ATENDIMENTO PSICOSSOCIAL
1 CAPTULO: O NASCIMENTO DO PARADIGMA PSIQUITRICO1:OS PRIMEIROS
MOVIMENTOS DE TRANSFORMAO DA ASSISTNCIA PSIQUITRICA1.1.Antecedentes
histricosA loucura, cujas vozes a Renascena acaba de libertar, cuja
violncia porm ela dominou, vai ser reduzida ao silncio pela era
clssica atravs de um estranho golpe de fora.M. FoucaultDesde sua
constituio como disciplina mdica, a Psiquiatria esteve inserida
dentro de um contexto de reformas. A constituio do paradigma
psiquitrico remonta do sculo XVII, quando foram criadas casas de
internamento para indigentes, homossexuais, epilpticos, alienados,
entre tantos pertencentes populao excluda com o objetivo de ordenar
o espao social de um continente que, vido por mudanas, pretendia
redimensionar o mundo da misria. A Frana, importante ncleo poltico,
econmico e cultural da Europa, foi precursora de toda uma histria
de reformas no interior de uma prtica que, mais tarde, se
constituiria no saber psiquitrico.Sendo o fenmeno loucura to antigo
quanto a humanidade, at a Idade Mdia ela era compreendida como
diversidade, carregada de contedo mstico, que devia ento ser
tratada atravs do sacrifcio ou do exorcismo. Permanecia, portanto,
no limite entre o campo natural e o sobrenatural. Segundo
Foucault,A ascenso da loucura ao horizonte da Renascena percebida,
de incio, atravs da runa do simbolismo gtico: como se este mundo,
onde a rede de significaes espirituais era to apertada, comeasse a
se embaralhar, deixando aparecer figuras cujo sentido s se deixa
apreender sob as espcies do insano(Foucault, 1999:18).Isto quer
dizer que o discurso da loucura entoado na Idade Mdia denunciava o
grande desatino que o universo do louco representava. No auge desta
era, o homem comeou a perder o interesse pela loucura como imagem
fantstica, no mais como uma experincia de pureza ou de iluso, e
passou a ter um certo fascnio pelo saber que dela decorria. Loucura
e razo, nesta poca, passaram a ter uma relao muito prxima e
confundiam-se entre si. De forma que,O abismo da loucura em que
esto mergulhados os homens tal que a aparncia de verdade que nele
se encontra simultaneamente sua rigorosa contradio (Foucault,
1999:18).No sculo XVII, foram criadas vrias casas de internamento,
que abrigavam no s os considerados insanos, mas os desempregados,
os mendigos e todos aqueles incapacitados que eram encaminhados
pela autoridade real e judiciria.Observamos, neste momento
histrico, que desde a criao do Hospital de Paris em 1656, a luta
contra o cio e a mendicncia j dominava o espao social na tentativa
de restabelecer a capacidade para o trabalho daquelas pessoas
despossudas de um modo geral.Neste contexto, o trabalho era
compreendido como tendo uma funo moral, sendo a pobreza decorrente
da falta de disciplina e de bons hbitos. Segundo Machado,
moralmente que se pode apreender o principal significado desta
instituio. O Grande Enclausuramento assinala uma tica de trabalho
em que este moralmente concebido como o grande antdoto contra a
pobreza. Fora moral, portanto, mais que fora produtiva. Enfim,
politicamente ele significa a incorporao de um projeto moral a um
projeto poltico, a integrao de uma exigncia tica lei civil e
administrao do Estado sob forma da correo da imoralidade atravs da
represso fsica(Machado, 1981:64).Desta forma, o Hospital Geral era
uma estrutura que tinha o poder, estabelecido pelo rei, de figurar
entre a justia e a polcia, sempre dentro dos limites da lei:
constitua-se na "terceira ordem da represso" (Foucault,
1999:50).Como tentativa de ordenar o mundo da misria, as Casas de
Internamento eram instituies que desempenhavam o papel de
assistncia e represso. Controladas tanto pelo poder e dever da
Igreja quanto pela necessidade de controle social da burguesia.
Neste sentido, o "dever de caridade e a vontade de punir"
(Foucault, 1999:50) adquiria dimenses polticas, sociais,
religiosas, econmicas e, sobretudo, morais.O perodo da Grande
Internaono foi to longo, fracassando em fins do sculo XVIII.
Fracasso frente s necessidades econmicas dos estados nacionais, que
precisavam de mo-de-obra e no de indivduos ociosos para a
industrializao que naquele momento se iniciava.A expanso econmica,
neste momento, tornava-se o ponto de partida para resolver a questo
do desemprego. Como assinala Foucault (1999:405),"esse lado pobre
tambm necessrio porque torna possvel a riqueza".A diviso entre os
pobres vlidos e pobres doentes, marcou a diferena entre os que
poderiam e os que estariam incapacitados para trabalhar. A pobreza
positiva, capacitada para o trabalho, foi inserida no espao social,
sendo, desta forma, liberada do internamento. E a pobreza negativa,
aquela que representava a populao inerte, improdutiva, deveria ser
assistida pela sociedade.Transformada em questo social, a partir do
novo estatuto de pobreza, a loucura passou a ser um objeto
observvel, compreendida no mais como algo sobrenatural e sim como
limitao humana, j que se tornava o elemento fundamental de
incapacitao para o trabalho.A Revoluo Francesa, cenrio de uma
reforma poltica, econmica e administrativa nas relaes sociais, foi
o que possibilitou que a loucura deixasse de ser objeto do poder
jurdico, passando este encargo para a medicina. Segundo Castel,Essa
transferncia, para a medicina, das prerrogativas essenciais do
encargo da loucura est, contudo, bem longe de constituir uma
evidncia, por ocasio da queda do Antigo regime. Pois o estado
embrionrio de desenvolvimento das prticas mdicas em matria de
loucura tornava-as, desde logo, inaptas a assumir, de um dia para o
outro, um tal mandato. A soluo mdica, ao contrrio, aparecer como um
ltimo recurso aps terem fracassado as instncias mais tradicionais
na diviso das antigas atribuies do executivo real(Castel,
1978:46).1.2.Loucura e Cincia MdicaO surgimento da Medicina Mental
marcava a diferena entre a represso (excluso) e o tratamento
(internamento).Por intermdiodas novas medidas instauradas pelo
parlamento francs, os loucos passaram a ser diferenciados daqueles
outros que transgrediam as leis.A Assembleia revolucionria, que
instaurou as bases de todo processo de medicalizao e tutelarizao da
loucura, foi responsvel pela definio do regime jurdico dos
insensatos e, ao mesmo tempo, consolidou a diferena entre o louco,
o cidado e o criminoso. Segundo Niccio,O cidado responsvel, obedece
s leis, tem suas relaes pautadas no contrato livre e portanto digno
de liberdade. O criminoso transgride as leis mas culpado porque
racional e responsvel e cabe-lhe outra instituio: a priso. O louco
incapaz na relao de trocas mas isento de responsabilidade e
portanto merecedor de assistncia(Niccio, 1994:7).Dessa forma, o
internamento passou a ser compreendido como uma necessidade da
medicina: o insensato, irresponsvel, alienado no deveria mais ser
objeto de exclusopor meiodo aprisionamento e sim de um novo tipo de
relao: a tutela.Assim,a loucura foi se constituindo como objeto de
um dispositivo que teria como finalidade criar uma outra lgica: a
ordenao de uma populao estranha, perigosa e carente de razo. A
Psiquiatria, como dispositivo dessa ordenao, instaurava-se como
pedra fundamental de um novo saber cientfico sobre a doena mental.
Como assinala Foucault,(...) e sem ser outra coisa alm dessa
liberdade reclusa, o internamento portanto um agente de cura; uma
entidade mdica, no tanto em razo dos cuidados que proporciona, mas
em virtude do prprio jogo da imaginao, da liberdade, do silncio,
dos limites e do movimento, que os organiza espontaneamente e
conduz o erro verdade, a loucura razo(Foucault, 1999:433).Desta
maneira, o internamento passou a representar a medida permanente da
loucura. O asilo, enquanto metfora da excluso, encerraria, por si
s, a necessidade burguesa de regular o uso das liberdades e das
restries. O nascimento do asilo, passo essencial para a constituio
da Psiquiatria como cincia, foi dado: "o internamento recebeu sua
carta de nobreza mdica, tornou-se lugar de cura" (Foucault,
1999:433). A partir do nascimento da Psiquiatria, deu-se o incio de
uma srie de reformas no somente nas suas prticas, mas sobretudo no
interior de seus saberes.
1.3. A Primeira Reforma: descoberta e liberdadeA primeira
reforma foi realizada por Philipe Pinel em 1793, quando este foi
nomeadopara Bictre.(7)Ao denunciar as condies desumanas dos asilos
da poca, libertou os loucos das correntes, propondo uma nova lgica
para a tutela: o tratamento moral e educativo. A imposio da ordem
era imperativo para o tratamento da doena mental eo isolamento era
necessrio para a recuperao e socializao do doente. Segundo Castel,O
ato fundador de Pinel no retirar as correntes dos alienados, mas
sim o ordenamento do espao hospitalar. Atravs da "excluso", do
"isolamento" do "afastamento" para prdios distintos, as categorias
misturadas no enclausuramento so desdobradas em tantas quantas
forem as razes para se tornar um assistido: pobreza, velhice,
solido, abandono pelos parentes, doenas diversas. A categoria da
loucura se destaca, ento, em sua especificidade, decantada dessas
cumplicidades ligadas pela universalidade da desgraa(Castel, 1978:
83).Pinel reconhecia que sua obra estava prxima de uma "reforma
administrativa", j que naquele momento ele foi levado a classificar
o espao institucional, os pacientes, por meiode suas nosografias, e
aestabelecer uma relao especfica (de autoridade) entre mdico e
doente diante do esprito de ordem que imperava naquele momento
histrico.As principais operaes que fundamentavam a prtica asilar
eram:1o) Isolamento do mundo exterior, de forma que o alienado
pudesse ser dominado e no dominar;2o) Constituio da ordem no asilo,
no sentido de uma estrutura hierrquica a ser obedecida, bem como de
uma disciplina em relao ao uso do tempo e do espao;3o) Relao de
autoridade e soberania entre o mdico/auxiliares e o alienado por
intermdioda vigilncia.Desta forma, a ordem constitua-se a principal
finalidade no tratamento asilar. O controle dos espaos, do tempo
era a nica forma de tornar aqueles alienados sociveis, capacitados
para o trabalho, educveis. Teria como objetivo representar para
estes uma polcia interior. Como tratamento moral, o alienado
deveria submeter sua liberdade a leis da realidade, ou seja, educao
e aos bons costumes, deixando para trs suas paixes, desejos, que
estariam lado a lado com a irresponsabilidade. Para Birman,(...) o
alienado colocado num contexto pedaggico que teria dois efeitos
simultneos e intrinsecamente articulados. Dominado por uma lado,
ele percebe tambm a dominao sofrida pelos agentes de sua dominao. O
alienado sente a submisso, fsica e simbolicamente, e percebe no
outro os efeitos desta. Atravs deste duplo registro da hierarquia
um ensinamento vai se formulando e se impondo ao louco: quem manda
e quem mandado; quem dirige e quem executa; de que lugares e funes
o sistema de poder, que define o espao social, se constitui e o
asilo reproduz numa menor escala(Birman, 1978:387).A partir do
ordenamento do espao hospitalar, Pinel funda uma cinciaem que se
enfoca aobservao e a classificao da populao insana: a clnica.Para
Bercherie (1989), Pinel funda no campo do mtodo, a clnica, como
orientao consciente e sistemtica. A observao pura e simplesmente
emprica teria que adquirir o estatuto de linguagem, ou seja, uma
estrutura enuncivel.Desta forma, a primeira reforma operada neste
contexto, foi realizada a partir da ruptura epistemolgica com a
pesquisa intuitiva, com o empirismo. A partir da distncia
metodolgica, foi possvel a observao dos fenmenos e a tentativa de
apresentar uma teoria explicativa sobre eles.A tecnologia pineliana
continuou fortalecida at a segunda metade do sculo XIX, quando foi
iniciada uma corrente que pretendia uma nova definio da doena
mental. importante ressaltarmos aqui que no sculo XIX as pesquisas
da medicina avanavam nos estudos sobre as bases do sistema nervoso,
dosrgos, dostecidos, sobre a Biologia em geral.Nesta tendncia, a
doena mental comea a ser entendida como sendo de ordem
neurocerebral, ou seja, os processos mentais seriam explicados com
base naneurofisiologia enabioqumica do sistema nervoso. Desta
forma, a loucura passou a ser medicalizada e descritapor meiodo
modelo organogentico inspirado nos trabalhos de Morel sobre a
degenerescncia. As degenerescncias seriam formas de desvios
doentios em relao aos homens considerados normais, que poderiam ter
diversas causas: hereditariedade, influncias sociais, intoxicaes,
doenas congnitas, entre outras.Nesta perspectiva, o louco no seria
aquele que se comporta mal, de maneira anormal, e sim um organismo
que funciona mal, que produz atitudes imprevisveis. Ou seja, esse
organismo no guarda algo racional que pode ser resgatado com
auxlioda pedagogia, do tratamento moral. A loucura, portanto
passaria a ser vista no mais como distrbio moral e sim como
anormalidade. As discusses sobre a monomania(8)apontavam para um
"ncleo patolgico que pode ser totalmente irredutvel a uma pedagogia
racional" (Castel, 1978:229). neste momento que identificamos uma
outra reforma na Psiquiatria, caracterizada por um pessimismo em
relao essncia da loucura. Instaurou-se, portanto, um longo perodo
de silncio no qualas pesquisas estavam mergulhadas nas causas
orgnicas das doenas mentais.Aps concludo o processo de medicalizao
da loucura, quando triunfa o organicismo no sculo XX,A concepo
terica da doena mental no se vinculava mais diretamente
fenomenologia social da desordem. Inversamente, ela tende a se
aproximar do tronco comum da medicina, cujas tendncias organicistas
se acentuam(Birman, 1978:261).Este momento de adormecimento
despertado no fim da Segunda Guerra Mundial, quando, entre outras
consequncias sociais, observa-se um grande contigente de pobreza
nas populaes dos pases afetados. Os hospitais psiquitricos foram
comparados a campos de concentrao de prisioneiros passando a ser
denunciados pela violnciaali praticada.no mais era possvel
assistir-se passivamente ao deteriorante espetculo asilar: no era
mais possvel aceitar uma situao, em que um conjunto de homens,
passveis de atividades, pudessem estar espantosamente estragados
nos hospcios(Birman & Costa, 1994:42).
