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Agricultura familiar orgnica e qualidade de vida. Um estudo de
casoem Santa Rosa de Lima, SC, Brasil*Family organic farming and
quality of life. A study case in Santa Rosa de Lima,
SC,BrazilAZEVEDO, Elaine de1; SCHMIDT, Wilson 2; KARAM, Karen
Follador 3
1 Faculdade de Cincias da Sade / Universidade Federal da Grande
Dourados, Dourados/MS, Brasil,Ps-Doutoranda no Departamento de
Prtica de Sade/ Faculdade de Sade Pblica/ Universidade deSo Paulo,
So Paulo/SP, Brasil, [email protected]; 2 Centro de Cincias
daEducao/Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis/SC,
Brasil, [email protected]; 3Sociloga/Doutora em Desenvolvimento
e Meio Ambiente/Consultora, [email protected]
RESUMO: A Agricultura Familiar Orgnica, ao se apresentar como um
sistema produtivo que objetiva aauto-sustentao da propriedade
agrcola, a oferta de alimentos saudveis e a preservao da
sadeambiental e social, questiona as repercusses negativas do
sistema moderno de produo de alimentos ese aproxima da noo de
qualidade de vida. Para ilustrar melhor a articulao entre qualidade
de vida eAgricultura Familiar Orgnica, buscou-se conhecer as
repercusses da adoo de um sistema de produoorgnico sobre a
qualidade de vida de agricultores familiares da Associao de
Agricultores da Encostas deSerra Geral (AGRECO), em Santa Rosa de
Lima, SC. O estudo de campo apresentado nesse artigo ajudoua
elucidar a complexidade do conceito de qualidade de vida no meio
rural. Ao mesmo tempo, evidenciou aprtica da Agricultura Familiar
Orgnica como uma estratgia eficaz na promoo de qualidade de vida e
devalores sociais nesse meio e permitiu delimitar, com maior
segurana, a relao entre as categoriaspropostas qualidade e vida e
Agricultura Familiar Orgnica.PALAVRAS-CHAVE: qualidade de vida;
Agricultura Familiar; Agricultura Orgnica; desenvolvimento
ruralsustentvel.
ABSTRACT: This research aims to evaluate and draw conclusions
concerning the relationships betweenFamily Organic Farming and the
resulting quality of life experienced by the farmers. A basic
premise is thatmany of the same objective and subjective factors
occur in studies and discussions of both these concepts.Analysis of
the rural world from the perspective of agriculture reveals that
current methods and patterns offarming determine significant
changes in the social and environmental health of the rural
population. Thisresearch compares the quality of rural life which
results from modern forms of Technical Agriculture with
thatproduced by Family Organic Farming where the aim is
self-sustainability, the production of healthy food andthe
preservation of the environment. In addition, research showed that
the organic farmer receives a rangeof social benefits not least
being the reinforcement of his/her cultural integrity. These
positive results call intoquestion the negative repercussions of
modern patterns of "Technical Agricultural" production. This
articleshows an initial exploratory study and an investigation into
the quality of life being experienced by an existinggroup of
organic family farmers belonging to AGRECO in Santa Rosa de Lima,
south of Brazil. The studybrought up the multiple relations for
researches on quality of life in the rural world and also situates
theFamily Organic Farming as a strategy of promoting quality of
life and social values in the rural word.KEY WORDS: quality of
life, Family Organic Farming; Organic Farming; sustainable rural
development.
Revista Brasileira de AgroecologiaRev. Bras. de Agroecologia.
6(3): 81-106 (2011)ISSN: 1980-9735
Correspondncias para: [email protected] para publicao
em 04/05/2011
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IntroduoOs temas sade e qualidade de vida aparecem
recorrentemente explorados. O desafio aqui foirelacionar esses
conceitos Agricultura Orgnicae, mais especificamente, Agricultura
FamiliarOrgnica (AFO). Ressalta-se que no Brasil essesdois modelos
so muito prximos, uma vez quecerca de 90% da produo orgnica no pas
proveniente da Agricultura Familiar (AF) (MAPA,2008).
Assume-se nesse artigo, a noo de qualidadede vida de Minayo et
al (2000) que transita em umcampo semntico polissmico por estar, de
umlado, relacionada ao modo, condies e estilos devida e, de outro,
idias de desenvolvimentosustentvel, de ecologia humana,
dedesenvolvimento, de direitos humanos e sociais.Essa noo tem sido
aproximada ao grau desatisfao encontrado na vida familiar,
amorosa,social e ambiental e prpria esttica existencial.Pressupe a
capacidade de efetuar uma sntesecultural dos elementos que
determinada sociedadeconsidera seu padro de conforto e
bem-estar(p.8). A natureza subjetiva da qualidade de vida
serelaciona a como as pessoas sentem ou o quepensam das suas vidas,
ou como percebem ovalor dos componentes materiais reconhecidoscomo
base social da qualidade de vida (p.11).
A Organizao Mundial de Sade definequalidade de vida como a
percepo do indivduode sua posio na vida no contexto da cultura
esistema de valores nos quais ele vive e em relaoaos seus
objetivos, expectativas, padres epreocupaes A organizao
desenvolveuinstrumentos para medir qualidade de vida dentrode uma
perspectiva internacional de domniosvariados, partindo da premissa
de que qualidadede vida uma construo culturalmultidimensional. Os
domnios levantados pelaOMS e que serviram de diretrizes para
esseestudo so: domnio fsico (sono, boa alimentao,integridade
corporal); domnio psicolgico (controledas emoes, do estresse,
promoo da auto-
estima; nvel de independncia (saber viver s);domnio relaes
sociais (saber viver em grupo);domnio ambiental (relaes com o meio
ambientepreservado); domnio espiritual (respeito as suascrenas e
religies) (WHOQOL GROUP, 1994).
O conceito de agricultura familiar utilizadoneste trabalho
remete a uma categoria genricaque a define como aquela em que a
famlia, aomesmo tempo em que proprietria dos meios deproduo, assume
o trabalho no estabelecimentoprodutivo (Wanderley, 1999, p.25).
Optou-se por estudar a agricultura de basefamiliar porque ela
responde, em grande parte, auma importante questo: quem produz
osalimentos no Brasil? Dados do CensoAgropecurio (IBGE, 2006)
demonstram que aAgricultura Familiar, com apenas 24,3% da
reaagrcola, responsvel pela produo de quase80% dos alimentos
consumidos no pasl. Mesmoproduzindo quase toda a alimentao
dapopulao brasileira, a AF conta com menosrecurso pblico como
suporte de suas atividades:recebeu mediante as polticas pblicas
cerca de13 bilhes de reais em 2008, em relao aos maisde 100 bilhes
obtidos pelo agronegcio (Mazzezi,2009).
Alm disso, a AF tem se mostrado expressivapara embasar um
conjunto de estratgias voltadasa promover a qualidade de vida no
campo. Pensarsobre qualidade de vida e Agricultura FamiliarOrgnica
implica no estreitamento das relaes nomundo rural e na percepo da
importncia de seconstruir, nesse meio, uma realidade que no
serestrinja s atividades produtivas. Trata-se de umuniverso
peculiar, designado, por alguns autores,como ruralidade, percebida
como uma forma decultura vinculada ao meio geogrfico
particulardenominado como rural (Duran, 1988 apudKaram, 2001).
Este artigo parte do estudo de Azevedo (2004)que ressaltou que
os aspectos subjetivos e
Azevedo, Schmidt & Karam
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e objetivos que aparecem nas discusses sobrequalidade de vida
tambm esto presentes nosestudos sobre a Agricultura Familiar
Orgnica. Oestudo tambm mostrou que a AgriculturaOrgnica, ao se
apresentar como um sistemaprodutivo que objetiva a auto-sustentao
dapropriedade agrcola no tempo e no espao, amaximizao dos benefcios
sociais para oagricultor, a minimizao da dependncia deenergias no
renovveis na produo, a oferta deprodutos saudveis e de elevado
valor nutricional,isentos de qualquer tipo de contaminantes
queponham em risco a sade do consumidor, doagricultor e do meio
ambiente, o respeito integridade cultural dos agricultores e
apreservao da sade ambiental e humana(BRASIL, 2007) questiona as
repercussesnegativas do sistema agroalimentar moderno epromove a
sade e a qualidade de vida.Assumindo essa definio, a AFO torna-se
umaferramenta de promoo de valores sociais e dequalidade de vida no
meio rural, com repercussesigualmente importantes sobre a qualidade
de vidano meio urbano.
Mesmo com o fortalecimento dos movimentosda Reforma Sanitria
Brasileira e de Promoo deSade no Canad, na dcada de 1980,
queresgataram a essencialidade dos diferentesdeterminantes e
condicionantes do processosade e doena, as repercusses
socioambientaisdo padro produtivo dominante no ganharam adevida
importncia na rea da sade. Isso se tornamais instigante se pensamos
que o Brasil ainda um pas com perfil fortemente agrcola e quegrande
parte da populao urbana tem vnculoscom o meio rural (especialmente
aquela maisvulnervel socialmente e foco de diferentesprogramas na
rea de Sade Pblica). Para almdas pesquisas sobre impacto dos
agrotxicos, asintervenes da Sade Coletiva parecem ter
sido,essencialmente, encontrar solues para muitas
mazelas urbanas que se originaram no meio rural.Rigon (2005) e
Navolar (2006) fizeram estudos decaso sobre associaes de
agricultoresregistraram que com a prtica da Agroecologiahouve a
retomada de uma produo maior e maisdiversificada de alimentos para
o autoconsumofamiliar e para o fornecimento ao consumidor;aumento
da autonomia dos agricultores; obtenode um incremento na renda
monetria familiar;manuteno do modo de vida rural; resgate
ouincorporao de prticas alimentares maissaudveis e registro de uma
percepo positivasobre o estado geral de sade da famlia aps
umdeterminado tempo de converso da propriedaderural
Agroecologia.
Nessa mesma direo, a partir de um trabalhode investigao a campo,
buscou-se conhecer asrepercusses da adoo de um sistema deproduo
orgnico sobre a qualidade de vida deagricultores familiares. A
investigao, baseadaem um estudo de caso, apoiou a
articulaoconstruda teoricamente por Azevedo (2004) emostrou sua
pertinncia.
