Top Banner
O Chamado do Coração (Call of the Heart) Barbara Cartland Coleção Barbara Cartland Nº 216 Título original: Call of the Heart Copyright: © Barbara Cartland 1975 Tradução: Carmita Andrade Copyright para a língua portuguesa: 1988
158

Barbara Cartland - O Chamado Do Coracao.doc

Sep 30, 2015

Download

Documents

Diana Tavares
Welcome message from author
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript

O Chamado do Amor

O Chamado do Corao(Call of the Heart)

Barbara Cartland

Coleo Barbara Cartland N 216

Ttulo original: Call of the Heart

Copyright: Barbara Cartland 1975

Traduo: Carmita Andrade

Copyright para a lngua portuguesa: 1988

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.

Av. Brigadeiro Faria Lima, 2000 3 andar

CEP 01452 So Paulo SP Brasil Caixa Postal 2372

Esta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda.

Impressa na Artes Grficas Parmetro Ltda.

Reviso e Digitalizao:

Lalitha j ouvira falar de noivas abandonadas no altar, noivos nunca.Achava que eram histrias que a me lhe contava nos seus felizes dias de criana.Agora, vivendo de favor na casa de sua madrasta, recebeu uma tarefa bastante perigosa.Para salvar sua irm de um enlace indesejado, teria de levar uma carta, sozinha, a lorde Rothwyn, na igreja marcada para o casamento.Porm, ao chegar l, o pavor obrigou-a a fugir desesperada.O belo e irascvel noivo queria que ela tomasse o lugar da fugitiva!NOTA DA AUTORA

O trfico de mulheres e crianas da Inglaterra para o continente europeu crescia dia a dia. Foi s depois da aprovao de uma emenda no Cdigo Penal, que as jovens inglesas cessaram de ser enviadas a outros pases para serem vendidas como animais.

William Thomas Stead, editor da Pall Mall Gazette comeou, em 1880, uma campanha no sentido de instigar a indignao popular contra esse mercado, e ver se conseguia com isso transformar em lei uma emenda cuja aprovao vinha sendo adiada pelo Parlamento por anos a fio.

A fim de provar que esse trfico realmente existia, ele mesmo comprou uma menina de treze anos, cuja me concordou em receber a quantia de uma libra. Ele exigiu um certificado por um mdico de que a menina era virgem, e levou-a a Frana, colocando-a num albergue a cargo do Exrcito da Salvao.

Em seguida, publicou em seu jornal o que fizera, e logo despertou o interesse do pblico. Mas isso lhe custou uma condenao a trs anos de cadeia.

Em 14 de abril de 1885, uma lei foi aprovada no Parlamento, por 179 votos contra 71, proibindo a escravido de crianas e mulheres, e suprimindo gradativamente os bordis.

O trfico de mulheres ainda floresce em muitas regies do mundo, especialmente no Oriente Mdio.

CAPTULO I Sophie, voc no pode fazer isso! disse Lalitha.

Fao o que quero! replicou Sophie.

Era difcil imaginar que algum pudesse ser mais linda que Sophie. Os cabelos dourados, a pele branca e rosada, as feies perfeitas, faziam de Sophie Studley a jovem mais famosa da corte de St. James. Aps a estadia de um ms em Londres, ela foi proclamada a "Incomparvel" e, depois de dois meses, ficou noiva de Julius Verton que, com a morte do tio, se tornaria o duque de Yelverton.

Anunciado o noivado na Gazette, os presentes comearam a chegar casa de Mayfair, que lady Studley, a filha e a enteada ocupavam durante a temporada em Londres.

Porm, duas semanas antes do casamento, Sophie declarava sua inteno de romper o noivado e fugir com lorde Rothwyn.

Vai haver um tremendo escndalo! protestava Lalitha. Afinal, por que agir assim, Sophie?

Ao lado de Sophie, o ideal de beleza de todos os homens, Lalitha tinha um aspecto doentio, pattico de dar pena. Uma enfermidade que a cometera durante o inverno, a deixara pele sobre ossos. E, por causa das longas horas que passava costurando para sua madastra, a me de Sophie, com luz inadequada, seus olhos estavam constantemente vermelhos e inchados. Ela possua cabelos to opacos que pareciam quase cinzentos; penteados para trs, davam-lhe um ar de austeridade.

As duas moas tinham mais ou menos a mesma idade, mas, enquanto Sophie era a personificao de sade e da alegria de viver, Lalitha assemelhava-se a uma sombra prestes a desfalecer.

Julius ser um dia duque, mas quando? prosseguiu Sophie. O duque de Yelverton, seu tio, no tem mais que sessenta anos, e poder viver ainda dez ou quinze anos. At l, estarei bastante velha para usufruir de minha posio de duquesa com prazer.

Voc continuar sendo bonita, Sophie insistia Lalitha.

Sophie olhou-se no espelho. Sorriu com satisfao ao contemplar sua imagem ali refletida. No havia dvida de que seu vestido azul plido de crepe lhe ia muito bem. O corpete justo, ltima moda em Paris, deixava sua cintura muito fina, acentuada tambm pelas saias rodadas guarnecidas de buqus de flores e ruches de tule.

verdade concordou Sophie calmamente. Ainda serei bonita, mas queria me tornar uma duquesa j, para ocupar um lugar de honra na coroao do prximo rei. Nosso cansativo e decrpito monarca com certeza morrer logo. E eu no pretendo esperar eternamente at que o duque de Yelverton resolva desaparecer do mundo dos vivos. Estou decidida a fugir com lorde Rothwyn esta noite mesmo! Tudo foi preparado para isso.

Acha de fato essa sua atitude prudente? indagou Lalitha. Sem dvida. Lorde Rothwyn muito rico, um dos homens mais ricos da Inglaterra, e amigo ntimo do prncipe regente, o que significa que ocupa lugar de destaque na corte da Inglaterra.

mais velho que o Sr. Verton. Contudo, apesar de nunca t-lo visto, imagino que seja atraente.

E . Seus cabelos escuros e ar ctico lhe do muito charme.

Ele ama voc, Sophie?

Ele me adora! Alis, os dois me adoram! No obstante, comparando-se um ao outro, lorde Rothwyn o melhor partido.

Porm, Sophie, o mais importante saber com qual dos dois voc ser mais feliz. o que realmente conta num casamento.

Voc anda lendo outra vez aqueles romances bobos, Lalitha. Se mame a pega com um desses livros na mo, vai ter de haver com ela.

Voc pode admitir um casamento sem amor, Sophie?

Claro. Vou me casar com quem me oferecer melhores vantagens. E lorde Rothwyn rico, muitssimo rico!

Recentemente Sophie recebera trs pedidos de casamento: um de Julius Verton, futuro duque de Yelverton; o segundo, na ltima semana, de lorde Rothwyn; e o terceiro, que Sophie pusera de lado imediatamente, de sir Thomas Whernside, um velho e dissoluto jogador que se apaixonara primeira vista pela bela Sophie.

Quando Julius Verton props casamento a Sophie, ela se considerou a mulher mais feliz do mundo. Um dia seria duquesa. Todavia, existiam alguns senes a serem considerados e, o pior deles, era que Julius possua pouco dinheiro. Vivia da mesada do tio, alis bem pequena, o que obrigaria o casal a morar modestamente no campo, at que herdasse a fortuna dos Yelverton.

O casamento teria lugar na igreja de St. George, em Hanover Square, antes que o prncipe regente partisse para Brighton.

Sophie passava os dias experimentando vestidos, recebendo presentes que chegavam diariamente em sua casa em Hill Street, e agradecendo as congratulaes.

Ela e a me, por no terem residido em Londres muito tempo, no possuam grandes amizades na cidade. A verdadeira casa delas era em Norfolk, onde os antepassados do falecido lorde Studley haviam morado desde os tempos de Cromwell. Studley era um nome respeitado naquele local, porm pouco conhecido no beau monde de Londres. O sucesso de Sophie deveu-se portanto, exclusivamente sua beleza.

Tudo ocorria normalmente at o dia em que lorde Rothwyn apareceu em cena. Sophie encontrou-o num dos muitos bailes a que ela e Julius eram convidados, noite aps noite.

Lord Kothwyn estivera afastado de Londres e ficou boquiaberto quando a contemplou com a luz das velas incidindo sobre seus cabelos dourados, e com aquela pele alva como a neve, Sophie era mesmo capaz de virar a cabea de qualquer homem quando dirigia a ele seu cativante sorriso.

De onde veio essa criatura? ela ouviu algum dizer e, virando-se, deu de cara com um homem moreno e atraente, que a fitava extasiado.

No se surpreendeu, contudo, pois estava acostumada a tais reaes da parte dos homens.

Quem esse cavalheiro que acaba de entrar na sala? indagou Sophie ao rapaz que a acompanhava.

lorde Rothwyn respondeu o jovem. No foi ainda apresentada a ele?

Nunca o vi antes.

um homem um tanto estranho e de atitudes imprevisveis, mas riqussimo, e o regente o consulta sempre na execuo de todos esses edifcios loucos espalhados pela cidade.

Bem, se foi ele quem aprovou o novo pavilho em Brighton, deve ser louco mesmo! exclamou Sophie. Ouvi ontem algum o descrever como um pesadelo indiano!

tima comparao! concordou o rapaz. Mas vejo que Rothwyn est ansioso por conhec-la.

Nesse instante, um amigo comum conduziu o lorde para perto de Sophie, dizendo:

Miss Studley, permita-me apresentar-lhe lorde Rothwyn. Acho que esses dois ornamentos de nossa sociedade precisam se conhecer.

Lorde Rothwyn inclinou-se com uma elegncia fora do comum, e Sophie saudou-o graciosamente, sabendo-se admirada.

Estive viajando explicou-lhe lorde Rothwyn. E, ao voltar, constato que Londres foi visitada por um meteoro to saturado de divinos poderes, que tudo parece ter mudado aqui da noite para o dia.

Foi o comeo de uma corte ardente, impetuosa, violenta, que deixou Sophie encantada.

Flores, cartas e presentes chegavam a cada instante. Lorde Rothwyn levara Sophie passear em seu faetonte, e a convidava, juntamente com a me, para seu camarote na pera. Finalmente, organizou uma grande festa em homenagem jovem, em Rothwyn House, que excedeu em grandiosidade, luxo e entretenimento a qualquer outra festa a que Sophie fora convidada.

Sua Alteza Real compareceu! contou Sophie mais tarde a Lalitha. E, enquanto ele me felicitava por meu noivado com Julius, podia notar que lorde Rothwyn estava a meus ps. Ele me adora! Se tivesse pedido minha mo antes de Julius, seria meu noivo hoje!

E agora, repentinamente, Sophie decidia fugir com lorde Rothwyn, abandonando Julius.

Vou sacrificar toda a cerimnia de meu casamento declarava Sophie. No terei damas de honra, recepo, nem vestido de noiva, mas Sua Senhoria me prometeu uma enorme festa assim que voltarmos de nossa lua-de-mel.

Todo o mundo vai ficar chocado por voc romper o compromisso com o Sr. Verton dessa maneira cruel, Sophie Lalitha insistia hesitante.

Isso no vai impedir que "todo o mundo" aceite o convite para comparecer a Rothwyn House garantia Sophie. As chances de Julius poder proporcionar festas, at se tornar duque, sero mnimas.

Ainda acho que voc deveria se casar com o homem a quem deu sua palavra.

Graas a Deus no tenho esse tipo de conscincia replicou Sophie. Ao mesmo tempo, vou fazer Sua Senhoria entender o sacrifcio que estou fazendo em favor dele.

Lorde Rothwyn pensa que voc o ama?

Claro que pensa. Eu lhe disse que fugia com ele por estar perdidamente apaixonada. Sophie sorriu. fcil amar algum rico como Rothwyn. Todavia, lamento no poder usar um dia a coroa de duquesa, que ficaria muito bem em meus cabelos dourados.

