante a necessária perspectiva totalizante do capital no trabalho
coletivo.
Na verdade, o debate dos protagonistas da economia solidária expõe uma
tensão entre as referidas práticas econômicas serem uma via defensiva ao
desemprego estrutural ou portadores de uma lógica econômica distinta da capitalista
pelo ensejo de solidariedade, cooperação e reciprocidade. O conjunto da literatura
pertinente ao tema ora trata de uma perspectiva, ora de outra e, as vezes, usando
as duas referências. O que nos mostra que é um tema ainda de muitas transições e
idéias imperfeitas, apesar do empenho em torno de um estatuto social.
Visiona-se aí, oportunidade de dar unicidade a vida social e política dos
trabalhadores marcados historicamente pela heterogeneidade, em razão da divisão
social do trabalho extremamente perversa entre campo e cidade, empregos formais
e informalidade e regiões geopolíticas. Desse modo expressa o FBES como um de
seus desafios: �Ser referência para a economia popular, para
microempreendimentos, para os setores informais, ainda não organizados
solidariamente � quase sempre alvos de políticas compensatórias, precarizadas e
terceirizadas.� Quer dizer possibilidade de agenciar coletivamente esse conjunto
disperso de trabalhadores que sobrevivem de iniciativas isoladas no fundo de quintal
ou nos semáforos e ruas das cidades ou submetidos a contravenções. Oportunidade
para conseguir associar os ex- trabalhadores assalariados aos tradicionais
desempregados e subempregados sempre muito distantes das lutas sociais dos
sindicatos em nosso país.
Não se evidenciaria como mera alternativa de trabalho e renda, mas com
uma dimensão política de relevo sinalizando o trabalho com centralidade na vida
177
tanto no seu sentido material quanto intelectual, moral e estético. Considera-se,
então, que haveria uma revalorização do direito ao trabalho nessa perspectiva:
não precisaria haver um divórcio entre as perspectivas dos trabalhadores
formais ou informais e os trabalhadores autogestionários. Na verdade, a
luta desses últimos teria muito a contribuir não apenas para recuperação,
mas também a ampliação dos direitos dos trabalhadores em geral. (...) não
se trata de revalorização do direito ao trabalho a partir das contribuições da
autogestão somente para os chamados excluídos. Importa que a nova
qualidade do direito ao trabbalho possa ser assumida como bandeira dos
trabalhadores assalariados, como forma de pressionar as relações
capitalistas cerceadoras do desenvolvimento humano. O novo sentido
assumido aqui pelo direito ao trabalho em vez de ocultar explicitaria e
acirraria as contradições entre capital e trabalho características das
relações de produção capitalista, que se definem necessariamente como
hierárquicas e de competição.(IBASE, 2004, p. 39).
Não obstante, vale ter em conta que o reequacionamento da cooperação
no trabalho é um tema, também, recorrente nas novas formas de gestão do
mercado, na medida em que sugere aproximação de atividades de execução e
concepção, superação da fragmentação pela polivalência e participação na gestão
do trabalho. Alguns estudos já apontaram no sentido de que � embora traga maior
conforto ocupacional ao trabalhador no primeiro momento - essa conversão do
trabalho tem potencializado a maior exploração da força de trabalho. O controle tem
se dado de modo mais intenso e, também, mais dissimulado. Essas contradições
expõem as relações de trabalho para arenas menos públicas, despolitizando a
exploração do trabalho, neutralizando a qualidade das relações de trabalho da
esfera dos direitos sociais. O trabalho e o colaboracionismo se limita a cada
empresa e se apresenta como a condição para garantir ocupação e renda.
Nesse sentido, o sofisticado arranjo em torno da cooperação na empresa
tradicional e na cooperativa precisa ser tomado com maior lucidez teórica. Pois, o
que está em questão é menos a propriedade comum ou a gestão participativa, mas
o tanto de mais trabalho que pode ser retirado desses processos. A redução do
trabalho à relação homem-natureza ou à relação homem-homem possibilita essa
visão segmentada das formas de trabalho do trabalho social total. A teoria do valor
de troca como mediação desse processo continua sendo essencial para
178
compreensão da complexidade do trabalho contemporaneamente. O caráter social
do trabalho se revela no atendimento de necessidades sociais e ele só se realiza
quando faz a equalização do trabalho social total por meio do dinheiro na troca.
Essa dimensão sócio-histórica, faz com que se possa captar as relações de
subordinação escondidas por trás das relações aparentemente comerciais de
cooperativas no mercado, seja vendendo produtos e serviços, seja consumindo
mercadorias.
De um lado temos,
(...) decepcionados com o sistema salarial, do qual foram expulsos,
enaltecem e reproduzem um sistema ideológico onde o trabalho árduo é
eufemisticamente confundido com �empreendimento�, as virtudes da
independência com �liberdade� e o trabalho por conta-própria com
�realização pessoal�. Conforma-se assim um sistema de falsos valores e
idéias que, ao difundir-se pela mídia, tende a legitimar a política neoliberal
e autoritária, criadora do Plano real e a informalização
exacerbada.(MALAGUTI, 2000, p.89)
De outro, militantes das lutas sociais anticapitalistas apresentando valores
da tradição libertária e socialista como orientadores da economia autogerida pelos
trabalhadores como via para ruir o próprio capitalismo, o que também se transfigura
em sistema de falsos valores, na medida em que, de fato, as unidades econômicas
autogeridas respondem a mera possibilidade de trabalho que se apresenta na
atualidade. Comandar o trabalho não implica mais tê-lo organizado sobre o mesmo
teto nem uma clara relação empregado/patrão. Constitui-se um produto cujas partes
expressam variadas jornadas combinadas de trabalho em diversos lugares e em
formas variadas como as cooperativas.
Evidentemente que a articulação em redes e associações na cadeia
produtiva podem vir a agenciar maior poder de barganha dos trabalhadores
associados junto à fundos públicos e reconversões no mercado. Indiciando uma
qualidade de vida melhor à situações destituídas de humanidade nas esquinas e
lixões, ou que se realizam desarticuladamente. Mas, no mínimo, um futuro, do ponto
de vista teórico, por se fazer e de presente bastante subordinado ao que necessita o
capital hoje, sem espaço para que a associação de trabalhadores possa ruir-lhe a
liderança e poderio hiper alargado nos anos recentes.
179
Essas unidades precisam de meios de produção e condições de
comercialização sabendo-se que têm a força de trabalho, mas que sem capital de
giro, a subcontratação acaba como a alternativa possível, mesmo que sob
desvalorização do trabalho. Outra situação são aquelas ações que não se colocam
como condição para acumulação por sua assistematicidade � e, por isso, não
interessam ao capital � ou que pela inovação sua produção inexiste no mercado.
Tanto num caso como no outro, tornando-se lucrativa, com demanda no mercado,
logo, será absorvida pelo capital. Tendência inexorável do capital para concentrar
mais poder.
O capital é uma relação social global e a arena em que os agentes
econômicos disputam e definem os rumos sociais (a lei do valor) é o mercado
mundial, perder isso de vista pode significar o acobertamento do jogo que se
processa na esfera maior expulsando os trabalhadores desqualificados do processo
de conflito e disputa. Não se pode perder de vista que a reestrutração com a
externalização produtiva tem um alvo certo que é a despolitização do trabalho,
desconcentrando, fragmentando e tornando imprecisas as relações sociais.
Retirando o conflito da esfera das relações capital/trabalho.
Com o desenvolvimento das forças produtivas e a centralidade do capital, a
impossibilidade do triunfo dessas unidades econômicas precisa ser reconhecida.
Impossibilidade material de se constituir como socialismo, na medida em que
responde adequadamente às contemporâneas necessidades da acumulação. Os
constrangimentos históricos apontam a derrota dessas alternativas sociais e a
recondução disso pode vir a ser clareado em outro momento. Por ora, o que se pode
ter são tentativas de inserir trabalhadores no novo contexto de trabalho capitalista;
mais do que necessário para reprodutividade imediata. A ressonância e capacidade
de impressionar é sem comparação de efeito agregador dos trabalhadores
excluídos. Todavia, a argumentação ao desconsiderar as condições materiais
concretas enaltece o voluntarismo das ações, desvirtuando o sentido social dessas
mudanças e da narrativa anticapitalista para propaganda e consensualização sobre
necessidades principalmente do novo ordenamento do capital, passivizada das lutas
históricas dos trabalhadores.
180
CAPÍTULO 3 - A POLÍTICA PÚBLICA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
181
CAPÍTULO III � A POLÍTICA PÚBLICA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
A formulação de política pública para desenvolvimento de práticas de
geração de renda, baseadas em cooperativas, consiste numa programática
estratégica experimental, que conta com somente 2 anos, emergindo no âmbito do
próprio Governo Lula. Essa condição limita o espectro de abordagem,
impossibilitando qualquer ilação sobre o impacto social da iniciativa. O interesse aqui
é primordialmente apontar as linhas mestras da política e, associadamente a
interpretação exposta nos capítulos anteriores, captar os sentidos da adoção da
economia solidária como política pública nesse contexto social de achaques ao
trabalho. Em razão da limitação de tempo transcorrido da experiência, essas serão
observações iniciais e indicativas para reflexão.
De imediato, interpretação dessa experiência pioneira no país precisa se
subordinar a percepção de que pela primeira vez o governo assume uma outra via
para o trabalho que não o emprego assalariado. Esse é um marco porque até então a
estratégia pública formal para desocupação envolvia a promoção do emprego, a
qualificação profissional e o seguro-desemprego. A geração de renda já era um
caminho, mas, no caso de desempregados e trabalhadores mais pobres das
periferias das cidades e campo, e, aparecia como extremamente desarticulada em
práticas pontuais e sem perspectiva mais estruturante da atividade econômica. A
partir da criação da SENAES � mas, não só - fala-se de um outro sentido do trabalho
desvinculado do emprego assalariado mesmo. Quer dizer a prática política e
normativa em torno da criação da secretaria expressa a assunção propositiva da
nova realidade do trabalho hoje e, nesse processo, a re-conceituação do próprio
trabalho.
3.1- A RESSIGNIFICAÇÃO DO TRABALHO NA POLÍTICA PÚBLICA DE
ECONOMIA SOLIDÁRIA
A teoria crítica marxiana mostrou-nos através de variados estudos, que as
políticas públicas de proteção social e de trabalho têm seus fundamentos na
contradição inerente a incapacidade do capitalismo resolver os dramas sociais
182
advindos do conflito acumulação e apropriação de riquezas � que são produzidas
socialmente � ao mesmo tempo em que tais políticas são fruto histórico e social de
possibilidades civilizatórias e campo de expressão das lutas sociais do trabalho.
Essa contraditoriedade se expressa numa complexidade de mediações
histórico-sociais, vindo a compor a própria luta em torno de investidas do capital no
sentido de reinventar as demandas sociais � por proteção social e trabalho,
requeridas pelos trabalhadores � à favor de suas próprias necessidades. Ou seja, a
depender da socialização da política no meio dos trabalhadores, o capital toma a
mais ou a menos as requisições do trabalho em seu favor.
Assim, importa enquadrar a formulação de políticas públicas nesse
horizonte de recomposição do capital com o fortalecimento do capital financeiro e
empresas-monopólios no mundo capitalista de hoje, que, como referenciamos antes,
se ampara na fragilização do trabalho e sua debilidade política. Nesse universo, se
reestabelece a relação Estado e Mercado, havendo preponderância e regressividade
na ação estatal universalizante em favor do mercado.
Nesse quadro, não se perde de vista essas conquistas sociais � direito à
proteção social e ao trabalho � mas, se descaracteriza o seu sentido político com a
ressignificação de elementos fundamentais da tradição de luta dos trabalhadores. Por
exemplo, desgastando a universalização das políticas, retraduzindo-as em
programas focalizados e compensatórios, ou transfigurando previdência social em
seguro social como iniciado no governo anterior e confirmado na reforma aprovada
no Governo Luiz Inácio Lula da Silva (BEHRING, 2000; SOARES, 2004). Não se
abdica da proteção social, como mediação no processo de produção e reprodução
social, mas a investe de outro significado.
Nesse sentido, há uma reelaboração da cultura de modo a tornar as
necessidades do capital nesse novo contexto como de toda sociedade � a reforma
social e moral gramsciana. O trabalho protegido perde sentido e a sociabilidade
laborativa não mais se baseia no assalariamento, necessariamente. O Estado perde
a função de responsável social pela promoção do emprego e deixa ao mercado parte
considerável da regulação do trabalho, ficando a sociedade civil como salvaguarda e
executora das ações pragmáticas de políticas públicas.
Trata-se da negação de um sistema único para o trabalho. Assume-se a
naturalização da fragmentação e heterogeneidade do trabalho. Reconhece-se as
variadas atividades informalizadas com que os trabalhadores vão preenchendo a vida
183
como subsistência, e, no caso, associadamente a vinculação dessas atividades em
coletivos de produção. Ou seja, reconceitua-se a perspectiva de trabalho firmando-a
como possibilidade de ocupação em cooperativas e associações, não só em
empresas ou autonomamente. Mais que isso, aponta-se esta como a opção para
qualificar o trabalho informal em termos de produtividade, aumento de renda e
proteção social. Seria assim, a economia solidária, a possibilidade de redenção do
espúrio trabalho informal que sempre marcou a história trabalhista do país e que
cresce estruturalmente nos últimos tempos.
Então, se assume uma ação propositiva sobre a diminuição estrutural do
emprego e se faz isso por meio do alargamento do entendimento do trabalho - agora
também como trabalho associado e se intenciona dar estatuto social às práticas
econômicas informais organizadas em produção coletiva. Em certa passagem, a
SENAES chega a afirmar que sua principal meta é criar o estatuto do empreendedor,
quer dizer regular a função no país insituindo-a com legalidade e alternativa social.
Na visão de trabalhadores do setor, a Secretaria Nacional, objetiva criar o estatuto do
empreendedor de modo a regular a produção, comercialização e trabalho na área;
assim se refere a secretaria: �Uma das metas em vista é a criação do Estatuto do
Empreendimento Autogestionário, em conjunto com a reformulação das legislações
trabalhista, sindical, previdenciária e fiscal� (SCHIOCHET e SANCHEZ, 2004, p.3).
Mas, há um outro elemento nessa ressignificação do trabalho que é a
vinculação à idéia de economia solidária. É um trabalho que se realiza num tipo
específico de economia, segundo os sujeitos políticos envolvidos. A economia é
entendida como passível de se multiplicar em diferentes modos produtivos. Nos
capítulos anteriores, buscou-se confrontar exatamente essa idéia firmando o capital e
as relações sociais que engendra como totalidade social. Se não há condições
históricas e materiais para que essa segmentação se realize, ela permanece assim
tratada porque tem um sentido político severo na medida em que promulga a
dualidade de economias diferentes para segmentos sociais diferentes, como
hierarquiza o pensamento neoliberal e a própria história brasileira do trabalho.
Assim, de uma modalidade de trabalho, a conceituação economia solidária
pode nos carrear para o firmamento da segmentação em contraposição à
universalização do enfrentamento do emprego e do desenvolvimento econômico.
Levando-nos a pensar que a despeito da argumentação libertária envolvida na idéia
de solidariedade entre trabalhadores, de fato, essas são necessidades
184
contemporâneas do capital travestidas, naturalizadas como alternativas únicas de
vida social. Nesse contexto concentrador e centralizador do capitalismo, decisões
cruciais de nível macroeconômico ocorrem longe de onde opera a economia solidária
ou os fóruns de representação popular. Questões vitais são decididas por grupos
econômicos em espaços distantes de controle social, deixando-nos com essa
suposta idéia de segmentação em várias economias. Em si, uma forma de sujeição
social e de não enfrentamento político dos destinos da República.
Para organizar os fundamentos morais dessa cultura, usa-se da artimanha
de revalorizar demandas trocando seus referenciais ideopolíticos, provocando aquilo
que aludimos antes o transformismo das bandeiras de luta dos trabalhadores,
passivizadas na acomodação desse reconceito do trabalho à funcionalidade do
capital. O grande exemplo disso é a própria idéia de solidariedade e autogestão
submersas nessas práticas econômicas que viram direito social por meio da política
pública que vem sendo construída pela SENAES. Antiteticamente, há a fragilização
da solidariedade social advinda da seguridade social pública e das próprias lutas dos
trabalhadores. A relação chega a ser perversa, pois a afirmação desse campo de
trabalho é a negação do próprio assalariamento e das bases de solidariedade social
que amparavam a seguridade pública. Sobretudo, se tomamos em conta que um dos
feitos da vitalidade da nova cultura é disseminar a idéia de que não há saída para a
precarização do trabalho, esvaziando o próprio sentido político da política, das
escolhas que se faz socialmente.
Por outro lado, um elemento adensador desse construto ideológico para
recomposição de hegemonia é a própria constituição do quadro de protagonistas
desses encaminhamentos políticos, na maioria, oriundos da tradição histórica das
lutas sociais no Brasil, carreando para o governo o idioma dos movimentos sociais
como que por prolongamento. No entanto, os significados são outros. Não
necessariamente em suas definições conceituais aparentes, mas em seus sentidos
para as relações sociais capitalistas atuais.
Essa capacidade de trazer os protagonistas das lutas sindicais e sociais
dos últimos 30 anos do país, para o reforço desses horizontes de desassalariamento
� como se faz no Governo Lula � coloca a pedra de toque que se fazia necessária na
reforma moral burguesa.
Dessa forma, depreende-se da experiência pública iniciada a
reconfiguração paralela do próprio Ministério do Trabalho e Emprego que assume
185
como sua prerrogativa a formação do cooperativismo e a sua regulação social,
quando sua história foi a de promover o emprego assalariado e via sua certificação
garantir a cidadania (a cidadania regulada94). Não seria outro o sentido dado a
incorporação da SENAES no interior do Ministério. Embora nomeada secretaria
nacional, como as demais que se vinculam diretamente a Presidência da República95,
- e também de caráter experimental � a secretaria se subordina a estrutura do
Ministério do Trabalho, o que possivelmente confirma a perspectiva de
reconceituação assumida por este governo como referido antes.
Isso ocorre simultaneamente ao reconhecimento da existência de um novo
cooperativismo à semelhança dos novos movimentos sociais dos anos de 1980,
porque envolvido com a democracia substantiva e participativa nas cooperativas em
detrimento do formalismo institucional96. Trata-se, então, de outra distinção
semântica de viés político. �O que distingue esse �novo cooperativismo� é a volta aos
princípios, o grande valor atribuído à democracia e à igualdade dentro dos
empreendimentos, a insistência na Autogestão e o repúdio ao assalariamento.�
(NASCIMENTO, 2004, p. 4).
Mas, essa ocupação com o problema da queda estrutural do emprego e as
possibilidades de renda via o cooperativismo foi apresentada no programa de
governo da Coligação Lula Presidente mencionando o investimento na pequena
unidade produtiva como empresas, cooperativas e ações de economia solidária.
Situa essa via como uma das estratégias de desenvolvimento autonômo para o país
com possibilidade de aumento da renda e acesso a bens públicos.
A globalização não pode ser entendida como um milagroso atalho para o
desenvolvimento. Os exemplos de políticas bem sucedidas foram
marcados pela combinação de práticas internacionais com inovações
nacionais. Nosso governo pretende construir estratégias próprias de
crescimento do país, articulando investidores, trabalhadores e instituições
nacionais com esse objetivo. (...) Ao contrário do que foi feito, nosso
governo buscará mobilizar a sociedade em favor do crescimento, 94 A cidadania que se baseia no trabalho assalariado conforme abordou: Wanderley Guilherme dos Santos, Cidadania e Justiça, Rio de Janeiro, Campus, 1979. 95 Secretaria Especial de Agricultura e Pesca, Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Secretaria Especial para Políticas de Promoção da Igualdade Racial e Secretaria Especial de Politicas para as Mulheres.
186
aproveitando toda a capacidade técnica, empreendedora e criadora do
povo. É uma tarefa difícil, mas se a sociedade for ouvida e os consensos
facilitados, o país poderá viver um novo ciclo virtuoso de crescimento, em
que milhões de brasileiros marginalizados socialmente serão trazidos para
o mercado de trabalho e terão acesso ao consumo de bens de primeira
necessidade. Desenvolver a economia solidária, combatendo a fome e a
indigência, promover os pequenos negócios e as cooperativas, apoiar as
micro e pequenas empresas, juntamente com as inciativas para aumentar
a competitividade internacional, são caminhos viáveis para que o Brasil
possa dar um salto de qualidade. ( Coligação Lula Presidente, 2002).
A especificação do programa no tema �Cooperar e Desenvolver�97 ratifica
essa intenção enfatizando a possibilidade de mobilizar as cooperativas em torno do
maior dinamismo econômico e eficiência produtiva. A visão aqui é mais econômica
mesmo, na perspectiva de agenciar grupos e mobilizar recursos locais tendo como
referência a �eficiente associação cooperativa e mercado na experiência
internacional�, associadamente a capilaridade das iniciativas cooperativistas para
diversas microregiões. Para isso, o governo eleito se propõe a investir nos diversos
ramos do cooperativismo, notadamente nas cooperativas de crédito visando alargar o
microcrédito e dinamizar o consumo e investimento produtivo; cooperativas
habitacionais para ampliar os programas de habitação popular; cooperativas de
produção como as constituídas a partir de empresas falidas, as cooperativas
populares e de assentamentos rurais; cooperativas de trabalho, visando dar estatuto
social, regulando o crescimento desse seguimento no processo de terceirização.
Entretanto, a maior visibilidade dessa perspectiva na programática para o
governo só tem realce quando se institui a secretaria e sua equipe. Vale dizer não de
imediato quando se compõe a equipe de governo, mas entre cinco e seis meses
depois, já sob pressão do movimento social da área.
O que se depreende é que de fato a perspectiva de apoio ao
cooperativismo é assinalada pelo Governo Lula como estratégica, sendo perceptível
tanto no sentido do cooperativismo tradicional representado pela OCB como pelo
�novo cooperativismo� que se acomodará na SENAES. Aquele afeito mais ao setor
agroindustrial continuará como objeto de ação do Ministério da Agricultura que passa 96 A associação com os novos movimentos sociais não é por mera semelhança, mas por envolver sujeitos políticos que atuaram (atuam) nas duas frentes de práticas sociais e porque se ancoram nessa revisão democrática das práticas políticas
187
a ser coordenado por liderança da OCB e da agroindústria do país, com expressivo
envolvimento com o cooperativismo internacional � Aliança Cooperativista
Internacional98. Com isso, se antevê no governo a expressão de sua dubiedade
política no investimento nessa área e simultaneamente a afirmação do campo
cooperativo como alternativa nacional � mesmo que nem tão autóctone assim � ao
emprego fugidio de massas e regulamentado. De ambigüidade pode também querer
induzir tentáculos daquele transformismo, ressignificando os projetos políticos na
arena de lutas sociais do trabalho.
A vinculação da economia solidária à movimento social e às narrativas
anticapitalistas, indicia uma proposição distinta de enfrentamento do desemprego
estrutural e da informalidade do trabalho. Entretanto, uma controvérsia se instala na
base argumentativa e de atuação dos sujeitos políticos envolvidos. A economia
solidária acompanha as recentes tendências dominantes no mundo capitalista
contemporâneo quanto a programas de geração de renda em consonância com a
reestruturação produtiva e desregulação no campo da proteção social. Responde a
isso, material e ideologicamente, fomentando formas de ocupação, algumas vezes
ampliando o espaço econômico nas periferias e áreas empobrecidas do campo e da
cidade, enquanto, igualmente, fomenta a cultura do auto-emprego, contribuindo para
essas novas idéias das classes dominantes.
Como se sabe, as recomendações estruturais das instituições financeiras
multilaterais vinculam-se aos empréstimos externos que impõem condicionalidades à
atuação do Estado. Nesse caso, num claro envolvimento com essa perspectiva de
reprodutibilidade social concernente ao trabalho em pequenas unidades produtivas e
sem amparo social. Consiste em estratégia de atenção aos países devedores da
periferia capitalista, o combate à pobreza e a geração de renda decorrente de ações
criativas e empreendedoras de pequenas e médias empresas. Garantidas as
missivas do ajuste fiscal e a desregulação do Estado perante compromissos públicos
de proteção social, larga-se a economia à orientação do capital financeiro e produtivo
97 Coligação Lula Presidente, Cooperar e Desenvolver, Programa de Governo 2002, São Paulo. 98 �O Cooperativismo está tradicionalmente sob as asas do Ministério da Agricultura, porque há 30 anos praticamente só havia cooperativas nesse setor. Mas eram cooperativas capitalistas. Os sócios são grandes fazendeiros empregando mão-de-obra assalariada. O Roberto Rodrigues, Ministro da Agricultura, é ex-presidente da Aliança Cooperativa Internacional, um cooperativista de segunda geração. O pai dele foi quem fez a lei atual do cooperativismo brasileiro (5764/1971). Soube disso depois que cheguei a Brasília. O Denacoop (Departamento de Cooperativismo e Associativismo Rural) está no Ministério da Agricultura, com uma estrutura grande, com tradição há 30 ou 40 anos.� (Paul Singer, Entrevista, O Novo Pensamento Econômico Socialista, Revista Fórum, out-nov 2004, p.10).
188
monopolizados e emergem instituições voltadas para minorar a miséria e gerar renda
de modo que o contingente de trabalhadores pobres possam se manter por conta
própria.
Para o Banco Mundial, no Brasil,
O avanço das reformas nos últimos oito anos proporcionou uma base
sólida para o novo governo que, em um curto espaço de tempo,
demonstrou notável compromisso com uma firme gestão macroeconômica
e com o progresso social. Se puder administrar as vulnerabilidades
externas e reunir apoio interno para as reformas, o Brasil deverá atingir o
equilíbrio necessário à promoção de amplas melhorias na qualidade de
vida de sua população, em particular dos mais pobres. O sucesso desses
esforços será objetivo do aprofundamento das discussões sobre políticas.
A nova administração federal se comprometeu com a austeridade fiscal,
com o estabelecimento de metas de inflação e com o cumprimento dos
contratos da dívida. (BANCO MUNDIAL, 2003, p. 17
Segundo o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), a pobreza
precisa ser enfrentada, nos anos 2000, com transferência de renda focalizada às
famílias pobres e com a promoção da capacidade de geração de renda de forma
permanente por essas famílias. A melhoria da transferência de renda, com sua
expansão, pode ser conseguida com o aprimoramento da gestão dos serviços, seja
unificando programas variados de bolsas auxílios, seja administrando com maior
eficiência, focalização e eficácia. Conta, paradoxalmente, também, a reforma da
previdência social para descontruir o instituto público de proteção e, nos termos do
Banco, potencialmente, fazer a migração de recursos financeiros.
Atravessam as ações, nessas áreas, preocupações com integração
regional, meio ambiente e redução das desigualdades regionais, de gênero e raciais
� o que chamam de desenvolvimento de capital humano. Conformando um conjunto
de temas de investimento razoavelmente comum à governos e entidades da
sociedade civil. No plano semântico, a concordância de perspectivas parece nos
encaminhar para uma agenda comum, onde a economia solidária encontra certo
espaço de disseminação. Guardadas as diferenças, não é sem sentido que as
entidades de assessoria encontrem acolhida entre as rubricas financeiras dessas
instituições financeiras.
189
A estratégia do BID para o país, implica, aumento de competitividade e
produtividade mediante fortalecimento e expansão do setor privado, e, articulação
regional de pequenos negócios99. Associadamente, o Banco coloca como essencial a
parceria público-privado para incrementar o investimento em infra-estrutura para
produtividade e competitividade abrindo campo para o segmento empresarial com
baixos riscos nos negócios por avalização do poder público. Em si, redirecionamento
de fundo público para o segmento privado.
Resulta desse universo estratégico do Banco uma carteira de crédito
voltada para dirigir os rumos da reestruturação e mundialização do capital, num texto
discursivo que mistura variados temas sociais de interesse de sujeitos políticos bem
diversos. A agenda estrutural do capital vai sendo consensuada com a incorporação
de temas de interesse social mais abrangente.
A visão dos problemas do emprego no país é bem segmentada se
tomarmos o contexto do capital mundial hoje � mas, ao mesmo tempo, exemplar
desse quadro de incoerências discursivas entre os sujeitos políticos.
O mercado de trabalho brasileiro se caracteriza por um alto grau de
informalidade e de desigualdade salarial, relacionado a uma distribuição
muito desigual de capital humano. O governo do Brasil está tentando
combater essa desigualdade de capital humano por meio de seus
programas destinados a melhorar o acesso à educação e à saúde. Além
disso, embora o Brasil conte com uma estrutura reguladora e um conjunto
de instituições trabalhistas relativamente efetivos, estes atendem apenas
uma fração limitada dos trabalhadores e podem restringir a capacidade de
adaptação das empresas à evolução da economia. (BID, 2003, p. 41)
Essa preocupação com a inadaptação do país à �evolução da economia�
se refere a liberalização dos mercados e �a incômoda� proteção aos direitos do
trabalhador assalariado.
99 �. Esse conjunto de atores unidos em torno de um produto ou de uma cadeia de fornecimento constitui aglomerações produtivas locais (�arranjos produtivos locais, ou APLs�) que foram identificados no Brasil como a unidade a partir da qual se procura articular a política pública de apoio ao desenvolvimento empresarial. Nessa mudança a política é coerente com as melhores práticas internacionais na área e com a estratégia do Banco com relação a competitividade e desenvolvimento local (o Banco tem projetos em andamento desse tipo, e outros em preparação, em Pernambuco e Sergipe, centrados em cadeias de fruticultura e em turismo rural e cultura por meio do Fumin, o Programa de Fomento a Oportunidades Comerciais para Pequenos Produtores Rurais co-financiado pelo SEBRAE e a APEX para apoiar 3 APLs frutícolas em diferentes estados do país)..� ( BID, Estratégia do Banco para o Brasil 2004-2007, Documento do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Brasília, 2003, p. 36).
190
A preocupação é conduzir o país para sua adequação às necessidades do
mercado internacional verificando as reformas e ações mais coerentes com este
fim. Essa percepção, carrega as práticas públicas de efemeridade reconhecendo
a preponderância das indispensabilidades da economia internacional � e,
portanto, a permanente recondução dos programas públicos e reformas, se
necessário� colocando a atuação baseada em compromissos pontuais de curto
prazo ao lado de investimentos em práticas de localidade para que os próprios
trabalhadores se apoiem em suas preemências.