MetodologiaA pesquisa de campo, do tipo qualitativo de
natureza etnogrfica buscou justamente oselementos da
subjetividade da vida social,entendidos como fenmenos e
processossignificativos. Para tal utilizou-se de
tcnicasqualitativas como entrevistas semi-estruturadas eobservao
participante nas unidades deproduo de agricultores que pertencem
categoria social da agricultura familiar e sopraticantes do sistema
de produo da AgriculturaOrgnica. Todos os informantes eram
associadosh pelo menos dois anos na Associao dosAgricultores
Ecolgicos das Encostas da SerraGeral (AGRECO), em Santa Rosa de
Lima, SC eparticipavam ativamente da Associao.
A partir da escolha desse critrio, definiu-se
Agricultura familiar orgnica
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que a primeira identificao dos futurosentrevistados resultaria
da indicao de uminformante qualificado - representante e/ou
diretorda AGRECO.
O trabalho de campo desenvolveu-se em umperodo de uma semana.
Nesse perodo foramentrevistados de forma aprofundada
seisagricultores, nmero que permitiu umaprofundamento e uma
abrangncia dacompreenso desse grupo social. Acredita-se queeste
procedimento permitiu uma melhorcompreenso do tema estudado, ao
mesmo tempoem que levantou pistas de reflexo para a anlisede
situaes e problemas relacionados. Por outrolado, pelo carter da
pesquisa, os resultados noexpressam situaes generalizveis.
A escolha da AGRECO no foi aleatria, umavez que tal associao
expressa em seu estatuto odesejo de contribuir para a melhoria da
qualidadede vida de seus associados, agricultores familiares,e de
incorporar ao sistema de produo orgnico oresgate de um modo de vida
orgnico. A primeiravisita ao local aconteceu por ocasio de umalmoo
comunitrio preparado pelos agricultoresda AGRECO em Santa Rosa de
Lima. Seis mesesdepois foi enviada uma carta formal aosagricultores
entregue pelo coordenador daAGRECO. Buscou-se nesta carta,
explicitar asrazes do estudo e as condies da pesquisa.Depois dessa
carta, no momento da entrevista, osagricultores assinaram um
documento consentindoem participar da pesquisa, com base na
Resoluo196/96 (Termo de Consentimento Livre eEsclarecido do
Conselho Nacional de Sade).
Coleta dos dadosAs entrevistas foram realizadas nas unidades
de produo, com exceo de um agricultor,entrevistado aps uma
reunio do conselhodeliberativo da AGRECO. Sua
propriedade,entretanto j havia sido visitada pela pesquisadorapor
ocasio da visita supracitada.
Para realizar a coleta de dados atravs dasentrevistas, optou-se
por um formulrio organizadoem duas partes como instrumento de
pesquisa. Aprimeira, composta por um conjunto de questesque
possibilitassem fazer a caracterizao do perfilsociodemogrfico dos
entrevistados e da unidadefamiliar. A segunda, por um roteiro de
perguntaschaves, norteadoras do processo investigativo,respondidas
livremente pelos informantes, visandoapreender sua representao
sobre sade equalidade de vida, a partir dos domnios dequalidade de
vida acima mencionados pelaOrganizao Mundial da Sade.
Partindo do princpio de que cada ser humanotem sua representao
sobre sade e qualidadede vida, essas questes buscavam captar
arepresentao do entrevistado sobre o tema,evitando-se, ao mximo,
influncias por parte dopesquisador. As entrevistas duraram em
mdiauma hora e foram gravadas e transcritasintegralmente.
A entrevista foi individual e confidencial. Julga-se que esta
condio propiciou a manifestao derelatos ntimos que por vezes
chegaram a soarcomo confidncia. O registro dos dados foi feitopor
escrito no roteiro da entrevista e as respostasdas perguntas livres
foram gravadas e transcritasposteriormente. Utilizou-se, da mesma
forma, umdirio de campo para as anotaes aps cadaentrevista e
durante todo o trabalho de campo.
A tcnica de observao participante permitiuestar com as famlias e
vizinhos dos entrevistadoscerca de seis a doze horas por dia
durante umasemana e pernoitar na casa de alguns dosinformantes,
participando das diversas refeiescom a famlia, convivendo com todos
os membrospresentes e dispostos para tal, alm de se buscarinteragir
com a vizinhana.
Ainda como parte dos procedimentos depesquisa, foram contatados
outros associados daAGRECO e a autora participou de uma reunio
doConselho Deliberativo da associao realizada
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durante a fase de campo. Tambm foram feitasentrevistas com o
presidente e com outraslideranas da AGRECO. Atravs
dessasentrevistas, buscou-se obter dados relacionados aonmero e
perfil dos associados, conhecer asdiretrizes dos projetos da
associao, perceber adinmica da organizao e conhecer a
expectativadas suas lideranas para cotej-las com a dosagricultores
entrevistados. O mdico do posto desade local foi contatado,
buscando-se levantarinformaes relativas s condies de sade geralda
populao. Essas condies foram compiladasde dados utilizados no
Sistema de InformaoHospitalar (SIH, 2002).
Cabe destacar ainda que a busca de literaturasobre a colonizao
alem no Estado de SantaCatarina e no sul do Brasil propiciou
oconhecimento da cultura dos antepassados dosagricultores
entrevistados e a sua influncia noatual modo de viver das suas
famlias.
Anlise dos dadosA anlise teve como objetivo evidenciar os
cdigos pelo qual se elaboram significaesligadas as prticas
cotidianas individuais ecoletivas dos agricultores e sua
proximidade ouafastamento do conceito de qualidade de vida.,
apartir dos domnios estabelecidos pela OMS.
As entrevistas e anotaes do dirio de campoforam avaliados
primeiramente de forma vertical eflutuante, buscando o que Minayo
(2007) ressaltacomo essenciais: temas que se destacavam,padres
recorrentes e discordantes, estruturas derelevncia para os
informantes e expressorsidiomatocas e metforas. Posteriormente,
cadaentrevista foi analisada de modo horizontal ebuscaram-se temas
emergentes e recorrentes.
A partir desse processo foram construdas duascategorias empricas
qualidade de vida e aspectosde sade humana e qualidade de vida e
aspectosambientais, sociais e culturais. Tais categorias euma
categoria mica emergente, modo de vida
orgnico, foram confrontadas com a categoria dequalidade de vida
e Agricultura Familiar Orgnica.
O territrio e um pouco de histria...Considerar o territrio onde
as pessoas vivem
permite identificar os diversos tipos de aesnesse local, como
eles so percebidos por taispessoas e at que ponto as regras de
utilizaodos recursos do territrio e da populaopromovem determinados
hbitos, comportamentose problemas de sade cujas caractersticas
sopassiveis de identificao (MONKEN;BARCELLOS, 2005).
A Associao de Agricultores Ecolgicos daEncosta da Serra Geral
tem sua sede no municpiode Santa Rosa de Lima, no sudeste do Estado
deSanta Catarina, junto s encostas da Serra Geral eao Vale do Rio
Brao do Norte. A regio dasencostas da Serra Geral um corredor
ecolgicoentre o Parque Nacional de So Joaquim e oParque Estadual da
Serra do Tabuleiro e nelaesto as nascentes de rios que abastecem
degua potvel importantes aglomerados urbanos dolitoral catarinense
(SCHMIDT, 2004).
Santa Rosa de Lima apresenta baixadensidade demogrfica (10,24
habitantes por km)frente a mdia dos municpios do Estado de
SantaCatarina que de 51 habitantes por km. Deacordo com Schmidt
(2000), a populao de SantaRosa de Lima se configura basicamente
pordescendentes de colonos alemes. Hoje, dentreseus dois mil
habitantes, a maioria (79%) vive narea rural. A agricultura,
juntamente com apecuria leiteira, so as atividades econmicasmais
rentveis da regio.
A maioria dos estabelecimentos rurais daregio de Santa Rosa de
Lima conduzida porseus proprietrios e suas famlias,
caracterizandouma agricultura do tipo familiar, com a prevalnciade
propriedades de at 50 hectares (MOREIRA,2000 apud MULLER,
2001).
O municpio est fora de eixos virios
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importantes, suas estradas so precrias e temuma estrutura de
comunicao deficitria. Aqualidade da energia eltrica baixa, bem
comoos servios de telefonia e lazer (SCHMIDT et al,2003). Apesar da
dificuldade de infra-estrutura domunicpio, pesquisa de Jacques
(2003) sinalizouos bons resultados das gestes que a AGRECOfez junto
ao poder pblico: aumento do nmero detelefones celulares fixos
instalados e do nmero deestradas de acesso s agroindstrias e
ocorreuuma evoluo positiva da frota municipal demanuteno das
estradas no ano de 2001 para2002.
A qualidade do ensino pblico do municpio,considerada precria
devido falta de capacitaoe atualizao e baixos salrios dos
professores, foiafetada pela implantao dos projetos de"nucleao" das
escolas e de transporte escolar.Desde 1999 ocorreu uma queda de
matrcula nasescolas isoladas da regio e observou-se umatendncia
crescente de transferncias dematrculas das escolas da rede pblica
estadualpara a municipal. Isso aconteceu sem oconcomitante repasse
de verbas que viabilize umensino de qualidade nas escolas do
municpio deSanta Rosa de Lima (Schmidt et al, 2003).Ressalta-se
aqui a necessidade de se avaliar oimpacto sobre as mudanas
culturais que seestabelecem ao retirarem-se as crianas do meiorural
para o meio urbano, desvalorizando aindamais a condio do rural no
municpio.
A partir da descentralizao dos recursosdestinados sade e
implantao do SistemaUnificado de Sade (SUS) em 1990,
transferiu-separa o municpio a responsabilidade doplanejamento,
execuo e controle das aes eservios bsicos de sade. De acordo com
omdico local, que compilou dados do Centro deSade de Santa Rosa de
Lima, todos ostrabalhadores dos estabelecimentos produtores
ecomerciais de alimentos (produtores de
agroindstrias e laticnios, bares, restaurantes emercados)
realizam o controle anual dascondies de sade atravs da carteira de
sade.
A especialidade mdica mais procurada aMedicina do Trabalho, por
obrigatoriedade nasatividades das agroindstrias. Quem trabalha
nasagroindstrias da regio submete-se a examesobrigatrios anuais. O
tratamento mdico clnico edentrio do municpio bem conceituado entre
osagricultores, mas eles prprios no frequentam omdico com
assiduidade, fato levantado porJacques (2003), a partir de dados da
SecretariaMunicipal de Sade de Santa Rosa de Lima.