Ela deu um suspiro, e depois acrescentou:

Bem, talvez lorde Rothwyn no viva muito. Nesse caso, viva rica, poderei me casar com Julius.

Sophie! Lalitha estava horrorizada. Que coisa feia voc est dizendo!

Por que feia? Afinal, Elisabeth Gunning no era mais bonita que eu e casou-se duas vezes com dois duques. Chamavam-na at de "a dupla duquesa".

Lalitha no respondeu, sabendo que nada demoveria Sophie de seu intento.

Sentada em frente penteadeira, Sophie se contemplava no espelho. Ela observou:

Este meu vestido perfeito para eu ir ao encontro de lorde Rothwyn. Como vai estar um pouco fresco noite, usarei a capa de veludo azul enfeitada de arminho.

Lorde Rothwyn vem buscar voc aqui?

Claro que no! replicou Sophie. Pensa que mame no sabe de nada acerca de nossos planos. Sorriu. Pode-se ver logo que ele no conhece bem mame.

Aonde voc vai se encontrar com ele?

No adro da igreja de St. Alphage, ao norte de Grosvenor Square. um templo pequeno, escuro e mais ou menos pobre, porm Sua Senhoria acredita perfeito para o tipo de casamento que vamos ter. O mais importante que o vigrio pode ser subornado para conservar a boca fechada sobre a cerimnia.

E para onde vocs pretendem ir aps o casamento?

Sophie sacudiu os ombros e respondeu:

Por acaso isso interessa, desde que seja um lugar confortvel? Terei a aliana em meu dedo e serei lady Rothwyn.

E que vai fazer com o Sr. Verton? perguntou Lalitha.

Escrevi algumas linhas para ele e mame mandar um lacaio entreg-las quando eu j estiver na igreja. E, como Julius encontra- se com a av em Wimbledon, s vai receb-las bem depois do casamento. Ser tarde demais para ele desafiar Sua Senhoria em duelo.

Sinto pelo Sr. Verton. Ele a ama muito, Sophie.

Sei disso. Mas francamente, Lalitha, sempre o achei imaturo e cacete!

Essa resposta no surpreendeu Lalitha. Sabia desde o incio do noivado que Sophie no estava interessada no Sr. Verton como homem. As cartas cheias de paixo que ele lhe escrevia permaneciam fechadas sobre o aparador, e Sophie mal olhava para as flores e invariavelmente queixava-se dos presentes enviados pelo noivo.

Que horas so? indagou ela.

Sete e meia. informou Lalitha.

Por que voc ainda no me trouxe alguma coisa para comer?

Vou buscar j seu jantar.

Providencie que seja bom. Preciso de algo nutritivo para que possa enfrentar o que tenho a fazer esta noite. No coisa fcil.

A que horas voc vai se encontrar com Sua Senhoria?

Ele estar na igreja s nove e meia, mas tenciono deix-lo esperando por mim. bom que fique um pouco apreensivo. Quando Lalitha ia saindo do quarto, Sophie gritou: Mande o lacaio agora para Wimbledon, pois ele levar mais ou menos uma hora para chegar l. A nota est na minha escrivaninha.

Vou procur-la respondeu Lalitha.

Com o bilhete na mo, ela desceu para a cozinha. Havia l poucas empregadas, de pssima qualidade. Eram mal pagas, e o pouco dinheiro que lady Studley possua gastava-o no aluguel da casa em Londres e nas roupas de Sophie, isso tudo usado como isca a fim de atrair um bom partido para a filha.

Quem sofria com a situao era Lalitha. Enquanto moravam no campo, mesmo depois da morte do pai dela, grande nmero de velhos serviais continuou fiel famlia, trabalhando mais por afeio que por dinheiro. Em Londres, contudo, Lalitha viu-se revezando hora com a cozinheira, ora com a arrumadeira ou at com

O menino de recados, e ocupava-se das primeiras horas do dia s ltimas da noite. A madrasta maltratava-a com indisfarada crueldade, principalmente em Londres, onde no se encontravam os antigos empregados que conheciam a menina desde que nascera.

s vezes Lalitha se convencia de que a madrasta esperava que ela morresse de exausto, o que consistiria num alvio para todos. Em conseqncia do excesso de trabalho ela adoecera e ficara muito fraca pois, durante o tempo em que estivera acamada, ningum levou-lhe comida no quarto. Depois de dias e dias sem alimentao, resolveu levantar-se e ir cozinha procura de alimento.

Se voc sente-se bem para comer, est boa tambm para o trabalho a madrasta lhe dissera, e Lalitha voltara lida, fazendo na casa um pouco de tudo, e corrigindo o mau servio dos criados.

Naquela hora, com o recado de Sophie, ela entrou na cozinha, cmodo escuro e necessitando de pintura, no muito limpo tambm. Um lacaio estava sentado mesa bebendo um copo de cerveja, e uma mulher grisalha, em frente ao fogo, cozinhava alguma coisa com odor pouco apetitoso. Era a cozinheira da casa, uma imigrante irlandesa que fora contratada numa agncia de empregados, sendo a nica que aceitara o miservel salrio que lady Studley podia pagar.

Lalitha dirigiu-se ao lacaio:

Voc quer, por favor, levar este recado velha duquesa em Yelverton House? Fica, penso, na comunidade de Wimbledon.

S vou quando terminar com minha cerveja replicou o criado, de m vontade.

No se levantou ao falar com Lalitha. Todos os serviais aprenderam bem depressa que ela no era pessoa importante na casa, e davam-lhe menos considerao do que recebiam de seus empregados.

Obrigada agradeceu Lalitha e, fitando a cozinheira: Miss Studley deseja alguma coisa para comer.

No h muito. Preparo um ensopado para ns, mas ainda no est pronto.

Talvez haja ovos para uma omelete sugeriu Lalitha.

No posso interromper meu servio agora replicou a mulher de maneira bem atrevida.

Ento eu mesma fao disse Lalitha.

Ela contava com aquilo, de qualquer modo. Apanhou uma frigideira, que por sinal teve de ser lavada, e preparou uma omelete de cogumelos. Colocou-a sobre fatias de po e, juntamente com um bule de caf, encaminhou-se para a porta. Ia saindo da cozinha quando o lacaio resmungou;

muito tarde agora para eu ir at Wimbledon. No pode essa incumbncia esperar at amanh?

Sabe que no pode! replicou Lalitha.

Sim, eu sei, mas no acho justo eu ter de me arriscar fora de Londres noite, quando as estradas esto infestadas de ladres.

Eles no tm nada a roubar de voc refutou a cozinheira s gargalhadas. Mexa-se, e, quando voltar, seu jantar estar pronto.

Lalitha foi com a bandeja para o quarto de Sophie e pensava pelo caminho em como sua me se irritaria se ouvisse os empregados falando daquele jeito em sua presena. E, s em pensar na me, seus olhos se encheram de lgrimas.

Sentia-se cansada, pois trabalhara muito naquele dia. Alm de limpar a casa toda e fazer as camas, executara inmeras ordens de Sophie. Seus ps doam e ela ansiava pelo momento em que pudesse se sentar e descansar um pouco. Mas esse era um privilgio que teria apenas tarde da noite, quando se retirasse para dormir. Abriu a porta do quarto de Sophie que foi logo dizendo, num tom de voz bem desagradvel:

Como voc demorou!

Desculpe, mas no havia nada pronto.

O que me trouxe?

Eu mesma preparei esta omelete.

No entendo por que no providencia outras coisas para esta casa Sophie censurou-a. Voc uma incompetente!

O nosso aougueiro no quer mais fornecer carne enquanto no pagarmos as contas atrasadas explicou-lhe Lalitha. E quando o peixeiro passou por aqui hoje, sua me estava fora e ele no nos deu crdito nem para um pedao de bacalhau.

Voc sempre com suas desculpas bobas. Me d essa omelete e sirva-me o caf.

Acho que esto batendo na porta da frente observou Lalitha. Jim foi a Yerlverton House com seu recado e a cozinheira nunca atende porta.

Ento, v voc ver quem ordenou Sophie de mau modo.

Lalitha obedeceu. Do lado de fora estava um criado de libr que lhe entregou um bilhete.

para miss Sophie Studley, madame disse ele.

Obrigada!

Lalitha julgou que se tratasse de outra carta de amor para Sophie. Essas cartas chegavam de todas as horas do dia.

Quando ela comeou a subir as escadas, ouviu um grito vindo do quarto dos fundos. Lady Studley dormia num pequeno cmodo no andar trreo, pois detestava escadas.

Lalitha ps o bilhete sobre um aparador e foi ao quarto da madrasta. Lady Studley preparava-se para uma recepo a que iria em meia hora. Ela era uma mulher um tanto pesada, que fora bonita na juventude, mas cujos traos fisionmicos haviam endurecido com o decorrer dos anos, e engordara muito. Era difcil acreditar que fosse a me da bela Sophie. E, apesar de se comportar de maneira agradvel em sociedade, lady Studley, para os que conviviam com ela, podia ser crudelssima.

Venha c, Lalitha! A madrasta berrou.

Tinha nas mos um vestido de renda com a bainha descosturada.

Eu lhe disse ante ontem para arrumar este vestido!

Sei replicou Latitha. Porm, no tive tempo, e no posso fazer isso agora. Meus olhos ardem muito e impossvel costurar uma fazenda to delicada luz de velas.

Voc sempre arranja desculpas para sua incompetncia e preguia. Sua vagabunda! Me fez perder a pacincia! Quando lhe dou uma ordem, essa ordem deve ser executada imediatamente!

Dito isso, lady Studley atirou o vestido no cho, aos ps de Lalitha, e gritou:

Apanhe isso! E, para que no se esquea de me obedecer, vou lhe dar uma boa lio.

Ela atravessou a sala e pegou uma bengala. Voltou com ela na mo e deu uma violenta bengalada nas costas de Lalitha, que ainda estava abaixada para apanhar o vestido. A jovem gemeu, e a madrasta golpeou-a novamente, e mais uma vez, at que o sangue jorrasse-lhe pelas costas.

Maldita! berrava lady Studley. Eu lhe ensino qual seu lugar nesta casa!

Lalitha no podia respirar tal a dor que sentia. Quase desfaleceu. De repente, a porta se abriu e Sophie entrou abruptamente.

Mame! Mame!

Lady Studley parou com a bengala no ar.

Sabe o que aconteceu? prosseguiu Sophie.

Que foi?

Ignorando a figura de Lalitha jogada ali no cho, Sophie entregou a carta que acabara de chegar, e que se encontrava sobre o aparador ao p da escada.

O duque de Yelverton est morrendo! exclamou ela.

Morrendo? Como soube?

Algum me escreveu, a pedido de Julius, explicando que ele teve de partir com urgncia para Hampshire.

Deixe-me ver essa carta pediu Lady Studley, arrancando o papel das mos da filha. Leu em voz alta:

"O Sr. Julius pediu-me que lhe comunicasse, madame, que ele lamenta muito no poder comparecer a sua casa esta noite, conforme prometido. Foi chamado para junto do leito de morte de seu tio, Sua Graa o duque de Yelverton. Acredita que Sua Graa no passe desta noite. O Sr. Julius partiu pressas, por esse motivo no teve tempo de escrever-lhe pessoalmente.

Com muito respeito, Christopher Dewar". Viu o que aconteceu, mame? Sophie exclamou com voz de triunfo.

Quem poderia acreditar numa coisa dessas? E lorde Rothwyn esperando por voc!

Mas, mame, tenho chance de me transformar numa duquesa logo!

Claro que tem! E no h dvida sobre qual dos dois cavalheiros voc deve pr de lado.

Vou me comunicar com lorde Rothwyn e dizer-lhe que no lenho condies de me casar com ele observou Sophie. Vai ficar furioso!

