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MARCELO BALABAN
Poeta do Lpis:
A trajetria de Angelo Agostini no Brasil Imperial
So Paulo e Rio de Janeiro 1864-1888
Tese de doutorado
apresentada ao Departamento de Histria
do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas
da Universidade Estadual de Campinas
sob orientao do Prof. Dr. Sidney Chalhoub.
Este exemplar corresponde redao final da Tese
defendida e aprovada pela Comisso Julgadora em 14/12/2005
BANCA
Prof. Dr. Sidney Chalhoub (orientador)
Profa. Dra. Margarida de Souza Neves (membro)
Prof. Dr. Elias Thom Saliba (membro)
Profa. Dra. Izabel Andrade Marson (membro)
Profa. Dra. Silvia Hunold Lara (membro)
Prof. Dr. Robert W. Slenes (suplente)
Profa. Dra. Iara Lis Schiavinatto Carvalho Souza (suplente)
Profa. Dra. Martha Abreu (suplente)
Dezembro de 2005
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FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH -
UNICAMP
Palavras chave em ingls (Keywords): Caricature. History. Press.
Brazil History 19th Century.
rea de concentrao : Histria Social.
Titulao : Doutor em Histria.
Banca examinadora : Sidney Chalhoub, Margarida de Souza Neves,
Elias Thom Saliba, Silvia Hunold Lara, Izabel Andrade Marson. Data
da defesa : 14/12/2005.
Balaban, Marcelo B18p Poeta do lpis: a trajetria de Angelo
Agostini no Brasil
imperial So Paulo e Rio de Janeiro 1864-1888 / Marcelo Balaban.
- - Campinas, SP : [s. n.], 2005.
Orientador: Sidney Chalhoub. Tese (doutorado ) - Universidade
Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.
1. Agostini, Angelo, 1843-1910 - Biografia. 2. Caricatura. 3.
Imprensa. 4. Brasil Histria Sc. XIX. I. Chalhoub, Sidney. II.
Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Cincias
Humanas. III.Ttulo.
(cc/ifch)
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III
RESUMOEsta tese uma biografia profissional do artista italiano
Angelo Agostini (1843-1910) no Brasil
entre os anos de 1864 e 1888. Conhecido como um dos principais
nomes da imprensa ilustrada oitocentista,
ele foi um importante colaborador em vrios dos mais principais
jornais de caricatura da segunda metade do
sculo XIX, alm de ter sido proprietrio de semanrios, com
destaque para a Revista Illustrada. Analisando
a cobertura que fez de temas e acontecimentos polticos centrais
do perodo guerra do Paraguai, a questo
religiosa, o abolicionismo e a questo da cidadania busquei,
nessa investigao, explorar a relao entre
stira e poltica no Brasil da poca. As estratgias narrativas e
tcnicas utilizadas por Agostini, seu empenho
comercial, a interlocuo entre caricatura e outras formas de
discurso literatura, textos e discursos polticos
foram analisados de tal modo a dar densidade histrica s estampas
produzidas por Agostini. Esta tese
procura, portanto, desvendar alguns significados da vida e obra
de Angelo Agostini a partir das incertezas e
conflitos que cercavam o ofcio exercido com sucesso por este
peculiar personagem.
AbstractThis dissertation is a biography of the professional
life of the italian artist Angelo Agostini
(1843-1910) in Brazil between 1864-1888. Widely known as one of
the main names of the ilustrated press in the nineteenth century,
Agostini was an important contributor for many of the main
newspapers in the second half of the 19th century, besides being
the owner of a number of weekly newspapers, including the Revista
Illustrada. Through the analysis of his coverage of central themes
and events of that period such as the Paraguay war, the religious
question, abolitionism and the question of citizenship I tried to
explore the relationship between satire and politics in
contemporary Brazil. The narrative strategies and techniques used
by Agostini, his commercial efforts, the dialogue between
caricature and other discoursive forms literature, political texts
and speeches were analysed in order to unveil the historical
density of Agostinis prints. Therefore, this dissertation seeks to
disclose some meanings of the life and work of Angelo Agostini
starting from the uncertainties and conflicts that surrounded the
successful works by this peculiar character.
-
Agradecimentos
Apesar de ser a primeira que o leitor encontrar, esta na verdade
a ltima pgina que escrevi, to exausto
como costumam ficar os doutorandos em final de percurso. Como
todas as teses, esta tambm acumula
dvidas de gratido com muitas pessoas que encontrei nos ltimos
anos ou pela vida a fora. Aquelas que
por ventura no forem mencionadas, no o foram por cansao, aliado
a minha natural confuso, e demais
percalos que envolvem a fase final do trabalho, sempre to cheia
de pequenos e grandes problemas a serem
solucionados. Deixo, ento, registradas minhas desculpas e o
reconhecimento da dvida contrada.
Sem a FAPESP, que financiou a pesquisa, o trabalho no seria
possvel. A ateno e presteza dos funcionrios
dos arquivos e bibliotecas que consultei foram de grande ajuda,
fazendo muitas vezes com que uma fonte
difcil pudesse ser localizada e at descoberta, ou que novos
caminhos de pesquisa pudessem ter sido
seguidos. Ao pessoal do Cecult em especial Uli, Flvia e Luciana
-, preciso mais uma vez agradecer
a ateno, competncia e pacincia com suportaram e atenderam,
sempre com muito bom humor, alguns
atrasos e pedidos um tanto atrapalhados, pelos quais ainda
preciso me desculpar.
A banca de qualificao, formada pelas professoras Izabel Andrade
Marson e Silvia Hunold Lara, ajudou na
reescrita dos captulos 1 e 3, bem como me fez entender melhor as
possibilidades da tese em elaborao,
redirecionando a escrita dos captulos restantes. A conhecida
competncia e generosidade das duas, e a
ateno comigo e meu texto preliminar, foram fundamentais para que
o trabalho pudesse chegar a bom
termo.
Os professores do Cecult, Robert W. Slenes e Cludio Batalha, em
momentos diferentes, contriburam com
sugestes e estimulo. Em seguidos seminrios temticos na Anpuh, as
professoras Iara Lis Schiavinatto
Carvalho Souza e Cristina Meneguello me brindaram com comentrios
e crticas muito estimulantes.
A professora Margarida de Souza Neves, sempre atenciosa e
generosa, manteve um olho atento para
o trabalho desde o princpio.
Sidney Chalhoub, ao longo dos ltimos cinco anos de trabalho, foi
rgido quando preciso e preciso nos
comentrios pontuais e estruturais, sempre muito interessado na
pesquisa. Alm de fundamental para
todo o trabalho, foi uma convivncia profissional rica e
instigante, que vai certamente marcar minha
trajetria. Isso para no falar na amizade e nas saborosas
palestras sobre futebol, bem como nas peladas
que, infelizmente, no sobreviveram tanto quanto nos
gostaramos.
Os amigos, bem, o que faria sem eles? Apoiaram, riram comigo e
de mim, agentaram momentos de
cansao e impacincia, enfim, l estavam em todos os momentos. Ana,
Eneida e Clio, colegas de turma e
de inquietaes. Jorge Carreta continua sendo uma pessoa rara.
Gabriela, Gino e Fabiane, agora um tanto
distantes, souberam estar por perto. Mariana, amiga muito
querida, sempre se interessou, e contribuiu com
ricas sugestes de leituras. Brulio e Joana me abrigaram na volta
para Campinas e foram companheiros
cada vez mais prximos. A eles, dedico minhas mais sinceras
saudaes tricolores. Claudia se tornou cada
vez mais uma amiga importante, alm de ajudar a reviso na reta
final. Elciene a minha amiga mais chic.
-
II
Ela foi, tambm, interlocutora essencial, participando do e
melhorando o trabalho com rigor e carinho.
No posso deixar de lembrar da Gisela, da Paula, enfim, do grupo
que contumazmente se encontrava
no bar do Jair. No sei o que teria acontecido sem todos
vocs.
Leonardo e Clementina, sempre muito rigorosos, apoiaram,
criticaram, leram uma e outra parte da tese,
enfim, participando de tudo e em tudo, contriburam de maneira
fundamental.
Mariana, minha prima-irm, conseguiu o que parecia impossvel: se
tornar mais indispensvel e mais amiga.
Alm disso, me abrigou por longas temporadas de pesquisa em So
Paulo, contribuindo para que cada estadia
fosse sempre muito divertida. Thiago foi outro que me abrigou em
temporadas de pesquisa, mas no caso dele
no Rio de Janeiro. Enquanto ele prprio descobria o Rio, me
ajudou muito mais do que ele possa imaginar; coisa
de melhor amigo. Sergio, sempre s voltas com computadores e
aparelhos eletrnicos mirabolantes, se casou
com a Viviane e ambos tem sido referncia de afeto continuado.
Claudinha, minha irm-irm, torceu e discutiu
muito comigo sendo, sua maneira, cada dia mais imprescindvel.
dela a formatao da tese, certamente a
melhor parte de todo o trabalho. A V Lygia a nossa inspirao.
Atravs dela agradeo a toda a famlia.
Meu pai encontrou o seu lugar no mundo; a esperana renovada.
Minha me, de novo e sempre, esteve e est l com carinho e fora,
docemente. Por tudo que voc fez por
mim, e me ensinou nos ltimos anos, e em especial nas ltimas
semanas, esta tese, me, com muito orgulho,
para voc.
Campinas, 07 de novembro de 2005
-
Indice
Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . 1
cap. 1 - A Arte do Poeta1 - O bom Angelo . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2 - Uma boa estrela . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . 16
3 - Poeta do lpis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . 27
4 - A ptria livre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . 35
5 - Angelo Agostini, brasileiro depois da lei de 13 de Maio . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
42
6 - O atleta da liberdade . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . 50
cap. 2 - Cenas Liberais1 - O regresso do voluntrio . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . 55
2 - Um diabinho manso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . 61
3 - Cenas liberais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . 72
4 - A verdadeira imparcialidade . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . 91
5 - O escravo voluntrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . 135
cap. 3 - Bandidos de Roupeta1 - Ex-informata concientia . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . 163
2 - Para que serve a nossa poltica? . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . 171
3 - Juca Rosa de batina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . 179
4 - A S. Bartolomeu dos maons no Brasil . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
193
5 - Bandidos de roupeta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . 227
6 - Questo de historiador . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . 245
cap. 4 - Escravido ou Morte1 - A revoluo do vintm . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . 271
2 - Voltaire no pertenceu academia francesa . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
289
3 - Escravido ou morte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . 314
4 - Cidadania e stira poltica . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . 337
Fontes e Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . 345
-
Introducao
De ordinario se faz em verso
Segundo a edio de 1813 do Dicionrio de Lngua Portuguesa de
Antnio de Moraes Silva, a stira um poema censrio dos costumes, e
defeitos, pblicos, ou de algum particular1. A definio iniciada com
a palavra poema, que para o mesmo dicionrio era a obra potica,
lrica, dramtica, pica. Pertencia a stira, portanto, s mais altas, e
valorizadas, formas de literatura. Afinal, era trabalhada em estilo
harmnico, e mtrico, diverso do prosico3; este, por ser mais usual,
era menos elaborado, resultando por essa razo em versos
defeituosos. A outra parte do verbete se funda na idia de crtica e
na distino entre o pblico e o particular. O papel que atribui stira
revela a dimenso poltica do conceito. Forma e funo integravam uma
unidade de significao indissolvel, de tal maneira que a alta
literatura era tambm concebida como uma obra com inteno e
capacidade de ao poltica que, por sua vez, era para Moraes a arte
de governar os Estados. Temos, desse modo, que a stira era
entendida como um gnero literrio elevado, que por essa razo exercia
funo social.
