6 • SUMÁRIO 6 • CAPÍTULO 4 – Trabalho e mudanças sociais 89 O trabalhador e o trabalho 90 O sentido do trabalho 91 Organização do trabalho no século XX 95 Trabalhador: a chave dos sistemas flexíveis de produção? 100 Novo perfil do trabalhador 102 O trabalho é central na vida em sociedade contemporânea? 105 O trabalho em crise 105 Os sindicatos e seus desafios na atualidade 107 O labirinto do mercado de trabalho 110 Desigualdades no mercado de trabalho: questões de gênero e étnico-raciais 112 Diálogos interdisciplinares 115 Revisar e sistematizar 116 Descubra mais 117 Bibliografia 117 CAPÍTULO 5 – A cultura e suas transformações 119 Comunicação e cultura 120 O que é cultura? 122 Cultura e civilização 124 O relativismo cultural 126 Nós e os outros 127 Diversidade cultural na sociedade brasileira 132 As dinâmicas culturais 136 Mudanças culturais na sociedade global 137 Indústria cultural e práticas sociais 140 A cultura que se mundializa 142 Diálogos interdisciplinares 145 Revisar e sistematizar 146 Descubra mais 146 Bibliografia 147 CAPÍTULO 6 – Sociedade e religião 149 A religião como instituição social 150 A religião na visão dos autores clássicos da Sociologia 153 Auguste Comte 153 Émile Durkheim 154 Max Weber 154 Karl Marx 155 A religião em tempos de globalização 156 Fundamentalismo religioso 159 Desfazendo mitos 160 Conflitos religiosos no mundo 161 A religiosidade no Brasil 164 Diálogos interdisciplinares 167 Revisar e sistematizar 168 Descubra mais 168 Bibliografia 169
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aultura e suas transformações 119 - policiamilitar.mg.gov.br · Descubra mais 117 Bibliogrfi 117 Capítulo 5 – aultura e suas transformações 119 Comunicação e cultura 120
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6 • SUMÁRIO6 •
Capítulo 4 – trabalho e mudanças sociais 89O trabalhador e o trabalho 90
O sentido do trabalho 91
Organização do trabalho no século XX 95
Trabalhador: a chave dos sistemas flexíveis de produção? 100
Novo perfil do trabalhador 102
O trabalho é central na vida em sociedade contemporânea? 105O trabalho em crise 105
Os sindicatos e seus desafios na atualidade 107
O labirinto do mercado de trabalho 110Desigualdades no mercado de trabalho: questões de gênero e étnico-raciais 112
Diálogos interdisciplinares 115
Revisar e sistematizar 116
Descubra mais 117
Bibliografia 117
Capítulo 5 – a cultura e suas transformações 119Comunicação e cultura 120
O que é cultura? 122Cultura e civilização 124O relativismo cultural 126
Nós e os outros 127
Diversidade cultural na sociedade brasileira 132As dinâmicas culturais 136
Mudanças culturais na sociedade global 137
Indústria cultural e práticas sociais 140
A cultura que se mundializa 142
Diálogos interdisciplinares 145
Revisar e sistematizar 146
Descubra mais 146
Bibliografia 147
Capítulo 6 – Sociedade e religião 149A religião como instituição social 150
A religião na visão dos autores clássicos da Sociologia 153Auguste Comte 153Émile Durkheim 154Max Weber 154Karl Marx 155
Capitão de indústria. In: OS PARALAMAS do Sucesso.
9 Luas. EMI, 1996. 1 CD.
A letra dessa música nos alerta para o fato de o trabalho poder criar um conflito entre o ser, o ter e o fazer. Muitas dessas questões decorrem de pro-blemas históricos da formação do país e do sistema capitalista. Outras medi-das, mais recentes, como o estabelecimento de metas diárias e prêmios por produtividade, aperfeiçoam os métodos de controle sobre o trabalhador que, intensif icando sua atividade, aumenta a produtividade das empresas; ou seja, em menor tempo e com menos recursos, cresce a produção.
Por estar intensamente integrado ao trabalho, o trabalhador tende a dei-xar de lado aspectos importantes de sua vida, como sugere a música: “Eu não tenho tempo de ter / O tempo livre de ser”. Essa sobrecarga de trabalho não leva em conta as necessidades do indivíduo e de sua família.
Considere-se, por exemplo, as empregadas e os empregados domésticos que pernoitam em seus locais de trabalho, distanciando-se de seus familia-res; ou, ainda, os caminhoneiros que f icam mais de 24 horas sem dormir para cumprir os prazos das entregas e garantir a rentabilidade das empresas que os contratam, pondo em risco suas próprias vidas e as de outros.
Hoje em dia, principalmente nas metrópoles, além de cumprirem a jor-nada normal de trabalho, muitos trabalhadores carregam o notebook (ou uti-lizam o computador pessoal) para terminar tarefas em casa. Os contatos por e-mail ou telefone celular também os mantêm conectados à empresa. O re-frão da música revela essa imposição da rotina de trabalho que interfere nas outras atividades: “Eu acordo pra trabalhar / Eu durmo pra trabalhar / Eu corro pra trabalhar”.
A letra da música remete também às incertezas que rondam o trabalha-dor, seu trabalho e sua vida: “É quando eu me encontro perdido / Nas coisas que eu criei”. As condições de trabalho reduzem o espaço da criati-vidade, do livre pensar, do aperfeiçoamento, e parecem impedir o traba-lhador de viver plenamente. Elas podem levar a um trabalho alienado, aquele em que o trabalhador não se reconhece no produto do seu traba-lho nem consegue apreender o processo de produção como um todo. Ele não se vê como semelhante a outros trabalhadores e não se identif ica com eles. A teoria da alienação, desenvolvida originalmente por Karl Marx, nos
Nos anos 1960 e 1970, ocorreram importantes mudanças no âmbito do trabalho. Para adaptarem-se às oscilações do mercado, as empresas implan-taram um conjunto de inovações tecnológicas (derivadas da informática e da robótica) e organizacionais que alteraram a maneira de gerir o trabalho.
A introdução de máquinas, equipamentos, programas, processos e novas formas de administrar os empregados levou à diminuição geral dos custos, a um maior controle sobre os trabalhadores e à redução de mão de obra utili-zada – correspondendo ao que se convencionou chamar produção enxuta. Nesse modelo de produção, de origem japonesa, também denominado toyotismo, o processo de trabalho é fl exibilizado: a mão de obra é multifun-cional, ou seja, deve se adequar a diferentes funções; há controle visual da produção, com a supervisão de todas as etapas, buscando a qualidade do produto f inal; e a produção é estabelecida segundo a demanda e a necessi-dade de produtos personalizados. Inaugura-se um tempo de grande fl exibi-lidade não apenas na produção, mas também nas relações sociais e do traba-lho, nas bases econômicas e geográf icas.
Essa reorganização da produção, baseada na inovação de equipamentos, na fl exibilidade de tempo e de mão de obra, na redução do custo e no con-trole da qualidade, é denominada reestruturação produtiva. Desenvolvida nos países centrais nas décadas de 1970 e 1980, ela chegou ao Brasil com intensidade nos anos 1990, período marcado por ajustes políticos e sociais nas relações de trabalho. É importante conhecer as alterações que aconte-cem nas relações de trabalho, uma vez que essas se compõem de um conjun-to de leis e normas sociais que regulam a compra e a venda da força de tra-balho e também os confl itos que delas resultam.
A maneira de produzir transitou da rigidez das formas de organização taylorista-fordistas, nas quais cada homem detinha um posto de
trabalho e uma máquina, para a fl exibilização na produção, no trabalho e nos mercados. Isso não signif ica que a pro-
dução fordista tenha desaparecido. Essas formas de produção coexistem e, muitas vezes, em uma mesma
empresa, combinam-se elementos do fordismo, do taylorismo e de sistemas fl exíveis de produção.
Presente na indústria e nos serviços, a pro-dução fl exível acontece por encomenda, uti-
liza técnicas que produzem mais em menos tempo e com menor número de traba-
lha dores, diferenciando-se da produ -ção fordista, que é baseada na pro-
du ção em massa e com altos níveis de estoque. Algumas dessas mu-
danças podem ser vistas noquadro a seguir, em que são comparadas as principais ca-racterísticas dos dois sistemas de produção, em países de ca-pitalismo avançado.
Terceirização é o recurso mediante o qual uma empresa (em geral, de grande porte) transfere a res-ponsabilidade de serviços ou de atividades produti-vas para uma empresa “terceira”. Essas atividades po-dem ser feitas no interior da empresa contratante ou fora dela.
Em geral, as terceirizadas assumem funções auxi-liares nas empresas contratantes, como limpeza, segu-rança, cozinha, transporte, ou fornecem componentes prontos (por exemplo, fornecendo peças para uma indústria automotiva). Porém, muitas vezes há a ter-ceirização da atividade-fim, ou seja, a atividade funda-mental da empresa contratante. É o que acontece, co-mo exemplifica o sociólogo brasileiro Sandro Ruduit Garcia, quando uma empresa prestadora de serviços
de telecomunicações transfere para outras empresas as tarefas de instalação de terminais telefônicos.
Reflexo da pressão, cada vez maior no capitalismo contemporâneo, pela redução de gastos e aumento de lucros, a terceirização contribui para a precarização das condições de trabalho e de salários. Em alguns ca-sos, as terceirizadas oferecem salários abaixo da média a seus funcionários, a fim de se mostrarem competiti-vas e serem contratadas. Em outros, para dar contor-nos de legalidade ao trabalho de indivíduos sem regis-tro, as contratantes exigem que o trabalhador abra uma empresa, a qual teria seus serviços contratados. Nesses casos, além de ficar desprovido dos direitos trabalhistas, o trabalhador precisa arcar com as despe-sas de manutenção de uma empresa.
A legislação trabalhista brasileira assegura uma série de direitos: carteira de trabalho assinada, exames médicos de admissão e demissão, repouso se-manal remunerado, salário pago até o quinto dia útil do mês, licença-mater-nidade, aviso prévio de trinta dias (em caso de demissão), seguro-desempre-go e outros. Porém, devido à pressão das empresas, nas últimas décadas do século XX, os governos do Brasil e de outros países criaram medidas para adequar o trabalho à produção flexível, alterando, para isso, os direitos do trabalhador. Sob influência do neoliberalismo, de crises econômicas e do índice de desemprego, os setores empresariais passaram a acusar o Estado de “excesso de proteção ao trabalhador”, tomando isso como obstáculo para novos negócios.
As políticas de trabalho neoliberais adotadas traduziram-se numa série de leis e medidas favoráveis à flexibilização dos contratos de trabalho, dando maior liberdade às empresas para determinar as condições de contratação, de remuneração, de utilização e mesmo de demissão da mão de obra do trabalha-dor. Esse processo atingiu os trabalhado-res brasileiros de maneira contundente, principalmente nos anos 1990.
Como consequência da flexibilização das relações de trabalho, diminuiu a prote-ção social do trabalhador e aumentaram a instabilidade e a insegurança no mercado de trabalho, com alterações na previdên-cia social, no auxílio-saúde e em outros be-nefícios. Alguns direitos trabalhistas previs-tos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – como 13º- salário, descanso sema-nal remunerado, férias, salário-família e outros – se mantêm regulados pelo Estado.
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A carteira de trabalho é o documento em que fica registrado o contrato formal de trabalho no Brasil. Foto de 2010.
A Justiça do Trabalho continua a regular e a f iscalizar as relações de traba-
lho, embora certos direitos consagrados já sejam negociados entre empre-
gado e empregador, como é o caso da jornada de trabalho, da hora extra
e dos salários. Exemplos de fl exibilização são a modalidade de contratação
por prazo determinado e a adoção do sistema de compensação de horas
extras por meio de uma lei de 1998, que permite que as horas trabalhadas
fora do expediente sejam computadas em um banco de horas, para poste-
rior compensação.
Horas extras e banco de horas
Pela CLT, as horas trabalhadas além de oito horas diárias são caracterizadas como horas extras. Nessa condição, está previsto o pagamento de 50% a mais
do valor normal da hora-trabalho de segunda-feira a sábado e, aos domingos ou feriados, o acréscimo pas-sa a 100%. Para evitar esse pagamento adicional, as
empresas computam essas horas a mais para serem compensadas na forma de folgas, nos momentos de queda da produção. É um modo de estender a jornada de trabalho quando cresce a demanda e de diminuí-la em épocas de pouco movimento, expondo os trabalha-dores às chamadas forças do mercado.