A culpa dele mesmo! No devia ter consentido em fugir com voc.

Mas no posso deix-lo esperando por mim na igreja! De repente, ela gritou:. Mame!

Que foi?

Minha carta para Julius! Pedi a Lalitha que mandasse a um Iacaio entreg-la na casa da av.

Ambas olharam para Lalitha que se levantava do cho, gemendo. Tinha o rosto branco como cera e os olhos congestionados.

Lalitha! Que voc fez da nota destinada ao Sr. Verton? perguntou-lhe lady Studley.

Eu a dei... ao lacaio. E ele j saiu.

Saiu? gritou Sophie. Algum precisa ir atrs dele.

Tudo bem, minha filha lady Studley acalmou-a. Julius no vai estar na casa da av. De acordo com essa carta do Sr. Dewar, ele j deve ter seguido para Hampshire.

Sophie deu um suspiro de alvio.

Claro! Claro!

O que precisamos fazer ir casa da velha senhora amanh cedo para recolhei a carta continuou lady Studley. Podemos um com uma desculpa qualquer, que voc mudou de idia, por exemplo, acerca de algo que escreveu.

Voc muito inteligente, mame!

Se no fosse, voc no estaria onde se encontra hoje!

E o que vamos fazer sobre lorde Rothwyn?

Ele precisa entender que voc desistiu de fugir. No lhe conte a verdadeira razo, naturalmente. Explique-lhe que pensou melhor e concluiu no ser honesto quebrar seu compromisso com Julius.

timo! Excelente idia! concordou Sophie. Devo escrever uma carta a ele?

No! No! protestou lady Studley. Uma carta seria comprometera. Nunca escreva uma coisa dessas, pode um dia se transformar numa prova contra voc.

Mas eu no quero ir falar com ele! protestou Sophie alarmada.

Por que no?

Porque, francamente, mame, lorde Rothwyn me assusta um pouco. No quero entrar em discusses com ele. pessoa muito hbil e pode extorquir a verdade de mim. Muitas vezes tive dificuldade em responder a perguntas dele.

No me parece, nesse caso, que seja o marido ideal! Bem, mas se voc no for algum precisa ir. Talvez eu?

No, voc no, mame. Menti a ele dizendo o quanto voc reprovaria nossa fuga, se soubesse dela. Sophie sorriu. Isso o fez ficar at mais audaz.

No duvido concordou lady Studley. No h nada melhor que a oposio para fazer um homem agressivo.

Ento, como vamos nos comunicar com ele?

Lalitha far isso, embora s Deus saiba a confuso que ela ir criar.

Lalitha j estava de p, e com passos trpegos encaminhou-se para a porta com o vestido de renda nas mos.

Onde vai? indagou-lhe lady Studley.

Lalitha no respondeu e, hesitante, fitou a madrasta com os olhos ainda cheios de lgrimas. Seu rosto tinha uma palidez impressionante.

melhor voc lhe dar alguma coisa para beber, mame pediu Sophie. D a impresso de que Lalitha vai morrer agora mesmo.

E seria uma sorte para ns.

Bem, mame, mas ao menos a conserve viva at que transmita a lorde Rothwyn a notcia.

Essa Lalitha no passa de um estorvo em nossa vida! exclamou lady Studley, dirigindo-se para a cmoda onde havia uma garrafa de conhaque. Ela colocou dois dedos no copo e deu-o a Lalitha.

Beba! ordenou. Embora considere uma coisa boa demais para gastar com um espantalho!

Vou ficar... Bem logo declarou Lalitha, rejeitando a bebida.

Faa o que estou mandando, sem discutir, a menos que queira outra surra.

Com dificuldade, fazendo esforo para andar, Lalitha foi para junto da madrasta e pegou o copo. Ainda que detestasse conhaque, bebeu-o devagar.

Agora oua Lalitha, o que vou lhe dizer. Se cometer algum engano, apanhar at desfalecer ameaou-a lady Studley com veemncia.

Estou... Ouvindo... murmurou Lalitha.

Voc vai igreja de St. Alphage, de carruagem, s nove e meia. Encontrar l lorde Rothwyn e explicar a ele que Sophie honesta demais para romper com a palavra dada ao Sr. Verton. Diga a ele que Sophie preferiu casar-se com Julius a mago-lo, fugindo nas vsperas do casamento. Entendeu?

Sim respondeu Lalitha. Mas... Por favor... No me force a fazer isso.

J lhe disse o que acontecer se no me obedecer! E Lady Studley pegou a bengala.

No mame gritou Sophie. Se bater mais em Lalitha ela poder desmaiar e ficar completamente inutilizada. Deixe que eu me entendo com ela. Temos ainda uma hora.

Muito bem concordou lady Studley a contragosto, como se lamentasse no ter a oportunidade de bater mais em Lalitha.

Ouviu-se nesse instante uma pancada na porta.

Deve ser a carruagem para mim disse lady Studley. Vou a casa de lady Corey, como planejado; ou ser melhor eu ficar em i asa aguardando pela notcia da morte iminente do duque?

Acho, mame, que voc deve ficar. Se Julius souber que foi a uma festa, vai se aborrecer.

Tem razo. No pensei nisso, que idiota sou. Estava ainda refletindo sobre nossos problemas com lorde Rothwyn, e me esqueci completamente de Julius. Lady Studley sorriu. Bem, vou ficar em casa e passar uma noite bem pouco atraente. Mas, pelo menos, isso me dar chance de fazer planos para o futuro! Oh, querida, sempre desejei ver em voc uma coroa de duquesa!

Graas a deus recebi a notcia a tempo! No me perdoaria se tivesse fugido com lorde Rothwyn e depois recebido a notcia que Julius era um duque.

Tivemos sorte! exclamou lady Studley. Agora, tire esse vestido, Sophie, no quero que o estrague. um de seus melhores. E leve esse fantasma daqui com voc; s de olhar para ela fico irritada!

Ao menos Lalitha ser til para ns uma vez na vida. No temos mais ningum para mandar ao encontro de lorde Rothwyn.

Ele vai se chocar caoou lady Studley. Jamais vi homem to apaixonado como lorde Rothwyn.

Mas se recuperar logo replicou Sophie.

Ela saiu do quarto acompanhada de Lalitha que mal podia caminhar.

Venha depressa! berrou Sophie. Sabe muito bem que no consigo me despir sem seu auxlio.

Sophie, no me obrigue a ir ao encontro de lorde Rothwyn suplicou-lhe Lalitha. Ele vai ficar furioso comigo, mais do que sua me.

Por que no a chama de "mame"? J lhe foi dito isso muitas vezes.

... Mame...

No me surpreende que mame a castigue com tanta freqncia. Voc uma tonta, Lalitha, e se lorde Rothwyn lhe der alguns tapas, porque mereceu mesmo.

No posso agentar... Mais pancadas hoje.

Voc j disse isso em muitas outras ocasies. Sophie fitou-a e prosseguiu de maneira mais amvel: Talvez mame tenha exagerado um pouco. Ela muito forte e voc frgil demais. Surpreende-me que a bengala no tenha quebrado em suas costas.

No... Quebrou?

No, porque, em tal caso, voc no poderia andar.

, tem razo. Porm, de qualquer maneira, no vou poder enfrentar... lorde Rothwyn.

Voc nunca se encontrou com ele! Que sabe sobre a fria de lorde Rothwyn?

Lalitha no respondeu e Sophie insistiu:

Fale! Esconde alguma coisa?

E que... li um livro chamado Histria das famlias famosas da Inglaterra.

Interessante? Por que no o mostrou a mim?

Voc no gosta de ler replicou Lalitha. Ademais, tive medo de aborrec-la.

Aborrecer-me? Por que haveria eu de me aborrecer? Que diz o livro?

Relata as origens da famlia Rothwyn, e como seu fundador, sir Hengist Rothwyn, venceu na vida, tendo sido um aventureiro pirata.

Continue pediu Sophie.

Ele teve muito sucesso e era tambm conhecido como um homem impetuoso. Por sculos, os Rothwyn vm herdando esse temperamento incontrolvel de seu antepassado. O prprio nome de lorde Rothwyn, "Inigo", significa "violento".

Dou graas a deus, ento, por ter me livrado desse cavalheiro! argumentou Sophie.

Havia no livro um verso sobre sir Hengist, escrito em 1540 observou Lalitha.

Que diz o verso?

Lalitha refletiu um pouco e depois, com voz fraca e trmula, recitou:

"Olhos negros, cabelos negros, Fria negra. Portanto, cuidado, Se um Rothwyn lhe jurar vingana".

Sophie riu e caoou:

Voc no est pensando que eu vou ter medo dessa lengalenga, no?

CAPTULO II

Na carruagem, a caminho da igreja, Lalitha desejou no se sentir to doente. O conhaque lhe dera energia por algum tempo, mas depois sobreveio um cansao difcil de controlar, e a dor nas costas era quase insuportvel.

De certo modo ela estava grata a Sophie por ter impedido que a madrasta lhe batesse mais, como acontecera outras vezes.

Apenas uma semana antes lady Studley fora ao quarto de Lalitha com algumas queixas, e encontrara a jovem j de camisola. Bateu-lhe tanto que a deixou inconsciente no cho, e l ela ficou por horas. Depois, vagarosamente, com o pouco de energia que lhe restava, arrastou-se at a cama, mas sentia tanto frio que no conseguiu dormir. Bateu os dentes a noite toda e, de manh, na hora de se levantar, parecia mais fraca que nunca.

Com freqncia pedia a Deus que a levasse. Mas logo, pensava na me que com certeza no aprovaria sua covardia. A me de Lalitha fora uma mulher pequena, frgil, mas muito valente. "Todos precisam demonstrar coragem nas vicissitudes da vida", ela dissera certa vez filha. "E no se esquea de que tudo requer mais fora mental e espiritual do que fsica."

Deixar que lady Studley a matasse seria um modo covarde de escapar do intolervel inferno no qual se encontrava desde a morte do pai. E, transcorridos j dois anos, Lalitha ainda tinha dificuldade em acreditar que os horrores pelos quais passava no fazia parte de um pesadelo.

Pensando em sua infncia, lembrou-se de como fora feliz naqueles dias sempre cheios de sol.

A me no era uma mulher forte fisicamente e, com o passar dos anos, no houve dinheiro para que ela tivesse um tratamento de sade adequado.

O pai, homem forte, sempre de bom humor, caridoso, havia sido amado e respeitado por todos os que viviam em sua propriedade. Com certeza a generosidade excessiva dele impediu-o de enriquecer. Jamais forara um arrendatrio necessitado a lhe pagar o aluguel, ou despejara quem quer que fosse.

Tenho que lhe dar nova chance dizia ele invariavelmente.

Por isso nunca havia dinheiro para consertos, nem para comprar novos implementos agrcolas, nem para a esposa e a filha.

A me de Lalitha no se importava, e dizia sempre: "Sou muito feliz com minha filha e meu marido. So as pessoas mais maravilhosas do mundo".

Os trs tinham os dias cheios, embora acontecessem poucas festas na grande casa que pertencera aos Studley por cinco geraes e que ficava numa parte isolada do condado. Do ponto de vista da agricultura, a regio era excelente, mas eles possuam s meia dzia de vizinhos e que moravam bem distantes uns dos outros.

Quando voc ficar mais velha, precisa ir a Londres para participar de bailes, recepes, coisas que eu adorei fazer quando jovem a me de Lalitha costumava dizer-lhe.

Estou muito contente aqui com voc e papai a menina respondia com sinceridade.

Mas todas as mes gostam que suas filhas sejam um sucesso. No obstante, eu freqentei a sociedade londrina e acabei me casando com o homem que conhecia desde criana. Ela sorria e acrescentava: Mas foi por ter contato com o mundo, por conhecer homens elegantes e famosos em Londres, que me convenci de que seu pai era o nico homem que eu realmente amava, e com quem desejava passar o resto de minha vida.

