FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE PALMAS MESTRADO EM CIÊNCIAS DO AMBIENTE Avaliação da biologia reprodutiva, predação natural e importância social em quelônios com ocorrência na bacia do Araguaia Giovanni Salera Júnior Palmas - TO Junho / 2005
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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE PALMAS
MESTRADO EM CIÊNCIAS DO AMBIENTE
Avaliação da biologia reprodutiva, predação natural e
importância social em quelônios com ocorrência na
bacia do Araguaia
Giovanni Salera Júnior
Palmas - TO
Junho / 2005
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Giovanni Salera Júnior
Avaliação da biologia reprodutiva, predação natural e
importância social em quelônios com ocorrência na bacia do
Araguaia
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências do Ambiente da Fundação
Universidade Federal do Tocantins, como um dos
requisitos para a obtenção de Título de Mestre em
Ciências do Ambiente.
Orientadora: Drª Adriana Malvasio
Co-orientador: Dr. Odair Giraldin
Palmas - TO
Junho / 2005
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
S163a Salera Júnior, Giovanni
Avaliação da biologia reprodutiva, predação natural e importância social em quelônios com ocorrência na bacia do Araguaia. / Giovanni Salera Júnior. – Palmas: UFT, 2005.
191 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Tocantins, Curso de Pós-
Graduação em Ciências do Ambiente, 2005. Orientadora: Profª. Drª. Adriana Malvasio Co-Orientador: Prof. Dr. Odair Giraldin 1. Quelônios. 2. Biologia reprodutiva. 3. Predação natural. 4. Importância social.
5. Comunidades. 6. Indígenas Javaé. I.Título.
CDU 504
Bibliotecário: Paulo Roberto Moreira de Almeida
CRB-2 / 1118 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
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Comissão Julgadora:
_______________________________
Profª. Drª Ana Maria de Souza
Instituto de Biociências da USP
_______________________________
Profª. Drª. Paula Benevides Morais
Universidade Federal do Tocantins - UFT
_______________________________
Profª. Drª. Adriana Malvasio (Orientadora)
Universidade Federal do Tocantins - UFT
v
Dedico este trabalho ao Senhor Deus,
que criou os céus, a terra, as estrelas, as
águas e também as tartarugas.
vi
Agradecimentos
Foram inúmeras as pessoas e instituições importantes para a realização deste trabalho,
sem as quais não teria sido possível.
A Adriana Malvasio, pela dedicada orientação, confiança e amizade.
A Odair Giraldin, pela ajuda e grande enriquecimento.
A Fundação Universidade Federal do Tocantins (UFT) e a Fundação Universidade do
Tocantins (UNITINS), pela enorme contribuição.
Ao Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios (RAN/ IBAMA), que
possibilitou que meu projeto fosse realizado.
A Fundação Nacional do Índio (FUNAI), pelo encaminhamento do projeto.
Ao Conselho das Organizações Indígenas do Povo da Ilha do Bananal (CONJABA),
pelo interesse na realização desse trabalho.
Ao Instituto Natureza do Tocantins (NATURATINS), pelo imenso e indispensável
apoio recebido.
Ao Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da Universidade de São
Paulo (USP), pela hospedagem e ajuda durante o levantamento bibliográfico.
Ao Instituto Ecológica de Palmas, pela parceria nessa pesquisa.
Ao Instituto Earthwatch de Boston, pela ajuda dos voluntários e apoio financeiro.
Ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI), pelo incentivo para realização dessa
pesquisa junto aos indígenas Javaé.
A Escola de Canoanã da Fundação Bradesco, pela ajuda e hospedagem.
A Colônia de Pescadores Z33 de Xambioá, pelo apoio na execução do trabalho.
As lideranças e demais integrantes da aldeia Javaé Canoanã, pela ótima recepção e
ajuda prestada.
A todos os meus amigos (Eliene, Odimar, Hugo, Marcos, Adson, Angélica, Glennya,
No que se refere à aldeia, o seu formato original é, geralmente, invariável. Compõe-se
de uma fileira de casas alinhadas aos pares e paralelas às margens do rio, em cima de altas
barreiras. As casas são retangulares, com duas portas pelas quais se pode passar uma reta
perpendicular ao rio. Sua abertura principal e janela estão voltadas para o rio; a outra, voltada
para o cerrado, ou mata. Essa disposição da entrada principal faz com que a observação do
movimento do rio seja uma constante (TORAL 1992).
A base da subsistência das comunidades Karajá/ Javaé é a ictiofauna. A subida das
águas no período de chuvas alterna as fontes de recursos alimentares das aldeias, uma vez que
dificulta as possibilidades de pesca. É época em que os cardumes estão dispersos, exigindo dos
indígenas a localização de pontos piscosos. Enquanto produtos da roça, eles podem contar
com o milho, a abóbora, a mandioca e a melancia. Do cerrado, alimentam-se de pequi, e
demais frutas sazonais (LIMA FILHO 1994, LIMA 2004).
Tartarugas-da-amazônia (Podocnemis sp.) e os ovos deste quelônio, coletados nas
praias, são muito apreciados. São alimentos obtidos somente na estação seca (meses de julho a
setembro). Se os produtos da roça não são suficientes e a pesca torna-se mais difícil, uma
terceira opção de atividade para alimentar a aldeia é a caça. Sendo que a exploração dos
recursos naturais pelos Karajá/ Javaé está assim associada aos ciclos de estiagem e de chuvas,
com a disponibilidade de alimentos característica de cada estação (TORAL 1992, LIMA
2004).
Há de se considerar ainda que, dentre os Karajá/ Javaé existem 2 grandes festas
cerimoniais, a “Dança dos Aruanãs” (seres espirituais mascarados com aspecto antropomorfo)
e o “Hetohoky” (festa de iniciação masculina), que estão intimamente ligadas aos seres
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ancestrais que habitam o fundo das águas sagradas do Grande Rio (rio Araguaia), batizado de
Berohoky.
O Hetohoky inicia-se ainda no período da estiagem, tem uma grande movimentação no
ápice das chuvas e vai gradativamente chegando ao fim, quando um novo período de estiagem
faz o Araguaia baixar as águas (LIMA FILHO 1994).
As Festas dos Aruanãs dividem-se em quatro: duas festas pequenas, uma do Peixe e
outra do Mel, e duas festas grandes, igualmente do Peixe e do Mel (LIMA FILHO 1994).
Sendo que estas não possuem uma data exata para seu começo e término. Se houver Hetohoky,
o início das duas festas coincide. A Festa dos Aruanãs normalmente é mais longa que a do
Hetohoky e pode, ter duração aproximada de um ano, enquanto que a festa do Hetohoky tem
duração menor (RODRIGUES 1993, LIMA FILHO 1994).
O início e término dessas festas podem variar entre as diferentes aldeias, não existindo
entre elas um calendário rígido. Isso dependerá de vários fatores, tais como a disponibilidade
de alimento, falta de conflitos entre as famílias, e engajamento dos mantenedores dos ritos
cerimoniais (pais e mães dos Aruanãs). Apesar desses aspectos que influenciam os rituais da
Dança dos Aruanãs e o Hetohoky, o ápice destes cerimoniais coincide com o período de maior
cheia dos rios da região, sendo assim, o ciclo do rio o fator determinante na ocorrência e
intensidade dessas festividades (Figura 17).
Durante o período da seca, ocorre um esvaziamento populacional das aldeias, pois
nesse período a circulação pelos rios da região é mais intensa, onde os grupos familiares
buscam montar acampamentos nas praias, posicionando-se próximos aos locais de maior
abundância de pescado e nas áreas de desova de quelônios. Com a chegada do período da
cheia, novamente há um adensamento populacional nas aldeias com o retorno das famílias que
estavam ausentes, acampadas nas praias e locais próximos aos lagos. É justamente nesse
período em que há uma maior intensidade das festividades/ rituais da Dança dos Aruanãs e do
Hetohoky. Após o período de maior intensidade das atividades rituais, com o declínio das
águas também paulatinamente ocorre um declínio dos rituais da Dança dos Aruanãs e do
Hetohoky, finalizando um ciclo no período de menor vazante dos rios da região, geralmente
nos meses de junho a agosto. Com a finalização, logo se inicia um novo ciclo de festividades
rituais, mantendo assim a continuidade da relação entre as estações de seca e cheia e os rituais
Karajá/ Javaé.
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Figura 16. Indígena em uma canoa no rio Araguaia. Foto: W.G.Franklim.
70
60
50
40
30
20
10
AGO SET OUT NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL 0
PRECIPITAÇÃO NÍVEL D’ÁGUA RITUAIS
PORC
ENT A
GEM
GRÁFICO DAS CHUVAS
Figura 17. Gráfico das Chuvas - Precipitação x Nível d’água x Ritual. Retirado de Lima Filho
(1994).
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1.8 Objetivos
1.8.1 Objetivo geral
Ampliar os conhecimentos sobre a biologia reprodutiva, predação natural e
importância social em quelônios com ocorrência na bacia do rio Araguaia.
1.8.2 Objetivos específicos
Apresentar dados relativos à desova (medidas e massa de ovos) e tempo de incubação
em P. expansa e P. unifilis.
Analisar a incidência de irregularidades no padrão dos escudos do casco em P. expansa
e P. unifilis.
Identificar os principais predadores dos ovos, filhotes e exemplares adultos de P.
expansa e P. unifilis.
Avaliar os índices de predação de ninhos e fêmeas em postura em P. expansa e P.
unifilis.
Identificar os principais métodos empregados na captura de quelônios em diferentes
comunidades na bacia do Araguaia.
Avaliar as formas de uso e emprego dos quelônios por essas comunidades.
Avaliar os aspectos simbólicos dos quelônios para a comunidade indígena Javaé
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1.9 Referências bibliográficas ACUÑA-MESÉN, R.A. 1989. Anatomia microscópica de la cascara del huevo de la tortuga carey, Eretmochelys imbricata (Linnaeus, 1766). Brenseia, 31: 33-41. ALFINITO, J. 1973. Fundamentos ao serviço de proteção à tartaruga. Preservação da tartaruga da Amazônia. Ministério da Agricultura. DEMA/ PA, IBDF, Belém (PA), 1-36p. ALHO, C.J.R. & PÁDUA, L.F.M. 1982a. Early growth of pen-reared Amazon turtles (Podocnemis expansa) (Testudinata, Pelomedusidae). Revista Brasileira de Biologia, 42 (4): 641-646. ALHO, C.J.R. & PÁDUA, L.F.M. 1982b. Reproductive parameters and nesting behavior of the Amazon turtle Podocnemis expansa (Testudinata: Pelomedusidae) in Brazil. Canadian J. Zool., 60: 97-103. ALHO, C.J.R. & PÁDUA, L.F.M. 1982c. Sincronia entre o regime de vazante do rio e o comportamento de nidificação da tartaruga da Amazônia Podocnemis expansa (Testudinata: Pelomedusidae). Acta Amazônica, 12(2): 323-326p. ALHO, C.J.R; CARVALHO, A.G. & PÁDUA, L.F.M. 1979. Ecologia da tartaruga da Amazônia e avaliação de seu manejo na Reserva Biológica de Trombetas. Brasil Florestal, 38: 29-47. ALHO, C.J.R.; DANNI, T.M.S. & PÁDUA, L.F.M. 1985. Temperature-dependent Sex Determination in Podocnemis expansa (Testudinata: Pelomedusidae). Biotropica, 17 (1): 75-78. ALMEIDA, S.S.; SÁ, P.G.S. & GARCIA, A. 1986. Vegetais utilizados como alimento por Podocnemis (Chelonia) na Região do Baixo Rio Xingu (Brasil – Pará). Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Botânica, 2 (2): 199-211. BALÉE, W. 1985. Ka’apor Ritual Hunting. Human Ecology, 13 (4): 485-510. BATAUS, Y.S.L., 1998. Estimativa de parâmetros populacionais de Podocnemis expansa (Schweigger, 1812) no rio Crixás-açu (GO) a partir de dados biométricos. Goiânia, Universidade Federal de Goiás. 58p. (Dissertação de Mestrado em Ecologia Universidade Federal de Goiás). BATES, H.W. 1892. The Naturalist on the river Amazon. London, John Murray, 395p. BELKIN, D.A. & GANS, C. 1968. An unusual chelonian feeding niche. Ecology, 49 (4): 768-769. BERNARDES, A.T.; MACHADO, A.B.M. & RYLANDS, A.B. 1990. Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. Fundação Biodiversitas, Belo Horizonte, Brazil.
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Capítulo 2 - Observações referentes à desova e incubação em Podocnemis expansa e
Podocnemis unifilis (Testudines, Pelomedusidae)
Resumo
Podocnemis expansa e P. unifilis estão entre os maiores quelônios aquáticos sul-
americanos e apresentam uma ampla distribuição territorial, habitando rios, riachos, lagos e
áreas alagadas na bacia do rio Amazonas e do rio Orinoco. Essas espécies têm sido exploradas
intensamente, por séculos, tendo sua carne, vísceras e ovos utilizados na alimentação e seus
cascos usados como utensílios domésticos e adornos por inúmeras comunidades indígenas e
ribeirinhas e ainda hoje, continuam sendo ilegalmente exploradas em muitas localidades. Este
estudo se propôs a ampliar os conhecimentos da biologia reprodutiva dessas espécies,
apresentando informações sobre a desova e do tempo de incubação das ninhadas. Os dados
foram coletados em 5 praias da margem direita (Canguçu, Comprida, Coco, Goiaba e Bonita)
durante os meses de Agosto a Novembro em 5 estações reprodutivas (1999-2003) no rio
Javaés, na área circunvizinha ao Parque Nacional do Araguaia (Ilha do Bananal) e a Área de
Proteção Ambiental Bananal/ Cantão, Estado do Tocantins, onde o RAN/ IBAMA (Centro de
Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis) coordena atividades de manejo e proteção dessas espécies. As
principais conclusões são: a estação reprodutiva de P. expansa e P. unifilis ocorre nos períodos
de menor vazão, sendo que para P. unifilis a maior concentração de desovas ocorre em agosto
e para P. expansa em setembro. A duração média da incubação de P. unifilis foi de 79,63 ±
7,64 dias e para P. expansa de 55,81 ± 3,12 dias. O número médio de ovos/ cova para P.
unifilis foi de 13,71 ± 3,78 e para P. expansa 106,83 ± 22,35. Os ovos de P. unifilis medem em
média (4,43 ± 1,31) cm de comprimento, (3,08 ± 0,73) cm de largura e têm (26,04 ± 4,23) g de
massa. Os ovos de P. expansa medem em média (4,23 ± 2,33) cm de comprimento, (3,92 ±
1,75) cm de largura e têm (39,02 ± 4,31) g de massa. Em P. expansa os ovos de óleo medem
em média (4,98 ± 2,17) cm de comprimento, (4,42 ± 2,01) cm de largura e (54,8 ± 31,7) g de
massa.