Novo perfil do trabalhador
Na atualidade, além de realizar as tarefas que lhe cabem diretamente,
muitos trabalhadores se ocupam com a manutenção dos equipamentos
que usam para trabalhar, observam as metas estabelecidas pela empresa,
assumindo o compromisso de concretizá-las, cooperam com os colegas
da equipe e também são corresponsáveis pela qualidade f inal do produ-
to, cujo controle se inicia já na concepção do processo de produção. Pa-
ra atender a esses requisitos, valoriza-se um novo perf il de trabalhador,
escolarizado e com conhecimento tecnológico. São-lhe cobradas habili-
dades como trabalhar bem em equipe, adaptar-se facilmente às mudan-
ças, ser criativo, mostrar empenho e iniciativa para resolver imprevistos,
além de acompanhar as mudanças na produção de bens e na prestação
de serviços.
Nesse contexto, as exigências das empresas quanto à formação dos prof is-
sionais aumentaram e a preferência recai, em sua maioria, sobre prof issio-
nais com conhecimentos de informática e domínio de língua estrangeira.
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Direitos trabalhistas que eram garantidos aos trabalhadores há muito tempo hoje não são mais tão certos, como podemos observar na charge de Bruno Galvão, de 2008.
Para alguns trabalhos é exigida formação superior. A busca de qualif ica-ção e de formação permanentes é até incentivada pelas empresas que, estra-tegicamente, selecionam os trabalhadores com mais credenciais, ainda que o cargo ou função não necessite disso. Algumas formas de as empresas pes-quisarem sobre jovens talentos para prof issões de nível universitário é a sele-ção deles na condição de estagiários e a contratação de trainees, prof issionais formados que passam por “aprendizado em serviço”, concorrendo com os efetivos em busca de vagas.
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Na imagem, jovens de Belo Horizonte, Minas Gerais, em aula de informática, em 2011. Nos dias de hoje, os trabalhadores precisam se capacitar constantemente para conseguir (e manter) um posto razoável no mercado de trabalho formal.
Com o objetivo de aumentar a produção, as empresas adotam progra-mas, como sistemas de controle de qualidade, sistemas de melhoria contí-nua e treinamentos comportamentais, que favorecem o trabalho em equipe e o atingimento de metas corporativas. Durante esses programas e treina-mentos os trabalhadores dão sugestões, testam suas habilidades e realizam projetos. Essas modernas técnicas de gestão do trabalho convocam o traba-lhador a aderir às estratégias mercadológicas da empresa e a assumir suas tarefas como uma missão.
Na prática, isso faz com que os trabalhadores precisem desempenhar várias tarefas: o bancário, por exemplo, que antes era operador de caixa, agora também vende seguros, títulos e produtos f inanceiros, sendo exigidos dele, para tanto, habilidades de venda, capacidade de gerenciamento, com-preensão do mercado f inanceiro e aptidão para oferecer atendimento per-sonalizado, além do cumprimento de metas.
Charge de Bruno Galvão retratando a multifuncionalidade exigida dos trabalhadores nos dias atuais. Charge de 2010.
O trabalho é central na vida em sociedade contemporânea?
As mudanças no mundo do trabalho nas últimas décadas levaram cientis-tas sociais europeus a questionar se o trabalho ainda detinha uma posição central na organização da vida social. Para alguns, como o alemão Jürgen Habermas, conceitos como trabalho e capital tinham perdido espaço para ou-tros como informação e conhecimento. Habermas considera que é o plano do sim-bólico (propiciado pela comunicação) que organiza a vida social na contem-poraneidade, enquanto o trabalho garantiria apenas a subsistência.
Essa posição foi rejeitada por autores como o sociólogo brasileiro Ricar-do Antunes (1953-). Para ele, o trabalho ainda é essencial para a organiza-ção da sociedade, pois continua sendo responsável pela produção tanto de riquezas (apropriadas pelos capitalistas) quanto de sentido simbólico (para os trabalhadores).
As transformações decorrentes das novas tecnologias também levaram pensadores a questionar o futuro do trabalho material. Autores como os italianos Antonio Negri (1933-) e Maurizio Lazzarato (1955-) e o norte-ame-ricano Michael Hardt (1960-) acreditam que as características dos sistemas flexíveis de produção permitem a libertação do trabalho material. Para eles, nas formas flexíveis o trabalhador, sem a incumbência de tarefas mecânicas do fordismo-taylorismo, pode intervir diretamente no processo de trabalho e recuperar sua autonomia.
o trabalho é um dos principais fatores estruturantes das relações sociais, e
compartilha essa condição com outras dimensões da vida, como o consumo
e o lazer.
Vale destacar, porém, as duas principais críticas a essa visão. A primeira, feita por pensadores marxistas, é a de que o trabalhador flexível é ainda mais explorado e gera uma mais-valia ainda maior para o capitalista. A se-gunda é a de que nem mesmo nos países do capitalismo central, como os Estados Unidos, o Japão e os da Europa Ocidental, o trabalho material está perto de desaparecer – vide setores como a construção civil.
hh O trabalho em crise
É fato que a sociedade contemporânea continua se estruturando, em boa medida, pelo trabalho organizado socialmente. O desenvolvimento de moder-nas tecnologias de automação, comunicação e de informática reduziu o uso do trabalho humano, mas não o substituiu. Em alguns casos, por sinal, gerou a necessidade de novas funções assalariadas, como nas áreas de tecnologia da informação, informática e serviços. Continuamos a ser uma sociedade produ-tora de mercadorias, bens e serviços que são trocados continuamente.
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Acima, charge de Jean sobre a crise mundial e o desemprego.
Outras distinções e desequilíbrios no mercado de trabalho se baseiam em fatores étnico-raciais. A escravização de africanos e descendentes até o f inal do século XIX e as dif iculdades de integração social e econômica im-postas aos libertos, após a abolição, demarcaram uma herança histórica de desigualdades. Associou-se a cor da pele à condição de escravos e a determi-nadas funções. Dessa forma, a discriminação social foi reforçada, embora seja veiculada uma imagem do Brasil como uma democracia racial. A forma velada de racismo dif iculta seu combate e impede a meta de participação igualitária desse segmento no mercado de trabalho. A temática das desigual-dades é trabalhada com mais detalhes no capítulo 1.
Mecanismos de discriminação étnico-racial no país se revelam na dinâmica
do mercado de trabalho.
A população negra está mais sujeita ao desemprego, permanece mais tempo em busca de trabalho e costuma ocupar postos de menor prestígio e remuneração e na base da hierarquia das empresas. Pesquisas indicam que, quando estão empregados, os afrodescendentes ganham menos que os tra-balhadores brancos, mesmo quando têm idêntica formação, e também são maioria no setor informal.
Pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioe-conômicos (Dieese) realizada em 2010 mostra que a população negra brasi-leira tem uma trajetória desfavorável para se manter ou ascender no empre-go, quando comparada com a dos não negros no trabalho principal, nas principais Regiões Metropolitanas. Aproximadas, as taxas de desemprego por cor, entre 2007 e 2010, indicam um maior número de desempregados negros. Em função da pobreza de parte dessas famílias, a entrada dos jovens no mercado de trabalho costuma ser precoce, dif icultando a conclusão dos estudos de nível básico e o ingresso no ensino superior ou em cursos de qualif icação. Em razão do trabalho precário exercido, muitas vezes infor-mal, os negros precisam permanecer mais tempo trabalhando devido aos entraves para obter o direito de aposentadoria.
Leia, a seguir, uma análise do economista Marcio Pochmann (1962-) sobre a discriminação no mercado de trabalho brasileiro.
A variação, entre 1992 e 2002, da taxa de desemprego da população branca de
baixa renda (49,5%) é pouco maior que a verificada para a população negra nessa
faixa (46,7%). Nas classes de maior rendimento, ocorreu justamente o contrário, ou
seja, a desigualdade entre as raças na variação do desemprego foi ampliada. Assim,
o desemprego dos negros de renda alta, entre 1992 e 2002, aumentou 68%, enquan-
to o dos brancos dessa classe de rendimento cresceu 46,2%. De acordo com o com-
portamento do desemprego, pode-se observar que a discriminação racial alcançou
novas formas de manifestação, ainda mais sofisticadas. A taxa de desemprego dos
negros pobres cresceu menos, uma vez que estes tenderam a estar associados, em
geral, às ocupações mais precárias, enquanto o desemprego dos negros de média e
alta renda explodiu, provavelmente porque, em um contexto de escassez de empre-
gos especializados, o preconceito racial atuou como um requisito decisivo na contra-
tação. Assim, a discriminação racial passou a excluir de ocupações mais nobres aque-
les que, depois de muito esforço, haviam alcançado maior renda e escolaridade.
POCHMANN, Marcio. Desempregados do Brasil. In: ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil.
Para o filósofo alemão Jürgen Habermas, o trabalho é uma ação racional com respei-
to a fins, por meio da qual homens e mulheres se apropriam da natureza em busca da
sobrevivência e interagem comunicativamente entre si.
Fonte: HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência enquanto ideologia. In: Textos escolhidos. v. XLVIII. São Paulo: Abril Cultural, 1975. p. 310-311. (Os Pensadores)
Física
Realizar trabalho em Física implica a transferência de energia de um sistema para
outro e, para que isso ocorra, são necessários uma força e um deslocamento adequados.
Utilizando sua criatividade, escolha um dos projetos a seguir para realizar indivi-
dualmente ou em grupo:
a) escrever um poema;
b) escrever uma paródia de uma música famosa;
c) compor uma música e sua letra;
d) escrever, ensaiar e apresentar uma cena curta (esquete) de teatro;
e) fazer um vídeo curta-metragem de um minuto;
f) elaborar, escrever o roteiro e gravar um programa de rádio;
g) fazer uma obra de artes visuais (pintura, desenho, instalação);
h) elaborar uma história em quadrinhos, charge ou tira;
i) tirar fotograf ias, selecioná-las e realizar uma exposição.
O seu projeto deve estabelecer uma comparação ou relação entre as três def inições
apresentadas anteriormente. Quando todos os projetos estiverem prontos, organizem
uma sessão para apresentá-los aos colegas de sala ou aos demais alunos da escola.
Caso tenha outra ideia de projeto artístico-lúdico para trabalhar o tema, converse
com o professor sobre a possibilidade de realizá-la.
rEvisar E sistEmatizar
1. Pode-se dizer que as relações de trabalho permanecem as mesmas ao
longo da História? Justif ique sua resposta utilizando exemplos.
2. Descreva as principais características do fordismo e do taylorismo e iden-
tif ique elementos deles na organização do trabalho na indústria brasileira.
3. Indique algumas implicações dos sistemas flexíveis de produção para o
mercado de trabalho.
4. Explique as razões do crescimento do desemprego, nas últimas décadas,
no mundo.
5. Analise a permanência de antigas formas de discriminação e desigual-
dades no trabalho.
conceitos-chave:
Trabalho, trabalho alienado, mais-valia, mundo do trabalho, força de trabalho, capital, relações de trabalho, fordismo, taylorismo, toyotismo, flexibilização, financeirização, cadeia produtiva, reestruturação produtiva, neoliberalismo, mercado de trabalho, emprego, desemprego, precarização do trabalho, sindicato, trabalho solidário, informalidade.
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Capa do livro Capitalismo
desorganizado, de Claus Offe (ed. Brasiliense).
Rep
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ito
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rasilie
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Capa do livro Trabalho flexível,
empregos precários?, organizado por Nadya Araújo Guimarães, Helena Hirata e Kurumi Sugita (Edusp).
Os nossos gostos, por exemplo, não são determinados antes do nasci-
mento; ao contrário, resultam das relações que estabelecemos com os ou-
tros indivíduos e com o meio em que vivemos. Eles são construídos cultural-
mente no contínuo processo de interação social, o qual se dá pela
comunicação e pela ação recíproca entre os indivíduos e os grupos sociais.
Assim, aprendemos a gostar de rock, de f ilmes de ação, de sair com os amigos
e até de consumir certos tipos de alimentos em vez de outros.