Essa mesma autora avaliou essa baixa nondice como uma possvel
modificao naqualidade e quantidade do atendimento mdicoem Santa
Rosa de Lima, o que no significa que apopulao est mais ou menos
saudvel. Soboutro ponto de vista, ao contrrio do que aavaliao desse
ndice sugere, a diminuio dasconsultas e um baixo ndice de consultas
porindivduo/ano podem indicar uma melhoria noestado geral de sade
da populao. Outraspossibilidades para explicar a queda no nmero
deatendimentos podem ser propostas, como amelhoria das condies
financeiras para buscaratendimento mdico fora da rea municipal ou
abusca de alternativas de tratamento. Alm disso,os agentes de sade
locais e enfermeiros fazemvisitas domiciliares dentro do Programa
Sade daFamlia e esse atendimento, bastante valorizadopela
comunidade, pode estar contribuindo parabaixar o ndice de consultas
no posto de sade.
O processo de colonizao de Santa Rosa deLima foi iniciado em
1905 com a chegada dosprimeiros colonos alemes. Sem o apoio usual
dogoverno ou de empresas colonizadoras, oscolonos enfrentaram
grandes dificultadas deassentamento como a topografia acidentada,
apresena de florestas densas, o isolamentogeogrfico e a presena
indgena contriburam
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para dificultar a ocupao das terras (SCHMIDT,2000).
A terra era percebida como garantia de sustentoda famlia e do
patrimnio scio-cultural, alm deum fator de produo e as prticas
culturais eramtodas feitas manualmente. A policultura, associada
criao de animais (especialmente o porcoMacau), garantia a reproduo
do grupo familiar eminimizava a carncia de produtos provenientesdos
mercados distantes. Os colonos produziamtambm um excedente de
produo destinado comercializao que garantia a aquisio degneros
alimentcios e de outros utilitrios noproduzidos no interior das
propriedades, tais comosal, roupas, querosene e instrumentos
agrcolas. Algica da organizao baseada em um alto grau
deauto-suficincia e na manuteno de umpatrimnio sociocultural,
calcada nos princpios dacampesinidade, garantia a subsistncia e
areproduo social das famlias Devido aprecariedade das vias de
acesso, as opes paraos agricultores venderem ou comercializarem
seusprodutos sempre foram escassas. (MULLER, 2001;SCHMIDT 2000
).
A partir dos anos 60, essa estabilidadecomeou a mudar. A entrada
do leo vegetal e damargarina no mercado, leva diminuio do preoe do
valor da manteiga, da banha e do porco. Oaumento da populao, e a
conseqentefragmentao das terras a partir dos processos deherana,
levaram a uma utilizao mais intensivado solo e ao abandono do tempo
de pousio. Oagricultor passou a conviver com a lentarecuperao dos
solos e da fertilidade e com aconseqente baixa produtividade das
culturas. Epassou ento a buscar alternativas. No incio,
asalternativas crise localizavam-se dentro dasunidades familiares
de produo. Culturas eprodutos tradicionalmente presentes nos
sistemasde produo destinados primordialmente aoconsumo familiar
passaram a ser priorizados comoprodutos com valor de troca,
aumentando o
excedente de produo para a venda. Odesmatamento na regio comeou
a serintensificado e a explorao comercial da madeirapassou a
constituir uma atividade comercial comboa fonte de renda (MULLER,
2001).
A fumicultura se tornou uma possibilidadefrente crise que se
instalava, junto a posteruorentrada do milho hibrido e da
assistncia tcnica.O agricultor passou a conviver com os
adubosqumicos e agrotxicos, elementos para alm dodomnio prtico do
conhecimento acumulado dosagricultores. Esses fatores aumentaram
adependncia do agricultor de fatores externos.Mudanas ambientais
ocorreram, alm daquelasque diziam respeito prpria organizao
edinmica da unidade de produo familiar.Intensificou-se a
auto-explorao familiar e anecessidade de mo-de-obra
externa,sobrecarregando a dinmica familiar produtiva.Alguns
agricultores resistiram ao plantio do fumo,permanecendo nos mtodos
tradicionais decultivo. Porem, essa permanncia no foi guiadapor
questes de ordem econmica, mas porvalores como o resguardo da sade
e cuidado deno expor a famlia ao trabalho exaustivo exigidopela
atividade. (MULLER, 2001, p.82).
Essa transio modernizadora trouxe consigoum processo de
dependncia econmica etecnolgica e a perda de
conhecimentostradicionais, da lgica de deciso e gesto, deestratgias
e prticas tradicionais e culturais e deum modo de cultivar e de
viver. Aliados aosimpactos culturais, sade humana e ao
meioambiente, intensificaram-se outros problemas deordem ecolgica.
A necessidade de grandequantidade de lenha para o aquecimento
dasestufas de fumo fez com que o desmatamentoaumentasse, levando
perdas da biodiversidadede carter irreversvel (MULLER, 2001).
Segundo a anlise de Muller (2001), osagricultores que optaram
pela cultura do fumofizeram-no devido s vantagens oferecidas
por
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intermdio da integrao agroindustrial. Com opassar do tempo, essa
realidade, principalmenteem se tratando do crdito agrcola e do
maiorrendimento obtido com a cultura, deixou de servantajosa. Por
outro lado, as desvantagens, comoo uso dos agrotxicos e o trabalho
exaustivo,inicialmente minimizadas e bem aceitas pelosfumicultores
por causa das vantagens obtidas coma cultura, passaram tambm a
contar comoelementos para questionar a atividade.
Em toda a regio das Encostas da Serra Geral,na metade da dcada
de 1990, as repercussesambientais, sociais e sobre a qualidade de
vidados agricultores locais eram sentidas e foramreforadas pela
crise da fumicultura e peloconsequente processo de desertificao
social emSanta Rosa de Lima (SCHMIDT, 2004).
Em 1996, no entanto, nasce a idia de umdesenvolvimento
sustentvel para a regio. Umsupermercadista natural do municpio
lanou aosagricultores uma proposta de produo orgnicade
hortifrutigranjeiros, oferecendo-lhes a condiode fornecedores nicos
de sua loja deFlorianpolis. Um grupo de agricultores aceitou
odesafio e, j com uma primeira produo emandamento, fundou, em
dezembro de 1996, aAGRECO. (AGRECO, 1996).
Finalizando essa breve abordagem histrica naproduo agrcola de
Santa Rosa de Lima,ressalta-se que a transio no eliminou todos
ostraos tradicionais caractersticos dacampesinidade dos
agricultores locais. Muller(2001), ao analisar indicadores como a
presenado milho rstico, a manuteno da diversificaodos cultivos, as
prticas de rotao de culturas, oconsrcio de espcies, etc, sugere que
houve umamodernizao parcial, seja em relao basetcnica do processo
produtivo, seja em torno daorganizao do trabalho. Manteve-se a
lgicafamiliar e preservou-se um sistema de valores,ordenador de um
modo de vida peculiar destesagricultores e de sua tica
camponesa.
Segundo Muller (2001, p.113) esses foramalguns dos elementos
facilitadores do processode transio rumo a ecologizao da
agriculturana regio e base para a implantao da AGRECOque tem
desafiantes objetivos como expressa seuPresidente em entrevista
autora:
"O que se busca na AGRECO no somente a simples converso a um
modelotecnolgico. a converso de pessoas a umnovo processo de vida.
um aprendizado que,aos poucos, se torna cultura. Cada um faz
seupapel, sem voluntarismo ou euforia (...) O queexiste nas
Encostas da Serra Geral umprojeto de vida que no se tira dos
habitantesdaquele territrio" (Presidente da AGRECO,2003).
Resultados
Perfil dos informantesOs agricultores e membros da famlia so
oriundos da regio de Santa Rosa de Lima, RioFortuna e Anitpolis.
A origem tnicapredominante dos agricultores entrevistados foi
aalem; somente um dos entrevistados tinha a medescendente de ndios
brasileiros. A mdia detempo de envolvimento dos entrevistados
naproduo orgnica girava em torno de trs a cincoanos (quatro
produtores) sendo que um delesestava na AGRECO h apenas dois anos e
outro,desde o incio da fundao da Associao, em1996. O grupo de
pesquisados tinha idade mdiade 35 anos (o mais novo com 28 anos e o
maisvelho com 44), sendo quatro casados e apenasdois solteiros.
Foram entrevistados quatroagricultores e duas agricultoras. Entre
os casados,dois homens e duas mulheres foram ouvidos. Osdois
solteiros eram do sexo masculino.Quanto escolaridade do grupo,
quatro produtorescursaram o ensino fundamental incompleto;
umcompletou o ensino fundamental e o outro estava
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finalizando o ensino mdio na poca. As famliasdos agricultores
entrevistados eram pequenas,com dois a trs filhos de idade variada
(3 a 21anos) sendo que dois dos entrevistados eramsolteiros e
viviam com os pais. Trs agricultoresconviviam com os pais na mesma
casa e um delesmorava na casa ao lado da sogra. Os pais tinhamidade
variando entre 68 e 72 anos. Ocorreu umavariao de renda entre os
agricultorespesquisados. Trs dos entrevistados que sededicavam
exclusivamente produo orgnicaestavam entre os de menor renda
lquida: variandode um a trs salrios mnimos. Para os outros trsque,
alm da produo orgnica, se dedicavam aatividades diversas como o
trabalho administrativona AGRECO, a produo artesanal de licores,
aproduo convencional de leite e a granja de ovoscaipira, a renda
girava em torno 7,5 salriosmnimos.
No que se refere s condies de moradia,pode-se considerar que
todos viviam em boascondies: casas simples de madeira,
grandes,mobiliadas e com jardins bem cuidados. A guaprovinha de
fonte na propriedade e todos osprodutores entrevistados tinham
fossa sptica efonte de energia eltrica. As famlias usavam ofogo a
gs juntamente com o fogo a lenha,mantendo a tradio dos colonos.
Todas asfamlias visitadas tinham equipamentos e utenslioscomo
geladeira, freezer, batedeira, liquidificador,televiso e rdio e
duas delas possuam telefoneem casa. A televiso, que permanecia
ligadadurante grande parte do dia na maioria das casas,era a fonte
principal de lazer, informao e notciasexternas entre os
produtores.
Todos os entrevistados eram responsveis ouco-responsveis pelas
unidades de produo. Operfil e a diversidade produtiva das unidades
dosagricultores pesquisados variaram bastante.
Os entrevistados, pela prpria escolha do perfil,participavam das
atividades AGRECO combastante constncia - o que no uma regra
geral
entre todos os associados. Vnculos com outrasassociaes tambm so
relatados entre trs dosseis entrevistados. O trabalho nas
propriedadesobservadas era exercido apenas pelos membrosda famlia
seguindo a tradio alem que tinha nafamlia a base nuclear da
propriedade
Relaes familiares slidas e estveis foramobservadas entre as
famlias entrevistadas,configurando-se como um indicador de
qualidadede vida no que se refere segurana emocionaldos
agricultores. Dentre os seis entrevistados,cinco vivem com os pais
(mdia em torno de 65anos) ou na casa ao lado. comum o filho
maisnovo cuidar da propriedade paterna e dos paisidosos:
"Eu moro com o mais novo na minha terra,mas ficamos sempre
prximos de todos. Omais velho mora aqui pertinho, numa terra queeu
dei pra ele e agora t vendendo a terra maisdistante pra deixar pras
filhas, que moram maislonge" (sogro de agricultor, 72 anos).