1.4.Psiquiatrias ReformadasO perodo ps-guerra provocou uma srie
de mudanas no cenrio mundial, no tocante conduo poltica e econmica
dos pases que, afetados pelos danos, debruavam-se no projeto de
reconstruo nacional. Segundo Barros,a guerra parece ser a primeira
ocasio histrica de uma nova linguagem e de um redimensionamento da
psiquiatria institucional. Uma nova reforma da Psiquiatria
tornava-se imperativa diante do desperdcio da fora de trabalho
humano que realizava-se na sua nica forma de tratamento: o
asilo(Barros, 1994:48).Se o ato de libertaode Pinel fundou um novo
saber e uma nova prtica em relao ao territrio de competncia da
doena mental, as reformas subsequentes seguiramnadireo de
questionar tanto o papel e a natureza desse mesmo saber quanto
aprtica da instituio asilar. O questionamento do asilo,
compreendido ento como metfora da excluso, ocorreu de
maneiraimportante tanto na Amrica do Norte quanto na Europa.Na
Inglaterra, em fins da dcada de 1950, comeou um movimento que
propunha prticas alternativas ao manicmio. A partir de sua reforma
sanitria, quando o sistema de sade passou a ser nacionalizado, os
ingleses incorporaram a assistncia psiquitrica a esse sistema,
permitindo, desta forma, um redimensionamento da prtica asilar.Uma
nova forma de tratamento se impunha naquele momento. As denncias de
violncia humanas eram cada vez mais presentes no cenrio poltico da
poca, sendo necessrio, portanto, a reforma do espao asilar.
Comparados a campos de concentrao, as instituies psiquitricas
deveriam ser transformadas no somente pelas consequncias sociais
que causavam, mas tambm pelas econmicas.O movimento das comunidades
teraputicas (Comunity Care), iniciado na Inglaterra, foi consagrado
em 1959 por Maxwell Jones, que, ao propor uma nova relao entre o
hospital psiquitrico e a sociedade, demonstrou a possibilidade dos
doentes mentais virem a ser tratados fora do manicmio, ou seja, no
espao social.Por intermdiode grupos diversos, envolvendo
profissionais, pacientes e famlia, a ideia de comunidade teraputica
era tentar envolver todos os atores no processo teraputico, ou
seja, tornar os pacientes sujeitos nesta troca de experincias.
Jones trabalhava com o termo "aprendizagem ao vivo", no qual,
segundo ele,(...)a oportunidade de analisar o comportamento em
situaes reais do hospital representa uma das maiores vantagens da
comunidade teraputica. O paciente colocado em posio onde possa, com
o auxlio de outros, aprender novos meios de superar as dificuldades
e relacionar-se positivamente com pessoas que o podem auxiliar.
Neste sentido, uma comunidade teraputica representa um exerccio ao
vivo que proporciona oportunidades para as situaes de aprendizagem
ao vivo(JonesapudAmarante, 1995:29).Entretanto, nesta perspectiva,
o processo de reforma se deu no interior das instituies, "marcadas
pela adoo de medidas administrativas, democrticas, participativas e
coletivas, objetivando uma transformao da dinmica institucional
asilar" (Amarante, 1995:28). Seguindo os passos das Comunidades
Teraputicas, um outro movimento denominado "psicoterapia
institucional" surge no cenrio da Frana trazendo consigo uma ideia
ento inovadora: a de que o espao institucional tem caractersticas
doentias e, por isso, deve ser tratado.Tendo como precursor do
movimento Franois Tosquelles, a expresso "psicoterapia
institucional" cunhada por Daumezon e Koechlin para designar uma
nova modalidade de tratamento centrada no questionamento da
instituio psiquitrica enquanto lugar de excluso e de verticalidade
das relaes mdico-paciente. Segundo Hochmann,A psicoterapia
institucional, fundamento terico da poltica francesa de setor, ,
sem dvida, a tentativa mais rigorosa de salvar o manicmio.
Influenciada pela psicanlise, procura organizar o hospital
psiquitrico como um campo de relaes significantes, de utilizar em
um sentido teraputico os sistemas de intercmbio existentes no
interior da instituio, isto , os sistemas de verbalizao daquilo que
acontece(Hochmann,apud: Desviat,1999:25).O objetivo da psicoterapia
institucional era criar instrumentos (atividades de maneira
geral)para restabelecero coletivo dos pacientes, possibilitando a
abertura de novos espaos para trocas e experincias. Apesar do
projeto ter tido alcance em setores intelectuais e polticos da poca
(nos anos de 1960 e 70), no foram poucas as crticas recebidas, j
que a reforma no pretendia se opor ao espao asilar em si, e sim a
ser uma forma de questionamento restrita ao funcionamento desse
mesmo espao. Como anteriormente citado, o objetivo era salvar o
manicmio. Ainda no contexto de busca de uma cincia que pudesse
responder a todas as questes sobre a doena mental, a psiquiatria
continuava a dar passos largos em meio ao sculo XX. Desta maneira,
a prpria psicoterapia institucional lanaria o fundamento terico da
poltica francesa de setor.Denominada psiquiatria de setor, esta
nova prtica teria por objetivo resgatar o carter teraputico da
psiquiatria e ao mesmo tempo contestar o asilo como espao
teraputico. Com isso, a novidade dessa poltica era levar a
psiquiatria populao, s comunidades, deslocando da assistncia at
ento exclusiva dos hospitais. Desta forma, o eixo da assistncia
deslocar-se-ia do hospital para o espao extra-hospitalar.Todavia, o
hospital psiquitrico no sairia totalmente da cena teraputica, e sim
teria a funo de auxiliar no tratamento, constituindo-se em uma
etapa no tratamento do pacienteque, aps a internao,fossereinserido
na comunidade. A ideia central da poltica de setor era reorganizar
a poltica de sade mental na Frana daquele momento. Foram criadas
vrias estruturas extra-hospitalares, enquanto que o hospital
continuava no mesmo lugar.Segundo Rotelli,A experincia francesa de
setor no pde ir alm do hospital psiquitrico porque ela, de alguma
forma, conciliava o hospital psiquitrico com os servios externos e
no fazia nenhum tipo de transformao cultural em relao psiquiatria.
As prticas psicanalticas tornavam-se cada vez mais dirigidas ao
tratamento das situaes de loucura(Rotelli, 1994:150).Isso quer
dizer que, ao mesmo tempo em que esta poltica rechaava os
manicmios, considerando-os relquias do passado,eles continuavam no
s a existir, como a reafirmar a sua fora, j que faziam parte da
prpria organizao do setor. Alm das reformas realizadas na Europa, o
continente americano tambm formulou seu projeto de cuidados para
com os doentes mentais. A Psiquiatria Preventiva, tambm conhecida
como comunitria, foi uma experincia americana que pretendeuuma
reforma radical na psiquiatria, cujo objeto passaria a ser a
preveno e erradicao das doenas mentais.O ento Presidente Kennedy,
em 5 de fevereiro de 1963, anunciou o programa como o incio de uma
revoluo na psiquiatria americana. Dizia ele:Proponho um programa
nacional de sade mental que consiste na inaugurao de uma nfase e de
uma abordagem inteiramente novas para cuidar de doentes mentais
(...) Governantes em todos os nveis -federal, estadual e local - as
fundaes particulares e cada cidado devem arcar com suas
responsabilidades nessa rea(KennedyapudCaplan, 1980:2).Gerald
Caplan, principal terico deste modelo, na introduo de seu
livroPrincpios de Psiquiatria Preventiva, mostra que a Psiquiatria
Preventiva representava, como proposta terica e metodolgica, um
esforo de sntese que pudesse buscar novos meios alternativos s
instituies psiquitricas, j que era evidente a falncia do modelo
hospitalar.De acordo com Tundis,a Psiquiatria Preventiva se prope a
atuar de forma mais abrangente em termos de assistncia ao doente
mental, principalmente por abrir possibilidades e perspectivas para
se questionar e buscar as alternativas tanto ao modelo hospitalar
como a outras formas de assistncia(Tundis, 1985:53).O tema da
preveno foi importante nesta poca, j que possibilitou um
deslocamento da doena para a sade, caracterizando o debate em torno
das possveis causas da patologia. As formulaes decorrentes desse
debate subsidiaram a proposta de racionalizao do Estado na questo
psiquitrica e nos diversos nveis, ou seja, a reduo dos gastos com
internaes hospitalares, por meiodo incentivo ao tratamento
extra-hospitalar e a criao de modelos alternativos de reabilitao de
crnicos.Entretanto, podemos observar que apesar de o objeto da
Psiquiatria se transformar, deixando de ser a cura da doena para se
tornar preveno da doena,no foi promovida uma ruptura com a
perspectiva tradicional: os hospitais americanos no diminuram as
internaes, aumentando consideravelmente sua taxa de internao de
psicticos, ao mesmo tempo em que cresceu a demanda ambulatorial.
Desta forma,o preventivismo significa um novo projeto de
medicalizao da ordem social, de expanso dos preceitos
mdico-psiquitricos para o conjunto de normas e princpios sociais...
