SALVADOR SALVADOR QUARTA-FEIRA 18/1/2012 A4 REGIÃO METROPOLITANA [email protected] Editor-coordenador Cláudio Bandeira NA INTERNET Estudantes aproveitam as férias para estudar em bibliotecas www.atarde.com.br INCLUSÃO A melhora é resultado de políticas públicas, mas também se manifesta em histórias repletas de fé e coragem Avanço na qualidade de vida de famílias baianas é identificado por estudo do Ipea JULIANA BRITO E DAVI LEMOS Estudo divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econô- mica Aplicada (Ipea) mostra que melhoraram as condi- ções para o desenvolvimento das famílias no cenário na- cional – o que se estende à Bahia. Esta melhora é decor- rente de políticas públicas, mas também se manifesta em histórias repletas de co- ragem. Dona Beatriz Nasci- mento, 75 anos, começou a trabalhar aos sete anos de ida- de. A frustração de nunca ter frequentado escola – ela se alfabetizou somente aos 30 anos – foi sua principal mo- tivação para garantir aos nove filhos, que criou sozinha, uma formação escolar. Os mais de 50 anos de tra- balho árduo da lavadeira aca- baram lhe causando uma doença ocupacional nas mãos, já na velhice, mas não foi em vão: a insistência de dona Beatriz mudou a vida de 25 pessoas, entre filhos e ne- tos. A família, nascida e criada em uma invasão do Abaeté, hoje faz parte da classe média brasileira – a casa onde mora, em Parque São Cristóvão, foi presente de um dos filhos. Boa parte da prole da apo- sentada hoje coleciona diplo- mas, inclusive de pós-gradua- ção. Alguns deles conquista- dos mais tarde, quando o tra- balho permitiu que os estu- dos tivessem vez. “Fiz facul- dade só aos 34 anos. Antes tinha que ajudar minha mãe; já lavei até caranguejo na praia”, recorda Ana Beatriz Nascimento, professora da re- de municipal, graduada em letras e pedagogia. “Ana Bea- triz nasceu debaixo de um plástico... Chegar onde chega- mos é uma vitória”, resume a filha Nevidalva Nascimento, que é psicóloga. A jornada da família de do- na Beatriz é reflexo do que divulgou ontem o Ipea, em estudo que demonstra as me- lhoras nos índices de vulne- rabilidade das famílias entre 2003 e 2009. O chamado ín- dice de vulnerabilidade no Brasil passou de 27 pontos pa- ra 23,1 pontos neste período analisado. A melhora de 14% foi bem vista pelo coordena- dor de estudos urbanos da Di- retoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Am- bientais do Ipea, Bernardo Furtado. “Acredito que este se- ja um índice razoável. O aces- so ao trabalho e à renda me- lhoraram muito. Assim como ao conhecimento, mas não de forma rápida”, ponderou Fur- tado. Bernardo Furtado ainda salientou que “trata-se de um índice multidimensional, que leva em conta vários ele- mentos”, disse, salientando que, embora a melhora a me- lhora dos índices de vulne- rabilidade caminhem nor- malmente juntos à queda dos índices de pobreza, as duas medições são independentes. Os fatores de vulnerabilidade estão inseridos em cinco gru- pos: acesso ao conhecimento, acesso ao trabalho, escassez de recursos, desenvolvimen- to infanto juvenil e condições habitacionais. Salvador Salvador, que passou de 25 pa- ra 20,4, e Bahia (38 para 32,3) tiveram melhores desempe- nhos que os apresentados pe- lo conjunto do País, 18,5% e 15%, respectivamente, de re- dução. “O município de Sal- vador está melhor que a mé- dia nacional”, salientou Fur- tado. Entretanto, mesmo com o avanço, o Estado ainda ocu- pa a sétima pior posição, na frente apenas de Alagoas, Piauí, Maranhão, Paraíba, Ceará e Pernambuco. No Nor- deste, apontou o Ipea, estão os maiores índices absolutos de vulnerabilidade de famílias. Margarida Neide / Ag. A TARDE Dona Beatriz, 75 anos, nunca frequentou escola, alfabetizou-se somente aos 30 anos, mas criou sozinha e garantiu educação aos nove filhos CONCEITOS DE VULNERABILIDADE VULNERABILIDADE Diz respeito à presença de idosos ou à ausência de cônjuges. O envelhecimento e a chefia da família por um adulto apenas são problemáticos ACESSO AO CONHECIMENTO Referente a nível de escolaridade dos membros da família. Nível baixo reduz chance de trabalho ACESSO AO TRABALHO São vistos não somente se os membros da família