Formas de ação que correm nas beiras dos problemas que a estrutura do
capital vai impondo em cada tempo. E para isso, o Banco é bem explícito
mencionando que suas ações de apoio à dinamização dos pequenos negócios
por meio de programas de crédito, como a linha que sustenta junto ao BNDES
para efeito de competitividade no setor privado de pequeno porte e oportunidades
de trabalho. Mas, a questão de fundo, acredita, é o apoio à modernização
industrial e reengenharia dos processos produtivos por meio das micro, pequenas
e médias empresas.
Na realidade, a ação do Banco é estratégica no sentido de exigir o
cumprimento da agenda de austeridade fiscal ao passo que homogeniza o
comportamento dos investimentos governamentais dos países devedores.
O microcrédito, constitui importante foco de atenção do Fundo de
Investimento Multilateral (FUMIN) - criado no âmbito do BID para, exatamente,
fomentar, dinamizar e fortalecer o setor privado. Mais que isso, indutor de sua
expansão na América Latina considerando o mercado ainda incipiente nas duas
grandes economia periféricas da América Latina � Brasil e México. De uma ação
residual de pequenos empréstimos para pequenos empresários de países
periféricos, o microcrédito é abordado pelo BID como, �Em todo o mundo, a cada
ano milhares de instituições de microcrédito estão emprestando bilhões de
dólares a pessoas de baixa renda (...) está se tornando uma atividade financeira
importante, paralela a dos bancos tradicionais. E, segundo as pesquisas mais
recentes, é também uma atividade altamente lucrativa.�
Vale dizer, não só para efeito de realização de negócios, mas como efetivo
meio de consumo familiar como se vê com esse crescimento de serviços de
microcrédito com desconto diretamente em folha de pagamento iniciado com os
servidores públicos e negociados pelas Centrais Sindicais para o conjunto dos
191
trabalhadores sindicalizados, e, que chegou ao auge com a abertura de pequenos
empréstimos para aposentados e pensionistas. O caso é tão lucrativo que ocupa
a programação televisiva com propaganda de bancos antes totalmente
desconhecidos nos principais centros urbanos do país.
(...) o que se verifica é a existência de altas taxas de juros que oneram o
orçamento dos pobres. Nesse contexto, vale destacar que as instituições
financeiras públicas têm tido taxas de lucro elevadíssimas. E, não podemos
ver como algo positivo a política que estimula as populações mais pobres a
se endividarem ( a propaganda governamental é avassaladora) a taxas de
juros escorchantes num quadro de queda de rendimento real dos
trabalhadores e fraco desempenho do mercado de trabalho.(GONÇALVES,
2005, p.18)
Para o BID, os serviços de crédito na América Latina amadureceram tanto
que já é possível migrarem de programas de assistência social para
microfinanciamentos que interessam acionistas por oportunidade de �bons
negócios�.
O site do Banco é bem elucidativo desse ambiente comum nos países
devedores, de vias de trabalho empreeendedoras tendo o microcrédito como
fomentador de negócios e consumo, mobilizando pequenos espaços econômicos
nos municípios e regiões. A Sociedade Financeira Equatoriana, por exemplo, é
um banco de microcrédito situado em Quito, desde 2001, por iniciativa de firmas
alemãs e uma fundação holandesa. Uma dessas empresas alemãs opera com 18
bancos de microcrédito na Europa Oriental, África Ásia e América Latina,
demonstrando a viabilidade e rentabilidade de mercado nesse segmento, junto
aos trabalhadores subjugados do sistema mundial. A empresa financeira faz uso
dos mesmos dispositivos de relação de confiança local que marcam as
experiências populares, em substituição as garantias tradicionais de avalistas ou
empregos seguros: visitam comerciantes, vizinhos e parentes para averiguar
reputação dos candidatos � o que chamam de pesquisa de campo. É do BID,
também, a iniciativa de patrocinar serviços financeiros oriundos da emigração dos
países pobres como envio de dólares e promoção de investimentos. Da perversa
experiência da crise econômica de 1999 no Equador, nasceu o �Banco Solidário�,
uma iniciativa privada que movimenta serviços financeiros para os cidadãos que
emigraram à procura de melhor sorte. A problemática dos migrantes, além de
192
servir ao capital como peso na balança do valor da força de trabalho, serve,
então, também, como objeto de capitalização fazendo convergir negócios ao seu
entorno.
O que se vê é a pasteurização das políticas nacionais que - guardadas
determinadas margens de negociação dos sujeitos políticos � gravitam em torno
dos mesmos caminhos por indicação ou imposição das instituições financeiras
multilaterais. No limite, voltadas para apoiar os acordos com o FMI de austeridade
fiscal e criação de condições para maior credibilidade dos investidores. Efetivo
expositor da fragilização da já tênue democracia enquanto relação e condição de
negociação de interesses sociais. Não é sem sentido que os acordos multilaterais
ocorrem ao largo dos parlamentos, tornando-os ainda mais formalistas na vida
burguesa desses tempos, chamado para atuar em relações sociais já delimitadas
pelo poder econômico mundial.
Isso se faz, lançando mão, inclusive, de parte da pauta das lutas sociais
dos trabalhadores convertida em favor dos interesses do ajuste fiscal e
dinamização do setor privado como os assentamentos rurais ou a urbanização de
favelas; tanto um como outro, abrigando programas de geração de renda.
Em apoio ao Plano Plurianual do governo brasileiro, o BID destaca o
fortalecimento do desenvolvimento de capital humano posto que seu déficit e
distribuição desigual seriam os causadores das fragilidades do mundo do trabalho
no país100. Um programa revelador dessas intenções é o �Favela Bairro� da
cidade do Rio de Janeiro, que, embora não apresente resultados de
fortalecimento da sobrevivência de empreendimentos econômicos como
cooperativas populares nas favelas, adicionou como vertente do processo de
urbanização programas de geração de renda. A experiência com o Programa
para Pequenos Projetos Produtivos no sudeste do México é exemplar, na medida
100 Na parceria de diagnóstico e pauta interventiva entre as instituições financeiras multilaterais, afirma o Banco Mundial: �Apesar dos avanços recentes (e com avaliações incompletas dos efeitos dos programas de transferência de recursos), a sociedade brasileira ainda é uma das mais desiguais do mundo: um por cento da população recebe 10% da receita monetária total � a mesma parcela cabe aos 50% mais pobres. Análises mostram que a disparidade de renda no Brasil decorre basicamente do acesso desigual à educação e de uma grande valorização da mão-de-obra qualificada, aliados a um sistema previdenciário muito regressivo. Um Brasil mais justo fortalecerá o papel dos cidadãos e estimulará sua participação, especialmente dos mais pobres. Melhor qualidade e acesso mais eqüitativo à educação (inclusive no ensino médio e superior) são essenciais para reduzir a pobreza e a desigualdade. Contudo, os imapctos positivos da reforma educacional levam tempo para se consolidar. Reformas nos programas de assistência social que incorporam transferências de recursos e um sistema previdenciário mais eqüitativo podem gerar resultados complementares mais rápidos e reduzir substancialmente a desigualdade.� ( Banco Mundial, 2003, p. 31)
193
em que atua sobre regiões pobres do México entre elas Chiapas. Ali, o programa
se desdobra em empréstimos, doações, assistência técnica e orientação. Atuando
com cooperativas, segundo o Banco, �Os resultados obtidos em apenas alguns
anos são impressionantes. Grupos que não tinham mais do que um produto e um
plano estão agora preocupados com a diversificação, controle de qualidade e sua
entrada em mercados mais competitivos e lucrativos.� Curioso notar, numa região
extremamente marcada pelo ativismo político onde existe um forte movimento de
resistência indígena, entre eles o conhecido Exército Zapatista de Libertação
Nacional (EZLN) coordenado pelo SubComandante Marcos.
Nesse universo de atuação a mobilização para o empreendedorismo,
desenvolvimento de habilidades para iniciativa e empresariamento coloca-se
como elemento chave. O programa primeiro emprego para jovens é voltado para
essa perspectiva de trabalho que se realiza principalmente por iniciativa local e
auto-emprego101. Na estratégia de assistência do Banco figura como ponto
relevante a atuação com jovens nessa perspectiva,� De igual importância é o
fortalecimento da moral e dos valores da juventude da nação, por meio do
incentivo a criatividade e ao idealismo, e do estímulo a idéia de que �tudo é
possível� com o objetivo de promover inovações.� ( Banco Mundial, 2003, p.63)
Despida das relações sociais, a promessa de futuro para os jovens fica a
mercê dessa ilusão de que �tudo é possível� quando na verdade essa parte
recente da história tem se mostrado cada vez mais dura e perversa quanto a não
generalização do desenvolvimento mesmo.
A base de argumentação não é nova. O conceito de capital humano que
lhe é inerente foi desenvolvido entre os anos de 1950 e 1960 baseado na
possibilidade de igualdade entre nações e grupos sociais mediante o
desenvolvimento de determinadas potencialidades que carreassem maior
produtividade e consequentemente menor desigualdade. A idéia não se sustentou
101 Para o Banco Mundial, �O Brasil está entre as maiores nações do mundo em população, área territorial e economia, tendo sido contemplado com um povo altamente empreendedor, uma rica herança cultural, recursos naturais preciosos, instituições sociopolíticas bem desenvolvidas e uma economia sofisiticada.� (Banco Mundial, Estratégia de Assistência ao País 2004-2007, Brasília, 2003, p.27). A visão de �povo altamente empreeendedor� decorre da nossa tradição com a ocupação descompromissada, condição de não universalização do trabalho assalariado o que fez com que os trabalhadores desempregados se �virassem sozinhos�, realizando atividades sem vínculo empregatício e segurança social. O que para as virtudes universalistas do iluminismo poderia ser considerado exceção se converte aqui em virtude nesse novo contexto do trabalho e da dominação social.
194
na realidade concreta e a simetria entre países e grupos sociais não se realizou
de modo que retoma agora como um simulacro.
O conceito de capital humano foi desenvolvido por Theodoro Schultz para
explicar a função agregada macroeconômica sobre as diferenças sociais.
Tamanha foi sua repercussão que o economista recebeu o Prêmio Nobel de
Economia em 1979. O conceito se coadunava com o período de maior
expressividade do fordismo e expunha ao mesmo tempo suas contradições. O
efeito da intensa industrialização que se operou nessa regulação social dinamizou
profundamente a vida social e a economia, mas o fez sem poder se generalizar.
Todavia, a perspectiva de uso do conceito era o de estabelecer uma escala de
necessidades e capacidades à serem supridas, visando constituir uma escada de
mobilidade dos países distantes do modelo de industrialização afluente �
generalização da indústria e consumo de massas.
Essa idéia de desenvolvimento progressivo e ilimitado cai por terra nos
anos de 1980, mas o conceito de capital humano se recompõe como um
fantasma rondando as políticas para a pobreza e desemprego, como se fora
possível generalizar um modo de vida sustentado no concentracionismo
econômico e político, e, que potencializa o desenvolvimento desigual. O conceito
se mantém não mais como generalização do emprego assalariado, mas para a
mobilização de potencialidades para a ocupação temporária e/ou empreendedora,
o que implica disponibilidade para mudanças voláteis do mercado e racionalidade
de negócios para atividades incomuns que podem se tornar espaço econômico.
Nesse processo, tornar a tentativa de ter uma ocupação o próprio objeto da
ocupação movimentando novos espaços econômicos.
Como algozes de si mesmos, os trabalhadores desempregados passam a
receber quando muito capacitação e financiamento para operarem atividades em
caráter de empresa � como sugere o SEBRAE para as carrocinhas de cachorro
quente da esquina � e, se expulsos do mercado competitivo ficam reféns da
própria incompetência das escolhas realizadas. A letalidade dessas pequenas
iniciativas de negócios é reveladora de que atrás do capital humano, se ergue um
campo de poder econômico extremamente hostil a essa possibilidade
empreendedora mercantil liberal. Na verdade, acaba compondo o quadro
semântico e ideológico de mobilização em torno da expansão da iniciativa privada
para novos mercados, inclusive o segmento popular como vem mencionando as
195
instituições multilaterais, o que em si constitui as muitas mediações onde se
realiza o consenso passivo a esse novo ordenamento
Os programas sociais considerados mais relevantes para as agências são
Programa Fome Zero, Primeiro Emprego e Bolsa Família, sendo os três mirados
pelo Banco Mundial para associação com o desenvolvimento de capital humano
(educação e saúde) e práticas de geração de renda. Paralelamente ações sobre a
violência urbana que melhorem oportunidades de renda: �Os programas de
desenvolvimento urbano nas áreas de favelas também podem ser um ponto de
entrada para as atividades comunitárias e culturais, o microcrédito e outras
oportunidades.� ( Banco Mundial, 2003, p. 34).
Dessa forma, e, em contraste com postos de emprego assalariado
florescem muitas e variadas possibilidades de auto-emprego fruto do próprio
empenho do indivíduo em criar oportunidades factíveis no mercado e
dinamizadoras dessa ambientação de negócios privados. O que movimenta
recursos econômicos para assessorias e para realização de negócios, podendo
ampliar possibilidades de consumo, baratear reprodutividade social da força de
trabalho e vir a estruturar campo para investimento futuro de médias e grandes
empresas. Além da própria relação de subcontratação visionada pelo Banco:
Ao contrário de algumas economias latino-americanas, o Brasil abriga
muitas empresas de grande porte. Elas oferecem uma oportunidade para o
crescimento por meio da construção de cadeias de valores competitivas
que estabelecem vínculos entre as pequenas e médias empresas. Por isso,
é importante que pequenas e grandes empresas tenham acesso a
financiamentos para investimento de longo prazo. (Banco Mundial, 2003, p.
41)
Daí que a formação de capital humano empreendedor e o investimento
financeiro, se colocarem como estratégia chave para geração de renda
associadamente a reforma da previdência social e do mercado de trabalho,
ampliando a desregulação de direitos trabalhistas do assalariamento, empurrando
maiores segmentos para o auto-emprego. Para esse fim, o Banco Mundial
financia programas do SEBRAE, FINEP, BNDES e cooperativas de crédito,
exatamente as principais agências finaciadoras de práticas de geração de renda
e, nesse contexto, também, da economia solidária. Vale lembrar, que, associado
196
a essas participações internacionais, as iniciativas nessa área são cobertas,
também, por recursos do próprio trabalho advindos do FAT.
Essa parece ser uma moldura de forças para os países subjugados ao
capital mundial e a agenda de reformas das Instituições Financeiras Multilaterais,
onde transitam experiências mais ou menos inovadoras, mais ou menos
resistentes � como segmentos da economia solidária � mas, que encontram seus
limites e possiblidades esquadrinhados pela moldura geral.
Nesse universo, as políticas públicas viram instrumentos de segurança
para investidores externos e de liberalização dos trabalhadores para busca da
própria sustentabilidade; o que baixa o custo da mão-de obra de que precisam
esses investidores. Na realidade, com uma política macroeconômica restritiva, o
governo da República atual reproduz a queda da taxa de investimentos da década
anterior e limita possibilidades de trabalho massivo. A conformação e inserção
subordinada no contexto internacional, aos ditames da Organização Mundial do
Comércio (OMC), por exemplo, são operacionalizadas pelas condicionalidades e
assistência técnica determinadas pelas instituições financeiras multilateriais para
proceder os empréstimos. �Com suas �condicionalidades� e seus programas de
�assistência técnica� aos governos nacionais e subnacionais, as IFIS são atores
decisivos para internacionalização de uma agenda de políticas públicas�
(CASTRO, 2005, p. 42), amarradas à superávits primários elevados, limitações à
realização de investimentos públicos e garantias financeiras para privatização de
serviços públicos. O efeito sobre a soberania dos Estados-Nação é inconteste, na
realidade, a função política dos próprios parlamentos � instituição tradicional e
formalista do regime democrático � é substituída pela força externa dos
empréstimos102. 102 �Uma premissa geral da cooperação entre OMC-FMI-BM é que as reformas de liberalização comercial são sempre benéficas para todas as partes envolvidas. Isto, porém, é contestável. O simples cancelamento de regulamentações nacionais ou sub-nacionais das práticas relevantes para as atividades comerciais, como se sabe, pode prejudicar ou mesmo destruir, em países menos desenvolvidos, indústrias com necessidade de investimentos para agregar competitividade, ou setores econômicos em que se organizam padrões solidários ou comunitários de produção e troca, inclusive a agricultura familiar. Por outro lado, ao priorizar a revogação de �intervenções� no mercado, a simples liberalização comercial pode dificultar ou inviabilizar a implementação de políticas nacionais ou sub-nacionais de alcance social, inclusive nas áreas saúde pública, segurança alimentar, direitos trabalhistas e proteção ambiental. A cooperação institucional OMC-FMI-BM é prevista em apoio à implementação da �Agenda de Doha�, da OMC, que enfatiza o �desenvolvimento� via expansão do �mercado�, como fruto da liberalização comercial. Portanto, na visão dos organismos já citados, até mesmo o combate à pobreza deve resultar do crescimento econômico via ampliação de mercados para empresas privadas.� (Marcus Faro de Castro (org), A Sociedade Civil e o Monitoramento das Institutições Financeiras Multilateriais, Brasília, Rede Brasil, 2005, p. 34).
197
A ambigüidade do Governo Luiz Inácio Lula da Silva se expressa em
programas sociais inovadores, ao mesmo tempo que a aderência irrefutável ao
ajuste estrutural do capital, incorporando nesse processo idéias e temas de
interesse de lutas sociais históricas de direitos sociais, o que torna a passivização
o meio dos trabalhadores brasileiros se relacionarem com os mesmos, ainda que
sem efeito social. Não correspondem às aspirações autênticas, mas são objeto de
transformismo de que nos fala GRAMSCI, promovendo um ambiente
consensuado necessário a esse horizonte social de maior penalização e
reconceituação do trabalho.
No plano da assistência internacional não é cabível deixar de mencionar
órgãos estratégicos como os das Nações Unidas, destacadamente, a OIT e o
PNUD.
Nos planos da OIT, três áreas de atuação programáticas marcam o
entendimento da entidade quanto a esse processo de reestruturação produtiva e
mundialização do capital. O desemprego estrutural e as condições degradantes
de trabalho são os eixos centrais desses programas expressos na erradicação do
trabalho infantil e do trabalho escravo, bem como na campanha pelo trabalho
decente. Ao lado do alto crescimento produtivo e tecnológico, conquistado nos
tempos recentes, revive-se situações super aviltante de trabalho que envolvem o
emprego de crianças e o trabalho forçado.
A campanha pelo trabalho decente é emblemática para pensar essas
transformações atuais e a inflexão no trato público do trabalho capitalista no
mundo. As estratégias de ação da entidade para os anos 2000103 tornaram
nuclear a promoção não do trabalho, mas particularmente do trabalho decente. A
situação é de tal monta em termos de heterogeneidade social e evidência
empírica nas ruas das cidades planetárias que não basta promover o trabalho �
na medida em que, com as desregulamentações trabalhistas, esse pode ser legal
e legitimamente penoso para aqueles que vivem do trabalho. Nos termos dos
programas da OIT, é preciso promover aquele trabalho em condições de
liberdade, eqüidade, seguridade e dignidade humana, situado num contexto social
com liberdade sindical, de associação e negociação coletiva; e avesso ao trabalho
escravo, infantil e discriminatório; além do fomento do próprio emprego. O que
demonstra a ambigüidade que paira sobre os próprios organismos internacionais:
198
o programa neoliberal persiste nas agendas dos Estados, mas as ressalvas a sua
desumanização já são bem disseminadas. Quer dizer, a idéia do mercado como
regulador está razoavelmente questionada pelas inseguranças geradas e que
alargam as distâncias sociais, todavia, a resposta a isso se limita ao
gerenciamento das conseqüências do problema.
Por isso, a campanha da OIT ainda que (d)enuncie as marcas dessa
estratégia de corrosão do emprego e o fomento às formas precárias de trabalho
se reveste de um discurso moral mais que teoricamente claro. Funcionando
principalmente com sentido ideológico encobrindo o problema apresentado como
solução � trabalho decente. A ambivalência da categoria da OIT anuncia a
solução � pela decência- encobrindo o problema : o trabalho sob as
circunstâncias históricas da mundialização e financeirização do capital.
Semelhante sentido tem sido dado pelos Estados, quando desenvolvem ações
tecnocráticas para conter as aguras do desemprego e colaborar com o processo
de desestruturação do mercado de trabalho.
A visão da OIT, a respeito desse quadro, tem lhe conduzido à promoção do
empreendedorismo e do cooperativismo como via de substituição ao emprego
assalariado. Segundo Peter Bauer � chefe do departamento de estratégias de
emprego da OIT � existem quatro estratégias regionais e globais de emprego no
mundo envolvendo a União Européia, OIT/PGE, OCDE e Mercosul, todas têm
como objetivo comum o empreendedorismo, a formação profissional e as políticas
ativas de emprego (programas de geração de emprego e subsídios a
empresas)104.
Em termos específicos do cooperativismo, a OIT adicionou na
recomendação 193/2002 a indicação da cooperativa como meio de trabalho a ser
estimulado entre os países associados as Nações Unidas, nesse novo contexto
das relações capital-trabalho. Antes, era apenas uma orientação de ocupação
para periferia, agora, tomou a forma de instrução para o conjunto dos países.
Desenvolve com a ACI (Aliança Cooperativista Internacional) convênio de
atividades e fomento à promoção do cooperativismo no mundo.
103 Somovia, Juan. Memória do Diretor Geral: Trabalho Decente. Oficina Internacional do Trabalho. 87a reunião. Genebra: OIT, junho de 1999. www.oit.org/public 104 Apresentação realizada no Seminário Política Geral de Emprego: necessidades, opções, prioridade � entre os dias 9 e 10 de dezembro de 2004, organizado pela própria OIT. ( Lucélia Luiz Pereira, Relatório do Seminário Política Geral de Emprego: necessidades, opções, prioridade, Brasília, OIT, 2004).
199
O PNUD tem centrado, também, sua cooperação à programas de pobreza
que articulem ações de geração de renda. Uma das principais questões da ONU
com os objetivos de desenvolvimento do milênio é como o setor privado pode se
engajar no combate à pobreza no mundo, de modo a promover o
desenvolvimento. O PNUD responde a isso sugerindo �focar no desenvolvimento
de negócios que criam empregos e riqueza na economia nacional potencializando
a capacidade dos empreendedores locais� (PNUD, 2004, p.5).
O caminho é o fomento ao financiamento, à capacitação e a parceria
público-privado. A instituição pela ONU, do ano de 2005, como Ano Internacional
do Microcrédito, compõe parte dessa agenda política, sugerindo ampliação do
fomento ao microcrédito, inovação na formulação de modelos financeiros
sustentáveis para pequenas e médias empresas, bem como transmutação de
fluxos financeiros oriundos de emigrações em investimentos produtivos105.
Na dimensão formativa, o PNUD interessa-se pela formação de lideranças
públicas e privadas, treinamento de microempreendedores e associação com
órgãos públicos e sindicatos para capacitação de mão-de-obra, tendo como
diretriz, principalmente, a perspectiva do negócio empreendedor, e, desse modo
acompanhar �como as pessoas carentes podem ser diretamente capacitadas a
desenvolver seus negócios.� (Ibid, 2004, p. 41).
Quanto ao setor privado, as recomendações do PNUD gravitam em torno
da transferência de know-how, serviços e recursos das empresas para os
negócios dos pequenos empreendedores dos países periféricos. Isso, por meio
do estabelecimento de laços entre empresas e os pequenos negócios �É
necessário e urgente que empresas multinacionais se integrem melhor a
pequenas e médias empresas e reforcem elos com o ambiente doméstico, assim
como aqueles existentes entre microempresas distribuidoras e grandes empresas
domésticas� ( Ibid, 2004, p.41). Nesse terreno, abrir oportunidades de negócios
junto a mercados no âmbito da vida social dos trabalhadores pobres. Segundo o 105 Segundo o relatório do PNUD, é vasta a experiência das Nações Unidas em programas de microfinanças, o que �incentivou a Caixa Econômica Federal a buscar a criação conjunta de uma estratégia de acesso a crédito e serviços financeiros a milhões de microeempreendedores brasileiros. O PNUD contribuiu no desenho de um modelo operacional que utiliza a experiência pioneira da Caixa em franquias para ampliar a capilaridade dos serviços de microfinanças, e utilizou sua rede de conhecimentos para promover visitas de técnicos da CEF a programas bem sucedidos na América Latina e África do Sul. Os projetos CEF/PNUD incentivam quem desenvolve alguma atividade produtiva sem vínculo empregatício, como a costureira que trabalha em sua própria casa, a poupar sobras financeiras ou a ampliar sua atividade e conseqüentemente sua
200
PNUD, �Isso é importante para dar poderes às pessoas carentes e poderia
também ter grande valia na criação de um mecanismo de avaliação para grandes
empresas e multinacionais avaliarem seu sucesso na criação de mercados
lucrativos para consumidores pobres.� (Ibid, 2004, p. 41).
Para isso, as organizações da sociedade civil, segundo o PNUD, têm papel
estratégico como �observadores críticos�, transfigurados, no nosso entender, em
colaboracionistas, pois, como justifica o programa:
Numerosas organizações da sociedade civil estão atuando em parcerias
diretas com o setor privado para combinar os conhecimentos de gerência e
a capacidade financeira de empresas privadas com seu know-how e
contatos em mercados localizados na base da pirâmide, o que pode
facilitar uma colaboração do setor privado com a sociedade civil, capaz de
desenvolver programas de microcrédito em bases comerciais e
sustentáveis. As organizações da sociedade civil estão mais próximas da
base da pirâmide. Muitas vezes, elas também representam uma opção de
base de testes para novas tecnologias de solução de problemas. Essas
organizações necessitarão também medir seu êxito em facilitar parcerias
inovadoras entre entes privados para lidar com objetivos econômicos e de
política social. (Ibid, 2004, p.42).
A associação desejada pelo PNUD é a de atuar no sentido de �liberar a
energia empreendedora das pessoas pobres e aproveitá-la como alavanca para
o crescimento do setor privado.� (Ibid, 2004, p. 42)
Mas, tudo isso, �(...) para chegar a resultados significativos requer uma
nova forma de pensar o desenvolvimento que não seja limitada pelas ideologias
ou viciada por debates exaustivos� (Ibid, 2004, p.16).
As Nações Unidas, ainda que incorporando preocupações humanitárias e
certa margem de disputa de idéias não se desliga dessa comunhão institucional
de mediações no sentido de sugerir alternativas limitadas às possibilidades dos
países periféricos. E, isso se dá de forma a-histórica, como se não houvesse
hierarquias sócio-econômicas entre os países e no interior do capital privado, ou,
renda, abrindo acesso a pequenos volumes de crédito e assim a condições de vida mais dignas.� ( PNUD, Relatório de Atividades do PNUD no Brasil: 1960-2002, Brasília, PNUD, 2003, p. 7)
201
mesmo determinantes estruturais a essa condição de pobreza limitada a menos 1
dólar dia por 1,17 bilhões de indivíduos no mundo106.
Mais que isso, o PNUD tem se esforçado em valorizar a vida social dos
trabalhadores pobres como segmento econômico representativo para o setor
privado; em si, uma estratégia de abertura de mercado: � A maior interação entre
os que estão na base da pirâmide e o setor privado cria oportunidades para o
envolvimento direto de mercado�. (PNUD, 2004, p.19).
Na realidade, a organicidade dos projetos do PNUD com os programas
nacionais é bem significativa se expressando nas variadas ações de
�desenvolvimento local� nos municípios, e, que objetiva �estimular a abertura de
novas oportunidades sócio-econômicas e políticas nas localidades com baixo
índice de Desenvolvimento Humano (PNUD, 2003, p.7), por meio da geração de
renda apoiado em capacitação, assessoria e fomento. Para se ter a dimensão
disso, é preciso que se saiba que a política de fortalecimento do
empreendedorismo do SEBRAE não só é financiada pelo PNUD como sua
metodologia de ação é na origem das Nações Unidas107.
De modo que, por diferentes veredas, novos campos semânticos de
alternativas ao trabalho assalariado vão sendo tecidos e implementados, sem que
necessariamente conformem discussões públicas a esse respeito, mas já como
contrapartidas da dependência junto às instituições financeiras multilaterais. Por
isso, a similitude de iniciativas e propostas para dar estatuto social ao trabalho
torto � informal e precário.
No âmbito do empresariado brasileiro, o que se observa é uma abordagem
em três enfoques, a respeito do novo contexto do trabalho, tomando-se como
referência seus sujeitos coletivos. Dá-se ênfase a : atuação sobre reformas para
diminuição de custos produtivos; difusão e esclarecimentos sobre o uso das
cooperativas de trabalho; abordagem formativa para o empreendedorismo.
106 A inserção do PNUD é contraditória e não deixa de se assemelhar as iniciativas das instituições financeiras mutilaterais: �O PNUD atua para revigorar as parcerias regionais, e age como mediador e promotor de alternativas de desenvolvimento. Interage com projetos internacionais financiados pelo Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento, entre outros, assumindo responsabilidades de reestruturar os processos organizativos e de governabilidade local. Um exemplo é a implantação do projeto de Distritos Industriais, em Nova Friburgo, (RJ).� (PNUD, Relatório das Atividades do PNUD no Brasil: 1960-2002, Brasília, PNUD, 2003, p. 8). 107 �Trata-se do EMPRETEC que já orientou mais de 50 mil pessoas, em todos os estados brasileiros, a iniciar e administrar negócios próprios, formando, inclusive, redes de empreendedores capacitados por esta metodologia.� PNUD, Relatório das Atividades do PNUD no Brasil 1960-2002, Brasília, PNUD, 2003, p. 8)
202
No campo das reformas, trata-se da revisão da regulação do trabalho em
termos de proteção trabalhista, previdenciária e sindical para liberar o uso da
força de trabalho com menores custos financeiros, despublicizando a apreciação
de condições mínimas de proteção social do trabalhador perante o mercado. As
entidades representativas dos interesses do empresariado têm se esforçado em
torno da articulação de ações nos espaços de concertação abertas pelo executivo
federal e na mobilização junto ao segmento parlamentar, como se acompanha na
agenda política nacional.