"Eu vivo aqui do lado do filho mais novo,mas meu filho solteiro
ainda quer morarcomigo" (sogra de agricultora, 70 anos).Em Santa
Rosa de Lima, as estradas no so
pavimentadas e o transporte bastante precrio oque faz com que
todos os entrevistados busquemmeio de transporte prprio (moto ou
carro).Questionados se essa condio de isolamentoafeta suas vidas,
somente um agricultor (solteiro)queixou-se dessa condio.
Os agricultores familiares levam uma vidardua. Trabalham uma
mdia de 8 a 12 horas pordia. Essas horas so intercaladas com
momentosde descanso, refeies - sempre junto famlia - eatividades
domsticas variadas. Somente oentrevistado que trabalha na rea
animal temdedicao de 17 horas por dia, exclusivamente naatividade
produtiva. Sente-se sobrecarregado nomomento e considera que assim
no podecontinuar (agricultor, 38 anos).
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O projeto de desenvolvimento "Vida RuralSustentvel"
(AGRECO-SEBRAE, 2000) apoiou aformao de agroindstrias, prtica
presente napoca da colonizao, quando os colonosproduziam em grande
parte para a subsistncia.Hoje, na produo agroecolgica,
aagroindustrializao representa uma possibilidadede agregao de valor
ao produto agropecurio deorigem orgnica e incentiva a independncia
doagricultor.
A capacidade de diversificao, que garantiu acontinuidade da
reproduo social do grupofamiliar, passou a ser percebida tambm como
umbom negcio dentro da produo orgnica:
"A gente tem uma viso mais clara que podeaumentar muito mais a
produo diversificada.Se diversificar a renda vai ser melhor.
Antesmeio quase que a gente no enxergava isso"(agricultor, 38
anos).
Todos os agricultores entrevistados tmproduo de policultura para
autoconsumo, combase em hbitos alimentares herdados de
seusantepassados alemes, ajustados realidadelocal: leite e
derivados (nata, ricota), arroz, feijo,verduras (repolho, batata
inglesa couve) e frutas(laranja e banana), ovos e pequenos
animais,embutidos, banha de porco, po de milho, rosca depolvilho e
a erva-mate na forma de chimarro. Oacar, os doces de fruta e a
farinha de trigo -introduzida posteriormente na dieta so a base
dosbolos, cucas e doces, ingeridos com bastantefreqncia.
Os alimentos adquiridos fora da rea deproduo local so o acar, a
farinha de trigo, ocaf, o leo de soja, o arroz branco, a farinha
demilho e o sal. O restante produzido napropriedade ou comprado de
agricultores vizinhos.
Os entrevistados relataram a reintroduo nadieta de alguns
alimentos cuja produo foi
incentivada dentro da tica da produo orgnica:o acar mascavo, o
melado e o morango. Oincentivo da produo de carne de porco dentro
dosistema orgnico, o porco criado livre, tambm recente e foi
mencionada pelos entrevistados.
A produo de banha e carne de porco perdeuespao a partir das
mudanas no hbito alimentardo consumidor urbano. Porm, essa prtica
nomodificou o hbito do agricultor local de ingerir acarne suna e a
banha como fontes de protena egordura animal. O hbito de consumo
demargarina foi relatado somente na famlia deagricultores que j
viveu na cidade e o leo desoja utilizado eventualmente entre as
famliasentrevistadas, sendo o mesmo percebido comoalimento de m
qualidade na viso dos moradoreslocais:
"Eu no tenho nem dvida que banha melhor que leo de soja cheio de
agrotxico, ldo Paran. E agora o povo gosta e v que leo que no bom"
(pai de agricultor, 75 anos).
A dieta se configura hoje como um dosaspectos centrais de
preveno de doenas elongevidade. Avaliar a dieta de uma
comunidadecomo um dos aspectos de seu modo de viver,pode fornecer
dados acerca das condies desade e qualidade de vida dessa
populao.Ressalta-se que a manuteno ou resgate deelementos culturais
como determinantes deprticas alimentares saudveis reverbera
dentrodos estudos de povos saudveis como o de Price(2000) e
MorioguchI et al (2000) e apresenta-secomo uma estratgia de promoo
da sade.
Qualidade de vida e agricultores familiaresorgnicos: aspectos de
sade humana
Uma das perguntas feita aos entrevistadosvoc se acha saudvel
mostrou-se muito geral etodos responderam que se acham
saudveis.
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Percebeu-se, numa primeira impresso, um grupode agricultores que
no se queixa e no se sentedoente. Relaciona-se essa condio a
umasituao de satisfao desses agricultores.
As queixas frequentes sobre o estado de sadepodem estar
relacionadas a uma desadaptaosocial ao ambiente onde se vive.
Barbosa (1996)tenta decifrar os significados que esto por trsdas
queixas frequentes e aparentemente difusas. Arealizao dos propsitos
de vida se torna umacondio essencial para se sentir
saudvel,independentemente de aspectos pontuais como,por exemplo, a
segurana financeira ou a falta dedoena. Essa autora aponta a
freqncia com queisso ocorre nos processos migratrios do campopara a
cidade, quando o agricultor vai em busca detrabalho: as idas
constantes ao servio de saderepresentam uma esperana de, ao
depositar nasmos dos profissionais de sade que os acolhemsuas
dificuldades cotidianas, poderem minimiz-lasou resolv-las (BARBOSA,
1996, p.252).
Houve relatos subsequentes de determinadascondies clnicas, ou
situaes de dores agudasou de incapacidade fsica que no
implicamnecessariamente em pouca sade para osagricultores. Uma
condio satisfatria de sadedepende largamente da aceitao do paciente
dasua condio fsica e da sua relao entreexpectativa e experincia da
doena (CARR;BARRY; ROBINSON, 2001). No ltimo ano todosrelataram
estar bem, apesar de queixasreincidentes como dores de dente e nas
costas.Entretanto, os entrevistados disseram ter tido maisdores de
cabea e mal-estar constantes na pocaem que trabalhavam com a produo
de fumo,hoje no, no se sente mais isso. Tinha umcheiro. Tudo era
diferente (agricultora, 38 anos).
Casos de doenas "dos nervos foram relatadospelos entrevistados,
mas na poca da pesquisanenhum deles apresentava sintomas ou
tomammedicamentos para depresso. Segundo os
agricultores e moradores locais, o uso decalmantes e
antidepressivos comum na regio.Trs dos agricultores entrevistados
utilizavamantidepressivos constantemente, na poca dacultura do
fumo. Trs agricultores relatam que hcerca de um ano deixaram de
tomar essesmedicamentos:
"Eu tomei antidepressivo a vida toda. Jouvi falar que podia ser
por causa do fumo.Parei faz um ano" (agricultora, 32 anos).
"(...)agora parei com o Lorax. Mas tomeimuitos anos"
(agricultora, 38 anos).
"Ah, eu achava que era do fumo. Aquelecheiro forte, aquela fumaa
branca, s podiadar dor de cabea e a eu tomava calmante"(agricultor,
44 anos).
Tais relaes foram objeto de estudos dealgumas pesquisas. Estudos
da Universidade dePelotas, da Universidade de Santa Cruz do Sul,
daUniversidade de Campinas (UNICAMP) e daUniversidade Federal do
Rio de Janeirodemonstram que os agrotxicos
utilizadosindiscriminadamente na cultura do tabaco causamintoxicaes
e distrbios neurocomportamentais,entre eles, a depresso, que podem
levar at osuicdio nos membros das unidades familiares deproduo
(Etges et al, 2000 ; Falk et al., 1996;Faria et al, 1999).
Os entrevistados, de forma geral, relatam sesentir otimistas e
os pensamentos maispessimistas e sentimentos de insegurana tmcausas
no trabalho, na preocupao com asegurana financeira e com o futuro
dacomercializao de seus produtos junto AGRECO.
"Me acho alegre e s fico triste quando agente quer fazer algo e
no d certo, notrabalho, por exemplo" (agricultor, 38 anos ).
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"Pra ser melhor tinha que estar vendendo osprodutos"
(agricultor, 44 anos).
"Se o trabalho d certo a melhor coisa quetem. Se der rendimento
pode pagar algum prame ajudar. A posso ter uma vida maissaudvel"
(agricultor, 38 anos).
A insegurana nas grandes cidades seconfigura hoje como uma das
principais queixassobre qualidade de vida no meio urbano. O medode
assaltos, da violncia do trnsito e da agressofsica influencia no
estado de sade mental, nosquadros de depresso e estresse, e por
isso oconceito de segurana fsica e proteo percebido como parmetro
de qualidade de vida,segundo a Organizao Mundial da Sade(WHOQOL,
1994; WHO, 2000). Perguntados sobreisso, os agricultores
entrevistados expressaram sesentir seguros na regio; no houve
relatos deroubos, assaltos ou violncia.
Os dois produtores que buscaram tratamentonatural, fitoterapia
receitada por uma curandeirada regio e dieta macrobitica indicada
por ummdico de Porto Alegre, receberam orientaoexterna: algum
indicou e deu certo (agricultora,38 anos).
O vnculo com as terapias naturistas, como aHomeopatia e
Fitoterapia, condizentes com osmtodos naturais de cura e preveno de
doenas,utilizados nos sistemas sustentveis de produo,no se
estreitou a partir do sistema adotado.Tambm no existem mdicos
homeopatas, nemprogramas de fitoterapia nos postos de sade daregio,
o que poderia ser um impulso importantepara a mudana de
comportamento entre osagricultores. A adoo dessas prticas
teraputicaspor parte dos agricultores pode estimular aidentificao
com uma forma de curar com menosefeitos iatrognicos e em sintonia
com aabordagem preventiva e curativa da AgriculturaOrgnica e deve
ser estimulada nas Associaesde agricultura sustentvel. Atualmente
com a
normatizao da Poltica Nacional de PraticasIntegrativas e
Complementares, as mesmaspassaram a ser oferecidas em muitos
centros desade do SUS e faz parte do movimento popularexigir sua
insero nos sistemas locais.