Palavras chave: Podocnemis expansa, Podocnemis unifilis, desova, incubação e rio Javaés.
61
Abstract
Podocnemis expansa and P. unifilis are among the largest South American aquatic
turtles and they present a wide territorial distribution, inhabiting rivers, streams, lakes and
flooded areas in the basin of the river Amazonas and of the river Orinoco. Those species have
been explored intensely, per centuries, tends your meat, viscus and eggs used in the feeding
and your skulls used as domestic utensils and decorations by countless indigenous and riverine
communities and still today, they continue being explored illegally at a lot of places. This
study intended to enlarge the knowledge of the reproductive biology of those species,
presenting information on the spawning and of the time of incubation of the broods. The data
were collected at 5 beaches of the right margin (Canguçu, Comprida, Coco, Goiaba and
Bonita) during the months of August to November in 5 reproductive stations (1999-2003) in
the river Javaés, in the adjacent area to the Araguaia National Park (Bananal Island) and the
Area of Protection Environmental Bananal/ Cantão, Tocantins state, where RAN / IBAMA
(Center of Conservation and Handling of Reptiles and Amphibians of the Brazilian Institute of
Environment and of the Renewable Natural Resources) it coordinates handling activities and
protection of those species. The mainly conclusions are: In Javaés river, the nesting season
occurs in periods of minor flow of waters, being that to P. unifilis showing higher nesting
activity during August and P. expansa in September. The average incubation time was 79,63 ±
7,64 days to P. unifilis and 55,81 ± 3,12 days to P. expansa. The average number of eggs per
nest was 13,71 ± 3,78 to P. unifilis and 106,83 ± 22,35 to P. expansa. The eggs of P. unifilis
presented an average size of (4,43 ± 1,31) cm of length, (3,08 ± 0,73) cm of width and (26,04
± 4,23) g of mass. The eggs of P. expansa presented an average size (4,23 ± 2,33) cm of
length, (3,92 ± 1,75) cm of width and (39,02 ± 4,31) g of mass. In P. expansa oil eggs
measured on average size (4,98 ± 2,17) cm of length, (4,42 ± 2,01) cm of width (54,8 ± 31,7)
4176,8 (1781,2-6401,4) 4,23 x 3,92 39,0 (35,2-40,3) Este estudo
79
Também foi observada correlação positiva entre o número de ovos por postura e o
tamanho da fêmea, em P. expansa (ALHO & PADUA 1982a), P. unifilis (Vanzolini 1977,
SOINI 1980) e Phrynops geoffroanus (cágado) (MOLINA 1990).
As medidas e massa dos ovos de P. expansa e P. unifilis apresentam-se semelhantes ao
registrado para as espécies em suas diversas áreas de ocorrência (Tabelas 12 e 13).
Tabela 13. Registros das ninhadas de P. unifilis compilados de literatura avaliada.
Massa da ninhada
(g)
Diâmetro dos ovos
(cm)
Massa dos ovos
(g)
Referências
- 4,10-2,85 x 5,10-3,35 15-31 Medem (1969)
- 3,53-2,50 x 50,2-3,35 - Soini (1980)
630,7 (311,1-908,0) 4,6 x 3,1 26,5 (22,2-31,8) Thorbjarnarson et al. (1993)
- 4,48 x 3,15 27,5 (14-35) Teran (1993)
- 4,59 x 3,03 - Pritchard & Trebbau (1984)
- 4,1-5,3 x 2,5-3,7 - Ernst & Barbour (1989)
- 3,83 x 3,04 20,9 Thorbjarnarson & Silveira
(1996)
482,0 (257,4-712,4) 4,40 x 2,90 22,5 (15,0-30,0) Haller (2002)
327,4 (163,6-668,2) 4,43 x 3,08 26,04 (22,1-28,9) Este estudo
Ovos de óleo
Segundo Valle et al. (1973) algumas posturas de P. expansa apresentam até 5 ovos
com diâmetro superior a 5,0 cm, sem embrião, que permanecem na cova por período superior
a 60 dias, sem alteração de seu conteúdo. Os residentes na área do rio Trombetas se alimentam
também desses ovos, após esse espaço de tempo.
Segundo Alho et al. (1979) em cada postura há cerca de 1-4, normalmente 1-2 ovos
diferentes, denominados por ovos de óleo. Sua função é desconhecida. Após a eclosão
permanecem intactos. Especula-se que, em estações muito quentes, esses ovos se rompem
lubrificando os demais, mantendo a umidade do ninho. Alho & Pádua (1982a) apontam em
80
cada cova de P. expansa 1 ou 2 ovos maiores (diâmetro ± 54,0 mm e peso de ± 52 g), e esses
ovos nunca eclodem.
No presente estudo foram encontrados em média 1,62 ovos de óleo/ cova. Estes
apresentavam formato alongado ou esférico e, geralmente, eram de tamanho e massa
superiores aos demais ovos. Algumas vezes foram verificados ovos de óleo de tamanho e
massa muito reduzidos em relação aos ovos normais (Tabela 14) (Figura 6).
A população ribeirinha do rio Javaés e entorno da Ilha do Bananal acredita que os ovos
de óleo são uma providência da fêmea para os filhotes, que se alimentariam de seu conteúdo
nutritivo logo após a eclosão ou, então, estes ovos favoreceriam as condições de umidade do
ninho.
A primeira consideração parece improvável, já que os filhotes recém-eclodidos
possuem uma reserva de vitelo, que os livra da necessidade de alimentação durante os
primeiros dias após a eclosão. A segunda hipótese apesar de mais plausível, necessita ser
confirmada.
Outro aspecto importante com relação aos ovos de óleo, é que estes não são
consumidos pelas populações (pescadores, ribeirinhos e indígenas) de entorno da Ilha do
Bananal, que costumeiramente coletam ovos nas praias dos rios da região.
Foote (1978) registrou um ovo de P. unifilis excepcionalmente grande, com diâmetro
de 52,4 x 37,8 mm e pesando 44,5 g.
Molina (1998) analisou 890 ovos de 66 posturas de P. geoffroanus e registrou alguns
ovos com padrão morfológico diferenciado. Em uma postura com total de 18 ovos, dois
possuíam formato e dimensões bastante avantajados. Um era oblongo, com 24,6 g de massa e
4,09 cm de comprimento, enquanto o outro era alongado e afilado em sua altura média, com
23,8 g de massa e 4,54 cm de comprimento. Em outra postura com total de 12 ovos, observou-
se um pequeno ovo arredondado, medindo 1,04 cm de comprimento e 0,92 cm de largura, com
massa de 0,5 g, apresentando calcificação imperfeita.
Nesse estudo não foram registrados ovos de P. unifilis com tamanhos e massas que se
destacassem por serem desproporcionalmente maiores do que os demais ovos.
Segundo Ernst & Barbour (1989) as ninhadas da espécie marinha, Dermochelys
coriacea (tartaruga-de-couro) apresentam de 50 a 170 ovos, mas uma grande porcentagem é
de ovos sem vitelo (yolkless). Os ovos normais são esféricos e têm de 49-50 mm de diâmetro.
81
Os ovos anormais (yolkless) podem ser elípticos, pequenos e esféricos; eles têm 15-45 mm em
seu diâmetro.
Hirt (1980) observou a presença de ovos anormais (geralmente pequenos e de formatos
variados) nas desovas de quelônios marinhos e apresentou a hipótese de serem ovos de
sacrifício, para saciarem predadores terrestres das ninhadas, pois se situam em camadas mais
superficiais do ninho.
Krause et al. (1982) observou desovas de Trachemys dorbignyi (tigre d’água) na
Estação Ecológica do Taim (Rio Grande do Sul), encontrando ovos inviáveis e/ ou estéreis em
camadas inferiores e superiores do ninho. Sugerindo que tais ovos têm a função de conservar o
microclima do ninho.
Figura 6. Ovos de óleo de P.expansa.
Molina (1995) e Molina & Gomes (1998) observaram que 14,5 % de 620 desovas de T.
dorbignyi avaliadas apresentavam ovos, em sua maioria, de volume reduzido e com variações
morfológicas. As formas mais comumente observadas foram a arredondada, a oval e
82
semelhante a um pino de boliche. Molina (1995) ao considerar que quase a totalidade dos ovos
anormais apresentava um volume extremamente reduzido, contesta as hipóteses de Hirt (1980)
e de Krause et al. (1982).
A elucidação da importância dos ovos de óleo nas ninhadas de P. expansa se apresenta
como um aspecto interessante e poderá contribuir na ampliação dos conhecimentos ligados a
biologia reprodutiva dessa espécie e conseqüentemente no direcionamento dos esforços
conservacionistas coordenados pelo RAN/ IBAMA.
Tabela 14. Registros dos ovos de óleo de P. expansa compilados de literatura avaliada.
Diâmetro (cm) Massa (g) Referências
5,10 x 4,88 - Pritchard & Trebbau (1984)
5,5 x 4,8 -
5,3 x 4,8 -
5,1 x 4,7 -
5,5 x 5,1 -
Mosqueira Manso (1960)
> 5,0 - Valle et al. (1973)
8,32 x 5,1 110
8,27 x 5,67 129
Soini (1980)
± 5,4 ± 52 Alho & Pádua (1982a)
4,98 x 4,42 54,84 Este estudo
Conclusões
No rio Javaés, a estação reprodutiva ocorre nos períodos de menor vazão, sendo que
para P. unifilis vai de julho a setembro, com a maior concentração de desovas ocorrendo em
agosto e para P. expansa se estende de agosto a outubro, com maior concentração em
setembro.
A duração média da incubação de P. unifilis em 5 estações reprodutivas no rio Javaés
foi de 79,63 ± 7,64 dias (limites de 63–93) e para P. expansa de 55,81 ± 3,12 dias (limites de
45–66).
83
O número médio de ovos/ cova para P. unifilis foi de 13,71 ± 3,78 (limites de 5–30) e
para P. expansa 106,83 ± 22,35 (limites de 35–166). A massa da ninhada apresentou valores
de 327,4 g ± 337,2 (limites de 163,6–668,2) em P. unifilis e 4176,8 g ± 1033 (limites de
1781,2-6401,4) em P. expansa.
Os ovos de P. unifilis medem em média (4,43 ± 1,31) cm de comprimento, (3,08 ±
0,73) cm de largura e (26,04 ± 4,23) g de massa. Os ovos de P. expansa medem em média
(4,23 ± 2,33) cm de comprimento, (3,92 ± 1,75) cm de largura e (39,02 ± 4,31) g de massa.
Em P. expansa a média de ovos de óleo/cova foi de 1,62 ± 7,75 (limites de 0–15). Os
ovos de óleo medem em média (4,98 ± 2,17) cm de comprimento, (4,42 ± 2,01) cm de largura
e (54,8 ± 31,7) g de massa.
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Este trabalho só foi possível com o apoio recebido pelo NATURATINS, através de Isac Braz da Cunha, Evandro Dias, Ivan Martins, Adriana Cavenage e Marcos Aurélio. O apoio às etapas de campo foi dado pelo RAN/IBAMA, pelo Instituto Ecológica e Earthwatch Institute. Nos gostaríamos de agradecer a Divaldo Rezende, Stephano Merlim, Mariluce Messias e Maria Tereza do Instituto Ecológica e Antônia Lúcia, Yeda Bataus e Selma Cristina do RAN/IBAMA. A coleta de dados somente foi possível com a ajuda dos agentes de praia do RAN/IBAMA, Alfreu, Gonzaga, Luciene, João Noleto, Kennedy e Pompeu, e alunos da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Eliene, Odimar, Jackson, Fernando, Naaty, Mayke, Leila, Níber, Valderico, Hugo, Marcos, Adson, Angélica, Glennya, Graciele Leal, Graciele Dalla, Darlei, Thiago, Caroline, Larissa, Bárbara e Shislena. Agradecemos aos professores da Universidade Federal do Tocantins, Paulo Dias Ferreira Júnior, Joênes Mucci, Liliana Pena Naval, Paula Benevides Morais e Lilyan Luizaga, da Universidade de São Paulo, Ana Maria de Souza e Érika Schlenz pela ajuda prestada. Agradecemos também aos voluntários do Earthwatch Institute que participaram ativamente da coleta de dados em 2001, 2002 e 2003.
90
Capítulo 3 – Avaliação de padrão irregular dos escudos do casco em Podocnemis expansa e
Podocnemis unifilis (Testudines, Pelomedusidae).
Resumo
O casco dos quelônios é uma estrutura única que diferencia esse grupo dos vertebrados
atuais e está associado a alguns padrões comportamentais. Sua porção dorsal convexa é a
carapaça e a parte ventral mais achatada é o plastrão. As vértebras torácicas e as costelas estão
geralmente fundidas com a carapaça óssea. A carapaça, geralmente é recoberta por escudos
córneos de origem epidérmica que não coincidem, em número e posição com os ossos
subjacentes. A forma, tamanho, coloração, número e disposição dos escudos que compõem o
casco são características importantes na identificação genérica e específica desse grupo. O
padrão dos escudos que compõem o casco dos quelônios é bastante uniforme, mas variações já
foram descritas e analisadas para um grande número de espécies em todas as famílias
existentes atualmente. Averiguou-se a incidência de irregularidades do padrão de escutelação
no casco de Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia) e Podocnemis unifilis (tracajá),
maiores quelônios de água doce da América do Sul, durante os anos de 1999 à 2003 no rio
Javaés, entorno do Parque Nacional do Araguaia e da Área de Proteção Ambiental Bananal/
Cantão, oeste do Estado do Tocantins. P. expansa se apresenta como uma espécie mais
suscetível à ocorrência de anormalidades no casco em relação a P. unifilis. Sendo que dos
14378 filhotes avaliados (13,32%) apresentavam irregularidades no padrão de escutelação
enquanto que dos 1329 filhotes de P. unifilis apenas (4,44%). Em P. expansa, os defeitos
ocorreram quase que em sua totalidade na carapaça (98,64%) e em menor número (83,05%)
em P. unifilis.
Palavras chave: P. expansa, P. unifilis, anormalidade, casco, rio Javaés.
Abstract
The turtle shell is a unique structure that differentiates this group of recent vertebrates
and is associated with behavioral aspects. Its dorsal convex part is the carapace and its more
plan ventral part is the plastron. The vertebrates thoracic and ribs are generally melted with the
carapace. The carapace is recovered by corneous scutes of epidermal origin that not coincide,
91
in number and position with the bones underneath. The shape, size, color, number and position
of shell scutes are important characters in generic and specific identification of this group. The
pattern of shell scutes is uniform, but variations have being described and analyzed for a great
number of species in all present families. We analyzed an occurrence of abnormalities in
pattern of shell scutes of Podocnemis expansa (Amazon turtle) and Podocnemis unifilis
(tracajá), during the years 1999 to 2003 in Javaés river, in the vicinity of Araguaia National
Park and Bananal/ Cantão Environment Protected Area, west of Tocantins state. P. expansa is
more susceptible to the occurrence of shell abnormalities compared P. unifilis. From 14378
hatchlings observed (13,32%) presented abnormalities in pattern of shell scutes while among
1329 P. unifilis hatchlings only (4,44%) presented abnormalities. In P. expansa the incidence
of abnormalities occurred only in carapace (98,64%) and in small number (83,05%) in P.
unifilis.