A participação do empresariado no Fórum Nacional do Trabalho, visou
atingir esse propósito, tendo como referência a necessidade de ruir a estrutura
trabalhista do processo de industrialização como observou o presidente da CNI:
As propostas levadas ao fórum terão de substituir uma lei, que ficou
estática durante 60 anos, por outra que terá de ser dinâmica. As propostas
terão de abrir espaço para a adaptação rápida das relações do trabalho
aos avanços tecnológicos e às mudanças nos modos de produzir e vender
que marcará o futuro. É dessa capacidade de adaptação da empresa que
vai depender o emprego do trabalhador. (MONTEIRO NETO, 2003, p.A-3)
A iniciativa se reveste de uma semântica no mínimo contrastante, pois
enfatiza a necessidade de um contexto mais dinâmico para produção que significa
maior volatilidade da mão-de-obra e de suas capacidades produtivas em favor de
um mercado em mudanças por novos produtos de consumo e extrema
competitividade. Por outro lado, nesse texto, dá-se por certo, e, natural a
progressividade dos avanços tecnológicos como demiurgos das mudanças a que
todos devem se sujeitar e como única forma de criar ou manter empregos. Um
texto que busca igualizar as necessidades de adaptação tanto do empresariado
quanto dos trabalhadores, como se revelassem aí condições semelhantes de
enfrentamento das mudanças produtivas do capitalismo e num horizonte sem
conflitos sociais.
A perspectiva da harmonização de interesses se coaduna com o
deslocamento do conflito capital / trabalho por força do desemprego e
desarticulação sindical � que tende a ser mais penalizada na reforma sindical em
curso � proporcionando condições favoráveis à ampliação da produtividade.
A atualização das leis trabalhistas é fundamental para assegurar um clima
de estabilidade nas relações de trabalho. Essa é a condição para a
203
construção de um ambiente favorável a novos investimentos e ao aumento
da competitividade da economia. Fatores que resultarão no estímulo à
geração de empregos formais no Brasil. (MONTEIRO NETO, 2005).
Essa atualização - subsunção as necessidades do mercado do capital
mundializado � expressa a desmontagem da estrutura pública do trabalho, revista
e reiterada na Constituição Federal de 1988, tomada pelo empresariado como
peça ultrapassada, que discrimina os �mais pobres e excluídos� da possibilidade
de constituírem seus próprios negócios,
No campo do trabalho, por exemplo, a Constituição Federal de 1988
consagrou a tendência de se fazer uma fachada igualitária para uma lei
que, na realidade, aprofunda as desigualdades. Ao elevar
substancialmente as proteções trabalhistas, por exemplo, a Constituição
Federal onerou o fator trabalho e remeteu para um limite extremo a
complexidade burocrática para se contratar legalmente. Resultado: o
mercado informal explodiu. Nele, há de tudo, até mesmo profissionais
qualificados. Sem dúvida, a Constituição Federal é uma importante fonte
de desigualdade e exclusão sociais no Brasil, razão pela qual modificações
conseqüentes no quadro atual exigem mudanças constitucionais nos
campos dos direitos sociais, Previdência Social, seguro-desemprego,
FGTS e vários outros. Ao lado da Constituição Federal, há um grande
volume de leis complementares e ordinárias que reforçam esta
distorção.(....) O empresariado industrial está disposto a colaborar na
desmontagem das forças políticas e sociais que, historicamente,
mantiveram a pobreza, a desigualdade e a exclusão no Brasil. Essa
desmontagem é inadiável e terá de contar com o esforço de todos. (CNI,
2002, p.141-142)
No contexto do uso de dispositivos de flexibilização produtiva, relaciona-se
o empenho em orientar a base empresarial para as vantagens e precauções
jurídicas na incorporação de práticas de cooperativas de trabalho, como aborda o
presidente da CNI em 2001:
O mercado de trabalho está passando por profundas mudanças em
decorrência da abertura da economia, da intensificação da concorrência e
das novas tecnologias e formas de produzir. O emprego em tempo integral
e a prazo indeterminado, garantido pelo tradicional vínculo empregatício,
204
passou a ser apenas uma das várias modalidades de contratação de
trabalho do mundo moderno. Menos de 50% da força de trabalho no Brasil
está nessa situação. Inúmeras funções exigem atividades em tempo
parcial, por prazo determinado, terceirizado, em casa (teletrabalho),
contratado com empresas de prestação de serviço temporário e
cooperativas de trabalho. (...) Quando respeitam as normas, têm-se
veiculado como de grande utilidade para os cooperados, a sociedade, e,
principalmente, para os tomadores de seus serviços. Ademais, a solução
cooperativa permite uma grande autonomia para os contratados e
contratantes, garantida pela CLT. (PEREIRA, 2001, p. 5)
A ênfase no uso das cooperativas de trabalho recai sobre a distinção das
relações sociais que atravessam essa prática, porque desoneram a empresa dos
custos do assalariamento direto enxugando a base produtiva e mantendo o uso
do trabalho vivo sob bases mais escusas de exploração. E, ainda, no caso, a
cooperativa é mais vantajosa do que contratação de empresa terceirizada, porque
se rege por legislação civil desobstruindo a relação de sentido trabalhista.
Do ponto de vista prático, a empresa que utiliza os serviços de cooperação
estabelece com a cooperativa de trabalho um relacionamento que é
presidido pela lei civil e não pela lei trabalhista. (...) Portanto, quem
�compra serviços� através de uma cooperativa de trabalho não compra
mão-de-obra. Assim, as relações de trabalho nesse tipo de sociedade têm
características civis e não da Consolidação das Leis do Trabalho.
(PASTORE, 2001, p. 10)108
108 Assinala a cartilha da CNI que no contexto da terceirização é preciso distinguir as vantagens e benefícios de rentabilidade entre empresas e cooperativas, isso porque �As empresas que prestam trabalho temporário, nos termos das Leis ns. 6019/74 e 7102/83, possuem um quadro de empregados. As cooperativas possuem um quadro de cooperados. No primeiro caso, estabelece-se um vínculo empregatício de natureza trabalhista entre trabalhadores e empresa prestadora de trabalho temporário. Todos deverão ter registro em carteira. A empresa está sujeita ao recolhimento dos encargos sociais aplicáveis. No segundo caso, a relação jurídica entre os cooperados e a cooperativa é de natureza civil. Não há registro em carteira. (...) Não é correto, porém passar a idéia de que as cooperativas �escapam� dos encargos sociais em relação aos cooperados. Isso gera um entendimento equivocado, pois através dos fundos anteriormente mencionados, as cooperativas protegem os cooperados.� ( José Pastore, Cartilha sobre Cooperativas de Trabalho, CNI, Brasilia, 2001, p.11). Tais fundos dizem respeito a fundos sociais previstos na lei do cooperativismo e que visam dar proteção aos cooperados por meio de destinação de um montante dos ganhos. Além desses fundos, os cooperados são obrigados a estarem cadastrados e pagarem ISS (imposto sobre serviço) a prefeitura e previdência social junto ao INSS como autônomos. Num caso ou noutro, tudo depende da renda conseguida na medida em que frente as necessidades de subsistência imediatas a segurança social tende a ser desconsiderada, pelo que pude levantar na pesquisa.
205
Além disso, nas iniciativas empresariais para a mudança produtiva e das
relações de trabalho, tende a ser bastante presente a formação para o
empreendedorismo. Tanto em termos de constituição de nova visão do mundo
dos negócios quanto no exercício direto de práticas de empreendedorismo
compartilhado através de arranjos produtivos locais, fomentando financeira e
tecnicamente iniciativas nessa direção. O sistema S, formado pelo SESI, SENAI,
SENAC e SESC, desenvolve suas programações para revisão da estrutura
educativa do trabalhador dando ênfase a flexibilidade e inovação como fatores de
competitividade (SESI, 1999), baseado na idéia de que �empreendedor é aquele
que é capaz de pensar e agir por conta própria, utilizando criatividade, habilidade
pessoal, liderança e visão de futuro para inovar e criar condições para ocupar o
seu espaço no mercado.� (....). Para isso concorrem programações de viés
comportamental orientada para o que chamam de desenvolvimento individual e
da organização, através da elaboração de planos de vida, planos de trabalho e
planos de negócios. Nesse novo contexto produtivo, as soluções biográficas
respondem a problemas socialmente produzidos e precisam por isso de
treinamento das capacidades. �Estimular a cultura empreendedora, proporcionado
o desenvolvimento de competências e de comportamentos individuais e
organizacionais.(...) desenvolver o espírito empreendedor tanto no que se refere a
abrir seu próprio negócio, quanto a gerir sua carreira de forma dinâmica, crítica e
consistente.� (Duarte, 2004, p.2-3)
Dessas entidades empresariais, têm emergido, também, ações de fomento
à pesquisa e implementação de experiências de aumento de produtividade de
micro e pequenas empresas, por intermédio dos Arranjos Produtivos Locais,
também, conhecido como empreendedorismo compartilhado que visa mobilizar e
associar esforços para maior produtividade de segmentos regionais109. A idéia
exposta por esses sujeitos coletivos é desenvolver vocações empresariais tendo
109 Exemplo disso é a atuação da FIESP - Federação das Industrias de São Paulo � que desenvolve com o SEBRAE parceria para mobilizacão desses aglomerados: �Quatro cidades foram escolhidas para o desenvolvimento do Programa Aumento da Competitividade das Micro e pequenas Indústrias localizadas em Arranjos Produtivos Locais (APLs) do Estado de São Paulo: Limeira (bijuterias), Mirassol (mobiliário), Vargem Grande do Sul (cerâmica) e Ibitinga (cama, mesa e banho, bordados).(...) O objetivo é contribuir para o fortalecimento de pequenas empresas instaladas em aglomerados industriais de uma mesma cadeia produtiva, através do aumento da produtividade e da criação de processos que permitam a autosustentação dos ganhos de competitividade das empresas. (...)receberão assessoria permanente visando o aumento da participação no mercado, melhoria de gestão, capacitação profissional, acesso a inovações tecnológicas, além de treinamento e capacitação empresarial.�(A expansão dos Clusters, Notícias FIESP/CIESP, abril de 2003, p.8-9)
206
em conta a dinamização produtiva da economia, o que se apresenta como
essencial à disseminação da cultura empreendedora, isso no tocante a pequenos
cursos de atualização profissional, de desenvolvimento de habilidades para auto-
emprego como na formação de carreiras mais executivas nas universidades ou
em prêmios e agremiações para o empreendedorismo como o Comitê Jovens
Empreendedores da FIESP110.
Entre os trabalhadores, pode-se dizer que além de ações de enfrentamento
e negociação a respeito do crescimento econômico, poder dos salários e reformas
� trabalhista, sindical e previdenciária �, os sujeitos coletivos sindicais têm dado
atenção as vias de geração de ocupação e renda, acentuando duas vertentes
distintas: uma voltada para intermediação de mão-de-obra e qualificação
profissional; outra para o estímulo às atividades alternativas ao trabalho
assalariado.
Em conjunto, as centrais sindicais apresentaram documento ao governo
federal �A Pauta do Crescimento� visando um desenvolvimento sustentado.
Nessas proposições e na crítica da CUT à política industrial apresentada pelo
executivo, se referem a necessidade de superar os acordos espúrios com o FMI
baseados em �metas draconianas de superávits fiscais�, redução de taxas de
juros, definição de metas quantitativas de produção, exportação, emprego e
arrecadação nos fóruns tripartites de competitividade, assim como medidas de
recomposição do poder aquisitivo dos trabalhadores, associação estratégica
exportação e mercado interno, metas de aumento semestral de emprego, entre
outros pontos. Associadamente a �implementação de programas de financiamento
e assistência técnica à agricultura, microempresa e cooperativas�111. Quer dizer,
110 �O CJE FIESP é um grupo de jovens empreeendedores que contribuem para cosntruir, com ética e comprometimento, uma nova identidade empresarial, por meio do fortalecimento do empreendedorismo paulista. O CJE foi formado a partir da iniciativa de empreendedores que acreditam na idéia de que o Brasil precisa preparar os seus jovens para o priemiro negócio. Hoje, são mais de 140 membros que se reúnem diariamente em reuniões de trabalho na FIESP, em jantares temáticos e em seminários.�(Comitê de Jovens Empreendedores da FIESP � CJE www.fiesp.com.br) A persepctiva é voltada para jovens por isso os projetos se definem em: manual prático do jovem empreendedor; prêmio paullista do jovem empreendedor; e congressos de jovens empreendedores. 111 É preciso que se diga que as críticas apresentadas pela CUT a política industrial sinalizam intercursos para condução desse propósito na medida em que o governo não estabelece mecanismos claros de financiamento à indústria no tocante ao papel do sistema financeiro privado, inexiste instrumentos claros de defesa comercial das indústrias perante a concorrência desleal estrangeira, permanece difusa a possibilidade de entendimento tripartite (empresários-trabalhadores-governo) nos fóruns de competitividade em razão dessas imprecisões estratégicas da política e do modo de funcionamento dos fóruns que não alteram a difícil concertação de interesses entre os segmentos como mostrava outras experiências segundo a entidade.(CUT,
207
no bojo de medidas pautadas para pensar o crescimento econômico, as centrais
sindicais enfatizam, também, a promoção de condições estruturais para a
pequena produção rural e urbana, indiviual ou coletivizada.
De fato, tirando esses acordos gerais de proposições para o governo
federal, manifestações sobre tributação e legislação para os pequenos segmentos
produtivos e a intermediação de mão-de-obra via centrais de emprego, com
efeito, é a CUT que mais diretamente expõe publicamente sua atuação
colaboracionista nessa perspectiva de construção de opções de trabalho por fora
do emprego assalariado. A idéia de reforma trabalhista inclui pensar a
particularidade desse segmento entendendo-a, a reforma, como �ampliação dos
direitos dos trabalhadores, a partir da valorização do trabalho e no bojo de um
projeto de desenvolvimento sustentável e solidário para o Brasil� ( CUT, 2003 p.
15). Isso, em seus argumentos, implica, democratização das relações de trabalho,
incluindo entre outros fatores o �acesso a informações, cursos de educação
profissional, financiamento público para atividade de auto-gestão e associativismo
aos trabalhadores desempregados, juntamente com o funcionamento do Sistema
Público de Emprego� (Ibid, p. 17).
Ainda que essa seja uma orientação em variadas esferas de atuação da
CUT � na qualificação profissional, na concertação de políticas públicas � chama
atenção sua viril atuação na constituição de cooperativas e dessa prática que vem
sendo chamada de economia solidária, tanto no meio rural como urbano. Para
isso possui em sua estrutura a ADS � Agência de Desenvolvimento Solidário,
atuante em mais de nove estados do país, cobrindo todas as regiões geopolíticas
com o fim de �promover a constituição, fortalecimento e articulação de
empreendimentos autogestionários, buscando a geração de trabalho e renda,
através da organização econômica, social e política dos trabalhadores e inseridos
num processo de desenvolvimento sustentável e solidário.� (ADS, s/d, s/p)
Para isso, desenvolve ações de assessoria, formação, pesquisa,
comercialização e desenvolvimento tecnológico para formar e mobilizar
complexos cooperativos e crédito solidários. Os complexos são concentrações
locais de empreendimentos de economia solidária que atuam em sinergia de
cooperação visando o desenvolvimento local. A vertente de ação voltada para o
crédito se vincula ao � �Sistema Nacional de Economia e Crédito Solidário - o Política Industrial, Propostas da Central Única dos Trabalhadores, Reunião do Conselho de
208
Sistema Ecosol, que tem como objetivo viabilizar o acesso ao crédito para
iniciativas autogestionárias e solidárias (...) é composto por cooperativas de
crédito que compartilham princípios que remetem a autogestão, viabilidade
econômica e financeira, filosofia cooperativista, flexibilidade administrativa,
controle social e dsitribuição de renda.� (Ibid).
Entretanto, além da CUT, outro sujeito coletivo de representação dos
trabalhadores e com participação de relevo no âmbito dessas novas práticas e
concepções de geração de renda, é o MST. Está na origem de estruturação
sistemática do movimento, a partir de 1985, a organização coletiva da produção,
com a criação de grupos nos assentamentos reunidos em associação, grupos
coletivos de trabalho e cooperativas:
optou-se pela criação do Sistema Cooperativista dos Assentados � SCA,
com objetivo de buscar maior articulação e afinidade entre as diversas
formas de cooperação, elaborar e aplicar políticas homogêneas de
desenvolvimento, formar quadros organizadores da cooperação, elaborar
programas de capacitação em todos os níveis, elevar a produção
agropecuária, melhorar a produtividade do trabalho nos assentamentos, e
com tudo isto atingir melhorias significativas nas condições de vida das
famílias assentadas. (MST, s/d,s/p)
A perspectiva apontada pelo próprio movimento é da integralidade do
desenvolvimento no campo com sustentabilidade do meio ambiente e eliminação
da exploração dos trabalhadores, iniciativas em que a cooperação é estimulada
em suas diferentes formas.
Passados quinze anos de sua organização o SCA conta com mais de 160
cooperativas distribuídas em diversos estados brasileiros e divididas em
três formas principais em primeiro nível: Cooperativas de Produção
Agropecuária � CPA, Cooperativas de Prestação de Serviços � CPS e
Cooperativas de Créditos. Além das Cooperativas multiplicou-se o número
de associações, grupos semi-coletivos e grupos coletivos. Estas
cooperativas também se organizam em centrais de cooperativas em nível
estadual e nacional. (Ibid, s/d,s/)
O que evidenciamos na pesquisa é que a complexidade desse processo se
expressa em dilemas e contradições ideopolíticas e que, também, sua exposição
Desenvolvimento Econômico e Social, Brasília, CUT, 2004).
209
prática � econômica e política � é feita igualmente de variadas dimensões
sinuosas e heterogêneas de afirmação do não assalariamento, e, também, de
disputa por caminhos alternativos diferenciados. A questão é saber até onde essa
disputa política (DAGNINO, 2002, 2004) tem espaço de manobra suficiente para
romper a subordinação econômica internacional e a despolitização das práticas
coletivas dos trabalhadores de que nos fala OlLIVEIRA (1999). Parece ser este
um questionamento necessário e permanente neste front de estudos e práticas
sociais.
De fato, se repõe nesse campo da economia solidária a tradição recente de
construção democrática brasileira. E não é pouco para a história social que
possamos imaginar possibilidades de organização coletiva de trabalho e a sua
gestão substantivamente democrática. Todavia, opera-se aqui aquilo que
DAGNINO(2004) chamou de �confluência perversa� fruto da renovação
ideopolítica em favor, num mesmo tempo e cenário social, de um projeto
neoliberal e um projeto democratizante.
O fenômeno do �trânsito da sociedade civil para o Estado� no processo de
redemocratização e eleições diretas para os governos trouxe mais complexidade
a isso: �o confronto e o antagonismo que tinham marcado profundamente a
relação entre o Estado e a sociedade civil nas décadas anteriores cederam lugar
a um aposta na possibilidade da sua ação conjunta para o aprofundamento
democrático.� (DAGNINO, 2004, p.139). Por outro lado, as idéias neoliberais
foram conformando um quadro de retraimento das responsabilidades estatais e
sua absorção pela sociedade civil.
Num caso ou noutro, ambos os projetos �requerem uma sociedade civil
ativa e propositiva� (Ibid, p.140). O antagonismo do discurso aparente dos
projetos em tela, se desfaz na confuência em torno desse protagonismo da
sociedade civil porque diz algo semelhante, mesmo que com sentido diferente,
por isso a sua perversidade pelo efeito social que provoca. No fundo, podem vir a
colaborar para a maior fragmentação e desassalariamento do trabalho,
constituindo a cultura do auto-emprego como benéfica ao enfrentamento da
desigualdade social quando faz o seu firmamento.
As permanências históricas da tradição sócio-econômica brasileira no
Governo Luiz Inácio Lula da Silva podem colaborar para reavivar essa
perversidade. Tais continuidades se referem, sobretudo, ao plano da reiteração
210
da submissão às condicionalidades estruturais do capital financeiro, e, ainda a
baixa determinação para estremecer a estrutura autoritária da sociedade nas
marcas da concentração de rendas. Como é conhecido,
A política monetária passa a ser (continua a ser) manejada sem nenhuma
consideração aos indicadores da economia real e da crise social. Adquire,
por sua lógica interna, o forte viés concentracionista que o FMI sempre
recomendou, pois a taxa de crescimento do PIB passa a ser uma variável
de ajuste. As demais insitituições do Estado � responsáveis, por exemplo,
por políticas industriais, científicas e tecnológicas, ou por políticas sociais
fortemente multiplicadoras de renda e emprego, como habitação e
saneamento � precisam adaptar-se a um ambiente macroeconômico
inimigo do gasto público e do crescimento. (BENJAMIM, 2004, p. 136)
As descontinuidades políticas não se realizam na medida em que o modo
da gestão se altera, como também os programas sociais e as relações com os
conflitos sociais. O Governo Luiz Inácio Lula da Silva é fruto de uma coalizão
política ampla, mas se ampara na história social dos trabalhadores e é composto
por diferentes segmentos desse campo da vida política de esquerda que
hipotecou ao governo total apoio no processo eleitoral. Um ineditismo no país. No
entanto, as mudanças possíveis parecem não romper com a estrutura da
imobilidade, seja porque não há hegemonia para mudanças efetivas no processo
de redistribuição de rendas, seja porque a subjugação econômica do país é
profundamente corrosiva a idéia de República. Ou, ainda, porque a subserviência
foi tamanha que a privatização de parte siginificativa do PIB na era Fernando
Henrique Cardoso deixou o Estado sem poder para projetos de desenvolvimento
estruturantes112.
Para a conquista do poder se contou com o desgaste do governo anterior
(OLIVEIRA, 2003) e um amplo leque de alianças com um programa conciliatório
com a burguesia nacional, insinuando mudanças importantes na política
econômica. Carreou, movimento sindical à amplo leque de movimentos sociais,
que, em espírito colaboracionista, têm se feito parceiros ativos no exercício do
poder, mesmo com as duras mudanças (não-mudanças) que o governo cumpriu.
Um exemplo claro disso é a atuação da CUT, que afastada de maior expressão
pública transita no meio sindical com dificuldade perante a imagem refletida no
211
espelho de sua trajetória de resistência e, em decorrência, da desestruturação do
trabalho, fatores que parecem sugerir a ação conciliatória que mantém com o
governo. A maior burocratização e passivização de suas práticas se expressam
no apoio à reforma da previdência de 2003, nos convênios para execução de
funções públicas na área de educação e nos empréstimos bancários com
garantias afiançadas aos banqueiros. Parte do movimento sindical desse campo
político pontua a oportunidade de desfiliação da central por esse distanciamento
das práticas de resistência do trabalho.
Na realidade, uma série de medidas pendentes do governo anterior foram
encaminhadas agora por um governo de trabalhadores com o apoio da CUT como
a reforma da previdência, a reforma tributária, a lei de falências e a Parceira
Público-Privado, que no conjunto ampliam a inserção mercantil. Por outro lado, a
reforma trabalhista e sindical em concertação além de quebrar dispositivos de
proteção social, burocratiza o movimento sindical, diminui o peso das leis em
troca da negociação direta com empregador, e, ainda empresaria os sindicatos
para desenvolverem atividades econômicas.
Nesse quadro, as forças políticas estão se redesenhando � ainda com
futuro incerto � mas, se articulam novos partidos ou grupos de esquerda e se
pensa em dar às costas a maior central sindical brasileira, referência da chamada
renovação sindical dos últimos 25 anos.
A resistência do movimento sindical docente e de funcionários à reforma
universitária acirra a condução da iniciativa, embora o conflito vez por outra seja
diminuído pelo apoio dos estudantes ao governo.
Não obstante, o chamado à coalizão nacional apresenta curto horizonte
com os conflitos em torno dos gráficos de crescimento econômico que
efetivamente não andam, deprimindo, sobremaneira, o drama da reprodução
social e os próprios programas compensatórios de transferência de renda e
assistência, considerados inovadores por suas especificidades e dimensões;
neste casos, mesmo que sem fôlego em sentido sócio-econômico estruturante113.
A trajetória positiva do saldo comercial inspira cuidados e apresenta
limitações. Com exceção dos aviões da Embraer, o Brasil vem confirmando
sua condição de exportador das chamadas commodities � produtos 112 Cf.: 1) Revista Margem Esquerda, Ensaios Marxistas, N.1, São Paulo, Boitempo, maio 2003. 2) Revista Crítica Marxista, N. 18, Rio de Janeiro, Revan, maio 2004. 113 Cf. Emir Sader e outros, Governo Lula, decifrando o enigma, São Paulo, Viramundo, 2004.
212
primários e alguns intermediários, homogêneos, de baixo valor, baseados
sobretudo no trabalho e em dotações de recursos naturais dirigidos a
mercados pouco dinâmicos -, enquanto sua pauta de importações se move
na direção de produtos intensivos em conhecimento e tecnologia.
(BENJAMIM, 2004, p. 1220)
Nesse cenário, os saldos recebem alentos, mas não superam os gastos, e
dessa forma, mantém-se a dependência das oscilações cambiais, juros e
volatilidade de capitais, fazendo-nos quase eternos vulneráveis no conexto
internacional. A queda da produção industrial ou a sua não recuperação é
alarmante sobre os empregos às custas dos paraísos onde de deleitam os
bancos que repetem continuamente o aumento de seus lucros e o agronegócio
que nos faz herdeiros permanentes da monocultura de exportação com a
salvaguarda pública nas intempéries.
Tamanha calmaria no arranjo político não sobrevive por muito tempo com
essa �vulnerabilidade�, de fato, social, e a coalizão se desfaz com a tendência a
permanência de um partido (PMDB) enquanto cresce uma outra crise, de matiz
institucional com lastros de práticas patrimonialistas, clientelistas e corruptas que
contaram com a atuação de segmentos identitários do PT. Trata-se da
malversação de verba pública para intermediar interesses envolvendo votações
no legislativo e a própria eleição presidencial; reedição de nossa autoritária
história republicana que ainda se mantém em apuração nos fóruns competentes.
As fragilidades políticas podem repercutir negativamente sobre os
programas sociais e de emprego em acordo com novos arranjos políticos e
dispensas financeiras, o que pode imlplicar descompromissos e a reiterativa
descontinuidade institucional. A resistência na cena pública expondo e lidando
com os conflitos pode favorecer outros caminhos. A revisão da perspectiva
colaboracionista de parte dos movimentos sociais parece mais que oportuna.
É claro que, mesmo no caso da crise, permanece imbatível a continuidade
da política econômica o que faz da burguesia nacional e de fora, expectadores
da exposição e desmoralização do governo amparado nos trabalhadores.
Em contrapartida, evidencia-se a reiteirada dificuldade de organização e
enfrentamento no plano objetivo e espiritual da subjetividade enquanto classe,
trabalhadores tão múltiplos, heterogêneos, fragmentados e debilitados
213
socialmente. As estratégias propositivas de matiz social-democrata se
configuram fora da órbita, se não há arregimentação da luta de classes com
trabalhadores empunhados em estratégias de resistência como mostra a história
da tradição sindical e das conquistas sociais públicas.
É nesse sentido que a ação �propositiva e conciliatória� penaliza mais o
trabalho porque lhe tira o tempo e a perspectiva ideológica de enfrentamento do
conflito, por onde se pode contrabalançar e purgar parte das vantagens do
insaciável capital.
Em síntese, o que podemos evidenciar pelo material investigado até esse
momento, é que a prática afirmativa da economia solidária se expõe numa
relação perversa enquanto unidade contraditória que nega o assalariamento e,
nesse processo, colabora inviesadamente com a dissimulação das relações
sociais determinadas pelo capital, na situação de subcontratação e subsistência
com a pequena unidade produtiva.
O universo multifacetado de interesses em torno da quebra do
assalariamento � envolvendo condicionalidades das agências multilaterais e
protagonismo de entidades sindicais �, traz espaços ainda mais nebulosos de
relações entre os diferentes sujeitos sociais tornando mais difusa a possibilidade
de enfrentamento social dos reais problemas do trabalho na contemporaneidade
de uma sociedade periférica como a brasileira, com expressiva punjança
econômica no continente e vasta concentração de renda. A naturalização da
precarização do trabalho como algo definitivo ampara a constituição dessa nova
sociabilidade ocupacional.
3.2- A SENAES: CONCEPÇÕES E DIRETRIZES DA POLÍTICA
Como vimos, a criação dessa secretaria nacional tem por base um
lastro de experiências de economia solidária que já estavam em curso. Não é
uma estrutura programática originalmente elaborada pela equipe governamental
para atender determinado problema e demanda social como ocorreu com outros
programas como o Fome Zero ou Bolsa Família da área social, por exemplo. A
ação da secretaria objetiva apoiar e induzir o crescimento das iniciativas, mas
tendo como diretriz as experiências e propostas já vinculadas pelos grupos
214
envolvidos � ONGs, sindicatos, igreja e unidades econômicas cooperativadas.
Diz o secretário Paul Singer �Estou convencido de que o país vai mudar, porque
o movimento social está no governo. O caso mais escrachado disso sou eu, já
que foi o movimento da economia solidária que me indicou. Devo o cargo ao
movimento.� ( SINGER, out-nov 2004, p. 11).
Essa é a memória de todos os envolvidos diretamente com a economia
solidária e seus processos organizativos. Os depoimentos vão exatamente nessa
direção. Tanto a inserção do tema no programa de governo, quanto a criação de
uma instância administrativa e um secretário afinado com a proposta foram
objeto de articulação, mobilização e pressão política dos sujeitos envolvidos com
as experiências de economia solidária em curso114. Mais que incorporação de
uma proposta, a idéia é essa, como apresentada pelo secretário, de incorporação
do próprio movimento no governo � movimento social está no governo.
A consequência mais imediata disso está na própria estruturação
programática da secretaria, ancorada nas principais proposições da plenária
nacional de economia solidária, constituída como articulação de luta pelo
trabalho autogerido e solidário como vimos a pouco.
