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~ ,,~. RACIONALlZAAO SUBVERSIVA:.. -'CNOLOGIA, PODER E
DEMOCRACIA1
Por Andrew Feenbe
S LlMITESDATEORIA,DEMOCRTICA
_-~tecnologia uma das maiores fontes de poder nas sociedades
modernas,
do as decises que afetam nosso dia-a-dia so discutidas, a
democracia
ltica inteiramente obscurecida pelo enorme poder exercido pelos
senho- _
dos sistemas tcnicos: lderes de corporaes, militares e associaes
pro-
- ionais de grupos como mdicos e engenheiros. Eles possuem muito
mais
trole sobre os padres de crescimento urbano, o desenho das
habitaes
sistemas de transporte, a seleo das inovaes, sobre nossa
experincia
o empregados, pacientes e consumidores do que o conjunto de
todas as
znstituies governamentais da sociedade.
arx constatou o incio de tal conjuntura em meados do sculo XIX.
Ele argu-
ntava que a tradicional teoria democrtica teria errado ao tratar
a economia
mo um domnio 'extrapoltico, regido por leis naturais como a lei
da oferta e
procura. Afirmava que permaneceremos alienados e sem uma
verdadeira ci-
:3adaniaenquanto no tivermos voz ativa no processo das decises
industriais.
_-\.democracia deve ser estendida do domnio poltico para o mundo
do traba-
o. Esta a demanda fundamental por trs da ideia de socialismo. As
socieda-
modernas foram desafiadas por essa demanda durante mais de um
sculo.
_ teoria da poltica democrtica no oferece nenhuma razo
convincente de
?rincpios que possa rejeitar ou que a leve a ser rejeitada. De
fato, muitos
zericos democrticos a endossam. Alm disso, em muitos pases, as
vitrias
rarlamentares ou as revolues levaram ao poder partidos voltados
para o seu
cance. Porm, ainda hoje, parece que no estamos mais perto da
democrati-
zao industrial do que nos tempos de Marx.
Esse estado de coisas explicado por um entre os dois argumentos
que se se-
guem. Por um lado, o ponto de vista do senso comum considera a
tecnologia
moderna incompatvel com a democracia no mercado trabalho. A
teoria demo-
crtica no pode pressionar, de forma consistente, por reformas
que poderiam
-
A I/ ORI \ l RITlC \ DF. A:-\DRr:\\ r! ['''':Ar !H, R \(
10:-\.\1 1Z\( vo IH \10( R.\T1C \ PODER I TFt :-\O! OGI \
destruir as fundaes econmicas da sociedade. Para provar isso,
basta consi-
derar o caso sovitico: embora socialistas, os comunistas no
democratizaram
a indstria e a democracia atual da sociedade sovitica s vai at
ao porto da
fbrica. Pelo menos, na ex-Unio Sovitica, todo mundo concordava
com a
necessidade de uma administrao industrial autoritria.
Por outro lado, uma minoria de tericos radicais afirma que a
tecnologia no
responsvel pela concentrao do poder industrial. Esta uma questo
poltica
que est relacionada vitria do capitalismo e das elites
comunistas nas lutas
com o povo. Sem nenhuma dvida, a tecnologia moderna tem
contribudo para
a administrao autoritria, mas em um contexto social diferente,
poderia mui-
to bem ser operacionalizada democraticamente.
A seguir, argumentarei em prol de uma verso qualificada da
segunda posio,
um pouco diferente da verso marxista habitual e das formulaes
social-de-
mocrticas. Essa qualificao se preocupa com o papel da
tecnologia, que vejo
nem como determinante, nem como neutro. Argumentarei que as
modernas
formas de hegemonia esto baseadas na mediao tcnica de uma
variedade de
atividades sociais, seja na produo, na medicina, na educao, no
exrcito, e,
por consequncia, a democratizao de nossa sociedade requer tanto
mudanas
tcnicas radicais quanto mudanas polticas, uma posio
controvertida.
A tecnologia, na viso do senso comum, limita a democracia ao
poder do Esta-
do. Em oposio, acredito que, a menos que a democracia possa ser
estendida
alm de seus limites tradicionais para dentro dos domnios
tecnicamente me-
diados da vida social, seu valor de uso continuar declinando,
sua participao
vai se esvanecer e as instituies que identificamos como sendo
parte de uma
sociedade livre desaparecero gradualmente.
Voltando ao argumento original, apresentarei um sumrio das vrias
teorias
que afirmam que, medida que as sociedades modernas dependem da
tecno-
logia, estas requerem uma hierarquia autoritria. Tais teorias
pressupem uma
forma de determinismo tecnolgico que refutado por argumentos
histricos
e sociolgicos, que sero resumidos posteriormente. Apresentarei,
ento, o
esboo de uma teoria no-determinista da sociedade moderna, a que
chamo
teoria crtica da tecnologia. Essa abordagem alternativa enfatiza
aspectos
contextuais da tecnologia ignorados pela viso dominante. A
tecnologia no
s o controle racional da natureza: tanto seu desenvolvimento,
quanto seu
PARTE 1 - CAPTULO 2: RACIONALIZAO SUBVERSIVA: TECNOLOGIA, PODER
E DEMOCRACL~
-
.A 11 ORlA ( RIII( \ IJI A0JDRE\\ FEENBERG R,l,.( 10~ o\L1Z \~
\0 DI MOt R \ III \. 1'001 R E I t-'l ~()LO(j1 \
impacto so intrinsecamente sociais. Concluindo, mostrarei que
essa perspec-
tiva enfraquece substancialmente a confiana habitual na questo
da eficincia
como critrio de desenvolvimento tecnolgico. Tal concluso, por
sua vez,
abre largas possibilidades de mudanas que foram excludas pela
compreenso
habitual que se tem da tecnologia.
MODERNIDADE DISTPICA
A famosa teoria de Max Weber sobre a racionalizao o argumento
originalcontra a democracia industrial. O ttulo deste ensaio
insinua uma reverso pro-vocativa nas concluses de Weber. Ele
definiu racionalizao como o papel
crescente do controle da vida social, uma tendncia que conduzia
ao que ele
chamou de a "gaiola de ferro" da burocracia'. Racionalizao
subversiva ,
assim, uma contradio de termos.
Com o fracasso da luta do tradicionalismo contra a racionalizao,
uma maior
resistncia no universo weberiano pode somente reafirmar os
impulsos irracio-
nais contra a rotina e a enfadonha previsibilidade. Esse no um
sistema de-
mocrtico, mas um sistema romntico distpico que j tinha sido
previsto nas
Memrias do subterrneo de Dostoievsky' e em vrias ideologias
naturalistas.
Meu ttulo significa a rejeio dicotomia entre a hierarquia
racional e o pro-
testo irracional implcito na posio de Weber. Se a hierarquia
social autorit-
ria verdadeiramente uma dimenso contingente do progresso tcnico,
como
acredito, e no uma necessidade tcnica, ento deve haver um modo
alternati-
vo de racionalizar a sociedade que leve democracia ao lugar de
formas cen-
tralizadas de controle. No precisamos voltar s cavernas ou ao
mundo ind-
gena para preservar valores ameaados, como a liberdade e a
individualidade.
Mas as crticas mais contundentes sociedade tecnolgica moderna
seguem
diretamente os passos de Weber, rejeitando a possibilidade que
apresentamos.
Quando afirmo tal ponto, coloco em foco a formulao de Heidegger
sobre
a questo da tecnologia e a teoria de Ellul sobre o fenmeno
tcnico". De
acordo com estas teorias, ns nos tomamos pouco mais que objetos
da tcnica,
incorporados em um mecanismo criado por ns mesmos. Lembrando
frase de
McLuhan citada anteriormente, a tecnologia nos reduziu a rgos
sexuais das
mquinas. A nica esperana uma vaga renovao espiritual, que
muito
abstrata para dar forma a uma nova prtica tcnica .
PARTE I - CAPTULO 2: RACIONALIZAO SUBVERSIVA: TECNOLOGIA, PODER
E
DEMOCRACIA...................................................................................................
- :..71
-
A ri ORlA (RI ru \ DI A:\DRI \\ FI I i\BI [{{, RtU. 10'\ \1 IZ
\~ \0 DI "'lU( R \TI( A. PODER E TI C"OLOC,JA
So teorias interessantes, mas teremos tempo apenas de pagar
tributo princi-
pal contribuio delas, ao abrir o espao de reflexo sobre a
tecnologia moder-
na. Para aprofundar o argumento, nos concentraremos na sua falha
principal:
a identificao da tecnologia em geral com as tecnologias
especficas que se
desenvolveram no ltimo sculo no Ocidente. So tecnologias de
conquista
que aparentam ter autonomia sem precedentes; suas origens
sociais e impactos
esto escondidos. Discutiremos que esse tipo de tecnologia uma
caracters-
tica particular de nossa sociedade e no uma dimenso universal da
moderni-
dade como tal.