Alguns entendimentos são fundamentais para o estudo da cultura. Os
três principais axiomas sobre esta esfera da vida em sociedade, para as Ciên-
cias Sociais, são:
•A cultura é uma característica do ser humano como ser social;
•A cultura é adquirida, um comportamento aprendido, como um patrimô-
nio social;
•Por meio da cultura se estabelece uma parte da relação ser humano-socie-
dade-mundo.
Assim como outras dimensões da vida social são interpretadas de dife-
rentes maneiras, também a cultura é estudada por diferentes visões e meto-
dologias. Acompanhemos as interpretações que alguns cientistas sociais fa-
zem do fenômeno cultural que, por ser heterogêneo, durável, mas em
contínua transformação, teve muitas tentativas de def inições.
Cultura: algumas leituras teóricas
Metodologia Representantes
Funcionalismo
(as instituições sociais
são vistas pela função
que desempenham
para estabilizar a
sociedade)
Para o antropólogo polonês Bronislaw Malinowski (1884-1942) e para o antropólogo inglês Radcliffe-Brown (1881-1955):
- a cultura designa o modo de vida das diversas comunidades; as necessidades humanas são universais e toda cultura cria instituições para atendê-las, desde as necessidades primárias às emocionais e aquelas das atividades econômicas e políticas.
Para o antropólogo estadunidense Ralph Linton (1893-1953):
- a cultura é um fenômeno universal e diferencia os grupos.
Estruturalismo
(as culturas se
estruturam por
padrões implícitos)
Para o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009):
- a cultura é uma forma universal da linguagem pela qual os seres humanos buscam diferenciar-se da
natureza e apresenta variações baseadas em pares de oposições (discrição e excesso, cru e cozido,
etc.).
Estrutural-
-funcionalismo
(as estruturas sociais
delimitam a cultura)
Para os sociólogos estadunidenses Talcott Parsons (1902-1979) e Robert Merton (1910-2003):
- a cultura de um povo ganha sentido na rede de relações sociais;
- sociedade e cultura são partes interdependentes do sistema social.
Tendências recentes
(há relações entre os
fenômenos)
Para o antropólogo estadunidense Alfred Kroeber (1876-1960), numa linha de pensamento relativista da Antropologia Cultural, misturam-se na cultura os elementos materiais e os ideológicos com o declínio das crenças mágicas; assim, ele argumenta que a cultura progride, evolui.
O historiador britânico Edward Thompson (1924-1943), ao fazer a crítica ao materialismo histórico radical, entende a cultura como resultado das experiências comuns das pessoas (herdadas ou partilhadas), presentes em tradições, sistemas de valores, ideias e formas institucionais.
O sociólogo britânico Anthony Giddens (1938-) vê, na cultura, a interdependência de aspectos intangíveis (subjetivos), como ideias, crenças e valores, e aspectos tangíveis (objetivos), como os objetos produzidos pelo ser humano, suas técnicas e tecnologias, trabalho, moradia, etc.
A cultura é um nível particular da realidade social muito importante, pois suas dimensões objetiva e subjetiva não se contrapõem, ao contrário, elas se complementam e estão relacionadas numa organicidade vital. O fa-zer, o saber, o conviver dos seres humanos produzem padrões particulares de estar na sociedade; produzem cultura. Cultura, portanto, não se aplica a um grupo, ou a este ou àquele segmento social, mas está em nível global, dada a amplitude do campo da experiência existencial.
hh Cultura e civilização
Em seu livro O processo civilizador, o sociólogo Norbert Elias defende que, mais do que pela “natureza humana”, o ser humano se def ine por meio da relação com o outro – ou seja, ele se faz humano e se torna membro da hu-manidade. Incompleto e dependente, até no aspecto biológico, ao nascer, o ser humano se humaniza porque necessita da família e das relações sociais típicas do seu grupo para se constituir. Ele depende, portanto, de seu con-texto cultural e social.
Nesse sentido, é a cultura de uma sociedade que def ine os parâmetros do bem e do mal, do justo e do injusto, do lícito e do ilícito. Envolto nessa relação com sua cultura, o indivíduo pode se adaptar, se sujeitar ou se rebe-lar. Ainda segundo Elias, os ocidentais, por exemplo, nem sempre se com-portaram da maneira como o fazem hoje: alguns atributos que considera-mos típicos do indivíduo “civilizado” resultaram de lentas transformações, por meio das quais suas condutas, comportamentos e costumes foram sendo condicionados socialmente. Então, civilização e cultura coincidem? Aliás, o que signif ica exatamente civilização?
A partir do século XVIII, [...] o termo Cultura articula-se, ora positiva ora negati-
vamente, com o termo Civilização. Este, derivando-se do latim cives e civitas, referia-
-se ao civil como homem educado, polido e à ordem social (donde o surgimento da
expressão Sociedade Civil). Entretanto, Civilização possuía um sentido mais amplo
que civil. Significava, por um lado, o ponto final de uma situação histórica, seu aca-
bamento ou perfeição, e, por outro lado, um estágio ou uma etapa do desenvolvi-
mento histórico-social, pressupondo, assim, a noção de progresso.
CHAUI, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil.
São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 11-12.
Alguns cientistas sociais def inem os termos civilização e cultura como si-nônimos, outros os distinguem. É o caso de Norbert Elias, para quem civili-zação é a consciência que as sociedades ocidentais têm em relação a si pró-prias, ou seja, um termo que designa as alterações especif icamente ocidentais em dimensões de relacionamento e criatividade, como os costumes, a tecno-logia e o conhecimento científ ico.
O historiador inglês Eric Hobsbawm (1917-2012) concebe como socie-dade “civilizada” aquela que determina regras e comportamentos de contro-le para seus membros e para os de outras sociedades. Desse tipo de prática pode-se citar o imperialismo do século XIX e início do XX, o qual nada mais era do que a supremacia de caráter territorial, cultural e f inanceiro exercida por uma nação sobre outra. Nessa época, os europeus def iniam a si mesmos
como “civilizados”, em oposição aos povos considerados por eles “selvagens”
– os africanos, os asiáticos e os latino-americanos, ou seja, todos aqueles con-
siderados diferentes deles.
Esse discurso da superioridade europeia caracterizava o outro (o dife-
rente) como algo fora do padrão, tornando-o um inimigo a ser vencido.
Como analisa o antropólogo brasileiro Carlos Brandão (1940-), o argumen-
to utilizado era o de que os outros povos precisavam também se tornar parte
da “civilização”. O texto abaixo, do escritor britânico Joseph Kipling (1865-
-1936), ilustra como era vista essa “missão” europeia com relação aos povos
considerados não civilizados:
A nós – não aos outros – incumbe um dever precioso: levar a luz e a civilização
aos lugares mais distantes do mundo. Despertar a alma da Ásia e África para as
ideias morais da Europa; dar a milhões de homens, que sem isso não conheceriam a
paz, nem a segurança, essas condições prévias do progresso humano.
KIPLING, Joseph apud COMBLAIN, José. Nação e nacionalismo. São Paulo: Duas Cidades, 1965. p. 240.
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Na foto ao lado, da década de 1910, habitantes da atual República dos Camarões trabalham em plantação de café. Alguns povos do continente africano foram explorados pelos europeus visando atender aos interesses destes.
Tendo em vista que o ser humano se coloca no mundo, o vê e o interpre-
ta pela perspectiva da cultura em que se insere, uma tendência comum em
nossa sociedade tem sido naturalizar o nosso próprio modo de vida como se
fosse o único correto, tomando-o como padrão de análise na comparação
com outras culturas. Tal atitude é denominada etnocentrismo. Esse compor-
tamento explica a sensação de estranhamento causada por hábitos e valores
diferentes daqueles com os quais estamos acostumados e que são preconiza-
dos por nossa cultura. Conforme nos diz o antropólogo brasileiro Roque
Laraia (1932-):
O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como conse-
quência a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o
mais natural. Tal tendência, denominada etnocentrismo, é responsável em seus
casos extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais.
LARAIA, Roque. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. p. 75.
•A leitura deste fragmento da obra de John Beattie (1915-1990), antropólogo so-cial irlandês, nos faz pensar sobre o aprendizado da convivência e do respeito in-tercultural. Pesquise e apresente na turma alguns traços de outras culturas que se aproximam da nossa. Discutam sobre os contrastes e semelhanças no modo de viver desses povos.
Nós e os outros
A diversidade cultural diz respeito às distintas maneiras segundo as quais sociedades e grupos sociais se organizam e se relacionam entre si e com a natureza. Vivências em outras sociedades, leituras variadas, viagens, f ilmes retratando diferentes costumes podem se constituir em instrumentos que nos permitem refletir sobre o quanto somos diferentes ou iguais em relação a outros povos e culturas. Constatada a coexistência e a convivência de dife-rentes culturas, cabe às Ciências Sociais não apenas estudá-las e compará-las de maneira a evidenciar as diferenças nos modos de vida, mas favorecer a reflexão sobre a própria sociedade, seus valores e costumes.
Tantas são as culturas quantos são os povos, os grupos sociais e as etnias existentes. Para além da diversidade de culturas, porém, as relações entre as diferentes culturas são marcadas pela desigualdade. Os interesses e as visões de mundo são distintos, gerando tensões no âmbito das sociedades e certa hierarquização entre povos e nações decorrentes de disputas de fundo político e econômico. Essa diferenciação social está explicitada, muitas vezes, na busca por emprego, nos diferentes locais de moradia, na necessidade de povos se deslocarem e/ou se abrigarem em acampamen-tos. Esses são apenas exemplos de conflitos de interesses que podem impli-car a luta por um espaço físico e cultural com os quais os grupos sociais se identif icam culturalmente.
Em decorrência de processos históricos de dominação e migração, entre outros, ocorrem também processos de interação cultural que implicam difu-são e reconf iguração da cultura, traços ou manifestações culturais espe-cíf icos. É como se sociedades distintas convivessem no interior de um mesmo grande grupo social. O resultado da influência cumulativa e da imbricação entre diferentes culturas pode ser identif icado no trecho a seguir.
O cidadão norte-americano desperta num leito construído segundo padrão
originário do Oriente Próximo, mas modificado na Europa Setentrional, antes de ser
transmitido à América. Sai debaixo de cobertas feitas de algodão cuja planta se tor-
nou doméstica na Índia; ou de linho ou de lã de carneiro, um e outro domesticados
no Oriente Próximo; ou de seda, cujo emprego foi descoberto na China. Todos estes
materiais foram fiados e tecidos por processos inventados no Oriente Próximo. Ao
levantar da cama faz uso dos “mocassins” que foram inventados pelos índios das
florestas do Leste dos Estados Unidos e entra no quarto de banho cujos aparelhos
são uma mistura de invenções europeias e norte-americanas, umas e outras recen-
tes. Tira o pijama, que é vestuário inventado na Índia, e lava-se com sabão, que foi
inventado pelos antigos gauleses, faz a barba, que é um rito masoquístico que pa-
rece provir dos sumerianos ou do antigo Egito.
LINTON, Ralph. Apud LARAIA, Roque. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. p. 110.
A interação cultural gera novas formas de identidade cultural. A consciên-cia de pertencer a determinado grupo social – seja por caracteres comuns de gênero ou de origem étnica, seja por interesses específ icos, prof issão, atividades realizadas, crenças e costumes semelhantes – aproxima os indiví-duos em determinada sociedade, levando à formação de agrupamentos de diversos tamanhos. Nesse sentido, a identidade cultural é aquela marca ca-racterística de um grupo social que partilha um ideal, valores, costumes e comportamentos formados ao longo da sua história.
A identidade cultural de um grupo (independentemente de seu tamanho) é de extrema importância para seu reconhecimento social e político e assenta--se em ideias e representações sociais. Ao se defrontarem, os grupos sociais podem desenvolver ideias de aceitação ou não de outros grupos, provocando disputas. Um exemplo é o f ilme brasileiro Cidade de Deus, inspirado no roman-ce de mesmo nome escrito pelo jornalista Paulo Lins e que se baseia em notí-cias de jornais sobre a comunidade carioca que batiza as obras. O protagonista Buscapé encontra-se em diferentes crises de identidade cultural. Por um lado, ele é morador da Cidade de Deus, pobre e negro. Quando começa a trabalhar no jornal, passa a conviver com pessoas brancas da classe média do Rio de Ja-neiro. Em vários momentos do f ilme ele se questiona se deveria “f icar de um lado ou de outro”, se deveria se identif icar mais com um grupo ou outro.