Key words: P. expansa, P. unifilis, abnormal shell, Javaés river.
Introdução
O casco dos Testudines é uma estrutura única que diferencia esse grupo dos demais
vertebrados (POUGH et al. 1993), estando intimamente associado a alguns padrões
comportamentais (MOLINA 1992). A porção dorsal convexa é a carapaça e a parte ventral
mais achatada é o plastrão. As vértebras torácicas e as costelas estão geralmente fundidas com
a carapaça óssea (STORER et al. 1989). Os ossos da carapaça geralmente são recobertos por
escudos córneos de origem epidérmica que não coincidem, em número e posição com os ossos
subjacentes, tornando assim essa estrutura extremamente resistente a choques mecânicos
(POUGH et al. 1993).
A forma, tamanho, coloração, número e disposição dos escudos que compõem o casco
são características importantes na identificação genérica e específica dos Testudines (MEDEM
No presente estudo foi observada uma maior incidência de defeitos em P. expansa
(13,32%) comparando-se com P. unifilis (4,44%). Sendo que os defeitos ocorreram com maior
freqüência na carapaça em relação ao plastrão, com valores de 98,64% e 83,05%,
respectivamente para P. expansa e P. unifilis.
Medem (1969) na região do alto rio Caquetá e rio Caguan (Venezuela), observou 136
exemplares jovens e 15 adultos de P. expansa, onde registrou a ocorrência de irregularidades
no padrão dos escudos do casco de 8 jovens (5,88%) e apenas 1 adulto (6,66%).
No rio Javaés, tem-se verificado a ocorrência de irregularidades no padrão dos escudos
do casco em exemplares adultos e jovens de ambos os sexos para P. expansa e P. unifilis,
semelhantes aos registrados em filhotes recém-eclodidos.
Alguns experimentos realizados em laboratório têm apresentado que cada
anormalidade pode estar relacionada às condições inadequadas dos níveis de temperatura e
umidade em que o embrião foi desenvolvido (LYNN & ULLRICH 1950, PACKARD et. al.
1987).
Mallmann (1994) submeteu ninhadas de jabuti, G. carbonaria a diferentes regimes de
temperatura, obtendo um aumento da mortalidade e filhotes com diferentes padrões de
escutelação (excesso ou supressão de escudos), nos escudos costais, vertebrais, marginais e
femorais, além de deformações na cabeça, maxila, mandíbula, ausência de olhos, má formação
da cauda e anomalias na forma e disposição dos órgãos internos. A autora também comenta
que além da influencia da temperatura de incubação, algumas dessas anomalias podem ter sido
decorrentes de problemas genéticos dos embriões ou devido ao manuseio. Ela obteve de 48
filhotes de G. carbonaria incubados artificialmente, 16 (33,33%) exemplares defeituosos. Do
total de defeituosos, 15 (93,75%) apresentavam padrão irregular de escudos (excesso ou
supressão) na carapaça, e apenas 1 (6,25%) com excesso de escudos no plastrão.
Andrade & Abe (1992, 1993) avaliaram 163 filhotes de G. carbonaria apreendidos
pelo IBAMA, que estavam sendo comercializados ilegalmente na região Nordeste do Brasil, e
constataram que 19% deles apresentavam anormalidades no casco. E observaram ainda que
algumas anormalidades ocorreram em maior número, no entanto, não registraram anomalias
graves, como as descritas nos trabalhos experimentais. Este fato segundo os autores, pode
101
estar relacionado ao descarte realizado pelos traficantes que julgavam tais animais impróprios
para o comércio ou os embriões com tais anormalidades não chegaram a eclodir. Dessa forma
concluem que a incidência de tais anormalidades na natureza pode ser ainda maior.
Packard & Packard (1988) sugerem que é necessário avaliar fatores como temperatura,
potencial hídrico, e tensões gasosas dentro do ninho, pois tais fatores podem implicar na
mortalidade e surgimento de anomalias nos embriões de répteis.
Mast & Carr (1989), examinando anormalidades nos escudos do casco de 5.919
filhotes de Lepidochelys kempi (tartaruga marinha), apontam que, quanto maior o manuseio
dos ovos e as alterações na incubação (taxa de umidade e temperatura, por exemplo), maior é
o número de exemplares defeituosos.
Shaver & Chaney (1989) em estudo realizado com L. kempi (México) observaram que
anormalidades na maxila ocorreram mais freqüentemente, seguidas por deformidades
envolvendo os olhos, pigmentação, carapaça, nadadeiras e cabeça entre outras. Os autores não
descreveram as anormalidades no padrão de escudos do casco apesar de confirmar que tais
anomalias estão muitas vezes presentes em filhotes.
P. expansa apresenta um ovo esférico e com casca flexível, enquanto que os ovos de P.
unifilis são alongados e de casca rígida (ERNST & BARBOUR 1989). Além disso, essas
espécies apresentam tamanhos de ninhadas, profundidade dos ninhos e tempo de incubação
dos ovos diferenciados (PRITCHARD & TREBBAU 1984).
P. expansa desova em média 100 ovos (limites de 40 a 160), com período de incubação
variando de 45 a 60 dias, uma cova profunda que pode ter 70 a 80 cm de profundidade
(ERNST & BARBOUR 1989, IBAMA 1989a).
P. unifilis inicia seu período reprodutivo com um mês de antecedência em relação a P.
expansa, desovando em média de 20 ovos por postura, em uma cova rasa, tendo em torno de
30cm de profundidade (IBAMA 1989a, 1989b). O tempo de incubação apresenta média de
66,5 (limites de 51-79) (TERAN 1993).
O ambiente hídrico e termal das covas de quelônios pode ser influenciado por vários
fatores ambientais e ecológicos, dentre eles a profundidade da cova (BURGER 1976,
WILHOFT et al. 1983), posicionamento da cova e cobertura vegetal (VOGT & BULL 1984) e
data da desova (MROSOVSKY et al. 1984).
102
No rio Javaés, a distribuição das covas de P. expansa e P. unifilis mostra uma clara
preferência desses quelônios por ambientes sedimentológicos diferenciados, seja em relação à
morfologia, constituição granulométrica ou altura das covas em relação ao nível do rio. As
covas de P. expansa concentram-se na porção central das praias onde sucessivos eventos de
deposição produziram bancos arenosos com uma altura superior a 3,3 m em relação ao nível
do rio. As covas de P. unifilis distribuem-se, preferencialmente, nas porções montante e
jusante das praias onde os depósitos arenosos raramente ultrapassam 1,5 m de altura no
momento da desova (FERREIRA Jr. 2003, FERREIRA Jr. & CASTRO 2004).
Segundo Packard et al. (1982) os ovos de casca rígida apresentam um pequeno
potencial de trocas hídricas e gasosas com o meio enquanto que os de casca flexível com uma
camada calcária porosa, são mais dependentes do ambiente hídrico.
A ocorrência de adição e/ou supressão de escudos no casco, apresentam-se,
provavelmente, como não letais, uma vez que exemplares adultos têm sido encontrados na
natureza com tais defeitos (CAGLE 1950, LYNN & ULLRICH 1950, MOLINA 1995). Mas,
como ressaltam Mast & Carr (1989) os padrões anormais no casco representam expressões
fenotípicas de algum problema morfológico ou fisiológico, ainda não manifesto, que pode
afetar a viabilidade do indivíduo.
Essas diferenças na proporção de filhotes com irregularidades no casco e a localização
desses defeitos entre P. expansa e P. unifilis podem ser uma resposta diferenciada às
condições ambientais que os ninhos dessas espécies estão sujeitos, considerando que entre as
espécies existem inúmeras diferenças, como por exemplo, a localização e profundidade do
ninho, tempo de incubação, número de ovos/ ninho e tipo de casca dos ovos.
O transplante de ninhadas que muitas vezes é realizado em áreas protegidas pelo RAN/
IBAMA, deve ser visto com cautela. Considerando que as condições do novo ninho não
devem diferir dos locais selecionados pelas fêmeas para postura, tendo em vista que as
condições ao serem diferenciadas podem ocasionar, a partir de uma incubação inadequada, o
surgimento de ninhadas com alta incidência de filhotes com padrão irregular dos escudos do
casco.
103
Conclusões
P. expansa se apresenta como uma espécie mais suscetível à ocorrência de
anormalidades no casco em relação a P. unifilis. Sendo que dos 14378 filhotes avaliados
(13,32%) apresentavam irregularidades no padrão de escutelação enquanto que dos 1329
filhotes de P. unifilis apenas (4,44%).
Em P. expansa, os defeitos ocorreram quase que em sua totalidade na carapaça
(98,64%) e em menor número (83,05%) em P. unifilis.
Dos 7 defeitos registrados com repetições, 5 deles localizavam-se na região posterior
da carapaça e 2 apenas na porção anterior do plastrão. Todos os demais ocorreram sem
repetições, principalmente envolvendo escudos vertebrais e costais.
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Capítulo 4 – Avaliação da predação de Podocnemis expansa e Podocnemis unifilis
(Testudines, Pelomedusidae) no rio Javaés, Tocantins.
Resumo
Podocnemis expansa e P. unifilis são animais de vida longa, com uma demorada
maturação sexual, o que influencia uma baixa taxa de substituição de indivíduos. Suas
populações são caracterizadas por uma pequena mortalidade dos animais adultos, mas alta
taxa de mortalidade de filhotes e embriões. Sendo a predação natural de ninhos e filhotes um
dos fatores mais importantes do baixo sucesso de eclosão dessas espécies. No rio Javaés, os
ovos e recém-eclodidos podem ser predados por uma grande diversidade de animais: dentre as
(Egretta thula) e socó-boi (Trigrisoma lineatum). Como principal predador aquático, destaca-
se a piranha vermelha (Serrasalmus nattereri).
Os predadores das fêmeas de P. unifilis são: jacaré-açu (Melanosuchus niger), onça-
pintada (Panthera onca) e onça-parda (Puma concolor). Enquanto que as fêmeas de P.
expansa em postura, somente são predadas por P. onca.
As fêmeas de P. unifilis em postura são predadas num total médio de 3,93%
anualmente enquanto que para P. expansa a média anual é 5,66% das fêmeas.
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124
Agradecimentos
Este trabalho só foi possível com o apoio recebido pelo NATURATINS, através de Isac Braz da Cunha, Adriana Cavenage e Marcos Aurélio Rodrigues Jorge. O apoio às etapas de campo foi dado pelo RAN/IBAMA, pelo Instituto Ecológica e Earthwatch Institute. Nos gostaríamos de agradecer a Divaldo Rezende, Stephano Merlim, Mariluce Messias e Maria Tereza do Instituto Ecológica e Antônia Lúcia Mendes do Carmo, Yeda de Lucena Bataus e Selma Cristina do RAN/IBAMA. A coleta de dados somente foi possível com a ajuda dos agentes de praia do RAN/IBAMA, Alfreu, Luciene, Kennedy e Pompeu, e alunos da Universidade Federal do Tocantins, Eliene, Marcos, Adson, Angélica, Glennya, Graciele, Darlei, Thiago, Caroline, Larissa, Bárbara e Shislena. Agradecemos aos professores da Universidade Federal do Tocantins, Paulo Dias Ferreira Júnior e Lilyan Luizaga, da Universidade de São Paulo, Ana Maria de Souza e Érika Schlenz pela ajuda prestada. Agradecemos também aos voluntários do Earthwatch Institute que participaram ativamente da coleta de dados.
125
Capítulo 5 – Avaliação da predação de fêmeas adultas de Podocnemis expansa (Testudines,
Pelomedusidae) por Panthera onca (Mammalia, Carnivora).
Resumo
Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia) é o mais importante representante da
fauna de quelônios da Amazônia, mas apesar disso, os aspectos relacionados à sua biologia
reprodutiva, assim como, os índices de predação natural de animais adultos em seu habitat são
pouco conhecidos. Averiguamos o número de fêmeas dessa espécie predadas por Panthera
onca (onça-pintada) em 5 praias do rio Javaés, entorno do Parque Nacional do Araguaia (Ilha
do Bananal) e da Área de Proteção Ambiental Bananal/ Cantão, durante 5 estações de desova
(2000-2004), buscando identificar a quantidade de fêmeas predadas durante cada estação
reprodutiva. Panthera onca é o único predador das fêmeas adultas de Podocnemis expansa nas
praias do rio Javaés, predando em média 3,66% das fêmeas em postura. A predação se dá
sempre à noite, quando as fêmeas de P. expansa sobem às praias para desovar. P. onca preda
os exemplares com mordidas na cabeça e pescoço. Verificou-se uma relação positiva entre o
número de desovas por praia e as predações.
Palavras chave: Podocnemis expansa, Panthera onca, desova, predação e rio Javaés.
Abstract
Podocnemis expansa (Amazon turtle) is the most important turtle of Amazon, but the
aspects relative to the reproductive biology and natural rates of adults’ predation are poorly
known. We investigated the number of females predated by Panthera onca (jaguar) in 5
beaches of Javaés river, in the vicinity of Araguaia National Park (Bananal Island) and
Bananal/ Cantão Environmental Protection Area, during 5 nesting stations (2000-2004),
aiming to identify the number of females predated in each reproductive season. P. onca is the
only individuals predator of P. expansa adult females in Javaés river, predating in media
3,66%. The predation occurs during the night, when the females came to the beaches to
nesting. P. onca kills the females with bites in the head and the neck. Were found a positive
relation between the nest number in the beaches and predation activity.
Soares (2000) em trabalho realizado no rio Guaporé, Estado de Rondônia, durante 10
anos (1989 a 1998), apresentou que a mortalidade das fêmeas adultas de P. expansa é
praticamente nula naquela área. Sendo apenas preocupantes os índices de caça exercida pela
comunidade ribeirinha que ameaçam a estabilidade daquela população de quelônios, tornando
ineficientes os resultados do Projeto de Conservação coordenado pelo IBAMA que é
desenvolvido naquela localidade.
Hidelbrand et al. (1997) em trabalho realizado no baixo rio Caquetá, na Amazônia
colombiana, registraram que fêmeas adultas de P. expansa durante a desova nas praias, podem
ser predadas por P. onca (onça-pintada).
Goeldi (1906) através de informações coletadas entre indígenas da região amazônica,
afirma que jabutis (Geochelone spp.) são comumente predados por onças.