A maioria no busca essas prticas, masacredita nos resultados e
ainda corrobora oconceito de prevenir doenas atravs de umaalimentao
saudvel:
"Ah funciona pro animal e pra ns tambm.Mas o que manda (na sade)
a alimentao.Se for bem alimentado, fica difcil pegardoena"
(agricultor, 38 anos, parnteses daautora).
"O tratamento natural perfeito, mas hoje aprpria alimentao t
fazendo isso" (agricultor,28 anos).
"Saudvel a gente . No tem poluio,comendo sem agrotxicos isso
saudvel"(agricultor, 38 anos)De forma geral, a dieta dos
agricultores
entrevistados pode ser considerada boa comrespeito origem dos
alimentos. Ao avaliarquantitativamente a dieta das famlias
dosagricultores entrevistados, constata-se que omaior desequilbrio
quantitativo alimentar aparecena intensa utilizao de alimentos a
base deacar e farinha de trigo refinados: Bolo e doce?Todo dia, no
caf da manh, no lanche e no jantar(esposa de agricultor, 37
anos)
O seu consumo excessivo, aliado a incorretahigiene bucal, pode
ser uma das causas do altondice de cries e problemas dentrios
verificadosno grupo observado.
Isso pode ser confirmado na afirmao doscinco entrevistados que
relataram visitasfreqentes ao dentista no ltimo ano, por causa
dedor de dentes aguda: dor de dente tem muito. Agente, as crianas.
Mas o dentista bom(agricultor, 38 anos).
Jacques (2003), em pesquisa anterior, relatou
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que a procura por consultas odontolgicas temsido crescente com
aumento de 40% de 2001 para2002. Muitos dos agricultores
observados, na faixaetria de 30 anos, j tm dentes de ouro e,
entreas crianas pequenas, foram observadas cries edentes de leite j
lesados.
Ainda no aspecto quantitativo, o contedo defibras provenientes
de cereais integrais relativamente baixo na dieta. Porm, outras
fontesde fibra apareceram na dieta das famlias na formade feijo,
farinha de milho, alguns vegetais, como orepolho e couve e frutas
da poca, que eles alega,consumir bastante.
A princpio, o consumo de protena animalpareceu ser equilibrado,
com fontes dirias evariadas de ovos, leite e carnes de porco e
frango.A ingesto de gordura base de banha de porcoparece ser
adequada regio, sendo a mesmauma gordura natural e de boa origem,
consumidanessa regio montanhosa de clima semi-temperado e ajustada
s referncias culturais dosagricultores. Dentro de uma dieta
equilibrada emfibras, associada ao baixo sedentarismo, poucouso do
fumo e baixo nvel de estresse, a banhano deve ser considerada como
a principalagravante das doenas cardiovasculares. Entre
osentrevistados no houve casos de doenascardiovasculares ou
disfunes afins comoobesidade, hipertenso e diabetes. Entretanto,
talresultado difere muito da mdia dos habitanteslocais que seguem
as tendncias nacionais; noano de 2002, os dados do SIH apontam
asdoenas cardiovasculares como a segundaprincipal causa de
hospitalizao no municpiosegundo entrevista com o mdico de Santa
Rosade Lima.
Os produtores entrevistados relatam boamobilidade, capacidade de
trabalho eindependncia. So ainda jovens, com mdia deidade de 35
anos, mas foram comuns relatos dedores nas costas e artrose entre a
populaoobservada e entre alguns dos entrevistados. Isso
atribudo ao carregamento de peso e posiovertical por horas
seguidas, prprias do tipo deatividade agrcola. Algumas doenas
reumticaspodem ter causa gentica e alimentar, associada auma dieta
rica em alimentos refinados e acar epobre em vitaminas e minerais
(PAGE, 1999).
A metade dos entrevistados relatou ter boaatividade cerebral e
facilidade para aprender ereter novos conhecimentos. Trs dos
entrevistadosdizem ter uma memria fraca, tem que anotar ascoisas
(agricultor, 44 anos).
Entre a populao idosa tambm se percebeuboa mobilidade e disposio
para o trabalho,aliando longevidade com sade. Com a mdia deidade de
70 anos, muitos deles continuamrealizando servios na propriedade,
ajudando osfilhos e netos:
"Vou mancando, mas vou fazendo tudo quepreciso fazer. Ficar
parado que mata" (pai deagricultor, 72 anos).
"Tenho dor nas costas, mas fao um poucode tudo por aqui. Ajudo,
devagar agora" (mede agricultor, 64 anos).
"Minha me (68 anos) que faz tudo nacasa. Se bobear ela faz mais
que a gente"(agricultor, 38 anos, parnteses da autora).
Percebeu-se entre os entrevistados eobservados um baixo nvel de
sedentarismo pelaintensa atividade laboral dentro de casa ou
nocampo, pouco uso de tabaco e alguns relataramter um ritmo de vida
mais tranqilo.
Acredita-se que as atividades profissionaismenos sedentrias
propiciam maior mobilidade aolongo do tempo. A falta de exerccios
fsicos, autilizao prioritria de carros e outros meios detransporte
motorizados e as atividadessedentrias, comuns nos centros urbanos
estorelacionados problemas de mobilidadediagnosticados em faixas
etrias cada vez maisjovens (USDHHS, 2000).
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Entre os entrevistados, o uso do fumo (tabaco) raro entre eles.
Da mesma forma, no houvenenhum relato de consumo regular de lcool
entreos agricultores casados; apenas dois deles,solteiros, relatam
uma ingesto regular nos fins desemana: uns bebem por a, n. Mas no
bemvisto a cachaada aqui no (pai de agricultor, 72anos).
Entretanto, seguindo tendncias nacionais esegundo entrevista com
o mdico do municpio ataxa de alcoolismo alta entre a populao.
Elemenciona um estudo ainda no publicadorealizado na escola da
regio de Santa Rosa deLima, que verificou que as crianas comeam
aingerir as primeiras doses de lcool ao redor denove ou dez anos de
idade.
De acordo com o presidente da AGRECO, oconsumo de lcool sempre
fez parte das festas esituaes sociais dos colonos alemes, como
umingrediente indispensvel. Ele ressalta ainda que,como em outras
populaes rurais onde oconsumo do lcool desequilibrado, a falta
deperspectiva social e a descaracterizao daidentidade do agricultor
colaboraram para oaumento do consumo, que saiu do mbito dabebedeira
social para o alcoolismo. A aceleraoda infncia e a exposio precoce
de crianas aomundo adulto podem contribuir para o consumo delcool
na infncia, porm a maior incidncia verificada entre os jovens como
busca deafirmao e segurana.
Os entrevistados relataram sono regular eininterrupto, com uma
mdia de sete horas pornoite. Os agricultores acordam entre 5h30 e
6h30 edormem pouco depois das 21h30. A intensaatividade fsica do
dia contribui para um sonoprofundo noite. Alguns relatos
confirmam:Insnia? Quem trabalha pesado no tem isso no(agricultor,
38 anos). Ou ainda: Caio na cama, noite, que nem vejo mais nada.
Cansao mesmo(agricultor, 38 anos).
Um ritmo regular entre sono e viglia associado a uma vida
saudvel e uma condioessencial de sade. A imensa atividade
catablicadurante a viglia acarreta o retorno incisivo inconscincia
do sono que, muito alm de umasimples situao de repouso, uma ativa
fasecurativa do organismo. Paracelso (1493-1541), nosculo XVI,
falava do sono como o nosso mdicointerior (BHLER, 1987, p.6).
A seguir sero explorados os aspectosscioambientais e culturais
de sade,considerando o entrelaamento e a amplitude deseus domnios
no conceito e qualidade de vida.
Qualidade de vida e agricultores familiaresorgnicos: aspectos
sociais, ambientais e culturais
Com o objetivo de avaliar o sentimento deinferioridade secular
do campons, o primeiroconceito subjetivo observado foi o de
auto-estima(KAYSER, 1987 apud WANDERLEY, 2000, p.114).Perguntou-se
aos agricultores: se vocspudessem mudar algo no seu corpo ou no
seujeito de ser, o que desejariam?. Com relao sua percepo corporal,
fsica, demonstraram umarelao de aceitao de seu corpo e poucavontade
de mudar algo em si mesmo: ah, t bomassim, n? menciona um
agricultor de 38 anos enunca pensei nisso no e a gente nasceu
assim,a gente deveria ficar assim. No tem quemudar(...), reiteraram
outros, de 44 anos e 38anos respectivamente.
Entre os entrevistados somente as mulheresrelataram querer mudar
algo no corpo. Umaagricultora mencionou o desejo de ser loira e
aoutra, a nica agricultora que j viveu na cidade,fora do ambiente
rural, deseja um corpo melhor,sem barriga.
Com relao s mudanas no modo de ser,quatro relatam que gostariam
de se expressarmelhor e superar a timidez. Essas respostastiveram
um tom confidencial e foi um momento
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tocante da entrevista:
"(...) falar melhor as coisas; (agente) sabecomo , mas no
consegue explicar certinho;isso teria que mudar. Queria mesmo era
falarcomo (Fulano) que se expressa to bem"(agricultor, 38 anos,
parnteses da autora).
"Eu queria saber conversar mais, ser maisalegre" (agricultora,
38 anos).
"Eu queria ser mais falante" (agricultora, 32anos).
"Eu queria ter mais coragem pra falar"(agricultor, 44 anos).
No mbito das relaes sociais ocorre umprocesso recente na regio
atribudoprincipalmente ao desenvolvimento da AgriculturaOrgnica e
do agroturismo. Os agricultores tmsido alvo de inmeras pesquisas
acadmicas, deentrevistas com jornalistas, de tcnicos da rea
deagricultura e turismo, todos atrados pelaimplantao dos novos
sistemas produtivos naregio. Alm disso, h o contato direto
comturistas, que passaram a visitar a regio.
Tais contatos parecem incitar em alguns aexposio, o desejo de
melhorar suas formas deexpresso e de manifestao de
suasnecessidades:
"Quando eu vi eu tava l na frente e tive quefalar pra um monte
de gente. E falei! Foi bom"(marido de agricultora, 38 anos).
"O que mudou na qualidade de vida dessesagricultores foi o fato
de eles terem se tornadopessoas dispostas a fazer interveno,
comoqualquer cidado integrado ao processo social.O agricultor
participando do processo. Quandoele questiona o que est havendo,
critica osprocessos, ele est se comprometendo com umnovo processo;
fazendo a parte dele no seucompromisso de querer melhorar de
vida"(Presidente da AGRECO).