A associao entre literatura, stira e poltica bem antiga. Na
Potica, Aristteles defende que a poesia tem origem na imitao.
Segundo o filsofo, imitava-se fundamentalmente dois tipos de atos
humanos: os nobres ou os ignbeis. Desta distino nasceram os dois
principais tipos de poesia: a tragdia e a comdia. O objeto da
imitao era distinto, determinando formas especficas para cada
gnero, mas a inteno era semelhante. Ao final, ambas buscavam eleger
e exaltar virtudes, fosse por meio do elogio, ou atravs do exerccio
de apontar, e tornar ridculo e risvel, os erros. Comdia e tragdia
integravam um registro elevado da arte potica, seriam ento tipos de
poesia de alto valor esttico e poltico. Para o filsofo, a comdia,
mais do que Antnio de Moraes Silva. Dicionrio de Lngua Portuguesa.
Edio fac-similar da segunda edio de 83, Rio de Janeiro: Oficinas
S.ALith-TypografiaFluminense,922,pg.370.
2 Idem.pg.462.
3
EstapartedadefiniodepoesiadodicionriodeAntoniodeMoraesSilva,op.cit,pg.462.
4
AdefiniodeprosaicoestnomesmodicionriodeAntoniodeMoraesSilva,napgina58.
5 Idem.pg.464.
-
O Poeta do Lapis
imitao de homens inferiores, tinha uma hierarquia moral rgida:
no comportava toda a espcie de vcios, mas s quanto quela parte do
torpe que o ridculo. Ou seja, para Aristteles, a comdia era a arte
de imitar o ridculo.
Tais breves reflexes apontam para algumas questes que sero
trabalhadas ao longo desta tese. As idias do conhecido filsofo,
retiradas do seu contexto original e do sentido que tinha na poca,
e a definio de stira do dicionrio de Antonio de Moraes Silva ajudam
a iniciar uma reflexo sobre os sentidos e formas do humor,
particularmente da arte da caricatura, no Brasil da segunda metade
do sculo XIX. A litografia permitiu que imagens fossem criadas e
reproduzidas com qualidade. A tcnica foi a grande responsvel pelo
nascimento de um novo gnero de jornal, que no Brasil comeou a
ganhar mais flego na dcada de 180. Os assim chamados jornais de
caricatura eram em sua maioria folhas semanais que tinham
normalmente 8 pginas em cada nmero, sendo dedicadas aos textos e
para as imagens. Sendo numeradas, eram feitas para serem
colecionadas pelos leitores, que tinham em suas casas um manancial
de desenhos caricaturais e retratos de pessoas, lugares e
acontecimentos. A idia de cpia, de imitao da realidade era muito
forte naqueles peridicos.
Ainda que o significado da noo de imitao em Aristteles e na
imprensa ilustrada oitocentista seja bastante diverso, distantes
por sculos a fio, a maneira como a diferena entre tragdia e comdia
est formulada na Potica guarda alguma semelhana com o sentido que
era conferido literatura e caricatura. A expresso Poeta do lpis
sintetiza, de maneira particularmente feliz, o tipo de questo que
envolvia o fazer dos jornais de caricatura naqueles anos. Une o
lpis gorduroso com o qual o artista desenha sobre a pedra
litogrfica pena dos poetas. Aproxima o sentido do trabalho dos
artistas do crayon daquele realizado pelos literatos. No decorrer
do sculo XIX, a literatura era uma atividade fortemente associada
poltica, assumindo sentidos nobres no debate pblico. Seus autores,
no raro, exerciam cargos eletivos. Publicados primeiramente na
imprensa, muitas destas obras eram carregadas de alegorias, de
imagens que ajudam a entender a retrica e o sentido do debate
poltico da poca. A associao desta atividade com a desempenhada pelo
caricaturista continha, desse modo, um significado que ia alm da
referncia artstica, especialmente no ano em que a expresso foi
criada pelo jornalista abolicionista Jos do Patrocnio para definir
o personagem central deste trabalho: o artista italiano radicado no
Brasil Angelo Agostini.
Corria o ano de 1888, ms de abril. A abolio da escravido era
dada como certa. Na opinio dos abolicionistas, assim que fossem
retomados os trabalhos legislativos o Brasil estaria finalmente
livre de um fardo. Um peso que atrasava o pas, se espalhando 6
Aristteles.Potica.SoPaulo:ArsPotica,992,pg.33.
-
Introduo
como uma doena contagiosa que vitimara a nao desde sua fundao. A
proximidade do aniversrio natalcio do proprietrio da Revista
Illustrada deu o motivo para que as comemoraes pudessem ser
iniciadas. Mais do que celebrar seus anos de idade, a data era um
pretexto para comearem os festejos pela vitria da causa, vista ento
como o incio de um novo tempo. Na opinio daqueles homens, uma poca
mais promissora, de maior progresso, em que a liberdade seria o
valor sobre o qual floresceria uma nova nao, um pas mais justo e
civilizado estava para nascer. Era a tudo isso que a expresso
cunhada pelo Tigre da Abolio se referia, ao atribuir a Angelo
Agostini parte da responsabilidade por vitria to longamente
esperada e to custosamente alcanada. Estando no Brasil desde 189, e
j sendo consagrado caricaturista, e dono de uma das mais
importantes folhas ilustradas da Corte, Agostini chegava ento,
segundo a pena de Patrocnio, ao momento ureo de sua carreira: os
esforos de anos, a luta poltica travada com o lpis litogrfico,
atravs da stira, tudo, enfim, que dera sentido a sua vida
profissional e pessoal finalmente se realizava em sua
plenitude.
Tal realizao ligava-se, de maneira central, associao entre
literatura e caricatura que usou para definir nosso personagem. Na
segunda metade do sculo XIX, ela tinha ainda outros sentidos. Cada
atividade a sua maneira, construam verses sobre a histria
brasileira do perodo, usando para tanto referncias e estratgias
narrativas comuns. Organizadas em captulos, eram formas de discurso
amplamente difundidas no perodo, com a diferena que os jornais de
caricatura eram colecionados e reunidos em volumes anuais, e os
contos, crnicas, romances e poemas publicados na imprensa ganhavam,
muitas vezes, posteriormente a forma de livro. O uso de figuras de
linguagem era outro ponto comum, explorado a partir do recurso
peculiar de cada texto. Alegorias e anedotas eram tambm amplamente
utilizados na construo de verses verossmeis, mas no necessariamente
verdadeiras, dos acontecimentos abordados. Um tnue limite entre a
fico e a realidade fazia parte da construo daquelas narrativas.
Finalmente, ambos faziam uso de narradores para construir suas
histrias. No caso dos semanrios ilustrados, tinham feies bem
definidas. Eram a alma de cada peridico.
Por todas essas razes a expresso de Jos do Patrocnio, cunhada em
uma homenagem ao amigo aniversariante, foi uma sntese feliz. Mas
ela ao mesmo tempo um desafio. Porque ele construiu tal associao
naquele momento? A vida e obra de Angelo Agostini se definiam por
seu empenho abolicionista? Alm dos motivos listados acima, muitos
dos quais provavelmente faziam parte da inteno de Patrocnio, havia
um esforo em aproximar literatura e caricatura de modo a elevar
esta ao mesmo nvel de importncia da outra. Dito de outra forma,
mais do que estabelecer similitudes
-
O Poeta do Lapis
formais e de sentido, a associao proposta pelo jornalista no
momento em que julgava certa a abolio da escravido tinha tambm um
sentido valorativo. Significava elevar a caricatura altura da
literatura, conceber ambas as atividades como discursos igualmente
importantes para a vitria da grande causa do tempo. Isso se, e
somente se, fosse realizada por mo competente e sria. Os desenhos
de Angelo Agostini eram concebidos como stira justamente por isso.
E esse era o elogio que dirigia ao amigo, o que singularizava o
artista italiano em meio aos jornais de caricatura.
Atividade considerada menos sria, vista apenas como simples
divertimento ou instrumento de maledicncia, que cultivava uma verso
menos elevada da stira, pouco comprometida, a caricatura, e os
jornais onde era publicada, era um fenmeno forte e em constante
crescimento ao longo do sculo XIX, especialmente na segunda metade.
Apesar de cercada de polmica, nem sempre era levada a srio. O mais
das vezes, suas stiras, que abordavam toda sorte de assuntos, eram
tratadas como simples piadas, incapazes de ofender seriamente, ou
de ter qualquer participao relevante no cenrio poltico. Em grande
parte esse fator, aliado novidade de reproduzir e produzir imagens
com a velocidade e preciso que a nova tcnica da litografia
permitia, ajuda a explicar seu impacto e sucesso editorial. Por tal
razo, o sentido da associao proposta por Patrocnio parece algo
estranho. Afinal, buscava igualar em natureza e potencial o
literato e o caricaturista, a literatura e a caricatura,
contrariando um ponto de vista mais usual segundo o qual as letras
eram a mais nobre das atividades do esprito.
O momento em que prope tal associao um bom ponto de partida para
entender a sua razo de ser. O destinatrio da alcunha e seu perfil
naquele contexto podem fornecer outras chaves de interpretao.
Agostini era visto por Patrocnio como uma espcie de encarnao de
virtude, que teria a capacidade de dar feio poltica a uma atividade
pouco considerada. O sucesso que fazia junto ao pblico poderia ser
uma arma que, se bem manejada, ajudaria nas principais causas do
tempo. Essa verso acabou sendo reproduzida por autores que no sculo
XX tematizaram a caricatura e os semanrios ilustrados do sculo XIX
se tornando posteriormente uma verdade sobre a caricatura e os
jornais de caricatura daquele tempo. Investigar como ela se tornou
possvel e porque Angelo Agostini o personagem em torno do qual ela
foi construda uma das intenes desta tese. Em outras palavras, a
maneira como Jos do Patrocnio singularizou e deu sentido ao homem e
ao artista Angelo Agostini no ano de 1888 aqui tomada como um
problema histrico.
7
CertamenteotrabalhomaisimportantesobreacaricaturanoBrasilodeHermanLima.Histria
da Caricatura no Brasil - vols.
1,2,3,4.RiodeJaneiro;JosOlympio,963.
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Introduo
O humor e o riso so questes antigas, que vem continuadamente
instigando a curiosidade de pesquisadores. Como vimos, Aristteles
tentou entender a comdia como forma de explicar a essncia e a
origem da poesia. Henri Brgson, em estudo clssico, analisou o riso,
ou melhor, sobre o riso especialmente provocado pela comicidade8.
No querendo engessar tal forma de manifestao humana em uma frmula,
a inveno cmica era para ele sobretudo algo vivo9, ou seja, tinha
movimento, tinha essencialmente histria. Mikhail Bakhtin10, por sua
vez, se serviu do humor, e particularmente da stira, para analisar
trocas culturais na Frana do sculo XVI. Analisou a obra de Rabelais
com o intuito de entender a cultura popular, de camponeses e
artesos, e a circulao desta com a cultura hegemnica. As
dificuldades e potencialidades de se trabalhar com o humor em suas
variadas manifestaes emergem destes trabalhos. No Brasil, o tema do
humor vem inspirando pesquisadores. Alguns autores tm se debruado
sobre autores de humor e fontes humorsticas, em suas diferentes
manifestaes, como estratgia para entender contextos histricos.