Voc teve sorte, mame, pois as propriedades de meus avs, paternos e maternos, a confinavam. Por esse motivo, seu pretendente estava na verdade s portas de sua casa. Porm no h homem algum para mim aqui.

Certo concordava a me. Da economizarmos dinheiro para que, quando voc tiver dezessete anos e meio, possa deslumbrar o beau monde com seu rostinho lindo.

Jamais serei to bonita como voc, mame. Papai disse que nunca houve no mundo mulher mais linda que voc, e sei que isso verdade.

Esse comentrio me lisonjeia. Vamos ver se vai repetir a mesma coisa quando voltar de Londres...

Mas... No houve temporada em Londres para Lalitha. A me morreu num frio inverno, de repente, sem que houvesse tempo para se tomar providncia alguma. Para Lalitha, como para o pai, foi um desastre tremendo e inesperado. Num dia ela estava rindo, cuidando da caSa, encantando a todos com quem convivia. No dia seguinte s restava um tmulo no pequeno cemitrio ao lado da igreja, e uma casa vazia e silenciosa.

Como pde isso ter acontecido? indagava Lalitha ao pai.

E ele repetia, pela milsima vez:

Eu nem sabia que ela estava doente.

Com a morte da mulher, o pai de Lalitha comeou a morrer lentamente. Mudou da noite para o dia, transformando-se de um homem de constante bom humor, cheio de vida, num indivduo taciturno, melanclico, bebendo at altas horas da noite. No conseguia mais encontrar interesse em nada. Lalitha tentava tir-lo daquela letargia, mas em vo.

Uma noite, quando voltava de uma estalagem onde estivera bebendo, sofreu um acidente de trnsito. Foi encontrado s na manh seguinte, e j em estado desesperador. Levaram-no para casa e, durante dois longos meses ele ficou entre a vida e a morte. Foi ento que a Sra. Clements apareceu na casa, com o pretexto de ajudar. Lalitha lembrava-se de uma conversa que seus pais haviam tido no ano anterior, acerca da famlia dessa mulher.

Voc se lembra de um homem chamado Clements, dono de uma farmcia em Norwich? sir John Studley indagara.

Sim, claro que me lembro dele a me de Lalitha respondera. Nunca prestei muita ateno nesse homem, embora acredite que fosse bastante inteligente.

Ns nos servamos da farmcia dele, como meu pai e meu av o fizeram. E agora a filha est de volta aldeia. Sinto-me na obrigao de ajud-la a se restabelecer aqui.

A filha? Lembro-me de ter havido qualquer problema com ela.

E houve replicara sir John. Ela fugiu de casa quando tinha dezessete anos, na companhia de um oficial do exrcito. O velho Clements ficou furioso e no quis mais saber dela.

Recordo-me bem desse incidente. Na ocasio, estvamos noivos e minha me chocou-se muito com o ocorrido. Alis, mame era bem rgida nesses assuntos.

Era mesmo concordara sir John com um sorriso. Acho que sua me nunca aprovou plenamente nosso casamento.

De incio; com o tempo, no entanto, ficou gostando de voc, principalmente por ver como eu era feliz.

O que aconteceu com a filha do Sr. Clements? interrogara Lalitha, que ouvia a conversa com ateno.

o que estou tentando contar respondera sir John. Voltou para c. Eu a vi esta manh e ela me pediu para alugar-lhe um chal dentro de nossa propriedade.

Oh, no queremos ningum dessa espcie to perto de ns! a me de Lalitha protestara.

Tive pena da pobre mulher. Nunca conseguiu se casar com o homem com quem fugira, e ele a deixou aps alguns anos. Ela se mantm, e filha, trabalhando como domstica.

Se o Sr. Clements estivesse vivo, sofreria muito lady Stutlley observara. Era um homem orgulhoso e importante; uma ocasio se candidatara para prefeito; lembra-se?

Bem, a famlia Clements no tem culpa do que aconteceu com a filha, e eu no tive coragem de negar o que ela me pedia.

E alugou o chal?! Lady Studley no podia acreditar.

Sim, aquele perto da igreja. pequeno, mas suficiente para uma mulher e uma criana.

Voc bondoso demais, John, mas garanto que ela no ser bem recebida em nossa comunidade.

Talvez. ainda uma mulher bonita e tem uma filha da idade de Lalitha. Por sinal, disse que poderia trabalhar aqui, como empregada.

No precisamos de ningum no momento lady Studley respondera prontamente.

E Lalitha s foi conhecer a Sra. Clements depois da morte da me. Inesperadamente ela chegou na casa oferecendo-se para trabalhar como domstica. Alguns antigos criados haviam se aposentado, por isso foi aceita.

Para sir John no fazia nenhuma diferena ser ela contratada ou no. Estava sempre alheio a tudo e, depois de mais ou menos recuperado, continuou bebendo sem parar.

A Sra. Clements provou ser boa enfermeira. Tratava de sir John com carinho, o que despertou logo a admirao de Lalitha. Era a Sra. Clements quem conseguia faz-lo comer, quem mantinha o fogo da lareira do escritrio aceso, quem o ajudava a se recolher noite. E, na hora de tomar decises sobre os negcios da propriedade, Lalitha pedia a opinio dela que, com voz suave, cheia de afeto, conseguiu enganar facilmente uma pessoa como Lalitha, jovem ingnua de dezesseis anos apenas. Instalou-se na casa com a filha Sophia, moa de rara beleza.

Porm, aps a morte de sir. John, a Sra. Clements revelou sua verdadeira personalidade.

Uma tarde, Lalitha resolveu escrever para um tio que morava na Cornualha. A me sempre planejara visitar esse irmo algum dia: "Voc vai gostar de Ambrose", dizia ela filha. " bem mais velho que eu e foi quem me ensinou a amar o campo. Por esse motivo nunca me senti tentada pelo torvelinho da vida social de Londres". Contudo, nunca houve tempo nem dinheiro para aquela visita.

O tio no comparecera ao funeral da irm mas mandara uma coroa acompanhada de longa carta revelando a sir John como lamentava a morte dela.

"Vou escrever ao tio Ambrose agora", Lalitha disse a si mesma. "Talvez me convide para morar com ele."

Sentou-se na escrivaninha do pai e comeava a escrever quando a Sra. Clements entrou no escritrio.

Preciso falar com voc, Lalitha declarou ela em tom autoritrio, bem diferente do usual. Usara tambm o nome de batismo de Lalitha, o que esta considerou grande atrevimento.

Pois no, Sra. Clements. Que deseja?

Quero que saiba que me casei com seu pai!

Casou-se com papai? Impossvel!

Sim, nos casamos repetiu ela furiosa. Sou lady Studley.

Mas quando se casaram e em que igreja?

No faa perguntas desnecessrias! Aceite a situao e considere-se minha enteada.

No posso... Acreditar nisso. Vou escrever ao tio Ambrose pedindo para ir morar com ele na Cornualha. Titio no soube da morte de papai, por essa razo no me escreveu.

Probo que voc escreva essa carta!

Probe?! Lalitha estava perplexa.

Sou sua tutora legal e voc ter de me obedecer. No se comunique com seu tio e nem com nenhum de seus parentes. Vai morar aqui comigo, e no se esquea de que sou a dona desta casa.

Mas isso no justo! protestou Lalitha. Papai sempre me disse que esta casa seria minha, como tambm a fazenda.

Voc vai ter dificuldade em provar o que diz.

Alguns dias mais tarde, apareceu na casa um advogado, um homem que Lalitha nunca vira antes. Apresentou um testamento escrito numa caligrafia trmula, que poderia ou no ter sido a de lorde Studley aps o acidente. Ele deixara tudo o que possua " minha querida esposa Gladys Clements", e nada filha.

Lalitha achou que havia algo de errado naquilo, mas o advogado insistiu que tudo estava perfeitamente de acordo com a lei.

Porm, assim que ele saiu, Lalitha sentou-se para escrever uma carta ao tio.

A Sra. Clements, que exigia ser chamada lady Studley, viu-a com i carta na mo a caminho do correio. Foi quando lhe deu a primeira violenta surra. Bateu em Lalitha at que ela gritasse por piedade e prometesse, por no ter outra alternativa, nunca mais escrever para o tio.

Mentalmente, contudo, Lalitha enfrentava a mulher que se dizia sua madrasta, rejeitando-a, e um dio profundo crescia ente ambas.

A nova lady Studley foi bastante esperta em no se associar com os vizinhos, e estes ficaram sabendo de maneira indireta que ela se casara com sir John dias antes de ele morrer, e que tomara posse da propriedade. Poucos lembravam-se do que ela fora no passado, e o nome "Clements" desapareceu depressa, como se nunca houvesse existido. No obstante, Lalitha teve um choque ao perceber que Sophie se considerava uma Studley.

Voc no minha irm protestou ela. Meu pai no foi seu pai; como pode usar meu nome?

A me de Sophie entrava na sala nesse instante e observou:

Quem disse a voc que seu pai no foi o pai de Sophie tambm?

Sabe muito bem que no foi replicou Lalitha. A senhora chegou aqui somente h um ano.

A madrasta no respondeu e, pelo espao de um ano, nada mais foi dito sobre o assunto. Lalitha notava, porm, que a nova lady Studley guardava para si toda a renda da propriedade, no havendo tolerncia com os fazendeiros que no podiam pagar. Mais ainda: as fazendas iam sendo vendidas uma a uma, juntamente com as pequenas casas, e os jardineiros dispensados aos poucos; as flores que haviam dado tanto prazer me de Lalitha morriam abafadas pelas ervas daninhas.

Os objetos valiosos da casa tambm sumiam. Primeiro foi um par de espelhos da poca da rainha Anne, que decorava o dormitrio principal. Depois, os retratos de famlia foram enviados a Londres para serem leiloados.

A senhora no tem direito de vender tudo isso Lalitha discutia com a madrasta. Pertence minha famlia e, como papai no teve filho homem, gostaria que meu filho herdasse essas preciosidades.

E acha que vai ter um filho? murmurava Gladys Studley. Imagina que algum v se casar com voc? Ou que eu a dispensaria de seus servios de domstica nesta casa?

Falava com sarcasmo, pois Lalitha se transformara em nada mais nem nada menos que uma empregada sem salrio.

Sophie j estava com dezoito anos e Lalitha surpreendia-se pelo fato de a me no a levar a Londres a fim de ser apresentada sociedade. Sophie se tornara uma mulher de rara beleza! Logo depois do Natal, contudo, Lalitha entendeu a razo dessa demora.

Sophie est com dezessete anos e meio lady Studley declarou sem mais nem menos.

Lalitha fitou-a atnita, pois sabia que Sophie tinha dezoito anos completos.

Ela nasceu no dia 3 de maio acrescentou lady Studley.

Mas, esse o dia de meu aniversrio interps Lalitha. Vou fazer dezoito anos no dia 3 de maio.

Voc est enganada Gladys a corrigiu. Fez dezoito anos no dia 10 de julho passado.

No! Dez de julho o dia do aniversrio de Sophie! Lalitha no podia acreditar em tudo aquilo.

Quer discutir comigo? isso que voc quer? a madrasta ameaou-a, furiosa.

No... No respondeu Lalitha receosa, pois no ignorava que o castigo fsico a suas argumentaes era sempre violento.

Sophie minha filha e de seu pai explicou lady Studley.

Nasceu dez meses aps nosso casamento, e posso provar isso facilmente. Voc tambm minha filha e de seu pai mas, infelizmente, nascida antes de nos casarmos.

Que est dizendo? No... entendo! Lalitha gritou.

E supe que algum v discutir comigo acerca disso quando chegarmos em Londres? indagou Gladys triunfante.