Tal processo representa a existncia de uma atualizao e de uma
metamorfose do dispositivo de controle e disciplinamento social,
que vai da poltica de confinamento dos loucos at moderna promoo da
sanidade mental (Amarante, 1995:41).Ao mesmo tempo,estava implcita
a racionalidade (o racional para alm do econmico), de forma que uma
melhor distribuio das despesas estatais pudesse humanizar o
tratamento psiquitrico e tambm racionalizar as condutas
teraputicas.1.5.A Inveno e a LoucuraEm se tratando de reformas na
psiquiatria, a experincia italiana foi a que promoveu um corte mais
radical no somente na assistncia, como na forma de pensar a doena
mental. Se as reformasanteriores tentaram dar conta, ora da
etiologia e do tratamento das doenas, ora do espao teraputico, os
italianos se preocuparam em desmontar exatamente essa lgica: a
relao problema/soluo, de maneira a transformar a noo de doena
mental em existncia-sofrimento.Na dcada de 1960, a crtica ao
paradigma asilar teve, em Gorizia (Itlia) a sua primeira grande
ruptura em relao constituio da psiquiatria como saber sobre a
loucura. Essa ruptura teve como sustentao terica a Antipsiquiatria
inglesa, que tinha como pressuposto bsico o questionamento crtico
da cincia psiquitrica como nica detentora do saber sobre a doena
mental, mais propriamente sobre a esquizofrenia.A compreenso sobre
a loucura no poderia se dar por intermdiodas anlises reducionistas
da psiquiatria, ao mesmo tempo que suas prticas, essencialmente
manicomiais, eram vistas como violentas. Para Cooper,Se se quer
falar de violncia em psiquiatria, a violncia que brada, que se
proclama em to alta voz que raramente ouvida, a sutil, tortuosa
violncia perpetrada pelos outros, os sadios, contra os rotulados de
loucos. Na medida em que a psiquiatria representa os interesses ou
pretensos interesses dos sadios, podemos descobrir que, de fato, a
violncia em psiquiatria preeminentemente a
violnciadapsiquiatria(Cooper, 1973:31).Alm da Antipsiquiatria, o
processo de transformao na Itlia sofreu influncias tambm da
sociologia de tradio marxista italiana, do existencialismo e da
teoria crtica (escola de Frankfurt). Essas tendncias tericas
induziram o questionamento sobre as instituies de assistncia e
controle social, as instituies totais e tambm os mecanismos de
poder que se realizam em todas as instituies.Inicialmente, o
hospital de Gorizia foi transformado em comunidade teraputica (no
modelo concebido por Jones) por Franco Basaglia, nomeado diretor do
hospital e precursor do movimento da reforma psiquitrica italiana.
Juntamente com um grupo de psiquiatras, Basaglia "props devolver o
doente mental sociedade, desarticulando a instituio, o
manicmio"(Desviat, 1999:42).A partir da anlise dessa experincia, o
manicmio passou a ser compreendido como uma organizao que serve ao
controle social. Uma metfora da excluso, de onde partiria a
necessidade de mudar radicalmente o processo de compreenso da
loucura. importante destacar que, na experincia italiana, a crtica
ao manicmio no se deu somente em relao ao aprisionamento que ele
causa e sim a uma compreenso do processo de violncia e excluso em
que a experincia da loucura esteve sempre inserida. Tratava-se de
analisar historicamente a forma com que a sociedade sempre lidou
com o sofrimento mental.Entretanto, foi na experincia em Trieste
que Basaglia pde iniciar o processo de desmontagem do aparelho
institucional. O grande hospital de Trieste, que historicamente
abrigou os doentes mentais at 1971, foi ento aberto comunidade,
passando a fazerparte da arquitetura urbana da cidade. Os Jardins
de Abel(9)passaram a ser cenrio de atividades culturais,
educativas, enfim, de vrias possibilidades de convivncia e criao de
novas formas de vida.Para a Psiquiatria italiana, o objetivo no era
negar a doena mental e consequentemente deixar de trat-la. A
negaoera a do manicmio como representante de uma estrutura
repressivo-custodial. Segundo DellAcqua,A experincia de Trieste
levou destruio do manicmio, ao fim da violncia e do aparato da
instituio psiquitrica tradicional, demonstrando que era possvel a
constituio de um circuito de atendimento que, ao mesmo tempo que
oferecia e produzia cuidados, oferecesse e produzisse novas formas
de sociabilidade e de subjetividade aos que necessitassem da
assistncia psiquitrica(DellAcquaapudRotteli,1992:44).A instituio
negada, segundo Basaglia, no se resumiria na negao do hospital
psiquitrico, e sim na psiquiatria enquanto ideologia, enquanto
cincia que se apodera de um mandato social. No seria tampouco a
negao da doena, j que o sofrimento est l, com o sujeito.
Entretanto, o sujeito visto aqui como um objeto complexo, e essa
complexidade que vai possibilitar mltiplas vises acerca do fenmeno
doena.Como processo de renncia do mandato teraputico dos tcnicos,
da instituio e do saber psiquitrico, a negao implicaria tambm em
superao e inveno de novas formas de atuao. Para isso, tornou-se
necessrio um conjunto de transformaes no somente no saber
psiquitrico, como nas polticas implementadas at ento.A passagem da
instituio negada para a instituio inventadapossibilitou todo o
processo de desinstitucionalizao da Psiquiatria na Itlia. A partir
da, a nfase passou a ser colocada no mais na busca da cura da doena
e sim no projeto de inveno de sade e de reproduo social do
paciente. A palavra-chave deixaria de ser cura para se tornar
cuidados. Segundo Rotelli,(...) a desinstitucionalizao sobretudo um
trabalho teraputico, voltado para a reconstituio das pessoas,
enquanto pessoas que sofrem, como sujeitos. Talvez no se "resolva"
por hora, no se "cure" agora, mas no entanto seguramente "se
cuida". Depois de ter descartado a "soluo-cura" se descobriu que
cuidar significa ocupar-se, aqui e agora, de fazer com que se
transformem os modos de viver e sentir o sofrimento do paciente e
que, ao mesmo tempo, se transforme sua vida concreta e cotidiana,
que alimenta este sofrimento(Rotelli, 1990:33).A experincia de
Trieste demonstrou ser possvel a desmontagem do manicmio como
possibilidade nica de entender e tratar a loucura. Ao mesmo tempo
em que causou transformaes no campo do conhecimento, nas ideologias
e nas relaes entre tcnicos e pacientes, provocou modificaes no
sistema jurdico do pas.A lei 180 de 1978, chamada lei Basaglia,
constituda a partir do movimentoPsiquiatria
Democrtica,(10)estabelecia mudanas no estatuto jurdico do paciente.
Alm de proibir novas internaes e construo de novos hospitais
psiquitricos, a lei estabeleceu a abolio do estatuto de
periculosidade do doente mental. Desta forma, o paciente
tornava-secidado de pleno direito, mudando, com isso, a natureza do
contrato de servios por ele utilizados. Como relata Delgado,A
reforma psiquitrica reinvidica a cidadania do louco. Embora
trazendo exigncias polticas, administrativas, tcnicas - tambm
tericas - bastante novas, a Reforma insiste num argumento
originrio: os "direitos" do doente mental, sua "cidadania". Por
trazer cena, como sujeitos (cidados), aqueles que so seus clientes,
a dimenso dominante da Reforma deixa de ser tcnico administrativa,
para constituir-se em enigma terico. Um imprevisvel
poltico(Delgado, 1992:29).Dessa forma, observamos que a experincia
italiana possibilitou, alm da desmontagem do manicmio, a
desconstruo de um saber que sustentou as bases da psiquiatria desde
o Iluminismo. A noo de loucura como desrazo, como erro, como
periculosidade pde ser substituda pela noo de diferena, de produo
de vida, de subjetividade.1.6.A Experincia BrasileiraNo Brasil, os
movimentos para reformar a Psiquiatria tm ocorrido desde o sculo
XIX. At 1903, a psiquiatria tinha como maior representante o mdico
Juliano Moreira, grande defensor das colnias agrcolas para
alienados. A idia de que o doente mental deveria ser tratado com
auxliodo trabalho foi ento disseminada em todo o pas.Nos anos de
1930, no perodo do Estado Novo, os grandes hospcios construdos
foram reformados e ampliados, tornando-se o centro de toda a
poltica de sade mental. At a dcada de 1950, foi visvel a estatizao
dos grandes hospitais, seguindo uma poltica de
estadualizao.Entretanto, foi nos anos de 1960, aqueles da ditadura
militar, que a poltica manicomial sofreu grande expanso, devido
contratao e aofinanciamento pela Previdncia Social de clnicas
privadas, que futuramente se constituiriam o grande problema da
poltica de sade mental no Brasil.Uma das caractersticas deste
perodo foi que a poltica de assistncia mdica no Brasil, "em nome de
uma racionalidade necessria e viabilizadora da expanso de
cobertura, d prioridade contratao de servios de terceiros em
detrimento dos servios mdicos prprios da Previdncia Social"
(Oliveira & Teixeira, 1985:210). Desta forma, entendemos que o
privatismo na ateno psiquitrica, provocou um crescimento
desordenado, falta de planejamento e critrio nas demandas de
internao, causando uma cristalizao do modelo manicmio-dependente,
consolidando-se como poltica oficial at o final dos anos de 1970.O
modelo privatizante, no somente na sade mental, como em todas as
reas da sade, foi considerado como um dos pontos que provocou a
crise institucional e financeira que a Previdncia Social sofreu no
incio dos anos de 1980.Entretanto, uma contradio era instalada no
momento em que a crise social e poltica acontecia no pas: ao mesmo
tempo em que os anos de 1970 foram marcados por uma profunda crise
poltica, aconteceu o incio da reorganizao poltica do pas,
intensificando as discusses sobre a assistncia sade. No caso da
assistncia psiquitrica, as discusses a respeito das prticas
manicomiais acompanhavam o projeto sanitarista que, em fins dos
anos de 1970, j delineavam uma forma de participao popular no setor
sade.Enquanto aumentavam os movimentos populares de oposio ao
regime poltico do pas, a experincia europia e americana de reforma
das instituies psiquitricas influenciou alguns manicmios
brasileiros, mais especificamente os privados. Com a ideia da
humanizao do atendimento, esses modelos no deixaram de causar
consequncias importantes, principalmente como ideologia, que passou
a ser precursora de todo o processo de reforma que viria a
seguir.Um dos acontecimentos importantes que marcaram o incio de um
movimento para a reestruturao da assistncia psiquitrica foi a crise
da Dinsam -Diviso Nacional de Sade Mental -, que era o rgo do
Ministrio da Sade responsvel pela formulao das polticas de sade
mental - que ficou conhecida pela luta corporativa por melhores
condies de trabalho, dignidade e autonomia profissionais, ampliao
dos recursos humanos, entre outras.Este movimento deu origem ao
questionamento das condies de atendimento aos pacientes e hegemonia
dos hospitais privados, o que apontava para a necessidade de
investimento no setor pblico. Entre os anos de 1978 e 1980,
configurou-se ento, o atual movimento pela reforma psiquitrica
brasileira, tendo como protagonista principal o Movimento dos
Trabalhadores em Sade Mental (MTSM).Influenciado pelo pensamento de
Franco Basaglia, de setores da Antipsiquiatria e da Psiquiatria
Preventiva, o MTSM era caracterizado pela resistncia
institucionalizao, pela participao de profissionais de vrias
categorias e da populao em geral. Atuando no interior de outras
instituies como universidades, conselhos profissionais, sindicatos
da rea de sade e de outros profissionais, entre outros, o movimento
se expandia e influenciava cada vez mais esses setores como tambm
os governamentais.Paralelamente necessidade de mudanas que eram
reivindicadas pelo MTSM, a Previdncia Social sofria uma crise
financeira em decorrncia dos escassos recursos e das fraudes
ocorridas frequentemente no setor sade. A prestao de servios
contratados ao setor privado abria espao para mecanismos de corrupo
no tocante manipulao dos dados e estatsticas, ao tempo mdio de
permanncia, taxa de mortalidade, entre outros.No contexto da crise
previdenciria, surgiu ento uma nova modalidade de convnio, a
co-gesto, que previa a colaborao entre o Ministrio da Previdncia e
Assistncia Social (MPAS) e o Ministrio da Sade (MS). Desta forma, o
MPAS, ao invs de comprar servios do MS, passou a participar da
administrao das unidades hospitalares.Seguindo os passos que
culminariam na criao do Sistema nico de Sade (SUS), foi criado, em
1981, o Conselho Consultivo da Administrao de Sade Previdenciria, o
plano Conasp, que apresentava um plano especfico para a assistncia
psiquitrica.Para Amarante,o Conasp tende a instaurar a concepo de
que responsabilidade do Estado a poltica e o controle do sistema de
sade, assim como a necessidade de organiz-lo junto aos setores
pblicos e privados. No plano da assistncia psiquitrica, o
ambulatrio o elemento central do atendimento, ao passo que o
hospital torna-se elemento secundrio(Amarante, 1995:67).O perodo de
ambulatorizao ocorrido nos anos de 1960, que fora precedido pelo
modelo puramente asilar, acabou por fracassar, j que provocou
enfrentamentos entre os prprios assessores tcnicos do governo.