Os pequenos exemplares de Podocnemis vogli podem ser predados por jacarés
(Caiman crocodilus) e os grandes por crocodilos (Crocodylus intermedius), sucuris (Eunectes
murinus) e onças (Panthera onca) (RAMO 1980 in PRITCHARD & TREBBAU 1984).
Emmons (1989) em coleta de dados realizada na Estação Biológica de Cocha Cashu,
Parque Nacional Manu (Peru) e na região do rio Arataye (Guiana Francesa) apresentou dados
da predação de exemplares de Geochelone denticulata (jabuti), P. unifilis (tracajá) e Platemys
platycephala (cágado) por P. onca. A autora descreve que esses quelônios têm o casco
136
quebrado, geralmente na porção superior da carapaça, por onde o animal retira e consome seu
conteúdo (carne e vísceras).
Segundo Medem (1969) P. unifilis no alto rio Caquetá (Colômbia) possui entre os
diversos inimigos naturais dos ninhos e adultos, as onças (P. onca) que se alimentam com
freqüência das fêmeas nas praias, durante a estação reprodutiva.
P. onca preda alguns grandes mamíferos, freqüentemente através de mordidas no
crânio (SCHALLER & VASCONCELOS 1978).
Todas as fêmeas predadas apresentavam-se viradas sob suas carapaças. A cabeça e
pescoço encontravam-se bem projetados para fora do casco e continham marcas mordidas.
Humboldt (1852) descreve que durante o período de desova, inúmeras fêmeas de P.
expansa são predadas por P. onca, sendo viradas e o seu conteúdo retirado do casco sem
danificação da carapaça.
No rio Javaés, observou-se que quando da predação das fêmeas, o casco (carapaça e
plastrão) podia muitas vezes apresentar marcas de ranhuras, e às vezes, verificava-se a quebra
de partes dos escudos marginais da carapaça e/ou anais e gulares do plastrão, diferentemente
do registrado por Humboldt (1852).
Observações realizadas por Soares (1996) no rio Guaporé, Estado de Rondônia, nos
anos de 1992 e 1993, apresentaram que as fêmeas de P. expansa possuem um comprimento
médio da carapaça de 74,19 cm e peso corporal de 36,73 kg. Estes valores encontrados para o
rio Guaporé assemelham-se aos registrados para o rio Javaés.
Facure & Giaretta (1996) estudando diversos carnívoros na Reserva Florestal da
Companhia Vale do Rio Doce, município de Linhares, Estado do Espírito Santo, onde
determinaram a dieta de P. onca através da análsie da fezes coletadas e identificaram 8 itens
alimentares, dentre os quais duas espécies de quelônios (jabuti - G. denticulata e cágado -
Platemys radiolata). Taber et al. (1997) informam que o jabuti, Geochelone chilensis, faz
parte da dieta de P. onca no Paraguai. Rabinowitz (1986) também observou a presença de
quelônios aquáticos na dieta de P. onca, em Belize, na América Central.
Segundo Emmons (1989) na Estação Biológica de Cocha Cashu, Parque Nacional
Manu (Peru) a estimativa da quantidade diária de alimento requerido por uma exemplar de P.
onca é de aproximadamente 1,4 kg de carne/dia. Dessa forma a autora sugere que um único
137
exemplar de G. denticulata (ao pesarem 5 kg para os machos e 4 kg para as fêmeas), conterão
alimento suficiente para suprir tal demanda.
Se considerarmos que uma única P. expansa pode conter mais de 15 kg de carne e
vísceras, pode-se crer que o esforço empregado na predação dessas fêmeas é extremamente
compensador para P. onca.
A área do Projeto Quelônios da Amazônia no rio Javaés não apresenta moradores e
devido a localização da base física do RAN/ IBAMA não se verifica a presença de turistas e
pescadores nas proximidades dos tabuleiros de desova, de forma que, não há interferência
humana nas noites de postura de P. expansa e conseqüentemente, não há interferência na ação
predatória de P. onca. O que pode então, excluir a hipótese de que a predação e não consumo
das fêmeas de P. expansa possa ser causado por interferência da presença humana, deixando
dessa forma um grande questionamento e um campo vasto para maiores investigações acerca
desse comportamento.
Segundo IBAMA (1989a) o sucesso de eclosão das ninhadas de P. expansa durante os
4 primeiros anos (1985-1988) das atividades de manejo e proteção no rio Javaés alcançaram
média de 93,1% (limites de 87,8% - 94,8%).
O sucesso de eclosão dos ovos removidos das fêmeas predadas e incubados
artificialmente apresentou-se relativamente alto (65,12%), o que justifica a realização de tal
procedimento ao encontrar-se uma fêmea de P. expansa predada antes da desova e não
consumida por P. onca.
Conclusões
Panthera onca é o único predador das fêmeas adultas de Podocnemis expansa nas
praias do rio Javaés.
A predação se dá sempre à noite, quando as fêmeas de P. expansa sobem às praias para
desovar. P. onca preda os exemplares com mordidas na cabeça e pescoço.
Verificou-se uma relação positiva entre o número de desovas por praia e o registro da
predação de fêmeas de P. expansa por P. onca.
Grande parte das fêmeas de P. expansa (45,45%) predadas não são consumidas, sendo
apenas mortas, viradas e abandonadas nas praias.
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Este trabalho só foi possível com o apoio recebido pelo NATURATINS, através de Isac Braz da Cunha, Evandro Dias Ramos, Ivan Martins, Adriana Cavenage e Marcos Aurélio Rodrigues Jorge. O apoio às etapas de campo foi dado pelo RAN/IBAMA, pelo Instituto Ecológica e Earthwatch Institute. Nos gostaríamos de agradecer a Divaldo Rezende, Stephano Merlim, Mariluce Messias e Maria Tereza do Instituto Ecológica e Antônia Lúcia, Yeda Bataus e Selma Cristina do RAN/IBAMA. A coleta de dados somente foi possível com a ajuda dos agentes de praia do RAN/IBAMA, Alfreu, Gonzaga, Luciene, João Noleto, Kennedy e Pompeu, e alunos da Universidade Federal do Tocantins, Eliene, Odimar, Jackson, Fernando, Hugo, Marcos, Adson, Angélica, Glennya, Graciele Leal, Graciele Dalla, Darlei, Thiago, Caroline, Larissa, Bárbara e Shislena. Agradecemos aos professores da Universidade Federal do Tocantins, Paulo Dias Ferreira Júnior e Lilyan Luizaga, da Universidade de São Paulo, Ana Maria de Souza e Érika Schlenz pela ajuda prestada. Agradecemos também aos voluntários do Earthwatch Institute que participaram ativamente da coleta de dados em 2001, 2002 e 2003.
141
Capítulo 6 – Avaliação da importância social em quelônios com ocorrência na bacia do rio
Araguaia.
Resumo
Cada comunidade se relaciona de forma diferenciada com os recursos naturais. Isso se
expressa nas diferentes formas de relação que cada grupo humano estabelece com os animais.
Entre os mais diversamente utilizados estão os quelônios, podendo ser considerados em muitas
partes do mundo os principais recursos alimentares para muitas comunidades, onde
influenciam os valores e costumes. Avaliamos as formas de relações de uso e simbólicas
estabelecidas entre 3 comunidades não-indígenas (citadinos, ribeirinhos, pescadores
profissionais) no baixo Araguaia e entre os indígenas Javaé da aldeia de Canoanã (Ilha do
Bananal) com as 7 espécies de quelônios da bacia do Araguaia, Kinosternon scorpioides
(Kinosternidae), Geochelone carbonaria e Geochelone denticulata (Testudinidae), Phrynops
geoffroanus e Chelus fimbriatus (Chelidae), Podocnemis expansa e Podocnemis unifilis
(Pelomedusidae). Os principais métodos de captura de P. unifilis e P. expansa mostram-se
similares entre os 3 grupos avaliados (ribeirinhos, pescadores profissionais e indígenas Javaé).
A captura de P. unifilis é realizada com o emprego de redes malhadeiras e de P. expansa com
linha e anzol sem fisga. Os jabutis, G. carbonaria e G. denticulata, são capturados com as
próprias mãos em encontros casuais, assim como também, as fêmeas de P. unifilis e P.
expansa são coletadas durante a postura no período reprodutivo, principalmente à noite. Os
indígenas Javaé apenas utilizam como recurso alimentar P. expansa e P. unifilis, enquanto que
os outros 3 grupos (ribeirinhos, pescadores profissionais e citadinos) também incluem em sua
dieta, jabutis (G. carbonaria e G. denticulata). Os indígenas Javaé apresentam uma forte
ligação simbólica com os quelônios (P. expansa, P. unifilis), pois são amplamente empregados
na alimentação e juntamente com Geochelone spp. estão presentes na Festa dos Aruanãs e do
Hetohoky. Esses quelônios são vistos também nos mitos, manufatura de artesanato e no
grafismo das pinturas corporais.
Palavras chave: Quelônios, comunidades, alimentação, simbolismo, rio Araguaia.
142
Abstract
Each community has a unique relationship with the natural resources. This is
manifested in the different relational aspects established between each human group and the
animals. The turtles are among the most diversely used, can be considered in many parts of
world a major food resource to many communities, where they influence the values and
costumes. We investigated the practical and symbolic relationships established among 3
communities (citizens, riverine and professional fishermen) and indigenous tribe of Javaé
Canoanã (Bananal Island) with 7 turtle species of Araguaia basin, Kinosternon scorpioides
(Kinosternidae), Geochelone carbonaria and Geochelone denticulata (Testudinidae),
Phrynops geoffroanus and Chelus fimbriatus (Chelidae), Podocnemis expansa and
Podocnemis unifilis (Pelomedusidae). The major methods to capture turtles (Podocnemis
unifilis and Podocnemis expansa) are similar for the 3 groups studied (riverine, professional
fishermen and indians Javaé). The most common way to capture P. unifilis is using nets, and
to capture P. expansa is the use of line and hook. Tortoises (G. carbonaria e G. denticulata)
are captured using hands in casual encounters, and the females of P. unifilis and P. expansa
are also hand-collected during nesting in reproductive period, mainly at night. The Javaé
indians only use as food resource P. expansa and P. unifilis, while the other 3 groups (riverine,
professional fishermen and citizens) also include tortoises (G. carbonaria and G. denticulata)
in their diets. The natives Javaé present a strong symbolic connection with the turtles (P.
expansa and P. unifilis), because they are used thoroughly as food and together with
Geochelone spp. they are present as spiritual beings (Worysy and Aruanãs) in the festivities of
Aruanãs and Hetohoky. They are also seen in the myths, craft manufacture and in the
espécies podem ser encontradas na região Amazônica (MOLINA & ROCHA 1996).
Infortuitamente, muito pouco é conhecido de sua biologia e comportamento (MOLINA 1999).
As espécies aquáticas e terrestres mencionadas por Molina & Rocha (1996), Iverson
(1992) e RAN/ IBAMA (2004) de ocorrência na bacia Araguaia são as seguintes: Kinosternon
scorpioides (Kinosternidae), Geochelone carbonaria e Geochelone denticulata (Testudinidae),
Phrynops geoffroanus e Chelus fimbriatus (Chelidae), Podocnemis expansa e Podocnemis
unifilis (Pelomedusidae).
Kinosternon scorpioides (muçuã “k”òtonini) é espécie aquática, não ultrapassando 27
cm de comprimento. Habita rios, riachos e lagos, distribuindo-se do sul do Panamá ao norte da
América do Sul, sendo encontrado no Equador e norte do Peru, ao leste nas Guianas e Brasil.
No Brasil, pode ser encontrado nos Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste. O
hábito alimentar é onívoro (VANZOLINI et al. 1980, ERNST & BARBOUR 1989, MOLINA
& ROCHA 1996). Em cativeiro, desova de março a agosto, usualmente no outono, de 1 a 6
ovos são postos em cada ninho. Os ovos são elipsóides pesando de 6,8 a 11,8 g. A incubação
artificial pode durar até 266 dias (ROCHA & MOLINA 1990).
Geochelone carbonaria (jabuti-piranga “k”òtubano) é espécie terrestre, não
ultrapassando 51 cm de comprimento. É encontrada em florestas e cerrados, ocorrendo em
áreas de terras baixas e secas do norte e centro da América do Sul, estendendo-se desde o sul
148
do Panamá, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa, Brasil, Bolívia e
Paraguai até o norte da Argentina. O hábito alimentar é onívoro (PRITCHARD & TREBBAU
1984, MOLINA & ROCHA 1996, FERRI 2002). Apresenta um comportamento de corte
muito elaborado (GUIX et al. 1989). O acasalamento pode ocorrer o ano todo e a nidificação
ocorre principalmente durante a primavera e verão, com tempo de incubação variando de 4 a
10 meses (MOLINA & ROCHA 1996). As fêmeas desovam de 2 a 15 ovos, várias vezes ao
ano (FERRI 2002). Os ovos são alongados com casca rígida (ERNST & BARBOUR 1989).
Geochelone denticulata (jabuti-tinga “k”òtubano) é espécie terrestre, não
ultrapassando 82 cm de comprimento. É encontrada em florestas desde o sul da Venezuela até
o Peru, Bolívia e Brasil. Sua distribuição é descontínua e confunde-se com a de G. carbonaria.
O hábito alimentar é onívoro (ERNST & BARBOUR 1989, FERRI 2002). O acasalamento e
nidificação ocorrem durante todo o ano (MOLINA & ROCHA 1996), desovando de 6 a 7
ninhadas, que contêm cada uma de 4 a 8 ovos alongados, que eclodem após uma incubação de
120 a 150 dias (FERRI 2002). Os ovos são alongados com casca rígida (ERNST &
BARBOUR 1989).
Phrynops geoffroanus (cágado-de-barbicha “k”òtulawari) é espécie aquática, não
ultrapassa 35 cm de comprimento. Seu habitat são os rios, lagoas e riachos (PRITCHARD &
TREBBAU 1984, MOLINA 1990a). É a espécie de quelônio de água doce da América do Sul
com a mais ampla distribuição geográfica, encontrando-se desde a Amazônia Colombiana ao
Sudeste do Brasil, Uruguai e norte da Argentina (SOUZA & ABE 2000). O hábito alimentar é
onívoro, consumindo uma grande variedade de alimentos, de sementes e frutos a peixes e
insetos. Em cativeiro tem hábito de preferência carnívoro (SOUZA & ABE 1999). Sua corte
ocorre de dezembro até meados de abril e a desova ocorre de março à novembro. Os ovos são
quase esféricos e o número em cada postura varia de 7 a 26 ovos. Aparentemente as fêmeas
desovam mais de uma vez por ano, porém não todas desovam todos os anos. A média do
tempo de incubação das ninhadas varia de 149 a 331 dias (MOLINA 1990b, FERRI 2002).