É a partir da nossa identidade cultural que construímos a ideia de “eu”, “nós” e “outros”. A forma como o fazemos muitas vezes constrói fronteiras sociais ligadas à classe socioeconômica, à raça, ao gênero, ou mesmo a ou-tros fatores como o bairro onde moramos, os programas de TV de que gos-tamos, o tipo de roupa que preferimos, etc. Por meio destes e de muitos outros elementos combinados, identif icamos “semelhantes” e “outros” nas pessoas com quem compartilhamos a vida social. Algumas dessas fronteiras sociais, aliadas a tendências etnocêntricas que reproduzimos até hoje – em-bora tenham sido mais populares antes do século XX –, formavam as chama-das “teorias” sociais racistas.
No decorrer do colonialismo do século XIX, emergiram diversas “teorias” racistas que tomaram a forma de “teorias sociais”, uma vez que os países euro-peus precisavam do aval da ciência para justif icar suas ações imperialistas na África e na Ásia, bem como as ações pregressas, durante a colonização das Amé-ricas, quando os europeus subjugaram indígenas e negros, forçando-os ao tra-balho doméstico e na lavoura. Nestes casos, as teorias sociais racistas desobriga-vam os grupos dominantes europeus de tratarem como humanos os indígenas e negros escravizados, uma vez que não eram considerados “semelhantes”, e sim “inferiores”. Vejamos algumas dessas “teorias”, que hoje são totalmente rechaça-das e recusadas pelas Ciências Sociais, pois não têm validade científ ica alguma; declaravam-se teorias, mas sempre foram ideologias.
Bases teóricas do racismo – século XIX
Denominação Justificativa
Arianismo
Classifica uma população em “limpos
de sangue” e “infectos”
Justificava a desigualdade entre os seres humanos e advertia contra o cruzamento das
raças. Um de seus teóricos foi o filósofo francês Joseph Gobineau (1816-1882), que
distinguiu os semitas dos arianos, os quais seriam física, moral e culturalmente
superiores. Essa teoria foi apropriada no século XX em defesa da superioridade
germânica e induziu as experiências do Terceiro Reich, na Alemanha.
Darwinismo social
Defende a sobrevivência dos mais
aptos
Inspirados na teoria da seleção natural das espécies, do naturalista britânico Charles
Darwin (1809-1882), teóricos sociais buscaram aplicar a mesma ideia à sociedade
humana, afirmando que só os mais capazes sobreviveriam.
Evolucionismo social
Trabalha com o conceito de evolução
da humanidade, dividindo os
indivíduos em categorias, como
selvageria, barbárie e civilização
Essa teoria pensava a espécie humana como única, com desenvolvimento desigual e
diferentes formas de organização. Para seus teóricos, a sociedade europeia tinha
atingido o progresso, ponto máximo da evolução – a “civilização” –, enquanto povos
“menos evoluídos” eram considerados “primitivos”. Um representante deste
pensamento foi o filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903).
Eugenia
Defende a pureza das raças
Inspirada na proposta do cientista inglês Francis Galton (1822-1911), defendia a
seleção, pelo Estado, de jovens saudáveis e fortes, aptos para procriar seres mais
capazes. Acreditando ser possível a “purificação” da raça, essa teoria chegou a propor a
esterilização de doentes, criminosos, judeus e ciganos. Essas ideias inspiraram as
terríveis experiências pseudocientíficas do Terceiro Reich na Alemanha.
Essas correntes de pensamento desenvolvidas no século XIX tiveram reper-cussão social, com desdobramentos políticos entre as nações, no século XX. Em diversos momentos, a adesão dos brancos a tais ideias dif icultou a acei-tação da diversidade étnica e cultural, ratif icando a ideia de que o outro (não branco) é ameaçador, estranho, estrangeiro, diferente.
As descobertas dos horrores provocados durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) – com os campos de concentração e a eliminação de judeus, ciganos e doentes – não foram suf icientes para derrotar o precon-ceito e o racismo. Na Europa, sobretudo nos anos 1980, com o aumento da imigração vinda das ex-colônias, reemergiram nacionalismos de caráter conservador, fundados no racismo, na intolerância e na xenofobia. Quan-do a sensação de pertencimento (o sentimento coletivo de pertencer a uma nação, a um grupo social, partilhar um sistema de valores, experiên-cias, tradições e a mesma língua) se torna exacerbada, muitas formas de violência vêm à tona.
A Constituição brasileira de 1988 garante a demarcação das terras in-dígenas com o objetivo de reverter algumas injustiças e proporcionar condições de subsistência para o modo de vida de suas populações, embora o conflito com fazendeiros e representantes do agronegócio seja constante. Ainda que muitos de seus traços culturais estejam presentes em nosso cotidiano e seja signif icati-va a sua contribuição para o desen-volvimento do país, a participação desses povos em nossa história conti-nua pouco valorizada pela maioria das pessoas.
Um processo semelhante ocor-reu com os negros escravizados, cuja chegada ao Brasil se relaciona aos
processos de escravização e deportação de pessoas da África para a América. Na visão do antropólogo Carlos Brandão, esse grupo étnico também foi “educado” pelos europeus, ou seja, tornado “igual” para melhor servir aos interesses dos grandes proprietários de terra. Aos africanos trazidos e a seus descendentes foram impostas a língua e a religião dos colonizadores para que pudessem entender as ordens recebidas e obedecer.
Muitas vezes as culturas do branco, ou seja, dos europeus e seus descen-dentes foram (e são) julgadas superiores às outras, o que resultou no passa-do e no presente em diversas formas de resistência à dominação cultural. Um episódio histórico de 1835, na Bahia, ilustra uma resistência, a dos Malês, escravos africanos de religião muçulmana, dispostos a abolir a domi-nação dos senhores brancos. A revolta foi duramente reprimida pelas for-ças of iciais.
A importância dos africanos e seus descendentes para a história do Bra-sil, como alertam diversos estudos culturais, precisa ser reconhecida e valo-rizada. Os registros de sua trajetória, de sua cultura e de seu trabalho – fun-damentais para nossa economia – estão muito aquém da riqueza e da diversidade de sua participação. Visando reparar essa situação e expor o preconceito existente na nossa sociedade, alguns sociólogos se dedicaram ao tema, como foi o caso de Florestan Fernandes, em A integração do negro na
sociedade de classes (1964), e de Octavio Ianni, com As metamorfoses do escravo (1962) e Raças e classes sociais no Brasil (1966). Esses estudos mostram que o preconceito e o racismo têm raízes em condições sociais históricas.
Os direitos conquistados na legislação por esses grupos não têm sido suf icientes para constituir uma sociedade de justiça e democracia. Basta lembrar que a discriminação é considerada crime desde a Constituição de 1988, mas nem por isso ela deixou de existir. Em seus artigos 215 e 216, por exemplo, a Constituição discorre sobre a possibilidade de regulariza-ção de terras para as comunidades remanescentes de quilombos, reco-nhecendo a propriedade def initiva sobre elas, desde que ocupadas por
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Índios Kuikuro em festa do Kuarup na aldeia Afukuri, no Parque Indígena do Xingu, em 2012.
que exercem atividades solitárias e isoladas. A televisão, por sua vez, é cons-
tante em moradias, lanchonetes e até nas salas de espera de consultórios
médicos, funcionando também como mediadora de transações comerciais
de objetos e serviços. Já o cinema, um hábito cultural ainda restrito a alguns
segmentos sociais, tem se popularizado por meio dos aparelhos de DVD, das
locadoras de f ilmes e de sua exibição em canais de TV.
Esses meios de comunicação e outros mais são representativos da indústria
cultural, um termo empregado pela primeira vez, em 1947, pelos sociólogos
alemães Max Horkheimer e Theodor Adorno, para dizer que a produção ar-
tística e cultural veiculada pelos meios de comunicação de massa insufla o
consumo por ser transformada em mercadoria. Os produtos culturais – publi-
cações impressas, DVDs e f ilmes, obras de arte, composições musicais, etc. – se
assemelham assim, de certa forma, aos produtos industriais.
A sociedade contemporânea institui uma cultura do lazer padronizada
pelos meios de comunicação de massa. Essa aproximação da cultura com o
produto industrial estimula o público a esperar por próximos lançamentos
– de músicas, f ilmes, equipamentos de som e imagem – que se tornam bens
rapidamente obsoletos. Logo, a cultura tem, na atualidade, sua face mais
visível na forma de bens e serviços e, muitas vezes, nem percebemos sua di-
mensão de uma produção acumulada, transmitida, herdada socialmente,
como nos alerta o texto do crítico literário Alfredo Bosi (1936-):
[...] ficamos irritados quando falta luz. Aí telefonamos para reclamar que está
faltando luz. Parece que é um dever que os outros nos forneçam esse milagre. São
realmente poucos os que podem entender todo o mecanismo que vem desde as
águas da represa até os fios da nossa casa e produz para nós o fenômeno da luz.
Digo que todos esses exemplos ilustram a ideia de que ter cultura é possuir uma
alta soma de objetos da civilização. É uma ideia (ou uma atitude) que nos barbariza;
no fundo, somos bárbaros no sentido de que usamos os bens, mas não consegui-
mos pensá-los. No entanto, cultura é vida pensada. [...] Em vez de tratar a cultura
como uma soma de coisas desfrutáveis, coisas de consumo, deveríamos pensar a
cultura como o fruto de um trabalho. Deslocar a ideia de mercadoria a ser exibida
para a ideia de trabalho a ser empreendido. Acho que é essa a ideia-chave, o projeto
que eu diria recuperador.
BOSI, Alfredo. Cultura como tradição. In: Cultura brasileira: tradição/contradição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar/Funarte, 1987. p. 38.
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Os hábitos culturais são influenciados pelos meios de comunicação de massa. Ao lado, consumidores em loja de eletrodomésticos aproveitam para assistir à televisão. Foto de 2009.
1. Estabeleça as diferenças entre cultura e civilização.
2. Destaque as bases das ideologias racistas e explique suas distinções.
3. Que processos levam à formação de uma identidade cultural?
4. Em que consiste o etnocentrismo?
5. Quais concepções sobre cultura aprofundam as desigualdades sociais?
Justif ique.
6. O que você entende por diversidade cultural? Cite alguns exemplos
deste fenômeno e como ele se apresenta no Brasil.
7. Estabeleça uma relação entre hábitos culturais, meios de comunicação
de massa e indústria cultural.
dEscubra mais
As Ciências Sociais na biblioteca
ORWELL, George. Dias na Birmânia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.Um madeireiro inglês reflete sobre demonstrações de racismo na ex-colônia britânica.
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As Ciências Sociais no cinema
Matrix, 1999, Estados Unidos, direção de Andy e Larry Wachowski.Um hacker descobre que máquinas dotadas de inteligência artificial dominam a humanidade.
Quilombo, 1984, Brasil, direção de Cacá Diegues.Escravos fugidos das plantações canavieiras do Nordeste, no século XVII, organizam uma república livre, o Quilombo dos Palmares, que sobreviveu por mais de 70 anos.
Serras da desordem, 2008, Brasil, direção de Andrea Tonacci.Índio Carapiru, expulso de sua aldeia natal, no Maranhão, segue um périplo de perda de identidade.
As Ciências Sociais na rede
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Em dezembro de 2007 foi of icializada, no Brasil, a Lei n. 11 635, que criou o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A comemoração na data de 21 de janeiro lembra o enfrentamento do preconceito e as for-mas de estimular a sociedade a valorizar a diversidade religiosa. Você imagi-na qual foi a razão que levou à criação dessa data? Pensando na realidade mundial, considera necessário esse tipo de ação?
Você deve se lembrar de estudos nas aulas de História em que o papel determinante da religião, em diferentes períodos, era destacado tanto na vida íntima das pessoas quanto nas relações políticas e econômicas da socie-dade. Será que isso mudou? É possível que o avanço da Ciência e seus des-dobramentos na vida social tragam consigo o declínio da religião? Em sua opinião, as pessoas hoje estão mais ou menos descrentes em uma esfera di-vina? Podemos atribuir à religião a responsabilidade por alguns dos grandes confl itos ocorridos na atualidade? Existe alguma relação entre globalização e fundamentalismos? Como as Ciências Sociais analisam o papel da religião nas relações sociais contemporâneas? Essas são algumas das indagações ana-lisadas neste capítulo.