Ressaltamos que esses assessores tinham vinculao com hospitais
privados e que eram os principais obstculos para a implementao de
programas assistenciais no asilares.A prpria incorporao do MTSM ao
aparelho pblico, na medida em que passou a participar do
gerenciamento e formulao das polticas de sade mental, causou uma
diviso em seus quadros. Por um lado, o grupo que tentava tornar a
coisa pblica vivel por meiode medidas estatizantes, possibilitando
com isso uma modernizao na assistncia psiquitrica. De outro lado, o
grupo que passou a participar das instituies pblicas e optou por
operar transformaes estruturais,por meioda luta interna nessas
instituies.Em junho de 1987, foi realizada a primeira Conferncia
Nacional de Sade Mental, quando o MTSM - principal responsvel por
esse evento - promoveu um distanciamento em relao aos dirigentes e
atores dos rgos pblicos e uma conseqente aproximao dos setores de
usurios e familiares.No final deste mesmo ano, este movimento, aps
um perodo de frequentes encontros profissionais, convocou o II
Congresso Nacional do MTSM, realizado em Bauru, SP, que reuniu os
atores envolvidos no processo sade/doena mental: desde lideranas
pblicas e tcnicos aos usurios e familiares. Neste sentido, um
documento do MTSM faz importantes consideraes:Um desafio
radicalmente novo coloca agora o Movimento dos Trabalhadores em
Sade Mental. Ao ocuparmos as ruas de Bauru, na primeira manifestao
pblica organizada no Brasil pela extino dos manicmios, os 350
trabalhadores de sade mental presentes ao II Congresso Nacional
deram um passo adiante na histria do movimento, marcando um novo
momento na luta contra a excluso e a discriminao.(...) Nossa
atitude marca uma ruptura. A recusarmos o papel de agentes da
excluso e da violncia institucionalizadas, que desrespeita os
mnimos direitos da pessoa humana inauguramos um novo compromisso.
Temos claro que no basta racionalizar e modernizar os servios nos
quais trabalhamos. O Estado que gerencia tais servios o mesmo que
sustenta os mecanismos de explorao e da produo social da loucura e
da violncia. O compromisso estabelecido pela luta antimanicomial
impe uma aliana com o movimento popular e a classe trabalhadora
organizada(MTSM,apudAmarante,1998:81).A partir da, o movimento
incorporou pautas da "Rede de Alternativas Psiquiatria", passando a
constituir-se no Movimento por uma Sociedade sem Manicmios,
ressurgindo dentro do projeto original, de tradio basagliana, em
queo processo de desinstitucionalizao assumia o carter
terico-conceitual, deixando para trs a ideia da reforma
administrativa e financeira.Assim, o campo encontrava-se aberto
para experincias inovadoras. Culturalmente, com a participao de
usurios e familiares nas polticas de sade mental por intermdioda
organizao de entidades que englobavamtrabalhadores de sade mental
(Associao Franco Basaglia/SP, Associao Franco Rotelli/Santos,
Addom/So Gonalo, Associao Cabea Firme/Niteri entre outros), como
tambm do surgimento de novos dispositivos de cuidado para a doena
mental.A criao do Caps (Centro de Ateno Psicossocial Luiz
Cerqueira) em So Paulo, no ano de 1987, inaugurou esta nova
modalidade de dispositivo, um modelo de servio onde os pacientes
eram atendidosemprogramas de atividades diversos, funcionado oito
horas dirias durante os cinco dias da semana, com o objetivo de
acolher aqueles que, com graves dificuldades de relacionamento,
pudessem permanecer fora do hospital.Dois anos depois, aconteceu a
interveno da Casa de Sade Anchieta, realizada pela Secretaria de
Sade do Municpio de Santos, a partir de denncias sobre as condies
precrias de tratamento assim como de violncia utilizadas naquele
hospital privado.O fechamento do hospital possibilitou uma ruptura
com a lgica manicomial e a consequente produo de novas instituies.
A desmontagem do manicmio, enquanto estrutura fsica e simblica e a
inveno de novas instituies tais como: a Unidade de Reabilitao
Psicossocial, o Centro de Convivncia, o Lar Abrigado e o Naps que
um Ncleo de Ateno Psicossocial, funcionando 24 horas por dia e que
tem por objetivo ser totalmente substitutivo ao manicmio,
garantindo a hospitalidade diurna ou noturna, espao de convivncia,
de ateno crise, de reabilitao psicossocial. Segundo Niccio
(1992:92),configura-se como "gesto complexa de problemas".A partir
das experincias de So Paulo e de Santos (que foram importantes para
a formulao das polticas de sade mental na Amrica Latina), o
Ministrio da Sade passou a financiar novos servios naqueles moldes,
e a estimular a produo de instituies no-manicomiais. Ao lado do
projeto de lei 3657/89 que previa a extino gradativa dos manicmios
e a regulamentao dos direitos do doente mental em relao a seu
tratamento, o Brasil efetivava a sua reforma psiquitrica no campo
dos saberes, da cultura e no jurdico. Segundo Desviat,O Brasil
conseguiu, em curto espao de tempo, tanto a sensibilizao da
sociedade e de seus lderes culturais, polticos e sociais quanto o
consenso necessrio entre os profissionais em torno de uns poucos
objetivos claros, o que, em outros pases, levou muitos
anos...(Desviat, 1999:151).E ainda, referindo-se ao Brasil, diz:A
originalidade brasileira est na forma de integrar no discurso
civil, na conscincia social, a trama de atuaes que um programa
comunitrio deve incluir, e tambm na forma de inventar novas frmulas
de atendimento, com base na participao dos diversos agentes
sociais(Desviat, 1999:151).Vimos neste captulo como evoluram as
polticas de sade mental no mundo, tendo consequncias importantes no
Brasil. De reformas mais tcnicas para outras de perspectiva mais
social, chegando ao ponto de se objetivar uma sociedade sem
manicmios.A partir da constatao de Desviat, observamos a conduo que
o Brasil teve, atravs de uma reforma que foi reconhecida por outros
pases, por autores internacionais, sendo considerada de grande
originalidade, j que possibilitou uma mudana de cultura, nos
saberes e nas prticas sobre a sade mental, levando criao de um
equipamento diferenciado de cuidado, a mudanas na legislao e na
participao social.
2. CAPTULO: ATENO PSICOSSOCIAL COMO PROCESSO DE TRANSIO
PARADIGMTICA E ORIGENS E REFERENCIAIS DA ATENO
PSICOSSOCIALIntroduoNeste trabalho pretendemos tecer algumas
consideraes sobre o campo da Ateno Psicossocial, discutindo questes
importantes que atualmente atravessam o contexto da Sade Mental
Coletiva. Comeamos por analisar de forma sucinta as origens e
composio do termo psicossocial, procurando fundamentar a pertinncia
de sua considerao como conceito, a partir de certo momento da
histria da Reforma Psiquitrica brasileira.Analisamos, na seqncia,
algumas combinaes, mais ou menos perenes, do termo PSICOSSOCIAL com
outros termos presentes, no campo: REABILITAO, Apoio e ATENO;
combinaes que tm servido de base para aes de polticas pblicas tanto
de governos estaduais, quanto de municipais, da dcada de oitenta at
presente data. Tais aes tm posto em prtica uma srie de contribuies
tericas, tcnicas, ideolgicas e ticas de carter inovador, bem como
tm tornado evidentes questes de pesquisa e debate, das quais a
indagao sobre qual a concepo de clnica da Ateno Psicossocial apenas
a mais candente.Por fim tentaremos fundamentar a hiptese de que a
Ateno Psicossocial, como designao de experincias significativas no
contexto da Sade Mental Coletiva no Brasil vai ganhando elementos,
tanto em termos tericos e tcnicos, quanto ideolgicos e ticos, aptos
a constiturem um novo paradigma para as prticas em Sade Mental,
capaz de substituir o paradigma psiquitrico que ainda dominante,
sobretudo quando incorpora as inovaes principais das experincias
histricas alternativas Psiquiatria, (Antipsiquiatria, Psicoterapia
Institucional e Psiquiatria Democrtica). Argumentamos, ainda, que a
Ateno Psicossocial, entendida como um novo paradigma inclui, como
seus componentes necessrios, os conceitos e as prticas englobadas
nas polticas de Apoio Psicossocial e Reabilitao Psicossocial.
1. Breve histria do termo Psicossocial e origens do conceito no
campo da SadeNo temos no momento a pretenso de resgatar um histrico
completo do termo PSICOSSOCIAL, nem de sua amplitude geral como
conceito; entretanto consideramos essencial traar dele uma pequena
trajetria, a fim de preparar a apresentao da hiptese de sua
transformao em conceito, no contexto da Reforma Psiquitrica
Brasileira.De imediato necessrio situar duas frentes de
acontecimentos: as transformaes da prtica mdica em sentido amplo e
as transformaes da prtica psiquitrica.Transformaes da prtica mdica.
Referindo-se aos esquemas da reforma mdica, Donnangelo (1979),
analisa projetos como os da Medicina Integral, Medicina Preventiva
e Medicina Comunitria, acentuando-lhes como caracterstica marcante
uma tentativa de integrao da dimenso social presente na produo das
enfermidades, que vinha sendo excluda do ato mdico. Essas crticas
Medicina adquirem visibilidade j nas dcadas de 40 e 50 e
configuram- se, antes de tudo, no conceito de Medicina Integral,
que contrape o carter fragmentrio das aes mdicas (no contexto da
diviso do trabalho tcnico em especialidades) a uma concepo
globalizadora do objeto das prticas, ainda concebido como
individual. A se elabora a idia do indivduo como totalidade
bio-psico-social irredutvel a um conjunto de estruturas e funes
orgnicas (Donnangelo, 1979:79). Dessa viso global do paciente
faz-se derivar uma organizao do trabalho em equipes
multiprofissionais.Por seu lado, a Medicina Comunitria, agregando
conhecimentos da Medicina Integral e da Preventiva, postula a
superao do corte entre aspectos orgnicos e psicossociais, entre
condutas curativas e preventivas, entre prticas que visam efeitos
individuais e coletivos (Costa-Rosa, 1987: 207), requerendo do
processo sade-doena em sua dimenso ecolgica e psicossocial. Veremos
que esse termo psicossocial, to freqUente nestas discusses da
Medicina Comunitria, vai ser transladado para o campo das prticas
da Reforma Psiquitrica, pela via de sua passagem direta para a
Psiquiatria Comunitria, que vai influenciar fortemente as prticas
em Sade Mental no contexto brasileiro, a partir da dcada de
setenta. Passemos agora anlise das origens do termo psicossocial no
mbito das prticas de ateno em Sade. Mental.Transformaes da prtica
psiquitricaTomamos como ponto de partida o contexto em que a
Psiquiatria j havia configurado a Doena Mental como seu objeto e o
Hospital Psiquitrico como um dos principais dispositivos da sua ao.