Chelus fimbriatus (matá-matá wemá) é espécie aquática, com comprimento de até 45
cm. É encontrada em riachos e lagos de águas calmas, na parte norte da América do Sul, na
Bolívia, Equador, Peru, Colômbia, Venezuela, Guianas e Brasil. No Brasil sua distribuição
limita-se aos Estados da região Norte (MOLINA & ROCHA 1996, FERRI 2002). A espécie é
carnívora. (DRAJESKE 1982). Seu período de nidificação varia de outubro a dezembro e
149
desova de 12 a 28 ovos em cada ninhada (ERNST & BARBOUR 1989), realizando uma vez
ao ano, utilizando para isso os bancos de areia (FERRI 2002). Os ovos são esféricos, de casca
rígida e áspera. A incubação leva em média 208 dias (PRITCHARD & TREBBAU 1984).
Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia “k”òtoni) é o maior quelônio de água
doce da América do Sul podendo alcançar 107 cm de comprimento da carapaça (SOINI 1997,
ERNST & BARBOUR 1989). É encontrada em rios e lagos (MOLINA & ROCHA 1996),
distribuindo-se pelos rios das bacias do Amazonas e Orinoco, ocorrendo na Colômbia,
Venezuela, Guianas, Equador, Peru, Bolívia e Brasil, chegando a alcançar a região central do
território brasileiro, bacias do rio Araguaia/ Tocantins – Goiás e Mato Grosso (BATAUS
1998, VALENZUELA 2001). É apontada como espécie predominantemente herbívora na
natureza aceitando carne e peixe em cativeiro (ALMEIDA et al. 1986, MALVASIO et al.
2003). Apresenta um comportamento reprodutivo bastante complexo (PRITCHARD &
TREBBAU 1984). Seu período reprodutivo ocorre na vazante dos rios da Amazônia (ALHO
et al. 1979), desovando em grandes grupos (VANZOLINI 2001). O período de nidificação
varia conforme a localidade (MOLINA & ROCHA 1996, VANZOLINI 2003), suas posturas
contêm em média 100 ovos (IBAMA 1989a) de formato esférico e casca flexível
(PRITCHARD & TREBBAU 1984). A incubação dura cerca de 50 dias (ERNST &
BAUBOUR 1989).
Podocnemis unifilis (tracajá “k”òtu) espécie aquática, não ultrapassa 70 cm de
comprimento. Pode ser encontrada em rios e lagos da bacia do Amazonas e Orinoco,
apresentando a maior distribuição geográfica para uma espécie de água doce nessa região,
ocorrendo na Colômbia, Venezuela, Equador, Peru, Bolívia, Guiana, Guiana Francesa,
Suriname e Brasil. No Brasil ocorre em todos os Estados da região norte e em Goiás e Mato
Grosso (PRITCHARD & TREBBAU 1984, MOLINA & ROCHA 1996). É apontada como
espécie predominantemente herbívora na natureza aceitando carne e peixe em cativeiro
(TERAN et al. 1995, PORTAL et al. 2002). Apresenta seu comportamento reprodutivo
bastante semelhante ao de P. expansa (FOOTE 1978, MOLINA 1992). O período de postura
varia amplamente em toda a sua área de distribuição. A fêmea desova solitariamente de 15 a
25 ovos por postura, sendo estes alongados e de casca rígida, com incubação durando de 45 a
90 dias (MEDEM 1964, VANZOLINI 1977, ERNST & BARBOUR 1989, CANTARELLI
1997).
150
Material e Métodos
Esta pesquisa foi realizada em duas localidades, na aldeia de Javaé Canoanã, Parque
Indígena do Araguaia (Ilha do Bananal – Tocantins) e na região do baixo Araguaia,
municípios de Xambioá, Estado do Tocantins e povoado de Santa Cruz, município de São
Geraldo do Araguaia, Estado do Pará (Figuras 1 e 2).
O levantamento de dados na região do baixo Araguaia deu-se no período de 7 dias,
durante os dias 27/11 a 02/12/2003, onde foram enfocados 3 grupos: ribeirinhos do Povoado
Santa Cruz (Pará), pescadores profissionais da colônia de pesca Z-33 e moradores (citadinos)
de Xambioá (Tocantins). A coleta de dados na aldeia Javaé Canoanã deu-se em 2 visitas de 5
dias cada durante os meses de abril e julho/2004.
Nestas 4 comunidades, foram realizadas entrevistas individuais com um total de 120
pessoas, sendo assim divididas: 31 no povoado de Santa Cruz (São Geraldo - Pará), 31 entre
os pescadores da colônia de pescadores Z-33, 33 entre moradores de Xambioá (Tocantins) e
25 entre indígenas na aldeia Javaé Canoanã (Anexo 1). As entrevistas foram realizadas em
visitas às casas dos entrevistados.
Essas entrevistas serviram de base para levantamento dos métodos de captura das
espécies e suas formas de uso e consumo empregadas pelas 4 comunidades. Foi realizada
também uma abordagem dos aspectos simbólicos dos quelônios para a comunidade indígena
Javaé.
151
Rio
Rio
Jav
aés
Ilha do Bananal
Goiás
MatoGrosso
Pará
Ara
guai
a
Parque Nacional do Araguaia
Parque Indígena do Araguaia
N
Rio
zinho
Terra Indígena Inawebohona
11º S
13º S
50º W 49º W
Boto Velho Macaúba
Fontoura
Santa Izabel do Morro
Txuiri
Imotxi
Canoanã
São João
Barrreira BrancaBarra do Rio Verde
Tytema
Mirindiba
JK
Itxalá
Watau
Wari - Wari
Cachoeirinha
Boa Esperança
Txiodé
Axiwé
Figura 1. Localização das aldeias Karajá/ Javaé, Ilha do Bananal - Tocantins.
152
MUNICÍPIO DE PIÇARRA
MUNICÍPIO DE SÃO GERALDO DO ARAGUAIA
MUNICÍPIO DE XAMBIOÁ
MUNICÍPIO DE ANANÁS
MUNICÍPIO DE PALESTINA DO PARÁ
9310
XAMBIOÁ
SÃO GERALDODO ARAGUAIA
PovoadoSanta Cruz
SP
PB
ALPE
CE
PI
MA
GO
MG
RN
SE
RJ
RS
SC
ES
AP
AM
ACRO
RR
MS
MT
BRASIL
N
933076
0
780
9290
PA
TO
PR
AREA DE ESTUDO
ESTADO DO TOCANTINS
ESTADO DO TOCANTINS
ESTADO DO PARA
Remansodos Botos
Ilha de Campo
Santa Isabeldo Araguaia
Figura 2. Localização da área de estudo no baixo Araguaia.
153
Resultados
Dentre os 4 grupos avaliados (citadinos, pescadores profissionais, ribeirinhos e
indígenas Javaé) observou-se que os três últimos grupos praticam a captura desses animais,
sendo o grupo dos citadinos depende, principalmente, dos pescadores profissionais e
ribeirinhos na aquisição ilegal desses animais. Dessa forma, os métodos de captura de
quelônios (espinhel, mergulho, boínha, redes malhadeiras, tarrafas, captura manual e linha e
anzol sem fisga) somente foram observados nos três grupos: pescadores profissionais,
ribeirinhos e indígenas Javaé.
Dentre as 7 espécies de quelônios que ocorrem na bacia do Araguaia, cada uma delas
apresenta uso diferenciado segundo os 4 grupos em questão.
Observou-se que entre os citadinos, ribeirinhos e pescadores profissionais, 4 espécies
de quelônios na região do baixo rio Araguaia são utilizadas na alimentação: P. unifilis, P.
expansa, G. carbonaria, G. denticulata. Onde se consome a carne e ovos de P. expansa e P.
unifilis e, somente a carne dos jabutis (Geochelone spp.). Entre os indígenas Javaé verificou-se
o consumo da carne e ovos de apenas duas espécies, P. expansa e P unifilis, sendo que
também, somente neste grupo, verificou-se o consumo do sangue dessas duas espécies. A
Tabela 1 apresenta o percentual de entrevistados para cada grupo que consome ovos e carne
dessas 4 espécies de quelônios.
Tabela 1 – Freqüência de consumo das espécies de quelônios entre 120 entrevistados de 4
grupos na bacia do Araguaia.
Grupos/ Comunidades Espécies
Citadinos Pescadores Ribeirinhos Índios Javaé*
P. expansa (carne e ovos) 37,5% 39,3% 38,71% 100%
P. unifilis (carne e ovos) 50% 96,78 77,42% 100%
Geochelone spp. (carne) 68,75% 70,94% 70,97% -
* verificou-se também o consumo do sangue.
154
Entre os 4 grupos, o preparo dos quelônios pode ser realizado de duas formas básicas:
posicionando-se o animal diretamente sobre o fogo em fogueira à lenha e carvão, preparada
nas proximidades da residência ou acampamento (Figura 3), ou então, após a retirada da carne
e vísceras do animal, estas são condimentadas e preparadas em ambiente interno à residência,
em fogão à lenha ou à gás. A primeira forma de preparo é mais recorrente entre os ribeirinhos,
pescadores profissionais e indígenas Javaé, e a segunda, entre os citadinos de Xambioá. Há
ainda entre os indígenas Javaé, o preparo de refeições especiais associadas aos rituais místicos,
Festa dos Aruanãs e Hetohoky.
Não se verificou o consumo da carne e dos ovos de exemplares de K. scorpioides, C.
fimbriatus e P. geoffroanus entre as 4 comunidades avaliadas.
Foi registrado o uso da gordura de P. expansa com maior ocorrência entre os indígenas
Javaé (100%), seguidos pelos pescadores profissionais (29,03%), citadinos (18,75%) e em
menor escala entre os ribeirinhos (9,67%). A Tabela 2 mostra o percentual de entrevistados
que faz uso da gordura de P. expansa.
Tabela 2 – Freqüência do uso da gordura de Podocnemis expansa entre 120 entrevistados de 4
grupos na bacia do Araguaia.
Grupos/ Comunidades Espécie
Citadinos Pescadores Ribeirinhos Índios Javaé
P. expansa (gordura) 18,75% 29,03% 9,67% 100%
O uso da gordura de P. expansa é ocorrente entre os 4 grupos, empregada com fins
terapêuticos e medicinais, no tratamento e prevenção de doenças de pele, reumatismo e
problemas respiratórios. Entre os indígenas Javaé verificou-se que é também utilizada
abundantemente na alimentação, além do uso terapêutico.
155
Tabela 3 – Uso dos cascos de quelônios como peça decorativa em residência.
Grupos/ Comunidades Espécies
Citadinos Pescadores Ribeirinhos Índios Javaé
Podocnemis expansa 13 1 1 -
Podocnemis unifilis - 2 - 1
Chelus fimbriatus 1 - - -
Total 14 3 1 1
Os 4 grupos avaliados utilizam cascos de quelônios como adorno nas residências.
Tendo os citadinos apresentado o maior número de cascos, 14 no total, os pescadores
profissionais, 3 cascos, as comunidades dos ribeirinhos e dos indígenas apenas 1 casco cada
(Tabela 3) (Figuras 4 e 5).
As espécies que têm os seus cascos utilizados como adornos são: P. expansa (n=15), P.
unifilis (n=3) e C. fimbriatus (n=1).
Os cascos dos quelônios, em geral, são comercializados ilegalmente aos citadinos pelos
pescadores profissionais, permitindo assim um complemento na renda desse grupo.
Há entre os indígenas Javaé, o emprego de cascos de exemplares filhotes e juvenis de
P. unifilis e P. expansa na manufatura de adornos, principalmente colares e maracás
(instrumento musical). Estes em geral, são comercializados aos visitantes não-indígenas que
periodicamente visitam as aldeias (Figura 6). Manufaturam, ainda, cestas de palha de buriti e
artesanato cerâmico em forma de quelônios.
156
Figura 3. Preparo de Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia) na aldeia Javaé Canoanã
(Ilha do Bananal - Tocantins).
Figura 4. Cascos de Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia) utilizados como adorno em
residência na cidade de Xambioá (Tocantins).
157
Figura 5. Cascos de Podocnemis expansa (tartaruga-da-amazônia) utilizados como adorno em
residência na cidade de Xambioá (Tocantins).
Figura 6. Maracá manufaturado com casco de Podocnemis unifilis (tracajá) na aldeia Javaé
Canoanã (Ilha do Bananal – Tocantins).
158
Registrou-se nos rituais da Festa dos Aruanãs e Hetohoky a presença dos quelônios
através dos mitos, danças, alimentação e grafismos das pinturas corporais. Observou-se ainda
algumas restrições (tabus alimentares) quanto ao consumo de ovos, carne vísceras e gordura
de quelônios (P. expansa e P. unifilis) entre os indígenas Javaé.
Discussão
Métodos de captura dos quelônios
Nos três grupos (pescadores, ribeirinhos e indígenas Javaé), a captura de exemplares de
P. unifilis é feita principalmente com redes malhadeiras, ocorrendo durante quase todo o ano.
Para P. expansa esse método se mostra pouco eficaz, considerando ser uma espécie de maior
porte em relação à P. unifilis. A captura com o uso de redes malhadeiras ocorre quando
integrantes destes 3 grupos deixam suas redes para captura de peixes durante o dia e a noite,
capturando também esses quelônios, conforme também prática observada entre pescadores e
ribeirinhos para a região dos rios Amazonas e Japurá, município de Itacotiara, Estado do
Amazonas (SMITH 1979, TERAN 1999).
A captura com espinhel, boínha e tarrafa é pouco recorrente para P. unifilis e P.
expansa entre os pescadores e ribeirinhos, ocorrendo mais freqüentemente entre os indígenas
Javaé que entre esses dois primeiros grupos. O espinhel é o método mais usado para capturar
quelônios no rio Capanaparo, na Venezuela (THORBJARNARSON et al. 1997).
O mergulho é praticado para a captura de P. unifilis e P. expansa entre os ribeirinhos e
se dá, principalmente, durante a estação seca em pequenos lagos marginais e reentrâncias do
rio. Esse método descrito por Bates (1892) era praticado amplamente pelas comunidades da
Amazônia no século XIX. Polistar (1995, 1997), afirma que essa é a técnica de maior sucesso
empregada na captura de Dermatemys maweii (quelônio aquático) em Belize, América
Central, quando comparada a outros métodos, como o uso do arpão e rede.
O método mais eficaz e mais recorrente para a captura de P. expansa é o emprego de
linha e anzol sem fisga (IBAMA 1989b), e é atualmente utilizado pelos três grupos.
No período da estação seca, nos meses de desova de P. unifilis e P. expansa, as fêmeas
reprodutoras são capturadas à noite nas praias e barrancos do rio Araguaia, tanto por
159
pescadores, ribeirinhos e indígenas. Método bastante antigo, que é praticado em diversas
localidades da Amazônia (BATES 1892, IBAMA 1989b).