As Ciências Sociais desmitif icam ideias, concepções e preconceitos acerca das relações sociais e dos acontecimentos políticos, culturais, econômicos e religiosos. Por meio do processo de desnaturalização, ela demonstra que fe-nômenos aparentemente naturais têm caráter social e histórico, isto é, são produtos de relações sociais contextualizadas no tempo e no espaço. Seguin-do tal linha de pensamento, vamos analisar a religião como instituição social.
Valendo-se das teorias para explicar a dimensão social (como vimos no capítulo 2), a Sociologia procura compreender quais elementos da realidade empírica e histórica e quais do pensamento lógico justif icam (“tornam natu-ral”) um modo de ser de uma sociedade, de um grupo e mesmo de uma classe
A religião como instituição social
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Sociedade e religião • 151
social. De um lado, a religião é um fenômeno vivido muitas vezes sem questio-namentos, de forma aparentemente espontânea, pelos indivíduos e grupos sociais em sua rotina; de outro lado, a religião é passível de explicação cien-tíf ica como um acontecimento presente em muitas sociedades; nesse caso, é um fenômeno social. O trabalho da Sociologia é “desnaturalizar” os fenôme-nos sociais, problematizando-os e mostrando sua origem, seus elementos constitutivos e suas relações com outros fenômenos. Émile Durkheim diria que a religião é um fato social por ser observável e assimilada pelos indivíduos e grupos, existindo na extensão de uma determinada sociedade.
O termo religião vem do latim religare e signif ica ‘algo que liga o ser hu-mano ao sagrado’. Para o antropólogo Clifford Geertz, a religião é uma das dimensões da cultura, consistindo em um sistema de símbolos que propi-ciam intensas motivações aos indivíduos. Sua existência social tem por base a vontade de crer das pessoas e a construção de uma manifestação coletiva vinda dessa crença.
A religião é considerada uma instituição social por ser constante ao lon-go da nossa história e exercer um padrão de controle na sociedade e uma programação da conduta individual. Dessa forma, ela apresenta característi-cas próprias das instituições sociais: é socialmente coercitiva, é exterior aos indivíduos, possui objetividade e historicidade, detém autoridade moral.
A religião é um dos principais objetos de estudo das Ciências Sociais. Para a
Sociologia, ela é um fenômeno social, ainda que trate de algo não palpável
ou visível: a ligação do indivíduo com o sagrado.
O surgimento das religiões relaciona-se à vontade humana de explicar questões como a origem do Universo, o mistério da vida e da morte, a rela-ção entre indivíduo e natureza, a possibilidade de transcendência, a consti-tuição da matéria e do espírito, as dimensões do natural e do sobrenatural.
De acordo com o sociólogo francês Jean Baechler (1937-), o fenômeno religioso é um impulso que impele o indivíduo a superar sua condição hu-mana para se abrir a algo que o supera e ao mesmo tempo o engloba, seja esse “algo” imanente, ou seja, manifesto concretamente, seja transcendente, além da experiência concreta. Revelam-se, então, as produções sociais da religião – agrupamentos, ritos, crenças, costumes, regras de conduta – por meio das quais os seres humanos procuram a harmonia de sua existência.
Ainda segundo Baechler, o fenômeno religioso implica a ação de atores sociais, como os produtores, os gestores e os f iéis. Os gestores (líderes e di-rigentes religiosos) organizam, por meio das práticas religiosas, a difusão da fé entre os crentes, aqueles que buscam entrar em contato com a esfera di-vina. Já os responsáveis pela fonte original do conjunto de crenças religiosas são personagens místicos, como Jesus Cristo, Maomé, Buda, os primeiros antepassados, para citar exemplos do cristianismo, do islamismo, do budis-mo e de muitas religiões indígenas. Na def inição dos sociólogos Peter Berger e Thomas Luckmann, no processo de institucionalização social, isto é, no processo de repetição de uma ação que def ine um padrão de conduta so-cial, aceito e legitimado coletivamente por determinado grupo, os gestores lançam mão de práticas como crenças, gestos, formação de comunidades e regras de conduta.
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152 • CAPítulo 6
Uma crença pode se cristalizar em mitos, dogmas ou construções teoló-
gicas. Frutos da imaginação humana, em oposição ao componente racional,
os mitos são narrativas fantasiosas e alegóricas, geralmente ligadas à nature-
za, que revelam soluções para problemas existenciais e sociais, como o sofri-
mento. Os mitos estão presentes em todas as culturas e representam simbo-
licamente fenômenos humanos ou da natureza, como o mito da criação do
mundo. Quando assumem, em uma religião, o caráter de verdades doutri-
nárias a serem aceitas sem discussão, por serem consideradas de origem di-
vina, as crenças constituem dogmas. Já as construções teológicas são regras,
procedimentos e interpretações elaboradas, no decorrer do tempo, por
aqueles reconhecidos como intermediários entre a divindade e o mundo
profano. As bases de uma crença mobilizam as emoções e a sensibilidade
dos f iéis, traduzindo-se em práticas religiosas, tais como celebrações, dan-
ças, transes, sacrifícios, ritos, orações, gestos sistematizados, que são dirigi-
das a uma comunidade congregada por cerimônias, que marcam o tempo e
o espaço com simbolismo próprio.
As religiões [...] propõem regras de vida sob a forma de obrigações e de proibi-
ções. [...] Algumas são pontuais ou referem-se às consequências diretas de uma de-
terminada prescrição religiosa relativa a um determinado aspecto de uma dada
sociedade. Se, por exemplo, o judaísmo e o islã proíbem o consumo de carne de
porco, daí resulta que o porco está ausente das comunidades judaicas e muçulma-
nas. A partir do momento que o vinho é indispensável à celebração da missa, em
virtude de um dogma central do cristianismo, a vinha é cultivada nos países cris-
tãos. [...] podemos demonstrar, com base em documentos, que não há um único
domínio da vida social que não tenha sido afetado, mais ou menos decisivamente,
pela religião.
BAECHLER, Jean. Religião. In: BOUDON, Raymond (Org.). Tratado de Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. p. 465.
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O orixá Oxóssi, representado
acima em aquarela de Teresa
Berlinck feita em 2011.
Detalhe de Cristo na cruz (c. 1632),
do pintor espanhol Diego
Velázquez.
Gravura de data desconhecida
representa o profeta Maomé,
fundador do islamismo, em
cena de combate.
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Esta ilustração chinesa, do
século XVIII, mostra Buda
sentado em cima de uma flor
de lótus.
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Sociedade e religião • 153
O fenômeno religioso tem, portanto, muitas facetas, e é heterogêneo
por se basear em diversas fontes de inspiração e interesses relacionados à
condição humana. Nas diferentes interpretações sobre sua existência, as re-
ligiões destacam-se por sua função moral, por consolidar costumes e pelo
caráter ideológico de suas ações, que procuram justif icar uma ordem social
como se ela fosse natural.
A religião na visão dos autores clássicos da Sociologia
Um dos desaf ios da So-
ciologia ao tratar do fenôme-
no religioso é que ele abarca
dois universos: o espaço pri-
vado, relativo à intimidade, e
o espaço público, que lhe dá
o caráter social. Os autores
clássicos voltaram seu olhar
para a religião como um fe-
nômeno social e procuraram
interpretá-lo.
hh Auguste Comte
A obra do francês Auguste
Comte, por exemplo, iden-
tif ica o fenômeno religioso
como um estágio relativa-
mente “primitivo” da evolu-
ção social e cultural da humanidade, que ele chama de “estado teológi-
co”. Nessa fase, o ser humano tenderia a passar, gradativamente, da
crença em muitos deuses (politeísmo) para a crença em um Deus único
(monoteísmo). Para elaborar tal teoria de caráter evolutivo, Comte pro-
cura demonstrar que a História é o desenvolvimento evolutivo-temporal
do espírito humano, entendendo que, após uma segunda fase, classif ica-
da por ele como metafísica, haveria um terceiro estágio, “mais aprimora-
do”, da humanidade, fundado na razão e na ciência. Veja abaixo o esque-
ma analítico de Comte.
“Lei dos três estados ou estágios”, de Auguste Comte
Estágios Características
TeológicoO ser humano acredita em muitos deuses e evolui para a crença em um só Deus (fase religiosa).
Metafísico Indagações ontológicas, acerca da origem do ser humano (fase filosófica).
PositivoEstágio mais evoluído da humanidade, correspondendo ao uso da razão e da política (fase científica).
Mulheres hindus seguram oferendas de água e leite para a deusa Shiva, uma das principais divindades do hinduísmo, durante o festival de Maha Shivratri, em fevereiro de 2012, em Jammu, no território da Caxemira administrado pela Índia. Milhares de hindus de diversas partes da Índia lotam os templos em celebração à deusa.
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154 • CAPítulo 6
hh Émile Durkheim
Já a abordagem funcionalista de Émile Durkheim considera o conteúdo das doutrinas e os sentimentos religiosos como impedimentos ao progresso. O autor propõe em seu livro As formas elementares da vida religiosa, de 1912, que uma das principais funções sociais da religião é de natureza moral, ou seja, manter a coesão social, a união dos seus membros, assegurando a esta-bilidade da sociedade por meio de relações harmoniosas.
Para Durkheim, a religião consiste em um sistema de crenças e de prá-ticas relativas ao sagrado que une indivíduos em uma comunidade moral, regida por princípios e valores específ icos. Defende ainda que seu funda-mento não está no sobrenatural ou na ideia de Deus, mas na distinção entre os conceitos de sagrado e profano. O sagrado indica uma realidade diferente, protegida, superior e separada do que é mundano (profano), na qual a coletividade projeta e objetiva a própria consciência religiosa e à qual presta reverência.
A religião satisfaz necessidades do ser humano, como a curiosidade, o desejo de segurança, a tendência à vida em comunidade, os problemas de consciência e o estabelecimento de normas. Nessa linha de pensamento, em sociedades tradicionais a religião organizava as relações sociais e o pró-prio tempo. Porém, à medida que essas sociedades se modernizaram e os conhecimentos científ icos ganharam mais espaço, a religião perdeu força como centro da vida social. Durkheim duvidava de que a religião, como um sistema de ideias que desempenharam ao longo da história um impor-tante papel de integração social, fosse um mero conjunto de ilusões. Para ele, o Direito, a moral e a própria ciência não somente nasceram da reli-gião como foram com ela confundidos por muito tempo.
Durkheim explica o fenômeno religioso pela garantia da ordem social,
ressaltando seu fundamento moral em diferentes culturas.
hh Max Weber
O pensamento do sociólogo alemão Max Weber segue uma linha distin-ta daquela de Durkheim. Weber via a religião como uma dimensão social depositária de signif icados culturais por meio dos quais indivíduos e coleti-vidades interpretavam sua condição de vida, construíam uma identidade e controlavam o ambiente como um todo.
Weber acreditava que a força da religião estaria em declínio, na medida em que a sociedade moderna se afastava das crenças fundadas em supersti-ções, religiões, costumes e hábitos ancestrais como um todo. Desse modo, enquanto nas sociedades tradicionais a religião e as crenças a ela relaciona-das eram centrais, na modernidade ocorria uma crescente racionalização e consequente afastamento do campo religioso, decorrentes do desenvolvi-mento da ciência, da tecnologia e da burocracia.
A esse processo de declínio do poder da religião nas diferentes dimen-sões da vida social, que passa a ser explicada também pela ciência, Weber denominou secularização. A secularização é a passagem de fenômenos que até então eram do domínio religioso ou sagrado para a esfera mundana, ou
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Chineses celebram o Ano-Novo
Chinês em Shangqiu, em
fevereiro de 2013. Embora
preservem as comemorações
culturais, religiosas e místicas
relacionadas ao seu tradicional
calendário lunar, os chineses
utilizam o calendário
gregoriano (ocidental e de base
solar) no dia a dia.
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Sociedade e religião • 155
seja, de certas representações do mundo e do lugar do
homem no mundo deixam de ser sagradas ou místicas
e ganham uma explicação racional, científ ica e técni-
ca. A secularização favoreceu o movimento histórico
ocorrido com as Revoluções Burguesas, como estuda-
do no capítulo 2, resultando na separação entre reli-
gião e Estado.