Elias Thom Saliba analisou as representaes humorsticas no Brasil da
belle poque at a era do rdio11. Isabel Lustosa1 estudou a obra do
literato e humorista Mendes Fradique na belle poque carioca. Nesta
tese, seguindo as lies de alguns dos estudiosos citados, parto da
premissa de que o humor, em particular a stira, assim como imagens
de humor, as caricaturas, no apenas nos contam histrias, elas tm
histria. Foram feitas em momentos determinados, com intenes
particulares, por pessoas preocupadas em participar dos sempre
insuspeitados, e imprevisveis movimentos do devir. A perenidade do
humor em suas variadas manifestaes se apresenta como uma
dificuldade constante e o motivo do interesse que desperta. Afinal,
nada mais difcil do que entender a graa de antigas anedotas. Com
formas e intenes variadas, alguns autores simplesmente estavam
interessados em fazer rir para alegrar a vida das pessoas, outros
estavam preocupados em usar o humor como arma poltica, capaz de
destruir adversrios e expor certas questes de modo nico. Sujeitos
que, como suas diferentes intenes, expressaram atravs do humor uma
viso de classe, expondo preconceitos e conceitos que nos ajudam a
decifrar aspectos da vida social e localizar no tempo suas
especificidades. Por tudo isso o humor continua sendo um tema
instigante.
8 HenriBrgson.O Riso Ensaios sobre a significao da
Comicidade.RiodeJaneiro:MartinsFontes,200,pg.VII.
9 Idem.Pg.0.
0 MikhailBakhitin.A cultura popular na Idade Mdia e no
Renascimento: o contexto de Franois Rabelais.
SoPaulo:Hucitec:Braslia:EditoradaUniversidade
deBraslia,987.
EliasThomSaliba.Razes do Riso a representao humorstica no
histria brasileira: da Belle poque aos primeiros tempos do
rdio.SoPaulo:Companhia
dasletras,2002.
2 IsabelLustosa.Brasil pelo mtodo confuso humor e boemia em
Mendes Fradique.RiodeJaneiro:EditoraBertrandBrasil,993.
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O Poeta do Lapis
Mas se de uma maneira geral o humor uma questo deste trabalho,
seu interesse especfico est na atuao de um artista que fez da
caricatura e da imprensa caricata o seu ofcio no Brasil da segunda
metade do sculo XIX. Esta tese a biografia profissional de Angelo
Agostini, no perodo que se estende de 189, ano provvel do seu
desembarque no Brasil, at 1888, quando, aps a abolio da escravido,
viajou para Paris, onde passou alguns anos. O estudo da trajetria
profissional de Angelo Agostini uma forma de analisar a relao entre
stira e poltica no Brasil imperial. A definio e o desenvolvimento
dos jornais de caricatura no Brasil, aliado ao caminho trilhado por
Agostini ao longo dos anos em que esse tipo de imprensa se formava,
permite analisar uma srie de conflitos sociais latentes,
temarizados pelo lpis sempre bem afiado de Agostini. No entanto,
mais do que retratar, as estampas eram forma de interagir
politicamente, se revelando parte de um conflituoso jogo de
imprensa. A maioria dos hebdomadrios em que Agostini participou
buscava se legitimar com a idia de independncia, uma espcie de av
de teorias do jornalismo moderno, que se fundam na idia de iseno e
imparcialidade. Buscando sua legitimidade na idia de que no se
filiavam a nenhum partido poltico, criavam um espao de autonomia
que diferenciava os jornais de caricatura do restante da imprensa.
Ler os semanrios em que Agostini colaborou buscar desvendar sua
relao com a poltica.
Nas revistas em que colaborou, ou era proprietrio, Angelo
Agostini tematizou o papel da imprensa, para o qual a idia de
opinio pblica era um conceito central que estava fundamentado na
noo de liberdade de imprensa. Debruou-se nas formas e sobretudo nos
princpios de organizao poltica que regiam e os que deveriam reger o
pas, abordou a ao da fora policial, a organizao do exrcito, sempre
buscando revelar o sentido de tais instituio em um exerccio de
expor o que seria a realidade em contraste com o que seria, no seu
modo de ver, o ideal. Foi incansvel no tematizar a questo da
liberdade de culto, questes relativas definio de direitos e deveres
civis. Abordou o problema das epidemias. Nessas questes, pulsava
com fora o tema, e o problema, da escravido. As estampas de
Agostini permitem assim relacionar os assuntos e analisar de que
maneira ele entendia a sociedade brasileira da segunda metade do
sculo XIX. Ele constri o humor que define suas revistas no
contraste entre o que entendia serem os problemas fulcrais da
sociedade e os princpios polticos e morais que deveriam ser
empregados para transformar o pas. Todos esses temas eram abordados
pela via do humor, que tinha o sentido duplo de agradar ao pblico e
revelar as mazelas da sociedade. Reside nessa inteno crtica, no
contraponto que fazia pelo humor entre ideal e real o que ele
pensava sobre liberdade, cidadania, organizao poltica e social.
Analisar sua obra , assim, uma maneira de observar como eram
criados e veiculados
-
Introduo
os princpios que davam o mote das piadas. Podemos perseguir
algumas das formas pelas quais Angelo Agostini, e um grupo de
homens a ele ligado, dava sentido a uma srie de princpios e
produzia as noes que organizavam suas crticas construindo com base
nelas uma verso da histria do Brasil do perodo.
A noo de independncia, que dava suporte s idias polticas, se
traduziu tambm no seu empenho profissional. Ao longo da carreira
foi se tornando crescentemente um empresrio de sucesso,
administrando bem suas revistas no que se referia a questes
comerciais e sabendo dirigir os peridicos de maneira a manter o
interesse do pblico. Alm de conquistar um nmero de leitores cada
ano maior, foi consolidando uma situao financeira. Cada vez mais
foi conseguindo viver apenas do seu trabalho na imprensa ilustrada,
fazendo da Revista Illustrada, que foi o seu mais importante
projeto, um negcio lucrativo. essa mistura, do que pensava
politicamente e agia profissionalmente, que explica sua trajetria
na imprensa ilustrada, permitindo assim entender como se construa
um ponto de vista a respeito dos temas por ele privilegiados bem
como os sentidos do humor no perodo.
A tese est dividida em quatro captulos.
No primeiro analiso a memria construda por e para Angelo
Agostini. Alm de descrever os momentos em que tal memria tecida,
procuro entender os significados especficos desse processo. O
sentido que as narrativas memorialsticas conferem vida e obra de
Agostini estava fortemente associado luta poltica. Mas no uma luta
partidria e sim por princpios. A abolio da escravido a principal
delas e a Repblica uma decorrncia e um objetivo final. Agostini
nessa memria uma espcie de encarnao de virtudes, no sentido de
lutar pelas causas da civilizao, pela libertao dos escravos,
deixando de lado seus interesses pessoais. ao mesmo tempo
considerado o pai da imprensa ilustrada brasileira, no sentido de
criar um estilo e de dirigir, como nenhum outro, seu lpis para
causas sociais brasileiras. a luta poltica que explica as revistas
segundo essa memria e no qualquer outro fator como o sucesso
comercial ou as possibilidades editoriais que elas abriam. Seguindo
as trilhas dessa construo memorialstica procuro mostrar os nexos
desse processo com as temporalidades prprias de cada momento, no
intuito de entender o significado histrico das imagens que foram
sendo feitas do personagem central desta tese. A idia deste
primeiro captulo repensar, no negar, a imagem do abolicionista
abnegado colada imagem de Agostini. Com tal exerccio foi possvel
entender melhor, no movimento da histria, como ele abordou e
conferiu sentido a algumas questes consideradas como definidoras da
sua personalidade.
-
O Poeta do Lapis
No segundo captulo abordo o incio da carreira de Angelo
Agostini. Ele comeou sua carreira como caricaturista entre os anos
de 18 e 180, trabalhando inicialmente na provncia de So Paulo, de
onde se mudou para a Corte em 18. Sua primeira experincia no Brasil
est, portanto, indissoluvelmente associada guerra do Paraguai. A
maneira como entendia o pas estava, assim, relacionada com os
jornais caricatos e a experincia da guerra. Esta produziu em
Agostini uma viso a respeito do pas organizada pela idia de que a
escravido era um cancro que contaminava toda a sociedade. Em outras
palavras, foi a vivncia dos anos da guerra que o fez representar a
escravido como uma espcie de doena nacional. Ao mesmo tempo, ele
foi ao longo daqueles anos criando crescente desconfiana com relao
ao estado imperial, visto como ineficiente e corrupto. Ao denunciar
reiteradas vezes os mandos e desmandos dos poderes locais e do
poder central, foi consolidando a idia de que a imprensa e aes de
natureza privada, desligadas do Estado portanto, eram o caminho
mais profcuo para a transformao poltica e social.
O captulo trs trata de parte da obra de Agostini no semanrio O
Mosquito. Analiso especificamente as estampas que produziu sobre a
questo religiosa, particularmente entre os anos de 18 e 18.
Argumento que foi a lei de 181 que organizou a produo de Agostini
na dcada de 180, em especial os desenhos sobre a questo dos bispos.
Busco entender como a expectativa em torno da obra da emancipao que
estava em curso organiza sua percepo sobre as transformaes polticas
e sociais. As imagens que ele produziu sobre os episdios permitem
articular este debate que repercutia fortemente na imprensa da
Corte com as reformas sociais em curso. A importncia que nosso
personagem conferiu ao tema e a forma como tratou dos seus
principais acontecimentos ajudam a relacionar o debate religioso
com o poltico e permitem compor com mais preciso o roteiro de sua
trajetria, estabelecendo seus significados. Sua veia republicana, e
o sentido que dava a esta opo, aparecem com fora durante os anos em
que esteve frente de O Mosquito.
Ao mesmo tempo, este um momento importante de consolidao da
carreira de Angelo Agostini. frente de O Mosquito que vai comear a
ganhar mais notoriedade e foi este tambm o instante em que produziu
desenhos mais diretamente polticos, no sentido de defender uma
causa ou engajar-se em um movimento organizado. Busco explorar no
captulo a tenso entre o lado empresarial e a poltica como um
elemento constitutivo da sua experincia como caricaturista e dono
de revistas ilustradas. essa tenso, e o modo como tenta resolv-la,
que ajuda a entender a criao do seu mais conhecido peridico: a
Revista Illustrada.
-
Introduo
Fundada em 18, a Revista Illustrada certamente o principal
peridico de Angelo Agostini. No entanto, ele j vinha trabalhando
sistematicamente na imprensa ilustrada brasileira havia 11 anos. No
quarto e ltimo captulo analiso a questo da cidadania nos desenhos
de Agostini na Revista Illustrada. Para tanto, abordo
especificamente trs acontecimentos do ano de 1880: a revolta do
vintm, o debate parlamentar que resultou na lei eleitoral de 1881 e
a emergncia do movimento abolicionista.
A definio de stira do Dicionrio de Lngua Portuguesa de Antnio de
Moraes Silva finalizada com um alerta: de ordinrio se faz em verso.