Na Reserva Biológica do rio Trombetas, Estado do Pará, é prática comum das
comunidades locais (remanescentes de quilombolas) utilizarem itapuá (arpão), espinhel, redes
malhadeiras ou capturarem diretamente os exemplares de P. unifilis e Podocnemis
sextuberculata (iaçá) que sobem às praias para desovar (HALLER 2002).
Entre os indígenas Javaé, os métodos tradicionais de captura de P. unifilis e P. expansa
com o emprego do arpão e arco e flecha são praticados atualmente apenas esporadicamente,
verificando-se a substituição por outros métodos não-tradicionais (linha e anzol sem fisga e
rede).
Segundo Melatti (1972) diversos grupos indígenas têm modificado suas práticas e
métodos nas atividades de caça, quando do contato interétnico, fato corroborado por Hames
(1979), Saffirio & Scaglion (1982) e Alvard (1995).
Apesar de Geochelone carbonaria e G. denticulata serem itens alimentares bastante
apreciados pelos pescadores e ribeirinhos, a captura destas espécies é ocasional. A captura de
Geochelone spp. está associada a prática de atividades agropastoris entre os ribeirinhos, ou se
dá nas atividades de caça de animais silvestres (principalmente de aves e mamíferos)
praticadas por integrantes dos dois grupos. Segundo Teran (1999) a captura de G. denticulata
é ocasional entre as comunidades ribeirinhas de Itacotiara (Amazonas).
K. scorpioides é capturada em redes de espera e tarrafa, ocasionalmente por pescadores
profissionais e ribeirinhos, e raramente por indígenas Javaé.
Não são empregados esforços na captura de P. geoffroanus e C. fimbriatus, ocorrendo
esporadicamente, quando da prática de atividades de pesca com o uso de linha de mão e anzol,
redes malhadeiras e tarrafa entre os três grupos.
Os exemplares das espécies, K. scorpioides, P. geoffroanus e C. fimbriatus,
geralmente, são descartados imediatamente após a captura, tanto por pescadores profissionais,
quanto por ribeirinhos e indígenas Javaé.
A pesca de quelônios é uma atividade, quase que exclusivamente masculina, entre os
ribeirinhos e indígenas Javaé, enquanto que entre os pescadores profissionais, muitas vezes,
em tal atividade os homens são acompanhados por mulheres (esposas e filhas). Já, a coleta de
Geochelone spp. é realizada por homens e mulheres entre os ribeirinhos, estando relacionada a
160
práticas agropastoris, enquanto que entre os pescadores profissionais, quase que
exclusivamente é praticada somente por homens, por estar fortemente relacionada às práticas
de caça.
Os pescadores e ribeirinhos praticam a pesca em pequeno número de pessoas (duas ou
três) e geralmente com uma só embarcação, enquanto que os indígenas praticam a captura dos
quelônios tanto individualmente, quanto como uma atividade de grupo, o qual pode ser
composto por membros de uma ou mais famílias.
Entre os indígenas Achuar do Equador a captura de quelônios aquáticos (P. expansa e
P. unifilis) é uma atividade masculina, enquanto que a coleta de exemplares de G. denticulata
é praticada por homens e mulheres. Isso se justifica, considerando que há uma maior
dificuldade na captura e contenção dos quelônios aquáticos em relação à captura de espécies
terrestres, ressaltando, especialmente, P. expansa, que pode apresentar-se com grandes
exemplares de maior agilidade, do que os G. denticulata, tidos como animais lentos e
inofensivos (DESCOLA 1986).
Cada uma dessas técnicas supõe séculos de observação ativa e metódica, hipóteses
ousadas e controladas, a fim de rejeitá-las ou confirmá-las através de experiências
incansavelmente repetidas (LÉVI-STRAUSS 1989). Esses métodos e técnicas empregadas na
captura desses animais expressam parte dos conhecimentos e valores adquiridos que são
mantidos e transmitidos dentro dessas comunidades, sendo um aspecto que deve ser bem
compreendido no entendimento das relações que esses grupos estabelecem com esses animais.
Uso e consumo dos quelônios
Ayres & Ayres (1979) realizaram um trabalho junto à comunidade não-indígena de
Dardalenos, município Aripuanuã (Mato Grosso) onde não registraram o consumo de jabutis
(Geochelone sp.) e dentre as duas espécies de quelônios incluídas na dieta local, P. unifilis se
mostra a de maior preferência em relação à Platemys platycephala (lalá).
Entre os indígenas Javaé na Ilha do Bananal, apenas exemplares de P. unifilis e P.
expansa são consumidos, enquanto que para outros 3 grupos não-indígenas (ribeirinhos,
pescadores profissionais e citadinos) há também o consumo de jabutis, G. carbonaria e G.
denticulata. Esses quelônios são juntamente com os peixes, a principal fonte de alimento de
161
origem animal, para os ribeirinhos, pescadores profissionais e indígenas Javaé. Apresentando
também uma importância significativa como recurso alimentar para os citadinos.
Segundo Souza-Mazurek (2000) os indígenas Waimiri Atroari (tronco lingüístico
Karib), habitantes da região central da Amazônia brasileira, consomem diferentes espécies de
quelônios, 2 terrestres (G. denticulata e G. carbonaria) e 3 aquáticas (Rhinoclemmys
punctularia, P. platycephala e Phrynops sp.) sendo que de todos os animais caçados, a espécie
mais freqüentemente coletada é G. denticulata. Fato semelhante foi observado por Pierret &
Dourojeanni (1966) para as comunidades ribeirinhas do rio Pachitea (Peru) que dentre os
animais caçados, encontravam-se duas espécies de quelônios (G. denticulata e Podocnemis
sp.) tendo verificado que G. denticulata era o item mais freqüentemente consumido em
relação aos demais animais caçados.
Jerosolimski (2005) informa que os indígenas Kayapó (tronco lingüístico Macro-Jê),
do Parque Nacional do Xingu (Mato Grosso) capturam e consomem 4 das 6 espécies de
quelônios com ocorrência na área. Sendo 2 espécies aquáticas (P. unifilis e R. punctularia), e
duas espécies de jabuti (G. carbonaria e G. denticulata). Não tendo registrado o consumo de
P. platycephala e K. scorpioides.
Segundo Vogt et al. (2001) as comunidade humanas na Amazônia não têm o hábito de
perseguir para consumo e comercialização os representantes da família Chelidae, a qual estão
incluídos C. fimbriatus e P. geoffroanus.
C. fimbriatus é ocasionalmente capturada sendo de menor importância nas dietas locais
que Podocnemis spp. (SMITH 1979). Esta espécie é a menos consumida na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM), Estado do Amazonas (TERAN 1999).
Pritchard & Trebbau (1984) registraram através de relatos colhidos de missionários, no
alto rio Orinoco (Venezuela), que os índios Guaica não consomem C. frimbriatus, ao contrário
dos índios Macaritari (Makiritare).
No rio Capanaparo (Venezuela) ocorrem 4 espécies de quelônios aquáticos, P.
expansa, P. unifilis, P. vogli e C. fimbriatus. Todas com exceção de C. fimbriatus são
fortemente exploradas para alimentação pelos indígenas Yaruro e pelas comunidades não-
indígenas (THORBJARNARSON et al. 1993).
Os três grupos (ribeirinhos, pescadores e indígenas) durante a estação seca, período de
nidificação de P. unifilis e P. expansa, praticam a coleta de ovos nas praias e barrancos do rio.
162
A coleta de ovos de quelônios pelas populações indígenas e ribeirinhas da Amazônia é
uma atividade periódica importante, que é praticada tradicionalmente desde muitas décadas
atrás e está relacionada ao ciclo reprodutivo dos quelônios (TERAN 1999).
Haller (2002) em trabalho realizado na região da Reserva Biológica do rio Trombetas,
Estado do Pará, informa que as comunidades locais, principalmente as remanescentes de
quilombolas, predam ninhos de P. unifilis e P. sextuberculata durante a estação de desova.
O uso da gordura de P. expansa é recorrente entre os 4 grupos, empregada com fins
terapêuticos e medicinais, no tratamento e prevenção de doenças de pele, reumatismo e
problemas respiratórios. Entre os indígenas Javaé verificou-se que é também utilizada
abundantemente na alimentação, além da terapêutica.
Os primeiros registros da utilização da gordura de P. expansa com fins medicinais,
datam do período colonial (HUMBOLDT 1862) e foram mais recentemente registrados por
Vianna (1973) enfatizando ainda que nas colônias agrícolas às margens do rio Tocantins,
Estado do Pará, o emprego da carapaça de quelônios tendo prescrição específica sob a forma
de chá ou ungüento.
IBAMA (1989a) informa que para as comunidades que vivem nas vizinhanças da
confluência dos rios Amazonas e Tapajós, Estado do Pará, C. fimbriatus é considerado um
remédio para reumatismo. O autor não menciona se o animal é utilizado vivo em algum
tratamento específico, ou se apenas alguma parte ou subproduto do animal é utilizada.
Lourival & Fonseca (1997), em trabalho realizado na sub-região de Nhecolândia, no
Pantanal do Mato Grosso do Sul, aponta que algumas espécies animais são eventualmente
abatidas por ser lhes atribuídas características medicinais. A gordura de Puma concolor (onça-
parda) é usada para cicatrizar ferimentos de animais, a gordura de Euphractus sexcinctus (tatu-
peba), para pisadura de cavalos e a gordura de Eunectes notaeus (sucuri), para bronquite.
Acredita-se ainda que penas de Rhea americana (ema) queimadas, curam dores de ouvido e
que o chá elaborado a partir da garganta do macaco Alouatta caraya (bugio) serve para que
crianças desenvolvam a fala.
Os indígenas Waurá (tronco lingüístico Aruak), no Estado do Mato Grosso, produzem
artesanato cerâmico zoomórfico (em forma de animal) que apresentam características dos
quelônios (RIBEIRO 1988).
163
Vianna (1973) registrou que a carapaça de quelônios é utilizada como peça de
artesanato, no vale do rio Tapajós, Estado do Pará. Soares (2000) afirma que o casco de P.
expansa e P. unifilis pode servir como brinquedo de criança e peça decorativa em Costa
Marques, Estado de Rondônia.
A captura dos quelônios tem como principal objetivo a subsistência e a
comercialização, entre os três grupos (ribeirinhos, pescadores profissionais e indígenas). Entre
os citadinos mostra-se pouco expressiva, apesar deles usualmente adquirirem os quelônios
através da compra ou troca.
Teran (1999) observou que a captura de P. unifilis e P. sextuberculata na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (Amazonas), proporciona principalmente alimento
para consumo dos ribeirinhos e pescadores locais. Entretanto, a captura em grandes
quantidades tem sido sempre com objetivos comerciais.
Ross (1978) em trabalho realizado com os indígenas Achuar e uma comunidade
ribeirinha (mestiços), em região da Amazônia Equatoriana/ Peruana, identificou que dois
grupos incluem quelônios em sua subsistência, tendo averiguado que os quelônios são mais
proeminentes entre os ribeirinhos do que entre os indígenas Achuar. Os autores atribuem a
essa maior freqüência dos quelônios na comunidade dos ribeirinhos ao comércio
desempenhado para suprir o mercado de carne fresca para a população urbana de Iquitos
(Peru).
Ojasti (1967) informa que os métodos empregados na captura de P. expansa no rio
Orinoco (Venezuela), diferenciam-se segundo as intenções dos pescadores. Para consumo
local, empregam na captura dos animais, anzóis e arpão, já para a comercialização empregam-
se redes de arrasto.
As comunidades do baixo Araguaia (pescadores profissionais, ribeirinhos e citadinos)
consomem um maior número de espécies (4 no total) em relação aos indígenas Javaé (2
apenas). Isso pode ser, em parte, explicado pela escassez de exemplares de P. unifilis e P.
expansa na região do baixo Araguaia, em relação às áreas da Ilha do Bananal e seu entorno, o
que força uma maior pressão por exemplares das demais espécies.
Teran (1999) coloca ainda que em diversas localidades na Amazônia, onde as
populações de P. expansa são pequenas, a pressão de caça tem sido mais intensa às outras
espécies de menor porte (P. unifilis, P. sextuberculata, P. erytrocephala e P. dumerilianus).
164
O hábito gregário e as dimensões de P. expansa facilitam a sua captura e a localização
das covas, mas o declínio das populações fez as atenções se voltarem para espécies menores e
não gregárias como P. unifilis e P. sextuberculata em Itacotiara (SMITH 1979) e na Reserva
de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, (TERAN 1999) ambos locais situados no Estado
do Amazonas.
O consumo de P. expansa mostra-se menos ocorrente entre os 3 grupos (citadinos,
ribeirinhos e pescadores profissionais), possivelmente, sendo uma expressão de um histórico
de superexploração, o que forçosamente direcionou o atual consumo para as outras espécies
(P. unifilis, G. carbonaria e G. denticulata).
Aspectos simbólicos relacionados aos quelônios
Os indígenas Karajá/ Javaé apresentam uma estreita relação com os rios Araguaia e
Javaés (braço menor do Araguaia), através da organização e disposição das casas nas aldeias,
que tradicionalmente estão dispostas em 2 ou 3 fileiras de casas paralelas e voltadas para às
margens desses rios e por sua principal atividade econômica e de subsistência, a pesca.
Considera-se ainda que essa relação está simbolicamente fundamentada nos mitos de
origem desse povo e na contínua e permanente relação com os rios Araguaia e Javaés, através
dos ciclos de festividades rituais (TORAL 1992, LIMA 2004).
Os mitos dizem que depois que o herói Kanýxiwè conquistou o Sol, os humanos
mágicos (seres antropomorfos) que viviam no Fundo das Águas do rio Araguaia (Berohoky),
um lugar escuro, resolveram ascender ao nível terrestre em que vivemos e passaram a viver
em sociedade aqui, o que não existia lá embaixo. Alguns não quiseram vir, porque aqui
encontraram a morte. Os que continuaram debaixo da água transformaram-se em Aruanãs,
Latèni ou Worysy, diferentes tipos de seres antropomorfos mágicos que habitam o Fundo das
Águas dos rios Araguaia e Javaés. Desde sua ascensão do Fundo das Águas os indígenas
Karajá/ Javaé mantêm uma constante relação com as três categorias de seres espirituais das
profundezas (Aruanãs, Latèni e Worysy) principalmente, através dos rituais da “Festa dos
Aruanãs” e do “Hetohoky” (PAINKOW et al. 2002, RODRIGUES 1993, 2004).
O ritual de iniciação Hetohoky (casa grande) é feito com o objetivo de levar os
meninos pré-adolescentes ou adolescentes para a casa dos homens e, ao final de tudo, iniciá-
165
los nos segredos dos Aruanãs e transformá-los em Aruanãs propriamente ditos, ou seja, em
dançarinos que "incorporam" os Aruanãs trazidos pelos pajés (hyri). Para isso, o pajé que
conduz o ritual, convida os Worysy do Fundo das Águas do rio Araguaia ou Javaés para
participarem das festividades da Festa dos Aruanãs e do Hetohoky (LIMA FILHO 1994).