Weber, perguntando-se como as religiões afetavam
a economia, demonstra na obra A ética protestante e o es-
pírito do capitalismo, publicada em 1905, a proximidade
entre os valores apregoados pelo protestantismo e a
moral veiculada pela sociedade capitalista moderna.
Nessa obra, ele defende que o surgimento do “espírito
do capitalismo” – um conjunto de qualidades intelec-
tuais e morais indispensáveis à racionalização econô-
mica – foi possível graças a algumas qualidades exalta-
das e preconizadas pela religião protestante (a chamada
“ética protestante”), em especial a visão do lucro obti-
do por meio de trabalho racional como virtude.
hh Karl Marx
O pensador alemão Karl Marx concebia a religião como responsável pe-
la alienação do indivíduo na estrutura da produção material da sociedade
capitalista. Ele criou a famosa expressão “a religião é o ópio – ou lenitivo –
do povo”, que está no livro Crítica da filosofia do direito de Hegel, de 1844, no
qual af irma que a religião é uma forma de o ser humano se tornar alheio,
afastar-se da vida moderna. Considerava a religião uma expressão da imper-
feita consciência de si do homem: não do homem como indivíduo abstrato,
mas como homem social.
No livro A ideologia alemã, de 1845, Marx e seu colega Friedrich Engels
propunham a história como uma série de transformações sociais e materiais.
Nesse sentido, a religião era um obstáculo ao progresso e à emancipação
político-social, ou seja, à possibilidade de os homens organizados mudarem
as estruturas sociais.
Para o pensamento marxista, as religiões poderiam ocultar as forças de
mudança e encobrir os conflitos sociais ao tomá-los como desígnios divi-
nos, naturalizando-os. Ao fazer isso, a religião nega aos seres humanos a
capacidade de decidirem sobre si, seu destino, seu país, sua sociedade,
e de transformarem a realidade. A realidade pesquisada por Marx era a
luta de classes provocada por interesses materiais conflitantes; daí a sua
crítica de que toda ideologia (conceito estudado no capítulo 5), para rea-
lizar a f inalidade a que se propõe – satisfazer-nos com ideias em detrimen-
to do real conhecimento da realidade –, desenvolve-se com base em cren-
ças preexistentes a f im de mascarar a realidade social.
Ainda que dif iram em sua abordagem, pode-se perceber que esses quatro
autores clássicos – Comte, Durkheim, Weber e Marx – caracterizaram a reli-
gião como uma instituição de grande influência nas relações sociais ao longo
da história.
hh lenitivo: aquilo que abranda, que
acalma, que traz consolo.
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O banqueiro e sua esposa (1444), pintura de Quentin Metsys.
Antes da Reforma protestante, no século XVI, a usura era
considerada na Europa como contrária aos valores religiosos,
como se pode observar na tela: a mulher desvia o olhar da
Bíblia para ver as moedas.
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156 • CAPítulo 6
Encontro com os cIEntIstas socIaIs
Na Sociologia clássica prevaleceu a ideia de que a religião era uma força que decres-
cia na medida em que as sociedades atingiam a modernidade. Pensando sobre isso,
leia o trecho abaixo, escrito por Durkheim em 1893, e responda à questão a seguir.
Ora, se há uma verdade que a história pôs fora de dúvida é que a religião abarca
uma porção cada vez menor da vida social. Inicialmente, ela estende-se a tudo; tudo
que é social é religioso. Depois, pouco a pouco, as funções políticas, econômicas,
científicas desvinculam-se da função religiosa, constituem-se à parte e tomam um
caráter temporal cada vez mais patente. Deus, se assim nos podemos exprimir, que
no princípio estava presente em todas as relações humanas, retira-se delas progres-
sivamente; abandona o mundo aos homens e às suas disputas.
DURKHEIM, Émile. da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1977. p. 197.
•Com base nesse trecho, discuta com seus colegas o lugar que a religião ocupa nas
relações sociais na sociedade atual.
A religião em tempos de globalização
A expressão “desencantamento do mundo”, que consiste no movimento
pelo qual a esfera do sagrado vai sendo invadida por manifestações profanas
e explicações racionais, foi cunhada por Weber em sua análise sobre a rela-
ção entre religião e modernidade. A secularização das instituições e das re-
lações sociais, pela qual elas se desprenderam da explicação religiosa e se
tornaram laicas, a separação entre a Igreja e o Estado e a emergência da
ciência substituindo, aos poucos, o espaço ocupado pela magia fazem com
que a religião deixe de ser o elemento central de organização da sociedade.
Muitas vezes esse debate levou (e ainda leva) a discussões sobre um possível
“f im da religião”, reavivando o confronto entre revelação e razão para expli-
car a realidade social.
Hoje, diante de novas religiões, do fundamentalismo, dos confl itos re-
ligiosos e dos fanatismos, muitos autores defendem a ideia de que vivemos
um retorno ao sagrado. Porém, não se trata de um consenso. Na visão do
sociólogo brasileiro Renato Ortiz, por exemplo, a religião nunca deixou
de estar presente na sociedade. Nesse sentido, vale indagar se nos depara-
mos com o declínio, a transformação ou o renascimento da religiosidade,
como sugere o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-).
A ideia do f im da religião ou do seu enfraquecimento nas relações so-
ciais está associada, muitas vezes, à perspectiva positivista que prevê etapas
sucessivas de desenvolvimento na sociedade. Esse pensamento considera o
desenrolar da história como uma escala evolutiva crescente de aconteci-
mentos em direção ao progresso. Seguindo essa linha, diversas teorias con-
ceberam o término da religião como decorrência dos avanços científ icos e
consideraram as sociedades tradicionais “arcaicas”, por se orientarem pe-
los valores morais da religião. Entretanto, alguns pensadores refutam tal
opinião, como expõe o sociólogo francês Jean Baechler:
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O sociólogo polonês Zygmunt
Bauman, em retrato de 2010.
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Sociedade e religião • 157
[...] Normalmente, o progresso técnico contemporâneo deveria fazer recuar e
desaparecer o recurso à magia e à intercessão. Este “normalmente” proporciona-
-nos uma outra maiúscula, a maiúscula do Progresso. Com efeito, para o Homem,
a magia e o recurso aos deuses retrocederam perante a eficácia técnica. Hoje em
dia, o Homem recorre mais prontamente aos antibióticos do que aos amuletos, e
aos adubos químicos do que à bênção dos campos. Mas as coisas nem sempre são
assim tão simples. As técnicas eficazes podem ser inacessíveis. A eficácia nunca
vai a ponto de excluir o fracasso. Apesar de todos os progressos da Medicina, os
homens contraem doenças e acabam por morrer. Sobretudo, a vida de cada um é
dominada pela incerteza radical que afeta tudo aquilo que advém da ação: nin-
guém controla jamais o resultado nem as consequências de qualquer empreendi-
mento. Essa incerteza faz a fortuna das cartomantes, das quiromantes, dos faze-
dores de horóscopos, de todos os que prometem reduzir ou suprimir a incerteza
através de métodos que só podem ser irracionais, dado que a matéria tratada é
racionalmente incerta.
BAECHLER, Jean. Religião. In: BOUDON, Raymond (Org.). Tratado de Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. p. 483.
A relação de contraposição comumente estabelecida entre religião e ciên-
cia tem sua base na ideia de que a fé se opõe à consciência científ ica, como
se a primeira f izesse parte da irracionalidade e a ciência se inserisse no ter-
reno do racional. Será que a ciência, em suas descobertas e aplicações, é
sempre racional? O capítulo 11, que discute meio ambiente, vai lhe permitir
refletir mais profundamente sobre isso.
Ao contrário do que haviam suposto alguns autores no passado, a socie-
dade industrial não trouxe necessariamente o desaparecimento da religião,
apenas limitou-a como forma de organização social. Podemos af irmar que
a modernidade abriu espaço para uma maior diversidade de práticas reli-
giosas. Prova disso é que as sociedades modernas globalizadas são conside-
radas multirreligiosas, ou seja, abrigam um número elevado de religiões
simultaneamente.
A modernidade-mundo não se organiza segundo princípios religiosos (o que
não significa que não existam países, por exemplo, no mundo árabe, onde o pre-
domínio da religião, como “consciência coletiva”, não tenha um peso capital). Ape-
sar do florescimento de novas crenças religiosas, da intensificação de uma religio-
sidade individualizada, da vitalidade de religiões que pareciam extintas, uma
constatação se impõe: o lugar que o universo religioso ocupava nas sociedades
tradicionais foi definitivamente remodelado pela modernidade. Entretanto, não se
pode deixar de entender que a ação das religiões num mundo globalizado adquire
uma outra configuração.
ORTIZ, Renato. Anotações sobre religião e globalização. Revista Brasileira de Ciências Sociais.
São Paulo, v. 16. n. 47, out. 2001, p. 64.
A consciência coletiva, citada por Ortiz, refere-se a valores, sentimen-
tos, crenças e tradições que são legitimados e repetidos ao longo das ge-
rações. Segundo Durkheim, a consciência coletiva exerce coerção sobre
as consciências individuais (ainda que, muitas vezes, de forma velada, por
ser tomada como um processo “natural”), reforçando hábitos, costumes e
representações sociais nas sociedades. Como fenômeno, a consciência co-
letiva é perceptível, sobretudo, nas sociedades tradicionais, nas quais indi-
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158 • CAPítulo 6
víduos e grupos são muito semelhantes e o controle social de uns sobre
outros é exercido mais diretamente. Nessas sociedades, segundo
Durkheim, a religião concentra essa pressão conformadora das consciên-
cias individuais para preservar a ordem social.
A globalização recente, estudada no capítu-
lo 1, como todo grande processo sociocultural,
gera desigualdades e diversidades entre grupos
e nações, pois não acontece com a mesma inten-
sidade e do mesmo modo em todos os lugares;
por outro lado, ela tende a homogeneizar os
comportamentos sociais espalhados pelo globo.
Nesse sentido, a religião passa a desempenhar
com mais intensidade um papel de resistência,
por ser uma dimensão que confere identidade
ao ser humano, ao reunir as pessoas e fornecer
um referencial comum aos grupos sociais. Uma
prática religiosa, por exemplo, cria af inidade de
pensamentos e permite compartilhar experiên-
cias entre os integrantes de um determinado
grupo social.
As crenças religiosas, enquanto “consciências coletivas”, aglutinam o que se en-
contrava antes disperso. [...] A memória é uma técnica coletiva de celebração das
lembranças, aproxima o passado, soldando os indivíduos no seio de uma mesma
comunidade. Ora, como tem sido apontado por inúmeros autores, a temática da
identidade transforma-se radicalmente com o processo de globalização. Ela se tor-
na crucial. A crise das identidades nacionais abre espaço para a explosão de identi-
dades étnicas, particulares, e até mesmo de dimensões identitárias mundializadas,
forjadas no seio de fluxos transnacionais de consumo.
ORTIZ, Renato. Anotações sobre religião e globalização. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 16, n. 47, out. 2001, p. 65-66.
A difusão dos meios de comunicação favoreceu a expansão das religiões
e até a multiplicação de manifestações religiosas. Se antes a pregação era li-
mitada pelo espaço físico, hoje a comunicação on-line rompe essas barreiras.
As religiões puderam diversif icar seus meios de divulgação com emissoras de
rádio e televisão, CDs, editoras, revistas, vídeos, objetos religiosos e lembran-
ças, serviços de terapia e aconselhamento, imóveis e estruturas de marketing.
Segundo o sociólogo brasileiro Antônio Flávio Pierucci (1945-2012), esses
elementos se caracterizam como atividades econômicas desenvolvidas pelas
organizações religiosas para atingir públicos específ icos de adeptos/clientes.
Na era globalizada, os meios de comunicação não apenas permitem a
articulação das ações dos grupos religiosos como também as potencializam.
Nas últimas décadas do século XX, em meio aos avanços tecnológicos e
científ icos, à globalização e à disseminação mais intensa da informação, ve-
rif icamos o crescimento de algumas religiões e o avanço do fundamentalis-
mo religioso. Esse cenário desafia as Ciências Sociais a refletir sobre a exis-
tência, ou não, de um novo papel da religião na sociedade.