Latitha no teve resposta. Ela no conhecia ningum em Londres. E, quem acreditaria na palavra dela contra a da nova lady Studley? Considerava-se vencida, no havia nada que pudesse falei. Mas era intolervel admitir que aquela mulher vulgar, intrometida, quisesse passar por sua me. Tomara o lugar dela e se apropriara de todo o dinheiro.

Latitha estava completamente derrotada. No tinha mais nem mesmo o aspecto de uma lady, mas o de uma coitada mantida por caridade na casa que um dia fora sua. Ordenaram-na que chamasse aquela aventureira de "mame" e, quando se esquecia de faz-lo era espancada brutalmente.

A nova lady Studley planejara sua entrada na sociedade com uma habilidade que Lalitha no pde deixar de considerar fabulosa! O dinheiro que ela acumulara no duraria muito, mas era suficiente pura Sophie encontrar um pretendente rico. E Lalitha tinha a impresso de que, quando isso acontecesse, ela seria jogada na sarjeta sem dinheiro algum. Nesse meio tempo, no entanto, trabalhava como escrava.

Algumas vezes pensava em escrever para o tio, mas receava as conseqncias de seu ato. E eis que, trs semanas depois da chegada delas em Londres, lady Studley jogou um jornal na frente de Latitha, dizendo:

Seu tio morreu! Leia! Morreu?!

E no perca tempo chorando por ele! V cuidar de seus afazeres.

Ela percebeu ento que sua ltima esperana se esvaa! Cada vez que terminava de fazer suas inmeras tarefas, estava to exausta que s queria dormir. Aos poucos comeava a ter a sensao de que seu crebro se deteriorava! A falta de comida e os constantes espancamentos faziam-na alheia a tudo, tendo s vezes dificuldade at para entender o que lhe diziam.

Todos esses fatos Lalitha rememorava na carruagem enquanto se dirigia ao encontro de lorde Rothwyn. Tentava se recordar do que devia dizer a ele. Sua mente parecia vazia e s tinha pensamento para as costas que doam muito. O vestido grudara nos ferimentos causados pelas bengaladas, e ela antecipava a dor que iria sentir na hora de trocar de roupa.

Desabotoou o vestido sob a capa o mais que pde. Ningum a veria sem o agasalho, pois tencionava voltar casa assim que cumprisse sua tarefa, e banharia as partes mais afetadas.

"Se ao menos eu no tivesse de executar misso to embaraosa!" murmurava a si mesma.

Por segundos, teve a idia louca de fugir mas, para onde? No possua dinheiro nem amigos e, se retornasse casa antes de se confrontar com lorde Rothwyn, sabia muito bem o que lhe iria acontecer.

A carruagem estava bem perto da igreja de St. Alphage. Ela j podia divisar a torre e, logo depois, o porto de madeira do jardim. Mais alm ficava o cemitrio paroquial.

A madastra encomendara a carruagem num lugar onde tinha crdito, e o cocheiro recebera ordem de esperar. Geralmente, em circunstncias semelhantes, voltava a p para casa.

A carruagem parou. Ela cobriu o rosto com o capuz e tremia de frio e de medo.

"No tenho nada a temer", tentava se iludir. "O problema no meu, sou apenas um... mensageiro."

Contudo, ao descer do veculo e ao atravessar o jardim mal podia controlar seus nervos. Estava escuro ao redor apesar da lanterna pendurada no prtico da igreja. As pedras tumulares erguiam-se como sentinelas acusadoras, parecendo chocadas com as mentiras que ela iria contar.

Hesitante, Lalitha entrou na igreja, fnebre e agourenta. De sbito, ouviu som de passos e, antes que pudesse ver quem se aproximava, braos fortes a agarraram.

Querida, voc veio! Sabia que viria!

Quando ela virou-se protestar, um homem a beijou. O choque foi to grande que a deixou imvel. E lbios possessivos, apaixonados, deixaram-na sem fala. Lalitha nunca imaginara que um beijo pudesse ser assim. Com enorme esforo, desvencilhou-se dos braos que a prendiam.

Por... favor gaguejou. No sou... Sophie.

Acabo de perceber!

Latitha fitou-o luz das velas e viu que era um homem mais alto do que supusera. Moreno e insinuante. Uma capa preta caa-lhe dos ombros e lhe dava o aspecto de um grande e assustador morcego. Quem voc, afinal? indagou ele de mau modo.

Sou... Irm de Sophie.

Latitha sentia ainda a presso dos lbios dele nos seus, mesmo mio estando mais sendo beijada.

Irm de Sophie? No sabia que Sophie tinha uma irm. Por onde anda Sophie? A voz era dura e ameaadora.

Estou aqui justamente para lhe dizer, milorde, que ela no poda vir,

Por que no?

Latitha procurava lembrar-se das palavras exatas que devia proferir.

Ela sente muito, milorde... Mas no teve coragem de romper compromisso... Com o Sr. Verton.

E voc precisava inventar essa mentira? berrou lorde Rothwyn. O que aconteceu que sua irm soube que o duque de Yelverton estava morrendo. Essa a verdade, no ?

No... Sei.

Mentirosa! Voc mentirosa como sua irm. Acreditei nela quando dizia que me amava. Poderia um homem ter sido mais idiota que eu?

Havia tanto dio naquele tom de voz que Lalitha fez um esforo desesperado para salvar Sophie da condenao.

No foi... Isso gaguejou. Ela apenas quer... Manter a promessa que fez... Antes de conhecer... O senhor.

Espera que eu acredite nessa bobagem? No acrescente mais mentiras desnecessariamente. Sua irm me fez de bobo. Mas, pensando bem, que mulher desistiria de ser uma duquesa? Volte para casa e diga a ela que me ensinou algo de que nunca me esquecerei. E mais ainda, eu a amaldio, como me amaldio tambm por ter confiado nela.

No diga isso. D azar.

Azar? Sua irm no somente me privou de uma noiva, mas tambm me custou uma aposta de dez mil libras!

Como? Lalitha no resistiu curiosidade de saber de que aposta se tratava.

Apostei essa quantia na crena de que Sophie era sincera, leal comigo, de que no era uma esnobe como a maioria das mulheres; que a categoria social no contava para ela mais que a afeio, mais que as juras de amor que me fizera.

No obstante, o amor mais importante que um ttulo para muitas mulheres Lalitha deixou escapar.

Se h mulheres que pem o amor em primeiro lugar, ainda no tive o prazer de encontrar uma delas.

Talvez encontre... Um dia!

Acha? perguntou ele com ironia, e depois acrescentou: V embora! Que est esperando? Descreva a sua irm minha fria, minha frustrao e, claro, meu desaponto pelo que ela acaba de fazer!

Era tal a ira de lorde Rothwyn que Lalitha teve dificuldade em se mover. Parecia hipnotizada, presa ao cho; no conseguia obedec-lo, ainda que, ao mesmo tempo, tivesse mpetos de fugir dali!

Dez mil libras! repetia ele.

Em seguida, como se falasse consigo prprio, e com imenso rancor, prosseguiu em voz alta:

Eu mereo isso! Como pude ser to idiota? To infantil a ponto de pensar que Sophie era diferente das outras? E depois, dirigindo-se a Lalitha: Saia da minha frente! Diga a sua irm que, se eu puser os olhos nela outra vez, a matarei! Est me ouvindo? Eu a matarei!

Lorde Rothwyn parecia to assustador que Lalitha decidiu voltar correndo para a carruagem que a aguardava. Ao se virar, porm, sentiu uma tontura que a obrigou a parar. Foi ento que lorde Rothwyn lhe disse num tom um pouco menos ameaador:

Espere um momento! Se voc irm de Sophie, ento seu nome Studley!

Lalitha encarou-o perplexa. No podia imaginar por que estaria interessado em seu nome. Ele aguardava uma resposta e, aps segundos, Lalitha deu-a: S... Sim.

Tenho uma idia que me permite salvar meu dinheiro e talvez, meu orgulho! Por que no? Por que diabos, no? Venha comigo ordenou ele, pegando Lalitha pelo brao.

Mas... Para onde?

Vai ver...

Dedos firmes seguraram-na, conduzindo-a na direo do altar.

O que est acontecendo? Para onde o senhor pretende... Me levar? O pavor tomava conta de Lalitha.

Vai se casar comigo. Uma miss Studley seguramente igual a outra, e seria uma pena deixar o padre esperando em vo.

O senhor no pode... Fazer isso! loucura!

Vai aprender que fao o que quero. Voc vai se casar comigo e isso ser uma boa lio para sua irm mentirosa e falsa, para ela saiba que no a nica mulher do mundo!

No... No! No posso... Fazer isso!

Pode e vai!

Bem perto do altar, onde havia mais luz, Lalitha enxergou melhor o rosto de lorde Rothwyn e comparou-o ao de Satans. Nunca ela vira um homem to atraente e ao mesmo tempo to enfurecido, perdendo at o controle sobre si. Ele no a largava, quase arrastando-a.

No... No... O senhor no pode... Fazer isso! protestava Lalitha, agora quase num sussurro, pois a atmosfera da igreja Inspirava-lhe respeito.

Lorde Rothwyn nada dizia e Lalitha tentava libertar-se, mas era li ara demais contra aquele demnio enraivecido.

Por favor... Por favor... ela continuava insistindo.

No altar, um padre os aguardava. Era um homem idoso, de cabelos brancos, face enrugada e bondosa. Parecia ser quase cego, dando a impresso de que no os via bem.

Caros noivos!... o velho sacerdote comeou a falar com voz trmula.

O perfume dos lrios, as velas bruxuleantes, a paz e o silncio do templo fizeram com que Lalitha tomasse uma deciso.

"No vou repetir as palavras que me tornaro esposa dele. Direi no, na hora exata."

Sr. Inigo Alexander, quer receber esta mulher como sua esposa? Ela ouviu o padre dizer.

Lorde Rothwyn respondeu com voz forte, que ressoou por toda a nave.

Sim!

O padre dirigia-se a Lalitha quando lorde Rothwyn impediu-o, indagando:

Como seu nome de batismo, miss Studley?

Lalitha... Mas no posso...

O nome dela Lalitha disse ele ao padre.

Ento este, com voz suave e cansada, fitou Lalitha e falou:

Repita o que vou dizer: "Eu, Lalitha..."

No posso... No posso! ela sussurrava. Mas sentiu logo a presso dos dedos de lorde Rothwyn em seu brao.

Viu-se coagida a obedecer, como acontecia cada vez que a madrasta a forava a fazer alguma coisa. O mesmo pavor tomou conta dela, o pavor de quando esperava que uma bengalada a atingisse.

Da, quase automaticamente, gaguejou:

Eu... Lalitha... Recebo I... Inigo... A... Alexander...

Os recm-casados saram da igreja e tomaram a carruagem. No a de Lalitha, mas um veculo luxuoso, cujos cavalos tinham ar- reios de prata, e com uma manta de pele para ser colocada sobre os joelhos.

Ela no falava, contudo percebia que lorde Rothwyn continuava furioso, parecendo que um dio emanava do corpo dele, invadindo a carruagem como uma trovoada assustadora pela sua intensidade.

Lalitha s pensava nas conseqncias de seu ato, pois tomara o lugar que deveria ter sido o de Sophie no altar. Acreditava ao mesmo tempo estar sonhando; tudo aquilo no podia ser verdade.

"Que vai suceder comigo? Que posso fazer?", ela se questionava durante o trajeto todo. Estava exausta, mal podia respirar, linha a sensao de que, se casse no cho da carruagem, ficaria l, sem poder se levantar.

Em pouco tempo, eles chegaram a uma casa magnfica, uma das mais lindas de Park Lane.

Uma luz dourada se projetava no jardim, vinda da porta aberta, e criados de libr cor de vinho e passamanaria dourada se apressaram em estender um tapete vermelho at o carro.

Lalitha foi a primeira a descer e entrar na casa. Ficou esttica ante a magnificncia do enorme hall de mrmore cheio de esttuas de tamanho natural, colocadas em nichos dourados.