O determinismo se baseia na suposio de que as tecnologias tm uma
lgica
funcional autnoma, que pode ser explicada sem se fazer referncia
socieda-
de. Presumivelmente, a tecnologia social apenas em relao ao
propsito a
que serve e propsitos esto na mente do observador. A tecnologia
se asseme-
lharia assim cincia e matemtica, devido sua intrnseca
independncia
do mundo social.
No entanto, diferentemente da cincia e da matemtica, a
tecnologia tem im-
pactos sociais imediatos e poderosos. Pode parecer que o destino
da sociedade
diante da tecnologia seja ficar dependente de uma dimenso
no-social que age
no meio social sem, entretanto, sofrer uma influncia recproca.
Isto o que
significa determinismo tecnolgico. As vises distpicas da
modernidade
que tenho descrito so deterministas. Se quisermos afirmar as
potencialidades
democrticas da indstria moderna, ento temos que desafiar as
premissas do
seu determinismo. Chamarei estas premissas de tese do progresso
uni linear e a
tese de determinao pela base.
Assim, eis um breve resumo das duas posies:
1. O progresso tcnico parece seguir um curso unilinear e fixo de
configura-es menos avanadas para mais avanadas. Embora essa
concluso possaparecer bvia a partir de um olhar retrospectivo sobre
o desenvolvimentotcnico de qualquer objeto que nos seja familiar,
de fato, tal concluso sebaseia em duas asseres de plausibilidade
desigual: primeiro, que o pro-gresso tcnico procede a partir de
nveis mais baixos de desenvolvimentopara os mais altos; segundo,
que esse desenvolvimento segue uma nica
PARTE 1 - CAPTULO 2: RACIONAUZAO SUBVERSIVA: TECNOLOGIA, PODER E
DEMOCRACIA
-
L"'HJ-=-~CRITICA DEAl'\DRE\\ FII :-.JBERG RACiONALlZA.i..O
DEi\.lOCRATIC~, PODER E rECNOLOGIA
sucesso de fases necessrias. Como veremos, a primeira assero
inde-:,;:>ndenteda segunda e no necessariamente
determinista.
) determinismo tecnolgico tambm afirma que as instituies
sociais.ern que se adaptar aos imperativos da base tecnolgica. Esta
viso que,sem nenhuma dvida, tem sua fonte em certa leitura de Marx
e agora
:,arte do senso comum das cincias sociais'.
- ::~'\o, discutirei em detalhes uma de suas implicaes: o
suposto custo-
-;::::-::r1cioe a troca compensatria (trade-oj]) entre
prosperidade e ideologia_. iental.
- - duas teses do determinismo tecnolgico apresentam uma verso
descon-
lizada, nas quais a tecnologia autogeradora e o nico fundamento
da
iedade moderna. O determinismo assim insinua que nossa
tecnologia e suas
turas institucionais correspondentes so universais, na verdade
planet-
em objetivo. Pode haver muitas formas de sociedade tribal,
muitos feu-
- . mos, at mesmo muitas formas de capitalismo primitivo, mas h
s uma
ernidade e ela exemplificada em nossa sociedade, para o bem ou
para o
. As sociedades em desenvolvimento deveriam perceber, como Marx
uma
disse, chamando a ateno de seus compatriotas alemes que tinham
fica-
para trs dos avanos britnicos: De tefabula narratur ( a vocs que
esta
- ria se refere").
CONSTRUTIVISMO
implicaes do determinismo aparecem to bvias que
surpreendente
- cobrir que nenhuma de suas duas teses pode resistir a um
escrutnio mais
~ ,ximo. Dessa maneira, a sociologia contempornea da tecnologia
desqualifi-
a primeira tese sobre o progresso unilinear, enquanto
precedentes histricos
:nostram a inadequao da segunda tese de determinao pela
base.
A recente sociologia construtivista da tecnologia emerge a
partir de uma cor-
rente mais ampla de vrias reas conhecida como os novos estudos
sociais
da cincia. Tais estudos questionam nossa tendncia a isentar
teorias cien-
tficas da mesma forma que submetemos ao exame sociolgico as
crenas
no-cientficas, e afirmam o "princpio de simetria", de acordo com
o qual
todas as crenas em disputa esto sujeitas ao mesmo tipo de
explicao so-
cial, no importando se so verdadeiras ou falsas". Um tratamento
semelhante
73PARTE 1 - CAPiTULO 2: RACIONALlZACAo SUBVERSIVA: TECNOLOGIA,
PODER E DEMOCRACIA
-
A TEORIA CRITICA DE ANDRI \V FI I NBERli RACiONALIZAO
DEMOCRATICA, PODER I IllNOLOGIA ;l.-:ro..\CRITICA DE ANDRE\\ F
para a questo da tecnologia rejeita a suposio habitual de que as
tecnologias
decorrem de bases puramente funcionais.
_::'e abrir esse futu
-~ questes sociais
o construtivismo defende que as teorias e as tecnologias no so
determinadasou fixadas a partir de critrios cientficos e tcnicos.
Concretamente, isso sig-
nifica duas coisas: em primeiro lugar, geralmente h diversas
solues poss-
veis para um determinado problema e que os atores sociais fazem
a escolha fi-
nal entre um grupo de opes tecnicamente viveis e, em segundo, a
definio
do problema muda frequentemente durante o curso de sua soluo. O
ltimo
ponto o mais conclusivo, mas tambm o mais dificil dos dois.
~ - :1 tese do progres
=:smo tecnolgico Il
te invocada em
tulo. Agora, vau
e a extenso doDois socilogos da tecnologia, Pinch e Bijker,
ilustram esse fato com os pri-
mrdios da histria da bicicleta". O objeto que hoje ns
consideramos como
sendo uma evidente caixa-preta" teve em seu comeo dois
dispositivos muito
diferentes: como veculo de corrida para prtica esportiva e como
utilitrio
destinado ao transporte. A roda dianteira mais alta da bicicleta
para prtica
esportiva era, na ocasio, necessria para se atingir altas
velocidades, mas isto
tambm causava instabilidade. Rodas de igual tamanho foram feitas
para uma
corrida mais segura, ainda que menos excitante. Os dois modelos
satisfize-
ram diferentes necessidades e eram, na realidade, tecnologias
diferentes, com
muitos elementos compartilhados. Pinch e Bijker chamam de
flexibilidade
interpretativa a ambiguidade original do objeto designado como
bicicleta.
culo XIX, na I
tal regulamenta
igiria trabalho inf
.m membro do pai
- o princpio de ln
prio". Prosseguit
eriam se constin
te o sistema de 1
lmente por parte
ambiental.
No fim das contas, o desenho seguro ganhou e beneficiou-se de
todos os avan-
os posteriores que aconteceram no campo. Em retrospecto, parece
que as bici-
cletas com as rodas maiores representavam uma fase rstica e
menos eficiente
em um desenvolvimento progressivo, que vem da velha bicicleta
segura at
aos modelos atuais. Na verdade, a bicicleta com rodas maiores e
a mais se-
gura compartilharam o mesmo campo durante anos e nenhuma delas
pode ser
considerada como fase do desenvolvimento da outra. As bicicletas
com rodas
maiores representam um possvel caminho alternativo de
desenvolvimento de
uma bicicleta direcionada para diferentes finalidades na sua
origem.
orm, o que de fan
impr limites na
ica? Ser que os Il
. -Ios? De forma ai
balho nas fbricas
anteriores. As criam
como aprendizes e c
do de trabalho com
- r pressupostos do
tlgico pelo retomo i
aixa por causa da nO determinismo uma espcie de histria WhigIO,
na qual o final da histria
seria inevitvel desde o seu comeo, ao projetar no passado a
lgica tcnica
abstrata de um objeto acabado da atualidade. Como se esta lgica
fosse a causa
do desenvolvimento no passado. Esse enfoque confunde nossa
compreenso
do passado e sufoca a imaginao de um futuro diferente. O
construtivismo
o exemplo nos mo: rigidamente limi
de demandas sociai
PARTE 1 - CAPnJLO 2: RACIONALIZAO SUBVERSIVA: TECNOLOGlA, PODER
E DEMOCRACIA
-
.~ R:'!. CRITICA DE i\NDRE\\ FUNBERG RAClONALlZA~AO DEMOCRATlCA,
PODER r. TECNOLOGIA
- .:~ brir esse futuro, embora seus seguidores tenham hesitado
em se engajar
-.: .::uestessociais mais amplas, implicadas em seu mtodo I
I.