Danilo Verpa/Folhapress
Localizada em São Paulo, a
Cristoteca é um espaço
destinado aos jovens católicos
para apresentações de shows,
baladas de música eletrônica e
missas, que expressa uma
parcela da diversidade da
religiosidade no Brasil
contemporâneo. Foto de 2007.
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Sociedade e religião • 159
Fundamentalismo religioso
O fundamentalismo religioso foi re-
conhecido como fenômeno recentemen-
te, quando o termo passou a ser mais uti-
lizado pelos cientistas sociais. O sociólogo
britânico Anthony Giddens o descreve
como um movimento de adesão incondi-
cional a determinados valores e crenças,
cujos adeptos têm um entendimento lite-
ral dos seus livros sagrados. Nos casos
mais radicais, isso se reverte em meios
violentos para a imposição dessa leitura
ao restante da sociedade.
Na visão de Zygmunt Bauman, o radi-
calismo religioso resulta do desgaste dos
elementos que mantêm unida uma con-
gregação de f iéis, levando alguns grupos
a desejarem identif icar e eliminar aquilo
que pareça indiferente ou discordante
com relação ao conjunto de princípios
que professam.
Valores sociais como a fé, a conf iança e a capacidade de autoaf irmação
são oferecidos aos f iéis por meio de regras simples dos fundamentalistas, os
quais rejeitam, contudo, o diálogo com os que pensam de maneira diferente
da sua.
Para Bauman, o fascínio exercido pelo fundamentalismo provém de sua
promessa de “libertar” o indivíduo da autossuf iciência a que estava condena-
do, informando-o do que ele deve fazer, eximindo-o, de certa forma, da
responsabilidade sobre seus atos e ações. Assim, ele oferece uma “racionali-
dade alternativa” que se opõe às incertezas da vida e aos seus riscos.
O fundamentalismo pode vir associado a situações de desigualdade so-
cial por fornecer às populações pobres e injustiçadas um sentido já def inido
para a realidade vivida, a qual, sob outra visão, elas seriam incitadas a trans-
formar, segundo Bauman. Os despojados de hoje são indivíduos frustrados
diante da impossibilidade de consumir tudo o que a sociedade oferece os-
tensivamente, e os movimentos religiosos fundamentalistas denotam parte
do mal-estar da sociedade contemporânea, causado, entre outros fatores,
pelo desemprego e pelo desamparo social, por exemplo. Essa sociedade,
identif icada com a condição sociocultural do capitalismo contemporâneo,
aposta no consumo, no poder econômico-f inanceiro exacerbado; nela, tudo
se torna efêmero e fragmentado, prevalecendo a diversidade e a flexibilida-
de nos relacionamentos nas diversas instâncias sociais. Para explicar a insta-
bilidade da sociedade contemporânea, Bauman utiliza a metáfora do estado
de “liquidez” da matéria e denomina “realidade líquida” as mudanças re-
pentinas e estímulos constantemente renovados da presente fase da histó-
ria, que se apresenta imprevisível, indeterminada.
Ismoyo/Agência France-Presse
Manifestantes indonésios
reivindicam, em Jacarta, capital
do país, a expulsão da
população Ahmadiyah, um
grupo islâmico considerado
herético pelos mais ortodoxos.
A Indonésia é o país com a
maior concentração de
praticantes do islamismo. Foto
de 2011.
Sociologia_vu_PNLD15_149a170_C06.indd 159 5/28/13 8:42 AM
160 • CAPítulo 6
hh Desfazendo mitos
O fato de alguns ataques de grupos terroristas serem feitos em nome de
uma crença não signif ica que todos os adeptos daquela religião sejam terro-
ristas em potencial. Apenas alguns grupos apresentam reações fundamenta-
listas violentas diante do outro, daquele que é alheio ou discordante com
relação à sua crença religiosa.
Entre os estudos sobre o terrorismo, é preciso destacar aqueles que sina-
lizam para a situação de empobrecimento e marginalização de vastas popu-
lações em diversas partes do mundo, sobretudo após os anos 1990. Muitas
congregações religiosas assumem obrigações e deveres que foram abando-
nados pelo Estado, que, como temos visto ao longo dos capítulos, reduziu
seu papel no sistema de proteção social em tempos de neoliberalismo. As-
sim, outros fatores sociais e políticos também estão relacionados ao tema do
terrorismo, mostrando que suas motivações estão para além das questões
puramente religiosas.
Por vezes o terrorismo está relacionado ao fundamentalismo religioso, mas
convém lembrar que nem todos os atos terroristas têm uma motivação religiosa,
tal como o caso de grupos separatistas na Espa-
nha (como o ETA, movimento pela indepen-
dência do País Basco). Tampouco se deve asso-
ciar o terrorismo a religiões específ icas. O
historiador inglês Eric Hobsbawm (1917-2012)
relaciona o aumento da violência no mundo
atual com as guerras no f inal do século XX,
quando os Estados nacionais perderam em par-
te o monopólio do poder e da violência, os
quais mantinham os cidadãos mais passivos e
disciplinados, respeitadores dos limites estabe-
lecidos pelas leis. Como exemplo da intensif ica-
ção da violência social tem-se o caso do Sri
Lanka, cuja população, composta de uma maio-
ria budista e uma minoria hinduísta, hoje en-
volvida em sérios conflitos, antes tinha uma
convivência pacíf ica.
Os ataques às Torres Gêmeas, em Nova
York, e ao prédio do Pentágono, sede do De-
partamento de Defesa dos Estados Unidos,
em Washington, ocorridos em 11 de setem-
bro de 2001, colocaram sob suspeita a reli-
gião islâmica e seus seguidores. Nesse contex-
to, o então presidente dos Estados Unidos,
George W. Bush, fez uma convocação inter-
nacional para a luta contra o terrorismo, na
forma de uma “cruzada” do Ocidente cristão
contra os muçulmanos do mundo. Desse mo-
do, generalizou-se a ideia de que o islamismo era sinônimo de terrorismo –
ideia reforçada pela mídia de grande circulação, o que gerou um aumento
da intolerância e da violência no mundo.
Sp
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A foto retrata o momento em que um avião se chocou com a torre sul do
World Trade Center, complexo comercial em Nova York, nos Estados
Unidos, e explodiu. Minutos antes, outro avião já havia colidido com a
torre norte. O ataque, ocorrido em 11 de setembro de 2001, foi atribuído
ao grupo fundamentalista islâmico Al-Qaeda.
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Sociedade e religião • 161
As manchetes acima, publicadas em diversas mídias no Brasil, desta-cam confl itos em que o caráter religioso está presente. Esses, entretanto, não são os únicos. Podemos citar também, por exemplo, as ações desenca-deadas pelo Exército Republicano Irlandês, o IRA, inseridas em uma dis-puta na Irlanda do Norte entre protestantes que desejam continuar inte-grados ao Reino Unido e católicos que querem a união com a República da Irlanda. A guerra entre palestinos e judeus, desde a criação do Estado de Israel, em 1948, também está relacionada (embora não se limite) à questão religiosa. Outro confl ito religioso ocorre entre Índia e Paquistão, pela posse da região da Caxemira, de maioria muçulmana, conf igurado como uma batalha entre hindus e muçulmanos. Em países africanos –
No século XX, nas duas guerras mundiais e, depois, nos confl itos ocor-ridos durante a Guerra Fria, houve desrespeito aos princípios convencio-nados entre a maioria dos Estados como os de uma “guerra civilizada” por meio das Convenções de Genebra de 1929 e 1949, segundo os quais a população civil deve ser protegida, os países neutros não podem ser ata-cados e os prisioneiros de guerra devem ter sua integridade física assegu-rada, entre outros cuidados. Muitas vezes o discurso do respeito às regras e aos valores não é cumprido e produz uma situação que Hobsbawm de-nomina “retorno à barbárie”, expressando atos criminosos que têm a po-pulação civil por alvo, como acontece nos ataques terroristas.
Af inal, como começa o terrorismo? Os terroristas alegam reagir em legítima defesa a um ataque anterior vindo da parte do Estado ou do sis-tema. Para os que praticam o terror, trata-se de um contra-ataque àquele que o privou de outra forma de reação, como a negociação. Veiculador de reivindicações nem sempre precisas, o terrorismo não deixa de ser uma estratégia política que usa a violência, física ou psicológica, em ataques a governos, a grupos políticos ou mesmo à população, criando um pavor incontrolável, o terror, que se expande além do círculo de suas vítimas.
Conflitos religiosos no mundo
Número de mortos por confl ito religioso em Mianmar chega a 112
Bomba mata três pessoas em reduto islâmico da Nigéria
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162 • CAPítulo 6
especialmente República Democrática do Congo, Ruanda e Burundi –, nos anos 1990, violentos embates foram apresentados como de caráter étni co e/ou religioso.
Será que a Sociologia e a História permitem generalizar a denominação de tais conflitos como “guerras religiosas”? Até que ponto a religião é real-mente um fator determinante nesses episódios? Será que, por trás da justif ica-tiva da religião, não existem outras razões? Essas são questões que as Ciências Sociais buscam responder.
No conflito pela região da Caxemira (norte da Índia e do Paquistão), por exemplo, são comuns as referências a diferenças religiosas. A historiograf ia, porém, também aponta outros fatores como moti-vadores para os conflitos, como os problemas de-correntes do processo de colonização e as divisões incentivadas pela Inglaterra no período em que os indianos lutavam por sua independência.
No caso do conflito entre árabes e judeus na Palestina, vale assinalar que, apesar das guerras e da violência que o caracterizam nos dias de hoje, esses dois povos mantiveram relações harmonio-sas durante um longo período da história. Isso ocorreu, por exemplo, na época em que os ára-bes ocuparam a península Ibérica (711-1492), quando os judeus que lá viviam desfrutaram de liberdade religiosa e cultural. Outro exemplo são as pequenas colônias judaicas remanescentes no Oriente Médio que viviam em paz com a maioria muçulmana há menos de um século.
Hyderabad
Golfo de
Bengala
CAXEMIRA
NEPAL
70° L
10° N
0 510
km
1 020
CHINA
ÍNDIA
AFEGANISTÃO
PAQUISTÃO
BUTÃO
BANGLADESH
MIANMAR
SRI LANKA
IRÃ
O C E A N O Í N D I C O
Mar Arábico
Mumbai
Nova Délhi
Délhi
Kolkata
Zona contestada pela
Índia e pelo Paquistão
Zona contestada pela
Índia e pela China
O C E A N O Í N D I C O
Karachi
Islamabad
Posicionamento dos mísseis
balísticos
Instalações nucleares
Violências étnicas
Atentados terroristas
Adaptado de: Le Monde diplomatique, 2010. p. 212.
conflitos na caxemira (2010)
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apas
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o d
a ed
ito
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Adaptado de: DUBY, Georges. Atlas Histórico Mundial. Madrid: Debate, 1989. p. 213.
Israel (1948-1949)
32° N
35° L
JORDÂNIA
SÍRIA
EGITO
ISRAEL
Mar
Morto
Mar Mediterrâneo
LÍBANO
CisjordâniaTelavive
Jerusalém
0 50
km
100
Palestina sob domíniobritânico (até 1948)
Estado de Israel (1948)
Israel após conflitos de1949
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32° N
35° L
JORDÂNIA
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SÍRIA
EGITO
ISRAEL
Península
do Sinai
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Mar Mediterrâneo
LÍBANO
Golã
Cisjordânia
Telavive
GazaJerusalém
Suez
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Ocupação do sul do Líbanopor Israel (1982-2000)
Ofensivas em 1956(Guerra de Suez)
Territórios ocupados porIsrael por ocasião da Guerrados Seis Dias (1967)
Guerra do Yom Kippur (1973)
Mar
Morto
0 90
km
180
Adaptado de: DUBY, Georges. Atlas Histórico Mundial. Madrid: Debate, 1989. p. 214-215.
conflitos árabe–israelenses (1956-2000)
Allm
aps/
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Sociedade e religião • 163
Portanto, a intolerância religiosa ou pseudoétnica não parece suf iciente para explicar o conflito entre esses povos, pois se trata de uma questão gera-da por disputas políticas e fatores sociais e econômicos. O conflito tomou proporções maiores sobretudo a partir da criação do Estado de Israel (1948), do qual, após a Primeira Guerra Árabe-Israelense (1948-1949), os árabes palestinos foram expulsos.