QUADRO N. 10 Quadro Sintético da Estruturação da SENAES e suas Proposições
para Economia Solidária A ECONOMIA SOLIDÁRIA NO GOVERNO FEDERAL
Concepção Atividades econômicas � de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito � organizadas sob a forma de autogestão (propriedade coletiva do capital e participação democrática � cada cabeça um voto)
Programa Economia Solidária em Desenvolvimento115
114 É claro que o Professor Paul Singer � essa é a forma de tratamento dada ao secretário mesmo pelos indivíduos mais distantes dos bancos universitários como a maioria dos trabalhadores pauperizados presentes, por exemplo, no I Encontro Nacional de Empreendimentos de Economia Solidária (2004) que assim se referiam a ele com o tratamento de �professor� �, ele, sempre manteve uma relação orgânica com o Partido dos Trabalhadores; foi um dos seus fundadores e secretário de governo de uma das primeiras grandes cidades governadas pelo partido em 1989 no governo Luíza Erundina em São Paulo. Continuou, posteriormente, nos quadros do partido, mas por dentro da docência na USP (Universidade de São Paulo) e como militante político passou a atuar na formação de cooperativas entendendo serem elas o arranjo mais justo e distributivo de produção econômica para desempregados e subempregados do mercado de trabalho. Daí a atuação na Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade de São Paulo (USP) que dirigiu e a coordenação de programa para as universidades através da Unitrabalho. Publicou variados trabalhos na área e a referência intelectual e política é tamanha que via de regra os livros que vêm sendo editados são todos prefaciados por ele como se com isso chancelasse o estudo para divulgação permitindo maior disseminação. 115 �Nós tínhamos possibilidade de ter mais de um programa. Iniciamos o processo discutindo três programas de economia solidária. E achamos no final da discussão, que ficaríamos mais fortes se nós tivessemos um programa que articulasse o conjunto de ações para a economia solidária.� (Valmor Schiochet, Apresentação do Plano Plurianual 2004-2007, III Plenária Brasileira de Economia Solidária, Brasília, junho de 2003)
215
Objetivos do Programa Fortalecer e divulgar a economia solidária nacional, mediante políticas integradas, visando à geração de trabalho e renda, à inclusão social e à promoção do desenvolvimento justo e solidário
Objetivos Específicos para Implementação . elaborar e propor medidas para articulação de políticas de finanças solidárias . intervir na revisão da legislação de cooperativas e propor estatuto do empreendimento autogestionário . fortalecer os empreendimentos por meio do fomento material, articulação das cadeias produtivas e apoio ao consumo ético e o comércio justo . estimular a produção de conhecimentos, sistema de avaliação e de informações sobre economia solidária . fortalecer os espaços de organização da sociedade civil e demais entes governamentais para formulação de políticas públicas para o setor.
Público- Alvo . Trabalhadores em risco de desemprego, trabalhadores autônomos, trabalhadores informais, pequenos produtores familiares rurais e urbanos, redes de economia solidária, empreendimentos de economia solidária (cooperativas, empresas autogestionárias, associações e outros), agência de fomento da economia solidária, fóruns municipais e regionais de desenvolvimento, beneficiários de programas governamentais de inclusão social
Estrutura da SENAES* . Departamento de Estudos e Divulgação . Departamento de Fomento à Economia Solidária
Linhas de Ação . Funcionamento do Conselho Nacional de Economia Solidária . Fomento à Geração de Trabalho e Renda em Atividades de Economia Solidária . Constituição e Consolidação de Políticas Públicas de Economia Solidária . Promoção do Consumo Ético . Assistência Técnica para Geração de Finanças Solidárias
*A secretaria conta ainda com o apoio das DRTs � Delegacias Regionais do Trabalho que passaram a representar e difundir a economia solidária em nome da secretaria e do ministério, localmente. Fonte: Elaboração da autora a partir de documentação da SENAES/MTE
Vemos que, tirando a opção mais tática de estruturação institucional por
meio de um único programa e apenas dois departamentos � diríamos escolhas
mais técnicas �, os demais elementos de configuração das diretrizes da
secretaria acompanham os rumos apontados nos documentos de encontros e
plenárias da economia solidária mencionados anteriormente. Os objetivos e
linhas de ação são bem explícitos quanto ao enfentamento de quase todos os
pontos estratégicos para as instâncias de lutas e debates da economia solidária
como: geração de trabalho, finanças, legislação, cadeia produtiva e consumo
ético. Trata-se do núcleo de possibilidades de estímulo e sustentabilidade das
unidades econômicas de base solidária como mencionam as entidades
envolvidas. A secretaria, então, deve se voltar para criar oportunidades de
ocupação, elaborar e articular finanças solidárias que garantam o investimento e
continuidade do empreendimento, associadamente a uma estrutura produtiva em
cadeia que coloque as unidades em relação produtiva. Além disso, ou visando
esse quadro sócio-institucional, normatizar o segmento econômico e áreas afins
216
por meio de legislação adequada ao fomento das atividades e segurança social
dos trabalhadores envolvidos.
Por sua vez, a secretaria, também, confirma como um dos seus objetivos o
anseio do movimento em prol da constituição de espaço público para formulação
e debate das políticas para o setor, envolvendo governo e sociedade. Sobretudo,
se compromete, entre esses objetivos, a �fortalecer os espaços de organização
da sociedde civil� para esse fim.
Chama atenção, a importância que a secretaria dá aos estudos e
pesquisas demonstrando, possivelmente, a forte presença universitária no meio
em que emergiu a economia solidária, como opção sócio-econômica para vida
brasileira como se pode depreender da atuação das Incubadoras Tecnológicas
de Cooperativas Populares e da Unitrabalho nesse processo116. O objetivo de
fomentar estudos na área é tão central na estratégia da secretaria que de seus
dois departamentos um é o �Departamento de Estudos e Divulgação�,
responsável por uma das principais iniciativas da secretaria que é o
conhecimento das unidades de produção no território nacional e as entidades de
assessoria, criando o Sistema de Informações em Economia Solidária - SIES.
A composição da equipe da secretaria atende a essas vinculações sociais
abordadas antes. Os diretores de departamento e equipe de trabalho são
expoentes do movimento da economia solidária. Em geral, referências no
processo político organizativo e de assessoria direta às experiências concretas
de práticas de trabalho de cooperativas e associações populares. Via de regra,
com trajetória de trabalho nos governos petistas no Rio Grande do Sul que
implantaram e expandiram as experiências de economia solidária, mas também
com inserção na Unitrabalho, Rede de ITCPs ou em entidades de assessoria
como a Cáritas.
Nesse sentido, não se trata da mera aderência do governo a propostas do
movimento social, mas da própria incorporação dos sujeitos políticos, suas idéias 116 Nessa linha de associação da produção de conhecimentos com o tema da economia solidária, vale destacar a iniciativa de criação em 2004 da Associação Brasileira de Pesquisa em Economia Solidária (ABPES) que, ainda em processo de estruturação, objetiva reunir pesquisadores do tema divulgando estudos e estabelecendo debates acadêmicos a respeito. Não seria demais relevar que algumas ONGs envolvidas e redes de economia solidária também mantém um claro investimento na produção e divulgação de estudos da área, ver a respeito: Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE � www.fase.org.br), Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Socioeconômicas (IBASE � www.ibase.org.br), Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul ( www.pacs.org.br), Polo de Sócio-Economia Solidária (www.socioeco.org), Rede
217
e arranjos constituídos em lutas sociais. Diz respeito, a um campo público que
merece investigação e acompanhamento de modo a melhor entendermos os
sentidos dessas relações governo / movimento social na gestão de políticas.
Mas, essa não é uma interlocução linear e sem tensões políticas de modo
que se pode perceber contradições e dubiedades nesse processo de
transformismo mencionado. Ainda que os elementos histórico-concretos
dissimulem possibilidades de avanço social do trabalho, o movimento social ao
entorno da economia solidária e seu diálogo com o governo se mantém em meio
a disputas de idéias e condutas político-administrativas. Mesmo que o dissenso
não tenha provocado fissuras no compromisso assumido entre FBES/SENAES,
há diálogo de enfrentamento principalmente sobre: conjuntura sócio-política e
atuação do Governo Lula; critérios para fomento a projetos de economia
solidária; morosidade da máquina pública para atender as demandas
apresentadas; função e composição do Conselho de Economia Solidária;
relação a ser mantida com a OCB e o SEBRAE.
De modo geral, há um entendimento comum aos envolvidos com a área,
que a secretaria cumpre um papel específico no governo e muitas vezes
destoante com outras esferas governamentais. Isso porque a secretaria leva para
o governo problemas de um segmento da classe trabalhadora extremamente
vulnerável e fora das entidades de representação clássicas, porque lida com um
tema extremamente penoso que é o desemprego estrutural e a informalidade de
pequenos e pobres negócios. Para Márcio Pochmann �A Senaes é um símbolo
da disputa no interior da agenda do governo federal� 117. Como se fosse o eixo da
balança a mostrar os desterros da política macroeconômica do próprio Governo
Lula e das alianças políticas com segmentos conservadores, como por exemplo,
com o cooperativismo tradicional que ampara o agronegócio no Ministério da
Agricultura.
A visão é de que essa pequena secretaria expressa uma das facetas desse
governo e que a sua inserção no aparelho governamental introduz a
possibilidade de conquista de posições políticas no seu âmbito, no sentido de
alargar sua feição socialmente mais compromissada com o trabalho. Isso está
presente nos depoimentos dos diferentes grupos envolvidos com a economia Brasileira de Sócio-Economia Solidária (www.redesolidaria.com.br), Economia Popular Solidária-Unisinos (www.ecosol.org.br).
218
solidária a que teve acesso essa pesquisa. O próprio Paul Singer sinaliza
publicamente suas críticas as prioridades econômicas tomadas pelo Governo
Lula circunscritas a ortodoxia do Banco Central e Ministério da Fazenda, mas
acredita que isso não compromete de todo a inversão na área social ou das
relações internacionais, esferas que destaca como promissoras de desempenho
no governo.
Todavia, essa perspectiva costuma estar ancorada em argumentos
contraditórios, pois se ampara numa visão de desenvolvimento subjugado aos
arranjos internacionais do capital tendo a frente a agenda tecnocrática da
macroeconomia ortodoxa de diminuição do superávit primário e pagamento da
dívida externa. Decorrendo daí, o conjunto de subordinações tecnológicas,
políticas e sociais no âmbito da divisão internacional do trabalho. Subjugação
que provoca o quadro de baixo crescimento, desemprego estrutural e
desproteção social pública (SADER, 2004) . Motivadores da informalidade e de
crescentes demandas por auto-emprego, a par com um ambiente econômico
profundamente hostil para esses negócios economicamente fragilizados.
Se não se aumentasse o superávit, o dinheiro seria devolvido a economia,
em obras de saneamento, habitação e outras áreas prioritárias. A opção é
por pagar juros, não amortizar a dívida, mas com isso, o país se poupa de
aumentar a dívida. (...)Do ponto de vista do COPOM (Comitê de Política
Econômica) o risco maior é o da inflação. Na minha avaliação, o risco
maior é a não-queda do desemprego e o crescimento abortado. Em 2003,
o governo fez uma política expansiva. Não teve um grande resultado, mas
praticamente conseguiu evitar a recessão. O resultado começou a ser
positivo em março de 2004. O desemprego só começou a cair em maio, o
que é natural, mas quatro meses depois a queda começa a claudicar. Um
crescimento insuficiente é mais preocupante do que a inflação. (SINGER,
out-nov 2004, p. 11).
Mesmo nesse quadro depressivo para alternativas sociais estruturantes e
continuando a converter recursos para o capital, Paul Singer acredita haver
espaço para programas �tranformadores e emancipatórios�, como diz:
�Há, sim, um esforço pela construção de alternativas e políticas em outras
áreas, e é por isso que estou no governo. E esses caminhos não estão 117 Citado na reportagem de Anselmo Massad, A Solidariedade Invade o Mercado, Revista Forum,
219
apenas na economia solidária, mas em mudanças na estrutura do Estado e
da sociedade que se busca promover. (...) Não se pode julgar o governo
pelo Palocci e pelo Meirelles. É verdade que nessa área, a linha é tão ou
mais conservadora do que no governo anterior, mas isso não é o governo
todo� (Ibid, out-nov 2004, p. 11).
Mas, essa segmentação da ação do governo pode indicar que acomodam-
se mudanças mantendo intacto o projeto de poder econômico que subjaz nesse
quadro mundializado do capital a que a elite nacional adere � frente a bloqueios
internacionais, as práticas governamentais se limitam às políticas ativas internas.
Ou seja, alteram-se práticas recompondo-se ações sem mexer
fundamentalmente na possibilidade de se cumprir, no país, um direito
republicano básico como o de prover a vida por meio do trabalho à todos. A
afirmação da política de economia solidária já é em si uma exceção porque não
traz em seu suposto uma política de universalização do trabalho protegido.
Contraditoriamente, a economia solidária ao invés de ser um problema
enquanto objeto de disputa no âmbito do governo e da sociedade, pode vir a ser
um atenuante à dramaticidade do quadro social. Na medida em que não se
provocam alterações profundas nas conversões financeiras, geram-se atividades
de trabalho que se transmutam em satélites de relações terceirizadas com
empresas ou garantem subsistência elementares para trabalhadores
desempregados provocando efeitos materiais e ideológicos à serviço das
necessidades histórico-concretas do capital.
Do ponto de vista do acesso público à política, pela própria origem,
restringe-se a uma população bem específica como delimita o quadro
apresentado. Trata-se de uma política focalizada, extremamente segmentada à
um grupo social, num campo de ressignificação do trabalho e desconstrução da
idéia de direito social como prevê a Constituição Federal de 1988, o que leva a
que se transite na esteira da exceção como regra (OLIVEIRA, 2003). Esse
parece ser um dos pontos nodais da problemática da economia solidária - o
reforço e legitimação da segmentação do acesso ao mercado de trabalho.
Seguindo, esse perfil institucional, vimos que o público alvo é delimitado
como trabalhadores desempregados e em risco de desemprego; trabalhadores
autonômos e/ou informais; pequenos produtores rurais e urbanos; redes, fóruns e
out-nov 2004, p.13)
220
agências de fomento de economia solidária; e, beneficiários de programas
governamentais de inclusão social. Apesar de uma definição bem precisa - o
público direto seriam esses trabalhadores desempregados ou precarizados
reunidos em práticas econômicas coletivas autogestionárias -, a SENAES
também prolonga a diversidade de noções acolhidas em torno da economia
solidária, reiterando a ambivalência do próprio movimento organizativo na área, o
que repercute no desenho concreto de definição das ações públicas na área.
Ou seja: o perfil de usuários definido esclarece que é uma política
focalizada preparada para esse segmento específico que demanda trabalho e
renda e participa de experiências populares autogestionadas. Entretanto, para
toda e qualquer ação de promoção de renda e trabalho de desempregados ou
somente para trabalhadores em práticas coletivas de autogestão? Apesar da
normatização da secretaria fixar o trabalho coletivo autogestionado como foco de
fomento e apoio técnico-político, o campo ainda é difuso como bem mostra as
primeiras informações coletadas pelo mapeamento do SIES.
Com essa forma de acesso e parceria com entidades privadas, a política
na área institui-se como componente da nova geração de políticas sociais
baseada na retração do Estado. Na realidade, a associação com ongs,
sindicatos, universidades e igreja, é mais visceral do que se imagina na medida
em que é executada diretamente por essas entidades, existindo antes mesmo da
política enquanto tal. De fato, excetuando-se universidades, não há estrutura
própria governamental na execução das práticas de economia solidária. As
entidades fazem isso enquanto unidades produtivas mesmo ou como assessoras
dessas atividades.
Mas, essas relações não estão isentas de tensões ainda que prevaleça
uma conduta externa de maior homogeneidade entre os diversos sujeitos
políticos envolvidos, tanto governo como ongs ou empreendimentos. Pontos
claros nessa direção da diferenciação entidades/governo, se colocam no debate
sobre o Conselho Nacional de Economia Solidária, e, no acesso à recursos da
secretaria nacional e de outros órgãos. No conjunto dos relatórios analisados
aparece a visão especulativa das entidades � assessoria e/ou empreendimentos
� quanto a falta de conhecimento público dos critérios para escolha dos projetos
que recebem fomento. No relatório da III Reunião do Conselho Interlocutor, de
fevereiro de 2005, representantes das entidades nacionais pressionam a
221
SENAES quanto a uma maior socialização e debate, se queixando de não
saberem os critérios de aprovação de projetos e que a burocratização dos
procedimentos dificulta que os �empreendimentos na ponta� saibam o que está
se passando a respeito do fomento.
No tocante a descentralização, outra marca dos horizontes recentes das
políticas sociais, é interessante observar que ela se realiza por meio dessas
unidades produtivas ou de assessoria, e, não, primordialmente por meio dos
governos locais � estadual e municipal. Há interface com governos regionais,
mas, em geral, com aqueles que possuem programas de economia solidária nos
seus quadros o que destoa de outras políticas que se impõem mais diretamente
enquanto ação pública. A descentralização se opera mais diretamente com os
espaços organizativos da sociedade, através do Fórum Brasileiro de Economia
Solidária (FBES) e dos Fóruns Estaduais que fazem a articulação na região. No
âmbito desses fóruns, e, como organização à parte, existe a rede de gestores de
políticas de economia solidária, mas de fato seu protagonismo tem se dado por
dentro do próprio FBES, compondo, inclusive, sua executiva.
Em recente levantamento realizado pelo FBES junto aos fóruns estaduais a
respeito das relações dos órgãos púbicos locais e regionais com a economia
solidária, pode-se verificar que a maioria dos governos dos estados da federação
não desenvolve ações de economia solidária, e, no caso, dos governos dos
municípios somente 16 estados possuem experiências em alguns de seus
municípios118.
De toda forma, a SENAES parece transitar entre uma concepção difusa
dentro daquele universo de práticas de economia popular, e no limite, toma a
economia solidária como associativismo popular, empresas autogestionadas e
cooperativas populares, como vimos anteriormente. As unidades autogestionadas
se referem às empresas que em situação falimentar são assumidas pelos
trabalhadores em troca do passivo trabalhista e que se organizam mediante
autogestão. Como as experiências assessoradas pela ANTEAG, desde os anos
1990, quando trabalhadores assumiram empresas no rastro das falências e
118 Esse levantamento contou com dados de 26 unidades da federação sendo que nem todas apresentaram informações para todos os quesitos solicitados. No caso do governo do estado, do total de 26 unidades, 7 possuem ações de economia solidária, 15 não possuem qualquer iniciativa na área e 4 não responderam. Quanto as prefeituras, somente 6 estados mencionaram não possuir qualquer iniciativa e 5 não responderam. Ver a respeito: www.fbes.og.br.
222
desempego, oriundos da recessão e abertura econômica do mercado ao capital
internacional.
O cooperativismo popular diz respeito as experiências formalizadas ou não
em cooperativas de pequeno porte com grande expressão nos centros urbanos,
mais especificamente em áreas como artesanato, material reciclado, confecção
de roupas, alimentação e serviços. Há ainda as cooperativas rurais vinculadas ao
MST e/ou a agricultura familiar que também potencializam as práticas de
economia solidária seja pelas virtudes da sustentabilidade ecológica, seja da
organização coletiva da produção da terra, equipamentos e repartição do produto.
Na realidade, a SENAES incorpora a responsabilidade de atenção a esses
novos segmentos cooperativistas populares. As grandes cooperativas da
agropecuária, por exemplo, que se associam à estratégia do agronegócio não
estão sob a proteção da SENAES. Na estrutura federal, como dito antes, o
cooperativismo até então era incluído entre as áreas de atenção do Ministério da
Agricultura. Trata-se de uma situação confusa no âmbito da organização do
governo há várias décadas e que frente ao crescimento e diversidade do
cooperativismo precisa ser retomada.
Ainda que essas indefinições e ambigüidades possam servir para confundir
a política e o acesso aos serviços, tanto os articuladores do movimento em torno
da economia solidária quanto a SENAES não concebem a política pública na
área como limitada a uma instância administrativa do governo federal, ao
contrário, requerem a transversalidade da economia solidária pelas diversas
pastas temáticas fortalecendo as variadas ações públicas como pode ser visto no
quadro que segue.
QUADRO N. 11
Quadro Demonstrativo da Transversalidade da Economia Solidária no Governo
ORGÃO PRINCIPAIS AÇÕES/PROGRAMAS INTERFACE
COM SENAES 1) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Fomento ao cooperativismo através de capacitação tecnológica,
educação associativista, estímulo a exportação, formação e ocupação de incubadoras de cooperativas populares, desenvolvimento de ações de cooperação entre cooperativas e financiamento de cooperativas (DENACOOP- Departamento Nacional de Cooperativismo da Secretaria de Apoio Rural e Cooperativismo do Ministério)
2) Ministério das Cidades Programa de Crédito Solidário � Programa habitacional com juro zero e pagamento em até 240 meses, para famílias que ganham até 3 salários mínimos, organizadas em associações ou cooperativas habitacionais ( Portaria 361/24-8-2004 / recursos do Fundo de Desenvolvimento Social)
3) Ministério do Desenvolvimento Agrário Projeto de Comércio Ético e Solidário � promoção de feiras e
223
mostras para realização de redes solidárias de produção e comércio e de articulação das potencialidades locais como alternativa concreta de negócios (SRA- Secretaria de Reordenamento Agrário) Desenvolvimento Local de regiões de reforma agrária e agricultura familiar onde se destaca o fortalecimento de sistemas associativos e cooperativos (SDT � Secretaria de Desenvolvimento Territorial). Fortalecimento da produção e comercialização da agricultura familiar através do PRONAF ( SAF � Secretaria de Agricultura Familiar).
4) Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Programa Fome Zero � a) Geração de Emprego e Renda: aumento do volume de crédito do BNDES, CEF e BB para pequenas empresas e fortaleciemnto de agências de microcrédito solidárias; b) Incentivo à Agricultura Familiar por meio de cooperativas de produção e comercialização; c) Amazônia Solidária, voltado para fortalecimento econômico e social sustentável da Amazônia através de associações e cooperativas agroextrativistas.
5) Ministério da Educação Programas de extensão de apoio e/ou fomento a iniciativas de economia solidária e incubagem � Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares. Ações educativas escolares no âmbito de atividades curriculares de educação profissional e educação no campo
6) Ministério do Meio Ambiente De modo difuso no conjunto de ações sobre desenvolvimento sustentável e agroextrativismo.
7) Ministério da Ciência e Tecnologia Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares � PRONINC � destinado ao fomento de incubadoras universitárias para cooperativas populares.
8)Ministério das Minas e Energia Formação de cooperativas junto a setor de mineração 9) Secretaria Nacional Especial para Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial
Ações de natureza produtiva e de consumo que favoreçam a igualdade racial, etnica e de gênero, com destaque para as comunidades Quilombolas.
Fonte: Elaboração da autora a partir de documentos e depoimentos públicos de membros da SENAES Esse enquadramento transversal carrega uma visão bastante
contemporânea de gestão de política pública, mas seu êxito ainda está por se
colocar, sobretudo se lembrarmos que a estruturação do governo responde
também à distribuição e acesso a recursos financeiros e de poder, o que pode
tornar imprecisa a inserção da economia solidária na totalidade dos projetos
governamentais119.
A interface no interior do MTE não se faz com facilidade pelo que se pode
entender dos debates e informações no âmbito do FBES. Isso é explicitado na
dificuldade de inserção do tema da economia solidária nos planos do programa de
qualificação em suas versões regionais senão por intermediação direta da
SENAES em alguns estados e municípios. Os dados da pesquisa indicam que o 119 Além disso, a questão não é de mão única e, por isso, talvez a opacidade da ação do Estado que apesar da retórica em torno da formalização e estruturação do pequeno negócio é pela desestruturação que o setor se mantém e à luz do consentimento do Estado � quando faz vistas grossas as práticas aviltantes de trabalho e quando limita a fiscalização no setor. O subsídio público corrobora com esse consentimento desde sempre afiançado pelo Estado. Nesse sentido, a regulação pública no setor é mais complexa do que se imagina e envolve interesses econômicos e políticos (legitimação) dos grandes conglomerados que tiram vantagens dessa feição da economia. E esses interesses estão representados no interior do Estado e nas práticas de governo colidindo ou transitando com a economia solidária. A não percepção disso pode levar a uma interpretação ingênua das ações governamentais na área ou a abdicar da escolha de táticas politicamente adequadas ao processo de disputas e enfrentamentos políticos.
224
ritmo de trabalho e interesse valorativo dos sujeitos envolvidos nas DRTs
(Delegacia Regional do Trabalho) nas territorialidades, pode favorecer essa maior
ou menor absorção das querências da plataforma da economia solidária120.
As parcerias com as comissões municipais (e estaduais) de emprego são
frágeis e o principal exemplo disso, além das dificuldades do Plano Nacional de
Qualificação (PNQ), é a tênue inserção no amplo debate que se realiza sob
comando do MTE para revisão do Sistema Nacional de Emprego.
A iniciativa se concretizou no I Congresso Nacional do Sistema Público de
Emprego realizado em dezembro de 2004. Apesar de na ocasião algumas DRTs
lembrarem a importância de inclusão da economia solidária nessa concertação
nacional, o distanciamento ainda permanece como um marca, ainda que
congressos regionais estejam sendo realizados nesse ano 2005 e em agosto seja
completado o ciclo com o II Congresso Nacional onde se pretende regular o
Sistema Público de Emprego nesse novo contexto.
O debate acumulado estabelece que esse sistema consistirá de
conjunto de serviços ao trabalhador que objetivam fornecer-lhe assistência
durante o período de procura de emprego, assim como fornecer condições
para que este possa (re) inserir-se na atividade produtiva. Entre esses
serviços estão as funções tradicionais do Sistema Público de Emprego,
como Seguro-Desemprego, Intermediação de Mão de Obra e Qualificação
Profissional, assim como funções mais inovadoras como Programas de
Geração de Renda e a Orientação e Certificação Profissional. Também
incluem-se no Sistema Público de Emprego a captação e tratamento de
informações sobre o mercado de trabalho. (SPPE/MTE, 2005, p.1).
Com as mudanças sócio-ocupacionais e produtivas da reestruturação
capitalista dos anos 1990, o mercado de trabalho brasileiro ficou profundamente
heterogêneo � trabalho assalariado, auto-emprego, trabalho informal e atividades
empreendedoras � sem que a estrutura pública de amparo e animação da força 120 No levantamento do FBES nas regiões, mencionado atrás, constatou-se que a relação dos fóruns estaduais com as DRTs é mais próximo do que com os governos locais: 22 fóruns mencionam manter relações com as delegacias regionais, uns com maior proximidade outros de forma apenas �razoável�. Apenas 2 fóruns registram não possuir qualquer envolvimento e 3 não informam nada a respeito. De toda forma os depoimentos em relatórios e encontros evidenciam que essa proximidade depende muito dos interesses ideopolíticos dos técnicos da delegacia regional. Além disso, consiste em atividade da SENAES a capactação formativa em economia solidária dos funcionários das delegacias de modo a poder contar com os mesmos como representantes locais da secretaria.
225
de trabalho tenha sido revista em suas estratégias e políticas de forma estrutural
e integrativa de suas várias iniciativas. Ainda mais, quando conta com uma
importante fonte de recursos para esses fins como o FAT121.
O Grupo de trabalho de Políticas Públicas do FBES � de que participa a
SENAES, tem observado em seus encontros o distanciamento da economia
solidária dos demais segmentos do MTE, incluindo essa atuação em torno do
Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda. Registra o relatório de maio de
2005:
A origem e entendimento da necessidade da formação desse GT ocorreu
durante a III reunião do Conselho Interlocutor que discutiu sobre o
isolamento da Economia Solidária com relação a construção de políticas
públicas de trabalho e renda por parte do Ministério do Trabalho e
Emprego. Ou seja, toda a discussão do sistema público de emprego tem
passado ao largo o tema da economia solidária. Que era necessário
pensar a integração de políticas públicas para dentro do Ministério do
Trabalho e Emprego, a integração com outros ministérios, a integração
entre esferas de responsabilidade insitucional (federal, estadual e
muncipal) e por fim pensar o papel que deve desempenhar os diferentes
atores na construção da economia solidária. Apesar do nome GT ser
Políticas Públicas, o foco em que foi pensado originariamente este GT é
justamente a integração de políticas públicas. (FBES, maio 2005)
Todavia, o que se observa é que a SENAES tem mais trânsito naqueles
organismos que já atuam com o segmento de classe social envolvido direta ou
potencialmente na economia solidária como o Ministério do Desenvolvimento
Social (MDS), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e Alfabetização de
Jovens e Adultos do Ministério da Educação. O MDS, por exemplo, constituiu
esse ano um programa denominado Programa de Desenvolvimento Sócio-
121 O I Congresso Nacional do Sistema Público de Empego (2004) indicou que a reforma do sistema se guiasse pelos seguintes eixos diretivos: 1) integração e articulação de políticas de desenvolvimento macroeconômicas, estruturais, de proteção social e políticas de geração de emprego e renda; 2) integração e articulação de várias funções do âmbito do sistema para buscar resultados efetivos para população desempregada; 3) fortalecimento das instâncias tripartites em todas as instâncias; 4) atenção aos grupos mais vulneráveis como mulheres chefes de família, jovens, afrodescendentes, desempregados de longa duração; 5) ampliação da capilaridade e aprimoramento da atuação dos entes federativos na perspectiva do desenvolvimento local, regional e nacional; 6) fortalecimento do FAT como fundo do sistema e ampliação do financiamento para as áreas de qualificação e intermediação de mão-de-obra. A finalização desse debate ocorrerá por ocsião do II Congresso (agosto/2005).
226
econômico Solidário, todo ele, voltado para geração de renda para população
usuária dos serviços do ministério como os programas de transferência de renda.
Geração de renda na perspectiva da economia solidária, com trabalho coletivo
autogestionado e voltado para desenvolvimento do território sócio-econômico.
Afirma o documento operacional do programa que, o mesmo, será a vertente
emancipatória da atuação do ministério complementando aquela mais
compensatória, da transferência de renda do Programa Bolsa Família e do
Programa Fome Zero. A atuação da SENAES está prevista na própria seleção
dos projetos das entidades locais.
Seguindo esse exemplo realiza-se no momento ações de articulação entre
a economia solidária e a alfabetização de jovens e adultos. Isso ficou exposto no
recente Encontro Nacional de Alfabetizadores Populares de Jovens e Adultos ( 9,
10 e 11 de junho de 2005), onde foi organizado o grupo temático �Alfabetização e
Economia Solidária� com participação da SENAES, FBES, Prefeitura de Santo
André, Cooperativa do Rio Grande do Sul e da Usina Catende (Pernambuco), que
apresentaram a proposta e organização da economia solidária, bem como
experiência de alfabetização junto à trabalhadores autogestores. Nesse evento,
foi divulgada a �Carta aos Fóruns de Educação de Jovens e Adultos e de
Economia Solidária�, assinada pela Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação e SENAES, sugerindo a
articulação das inciativas nas regiões e programas nacionais.