Para Paulo Freire (1987, p. 24), o dilogo e apossibilidade da
expresso so exignciasexistenciais e existir humanamente pronunciar
omundo. A possibilidade de expressar seusdesejos de falar melhor as
coisas, saberconversar, ser mais falante e ter mais
coragem(agricultor, 38 anos) indica uma mudana deconscincia do
papel do agricultor familiar nasociedade e na sua auto-estima.
Percebe-se que oagricultor, ao se sentir valorizado, cultiva em
simais confiana e estimulado a interagir no seumeio. Esse relato
mais explcito foi encontrado notrabalho de Heuser (2002) que
pesquisouqualidade de vida e agroturismo entre agricultoresda
AGRECO:
"Eu vejo que as pessoas esto valorizandoisso que eu estou
fazendo, que eu estou certo,elas passam confiana pra gente,
aumentam anossa auto-estima. s vezes um professor dauniversidade,
um doutor, at mesmo outrosagricultores que chegam e dizem que isso
bom, que a comida gostosa, saudvel, queisso aqui que qualidade de
vida, faz comque a gente se sinta at orgulhoso. Resumindoem poucas
palavras, isso d confiana, auto-estima, tu tens a certeza de que
isso que tuests fazendo est certo. Pra mim o que marcamais isso"
(agricultor apud HEUSER, 2002,p.101).
Desenvolver a auto-estima e a aceitao de siprprio so formas de
expressar a satisfao como meio em que se vive. Condies
dedesemprego, insegurana afetiva ou financeira,medo de violncia,
temores em relao sade eincredibilidade na esfera poltica podem
gerar emuma pessoa uma espcie de crescenteinstabilidade emocional
que vai do sentimento depessimismo at a apatia e abulia, onde se
alcanao mais baixo nvel de auto-estima (BARBOSA,
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1996).O conceito de empowerment, definido por Sen
(2001) como a ampliao das possibilidades decontrole, por um
sujeito ou uma populao, dosaspectos significativos relacionados sua
prpriaexistncia, pode contribuir para apoiar essadiscusso e central
para averiguar condies desade e de qualidade de vida de um grupo
oupopulao.
O meio social da comunidade estudada bastante acolhedor. Eles se
sentem apoiados pelafamlia e tambm pelos amigos e vizinhosprximos.
O esprito familiar e social, a noo defamlia, o sentimento dos
deveres de cadaindivduo, o respeito aos mais velhos e asegurana
afetiva que mantinham as comunidadesteuto-brasileiras observadas
por Roche (1969),tambm constituem a base da racionalidadecamponesa
no que diz respeito lgica familiar. Afuso nas comunidades locais,
como a famlia egrupos de famlia da mesma vila so umatendncia das
colnias alems, como observa omesmo autor. Essa tendncia, bem como a
relaoprxima e afetuosa com a famlia, filhos e irmos, etambm com os
pais idosos, aparece comfreqncia entre os entrevistados e a
populaoobservada. Foi muito comovente perceber arelao de respeito
com os mais velhos e aproximidade entre os membros da mesma
famlia:
"Sozinho a gente no se sente aqui, no.Tem muita famlia pra
ajudar e pra contar"(agricultor, 28 anos)
"Tem muito parente por aqui. Morar com ame bom... a gente no
precisa de cuidardela, ela lcida. Ela que cuida da gente.Mas,
quando precisar, eu cuido dela, u!"(agricultor, 38 anos).
"Eu nem sei sabia que existe isso (asilo paraidosos) e nem o que
era isso. S na cidademesmo... "(esposa de agricultor, 37 anos,
nosso
parnteses).
O apoio de amigos e de familiares determinauma dimenso
importante de qualidade de vidaque diz respeito segurana afetiva. O
serhumano um ser social e vivenciar essa condiodetermina sua
motivao para realizar coisas,trabalhar, dividir seu espao e
crescer, a partir dasreferncias de trocas afetivas.
Os pesquisados relataram que gostam de viveronde esto e que no
mudariam para outro lugar."Nunca pensei nisso, afirmou um
agricultor de 44anos. Gosto de ficar aqui, no sou escravo,
disseoutro de 38 anos. Optar por onde se quer viver eviver com quem
se gosta so fatores quedeterminam uma condio de satisfao, base deum
viver saudvel.
Entre os filhos adolescentes dos agricultorespesquisados, tambm
visvel a boa relao como lugar e com a famlia. Quatro deles,
interrogadossobre o desejo de viver em outro lugar,responderam
gostar muito da regio. Elesrelataram que tm a inteno de sair para
estudarna capital, para fazer faculdade, cursos decomputao ou
aperfeioamento e de voltar paratrabalhar nas agroindstrias e nas
propriedadesdos pais. O estudo de Jacques (2003) menciona
avalorizao do espao rural de Santa Rosa deLima por parte dos jovens
locais como tendnciaoposta ao xodo rural de jovens, observado
emvrias regies do pas. Neste sentido, indica queos projetos
desenvolvidos pela AGRECOfavorecem a reproduo social camponesa
eapontam uma futura revitalizao do rural porparte desses jovens
(JaCQUES, 2003, p.49).Projetos desenvolvidos nessa perspectiva
apostamno surgimento de um novo contexto de qualidadede vida no
meio rural.
O presidente da AGRECO, nascido na regio,tambm observou essa
tendncia entre os jovens:
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"Enquanto filho de agricultor, eu percebo umsentido de retomada.
Como filho de agricultor,eu tenho recordaes muito positivas
dainfncia em Santa Rosa de Lima, de meus paisagricultores que,
mesmo com dificuldadesfinanceiras, garantiam para seus filhos
umacondio de vida segura. Segurana na vida...Relao e uma vivncia
rica com a natureza.Ento, ver esses agricultores oferecer isso
aseus filhos, eu vejo como uma retomadasignificativa na qualidade
de vida. Porque essesfilhos querem voltar ou ficar por perto,
namedida em que a perspectiva de vida melhorou.Essa ambio boa de
querer mais regra hoje;os filhos querem estudar. Filhas de
agricultoresdas Encostas da Serra que trabalham comodomstica na
capital, mas que fazem junto ocursinho pr-vestibular e conseguem
passar naUniversidade Federal. Acredita que possvel.Os agricultores
acreditam que so diferentes,mas que no precisam ser to
desiguais"(Presidente da AGRECO, 2003).
Foi observado o fato de os agricultores deambos os sexos
dividirem responsabilidadescomuns no trabalho na propriedade. Um
dosobjetivos do projeto de agroturismo para osagricultores
familiares da AGRECO, alm deestimular a Agricultura Orgnica, era o
de gerartrabalho e renda para as mulheres naspropriedades. Segundo
Heuser (2003), asmulheres encarregam-se hoje da maior parte
dasatividades de agroturismo. Isso gera, alm demaior renda e
participao feminina naassociao, uma sobrecarga de afazeres, uma
vezque as mulheres tambm so responsveis pelosservios domsticos e
pelo bem-estar da famlia.Jacques (2003) observou esse fato na
suapesquisa com agricultoras orgnicas e apontou aoportunidade de
formas igualitrias de trabalho eopes de atuao fora do ambiente
domsticocomo tendncias urbanas que se estabelecem no
meio rural.Somente uma das agricultoras continua
estudando e se preocupa em obter novosconhecimentos dentro do
sistema de ensinomunicipal. A preocupao dos agricultores comsua
formao percebida pela grandeparticipao no Centro de Formao.
Trintaassociados esto envolvidos nas atividades dessecentro e
quatro dos agricultores entrevistadosparticipam delas.
Quando questionados sobre oportunidades deadquirir novas
informaes, dois agricultorespercebem o contato com a AGRECO e com
oagroturismo como uma oportunidade paraaprender coisas novas e
conhecer pessoas:
"A gente sempre plantava pra comer. Entoa agricultura orgnica s
tirou o agrotxico.Mas o que mudou muito foi com o resto... Issodeu
uma mudana de vida grande. S com aagricultura orgnica e o
agroturismo vinhanovos conhecimentos, outras pessoas. Antes agente
passava o ms inteiro e no via umapessoa diferente se no saa da sua
casa. Hojeno, (a gente) v, recebe as pessoas econhece outras
regies, como elas vivemfalando. Fala como aqui e elas falam como
que l. tipo uma escola" (agricultora, 38anos).
"Mudou que a gente tem uma perspectivade vida. Antes a gente no
tinha. A genteplantava fumo, por plantar. Empurrava com abarriga.
(...) a gente t como que na faculdade.Tem horas que d medo, (tem
horas) que agente acredita mais, tem horas que acreditamenos"
(agricultor, 28 anos, parnteses daautora).
Para todos os agricultores, o fator renda no seconfigurou como
aspecto positivo de permannciano sistema orgnico de produo.
Todosdemonstram insatisfao e muita preocupao
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com a forma de comercializao de seus produtos:
"No sistema de venda que t agora... Agente no t recebendo. O
problema t nacomercializao..." (agricultor, 38 anos)
"A venda dos produtos podia ser mais"(agricultora, 38 anos)
"Se a gente conseguir vender mais, o restot tudo bem"
(agricultora, 32 anos)
"Pode melhorar na questo financeira,vendas, uma condio boa,
alguma outra coisaque t faltando, um computador. Ter um planode
sade formado pela prpria associao. Agente sempre quer mais"
(agricultor, 28 anos).
"Olha trabalho tem... No momento devia teruma renda mais
garantida, mais fixa. Que agente soubesse que vai dar... Do
trabalho euno me queixo, eu no me importo detrabalhar" (agricultor,
44 anos)
"Pra melhorar?...Primeiro lugar administrar acoisa um pouco
melhor, aproveitando osrecursos naturais que d pr aproveitar
edepois disso vem quase por si o resto"(agricultor, 28 anos).
Chamou ateno a distncia que eles mantmda associao quando
referem-se s questes decomercializao. Todos se referem a AGRECOcomo
um terceiro e nunca falam ns ou ns daAGRECO: Apesar do objetivo
desse trabalho noser o de avaliar a relao dos agricultores com
aAGRECO, pode-se dizer que essa relao noparece estvel e a dinmica
da mudana de vidapor que passaram os agricultores, desde o inciodo
processo associativo, ainda no totalmentecompreendida por todos. Em
muitos momentos dasentrevistas, a AGRECO foi mencionada
comoentidade externa, no incorporada vida dosagricultores. Os
agricultores usufruem certasmudanas ocorridas em suas vidas a
partir daassociao com a AGRECO, mas se colocam
como externos ao processo, prontos a largar obarco se ele
afundar (agricultor, 38 anos).