INDETERMINISMO
~ :: lese do progresso unilinear perde sentido, o colapso da noo
de determi-
::::S:::::lO tecnolgico no pode estar muito atrs. Porm, a tese
ainda frequente-
- te invocada em debates polticos contemporneos. Voltaremos a
eles neste
_. irulo. Agora, vamos considerar grande antecipao dos
movimentos na luta
ere a extenso do trabalho dirio e sobre a mo-de-obra infantil,
no decorrer
sculo XIX, na Inglaterra. Os donos de fbrica e os economistas
denuncia-
tal regulamentao como inflacionria; a produo industrial
supostamente
igi a trabalho infantil e longa jornada de trabalho.
membro do parlamento chegou a declarar tal regulamentao seria
"um
- princpio de humanidade, que certamente, ao fim, seria
derrotado por si
. rio". Prosseguiu argumentando que as novas regras eram to
radicais que
- eriam se constituir "em princpio, um argumento para eliminar
completa-
te o sistema de trabalho nas fbricas?". Protestos semelhantes so
ouvidos
ente por parte das indstrias ameaadas pelo que elas chamam de
Ludis-
ambiental.
,m, o que de fato aconteceu, ainda que os legisladores tenham
tido sucesso
impr limites na durao na jornada de trabalho e ao tirar as
crianas da f-
oca? Ser que os imperativos violados da tecnologia retrocederam
para assom-
,-los? De forma alguma. A regulamentao conduziu a uma
intensificao do
zabalho nas fbricas que era, de outra maneira, incompatvel com
as condies
eriores. As crianas deixaram de trabalhar e foram socialmente
redefrnidas
mo aprendizes e consumidores. Consequentemente, elas entraram no
merca-
- de trabalho com maiores nveis de habilidades e disciplina que
passaram a
ser pressupostos do modelo tecnolgico. Como resultado, ningum
ficou nos-
gico pelo retomo aos bons velhos tempos quando a inflao era
mantida bem
. a por causa da mo-de-obra infantil. Isso no simplesmente uma
opo.
exemplo nos mostra a tremenda flexibilidade do sistema tcnico.
Ele no
~ rigidamente limitado; pelo contrrio, pode adaptar-se a uma
variedade
demandas sociais. Tal concluso no deveria ser surpreendente,
dada a
ARTE 1 . CAPTULO 2: RACIONALIZAO SUBVERSIVA: TECNOLOGIA, PODER E
DEMOCRACIA
0 o o o o o o. o o o o o o,,
-
A HORIA CRlTlCA DE ANDRE\\ FEENRERG RACIONALlZAAO DEMOCRATICA,
PODf:R E TECNOLOGIA
capacidade de resposta da tecnologia redefinio social,
previamente dis-
cutida, o que significa que tecnologia apenas mais uma varivel
social de-
pendente que, embora esteja crescendo de importncia, no a chave
para o
enigma da histria.
o determinismo, como j argumentei, caracterizado pelos princpios
de pro-gresso unilinear e de determinao pela base; se o
determinismo estiver erra-
do, ento a pesquisa sobre a tecnologia deve ser guiada pelos
dois seguintes
princpios contrrios. Em primeiro lugar, o desenvolvimento
tecnolgico no
uni linear, mas se ramifica em muitas direes e poderia alcanar
nveis ge-
ralmente mais altos, ao longo de mais de um caminho diferente.
Em segundo,
o desenvolvimento tecnolgico no determinante para a sociedade,
mas
sobredeterminado por fatores tcnicos e sociais.
o significado poltico desta posio, agora, tambm deveria ser
esclarecido.Em uma sociedade onde o determinismo monta a guarda nas
fronteiras da
democracia, o indeterminismo no pode deixar de ser um fato
poltico. Se a
tecnologia tem muitas potencialidades inexploradas, os chamados
imperativos
tecnolgicos no podem impr a hierarquia social atual. Em lugar
disso, tecno-
logia um campo de luta social, uma espcie de parlamento das
coisas, onde
concorrem as alternativas civilizatrias.
INTERPRETANDO TECNOLOGIA
No restante deste artigo, gostaria de apresentar alguns temas
principais de uma
abordagem no-determinista da tecnologia. O quadro esboado, at
agora, im-
plica uma mudana significativa em nossa definio da tecnologia.
No pode
mais ser considerada como uma coleo de dispositivos e nem como a
soma
de meios racionais, como ocorre mais frequentemente. Estas so
definies
tendenciosas, que fazem a tecnologia parecer mais funcional e
menos social
do que de fato .
Enquanto um objeto social, a tecnologia deveria estar sujeita a
uma interpre-
tao como qualquer outro artefato cultural, mas geralmente
excluda do
estudo nas cincias humanas. Tem-nos, entretanto, assegurado que
sua essncia
repousa em uma funo tecnicamente explicvel, em vez de um
significado in-
terpretvel hermeneuticamente. No mximo, os mtodos das cincias
humanas
"
:; """'EORIACRITICA DI A'\D;_
:-.xlem apenas t:rz::::
~ .niesto das elJh>--:::~
~.;es considcraeza
o pode serco
-gnificao he
- eiro tem a l .
ssam prontameas
a sgnficado.
_-a realidade, a
mia moderna.
naquilo que eles
mais completo
estilos de vida
empobrecido, o
o ponto de vistamporalmente
argumenta pela .
uma configura -
-
.~ ~_. ~Rmc-\. DE ANDRE\\ FEFNR! RG RA( IONALlZA DI MOCRATICA.
PODERr: TECNOlOGIA..
-~ apenas trazer alguma luz aos aspectos extrnsecos da
tecnologia, como
-=-_=-to das embalagens e da publicidade, ou as reaes populares
para ino-
- : es consideradas controversas, como o poder nuclear ou mes de
aluguel.
~=:enninismo tecnolgico tira a sua fora dessa atitude. Se algum
ignora a
- :-:iadas conexes entre a tecnologia e a sociedade, no
surpreendente que
.ssa lhe parecer como algo autoengendrado.
: _ :) jetos tcnicos tm duas dimenses hermenuticas: chamo-as de
signifi-
o social e horizonte cultural". O papel do significado social
est claro no
da bicicleta, citado anteriormente. Vimos que a construo da
bicicleta
em primeiro lugar, controlada por um conflito de interpretaes:
ela de-
- ser o brinquedo de um desportista ou um meio de transporte? As
carac-
sticas do seu desenho, como o tamanho menor da roda, tambm
serviram
atribuir significado bicicleta, como um ou outro meio de
transporte".
pode ser contestado como uma mera discordncia inicial sobre
metas, sem
. cao hermenutica, Uma vez que o objeto est estabilizado, o
enge-
- o tem a ltima palavra em relao sua natureza e o intrprete
humanista
ixado de lado - a viso da maioria dos engenheiros e gerentes,
que se
sam prontamente do conceito de meta, mas no reservam nenhum
lugar
significado.
- realidade, a dicotomia entre meta e significado um produto da
cultura
fissional funcionalista, que est, por sua vez, arraigada na
estrutura da eco-
.a moderna. O conceito de meta separa cruamente a tecnologia dos
seus
textos sociais, focalizando nos engenheiros e gerentes, assim
mesmo s
. o que eles precisam saber para fazer seu trabalho. Porm, um
quadro
completo obtido ao se estudar o papel social do objeto tcnico e
os
. os de vida que ele toma possvel. Esse quadro coloca a noo
abstrata de
ta em seu contexto social concreto. Toma as causas e as
consequncias do
texto tecnolgico visveis, em vez de ocult-Ias atrs de um
funcionalismo
pobrecido, obscurecendo-as.
ponto de vista funcionalista produz um corte transversal
descontextualizado
zemporalmente em relao vida do objeto. Como vimos, o
detenninismo
zrgumenta pela implausibilidade de sermos capazes de conseguir,
a partir de
a configurao momentnea de um determinado objeto para outro,
em
zermos puramente tcnicos. Mas no mundo real, todos os tipos de
atitudes
__-\RTE 1 - CAPTULO 2: RACIONALIZAO SUBVERSIVA: TECNOLOGlA,
PODER E DEMOCRACIA
-
A lEORIA CRITICA DF. ANDRE\\ FEE:-\BERG' Ro\C10"ALlZI\~AO
nrMOCRATICA, PODER E TECNOLOGIA
imprevisveis se cristalizam em torno dos objetos tcnicos e
influenciam mu-
danas posteriores do seu desenho. O engenheiro pode pensar que
so extrn-
secas ao dispositivo em que est trabalhando, mas so a prpria
substncia na
condio de um fenmeno histrico em desenvolvimento.
Esses fatos so reconhecidos, at certo ponto, nos prprios campos
tcni-
cos, especialmente na rea de computao, o que corresponde a uma
verso
contempornea do dilema da bicicleta discutida anteriormente. O
progresso
em velocidade, o poder e a memria avanam rapidamente e os
planejado-
res corporativos digladiam-se para compreender para qu isso tudo
serve. O
desenvolvimento tcnico, definitivamente, no aponta para qualquer
caminho
particular. Pelo contrrio, abre ramificaes e a determinao final
da rami-
ficao certa no est dentro da competncia da sua engenharia,
porque isso
simplesmente no se inscreve na natureza da tecnologia. Estudei
um exemplo
particularmente claro da complexidade da relao entre a funo
tcnica e o
significado do computador no caso do videotexto francs 15. O
sistema, cha-
mado "Teletel", foi projetado para trazer a Frana Era da
Informao, dando
acesso a bancos de dados para usurios do sistema telefnico.