A questão do financiamento da política talvez seja elucidativo dessa
característica transdiciplinar ou intersetorial, na medida em que os dados da
pesquisa mostram, de modo geral, que a SENAES cumpre um papel agenciador e
intermediador das entidades e unidades produtivas para acessar recursos de
fundos públicos no âmbito do governo e defender sua ampliação. Além de
recursos orçamentários de pequena monta, a secretaria tem como base de
financiamento as fontes comuns de fomento à geração de trabalho e renda,
envolvendo principalmente o FAT. Mas, de outra parte acessa recursos do próprio
FAT ou de outras fontes, via interrelação com outros ministérios e organismos
federais.
De acordo com a orientação do MTE, desde 2003, começou-se a rever os
investimentos de recursos do Sistema Público de Emprego de modo a ampliar as
políticas ativas de emprego como geração de emprego e renda em detrimento
227
das políticas passivas como o seguro desemprego, por sua incapacidade de
assegurar retorno à atividade produtiva como afirma consensualmente os
documentos do ministério. Na realidade, como pudemos apurar na pesquisa, o
interesse do Ministério do Trabalho e do Emprego e do FAT, é diminuir o gasto
com seguro desemprego destituindo-o da condição de direito e mecanismo
redistributivo via transferência de fundo público, por onde de fato poderia
reconhecer a perversidade da mais-valia com a extinção de postos de trabalho.
Considera-se que, em cenário de restrição fiscal, a opção passa por políticas
ativas, como faz o FAT fornecendo crédito à micro e pequenas empresas,
dinamizando cooperativas e a economia solidária, sem que isso altere os
compromissos fiscais do governo.
Quer dizer o financiamento é um fomento restringido, fruto do próprio
rendimento advindo do trabalho sem acréscimo de investimento efetivo a partir da
renda do PIB. O próprio trabalho assalariado que está em restrição � logo, as
taxas que dele se retira - financia as ações para ampliação do trabalho122. Um
contra-senso chamado antiteticamente de políticas de emprego - trabalho que é
regulado, assalariado -, quando seu fomento se origina no não emprego e suas
ações se dirigem para o empreendedorismo (não emprego).
Essa perspectiva de desembolso do FAT para ações ativas tem se
renovado no Governo Lula como mostra os dados de desembolsos elencados:
2001/2002 � R$10.350 bilhões; 2003/2004 � R$20.680 bilhões; 2005 � 17.200
bilhões123. Além desse crescimento progressivo, o FAT tem se dirigido à ações
consideradas estratégicas para o governo como qualificação, infraestrutura,
microcrédito e geração de trabalho e renda124.
122 O Fundo de Amparo ao Trabalhador é formado por parcela da arrecadação do PIS-PASEP � tributo advindo do faturamento das empresas privadas e da folha de pagamento do setor público. E como se sabe sua gestão é feita pelo CODEFAT � Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador � formado em caráter tripartite com representação de trabalhadores, empregadores e governo. 123 Fonte: Informativo CUT/2005. 124 RELAÇÃO DE ÁREAS E PREVISÃO DE GASTOS DO FAT 2005: 1) FAT � Infraestrutura � programas de energia, hidrelétricas, logísticas urbana, saneamento e telecomunicação: R$5.900 bilhões; 2) FAT � Inclusão Digital: R$ 200 bilhões; 3) FAT � Fomentar � médias, pequenas e micro empresas: R$1.850 bilhões; 4) FAT � Exportar: R$1.250 bilhões; 5) Município em estado de calamidade pública: R$1.000 bilhão; 6) Habitação: R$550 milhões; 7) Vila Panamericana � Jogos Panamericanos: R$100 bilhões; 8) Geração de emprego e renda: 4 bilhões; 9) Qualificação: não especificado (Essa não especificação pode estar na origem da não confluência entre previsão total de recursos para o ano (R$20.680 bilhões) e destinação nas áreas. (Fonte: Secretaria de Comunicação de Governo da Presidência da República, 22/06/05)
228
Seguidamente, o BNDES pode ser considerado uma outra importante fonte
de fomento da economia solidária125. Segundo o IBASE,
O total de transferências dos recursos do FAT para o BNDES é de, no
mínimo 40%. (...) O que fundamenta essa alocação do FAT é a idéia de
criar um sitema de seguro-desemprego completo. No caso do BNDES,
esses recursos estariam sendo usados para apoiar investimentos
produtivos que gerem novos postos de trabalho, reduzindo, assim, os
desembolsos com o próprio seguro-desemprego. (IBASE, 2005)126
De acordo com a CUT ainda que haja dificuldades para fazer crescer o
interesse pela economia solidária no âmbito destes órgãos, há progressiva
ampliação de investimentos. Entre janeiro e abril o BNDES já havia liberado
R$189,4 milhões, o que correnponderia a 21% a mais que em 2004, sendo que
24% foram para desenvolvimento rural, principalmente agricultura familiar
envolvendo mais de 3.700 beneficiários finais. O programa microcrédito voltado
para economia solidária recebeu 40.039 créditos, somando R$ 55, 7 milhões127.
Para a entidade sindical,
esses números, ainda que modestos frente às imensas potencialidades
das organizações populares e às necessidades da classe trabalhadora,
demonstram que, ao contrário da década de devastação neoliberal dirigida
por FHC, de privatização e exclusão estamos caminhando, superando
obstáculos e construindo um novo Brasil ( CUT, João Felício, 07/05/05)
125 Sem perder de vista que parte dos próprios recursos do BNDES tem origem nos desembolsos do FAT, demonstrando a magnitude desse fundo público nos rumos de investimentos que vêm sendo feitos no país � a impressão que se tem é que tirando o próprio retorno financeiro dos empréstimos do banco é o FAT e as agências multilaterais que de fato financiam os programas sócio-econômicos no país nesse quadro das restrições fiscais hoje. 126 Alerta o IBASE sobre a necessidade de se manter maior controle social sobre esse importante banco de desenvolvimento do país e sobre o próprio FAT na medida em que se almeja privatizá-lo por meio da detinação de fundo para pagamento da dívida: �Além da �eficiência do setor privado�, argumenta-se que o governo deveria utilizar esses recursos para diminuir a razão dívida/PIB. Em vez de aplicar parte dos recursos do FAT em empréstimos de longo prazo, com rendimento de 9,75% ao ano (TJLP), o Fundo poderia ser empregado na compra de títulos da dívida pública, indexados à taxa Selic ( 19,75% ao ano), o que contribuiria para aumentar o seu montante. Como o FAT é um ativo, quanto maior fosse o seu valor, menor seria a dívida líquida nas contas do governo. Nessa lógica, mais recursos publicos seriam desviados do sistema produtivo para o sistema financeiro!� (IBASE, Boletim de Acompanhamento Social do BNDES, n.1, 14 de julho de 2005 127 Recurso do BNDES para Microcrédito segundo a fonte Brasil em Movimento, Revista do PT, Avaliação do Governo Lula foi da ordem de R$8,3 bilhões em 2002; 10,1 bilhões em 2003 e 12,5 bilhões em 2004.
229
Mesmo que esses recursos não cheguem com facilidade às unidades
produtivas da economia solidária em razão das exigências bancárias, é
perceptível que há um claro crescimento de investimento para microcrédito. Para
a CUT o reordenamento no uso dos fundos públicos sublimam o deserto de
projeto de desenvolvimento soberano do país do atual governo e o
redirecionamento de recursos tende a ser o campo de ação da entidade sindical
nessa reconceituação do trabalho. Por isso, destaca a fragilidade e o preconceito
em torno da economia solidária na estrutura tradicional de governo e entre os
segmentos tripartites que compõem os fóruns de deliberação, inclusive no âmbito
do BNDES.
Como representante dos trabalhadores no Conselho do BNDES,
aproveitamos esse aporte para defender a economia solidária. Ainda é
muito grande o preconceito por parte dos bancos em liberar recursos
públicos para organizações populares que, com união e criatividade,
driblam as dificuldades impostas e mostram sua viabilidade. Vou me ater a
apenas dois exemplos: o da Geralcoop, Cooperativa dos Trabalhadores em
Metalurgia de Guaíba Ltda, no Rio Grande do Sul e o da Associação de
Desenvolvimento Sustentável e Solidário da Região Sisaleira (APAEB), em
Valente, na Bahia para demonstrar a necessidade de um maior apoio à
organização dos trabalhadores. (...) Estas como outras importantes
iniciativas ainda enfrentam desafios como o acesso a crédito para
aquisição de equipamentos e para capital de giro com taxas de juros
justas. (Ibid, 07/05/05)
Não é incomum que os sujeitos políticos envolvidos no FBES comentem
que �Dinheiro e crédito não faltam, o que falta é como acessar�, referindo-se as
exigências para acesso à crédito nos próprios bancos públicos. O regimento de
comprovação de renda, a ausência de autonomia das agências bancárias locais e
os juros altos são relacionados como impeditivos da ampliação do acesso ao
crédito, sobretudo, para as unidades econômicas mais pauperizadas, sem capital
de giro, recursos para investimento produtivo, comercialização e capacitação
técnica. Por isso, a recorrente proposta de instituição de um Fundo de Economia
Solidária - que não precisa atender às exigências do Banco Central � e a
ampliação das experiências de cooperativas de crédito em razão de sua maior
maleabilidde para atender com capilaridade as necessidades produtivas locais.
230
No tocante ao orçamento da própria SENAES, até agosto 2004 o quadro
era o seguinte:
QUADRO N. 12 Quadro Demonstrativo do Orçamento da SENAES
MODALIDADE LEI DO ORÇAMENTO LIMITE AUTORIZADO ATÉ DEZEMBRO
Investimento 17.604.019,00 8981.766,00
Custeio 11.607.841,00 5.902.765,00
Total 29.211.860,00 14.884.531,00
Fonte: SENAES � Boletim Prestando Contas: um balanço da SENAES, agosto 2004
Para o ano de 2005, a previsão é de cerca de R$17 milhões, demonstrando
a baixa capacidade da secretaria para fomentar os variados projetos na área. E,
desse modo, se assevera o papel intermediador perante outros organismos do
governo, também, em busca de fomento. A intermediação junto a Banco do Brasil,
Caixa Econômica Federal, Fundação Banco do Brasil e Banco do Nordeste, por
exemplo, constitui o divisor de águas em termos do amparo de unidades
produtivas, feiras, seminários e reuniões na área. Muito embora a destinação de
recursos seja difusa porque está dispersa por todas as iniciativas daqueles
ministérios mencionados anteriormente no quadro. Um balanço específico sobre
os recursos exclusivos da SENAES é ainda de dificil conclusão porque não
corresponde de fato ao fomento global da economia solidária no governo128.
Chama bastante atenção os recursos que estãos sendo destinados ao Programa
de Desenvolvimento Sócioeconômico do MDS, no conjunto, baseado na geração
de renda com trabalho autogestionado e onde a SENAES tem papel de relevo
fazendo parte da seleção dos projetos que concorrerão ao fomento, num recurso 128 Até 9 de julho de 2004 o programa da SENAES tinha gasto R$598.269,00, o que significa 2% dos R$29.110.456,00 do orçamento segundo SIAFI/STN (MTE/IPEA, Mercado de Trabalho � conjuntura e análise, n.24, Brasília, agosto de 2004). O orçamento para 2004 previa 21 milhões para Qualificação de Trabalhadores Beneficiários de Ações do Sistema Público de Emprego e de Economia Solidária dentro do Programa Qualificação Social e Profissional do Ministério do Trabalho e Emprego, além de 41 milhões para Qualificação de Trabalhadores Beneficiários de Políticas de Inclusão Social de responsabilidade de outro segmento institucional. Consistindo os dois, nos principais ítens de investimento do referido programa, se for aplicado. No Ministério da Agricultura, no Programa Desenvolvimento do Cooperativismo e Associativismo Rural figuram R$ 25,542 milhões e é possível que alguma parcela seja deslocada para economia solidária. Para o Programa Economia Solidária em Desenvolvimento da própria SENAES há previsão de 58 milhões, assim distribuídos: apoio a constituição e consolidação de políticas públicas de economia solidária � 1,5 milhões de reais; publicidade � 0,5 milhão reais; financiamento do conselho nacional de economia solidária � 0,4 milhão reais; fomento à geração de trabalho e renda em economia solidária � 20,5 milhões; promoção do consumo ético e comércio justo � 1,4 milhões reais; assistência técnica para geração de finanças solidárias � 0,4 milhão de reais; ações emergenciais de geração de trabalho e renda � 2 milhões de reais.
231
total da ordem de R$200 milhões oriundo do FAS (Fundo de Assistência
Social)129.
QUADRO N. 13 Quadro Sintético das Ações da SENAES entre os Anos
de 2003/2004, por Atividade, Objetivo e Órgão ATIVIDADE OBJETIVO ÓRGÃO Participação no Fórum Nacional do Trabalho , na constituição e coordenação do GT Micro e Pequena Empresa, Autogestão e Economia
Regulamentar as cooperativas de trabalho e as condições que permitam trazer à formalidade inúmeras empresas informais e tornar possível sua sobrevivência e desenvolvimento
Ministério do Trabalho e Emprego
Participação na Erradicação do Trabalho Escravo, com a responsabilidade de coordenar os esforços interministeriais
dar aos trabalhadores em risco de serem escravizados, oportunidades de autosustento mediante trabalho decente, nas localidades em que residem
Ministério do Trabalho e Emprego
Participação no Programa Primeiro Emprego
Apoio a formação de associações e cooperativas de jovens, que se enquadram no Programa
Ministério do Trabalho e Emprego
Formulação de Projetos de Finanças Solidárias para Cooperativas e Associações e de Microcrédito assistido
Combater a pobreza e reativar o crescimento nacional
.GT de Finanças Solidárias
. Caixa Econômica Federal
.Banco Popular do Brasil
Formulação de Políticas de Desenvolvimento Comunitário como instrumento de combate a pobreza
Integrar ações estruturantes de desenvolvimento das diferentes comunidades
SECOM, MDA e MDS .Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal
Formação de Agentes de Etno-Desenvolvimento
Desenvolver as comunidades quilombolas
SEPPIR � Secretaria Especial de Política Púbica para Igualdade Racial
Fomento de Cooperativas Sociais
Reinserção social de ex-internados em manicômios e outros grupos estigmatizados
Ministério da Saúde
Programa de incubagem de cooperativas
Reativar o PRONINC � Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares
FINEP/MCT
Formulação de Política Pública Estimular a economia solidária no setor mineral
Ministério das Minas e Energia
Apoio a empresas falidas Recuperar empresas falidas pelos próprios trabalhadores
BNDES
Apoio Institucional ao FBES e entidades envolvidas
.Organizar e Subsidiar o I Encontro Nacional de Empreendimentos de Economia Solidária .Participar da Coordenação Nacional e do Conselho Interlocutor
FBES
Visitas aos estados da Estruturar os Fóruns Estaduais .FBES 129 Consiste em proposta em discussão no Conselho Interlocutor e Coordenação Nacional do FBES a criação de um fundo específico para economia solidária a exemplo deste previsto para assistência social
232
federação Treinamento em economia solidária dos funcionários das DRTs
de Economia Solidária e entrosamento com as DRTs
.Fóruns estaduais
. DRTs
Parceria com estados e municípios que integram a Rede de Gestores de economia solidária
. Implantar Centros públicos de Economia Solidária (19 convênios) . Formar rede de monitores mediante convênio co o governo do estado do Paraná
. Estados e Municípios
Feiras de Economia Solidária Estimular a realização das feiras locais e regionais em 16 projetos de variados estados brasileiros
Estados
Termo de Cooperação para finanças solidárias
Fortalecer o desenvolvimento da política de fianças solidárias a ser desenvolvida pela secretaria junto a esses bancos públicos
. Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Banco do Nordeste e BNDES
Recebimento e análise de 107 projetos de solicitação de recursos
Distribuição de recursos da secretaria para 97 projetos
. Empreendimentos e entidades de assessoria
Mapeamento da Economia Solidária
Criar o Sistema de Informações em Economia Solidária
.FBES e fóruns estaduais
.DRTs Fonte: SENAES, Prestando Contas: um balanço da SENAES, Brasília, I Encontro Nacional de Empreendimentos de Economia Solidária, agosto de 2004.
Desse conjunto de ações, tende a ser lembrado pela equipe, com bastante
ênfase, o mapeamento da economia solidária, isso porque possibilitará conhecer
dados mais aproximativos sobre o que se faz em economia solidária, o que não é
pouco tamanha sua fragmentação e capilaridade no território nacional. Como
também as entidades que prestam assessoria a essas experiências, em geral,
ongs, também, pouco conhecidas enquanto tal, como vimos anteriormente. De
posse dessas informações, acredita, a secretaria, que poderá dar maior
consistência programática à política para o setor, sua regulação social e mesmo a
busca de adesão sócio-política dentro e fora do governo. Comenta o diretor do
departamento: �prioridade número um da SENAES para processo de mobilização,
reconhecimento da Economia Solidária no Brasil� (FBES, fevereiro 2005, p.14) .
Para tanto, criou o Sistema de Informações em Economia Solidária (SIES) que
pretende ser alimentado por esse primeiro levantamento em suas duas fases e
outros processos de informação que serão agenciados130.
130 Com essa referência a secretaria mantém entendimentos no sentido de estabelecer protocolo para inclusão de dados sobre a economia solidária nas pesquisas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
233
Malgrado essa base de sustentação do sistema de informações, os
problemas de execução têm avolumado a agenda da secretaria e, pelo que tudo
indica, as conclusões estão longe de se findarem. Segundo o GT Mapeamento
(SENAES/FBES), consistem em entraves ao mapeamento nacional: a dificuldade
de acesso às informações das organizações pelas EGEs (Equipes Gestoras
Estaduais), principalmente das entidades de assessoria: �muitos estados não
possuem fóruns, equipes locais dificultaram o processo, as EGEs têm dificuldades
de conseguir material com as entidades� (FBES, fevereiro de 2005). Muitos
estados avançaram, mas outros ficaram ainda nos passos iniciais previstos para o
levantamento, sobretudo porque não se conseguiu recursos financeiros
adequados para todos os estados. Consta da avaliação desse GT que nem todos
aderiram a proposta ou entenderam muito bem o sentido e importância do
mapeamento.
Pelo que se depreende do material pesquisado, as dificuldades desse
levantamento se relacionam à própria estrutura essencialmente baseada nos
Fóruns Estaduais de Economia Solidária e ongs, sendo que nem todos os
estados e entidades possuem o mesmo estágio de capacitação e inserção social
no meio. Além disso, como vimos, o acesso ou manejo dos recursos financeiros
não consiste numa ação de fácil execução pela SENAES, seja pela habilidade
técnico-administrativa, seja pela fragilidade política para expandir seu orçamento
e saber executá-lo.
De toda forma, a secretaria mantém no site do Ministério do Trabalho e
Emprego algumas informações gerais que foram possíveis consolidar nessa
primeira fase. Sabendo que essas informações são atualizadas cotidianamente, a
partir de dados capturados em 7 de agosto de 2005, podemos ter uma idéia de
alguns números gerais, como o número de empreendimentos de economia
solidária no país e por estado confirmados até agora, bem como prevalência da
forma de organização e, ainda o número de entidades de apoio e fomento.
Vejamos:
234
QUADRO N.14
Quadro Quantitativo dos Empreendimentos de Economia Solidária por Unidades da Federação (UF)
EMPREENDIMENTOS POR UF
UF QUANT. UF QUANT.
AC 536 AL 257
AM 37 AP 69
BA 459 CE 1.746
ES 328 GO 237
MA 118 MG 1
MS 99 MT 53
PA 120 PB 558
PE 360 PI 965
PR 359 RJ 88
RN 356 RO 32
RR 63 RS 1.268
SC 268 SE 302
SP 461 TO 453
TOTAL 9.593
Fonte: Sistema de Informações em Economia Solidária/SENAES � 7/08/05 www.mte.gov.br
QUADRO N. 15 Quadro Quantitativo de Entidades de Apoio por Unidades da Federação (UF)
ENTIDADES DE APOIO POR UF
UF QUANT. UF QUANT.
AC 7 AL 3
AM 3 AP 7
BA 78 CE 108
ES 21 GO 17
MA 52 MG 2
MS 15 MT -
PA - PB 24
PE 154 PI 2
235
PR 72 RJ -
RN 17 RO 6
RR 3 RS 68
SC 29 SE 166
SP 2 TO 15
TOTAL 871
Fonte: Sistema de Informações em Economia Solidária/SENAES � 07/08/05-www.mte.gov.br
Segundo a secretaria começaram o trabalho de mapeamento
�com uma pré-listagem em torno de 20 mil empreendimentos de economia
solidária no Brasil, hoje temos 28 mil registros de possíveis
empreendimentos de economia solidária, confirmados 5 mil, 400 não
confirmados excluídos da lista, 22 mil para serem confirmados. Podemos
chegar a 20 mil empreendimentos confirmados. (...) é necessário esforço
de todos e todas para concluir o processo, algumas entidades de
assessoria e fomento estão reticentes em apresentar a lista dos
empreendimentos que trabalha.� ( FBES, fevereiro 2005)
O material analisado na pesquisa mostra a dificuldade em fazer avançar o
mapeamento e ao mesmo tempo revela essa peculiaridade de algumas entidades
de apoio e fomento que não querem divulgar suas informações, seja porque
temem essa vinculação ao governo, seja porque fazem parte de um mercado de
serviços de assessoria onde concorrem diferentes entidades. De toda forma, os
relatórios apreciados registram também que a penosidade inerente ao desgaste
desse levantamento é vista pelos coordenadores e participantes como suplantada
pela capacidade do trabalho gerar informações sobre os estados, até então
ausentes nos debates e considerações da SENAES e do FBES. Em razão disso,
pensam em aprimorar o sistema para que os estados possam autonomamente
inserir dados futuramente e elaborar um atlas que mostre geopoliticamente a
economia solidária no país. A segunda parte do mapeamento contará com
entrevista locais nos empreendimentos (Cf.: SENAES, Guia de Orientações e
Procedimentos do SIES �Fase II, Brasília, TEM, 2005)
Pelo exposto, vamos percebendo que a secretaria nacional vai se forjando
nessa interface direta com o FBES � principalmente as entidades nacionais de
assessoria � tendo à frente os desafios de conhecer o que se faz em economia
236
solidária, angariar recursos para fomento e estabelecer parceria com os variados
órgãos públicos. Essa intenção de transversalidade e parceria chega a ganhar
centralidade na proposta de gestão exposta em documentos oficiais e
depoimentos públicos, o que pode ter duas faces: de um lado, expor a fragilidade
de poder para fazer frente às negociações de governo e elevar a economia
solidária à condição política exigida; e, outra face, que é de escolha de orientação
institucional que valoriza a gestão interdisciplinar atravessada por vários
interesses. Dessa segunda feição, decorreria a estrutura da SENAES limitada a
dois departamentos e a um programa estratégico de ação voltado para reunir ao
invés de desagregar esforços nesse processo de institucionalização da política.
Entretanto, tomada a primeira face como preponderante pode-se estar a
fragmentar um cenário extremamente atomizado como esse do trabalho precário
e da economia solidária, onde todos terão um pouquinho a dizer, mas ninguém se
responabilizará de fato. Como um campo de tensões, pode ser que sejam faces
que se misturam e não chegam a polarizar antagonicamente, mas são as duas.
3.3- OS PROBLEMAS DO TRABALHO ASSOCIADO DE ECONOMIA
SOLIDÁRIA E A AGENDA PÚBLICA
Ao se tomar conhecimento da pauta de debates acerca das práticas de
economia solidária � suas demandas por políticas estruturantes, evidencia-se de
pronto a complexidade da tarefa para dar sustentabilidade e longevidade a essas
iniciativas econômicas. Demonstrando o emaranhado de mediações em que se
situa essa ressignificação do trabalho, tamanha as necessidades sócio-técnicas
exigidas. O que exige maior responsabilização pública com a estruturação do
setor e amparo aos trabalhadores, diferentemente do que já ocorreu em várias
situações com o adensamento da letalidade do empreendimento ou
responsabilização jurídica individual do trabalhador ou de sua cooperativa perante
Ministério Público ou Tribunal de Justiça por dívidas. A não ser que a função
ideológica do desassalariamento e empreendedorismo, como responsabilização
individual pelo trabalho, seja o efeito esperado, a proteção pública coloca-se
como um elemento estratégico nesse processo.
237
Todavia, ainda que muitas experiências já existam e sejam exemplares
para os sujeitos políticos envolvidos, o estatuto social que se deseja, está todo
por ser construído e negociado perante os diferentes interesses sociais.
As estratégias e plano de ação da SENAES acompanham as requisições
elencadas pela Plenária Nacional e, mais recentemente, pelo Fórum Brasileiro de
Economia Solidária, dispostas em grandes temas que formam o que se chama,
no meio, de plataforma da economia solidária � 1) Marco Legal; 2) Rede de
Produção, Comercialização e Consumo; 3) Finanças; 4) Educação; 5)
Comunicação; 6) Democratização do Conhecimento e da Tecnologia. Com
algumas variações, esses são os temas problemas elencados também no I
Encontro Nacional de Empreendimentos de Economia Solidária, realizado em
Brasília, em 2004.
No marco legal, são apresentados problemas e necessidades de políticas
públicas para amparo legal do trabalho autogestinário. A legislação brasileira não
atende a regulação de trabalho coletivo, prevalecendo a visão individualista e
mais centrada no capital privado. Por isso, não há cobertura prenunciada para o
associativismo de economia solidária, autogestão e cooperativismo popular. A
dinâmica e diversidade dessas formas coletivas de trabalho não são repercutidas
em lei e garantidas como direito. A questão tributária pode ser um exemplo dos
problemas daí decorrentes, na medida em que a carga de tributos e o excesso de
procedimentos�administrativos-burocráticos obstaculizam a prática dessas
unidades produtivas, embora a Constituição Federal registre interesse em apoiar
e estimular o cooperativismo e outras formas de associativismo, além de indicar
lei complementar para dar tratamento tributário adequado as cooperativas (art.146
e 174).
Por meio desse tema, deseja-se introduzir o debate da regulação pública
do chamado trabalho informal fazendo migrar preocupações históricas de
proteção social para o universo do trabalho não assalariado.
Do ponto de vista do Estado, assegurar direitos é fazer com que a
reivindicação da sociedade se consolide em leis que valham para todos. E
um dos principais desafios é que a legislação brasileira incorpore o direito
ao trabalho solidário e associado, que já existe na prática. Para que ao
incorporar essa prática já existente, através de uma legislação adequada,
possamos garantir direito efetivo e estender os direitos públicos para os
238
trabalhadores da economia solidária. Já temos marcado para início de
agosto (a SENAES), no Congresso Nacional, através do Senado, uma
discussão de toda legislação que está tramitando no Congresso a respeito
de cooperativas. É importante participarmos desse debate, nos
apropriarmos dessa discussão e trazermos toda a experiência prática e
intelectual do fórum da economia solidária.( SCHIOCHET, 2003)
A problemática das cooperativas de trabalho aparece aí como um ponto de
adversidade social, para o qual diferentes grupos de interesses se manifestam
como a Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), a Confederação de
Cooperativas de Trabalho e o Fórum Brasileiro de Economia Solidária � de um
lado, desejando a liberalização do ramo cooperativo e, de outro, o Ministério
Público do Trabalho requerendo a sua contenção. O paradoxo é bem instigante
porque a legislação proíbe a cooperativa de trabalho, segundo os aparatos da
Justiça do Trabalho, mas existem mais de 2.700, segundo registro da OCB.
Seguidamente, o contraste se impõe porque os trabalhadores estão a requerer
medidas que atenuem a rigidez dos dispositivos das leis trabalhistas, adequando-
se, subordinadamante, à realidade da queda do assalariamento e de sua perda
de poder reivindicatório no contexto dos conflitos sociais.
Desde os anos 1990, há uma verdadeira irrupção de cooperativas de
trabalho no país. De acordo com a OCB, em São Paulo, surgem duas a cada dia.
A evasão do assalariamento está no cerne desse estímulo. Dos 13 ramos de
atuação econômica do cooperativismo, o ramo trabalho foi o que mais cresceu
nos últimos anos, mesmo sendo um fora da lei.
As Cooperativas Sociais criadas pela Lei 9867/99 são uma exceção nesse
caso e se voltam para segmentos sociais específicos como os portadores de
necessidades especiais que estariam, a priori, em desvantagem no mercado de
trabalho. �Art. 3. Consideram-se pessoas em desvantagem, para os efeitos dessa
lei: I- os deficientes físicos e sensoriais; II- os deficientes psíquicos e mentais, as
pessoas dependentes de acompanhaemnto psiquiátrico permanente, e os
egressos de hospitais psiquiátricos; III- os dependentes químicos; IV- os egressos
de prisões; V- os condenados a penas alternativas à detenção; VI- os
adolescentes em idade adequada ao trabalho e situação familiar difícil do ponto
de vista econômico, social ou afetivo�.
239
A natureza jurídica da relação de trabalho cooperado é ainda objeto de
conflito no meio político e jurídico. Não em todos os ramos cooperativos, mas no
ramo trabalho em razão da possibilidade de servir para escamotear relações
trabalhistas, de emprego de força de trabalho. Em direito, a cooperativa de
trabalho se destaca do modelo das outras cooperativas porque além de serem
proprietários da cooperativa são também provedores de força de trabalho,
caracterizando uma duplicidade de identidade do cooperado. Ele nem tem
autonomia suficiente como trabalhador autônomo e nem subordinação à poder
econômico que o oprima pela detenção de capital. Alguns sujeitos políticos têm
preconizado a relação como de natureza civil entre sócios cooperados - pela
natureza de uma sociedade � e destes com empresas. Todavia, a cooperativa
existe enquanto coordena a força de trabalho de seus próprios sócios e isso limita
essa abrangência meramente civil. A legalidade da atuação das cooperativas de
trabalho tem sido peça de muitos ritos judiciais por conta desse fio da navalha em
que se situam as práticas, ferindo o direito do trabalho ou, no mesmo processo,
amparando-se na liberdade de associação cooperativista da legislação nacional e
acordos internacionais.
O quadro social mostra, de um lado, cooperativas criadas por empresas
dentro da conformidade da lei, mas que obriga ou induz empregados a serem
sócios e, que, posteriormente, demitidos, continuam desenvolvendo o mesmo
trabalho sem direitos trabalhistas. Chama-se vulgarmente de cooperfraudes ou
coopergatos numa alusão a sua condição fraudulenta. Outra é a situação das
cooperativas criadas pelos próprios trabalhadores para reerguerem empresas
falidas ou aquelas cooperativas que resultam da articulação de trabalhadores
empobrecidos que se juntam para tentarem construir uma ponte coletiva sobre
esse abismo social da desocupação em massa. Ainda que sejam objeto da livre
vontade de associação e não se voltem à espoliação de terceiros estão em
conflito com a lei.
O MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) foi criado há mais de 70 anos
para fomentar e defender a legislação de proteção ao trabalhador. Essa
missão ele compartilha com a Justiça do Trabalho e com o Ministério
Público do Trabalho. É natural que estas instituições combatam a
destruição dos direitos legais dos trabalhadores. Uma parte deste combate
se dirige contra as cooperativas de trabalho, com o empenho da
240
fiscalização do trabalho de tentar distinguir as falsas das verdadeiras. A
fiscalização e o ministério público, na verdade, tentam distinguir entre
cooperativas de trabalho e cooperativas que chamam de mão-de-obra. As
cooperativas de trabalho seriam as que vendem o produto do trabalho dos
membros, desde que seja feito com meios próprios de produção e em
recinto de cooperativa. As cooperativas de �mão-de-obra� seriam as que
vendem o produto do trabalho (serviço) feito com meios de produção e no
local do comprador. (SINGER, 2004, p.2)
Para isso o Ministério do Trabalho tem um �Manual de Cooperativas� que
orienta seus fiscais no sentido de detectarem o trabalho precarizado escondido
em cooperativas de fachada. Segundo SINGER, contudo, �apesar do empenho
em distinguir cooperativas de trabalho e sua imitação fraudulenta, a fiscalização e
o ministério público acabam atingindo cooperativas falsas e verdadeiras, na
tentativa de obrigar os terceirizados a voltar a empregar assalariados regulares�
(Ibid, 2004, p. 4). Em geral, o Ministério Público tende a intimar as empresas-
clientes e impor o desligamento dos contratos de serviços sob pena de processo
nas leis de trabalho. A perda desses clientes, segundo o Secretário, vitima tanto
as fraudulentas quanto as cooperativas mais autênticas de trabalhadores131.
O dilema decorrente desse verdadeiro drama social é mais adensado
quando se vê que num canto qualquer da periferia da cidade ou campo estão
cooperativas ou suas reminiscências, totalmente desprotegidas do ente público,
muito embora em variadas situações tenham surgido � essas cooperativas � por
incentivo de órgão público ou organização não governamental132. Dali, desse
desassossego, é possível fitar o drama e ver que :
é quase impossível impor o cumprimento da legislação trabalhista quando
o maior interessado � o trabalhador � não faz questão dele. Dada a pressão
do desemprego e sobretudo da marginilização, a maioria dos trabalhadores
aceita trabalho precarizado e só depois que o perde, reclama seus direitos 131 É bom que se saiba que o Governo Federal através da Advocacia Geral da União firmou conciliação com o Minsitério Público do Trabalho em 5/6/03 proibindo a participação das cooperativas de trabalho em licitações públicas com repercussões indiretas sobre empresas privadas. 132 Desde os anos 1990 é forte o incentivo das Prefeituras no sentido da formação de cooperativas enquanto alternativa de geração de emprego e renda, nem sempre oferecendo apoio efetivo para tanto, mas disseminando incentivos a iniciativas dessa natureza por meio de um curso ou outro de capacitação em atitudes laborativas pontuais. A experiência de Prefeituras governadas pelo Partido dos Trabalhaores e que introduziram programas de economia solidária tendem a ser mais
241
na Justiça do Trabalho. O viés da justiça muitas vezes lhe dá ganho de
causa, mas a vitória pode lhe tirar novas oportunidades de trabalho.� (Ibid,
2004, p. 4)
Na perspectiva do Secretário � que firmou compromisso na posse no cargo
de combate às falsas cooperativas e apoio às verdadeiras, para que possam
emergir da informalidade � para reverter essa situação de precarização e poder
de barganha dos trabalhadores é necessário alterar a taxa de desocupação,
rompendo com a estrutura do desemprego via aceleração do crescimento
econômico que aumente o assalariamento e pela geração de postos de trabalho
autônomos a fim de reduzir no mercado o excesso de mão-de-obra assalariada.
Seguidamente, seria necessário regular o setor, expandindo direitos, comuns ao
assalariamento para as cooperativas de trabalho. Isso qualificaria o trabalho e
extinguiria a exploração, além de deixar de ter sentido, as práticas fraudulentas,
instituindo um marco legal para as cooperativas de trabalho.
A tendência é incluir a seguridade e outros serviços com direitos sociais
dos trabalhadores associados sem considerar indenizações por dispensa ou
outros dispositivos que descaracterizam as cooperativas e que são inerentes ao
que, em Direito, nomeiam como trabalhadores dependentes. Esses direitos gerais
estão previstos no artigo 7. da Constituição Federal que trata dos direitos relativos
aos trabalhadores como, por exemplo, a segurança e medicina do trabalho,
descanso e jornada laborativa.
De fato, o outro lado da moeda, é que há uma disputa clara para que as
cooperativas acessem o mercado de prestação de serviços (terceirização) em
franca expansão. E a situação é de tal monta que não regular o segmento é
deixar trabalhadores reféns da precarização, na medida em que o trabalho
assalariado, também, não é objeto de disputa e resolução de conflitos sociais nos
últimos tempos. Recentemente, o Ministério do Trabalho apresentou um Ante-
Projeto de Cooperativas de Trabalho para ser discutido visando regular o setor.
Mas, o tema é tão controverso que recebe críticas dos próprios trabalhadores da
economia solidária, como no caso relatado abaixo a respeito do debate desse
ante-projeto em seminário do FBES.
Um dos pontos mais polêmicos do projeto é o art.7. que trata da
salvaguarda dos direitos dos cooperados. Esse artigo traz para as estruturantes, mas permanece o dilema da proteção e amparo público continuado a unidades
242
cooperativas as garantias trabalhistas dos trabalhadores empregados
previsto no art. 3. da CLT. No debate foram ponderadas duas questões: a)
o artigo torna impraticável o funcionamento dos empreendimentos
solidários porque a maioria não teria condições de garantir a aplicação do
artigo; b) a organização de empreendimentos solidários obedecem a uma
nova ordem de organização do trabalho que não deve ser confundida com
o trabalho assalariado.� (FBES, julho de 2005)
Essa proposta do Ministério é resultado das ações do Grupo de Trabalho
�Autogestão, Informalidade e Microempresa� (GT 8) do Fórum Nacional do
Trabalho133, do próprio Ministério, com interfaces com o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República. Ainda que as
discussões do grupo apontassem para imprecisões conceituais e lacunas
legislativas, quanto a diversidade de experiências cooperativistas e as
necessidades de políticas públicas, �uma grande tomada de decisão do grupo que
discute a autogestão dentro do GT8 é a intransigente defesa da extensão dos
direitos sociais a todos os trabalhadores.� (GT Legislação do Forum
Cooperativismo Popular do Rio de Janeiro, 2004, p.1). Esse seria um modo de
reconhecer a necessidade de proteção social dos associados das cooperativas de
trabalho e dirimir conflitos com o Minsitério Público do Trabalho134.
econômicas socialmente tão desprovidas de capacidade produtiva. 133 O Fórum Nacional do Trabalho foi instituído pelo Decreto 4796, de 30 de julho de 2003 e regido pela Portaria 1029 de 12 de agosto de 2003, para coordenar a negociação entre representantes de trabalhadores, empregadores e governo federal sobre a reforma sindical e trabalhista. Na sua regulamentação estabelece a expectativa de chegar a entendimentos para �atualizar a legislação do trabalho e torná-la mais compatível com as novas exigências do desenvolvimento nacional, de maneira a criar um ambiente propício à geração de emprego e renda. (...) modernizar as instituições de regulação do trabalho, especialmente a Justiça do Trabalho e o Ministério do Trabalho e Emprego; estimular o diálogo e o tripartismo e assegurar a justiça social no âmbito das leis trabalhistas, da solução de conflitos e das garantias sindicais.� Tem uma composição tripartite e paritária com participacão da SENAES, inclusive, nesse GT sobre �Autogestão, Informalidade e Microempresas�, compondo a comissão de redação o próprio Secretário Nacional. 134 A proposta prevê: �Art. 7. As cooperativas de trabalho deverão observar as seguintes normas na organização do trabalho de seus filiados: I- retiradas mensais não inferiores ao piso da categoria do serviço prestado; II- retirada relativa ao trabalho noturno superior à do diurno, nos termos do estatuto social; III- jornada diária de pestação de serviço não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, acrescentando-se às retiradas referentes aos serviços excedentes ao menos cinqüenta por cento do valor da retirada normal, facultada ainda a compensação de horários, nos termos do estatuto social; IV- repouso semanal remunerado preferencialmente aos domingos, nos termos do estatuto social; V- retiradas superiores para atividades noturnas, penosas, insalubres ou perigosas, desde que não constituam a totalidade dos serviços prestados, nos termos do estatuto social; VI- gozo de férias anuais remuneradas por retirada correspondente à média anual acrescida de, pelo menos, um terço, nos termos do estatuto social; VII � retirada anual, no mês de dezembro de cada ano, independente da retirada mensal, equivalente a um doze avos das retiradas ocorridas no anos, aplicando-se, no que couber, a Lei n.4749 de 12 de agosto de 1965 (décimo terceiro salário); e, VIII- observância das
243
Quando isso se concretiza na proposta do Ante-Projeto, o acerto não se
mantém com tranquilidade. E o motivo não é dos menos relevantes, nesse terreno
de vulnerabilidades sócio-econômicas, principalmente das cooperativas de menor
porte social e econômico.
De todo jeito, a OIT em sua recomendação 193 de 2002 estabelece que :
8.1) As políticas nacionais deveriam nomeadamente: (...) b) velar para que
não se possam criar ou utilizar cooperativas para iludir a legislação do
trabalho nem para estabelecer relações de trabalho dissimuladas, e lutar
contra as pseudo-cooperativas, que violam os direitos dos trabalhadores,
velando para que a legislação do trabalho seja aplicada em todas as
empresas;� ( OIT, 2002) 135
Defender direitos, instituí-los, reconhecer e promovê-los nesse universo de
trabalho pode significar a promoção do emprego, a ação pública compensatória
para a fuga dos postos de trabalho. Estratégias políticas, nessa direção, podem
minorar a compressão sobre o trabalho assalariado - no sentido de sua
diminuição e intensidade da exploração � como, também, o padrão de
financiamento público minorando a baixa capacidade arrecadadora do Estado
nesse processo de desregulamentação. Há efetivos intereses materiais em jogo
por meio, por exemplo, de mudanças no acesso à previdência social dos
trabalhos informalizados. Resta saber se é possível deslindar a pequena unidade
produtiva dos laços de subordinação no conjunto do sistema capitalista, posto que
normas de segurança e medicina do trabalho.� (MTE. Ante-Projeto de Lei � Dispõe sobre a organização e o funcionamento das cooperativas de trabalho. Brasília: MTE, 2005) Mas, o complicador para as cooperativas populares é que o parágrafo primeiro do artigo assim se manifesta sobre a fonte de recursos para esse fim: � para fazer frente aos direitos reconhecidos nos termos deste artigo, as cooperativas constituirão fundos específicos, com base na receita apurada.� (Ibid) 135 E a Declaração Mundial sobre as Cooperativas de Trabalho Associado manifesta que:�A relação do sócio trabalhador com sua cooperativa deve ser considerada como distinta a do trabalho assalariado dependente convencional e do trabalho individual autonômo. (...) No seu funcionamento interno, as cooperativas de trabalho associado deverão ter em conta as seguintes regras: (...) Proteger aos sócios trabalhadores com adequados sistemas de previdência e segurança social, saúde ocupacional e respeitar as normas de proteção em vigor nas áreas da maternidade, de cuidado às crianças e do jovem trabalhador. (...) Combater sua utilização como instrumento para flexibilizar ou fazer mais precárias as condições de trabalho dos trabalhadores assalariados e não atuar como intermediários convencionais para postos de trabalho. (...) É necessário que os Estados Nacionais: (...) Apliquem às cooperativas de trabalho associado o conceito de trabalho decente e digno da OIT e disposições claras, precisas e coerentes que regulem a proteção social o referente a saúde, pensões, dispensa, saúde ocupacional, e segurança industrial, tendo em conta o caráter específico das suas relações trabalhistas.� (CICOPA � Organização Internacional de Cooperativas de Produção Industrial, Artesanal e de Serviços, ACI, Assembléia Mundial,Oslo/Noruega, 6/9/03)
244
nessa condição a desestruturação e informalidade são inerentes a existência e
sobrevivência desse tipo de unidade econômica. Produzir ocupações de baixa
remuneração, sob condições de trabalho menos exigentes e sem impostos é a
própria condição de sua realidade. Mudar isso implica transformações estruturais
de grande monta que não está claro se os sujeitos políticos envolvidos têm a
dimensão e, mesmo, se esse formato de pequenas unidades teria sentido posto
que sua existência � por imposição sistêmica - se deve a possibibilidade de
desonerar o capital dos custos do trabalho.
Como se vê, são problemas e propostas de políticas públicas que se
colocam como ação afirmativa do segmento economia solidária, asseverando
suas diferenças e seus limites no plano da diversidade social e laborativa.
Basicamente, o que se anseia como marco legal para o setor se consome
em três pontos: especificidade da economia solidária nas reformas (tributária,
previdenciária e trabalhista); distinção da economia solidária perante a dinâmica
econômica geral e sua estrutura tributária, fiscal e de comercialização; e,
regulação do trabalho.
Não se trata somente de elaboração de texto de lei, mas de enfrentamento
de interesses e conflitos nas relações sociais em torno das instituições
econômicas, fundos públicos e mercado. Como se pode depreender do quadro,
trabalhadores organizados coletivamente estão demandando do Estado respostas
para esses formatos coletivos de unidades econômicas, de modo a terem
sustentabilidade face a desigual competição no mercado.
QUADRO N. 16 Quadro Expositivo dos Problemas e Propostas de Política Pública para
Regulamentação do Setor MARCO LEGAL
PROBLEMAS PROPOSTAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS As reformas em curso no Estado não atendem as especificidades da economia solidária
. Definir políticas de interesse da economia solidária para serem incorporadas nos debates das reformas tributária, previdenciária, trabalhista e fiscal. . Elaborar e atualizar leis específicas da economia solidária nessas áreas
Dificuldades legais para comercialização dos produtos e serviços da economia solidária
. Elaborar legislação que formalize e regule compras coletivas, lojas solidárias, cartões de créditos solidários, feiras, sistemas de trocas com moeda social, agricultura familiar orgânica e comércio justo.
Dificuldades para atender as normas tributárias e fiscais
. Estabelecimento de tributação específica para os empreendimentos de economia solidária, considerando escala de produção, número de
245
trabalhadores envolvidos, tipos de produtos e bens. . Isenção de impostos municipais, estaduais e nacionais para a compra de matéria-prima, equipamentos, máquinas, veículos.
Obstáculos a comercialização quanto a acesso a mercados, sustentabilidade e concorrência
. Rever a lei de licitações (8.666 de 21/06/93) que impossibilita a compra e venda de produtos da economia solidária, estabelecendo critérios diferenciados para participação dos empreendimentos solidários nas concorrências públicas. .Regularizar as atividades dos empreendimentos de economia solidária com a emissão de um CNPJ e nota de venda especiais para viabilizar a participação em licitações. . Definir zonas especiais para implantação de projetos de economia solidária para serem incorporados no Plano Diretor Urbano e estatuto das cidades. . Garantir interesse preferencial do setor público para contratação de cooperativas para prestação de serviços nas esferas municipal, estadual e federal.
Indistinção da economia solidária na dinâmica econômica geral
. Estabelecer marco jurídico específico, abordando a economia solidária como um sistema próprio, definindo as distinções frente ao setor estatal e ao setor privado mercantil.
Indefinição quanto a natureza jurídica dos empreendimentos de economia solidária
. Conceituar normativamente empresas de autogestão, cooperativas populares e organizações de economia familiar.
Defasagem da legislação (lei 5.764/71) que regula o cooperativismo das necessidades e práticas atuais
. Elaborar nova legislação para o cooperativismo e empresas autogestionadas, considerando aspectos como o número de participantes, não obrigatoriedade da unicidade de representação, acesso ao crédito, diferenciação tributária, mudança no caráter do benefício do INSS para quem é cooperado e respeito as diferentes concepções de cooperativismo.
Ausência de legislação que regule e ampare o trabalho na economia solidária
. Reconhecimento pelo Estado dessas outras formas de organização do trabalho, fundadas em princípios populares e solidários por meio de lei de incentivo e apoio ao desenvolvimento das mesmas. . Aperfeiçoamento da fiscalização dos empreendimentos autogestionários, buscando evitar fraudes que visam terceirização de mão-de-obra e redução de encargos legais. . Assegurar o cumprimento efetivo no Brasil das Convenções 100 (igualdade remuneração para homens e mulheres) e 111 ( contra discriminação no mercado de trabalho) da OIT e a ratificação da Convenção 156 ( igualdade de oportunidades e de tratamento, destacando trabalhadores com responsabilidades familiares) pelo governo brasileiro.
Obstáculos da legislação para que trabalhadores possam assumir empresas falidas
. Negociar condições para que a lei de falências favoreça a aquisição das empresas por parte dos trabalhadores excetuando-se as dívidas da empresa ( passivo da massa falimentar).
Fonte: Elaborado pela autora a partir so da Plataforma da Economia Solidária, FBES (www.fbes.org.br)
246
No âmbito regional, já existem duas experiências de regulação da
economia solidária, da Assembléia Legislativa de Minas Gerais (Lei 15028/2004)
e da Câmara Municipal de Recife � Lei 12.823/05136. De maneira geral, essas
regulamentações estabelecem parâmetros de organização e definição de
programa, bem como conceituação de áreas de atuação e formas de gestão137.
As exigências aqui para a dimensão federal é de maior profundidade em
termos das relações econômicas e sociais. Num caso ou noutro, chama atenção
que essa regulação possa se constituir como fruto do debate político de modo a
se tornar uma questão de Estado e não de governos, vide exemplo de São Paulo
com a mudança de prefeito. Isso é mais emblemático se tomarmos em conta que
essas inciativas econômicas dependem de apoio efetivo para sua
sustentabilidade; de fato, não existe empreendedorismo, no sentido da assunção
de risco individualmente para trabalhadores absolutamente destituídos de
condições econômicas estruturais. Quer dizer, há uma responsabilidade pública
séria na implementação dessas unidades econômicas na medida em que as
mesmas dependem de apoio continuado.
Um segundo campo temático requerido para investimento público, diz
respeito a cadeia produtiva desses trabalhos autogestionários que tem 136 A experiência pioneira do Governo do Rio Grande do Sul funcionou por meio de decreto dando vigência ao programa enquanto o Partido dos Trabalhadores se manteve no poder local (Decreto 41062 � 21/9/2001). 137 Mais duas outras experiências estão com propostas de lei tramitando no legislativo: o Distrito Federal e o Espírito Santo. O antigo Governo da Prefeitura de São Paulo � Marta Suplicy � apresentou proposta, mas não houve tempo hábil para tramitação e o atual Prefeito � José Serra - solicitou a retirada de pauta afirmando não ser de interesse do município. Chama atenção, essa proposta paulistana, por ser uma das mais bem estruturadas conceitual, política e tecnicamente no quadro ideológico da economia solidária. Todavia, no conjunto essas propostas de lei que estão publicizadas pelo FBES apresentam pontos convergentes como por exemplo: apresentação de formatos jurídicos variados para os empreendimentos o que contrasta com a normatização da SENAES que fecha questão nas cooperativas que realizam trabalho autogestionado como mencionamos antes. Vê-se que quando se chega aos diversos rincões do país há diferentes negociações locais de interesses e orientações teórico-políticas quanto a por exemplo a relação com o mercado. Alguns textos de lei mencionam somente mercado solidário, já outros manifestam o objetivo de articular os empreendimentos com o mercado formal capitalista. Relaciona-se até o objetivo de articulação com incubadoras de empresas privadas. O mesmo raciocínio contraditório com a plataforma da economia solidária exposta pelo FBES ou sua melhor explicitação se manifesta no objetivo dos órgãos públicos locais fomentarem e disseminarem a �cultura empreendedora da economia solidária�. Na proposta de São Paulo, mencionada, esse texto não aparece, mas sim a idéia de difusão da �cultura da autogestão�. Essas pequenas ilações a experimentos locais de regulação da política na área mostra a complexidade do tema e a necessidade de se enfrentar alguns dilemas e dissensos de modo a forjar espaços de conflitos indutores de aprendizado político efetivo. De outra parte, chama atenção que nenhuma das propostas e leis aprovadas mencionam qualquer relação estrutural com a política de trabalho e emprego da região, consequentemente, com as comissões municipais e estaduais de emprego; o que demonstra que essa dificuldade de reconceituar o trabalho e incluir essas novas modalidades
247
especificidades em termos de produção e comercialização. Envolve o ponto
central da economia solidária: as condições para produzir, o acesso vantajoso à
matéria-prima e equipamentos, organização da produção, tecnologia, o
escoamento para a comercialização, acesso à mercados específicos para o
consumo de produtos socialmente sustentáveis. A perspectiva é de que o Estado
auxilie o segmento para constituir cadeia produtiva e de consumo a parte e/ou
que dê suporte para amenizar a concorrência com as empresas que têm sistema
de produção mais rentável, capital de giro e crédito para disputar espaço no
mercado. Espera-se apoio do Estado para ações produtivas, de comercialização e
de consumo que sejam coletivizadas para dar viabilidade econômica às atividades
potencializando a escala de compras, produção e comercialização. A base disso é
que o trabalhador ou a unidade econômica isolados não sobrevivem no mercado
sem rede de compras e distribuição, reconhecimento institucional ou amparos
fiscais.
QUADRO N. 17 Quadro Expositivo dos Problemas e Propostas de Políticas Públicas
para Rede de Produção, Comercialização e Consumo REDES DE PRODUÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO E CONSUMO
PROBLEMAS PROPOSTAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS Dificuldades do empreendimento isoladamente adquirir matéria-prima, equipamentos, aperfeiçoar sistema produtivo e comercializar os produtos e serviços
. Desenvolver, fortalecer e articular as redes de produção e consumo em nível local, regional, nacional e internacional, propiciando a auto-sustentabilidade dos empreendimentos. . Garantir recursos para a construção, articulação e monitoramento das redes de economia solidária, viabilizando assim, sua interação, inclusive entre cidade e campo. . Organização de cooperativas de consumo e central de compras coletivas. . Investir na formação de redes regionais de comercialização e consumo que congreguem os vários tipos de cooperativas ( central de cooperativas coletivas).
Falta de estímulo do poder público para consumir bens e serviços da economia solidária
. Criar mecanismos que possibilitem compras governamentais dos produtos e serviços solidários e regionalizados, com preferência em licitações. . Estabelecer cotas para compras governamentais de produtos da economia solidária como forma de incentivo a área e distribuição de renda.
Dificuldades para disseminar informações sobre produtos e serviços dos empreendimentos para
. Criar o portal brasileiro de economia solidária, apoiando a estruturação de redes nacionais de
tem mão dupla; também, o segmento economia solidária não adere as comissões de trabalho regionais.
248
sua comercialização comercialização e de intercâmbio de informações, localização de produtos e serviços, diagnósticos de cadeias produtivas e transferência de tecnologia; facilitando parcerias, negócios e investimentos coletivos entre os empreendimentos dando-lhes visibilidade nacional e internacional; facilitando a elaboração de catálogos e o contato mais direto entre produtores e consumidores e a integração cidade/campo.
A não identificação da distinção social dos produtos da economia solidária perante os produtos da economia mercantil
. Aprofundar o debate sobre marcas e selos de certificação em sistemas participativos e o seu emprego, adaptável às realidades locais e regionais do país, facilitando o processo de identificação dos produtos e serviços da economia solidária para consumidores em seu ato de compra no mercado nacional e internacional. . Defender a produção familiar da competição desigual, por meio de uma adequada política de preços mínimos e de compras privilegiadas da produção familiar agroecológica e solidária.
Dispersão territorial das unidades de economia solidária dificultando o acesso da população
. Utilização de espaços públicos ocisosos ou a construção de espaços como locais de trocas, comercialização de produtos da economia solidária e armazenamento de materiais reciclados.
Fonte: Elaborado pela autora a partir da Plataforma da Economia Solidária, FBES (www.fbes.org.br)
Uma medida que atende essa demanda é a constituição de Centros
Públicos de Economia Solidária e o seguimento das tradicionais Feiras de
Economia Solidária. Os Centros Públicos de Economia Solidária visam mais que
a rede de comercialização, pois, em verdade, sua perspectiva é atender um ponto
de complexidade da economia solidária que é a diversidade de experiências e a
baixa interlocução entre os sujeitos envolvidos.
Segundo o Termo de Referência dos Centros Públicos, apresentado pelo
Departamento de Fomento à Economia Solidária da SENAES, objetiva-se agregar
as práticas, dar identidade e visibilidade as iniciativas de trabalho autogestionado
dessa natureza perante os trabalhadores diretamente envolvidos e a sociedade
em geral. Do ponto de vista estratégico, isso se dará por meio do abrigo em suas
dependências das várias práticas e projetos; apoio à projetos de geração de
renda nesse campo; promoção das práticas na perspectiva do desenvolvimento
local; promoção, estudos e mapeamentos sobre as práticas na área;
disponibilidade de espaço físico para atividades comerciais, formativas, culturais e
organizativas dos trabalhadores; abrigo às secretarias executivas dos Fóruns
Estaduais de Economia Solidária.
249
Como o objetivo principal é de integração, os Centros deverão envolver
todas as entidades que compõem a diversidade da economia solidária
coordenados por um Conselho Gestor. Entre as entidades envolvidas estabelece
a SENAES:
Empreendimentos de Economia Solidária; Organismos de representação
sindical que desenvolvam ações relacionadas com o tema; Universidades;
Organizações Não Governamentais; Governos Estaduais e Municipais que
desenvolvam ações direcionadas ao tema; Instituições de Microcrédito;
Redes e empreeendimentos de economia solidária; Centrais, associações
e outras instituições que tenham envolvimento com o tema; Fóruns
estaduais, regionais e municipais de economia solidária; Outros fóruns e
movimentos que tenham envolvimento com a economia solidária.
(SENAES, 2004 a, p.4)
A segunda chamada para apresentação de projetos já está com o
calendário aberto, exigindo contrapartida de estados e/ou municípios. Estima-se
que até agosto já estejam selecionados os projetos que atendem esses objetivos.
Embora não se fale explicitamente, os fóruns estaduais e o FBES têm papel
decisivo na animação e organização das entidades para promoção desses
centros.
As Feiras Estaduais são espaços já usados pelos empreendimentos de
economia solidária, à exemplo das práticas rurais e de atividades populares nas
periferias urbanas. Por meio dessas feiras regionais é que a economia solidária
veio adensando, nesses anos, seu quadro de iniciativas e sua interlocução social.
O que a SENAES está auxiliando é a diminuição de sua precariedade
organizativa com o fomento e a melhor estruturação dos serviços das feiras que
são um importante meio de comercialização e divulgação. Para isso, o FBES
realiza a articulação com os Fóruns Estaduais visando divulgar datas para
entrega dos projetos e organização da relação com a SENAES e sua distribuição
de recursos financeiros para esse fim. Para viabilizar o repasse financeiro
costuma ser comum a responsabilização de uma entidade para fins
administrativos e jurídicos, com quem se estabalece convênio. Nesse caso, o
convênio celebrado para organizar as Feiras 2005 envolve o Instituto Marista de
Solidariedade que fará a gestão das feiras e a intermediação� entidade nacional
250
que compõe o FBES � com a Fundação Banco do Brasil que faz o repasse
financeiro
Consistem, essas medidas, em condicionantes elementares ao processo
produtivo e de comercialização dessas pequenas unidades produtivas, onde o
amparo do Estado pode significar a própria viabilidade do mesmo. Anteriormente,
apresentamos alguns elementos da sociabilidade desses empreendimentos e
vimos a dificuldade para as cooperativas populares se manterem sem
subordinação com as empresas, exatamente por conta dessa fragilização
econômica elementar.
O terceiro tema recorrente, em importância, no debate dos trabalhadores
associados e na pauta da SENAES é o problema do financiamento das unidades
autogestionadas. Os entraves, dizem respeito as dificuldades dos pequenos
produtores para terem acesso à crédito e outros serviços financeiros. Como
referido antes, o universo é bastante complexo e a questão se concentra na
restrição à pulverização do crédito e de pequenas instituições financeiras
autogestionadas, por força dos interesses dos grandes aglomerados financeiros.
Iniciativas que vêm sendo tomadas nos últimos anos138, deixam a matriz
do problema intocável, pois permanece com o Banco Central e o Conselho
Monetário Nacional a normatização. Seria o caso de tomar a forma de uma
decisão de Estado para democratizar o acesso às finanças e suas instituições
como o microcrédito popular. Isso significa, na pauta da economia solidária, abrir
a possibilidade de ampliação de cooperativas de crédito e bancos populares que
possam investir e subsidiar a pequena produção e consumo das localidades,
tendo como associados os próprios usuários dos serviços, como no caso do
Banco Palmas, mencionado antes. Associando financiamento com
desenvolvimento produtivo local o que é diferente da bancarização que se realiza
com o chamado microcrédito dos bancos oficiais por meio do Programa de
Incentivo à Implementação de Projetos de Interesse Social ( MP 122, 25/06/2003).
Esse aliás é um outro ponto de divergência do Secretário Paul Singer com
a conduta do Governo Lula, na medida em que investiu na �bancarização� e não
no crédito produtivo. Menciona o relatório de uma reunião com o FBES: �O
professor avaliou que no ano de 2003 a economia esteve estagnada, o
crescimento foi menor que 1% ( um por cento) ao ano, houve recessão de janeiro
251
a agosto com o maior índice de desemprego dos últimos anos. A decisão de não
baixar os juros provocou uma reação maior dos empresários do que dos
trabalhadores e causou uma queda da renda. Houve superávit e queda dos juros
em julho. A bancarização dos pobres previa acesso ao crédito com abertura de
contas simplificadas e empréstimo a 2% (dois por cento). Sabemos que
empréstimos bancários não criam empregos, a expectativa de emprego não vai
baixar(....)� (FBES, abril 2004)
QUADRO N. 18 Quadro Expositivo dos Problemas e Propostas de Políticas Públicas
para Financiamento FINANÇAS
PROBLEMAS PROPOSTAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS . Ausência de destinação de recursos específicos e permanentes para o setor
. Criar Fundo Nacional de Economia Solidária, com recursos públicos e privados, fontes locais, regionais, nacional e internacional, com gestão descentralizada e participativa.
