Avaliação do caráter transdisciplinar na educação ambiental em trilhas em unidades de conservação: análise do “Protocolo Trilha dos Ecossistemas”, Parque CienTec-USP. Autor: Rodrigo Romeo Orientador: Flávio Berchez Departamento de Botânica Instituto de Biociências 2014
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Avaliação do caráter transdisciplinar na
educação ambiental em trilhas
em unidades de conservação: análise do
“Protocolo Trilha dos Ecossistemas”,
Parque CienTec-USP.
Autor: Rodrigo Romeo
Orientador: Flávio Berchez
Departamento de Botânica
Instituto de Biociências
2014
RESUMO
O projeto Trilha dos Ecossistemas, implementado no parque CienTec – USP,
visa a criação de um protocolo modelo de educação ambiental em trilhas,
conceitualmente embasado, que possa ser aplicado em outras unidades de
conservação, especificamente voltado para grupos de alunos de escola
pública, de forma a permitir uma integração interdisciplinar de conteúdos e
conceitos dentro da unidade escolar, complementando o ensino formal. O
presente projeto de pesquisa tem como objetivo avaliar o caráter
transdisciplinar do protocolo utilizando o conceito de transdisciplinaridade
proposto por Max-Neef (2005) como base. Através de análises do conteúdo
abordado no protocolo durante apresentações feitas por monitores treinados do
parque CienTec, foi verificado se o mesmo aborda os diferentes temas e
habilidades aplicados em sala de aula, comparando o conteúdo presente no
protocolo com a Proposta Curricular do Estado de São Paulo para o ensino
fundamental II e o ensino médio, seguido da avaliação da transdiciplinaridade,
observando-se a transversalidade de temas e a formação de redes envolvendo
simultaneamente vários conceitos e disciplinas. A partir da análise dos
resultados, foi discutido se o protocolo se encaixa no modelo de atividade
Inter/transdisciplinar proposto por diferentes autores que discutem estratégias
atuais de educação, focadas na formação de indivíduos preparados para
lidarem com a complexidade dos problemas globais atuais.
INTRODUÇÃO
Os Parques Urbanos são espaços verdes localizados em áreas de uso público,
com o intuito de propiciar recreação e lazer aos seus visitantes. Em sua
maioria, oferecem também serviços culturais, como museus, casas de
espetáculo e centros culturais e educativos. Também estão frequentemente
ligados a atividades esportivas, com suas quadras, campos, ciclovias, etc. O
Parque CienTec é um órgão vinculado à Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da
Universidade de São Paulo, mas simultaneamente, se constitui em uma área
de preservação tendo, por força da lei, obrigações relacionadas a conservação
do meio ambiente e a prática da educação ambiental. (SNUC, 2000)
O conceito de parque urbano mais usual é o que serve para usufruto dos
cidadãos, ou seja, o objetivo central é oferecer opções de lazer à população. O
Parque Cientec, como parte do Parque Estadual Fontes do Ipiranga, promove
além de pesquisas acadêmicas, divulgação da Ciência e Tecnologia, a
educação para a preservação da natureza, como ocorre nos parques de
preservação - denominados Unidades de Conservação. Em outras palavras,
propicia o contato direto com paisagens verdes, fauna e flora, que faz com que
cidadãos dos grandes centros urbanos estabeleçam uma relação de respeito
ao meio ambiente, possibilitando o desenvolvimento um processo crítico de
consciência, no sentido de entender que “fazer parte e ser parte integrante do
meio”, ou seja, desenvolve o sentimento de pertencimento e a co-
responsabilização (JACOBI, 2005). O sentido de “estar colaborando para
preservação do meio”, que, por si só, não significa promover transformação
(CARVALHO, 2012), se amplia para a responsabilidade cidadã da gestão dos
espaços urbanos.
As iniciativas de educação ambiental em áreas protegidas e as pesquisas
sobre a gestão compartilhada dos recursos naturais cresceram de forma
considerável no Brasil nos últimos anos. A gestão pública passa a ser o lugar
onde o conhecimento, as habilidades, atitudes e os valores são construídos
pela educação com intenção clara de intervir na realidade para transformá-la
em favor dos interesses coletivos e comuns de todo cidadão.