Temendo que
os consumidores rejeitassem qualquer coisa que se assemelhasse a
um equipa-
mento de escritrio, a companhia telefnica tentou redefmir a
imagem social
do computador; no deveria mais se parecer com uma complexa
calculadora
para profissionais, mas com uma rede de informao para acesso de
todos.
A empresa desenhou um novo tipo de terminal, o Minitel, para
parecer e ser
percebido como um suplemento do telefone domstico. O disfarce
telefnico
ofereceu a possibilidade, a alguns usurios, de falar uns com os
outros pela
rede. Logo o Minitel sofreu uma posterior redefinio nas mos
desses usurios
e uns passaram a utiliz-lo para conversar, on-line,
anonimamente, procura de
diverso, companhia e sexo. Assim o desenho do Minitel encorajou
os enge-
nheiros da companhia a desenvolver aplicaes comunicativas que no
tinham
sido previstas, quando quiseram melhorar o fluxo de informao na
sociedade
francesa. Essas aplicaes, em troca, deram ao Minitel a conotao
de um meio
de encontro pessoal, completamente oposto ao projeto
racionalista para o qual
foi criado originalmente. O frio computador tornou-se um novo
meio quente.
O que vale, na transformao, no apenas a estreita concepo tcnica
do
computador, mas a verdadeira natureza da sociedade avanada que
tornou tal
PARTE I - CAPTULO 2: RACIONALIZAO SUBVERSIVA: TECNOLOGIA, PODER
E DEMOCRACIA
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Informao, em
---= ::,S. consumidores racionais famintos por informao,
procuramos estrat-o--- .ie otimizao? Ou se trata de uma tecnologia
ps-moderna que emerge do
~:,so da estabilidade institucional e emocional, refletindo, nas
palavras de
_ : .ard, a atomizao da sociedade em redes flexveis de jogos de
lngua-
_".:"d ?:6. Nesse caso, a tecnologia no somente um simples
servidor de algum
+rpsito social predefinido; um ambiente dentro do qual um modo
de vida
= ~~borado. Em suma, as diferenas do modo como os grupos sociais
inter-zrecam e usam objetos tcnicos no so meramente extrnsecas, mas
produzem
diferena na prpria natureza destes objetos O que o objeto para
os gru-
que, em ltima instncia, vai decidir seu destino e tambm vai
determinar
. o em que se tomar quando for redesenhado e melhorado, com o
passar
tempo. Se isto for verdade, poderemos, ento, entender o
desenvolvimento
olgico unicamente a partir do estudo da situao sociopoltica dos
vrios
_ os envolvidos no processo.
'?HEGEMON1~JECNOLGICA=-,~---_.-=--~~~._~~--~----------------------~_-
m de todo tipo de suposies sobre os objetos tcnicos individuais
que
os discutido at agora, prprias da hegemonia tecnolgica, h
suposies
. amplas sobre os valores sociais. Entra em cena ento o estudo
do hori-
te cultural da tecnologia. A segunda dimenso hermenutica da
tecnologia
~ a base das modernas formas de hegemonia social, o que
particularmente
relevante para nossa pergunta original, relativa inevitabilidade
da hierarquia
em sociedade tecnolgicas.
A concepo de hegemonia ora adotada diz respeito a uma forma de
domina-
~~o to profundamente arraigada na vida social, que parece
natural para aque-
es a quem domina. Podemos tambm defini-Ia como a configurao de
poder
social que tem, na sua base, a fora da cultura. O termo
horizonte, usado no
primeiro pargrafo, refere-se a suposies genricas e culturais,
que formam
background inquestionvel para qualquer aspecto da vida e, em
alguns ca-
sos, do suporte hegemonia. Por exemplo, em sociedades feudais, a
cadeia
de seres garantiu a hierarquia estabe1ecida na estrutura do
universo divino e
protegeu as relaes de casta da sociedade de possveis desafios.
Nesse hori-
zonte, camponeses at se revoltavam (contra os bares), mas em
nome do rei,
PARTE 1 - CAPTULO 2: RACIONALIZAO SUBVERSIVA: TECNOLOGlA, PODER
E DEMOCRACIA
"
-
A rEORIA CRlTlCA DE ANDRE\V FEENBERG RACIONALIZAO DEi\lOCRATlCA,
PODER E TECNOLOGTA
a nica fonte imaginvel de poder. A racionalizao nosso horizonte
mo-
derno e o desenho tecnolgico a chave para entender sua
efetividade como
a base das hegemonias modernas atuais. O desenvolvimento
tecnolgico
restringido por normas culturais que se originam das economias,
da ideolo-
gia, da religio e da tradio.
Discutimos anteriormente a questo de como suposies sobre a
composio
da fora de trabalho entraram no desenho das tecnologias de
produo do
sculo XIX. Tais suposies parecem to naturais e bvias que,
geralmente,
permanecem apenas no limiar da percepo consciente. Esse o ponto
da
importante crtica de Herbert Marcuse a Weber17 Marcuse mostra
que o
conceito de racionalizao confunde o controle do trabalho pelo
gerencia-
mento com o controle da natureza pela tecnologia. A procura do
controle da
natureza genrica, mas o gerenciamento s surge a partir de um
quadro so-
cial especfico, o sistema de salrios capitalista. Nele, os
trabalhadores no
tm nenhum interesse imediato na produo, na medida em que seus
salrios
no esto essencialmente vinculados renda da empresa,
diferentemente das
formas anteriores de remunerao dos trabalhos agrcola e
artesanal.
O controle de seres humanos de suma importncia, nesse contexto.
Graas
mecanizao, algumas das funes de controle so eventualmente
transfe-
ridas dos supervisores humanos para as mquinas, por meio do
parcelamen-
to das atividades e funes. O desenho das mquinas , assim,
socialmente
relativo quilo que Weber jamais reconheceu, e a racionalidade
tecnolgi-
ca que ela incorpora no universal, mas particular ao
capitalismo. De fato,
o horizonte de todas as sociedades industriais existentes, tanto
das comu-
nistas quanto das capitalistas, na medida em que elas so
administradas de
cima para baixo. Em seo posterior, discutirei uma aplicao
generalizada
desse enfoque, em termos do chamado cdigo tcnico.
Se Marcuse estiver certo, deve ser possvel traar as marcas das
relaes de
classe no desenho da tecnologia de produo, o que j foi
demonstrado sobre
o processo de trabalho por estudiosos marxistas como Harry
Braverman e
David Noble18. A linha de montagem oferece um exemplo
particularmente
claro, porque atinge as metas das tradicionais administraes,
como o tra-
balho fragmentado e desqualificado por um padro tcnico. A
disciplina de
trabalho imposta tecnologicamente aumenta a produtividade e os
lucros, au-
PARTE 1 - CAPTULO 2: RACIONALlZAAo SUBVERSIVA: TECNOLOGIA, PODER
E DEMOCRACIA
I ;. TEORIA CRlTlCA DE A'\:=
=entando o con
-:\:lllCO apenas e
..:::1 avano em'
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rima. Em tal um
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J fato de que o~a originado,
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As instituies qu
ntros de pesque
prprias e ligae
de racionalidade P
-
a:E:tt:.":I.CRITICA DE ANDRE\\ fEE;-.JBERG RAC10NALlZA.l,.O
DEMOCRATICA, PODER E TECNOLOGIA
- -::.:andoO controle. Porm, a linha de montagem aparece como
progresso
=~-=-:'o apenas em um contexto social especfico. No seria
percebida como_-=- avano em uma economia baseada em cooperativas de
trabalhadores
-- quais a disciplina de trabalho foi mais autoimposta do que
imposta de
_-=aoEm tal uma sociedade, uma racionalidade tecnolgica
diferente ditaria
=: os diferentes de aumentar a produtividade 19. O exemplo
mostra que a ra-::.Jnalidade tecnolgica no meramente uma crena, uma
ideologia, mas
-=_etivamenteincorporada na estrutura das mquinas. O desenho das
mqui-
- - reflete os fatores sociais operantes em uma racionalidade
predominante.
=> fato de que o argumento da relatividade social da
tecnologia moderna se
:=nha originado em um contexto marxista obscureceu suas maiores
implica-
ees radicais. No estamos lidando aqui com uma mera crtica ao
sistema de
opriedade, estendemos a fora da crtica em direo base tcnica.