A Festa dos Aruanãs é um misto de atividades míticas e alimentares, onde há a
presença de danças rituais, cânticos, brincadeiras e refeições. Os homens dançam, geralmente
em duplas, vestidos com uma indumentária feita à base de palhas e penas tingidas com
jenipapo e urucum. Eles dançam representando diferentes Aruanãs ou Worysy, que possuem
cânticos e ritmos próprios, freqüentemente embalados ao som de maracás (Figura 7). As
mulheres participam realizando a contra-dança dos homens mascarados. Elas dançam
seminuas adornadas com colares e enfeites de algodão, nos braços, nos tornozelos e joelhos,
estando pintadas simetricamente com jenipapo e urucum. Existem diversos tipos de grafismos
empregados nas pinturas corporais, dentre os quais aqueles que imitam a forma dos escudos
do casco de quelônios (Geochelone spp.), nomeados em língua nativa “k”òtubanobròriti
(pintura do jabuti) utilizados, principalmente, por mulheres e crianças apesar de não existirem
restrições quanto ao seu uso pelos homens (Figuras 8 e 9).
Durante o ritual do Hetohoky existem várias brincadeiras que são realizadas para
integrar a comunidade e transmitir, principalmente, às crianças e jovens a importância de
vários conceitos e conhecimentos ligados ao uso dos recursos naturais e à organização social
do grupo. Entre as brincadeiras realizadas, há uma que representa o apreço que esse grupo
indígena possui pelos quelônios. Ela é denominada de alesi“k”òtu (brincadeira do tracajá).
Essa brincadeira é realizada da seguinte forma: um jovem indígena que tem na cabeça
uma cabaça pintada de amarelo com os mesmos traçados característicos dos exemplares
jovens de P. unifilis e as costas cobertas por palha de buriti (assemelhando-se ao casco do
animal), sai correndo pela aldeia, sendo perseguido por um outro indígena que representa a
Panthera onca (onça-pintada), um dos predadores dessa espécie. Quando a P. onca está quase
alcançando o P. unifilis para predá-lo, uma terceira personagem aparece em cena; um indígena
caçador munido de um arco e flecha, que atira uma flecha contra a onça, matando-a e salvando
o P. unifilis. No final de tudo, a aldeia toda comemora o livramento do P. unifilis com muita
euforia e entusiasmo.
166
Os Worysy são seres antropomorfos mágicos que imitam o comportamento de animais
e de outras entidades, como os Latèni, parentes dos Aruanãs. A imitação dos animais é
considerada entretenimento dos Worysy durante o ciclo de festividades, o mesmo que eles
fazem em suas aldeias subaquáticas. Assim, cada dançarino (homem) “incorpora" um Worosy,
imitando o comportamento de um animal específico. Entre eles está o “K”òtu Worosy, (tracajá
Worysy), ou seja, o ser antropomorfo mágico do Fundo das Águas que imita o tracajá (P.
unifilis).
Lima Filho (1994) registrou entre o subgrupo Karajá da aldeia de Santa Isabel do
Morro, situada às margens do rio Araguaia (Ilha do Bananal), que durante o ritual do
Hetohoky, há um Worysy que imita o comportamento dos jabutis (Geochelone spp.), sendo
nomeado de Õtubona uni, que pode ser entendido como jabuti Worysy ou espírito do jabuti.
Segundo Toral (1992) a presença dos quelônios se dá também em um dos grafismos
presente nas máscaras rituais que é associado a P. unifilis (“k”òtuni). A representação do
desenho na máscara está presente porque o quelônio é utilizado como travesseiro pelos Latèni
no mundo subaquático. O que acabou por imprimir seu desenho na máscara dele.
Os Worysy são os convidados especiais do pajé e eles, assim como os Aruanãs, vêm a
esta dimensão terrestre porque eles gostam também de comer as comidas dos seres humanos e
conhecer lugares diferentes. Dentre os pratos que devem ser servidos aos Worysy e Aruanãs,
estão os preparados à base de quelônios.
Os Worysy e Aruanãs estão relacionados às fontes tradicionais de alimento. Dessa
forma, acompanham os homens nas grandes pescarias de quelônios que são realizadas para
suprir a demanda de alimento exigido durante os rituais. Eles estão presentes, propiciando
bons resultados nas pescarias e em retribuição recebem o alimento durante as festividades.
Semelhante aspecto pode ser observado entre os Achuar do Equador, que para caçar
eficazmente, devem manter relações amigáveis com os animais que serão caçados e com os
espíritos tutelares da caça (Kuntiniu nukuri) (DESCOLA 1986).
O sucesso em tais pescarias de quelônios é indispensável, pois esses animais são tidos
como os alimentos tradicionais e mais desejados nas festividades da Festa dos Aruanãs e do
Hetohoky.
Considerando os pratos preparados à base de quelônios e servidos aos Worysy e
Aruanãs temos: o halubu, o bororò e o bereti.
167
O halubu é o preparo do sangue de quelônios (P. expansa e P. unifilis) cozido com
água, que se dá, geralmente, após a sangria do animal com um corte na região inferior do
pescoço.
O preparo do bereti e do bororó é feito de forma mais elaborada do que o halubu e são
seqüenciais um ao outro.
Após o sacrifício do animal, separa-se o plastrão da carapaça através da quebra dos
escudos marginais que unem essas duas partes, e seguem-se 4 passos para o preparo do bereti:
(1) o plastrão é retirado, juntamente com a carne a ele adjacente, (2) posiciona-se o plastrão
com sua parte externa sobre o fogo e brasas, (3) a carne retirada é picada e condimentada
sobre o plastrão e (4) a carne assada é servida no próprio plastrão, às vezes acrescendo-se
farinha de mandioca.
Para o preparo do bororò, utiliza-se a carapaça com seu conteúdo (carne e vísceras),
seguindo-se 5 passos: (1) retirada e armazenamento da gordura, (2) retirada da carne e vísceras
para limpeza, (3) posicionamento da carapaça sobre o fogo e brasas, às vezes, a carapaça é
revestida em sua parte externa por uma camada de barro, tornando-a mais resistente à ação do
fogo, (4) retorno da carne e vísceras à carapaça para serem assadas e (5) a carne e vísceras são
servidas na própria carapaça, às vezes, acompanhadas de farinha de mandioca ou com a
gordura do animal e mandioca e/ou batata cozidas.
Os exemplares de P. expansa são classificados com as mesmas classes de idade e
gênero dos seres humanos, tais como ijadoma (moça), senadu (velha), weryrybò (rapaz) ou
matukari (velho), pois os Javaé sabem identificar simbolicamente a idade desses animais.
Segundo Medem (1969) os indígenas Coreguajé, que habitam as proximidades do rio
Caquetá, na Venezuela, fazem uma categorização dos filhotes de P. expansa, diferenciando-os
em machos e fêmeas. Possivelmente, tal classificação possa estar relacionada não somente a
aspectos da biologia desses animais, mas sim, tendo também uma vertente simbólica, a
exemplo dos indígenas Javaé.
O preparo do bereti e do bororò é recomendado, principalmente, quando se captura um
exemplar fêmea de P. expansa, da categoria senadu (velha). Já o preparo do halubu pode dar-
se com o sangue de qualquer exemplar de P. expansa e P. unifilis, das diferentes categorias de
idade e gênero.
168
Apesar da atividade de preparo dos alimentos ser caracterizada como um papel
feminino, considerando o preparo dos quelônios, não há distinção de gênero entre os Javaé,
sendo possível que homens e mulheres se envolvam em tal atividade.
Verificou-se entre os indígenas Javaé há um tabu alimentar com relação ao consumo de
quelônios. Às mulheres durante os períodos da menstruação e de gestação, assim como aos
pais de um recém-nascido, não é recomendado o consumo de alimento de origem animal,
incluindo a carne, vísceras, gordura, sangue e ovos de quelônios (P. expansa e P. unifilis),
sendo adequado apenas o consumo de outros alimentos, tais como, batata, cará, banana,
farinha de mandioca, mel e calugi (prato doce típico dos Javaé, feito de macaúba, milho ou
arroz). Não sendo aconselhável também, o consumo alimentos, principalmente de origem
animal, antes e logo após as relações sexuais.
Donahue (1982) registrou entre os indígenas Karajá que o nascimento de filhos gêmeos
está relacionado à quebra do tabu alimentar, da mulher que durante a gestação consome ovos
de quelônios.
Para os indígenas Kaapor do Maranhão (tronco lingüístico Tupi Guarani), durante a
gestação e por um período de até seis meses após o nascimento da criança, somente é
permitido aos pais o consumo da carne de jabutis (Geochelone spp.), sendo que qualquer outra
carne animal durante esse período não pode ser consumida. O mesmo também é recomendado
para a mulher durante a menarca que deve restringir sua dieta aos quelônios (BALEE 1985).
Um grande número de exemplares de G. carbonaria e G. denticulata são coletados e
vendidos nos centros urbanos na Venezuela, no período que antecede os feriados da Semana
Santa, quando só é permitido aos devotos católicos o consumo de carne de peixe. Os cristãos
católicos na Venezuela consideram esses quelônios como “peixe”, consumindo amplamente
tais animais (PRITCHARD & TREBBAU 1984, KLEMENS & THORBJARNARSON 1995).
As relações estabelecidas entre as comunidades (citadinos, ribeirinhos, pescadores
profissionais e indígenas Javaé) e os quelônios com ocorrência na bacia do rio Araguaia
precisam ser profundamente entendidas e tais comunidades devem ser envolvidas nas
iniciativas conservacionistas.
169
Figura 7. Dança dos Aruanãs. Foto: CIMI- TO.
Figura 8. Tipos de grafismo chamado “k”òtubanobròriti (pintura do jabuti), utilizado na
pintura corporal de mulheres, durante a Festa dos Aruanãs.
170
Figura 9. Grafismo “k”òtubanobròriti, utilizado durante a Festa dos Aruanãs.
Considerações finais
Os principais métodos de captura dos quelônios (Podocnemis unifilis e Podocnemis
expansa) mostram-se similares entre os 3 grupos avaliados (ribeirinhos, pescadores
profissionais e indígenas Javaé). Sendo a forma mais ocorrente de captura de P. unifilis, o
emprego de redes malhadeiras, e para P. expansa o uso de linha e anzol sem fisga. Os jabutis
(G. carbonaria e G. denticulata) são capturados com as próprias mãos, eventualmente em
encontros casuais, assim como também, as fêmeas de P. unifilis e P. expansa são coletadas
durante a postura no período reprodutivo, principalmente à noite.
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Os indígenas Javaé apenas utilizam como recurso alimentar P. expansa e P. unifilis,
enquanto que os outros 3 grupos (ribeirinhos, pescadores profissionais e citadinos) também
incluem em sua dieta, jabutis (G. carbonaria e G. denticulata).
Entre os citadinos as espécies mais consumidas são os jabutis (G. carbonaria e G.
denticulata) enquanto que entre os ribeirinhos e pescadores profissionais, P. unifilis apresenta-
se como o item principal na dieta.
O consumo dos quelônios por parte dos citadinos mostra-se dependente,
principalmente, da aquisição dos ribeirinhos e pescadores profissionais.
Não se verificou o consumo da carne e dos ovos de C. fimbriatus, K. scorpioides e P.
geoffroanus.
O uso da gordura de P. expansa com fins medicinais e terapêuticos é freqüente entre os
3 grupos (citadinos, ribeirinhos e pescadores profissionais), sendo também utilizada entre os
indígenas com essas finalidades, mas também, amplamente empregada na alimentação.
Verificou-se o emprego como adorno dos cascos de P. expansa, P. unifilis e C.
fimbriatus. O uso de cascos em residências ocorre nos 4 grupos avaliados, sendo mais
ocorrente entre os citadinos, que adquirem os cascos, principalmente, dos pescadores
profissionais. Entre os indígenas Javaé, os cascos são também empregados na manufatura de
artesanato (colares e maracás).
Os indígenas Javaé apresentam uma forte ligação simbólica com os quelônios (P.
expansa, P. unifilis), pois são amplamente empregados na alimentação e juntamente com
Geochelone spp. estão presentes através dos seres espirituais (Worysy e Aruanãs) nas
festividades da Festa dos Aruanãs e do Hetohoky. São vistos também nos mitos, manufatura
de artesanato e no grafismo das pinturas corporais.
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Este trabalho só foi possível com o apoio recebido pelo NATURATINS, através de Isac Braz da Cunha e Marcos Aurélio Rodrigues Jorge. O apoio às etapas de campo foi dado pela Escola de Canoanã da Fundação Bradesco, a CONJABA e a FUNAI. Nós gostaríamos de agradecer a Ricardo Rehder, Osvaldo e Lucrécio Filho da Fundação Bradesco, Euclides Dias e Maria Djane da FUNAI e Darci Javaé da CONJABA. A coleta de dados somente foi possível com a ajuda dos alunos da Universidade Federal do Tocantins, William Giovani Franklim e Marcos Clodoaldo Morais Garcia. Agradecemos ao cacique Terambi Javaé e Suará Javaé da aldeia Canoanã e a Miguel e José Albino da Colônia de Pescadores Z-33 de Xambioá e as professoras da Universidade de São Paulo, Ana Maria de Souza e Érika Schlenz pela ajuda prestada. Agradecemos também ao apoio recebido pelo CIMI-TO, através de Domingos Rodrigues Maciel e Clarice Duarte da Silva.
178
Capítulo 7 – Discussão geral
Muitas espécies de quelônios em diversas partes do mundo apresentam uma
importância alimentar e econômica, onde seus ovos, carne, vísceras, gordura e casco são
utilizados intensamente pelas populações locais (MITTERMEIR 1978, KLEMENS &
THORBJARNARSON 1995, PEZZUTI 1998, FERRI 2002, MALVASIO & SALERA Jr.
2004).
No Brasil, a exploração dos quelônios amazônicos data do período colonial, tendo sido
documentada com os relatos dos naturalistas que viajaram pelo rio Amazonas e seus afluentes
descrevendo densidades extraordinárias de ninhos e o emprego maciço de ovos na produção
comercial de óleo (BATES 1892, PEREIRA 1954, ALFINITO 1973). Paralelamente a essa
intensa exploração, diversas iniciativas governamentais foram tomadas para racionalizar o uso
desses animais.
Coutinho (1868) afirma que as primeiras medidas de proteção dos quelônios datam do
período imperial, mas os resultados funestos não contribuíram, naquela época, para uma
redução da exploração das populações na grande maioria dos locais de sua distribuição.