Significava que a stira poderia assumir formas outras, menos usuais
e, vale acrescentar, menos valorizadas; ela no era necessariamente
um poema. O aviso parecia antecipar que uma das formas que ela
assumiria no decorrer do sculo XIX seria a caricatura, que lhe
conferiu contornos prprios. A stira, em sua relao com a poltica,
foi de certa maneira reinventada pelo lpis litogrfico de homens
como Angelo Agostini. Alguns dos conflitos e significados desse
processo podem ser vistos atravs dos passos e dos traos de um
artista italiano que fez do Brasil a sua ptria, chegando a ser
considerado e reconhecido, para o bem ou para o mal, como o poeta
do lpis.
-
A Arte do Poeta
- 1 - O bom Angelo
O dia 3 de janeiro de 1910, como tantos outros no Rio de
Janeiro, foi quente e ensolarado. A temperatura elevada e a
claridade excessiva no impediram, contudo, que Angelo Agostini
enfrentasse longa caminhada. Apesar dos claros sinais fsicos de
fraqueza, no deixou de encontrar os antigos membros efetivos da
Confederao Abolicionista, na sede do Jornal do Commercio, para com
eles debater as homenagens a Joaquim Nabuco, falecido havia pouco
nos EUA. Protegido por seu guarda-chuva, o companheiro inseparvel
de uma inocente boemia, o passo trpego e um tanto vacilante
denunciava a melancolia do artista do lpis. Assim foi visto
enquanto percorria a movimentada Avenida Central, aonde era saudado
porta das principais redaes de jornais. Parou em frente a O Paiz,
aproveitando para ganhar novo flego e trocar algumas palavras com
os colegas de profisso. Logo retomou seu caminho e conseguiu
realizar mais esse compromisso com o antigo companheiro de lutas.
Aps a estafante jornada, de volta ao conforto do lar, ainda
encontrou foras para carregar no colo a neta Mariana Agostini.
Pouco depois faleceu, calmo e sereno. Contava anos de idade, a
maioria dos quais dedicados ao jornalismo ilustrado.
O cronista de O Paiz que esteve com ele naquela tarde foi uma
das ltimas pessoas a conversar com Agostini. Ao escrever sobre o
passamento do artista italiano, alm de ressaltar a decadncia fsica,
ensaiou uma explicao para sua aparente tristeza: consumiam-no as
saudades do tempo em que lutou ao lado de Nabuco e outros prceres
da grande causa1. Alm do pesar pela morte do amigo e antigo
companheiro, a inatividade e o pouco prestgio que gozava na cidade
recentemente remodelada pela picareta civilizadora do prefeito
Francisco Pereira Passos o levara a viver de recordaes. A narrativa
de O Paiz sugere que o esforo de Angelo Agostini para participar da
reunio a respeito das homenagens a Joaquim Nabuco fora o derradeiro
ato de uma vida inteiramente dedicada ao combate pela liberdade. O
esforo final de uma existncia que somente fazia sentido se ligada
ao poltica. Cansado, sem o reconhecimento de que era merecedor,
saudoso dos tempos ureos em que lutara ao lado dos amigos
Revista da Semana,30/jan/90.
2 BastosTigre.ORiodeOntemedeHoje,Correio da Manh -
suplemento26/ago/934.
-
Poeta do Lapis
j falecidos, restava-lhe unir-se aos velhos companheiros. O
texto traa um paralelo entre a morte de Nabuco e a de Agostini.
Ambos fariam parte de uma gerao que foi incansvel na defesa de seus
ideais at o ltimo dia. Por isso, como um ato derradeiro, Agostini
no hesitara em enfrentar uma cansativa caminhada debaixo do sol
quente para prestar a ltima homenagem ao amigo morto.
O relato do ltimo dia de vida de Angelo Agostini, escrito por um
cronista annimo de O Paiz, imaginoso. Com base na aparncia do velho
caricaturista, a maior parte do texto busca adivinhar o que ele
pensava. Para alm da descrio do tempo na cidade e do breve encontro
que teve com Agostini, trata-se de um relato recheado de pequenos
equvocos. Datas imprecisas e uma seqncia apenas aproximada dos
acontecimentos e jornais que fizeram parte da vida de Agostini
preenchem as colunas do texto, que uma breve biografia em tom de
lamento, que tem a inteno de fazer uma espcie de elogio pstumo,
ressaltando a aparente decadncia e tristeza do velho caricaturista.
Essa caracterstica embasava o argumento de que ele era vtima de
injustia, no sendo valorizada sua arte e seu empenho cvico em prol
da abolio e da mudana do regime poltico. Ele, que como Nabuco,
tantos e to preciosos servios prestara ao pas, ajudando a derrubar
a odiosa instituio servil3, no tinha no final da vida, e logo aps
sua morte, o reconhecimento de que era merecedor. O texto, que uma
verso linear da vida do artista italiano, definia que o sentido
fundamental da existncia de Angelo Agostini fora o abolicionismo.
Comeava-se a consolidar uma verso a respeito da vida e da obra de
Agostini que estava completamente associada memria da abolio. Era
definida pela construo da figura de um heri da causa. Desenhar esta
imagem do artista recentemente morto fazia, portanto, parte de um
processo de definio do lugar do processo de extino da escravido na
histria do Brasil. Este tinha como um dos sentidos e formas a eleio
de lideranas brancas e letradas para a marcha que levou os escravos
liberdade no dia 13 de maio de 1888, ao mesmo tempo em que era
caracterizada tambm pela excluso daqueles que deveriam ser os
principais interessados: os negros. O enterro de Angelo Agostini
aconteceu na manh daquele dia no cemitrio S. Joo Baptista.
A repercusso do falecimento do artista italiano no foi das
maiores, apesar dos elogios superlativos que recebeu. O impacto da
morte de Nabuco, ocorrida no dia 1 daquele mesmo ms, dominou a
cena. O famoso poltico e diplomata recebeu da imprensa da poca
grande ateno. Sua figura foi exaltada por uma profuso de artigos. O
carnaval se avizinhava, j sendo possvel ouvir os primeiros ecos dos
bumbos e tambores
3 AngeloAgostini,O Paiz,24/jan/90,pg.03.
-
cap. 1 - A Arte do Poeta
que em breve dominariam as ruas. Como sempre, os festejos de
Momo concentravam grande ateno da imprensa. O clima poltico, do
mesmo modo, se aquecia com a disputa presidencial entre Ruy Barbosa
e o Marechal Hermes, sendo este um assunto amplamente mencionado e
debatido. Talvez tenham sido esses os motivos centrais dos poucos,
mas significativos, textos publicados sobre Agostini. Ou quem sabe
o cronista de O Paiz estivesse certo quando ressaltou a decadncia
do artista italiano. O pequeno destaque constitui, nesse sentido,
indcio de que seu prestgio naquele momento no era muito grande. A
maioria dos demais textos foi publicada em revistas ilustradas,
especialmente em O Malho, Careta, Fon-Fon e Revista da Semana.
Seguindo a linha do cronista de O Paiz, exaltaram as qualidades do
artista e do idealista:
Pode-se dizer, sem medo de errar, que foi um trabalhador e a
vitria da abolio deve ao seu lpis seguro, tanto ou mais do que a
Patrocnio e Nabuco e outros prceres da grande causa.
Associar Agostini ao movimento abolicionista foi a marca
principal dos comentrios pstumos ao artista italiano. H um esforo
nas crnicas sobre a morte de Agostini de ombre-lo em importncia na
campanha abolicionista a Patrocnio e Nabuco. Com seu lpis seguro,
seria mais um dos grandes heris do abolicionismo. Acabar com a
escravido no Brasil era considerado um elemento importante na
construo na nao republicana que comeava a tomar forma. A atuao
determinada de Agostini teria contribudo decisivamente para que tal
realidade pudesse acontecer, de maneira que era preciso reconhecer
o lugar de Agostini no processo que resultou no 13 de maio.
Associar, e igualar, Agostini a Joaquim Nabuco era uma homenagem
final ao caricaturista. Havia, contudo, outras qualidades a serem
lembradas nos comentrios pstumos ao artista italiano:
Ao Angelo Agostini, ns, da nova gerao, s nos foi dado conhec-lo
assim, velho j, de aspecto modesto, mas ainda a lhe brilhar nos
olhos vivos e inteligentes todo um passado de glrias e triunfos
artsticos. O bom Angelo, o Mestre, como todos lhe chamavam, estava
sempre em toda parte, a qualquer hora do dia e da noite, e era um
raio encantado ouvir-lhe a narrao da sua vida de caricaturista
atravs dos fatos mais emocionantes da Histria Nacional...Tradio
encantada do bom tempo, conservava ainda em sua alma sempre moa, a
bonomia dos nossos avs, bonomia que, resistindo ao choque do egosmo
e ceticismo criados pela civilizao moderna, s desapareceram com sua
vida!...
4 Revista da Semana,30/jan/90.
5 FatosdaSemana,O Malho,29/jan/90.
-
Poeta do Lapis
Publicada em O Malho, a ltima revista na qual Agostini
colaborou, e escrita por um caricaturista, que no entanto no se
identificou, demonstra respeito quele que seria um exemplo, ou
mesmo uma grande pai para os novos artistas do lpis. Teria ele sido
o precursor da arte da caricatura, fazendo a um s tempo com que ela
se tornasse importante, mas tambm mostrando, ensinando como fazer
desenhos dessa natureza. A grandeza de Agostini para o autor da
crnica estava na capacidade que demonstrou ao longo da sua carreira
de desenvolver uma arte engajada em prol da abolio ao mesmo tempo
em que definia, com seu talento inquestionvel, as bases da
caricatura brasileira. E esse era um valor que deveria ser
preservado. Na particular viso do cronista de O Malho, Agostini era
uma tradio encantada, que por isso deveria ser lembrado e
homenageado. A escravido era uma herana daquele tempo que precisava
ser apagada da histria, no os responsveis por libertar o pas da
terrvel instituio. O esforo em exaltar o artista italiano se
insere, portanto, em um contexto poltico bastante especfico.
Integrava um delicado jogo de lembrana e esquecimento que fazia
parte de um processo de construo de uma identidade moderna para a
jovem nao republicana. Buscava-se apagar, soterrar o passado
escravista do Brasil e associar a nao ao civilizada, iluminada de
uma elite branca e letrada.
Os contornos desse delicado jogo de memria, de definio do que
deveria ser lembrado e louvado, eram motivo de debates. O esforo de
valorizar o artista italiano faz parte das nuances daquele
processo. Assim, outro sentido relacionado imagem e importncia
associada a Angelo Agostini pode ser visto atravs da explicao
acerca da pequena repercusso da sua morte: ele era um velho, uma
figura do passado. Na viso do cronista, A civilizao moderna, com
seu caracterstico egosmo e ceticismo, no sabia valorizar os
artistas de um outro tempo. Mais do que isso, a passagem est
alicerada em uma noo de que o sculo XIX era o bom tempo. Esta seria
uma crtica ao processo de transformao por que passava o pas, e
particularmente a cidade do Rio de Janeiro, formulada com base na
idia da perda de um valor encarnado, dentre outros personagens, por
Angelo Agostini.