Venha por aqui! ordenou-lhe lorde Rothwyn, segurando- a pelo brao e conduzindo-a a uma sala tambm majestosa. Era a biblioteca, abarrotada de livros alinhados nas estantes. Havia uma enorme escrivaninha bem no centro da sala, e para l lorde Rothwyn se encaminhou.

Um lacaio acendeu dois candelabros, apesar de o recinto j estar iluminado pelas arandelas laterais.

Mais alguma coisa, milorde? o mordomo indagou respeitosamente.

No. Deixe-nos a ss agora. Mande um lacaio falar comigo, por, preciso enviar uma mensagem. Muito bem, milorde.

Lalitha sentou-se escrivaninha, tremendo de medo. Lorde Rothwyn apanhou uma folha de papel encimada por uma coroa dourada e disse:

Agora, voc vai escrever uma carta para sua irm.

Automaticamente, ela tirou o capuz da cabea. Tinha ainda dificuldade para mover o brao, e lorde Rothwyn insistia: Escreva!

Lalitha inclinou-se e comeou a escrever o que ele lhe ditava: "Minha querida Sophie,

Dei seu recado a lorde Rothwyn e, como ele considerasse uma pena dispensar o trabalho do padre e as festividades preparadas para voc, tomei seu lugar e agora sou lady Rothwyn.

Voc vai ficar muito contente, tenho certeza, ao saber que osboatos sobre a sade de Sua Graa o duque de Ylventon , eram infundados. Vamos esperar que Sua Graa continue a gozar de boa sade por muitos e muitos anos.Lalitha parou de escrever. A expresso "boatos infundados" deixou-a intrigada.

Como o senhor sabe que eram boatos infundados? indagou ela. Sua graa... mora em Hampshire.De repente, como se uma luz se acendesse em seu crebro, Lalitha encarou lorde Rothwyn, de p ali peito dela, e exclamou:

No era... Verdade! Foi o senhor quem enviou o recado a Sophie! O duque no est... Morrendo!

No, no est. Apenas usei dessa artimanha para testar sua irm, e ela caiu na rede.

Como pde fazer coisa to cruel? perguntou Lalitha.

Cruel? Acha cruel pr a prova o amor que ela jurava ter por mim? Um amor no qual acreditei piamente, mas que existia s na minha imaginao? Vamos! Acabe com essa carta logo! O lacaio est esperando! -

No posso... Escrever mais queixou-se Lalitha. Elas vo me matar! Vo me matar por eu ter tomado parte nisso tudo!

Havia terror na voz dela. Pousou a pena na escrivaninha e ficou olhando para as palavras que escrevera, e que danavam diante de seus olhos. Devo estar louca! Louca por haver permitido... Que o senhor... Me forasse a esse casamento! Exclamou ela. No posso... Agentar...

Lalitha cobriu o rosto com as mos e inclinou a cabea. Com o movimento, a capa escorregou lhe dos ombros e caiu no cho.

Continue! lorde Rothwyn grilava. Esse momento no para fraquezas. Ningum vai maltratar voc por tomar parte nesta farsa, isso eu prometo!

Eu no devia... Ter consentido... O desespero de Lalitha era enorme.

Nesse instante, lorde Rothwyn viu o estado das costas dela. Apanhou um candelabro para examinar melhor as chagas que ainda sangravam. O vestido de Lalitha estava desabotoado at a cintura, e podiam-se ver as marcas das bengaladas cruzando-lhe as costas.

Meu Deus! gritou lorde Rothwyn. Depois, num tom de voz diferente do que usara at ento, interrogou-a: Quem a tratou dessa maneira? Quem fez isso em voc?

Minha madrasta! Mas logo ela corrigiu: No... No... Foi minha me. No foi minha madrasta! Foi minha me!

Lorde Rothwyn, ainda com o candelabro na mo, parecia perplexo, e Lalitha continuava a se contradizer:

Eu no falei madrasta... Juro que no falei madrasta! Porm, no posso mais ficar aqui. No posso!

Ela encarava-o suplicante, receando no ser ouvida. Fez com a mo um gesto de desespero, e depois desmaiou, caindo aos ps dele.

CAPTULO IIILorde Rothwyn olhou para o corpo inanimado de Lalitha e tocou a sineta.

Quando um lacaio entrou na sala, ele j estava com Lalitha nos braos e a levava para as escadas que conduziam ao quarto.

Era um cmodo espaoso que dava para o jardim dos fundos da manso. Todo enfeitado com lrios brancos, tinha sido preparado provavelmente para receber os noivos.

Lorde Rothwyn colocou Lalitha na cama com muito cuidado, deitando-a de lado para que no ficasse com as costas feridas em contato com os lenis, e ficou olhando para ela, incrdulo.

luz das velas do quarto ele pde constatar que os braos de Lalitha tambm estavam machucados. Concluiu ento que, quando ele a arrastara pela igreja, a fizera sofrer muito fisicamente, alm de t-la assustado.

Lalitha no se movia. A porta abriu-se e uma senhora idosa entrou. Tinha um rosto bondoso, enrugado, cabelos grisalhos, e usava o convencional uniforme cinzento das governantas.

Mandou me chamar, milorde?

Venha c Nattie respondeu Lorde Rothwyn, com um suspiro de alvio.

A governanta foi para perto da cama c viu as horrveis marcas nas costas de Lalitha.

Master Inigo! exclamou. Quem fez isso?

No fui eu, Nattie. Jamais trataria uma mulher assim, nem mesmo um animal.

Quem poderia ter sido to infame?

Outra mulher!

Que devemos fazer agora?

o que lhe pergunto Nattie.

A governanta inclinou-se e afastou para os lados o vestido de

Lalitha. Sangrando, inflamado, vermelho, no havia um centmetro no corpo dela, ao longo das costas do pescoo cintura, que no tivesse sido atingido pelos golpes da bengala.

Ela desmaiou! Quando voltar a si, imagino que a dor ser insuportvel acrescentou Lord Rothwyn.

E vai! confirmou a governanta. Precisamos de leo de loureiro.

Mandarei algum farmcia imediatamente!

Farmcia nenhuma tem esse tipo de leo replicou ela.

Ento, como poderemos obt-lo, Nattie?

Na casa da mulher que vende ervas.

Que mulher essa? Lord Rothwyn comeou a falar, depois exclamou: Lembro-me agora! Mora perto de Roth. Minha me costumava conversar com ela.

Essa mesmo. Nattie tocou a testa de Lalitha para se certificar de que estava viva, e indagou: Quem ela, milorde?

Aps curta pausa, Lord Rothwyn respondeu:

Minha mulher!

O senhor casou-se com essa moa? Mas eu pensei... Nos contaram esta tarde que...

Que eu iria trazer para casa uma mulher de rara beleza Lorde Rothwyn terminou o pensamento de Nattie, com evidente irritao. Em vez disso, trouxe para voc, Nattie, algum que necessita muito de seu cuidado e proteo.

Farei o melhor que puder, milorde respondeu ela, acariciando a cabea de Lalitha. Mas temos tambm que confiar em Deus. Tudo est nas mos dele!

Lalitha mexeu-se na cama e sentia-se feliz. Parecia ter voltado ao passado e sonhara com a me.

Aquele era um sonho que se repetia com freqncia. A me ficava a seu lado, carregava-a, e dava-lhe algo para beber.

Mame... Lalitha murmurou.

Abriu os olhos e acreditou estar ainda sonhando. Aquele quarto inundado de luz ela jamais vira. O leito onde repousava tinha colunas entalhadas e, acima do consolo de mrmore da lareira havia um quadro de cores brilhantes.

Ela fechou os olhos de novo. Provavelmente ainda sonhava. Depois, por estar curiosa, olhou outra vez ao redor e viu que a lareira e o quadro continuavam no mesmo lugar. Se est acordada, beba isso. Uma voz suave se fez ouvir.

Lalitha lembrou-se ento de que ouvira aquela voz antes, e que fizera parte de seu sonho. Obedeceu instintivamente.

Uma mulher amvel ergueu lhe o corpo e colocou um copo em seus lbios. Um lquido doce como mel mitigou lhe a sede.

Onde... Estou? gaguejou ela, filando a bondosa mulher que sorria.

Em Roth Park.

Onde?

Trouxeram a senhora para c, milady.

Mas... Por qu? De sbito, Lalitha recordou-se de alguma coisa. Ela entrara na igreja e um homem a beijara. Fora depois arrastada para o altar onde se casara.

Estava casada! Uma onda de medo percorreu-lhe o corpo... O homem com quem se casara parecia furioso muito furioso... E ela tivera medo, muito medo... Depois, escrevera uma carta... Uma carta para Sophie... Chegara a terminar a carta? Que acontecera em seguida?

Lembrava-se de ter dito algo horrvel, algo comprometedor. Sentiu um medo incrvel, mas no conseguia saber exatamente o que revelara. Os fatos voltavam devagar sua mente, com intervalos de inconscincia, como se receasse recordar alguns pormenores.

Vou pedir que lhe tragam qualquer coisa para comer a mulher que estava a seu lado declarou. Se sentir melhor depois que se alimentar.

Lalitha quis protestar, dizer que no estava com fome. O lquido que bebera fora reconfortante, a revigorara a ponto de tornar sua mente bem mais clara. Ainda sentia aquele gosto na boca.

A governanta tocou a sineta e algum apareceu porta do quarto. Ela deu algumas ordens e voltou para o lado da cama.

Ainda no sabe onde est? perguntou ela a Lalitha.

No estou... Em Londres?

Na verdade, no na cidade, mas muito perto. Estamos na propriedade de Sua Senhoria, em Hertfordshire.

Sua... Senhoria?

Essas palavras fizeram Lalitha estremecer. Agora se lembrava bem de tudo. Casara-se com Lalitha, o nobre com quem Sophie rompera na ltima hora; o moreno, furioso e assustador homem que preparara uma armadilha para Sophie, e com quem se casara.

"Por que tudo aquilo?" Lalitha se perguntava. "Que estaria pensando Sophie, sabendo que fora enganada?"

Lembrou-se ento de lady Studley e o pavor a invadiu por completo.

Minha madrasta sabe... Onde estou? perguntou ela com uma voz que no era mais que um sussurro.

No sei respondeu a velha senhora. Porm, no se preocupe com coisa alguma, Sua Senhoria est cuidando de tudo.

Mas ele... to bravo!

No est bravo agora. Apenas deseja que Vossa Senhoria se recupere logo.

Aquelas palavras foram animadoras. Era muito bom saber que Lorde Rothwyn no estava mais zangado.

Lalitha cerrou os olhos e adormeceu. Quando despertou, a comida a esperava.

No sentia fome, mas agradava-lhe saber que algum se preocupava com ela, alimentando-a s colheradas.

Dormiu novamente, mergulhando num pas encantado, onde sua me se achava, e onde no existia o medo.

Numa certa manh, Lalitha acordou e sentiu que as ltimas nuvens haviam desaparecido de sua mente, e pde enxergar ento os acontecimentos com mais nitidez.

O quarto parecia mais lindo que antes. As paredes brancas e douradas, as cortinas cor-de-rosa combinando com o tapete, os enormes espelhos de moldura dourada, os quadros e as flores, tudo enfim fazia parte do quarto ideal que algumas vezes Lalitha imaginara poder possuir, mas que nunca vira antes.

Sabia agora que a velha governanta que tratava dela havia sido a bab de Lord Rothwyn.

Ele era um menino dcil, e "Nattie" foi a primeira palavra que pronunciou. Grudou-se a mim desde os primeiros meses de vida contou-lhe a governanta.

Ela levou o breakfast e o colocou ao lado da cama. Lalitha no pde deixar de comparar a luxuosa porcelana de Worcester, a prata polida e a toalha bordada, com a imunda cozinha da casa em Hill Street, onde geralmente comia.