"(...) O grande problema da Agreco acomercializao. As barreiras
que esto nomeio. Ns deixamos pela Agreco. Se eles novenderem, no
colocarem na merenda, a gentevai colocar noutro lugar. Eu no queria
sair forada Agreco (...)" (agricultor, 38 anos).
Com certeza uma renda adequada contribuipara a segurana
financeira, para a auto-estima epara a melhoria da qualidade de
vida do agricultorfamiliar. Para avaliar as dificuldades
econmicaspor que passam os agricultores familiaresorgnicos
pesquisados importante remeter dinmica da associao
apresentadaanteriormente.
As noes de que a Agricultura Orgnica no percebida somente como
sistema produtivo e queo aspecto financeiro no o maior motivo
depermanncia na atividade j foram verificadas empesquisa sobre o
perfil dos agricultores orgnicosem Santa Catarina (Oltramari;
Zoldan; Altmann,2002). Essa constatao pode levar aoreconhecimento
da Agricultura Orgnica comopromotora de desenvolvimento rural, a
partir daspremissas que remetem ao resgate cultural e dosvalores
locais. Nesse prisma, a AO torna-se uminstrumento de promoo de
qualidade de vida.
Considere-se que, de forma geral, o meio rural, hoje, associado
a uma melhor qualidade devida, especialmente pelos habitantes das
cidades.Esse fato contribuiu para valorizar as tradies e acultura
do homem do campo. Essa valorizao ,tambm, uma oportunidade para o
agricultorfamiliar reforar sua identidade e redescobrir suaprpria
cultura de origem, que foi parcialmentedescaracterizada durante o
processo de transioagrcola que se estabeleceu na regio:
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"(...) Eu... a famlia aprendeu muito depoisque comeou (com AO e
o agroturismo).Sentiu-se at melhor... recebe as pessoas, elasgostam
do que a gente faz. Antes eu fazialasanha, quando vinha turista.
Agora, faogemse (prato a base de repolho ou couve ebatatas cozidas)
com carne de porco e o povoadora. E eu pensei: nossa, eles gostam
do que nosso jeito" (agricultora, 38 anos, parntesesda autora).
A prtica da Agricultura Orgnica e o contatocom a associao
parecem ter trazido conscincia a importncia do papel do
agricultor,que repercute na sua auto-estima e na descobertado seu
lugar na sociedade:
"Se um agricultor deixa a roa umproblema: mais um desempregado
na cidade.Mas se um agricultor orgnico deixa a roa, temdois
problemas: mais um desempregado eoutro problema para todos, porque
se deixou decuidar da natureza, do ambiente, das guas"(agricultor,
38 anos).
Alm do enfoque de valorizao da identidadedo agricultor familiar,
a Agricultura Orgnica seestabelece como proposta de
desenvolvimentosustentvel, no somente com bases produtivistasou de
retorno financeiro, mas considerando seupotencial em promover
mudanas na qualidade devida do agricultor familiar:
"O servio no mais to pesado... Nomudou muita coisa... A
mentalidade mudou. Agente tem mais conscincia que se usaagrotxico t
prejudicando a si e aos outros eque tem que preservar a
natureza.(...)"(agricultor, 38 anos,).
"Eu me sinto seguro. No que se podedizer tal dia eu tenho tanto
dinheiro pra talcoisa... Isso no! Mas eu acho que d pra viver
melhor agora" (agricultor, 38 anos)."No melhorou muito em questo
de
dinheiro, mas a qualidade de vida, o trabalho eo conhecimento,
isso mudou bastante. (...). Isso uma forma... no de dinheiro. Podia
sermelhor de dinheiro. Mas a gente tem que olharesse lado, no s
financeiro" (agricultora, 38anos).
"Mudou que a gente tem uma perspectivade vida. Antes, a gente no
tinha. A genteplantava fumo... Por plantar. Empurrava com
abarriga..."(agricultor, 28 anos).
Muller (2001) corrobora essa viso quandodisserta sobre a adoo da
Agricultura Orgnicacomo propulsora da qualidade de vida que superaa
racionalidade meramente produtivista daagricultura:
"Neste sentido, de fundamentalimportncia para o agricultor
familiar apossibilidade de poder construir um "ambientesaudvel", em
relao ao lugar que optou paratrabalhar, mas tambm para viver.
Assim, pode-se dizer que a prtica agroecolgica, de certaforma pode
fazer juntar "o til ao agradvel",contribuindo para a realizao do
agricultorfamiliar no somente na esfera produtiva eeconmica, mas
tambm enquanto sujeito"social e cultural", mediante a possibilidade
deresgatar ou mesmo de reproduzir os atributosde sua
"campesinidade", enfim, de seu "modode vida".(...).Essas
representaes tambmultrapassam a realizao econmica como aprincipal
dimenso da produo agroecolgica"(MULLER, 2001, p.188-189).
Como visto, todos os agricultores pesquisadostrabalharam no
passado com a fumicultura. Amaioria buscou outra atividade antes da
produoorgnica. Ou seja, a opo pela AO no substituiuimediatamente a
fumicultura, com exceo de umdos entrevistados que saiu diretamente
do cultivo
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de fumo para a produo orgnica. Ficou claro queesse cultivo no
dava nenhum prazer aosagricultores e no fazia parte de sua
culturaagrcola:
"(...) Antes eu trabalhava comfumo...Trabalhar comum terrvel, n?
A gentepassava mal, assim e enjoava do fumo, davamuita dor de
cabea. Hoje a gente no sentemais nada disso. A gente conhece
coisasdiferentes, mais pessoas. Quando eu trabalhavacom fumo, eu
detestava trabalhar na roa. Hojeno. Hoje eu gosto" (agricultora, 32
anos).
"(...) ver a porca solta, que cria os filhos semdor...
Sozinha... Produo orgnica maisbarata e eu fico mais satisfeito, com
menostrabalho (...) Nunca gostei de usar agrotxico...Gostei desse
lado orgnico. Nunca gostei doporco preso dentro da granja. O porco
estressado, sem poder caminhar. at maisprtico o orgnico. um jeito
fcil de fazerdinheiro, o orgnico. Porque produzir napropriedade no
precisa fazer grandequantidade" (agricultor, 38 anos).
"O trabalho hoje mais tranqilo. No mexercom veneno e ser um
trabalho bom, umtrabalho limpo, assim... Que o fumo bastantesujo!
Primeiro usava veneno em p; depois veioo lquido que no contamina
tanto e prejudicamenos. E a gente gosta assim" (agricultor,
44anos).
Muller (2001, p.111) questiona o que levougrande parte dos
agricultores de Santa Rosa deLima a desistir do cultivo do fumo e
concluiu queno era uma atividade que se fazia com gosto....Sua
pesquisa apontou a opo pelo sistemaorgnico de produo como uma
alternativa quemobilizou os agricultores familiares. Essa opo
foitomada no somente a partir de valores de ordemeconmica, mas
primordialmente por valores
fundamentais como o resguardo da sade e abusca de uma atividade
mais gratificante eprazerosa.
Ter um trabalho dignifica a vida de um cidadoe fazer o que se
gosta e ter a liberdade para tal um dos grandes desafios a serem
alcanados napromoo da qualidade de vida. Para Waitzin(1980), a
insatisfao no trabalho e a infelicidadegeral so fatores
considerados na etiologia dedoenas.
Os agricultores entrevistados expressaram suasatisfao em
trabalhar e viver desse trabalho,relacionando essa condio a uma
situao desade e qualidade de vida, j apresentadaanteriormente.
Muller (2001) relata a satisfaodos agricultores ao deixar a
fumicultura e passar produo agroecolgica. Essa transio permitiu
oresgate de uma forma de trabalhar com maisprazer e satisfao, com
conseqncias na auto-estima e bem-estar do agricultor.
Para alguns agricultores, ser saudvel dependedo tempo dedicado
ao lazer e isso se configuroucomo uma necessidade, especialmente
entre osdois agricultores solteiros.
"Tem que ter lazer, ter o horrio de servio etambm o de descanso.
Hoje isso no possvel, ento no saudvel (...) A gente ttrabalhando
mais... 16, 18 horas por dia...Agora, com o frigorfico, sem poder
pagarempregado, tem que cuidar da propriedadetambm... As duas
atividades... A gente tentapra ver se melhora, mas t mais difcil.
Pelomenos, no outro servio chegava sbado edomingo no tava
trabalhando direto"(agricultor, 38 anos)
"Ah s d pra ter qualidade de vida se tiverconforto, um bom carro
pra sair e passear (...)"(agricultor, 28 anos).
Percebe-se que as necessidades e a noo de
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qualidade de vida ligada ao lazer dependem dafaixa etria e do
estado civil.
Nos fins de semana, quatro entre osentrevistados relatam apenas
o dia de domingocomo livre e a principal atividade de lazer so
asvisitas familiares. Dois entrevistados solteirosrelatam que a
partir de sbado tarde, durante odomingo e pelo menos uma noite na
semanafreqentam festas e jogos de futebol no Clube daQuinta. Nenhum
agricultor entrevistado tira friasanuais:
"Tem dias que d [pra descansar], mas agente sai pouco... Visita
parente. Mas frias,nunca tirei frias. Sai de manh, volta
noite."(agricultor, 38 anos, parnteses daautora)
"Lazer com famlia, na casa de irmos,cunhados... "(esposa de
agricultor, 44 anos).
A religio dominante dos entrevistados oCatolicismo. A participao
em missas dominicais ocasional, uma a trs vezes no ms. Somenteum
dos entrevistados relatou participao fora dasmissas, em encontros
de casais promovidos pelaigreja. Eles parecem manter o vinculo com
a igrejaporque nela se casaram e/ou foram batizados ouporque seus
pais assim o faziam. A grandemaioria no reza todo dia, mas acha
importante ovnculo com a instituio catlica como uma formade
preservar relaes sociais e de manter atradio familiar:
"(...) no vou todo domingo, sou meiorelaxado... 40% a gente
vai...Tambm pareceque influencia um pouco, a religio difcil
deexplicar, mas ajuda um pouco. Rezar todo dia,isso no. No certo,
deveria... Mas se nofazendo coisa mal mal pro outro j algumacoisa"
(agricultor, 38 anos).
"So eles (os pais) que levam a gente pra
igreja. Religies todos devem ter e devem ficarnaquela que foram
batizados. Com devoo, bom rezar. Se for pra pensar besteira,
entovou pra outro lugar, saio da igreja" (agricultor,38 anos).
"J vem da famlia. Os avs j eram. Ospais j eram. Pra mim, religio
tudo igual"(agricultor, 28 anos).