6
ORiodeJaneiroacabaradepassarporumamploprocessodereformulaourbana.Apelidadadebota-abaixo,entreosanosde903e906,foialteradootrajetodealgumasruaspequenaseestreitasdandolugaraavenidaslargaseiluminadas.Antigascasasforamdemolidas,eemseulugarforamerguidosedifciosaltosemodernos.Umnovoportofoiconstrudoaomesmotempoemqueumacampanhasanitaristaerapostaemprtica.OsreformadoresintentavamtransformaroRiodeJaneironumacapitalmoderna,cujaimagempudessemassociarjovemnaorepublicana,quepassaria,assim,asercomparadaaospadresdecivilizaoeprogressoquenortearamasmudanas.Aquelefoiumprocessovividodeformasvariadaspelapopulao.NavisodoautordacrnicasobreAngeloAgostini,asmudanasteriamcausadoumtipodesentimentonocivoconvivncia.SobreesseassuntoverMarceloBalaban.Musa
Travessa Bastos Tigre e a literatura da belle poque
carioca.DissertaodeMestradoapresentadaaoDepartamentodeHistriadaPuc-Rio,RiodeJaneiro,2000.
7
Apesardesereferirespecificamenteaoartistadolpis,hcertamentenessapassagemquesefundananoodebomtempoumarefernciaaJoaquimNabuco,outroimportantevultodopassadonavisodecronistasdapoca.Acidadeviviaumprocessodereformulaourbanafortedesdede903,quandoassumiuapresidnciadaRepblicaoSr.RodriguesAlves,quenomeouoengenheiroFranciscoPereiraPassoscomoprefeitocomamissode,duranteseumandato,reformaracapitaldarepblica,fazendodelaaimagemqueajovemnaorepublicanadeveriaespelhar.
-
cap. 1 - A Arte do Poeta
No esforo de apagar a mancha da escravido do passado recente do
pas, era necessrio, no modo de entender do cronista de O Malho,
enaltecer os heris da abolio. Estes estariam de acordo com a imagem
de um novo pas, livre, republicano, civilizado e moderno.
Escrita em tom mais intimista, de quem conheceu e conviveu com o
artista italiano, a crnica revela ainda um aspecto relativo da
personalidade do morto e da memria que se construa dele. Estando em
toda parte, sendo querido por todos, teria sido um dos responsveis
por construir e consolidar sua prpria imagem ao narrar, em prosa
aparentemente saborosa e bem tecida, as histrias das quais
participou ao longo da segunda metade do sculo XIX. Assim, teria
ele prprio advogado um lugar destacado no movimento abolicionista.
Ele teria se associado a nomes como Joaquim Nabuco e Jos do
Patrocnio. No entretanto, o esforo de Agostini parece circunscrito
roda da qual participava. Comparando com a repercusso do
falecimento de homens como Joaquim Nabuco e Jos do Patrocnio, a
morte de Agostini despertou pouco interesse da sociedade. O esforo
dos textos pstumos sobre Agostini em enaltec-lo sugere que na poca
ele no era considerado consensualmente como um importante nome do
abolicionismo, tampouco que seria visto como um grande artista.
Mais conhecido como um grande nome da imprensa ilustrada, ainda que
tenha feito muitos quadros a leo e sido professor de pintura por
muitos anos, a pequena repercusso da sua morte faz crer que a
caricatura no era reconhecida como uma arte digna de maiores
atenes. Que era entendida como um trabalho ligeiro e brejeiro. Por
essa razo h um esforo comum aos textos ocupados em fazer os elogios
finais a Angelo Agostini de associar caricatura e poltica, Agostini
e os nomes j consagrados do abolicionismo.
As homenagens ao proprietrio de um dos mais famosos jornais de
caricaturas do sculo XIX brasileiro ficaram restritas aos poucos
textos publicados nos dias que se seguiram ao seu passamento. A
crtica do autor da crnica publicada em O Malho aparentemente tinha
fundamento. Sua figura parecia fadada ao esquecimento. Seria
engolido pelo egosmo de uma sociedade que perdia valores, deixando
de lado tradies que deveriam ser lembradas e preservadas. O sentido
da memria desenhada naquele momento estava assim diretamente
associado a um dilema apresentado por cronistas da poca a respeito
do que deveria ser preservado e o que tinha de ser soterrado8. Se a
escravido era um passado que envergonhava o pas, os heris do
abolicionismo tinham de ser lembrados. Ao mesmo tempo, havia um
esforo por parte dos caricaturistas de associar caricatura e
poltica. A idia era elevar o estatuto artstico da arte do desenho
caricato, identificando-a com a principal mudana poltica do pas. 8
SobreessedilemaverMarceloBalaban.Musa Travessa Bastos Tigre e a
literatura da belle poque
carioca.DissertaodeMestrado:Puc-Rio,2000.
-
Poeta do Lapis
Enaltecer Angelo Agostini, associar e igualar ele a Joaquim
Nabuco, Jos do Patrocnio e outros nomes reconhecidos e destacados
no movimento abolicionista significava definir um lugar especial
para a arte da caricatura. Apesar de estar muito difundida atravs
dos muitos jornais de caricatura que circulavam na capital da
repblica, a caricatura no era reconhecida como uma arte maior,
sendo vista naquele momento como simples divertimento.
A indignao do cronista de O Malho sobre o possvel esquecimento
de Agostini se devia a fatores variados, relacionados parte do
debate poltico e ao significado da arte da caricatura naquele
tempo. As memrias ganham sentido, portanto, se inseridas em parte
das pendengas coevas sobre modernidade, civilizao, poltica e arte.
Os elogios a Agostini esto inseridos em uma disputa sobre os rumos
de um pas que se pretendia moderno. Aquele era, contudo, apenas o
comeo de um debate que seria retomado em outros momentos, assumindo
contornos e significados diversos.
- 2 - Uma boa estrela
Angelo Agostini foi lembrado novamente trinta e trs anos depois
de sua morte. A partir do dia 08 de abril de 193, por ocasio da
comemorao do centenrio do seu nascimento, alguns mensrios,
semanrios e dirios cariocas reservaram algumas pginas para contar a
histria da sua vida. Curiosa lembrana. Afinal, aquele foi um tempo
marcado por intensos acontecimentos polticos tanto no Brasil como
no restante do mundo. Percorrendo os peridicos publicados na
capital da Repblica naquele ano, deparamo-nos com notcias sobre a
segunda grande guerra, que destacavam as vitrias das foras aliadas
na Tunsia, a aliana entre as tropas britnicas e americanas, o
sucesso dos russos e a participao brasileira nos confrontos.
Naquela altura, a guerra era ainda uma ameaa com fim incerto. Um
outro tema concentrava ainda parte das atenes da imprensa: o
aniversrio de Getulio Vargas. O nmero de abril de 193 de O Malho
foi inteiramente dedicado ao presidente. Mesmo assim, a revista
reservou algum espao para homenagear Angelo Agostini na edio de
maio. As duas datas, bem como o contexto poltico da poca, ajudam a
entender o que primeira vista parece ser uma estranha lembrana. Na
sesso do dia 08 de abril da Academia Brasileira de Letras, o nosso
artista tambm recebeu homenagens:
-
cap. 1 - A Arte do Poeta
O Sr. Joo Luso requereu um voto de solidariedade s comemoraes do
centenrio de Angelo Agostini, caricaturista, desenhista, homem de
imprensa e grande trabalhador.
Ao contrrio do que aconteceu com a esmagadora maioria dos
elogios pstumos a Agostini, no h na passagem sequer uma meno s
posies polticas do nosso personagem. Este fato raro faz parte da
nova forma que a memria de Agostini passava a assumir. A alterao,
no entanto, no excluiu o abolicionismo dos demais relatos sobre a
vida do centenrio artista italiano. O significado dessa associao se
alterou. A explicao para esta novidade estava no momento poltico
por que passava o pas. Melhor tirar o carro da frente dos bois, e
comear descrevendo o impacto e a forma dos textos sobre Angelo
Agostini publicados naquele ano de 193.
Dentre os muitos jornais que circulavam no Rio de Janeiro da
poca, somente quatro publicaram notcias a respeito do italiano. Alm
do j mencionado O Malho, A Manh, folha do Estado Novo10, o Jornal
do Commercio e a Revista da Semana traziam em suas edies alguns
aspectos da vida e da obra de Angelo Agostini. Ainda que tmidas, as
homenagens foram significativas. Foram tambm muito repetitivas, o
que leva a pensar que todos o jornais fizeram uso de uma mesma
fonte para escrever seus textos, ou ainda que foram escritos por
uma mesma pessoa. O Jornal do Commercio, o mais antigo dirio da
cidade, publicou no prprio dia 08 de abril um longo texto. No
primeiro pargrafo apresentou o sentido que conferia vida de
Agostini:
Transcorre hoje o centenrio do nascimento de Angelo Agostini, o
grande caricaturista que durante cinqenta anos viveu no Brasil e
que tanto se destacou nas campanhas abolicionista e
republicana.11
Para o cronista, era a atuao poltica do artista italiano,
sobretudo nas campanhas abolicionista e republicana, que explicava
a trajetria do seu biografado. Passa ento a contar a histria da sua
vida. Informou ter ele nascido em 183, na cidade de Vercelle,
localizada na provncia de Piamonte de onde, ainda menino, mudou-se
para Paris. Na capital francesa morou com a av e estudou artes
plsticas nas melhores escolas de belas artes da capital francesa.
Mudou-se, ento, para o Brasil no ano de 181, aos 18 anos de idade,
indo primeiramente morar em So Paulo, na poca ainda um lugar
modesto cuja importncia no ia muito alm da Escola de Direito do
Largo de So Francisco. O texto no esclareceu, nem mesmo se
preocupou em especular, sobre as condies financeiras de Agostini,
tampouco apresentou qualquer razo para sua mudana para o Brasil.
Fato foi que, apenas trs anos mais tarde, em 18, fundou seu
primeiro jornal
9 Jornal do Commercio,0/abr/943,pg.04.
0 AesserespeitoverAngeladeCastroGomes.Cidadania e direitos do
trabalho.RiodeJaneiro:Zahar,2002.
Jornal do Commercio,08/abr/943,pg.03.
-
Poeta do Lapis
de caricatura, O Diabo Coxo, semanrio que contou com a colaborao
de Sizenando Nabuco, irmo de Joaquim Nabuco, e Luiz Gama, o famoso
rbula abolicionista. A revista no durou muito tempo. Logo em
seguida fundou mais um semanrio, o rgo combativo O Cabrio1, este
redigido por Amrico de Campos. Lutara pela mudana do regime ao lado
de nomes como Campos Sales, Prudente de Moraes, Bernardino de
Campos e Antonio Prado. Os trabalhos publicados nesses semanrios
despertaram a ira de escravocratas locais, o que teria provocado
sua mudana para a Corte em 18.
O cronista do Jornal do Commercio conta ainda que, logo que
Agostini chegou ao Rio de Janeiro, foi trabalhar na mais importante
revista ilustrada da cidade: a Semana Illustrada, do alemo Henrique
Fleiuss. A seguir emprestou seu lpis para a Vida Fluminense. L
permaneceu at fundar O Mosquito, folha na qual foi substitudo pelo
caricaturista portugus Bordalo Pinheiro. Todas essas revistas
gozavam de grande prestgio na cidade e o fato de Agostini ter
trabalhado em todas significava, lgica da crnica, que ele fora o
mais importante caricaturista de seu tempo. Finalmente, em 18,
inicia o seu mais importante projeto: a Revista Illustrada, onde
fez campanha em prol da abolio e da Repblica e que foi na opinio de
Joaquim Nabuco a bblia abolicionista do povo que no sabe ler, e em
cujas pginas se encontra a parte mais importante de sua obra
artstica de 18 a 189813. Finalmente, lanou um ltimo peridico, Don
Quixote, tendo ainda colaborado em O Malho at 190. Em linhas bem
gerais, esses foram, segundo o jornal, os traos principais da vida
profissional de Angelo Agostini. A crnica, ento, inicia uma nova
parte, a dos elogios.