Esse
enfoque extrapola a velha distino econmica entre capitalismo e
socia-
- mo, mercado e planejamento. Pelo contrrio, chega-se a uma
distino
muito diferente entre sociedades nas quais o poder est na mediao
tcnica
das atividades sociais e naquelas que democratizam o controle
tcnico e, de
orma correspondente, o desenho tecnolgico.
TEORIA DE DUPLO ASPECTO
O argumento deste ponto pode ser resumido como uma reivindicao
de que
o significado social e a racionalidade funcional so dimenses
inextricavel-
mente entrelaadas da tecnologia. No so ontologicamente
distintos, como
o significado na mente do observador e a racionalidade prpria da
tecnologia,
por exemplo. So, em lugar disso, aspectos duplos do mesmo objeto
tcnico
bsico, cada aspecto sendo revelado por um contexto especfico. A
racionali-
dade funcional, como a racionalidade tecnocientfica em geral,
isola objetos do
seu contexto original para incorpor-los em sistemas tericos ou
funcionais.
As instituies que do suporte a esse procedimento - tal como
laboratrios e
centros de pesquisa - formam um contexto especfico que dispe de
prticas
prprias e ligaes com os vrios agentes sociais e reas de poder. A
noo
de racionalidade pura surge quando o trabalho de
descontextualizao no foi
PARTE 1 - CAPITULO 2: RACIONALIZAO SUBVERSIVA: TECNOLOGIA, PODER
E DEMOCRACIA 81
-
compreendido suficientemente como sendo uma atividade social,
que reflete
interesses sociais. As tecnologias so selecionadas a partir de
interesses entre
muitas possveis configuraes. Na orientao do processo de seleo,
esto
cdigos sociais estabelecidos pelas lutas culturais e polticas
que defmem o
horizonte sob o qual a tecnologia atuar. Uma vez introduzida, a
tecnologia
oferece uma validao material do horizonte cultural para o qual
foi prefor-
mada. Isso pode ser chamada de vis da tecnologia: aparentemente
neutra, a
racionalidade funcional engajada em defesa de uma hegemonia.
Quanto mais
a sociedade emprega tecnologia, mais significativo esse
engajamento.
A TEORIA CRITICA DE ANDRE\v FEENIlER(J RAClONAUZAAO DEMOCRATICA,
PODER E TECNOLOGIA
Como Foucault discute em sua teoria sobre poder/conhecimento, as
formas
modernas de opresso no esto to baseadas em falsas ideologias,
seno mui-
to mais em verdades tcnicas, as quais a hegemonia seleciona para
reproduzir
o sistema". Enquanto a escolha permanece escondida, a imagem
determinsti-
ca de uma ordem social justificada tecnicamente projetada.
A efetividade legitimadora da tecnologia depende da inconscincia
do hori-
zonte poltico-cultural na qual ela foi concebida. A crtica
recontextualizadora
da tecnologia pode descobrir aquele horizonte, desmistificar a
iluso de ne-
cessidade tcnica e expor a relatividade das escolhas tcnicas
predominantes.
~ RELATIVIDADE SOCIAL DA EFICINCIA-:
)82
Esses assuntos aparecem com fora particular no movimento
ambientalista
atual. Muitos ecologistas clamam mudanas tcnicas que protegeriam
a na-
tureza e, no mesmo processo, melhoraria a vida humana. Tais
mudanas au-
mentariam a eficincia em amplos termos pela reduo dos efeitos
colaterais
prejudiciais e custosos da tecnologia. Isso, no entanto, muito
dificil de ser
imposto em uma sociedade capitalista. H uma tendncia de desviar
a crtica
dos processos tecnolgicos para os produtos e as pessoas, de uma
preveno a
priori, para uma limpeza aposteriori. As estratgias preferidas
so geralmente
caras e reduzem a eficincia de uma determinada tecnologia. Tudo
isso traz
consequncias polticas .
Restabelecer o ambiente depois que ele foi afetado uma forma de
consu-
mo coletivo, financiada por impostos ou preos mais altos. Tais
enfoques do-
minam a conscincia pblica. por isso que o movimento
ambientalista
PARTE I - CAPTULO 2: RACIONALIZAO SUBVERSIVA: TECNOLOGIA, PODER
E DEMOCRACIA
-
I "-~ "-!~CRITIC'\ DE A1\;DRE\\ FEENBERG RACIONALIZAAO
DfMOCRATICA, PODER E TECNOLQ(,IA
-: ebido como um custo que envolve trocas compensatrias
(trade-offs) e
-~ como uma racionalizao que aumenta a eficincia como um todo.
Mas
='= uma sociedade moderna, obcecada pelo bem-estar econmico,
esta viso .!:::1Ildioada.Os economistas e empresrios esto mais
inclinados a explicar
_ o- reo que pagarmos pela inflao e pelo desemprego por fora do
culto ao
::::J.aisnaturais, em vez do culto a Mammon (uma divindade do
mal, deus das
-~ezas). A pobreza espera por aqueles que no se ajustam s
expectativas
- iais e polticas da tecnologia. O modelo de troca compensatria
coloca os
bientalistas em uma situao de pouca importncia para fornecer uma
estra-
gia vlida. Alguns prometem uma piedosa esperana de que as
pessoas tro-
-o os valores econmicos pelos valores espirituais em face da
ascenso do
blemas da sociedade industrial. Outros esperam que ditadores
esclarecido
rem brava e estoicamente a dificultosa e desgastante tarefa de
realizar
a reforma tecnolgica, mesmo se uma populao desejosa dela no a
faa
~ dificil decidir qual dessas solues a mais improvvel, mas ambas
so in-
_ mpatveis com os valores democrticos bsicos". O modelo
custo-beneficio
troca compensatria nos confronta com dilemas - tecnologia com
forte
e ecolgica versus prosperidade, satisfao de trabalhadores e
controle ver-
"!lS produtividade etc. - onde o que precisamos so snteses. A
menos que
problemas do industrialismo moderno possam ser resolvidos de
modo que
ente o bem-estar pblico e que conquiste o suporte pblico, h
pouca razo
a esperar que eles sejam resolvidos. Mas como uma reforma
tecnolgica
eria ser reconciliada com a prosperidade quando se coloca uma
variedade de
vos limites na economia? O caso do trabalho infantil mostra como
aparentes
. emas surgem nos limites de uma mudana cultural, especialmente
quando a
finio social das principais tecnologias est em transio. Em tais
situaes,
grupos sociais excludos do arranjo original articulam os seus
interesses no-
representados politicamente. Novos valores por fora dos quais os
excludos
editam que aumentariam o seu bem-estar parecem meras ideologias
aos in-
ludos que se julgam adequadamente representados pelo desenho
tecnolgico
existente, o que uma diferena de perspectiva, no de natureza. No
entan-
10, a iluso de um conflito fundamental se renova sempre que as
principais
mudanas sociais afetam a tecnologia. A princpio, satisfazendo as
demandas
os novos grupos aps o ocorrido, tem custos visveis e, sendo
feita de ma-
neira descoordenada, na verdade, reduz a eficincia do sistema at
que novos
desenhos sejam encontrados. Mas, normalmente, podem ser
encontrados
PARTE 1 - CAPTULO 2: RACIONALIZAO SUBVERSIVA: TECNOLOGIA, PODER
E DEMOCRACIA 83
-
melhores desenho e o que poderia parecer uma barreira
r.~c~_~,.",..-=t
mento se dissolve, em face s mudanas tecnolgicas.cresci-
Esta situao indica a diferena fundamental entre troca econmica e
tcnica
So trocas compensatrias: mais A significa menos B. Mas o
objetivo do avan-
o tcnico precisamente evitar tais dilemas, por meio de desenhos
elegantes
que otimizem de uma nica vez diversas variveis. A um nico
mecanismo
inteligentemente concebido, podem corresponder muitas demandas
sociais
diferentes, a uma estrutura, muitas funes". O desenho tecnolgico
no
um jogo econmico de soma zero, mas um processo cultural
ambivalente que
serve a uma multiplicidade de valores e grupos sociais sem,
necessariamente,sacrificar a eficincia.
pois o nmero de passageiros foi crescendo cada vez mais. Fato
que, compre-
ensivelmente, os donos de barcos interpretaram como um voto de
confiana e
protestaram contra o custo excessivo dos desenhos mais seguros.
Entretanto,
vrios polticos tambm ganharam votos exigindo segurana. A taxa de
aci-dentes caiu drasticamente, uma vez que as melhorias tcnicas
foram cumpri-
das. A legislao quase no teria sido necessria para alcanar esse
resultado,
se isso tivesse sido determinado tecnicamente. Mas, na
realidade, o projeto dascaldeiras estava relacionado com um
julgamento social sobre segurana. O jul-gamento poderia ter sido
feito estritamente a partir das leis de mercado, comodesejavam os
empresrios, ou politicamente, com diferentes resultados tcni-cos.