A Educação Ambiental promove o (re)pensar de conceitos e a construção de
novos conhecimentos e valores capazes de contribuir para a transformação de
práticas, para o desenvolvimento de novas competências, visando a mediação
de conflitos e na solução/tomada de decisão sobre problemas socioambientais
por meio de processos de co-aprendizagem e participação.
A Educação Ambiental tem, nesse sentido, o objetivo promover uma educação
emancipatória no processo de gestão dos recursos naturais, visando subsidiar
a participação dos diferentes grupos sociais para a intervenção nos espaços da
gestão pública. Como salienta Jacobi (2005), um dos caminhos possíveis para
alterar o quadro atual de degradação socioambiental é promover o crescimento
da consciência ambiental, expandindo a possibilidade da população participar
do processo decisório, como uma forma de fortalecer sua corresponsabilidade
na fiscalização e no controle dos agentes de degradação ambiental.
O desenvolvimento de ações de EA efetivas depende de seu correto
embasamento conceitual e da aplicação de técnicas adequadas à situação e à
idade dos participantes. A educação ambiental (EA) no Brasil e no mundo está
baseada nos conceitos sintetizados no Tratado de Educação Ambiental para
Sociedades Sustentáveis, elaborado durante e Rio-92 (BERCHEZ ET et al.,
2007; BRASIL, 2000). Por esse documento, fica evidente o caráter
transformador e de emancipação dessas ações, visando em última instância
uma mudança de paradigmas e a construção de uma sociedade cujos valores
estejam ligados a conservação do meio ambiente e a uma melhor qualidade de
vida (La TROBE & ACCOTT, 2000).
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, 2000) estabelece
que os Parques Estaduais devem aliar a conservação ambiental ao uso
público, minimizando ao máximo os impactos para conservar a UC, assim
como garantindo a qualidade da experiência do visitante, apesar da ocorrência
de impactos negativos em áreas naturais ser consequência inevitável do uso
(MAGRO, 2001). Em uma parcela significativa dos parques, o ecoturismo é a
principal forma de uso público, sendo alicerçado na educação ambiental
(COSTA; COSTA, 2005) e podendo trazer inúmeras vantagens a essas UCs
(BERCHEZ et al., 2007).
Protocolo “Trilha dos Ecossistemas”
O projeto Trilha dos Ecossistemas (BERCHEZ, em elaboração) visa a criação
de um protocolo modelo de educação ambiental em trilhas, destinado ao
público de Ensino Fundamental II e Médio, que possa ser aplicado em outras
unidades de conservação, de forma a permitir uma integração interdisciplinar
de conteúdos e conceitos dentro da unidade escolar, sendo assim, pode ser
considerado uma atividade que aborda conteúdos da educação formal em
ambiente não formal.
O protocolo se destina a educação ambiental relacionada ao ecossistema de
Mata Atlântica, contextualizando-o em relação aos ecossistemas ou ambientes
que o cercam, tentando mostrar ao visitante o quão complexas e dinâmicas são
as redes que compõem o espaço local. A atividade pode ser realizada por um
monitor (trilha guiada), e se divide em estações abordando temas específicos.
São elas:
1- Alongamento, Aquecimento e Sensibilização
Preparação física antes da atividade, visto que se consiste em uma caminhada.
O monitor orienta a turma em uma sequência de alongamentos e
aquecimentos, seguidos de uma atividade de sensibilização e relaxamento,
onde o foco é aguçar os sentidos antes de se entrar na trilha. O monitor propõe
que os participantes fechem os olhos e, em silêncio, foquem nos diversos
estímulos do ambiente ao redor durante alguns segundos.
2- Segurança e Mínimo Impacto
Além de instruções sobre procedimentos básicos de segurança ao se praticar
atividade de caminhada em trilha, o monitor reitera aos envolvidos que a
atividade está sendo aplicada em uma Unidade de Conservação, o que implica
que todos estão sobre normas de legislação e políticas ambientais.
3- Bosques em Miniatura
Atividade em que se utiliza uma lupa para se observar partes de seres vivos ou
seres inteiros em uma escala menor, pouco observáveis a olho nu. Introduz a
questão da escala em processos de funcionamento, destacando que o que
ocorre nas escalas menores (ou maiores) também está influenciado as escalas
intermediárias. Aborda também o conceito de lupa e seu funcionamento físico,
concentrando os raios luminosos.