Guardadas as devidas diferenas, compara o trabalho do italiano
ao de Debret e Rugendas. Essa comparao tem dois significados:
ombrear em qualidade artstica o trabalho de Angelo Agostini ao
desses dois mestres e qualificar sua obra, que como a dos dois
artistas mencionados teria sido capaz de produzir cenas brasileiras
de to flagrante verdade1. Seus trabalhos seriam um retrato fiel da
sociedade brasileira daquele tempo, constituindo-se em documentos
histricos da maior importncia. Os trs, alm de dar forma final a
seus trabalhos atravs da tcnica da litografia, teriam a preocupao
de reproduzir o que viam, congelando cenas cotidianas que
presenciaram. O trio, finalmente, manifestava ainda uma preocupao
comum: denunciar os horrores da escravido1. Esse fato
explicar-se-ia pela perfeita comunho entre o desenhista e 2
Idem.ibidem.
3 Idem.ibidem.
4 Idem.ibidem.
5
SobreJohannMoritzRugendasverRobertW.Slenes.AsprovaesdeumAbraoafricano:anascentenaobrasileiranaViagemAlegricadeJohannMoritzRugendasin:Revista
de Histria da Arte e
Arqueologia.no.2996/996,pp.27-294e,arespeitodeJeanBaptisteDebretverValriaAlvesEstevesLima.A
viagem pitoresca e histrica de Debret: por uma nova
leitura.TesededoutoradoemhistriaapresentadaaodepartamentodehistriadaUnicamp,Campinas,2003.
-
cap. 1 - A Arte do Poeta
o Brasil, pas no qual se adaptou perfeitamente e pelo qual no
poupou esforos em prol dos mais nobres ideais brasileiros.1 Tudo
isso fez com que, aps um banquete oferecido pela Confederao
Abolicionista no dia de agosto de 1888, ele atendesse ao pedido
feito ento por Nabuco para que se naturalizasse brasileiro.
Mais uma vez o jornalista recorre ao que seria a opinio de
Joaquim Nabuco sobre Agostini:
... esse jornalista intrpido, guiado pelo seu corao e seu
carter, desde o primeiro dia tomou a si a defesa da causa do
escravo, publicando na Revista Illustrada pginas que ficaram
histricas e produziram o efeito de ferro em brasa. Ningum como ele
viu rugir sobre sua cabea mais cleras, mais dios, mais ameaas.
Outrossim, ningum mostrou por esses descalabros um mais soberano
desprezo.
Outra qualidade enumerada na crnica era sua coragem aliada a um
inquebrantvel empenho na luta. Assim, apesar das constantes ameaas
sofridas, Agostini no esmorecera nem abriu mo de seus ideais.
Portanto, apesar de no ter nascido em terras brasileiras, ningum
mais do que ele merecia esta honra, ningum mais do que ele havia
lutado para transformar a nao brasileira em uma ptria livre, em
harmonia com os ideais mais nobres de civilizao e progresso. H na
passagem a construo de um sentido claro para Agostini: ele seria um
heri da causa da abolio. Um tipo de mrtir que sacrificara seus
interesses pessoais em prol do bem comum. Seu empenho cvico rendera
frutos valiosos, fazendo com que o trabalho escravo fosse
substitudo pelo trabalho livre no Brasil.
A idia subjacente ao elogio exatamente relacionada mudana no
regime de trabalho no Brasil, questo cara ao Estado Novo. Parte
importante do que pode ser chamado de ideologia do Estado Novo
tinha relao com a lgica da memria que era construda para o
personagem Angelo Agostini. O incio da dcada de 190 foi
particularmente importante no processo histrico de legitimao da
ditadura de Vargas. Em 191 comeou a funcionar no Brasil a Justia do
Trabalho, o que significava uma conquista dos trabalhadores porque
seria uma garantia do Estado de que os patres iriam cumprir suas
obrigaes trabalhistas. Em 19 o governo criou o imposto sindical,
buscando dar mais fora ao sindicato ao mesmo tempo em que ligava
ele ao Estado. Finalmente, em 193 o presidente Getulio Vargas
anunciou, no dia do trabalho, a Consolidao das Leis do Trabalho,
mais conhecida como CLT. Para Angela de Castro Gomes, esses marcos
criados no regime totalitrio implantado em 193 Getulio Vargas, que
ficou conhecido como o pai dos pobres, ajudam a entender o
significado dos fundamentos do Estado Novo:
6 Jornal do Commercio,08/abr/943,pg.03.
-
0
Poeta do Lapis
A ideologia trabalhista, veiculada durante os anos que vo de 12
a 1 e materializada na idia de cidadania como exerccio dos direitos
do trabalho, pode ser interpretada como uma proposta de conceituao
da poltica brasileira fora dos marcos da teoria liberal, ento
desacreditada internacionalmente. Nessa proposta de pacto poltico
entre representantes (o Executivo, o presidente da Repblica) e
representados (o povo, os trabalhadores), o que se valora a idia de
cidadania centrada nos direitos sociais, e no nos direitos polticos
e civis. Por isso, tais direitos sociais so garantidos pelo Estado
como uma forma de doao, ao mesmo tempo obrigatria e generosa. O
presidente se antecipa s demandas sociais como um presente do
Estado, que devia ser aceito pela populao. Dar e receber so, nessa
cadeia, atos independentes que constituem um vnculo poltico. Essa
cultura poltica do direito como ddiva do Estado, e do direito de
cidadania como direito social do trabalho, tornou-se desde ento
fundamental para a constituio de um espao pblico e de um tipo de
pacto entre o Estado e a sociedade no Brasil.17
Os meios de comunicao de massa eram fartamente utilizados para
difundir essa ideologia. As formas como o faziam eram variadas,
sendo o recurso histria uma das estratgias utilizadas. Publicados
ao mesmo tempo em que era comemorado o aniversrio natalcio do
presidente Vargas, os textos sobre Angelo Agostini, centrados em
delinear a figura de um heri da abolio, se inserem no conjunto
ideolgico do Estado Novo. O elogio a grandes vultos da histria
servia como exemplo. Neste caso, o exemplo estava justamente
relacionado definio de um incio da histria que ento alcanava um
estgio de desenvolvimento bastante adiantado. Para que os direitos
trabalhistas pudessem ter avanado, primeiro fora necessrio mudar o
regime de trabalho, acabar com a escravido, que era a ausncia
completa de direitos. A liberdade dos escravos, como os direitos
dos trabalhadores, fora nessa verso uma concesso, um ato a um tempo
generoso e herico de sujeitos como Angelo Agostini. Diferente do
que aconteceu em 1910, o resgate histrico da importncia da atuao de
homens como Agostini era parte de uma ideologia de Estado. Na lgica
poltica do discurso sobre a abolio no Estado Novo, os escravos,
como os trabalhadores, no conquistaram cidadania, conceito ento
definido pelos direitos trabalhistas, mas a receberam. A lei urea
tinha um significado particularmente importante no discurso
auto-legitimador do Estado Novo: o fim da escravido significava o
comeo da histria dos direitos trabalhistas no Brasil. Nesse
sentido, ainda que de maneira bastante sutil, h por meio do exemplo
histrico um paralelismo entre figuras de heris da abolio como
Angelo Agostini e o presidente Getlio Vargas.
7
AngeladeCastroGomes.OEstadoNovoeainvenodotrabalhismoin:Cidadania e
direitos do trabalho.RiodeJaneiro:Zahar,2002,pg.43-44.
-
cap. 1 - A Arte do Poeta
Esse paralelismo era construdo tambm a partir de outras
qualidades do nosso personagem. Para descrev-las, o cronista do
Jornal do Commercio recorre a um outro colega do caricaturista:
O seu corao ptria para todos os que sofrem. No conhece lei
nenhuma que possa preterir da solidariedade humana. Vive fora de
todos os partidos para poder castigar ou servir a todos. Pratica o
bem pelo bem.18
Para Jos do Patrocnio, muito mais do que a forte identificao com
a nao e o povo brasileiro, Agostini era algum preocupado em reparar
as injustias com as quais se deparava. As palavras do tigre da
abolio servem ao jornalista do Jornal do Commercio para acabar de
delinear as qualidades de Agostini. Praticando o bem pelo bem,
descrito como uma figura desinteressada de tudo o que no fosse a
justia social. Seria uma espcie de anjo bondoso que por sorte viera
a cair em terras brasileiras, ajudando a corrigir as terrveis
injustias que grassavam no pas. Para o autor da crnica, a
independncia de Agostini uma de suas mais importantes
caractersticas. Sem aderir a nenhum partido, sua militncia descrita
como uma misso humanitria. Sem interesses pessoais, seria a
encarnao da justia. A descrio faz dele quase uma entidade, com
poucos contornos humanos. O texto finalizado afirmando, de um modo
mais explcito, um carter nacionalista para a vida e a obra do
caricaturista, o que justificava e explicava as homenagens:
Tm portanto significado muito especial as homenagens projetadas
hoje memria do ilustre artista, de quem disse Jos do Patrocnio: s
lhe conhecemos uma vaidade, a de no ter precisado nascer nestas
paragens do cruzeiro do sul, para ser um dos primeiros, dos mais
benemritos brasileiros.1
O papel que atribui a Angelo Agostini na histria do Brasil
explica em parte o destaque do seu centenrio na imprensa da poca. O
elogio de um patriota nascido no estrangeiro, destitudo de
vaidades, devia ser uma afirmao de princpios interessantes naquele
instante. Como parte do discurso nacionalista da poca, ressalta e
resignifica o relato de Patrocnio. A imagem fixada pela crnica do
heri abolicionista busca associar a benevolncia e a ao enrgica de
homens como Agostini, responsabilizados por iniciar a histria dos
direitos trabalhistas no Brasil, com a figura paternal do
presidente Getlio Vargas.
Outro texto importante foi publicado dias antes, na Revista da
Semana. O destaque foi um pouco maior, uma vez que algumas
reprodues de desenhos de Angelo Agostini foram inseridas. H muitos
pontos semelhantes entre as duas crnicas, o que no parece ser uma
coincidncia. Ao contrrio, h razes bastante palpveis que explicam os
pontos comuns.
8 Idem.ibidem.
9 Idem.ibidem.
-
Poeta do Lapis
O primeiro movimento dessa crnica segue uma linha bastante comum
a textos que se prope a fazer o balano de uma existncia:
A 8 de abril de 183 (portanto a um sculo justo, embora alguns
autores citem a data de 182), num cantinho do Piemonte, Vercelle,
nascia Angelo Agostini, que uma boa estrela traria adolescente
ainda para o Brasil, onde estreou como caricaturista em 186, no
Diabo Coxo, revistinha de So Paulo, qual se seguiu logo O Cabrio.