Que estaria lady Studley imaginando ter acontecido com sua enteada? Que explicaes dera a ela Lord Rothwyn? Que diriam as duas mulheres quando a vissem de novo.

Por no desejar responder a essas perguntas, Lalitha jogou-as ao esquecimento, e tentava se concentrar no que Nattie dizia.

Sabe que j engordou um pouco, milady? Tem alguns quilos a mais, garanto!

Como possvel? H quantos dias estou aqui?

H quase trs semanas.

No! Trs semanas? Mas como? No percebi o tempo passar!

Esteve muito doente replicou Nattie. O mdico descreveu sua doena como "exausto cerebral", mas no prestei ateno ao que ele dizia. Foi Sua Senhoria quem insistiu em consult-lo. A pessoa que a curou foi a mulher das ervas, milady. No vai reconhecer suas costas quando se olhar no espelho.

A mulher das ervas? Quem ela?

famosa por aqui, e pessoas vm de Londres para consult-la. Ela no permite que se usem remdios receitados pelos mdicos. Bobagem costuma dizer!

ch de ervas o que tenho bebido? perguntou Lalitha. Mesmo inconsciente, percebi que era delicioso!

Ervas e frutas do pomar dessa mulher, e mel das abelhas dos favos que ela mantm. Acredita que s o mel de suas prprias colmias possuem poder curativo.

Lalitha ficou silenciosa por algum tempo, depois disse:

Estou mesmo mais gorda?-

Um pouco replicou Nattie. E j um progresso.

Nattie foi at a penteadeira e pegou um pequeno espelho com moldura dourada. Levou-o a Lalitha para que pudesse constatar a diferena. Era de fato enorme, ela no parecia mais aquela menina de pele opaca, ossos salientes, olhos congestionados e cabelos sem vida.

Ao contrrio, agora seus olhos enormes tinham um brilho invulgar, a pele estava transparente e com um ligeiro tom rosado. Seus cabelos, ondulados e brilhantes, caam at os ombros.

Estou diferente, sem dvida! exclamou ela.

E vai ficar muito melhor depois que eu terminar com seu tratamento prometeu Nattie. Mas precisa me obedecer:

Lalitha sorriu. Ela notava um qu de carinho, zelo, em todas as ordens de Nattie. O modo autoritrio de ela falar escondia uma ternura que Lalitha jamais recebera de pessoas, aps a morte da me.

Aquilo era amor, de um certo modo o mesmo amor que a me lhe dedicara, porm com suas caractersticas especiais, pois Nattie nunca tolerava "bobagens ou fraquezas".

Vou fazer tudo o que voc mandar, Nattie, porque eu quero ficar boa logo.

Ao falar, contudo, Lalitha se perguntava se realmente desejava recuperar sua sade depressa. Quando s, teria problemas a enfrentar! Problemas talvez insuperveis!

E no precisava refletir muito para saber de onde viriam os problemas: ele, lorde Rothwyn, estava sempre presente naquele quarto em seu pensamento; o homem assustador, bravo; e dessa imagem Lalitha no conseguia escapar.

Nattie trouxe-lhe uma camisola limpa, um elegante modelo feito em tecido suave, enfeitado de renda. Penteou-lhe os cabelos tambm, tendo antes friccionado neles uma loo que a mulher das ervas fornecera.

Que isso? interrogou Lalitha.

Uma loo feita de cinco - folhas, uma gramnea explicou Nattie. conhecida como a erva de Jpiter.

Faz de fato os cabelos crescerem?

Seus cabelos cresceram consideravelmente nestas ltimas semanas. De qualquer maneira, sempre acontece quando se est inconsciente.

Nunca soube disso!

Mas verdade!

Como pude ficar inconsciente por tanto tempo?

Acordava de vez em quando, mas com a mente confusa; por essa razo conversamos com Vossa Senhoria dormindo quase o tempo todo.

Sob o efeito das ervas, penso observou Lalitha com um sorriso.

O sono o remdio de Deus, embora a gente d uma ajudazinha a Ele, claro.

O que foi que a mulher das ervas receitou para mim? Lalitha estava curiosa.

Penso que um ch de folhas de alfena, de St. John Woet, e de papoula branca. Mas pergunte voc mesma a ela, ainda que no garanta que revele seus segredos.

Nattie escovou os cabelos de Lalitha mais uma vez; depois, cansada devido aos cuidados que recebera, Lalitha adormeceu. Quando acordou, a tarde j ia em meio. Serviram-lhe ch com canaps. Ao terminar de comer, Nattie comunicou-lhe:

Sua Senhoria deseja falar.

Sua... Senhoria? Instintivamente Lalitha levou as mos ao peito como para se proteger.

Ele veio v-la aqui todos os dias, acompanhou seu progresso. Nattie sorriu. Foi como se estivesse interessado na recuperao de um edifcio em runa, trabalho esse a que dedica a maior parte de seu tempo.

Lalitha no deu resposta. Tremia de medo. Como iria enfrentar lorde Rothwyn? Que diria a ele?

Um repentino pensamento perturbou-a. Com certeza ele ia querer discutir sobre o futuro dela, e sobre como se livrar de um casamento sem nexo.

Lalitha mal notara que Nattie havia tirado de uma gaveta um xale de chiffon barrado de renda verdadeira, colocando-o sobre seus ombros. A governanta ajeitou um pouco mais os cabelos de Lalitha e afofou os travesseiros. Ouviu-se logo uma pancada na porta.

Entre, milorde Nattie disse, abrindo a porta.

Lalitha quase no podia respirar. Sem saber por que, esperava ver lorde Rothwyn de preto, como ele se apresentara na igreja. Lembrava-se bem da capa que o fazia assemelhar-se a um morcego de asas abertas.

Em vez disso, ele usava traje de montaria. Um palet azul, bem talhado, plastro alto, calas brancas e botas reluzentes davam- lhe um ar de extrema elegncia e menos assustador.

Lalitha levou uns segundos para ousar encar-lo, e constatou que ele no tinha mais a expresso de Satans. Ao contrrio, era o homem mais sedutor que j vira. Alto e dominador, contrastava com a estrutura frgil dela, que parecia mais etrea que terrena muito pequena naquele enorme leito de dossel e cortinas de veludo rosa-plido.

O sol da tarde inundava o quarto, emprestando-lhe uma tonalidade dourada.

Lorde Rothwyn dizia a si mesmo que nunca vira mulher alguma com cabelos daquela estranha colorao. Eram quase cinzentos, e os olhos de Lalitha eram cinzentos tambm. O profundo cinzento do mar revolto, com uma tnue claridade vinda da linha do horizonte.

Fico muito contente por ver que est melhorando declarou ele com voz grave.

Observou que Lalitha segurava o xale contra o peito. Ela no respondia nada, por isso ele continuou:

Voc causou a Nattie e a mim grande preocupao. Porm, agora podemos ver seu progresso a cada dia que passa. Muito breve ter condies de se levantar e passear pelo jardim. L h flores lindas nesta poca do ano.

Eu gostaria... Muito... Lalitha balbuciou.

Ento, faa tudo que Nattie mandar. o que venho fazendo por toda minha vida.

Ele sorriu, e um sorriso suave surgiu nos lbios de Lalitha, como resposta. A, s para dizer alguma coisa, ela desculpou-se:

Sinto muito pelo trabalho que tenho dado.

No h razo para se desculpar. Eu que lhe devo desculpas.

Era minha obrigao ter impedido que o senhor fizesse o que fez. Pensei nisso a tarde toda... Errei muito em consentir... No nosso casamento.

No havia nada que voc pudesse fazer, Lalitha.

Fui... Covarde. Mame teria tido vergonha de mim. Lalitha falava sem pensar. S depois lembrou-se de que precisava mentir acerca de sua verdadeira me.

Lorde Rothwyn viu medo nos olhos dela. Aproximou uma cadeira da cama e sentou-se.

Estamos casados, Lalitha disse ele. No pode haver mentiras entre ns. Na noite que voc desmaiou por eu hav-la forado cruelmente a se casar comigo, me contou primeiro que sua madrasta, depois que sua me a linha espancado. Vamos tornar as coisas bem claras: ningum mais vai maltrat-la enquanto estiver sob minha proteo. Voc minha esposa, e o passado dever ser esquecido.

Uma nova luz surgiu nos olhos de Lalitha. Depois ela sussurrou, ainda receosa:

Mas eu no posso... Ficar aqui... Para sempre.

Por que no?

Porque o senhor... No me quer. Pode me mandar embora... Ningum vai saber que somos casados.

Est tentando me convencer, Lalitha, de que pretende ocultar nosso casamento? Que sumir de minha vida?

No seria difcil replicou ela. a soluo mais vivel que encontrei para resolver nosso problema.

Por que considera nossa situao um problema?

Porque eu no sou o tipo de esposa... Para o senhor. Vossa Senhoria no pretendia se casar... Comigo.

Forcei-a a esse casamento, e ambos sabemos que foi um ato de vingana. Contudo, tratou-se de um contrato legal e religioso. Casei-me, afinal, com uma miss Studley.

Lalitha ficou calada por um momento, em seguida inquiriu:

Evitei que o senhor perdesse... a aposta de dez mil libras?

Evitou, mas recusei receber o dinheiro.

Por que motivo?

Vou dizer-lhe a verdade, como tambm espero sempre ouvir a verdade de sua boca. Quando sua irm disse que fugiria comigo, revelei essa deciso a dois de meus amigos mais ntimos, e um deles considerou-me um verdadeiro idiota.

Por qu?

Ele comentou que a nica coisa que Sophie Studley desejava era se casar com um homem de projeo social e, se ela desistisse de Julius em meu favor, seria unicamente por imaginar que o duque, tio de Julius, viveria por muito tempo. Assim sendo, eu representava para ela o melhor pretendente do ponto de vista financeiro.

Lalitha lembrou-se que Sophie dissera exatamente a mesma coisa. E lorde Rothwyn continuou:

Por amar muito sua irm, briguei com meu amigo. "Sophie me ama", gritei, como qualquer garoto apaixonado. Ento meu amigo sugeriu: "Vamos pr Sophie prova. Aposto dez mil libras que, se ela pensar que o duque vai morrer esta noite, desistir da fuga e continuar com Julius Verton". Aceitei o desafio por acreditar que Sophie me amava e, para provarmos isso, redigimos aquela carta que foi enviada a sua irm um pouco antes da hora combinada para nossa fuga.

Que teste... Cruel murmurou Lalitha.

Cruel ou no, provou que eu estava de fato "bancando o bobo" e meu amigo acertara.

E ele ganhou a aposta.. Na verdade, ganhou. Lembrei-me porm, de repente, ainda na igreja, que o contrato de casamento referia-se a "miss Studley", e no a "miss Sophie Studley".

Entendo! Mesmo assim, foi muito honesto o senhor no ter ficado com o dinheiro.

Alegro-me por ver que me aprova. Lorde Rothwyn sorriu.

Mas o mal persiste insistiu Lalitha.

O mal? Que mal?

Vossa senhoria continua casado... Comigo!

No descreveria nossa unio como um "mal", Lalitha.

O senhor disse para no fingirmos, ento vamos falar francamente. O senhor amava Sophie porque ela linda, a moa mais bonita da Inglaterra. Ningum pode ser mais fascinante que ela! Eu no sou uma esposa amada ou admirada por meu marido. O mais simples, nessas circunstncias, o senhor se livrar de mim.

Pensa assim realmente, no? lorde Rothwyn falou bem devagar.

Preocupo-me com o senhor.

E que vai acontecer com voc, Lalitha?

Tudo sair bem, se o senhor me ajudar um pouco.

De que maneira?