4- Geografia, Rotas e Mapas
Introduz princípios e conceitos físicos relacionados ao funcionamento da
bússola e bases conceituais relacionadas à utilização de mapas (escala e
orientação magnética).
5- Patrimônio Histórico
Apresenta o contexto histórico-social da região em questão, no caso, o Parque
Estadual das Fontes do Ipiranga (PEFI), onde se localiza o ParqueCien-Tec,
relacionando-o a marcos arquitetônicos, como edifícios ou ruínas; ou
geográficos, como rios, elementos da paisagem e locais impactados.
6- Geologia e Patrimônio Geológico
Apresenta o patrimônio geológico do local em questão, suas características e
importâncias, falando sobre origem geológica do local e a constituição química
das rochas e do solo.
7- Ecossistemas e Ecologia
Aborda conceitos de ecologia ao longo do percurso, destacando processos que
envolvem ciclos biogeoquímicos (C,O,N), através da fotossíntese,
decomposição (fungos) e ciclo da água, relacionando-os com alguns dos
problemas atuais de destaque, como poluição, combustíveis fósseis e efeito
estufa. Destaca relações entre seres vivos e fatores abióticos do ambiente.
O percurso passa por uma região em recuperação, na qual recentemente
sofreu uma queimada. Neste momento abordam-se conceitos de sucessão
ecológica. Em um momento no qual se pode ver um trecho urbano do bairro,
discute-se o conceito de ecossistema e se o ambiente urbano se enquadra
nesse conceito.
8- Mudanças Climáticas Globais
Na última estação da atividade, ocorre uma conversa entre alunos e monitor na
qual se introduz o conceito de Mudanças Climáticas Globais e suas possíveis
causas. O monitor busca sempre resgatar exemplos de problemas da
atualidade envolvendo mudanças climáticas nos quais os alunos se inserem,
para que assim possam desenvolver um senso crítico a respeito do assunto e
se questionarem sobre seus papéis no problema em questão. Momento de
diálogo e reflexão entre os envolvidos na atividade.
Em última análise, o protocolo tem como principal obetivo a elaboração de uma
atividade educacional numa abordagem Transdisciplinar, integrando diferentes
disciplinas e conteúdos que se coordenam para proporcionar um conhecimento
mais crítico sobre a questão ambiental por parte dos participantes.
O conceito de Transdisciplinaridade varia ligeiramente entre alguns autores, no
entanto, para o presente trabalho, foi utilizado como base conceitual o artigo de
Max-Neef (2005) no qual o autor apresenta uma definição completa e clara do
termo, passando através dos conceitos de disciplinaridade, até
interdisciplinaridade nos seus níveis hierárquicos: pragmático, normativo e
valores. Quando um conhecimento coordena diferentes disciplinas em todos os
níveis interdisciplinares até atingir questões relacionadas à ética e aos valores,
tal conhecimento se insere no aspecto transdisciplinar (MAX-NEEF, 2005)
(Figura 1)
Espera-se que o protocolo Trilha dos Ecossistemas se enquadre no perfil
Transdisciplinar de acordo com Max-Neef (2005), conferindo todos os níveis de
Interdisciplinaridade descritos acima, no entanto, o objetivo geral do projeto é
avaliar o caráter Transdisciplinar do protocolo, sendo os objetivos específicos:
verificar aspecto pluri e multidisciplinar.
verificar aspecto interdisciplinar nos diferentes níveis: pragmático,
normativo e valores.
MÉTODOS
O protocolo Trilha dos Ecossistemas passou por uma análise teórica de seus
conteúdos, relacionando-os às disciplinas abordadas em sala de aula. Para tal,
utilizou-se como base para a análise, a Proposta Curricular do Estado de São
Paulo, no qual se inserem todas as disciplinas e conteúdos que, por lei, são
abordados durante o ano letivo, da quinta série do ensino fundamental, ao
terceiro colegial no ensino médio.
Figura 1: Transdisciplinaridade. Na base estão as disciplinas empíricas, se referem ao o que
existe ou o que temos à disposição. O segundo nível, interdisciplinar pragmático, são as
disciplinas que colocam em prática os conhecimentos das disciplinas empíricas. Respondem a
pergunta o que somos capazes de fazer? Um nível acima, se encontram as disciplinas
normativas, que respondem a pergunta como fazer? O último nível, dos valores, nos responde
porque fazer?