Segundo Birman e Costa (1994), a crise dessa psiquiatria, desenhada
por sua impotncia teraputica, (explicitada nos altos ndices de
cronificao e no carter iatrognico da institucionalizao), e pelos
impasses quanto sua cientificidade, que responsvel pela invaso do
seu campo por um conjunto cada vez maior de outras instituies.Um
conjunto importante de crticas ao Hospital Psiquitrico e sua viso
da Doena Mental e do tratamento, bem como uma srie de experincias
prticas da decorrentes, datam de pocas bem anteriores Segunda
Guerra Mundial, mas s a elas ganham eco e contornos suficientes
para servirem de iderio de transformao. J no sculo XIX Bouchet
introduziu o trabalho (como meio de tratamento), prtica
desenvolvida logo aps a 1 Guerra Mundial por Herman Simon; Raynau,
nos princpios do sculo XX, abriu os Servios psiquitricos; nos anos
trinta, programas psicoteraputicos de origem psicanaltica foram
introduzidos por Simmel e Menninger (que, em 1937, trabalharam com
pequenos grupos visando a sua ressocializao); o trabalho de equipe
e os grupos de discusso j eram prtica corrente em Chestnut Lodge
nos anos quarenta (Figueiredo, 1977: 19).Em 1903 Simon construiu um
hospital utilizando como mo-de-obra os pacientes que at ento viviam
isolados, colocando-os na situao de assumirem outros papis alm do
de enfermos. De tal modo que esse autor, revalorizado no ps II
guerra, torna-se precursor das Comunidades Teraputicas e um dos
pontos de referncia em torno dos quais se constri o movimento da
Psicoterapia Institucional. Redescobre-se o trabalho de Sulivan
que, em 1931 demonstra as vantagens teraputicas da integrao dos
pacientes em pequenos grupos (Birman e Costa, 1994). Em 1946 T. H.
Main, que trabalhou com Bion e Heichman, introduziu a expresso
Comunidade Teraputica, que logo foi sistematizada por M. Jones...;
no contexto ingls instituiu-se o cuidado atravs de equipes
multiprofissionais, integrando enfermagem, psiclogos, assistentes
sociais ao trabalho dos generalistas que esto encarregados de
prestar servios de cuidados primrios a pacientes portadores de
distrbios mentais (Pitta, 1984:11).Uma inflexo decisiva na
transformao das prticas psiquitricas ocorre durante a Segunda
Guerra Mundial a partir da configurao das Comunidades Teraputicas e
da Psicoterapia Institucional.Seguindo precursores como Querido e
Dzhagarov, que j nos anos trinta haviam aberto respectivamente um
servio de consultas e hospitalizaes domiciliares e em Amsterd e um
Hospital-dia em Moscou, uma multiplicidade de instituies e situaes
teraputicas foram contrapostas ao Hospital Psiquitrico: clubes
teraputicos, hospitais-dia e hospitais-noite, ambulatrios,
atendimentos domiciliares e familiares etc (Figueiredo, 1977:
20).Essas tentativas de exercer a psiquiatria fora do Hospital
foram patrocinadas pelo Estado na Inglaterra, na Frana e Estados
Unidos, com paralelos na Unio Sovitica e outros pases. Como poltica
estatal essas experincias ficaram conhecidas como Psiquiatria de
Setor (Frana) e Psiquiatria Comunitria (Estados Unidos), e
procuravam por disposio da populao, conjuntos estruturados de
trabalhadores psiquitricos, utilizando um nmero diversificado de
umidades teraputicas. O Setor, mesmo antes de sua estatizao em
1960, tambm contava com uma variao significativa de tcnicos:
psiclogos, psicanalistas, pedagogos etc. (Pitta, 1984:11).Na
transposio das ideias comunitrias para o contexto brasileiro na
dcada de setenta, encontramos explicitamente a designao de
bio-psico-social como caracterizao do objeto das prticas da Sade
Mental Comunitria. Figueiredo (1977), refere a existncia de um
denominado Centro Psicossocial universitrio, fundado em 1970 em
Genebra, visando uma poltica comunitria de preveno das
hospitalizaes, dotado de servios de consultas, de oficinas
teraputicas, de uma antena psiquitrica no Hospital Geral
(Figueiredo, 1977: 25).Como sntese geral deste ponto podemos dizer
que todas essas prticas e ideias desenvolvidas no mbito das
Comunidades Teraputicas, da Psiquiatria de Setor e da Psiquiatria
Comunitria no chegaram a conferir ao significante psicossocial mais
que o estatuto de um termo que pretendia incorporar aspectos
psquicos e sociais ao aos aspectos biolgicos do paradigma e do
objeto da Psiquiatria. Origens do conceito Psicossocial Psiquiatria
do Setor e Comunitria somam-se outras vertentes de crtica
Psiquiatria que vo deixando profundas marcas em seu objeto e nos
meios de seu manuseio. Dessas marcas iro configurar-se as bases
para a construo de um novo paradigma das prticas em Sade Mental que
aspira a transpor o paradigma da Psiquiatria. Firmamos a hiptese
inicial de que o termo psicossocial, que a princpio designa
experincias de reforma da Psiquiatria, agregando a seu objeto
aspectos psquicos e sociais, vai aspirar ao estatuto de conceito, a
partir do momento em que lhe so acrescentadas s contribuies de
movimentos de crtica mais radical Psiquiatria, como a
Antipsiquiatria, a Psiquiatria Democrtica e alguns aspectos
originrios da Psicoterapia Institucional. Tais elementos
traduzem-se, a partir de certo momento, em transformaes nas
concepes de objeto, nos modos de conceber e estruturar a instituio
como dispositivo, e, sobretudo, na forma de conceber e estruturar
as relaes teraputicas, que tm, por sua vez, implicaes ticas
radicalmente distintas das prticas asilares.Essas transformaes tm
seu correspondente no contexto brasileiro, a partir da dcada de 80,
ocasio em que Psicossocial passa a ser utilizado como um
significante para designar novos dispositivos institucionais
(Centros e Ncleos de Ateno Psicossocial CAPS1 e NAPS) que aspiram
outra lgica, outra fundamentao terico-tcnica e outra tica, que no
mais as do paradigma psiquitrico. Distinguimos, portanto, o termo
do conceito, reservando, para o ltimo, o estatuto de designao das
prticas em Sade Mental Coletiva que se inscrevem como transio
paradigmtica da psiquiatria, conservando para o termo a funo de
designar as prticas reformadoras em sentido amplo. O estatuto de
conceito, bem como o carter da transio paradigmtica, podero ficar
melhor esclarecidos a medida em que formos explicitando os
contornos do paradigma psicossocial. Na histria recente das prticas
no campo da Sade Mental Coletiva encontramos uma srie de termos e
conceitos que, algumas vezes, se apresentam cada um como suficiente
para designar todo o campo, outras vezes se combinam, e outras
ainda se misturam, ameaando confundirem-se: reabilitao, apoio e
ateno. Procuraremos discutir os contornos de abrangncia desses
termos, alm dos possveis paralelo e diferenas entre os trs ltimos,
com o objetivo de visualizar os parmetros mnimos necessrios para a
configurao do novo paradigma das prticas de Ateno Psicossocial
substitutivas ao modo manicomial.Para nos situarmos, a princpio,
frente a eles, pode ser proveitoso analisar um pouco da etimologia
e sentidos comuns desses termos tomando como fonte o Novo dicionrio
Aurlio:PSICOSSOCIAL.: adjetivo; aglutinao de psico com social.
Atividade ou estudo relacionando aspectos psicolgicos conjuntamente
com aspectos sociais; estes, considerados distintos dos aspectos
polticos, dos econmicos e dos militares.REABILITAO: substantivo;
ato ou efeito de reabilitar(se). Recobramento de crdito, de estima,
ou de bom conceito perante a sociedade. Recuperao das capacidades
fsicas ou psquicas dos incapacitados (...). Uma das formas de
extino da punibilidade (...) cancelando a pena acessria de interdio
de direitos (...). Sentido jurdico: reintegrao do falido nos
direitos que a falncia limitou.Num paralelo com o termo REABILITAR
especificam-se ainda melhor alguns dos seus sentidos:Restituir ao
estado anterior os primeiros direitos e prerrogativas. Restituir
estima pbica ou particular; regenerar. Restituir normalidade do
convvio social ou de atividades profissionais. Readquirir estima
pblica ou particular.20APOIO: substantivo, tudo que serve de
sustentculo, de suporte. Auxlio, socorro, amparo, aprovao, aplauso,
apoiada. Fundamento.ATENO: substantivo; aplicao cuidadosa da mente
a alguma coisa; concentrao, reflexo, aplicao (...). Ato ou
palavra(s) que demonstra(m) considerao, amabilidade, urbanidade,
cortesia ou devoo para com algum.Aqui tambm necessrio recorrer ao
termo ATENDER, que est na origem do termo ateno tal qual nos
interessa consider-lo.Dar ou prestar ateno. Levar em conta, ter em
vista, considerar. Atentar, observar, notar. Acolher, receber com
ateno ou cortesia (...). Tomar em considerao (...). Escutar
atentamente (...)Mesmo uma anlise superficial desses termos tal
como se apresentam no lxico, pode permitir-nos ver alguns sentidos
dignos de reflexo, levando em conta aquilo que nos interessa
analisar nos conceitos que esses termos vo designar quando
aplicados ao campo da Sade Mental Coletiva.Assim, no termo
Psicossocial, percebemos uma espcie de recorte, uma visada das
especialidades, pretendendo excluir aspectos polticos, econmicos, e
at aspectos relacionados com a salvaguarda dos interesses, da
riqueza e dos valores culturais da nao. Veremos que o conceito de
Psicossocial, quando referido s polticas pblicas de Sade Mental,
aspira justamente incluso de todos esses aspectos, como componentes
do sentido amplo que procura articular.O termo REABILITAO aparece
marcado por sentidos e significados cuja nfase sublinha a tnica do
retorno, da reverso, da volta a estados j habitados anteriormente
aos episdios desabilitadores. Veremos que, de certa forma, essa
inrcia da volta atrs parece querer marcar com maior nfase a
fisionomia do conceito de REABILITAO, embora devamos olhar,21com
ateno e generosidade, as tentativas de elevar esse conceito a
sentidos menos comprometidos com a reproduo dos valores
estabelecidos. Algumas tentativas nessa direo sero, na seqncia,
postas em destaque.O termo APOIO parece ser, entre todos, aquele
que mais claramente expressa um sentido preciso. Aparentemente, o
seu sentido, operado por algumas prticas de Sade Mental, realizado
de modo pontual e no sabemos at que ponto pretendeu aspirar
categoria de conceito. Na realidade, veremos que o termo Apoio, no
contexto da poltica pblica em que foi utilizado, logo tendeu a um
deslocamento em direo ao termo ATENO. A ponto dos dispositivos
resultantes dessa poltica passarem a ser denominados, ora como
Ncleos de Apoio Psicossocial (Kinoshita, 1997: 75), ora como Ncleos
de Ateno Psicossocial (Niccio, 1994: 107-138).Finalmente, o termo
ATENO apresenta-se, em seu sentido comum no lxico, de um modo que
parece surpreendentemente muito prximo dos sentidos que pretende
assumir como conceito, no contexto da Reforma Psiquitrica.Dar e
prestar ateno, acolher, receber com ateno, tomar em considerao,
levar em conta e escutar atentamente, chegam a designar uma parte
fundamental do contorno que se pretende imprimir s aes de Ateno
Psicossocial nas prticas em Sade Mental no contexto brasileiro
atual. Veremos que a se expressam, de modo bastante claro, certos
princpios atinentes, sobretudo, forma das relaes dos agentes
institucionais e das prprias instituies como dispositivos, com os
sujeitos usurios e suas demandas.Historicamente, vemos o conceito
Psicossocial associar-se mais comumente a outros trs: REABILITAO,
APOIO, ATENO; cada vez tentando criar sentidos diferentes,
substantivando o que seja psicossocial. Em alguns momentos cada um
desses substantivos pode apresentar-se como globalizador do campo
da ATENO, aspirando a sobrepor-se aos demais. Isso tem
sido22particularmente vlidos para a Reabilitao Psicossocial e para
a Ateno Psicossocial, que aparentemente vm sendo utilizados para
designar o mesmo referente, embora esse referente no seja concebido
do mesmo modo.Quanto a ns, aps a anlise de alguns dos fundamentos
terico-tcnicos e ticos presentes nesses diferentes conceitos,
pretendemos fazer o exerccio de deixar falar um certo sentido
preponderante, que vm assumindo as prticas em Sade Mental Coletiva
neste momento histrico. Da procuraremos extrair uma forma de
conjugar esses termos e conceitos, que seja capaz de conservar o
que nos parece importante em cada um deles e, ao mesmo tempo, possa
elevar a potncia das aes psicossociais no campo da Sade Mental
Coletiva. Adiantamos j, mais explicitamente, nossa hiptese de
trabalho quanto a este aspecto: o conceito de Ateno Psicossocial,
considerando a diversidade de suas prticas e a tnica imprimida sua
tica, apresenta-se com potencialidade de incluir, alm de seu prprio
sentido, o dos demais conceitos (Apoio Psicossocial e Reabilitao
Psicossocial) que atualmente circulam no campo, porm sem
desconsiderar certos aspectos que definem a especificidade deles.