Em qualquer caso, esses resultados constituram o que veio a ser a
prpria
caldeira. O que uma caldeira foi, assim, defrnido por um longo
processo de
tj~.. lutas polticas que, em ltima. instncia, culmin~u em c~i~os
uniformes emi-. tidos pela Sociedade Estadumdense de Engenheiros
Mecamcos.ri. ; .'..~ 84 PARTE 1 - CAPTULO 2: RACIONALIZAO
SUBVERSNA: TECNOLOGlA, PODER E DEMOCRACIA
kill
II
o CDIG,O TCNICOTais conflitos sobre o controle social de
tecnologia no so novos, como se
pode ver no interessante caso das caldeiras explosivas". As
caldeiras de bar-
cos a vapor foram a primeira tecnologia que o governo
estadunidense sujeitou
a um regulamento de segurana, em 1852. Mais de cinco mil pessoas
j haviam
morrido ou ficado feridas, ento, em centenas de exploses de
barcos a vapor,apesar de, desde 1816, j haver sido proposto um
regulamento semelhante aoque foi implantado. So muitas vtimas ou
poucas? Os consumidores, eviden-
temente, no ficaram to alarmados; continuaram a viajar de barco
a vapor,
- . ~ 41..:.\ CRITICA DE :-";ORE\\ FEENRERG RACIONALlZAAO
DEMO
- A TEORIA CRITICA DE ANDREW FEENBERG RACIONAUZA:
-
A TEOR! \ CRlTK \ DE At-;ORE\\ FfENBER(, RACIOt-;ALIZAc,: 0\0
DE\IOC R!\TICA, PODER E TEC'\;OLOGIA
econmico da mudana tcnica geralmente diminui a importncia mais
ampla
das suas implicaes humanas, ao estruturar um modo de vida. Em
tais casos, a
regulamentao define o quadro cultural da economia; no um ato
praticado
na economia.
1..5 CON5EQUNCIA5 DA TECNOLOGIAA teoria esboada aqui sugere a
possibilidade de uma reforma geral da tecno-
logia. Mas os criticos distpicos objetam que, pelo simples fato
de se buscar
eficincia ou efetividade tcnica, j se faz uma violncia
inadmissvel aos se-
res humanos e natureza. A funcionalidade universal destri a
integridade de
tudo isso. Como argumenta Heidegger, uni mundo onde os recursos
produzi-
dos repem o mundo de coisas naturais deve ser tratado com
respeito pelo seu
modo de ser, enquanto espaos de reunio de nossos mltiplos
engajamentos
como ser". A crtica se refora a partir dos reais perigos com que
a tecnolo-
gia moderna ameaa o mundo hoje. Mas minhas suspeitas so
despertadas
pelo famoso contraste de Heidegger entre uma represa no Reno e
um clice
grego - seria dificil deachar uma comparao mais tendenciosa. Sem
dvida,
a tecnologia moderna imensamente mais destrutiva que qualquer
outra. E
Heidegger tem razo em defender que os meios no so
verdadeiramente neu-
tros, que o seu contedo substantivo afeta a sociedade
independentemente das
metas s quais eles servem. Mas o contedo no essencialmente
destrutivo;
na verdade, uma questo de desenho e insero social. Em outra
ocasio,
Heidegger nos mostra um jarro, reunindo os contextos nos quais
foi criado e
suas funes. No h nenhuma razo por que a tecnologia moderna
tambm
no possa se reunir com seus mltiplos contextos, embora com um
pathos
menos romntico. Esse , na realidade, um modo de interpretar as
deman-
das contemporneas por uma tecnologia que respeite o meio
ambiente, apli-
caes da tecnologia mdica que respeitem a liberdade humana e a
dignidade,
planejamentos urbanos que criem espaos ricos e adequados para as
pessoas,
mtodos de produo que protejam a sade dos trabalhadores e ofeream
espa-
os para o aprimoramento da sua inteligncia, e assim por
diante.
o que so tais demandas seno um apelo para reconstruir a
tecnologia moder-na, de forma que a mesma agregue um leque de
contextos, em vez de reduzirseu ambiente natural, humano e social a
meros recursos? Mas Heidegger no
PARTE I - CAPTULO 2: RACIONALIZAO SUBVERSIVA: TECNOLOGIA, PODER
E DEMOCRACIA 87
-
5'3nnz: 77!ir 'V7t'T 3"777" nr m:::WJ7!m; , 17!!t",,: 77!7 ,,.'
17"",rw:r' r
levaria tais alternativas muito seriamente, porque reifica a
tecnologia moderna
como algo separado de sociedade, como uma fora inerentemente sem
contex-
to que pretende o puro poder. Se essa a essncia da tecnologia,
uma reforma
seria apenas extrnseca. Mas, neste ponto, a posio de Heidegger
converge
para o esprito de Prometeu, que ele prprio rejeita. Tanto este
quanto Hei-
degger dependem de uma definio estreita de tecnologia que, pelo
menos
desde Bacon e Descartes, tem enfatizado sua vocao de controlar o
mundo,
excluindo o seu igualmente essencial contexto de insero.
Acredito que esta
definio reflete o ambiente capitalista no qual a tecnologia
moderna, primei,
ramente, se desenvolveu.
o exemplo moderno de senhor da tecnologia o empresrio, dotado de
umamente que focaliza apenas a produo e o lucro. A empresa uma
platafor-
ma radicalmente descontextualizada voltada para a ao, sem as
tradicionais
responsabilidades com os indivduos e lugares que colaboraram com
poder
tcnico no passado. a autonomia da empresa que torna possvel
distinguir
to nitidamente entre consequncias intencionais e
no-intencionais, entre ob-
jetivos e efeitos contextuais, ignorando estes ltimos. O
estreito foco da tec-
nologia moderna satisfaz s necessidades de uma hegemonia
particular; no
uma condio metafisica. Sob essa hegemonia, o desenho tcnico , de
forma
no-usual, descontextualizado e destrutivo. Tal hegemonia o que
deve ser
considerado, no a tecnologia per se, quando apontamos que hoje
os meios
tcnicos formam uma crescente ameaa ao meio ambiente em que
vivemos. A
hegemonia que se encarnou na prpria tecnologia deve ser
questionada na luta
pela reforma tecnolgica.
88 PARTE 1 - CAPTULO 2: RACIONALIZAO SUBVERSIVA: TECNOLOGIA,
PODER E DEMOCRACIA
Heidegger rejeita qualquer diagnstico meramente social dos males
das so-
ciedades tecnolgicas e reivindica que a fonte dos seus problemas
remonta,
pelo menos, a Plato, e que as sociedades modernas apenas
concretizam um
telos imanente desde o incio na metafisica ocidental. A sua
originalidade con-
siste em apontar que a ambio para controlar o ser tambm, por sua
vez,
um modo de ser e, portanto, est subordinada, em um nvel mais
profundo, a
uma excluso ontolgica, que est alm do controle humano. A demanda
de
Heidegger por uma nova resposta a um desafio dessa excluso est
envolvida
em obscuridade qual ningum ainda foi capaz de dar um contedo
concreto.
-
!:. ~ .::tI\ cnrru -\ DE A'\DRI \\' FEE'\JBERG RAC1'" \UZ-\~ \0
DE\10( R-\TI( \, PODERE nt\:I OGI\
=: efeito geral da sua crtica condenar a instrumentalizao do ser
humano
;do menos nos tempos modernos e, ao mesmo tempo, confundir as
diferenas
essenciais entre diferentes tipos de desenvolvimento tecnolgico.
Tal confuso
um aspecto histrico. Heidegger est perfeitamente alertado que a
ativi-
":>detcnica no era metafsica na sua definio, at recentemente.
Ele pre-
::sa, portanto, distinguir nitidamente tecnologia moderna de
todas as formas
:;::ecedentes de tcnica, obscurecendo as muitas conexes e as
continuidades
reais existentes entre elas. Eu, pelo contrrio, argumentaria que
o qu novo
tecnologia moderna s pode ser entendido quando oposto ao
subterrneo do
do tcnico tradicional, do qual se desenvolveu.