Para avaliação do aspecto pluri e multidisciplinar do protocolo, foi necessário
identificar quais seriam as disciplinas empíricas que formariam a base de todo
o conhecimento aplicado durante as estações, ou seja, seria necessário avaliar
quais os conhecimentos que os alunos teriam como base para a prática da
atividade. Para tanto, cada uma das estações foram organizadas em tabelas
nas quais incluiam-se as disciplinas que estão sendo abordadas com seus
respectivos conteúdos aplicados durante a estação. Os conteúdos de cada
disciplina foi retirado diretamente da Proposta Curricular, na qual determina,
para cada bimestre, os conteúdos que serão abordados durante o ano letivo.
A partir desses resultados, foi montada uma tabela final relacionando todas as
estações com as disciplinas da Proposta Curricular, verificando assim quais as
disciplinas do ensino formal que estão sendo abordadas no protocolo e em
quais estações elas se inserem.
Para avaliação do caráter interdisciplinar do protocolo, foi necessário identificar
as disciplinas envolvidas na atividade em cada um dos níveis hierárquicos.
Após determinar as disciplinas empíricas que compõem a base da atividade,
definindo o aspecto multidisciplinar, verificou-se a integração entre algumas
dessas disciplinas, estabelecendo o aspecto pluridisciplinar do protocolo.
Max
– N
eef
(20
05
)
O primeiro nível de interdisciplinaridade foi verificado através da análise de
disciplinas abordadas que colocam em prática os conhecimentos empíricos da
base, definindo, no entanto, o nível Pragmático.
Para estabelecer o nível interdisciplinar Normativo, foi preciso verificar se a
atividade aborda conceitos relacionados a implementação de leis e políticas
dentro da temática ambiental proposta pelo protocolo.
O ultimo nível, dos Valores, foi verificado através da análise dos conteúdos da
atividade que se relacionam à temática dos valores e da ética dentro do
contexto ambiental e educacional que se insere o protocolo.
As disciplinas foram organizadas em forma de pirâmide semelhante a proposta
por Max- Neef (2005), verificando a partir desses resultados, se o protocolo se
encaixa no perfil Transdisciplinar esperado.
RESULTADOS
Ao se fazer a análise dos conteúdos da Proposta Curricular, foi possível
verificar em detalhes todos os conteúdos abordados em cada bimestre, para
cada uma das disciplinas da quinta série do ensino fundamental ao terceiro ano
do ensino médio. Esses resultados foram organizados em tabelas para cada
uma das estações do protocolo.
1- ALONGAMENTO, AQUECIMENTO E SENSIBILIZAÇÃO:
Tabela 1: Conteúdos de ciências, biologia, física e ed. física abordados na estação
DISCIPLINAS CONTEÚDOS ABORDADOS
Ciências Músculos, ossos e movimento do corpo; saúde; estímulos
e órgãos dos 5 sentidos
Biologia Aspectos da biologia humana
Física Som: fontes, características físicas e elementos do
sistema auditivo humano
Ed. Física Exercícios físicos, saúde, bem estar e meditação
2- SEGURANÇA E MÍNIMO IMPACTO:
DISCIPLINAS CONTEÚDOS ABORDADOS
Cièncias Tipos de ambiente e especificidade: caracterização,
localização geográfica, biodiversidade, proteção e
conservação dos ecossistemas brasileiros.
Geografia O patrimônio ambiental e a sua conservação: Políticas
ambientais no Brasil, O sistema nacional das unidades de
conservação (SNUC)
Tabela 2: Conteúdos de ciências e geografia abordados na estação 2.
3- BOSQUES EM MINIATURA:
DISCIPLINAS CONTEÚDOS ABORDADOS
Ciências Distâncias e tamanhos em escala; o olho humano e a
propagação da luz
Biologia Sistemas biológicos em diferentes escalas
Física Efeitos de lentes e ampliação da visão: lupas
Tabela 2: Conteúdos de ciências, biologia e física abordados na estação 2.
4- GEOGRAFIA, ROTAS E MAPAS:
Tabela 3: Conteúdos de ciências, geografia, física e matemática abordados na estação 3.