Vindo em 1866 para o Rio, a fugir de perseguies de escravocratas
locais, fustigados pelo seu lpis veemente, entrou para a Semana
Illustrada de Henrique Fleiuss, fundando depois O Mosquito, no qual
foi substitudo pelo grande Bordalo Pinheiro, a Revista Illustrada,
que foi, segundo Joaquim Nabuco, a bblia abolicionista do povo que
no sabe ler e onde figura a parte mais importante da sua obra
artstica de 1876-6 e por fim o Dom Quixote. Trabalhou ainda no O
Malho, onde publicou seus ltimos desenhos, at 10, falecendo no Rio
a 23 de janeiro de 110, depois de um alto e nobre labor de quarenta
anos.20
Ao contrrio do cronista do Jornal do Commercio, o texto ensaia
uma explicao para a mudana de Agostini para o Brasil: foi uma boa
estrela quem trouxe o desenhista. Mais do que um elogio a Agostini,
o que parece estar sendo afirmado a sorte dos brasileiros que
contaram, por uma mgica do destino, com o lpis e o empenho cvico do
caricaturista. Afinal, no foi uma estrela qualquer, mas uma estrela
boa que, em boa hora, trouxe para o Brasil o artista italiano. E
essa providencial ajuda do destino teria contribudo para uma
importante mudana na histria do Brasil. Alm disso, em O Malho h
exatamente a mesma seqncia de fatos, na mesma ordem que aparece no
texto do Jornal do Commercio. Nem acrescenta, nem retira nenhuma
referncia, mantm inclusive as pequenas imprecises. H datas inexatas
e equvocos a respeito das revistas onde trabalhou. No chegou a
trabalhar no Semana Illustrada, nem foi o fundador de O Mosquito1.
A referncia ao caricaturista portugus Bordalo Pinheiro aparece
repetidas vezes nesses textos, muito embora eles no apresentem as
rusgas em que estiveram envolvidos os artistas. Tal coincidncia uma
pista sobre a fonte
20 Revista da Semana,03/abr/943,pg.24.
2 O
MosquitofoiumjornaldecaricaturaquecomeouacircularnaCorteem869.SeuprimeiroproprietriofoiodesenhistabrasileiroCandidoAragonsFaria.Agostiniassumiuosemanrioemdezembrode87,permanecendonestafolhaatofinal875.LogoemseguidafundaaRevista
Illustrada.EstejornalbemcomoesteperododavidadeAgostiniforamtrabalhadosnocaptulo3destatese.
22
AsrazesdascontendasentreAngeloAgostinieRafaelBordaloPinheiropermanecemummistrioparaahistoriografia.BordaloPinheirochegouaoBrasilparasubstituirAgostiniemO
Mosquito.AsduasrevistasquelanouapssairdeOMosquitoeramimpressasnaAngeloeRobin,empresadelitografiadaqualAgostinierascio.Ambos,aoquetudoindica,erambonsamigos,ecortesescolegasdeprofisso.Masissonoimpediuque,pormaisdeumavez,elestrocassemfarpaspormeiodesuasfolhas.Em877,sedigladiaramatravsdaspginasdaPsit!,deBordaloPinheiro,edaRevista
Illustrada.AgostinibrincoucomocolegaportugusemrazodasociedadedelenafirmadefabricaoeexportaodechouriosecarnedeporcoValleeSilva.Abrincadeiraficoumaissria,criandoentreosdoisamigosumadiferenaquesemanifestouposteriormentedeformamaisviolentaem878,quandoPinheirodirigiaO
Besouro.EstabrigacomeoucomumadiferenainiciadacomataquesdaRevistaaomaestroportugusMiguelAngeloPereiraeaoperaEurico,queiriaapresentarnacidadenamesmapocadeO
Guarani,domaestroCarlosGomes.Essacrticadescambouemumasriedeviolentosataquespessoaisentreoscaricaturistas.Quatromesesapsabriga,arevistadePinheirofechouasportaseeleretornouparaPortugal.SobreestapolmicaverAntonioCagnin,BordaloXAgostininestasmaltratadas...intrigasin:EmanuelArajo(org.)Rafael
Bordalo Pinheiro o portugus tal e qual: da caricatura cermica. O
caricaturista.SoPaulo:
-
cap. 1 - A Arte do Poeta
comum de tais narrativas. Mais do que corrigir equvocos
factuais, h a construo de um sentido comum para a trajetria do
personagem. Sentido construdo em um tempo especfico. O que chama
mais ateno a este respeito que faz uso da mesma citao de Joaquim
Nabuco sem, mais uma vez, fazer o favor de informar a seus leitores
a fonte desta afirmao.
Os dois textos so muito repetitivos. As muitas coincidncias so
um elemento importante para entender tais narrativas. No entanto,
ainda que no seja possvel identificar grandes diferenas, alguns
aspectos foram mais ressaltados, o que produz um sentido um pouco
diverso:
Foi Angelo Agostini o verdadeiro precursor da legtima caricatura
brasileira, destacando-se pela influncia do seu trao destro e
elegante, dum carter marcadamente nosso, tanto o grande artista se
identificou com o nosso meio, a nossa gente e as nossas coisas.
Entregando-se de corpo e alma defesa dos ideais que abraara
denodadamente no Brasil, o que ele fez pela abolio da escravatura
tem tamanha importncia histrica que basta lembrar as palavras do
mesmo Nabuco, quando lhe evocava as lutas pela imprensa em prol das
vtimas do cativeiro: ... esse jornalista intrpido, guiado pelo seu
corao e seu carter, desde o primeiro dia tomou a si a defesa da
causa do escravo, publicando na Revista Illustrada pginas que
ficaram histricas e produziram o efeito de ferro em brasa. Ningum
como ele viu rugir sobre sua cabea mais cleras, mais dios, mais
ameaas. Outrossim, ningum mostrou por esses descalabros um mais
soberano desprezo.23
No trecho, o cronista mais uma vez recorre a Nabuco, e faz uso
da mesma citao da outra folha para afirmar o empenho do
caricaturista nas principais causas do Brasil da poca. H, contudo,
uma razo diversa para tal procedimento: afirmar que o trao de
Angelo Agostini marcadamente nosso. A afirmao causa alguma
desconfiana, ou mesmo uma inquietao. Afinal, naquele momento, o
Modernismo j integrava o cenrio cultural brasileiro havia bastante
tempo, tendo sido eficiente em apresentar um novo padro esttico
tanto para a literatura como para as artes plsticas no Brasil. Os
trabalhos de Agostini, marcadamente influenciados por padres
estticos europeus, eram conhecidos em seu tempo e tambm naquele ano
de 193, pelo cuidado de retratar a pessoas e os lugares. O mais das
vezes, seu trao no deformava as pessoas e lugares. O que fazia com
que seus desenhos fossem reconhecidos como caricatura era a inteno,
esta bastante clara, de expor o ridculo, o grotesco das pessoas e
situaes que pretendia criticar. Mas suas estampas, fossem as
humorsticas ou no, respeitavam um padro esttico de obedincia s
propores das figuras humanas, um jogo de luz
PinacotecadoEstado,996,pp.57-75.
23 Idem.ibidem.
-
Poeta do Lapis
habilmente criado para dar verossimilhana s cenas que produzia.
Eram, dessa maneira, bastante diferentes dos quadros de Anita
Malfati, Tarcila do Amaral, Candido Portinari e tantos outros. Por
ter estudado pintura em Paris na dcada de 180, Agostini tinha um
trao acadmico, muito influenciado por padres artsticos franceses.
Essa influncia pode ser vista ainda nos seus quadros, onde
desenvolveu retratos e paisagens.
A definio do que seriam os traos mais marcantes da cultura
nacional fazia parte de um acirrado debate, envolvendo pontos de
vista muito distintos. Nesse sentido, definir o que era
marcadamente nosso era uma questo importante e complexa. Os
modernistas, provavelmente, no veriam nada de nosso na obra de
Agostini e este, por seu turno, talvez nem mesmo definisse como
arte a obra destes autores modernos. Seja como for, conceber a obra
de Agostini como algo marcadamente nosso faz pensar que talvez o
modernismo no fosse to hegemnico naquele momento como hoje se
acredita. Ou ao menos que no estava em sintonia com a ideologia do
Estado Novo. De qualquer modo, as diferenas estticas so gritantes,
e ajudam a entender o significado contemporneo das memrias sobre
Angelo Agostini escritas naquele 193.
Assim, mais uma vez a explicao estava no sentido poltico
atribudo arte: o que fazia do trao de Agostini algo nosso era sua
face combativa, seu carter inquestionavelmente ligado s causas que
mudaram o pas de ento. Era sobretudo seu empenho em prol da causa
do escravos e o papel a ele atribudo de ter contribudo para mudar o
regime de trabalho no Brasil, dando incio ao longo processo de
interveno do Estado nas relaes trabalhistas que redundava naquela
ano na CLT. O argumento do cronista da Revista da Semana, assim,
integrava um contexto delicado. A identificao de Agostini com a
terra e o povo do Brasil, aliada com o forte empenho nas causas da
ptria que fez sua, foi o que possibilitou ao cronista da Revista da
Semana afirmar que Agostini fora o precursor da legtima caricatura
brasileira. Pode-se ouvir nessa passagem ecos do argumento
desenvolvido pelo cronista de O Malho, que considerava Agostini o
Mestre do desenho, embora o sentido seja bastante diverso. A chave
de leitura para o cronista de 193 era outra. Para ele, as mais
genunas caractersticas do que se pode chamar de caricatura
brasileira teriam nascido do lpis de um artista italiano em razo do
sentimento, este genuinamente brasileiro, que os inspirou e no
24 V e r a e s s e r e s p e i t o Te i x e i r a L e i t e , J
o s R o b e r t o . D i c i o n r i o C r t i c o d a P i n t u r a
n o B r a s i l ,aedio.Ed.Artelivre.RiodeJaneiro998,pg.4.
25
AhistriadasconquistastrabalhistasnoBrasilrepublicanoprecisaseranalisadaluzdasaesdoEstado,mastambmapartirdaslutasdostrabalhadores.Otrabalhismoprocuravavenderaidiaqueasvitriastrabalhistaseramumfavor,umaconcessodoEstado,cujaimagemestavaconstrudaemcimadeGetlioVargas.Seguindoumalgicasemelhante,trabalhadoreseosescravosnoteriamparticipaoalgumanosprocessosdeconquistasdedireitostrabalhistasedaliberdade.EstemaisumparaleloimportanteentreashomenagensaAgostini,asuaidentidadecomoBrasileomomentopoltico.SobreaparticipaodostrabalhadoresnahistriadosdireitostrabalhistasnoBrasildaprimeirametadedosculoXXver:AngeladeCastroGomes.A
Inveno do Trabalhismo.RelumeDumar,994,CludioBatalha.O movimento
operrio na primeira repblica.RiodeJaneiro:Zahar,2000.