Alm disso, o potencial positivo da tecnologia moderna s pode ser
percebido
~ Ia recapitulao de certas caractersticas tradicionais da
tcnica. Talvez seja
e o motivo pelo qual as teorias que tratam tecnologia moderna
como um
fenmeno nico levem a essas concluses pessimistas. A tecnologia
moderna
. ere das prticas tcnicas anteriores, quando se trata de mudanas
signifi-
ivas, quanto nfase que d ao lugar de mudanas genricas. No h
nada
sem.precedncia nas suas caractersticas principais, isto , na
transformao de
objetos em matrias-primas, no uso de planos e medidas precisos,
no controle
tcnico de alguns seres humanos por outros e nas operaes em
grande escala.
a central idade desses aspectos que nova, e claro que as
consequncias
disso so verdadeiramente sem precedentes.
o qu um quadro histrico mais abrangente mostra da tecnologia? As
dimen-es privilegiadas da tecnologia moderna aparecem em um
contexto maior,
que inclui muitas caractersticas atualmente subordinadas, mas
que foram de-
finidoras, para ela, em tempos passados. Por exemplo, at a
generalizao do
taylorismo, a vida tcnica era essencialmente a escolha de uma
vocao. A
tecnologia era associada a um modo de vida, com formas
especficas de de-
senvolvimento pessoal, virtudes, entre outros aspectos. Somente
com o suces-
so do capitalismo desqualificador que, afinal, essas dimenses
humanas da
tcnica foram reduzidas a fenmenos marginais. De forma
semelhante, a ad-
ministrao moderna substituiu o colegiado tradicional das guildas
por novas
formas de controle tcnico. Entretanto, da mesma forma que o
investimento
vocacional no trabalho continua, em situaes excepcionais, tambm
os cole-
giados sobrevivem em alguns locais de trabalho profissionais ou
cooperativos.
umerosos estudos histricos mostram que as formas antigas no so
assim
to incompatveis com a essncia da tecnologia, como o so com as
atuais
PARTE 1 - CAPTULO 2: RACIONALIZAO SUBVERSIVA: TECNOLOGIA, PODER
E DEMOCRACIA 89
-
A TEORIA CRITICA DE ANDREW FEENBERG RACIONALIZAO DEMOCRATICA,
PODER E TECNOLOGlA
economias capitalistas. Dado um diferente contexto social e um
diferente ca-
minho de desenvolvimento tcnico, poderia ser possvel recuperar
esses valo-
res tcnicos tradicionais e essas formas organizacionais de uma
nova maneira
em uma futura evoluo da sociedade tecnolgica moderna. A
tecnologia, em
qualquer sociedade, um elaborado complexo de atividades
relacionadas que
se cristalizam em tomo da fabricao e uso de ferramentas.
Assuntos como a
transmisso de tcnicas ou a administrao das suas consequncias
naturais, a
despeito de no serem extrnsecas tecnologia per se, so dimenses
da socie-
dade. Quando, em sociedades modernas, toma-se vantajoso
minimizar esses
aspectos da tecnologia, trata-se, tambm, de uma forma de
acomod-Ia a certa
demanda social e no se trata da revelao da sua pr-existente
essncia. Em
certa medida, se possvel ser coerente ao falar sobre uma essncia
da tecno-
logia, preciso abarcar o campo inteiro que revelado pelo estudo
histrico e
no apenas poucos aspectos etnocntricos, privilegiados por nossa
sociedade.
Por geraes, a f no progresso foi apoiada por duas convices
amplamente
defendidas: a primeira que a necessidade tcnica dita o caminho
do desen-
volvimento, e a segunda, que a procura por eficincia fornece uma
base para a
identificao deste caminho. Argumentamos anteriormente que ambas
as con-
vices so falsas, e que, alm disso, so ideologias empregadas para
justificar
restries oportunidade de participao das instituies da sociedade
indus-
trial. Conclumos com a ideia de que podemos alcanar um tipo novo
de socie-
dade tecnolgica, que pode dar suporte a um amplo leque de
valores.
A democracia um dos valores principais ao qual um industrialismo
redesenha-
do poderia servir melhor. Mas o que significa democratizar a
tecnologia? O pro-
blema no primordialmente de direitos legais, mas de iniciativa e
participao.
As formas legais podem eventualmente rotinizar as reivindicaes
feitas pela
primeira vez, informalmente, mas tais formas permanecero ocas, a
menos
que emerjam da experincia e das necessidades dos indivduos que
resistem
a uma hegemonia tecnolgica especfica. Essa resistncia assume
muitas for-
mas, desde lutas sindicais por sade e por segurana em usinas
nucleares ou
lutas comunitrias pela eliminao de lixo txico, at demandas
polticas pela
regulamentao das tecnologias de reproduo da espcie.
PARTE 1 - CAPTULO 2: RACIONALIZAO SUBVERSIVA: TECNOLOGIA, PODER
E DEMOCRACIA
-
A TEORIA CRITICA DE ANDREW FEENBERG ~CIONALIZAO DEMOCRAT1CA,
PODER E 1 ECNOLOGJA iI
~sses movimentos alertam-nos para a necessidade de se levar em
conta as
extemalidades tecnolgicas e demandam por mudanas de desenho
capazes
ae responder ao contexto mais amplo revelado nesse arrolamento.
Tais con-
.rovrsias tecnolgicas se tomaram uma caracterstica inevitvel da
vida pol-
tica contempornea, revelando os parmetros para a avaliao da
tecnologia
oficial. Elas sugerem a criao de uma nova esfera pblica que
inclua o back-
ground tcnico da vida social e um novo estilo de racionalizao
que intemali-
ze custos no contabilizados surgidos naturalmente, ou seja, algo
ou algum
ue pode ser explorado, em busca do lucro. Aqui o respeito pela
natureza no
antagnico tecnologia, mas aumenta-lhe a eficincia em termos
amplos.
Como essas controvrsias se tomam lugares comuns, surpreendentes
novas
formas de resistncia e de demandas emergem com elas. O trabalho
que usa
rede de computadores deu origem a uma entre muitas reaes
inovadoras do
pblico tecnologia. Os indivduos que foram incorporados em novos
tipos
de rede aprenderam a resistir por meio da prpria rede, com o
propsito de
influenciar os poderes que a controlam. No uma competio por
riqueza
ou poder administrativo, mas uma luta para subverter as prticas
tcnicas, os
procedimentos e os arranjos que estruturam a vida cotidiana.
O exemplo do Minitel pode servir de modelo desse novo enfoque.
Na Frana, o
computador foi politizado to logo o governo tentou apresentar um
sistema de
informao altamente racionalista ao pblico em geral. Os usurios
manipula-
ram a rede na qual eles foram inseridos e alteraram seu
funcionamento, intro-
duzindo a comunicao humanizada em uma escala onde apenas a
distribuio
centralizada de informaes havia sido planejada. instrutivo
comparar este
caso aos movimentos dos pacientes de aids. Da mesma maneira que
uma con-
cepo racionalista, na informtica, tende a obstruir as
potencialidades comu-
nicativas do computador, na medicina, as funes de atendimento se
tomaram
meros efeitos colaterais do tratamento, que compreendido
exclusivamente
em termos tcnicos. Os pacientes se tomam objetos da tcnica, mais
ou menos
complacentes com o gerenciamento por parte dos mdicos. A
incorporao,
nesse sistema, de milhares de portadores de HIV desestabilizou-o
e o exps
a novos desafios. O assunto-chave era o acesso a tratamentos
experimentais.
Com efeito, a pesquisa clnica um modo pelo qual um sistema mdico
al-
tamente tecnologizado pode cuidar daqueles que ainda no pde
curar. Mas,
PARTE 1 - CAPiTULO 2: R~CIONALTZA..O SUBVERsrVA: TECNOLOG~,
PODER E DEMOCRAcrA 91
- Ali ORI" CRITIC
-
A TEOR1 \ CR1TIl -\ Di A~DRn\ FEl :'\BfRG R'\CIO~-\LlZ-\3"O
;:JE\10l R-\T1l 1\, PODI R E TEC ,,\OLOG1 \
H certamente um espao para discusso das conexes entre essa nova
agenda
tecnolgica e a velha ideia do socialismo, e acredito que haja
continuidade
significante. Na teoria socialista, a vida dos trabalhadores e a
sua dignidade
representaram os contextos maiores que a tecnologia moderna
ignora. A des-
truio das suas mentes e corpos nos seus locais de trabalho era
vista como
uma consequncia contingencial ao sistema tcnico capitalista. A
implicao
de que as sociedades socialistas poderiam projetar uma
tecnologia muito dife-
rente sob um horizonte cultural distinto foi talvez apenas
discurso, mas pelo
menos foi formulada como uma meta.
Mais importante que a questo terminolgica o ponto substancial
que tenho
tentado tocar. Por que a democracia no foi levada para domnios
tecnicamente
mediados da vida social, apesar de um sculo de lutas? por que a
tecnologia
exclui a democracia, ou por que a primeira foi usada para
bloquear a segunda?
O peso dos argumentos apoia a segunda concluso. A tecnologia
pode apoiar
mais de um tipo de civilizao tecnolgica, e, algum dia, ser
incorporada em
uma sociedade mais democrtica que a nossa". Eles sugerem a criao
de uma
nova esfera pblica que inclua o contexto tcnico da vida social,
e um estilo
novo de racionalizao que internalize custos no contabilizados,
surgidos na-
turalmente, isto , algo ou algum que pode ser explorado, em
busca do lucro.
Aqui o respeito pela natureza no antagnico tecnologia, mas
aumenta a
eficincia em termos amplos.