Em meados da primeira metade do século XX foi promulgado o Código de Caça e
Pesca (aprovado pelo Decreto n° 23.672, de 2 de janeiro de 1934), para proteção dos recursos
faunísticos e pesqueiros, o qual fazia restrições ao seu uso e captura. Mas pouco efeito teve
para proteção dos quelônios na Amazônia (PEREIRA 1954).
Como a utilização dos quelônios havia tomado proporções de comércio potencial e
lucrativo ao longo dos séculos, a ponto de algumas espécies correrem risco de extinção.
Medidas mais severas visando a conservação e redução da atividade predatória foram
oficializadas através da Lei nº 5.197/67 (BRASIL 1967), que dispõe sobre a proteção da fauna,
proibindo a livre captura e utilização de animais silvestres, se não provenientes de criadouros
registrados, respaldando legalmente o trabalho de proteção dos quelônios (LUZ 2001).
Nos dias atuais, os ovos e animais adultos ainda constituem fonte de proteínas para as
populações ribeirinhas e a coleta indiscriminada de ovos se mostra como um dos maiores
empecilhos para a conservação dessas populações (PEZZUTI 1998).
179
A despeito de imposições e restrições legais, atualmente os hábitos de captura e
utilização desses animais, em muitas localidades no Brasil apresentam-se ativos e intensos.
Alho (1985) informa que na região da Amazônia a caça predatória de Podocnemis
expansa é mais do que uma simples maneira de se obter alimento de origem animal: é um
modo de vida e faz parte da cultura das comunidades locais. O autor enfatiza que, para reduzir
a apanha ilegal dos quelônios amazônicos é necessário o conhecimento sobre a ecologia das
espécies, a fim de se estabelecer estratégias eficazes de conservação e manejo.
Diversos autores (IBAMA 1989a, 1989b, ZANZINI 2000, ZANZINI & VAN DEN
BERG 2000) enfatizam que a conservação de recursos faunísticos não se deve limitar apenas à
implementação de ações fiscalizatórias com intuito de reprimir e coibir a predação excessiva
de animais e degradação de seus habitats.
Pough et al. (2001) complementam ainda que a eficácia de iniciativas
conservacionistas depende, principalmente do envolvimento das comunidades locais. Para
tanto, deve-se não só conhecer a biologia básica do animal, mas ir muito além, entender as
percepções e valores culturais dessas comunidades. Quando a espécie é perseguida e morta por
ser temida, ou quando ela é superexplorada por ser valorizada, essas relações devem ser
entendidas e inseridas nos programas conservacionistas.
Outro aspecto extremamente relevante, além dos investimentos em pesquisas básicas e
avançadas para melhor conhecimento da biologia desses animais e no estabelecimento de
programas conservacionistas, deve-se também envolver a comunidade local em tais
iniciativas, e dá-las um incentivo econômico para a preservação do habitat e de sua flora e
fauna (ERNST & BARBOUR 1989, POUGH et al. 2001).
Os quelônios, Podocnemis expansa e Podocnemis unifilis, apresentam uma relação
com o ciclo hidrológico dos rios em suas áreas de ocorrência (ALHO et al. 1979, ALHO &
PÁDUA 1982, IBAMA 1989a, NASCIMENTO 2002). Diversos autores têm alertado que
construções e empreendimentos modificando o ciclo hidrológico natural das bacias
hidrográficas podem causar problemas para a reprodução dos quelônios pela interferência na
sincronia entre a vazão, desova e eclosão (SMITH 1979a, TUCKER et al. 1997, FERREIRA
Jr. 2003).
Segundo Gibbons & Tinkle (1969) há uma necessidade de ampliar as informações
acerca de fatores que afetam taxas de crescimento, tamanho dos animais e aspectos
180
reprodutivos nas diferentes populações de quelônios. Pritchard & Trebbau (1984) afirmam que
os conhecimentos sobre as populações de quelônios na Amazônia são escassos.
Para que as ações de projetos e programas conservacionistas tenham sucesso, deve-se
antes, conhecer profundamente os aspectos básicos sobre a biologia dos organismos
envolvidos (POUGH et al. 1993).
A conservação das espécies de quelônios amazônicos é importante não somente para a
preservação da biodiversidade, mas também para que se garanta a manutenção de item
alimentar importante para as comunidades locais (VOGT 1994).
Segundo Weisrock & Janzen (2000) as características do habitat e do ambiente das
covas estão ligadas e têm conseqüências no desenvolvimento dos embriões e filhotes.
Durante a incubação das ninhadas de quelônios, o ambiente hídrico e termal das covas
pode ser influenciado por vários fatores ambientais e ecológicos, dentre eles a profundidade da
cova (BURGER 1976, WILHOFT et al. 1983), posicionamento da cova e cobertura vegetal
(VOGT & BULL 1984) e data da desova (MROSOVSKY et al. 1984).
Diversos autores apontam que os projetos de manejo de quelônios que envolvem o
transplante de ovos devem considerar as particularidades do local de origem e dos locais de
transferência. Devendo buscar, sempre que possível, locais de transferência com
características sedimentológicas similares ao local de origem dos ninhos (YNTEMA &
P. expansa e P. unifilis apresentam índices diferenciados de ocorrências de
irregularidades no padrão de escutelação do casco. Sendo P. expansa uma espécie mais
suscetível à ocorrência de tais anormalidades. A presença dessas irregularidades e suas
possíveis implicações na vida desses animais devem ser entendidas, pois anualmente milhares
de filhotes são manejados pelo RAN/ IBAMA (Centro de Conservação e Manejo de Répteis e
Anfíbios) e devolvidos aos rios ou destinados aos criatórios conservacionistas e comerciais.
Os aspectos, profundidade e posicionamento da cova, assim como o tempo de
incubação, o número de ovos por ninho e o tipo de casca dos ovos, que são diferentes entre as
duas espécies, podem estar relacionados com a diversa incidência de tais anormalidades.
181
P. expansa e P. unifilis são importantes componentes nos ambientes onde ocorrem,
estando presentes na dieta de inúmeros grupos dos animais vertebrados. Dentre os quais,
anuros, lagartos, jacarés, aves, peixes, e mamíferos (IBAMA 1989b).
Alho (1985) ressalta que, embora as espécies de quelônios amazônicos tenham um alto
potencial reprodutivo, uma grande proporção de seus filhotes sem o manejo adequado é
consumida por predadores, principalmente peixes.
A maior ameaça natural sobre as populações de P. expansa é a perda de ovos e filhotes
pela predação (IVERSON 1991, ROZE 1964), que no rio Javaés se dá principalmente por aves
e peixes carnívoros.
As diferenças existentes entre as espécies, P. expansa e P. unifilis, tais como porte do
animal e tipo de ninho, estão diretamente relacionados com a predação de ninhos e fêmeas em
postura.
Os ninhos de P. unifilis estão mais sujeitos á predação por serem menos profundos dos
que os de P. expansa. Assim como, as fêmeas de P. unifilis, por terem um menor porte, estão
mais vulneráveis a um maior número de predadores do que as fêmeas de P. expansa.
Semelhantemente ao que ocorre com P. unifilis, várias espécies de quelônios de
pequeno porte, que desovam em covas rasas, têm na predação de ninhos os maiores índices de
perda natural (BURGER 1976, PLUMMER 1976, TINKLE et al. 1981).
Considerando os métodos de captura em quelônios existem registros diversos que
descrevem em inúmeras partes da Amazônia o emprego de diferentes estratégias empregadas
na coleta desses animais, terrestres e aquáticos. Podemos citar, o emprego de arpão (itapuá ou
sararaca), arco e flecha, espinhel (anzóis presos por uma linha fina em uma mais grossa,
contendo palmito, massa de mucajá ou algum outro tipo de fruto como isca), boínha (anzol
preso a uma linha curta com uma bóia) redes, tarrafas, linha de mão e anzol sem fisga,
mergulho e captura direta dos animais (BATES 1892, PEREIRA 1954, VALLE et al. 1973,
SMITH 1979b, IBAMA 1989b, SANTOS 1985, 1994).
Na bacia do Araguaia, observa-se uma homogeneização dos métodos de captura dos
quelônios aquáticos (principalmente P. expansa e P. unifilis) que são empregados pelas
diferentes comunidades. Sendo mais recorrentes o emprego de linha de mão e anzol sem fisga,
espinhel e redes malhadeiras.
182
Atualmente, entre os indígenas Javaé, os métodos tradicionais (arpão e arco e flecha)
são empregados apenas esporadicamente.
É mais fácil e recorrente entre as comunidades, a troca de métodos e técnicas que
envolvam a aceitação de novas práticas e tecnologias, do que a troca de valores simbólicos.
(DAMATTA 1987).
A preferência pela captura de quelônios, entre os indígenas Javaé, através do emprego
de linha de mão e anzol sem fisga, espinhel e redes malhadeiras, em substituição aos métodos
tradicionais (arpão e arco e flecha), mostra-se como pouco preocupante, considerando que se
trata de uma inovação de caráter técnico. Enquanto que a não captura e conseqüente ausência
dos quelônios nas práticas rituais, pode ser comprometedora, na medida que esses animais são
um elemento imprescindível em tais práticas, e que sua utilização pode garantir, através da
possibilidade de perpetuação das festividades rituais, a manutenção do sistema social e
simbólico Javaé.
Na Amazônia, as práticas de utilização dos quelônios para fins alimentares ou como
matéria prima para utensílios domésticos foi adotada pelos índios já no período pré-colonial,
foram seguidas pelos diversos colonizadores e atualmente continuam sendo empregadas por
inúmeras comunidades tradicionais, ribeirinhas e indígenas (SMITH 1974, MITTERMEIER
1975, JOHNS 1987, IBAMA 1989a).
A principal Lei Federal de proteção dos recursos naturais, a Lei de Crimes Ambientais,
Lei nº 9.605/98 (MPE/TO 2001) legitima a utilização dos recursos faunísticos com fins de
subsistência, assim como também, dá subsídios à punição daqueles que desmedidamente
fazem uso inadequado dos animais e seus subprodutos, e incentiva a minimização e reparação
dos danos causados.
Os quelônios são, juntamente com os peixes, o recurso alimentar mais importante e
abundante, para as comunidades tradicionais e indígenas localizadas na bacia do Araguaia,
complementando, muitas vezes, a dieta deficiente em alimentos de origem animal.
A conservação das populações de quelônios se mostra necessária, pois além de garantir
a subsistência das comunidades tradicionais como fonte alternativa de alimento, contribui
também na manutenção dos valores simbólicos, práticas e rituais dos indígenas Javaé.
A riqueza simbólica dos quelônios estende-se às diferentes culturas e diversas
comunidades em todas as partes do globo onde esses animais singulares ocorrem.
183
Existe uma gama enorme de associações simbólicas que os diferentes agrupamentos
humanos fazem dos quelônios. Ao considerarem sua robustez corpórea, claramente expressa
na firmeza das patas e rigidez do casco, associam-nos aos alicerces do mundo e do cosmos. As
formas, cores e disposição dos escudos do casco são interpretadas, das mais diferentes
maneiras, unindo essas criaturas às divindades e ao mundo sobrenatural (LEXIKON 1990).
Sua presença estende-se às artes, mitologias, literatura e folclore em diversas partes do
globo, estando fortemente marcada na cultura dos povos da Amazônia (VIANNA 1973,
CHEVALIER & GHEERBRANT 1999).
Isso fica claro quando verificamos a presença que as espécies P. expansa, P. unifilis,
Geochelone carbonaria e Geochelone denticulata apresentam entre os indígenas Javaé, na
bacia do Araguaia.
A simbologia dos quelônios entre esses povos indígenas apresenta-se com destaque ao
considerarmos sua presença nos principais rituais míticos (Festa dos Aruanãs e Hetohoky),
onde se manifestam em diversos aspectos: nas danças, pinturas corporais e na alimentação.
Os quelônios ao apresentarem-se como um grupo diversificado de espécies com
inúmeros caracteres singulares, distribuindo-se amplamente, ocorrendo nos principais biomas
temperados e tropicais e nas águas oceânicas em quase todo o globo, influenciando e estando
presente no simbolismo, nas artes e nos mais diferentes aspectos sócio-culturais de diversas
comunidades em todo o mundo, deixam claro que sua conservação não se limita apenas a
preservação de um recurso faunístico, mas, implica na manutenção da sociobiodiversidade
global.
7.4 Referências bibliográficas
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188
Capítulo 8 – Conclusões
No rio Javaés, a estação reprodutiva de P. expansa e P. unifilis ocorre nos períodos de
menor vazão, sendo que para P. unifilis vai de julho a setembro, com a maior concentração de
desovas ocorrendo em agosto e para P. expansa se estende de agosto a outubro, com maior
concentração em setembro.
A duração média da incubação de P. unifilis em 5 estações reprodutivas no rio Javaés
foi de 79,63 ± 7,64 dias (limites de 63–93) e para P. expansa de 55,81 ± 3,12 dias (limites de
45–66).
O número médio de ovos/ cova para P. unifilis foi de 13,71 ± 3,78 (limites de 5–30) e
para P. expansa 106,83 ± 22,35 (limites de 35–166). A massa da ninhada apresentou valores
de 327,4g ± 337,2 (limites de 163,6–668,2) em P. unifilis e 4176,8g ± 1033 (limites de
1781,2-6401,4) em P. expansa.
Os ovos de P. unifilis medem em média (4,43 ± 1,31) cm de comprimento, (3,08 ±
0,73) cm de largura e (26,04 ± 4,23) g de massa. Os ovos de P. expansa medem em média
(4,23 ± 2,33) cm de comprimento, (3,92 ± 1,75) cm de largura e (39,02 ± 4,31) g de massa.
Em P. expansa a média de ovos de óleo/cova foi de 1,62 ± 7,75 (limites de 0–15). Os
ovos de óleo medem em média (4,98 ± 2,17) cm de comprimento, (4,42 ± 2,01) cm de largura
e (54,8 ± 31,7) g de massa.
P. expansa se apresenta como uma espécie mais suscetível à ocorrência de
anormalidades no casco em relação a P. unifilis. Sendo que dos 14378 filhotes avaliados
(13,32%) apresentavam irregularidades no padrão de escutelação enquanto que dos 1329
filhotes de P. unifilis apenas (4,44%).
Em P. expansa, os defeitos ocorreram quase que em sua totalidade na carapaça
(98,64%) e em menor número (83,05%) em P. unifilis.
Dos 7 defeitos registrados com repetições, 5 deles localizavam-se na região posterior
da carapaça e 2 apenas na porção anterior do plastrão. Todos os demais ocorreram sem
repetições, principalmente envolvendo escudos vertebrais e costais.
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Do total anual de desovas de P. unifilis em média 65,98% são predadas, sendo 41,68%
de forma total e 24,30% parcialmente. Enquanto que apenas 5,31% das ninhadas de P.
expansa são apenas parcialmente predadas.
Nas praias do rio Javaés, os predadores dos ovos e filhotes de P. unifilis e P. expansa