. Tratamento indiferenciado para acesso a recursos financeiros de segmentos socialmente mais vulneráveis
. Estabelecer linhas específicas de financiamento para comunidades de baixa renda, negras, indígenas, mulheres em risco social e portadores de necessidades especiais. . Estabelecer linhas especiais para empreendimentos em sua fase inicial e para comercialização de produtos.
. Restrição de acesso a crédito nas instituições financeiras tradicionais em razão das das garantias exigidas seren inadequadas para os empreendimentos populares e solidários
. Criar institutos específicos e fortalecer rede de instituições financeiras locais como cooperativas de créditos, bancos cooperativos, ongs, oscips, banco do povo e programas governamentais. . Estabelecer concessão de crédito para trabalhadores de empresas em situação pré-falimentar, condicionando mudança de gestão e participação dos trabalhadores no controle do passivo dessas empresas. . Dinamização das moedas sociais, clubes de trocas, modalidades de aval comunitário e solidário. . Constituir um sistema nacional de finanças solidárias vinculando-o a política de desenvolvimento territorial local.
. Dificuldade de acesso ao conjunto de serviços financeiros pelas operadoras de crédito popular
. Revogar as limitações legais impostas às instituições operadoras de crédito popular, como ONGs e OSCIPs, para que possam oferecer outros serviços financeiros como seguros, poupança, títulos de capitalização e outros.
. Caráter anti-social dos altos lucros dos bancos oficiais com uso absolutamente privado dos investimentos
. Destinação dos recursos de poupança para o desenvolvimento local. . Definir cota dos recursos dos bancos públicos e privados para financiar economia solidária.
138Resolução 3058 de 20/12/2002 e Resolução 3106 de 25 de junho de 2003 do Banco Central do Brasil.
252
. Modificar regras de acesso ao PRONAF e ao PROGER reduzindo os valores das taxas de transação bancárias. . Garantir critérios de financiamentos, valores, juros, carências, prazos, garantia e sistema de cobranca e devolução adequados as condições sócio-econômicas e culturais dos empreendimentos solidários. . Ampliar os critérios de limite de créditos com base no cálculo per capita de postos de trabalho gerados e não por empreendimento.
Fonte: Elaborado pela autora a partir da Plataforma da Economia Solidária, FBES (www.fbes.org.br) Tomando por base o conjunto da documentação analisada é possível
perceber um crescente amadurecimento da necessidade de um fundo público
próprio da economia solidária, e, medidas aproximativas estão sendo construídas
nessa direção, como, por exemplo, a parceria com o Banco do Nordeste (BNB)
para formação de um fundo rotativo na região:
tem por objetivo apoiar organizações que operam com Fundos Solidários,
fora da lógica e do sistema bancário, no nordeste. Trata-se de uma ação
experimental, sobretudo para permitir a visibilidade de uma prática não
reconhecida insitucionalmente, mas de efetivo acesso sem burocracias,
aos que não tem acesso ao sistema e à lógica do sistema financeiro
vigente.Sua gestão está sendo assumida por um colegiado formado por
quatro representações da sociedade civil e duas do governo (SENAES,
BNB, Fóruns de Economia Solidária, de Segurança Alimentar, ASA e
Mutirão de Erradicação da Fome), cabendo a esses fóruns fazer o
levantamento das organizações que operam com Fundos Solidários e a
indicação dos seus representantes no colegiado.� ( BOLETIM FBES, abril
de 2005, p.3)
Outra vertente, é a que está acertada com o Programa de Desenvolvimento
Sócio-Econômico do Ministério do Desenvolvimento Social, visando atender os
programas Bolsa Família e Fome Zero.
Será operado através de 4 vertentes do futuro sistema de finanças
solidárias: cooperativismo de crédito (rural e urbano), organizações de
micro-crédito para iniciantes e recém-negócios, fundos rotativos produtivos,
fundos solidários de apoio a ações de infra-estrutura e organizações
comunitárias. São cerca de 370 milhões de um Fundo de Ação Social
(FAS) extinto, recolhido na CEF (Caixa Econômica Federal). (Ibid, p.3)
253
Esses seriam caminhos iniciais para se consituir um fundo próprio e mais
estruturante para as atividades, fugindo as regras tradiconais bancárias que se
regem pelo mercado sem subsídio público.
Os demais campos temáticos da agenda SENAES/FBES se concentram
em problemas e incentivos públicos a difusão e qualificação da educação e
comunicação em economia solidária, tanto para os trabalhadores autogestionários
como para a sociedade em geral de modo a fortalecer as práticas existentes e
disseminar os valores que lhe são inerentes. Envolve, tanto capacitar os
trabalhadores nas especificidades da autogestão e da área técnica específica,
como também investimento em pesquisa tecnológica e sua necessária
democratização.
No caso da capacitação, chama atenção a preocupação com a formação
para a prática produtiva autogestionária, ensejando superar as relações de
subjugação no processo de trabalho. Quando o trabalho ganha feição de espaço
educativo como locus da produção material e espiritual, baseada na hegemonia
do homem e do trabalho. Em outro registro, a intenção de criar condições para
formação e informação da sociedade de modo a constituir consumidores
eticamente implicados com a produção associada e a sustentabilidade social e
ecológica da unidade de produção.
QUADRO N.19
Quadro Expositivo dos Problemas e Propostas de Políticas Públicas para Educação
EDUCAÇÃO
PROBLEMAS PROPOSTAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS Ausência de tradição cultural para o cooperativismo e autogestão na sociedade
. Promover a educação de novas gerações através da incorporação de programas sobre economia solidária no conjunto dos segmentos de escolarização desde a pré-escola até a pós-graduação, introduzindo valores da cultura solidária e pedagogias que favoreçam a solidariedade e a construção de um novo modelo de sociedade. . Criação de um grupo de formadores para conscientização do cooperativismo e sua importância na atualidade. . Criação de uma Escola Nacional de Cooperativismo.
Baixo número de estudos e pesquisas especializados em economia solidária
. Financiar com linhas especiais de créditos, estudos e pesquisas mais gerais sobre o tema economia solidária, além de trabalhos voltados ao desenvolvimento de metodologias de gestão
254
e outras tecnologias apropriadas à realidade da mesma. . Subordinar o sistema S a mecanismos de controle e estratégias tripartites, revendo suas prioridades, redirecionando recursos para a produção e sistematização de conhecimentos e tecnologias adequadas à perspectiva da economia solidária.
Frágil envolvimento das universidades com a economia solidária
. Estímulo à extensão universitária na área que prvivilegie pesquisa e trabalhos interdisciplinares.
Ausência de formação especializada em economia solidária
. Formação e capacitação de trabalhadores em economia solidária. . Instituir centros de referência públicos para oferecimento de cursos e treinamentos para trabalhadores do associativismo/cooperativismo na persepctiva da economia solidária. . Assegurar que as modalidades de formação se orientem para capacitação e assistência técnica adequadas as características dos empreendimentos e práticas de economia solidária, as diversidades culturais e o acompanhamento das novas tecnologias. . No ensino da economia solidária, garantir temas transversais como gênero, raça, etnia, bem como divulgação dos programas de Ministérios como Saúde, Trabalho e Meio Ambiente. . Utilizar recursos do FAT para realização de cursos profissionalizantes com participação de técnicos, assessores e empreendedores em economia solidária. . Buscar apoio do SEBRAE enquanto agente formador.
Inadequação das formações para as necessidades das mulheres
. Adequar os programas de formação e qualificação profissional às necessidades tanto em termos de locais e horários de realização como de oferta/conteúdo de cursos oferecidos de modo a apresentar novas perspectivas profissionais para as mulheres.
Baixa escolarização dos trabalhadores da economia solidária
. Estimular os trabalhaddores a ingressarem nos programas de capacitação e alfabetização de jovens, adultos e comunidades que não tenham acesso ao ensino formal.
Fonte: Elaborado pela autora a partir da Plataforma da Economia Solidária, FBES (www.fbes.org.br) Nessa perspectiva formativa, um exemplar claro da atuação da SENAES
nesse campo é a integração ao Plano Nacional de Qualificação (PNQ) �
2003/2007- do Ministério do Trabalho e Emprego. O PNQ compõe o Plano
Plurianual 2004-2007 do Governo Lula e é elaborado, segundo seus autores, na
contra-marcha do PLANFOR � Programa Nacional de Qualificação do
Trabalhador, que desde 1995, também sob financiamento do Fundo de Amparo
ao Trabalhador, lidava com a qualificação de trabalhadores.
255
Ao final dos dois quadriênios de vigência do PLANFOR, 1995-1998 e
1999-2002, tornou-se evidente a necessidade de mudanças profundas,
após interno desgaste institucional. Um conjunto de denúncias, veiculado
amplamente pela mídia levou o Tribunal de Contas da União � TCU e a
Secretaria Federal de Controle da Corregedoria-Geral da União �
SFC/CGU a proporem mecanismos visando garantir maior controle público
e operacional. Uma flagrante baixa qualidade dos cursos, em geral, e uma
baixa efetividade social das ações do PLANFOR reforçaram tal desgaste e
levaram o MTE, já sob o novo Governo, a instituir o Plano Nacional de
Qualificação � PNQ, extinguindo o PLANFOR, reorientando as diretrizes da
Política Pública de Qualificação.(Ministério do Trabalho e Emprego, 2003,
p. 18-19).
Visa �fortalecer a economia solidária como estratégia de enfrentamento do
desemprego e exclusão social�, através do preparo social e profissional de
trabalhadores. Isso, por meio de orientação às instâncias locais e nacional
quanto aos conteúdos conceituais, éticos, pedagógicos e técnicos de interesse da
economia solidária. Aqui, a ação junto à conselhos e comissões estaduais e
municipais de trabalho � elo central do PNQ � coloca-se como fundamental de
modo a sugerir medidas para os Projetos Especiais de Qualificação (PROESQs) e
os Planos Territoriais de Qualificação (PLANTEQs). Essa orientação se baseia na
compreensão de que as programações em torno do PNQ ao incluir �ações de
qualificação para a economia solidária devem fortalecer o seu potencial de
inclusão social e de sustentabilidade econômica, bem como, sua dimensão
emancipatória, ao mesmo tempo em que incorpora conhecimento técnico aos
empreendimentos solidários.� ( SENAES, 2004 b).
No âmbito mais operacional, as diretrizes encaminhadas pela SENAES
para o PNQ reiteram a concepção ampla e integral de educação (trabalho e
cidadania) e incluem a abordagem de temas-conteúdos para qualificação do
trabalhador bem específicos, como: gestão democrática dos empreendimentos;
autogestão; relações intersubjetivas no trabalho; construção de redes, complexos
cooperativos, centrais de comercialização; legislação do cooperativismo,
mutualismo e autogestão; trabalho emancipatório e superação do trabalho
alienado. Recomendando que sejam temas inseridos, em termos de
desenvolvimento regional, nos planos territoriais e, no caso dos planos especiais,
256
para criação de metodologias de qualificação em autogestão, comercialização,
pesquisa e incubagem em economia solidária.
Isso porque a população envolvida na economia solidária é parte do
público visado pelo PNQ. Mas, também, porque se deseja induzir a ampliação
dessa população apresentando a economia solidária como alternativa � �A
economia solidária deve ser vista como uma estratégia de enfrentamento da
exclusão e da precarização do trabalho� -, o que confirma a perspectiva
acentuada de uma ação afirmativa nesse campo.
No âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, consiste ainda em
interface entre economia solidária e o campo de formação educativa, o Programa
Nacional Primeiro Emprego (PNPE) que atua junto aos jovens, destacadamente
com projetos �Jovem Empreendedor� e �Consórcio Social da Juventude�, também
estes com linha de financiamento do FAT. Tanto um quanto outro, se apoiam em
mecanismos de capacitação e fomento para atividades de auto-emprego, micro-
empresas e cooperativas para jovens. No caso dos consórcios, �os jovens têm
aulas de ética, cidadania e meio ambiente, noções de empreendedorismo e apoio
à elevação da escolaridade, além de frequentarem uma oficina de
capacitação�139.
Do ponto de vista da integração institucional, menciona-se a interlocução
com o Ministério da Educação visando irradiar a economia solidária no processo
educativo em todos os níveis, particularmente na esfera da educação de jovens e
adultos140. Talvez a iniciativa mais publicizada nessa direção possa ser a
alfabetização de adultos. Mas, vale dizer que não é de menor consideração a
atuação das universidades no campo da extensão e particularmente das
incubadoras de cooperativas populares como vimos lembrando a todo instante.
139 Vale lembrar que recebem uma bolsa de R$150,00 e em contrapartida prestam serviços comunitários. Seu público básico são jovens com dificuldades de acesso a oportunidades de trabalho, especificamente, jovens quilombolas ou afro-descendentes, indígenas, egressos de instituições em razão de conflito com a lei, portadores de necessidades especiais, trabalhadores rurais e jovens mães. A quebra da idéia de universalização como mecanismo de direito social - alentado e instituído na Constituição Federal de 1988 - tem tornado as ações especialíssimas em malabarismos sofisticados de focalização. Se ainda fossem segmentos sociais em pequeno número, talvez, isso fizesse algum sentido eqüitativo mesmo. 140 Em janeiro de 2005, no Fórum Social Mundial, para celebrar esse intercâmbio, foi lançado o livro �Economia Solidária e Educação de Jovens e Adultos�, editado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/Ministério da Educação) organizado pela então Secretária Adjunta da SENAES, Sônia Kruppa, contando com artigos de especialistas nos temas da educação e da economia solidária, entre eles, outros membros da equipe da secretaria nacional. (Sônia Kruppa (org), Economia Solidária e Educação de Jovens e Adultos, Brasília, INEP, 2005).
257
O quadro abaixo continua com essa ocupação formativa, mas na
perspectiva do público em geral visando difundir informação, dar a conhecer as
práticas e os sentidos da economia solidária. Isso, em termos de meios
alternativos de comunicação, como de veículos tradicionais de impacto mais
amplo na sociedade. Como se fora uma estratégia de busca de adesão à própria
proposta de um outro modo de vida � como focaliza a narrativa na área � usando
os próprios meios de comunicação em vigor e de dominância capitalista. Nesse
horizonte, além das próprias atividades de comercialização que, também,
divulgam o trabalho � mesmo que pontualmente -, a SENAES vem organizando
uma campanha nacional com cartazes e chamadas em meios de comunicação de
massa convocando a sociedade para conhecer e aderir a economia solidária
como ética social e também como alternativa ao desemprego e reestruturação
produtiva da economia nacional e mundial.
QUADRO N. 20 Quadro Expositivo dos Problemas e Propostas de Políticas Públicas para
Comunicação no Setor
COMUNICAÇÃO
PROBLEMAS PROPOSTAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS Desconhecimento da sociedade sobre economia solidária
. Utilização dos meios de comunicação para divulgar e sensibilizar a sociedade para os valores da economia solidária. . Criar alternativas de divulgação da economia solidária, utilizando linguagem apropriada através de recursos como ensino à distância, vídeos, cartilhas informativas, livros didáticos, criação de sites na internet e de disque ecosol. . Facilitar a concessão de rádios e tvs comunitárias e autogestionárias, jornais e revistas específicos para divulgação da economia solidária, bem como estímulo a produção de programas sobre o tema nos veículos existentes. . Divulgar continuamente a cultura, idéias e práticas de economia solidária junto a população, particularmente no que se refere ao consumo solidário ( como modelo de educação), das vantagens sociais e éticas deste consumo quando os produtos são oriundos de empreeendimentos solidários.
Ausência de referências sobre as práticas exitosas de economia solidária
. Criar um banco nacional de políticas públicas e experiências bem sucedidas na área da economia solidária, de fácil acesso na internet. . Difusão das experiências e intercâmbio de informações entre os agentes da economia solidária e a sociedade, mostrando as experiências que obtiveram êxito nas diversas áreas de atuação.
Fonte: Elaborado pela autora a partir da Plataforma da Economia Solidária, FBES (www.fbes.org.br)
258
Como previamente tratado, a tecnologia tem papel chave, enquanto fator
produtivo em qualquer contexto econômico, e, também, nas unidades de trabalho
da economia solidária. O inaudito desse trabalho leva a que a pesquisa e a
democratização de conhecimentos e construtos tecnológicos mesmos, sejam um
problema efetivo de investimento público. Isso, pensando-se na especificidade
das práticas e valores da economia solidária como já aludido, quanto na exigência
de qualificação dos produtos e serviços, bem como na agregação de valor à
produção para se realizar melhor aferição de renda. Nessa linha, tem se
desenvolvido expansão, de fato, das ações da FINEP em direção aos
empreendimentos populares cooperativados, da prática de incubadoras populares
e da constituição de espaços próprios destinados a tratar o tema como a Rede de
Tecnologia Social recentemente criada e mencionada antes.
QUADRO N. 21 Quadro Expositivo dos Problemas e Propostas de Políticas Públicas para
Democratização do Conhecimento e Tecnologia no Setor
DEMOCRATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO E TECNOLOGIA
PROBLEMAS PROPOSTAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS Ausência de tradição tecnológica no campo da economia solidária
. Promover o desenvolvimento de tecnologias apropriadas à economia solidária objetivando o desenvolvimento e qualificação contínua de produtos, respeitando a cultura e os saberes locais, agregando-lhes maior valor e a melhoria das condições de trabalho, saúde e sustentabilidade ambiental dos empreendimentos. . Orientar as ações de pesquisa e os programas de extensão das universidades para a produção de tecnologias alternativas adequadas à economia solidária; para a difusão e qualificação das suas diversas práticas e saberes; para avaliar o trabalho realizado, mensurando acertos e erros na perspectiva do desenvolvimento sustentável. . Mobilizar o potencial criativo de inventores e pesquisadores orientando a organizarem-se em cooperativas para trabalhar a economia solidária e colaborar em suas áreas específicas como vem ocorrendo no campo das tecnologias da agricultura orgânica, das cisternas e preservação de recursos hídricos e dos softwares livres.
Falta de financiamento e democracia na difusão dos avanços tecnológicos
. Orientar Ministérios e organismos federais ( Ciência e Tecnologia, Educação, Trabalho, FAT, FINEP, BNDES, CNPQ) a fomentarem o desenvolvimento, qualificação e expansão da economia solidária. . Criar programas de financiamentos voltados as ONGs, ITCPs, Rede Unitrabalho e outras
259
organizações que atuam na área de formação e capacitação tecnológica de empreendimentos de economia solidária. . Criar centros solidários de desenvolvimento tecnológico visando à promoção de processos produtivos que sejam adequados a como produzir, considerando as diversidades regionais do país, sua necessária sustentabilidade social e ecológica associadamente a eficiência e viabilidade econômica. . Ampliar fóruns de ciência e tecnologia para contemplar os desafios da autogestão. . Redefinir política de assistência técnica para os empreendedores da área urbana e da área rural.. Proporcionar meios para que as novas tecnologias sejam acessíveis aos empreendimentos solidários valorizando sua função social em relação à visão predominante que é dada a sua função econômica.
Fonte: Elaborado pela autora a partir da Plataforma da Economia Solidária, FBES (www.fbes.org.br)
Isso posto � esse conjunto de problemas e a agenda pública desenhada -,
podemos perceber que a pauta de diálogo do Fórum Brasileiro de Economia
Soliária com a SENAES é razoavelmente densa na medida em que abarca a
dimensão cultural, científico-tecnológica e o fomento direto a cadeia produtiva em
termos financeiros e materiais. Diálogo, que a Secretaria firma compromisso de
manter em razão da concepção de gestão; a SENAES seria um prolongamento
desse movimento ao mesmo tempo que a autonomia perante o Estado seja uma
exigência política entendida pelos governantes:
A SENAES é resultado desse processo e, por sua vez, terá no Fórum
Brasileiro um parceiro na elaboração de suas políticas. A parceria deverá
fortalecer o próprio movimento e suas organizações. Por outro lado, a
presença na sociedade civil de um interlocutor forte, organizado, articulado
nacionalmente e com representação legítima do conjunto do movimento da
economia solidária poderá contribuir para o fortalecimento das políticas
desenvolvidas pela SENAES. Vale ressaltar que as regras a serem
estabelecidas para a parceria estratégica, pela SENAES, em conjunto com
o Fórum Brasileiro de Economia Solidária, deverão favorecer a autonomia
e o respeito à diversidade das organizações, entidades e instituições que
atuam com a economia solidária independentemente da agenda do
Governo (SENAES, 2003)
Esse envolvimento é bastante acentuado de modo que a agenda pública
que vimos falando e seus encaminhamentos são tratados em Grupos de Trabalho
(GTs) com integrantes tanto do governo quanto das entidades participantes do
260
fórum. O caso do mapeamento dos empreendimentos de economia solidária e
entidades de apoio é um exemplo expresso dessa gestão (e execução) partilhada.
A junção é tão ajeitada que a maioria das atividades do fórum são pagas
com recursos da SENAES ou que ela intermedia junto a outros órgãos. Isso diz
respeito ao pagamento da sede e pessoal que trabalha na secretaria executiva do
fórum, em Brasília, e, conjunto de reuniões nacionais. Como se vê, a questão da
sustentabilidade do FBES é também um ponto crítico para o movimento em torno
da economia solidária. As estratégias tomadas tem sido no sentido de buscar
entidades internacionais com quem possa captar recursos, o que ainda não
rendeu nada de positivo. Outro caminho que tem sido tomado são contatos com
Ministérios que tenham propostas próximas da economia solidária e que possam
subsidiar projetos de sustentabilidade da secretaria executiva. Além de busca de
experiência junto a outros fóruns, para saber como funcionam pragmaticamente,
como são os casos dos fóruns de erradicação do trabalho infantil, meio ambiente
e segurança alimentar. Entretanto, por enquanto, além de auxílios anteriores de
entidades nacionais como FASE ou ADS, o apoio mais incisivo tem sido da
própria SENAES:
Com a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), confirmamos
a continuidade do projeto de sustentabilidade da secretaria executiva
nacional até 2006, além do financiamento das reuniões nacionais
(Coordenação Nacional e Conselho Interlocutor) e os encontros regionais
dos fóruns estaduais. A SENAES também se comprometeu a fazer a
interlocução com outras entidades para buscar recursos para o FBES.
(BOLETIM do FBES, abril de 2005, p.8)
Mas, essa excessiva proximidade ou dependência do FBES em relação a
SENAES não é despercebida. A documentação analisada, sobretudo, deste ano,
menciona certo esvaziamento dos debates específicos do fórum ou de natureza
essencialmente política de mobilização social em favor da viabilização da
estruturação dos empreendimentos de economia solidária e da própria SENAES.
Diz a representante da ADS/CUT numa reunião:
Temos críticas ao governo em suas ações e não sabemos como nos
posicionar. Como nos colocar na Economia Solidária para que ela se
fortaleça no governo. Várias ações de governo com a reforma tributária e
sindical são insuficientes para o que nós queremos, então temos que
261
retomar a nossa pauta, além da crítica. O que queremos para política
pública da Economia Solidária? A Economia Solidária não nasce do
Conselho Nacional, de cima para baixo, política pública nasce da
mobilização social. Falta unidade de ação para que outros atores sociais
estejam junto conosco, nossa organização é frágil, nossa mobilização
depende da SENAES, devemOs buscar partidos políticos, centrais e
movimentos para nossa mobilização. Nossa luta não é só nossa,
conquistamos vários espaços de mobilização, mas para mudar o rumo do
país é insufuciente. ( FBES, fevereiro 2005, p.3).
Na verdade, forja-se aí uma encruzilhada entre essa entrada para a
�gestão e execução das coisas do governo�, e sabidamente as lutas sociais que
marcaram a trajetória e a experiência social de muitos trabalhadores e entidades
envolvidos nesse processo de protagonismo da sociedade civil de que vimos
falando, enquanto semântica perversa por sua possível confluência com os
interesses neoliberais. Afirma um dos militantes, nessa mesma reunião a que se
refere o trecho imediatamente anterior:
O próximo período se coloca neste sentido, que ações o movimento apoia
e que ações retoma como movimento da Economia Solidária. Sempre
ficamos numa ambigüidade, concretamente estas reuniões se viabilizam
com recurso público, como ficamos entre apoiar o que é bom e criticar o
que é contra o movimento. ( Ibid, 2005, p.4).
Resulta dessa tensão, gestão e mobilização social revelada também em
várias outras passagens de depoimentos a que teve acesso essa pesquisa, uma
tendência comum a outras variantes das relações Estado e ongs. Estudos já
demonstraram que entre a competência para lidar com determinadas
problemáticas sociais � como a economia solidária � e autonomização das ongs
com o esgarçamento dos vínculos com os movimentos sociais de outrora, se
interpõe o problema da representatividade política. Segundo DAGNINO,
o Estado as vê como interlocutoras representativas na medida em que
detêm um conhecimento específico que provém do seu vínculo (passado
ou presente) com determinados setores sociais (...). Portadores dessa
capacidade específica, muitas ONGs passam também a se ver como
�representantes da sociedade civil�, num entendimento particular da noção
de representatividade. Consideram ainda que sua representatividade vem
262
do fato de que expressam interesses difusos na sociedade, aos quais
�dariam voz�. Essa representatividade adviria então muito mais de uma
coincidência entre esses interesses e os defendidos pelas ONGs do que de
uma articulação explícita, ou relação orgânica, entre estas e os portadores
destes interesses. (2004, p.148)
Ainda que o universo de ongs seja heterogêneo, parece existir uma tensão
em torno dessa interlocução que envolve tanto competência quanto participação
política também aqui, na experiência da economia solidária.
Essa interface tende a ser ampliada com o Conselho Nacional de
Economia Solidária, previsto para ser instalado por força da lei 10.683 de
28/05/2003, com representação do Governo Federal, dos Fóruns de Economia
Solidária e de outros setores da sociedade civil, com o fim de elaborar e avaliar as
políticas públicas para área.
O próprio instrumento legal que criou a Secretaria Nacional de Economia
Solidária prevê e, portanto, vai ter que haver um Conselho Nacional de
Economia Solidária. Evidentemente, neste Conselho, o Fórum estará
presente. Eu diria muito presente. Mas, acho que seria uma bobagem, me
corrijam se estiver errado, fazer do Conselho o próprio fórum. O Conselho
pode ser mais amplo. Eu estou pensando que o Conselho deveria se
compor do fórum, mas também de entidades aliadas, por exemplo, o
SEBRAE. (...) estou pensando num conselho que tem uma parte
importante de engajados, militantes da economia solidária e uma outra
parte de pessoas do terceiro setor, do cooperativismo, da OCB,
SESCOOP, e outros, possivelmente de outros ministérios do governo
federal, de modo a termos no Conselho uma área de negociação, de
formulação de diretrizes que venham efetivamente fortalecer as nossas
políticas públicas da economia solidária. (SINGER, 2003)
Entretanto, ainda hoje, o Conselho Nacional é objeto de disputa de
significado político, grosso modo, entre a SENAES e o FBES. Para a Secretaria, o
Conselho tem uma função estratégica para alargar politicamente a visão da
sociedade e do governo sobre a economia solidária, isso em termos de medidas
programáticas e de orçamento, com a criação do Fundo da Economia Solidária.
Por isso, deve ser composto por: 15 representantes do governo, com a direção do
Ministério do Trabalho e Emprego/SENAES; 15 representantes do FBES; 15
263
representantes da sociedade (OCB, ABONG, COOTRABALHO, CONTAG, CUT,
MST, CNBB).
Para o FBES, ainda não está clara qual a função do Conselho Nacional na
definição da política pública na área. Questionam inclusive as várias estruturas
conselhistas montadas no governo, mas que, de fato, não cumpriram funções de
controle social e ampliação de apoio político. Tendem a polemizar sobre o caráter
desse espaço em termos consultivo ou deliberativo, além de questionarem a
relação do Conselho e do Fórum na definição e gestão dessa política pública. A
experiência atesta que esses cuidados com a política são importantes no
processo de democratização do Estado, no entanto, há também nessa relação
Estado/ongs a redefinição da participação, podendo muitas vezes se limitar a
gestão como, de fato, vimos na condução da agenda pública.
É disso um pouco que se fala � não há tempo para mobilização política!
Nesse sentido, despolitiza-se as demandas sociais para o terreno do
empreendedorismo, deslocando o sentido político efetivo da partilha de poder ou
por mera absorção de um conjunto tão amplo de responsabilidades da pauta
colaboracionista que o confronto e a mobilização social perdem espaço no
cenário público.
Resulta de um contexto de regressiva sindicalização, baixa reação pública
de lutas sociais e privatização da seguridade social, a ressignificação da
solidariedade inerente a essa proximidade de classe e geração entre cidadãos
dotados de direitos sociais. A sociedade se rende a possibilidade de
microatuações de atenuação da desocupação a despeito de sua própria escolha
de caminhos mais universalistas.
Conta para isso com a inflexão da iniciativa sindical. Comportamento que
prolonga a tendência de prática sindical iniciada nos anos 1990 no lastro da era
neoliberal que JÁCOME RODRIGUES (1995) chamou de �transitiva confrontação
à cooperativa conflitiva� com o capital. A mudança nas lutas sociais ainda abre
sendas de impacto sobre o que está por vir, mas escolhas político-ideológicas
estão sendo feitas e, em geral, no plano do espontaneísmo retirando o que ainda
pode do universo do conflito com o terreno mais explícito do capital, assumindo o
fetichismo da mercadoria: o empreendedorismo popular. Essas mudanças foram
estratégicas para aprofundar o encobrimento da luta de classes que se realiza
264
nesse drama pela reprodução social e pelo crescente fortalecimento do capital
mundializado mediado pela sua versão financeira.
Na realidade, estamos consternados com as grandes mudanças sociais
dessa transição de Séculos e o que desponta, nos dias de hoje, é uma tenaz
impropriedade do movimento sindical e social para atuar propositiva e
classistamente nesse padrão de acumulação e relações sociais reestruturados.
Debilidade que ALVES (2000) chamou de dificuldade para preservar a
perspectiva de classe.