trabalham, mas em que condições ESCASSEZ DE RECURSOS Mede de que forma a família tem acesso a gêneros alimentícios DESENVOLVIMENTO INFANTO JUVENIL Aumento de crianças na escola e fora do trabalho reduz riscos COND. HABITACIONAIS Verifica a qualidade de moradia das famílias Lúcio Távora / Ag. A TARDE Catadora de lixo, dona Bárbara luta para tentar mudar realidade de extrema pobreza Resultado econômico alavancou melhor índice Bernardo Furtado disse, na coletiva de imprensa de apre- sentação do estudo, que os ín- dices melhoraram principal- menteemvirtudedaelevação da condição econômica e do aumento do acesso ao empre- go – escassez de recursos e acesso ao emprego tiveram melhoras de 24,2% e 20,3%, respectivamente, no período avaliado. Armando Castro, coorde- nador de Pesquisas Sociais da SEI, comenta que o resultado da Bahia é fruto dos esforços dos governos estadual e fe- deral. “O Bolsa Família, por exemplo, passa de 839 mil fa- mílias atendidas na Bahia em 2004, para 1,4 milhões em 2008, e, até dezembro de 2011, já eram 1,7 milhão de famílias recebendo o benefício. Não coincidentemente, a propor- ção de pessoas em condição de extrema pobreza, pelo conceito do Banco Mundial, diminui, no estado, de 24,6% para 9,8% entre 2003 e 2009”, apontou Castro. Vontade política A professora de pós-gradua- ção em Sociologia da Ufba, Inaiá Carvalho, salienta que programas como Bolsa Famí- lia têm efeito limitado. “A par- tir destes estudos, é preciso haver vontade política para investir em áreas fundamen- tais, como saúde e educação, cuja carência causa maior vulnerabilidade”, disse. Sair da extrema pobreza é o desafio de 2,4 milhões na BA No Nordeste vivem 60% dos 16,2 milhões de brasileiros ex- tremamente pobres. A Bahia é o Estado com o maior nú- mero de pessoas nessa con- dição: 2,4 milhões. A catadora de lixo Bárbara Dantas seria mais um número nessas es- tatísticas se não fosse o au- xílio de R$ 102 que recebe há 30 anos do Programa Bolsa Família, por causa da neta de 11 anos. “É com esse dinheiro que a gente come, se veste e compra remédio”, diz. Dona Bárbara, 62 anos, ven- de o material que recolhe do lixo para empresas de reci- clagem. A renda é incerta. “Tem vezes que faço R$ 70, em outras R$ 100”, diz a idosa, que explica que às vezes leva mais de um mês para juntar ma- terial para vender. Ela mora de aluguel pago pela Conder, no Uruguai, des- de que a sua casa, a poucos metros dali, pegou fogo há três anos. Vivem com ela a filha, de 30 anos, desempre- gada há dois anos, e a neta, que é estudante. Sobrevivência Mãe e filha representam duas gerações consecutivas que vi- vem o mesmo destino: criar suas filhas sozinhas, lutando, entre um bico e outro, para sobreviver. Dona Bárbara, nunca teve “a felicidade de estudar” e é analfabeta. A fi- lha foi um pouco mais longe e está matriculada no 3° ano do ensino médio. Aluna, atualmente, de um curso pro- fissionalizante de corte e cos- tura, a jovem anda diaria- mente 9 km até a escola, em Dendezeiros, para realizar o sonho de ter uma profissão, sair do desemprego e ver o futuro da família mudar para melhor já a partir da filha pré-adolescente, que cursa o 4° ano e sonha ser veterinária. Perto dali, vive Marinalva dos Santos, 55 anos, com a filha, o genro e a neta de 3 anos. As- sim como muitos idosos bra- sileiros, dona Marinalva aju- da os filhos, em idade pro- dutiva, nos cuidados com os netos. No caso dela, a ajuda a filha foi mais além: ela pas- sou a sua vaga na limpeza de um bar das redondezas, onde ganhava R$ 250 sem carteira assinada, para a filha que es- tava desempregada. A renda do genro, que tra- balha com serviços gerais, é maior porém incerta. “O que surgir ele faz”, explica Mari- nalva. “Ele agora tá trabalhan- do em um depósito, mas é temporário”, conta. Antes, quando vivia sozi- nha, Marinalva sustentava-se com reciclagem. “Até hoje, quando estou sem dinheiro, cato uma reciclagem e ven- do”, conta.. Conseguia, nessa época, uma média de R$ 100 por lote de lixo vendido. “Tem gente que tem fregueses; eu tenho coragem”, acrescenta a catadora. No Nordeste, apontou o Ipea, estão os maiores índices absolutos de vulnerabilidade de famílias