Poderia me dar um pouco de dinheiro... S um pouco, o suficiente para que eu possa alugar uma casinha no campo... Irei para qualquer lugar... Onde ningum me conhea... E o senhor no vai precisar me ver nunca mais. Minha antiga governanta cuidar de mim com prazer. Minha madr... me dispensou-a quando nos mudamos de Norfolk.

Quanto acha que tudo isso ir custar?

No muito. Penso que me arrumarei com... Bem... Com cem libras por ano.

Em troca dessa "imensa" quantia voc pretende sair de minha vida para sempre?

Nunca mencionarei seu nome... a pessoa alguma prometeu Lalitha. O senhor pode se casar com uma mulher a quem ame...

Sabe que sou um homem muito rico, no?

Sophie me disse.

E, sabendo, ainda admite que cem libras por ano seja uma recompensa justa pelo servio que me prestou?

No sou muito... Exigente... Em meus gastos.

Ento, diferente da maior parte das mulheres de sua idade.

Acho que a felicidade... No depende do dinheiro.

Ela pensou logo em como fora feliz em sua casa com o pai e a me, levando uma vida bastante modesta. Os trs haviam conhecido uma felicidade que jamais poderia ser traduzida em ouro, no importando em quanto montasse a fortuna.

A voz de lorde Rothwyn quebrou a trilha dos pensamentos de Lalitha.

Mais uma vez deixe-me dizer-lhe, Lalitha, que voc diferente da maioria das mulheres.

No sei se devo considerar isso um elogio ou no comentou ela.

Voc tem planos para o futuro? Lorde Rothwyn quis saber.

Talvez. S espero que o senhor no revele a minha madrasta ou a Sophie... Meu paradeiro. Elas podem descobrir onde estou, e ento...

Num gesto de splica Lalitha estendeu-lhe a mo. Lorde Rothwyn cobriu-a com a sua, e disse:

Realmente imagina que eu faria o que quer que fosse para provar um novo sofrimento em voc?

Acho que minha madrasta... Deseja que eu morra. O senhor at pode lhe dizer que eu... Morri.

Voc est muito viva! E, embora aprecie suas idias, tenho meus planos tambm.

Quais so eles?

Alguma vez Sophie disse a voc qual era minha ocupao?

Nunca.

Tenho dedicado anos de minha vida devolvendo o antigo esplendor a edifcios esquecidos e negligenciados.

Deve ser um trabalho muito interessante.

Acho que sim concordou lorde Rothwyn.

Lembro-me agora de ter ouvido Sophie falar que o prncipe regente consultava o senhor sobre esse assunto.

Possumos a mesma opinio, ele e eu, em muitas coisas. Dei sugestes a Sua Alteza Real acerca de edifcios em Regentes Park e em Brighton. Ele me honra aprovando freqentemente minhas idias renovadoras, e transformamos muitas vezes montes de entulho em obras de arte.

Gostaria muito de ver um desses prdios.

Vou lhe mostrar prometeu ele. Aqui perto mesmo h uma casa construda por um estadista da corte da rainha Elisabeth. Pois bem, encontrava-se em lamentvel estado de runa. O grande salo onde a rainha costumava jantar convertera-se em estrebaria. As vigas de madeira preciosa foram roubadas, utilizadas em construes rurais, ou queimadas como lenha. Neste momento, a casa j est quase completamente restaurada.

Lorde Rothwyn falava com eloqncia, o que demonstrou a Lalitha o prazer que tinha naquele trabalho. E ele prosseguiu:

Descobri tambm, por acaso, perto da antiga aldeia de St. Albans, fundada pelos romanos, uma pequena villa esquecida e toda coberta de mato. Limpei a rea e encontrei mosaicos de um valor inestimvel, mrmores e pilares de beleza incrvel.

Como o senhor hbil! exclamou Lalitha. Apreciaria muitssimo ver essas coisas.

Tenho orgulho de meu instinto em descobrir preciosidades. O prncipe regente sente-se como eu quando v uma obra antiga, um quadro, que necessita de restaurao. Ele pode visualizar que, sob a runa, existe uma obra de arte.

E o senhor nunca se engana?

Praticamente nunca! Isso me leva a crer que estou certo sobre voc.

Sobre... Mim?

Voc precisa de restaurao! observou ele sorrindo.

Tudo o que o senhor encontrou at agora tern sido excepcionalmente precioso. No acredito que o mesmo se d em minha pessoa.

muito modesta! parecida com seu pai ou sua me, Lalitha?

Com minha me, porm um pouco menos favorecida. Minha me era lindssima!

Lalitha embaraou-se ao referir-se me de novo. Recordou- se, ento, de que em dilogos anteriores esquecera-se por completo da farsa que representava quanto sua filiao. Tentou reparar seu erro, dizendo:

Claro. Minha me... No decorrer dos anos...

Achei que tnhamos concordado em no mentir um para o outro, Lalitha.

Dei minha palavra... Mas...

Qual o problema? O que a apavora tanto?

Ela... Me matar... Se souber...

Tal coisa nunca vai acontecer garantiu ele. Contudo, como no quero que se preocupe com outros problemas enquanto se restabelece, no vou pression-la a deslindar esse mistrio de me e madrasta. Concentre-se somente em seu restabelecimento. Logo poder passear pelo jardim comigo e, quando se sentir mais forte, a levarei aldeia perto de St. Albans a fim de visitar a casa a que me referi, antes que seja habitada. Promete que no vai se preocupar com seu futuro?

Tentarei...

Discutiremos nosso assunto de novo quando voc estiver mais forte. Por ora, confesso apenas que ficarei muito desapontado se a restaurao do edifcio chamado "Lalitha" ficar alm de minha expectativa.

Por favor, no espere demais de mim insistiu Lalitha com um sorriso.

Sou um perfeccionista! Ele tomou em seguida a mo dela e levou-a aos lbios: Durma bem, Lalitha, virei v-la amanh.

Ele j ia saindo do quarto quando Lalitha indagou:

Por que razo o senhor se encontra no campo? A temporada de Londres ainda no terminou!

Mas est quase no fira! E no confio em ningum quando me proponho a recuperar meus "edifcios".

Ele sorriu e retirou-se. Lalitha recostou-se nos travesseiros; seu corao batia mais forte, mas no era de medo.

"Como lorde Rothwyn tem sido bondoso!", pensava. Mesmo assim, continuou achando que devia sair de seu caminho o mais breve possvel.

Imaginava a m impresso que provavelmente daria aos amigos do marido. Esperavam que a esposa dele fosse uma Sophie de cabelos de ouro, olhos azuis e pele perfeita.

Lalitha no ignorava, embora ningum lhe houvesse dito, que lorde Rothwyn tivera muitas mulheres em sua vida, tampouco que ele jamais propusera casamento a nenhuma delas, alm de Sophie.

Sophie dissera que lorde Rothwyn era um dos homens mais ricos da Inglaterra. Nesse caso, toda me de filhas casadouras o desejaria como genro. Qualquer moa adoraria viver em Rothwyn House, em Park Lane, ou ser a castel de Roth Park. Usando as jias da famlia, seria a anfitri das grandes personalidades, a comear pelo prncipe regente. E Sophie possua o essencial para essa posio: uma beleza deslumbrante.

Alm de Sophie, haveria outras mulheres de sangue azul, de grande dote e, quem sabe, de atraente personalidade disposio de lorde Rothwyn.

"E eu no tenho nada disso," pensava Lalitha.

Ela encostou o rosto no travesseiro e fechou os olhos. At que se recuperasse bem, poderia viver em meio a todo aquele luxo e conforto. Alis, sempre odiara a feira, a sujeira, a crueldade, as mentiras, enfim tudo o que fizera parte de sua vida nos ltimos tempos.

Agora, escapara! Contudo, no podia esperar que essa existncia durasse eternamente. Lorde Rothwyn fora bondoso, mas s porque ela estava doente, e porque devido sua ira forara-a a um casamento.

"Ao mesmo tempo, com certeza ele me despreza por eu ter sido to fraca", conclua ela. "Se eu houvesse protestado com mais veemncia, se houvesse recusado a me casar, ele no estaria agora na contingncia em que se encontrava. Preciso salv-lo, separando- me dele!"

Lalitha deu um suspiro profundo e logo adormeceu.

Dois dias mais tarde sentiu-se bem para descer; porm, antes teve de se encontrar com a mulher das ervas. Era uma senhora simptica, que parecia ter-se exposto ao sol at ficar da cor do bronze, e que tinha olhos azuis como miostis. Ela encantou-se ao constatar o progresso da Lalitha.

Mas ainda tem muito cho a percorrer, minha cara declarou ela logo. Contudo, est no caminho certo, e a nica coisa que precisa fazer agora seguir minhas instrues. Ela sacudiu o dedo em frente do rosto de Lalitha, ameaando-a: E no tente me tapear.

Lalitha continuou com o uso do leo de loureiro, que cicatrizara to bem suas costas. A mulher receitou-lhe outros cremes suaves para passar no corpo aps o banho, feitos base da seiva de rmulas. Um ch de calaminta, e erva de Mercrio, foi recomendado para a cura das afeces da pele e do crebro.

A senhora me faz pensar que estou louca! protestou Lalitha.

Vossa senhoria deixou o crebro faminto como tambm o corpo. Ele precisa ser alimentado para recuperar energia. A calaminta vai ajudar. Deixo aqui um frasco e avise-me quando terminar.

Temendo se esquecer das instrues, Lalitha tomou nota de tudo.

Uma das recomendaes da mulher foi que ela trocasse a loo do cabelo que vinha usando por uma feita de caroos de pssego.

Ferva-os com vinagre ordenou a mulher a Nattie. Felizmente h muitos pssegos nesta poca do ano. Eles fazem o cabelo crescer e lhe do um brilho lindo, como o do prprio pssego.

A mulher levou para Lalitha o mel produzido na casa dela, e aconselhou-a que comesse o favo tambm, to nutritivo como o mel.

Onde a senhora aprendeu isso tudo? indagou Lalitha.

Meu pai era botnico, e meu av igualmente. Nicholas Culpeper foi um de meus antepassados.

Quem era ele?

Um famoso mdico e astrlogo. O primeiro homem a comunicar ao mundo o poder das ervas no tratamento da sade. Escreveu muitos livros sobre o assunto.

Ignorava que houvesse algo escrito, explicando o emprego medicinal das ervas.

Nicholas Culpeper dedicou sua vida ao estudo da astrologia e da medicina.

Que sorte ter ele posto o resultado de suas investigaes em livros!

Durante a Guerra Civil, lutou pelo parlamentarismo, e foi ferido no peito informou a mulher. Restabeleceu-se felizmente pois, se tivesse morrido, teria levado consigo toda sua cincia.

E nossa perda seria imensa!

verdade! Enquanto ele exercia a medicina, encontrava tempo para descrever as propriedades medicinais das ervas num livro que chamou de Compndio Herbal. Por favor, posso ver esse livro algum dia?

Claro, esse e outros que ele publicou. Venha visitar-me que eu lhe mostrarei os livros e, estando interessada, pode ver tambm minha horta, meu laboratrio, e falar com minhas abelhas.

Falar com as abelhas! exclamou Lalitha com espanto.

Elas gostam de conversar com as pessoas que curam. Eu lhes contei tudo acerca da senhora, expliquei o que esperava que o mgico mel produzido por elas fizesse. Minhas abelhas nunca falham!

Assim que a mulher das ervas saiu, Nattie ajudou Lalitha a se vestir. Trouxe-lhe um vestido novo, com mangas bufantes, bem apertadas no pulso, estilo muito em moda na poca. A saia era rodada, enfeitada com fitas em torno da bainha, evidenciando a origem da toalete: Paris.

para mim? perguntou Lalitha, incrdula.

Sua Senhoria comprou vrios vestidos em Londres para a senhora. Joguei fora os trapos que Vossa Senhoria vestia quando aqui chegou.

Lalitha corou murmurando:

Era s o que t