Em outros termos, parece-nos que a Ateno Psicossocial capaz de
superar o Apoio Psicossocial e a Reabilitao Psicossocial, porm
conservando-os.3. Reabilitao Psicossocial: um velho significante
para um conceito novo?Numa definio da Internacional Association of
Psychosocial Reabilitation Services (IAPRS), 1995, reabilitao
seriao processo de facilitar ao indivduo com limitaes, a restaurao,
no melhor nvel possvel de autonomia, do exerccio de suas funes na
comunidade (...) o processo23enfatizaria as partes mais sadias e a
totalidade de potenciais do indivduo, mediante uma abordagem
compreensiva e um suporte vocacional, residencial, social,
recreacional, educacional, ajustados s demandas singulares de cada
indivduo e de cada situao, de modo personalizado (apud Pitta, 1996:
19-20).Em 1985 a mesma IAPRS j catalogara 800 experincias de
Reabilitao Psicossocial em todo o mundo (Pitta,1996: 20).Em uma
primeira tentativa de especificar mais a natureza das aes
reabilitadoras, a OMS tenta definir os sujeitos dessas aes entre os
moradores cronificados do Hospital Psiquitrico, os milhares de
desabilitados que se vo produzindo s margens da sociedade desigual,
ou mesmo aqueles que sempre a estiveram sem qualquer chance de
algum dia se habilitarem para qualquer coisa. Prope como objetos da
Reabilitao: desabilitaes deterioro das funes psicolgicas, sociais
ou anatmicas, determinadas por algum dano orgnico ou funcional
(Inpairment); carncias de habilidades para atividades sociais
decorrentes de danos diversos (Disability); ou desabilidades
decorrentes de uma alterao do estado normal por tempo prolongado
(Handicap). Neste caso, a Reabilitao Psicossocial seria a recuperao
de indivduos atravs da minimizao de efeitos desabilitantes da
cronificao de doenas (Pitta, 1996: 20).O prefixo Re evoca um
movimento de retorno, uma volta ao estado anterior, a mesma que to
cara ao paradigma mdico doena-cura. A recuperao de faculdades
fsicas ou psquicas dos incapacitados assume inevitavelmente, nesse
caso, um sentido ortopdico.Uma srie de contribuies mais
contemporneas, mais ou menos alinhadas com a World Association of
Psychossocial Reabilitation (WARP), tm feito um esforo para elevar
o sentido da Reabilitao.Saraceno (1996:13-18) considera-a uma
estratgia que visa muito mais do que apenas fazer passar um usurio
de um24dar-lhe um sentido, a um s tempo, ampliado e mais
delimitado, relacionando-a com a aquisio de maior poder de
contratualidade social. Considera-se que a desabilidade essencial
ocorre por falta de poder contratual, que envolve trs cenrios de
vida: habitat, mercado e trabalho; ou seja, no pode haver
reabilitao sem aumentar o poder de realizao de trocas afetivas,
materiais e de mensagens.Afirma que o problema da reabilitao, em
seu sentido comum, ela no estar posta como transio para a
cidadaniaO processo da Reabilitao Psicossocial seria ento um grande
processo de reconstruo, um exerccio pleno de cidadania e tambm de
plena contratualidade no cenrio das relaes familiares, da rede
social e do trabalho com valor social (Saraceno,1996: 17).Bertolote
(1996: 156) tambm fala em Reabilitao Psicossocial como restituio
plena dos direitos, das vantagens, das posies que estas pessoas
tinham ou poderiam ter tido (...). Procura escapar terminologia
mdica, que fala a partir do conceito de doena, acreditando resolver
melhor a questo com os termos deficincia, incapacidade e
desvantagem. Como podemos ver, no fcil escapar ao sentido mais
comum.Olhando a psicose sob o prisma da Reabilitao, Goldberg (1996:
45), afirma que, sendo a psicose uma condio que est sempre
evoluindo (...) percebemos a reabilitao como um processo que no tem
fim definido, A reabilitao tomada dessamaneira consiste em oferecer
todas as possibilidades de tratamento que estejam disponveis.
Tratar e reabilitar so perspectivas indissociveis. Para reabilitar
um paciente necessrio oferecer tratamento contnuo. Citando Amim e
Silva Filho, o autor afirma que:a reabilitao no pode ser
considerada uma tentativa estanque, desenvolvida ps-tratamentos.
Ela se desenvolve25no nosso cotidiano, desde os hbitos mais simples
de cuidado pessoal a questes de trabalho, fazendo-se necessria,
portanto, a construo de um novo olhar para ela (Goldberg,
1996:46).Goldberg deixa clara a necessidade operativa de estender o
conceito de reabilitao a todas as demandas, no apenas aos casos
graves de psicose e aos desabilitados por diferentes causas para
muito alm da Preveno Terciria.Benetton (1996: 148) tambm situa a
conotao repetitiva do termo Reabilitao, mostrando que ele est
associado a prticas efetivas, que visavam a fabricao paternalista
de indivduos que gastaram a prpria vida girando em torno dos
exerccios reabilitadores. Sublinhando o sentido valorativo do
prefixo Re, pergunta se os efeitos de tais prticas devem se
aferidos levando em conta o novo que se adquire ou o velho
readquirido. Por outro lado, afirma que estando o termo
comprometido com a idia de retorno ao velho, preciso perguntar se
vale pena pagar o preo que custa ficar atrelado a ele. Responde com
a sugesto da sua substituio, associando ao novo conceito um novo
termo.Vemos, de modo geral, que as tentativas dos pesquisadores
ligados a WAPR encaminham-se no sentido de ampliar o escopo de
abrangncia da Reabilitao Psicossocial, sobretudo seus sentidos
tico-polticos, apesar das dificuldades em que implica a utilizao de
um termo saturado de sentidos que apontam para um caminho inverso
ao pretendido.4. Clnica e Reforma Psiquitrica: uma relao
necessariamente tensa?O termo APOIO surge no contexto de algumas
prticas da Reforma Psiquitrica (Kinoshita, 199 1:75) que tm sua
origem fundamental na Psiquiatria Democrtica Italiana. Nesse26do
conceito de CLNICA, a ponto parecer que e pretende a sua excluso, e
substituio por prticas que enfatizam a produo e a reproduo do
cotidiano dos usurios.Alguns desses autores tm argumentado que os
resultados dessa clnica so perniciosos ou, no melhor dos casos,
nulos. Tambm deixam transparecer claramente que no horizonte das
suas anlises est sempre a clnica mdico-psiquitrica, (Saraceno,
1996: 150-154; Kinoshita,1996: 55-59), e tambm as psicoterapias
(Basaglia,1985: 102-104). A princpio podemos compreender as razes
dessa crtica.Amarante (1996: 88-89) aponta que o processo da
Desinstitucionalizao em Basaglia fundado na noo de
institucionalizao, como um complexo de danos decorrente da submisso
do doente internado, de forma compulsria e por tempo indeterminado,
ao autoritarismo e coero do manicmio e do modelo da psiquiatria.A
Desinstitucionalizao, como estratgia de transformao dessa situao,
ocorre na e pela prpria prtica. Sua trajetria supe a desconstruo e
transformao dos elementos explcitos e implcitos do Modo Manicomial.
Essa desconstruo e transformao deve ter como uma das estratgias de
ao, a negao da psiquiatria enquanto ideologia (Amarante, 1996:
104).Estratgia que supe a renncia da vocao teraputica instituda,
por intermdio da superao do paradigma psiquitrico. Isto significa
negar a instituio manicomial; o saber psiquitrico sobre a doena
mental, compreendido como um processo histrico e social de
apropriao da Loucura; o poder do psiquiatra em relao ao paciente; o
seu mandato social de custdia. Implica tambm a denncia da violncia
a que o doente est submetido dentro e fora da instituio.Para que
isso ocorra preciso colocar em anlise as funes da psiquiatria tanto
no espao asilar como na sociedade,27no sentido de inverter sua
lgica: em vez de colocar o doente entre parnteses e focar apenas a
doena mental, passar a colocar entre parnteses a doena mental e
enfocar o sujeito em sua existncia-sofrimento (Rotelli, et. al.)