-
cap. 1 - A Arte do Poeta
propriamente de motivos estticos. Era mais uma vez a participao
de Agostini no movimento abolicionista que definia sua identidade
com o Brasil. Mas o autor no parou por ai:
A parte menos representativa, sob o ponto de vista artstico, a
das caricaturas propriamente polticas, pois, segundo os moldes em
vigor na poca, predominava o estilo do retrato, com pequena
deformao da figura visada. O que grande, na sua arte, a cincia e o
dom do desenho, a sinceridade com que fixava cenas e tipos
populares. Se o ambiente da poca fosse outro, teramos em Angelo
Agostini, seguramente, um admirvel continuador das glrias de Debret
e Rugendas, para o conhecimento mais exato da vida brasileira no
fim no segundo imprio. Mas, acima de tudo, ele ficar como o
incomparvel vergastador dos males da escravido, cujo lpis tanto fez
pela causa dos negros, equiparando-se palavra de Patrocnio e
Nabuco, e ao de Jos Marianno, Joo Cordeiro, Antonio Bezerra, Jos
Amaral e tantos mais heris da boa causa.26
H na passagem uma preocupao em tratar mais diretamente de
caractersticas tcnicas do trao de Agostini. Correto, prximo ao
retrato, fixava com preciso cenas e tipos populares. Para este
cronista, eram tais qualidades que faziam com que sua obra tivesse
a roupagem satrica. Assim, alm de repetir informaes e imprecises do
texto do Jornal do Commercio, trabalhava com uma separao entre arte
e poltica. A melhor parte da obra de Agostini seriam os desenhos
que no tinham inteno poltica. Por serem circunstanciais, serviam
causa, mas no eram grande arte. Na nsia de unir o que seriam as
duas grandes virtudes de Angelo Agostini, o cronista acabou
produzindo uma grande confuso. Mistura Debret, Rugendas, com
Joaquim Nabuco e Jos do Patrocnio, Jos Marianno, Joo Cordeiro,
enfim, une em uma mesma descrio elementos bastantes dessemelhantes
entre si. De toda essa peculiar mistura, resta uma idia: Agostini
fora um tipo de apstolo da verdade do seu tempo. Seus desenhos, alm
de servirem maior causa do seu tempo, tinham ainda a qualidade
artstica do retrato. Seriam a um tempo documentos histricos de
grande valor, na mesma altura e importncia dos trabalhos dos
artistas citados, e peas de ao poltica decisivas. Seu trabalho e
sua pessoa so exaltadas, compondo a imagem de um heri de um momento
de ruptura crucial da histria ptria: sua ao, como a de outros
citados na passagem, teria ajudado a fundar uma nova ptria,
marcaria o incio da civilizao e do progresso do pas.
Camada sobre camada de verses e informaes se fundem, se misturam
no processo sempre dinmico de construo de memria. Em cada momento
desse
26 Revista da Semana,03/abr/943,pg.24.
-
Poeta do Lapis
processo, informaes so relidas, por vezes alteradas, e sempre
ressignificadas, compondo imagens sempre parciais de uma trajetria
que se alterava continuamente. Aps sua morte em 1910, a idia do
heri nacional vai ganhando corpo, sendo construda de acordo com
intenes e razes de cada momento. Fiel e mvel, como qualquer memria,
a imagem que era feita do personagem Angelo Agostini, bem como de
sua trajetria profissional, mistura temporalidades num continuado
movimento de interpretao fundado em um conjunto de informao
limitado. Analisando esses textos, alm de importantes pistas a
respeito das etapas da vida de Agostini, vemos a construo de um
sentido sobre a escravido e a abolio na histria do Brasil. Partindo
de um objetivo diverso, e uma perspectiva analtica tambm
particular, outras faces do personagem emergem. Percorrendo os seus
mais de 0 anos como desenhista surge um amplo quadro no qual foram
pintadas as diversas questes que motivaram sua atuao. atrs dessa
diversidade e do processo no linear de sua formao como desenhista
que est centrado o interesse desta investigao.
Nos dois textos citados acima, Agostini descrito como um heri
nacional. Mas, de forma curiosa, ambos no se aprofundaram, nem
sequer dedicam um pargrafo ao trabalho e vida de Agostini na
Repblica, como se ela somente fizesse algum sentido durante o
Imprio. De fato, ele no foi muito homenageado quando da sua morte,
o que parece indicar que a Repblica, um ideal por que lutou, no se
revelou to boa para ele como possivelmente imaginou, ainda que a
revista Dom Quixote, que existiu entre os anos de 189 e 1903, tenha
atingido um relativo sucesso. A perda de prestgio de Agostini em
1910 foi, inclusive, objeto de reflexo nos textos da poca,
integrando sua memria de maneira forte. O que estou tentando
mostrar, contudo, que as principais linhas definidoras do carter e
do talento do caricaturista apresentadas por essas narrativas
respondiam a uma demanda muito prpria do tempo no qual foram
escritas. Nesse sentido, no interessava dedicar maiores atenes aos
primeiros anos da Repblica, tanto em razo de ter sido um perodo de
incertezas polticas, como pelo fato de Agostini no ter se destacado
na luta de nenhuma questo do perodo. Por outro lado, a escravido
era um tema importante. Naquele momento, j era consensualmente
vista como uma mcula da histria brasileira. Todo aquele que havia
combatido a vil instituio merecia o elogio que Agostini
recebeu.
Do mesmo modo, o nacionalismo era uma questo candente naqueles
anos, em que se buscavam elementos para definir a identidade
brasileira. Havia um esforo de construir uma verso da histria ptria
organizada pelo marco fundador da abolio, que
27
JacquesLeGoff.Memria/histria.Lisboa:ImprensaNacional/CasadaMoeda,984,pg.46.
-
cap. 1 - A Arte do Poeta
definiria o princpio da interveno do Estado em prol dos direitos
dos trabalhadores. Nada melhor do que uma figura que teria se
identificado com o povo e a terra do Brasil para reforar esse
sentimento. interessante perceber que o anticlericalismo de
Agostini no foi sequer mencionado, dado que essa sua caracterstica
poderia macular a imagem do heri da ptria que era desenhada. A
figura de Agostini, do modo como foi descrita, parecia talhada para
reforar algumas questes da poca.
H, contudo, uma outra razo que ajuda a entender a imagem
desenhada nos textos: as suas fontes. Ainda que em nenhum momento
tenham se preocupado em revelar a origem das informaes sobre Angelo
Agostini aos leitores, as narrativas fornecem pistas suficientes
para localizar os textos de onde retiraram os elementos com os
quais preencheram suas colunas. Alm de citar os autores Jos do
Patrocnio e Joaquim Nabuco -, ainda trazem uma data: o dia de
agosto de 1888, quando Agostini, em um banquete oferecido pela
Confederao Abolicionista, teria se naturalizado brasileiro.
Procurando nos dirios e semanrios publicados na Corte nas
proximidades daquela data no foi difcil descobrir as fontes dos
cronistas que se ocuparam em narrar aspectos da vida e da obra de
Angelo Agostini. Podemos, assim, escavar mais fundo o sentido
destas narrativas e com isso mergulhar ainda mais no complexo,
dinmico e sempre sinuoso processo de construo memorialstica.
- 3- Poeta do Lpis
O ano de 1888 um marco importante da histria do Brasil. Do mesmo
modo, e por razes muito semelhantes, foi uma data marcante na
histria da vida de Angelo Agostini. Os ventos sopravam na direo
certa para os que almejaram e lutaram pelo fim da escravido. No
havia mais muito espao para dvidas; assim que os trabalhos
legislativos fossem retomados, o pas, aps longo e conflituoso
processo, finalmente se veria livre de uma instituio que para
muitos contemporneos, alm de ser uma vergonha, atrasava o
desenvolvimento material do pas. A temperatura poltica da cidade
naquele ano para homens como Angelo Agostini pode ser medida por
meio de um episdio recheado de significados.
No ms de abril, mais exatamente no dia 0, o jornal A Cidade do
Rio, de Jos do Patrocnio, publicou dois longos textos sobre Angelo
Agostini. Em letras garrafais,
-
Poeta do Lapis
na primeira pgina daquela edio vinha a chamada: A Angelo
Agostini o grande jornalista dos escravos, homenagem da Confederao
Abolicionista e da Cidade do Rio8. O destaque dado incomum em
jornais do perodo, o que constitui um primeiro elemento a ser
assinalado. No preciso dizer que uma dessas crnicas, assinada por
Jos do Patrocnio, j foi citada aqui por mais de uma vez. A outra,
que no foi assinada, de certa forma tambm estava nos textos
analisados no item anterior.
O primeiro texto, intitulado Angelo Agostini, tem um incio
sugestivo:Dizer-se que, h vinte anos, este privilegiado artista
faz, incessantemente, em magnficos desenhos, a crtica ou a apologia
dos fatos constantes de um to longo perodo, condensar, em poucas
palavras, o maior elogio que se possa fazer ao talento genial de um
artista!2
O grande destaque expresso pelo que pode ser considerada uma
manchete, ainda que esse conceito no fizesse ainda parte da
linguagem e da prtica do jornalismo da poca, se confirma e refora
na citao. O trecho parece querer reverenciar o artista, o que um
elemento importante na construo do sentido que dava figura de
Agostini. Ainda que fosse a comemorao do aniversrio natalcio do
homenageado a razo aparente de tais textos, seu sentido extrapolava
muito o motivo e a importncia daquela data. Era a crena de ter-se
chegado ao fim um de uma longa jornada que explicava tamanho
destaque, o que fica evidente quando faz o balano da vida e da obra
de Agostini:
(...)[No] Cabrion(sic), que Angelo publicou em S. Paulo, h mais
de vinte anos, tendo como companheiros Amrico de Campos, Sinzenando
Nabuco e outros, encontram-se as primeiras revelaes do talento
deste grande artista, que o Brasil todo admira e respeita
O perodo no qual Agostini esteve em So Paulo no mereceu mais do
que este breve pargrafo, recheado de ausncia e pequenas incorrees.
A comear pelo ttulo do jornal, que era Cabrio, passando pelos
companheiros de folha, que eram Amrico de Campos e Antonio Manoel
do Reis, e no Sizenando Nabuco. Alm do mais, o primeiro jornal que
contou com o lpis de Agostini foi O Diabo Coxo, publicado um ano
antes, existindo entre 18 e 18. Foi este hebdomadrio que contou com
a participao de Sinzenando Nabuco e Luiz Gama. Finalmente, a
passagem d a entender que a nica atividade do grande artista na
capital da provncia de So Paulo foi desenhar para o Cabrio. Ledo
engano, como se buscar demonstrar mais adiante. A falta de preciso
indicativa um tipo de seleo curiosa, que lana luz apenas h alguns
momentos da vida do personagem. Esta , alis, uma marca de todos os
outros textos, de pocas
28 Cidade do Rio,07/abr/888,pg.0.
29 idem.ibidem.
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cap. 1 - A Arte do Poeta
posteriores, que se ocuparam de contar a histria da vida do
italiano.
O texto passa ento a fazer um breve histrico da trajetria de
Agostini at ele fundar a Revista Illustrada. Exalta a colaborao em
A Vida Fluminense, onde Agostini comps uma srie de quadros, muitos
dos quais ainda esto na memria dos homens de letras e dos artistas.
Em O Mosquito, tambm teria deixado lembranas. Ele teria sabido,
como ningum mais, aliar qualidade artstica e crtica poltica, razo
pela qual seu jornal estava na casa das mais diversas pessoas:
Foi um jornal temido e respeitado, que a gente encontrava em
todas as casas, na mo das damas aristocrticas, como na sala das
famlias modestas.Nunca um exagero ou uma inconvenincia desse lpis
mgico tornou as ilustraes suspeitas aos lares mais escrupulosos.E
sempre, sempre, quer o desenho fosse pungente ou alegre, o artista
sabia-o apresentar de modo que um sorriso ou uma exclamao
entusiasmtica servia de prmio ao arrojo d