O pragmatismo sindical das negociações que aproximavam os
trabalhadores da gestão do capital se transfere aqui para economia solidária que
se associa ao governo. A estratégia embora defensiva porque não atinge o locus
e os sujeitos do capital - se limita a esfera institucional /parlamentar � se expõe
em narrativas acolhedoras de um enfrentamento autonômo. A vantagem desse
novo campo de lutas sociais é o afastamento do universo meramente econômico-
coporativo ( e do trabalho formal) o que é uma evidência ética relevante. Todavia,
se autonomizou a luta do contexto de classe, mobilizando subjetividades para um
eden sem elementos históricos avalizadores. De fato, o abandono do tema do
assalariamento pelo movimento social é matéria para melhor aprofundamento,
sobretudo quando têm-se em conta o firmamento do dualismo de mundos do
trabalho e do consumo � um outro e mesmo fetiche.
Com isso, perde-se a perspectiva universal de uma sociedade igualitária, o
que não é pouco se tomarmos em conta dois vetores da nossa tradição sócio-
histórica, importantes de serem relevados aqui. Um referente ao molde das
mudanças no país que tendencialmente se fazem pelo alto, sem rupturas
estruturais, mas com acomodação de interesses, típico de alterações que se
realizam molecularmente � numa quase �guerra de posição� gramsciana. Esse foi
o padrão de modernização que carreou a sociedade para a vida urbano-industrial,
mantendo-se como uma coletividade social e politicamente perversa e elitista. O
outro vetor importante da nossa cultura política, é que o protagonismo das
mudanças, via de regra, cabe ao executivo que se hipertrofia por força da tutela �
afiliada do patrimonialismo e clientelismo que atravessam nosssas relações
sociais � e que mantém o legislativo subordinado à pauta do governo, de modo
que a agenda de mudanças depende enormemente do executivo o que torna o
265
Estado � na sua feição estrita de governo � o locus por excelência da mudança,
por isso a sua alteridade se impõe como tão essencial.
Nesse quadro, a movimentação em torno da economia solidária pode ser,
em si mesma, a de exposição da baixa virtuosidade de nossa democracia e
justiça, e a lentidão das mudanças sempre submetidas à coalisões de interesses
que preservam a estrutura concentracionista da renda e da propriedade. Isso é
bem elucidado quando tomamos a feição típica de um trabalhador associado da
economia solidária, marcada pela deserção dos elementos mais essenciais da
névoa democrática burguesa: são os deserdados da espetaculosa modernização
urbano-industrial - os sem escolarização, sem poder, sem crédito, sem
propriedade, sem emprego. São também em grande maioria mulheres, negros e
índios que acumulam outras formas de subordinação social histórica. Um conjunto
significativo de vidas não reconhecidas na institucionalidade democrático
burguesa periférica brasileira. Uma população que reunida em grupos e
associações acalenta a vontade de ter acesso a possibilidades de bem-estar e
essa ativação, vai carreando outras experiências de desemprego e deserção
social, apontando que anseiam pelo enfrentamento de uma problemática
intrínseca ao nosso modelo de desenvolvimento que se fez por associação com
uma forte informalizacão do trabalho como mencionamos anteriormente. É essa
dívida, que, ampliada nos anos recentes, subjaz na pauta dos trabalhadores da
economia solidária. Resta saber se a sociedade quer ou pode enfrentar isso no
momento, ou em outro registro, se essa movimentação abre campo de forças em
favor de uma hegemonia dos trabalhadores, particularmente do trabalho desse
tipo, de �fundo de quintal� que cresce cada vez mais entre nós.
A informalidade não é dispositivo de atraso como já se pensou, mas o
modo como se fez e faz hoje a modernização e associação do país ao sistema
mundial. As implicações econômicas desse barateamento do custo do trabalho e
livre circulação do capital, encontram acordo com as circunstâncias históricas que
levaram um partido popular ao poder � Partido dos Trabalhdores, com a eleição
de Luiz Inácio Lula da Silva- mas, que sem hegemonia e com um projeto de
desenvolvimento pouco claro não consegue se deslindar da agenda herdada e
ratificada nas políticas monetárias, fiscais e cambiais. Isso é particularmente
expressivo na oferta de novos empregos principalmente de tipo precarizado, na
legitimação do controle do balanço de pagamentos via agronegócios em si
266
devastador da agricultura familiar e na indeterminação quanto ao enfrentamento
da concentração fundiária no país através da reforma agrária.
Desse ponto de vista, apesar da economia solidária trazer à luz um
conjunto amplo de trabalhadores representativos dessa dívida social, a coalizão
de interesses em voga não parece voltada para enfrentar os sentidos estruturais
da desigualdade social. A excessiva prudência desloca a radicalização da
democracia da condição de pressuposto de um governo de esquerda e desfaz a
possibilidade de inovação do Estado nesses tempos que nos são próximos.
Entretanto, o desenho que vai tomar esse encontro da economia solidária
no Estado não está definido, ainda que a tendência seja da acomodação àquela
tradição histórica da cultura política e ao que o sistema mundo capitalista está
demandando em termos de processos de valorização. Especialmente, se forem
enfrentados aqueles problemas elencados nos quadros pelos sujeitos políticos da
economia solidária, em si mesmos reveladores da desigualdade econômica, dos
limites para acesso a fundos públicos, financiamentos, tecnologia e
comercialização por força das burocracias e do poder econômico. Catalizar a luta
social em torno dessa desprivatização do Estado em favor dos grandes negócios
privados pode apontar novos atalhos para percepção de mudanças estruturais
necessárias.
De todo modo, o debate político e acadêmico recém aberto sequer delimita
bem o papel que a economia solidária pode cumprir no projeto nacional. Em
termos pragmáticos, o plano de governo para os próximos anos adota o
crescimento do emprego via apoio às micro e pequenas empresas, incluindo a
agricultura familiar. Daí pode redundar o incentivo à economia solidária por
envolver pequenas unidades produtivas. Todavia, há nesse campo de
proposições a idéia de que a economia solidária seria uma estratégia de
transformação política de desenvolvimento, baseada na desconcentração de
capital e riqueza, no caso com o fomento dessas atividades não-assalariadas.
Seu fortalecimento passaria pelo 1) acesso a crédito, equipamentos, instalações
físicas, terra e tecnologia; e, pela, 2) associação coletiva das unidades produtivas
para comprar, produzir e comercializar. Nessa direção, instrumentos de políticas
públicas que dispersem o poder econômico colocam-se como ponto chave de
crescimento e é nesse sentido que as unidades de economia solidária podem
receber sinal estratégico, enquanto, potencial ativador de associações produtivas
267
em territórios, localidades e regiões submersas na pobreza e desemprego. Uma
participação local com chances de se fazer estável por força dessa articulação ao
aparato produtivo do país e da associação autogestinária.
Quer dizer a perspectiva cooperativista posta como possibilidade de
romper com o isolamento econômico da produção � crédito, tecnologia, mercado,
cadeia produtiva � e retraimento em relação a representação política de
interesses, o que em conjunto pode colaborar para o fortalecimento da economia
solidária como sujeito econômico e para lançar estratégias de associação com o
amplo e heterogêneo universo multifacetado do trabalho, unindo a diversidade
que vive do trabalho e em subalternidade (MONTAÑO, 1999).
Por outro lado, a fragilidade teórica na percepção dessas pequenas
unidades produtivas, mesmo quando autogestionadas, no sistema capitalista �
como vimos tratando � dificulta perceber as reais possibilidades táticas e
estratégicas nos aparelhos de Estado para apoiar trabalhadores envolvidos em
segmentos produtivos tão vulnerabilizados. A disputa por fundo público, visando
redirecionar a mais-valia social, em favor dos trabalhadores desgarrados do
assalariamento precisa ser tomada em sentido político e ideológico mais apurado.
Resgatando a historicidade das práticas sociais, no caso, no contexto das
mudanças produtivas e da subjugação do trabalho na luta de classes.
Outra visão, é aquela que apreende a economia solidária como política
emergencial numa conjuntura desfavorável ao trabalho, que apenas reitera a
abordagem do emprego por meio de programas de geração de renda, restritos à
capacitação e impede a alteração do poder desses segmentos de trabalhadores
não assalariados no mercado. Em si, o próprio enredo dos programas de geração
de renda e qualificação que persistem no Estado brasileiro desde os anos 1990,
embora, os estudos demonstrem sua baixa resolutividade.
Em síntese, quer se afirmar que a economia solidária, pensada enquanto
ação de Estado, depende do sistema sócio-econômico e político, cada vez mais
totalizante no sentido de atrair as práticas sociais. Por isso, a necessidade dos
sujeitos políticos atuarem no Estado tomando a economia solidária no contexto
histórico de desigualdade e daí observar o poder, a capacidade de produção, o
acesso a mercados, o processo de compra e venda, como elementos que se
interpõe na trajetória economico-produtiva, moldando seu desenvolvimento na
sociedade como sujeito sócio-econômico ou como mero programa de geração de
268
renda comum a tantos outros. De todo modo, essa possibilidade de prática
pública compõe os novos horizontes de reconceituação do trabalho parametrado
pelo Estado que, de fato, abre mão da responsabilização com o incentivo ao
assalariamento.
269
CONCLUSÃO
270
CONCLUSÃO
Reconstituição das bases de hegemonia do capital na sociedade
contemporânea tem entre seus dispositivos de justificação e consentimento a
ressignificação do trabalho, com a defesa do descompromisso público com o
assalariamento e o incentivo ao auto-emprego.
Com esse viés analítico, estudamos a particularidade de uma política
pública inserida no campo da geração de ocupação e renda, buscando entender
como ela se vincula as transformações do trabalho.
A hipótese da pesquisa situava as mudanças no trabalho como decorrência
de necessidades sociais concretas do capital mediadas por aparatos de
hegemonia que promovem o consentimento ativo da sociedade, onde a economia
solidária se insere tendo a motivação de amplo segmento vinculado as lutas
sociais históricas do país. A passivização da pauta dos movimentos sociais e a
reconceituação do trabalho advindo desse processo se desdobra na quebra de
compromisso público com o assalariamento por parte de Governo e movimentos
sociais.
Com a investigação, pudemos apurar em maior densidade o quadro de
enfraquecimento político da sociedade brasileira na medida em que o antidireito
ao trabalho regulamentado passa a ser consentido (e promovido) por integrantes
dos movimentos sociais. Sob o argumento da liberalidade do trabalho
autogestionado das amarras do capital, passa-se a defender o não-
assalariamento como alternativa para antecipação do socialismo. Subjaz aí
também a idéia de que vencidos pela astúcia do capital nada mais resta que
prover outras formas de trabalho, então, que se faça em sistema de autogestão.
Ainda que a questão teórica seja central para debilidade dos argumentos e
nos indique a impossibilidade de pensar atividades econômicas desconectadas da
lógica mercantil, não se pode perder de vista a complexidade dessa visão
revelada de modo combinado em dimensões econômicas, políticas e ideológicas.
Primeiro, há efetiva possibilidade e abertura de mercado junto à
consumidores da periferia das cidades e campo. As atividades de cooperativas e
pequenas unidades produtivas favorecem a mobilização de interesses e recursos
271
ativando negócios num contexto de oligopolização bem acirrado para mercado
restrito. Esse é um diagrama muito claro na pauta das agências multilaterais de
financiamento e/ou assessoria, por onde se condiciona a liberalização de
empréstimos e auxílio técnico. Há uma expansão da mercadorização da vida
social, por detrás da simples geração de renda. Por outro lado, há
redirecionamento de fundos públicos para ativar negócios seja mobilizando a
iniciativa privada seja resguardando a expectativa de diminuir custos sociais
públicos de proteção social, conformando uma complexa relação de interesses
sociais. Há uma estrutura mediando essas relações que envolve mercado de
trabalho, de negócios e intermediações com poder público.
É bem verdade que a ética referida na economia solidária é portadora de
elementos de força social para enfrentamentos a respeito da face crescentemente
destrutiva do capital, em sentido humano e ambiental. Concorre para pressionar
social e politicamente, mas não deixa de se sustentar numa argumentação
teoricamente frágil da força hegemônica do capital que leva a uma visão
voluntarista do trabalho. O fetiche do empreendedorismo aplicado ao trabalho
coletivo autogestionado serve de invólucro ao transformismo da pauta das lutas
sociais.
O sentido ideológico se traduz na permissividade das mudanças e na
crença na possibilidade de constituir um mundo do trabalho à parte daquele
restrito aos grandes produtores e consumidores. O consentimento à dualidade,
reitera a perversa segmentação e hierarquização social que vem pondo por terra
práticas e valores da universalização e igualitarismo social, outrora conquistado
em algumas nuances. A idéia de que possamos fazer o contrário praticando o
cooperativismo (o novo cooperativismo) parece mais complicado do que a
ideação sugere, na medida em que a dualidade é o simulacro da dominação,
pervertendo em termos teóricos a visão de totalidade social e em termos políticos
o igualitarismo.
O capítulo 1 apresentou um breve quadro interpretativo de mudanças no
trabalho e na plataforma produtiva do capitalismo mostrando como as mutações
se vinculam a rotação da luta de classes para maior penalização dos
trabalhadores, destituindo a supremacia do argumento sobre as determinações
tecnológicas das mudanças. Ao mesmo tempo, tratou da característica
abrangente do capital no sentido de tomar o conjunto da vida social em seu favor,
272
direta ou indiretamente. Bem como, a ação mediadora fundamental do Estado
nesse processo, garantindo, por força do exercício de hegemonia, os aparatos
institucionais justificadores e pedagógicos sobre o modo de vida mercantil e seus
rearranjos históricos, como esse que se afigura mais contemporaneamente e que
torna o trabalho um universo legal e legitimamente heterogêneo em formas e
sociabilidades marcadas pela desproteção pública. A credibilidade numa
perspectiva voluntarista do trabalho através do empreendedorismo e a
organização de aparatos econômicos supostamente autônomos do Estado e do
mercado capitalista constituem dispositivos dessa hegemonia.
O capítulo 2 examinou relatos de experiências de trabalho autogestionado
compreendidos como economia solidária. Observou-se que a sociabilidade
constituída nesse universo é bastante híbrida reunindo ramos de atividades
variados que se relacionam de modo também distinto com o mercado. Verificou-
se que diretamente ou indiretamente tais ações laborativas se coadunam com as
necessidades da valorização capitalista, mesmo nas situações limites de
aquisição de produtos e serviços no mercado para subsistência. Chamou-se
atenção para debilidade estrutural das experiências no tocante a sua
sustentabilidade por força do diminuto capital de giro que conseguem reunir, da
defasagem tecnológica, baixa escolarização dos trabalhadores e improvisada
cadeia produtiva e de comercialização. Não sem razão que as experiências que
mantém melhores níveis de solvidade são aquelas que estabelecem vínculos
mais estreitos com empresas em algum momento da cadeia produtiva, mesmo
que isso lhes imponha mais determinantemente o ritmo e a dinâmica do processo
produtivo.
Por outro lado, o capitulo igualmente demonstra que o drama social em
torno do deserto da desocupação e da informalidade deixou mais marcante as
evidências da pesquisa, nas fontes investigadas, quanto ao empenho pela
cooperativização substantiva do trabalho no sentido do novo cooperativismo,
trazendo certo alento à autoestima dos trabalhadores, além de retorno material
efetivo. No entanto, as contradições desse tempo de mudanças se expressam
naquele mosaico de experiências analisadas, apresentando com expressividade
as debilidades para superação da ambientação taylorista ou artesanal do trabalho
entre os trabalhadores envolvidos. De fato, é uma tentativa de cooperativismo
mais autêntico em autogestão, vista na pesquisa como uma ideação � um vir a
273
ser � e como, em alguns casos, com efetivo empenho prático. Todavia, se
interpõem aí os constrangimentos sociais inerentes à dinâmica mercantil e que
torna o empreeendedorismo um fetiche.
O capítulo se encerra com a dimensão política da organização coletiva que
envolve a sociabilidade desses trabalhadores, mostrando como foram se
constituindo como sujeito coletivo na cena pública brasileira. Aqui, foi possível
deixar ver as relações do movimento da economia solidária com as recentes
transformações das lutas sociais, sobretudo, quando é demonstrado a vinculação
de entidades sindicais e da luta democrática com o agenciamento dessas práticas
econômicas.
No conjunto, esses dois capítulos, buscaram evidenciar a constituição de
um universo de experiência social que se quer substituto do propósito do pleno
emprego e que ao invés de se autonomizar do contexto capitalista interage com a
produção mercantil por meio de relações de subcontratação, de conformação
ideológica (consentimento) e de baixa de custos de reprodução do trabalhador. O
trabalho cooperativado não anula a subordinação capitalista.
O capítulo 3, aborda a política pública que vem sendo instituída a partir da
criação da SENAES como uma das variadas mediações que conformam esse
novo contexto das relações de trabalho e subordinação, à luz da problemática do
desassalariamento e da mobilização social por trabalhos autogestionados.
Observou-se que havia afinidades entre as condicionalidades das agências
multilaterais, governos, empresários e movimentos sociais no tocante a
perspectiva voluntarista do trabalho. A confluência perversa que por semânticas
diferentes aproxima sentidos sociais e destitui o trabalho das exigências públicas
de regulação social. Mesmo com o agigantamento das inversões privadas em
favor do grande capital mundializado, e, a subjugação política dos Estados
nacionais, acredita-se poder ruir o capitalismo com as experiências
cooperativadas de autogestão.
Esse mesmo capítulo traçou um perfil sócio-insitucional da SENAES.
Ocupando-se da estrutura da gestão e da agenda pública assumida, mostrou a
complexa relação entre secretaria nacional e FBES, e, dimensionou o
emaranhado dos problemas para fortalecimento dessa modalidade produtiva e de
trabalho no país. Viu-se que a tenacidade desses problemas exige envolvimento
intensivo dos segmentos sociais no processo de gestão, o que torna as ONGs e
274
movimentos sociais mais colaboradores ativos do que mobilizadores de
enfrentamentos sociais públicos.
De fato, a pesquisa não evidenciou qualquer ação dessa natureza para
abordagem de questões afeta a economia solidária ou acerca da depressão do
emprego. Inexistem estratégias públicas de pressão social para ampliar o espaço
da economia solidária nos fundos públicos. Os mecanismos para isso são
vinculados à participação na gestão. Por isso, verificou-se que a pauta
colaboracionista diminui o poder de barganha do trabalhadores desempregados
que seguem o cooperativismo, como de resto na questão da queda do trabalho
assalariado.
Paradoxalmente, verificou-se que a aventura no mercado requerida pela
cultura empreendedora do auto-emprego e do cooperativismo autogestionado,
exige do Estado expressiva conversão de serviços e financiamentos sob pena
dessas experiências enquanto práticas econômicas mesmo se renderem a mero
simulacro, na medida, em que,de fato, sem capital de giro, formação e tecnologia
a área não tem sustentabilidade. Observou-se que a letalidade nesse campo é
bem acentuada e, no caso, dos trabalhadores mais empobrecidos, tende a
adensar a perversidade na medida em que de antemão se sabe da ausência de
bens e relações sociais que sustentem sua inserção social que não por meio da
própria força de trabalho. O voluntarismo do trabalho empreeendedor é uma
névoa que esconde a submissão.
O desterro então colocado é a própria consistência política do Governo
Luiz Inácio Lula da Silva que baseado em aliança com segmentos políticos de
centro-direita, dominantes, deu continuidade ao projeto conservador e
subserviente aos interesses do capital mundializado. A reforma da previdência e a
proposta de reforma trabalhista e sindical dão continuidade ao ajuste estrutural do
capital fragilizando os trabalhadores, promovendo a fuga do emprego e a
conversão de recursos dos trabalhadores para o segmento privado. A base
econômica monetarista inibe o Estado de qualquer atuação que não possibilitada
pelas fronteiras do superávit primário, constrangendo políticas punjantes de
desenvolvimento e investimento público na proteção social. O que em conjunto
somente amplia o universo de potenciais trabalhadores demandantes para a
economia solidária. As ambigüidades do Governo Luiz Inácio Lula da Silva
expõem a fragilidade do apoio efetivo a esse segmento na medida em que o
275
constrangimento social se mantém e a política desenvolvida reitera a associação
com os segmentos conservadores.
Com efeito, a informalidade não é transitória e objeto de enfrentamento no
conflito das classes sociais, o que retira a contraposição que se estabelecia com a
relação salarial. Adensado pela inflexão das lutas sociais, o que se obtém é mais
fragilização das condições de reprodução social dos trabalhadores, impingidos à
ocupações não regulamentadas. Mas, o excedente advindo dessa feição informal
favorece a acumulação, mas passa distante do controle social e do poder de
barganha dos trabalhadores.
O consentimento a essa heterogenidade do trabalho resulta dessa cultura
voluntarista do empreendedorismo que também se apresenta na narrativa da
economia solidária colaborando com o fetiche da autonomia do trabalho.
276
ANEXOS
277
ANEXO 1
QUADRO N. 1 Quadro geral dos documentos de experiências de economia solidária
consultados TÍTULO ANO ORGANIZADORES REFERÊNCIA
Sentidos e Experiências da
Economia Solidária no Brasil
2004 Luiz Inácio Gaiger /
Unitrabalho
Editora UFRGS, Porto Alegre
Banco Palmas ponto a ponto 2003 Joaquim de Mello Neto
Segundo
Sandra Magalhães
Expressão Grafica / Conjunto
Palmeiras, Fortaleza, Ceará
Cooperativismo Popular:
reflexões e perspectivas
2003 Sônia Maria Rocha
Heckert
Editora UFJF , Juiz de Fora,
Minas Gerais
Os Empresários do Lixo: um
paradoxo da modernidade
2003 Márcio Magera Editora Átomo, São Paulo
Uma Outra Economia é
Possível
2003 André Ricado de Souza
Gabriela C. Cunha
Regina Y.Dakuzaku
Editora Contexto, São Paulo
Autogestão: construindo uma
nova cultura das relações de
trabalho
2000 Anteag Anteag
Autogestão em avaliação 2004 Ibase/Anteag Anteag
Fonte: Elaboração da autora a partir dos documentos públicos divulgados e sugeridos pelo FBES e RBSES
278
ANEXO 2 QUADRO N. 2
Quadro parcial de documentos de experiências de economia solidária - Bloco 1
ESTUDO/PESQUISA
TIPO DE PRODUÇÃO
LOCALIDADE AUTORIA REFERÊNCIA DOCUMENTAL
Cooperminas Minieração de carvão
Criciúma / SC Anteag Autogestão: construindo uma nova cultura das relações de trabalho
Bruscor Cordas e cadarços
Brusque / SC Anteag Autogestão: construindo uma nova cultura das relações de trabalho
Makerly (autogestionada)
Calçados Franca / SP Anteag Autogestão: construindo uma nova cultura das relações de trabalho
Cooperativa Friburguense de Ferramentaria
Ferramentas Friburgo / RJ Anteag Autogestão: construindo uma nova cultura das relações de trabalho
Coopertêxtil Cobertores e mantas
São José dos Campos / SP
Anteag Autogestão: construindo uma nova cultura das relações de trabalho
Sakai � autogestionada
Móveis populares � cozinha modulada de aglomerados
Ferraz Vasconcelos / SP
Anteag Autogestão: construindo uma nova cultura das relações de trabalho
Coopervest � Cooperativa dos Trabalhadores de Confecções de Sergipe
Confecção de roupas
Aracaju / Se Anteag Autogestão: construindo uma nova cultura das relações de trabalho
Hidro-phoenix Macacos hidráulicos e ferramentas semelhantes
Sorocaba / SP Anteag Autogestão: construindo uma nova cultura das relações de trabalho
Juiz de Fora Participações � Facit
Máquinas Juiz de Fora / MG
Anteag Autogestão: construindo uma nova cultura das relações de trabalho
Frunorte � Associação de Participação e Gestão Compartilhada dos trabalhadores da Frunorte
Fruta Vale do Assu / RGN
Anteag Autogestão: construindo uma nova cultura das relações de trabalho
Cooparj Parafusos Duque de Caxias / RJ
Anteag Autogestão: construindo uma nova cultura das relações de trabalho
279
Coopertex � Cooperativa Autogestionária Insdustrial de Trabalhadores Têxteis
Fitas elásticas para confecções e calçados
São Paulo Anteag Autogestão: construindo uma nova cultura das relações de trabalho
Coopermambrini � Cooperativa Autogestionária dos Trabalhadores Mambrini
Carroceria para caminhão e similares
Vespasiano / MG
Anteag Autogestão: construindo uma nova cultura das relações de trabalho
Cootenor Tecido Birigui / SP Anteag Autogestão: construindo uma nova cultura das relações de trabalho
Autogestão no RGS
Agropecuária, reciclgem lixo, agroindústria, metalúrgica, movéis, refrigeração, calçados, indústria carnes e derivados
Rio Grande do Sul
IBASE Autogestão em avaliação
Fonte: Elaboração da autora a partir da documentação consultada
280
ANEXO 3
QUADRO N. 3
Quadro parcial de documentos de experiências de economia solidária Bloco 2
ESTUDO/PESQUISA
TIPO DE PRODUÇÃO / SERVIÇO
LOCALIDADE AUTORIA REFERÊNCIA DOCUMENTAL
Mapeamento da Economia Solidária no Rio Grande do Sul
Vários Segmentos da área rural e urbana
Rio Grande do Sul - Ana Mercedes Sarria Icaza
Sentidos e Experiências da Economia Solidária no Brasil
Cooperativas de Calçados
Produção de Calçados
Vale dos Sinos e do Paranhena / RGS
- Ana Mercedes Sarria Icaza - Hans Benno Asseburg
Sentidos e Experiências da Economia Solidária no Brasil
Economia Solidária Catarinense
Agricultura Familiar e Produção Têxtil
Blumenau, Coronel Freitas, Brusque e Florianópolis (Santa Catarina)
- Dalila Maria Pedrini - Lorena de Fátima Prim - Nilce Ribeiro dos Santos
Sentidos e Experiências da Economia Solidária no Brasil
Economia Solidária no Estado de São Paulo
Transporte, Artesanato, Assentamento Reforma Agrária, Agroindústria, Consumo, Limpeza, Confecção, Serviços Elétricos, Consultoria, Serviços gerais, Metalurgia, Engenharia
Santo André, São José dos campos, Votorantim, Campinas, Diadema, Avaré, São Paulo, Birigui, Teodoro Sampaio
- Candido Giraldez Vieitez - Marilena Nakano
Sentidos e Experiências da Economia Solidária no Brasil
Empresas de Autogestão ABC Paullista
Metalurgia, Reciclagem de Lixo
Santo André - Elmir de Alemida - Maria Elena Villar e Villar - Marilena Nakano
Sentidos e Experiências da Economia Solidária no Brasil
Economia Solidária em Minas Gerais
Reciclagem, Alimentação, Artesanato, Consultoria, Costura, Extração Mineral, Artes, Serviços de Psicologia, Produção Têxtil, Agropecuária, Metalurgia, Educação
Lavras, Belo Horizonte, Sabará, Diamantina, São Tomé das Letras, Pedro Leopoldo, Visconde de Rio Branco, Itabira, Pará de Minas
- Ricardo Augusto Alves de Carvalho - Sanyo Drummond Pires
Sentidos e Experiências da Economia Solidária no Brasil
Economia Solidária no Distrito Federal
Transporte, Cultura, Informática,
Plano Piloto e entorno de Brasília
- Christiane Girard Ferreira Nunes
Sentidos e Experiências da Economia
281
Transporte, Vestuário, Confecções de Couro
Solidária no Brasil
Economia Solidária em Pernambuco
Agricultura, Pecuária, Fábrica de Lentes, Movéis, Confecção, Turismo
Petrolândia, Tuparetama, Zona da Mata, João Alfredo, Recife, Tejucupapo
- Paulo Jesus - Gilvando Sá Leitão Rios - Guilherme José de Vasconcelos Soares - Maria Luiza Lins e Silva Pires
Sentidos e Experiências da Economia Solidária no Brasil
Economia Solidária no Ceará
Confecção de Roupas, Apicultura, Agricultura, Artesanato, Piscicultura, Transporte, Limpeza, Vigilância, Serviços de Manutenção
Fortaleza, Maracanaú, Itarema, Camocim, Massapê, Itapajé, Russas, Morada Nova, Limoeiro do Norte Quixeramobim, Madalena, Canindé, Batenté
- Aécio Alves de Oliveira
Sentidos e Experiências da Economia Solidária no Brasil
Fonte: Elaboração da autora a partir da documentação consultada
282
ANEXO 4
QUADRO N. 4 Quadro parcial de documentos de experiências de economia solidária
Bloco 3 ESTUDO/PESQUISA
TIPO DE PRODUÇÃO / SERVIÇO
LOCALIDADE AUTORIA REFERÊNCIA DOCUMENTAL
Cooperativas Populares de Confecção do Estado de São Paulo
Confecção Têxtil São Paulo, São Carlos
Juan Ricardo Cruz-Moreira
Uma Outra Economia é Possível
Cooperativa Habitacional dos Jornalistas
Habitação Maria Regina Cardeal
Uma Outra Economia é Possível
Cooperativa como Alternativa de Trabalho à Pessoa com Deficiência
Serviços São Paulo Regina Yoneko Dakuzaku
Uma Outra Economia é Possível
O Processo Produtivo Autogestionário: a experiência da Cooperativa do Sabor
Alimentação (lanchonete)
São Paulo Sandra Rufino Uma Outra Economia é Possível
Cooperativa de Serviços Gerais
Limpeza e Manutenção
Juiz de Fora, Minas Gerais
- Sonia Maria Rocha Heckert
- Mary Sartori Gomes Ferreira
- E, outros
Cooperativismo Popular: reflexões e perspectivas
Fonte: Elaboração da autora a partir da documentação consultada
283
ANEXO 5
QUADRO N. 5 Quadro parcial de documentos de experiências de economia solidária
Bloco 4 ESTUDO/PESQUISA
TIPO DE PRODUÇÃO / SERVIÇO
LOCALIDADE AUTORIA REFERÊNCIA DOCUMENTAL
Banco Palmas Microfinanciamen-
to,confecção,
produção material
limpeza,
Fortaleza, Ceará Joaquim de Mello
Neto Segundo
Sandra
Magalhães
Banco Palmas:
ponto a ponto
Cooperativas de
Reciclagem de
Lixo
Coleta e
processamento de
material sólido
Interior de São
Paulo
Márcio Magera Os Empresários
do Lixo: um
paradoxo da
modernidade
Fonte: Elaboração da autora a partir da documentação consultada
284
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