1990).Ao se buscar a superao do saber psiquitrico, sobretudo do
paradigma doena-cura, procurou-se romper com prticas identificadas
com o modelo clnico, por consider-las ineficazes, segregadoras. As
prticas clnicas, concebidas ao modo da clnica mdica e psicolgica,
foram consideradas como meios de adaptar os indivduos aceitao de
sua condio de objetos da violncia, dando por acabado que a nica
realidade que lhes cabe serem objetos da violncia se rejeitarem
todas as modalidades de adaptao que lhes so oferecidas (Basaglia,
1985: 102).Entre as prticas comprometidas com essa viso esto a
clnica psiquitrica e a psicolgica. Em relao a esta ltima importante
retomar novamente as prprias palavras de Basaglia:De outra parte,
as prprias teorias psicodinmicas, que tentaram encontrar o sentido
dos sintomas atravs da investigao do inconsciente, mantiveram o
carter objetal do paciente, mesmo que o tenham feito atravs de um
tipo distinto de objetivao: objetivando-o no mais enquanto corpo,
mas enquanto pessoa (Basaglia, 1985: 104).Essas poucas observaes so
suficientes para revelar uma relao tensa que a Clnica e a Reforma
Psiquitrica parecem estabelecer (Leal, 1997). Diversos artigos
(Figueiredo, 2001; Tenrio, 2001; Greco, 2001; Santos e Almeida;
2001) tm recentemente apontado esta tenso entre a clnica
psicanaltica e, o que talvez pudssemos nomear como, a dimenso
poltica da Reforma Psiquitrica. J outros, (Lobosque, 1997;
Amarante; 2001), buscam mostrar que nesta dimenso poltica que se
encontra a verdadeira clnica da Reforma, pautada, sobretudo, pela
possibilidade de criao e inveno cotidiana.28O lugar da Sade Mental
um lugar de conflito, confronto e contradio. Talvez esteja a uma
certa caracterstica ontolgico-social, pois isso expresso e
resultante de relaes e situaes sociais concretas. Por qualquer
perspectiva que se olhe, tratar-se- sempre de um eterno confronto:
pulsaes de vida/pulsaes mortferas; incluso/excluso;
tolerncia/intolerncia.Existem tambm os vises da inrcia sob a qual
ainda se considera a clnica das psicoses. Como destinar ao paciente
psictico os ideais flicos de nossa sociedade neurtica, que para ele
no faz sentido sustentar? Pensamos que uma discusso mais justa da
questo necessita que nos apropriemos da clnica das psicoses em seu
atual estgio de desenvolvimento.Por outro lado, como proporcionar
uma escuta atenta ao sofrimento, sua subjetividade, evitando
influenciar-se por determinantes tericos que no esto isentos de
contedos ideolgicos, sem se apropriar adequadamente de um
dispositivo de escuta?Quais noes de sujeito permeiam as prticas em
questo?Nos parece que esta uma tenso inevitvel, mas ao mesmo tempo
desejvel e produtiva, advinda da prpria natureza do campo. Uma
reflexo sobre esta relao j seria suficiente para a produo de vrios
artigos. No momento gostaramos de contribuir sinalizando com alguns
aspectos que nos parecem importantes.Tentando justificar sua
excluso da clnica, Saraceno (1996b:152), apresenta-a como derivada
da palavra clinos:arte de olhar, observar e tratar o paciente que
est na cama(...) etimologicamente o paciente est inclinado e o
mdicoest acima (...) No me agrada mais a palavra clnica.Chama ateno
sua nfase na necessidade de mudana dos termos.Parece contentar-se
com o modelo de clnica vindo da clnica mdica, quando esta aplicada
psiquiatria, seguindo a29tradio pineliana. Reconhece que o modelo
encontrado a, mesmo hoje, no um modelo aproveitvel para a tica que
convm s prticas em Sade Mental.Mas por qu procurar na psiquiatria,
com tantas outras possibilidades disposio?Na verdade podemos buscar
outros sentidos para o termo grego clinos, de que Saraceno fez
derivar a concepo de clnica que critica. O radical grego Klin d
tanto a palavra Klino, de onde sai a palavra leito, quanto Klinen,
de onde saem as palavras inclinar, dobrar (Aurlio, 2000).Podemos,
portanto, derivar do radical Klin, um sentido mais apropriado aos
fins da Reforma Psiquitrica; como inclinao, no para baixo, mas para
os lados, no sentido de bifurcar, divergir, de buscar novos
sentidos. Teramos assim uma das acepes fundamentais que podem ser
dadas s crises, alcanando uma dimenso criativa, oportunidades de
transformao de estados e situaes insustentveis. Aqui, tambm, no se
trata mais de uma clnica do olhar, mas da escuta, ou do olhar que v
alm do sintoma. A clnica como encontro, capaz de produzir senso,
sentidos; produo de sentidos, no lugar de reproduo; como lugar onde
as identidades dos participantes j no esto predefinidas.Essa
referncia palavra clnica como encontro de identidades predefinidas
(o paciente deitado e o mdico acima), que gera reproduo de poderes,
de ideologias, de doenas, que faz com que vrios autores critiquem
esse conceito, alegando, em contraposio, uma prtica mais complexa e
articulada.Ora, que maior complexidade podemos buscar do que a
possibilidade de divergir, de bifurcar, em relao ao sentido vivido
da dor e do sofrimento, buscando novas formas de implicao subjetiva
e sociocultural? Estaremos longe da perspectiva da contratualidade
social entendida como aumento das trocas de bens, de mensagens e de
afetos? (Kinoshita, 1996: 55)30Por outro lado, mesmo recorrendo
etimologia grega, no se pode ignorar outros acrscimos feitos a
clnica ao longo do tempo posterior. necessria uma atitude clnica
capaz de pr em foco no apenas o sujeito do sofrimento, mas tambm a
postura de quem o acolhe. Clnica como clinmem; ato de divergir,
bifurcar (Barros & Passos, 2000); de freqentar outros setores
do campo: Psicanlise, Psicoterapia Institucional, Materialismo
Histrico, Alternativas Psiquiatria, Filosofias da Existncia,
Esquizoanlise.Nessa postura poder residir a atitude radical de
exercitar o que j comea a ser designado por alguns autores como
Clnica Ampliada (Goldberg, 1994; Bezerra, 1996; Campos, 2001).5.
Ateno Psicossocial: origens, definies e prticas.Inserida no campo
da Reforma Psiquitrica, a Ateno Psicossocial, s vezes nomeada
confusamente como Reabilitao Psicossocial, tem sustentado um
conjunto de aes terico-prticas, poltico-ideolgicas e ticas
norteadas pela aspirao de substituirem o Modo Asilar, e algumas
vezes o prprio paradigma da Psiquiatria.Sua origem remonta a uma
srie de contribuies vindas das diferentes experincias histricas que
incluem, sobretudo, a Psiquiatria de Setor e Comunitria, a
Antipsiquiatria, a Psicoterapia Institucional e a Psiquiatria
Democrtica Italiana; alm da contribuio das polticas pblicas e das
experincias locais dos Centros de Ateno Psicossocial (CAPS) e dos
Ncleos de Ateno Psicossocial (NAPS). De modo geral, os elementos
tericos subjacentes a essas experincias passam principalmente pelas
idias sociolgicas e psicolgicas, pelo Materialismo Histrico, pela
Psicanlise e pela Filosofia da Diferena.31Amarante (1999: 47-52),
especifica as transformaes na Sade Mental em quatro campos:
terico-assistencial, tcnico- assistencial, jurdico-poltico e
sociocultural. Tomemos as transformaes em cada um desses campos
como estratgia de visualizao da prxis da Ateno Psicossocial.No
campo terico-assistencial tem se operado, antes de tudo, a
desconstruo de conceitos e prticas sustentados pela psiquiatria e
pela psicologia nas suas vises acerca da doena mental. Em
contrapartida tem-se construdo noes e conceitos como
existncia-sofrimento do sujeito na sua relao com o corpo social,
paradigma esttico, acolhimento, cuidado, emancipao e
contratualidade social.O reconhecimento da loucura e do sofrimento
psquico como fenmenos que insistem por si mesmos em apresentar-se
como objeto peculiar, pe o prprio sujeito no cerne da situao. O
conceito de existncia-sofrimento, por contraposio ao paradigma
doena-cura, expressa a exigncia de dar ao sujeito a cena; ao mesmo
tempo em que impulsiona a Reforma Psiquitrica na direo de uma
revoluo paradigmtica, uma vez que questiona a to cara relao
sujeito-objeto e o prprio paradigma doena-cura. essa especificidade
do sujeito de estar por si no centro da cena, inclusive das
teraputicas, que faz com que nestas se d dimenso esttica uma
relevncia particular.No campo tcnico-assistencial que a Reforma
Psiquitrica tem deixado mais visveis suas inovaes,
concomitantemente reconstruo dos conceitos. Tem-se construdo uma
rede de novos servios: espaos de sociabilidade, de trocas, em que
se enfatiza a produo de sade como produo de subjetividades. Isto
tem significado colocar a doena entre parnteses e propiciar contato
com o sujeito, rompendo com as prticas disciplinares; aumentando a
possibilidade de recuperao do seu estatuto de sujeito de direitos.
Tm-se operado transformaes tanto na concepo dos novos equipamentos
(Centros e32Ncleos de Ateno Psicossocial, Oficinas Teraputicas e de
Reintegrao Sociocultural, e Cooperativas de trabalho), quanto na
sua forma de organizao e gesto (instituies abertas com participao e
co-gesto com os usurios e populao). Tambm se exercitam experincias
com a rea de abrangncia da instituio considerada sob o conceito de
Territrio.No campo jurdico-poltico destacam-se algumas aquisies:
alm das transformaes advindas da Reforma Sanitria, luta-se pela
extino dos manicmios e sua substituio por instituies abertas, pela
reviso das legislaes sanitrias, civil e penal, referentes doena
mental, para possibilitar o exerccio dos direitos cidadania, ao
trabalho e incluso social. .Tm-se consolidado vrias leis municipais
e estaduais, aprovou-se uma lei nacional, ainda que com vrias
alteraes e longe dos princpios iniciais do projeto de lei do
Deputado Federal Paulo Delgado de 1989, e conseguiu-se oficializar
os NAPS e CAPS como dispositivos de Sade Mental Coletiva para
efeito de financiamento de suas aes pelo SUS. Mais recentemente, a
portaria ministerial tem apresentado uma proposta de mudana de
modelo assistencial na perspectiva da ateno psicossocial.No campo
sociocultural tem-se construdo uma srie de prticas sociais visando
transformar o imaginrio social relacionado com a loucura, a doena
mental e a anormalidade, passando pelas distines de doena mental,
loucura, desrazo; chegar ao conceito de existncia-sofrimento. Est
em processo de mudana a imagem da loucura e do louco, a imagem a
instituio e a da relao dos usurios e a populao com ela
(desinstitucionalizao). Nessas transformaes merecem destaque: a
imagem da instituio que se formula como espao de circulao (no mais
espao depositrios) e polo de exerccio esttico, e a imagem do louco
como cidado que deve almejar poder de contratualidade social.33Como
vemos, a Ateno Psicossocial vai se definindo por uma srie de
transformaes no paradigma Asilar e Psiquitrico, valendo-se de aes
nas esferas poltico-ideolgica e terico-tcnica. Suas aes
poltico-ideolgicas trabalham em sintonia com os movimentos sociais
que lutam pelo resgate da dignidade humana e dos direitos
individuais e coletivos de cidadania, ao mesmo tempo sublinhando a
particularidade da situao dos usurios dos servios de Sade Mental.