Jacques (2003) verificou em seu estudo umainfluncia maior das
atividades pastorais catlicasnas festas, reunies e atividades de
grupos deagricultores do municpio. A autora questiona seesta relao
pode ser estendida organizao dosagricultores em geral e se ela no
se constituiu abase a partir da qual as atividades da AGRECOforam
iniciadas (JACQUES, 2003, p.51). A igreja,nesse contexto, estimula
as relaes sociais.
O domnio de espiritualidade e crenaspessoal considerado pela OMS
no contexto daqualidade de vida no foi amplamente exploradonesse
trabalho. possvel relacionar esse domniocom a AO a partir da faceta
de filosofia de vida.Pesquisas de Oltramari; Zoldan; Altmann (2002)
eKaram; Zoldan (2003) apontam essa faceta comofator de
comprometimento com a AgriculturaOrgnica. O termo em si, filosofia
de vida, amploe no foi explorado nas pesquisas mencionadas,mas pode
ser relevante medida que se sabe quealgumas correntes da AO, como a
Natural deMokiti Okada e a Biodinmica de Rudolf Steiner,tm como
base de suas relaes produtivaspropostas espirituais e religiosas
baseadas naaproximao do ser humano com a natureza,promovendo, dessa
forma, a autoconscincia ecrescimento espiritual do agricultor
orgnico.
A agricultura natural, segundo Okada, no uma cincia como a
agronomia, mas umacincia espiritual que tem como ponto centraltodos
os seres vivos e como finalidade primeira,purificar e revitalizar o
meio ambiente deste
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planeta. O alimento produzido pela agriculturanatural portador
de energia espiritual e por istodeve ser privilegiado pelos
consumidores(Fundao Mokiti Okada, 1998).
A filosofia antroposfica de Steiner sugere quea prtica da
agricultura biodinmica uma formade desenvolvimento de cognio
espiritual atravsda revitalizao da terra, da produo de alimentosde
qualidade que nutram corpo e esprito e dodesenvolvimento de uma
nova forma derelacionamento com o prximo e com o ambiente.Para
Steiner (2000), manter o ambiente saudvel,atravs da ao humana,
contribuir para mantero ser humano saudvel, permitindo que
semantenha a terra como local de evoluo espiritualat que o homem
alcance estados superiores deconscincia. Sob essa tica, a prtica
daagricultura orgnica torna-se instrumento darevitalizao do
conceito de conscincia espirituale da religiosidade do ser humano
ao preconizarprticas de cuidados e respeito natureza e aoplaneta,
alm de uma relao mais saudvel edignificante com todas as formas de
vida.
Na articulao entre qualidade de vida equestes ambientais,
percebe-se que aspreocupaes com o ambiente esto presentesentre os
agricultores. A conscincia da importnciade preservar a natureza
expressa de muitasformas:
"Eu tenho uma picada de mata virgem que meu xod. Vale que nem
ouro pra mim. Aqui agente quer preservar a natureza. Precisa vermeu
irmo, no Paran. S campo de soja, semrvores, sem rio limpo. No d pra
ficar comol. Uma judiao" (pai de agricultor, 72 anos).
"Agora os rios so pequenos, estodiminuindo. J foram mais
bonitos, mas com aagricultura sem veneno pode melhorar. Vocacha que
a falta de chuva por causa dosvenenos?" (sogra de agricultora, 70
anos).
"[O veneno] no fica s na lavoura. Nachuva que vem a tarde, vai
tudo pro rio. Ovizinho dizia que sentia, noite, o cheiro doveneno
na cachoeira. E era um rio grande...Agora melhorou. E a gente no
quer mais isso"(agricultor, 44 anos, parnteses da autora).
A natureza no mundo rural est para o campoassim como o ambiente
arquitetnico est para omeio urbano. A natureza preservada eleva
aqualidade esttica deste meio ambiente tornando-o uma paisagem, e
assim, uma parte integrante dacultura (KAYSER, 1994). A partir
dessaconstatao, avaliar o ambiente externo permitetecer consideraes
sobre a cultura e a forma deviver de quem o habita. Barbosa (1996)
aponta acomplexidade da relao entre qualidade de vidae ambiente
alterado, e levanta aspectos objetivosque comprometem diretamente
as condies desade dos seres humanos nos meios urbano erural: poluio
do ar, qualidade da gua, uso deagrotxicos, derrubada das florestas,
entre outros.A preocupao com esses aspectos demonstra osenso de
responsabilidade desses agricultorescom a sade individual e
coletiva.
Ainda dentro da noo de cuidado ambientalpercebe-se que os
agricultores cuidam de seusjardins, dos arredores e da higienizao
da casa,dos utenslios e da comida. Vestem-se comsimplicidade e se
preocupam com sua aparncia ecom a higiene pessoal e de seus
filhos:
"Hoje so importantes as questes dehigiene e de embelezamento do
local ondevivem. Os agricultores se vestem melhor. (...)So vrios
aspectos que demonstram que osagricultores se apropriaram do
processo"(Presidente da AGRECO).
"Com o agroturismo, a gente tem que estarcom a casa, e a gente
mesmo, em ordem. Prano passar vergonha quando chega o
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hspede" (esposa de agricultor, 38 anos).
Esse cuidado expressa preocupao com osde fora e os insere como
atores importantes noprocesso de apreenso do territrio. Pensar
oresgate da identidade e do territrio rural implicarepensar as
relaes urbano-rurais, quenecessitam ser renovadas. Os atores
urbanostornam-se fios condutores desse processo, atuamcomo agentes
cooperadores da revitalizao domeio rural, valorizam os agricultores
e osestimulam a travar novos contatos e encontraroutras
realidades:
"Quando as pessoas elogiam nossotrabalho, nossa casa, nossa
comida, nossentimos muito valorizados. Eu acho que essaspessoas que
vm so muito importantes porquevai valorizando o lugar, o lugar vai
indo para afrente. Eles vm vindo e incentivando tambm,pois eles
tambm incentivam a gente. A genterecebe mesmo de corao, fazemos o
quepodemos para agrad-los" (agricultor apudHEUSER, 2002,
p.103).
"Ah, aqui vem gente do Canad, da Frana...e a gente fica
pensando, quando que esse povovinha aqui antes? A abrem
oportunidades pragente ir, pros nossos filhos conhecerem
outroslugares. Isso mudou muito de uns tempos prac. Antes no vinha
ningum de fora. A genteconhecia todo mundo. Agora passa gente
poraqui e nem sei quem . Vou pra Florianpolis econheo um monte de
gente l. Minha filha jtem onde ficar pra estudar no cursinho. Isso
bem bom" (agricultora, 38 anos).
"Meu irmo me falou que era loucura abrirpousada na casa e
receber gente estranha, defora. Eu disse pra ele: quem vem s
vezesmelhor do que quem mora aqui. E a genteconhece tanta coisa
nova, de outros lugares...Eu gosto de conversar com os turistas.
At
agora s veio gente boa" (pai de agricultor, 72anos).
Consideraes FinaisPode-se afirmar que o estudo de campo
ajudou
a estreitar a relao entre qualidade de vida eAgricultura
Familiar Orgnica. Se observados emconjunto, os dados pesquisados
relacionados asade humana (relato de dores, uso demedicamentos,
frequncia de tratamento,qualidade da dieta, mobilidade, atividade
cerebral,sedentarismo, uso de fumo e lcool e ritmo desono e viglia)
podem ajudar a caracterizar oestado de sade dos agricultores como
bom, masessa afirmao depende de outras variveis nopassiveis de
identificao no estudo e campo. Ede qualquer forma, somente esses
indicadoresno podem determinar a qualidade de vida dosagricultores.
No estudo, a sua qualidade de vidafoi percebida para alm dos
limites das condiesde sade e integridade fsica, partindo dapremissa
que tal noo de est intimamenterelacionada s expectativas
individuais e temsuporte em dimenses subjetivas.
As facetas mais subjetivas no foramrelacionadas pelos
agricultores como aspectos dequalidade de vida. Entretanto, elas
foram nesseestudo, percebidas como tais e valorizadas comoaspectos
determinantes de uma vida comqualidade. Entre elas est a convivncia
dosagricultores dentro de um contexto de seguranaafetiva, com base
em relaes sociais e familiaresslidas e estveis. Tambm o fato de
estarematualmente vinculados a um trabalho maisprazeroso e
reconhecido socialmente, podeapontar um aspecto importante da
relaoqualidade de vida e AFO. Por fim, a capacidade deexpressar
seus desejos que quebra a cultura dosilncio secular imposta aos
excludos socialmentee sinaliza uma mudana na auto-estima e no
papeldesse agricultor familiar na sociedade.
As prticas alimentares, de rotao de culturas,
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de reciclagem do lixo, de policultura criaoanimal, de
associativismo, entre outras, herdadasda racionalidade dos
antepassados alemes foramvalorizadas dentro da tica do sistema
orgnico deproduo, oportunizando a valorizao demanifestaes culturais
tradicionais e o cultivo daconscincia ambiental e social dos
agricultoresfamiliares.
A promoo da qualidade de vida no que dizrespeito obteno de renda
satisfatria eequilbrio econmico apresenta-se ainda comouma faceta
de qualidade de vida a serconquistada. Tambm a compreenso mais
plenado processo associativo e do papel do agricultornesse contexto
apresentam-se como um desafiodentro da proposta.
O estudo apontou a importncia de considerar ainter-relao dos
aspectos objetivos e subjetivosnos estudos de qualidade de vida de
umapopulao. Essas inter-relaes so dificilmentepercebidas quando se
avalia qualidade de vida pormeio de ndices e indicadores. A
pesquisaqualitativa interdisciplinar aparece como uminstrumento
efetivo para explorar a complexidadedas relaes encontradas no
contexto de pesquisaem qualidade de vida no mundo rural.
Por fim, ressalta-se que pesquisa evidenciou aprtica da AFO como
uma estratgia na promooda qualidade de vida no meio rural e
sinalizou acomplexidade da relao entre qualidade de vida
eAgricultura Familiar Orgnica.
AgradecimentosAos agricultores, agricultoras e associados da
AGRECO que ofereceram seu tempo ecompartilharam suas aspiraes e
expectativas devida.
Notas* Artigo baseado em dissertao de Mestrado:
As relaes entre qualidade de vida e Agricultura
Familiar Orgnica: da articulao de conceitos aum estudo
exploratrio, defendida pela autora em2004, na Ps-Graduao em
Agroecossistemas doCentro de Cincias Agrrias da UniversidadeFederal
de Santa Catarina (CCA/UFSC).Orientadores: Dr. Wilson Schmidt e
Dra. KarenFollador Karam.
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