NOTAS
PARTE 1 - CAPTULO 2: RACIONALIZAO SUBVERSIVA: TECNOLOGlA, PODER
E DEMOCRACIA 93
1 Conferncia apresentada na Associao Filosfica Americana (em 28
de dezembro1991> baseada no livro de A. Feenberg, Critical
Theory of Technology. (Nova York:Oxford University Press,1991>.
Ttulo original: Subversive rationalization: technology,power and
democracy. Foi publicada primeiramente em Inquiry 35
(3-4):,301-322,1992. Traduzido para o portugus por Anthony T.
Gonalves.
2 WEBER, Max. The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism.
Traduo de T.Parsons. Nova York: Scribners, 1958. pp.181-82.
3 Nota do tradutor: a nica referncia a este texto, em portugus,
foi encontrda naedio de 1963, Vol.II das Obras Completas de
Dostoievsky - Obras de Transio:Humilhados e Ofendidos (1861),
Memrias da Casa dos Mortos (1860), Uma HistriaAborrecida (1862),
Notas de Inverno sobre Impresses de Vero (1862-1863), Mem-rias do
Subterrneo (1864) - Romances da Maturidade: Crime e Castigo
(1867>' Riode Janeiro: Ed. Aguilar. 1.238 p.
4 HEIDEGGER, Martin. The Question Concerning Technology. Traduo
de W. Lovitt.New York: Harper & Row, 1977; ELLU L, Jacques. The
Technological Society. Tradu-o de J. Wilkinson. New York: Vintage,
1964.
-
A TEORTA CRITICA DF. ANDREW FEENBERG RACIONALIZAO DEMOCRATICA,
PODER F. TECNOLOGIA
... "--1
5 MILLER, Richard W. Analyzing Marx: Morality, Power and
History. Princeton:
Princeton University Press, 1984. pp. 188-95.
6 MARX, Karl, Capital. New York: Modern l.ibrary, 1906. p.
13.
7 Veja, por exemplo, BLOOR, David. Knowledge and Social Imagery.
Chicago: Univer-
sity of Chicago Press, 1991, pp. 175-79. Para uma apresentao
geral do construti-
vismo, veja LATOU R, Bruno. Science in Action. Cambridge:
Harvard University Press,
1987.
8 PINCH, Trevor J.; BIJKER, Wiebe E. The Social Construction of
Facts and Arte-
facts: Or How the Sociology of Science and the Sociology of
Technology Might Benefit
Each Other. Social Studies of Science, v. 14, n. 3, 1984, pp.
399-441.
9 Nota do tradutor: o termo "black box" significa, segundo o
American Heritage Dic-
tionary "um instrumento ou construto terico onde suas
caractersticas de performance
so conhecidas ou especificadas, mas seus constituintes e meios
de operao so des-
conhecidos e no-especificados".
10 Nota do tradutor: o autor se refere, com o termo "Whig
History", a um estilo en-
viesado de pesquisar e descrever histria. O estilo do
historiador Whig l o passado
com a finalidade de encontrar fatos, personagens que esto de
acordo com as ideias e
valores promovidos pelo autor, no presente, e v os bons
personagens como opostos
aos maus personagens os quais, por ignorncia ou vis supostamente
se opunham s
ideias do historiador, no presente. Desta forma, a Whig history
distorce a realidade dos
fatos, ideias, objetivos e pontos de vista de pessoas do
passado, ao recusar em tomar
o passado das pessoas e os eventos em seus contextos sociais e
culturais prprios, e
no lugar disto, classificando os mesmos contra um conjunto mais
moderna de ideias e
valores, considerados como "bons", pelo autor "whiggish"
Schuster em SCHUSTE R,
John Andrew. The Scientific Revolution: an introduction to the
history and philosophy
of science. Sydney: School of History and Philosophy of Science
UNSW, 1995.
11 Veja a crtica que Langdon Winner faz sobre as limitaes
caractersticas da po-
sio, em WINNER, Langdon. Upon Opening the Black Box and Finding
it Empty:
Social Construtivism and the Philosophy of Technology. In: PITT,
J. C.; LUGO, E. The
Technology of Discovery and the Discovery of Technology:
Proceedings of the Sixth
International Conference of the Society for Philosophy and
Technology. Blacksburg,
VA: The Society for Philosophy and Technology, 1991.
12 Hansard's Debates, Third Series: Parliamentary Debates
1830-1891, vol.LX-
XIII,1844 (22 feb -22 apr), pp. 1123 e 1120.
13 Um ponto de partida til para o desenvolvimento de uma
hermenutica da tecnologia
oferecido em RICOEU R, Paul. The Model ofthe Text: Meaningful
Action Considered
as a Text. In: RAINBOW, P.; SULLIVAN, W. (Orqs.), Interpretative
Social Science:
a reader. Berkeley: University of California Press, 1979.
14 Michel de Certeau usou a frase "retricas da tecnologia" para
referir-se s repre-
sentaes e prticas que contextualizam as tecnologias e Ihes d um
significado social.
De Certeau escolheu o termo "retrico" porque este significado no
simplesmente
imediato mas comunica um contedo que pode ser articulado pelo
estudo das cono-
PARTE 1 - CAPiTULO 2: RACIONALIZAO SUBVERSIVA: TECNOLOGIA, PODER
E DEMOCRACIA
-
~_ TEORIA CRlIlCA Dl ANDRE\V FEENBERG RAC10NALlZAAO DEMOCRAflCA,
PODER E TECNOLOGIA
::=;es que a tecnologia evoca. Veja a edio especial de Traverse,
n 26, out 1982.-:itulado Les Rhtoriques de Ia Technotogie, e, nesta
edio, especialmente o artig:7 Marc Guillaume, Tlspectres (pp.
22-23).
.: FEENBERG, Andrew. From Information to Communication: the
French Experience':h Videotext. In: LEA, Martin (ed), The Social
Contexts of Computer Mediated
=- mmunication. London: Harvester-Wheatsheaf, 1992.
-= LYOT ARD, Jean-Franois. La Condition Postmoderne. Paris:
Editions de M inuit,
=-979. p. 34.
.: MARC USE, Herbert. Industrialization and Capitalism in the
Work of Max Weber.
--: Negations. Traduo de J. Shapiro. Boston: Beacon Press,
1968.
~ BRAVERMAN, Harry. Labor and Monopoly Capital. New York:
Monthly Review,
:974; NOBLE, David. Forces of Production. New York: Oxford
University Press, 1984.
-" GENDRON, Bernard; HOLSTROM, Nancy. Marx, Machinery and
Alienation. Rese-
arch in Philosophy and Technology. v. 2,1979.
~ A apresentao mais persuasiva de Foucault desta viso FOUCAU LT,
M. Discipli-e and Punish. Traduo de A. Sheridan. New York: Vintage
Books, 1979.
z; Veja, por exemplo, HEILBRONER, Robert. An Inquiry into the
Human Prospectew York: Norton, 1975. Para uma reviso destes
assuntos em algumas das suas pri-eiras formulaes, veja FEENBERG,
Andrew. Beyond the Politics of Survival, The-ry and Society.
Springer Netherlands. v. 7. n. 3, 1979.
2Z Este aspecto da tecnologia, chamado concretizao, explicado no
captulo 1deSIMON DON, Gilbert. La mode d'existence des objets
techniques. Paris: Aubier, 1958.
23 BURKE, John G. Bursting boilers and the Federal Power. In:
KRANZBERG, M.;DAVENPORT, W. (eds.) Technology and Culture. New
York: New American Library,
1972.
24 O cdigo tcnico expressa o "ponto de vista" dos grupos sociais
dominantes em nveldo desenho e da engenharia. Assim, relativo a uma
posio social sem ser, quanto a
isto, uma mera ideologia ou disposio psicolgica. Como eu
argumentarei na ltimaseo deste captulo, a luta por mudanas
scio-tcnicas pode emergir dos pontos de
vista subordinados dos dominados por esses sistemas tecnolgicos.
Para mais sobre o
conceito do ponto de vista epistemolgico, veja HARDING, Sandra.
Whose Science?
Whose Knowledge? Ithaca: Cornell University Press, 1991.
25 Os textos de Heidegger discutidos aqui so, na ordem,
HEIDEGGER, Martin. The
Question Concerning Technology, Op. Cit.; e Id. The Thing:
Poetry, Language, Thou-ght. Traduo de Hofstadter. New York: Harper
& Row, 1971.
26 MACQUARRIE, John. Only a God Can Save us Now. (entrevista com
Martin Hei-
deqer), Traduo de D. Schendler Der Spiegel. Graduate Philosophy
Journal, v. 6, n1,1977.
27 CAM BROSIO, Alberto; LIMOG ES, Camille. Controversies as
Governing Processes
in Technology Assessment. In: Technology Analysis and Strategic
Management, vol. 3,n 4,1991.
PARTE 1 - CAPiTULO 2: RACIONALIZAO SUBVERSIVA: TECNOLOGIA, PODER
E DEMOCRACIA 95