Suas aes terico- tcnicas referem-se produo de novas formas de
interveno que possibilitem a construo de novos dispositivos que
trabalhem pela transformao radical dos modelos institucionalizados
e da tica em que se pautam.Analisando, de forma global, a
complexidade e amplitude das prticas da Ateno Psicossocial, parece
possvel demonstrar a incluso nela de uma parcela importante dos
conceitos e das prticas anteriormente definidos como Reabilitao
Psicossocial e como Apoio Psicossocial, a exemplo daqueles pautados
pela perspectiva do aumento da contratualidade social dos usurios
das instituies.Desse modo, possvel indicar que a Ateno Psicossocial
parece configurar um campo capaz de congregar e nomear todo o
conjunto das prticas substitutivas ao Modo Asilar, conservando ao
mesmo tempo a abertura necessria para a incluso das inovaes que
ainda esto se processando e para outras que certamente viro.O Modo
Psicossocial: uma tentativa de balizar uma lgica mais precisa para
a Ateno PsicossocialA diversidade das prticas que substantivam o
termo PSICOSSOCIAL, tanto. em relao aos seus significados, quanto
em relao aos seus campos de origem, nos parece suficiente para
justificar a tentativa de precisar sua lgica. Seguiremos na34Trilha
aberta por Amarante (1999: 47-52), ao designar quatro campos para
as transformaes operadas pelas prticas da Reforma Psiquitrica. Porm
nosso objetivo de elucidao do novo paradigma das prticas da Sade
Mental Coletiva exige um esforo ainda maior de preciso, por isso
acrescentaremos ao referencial de Amarante, um outro, elaborado por
Costa-Rosa (2000:141-168), formulado com o objetivo de elucidar as
caractersticas dos dispositivos institucionais da Ateno
Psicossocial. Analisaremos essas caractersticas sob o prisma dos
quatro parmetros bsicos que definem o Modo Psicossocial:1. Concepes
do processo sade-doena e dos meios tericotcnicos sustentados para
lidar com ela; 2. Concepes da organizao das relaes
intrainstitucionais, inclusive da diviso do trabalho
interprofissorial; 3. Concepo da forma das relaes da instituio e
seus agentes com a clientela e com a populao em geral; e,
finalmente, 4. Concepo efetivada dos efeitos de suas aes em termos
teraputicos e ticos. So as transformaes em cada um desses quatro
parmetros, e sobretudo, o matiz dessas transformaes, que nos
permitiro definir a pertinncia do paradigma psiquitrico, ou do
paradigma psicossocial, para as prticas designadas pelo termo
psicossocial, portanto da Ateno Psicossocial..Ao mesmo tempo nossa
anlise deste ponto parte de duas proposies bsicas que convm afirmar
de sada. Na primeira, procuraremos aferir o estatuto da Ateno
Psicossocial no apenas pelo fato dela representar variaes, tanto em
relao ao Modo Asilar, quanto em relao aos outros campos da
REABILITAO e do APOIO, mas, sobretudo, pelas caractersticas
especficas dessas variaes. Ou seja, examinaremos at que ponto essas
transformaes so capazes de situ-la em sentido contrrio s prticas
que pretende substituir. Na segunda proposio, nossa tentativa de
balizar uma lgica precisa para a Ateno Psicossocial no se contentar
com as transformaes j operadas na teoria, nas prticas e nos
discursos, mas firmar35algumas exigncias logicamente deduzidas da
tica necessria (desinstitucionalizao) e do mtodo de anlise
(dialtico). possvel afirmar que esta anlise tem uma dimenso
histrica, na medida em que inclui uma considerao dos avanos que tm
ocorrido nas prticas concretas at o presente; e outra dimenso
lgica, visto que decorre da deduo realizada, atravs do mtodo de
anlise, das caractersticas imprescindveis a um determinado
dispositivo para que ele configure uma lgica contraditria com a dos
dispositivos que pretende superar e substituir. necessrio
explicitar, ainda, que as prticas da Ateno Psicossocial representam
a sedimentao de um vasto conjunto de variaes terico-tcnicas e
ticas, mais ou menos radicais, conforme o caso; em relao s prticas
vigentes e dominantes, que esto no lugar estrutural de sua
alteridade necessria. Por isso, neste tpico de nossa anlise, as
transformaes que configuram a Ateno Psicossocial sero sempre
medidas na relao com esse outro que designaremos como Modo Asilar
ou Paradigma Psiquitrico.Exigiremos da Ateno Psicossocial que ela
seja capaz de se configurar como alteridade radical desse
paradigma. Ou seja, procuraremos med-la luz do Modo Asilar a que se
alterna, e do Modo Psicossocial como figura possvel da lgica do seu
devir.Vejamos uma sntese de algumas elucidaes que este modelo de
anlise capaz de evidenciar, considerando quatro dimenses essenciais
da Ateno Psicossocial.a) Quanto CONCEPO DO PROCESSO SADE-DOENA E
DOS MEIOS TERICO-TCNICOS sustentados para lidar com esse processo,
prope-se para a Ateno Psicossocial: determinao e consistncia
psquica e sociocultural dos problemas, e no orgnica; os conflitos e
contradies devem ser considerados tanto constitutivos do sujeito,
quanto contingentes sua situao,36portanto no so necessariamente
removidos como efeito das aes teraputicas; tratamento da demanda, e
no tratamento dos sintomas; clnica da escuta e da criao de si, e no
clnica da observao e da retomada do estado anterior s crises;
tomada do sujeito como sujeito, e no tomada do sujeito como objeto.
Aqui a desinstitucionalizao do paradigma doena-cura e sua
substituio pelo existncia-sofrimento, conjuntamente com a
configurao transdisciplinar do conjunto dos trabalhadores e suas
aes so pr-requisitos necessrios da subjetivao dos usurios e da
populao.Exigncias: DESOSPITALIZAO2 e no hospitalizao;
DESMEDICALIZAO e no medicalizao (significa abolir a medicao como
resposta nica ou preponderante e a priori); IMPLICAO SUBJETIVA E
SOCIOCULTURAL e no objetificao; EXISTNCIA-SOFRIMENTO e no
doena-cura como paradigmas de abordagem dos problemas; CLNICA
AMPLIADA E TRANSDISCIPLINAR (Psicanlise, Materialismo Histrico,
Filosofia da Diferena) e no clnica psiquitrica/psicolgica ou das
especialidades.b) Quanto CONCEPO DA ORGANIZAO DAS RELAES
INTRAINSTITUCIONAIS, inclusive da diviso do trabalho
interprofissional, so exigncias da Ateno Psicossocial,
principalmente: horizontalizao das relaes intrainstitucionais, e no
verticalizao (qualquer. relao, da instituio como dispositivo e seus
agentes com a clientela e a populao depende da forma da relao dos
agentes institucionais, entre si);Notas de Rodap:2 necessrio
esclarecer que desospitalizao no se confunde com
desinstitucionalizao, sendo apenas um de seus componentes
imprescindveis. A seguir procuraremos esclarecer o conceito de
desinstitucionalizao como estratgia global de superao do paradigma
psiquitrico.37distino entre poder; livre trnsito do usurio e da
populao, e no interdio e clausura; participao dos usurios e da
populao em forma de autogesto e co-gesto, e no heterogesto, diviso
do trabalho interprofissional integrada em profundidade (superao da
diviso do trabalho tpica do Modo Capitalista de Produo MCP), e no
diviso do trabalho interprofissional segundo o modelo taylorista
(Costa-Rosa, 1987). No limite das possibilidades do Modo
Psicossocial deveremos pautar-nos por uma postura que pode ser
melhor designada pelo conceito de transdisciplinaridade.Exigncias:
HORIZONTALIZAO e no verticalizao das relaes intra-institucionais;
PARTICIPAO e no excluso; AUTOGESTO E COGESTO e no gesto por
delegao; INTERPROFISSIONALIDADE INTEGRADORA do processo de produo e
do produto e no interprofissionalidade fragmentadora segundo a
lgica do MCP; TRANSDISCIPLINARIDADE.c) Quanto CONCEPO DAS RELAES DA
INSTITUIO E SEUS AGENTES COM A CLIENTELA E COM A POPULAO EM GERAL,
so exigncias essenciais da Ateno Psicossocial: a instituio
situar-se como exterioridade em relao ao territrio (porosidade),
nela livre o trnsito de todos, a instituio no interioridade e espao
de clausura dos usurios e da populao como no Modo Asilar; as relaes
devem ser de interlocuo e no do tipo relaes entre loucos e sos; as
aes visam a integralidade em extenso (no Territrio) e em
profundidade (considerando toda a complexidade das demandas), e no
aes de ateno estratificada por nveis (primrio, secundrio e
tercirio); instituies tpicas CAPS, NAPS, oficinas e Cooperativas de
reintegrao socioeconmica e cultural, e no hospital
psiquitrico.38Cremos ser a propsito deste parmetro do Modo
Psicossocial a ocasio mais adequada para incluir a considerao do
conceito de desinstitucionalizao e seus desdobramentos, como uma
das contribuies mais importantes da Psiquiatria Democrtica italiana
ao campo da Ateno Psicossocial. Parece oportuno sublinhar que
institucionalizao ou institucionalismo no uma particularidade do
Hospital Psiquitrico, referindo-se a uma espcie de anomalia das
instituies, que se estende muito alm da sua dimenso de
estabelecimentos. No parece demais esclarecer tambm que pensamos a
desinstitucionalizao, quando referida ao campo da Ateno
Psicossocial, como um conceito que pretende driblar, das instituies
de Sade Mental como dispositivos (que incluem sua lgica e a forma
dos seus estabelecimentos), aqueles aspectos que ficaram expressos
de modo sublinhado na instituio asilar, embora no sejam exclusivos
dela.Ao insistirmos em fundar as polticas e as prticas de Sade
Mental na lgica do Modo Psicossocial j estamos nos pautando no
conceito de desinstitucionalizao e na afirmao de seus
desdobramentos positivos, ou seja, designando a forma de instituies
capazes de atingirem as metas ticas preconizadas para a Ateno
Psicossocial concebida como antpoda radical do paradigma
psiquitrico.Desinstitucionalizar, na perspectiva da Psiquiatria
Democrtica italiana, pode ser decodificado como: desospitalizar,
propondo instncias externas totalmente substitutivas do hospital;
superar a organizao de servios baseados no Setor ou na Psiquiatria
Comunitria, propiciando a umcidade de responsabilidade sobre o
Territrio; superar os ideais da comunidade, teraputica ou no, em
favor da considerao das sociedades locais, com seus conflitos e
contradies reais; superar o monoplio das especialidades, utilizando
as mltiplas potencialidades dos trabalhadores institucionais39para
a ativao de todos os recursos disponveis, inclusive os dos usurios
das instituies (Rotelli et. al. 1990).Desinstitucionalizao o
desmonte prtico dos aparatos cientficos, legislativos e
administrativos (Rotelli et. al., 1990: 27-28) que configuram o
paradigma psiquitrico. Sendo assim, parece-nos lcito considerar o
Modo Psicossocial, caracterizado em seus quatro parmetros, como uma
proposta efetiva para desinstitucionalizar tal paradigma.Exigncias:
INTERLOCUO e no relao entre loucos e sos; LIVRE TRNSITO e no
interdio e clausura; ATENO INTEGRAL E TERRITORIALIZADA e no
estratificada por nveis. DESINSTITUCIONALIZAO DO PARADIGMA
PSIQUITRICO e sua substituio pelo paradigma psicossocial.d)
Finalmente, quanto CONCEPO EFETIVADA DOS EFEITOS DE SUAS AES EM
TERMOS TERAPUTICOS E TICOS, propomos como tica da Ateno
Psicosocial: reposicionamento do sujeito (tica da singularizao), e
no supresso sintomtica.Este reposicionamento pode ser pensado desde
a recuperao dos direitos de cidadania, dos quais esto excludos
alguns usurios das instituies de Sade Mental, passando pela
recuperao do poder de contratualidade social, at implicao subjetiva
(entendida, como a capacidade do sujeito de situar-se de modo ativo
frente aos conflitos e contradies que atravessa e pelos quais
atravessado). A implicao subjetiva, como forma de singularizao,
supe, ainda, a apropriao do desejo com seus vetores inconscientes e
de devir; e a possibilidade de abrir-se para uma dimenso do saber
que transcende o enciclopdico e de mestria, e para objetos que no
se esgotam nos objetos imediatos, de valncia imaginria (Valas,
2001: 69).40Exigncias: RELAO SUJEITO-DESEJO E CARECIMENTO-IDEAIS,3
e no ego-realidade ou carncia-suprimento; IMPLICAO SUBJETIVA E
SOCIOCULTURAL (SINGULARIZAO), e no adaptao.Uma melhor visualizao do
paradigma da Ateno psicossocial poder ser melhor configurada, tanto
em seus aspectos realizados, quanto em suas exigncias ticas e
terico-tcnicas (devir), integrando a anlise de Amarante da Reforma
Psiquitrica, s de Costa-Rosa sobre o Modo Psicossocial.Notas de
Rodap:3 Carecimento, por oposio ao conceito de carncia ou de
necessidade, abarca uma dimenso do homem que inclui o desejo (como
se o prope na psicanlise) e toda abertura do homem para os Ideais,
possveis ou no de imediato. Mas inclui tambm a abertura para a
produo e usufruto de todos os bens da produo social, muito alm do
preenchimento de necessidades, e que, muito mais que estas,
correspondem especificidade humana. Pode-se considerar que aqui
esto includas tambm as criaes da Filosofia, da Arte, da Cincia, e
at da Religio, mas no sem passar pela aspirao pertinente ao
usufruto das comodidades socialmente produ