Diante desses e de outros conflitos, não apenas religiosos, cabe destacar que a realidade social comporta múltiplas di-mensões – política, econômica, cultural, histórica – e um dos desaf ios do conhecimento científ ico consiste em montar os muitos quebra-cabeças de que é composta a história. Para isso, é necessário sempre ir além das aparências dos fatos e das in-terpretações prontas e, no caso de conflitos religiosos, observar o princípio do teórico militar prussiano Carl Clausewitz (1780--1831) de que toda guerra se subordina aos interesses políticos.
pEsquIsa
Em equipe, pesquisem sobre algum conflito tido como religioso ocorrido no século XX ou no XXI, levantando suas causas, batalhas e desdobramentos. Após a busca de informações (em livros, mídias im-pressas e na internet), o resultado da pesquisa de cada grupo deve ser apresentado para a turma. Fiquem atentos para outras motivações, de natureza econômica, social e/ou política, que colaborem para uma melhor compreensão do conflito selecionado.
Judeu ortodoxo caminha ao lado do muro em
torno do túmulo de Raquel, personagem bíblica,
em Belém. Erguido com o pretexto de proteger
as peregrinações judaicas ao templo, o muro é
um dos elementos estruturais de segregação da
Palestina. Foto de 2012.
Baz R
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ati
nsto
ck
Conflitos sociais
Para compreendermos melhor os contextos de
confronto entre grupos sociais inspirados por moti-
vos declarados como religiosos, é interessante nos
determos sobre o conceito sociológico de conflito
social. Não é simples defini-lo, pois o risco de con-
frontação entre adversários, indivíduos e/ou grupos
remete à natureza do próprio sistema social. Veja-
mos, então, algumas das diferentes concepções so-
ciológicas de ontem e de hoje.
O darwinismo social, elaborado pelo filósofo in-
glês Herbert Spencer, considerava o conflito um
ponto central, na medida em que acreditava na
“evolução” da sociedade como decorrente da “so-
brevivência do mais forte”. Já a vertente funcionalis-
ta, inaugurada por Durkheim, contrapõe consenso
e conflito. Embora reconheçam uma “dimensão con-
flitual” na sociedade, ou seja, uma tensão perma-
nentemente moderada pela solidariedade social
(vista no capítulo 5), os funcionalistas consideram
as situações conflituosas (conflitos étnico-raciais,
guerras, revoluções, etc.) disfuncionais, estados pa-
tológicos da sociedade que põem em risco a inte-
gração social.
Com Weber, o conflito social passa a ser visto co-
mo uma ação cotidiana, resultado de uma relação de
concorrência entre indivíduos. Na teoria weberiana,
como cada um tem a intenção de fazer triunfar sua
própria vontade, o conflito perde o seu caráter “pato-
lógico” e aplica-se a todo sistema social.
Para algumas teorias, os conflitos sociais são res-
ponsáveis pelas mudanças históricas centrais, como a
interpretação dialética de Marx da luta de classes. O
norte-americano Lewis Coser (1913-2003) faz uma
abordagem funcionalista do conflito, considerando-o
a mola para a renovação e a mudança da sociedade,
por gerar novas normas e novas instituições. Outro so-
ciólogo contemporâneo, o alemão Ralf Dahrendorf
(1929-2009), observa que a sociedade contemporâ-
nea vai institucionalizando o conflito, ou seja, emer-
gem instituições de regulação dos conflitos, em que
os parceiros se acertam e recorrem a mediações e for-
mas de conciliação próprias do mundo industrial.
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164 • CAPítulo 6
Algumas sugestões de temas de pesquisa são:•o conflito palestino-israelense;•o conflito entre indianos e paquistaneses na região da Caxemira;•o conflito entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte;•a Revolução Iraniana e suas implicações no cenário atual do país;•os conflitos étnico-religiosos na região da ex-Iugoslávia nos anos 1990.
A religiosidade no Brasil
O Brasil é um Estado laico, ou seja, legalmente o Estado é independente e não está submetido aos desígnios de qualquer conf issão religiosa. Além disso, os cidadãos têm a garantia constitucional de poderem professar a re-ligião que desejarem, sem discriminações. Diz o inciso VI do artigo 5 da Constituição Brasileira: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na for-ma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”.
No Brasil e no mundo, tem aumentado o número de grupos religiosos, que em sua maioria representam cisões nas denominações religiosas mais antigas. É o caso, na América Latina e no Brasil, da expansão de grupos de caráter protestante e pentecostal. Embora os católicos ainda sejam a maioria da população brasileira, a proporção com relação ao total caiu de 73,6% em 2000 para 64,6% em 2010, de acordo com o Censo Demográf ico 2010, do IBGE. Já os seguidores de denominações evangélicas, que representavam 15,4% da população em 2000, chegaram a 22,2% em 2010 – um aumento de cerca de 16 milhões de pessoas. Algumas pesquisas antropológicas discutem a tese de que a conversão a esses novos grupos religiosos seria, em parte, uma reação à situação de pobreza e de marginalidade da população.
km 0 610
45º O
OCEANOATLÂNTICO
0º
Trópico de Capricórnio
Equador
PI
SE
AL
RJ
AC
AM
RO
DF
TO
BA
CEMA
GO
MT
PA
MS
PR
RS
SP
SC
MG
RRAP
ES
PE
PB
RN
De 9,7% a 15%
De 15,1% a 20%
De 20,1% a 30%
De 30,1% a 33,8%
Adaptado de: CENSO Demográfico 2010. Disponível em:
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Sociedade e religião • 165
O Censo 2010 também aponta um aumento do nú-mero de pessoas que se declaram sem religião, no mes-mo período, de 7,3% para 8% da população brasileira. Para a antropóloga brasileira Regina Novaes (1952-), uma explicação possível para esse crescimento, sobre-tudo entre os jovens, está menos relacionada ao ateís-mo e mais a formas de ligação com o sagrado e com o religioso desvinculadas de instituições religiosas. Essas formas se expressam numa espiritualidade individuali-zada e também na participação em manifestações cole-tivas, como festas religiosas e seus símbolos.
Ainda de acordo com o Censo, os seguidores da umbanda e do candomblé mantiveram-se em 0,3% em 2010, enquanto a população que se declara espírita passou de 1,3%, em 2000, para 2%, em 2010. Embora sejam contingentes populacionais pequenos, a presen-ça dessas religiões nas representações sociais e nas ma-nifestações culturais e artísticas no Brasil são signif ica-tivas, o que revela que sua influência vai além daqueles que se declaram adeptos desses grupos religiosos.
É recorrente a fala de que o Brasil é um país em que o sincretismo religioso está muito presente, ou seja, no qual elementos de cultos e doutrinas diferentes se com-binam e são reinterpretados. Para o antropólogo e soció-logo francês radicado no Brasil Pierre Sanchis (1928-), o sincretismo não é próprio do campo da religião, mas sim da cultura, e se dá no interior de uma relação desigual entre duas culturas ou duas religiões. Essa desigualdade é consequência de relações históricas de dominação de classe, dominação polí-tica ou hegemonia cultural, em que elementos de uma religião subjugada ou discriminada são incorporados às práticas religiosas dominantes. Assim sen-do, é preciso considerar a diferença entre declarações de identidade (associa-das à instituição religiosa), em geral captadas pelo Censo, e declarações de convicções (associadas à vivência e às crenças dos indivíduos).
No conjunto das manifestações religiosas brasileiras, a umbanda seria, segundo o sociólogo francês Roger Bastide, a expressão ideológica da inte-gração do negro à sociedade nacional. No período colonial e do Brasil Im-pério, a repressão dos colonizadores portugueses e luso-descendentes, pri-meiro, e das autoridades of iciais, depois, às religiões africanas e afro-brasileiras levaram os seus adeptos a fazerem adaptações para escapar da perseguição. Foi assim que entidades divinas como os orixás do povo ioruba e os inquices dos povos bantos foram associados a santos católicos, como, por exemplo, nas associações entre a orixá Iemanjá e a inquice Dandalunda com Nossa Senhora, ou entre a orixá Iansã e Santa Bárbara. A umbanda, fundada no século XX, resultou da sistematização de um processo maior de modif ica-ções, como a crença da manifestação de espíritos errantes em sessões medi-únicas e o abandono de rituais de sacrifício.
Já o candomblé é a mais difundida entre as religiões trazidas pelos grupos africanos para o Brasil, tendo preservado muitas das características originais, apesar das mudanças. Seus rituais costumam ser embalados por cantos, em
Fiéis durante lavagem das escadarias da Igreja do Senhor do
Bonfim, em Salvador, Bahia. Foto de 2009.
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166 • CAPítulo 6
terreiros, como são chamados os locais de culto aos orixás, onde se realizam
oferendas aos deuses e são feitas consultas espirituais. Tais locais são cuidados
e dirigidos por um pai (babalorixá) ou uma mãe (ialorixá) de santo.
As religiões dos indígenas brasileiros são tão diversas quanto são os po-
vos indígenas que habitam o território nacional, e muitas delas são ainda
hoje praticadas. Recentemente houve grande aumento de pesquisas que
oferecem aos etnólogos material para o melhor conhecimento da sociedade
brasileira. Estudos sobre os movimentos messiânicos no Brasil revelam, por
exemplo, a associação de personagens míticos e rituais de origem indígena
à sua ação política, como na Guerra do Contestado, região em disputa pelos
estados do Paraná e de Santa Catarina no início do século XX.
dEBatE
De que forma o sincretismo religioso está presente nas práticas sociais do brasileiro?
Segundo o que aprendemos neste capítulo, você diria que somos ou não um povo
religioso? Acompanhe a exposição do antropólogo brasileiro Roberto DaMatta
(1936-) e, em equipe, discutam o assunto.
Do mesmo modo que temos pais, padrinhos e patrões, temos também entida-
des sobrenaturais que nos protegem. E elas podem ser de duas tradições religiosas
aparentemente divergentes. Isso realmente não importa. O que para um norte-
-americano calvinista, um inglês puritano ou um francês católico seria sinal de su-
perstição e até mesmo de cinismo ou ignorância, para nós é modo de ampliar nossa
proteção. E também, penso, um modo de enfatizar essa enorme e comovente fé
que todos nós temos na eternidade da vida. Assim, essas experiências religiosas são
todas complementares entre si, nunca mutuamente excludentes. O que uma delas
fornece em excesso, a outra nega. E o que uma permite, a outra pode proibir. O que
uma intelectualiza, a outra traduz num código de sensual devoção. Aqui também
nós, brasileiros, buscamos o ambíguo e a relação entre esse mundo e o outro [...]
Assim, se no Natal vamos sempre à Missa do Galo, no dia 31 de dezembro vamos
todos à praia vestidos de branco, festejar o nosso orixá ou receber os bons fluidos
da atmosfera de esperança que lá se forma. Somos todos mentirosos? Claro que
não! Somos, isso sim, profundamente religiosos.
DAMATTA, Roberto. o que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986. p. 115-116.
pausa para rEflEtIr
Quando tratamos de religião, estão em pauta questões referentes aos direitos huma-
nos, por serem eles inerentes a todas as pessoas, independentemente de sexo, na-
cionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. As sociedades de-
vem garantir aos indivíduos e grupos sociais o direito à vida e à liberdade, o direito
ao trabalho e à educação, mediante o poder político organizado. Essas garantias ao
cidadão têm inspiração, por exemplo, na Declaração Universal dos Direitos Huma-
nos, um dos documentos básicos das Nações Unidas, assinada em 1948, logo após a
Segunda Guerra Mundial. A Declaração contém os direitos de todos os seres huma-
nos, mencionando, entre outros assuntos, a questão da religião. Acompanhemos
um excerto do texto original: artigos I, II e XVIII:
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Sociedade e religião • 167
Declaração Universal dos Direitos Humanos
(Adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da
Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948)
Artigo I.
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dota-
dos de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fra-
ternidade.
Artigo II.
1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabe-
lecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo,
idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, ri-
queza, nascimento, ou qualquer outra condição.
2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídi-
ca ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um
território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra
limitação de soberania.
Artigo XVIII.
Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência, religião; este di-
reito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa
religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou