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Livro de Actas
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Atas do III Fórum Ciência Viva - Portugal

Dec 18, 2014

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Atas do 3o Fórum Ciência Viva, promovido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia de Portugal nos dias 28 e 29 de maio de 1999, com a presença do Prof. Maurice Bazin
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Livro de Actas

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Livro de Actas3º Forum Ciência Viva

Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica – Ciência Viva

Ministério da Ciência e da Tecnologia

28 e 29 Maio 1999

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Livro de Actas3º Forum Ciência Viva

EdiçãoAgência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica – Ciência VivaAv. dos Combatentes, 43A – 10ºA1600-042 LisboaTel: 21 727 02 28Fax: 21 722 02 65E-mail: [email protected]

Produção Editor ia l e Gráf icaPLINFO informação, ldaE-mail: [email protected]

Design:FPGB DesignE-mail: [email protected]

ImpressãoRolo & Filhos Lda

ISBN

Depósito Legal

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Sumário

Introdução

Sessão de aberturaDrª Rosalia Vargas

Directora do Programa Ciência Viva

Professor Mariano GagoMinistro da Ciência e da Tecnologia

Eng. António GuterresPrimeiro-ministro

Conferênc iaFazer Ciência Viva

Professor Maurice BazinFundador do Espaço Ciência Viva, Rio de Janeiro, Brasil

Sessões ParalelasOrganização do trabalho experimental e

Avaliação do desempenho dos alunos

Professor Adriano Sampaio e SousaDepartamento de Física da Faculdade de Ciências

da Universidade do Porto

Doutora Anabela MartinsEscola Secundária D. Pedro V, Lisboa

Trabalho experimental no 1º Ciclo.Que materiais para o ensino experimental no

1º Ciclo?

Moderadoras: Professora Isabel MartinsUniversidade de Aveiro

Professora Gabriela RibeiroUniversidade do Porto

O ensino experimental das ciências em contextos especiais

Instituto de Reinserção SocialDrª Luísa Pedro

Colégios de Acolhimento Educação e Formação:Colégio Corpus Christi

Drª Maria da Conceição Pintado

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Sumário

Colégio de S. FielDrª Elisabete Casimiro

Colégio da Bela VistaDr. Alfredo Tinoco

Instituto das Comunidades EducativasDrª Maria do Carmo Serrote

Ass. Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental

Professor Manuel Barbeitos

Exploratório Infante D. Henrique, Centro de Ciência VivaProfessora Helena Caldeira

Professora Joan Solomon

Sessões PlenáriasGeminações Escolas – Instituições Científicas

Professora Ana NoronhaPrograma Ciência Viva

Centro de Neurociências de CoimbraProfessor Arsélio Pato de Carvalho

Professor António VeríssimoEscola Secundária da Quinta das Flores,

CoimbraDrª Isabel Paiva

Departamento de Botânica, Universidadedo Porto; IBMC (Instituto de Biologia

Molecular e Celular)Professor José Pissarra

Escola Secundária Almeida Garrett,Vila Nova de Gaia

Dr. Jorge Coelho

IDMEC – Instituto de Mecânica e Instituto Superior Técnico, Lisboa

Professor Carlos Mota SoaresEscola Secundária Gago Coutinho,

Vila Franca de XiraEng. Manuel Gomes Lima

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Sumário

DebateModeradora: Professora Ana Noronha

Apresentação do Relatório da ComissãoInternacional de Avaliação

Professora Joan SolomonOpen University, Faculty of Science – Reino Unido

Professor Paul CaroCité des Science – França

Professor Poul ThomsenUniversity of Aarhus, Center for Studies in

Science Education – Dinamarca

Professor Svein SjöbergUniversity of Oslo, Science Education – Noruega

Professor Vasilis KoulaidisUniversity of Patras, Dep. of Education – Grécia

Sessão de EncerramentoDrª Rosalia Vargas

Directora do Programa Ciência Viva

Professor Marçal GriloMinistro da Educação

Professor Mariano GagoMinistro da Ciência e da Tecnologia

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INTRODUÇÃO

Introdução

ançada em 1996, a rede de projectos Ciência Viva estende-se hoje a quase todas as esco-las do País, constituindo uma matriz fundamental de difusão da inovação no ensino das

ciências e das tecnologias.O Forum Ciência Viva é um iniciativa anual que reúne os intervenientes nos projectos, pro-

porcionando-lhes a oportunidade de apresentarem os resultados do seu trabalho, trocaremexperiências e participarem no debate e reflexão em torno das acções em curso.

Esta publicação reúne os contributos apresentados no 3º Forum Ciência Viva.

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Sessão de Abertura

Drª Rosalia VargasDirectora do Programa Ciência Viva

Professor Mariano GagoMinistro da Ciência e da Tecnologia

Eng. António GuterresPrimeiro-ministro

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SESSÃO DE ABERTURA

Drª Rosalia VargasDirectora do Programa Ciência Viva

xcelentíssimo Senhor Primeiro Ministro, Senhor Ministro da Ciência e da Tecnologia, mem-bros da Comissão Internacional de Avaliação, Professora Joan Solomon, senhoras e se-

nhores convidados, caros colegas.Nasceu em Maio o Ciência Viva. O Forum é a sua festa. Festejamos três anos de trabalho

e convidamos os amigos – permitam-me que assim designe todos os profissionais que têm feitocrescer o Ciência Viva – os professores dos ensinos básico, secundário, superior, os autarcas, osprofissionais das empresas, os membros das associações científicas, os estudantes. Todos, emconjunto, têm trabalhado para melhorar o ensino experimental das ciências nas escolas.

Há três anos fomos investidos duma grande responsabilidade: a de melhorar os procedi-mentos para a aprendizagem viva das ciências e aumentar os recursos disponíveis. Em nome doPrograma Ciência Viva agradeço o terem-nos ajudado a fazer melhor.

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SESSÃO DE ABERTURA

Professor Mariano GagoMinistro da Ciência e da Tecnologia

ostaria, em primeiro lugar, de agradecer a todos o enorme esforço, entusiasmo e dedi-cação ao longo destes três anos que levamos de fazer Ciência Viva. O Programa Ciência

Viva construiu uma comunidade científica e educativa, onde ela era dispersa, promoveu a liga-ção entre a comunidade científica nacional (ensino superior, laboratórios de investigação, muitasempresas) e a escola básica e secundária, dando aos jovens portugueses oportunidades novasde compreender a tecnologia fazendo-a, de compreender a ciência praticando-a e de comuni-carem com aqueles que quotidianamente, nas suas profissões de natureza científica e técnica,procuram fazer avançar o conhecimento ou aplicá-lo de formas novas.

O Programa Ciência Viva está de parabéns e gostaria de saudar publicamente e de agradecero esforço daqueles que lhe deram corpo, em particular à Unidade que no Ministério o construiu.

O Ciência Viva atinge meio milhão de estudantes, muitos milhares de professores e um númeromuito significativo de escolas. Julgo que é indispensável continuar enquanto houver estudantes quetenham das ciências uma visão retórica e fechada. É preciso que a experimentação entre nas escolase nas casas das pessoas, que se transforme numa atitude mental, porque a ciência é feita de experi-mentação, de sentido crítico, de rigor nas escolhas. E é isso, para lá da sua componente técnica eespecializada, o que de melhor oferece para o desenvolvimento das sociedades modernas. Nos próxi-mos anos entendemos indispensável continuar nas várias frentes: o desenvolvimento de CentrosCiência Viva, espaços interactivos de divulgação científica, funcionando simultaneamente como cen-tros de recursos para as escolas, para as associações, para os indivíduos, na sua aprendizagem cien-tífica. É indispensável que eles se estendam a todos os distritos do País e estamos a trabalhar paraisso em parceria com as autarquias, as instituições de ensino superior e de investigação científi-ca, locais e nacionais e, bem entendido, as escolas. Estamos a montar um sistema de acompa-nhamento e avaliação das condições de aprendizagem científica, especialmente das aprendiza-gens experimentais efectivas dos alunos do ensino básico e secundário.

Gostaria de sublinhar aqui a importância que teve, especialmente nestes últimos dois anos, aprática de geminações entre escolas do ensino básico e secundário e instituições científicas. Esta práti-ca de geminação entre escolas e instituições científicas, universitárias e não universitárias, trouxe umadimensão nova à política científica e ao desenvolvimento da Ciência em Portugal. Trouxe um sentidode responsabilidade social à comunidade científica que não existia antes e cria hoje uma rede de con-tactos, de recursos, de capacidades que permite potenciar o que de melhor temos. Esta rede, hojesustentada em métodos telemáticos modernos, pode ultrapassar as fronteiras da interioridade, asfronteiras do isolamento e permitir a cientistas em qualquer parte do país ajudar o trabalho quotidi-

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PROFESSOR MARIANO GAGO

ano, humilde, exaltante, que fazem os professores e os alunos de escolas básicas e secundárias emqualquer ponto do país.

Estender a todas as escolas a prática de geminações com instituições científicas e esten-der às instituições científicas nacionais a prática da produção de conteúdos educacionais, labo-ratoriais e experimentais utilizáveis pela comunidade em geral e muito especialmente pela comu-nidade educativa, é o projecto que temos pela frente.

É indispensável ainda fazer um esforço novo e entrar numa nova fase no que diz respeito àtecnologia. Muito do trabalho tecnológico em Portugal precisa dum enorme reforço. A ideia deque a tecnologia é coisa do passado e que apenas o simbólico e o imaterial têm futuro é uma ideiafalsa que conduziu muitas sociedades ao abandono da experimentação e, portanto, à redução dacapacidade científica, da capacidade crítica, da capacidade de conhecer.

Ciência experimental e tecnologia têm de ir de mãos dadas. Contamos lançar um grandeprograma com o apoio da indústria nacional para mostrar às escolas e às famílias, que a tecno-logia hoje se pratica no nosso país, como se fazem as coisas. Este programa "Como se fazemas coisas" vai levar o País à sua indústria, vai permitir descobrir a nova tecnologia de produçãoque já está muito longe do estereótipo antiquado duma realidade que, na maioria dos casos, jánão existe. A indústria moderna das grandes, pequenas e médias empresas, aquela que tambémse faz nos centros tecnológicos e nos laboratórios de investigação, deve e pode ser mostrada aosjovens estudantes.

Temos aí uma fonte inesgotável de recursos educativos, que se podem pôr na Internet, quepodem ter tradução em material de laboratório, em kits de demonstração ou de experiênciapara as escolas.

Este é o programa que temos pela frente e não o podíamos desenvolver sem uma estrei-ta cooperação internacional. O trabalho de promover a cultura científica e tecnológica doscidadãos um dos maiores desafios das sociedades modernas, por isso queremos partilhar aexperiência com os nossos colegas de outros países na Europa. Estamos particularmente gratosà Comissão Internacional de Acompanhamento e Avaliação deste programa, presidida pelaProfessora Joan Solomon, que desde a primeira hora e com enorme dedicação nos tem acom-panhado, visitando escolas e projectos, acompanhando as instituições, realizando relatórios eestabelecendo metas de avaliação. Com isso tem contribuído para fazer deste programa um dosmais interessantes, de desenvolvimento e promoção da cultura científica na Europa.

Agradeço a todos o trabalho. Muito obrigado.

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SESSÃO DE ABERTURA

Eng. António GuterresPrimeiro-ministro

odos temos consciência que uma das brechas tradicionais do nosso sistema educativo éo muito limitado papel que a experimentação desempenha na educação das nossas

crianças e dos nossos jovens, o muito limitado papel da componente experimental nesse mesmosistema educativo.

Daí a importância vital deste programa. Porque se trata da primeira experiência maciça deinterligação entre ciência e educação, entre comunidade científica e comunidade educativa,abrangendo cerca de meio milhão de estudantes, 6.000 professores e um total de 2.000 esco-las. Mas é evidente que, para além do desenvolvimento desta interacção, importa que o própriosistema educativo crie as condições que lhe permitam, no seu funcionamento regular, desen-volver essa componente experimental.

Por isso mesmo, nesta legislatura, se construíram e equiparam já 880 laboratórios emescolas do ensino básico e secundário e cerca de 380 em escolas do ensino superior. O que querdizer que queremos fazer não apenas uma alteração gradual, progressiva, para vencer estedéfice do nosso sistema educativo, mas fazer também uma ruptura, no sentido de que a com-ponente experimental na comunidade educativa do nosso país passe a ser uma vertente essen-cial do seu funcionamento. Porque é isso que, em grande medida, pode permitir que o nossopaís responda positivamente aos desafios da sociedade de informação, da sociedade do co-nhecimento, das alterações rápidas da ciência e da tecnologia nesta mudança de século e demilénio.

Tudo isto só tem sido possível graças a uma cooperação muito intensa entre os Ministériosda Ciência e da Educação. Não quero deixar de sublinhar essa excelente interligação que, nãose limita a este aspecto da componente experimental do sistema educativo. Um outro domínioonde foi possível dar passos muito importantes teve a ver com o acesso das escolas à sociedadede informação. Por um lado, o programa desenvolvido pelo Ministério da Ciência e da Tecno-logia, de ligar todas as escolas à Internet, bem como a rede de bibliotecas públicas, e, por outrolado, o desenvolvimento do Programa Nónio e de outros programas do Ministério da Educação,tiveram um papel fundamental no sentido de criar uma base sólida de apetrechamento e na cria-ção de condições para a formação e para o ensino de tudo quanto tem a ver com a sociedadede informação.

Em 1995 nós tinhamos nos ensinos básico e secundário cerca de 50 alunos por computa-dor. Estávamos na cauda dos países da OCDE. Temos hoje 35, já subimos alguns escalões nessatabela. Em 2003 pretendemos ter 20. Em 2006, 10. O que quer dizer que tudo isto está interli-

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ENG. ANTÓNIO GUTERRES

gado, tudo isto obedece a um plano, a uma visão do que deve ser um sistema educativo numasociedade moderna e do que deve ser a interligação entre a comunidade científica e a comu-nidade educativa nessa mesma sociedade.

Há evidentemente no passado muitas experiências dispersas que deveríamos valorizar. Eupróprio, quando era aluno do liceu, fui director dum clube de Física e recordo-me com saudadedas experiências que realizava. Sei quão diferente é realizar uma experiência em laboratório oulê-la num livro, por muito sugestivas que sejam as gravuras que esse livro possa ter. É essencialque as pessoas mexam nas coisas, vivam as coisas, sintam as coisas, desde o 1º Ciclo do EnsinoBásico.

Recordo-me, também, que na minha vida de adolescente e de jovem sonhei ser investi-gador em Física. Foi um sonho frustrado. O meu projecto foi, aliás, realizado pelo SenhorMinistro da Ciência e da Tecnologia, o que me faz sentir alguma inveja, para falar com toda asinceridade. Mas, porventura desse projecto, ficou a consciência da importância que tem onosso sistema educativo na formação dos nossos jovens, a importância da componente experi-mental, da vivência da ciência, da compreensão do papel da tecnologia no desenvolvimento dassociedades modernas.

A todos, membros da equipa do Ministério da Ciência e da Tecnologia, professores, mem-bros da comunidade científica, das autarquias e das empresas, a todos os alunos envolvidos noPrograma Ciência Viva, quero endereçar as minhas mais sinceras felicitações, porque este foisem dúvida um dos projectos acarinhados, sentidos, vividos e lançados por este Governo queteve maior êxito. E que teve maior êxito precisamente porque veio dar resposta a uma necessi-dade profundamente sentida, e porque ao mesmo tempo encontrou no vosso entusiasmo, navossa dedicação, em muitos domínios – porque não dizê-lo – na vossa “carolice” e na vossa ge-nerosidade a componente indispensável para que esse êxito fosse possível. Muito obrigado.

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Conferência

Fazer Ciência Viva

Professor Maurice Bazin

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FAZER CIÊNCIA VIVA

[Durante esta Conferência foi feita uma demonstração experimental para a qual sãonecessários dois lápis de secção hexagonal, e um pedaço de fita-cola ou uma tirinha de papel]

É com grande prazer que estou aqui, tendo vivido em Portugal uns quatro anos e traba-lhado num dos primeiros projectos que permitiram que os professores de ciências em Portugalse sentissem mais vivos. Era um projecto, sob a direcção do Professor Rui Grácio, após o 25 deAbril. Tive a honra de fazer parte de uma equipa que ajudava os professores a tomar as suaspróprias iniciativas nas escolas, em 76 e 77. Hoje vivo na Ilha de Santa Catarina no Brasil, umlugar muito bonito, onde trabalho.

Há uma semana atrás, antes de viajar, estive com uma turma do 6º Ano, fazendo mais oumenos o que vamos fazer hoje. Sou um de vocês, em termos de colega e, para mim, no lugaronde vivo, o que gostamos é de fazer as coisas na própria sala de aula.

Acho importante contar-vos um pouco de onde venho, por isso, primeiro vou falar dahistória do chamado Espaço Ciência Viva.

O programa não nasceu do nada. Nasceu duma certa situação política geral, no Brasil, notempo que se chamou "abertura", depois do regime militar, e no momento do regresso dos exi-lados, alguns dos quais tinham vivido aqui em Portugal.

O Espaço Ciência Viva aglutinou pessoas de universidades e centros de investigação, quequeriam fazer coisas muito concretas directamente com o público.

Uma primeira coisa que fizemos, antes de nos fixarmos num centro localizado geografi-camente, foi promover eventos de ciências nas praças públicas. A filosofia por detrás daquilonão era o tipo de coisa que se faz classicamente (eu sei que vocês já não o fazem); não eramostrar ao público geral que a Ciência e os cientistas são coisas muito bonitas. Era o contrário:levar-nos, a nós cientistas, para um lugar onde o povo, as pessoas dominam, controlam. Se agente leva um grupo de pessoas a visitar um laboratório que está todo bonito, com os cientis-tas de bata branca e tudo, o primeiro efeito é sempre de imposição sobre os visitantes. Ficam aadmirar as coisas, admirando-nos a nós, e não penso que isso contribua muito para a demo-cratização da Ciência.

Por isso, fizemos uma opção absolutamente contrária. Trouxemos o que pudémos, paradeixar as pessoas trabalhar, por elas próprias, no lugar onde estão à vontade, para se tornaremcientistas com a nossa ajuda. Alguns diapositivos que vou mostrar falam melhor do que outrascoisas.

Professor Maurice BazinFundador do Espaço Ciência Viva, Rio de Janeiro, Brasil

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PROFESSOR MAURICE BAZIN

Nas praças públicas do Rio de Janeiro, mais ou menos uma vez por mês, colocávamosfaixas onde estava escrito "Espaço Ciência Viva". Ao interrogar-se sobre o material que tí-nhamos, as pessoas acabavam maravilhadas.

Houve uma série de actividades que fizemos e a primeira foi a noite do céu. Chamámosum grupo de astrónomos amadores; fizemos sessões de treino entre nós, um grupo de 10 pro-fessores investigadores e 20 estudantes; aprendemos o que é um telescópio, de uma maneiramuito concreta, tal como hoje, convosco e com os vossos lápis vamos tentar ver um pouco doque passa com a luz.

Aprendemos isso pegando numa luneta habitual e simplesmente desmontando, fisica-mente, as partes: as lentes, o tubo, etc. Circulando o material pelo grupo, podia-se reconstruirum telescópio simplesmente com o que era essencial: as duas lentes. Vimos onde elas se põeme porquê, a imagem real que formam, a objectiva, de tal modo que nada fosse um sistema mis-terioso.

Depois, durante o próprio evento, olhámos obviamente a noite escura. Essa actividade, foitambém uma afirmação que a gente pode ter confiança no povo. Isto não aconteceu na zonaSul do Rio de Janeiro, dos postais, mas na zona Norte, numa praça com guarita de polícia. Foia primeira vez que se apagaram as luzes da praça para, como disse o jornal no dia seguinte, "vero céu de mais perto".

Neste diapositivo estamos a olhar o céu. Havia uns 15 telescópios e lunetas colocados napraça. Obviamente havia mais que a simples observação. Havia actividades onde com as bolas,numa animação de Astronomia, uma pessoa representava o Sol, outra a Terra, outra a Lua, etc.,criando entre si, o funcionamento do Sistema Solar, e conversando a seu respeito em pequenosgrupos.

Muitos de vocês, estou certo, fazem na sala de aula o que a gente estava fazendo na praçapública, deixando que as pessoas criassem o que estavam a tentar imaginar. Estavam visíveis,naquela altura, os planetas mais interessantes, Júpiter e Saturno, e também a Lua no primeiroquarto.

Uma segunda série de actividades foi o chamado Dia da Água, que se fez em várioslugares. Um desses lugares foi uma das famosas favelas do Rio de Janeiro. Subimos até um lugaronde há um terreno de futebol, colocámos cerca de 20 microscópios e organizámos actividadespara fazer com os microscópios, como algumas aqui nos vossos quiosques: filtragem de água eoutras coisas relacionadas com o quotidiano dos residentes daquele morro.

Todo esse trabalho foi feito sem praticamente nenhum dinheiro, apenas com o apoio daschamadas comissões de moradores e organizações de escolas, que também chamavam o públi-co escolar para participar. O jornal que habitualmente fala de assaltos e tiros colocou isto comotítulo no dia a seguir: "Cientistas ocupam o morro do Salgueiro". Algumas das coisas que fize-mos, olhando a partir de hoje, foram coisas realmente muito atrevidas.

Uma das realidades do lamentável sistema de saúde que existia – e ainda existe – no Brasil

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é fazer análise de fezes. É uma coisa muito habitual. O médico do posto de saúde manda fazeranálise de fezes, e volta-se do laboratório com uma nota escrita praticamente em Latim. Depois,nada mais acontece. É tão habitual que as pessoas têm uma expressão de "olha, ele colocou oseu melhor vestido porque vai fazer análise de fezes".

Neste diapositivo um estudante de Medicina está centrifugando com água pedacinhos dasfezes deste menino. Oferecíamos análise de fezes e fazíamos análise de fezes, ali mesmo, comas pessoas, preparando a lâmina e tudo. Cada pessoa olhou para as suas próprias fezes e apren-deu; saiu de lá a saber que o laboratório não é um lugar tão inatingível assim. E obviamente, aolado, tínhamos alguns exemplos de ténia e outros parasitas.

Há um lado mais agradável do Rio de Janeiro: as praias. Foi um evento multidisciplinar,num Parque de Campismo do Rio de Janeiro, ao lado da praia. Esta moça está montada numbanco giratório, o habitual banco giratório de demonstrações de Mecânica do 1º Ano naUniversidade, com halteres, etc. Nota-se que ela tem uma roda de bicicleta na mão e, se incli-nar a roda, ela própria começa a girar também. Temos aqui toda a problemática do giroscópio,se quiserem palavras mais científicas. São coisas simples mas a nossa responsabilidade educa-cional começa ao ajudar as pessoas a interagir com essas coisas, ao acostumá-las a fazer per-guntas à natureza, a experimentar primeiro, como disse o Primeiro Ministro, sentindo as coisasnas suas mãos. Naquele caso trata-se de começar a fazer perguntas, e eventualmente conside-rar que a Terra é um peão solto ao redor do Sol.

Todas essas coisas podem surgir, dependendo do grupo com o qual a gente está a tra-balhar: no Espaço Ciência Viva, quando nos estabelecemos num lugar fixo e, no próprioExploratorium, onde praticamente tudo de concreto que estou mencionando foi criado inicial-mente.

Neste diapositivo está o armazém, ao lado da dita praça, no qual a gente decidiu se orga-nizar. Alguns de vocês, um grupo de perto do Porto, contou-me que vão criar um centro deMatemática. Espero que o edifício que a Câmara lhes entregou esteja em melhor estado do queo nosso. Mas foi excelente, para as pessoas aqui neste diapositivo, que tivesse de ser pintado.Foi excelente para os jovens, eu incluído à direita, todos de origem social relativamente abasta-da, visto que fazem parte dos dois por cento que vão à Universidade no Rio de Janeiro. Estesjovens tomaram contacto com o trabalho manual, que é fundamental. É que nós chamamos de"experimentação" a uma actividade na qual observamos a deslocação das agulhas e simples-mente carregamos num botão da máquina, ou vemos um peso a deslocar-se sobre uma calhade ar. Isto não é experimentação, é a verificação de alguma coisa que funciona e que substituiaquilo que, a meu ver, permite realmente às pessoas sentir e ver por si próprias o que estão afazer.

Nós ajudamo-las. Nos nossos treinos em grupinhos elaborámos coisas simples que per-mitem fazer o mesmo tipo de medições sobre o móvel que se desloca, as colisões, etc., e quenão nos distanciam das coisas, como a aparelhagem electrónica faz.

FAZER CIÊNCIA VIVA

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Depois o Espaço Ciência Viva ficou com este aspecto interior, com coisas simples como oenorme tubo que atravessa o armazém. Alguém fala numa extremidade e outra pessoa escuta--a na outra.

Voltando à ideia do girar, uma coisa que os jovens neste diapositivo desenvolveram foiuma mala com uma roda lastrada com chumbo a rodar lá dentro. Deu-se à mala o nome de"mala maluca" porque quando você anda com aquela mala, se tentar rodar, a mala levanta-se.Há uma mudança de percepção no momento em que a gente levanta a mala.

Há coisas que espero estar a mostrar-vos e que são importantes: uma delas é o prazer,outra é a surpresa e outra é uma surpresa tal que se torna vontade de ver como isso acontece."O que posso allterar para fazer isso mudar de comportamento?" é o que nos faz investigar e,ao mesmo tempo, o que nos permite obter respostas muito claras. Como não podemos forçarjovens daquela idade a definir referenciais, por exemplo, para definir o que é levantar é precisodizer de que lado levanta, em que direcção. Isto é muito melhor do que o primeiro capítulo decinemática, porque aqui é necessário e é intrigante.

Uma coisa especial do Espaço Ciência Viva, que continua hoje a receber crianças de esco-las, é esta bancada. A moça à esquerda tem na mão o modelo de um útero humano em plásti-co. Nos recipientes estão úteros humanos. Isso é uma das vantagens de trabalhar com pessoasde centros de investigação, como muitos de vós, ou de técnicos de hospital, que foi o nosso casoaqui, e que faziam a análise dos úteros que tinham sido tirados a mulheres que sofriam de can-cro. Todos nós, eu incluído, conseguimos aprender a distinguir as células sãs dum órgão comoo útero, que é como uma pêra que a gente pega na mão, e o colo de um útero atacado porcélulas cancerígenas. Nós conseguimos aprender a reconhecer como funciona esta invasão decélulas cancerígenas e a dar conta que a penetração no tecido muscular do útero se faz de talforma que se tornou óbvio, mesmo para nós físicos, ou para "leigos", que somente uma pe-quena operação de cortar o colo não resolve absolutamente nada. Há alguns filamentos quepenetram para o interior e a histerectomia é, nesse caso, uma prática razoável. Como me formeicientífica e politicamente nos anos 60, nos Estados Unidos, fui muito influenciado pelas exigên-cias das minhas companheiras de trabalho que estavam a desenvolver um movimento feminista.E o movimento feminista durante muito tempo questionou-se sobre o porquê da histerectomiaassassina. No caso específico do cancro do colo do útero, é uma coisa que faz sentido, depoisdo que nós mostrámos no Espaço Ciência Viva.

Vou agora mostrar o tipo de coisas que você pode encontrar agora nos Centros deCiência, ou nos museus interactivos, como se chamam hoje. O primeiro a abrir ao público, paraque as pessoas o utilizassem e se sentissem cientistas, foi o Exploratorium, em 1969. Aqui estáo que no Exploratorium se chama orgão de Pã. São simplesmente tubos de PVC, de compri-mentos vários, e nos quais você bate com uma sandália e coloca o seu ouvido para escutar oque passa. Também aqui você tem uma coisa extremamente simples, mas que imediatamentefaz a ligação entre a altura do som que você escuta, grave ou agudo, e o tamanho do tubo. O

PROFESSOR MAURICE BAZIN

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visitante, a pessoa que está a experimentar aquilo, pode exigir muitas coisas: pode colocar a mãona frente, pode colocar a mão atrás, pode pedir a um amigo para fazer barulho atrás, escutar àfrente… mil e uma combinações.

O pai do Exploratorium, o Frank, costumava dizer que o melhor módulo é aquele quequando é colocado à disposição do público, é utilizado de uma maneira diferente da que vocêimaginou. Temos técnicas pedagógicas e toda uma responsabilidade de perguntar "quepodemos colocar para ajudar as pessoas a aproveitar este módulo o melhor possível?"

Aqui, por exemplo demos uma chave, não é bem a palavra; demos indicações de cor paraidentificar as notas. E ao lado há sugestões de como tocar certas canções conhecidas, utilizan-do uma sucessão de cores. Então a pessoa aprende ali alguma coisa de música.

Finalmente eis o Exploratorium, 10 000 m2, um enorme armazém, como este aqui, queestava vazio em 1969 e que pouco a pouco se encheu de coisas, todas construídas lá, commáquinas adquiridas e colocadas à vista do público.

Neste diapositivo estamos no Instituto de Formação de Professores, em inglês "Teacher’sInstitute" do Exploratorium, que eu e dois colegas dirigimos durante os primeiros cinco anos,entre 1990 e 1995. Aqui trabalhava com esses colegas professores na questão da propagaçãode ondas. A mola que aqui está, é uma dessas molas de plástico que, estou certo, tambémchegaram a Portugal. Fizemos uma extremamente grande – podem colar-se várias – com unsdois metros de comprimento quando comprimida. Então esticámo-la, suspensa por cabos demais ou menos 2 metros de comprimento a partir duma plataforma superior.

E obtivemos um instrumento para o nosso grupo decidir o que fazer, o que descobrir, oque sistematizar, com todas as pessoas a participar. O interessante deste material específico éque a propagação da onda é muito lenta: você pode mandar o impulso e acompanhá-lo ca-minhando. Estão ali todas as noções que quando andava na universidade tentava realmenteentender: as velocidades variadas, as amplitudes, as frequências, etc. e todas essas coisas vocêvê claramente. Cria-se, assim, uma linguagem e o nosso papel é, simplesmente, fazer coincidira linguagem daqueles para quem tudo isto é novo com a linguagem habitual dos cientistas.

Esta fotografia é do Espaço Ciência Viva, mas é directamente inspirada numa montagemdo Exploratorium, porque foi uma pessoa do Exploratorium que a fabricou ao abrigo de um con-vénio. É uma janela transparente sobre uma mesa, e a criança está a desenhar dois pequenoscilindros, um pequeno e um maior, se bem que o maior está mais longe. Com o olho no orifí-cio da placa de madeira que está à sua frente, desenha o contorno de cada cilindro. O cilindromaior apesar de estar mais longe, aparece, de facto, menor no desenho do que o cilindropequeno que está mais perto. Aí começaram as perguntas, e dependendo do que você querfazer, vem toda a conversa sobre a perspectiva e o uso que o nosso grupo fez dessas coisas noExploratotium de maneira sistemática. Perguntem ao grupo de professores, aliás, nós não pre-cisamos de perguntar, eles questionaram-se a si próprios: "como posso fazer isso na minha salade aula?" E a resposta foi a seguinte: em vez de ter essas coisas muito complicadas para os vi-

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sitantes, devemos ter coisas mais simples mas que permitam trabalhar com o mesmo fenómenofísico, com as mesmas ideias matemáticas, neste caso a perspectiva.

Isto, na linguagem do Exploratorium – e vários de vocês sabem da sua existência –, chama--se cook books (livros de cozinha). São livros bem caros mas que descrevem com muitos por-menores como fabricar certos módulos do Exploratorium. Então, em vez de fazer cook books, fize-mos snack books. É uma versão simplificada dum módulo por isso chamamos snack. Uma versãosimplificada daquele módulo obtém-se simplesmente tomando um pedaço de madeira, fazendouma fenda na extremidade, colocando uma placa de acrílico; na outra extremidade colocamos umpedaço de arame, dobramos um pouco para cima e depois colocamos o olho no redondinho doarame, em cima, e desenhamos nessa placa. E pode levar isso para onde precisar.

Um assunto que o Exploratorium trabalha muito e no qual eu vou entrar agora é o da pers-pectiva. Essa noção que nasceu com o Renascimento é a de que o desenho permite ver omundo, que um dos nossos olhos sozinho vê o mundo, como uma pura, mera câmara fotográ-fica, ou como uma pura, mera câmara escura, que tem um buraquinho na frente e um papeltransparente atrás. Quando você desenha uma obra arquitectónica vê essas coisas segundo umaperspectiva, o ponto no infinito, o ponto de fuga, essas coisas bem matematizadas, como a pro-jecção. Mas você pode fazer como se mostra nessa imagem desenhada com uma janela trans-parente: pede a um colega, como essa jovem que está lá, para se deitar com os pés perto dajanela e olhando para quem vai desenhar. Quando você faz aquele desenho, realmente desenhao que está acontecendo na retina do seu olho. Mas quando olha para esse desenho, vê que ospés são enormes e que a cabeça é do tamanho de uma laranjinha, mesmo com o tamanho nor-mal duma pessoa e numa mesa um pouco comprida. E então conclui: isto não é um desenhocomo deve ser, alguma coisa está errada. É como a fotografia que você tiraria daquele lugar,nessas proporções. Então a pergunta que começa a colocar-se é: "como é que é se eu tomaruma folha de papel e desenhar de forma livre o que vejo? Eu não desenho a cabeça da pessoado tamanho duma laranja e os pés com 30 cm… Eu desenho a cabeça certamente maior do queos pés. E aqui entra uma coisa que no Exploratorium se desenvolveu imenso que é a intervençãodo ser humano, como ser humano, em todo o trabalho científico que fazemos, que tem sem-pre um ponto de vista. Claro que isso se chama ponto de vista porque é a perspectiva. Mas nãoé só por isso, há um ponto de vista intelectual. A nossa cabeça utiliza as imagens que estão nasnossas retinas. Não é um aparelho fotográfico. A gente sabe que o ser humano tem uma cabeçaque é do mesmo tamanho que os pés, ou maior, e que a cabeça é muito mais interessante doque os pés.

O resultado daquilo, e certamente de muitas outras coisas, permite entender essa mistu-ra que existe sempre que fazemos experiências – quando estamos a olhar a natureza – entre onosso objectivo e o que nós, na nossa cabeça, estamos a fazer com isso. E o que fazemos nossacabeça tem muito que ver com o que chamamos arte, tanto que ao lado desse módulo, noEspaço Ciência Viva, temos a fotografia dum determinado lugar e a pintura, feita por um pin-

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tor, daquele mesmo lugar. Também há livros sobre o impressionismo em França que têm feitoaquilo também, onde a gente vê que o pintor não é bom porque ele fez exactamente o que ajanela de perspectiva faria, mas porque ele escolheu a importância da igreja, colocou a ponte defacto mais perto, maior do que o tamanho que tem na fotografia. E essa interacção entre oaspecto artístico das coisas e o aspecto científico é uma questão que foi muito desenvolvida noExploratorium e que vamos aproveitar aqui.

Este diapositivo representa um módulo no Exploratorium, da minha autoria com a CleoAdams, uma pessoa que constrói modelos sobre o que é a simetria, o que é utilizar espelhos. Vocêtem um espelho, um aqui e outro ali na frente, pega no espelho e coloca-o assim, com a partereflectora desse lado, e vai ver duas bolas grandes. Vai fazer uma coisa similar ao que o livro pedepara fazer. Assim você está a criar figuras simétricas a partir de coisas que não o são. Você colapartes dessas figuras. Claro que eu escolhi a coisa mais simples possível, mas há muitas outras, eas pessoas têm, então, que procurar e criar esses desenhos. Está acompanhado por várias coisasque têm que ver com simetria na natureza, sendo a mão uma delas. Sabemos que quando a gentecoloca um espelho ao lado da nossa mão esquerda, vemos a nossa mão direita.

Agora quero mostrar uma coisa específica. O que vêem vocês aqui? Um cubo? Sim. Entãose é um cubo, sugiro que reparem neste ponto, um pouco acima do que estou indicando, o vér-tice. Não sei se estão de acordo. Ele está na frente e a suspensão está mais atrás, certo?

Agora eu proponho que a suspensão esteja na frente e que esse ponto esteja mais atrás,em baixo, está bem? E a primeira coisa comum entre nós, é que descobrimos que não vemos ascoisas da mesma maneira. Alguns de vocês certamente quando disseram "um cubo" viram acoisa na frente, outros viram a coisa atrás. Isso tem dois aspectos. Um que é quando estamosna sala de aula com as nossas crianças temos que ter esse famoso respeito pelo facto de elasnão verem o mundo como nós o vemos. Segundo, vamos aproveitar aquilo para neste caso par-ticular entender o que se passa. Se a gente coloca uma mão à frente de um olho e olha o mesmofenómeno acontece. Então obviamente alguma coisa está a faltar para podermos decidir qual éa profundidade. E a resposta é muito clara.

Tudo o que temos lá são desenhos sobre um plano. Quando dissermos "cubo" é a nossacabeça que identifica um cubo e tem pelo menos essas duas possibilidades quanto à profundi-dade. Então essa ambiguidade é possível. Isso sugere um questionamento, possivelmente sobre"porque temos dois olhos".

Vou precisar das luzes da sala apontadas para mim. Peço que façam o seguinte: vão esticaro braço direito, para a frente, com um dedo levantado e com esse dedo vocês vão esconder-meda vossa vista. Cada um coloca o seu dedo na minha frente. Agora, com a outra mão livre tapaum olho. Pergunto: quem viu alguma coisa a mudar? Alguém quer dar um nome áquilo?"Paralaxe"? Bom nome.

Temos ali a ideia de que cada olho vê uma imagem diferente. Num caso o dedo ficou nafrente do Bazin, no outro caso o dedo está ao lado. Os dois olhos vêem imagens diferentes. Mas

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há mais, porque o que pedi para vocês fazerem não foi começar com um olho, foi começar comos dois. Eu disse "coloquem o dedo na frente do Bazin", e ninguém hesitou, colocaram o dedona frente do Bazin. Então o que se passa, quando você fecha um dos olhos, e o dedo pula? Éque não era esse olho que estava "vendo", era o olho que você fecha. A nossa cabeça, quan-do colocamos os dois olhos abertos, decide que a imagem vinda de um dos olhos é mais impor-tante do que a imagem, a informação, vinda do outro. É o que se chama o olho dominador.Cada um de nós tem um olho dominador mas não é o mesmo de pessoa para pessoa, o quevem afirmar que não somos todos iguais. No meu caso é o olho direito.

Vamos agora fazer um trabalho um pouco mais sofisticado, utilizando os nossos lápis. Aprimeira coisa a fazer é colocar um dos pedaços de fita-cola à volta de um lápis. Vocês queremjuntar os dois lápis de maneira a deixar uma fenda entre eles. Depois podem olhar para o pro-jector aqui no palco através dessa fenda [No palco está um projector de iluminação para filma-gens, tapado com uma cartolina preta onde foi aberta uma estreita ranhura horizontal, no sen-tido da lâmpada]. Podem decidir se colocam os lápis na vertical, na horizontal, a 45 graus, evejam se conseguem notar alguma coisa interessante. Vou simplesmente encorajar-vos acomeçar a olhar do lado onde a fenda é maior, para que ela não se feche completamente evamos ver se alguma coisa acontece com a luz que chega aos vossos olhos. Estou a falar de umafenda muito pequenina e de empurrar os dois lápis, um contra o outro, deixando numa extre-midade uma tirinha de papel ou um pedacinho de cola. Vejo algumas pessoas a deixar um dedode abertura, não é isso. Agora segurem e verão o máximo da intensidade da luz, possivelmentelevantando um pouco a sua cabeça ou baixando-a um pouquinho. Conseguem ver? É difícil tra-balhar com 500 pessoas, por isso aproveito alguns ecos que obtenho daqui. Com os lápis hori-zontais, a fenda horizontal, você vê uma região bem luminosa no meio, branca, e depois vocênão vê nada, há escuridão; depois há mais uma região luminosa, mas que tem uma irisação,depois não tem nada, depois tem uma irisação, depois não tem nada, depois tem outra vez umairisação.

Podemos dizer que a luz está a entrar, passando entre estes dois lápis, e que está a sairpelo outro lado da fenda. Ela não vai em linha recta. E nós que há tantos anos explicámos àscrianças que a luz se propaga em linha recta! No centro vocês vêem essa região muito brilhante;depois não vêem nada, depois há outra vez uma região brilhante, bastante brilhante, que alémdo mais está irisada, tem cores. A nossa luz não é como balas de canhão; alguma coisa faz comque ela vá em várias direcções. Para fazer isto vocês não precisam deste tipo de lâmpada. Umfilamento fininho de um candeeiro simples, em casa, basta, desde que se olhe com os lápis pertodo filamento (e alinhando a fenda entre os dois lápis com o filamento). Vocês não queremmuitas reflexões, não precisam de uma fenda que seja tão fininha como esta aqui. Nós tivemosde trabalhar muito, a Ana Noronha e eu, ontem, para conseguir um arranjo que fosse utilizávelpor todos vós. Colocámos cartolina preta na parte da frente do projector e fizemos uma fendana cartolina para vocês conseguirem ver. Isso foi o nosso trabalho criativo, a nossa aprendiza-

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gem de como conseguir fazer uma coisa simples, com a qual todo o mundo possa fazer as suasdescobertas. O que está a faltar é a discussão em grupo. Obviamente é impossível, aqui, discu-tir aquilo, colocar questões e, no caso de serem estudantes, aproveitar para ajudar nas interpre-tações e chegar ao fenómeno da luz, com questões mais complicadas do que a simples propa-gação em linha recta.

[Tapa metade da fenda com um filtro vermelho] Dá para ver o vermelho e o branco? [Aseguir, tapa metade da fenda com um filtro azul] Quer ver o azul? Como ao vermelho corres-ponde a uma região luminosa de largura maior… Agora, para não ocupar mais do vosso tempo,quero que olhem e que comparem com exactidão: estou a tapar só metade da fenda da luz comum filtro vermelho. Isso permite uma comparação de dois padrões de difracção. É assim que sechama.

Eu achava que vocês podiam comparar o padrão da luz branca com o padrão da luz ver-melha. Quanto testei o equipamento com o Zé, o técnico, ele utilizou a palavra "essa é a cor datemperatura". Eu, como educador atento, escutei um "ding" na minha cabeça e começámos acolocar a lâmpada, assim, na sua maior potência, portanto, provavelmente na sua mais alta tem-peratura, e depois baixámos.

Se pudermos baixar a temperatura da lâmpada, a luz vai ficando alaranjada.Agora não sei se vocês conseguem detectar aquilo com esse "aparelho", porque tem uma

parte que fica muito clara. Eu tenho a certeza de que vocês vão conseguir notar uma diferençapor vocês mesmos. Mas se não conseguirem, tudo bem, também faz parte da ciência. O nossoaparelho não permite ou não temos as coisas ajustadas. Da próxima vez que vocês experi-mentarem, vão fazer de maneira diferente. Mas atrevi-me a fazer isso propositadamente.

Quero que sejam vocês a descobrir. Acho que é muito importante sermos nós próprios afazer, e ficarmos à vontade com o facto que proclamamos. São os outros com quem estamos atrabalhar que vão descobrir por eles próprios. E também devemos estar preparados para fazeruma demonstração que falha.

O jovem professor tem sempre medo: sai de casa a pensar "vai funcionar", etc., mas émuito mais importante tentar pensar que "vou trabalhar e se falhar também vou aprender muitacoisa".

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Sessão Paralela

Organização do trabalhoexperimental e Avaliaçãodo desempenho dos alunos

Professor Adriano Sampaio e SousaDepartamento de Física da Faculdade

de Ciências da Universidade do Porto

Moderadora:

Doutora Anabela Martins

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SESSÃO PARALELA

Professor Adriano Sampaio e SousaDepartamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

palavra "ciência" tem a sua origem no termo latino scire, que significa genericamenteconhecer. Hoje em dia, a ciência representa apenas uma parte da aprendizagem hu-

mana. Para que um ramo do conhecimento seja considerado ciência, deve basear-se em teoriasquantitativas, que possam ser testadas mediante a observação.

O que distingue essencialmente uma ciência observacional de uma ciência experimental éa possibilidade de controlar as condições em que as observações são efectuadas.

Ensinar ciência é uma actividade que tem vindo a ganhar importância, à medida que os co-nhecimentos se alargam e aperfeiçoam, e as inúmeras aplicações tecnológicas tornam impossívelaos cidadãos ignorar a sua presença. Para a ensinar é necessário, antes de mais, saber ciência, mastambém procurar entender os mecanismos que levam o indivíduo e o grupo a aprender.

Ensinar ciência não pode ser uma mera transmissão factual, nem uma repetição de umprocesso histórico significativamente abreviado no tempo. Se reflectirmos um pouco acerca dosgrandes objectivos que pretendemos sejam atingidos pelos alunos de ciências, poderíamosencontrar as seguintes vertentes:

1. Aprender ciência.2. Aprender acerca da ciência.3. Fazer ciência.

Aprender ciência significaria adquirir uma série de conceitos importantes, relacioná-los pormeio de leis eventualmente sujeitas a princípios, por sua vez enquadrados em teorias.

Aprender acerca da ciência seria procurar compreender a natureza da ciência e a sua com-plexa relação com a tecnologia e a sociedade, bem como familiarizar-se com os seus métodos.

Fazer ciência seria ter a oportunidade de vivenciar actividades investigativas em condiçõesreais, guiadas em maior ou menor grau pelo professor.

Começaria por me debruçar um pouco sobre o primeiro ponto, referindo-me aos con-ceitos. Estes constituem os elementos básicos para o desenvolvimento do pensamento. A suaaprendizagem começa numa idade muito tenra e continua ao longo de toda a vida.

Aceita-se hoje em dia que os conceitos aprendidos pelos alunos são dinâmicos, isto é,encontram-se permanentemente em construção, à medida que aquele vai tendo a oportunidadede novas vivências, observações e metacognições.

Os conceitos não apresentam todos o mesmo grau de dificuldade. Já que os ensinamos,

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ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO EXPERIMENTAL

quer à custa de exemplos e contra-exemplos, quer à custa dos seus atributos, podemos consi-derar três categorias de conceitos:

Aqueles que têm exemplos e atributos perceptíveis pelos alunos. Podem ser construídosatravés de um processo de discriminação e classificação, a partir de exemplos simples, con-duzindo a uma definição constituída por atributos de fácil compreensão. São habitualmente de-signados por conceitos categoriais. Citaria como exemplos os conceitos de planeta, mistura, ver-tebrado, entre muitos outros.

Uma outra categoria, aqueles que têm exemplos perceptíveis, mas atributos não percep-tíveis. Os conceitos de substância elementar ou composta, embora simples de exemplificar, nãotêm atributos de fácil compreensão para os alunos.

Como terceira categoria, aqueles que não têm nem exemplos nem atributos perceptíveis,são habitualmente conhecidos como conceitos formais. Os conceitos de átomo, de campo, detrabalho físico são alguns exemplos representativos. O estigma que algumas ciências têm, emvirtude de algumas dificuldades evidenciadas pelos alunos, explica-se sobretudo pela exigênciacognitiva dos conceitos envolvidos, quase todos do tipo formal. É o caso tipicamente da Física,que neste sentido pode ser considerada como uma ciência "dura". Pelo contrário, algumas ciên-cias vivem essencialmente de classificações taxonómicas, como a Biologia, ou a Geologia, epoderiam ser consideradas ciências "leves".

O ensino de conceitos categoriais deve ser feito à custa de um conjunto significativo deexemplos e contra-exemplos, que podem e devem incluir observação e experimentação,nomeadamente ao nível qualitativo, dado que estes são os conceitos privilegiados nos níveisetários mais baixos, onde surgem frequentemente as chamadas concepções alternativas. Aexperimentação assume um papel primordial no sentido de reproduzir situações que possam serconfrontadas com as ideias dos alunos, de modo a gerar a mudança conceptual.

O ensino de conceitos formais a alunos com o raciocínio lógico-formal poderá resumir-seà apresentação dos seus atributos através de um maior ou menor formalismo matemático. Paramuitos conceitos é mesmo a única forma de ensino, já que não têm correspondência com anossa realidade macroscópica qualitativa. O problema principal põe-se quando se pretendeintroduzi-los em níveis etários mais baixos, com alunos que ainda não ultrapassaram o estádiode pensamento concreto. Utilizam-se assim por vezes os chamados conceitos operacionais,como o conceito de força, leccionado no 9º Ano de Física, em que são postos de lado os atri-butos não perceptíveis e se coloca a tónica nos exemplos. Neste caso, a observação e a experi-mentação ajudarão certamente, tal como no caso dos conceitos categoriais.

No que respeita à aprendizagem de leis, a experimentação assume especial importância,agora a um nível quantitativo. É necessário contudo distinguir as situações em que as leis ape-nas podem ser passíveis de uma simples verificação a posteriori das situações em que o alunopode efectivamente inferir o seu enunciado. Citaria como exemplos evidentes as leis darefracção e as leis da reflexão. Se o aluno pode facilmente concluir que o ângulo de incidência

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SESSÃO PARALELA

é igual ao ângulo de reflexão através dos resultados experimentais, não é viável que conclua quea razão entre o seno do ângulo de incidência e o de refracção é constante. Só poderá verificá-lo.

O papel da experimentação não se esgota contudo no suporte à construção de conceitose à aprendizagem de leis. Em relação à segunda vertente referida no acetato, quando pre-tendemos que o aluno aprenda ácerca da Ciência é fundamental proporcionar-lhe a vivência dosmétodos e técnicas utilizados no laboratório, a par da reflexão teórica e uma introdução à mo-delagem computacional, essencial na Ciência moderna e em franca ascenção no ensino dasciências. Inclui-se aqui a familiarização com os instrumentos de medida, o controlo das variáveis,a construção de tabelas e gráficos, o uso de regras de cálculo.

Finalmente, referir-me-ei ao papel da experimentação, no cumprimento da terceira ver-tente dos objectivos: fazer Ciência. Surge aqui espaço para proporcionar aos alunos a oportu-nidade de conduzir actividades investigativas e resolver problemas práticos, seguindo dentro dopossível os seus próprios interesses. A experimentação assume aqui o seu papel mais nobre, maispróximo da actividade real do cientista. O professor deve limitar a sua orientação ao mínimoindispensável. Em primeiro lugar, deve conduzir a discussão de modo a auxiliar os alunos aencontrarem o tema da investigação. Em segundo lugar, deve acompanhar a investigação comoum guia, assegurando o referencial teórico necessário para que os alunos estabeleçam e imple-mentem um plano de trabalho coerente. Em terceiro lugar, deve ser um avaliador, introduzindoum elemento de exigência crítica relativamente às conclusões dos alunos. Como conclusão,gostaria de salientar que a experimentação pode assumir diferentes papéis no ensino, de acor-do com os objectivos que se pretende alcançar, o tipo de experiência, qualitativa ou quantitati-va, demonstrativa ou investigativa, com maior ou menor orientação por parte do professor edeve ser determinada em função de cada situação específica.

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ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO EXPERIMENTAL

Doutora Anabela MartinsEscola Secundária D. Pedro V, Lisboa

ostava de vos contar uma história, uma história verdadeira, que resume de certa maneiraa mensagem que vou tentar passar aqui. Uma mensagem vivida, experimentada.

A história é a seguinte: através da investigação que estou a fazer com a Professora JoanSolomon, descobri o que é uma experiência com sucesso para os alunos. É aquela experiênciaem que, se estiverem a determinar a aceleração da gravidade, se obtiverem 9,8 m/s2 está bemfeita, se der 9,6 m/s2 já não está. Isso levou-me a pensar que nós exploramos mal as ciênciasexperimentais. Elaborei e transmiti alguns textos e algumas sugestões. Mas isto é muitoperigoso. Porquê?

Nas últimas Olimpíadas de Física – em que fazemos os possíveis por realizar experiênciasabertas, trabalhos para os miúdos pensarem – tínhamos uma experiência interessantíssima sobreo euro, em que os alunos tinham de determinar a densidade do euro. Dávamos-lhes moedas,fomos recolher dados exactos sobre o euro e dávamos-lhes moedas de alumínio e moedas decobre. Eles tinham de determinar a densidade e a massa e, no final, tinham de fazer um relatóriopara a Interpol com explicações para os ajudar a descobrir um falsário que tinha fabricado 200 000moedas falsas de euro.

Três equipas de três alunos, num total de 14 equipas, fazem esta coisa maravilhosa: fazemtudo muito direitinho, como vos vou dizer aqui que deve ser feito: o relatório, o título, ametodologia, o procedimento, os resultados, tudo muito bem feitinho. Sabem quanto é que elestiveram? Zero de conteúdo! Erraram tudo, não foram capazes de determinar a massa, a densi-dade, o volume... Quer dizer, o relatório para a Interpol era aquilo que aprenderam na aula deFísica.

Temos, portanto, de ter muito cuidado. Tudo o que vamos dizer aqui, não é para afirmar"isto tem de se fazer assim". Penso que temos de adaptar constantemente tudo aquilo queouvimos dos colegas e a nossa experiência a novas situações.

Os curricula de ciências são actualmente influenciados por três grandes abordagens: aabordagem centrada no aluno, no movimento construtivista; a abordagem muito virada para aciência para todos, uma vertente da qual é a compreensão pública da ciência e os aspectos so-ciais, que é o movimento ambientalista.

Estes são três grandes movimentos que actualmente influenciam os nossos curriculos deciência. Sou a favor de facto de uma grande diversificação de actividades experimentais, desdea experiência laboratorial até à utilização de modelos computacionais, visitas de estudo e inves-tigações abertas. Comum a todos estes tipos de actividades, há uma parte muito importante que

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SESSÃO PARALELA

é o antes e o depois. A Professora Joan Solomon recomenda que uma das coisas mais impor-tantes para desenvolvermos um trabalho experimental mais eficiente com os alunos é começarpela compreensão dos conceitos e só então, quando temos a certeza que os alunos compreen-dem os conceitos, passar à fase de exploração e de implementação no terreno. De tal forma queo aluno, mesmo com a nossa ajuda, seja capaz de planificar. É ele que vai ter uma parte activana planificação da experiência, e depois na sistematização. O professor, por seu lado, tem umpapel importantíssimo na sistematização dos resultados.

Uma tendência muito forte na Europa, de que muito brevemente vão ter notícias nas esco-las, é a da integração crescente do ensino das ciências. Para que haja a compreensão de quevivemos num planeta dependente de sistemas, constituído por diversos subsistemas que estãoem constante reciclagem através dos princípios da conservação da matéria e da energia e, poroutro lado, a compreensão de que a sociedade é uma parte dos sistemas da Terra e que qual-quer interferência com uma parte daquele sistema também vai interferir no Homem. Isto é qual-quer coisa que temos de ter sempre presente quando estamos a fazer determinado tipo de tra-balho experimental.

E agora vou centrar-me, essencialmente, nas investigações abertas. O que é uma investi-gação aberta? Um físico fez uma vez uma descrição engraçadíssima de uma investigação comosendo aquilo que estamos a fazer quando não sabemos o que estamos a fazer nem onde vamoschegar. Ou, então, uma investigação é algo que se faz sobre qualquer coisa cujo resultado nãoconhecemos – e no dicionário pode-se encontrar uma série de sinónimos para investigação –mas em que há sempre um factor surpresa para o aluno.

De facto, para aqueles professores que estão interessados em fazer investigação aberta,há todo um espaço novo a explorar em três aspectos fundamentais: o aspecto cognitivo, oaspecto a que eu chamei geográfico e o aspecto psicológico. O aspecto cognitivo, ligado àaquisição de conceitos e capacidades; o aspecto geográfico, em que o aluno tem a oportuni-dade de conhecer novos processos, novos métodos, novos espaços; e, finalmente, o psicológi-co, em que ele tem que ver a diferença entre a realidade, a teoria e a prática.

Como é que podemos utilizar estes espaços? Qual é o objectivo da aprendizagem com tra-balhos de projecto ou investigação? É a concretização de fenómenos que não podem ser feitosna sala de aula.

E o que é a concretização destes fenómenos? A concretização de fenómenos atravésduma experiência nova com um fenómeno que cria no aluno uma apetência, que desenvolveuma autonomia na pesquisa e no estudo e, além disso, desenvolve mais a interacção com osfenómenos do que com o professor. O professor é um orientador, um controlador, no sentidode reorientar os alunos.

Qual será a principal estrutura duma investigação? Há uma unidade preparatória, digamosa introdução da investigação – onde se faz – depois há a visita de estudo ou a pesquisa ou aparte experimental, e, finalmente o resumo, a sistematização do trabalho feito. Três etapas fun-

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damentais que poderíamos resumir, dizendo então que temos a investigação, a parte do seudesenvolvimento e a parte da implementação propriamente dita, que acaba na sistematização.

É assim na Física. Em ciências, os passos principais que os alunos têm de seguir serão esta-belecer um problema ou hipótese, fazer a experiência, ou a visita de estudo, ou a pesquisa (sefor teórico), recolher dados, discutir resultados e fazer um relatório de forma clara e objectiva,que é uma parte importante.

Qual o perfil do aluno numa actividade experimental deste tipo? É o aluno que tem deestabelecer um plano de investigação, desenvolver esses processos, explicá-los e discuti-los emfunção dos resultados obtidos e, finalmente, comunicar oralmente e por escrito os seus resulta-dos, quer aos colegas, quer a outras comunidades onde ele seja solicitado.

Para lá das habituais partes de um relatório – o título, o sumário, a introdução e o resumo– a parte fundamental do relatório, aquilo a que se chama o corpo central, deve conter uma teo-ria relevante, deve ter o procedimento, o registo de resultados e o seu tratamento em termos deteoria dos erros.

Vou dar-vos um exemplo de diferenças entre algumas investigações abertas por compara-ção com investigações fechadas. Por exemplo, a definição do problema numa actividade fecha-da é prescritiva, directiva. Numa actividade aberta é explorativa e as variáveis não estão especi-ficadas. Na escolha do método, são os alunos que escolhem o método, o professor dá apenasindicações e, na parte fechada, é o professor que dá indicação aos alunos para o método e lhesdá equipamento limitado.

Quanto às soluções esperadas, se numa investigação fechada há apenas uma soluçãonuma investigação aberta há várias soluções possíveis. Por exemplo, uma actividade fechadapoderia consistir em colocar um conjunto de sementes numa zona escura e colocar outra numazona bem iluminada. As variáveis estão identificadas, diz-se aos alunos que têm de identificar sea luz e a temperatura influenciam, etc.. Numa actividade aberta semelhante, será o aluno quetem de escolher uma planta e investigar se a luz tem algum efeito. O professor só lhe diz: esco-lhe uma planta e identifica as variáveis que afectam a fotossíntese.

Outro exemplo de experiência orientada tirado da Física, seria: "Verifica as leis da elec-trólise. Para isso procede do seguinte modo: monta um circuito tal, mede tal, pesa tal, agoralimpa os eléctrodos e faz tal, etc.". Outra forma, uma forma aberta que levaria o aluno de factoa pensar um pouco mais, seria: "Com o material que está à tua disposição prova qual das duasteorias sobre a electrólise, a de Sir Humphrey David ou a de Michael Faraday, é apoiada experi-mentalmente". Isto é possível e, de facto, dá resultados fabulosos.

Não posso resistir a dar um outro exemplo de como transformar uma actividade fechadanuma actividade com muito mais interesse para os alunos. Está num dos projectos de duas cole-gas do Algarve, de que eu sou coordenadora, que estão a trabalhar comigo há 3 anos e que fi-zeram duas actividades no 12º Ano que passo a descrever.

Nós, para o 12º Ano, temos uma unidade de Balística, de lançamento de projécteis, e elas

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SESSÃO PARALELA

puseram esta actividade aos alunos: porque saltam desta forma as rãs e os gafanhotos? Comosabem, as rãs saltam em arco, ou seja, um movimento semelhante ao dos projécteis. Utilizandoa unidade de balística, planeia uma experiência que te permita comparar as características destesdois voos. Relaciona depois o que descobrires sobre os voos com as próprias características dosanimais em causa. Relata a tua investigação e conclusões.

Outro exemplo, tirado de um texto de Aristóteles e utilizando a unidade de Balística – amesma unidade de lançamento de projécteis – planeia uma experiência que te permita recolherdados de modo a contestar a descrição deste movimento feita por Aristóteles, que tem umdesenho célebre de um canhão a disparar em que a bala sai em linha recta, não sujeita à acçãoda gravidade.

Para terminar, a minha mensagem é que se soubermos Física, se estudarmos a Física comodeve ser, tiramos imensas sugestões para fazer a parte experimental. Tendo sempre presente queuma boa prática experimental pode, de facto, iluminar e ajudar um pouco os alunos a com-preender. Esta é a mensagem que vos deixo. Muito obrigada.

DR. JOAQUIM MATOS DA SILVAESCOLA SECUNDÁRIA DOMINGOS SEQUEIRA

Vou contar uma história que pretende elucidar sobre o contexto organizacional da escola:a forma como a escola se pode hoje organizar para projectos como o Ciência Viva ou o ProjectoNónio. Pelo menos a experiência da escola onde estou e o caminho que foi percorrido no sen-tido de que, efectivamente, se faça alguma experimentação e que essa experimentação tenhareflexos em termos curriculares imediatos.

A sociedade actual impõe à escola, através do enquadramento organizacional e legal exis-tente, novos desafios que passam, no nosso entender, pela necessidade de interligação de co-nhecimentos – especialmente no âmbito científico – operacionalizados em projectos que seassumam como pólos de motivação dos principais actores do sistema educativo: alunos e pro-fessores.

Esta situação passa, em nosso entender, pela existência simultânea dos seguintes recursosorganizacionais: formação profissional, recursos humanos e materiais.

Neste momento, tendo em conta o actual sistema legislativo, já começam a existircondições organizacionais, designadamente de autonomia das escolas, para o desenvolvimentode projectos cientifica e pedagogicamente de grande utilidade e validade no processo de ensi-no-aprendizagem, que respondam às necessidades dos jovens no prosseguimento de estudos ouna preparação para o ingresso na vida activa.

No âmbito da formação profissional, a escola terá que potenciar cada vez mais a suacapacidade de auto-formação, desenvolvendo as necessárias acções de formação interna emcontexto de trabalho que realmente interessem e motivem o corpo docente, propondo a rea-

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lização de acções de formação ao centro de formação de professores a que pertence.No domínio das condições humanas e materiais, quanto mais estável for o corpo docente

e melhor equipados estiverem os laboratórios, melhor se consegue responder aos desafios quediariamente se colocam.

É fundamental que as escolas procurem, por todos os meios, estar equipadas de forma aque possam desenvolver projectos verdadeiramente motivadores, tanto no desenvolvimento dasactividades normais de ensino-aprendizagem no âmbito disciplinar, como na implementação deactividades científicas e culturais extra-curriculares.

Baseados nesta filosofia procurámos, na Escola Secundária Domingos Sequeira, estabele-cer um modelo de acção que não é de curto prazo – no sentido de aproveitar este ou aqueleconcurso – mas um modelo de acção consistente, duradouro, onde são interligados três tiposde recursos: humanos, organizacionais e materiais.

No primeiro caso contamos com os professores de Físico-Química e de outros grupos dis-ciplinares e, fundamentalmente, alunos. No segundo caso, temos planos de formação em con-texto de trabalho, com especial ênfase para o ensino experimental e utilização de novas tecno-logias na investigação, aprovados antes do início do ano lectivo se ter iniciado; organização doshorários dos professores de Físico-Química, de forma a que exista um espaço semanal comumpara a formação e troca de ideias; criação do clube de Físico-Química, de forma a estimular, pelavia do método investigativo, a resolução de questões propostas pelos alunos e para as quais oespaço curricular formal se torna insuficiente.

Finalmente, os meios materiais passam pelo desenvolvimento de todos os processos, deforma a que existam laboratórios de Física e de Química equipados.

A Escola Domingos Sequeira e o seu grupo de professores de Físico-Química percorreramum longo caminho antes de abraçar esta excelente iniciativa do Ministério da Ciência e daTecnologia, que é o Programa Ciência Viva.

Numa analogia agrícola, diriamos que depois de uma longa travessia no deserto, provo-cada pela massificação e desinvestimento pós-25 de Abril, foi preciso preparar o terreno ondeas ciências experimentais podem florescer, sendo o programa Ciência Viva o fertilizantenecessário aplicado na altura adequada.

Começou-se por apresentar o projecto ao Centro de Formação de Professores de Leiria,para a sua creditação junto do Conselho Pedagógico da Formação Contínua, precisamente parase implementar a formação na modalidade de projecto.

Os objectivos inerentes a esta situação são: promover acções de formação em contexto detrabalho com reflexo imediato no desenvolvimento curricular; possibilitar aos docentes aaquisição de créditos de formação que precisam para a progressão nas suas carreiras. Refira-seque esta última situação pode motivar mais alguns professores a aderir às actividades.

Saliente-se que no desenvolvimento de acções na modalidade "projecto" e "oficina deformação" desenvolvem-se trabalhos com possibilidade de aplicação directa em termos curricu-

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lares. Neste processo pode surgir uma dificuldade relacionada com a questão dos formadores.Neste caso, ou o centro de formação procura os formadores dentro da sua carteira de for-madores ou, o que não é difícil, algum dos professores da escola se inscreve como formador. Nonosso caso resolvemos o problema creditando 3 professores do grupo de Físico-Química comoformadores.

Acredito que em escolas mais pequenas possam surgir algumas dificuldades. A abor-dagem da questão neste caso terá de passar, forçosamente, pelo dinamismo do centro de for-mação, incentivando parcerias entre as escolas associadas. Refira-se que esta situação vai deencontro às novas orientações do FOCO para os centros de formação, no sentido de se poten-ciarem o exercício da formação em contexto de trabalho, precisamente através da modalidadede "projecto" ou "oficina de formação".

Ultrapassada a questão da formação, passou-se ao desenvolvimento das actividades.O modelo estabelecido foi o seguinte: realização de sessões práticas comuns para a ela-

boração de estratégias e de materiais, designadamente protocolos experimentais; a experimen-tação de equipamento utilizado; coordenação de actividades; trabalho individual dos formandosde acordo com as estratégias estabelecidas.

Foram desenvolvidas actividades no âmbito da cinemática, dinâmica, lançamento de pro-jécteis, trabalho e energia, campos directamente relacionadas com o desenvolvimento curriculardas disciplinas de Físico-Química dos 10º e 11º anos e Física de 12º Ano.

Neste modelo de acção, e no âmbito do desenvolvimento do projecto, procurou-se trazerà escola personalidades de reconhecida competência científica de forma a possibilitar a reso-lução de alguns problemas, normalmente os relacionados com a utilização de novos materiaisde índole laboratorial ou informática.

Do que foi exposto depreende-se que se trata de um processo de formação centrado naescola, que pretende estabelecer uma ruptura com a lógica anterior, em que as pessoas são for-madas para agir, dando lugar a uma perspectiva de agir para formar, ou de formar-se agindo.Desta forma potencia-se a capacidade de auto-formação interna e estabelecem-se parcerias comoutras pessoas, entidades, que nos podem ajudar.

O desenvolvimento deste processo, tendo em conta alguns meios utilizados – computa-dores, sensores e interfaces – permitiu promover, de uma forma pragmática, o reforço da inter-disciplinaridade entre a Física e a Matemática, em situação curricular e extracurricular, com o deFísico-Química.

Esta situação foi explorada precisamente após a visita do Dr. Vitor Teodoro, integrada noprojecto de formação, o qual fez a ligação entre a experimentação assistida por computador ea utilização da modelação através do programa Modellus.

O que se seguiu foi o desenvolvimento de acções de natureza interdisciplinar da Física,Química e Matemática, integrando alunos do 10º Ano, 11º e 12º Ano. Estas acções consistiramno seguinte: realização de actividades experimentais no domínio da cinemática utilizando o

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computador e sensores; exploração das experiências em termos dos conceitos físicos; impressãodos resultados recolhidos sob a forma de gráfico; exploração dos gráficos por parte dos alunos,com o objectivo de estabelecerem a equação matemática da função representada; confirmaçãodos resultados utilizando o programa Modellus e/ou a máquina de calcular gráfica, procurando--se reproduzir o gráfico obtido por via experimental.

A avaliação dos resultados da implementação desta estratégia tem permitido o reforço doensino experimental, especialmente na área da Física. Aliás, não nos podemos esquecer que estasituação nos é imposta pelos actuais curricula. Partimos do pressuposto que os curricula são paracumprir e a experimentação também. Ao falar assim, parece que a experimentação não faz partedos curricula. Fazer, faz. Mas, por vezes, talvez por razões ponderosas, parece que não faz.

O desenvolvimento dos projectos centrados na escola e nos curricula tem-nos permitidocumprir os mesmos porque nos põem a conversar uns com os outros e, ao fazê-lo, falamos sobreas nossas experiências, os nossos sucessos, os nossos insucessos, trocamos materiais, ganhamostempo. Porque, afinal, muitas vezes o problema está no tempo.

A avaliação dos alunos é feita em termos normais, formativa e sumativa. A componenteexperimental é avaliada de duas formas: através da análise do relatório elaborado pelos alunose através de questões de incidência experimental presentes nos testes sumativos. Refira-se queestas questões são do tipo das que aparecem na componente experimental do exame de 12ºAno de Física e que os relatórios têm um determinado peso na formalização da classificaçãoatribuída ao aluno no final de cada período, procurando-se utilizar critérios abertos e transpa-rentes, para que os alunos possam melhorar o nível do seu próprio trabalho. A elaboração dorelatório é feita nos modelos tradicionais.

Dá-se algum relevo aos resultados experimentais e à crítica. Na questão da avaliação dotrabalho experimental, o ideal seria que os alunos fizessem diferentes tipos de trabalhos práti-cos, experiências controladas e outras com uma metodologia mais investigativa.

Como muito bem se interroga a Drª Joan Solomon na sua comunicação preparada para oForum Ciência Viva II, "porque não estimular um determinado número de critérios diferentesque devem ser atingidos por diferentes tipos de trabalho prático?". Infelizmente, neste pontoestamos presos pelo curriculo, melhor, pelo tempo para o desenvolver. Assim, apenas tem sidopossível fazer experimentação mais controlada no sentido do aluno investigar seguindo o pro-cedimento prático presente no protocolo experimental que lhe foi distribuído. Esta é uma visãoda realidade.

Em algumas situações de realização de actividades experimentais, houve alunos que le-vantaram questões interessantes. Essas situações são remetidas para o Clube de Físico-Química,procurando-se aí, de uma forma menos formal, investigar as questões com uma metodologiamais investigativa.

Em jeito de síntese, pode dizer-se que houve um desafio: é necessário ensinar Ciência uti-lizando a experiência. E diagnosticou-se ser preciso vencer a inércia instalada no sistema; a bar-

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reira professor/equipamento; a estratégia de organização interna da escola como comprometi-mento efectivo dos órgãos pedagógicos; um plano de formação; a criação do clube de Físico--Química e a implementação de uma forte dinâmica de formação em contexto de trabalho comrecurso ao centro de formação de professores e a personalidades de reconhecida competênciacientífica.

Houve aqui um acentuar de parcerias especialmente significativas que foram a DelegaçãoCentro da Sociedade Portuguesa de Física e o Departamento de Física da Universidade de Coimbrae, no último aspecto referido, também a Universidade Nova de Lisboa, através do Dr. Vítor Teodoro.

Outro ponto que merece destaque é o concurso a projectos, designadamente ao CiênciaViva, transformando-os em motores de acção do processo. Estes projectos têm servido para nóscomo motor. Pegamos neles e é a partir deles que trabalhamos. Resultados? Ainda é cedo. Sócomeçámos há 3 anos, o que, em termos educacionais, é muito pouco tempo. Pelo menoscumpre-se a componente experimental presente nos curricula, motiva-se mais a aprendizagemdos alunos, isto de acordo com dados recolhidos informalmente no Clube de Físico-Química.

Espera-se que Portugal suba uns lugares nas estatísticas internacionais sobre o que osalunos revelam saber sobre as ciências exactas e experimentais e essencialmente que se cumprao nosso lema "A Ciência é experiência".

DR. VÍTOR TEODORO FCT, UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA

Usar tecnologias no ensino: para que é que isso serve? Há ou não há diferença? Há quedistinguir duas coisas e ambas têm algum sentido: aprender com as tecnologias versus aprendersobre as tecnologias.

Sobre as tecnologias há quem diga que se aprende em disciplinas e há quem diga que seaprende vendo. Há opiniões para todos os gostos. Eu penso que não há um modelo certo. Talveza única certeza é que, como na Ciência, só se aprende fazendo. Se não se fizerem experiências,se não houver familiarização, não será com muitos cursos de Windows e de Modellus, deNewCalc e de calculadoras que a pessoa irá aprender.

Eu conheço imensa gente, a começar pela minha própria casa, que tem imensos cursos deWindows mas, ao fim de 3 semanas, já não sabiam formatar uma disquete. Precisamente pelaquestão da experiência.

Com as tecnologias, é um mundo novo que se abre e penso que vale a pena ver algunsexemplos. A começar com um de Matemática. Na Matemática também se podem fazer expe-riências. Esta ideia de experiências na Matemática é muito antiga mas perdeu-se por razõeshistóricas. Tenho algumas ideias sobre o assunto, não sei se verdadeiras se falsas, mas a noçãode experiência na Matemática tem provavelmente um contexto um bocadinho diferente.

Vou mostrar aqui um pequenino exemplo do que pode ser uma experiência na Mate-

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mática. Escrevi uma equação com um determinado parâmetro. Digo que aquele parâmetro vaivariar entre 1 e 5 e agora quero ver o que é que acontece quando aquele parâmetro varia. Istoé uma experiência matemática. Podemos ver o efeito daquele parâmetro, o que é que faz áquelacurva. Claro que há muitos outros tipos de experiências. Que tal se eu fôr medir a frequência domeu assobio?

Conheço imensos professores de Física que nunca mexeram num osciloscópio e que, aliás,têm horror ao osciloscópio.

Vou só mostrar um terceiro exemplo. Acho que este é um exemplo particularmente inte-ressante que eu próprio demorei muito tempo a perceber. Só depois de fazer isto é que de factopercebi. Escondi aquela parte de propósito. O que estão vendo? O Sol, a Terra, o planeta azul,e Marte, o planeta vermelho. Dia 9 de Maio, Marte esteve o mais próximo possível da Terra.Nesta posição ainda a Terra está dum lado do Sol e Marte do outro. A Terra está a aproximar-sede Marte. Ainda não passou um ano em Marte. Marte e a Terra continuam a aproximar-se eestão, agora, na distância mínima. Exactamente a 9 de Maio. Agora começam a afastar-se...

O problema histórico extremamente interessante e que deu origem a muitas coisas, é queninguém tem o dom de ir ver isto. Porque isto é visto de fora da eclíptica, de fora do plano Terra--Sol, o que é praticamente impossível. É, aliás, impossível de facto mesmo com a tecnologiaactual. Quando muito, é possível andar no plano da eclíptica e, portanto, ninguém consegue veristo.

O que se via eram os planetas a andar para trás. “Planeta” significa mesmo isso: um astrovagabundo. Porque durante certos períodos do ano Marte anda para trás.

E se isto for observado mudando de referencial? Mudando de referencial, com a Terracomo centro, o Sol logicamente anda em volta da Terra. E Marte, este é o vector de posição deMarte visto da Terra, está a afastar-se. Estão a ficar em oposição: Terra de um lado, Marte deoutro. Agora vão começar a aproximar-se. Aproximam-se, estão na distância mínima e agoracomeçam a afastar-se. Da Terra é isto que eu vejo: umas bonitas laçadas no céu.

Faz diferença ou não faz? Eu deixo ao vosso critério o fazer diferença. Gostava só de acres-centar um pequeno pormenor. Poderão pensar "que matemática tão sofisticada que ali está".É mentira. A matemática que aqui está é, nada mais nada menos, do que as equaçõesparamétricas da circunferência. A única ciência é o raio da órbita da Terra que se vê numa tabelaou se procura numa enciclopédia. O raio da órbita da Terra e o de Marte. São ambos elipses mas,praticamente, são circunferências porque a excentricidade é muito pequena. O período detranslacção da Terra toda a gente sabe que é de 365 dias. O de Marte é de 687 dias. Facilmentese constrói um modelo destes.

O truque para mudar de posição é fazer aqui uma conversão de referencial, para passar ater o referencial em relação à Terra, que está a andar, e não apenas em relação aos outros re-ferenciais.

Ora bem, quais são as diferenças principais? Não haja dúvida que eu posso trabalhar com

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objectos concreto-abstractos. As circunferências com que trabalhei só existem na minha cabeça.O computador deu-me possibilidade de trabalhar com elas como se fossem objectos. Em mani-pulação directa posso fazer experiências com imensa piada. Por exemplo, mostrar que amatemática da circunferência pode ser a mesma da elipse, do cair a direito e da matemática dosubir e descer.

Na ideia das múltiplas representações há o privilégio do formal, da forma da equação e, defacto, trabalhar com uma equação é uma coisa que demora muito tempo. A possibilidade que atecnologia nos dá de trabalhar as equações sob outras representações é um poço sem fundo.

A ideia da medida e representação em tempo real – fazer aqui o nosso audioscópio e asmedidas da frequência, etc. – é uma coisa facílima de fazer com tecnologia de ‘trazer por casa’e que abre a possibilidade de eu ser um criador em vez de um simples consumidor. Posso pôr aliMarte a andar em volta da Terra, ou a Terra a andar em volta de Marte, com Matemática de 10ºe 11º Ano. Torno-me, de certa maneira, um criador de situações.

Finalmente, mas não por último, a Internet e as novas possibilidades de comunicaçãofazem com que as pessoas possam, por exemplo, em 5 minutos, ir buscar uma imagem do queserá o próximo eclipse do Sol.

Quais são as dificuldades? Aqui é que as coisas se complicam porque, de facto, há sem-pre uma desculpa: as condições organizacionais. Aqui, aliás, a culpa é sempre dos outros. Se aeducação dos professores não mudar, se as universidades não mudarem, nada muda.

É uma tristeza a forma como se ensinam hoje em dia Ciências e Matemática na universi-dade. Eu costumo dizer que a única diferença é a tábua de logaritmos que, aliás, é uma dife-rença para pior. Com a tábua de logaritmos sempre se podiam pôr umas cabulazinhas pelo meioe agora é um aborrecimento: não se podem fazer umas cabulazinhas nas máquinas de calcularporque não deixam usar as alfanuméricas.

Os exames, a avaliação, é terrível. A forma como os exames aparecem e como são feitostorna-os claramente piores do que eram, por exemplo, nos anos 40 e 50 em temos deabstracção e complexidade.

Nem é preciso ir tão longe. Por exemplo, os exames de Física ou Matemática são muitomais difíceis. Se eu apresentar agora um exame de Física ou de Matemática de 12º Ano de 1980a um professor experiente de 12º Ano, este diz "isto é facílimo". Alguma coisa está mal.

Concordo a 100% com a ênfase do Ministério da Ciência e da Tecnologia em dar acessoà Internet nas bibliotecas escolares. Acho óptimo. Acho que devia haver o equivalente em pro-dução de informação em suporte digital. A ideia dos laboratórios computacionais para Ciênciase Matemática é uma ideia que há-de ser de gerações. Mas é, claramente, uma ideia a médio elongo prazo que, para as pessoas mais dinâmicas, se transforma num curto prazo. E com osordenados que os professores ganham, com os computadores que têm de comprar e com osoftware que têm de "piratear" e as máquinas de calcular...

Pergunto-me: se a fábrica de celulose de Vila Velha de Ródão dá aos seus funcionários

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uma verba anual para comprar livros porque é que o Ministério da Educação não dá aos seusuma verba anual para consumo cultural?

E o consumo cultural vai desde o software ao computador, passando pela formação.Passando por muitas outras coisas e, claro, pelas máquinas de calcular... Agora é muito engraça-do, as máquinas de calcular são obrigatórias, mas toda a gente sabe que se não tiver umamáquina de calcular própria não tira proveito dela. No entanto, isso nunca foi contabilizado. Eujá fiz as contas, é metade da verba do Foco por ano; uma bolsa decente, para consumo cultu-ral, que poderia crescer com uma certa periodicidade. Claro que o nosso Ministro tem sempreajudas de custo e os nossos Directores Gerais ajudas de representação, portanto nem sentemessa dificuldade, mas acho que devia haver uma grande pressão social para os funcionários doMinistério da Educação terem uma bolsa de consumo intelectual.

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Sessão Paralela

Trabalho experimentalno 1º Ciclo.Que materiais para o ensinoexperimental no 1º Ciclo?

Moderadoras:

Professora Isabel MartinsProfessora Gabriela Ribeiro

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Isabel MartinsUniversidade de Aveiro

sta sessão de trabalho está subordinada ao tema do trabalho experimental no 1º Ciclo:que materiais para o ensino experimental. Pretende promover o intercâmbio de opiniões

entre os participantes; lançar algumas questões; recolher respostas com base em experiênciaspessoais e/ou pelo contrário decorrentes dessas vivências; levantar e colocar novas questões queconstituirão elas mesmo desafios para intervenções no futuro.

O facto de estarmos hoje no início de uma sessão, no primeiro dia de uma sessão queaborda um programa que tem três anos de vigência, num número crescente de escolas, é umaexperiência extremamente gratificante para todos aqueles que ao longo destes anos se foramprogressivamente envolvendo nela.

A questão "que materiais para o ensino experimental no 1º Ciclo", é muito abrangente edesafiadora, porque pode ser encarada sob múltiplos aspectos. E sem querer ser exaustiva euvou ousar referir algumas das dimensões possíveis.

Numa primeira perspectiva podemos considerar como materiais os recursos escritos, istoé, os textos, os livros de texto, os guiões para professores, os CD-Roms, os vídeos, os filmes, osprogramas de computador. Podemos fazer uma leitura nesta perspectiva. Podemos porque o tra-balho experimental não os exclui, aliás, precisa deles para suportar muita da informação que serecolhe e que é a base do próprio trabalho experimental.

Mas também podemos olhar para a questão dos materiais do ponto de vista mais físico,isto é, que modelos, que maquetes - por exemplo esta exposição é riquíssima em materiais dessanatureza -, que kits didácticos, que materiais de uso corrente… Isto é, vamos fazer experiênciasno 1º Ciclo à custa de materiais de todos os dias das nossas casas, ou, pelo contrário, há tam-bém necessidade de adquirir materiais específicos para o ensino experimental?

E depois, que meios, isto é, que recipientes usamos, que máquinas vamos ter de impro-visar: são coisas que usamos no quotidiano, por exemplo, material de desperdício, ou são coisascompradas para fins específicos?

Isto é outra leitura que podemos fazer dos recursos. Mas também podemos ir mais longee podemos, por exemplo, perguntar: em que instalações é que vamos realizar o trabalho expe-rimental, vamos usar as nossas salas de aula? Se calhar sim, porque não, mas poderemos sermais ambiciosos, podemos pensar que também no 1º Ciclo podemos ter salas próprias para oensino das ciências.

Poderemos nós ambicionar ter laboratórios de ciências no 1º Ciclo? E com que equipa-mentos? E depois, como é que os alunos vão neles trabalhar? Vão trabalhar com as suas roupas

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do dia-a-dia, ou também queremos ter roupas de protecção, por exemplo batas, equipamentosespecíficos, luvas, óculos de protecção, material de segurança,…

Tudo isto são questões, áreas, temas que eu gostaria que os participantes pudessem vir aabordar. São alguns dos aspectos sobre os quais podemos enquadrar a discussão de "que mate-riais para fazer trabalho experimental no 1º Ciclo".

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Gabriela RibeiroUniversidade do Porto

Eu gostava de começar por vos dizer aquilo que vocês se calhar sabem melhor que eu, masacho que é importante referir que muita coisa mudou desde que começou o Ciência Viva nasescolas de 1º Ciclo. De facto, o 1º Ciclo tem sido o "grande abandonado" mas nasceu algumaesperança no 1º Ciclo, porque muitos materiais foram fornecidos e os projectos que surgiramda parte das escolas foram apoiados. Penso que praticamente todos foram apoiados. E isso éalgo que nos estimula. Mas por falar em estímulo, obviamente que estas coisas, se não sãoenquadradas e estruturadas, se tornam difíceis de continuar e de se manter de pé. Portanto,quero também levantar mais algumas questões. A moderadora enumerou as questões, do pontode vista dos materiais, e penso que foi bastante exaustiva. Vou apenas acrescentar mais algunspontos que talvez também estejam relacionados com isto e que são também importantes.

A questão da formação dos professores, e também da coordenação dos projectos dentrodas escolas, eventualmente da especialização em determinadas áreas, neste caso concreto naárea das ciências, é um aspecto importante que pode dar força e suporte a todo este projecto.Outras questões além das levantadas pela moderadora: materiais mais sofisticados, cadernosexperimentais de apoio, etc.; por quem é que eles serão feitos, de que forma é que eles hão-desurgir, para que tipo de grupos, e que interdisciplinaridade dos trabalhos dentro do 1º Ciclo.

O 1º Ciclo é uma área de estudo em que de facto a interdisciplinaridade é fundamental eisso é, talvez, das coisas mais entusiasmantes a nível dos vários níveis de ensino. Essa interdisci-plinaridade, essencial à visão actual da Ciência, tem de ser muito multidisciplinar, embora sejamuito especializada.

Nós estamos muito habituados a trabalhar com materiais simples, materiais do dia-a-dia.Mas eu não queria deixar de focar o aspecto de passarmos a usar também alguns materiais maissofisticados e concretamente o computador, inclusivamente no trabalho experimental. Nós sabe-mos que em muitas das escolas existem os Nónios, existem, portanto, computadores que foramadquiridos muitas vezes com o trabalho extra dos professores e penso que não têm sido muitoutilizados no trabalho experimental. Têm sido muito usados como processadores de texto eagora, com os computadores ligados à Internet, para a comunicação, mas penso que é impor-tante começar a pensar na utilização dos computadores no trabalho experimental, porqueactualmente a Ciência faz-se muito à base da instrumentação e se nós queremos uma ciênciacontemporânea na escola temos de começar desde pequenos a utilizar os meios e as tecnolo-gias que se utilizam actualmente na Ciência.

Não quero alongar-me mais, mas há dois aspectos que eu acho importantes. Um é o do

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TRABALHO EXPERIMENTAL NO 1º CICLO

currículo: que currículo; como é que o ensino experimental das ciências se liga com esse cur-rículo; e que currículos vão ser definidos. Diz-se que vai haver alterações de currículos e é impor-tante pensar que currículos é que estimularão mais o trabalho experimental.

O outro aspecto é o da organização escolar: os professores manterem-se ou não se man-terem de forma a dar continuidade aos projectos; a ideia da coordenação dos projectos poderser continuada dentro das escolas – e isso prende-se, obviamente, com a interligação doMinistério da Educação e com todo este esforço que é feito pelo Ministério da Ciência –, tam-bém é importante.

Portanto há aqui dois aspectos, mas ainda podemos pensar em mais, como a questão dosagrupamentos e das novas gestões, que também tem muito a ver com o ensino experimental,visto que poderá haver ligações com outros níveis de ensino e que fará pensar no ensino expe-rimental numa perspectiva já mais vertical e de ligação. Como sabemos, há zonas do país, ondeos meninos vão para a mesma escola de 2º Ciclo. É importante essa ligação que às vezes não seconsegue fazer. Se calhar estou a levantar questões de mais, mas estava a tentar ser exaustivarelativamente a esta problemática. Obrigado.

PEDRO SARREIRA,ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DE LISBOA

Achei extremamente pertinentes as questões que foram lançadas para debate e gostavade referir alguma experiência que tenho tido nos dois últimos anos Ciência Viva. A ESE tem tra-balhado com algumas escolas de 1º Ciclo, 2º Ciclo, e este ano também de Ensino Pré-escolar.

Relativamente aos materiais, nós temos trabalhado essencialmente com materiais de usocorrente e julgamos, até agora, que é a maneira mais fácil de trabalhar com crianças deste nívelde ensino, primeiro porque são materiais de fácil aquisição, depois porque muitas vezes sãomateriais que nós deitamos fora, como garrafas de plástico, latas, sacos de plástico, etc, que per-mitem fazer experiências com ar, com água, experiências de som, experiências de solos… Sãoimensas as experiências que se podem fazer com materiais de uso corrente.

É claro que há alguns materiais como ímans, fios eléctricos, lâmpadas, para fazer expe-riências de magnetismo ou de electricidade, que requerem algum investimento. Portanto, éimpossível fazer trabalho experimental sem custos. Mas há muito material que tem praticamentecustos nulos, como é o caso dos materiais de desperdício que muitas vezes nós deitamos fora eque podem ser usados para realizar diversas experiências. Essas experiências, embora sejamreferidas em alguns livros, exigem o apoio de uma explicação do fenómeno que ocorre (comointerpretar, etc.), que há-de ser trabalhada pelas crianças. Se a experiência é realizada e não háum trabalho de discussão, cai um pouco no vazio e é entendida como uma espécie de magiaque aconteceu ali e não dá muitos frutos em termos de Ciência.

Relativamente ao computador, eu não sei até que ponto é que a sua utilização como apoioao trabalho experimental, ao nível do 1º Ciclo, é necessária. Não sei se isso não seria melhor para

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SESSÃO PARALELA

níveis mais avançados, quer dizer, não vejo, pelo menos à partida, como é que se pode intro-duzir o computador como auxiliar do trabalho experimental. Não digo que não possa ser uti-lizado, mas à partida não estou a ver. Relativamente aos espaços, acho que isso é um problemaque se levanta e, nas escolas que têm trabalhado connosco, põe-se o problema de em queespaços é que se realizam as experiências.

Algumas podem ser realizadas na sala de aula, mas é difícil ter todas as crianças a realizara experiência ao mesmo tempo e então o ideal seria ter um cantinho de experiências em quequatro ou cinco alunos, de cada vez, pudessem fazer a experiência. Este ano houve uma escolaque propôs, e com sucesso, que quatro ou cinco crianças realizassem a experiência e depoisrelatassem ao resto da turma as suas conclusões. De seguida todas as crianças faziam a expe-riência, também em grupo. Há falta de espaços na escola para guardar os materiais e pararealizar o próprio trabalho experimental.

Todos os problemas que foram colocados, como a questão os professores se manterem ounão na escola são realmente problemas concretos e reais. Aconteceu que pessoas que tinham tra-balhado connosco o ano passado e que iriam trabalhar este ano deixaram de trabalhar connoscoporque mudaram de escola. Quanto à realização de textos de apoio, que é uma coisa que fazimensa falta, põem-se aqui alguns problemas de tempo e de formação. Quem vai fazer esses tex-tos de apoio e esses cadernos, em geral, são pessoas que têm aulas para dar. São professores ouem universidades ou em escolas superiores. É um bocado complicado conciliar isto tudo.

Eu acho que aqui o Ministério da Ciência tem uma palavra a dizer, tem que arranjar pes-soas para fazer este tipo de trabalho e libertá-las das suas aulas. É muito difícil, para quem tema sua carreira como docente conseguir, ao mesmo tempo, fazer textos de apoio, fichas, oucadernos. O que acontece é fazerem-se algumas actividades mas não é um trabalho perma-nente. São algumas actividades, apenas. A maior parte do tempo as pessoas têm de estar a tra-balhar para as suas aulas. Muito obrigado.

MARGARIDA MÓNICA, ESCOLA Nº 4 DE AVEIRO

Em relação aos materiais relatados pela Drª Isabel, coordenadora do projecto Ciência Vivada Universidade de Aveiro, do qual nós fazemos parte, julgo que, realmente, sem algum mate-rial específico, eu não teria realizado algumas experiências que fiz, porque o material do quo-tidiano não dá para tudo. Veja-se o exemplo da experiência que veio para o Forum, a da análisede uma gota de sangue, proposto por uma criança. Inicialmente experimentámos com uma lupamas não se viu nada. Se não tivéssemos microscópios fornecidos pelo Ciência Viva, nuncateríamos feito um trabalho interessantíssimo que fizemos a partir dessa análise, porque inclusi-vamente tratava-se de uma gota de sangue de uma criança negra, a única que temos na sala. Econcluímos que há "fantasmas" dentro das crianças, como nós adultos também os temos.Quem ler o texto do Forum vê que fui eu que piquei o dedo, para que não o picassem elas, e

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TRABALHO EXPERIMENTAL DO 1º CICLO

elas observaram e concluíram. Realmente o microscópio foi fundamental. As experiências devemser feitas, umas com material do quotidiano, outras com material específico.

Desde muito cedo, as crianças respeitam o material, sabem as regras que devem conduzir.Nunca tivemos qualquer incidente com material. Em relação à sala de experiências, eu tenhouma grande dificuldade em realizar as experiências na minha sala, porque tenho regime duplode manhã, e outra colega desdobra comigo. Com uma sala cheia de meninos doutro ano – eela não faz parte do Ciência Viva – o que acontece muitas vezes é que tenho de arrumar o mate-rial e, como não tenho uma sala, tenho de o por num armário, para que no dia seguinte sejaretirado. Eu acho fundamental que haja uma sala, um espaço disponível, uma sala de experiên-cias, um mini-laboratório. A sala de experiências é fundamental.

Em relação ao Ciência Viva, desde que estamos neste projecto, os meus alunos têm apren-dido muito mais. São tão entusiastas a fazer as experiências que não me largam. Há dois anos sóque estou no projecto e foi óptimo para as crianças. Penso que lhes deu outra visão, outro crescer.

Em relação ao computador, nós ainda não conseguimos arranjar um. Para processamentode texto penso que é fundamental, tudo o que eu faço, tal como as outras colegas, é à mão,mas não sei como utilizá-lo no trabalho experimental. Se fosse possível gostaria de saber.

GABRIELA RIBEIROJá agora respondo a essa questão. Nós podemos usar o computador. Vou dar só um exem-

plo concreto: temos uma actividade proposta, no nosso projecto, em que os alunos estudam ostermómetros e portanto estudam o estabelecimento do equilíbrio térmico. Vão medindo a tem-peratura ao longo do tempo, por exemplo, e depois traçam os gráficos para o estabelecimentodo equilíbrio térmico. Ora o computador estaria ligado a uns sensores que são termómetros. Econstruiria gráficos em que os meninos poderiam ter a variação de temperatura ao longo dotempo, e o estabelecimento de equilíbrio térmico. Tudo isto com uma vantagem: fazer issoquando não estam presentes, à noite, sem os meninos estarem presentes. Outro exemplo tema ver com os projectos interdisciplinares que depois têm um tratamento matemático.

Foi referida a questão da interdisciplinaridade. Acho que somos uns privilegiados no 1ºCiclo, devido à monodocência. Aí podemos realmente fazer essa interdisciplinaridade; não sei seacontece nos outros. Obrigada.

ASCENÇÃO, ESCOLA DA MAIA

Há dois anos que a nossa escola está ligada ao Ciência Viva, através da Drª GabrielaRibeiro. Claro que nem toda a escola está envolvida – tem 18 turmas no 1º Ciclo – mas há umgrande grupo que participa.

Quando pedi para intervir não queria falar sobre o aspecto do computador, mas gostariade acrescentar, relativamente aos termómetros, que algumas turmas do 4º e do 3º ano fizeram

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SESSÃO PARALELA

o trabalho de estudo da temperatura durante dois meses com os termómetros de máxima e demínima que nós adquirimos pelo Ciência Viva.

E tiveram um papel, um efeito sobre as crianças, de muito maior descoberta do que sefosse propriamente por meio de um computador. Esta fase em que elas viram a temperaturasubir e descer, às 8, às 12, às 14, e às 16 horas, quatro registos diários, deu para elas própriaspoderem verificar a mínima e a máxima, e fazer os vários registos. Foi o momento de aprendera traçar o gráfico, quer de barras, quer em linhas, e sem computador.

Outro aspecto que realmente me levantou alguma interrogação foi o do currículo. Não seipropriamente o que a Drª Gabriela quis levantar quando pôs a questão. Quando eu penso emcurrículo penso no programa que temos para dar ao nível do 1º Ciclo, e no que queremos queas crianças saibam. Essa, se calhar, é uma fobia que entra na cabeça de muita gente, e que secalhar leva muita gente a evitar gastar mais duas horas por semana a fazer algumas experiências.Na minha turma, e em outras, a Terça-feira é o dia de ir experimentar, de fazer experiências deFísica ou de Química, ou numa horta que temos. Muitas colegas têm o problema do programapara dar e por isso levantam muitas questões: "Vamos fazer experiências e as crianças gostammuito, mas depois não temos tempo para as outras coisas". Causa alguma angústia.

Por outro lado, alguns professores não sabem fazer algumas coisas. Eu sou professora do1º Ciclo mas, antes de tirar o curso, fiz o 7º Ano, alínea F. Portanto, eu já tinha feito experiên-cias de física, botânica, mineralogia. Entrar agora nas ciências experimentais e trabalhar comcrianças é uma coisa que não me custa, que me dá prazer. Para outras colegas, que não têmessa aptidão, não é tão fácil assim. E se calhar é importante que haja alguém muito disponívelpara fazer coordenação e para implementar algum trabalho, entre as turmas, os materiais quesão necessários, as saídas à horta, etc.

Relativamente aos textos, é bom que sejam produzidos por algém com conhecimentossuperiores mas não é suficiente fazê-los sozinho, porque quem está na base e sabe como lidarcom essa criança tem uma experinência que é preciso ter em conta. Tem de haver participaçãodos dois elementos.

Nós fizemos muitas experiências sobre a água. Nessa linha começámos a pensar numa visi-ta a uma barragem. Juntámos todos as cinco turmas do 4º ano, fomos a Crestuma, e tivemos afelicidade – não estávamos a contar – de ver um barco a entrar na eclusa. Estudámos o sistemados vasos comunicantes e fizemos essa experiência. Agora andamos a estudar a electricidade.Tudo isto dá muito trabalho mas é motivador. É isto que eu queria dizer.

LUCIANA TRAQUEIA,PROFESSORA DE FÍSICO-QUÍMICA NA ESCOLA INTEGRADA DE EIXO

Este ano, por circunstâncias ocasionais, estou a colaborar no projecto Ciência Viva com osprofessores do 1º Ciclo, concretamente com uma professora. Colaboro a nível de coordenaçãode actividades e a tirar algumas dúvidas científicas que a colega tem. E a experiência foi muito

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rica, também a mim me fez muito bem. Pelo facto de ir aos níveis mais baixos aprendi coisas aque muitas vezes não ligava. Foi muito útil essa colaboração.

Em relação à carência de materiais eu penso que seria uma boa opção a colaboração comos professores do 3º Ciclo, porque nós temos, felizmente, muitos materiais e temos espaço,temos laboratório. Poderia haver colaboração com os professores do 1º, do 2º, do 3º Ciclo. Issoresolvia alguns problemas, porque me parece importante a utilização de materiais mais científi-cos. Não me parece que só uma garrafinha chegue. Os alunos gostam de coisas sofisticadas,gostam mais de ver coisas mais elaboradas. Eles têm muitas solicitações no dia-a-dia e gostamde trabalhar com o computador, de ver as ligações eléctricas… São materiais que o 1º ciclo nãotem condições de adquirir mas, em colaboração com o 3º Ciclo, parece-me que os professorespodem fazer muitas outras actividades. Obrigada.

MEMBRO DA ASSEMBLEIASou professor do 1º Ciclo no Agrupamento de Escolas do Fujacal, de Braga. No ano pas-

sado iniciámos o Programa Ciência Viva na escola. No ano anterior, 96/97, tínhamos uma cole-ga que numa escola com 12 turmas fez umas coisas engraçadas. E quando nos foi lançado odesafio de implantar o projecto com força na escola, achámos que devíamos responder a essedesafio e levámos isso para a frente, com a colaboração da Drª Gabriela. Aceitámos o projectoporque acho que as solicitações que são feitas aos nossos alunos são muito grandes.

Eles têm segas, televisões a cores, computadores enquanto as escolas têm espaços – qua-tro paredes – onde o professor sente uma dificuldade tremenda para comunicar seja o que for.E e a dificuldade é ainda maior se aquilo que se pretende comunicar é uma comunicação ver-bal, sem nada que estimule. Neste sentido entendo que o projecto Ciência Viva vem, de certamaneira, agarrar os nossos alunos para que nós consigamos motivá-los e despertar-lhes alguminteresse.

No caso do Agrupamento do Fujacal, que engloba uma escola do 1º Ciclo e Pré-primária,estamos a desenvolver o projecto ao nível do 1º Ciclo, mas estamos já a fazer um estudo, etemos reunido periodicamente com uma equipa para que, no próximo ano, possamos desen-volver o Ciência Viva também na pré-primária. Acresce dizer que concorremos ao projecto so-zinhos, portanto temos uma verba disponibilizada só para nós, e no próximo ano daremos con-tinuidade ao projecto tentando abranger já a pré-primária.

Daquilo que os colegas disseram, eu queria salientar alguns aspectos, nomeadamente emrelação à utilização do computador. A primeira intervenção que eu ouvi dizia que a utilizaçãodo computador era interessante mas talvez numa faixa etária mais elevada. Da experiência quetenho, apesar de ser curta, parece-me que talvez seja exactamente a faixa etária para começara trabalhar com os miúdos no computador. Eles têm uma sensibilidade muito grande em ter-mos de utilização do computador. Eu tenho dois filhos e eu fiz um curso de 60 horas. Sou umleigo a mexer naquilo. Ora os meus filhos, depois de eu ter comprado o computador, passados

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SESSÃO PARALELA

três ou quatro dias, sabiam muito mais do que eu. A minha filha tem sete anos e o meu filhonove. Penso que é a idade ideal para se começar a mexer no computador. Mas isto levanta ou-tras questões: há computadores nas escolas? Há apoio para se poder trabalhar com os com-putadores?

Outro aspecto focado foi o da vinculação dos professores. É uma situação preocupante,porque eu o ano passado no meu agrupamento de escolas tive 11 professores a fazerem CiênciaViva. Desses 11, cinco mudaram de escola e eu consegui apanhar, dos novos que vieram, dois,o que significa que os outros ficaram de fora.

Quando nós pretendíamos uma certa evolução, houve diminuição de pessoas a desen-volver o projecto e isso tem a ver exactamente com a vinculação dos professores aos seus locaisde trabalho. Isto leva-nos a pensar na disponibilização de um coordenador para o projectoCiência Viva, que é extremamente importante para dar o apoio.

Um outro aspecto que aqui foi focado foi o do programa. A colega colocava a questão de"se eu desenvolvo o projecto Ciência Viva, se desenvolvo actividade experimental, fica-me aoutra matéria para dar". Eu não tenho essa visão. Penso que quando estava a fazer Ciência Viva,e ao procurar aqui a interdisciplinaridade, nós estamos a complementar as diversas áreas, paraalém disso podemos ir mais fundo e até por arrasto vamos buscar as outras matérias. O que faltaaqui, na minha perspectiva, é informação e formação, no sentido de nos conseguirmos articu-lar num trabalho inicial, logo no princípio do ano, com todos os conteúdos de maneira que pos-samos interligá-los e desenvolver o projecto na sua globalidade.

O último aspecto que eu quero focar é a falta de espaços. Eu sou de uma zona onde oratio de aluno por escola é 2,5, quando a média devia ser, salvo erro, 1,3. Temos escolas queforam construídas para 400 alunos, e têm 1800. Lutamos com uma grande dificuldade deespaços.

Não tenho dúvida que desenvolver projectos Ciência Viva numa sala apropriada seria oideal. Numa sala onde todo o material estivesse disponível, e onde os meninos tivessem acessoa tudo, a informação e a comunicação seriam muito mais sólidas. No meu entender o espaço éfundamental.

TERESA PIRES, AVEIROA minha intervenção prende-se com o aspecto da vinculação de professores. Concordo

com a visão que tem sido aqui dada, mas por outro lado também sinto que, por vezes, a mobi-lidade dos professores pode contribuir para "incendiar" ânimos noutras escolas. Estou a dar estemeu testemunho porque eu estou no Ciência Viva há três anos, um ano em cada escola. O queacontece é que no primeiro ano, ano de lançamento, deixámo-nos inflamar muito por estassituações de Ciência Viva. A escola onde eu trabalhei ficou inflamada. E continuou entusiasma-da depois de eu sair. No ano seguinte todos os professores aderiram ao Programa. E com aminha mobilidade para outra escola que não tenha sido abrangida no ano anterior, consegui

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passar o testemunho na escola onde fui colocada e "incendiámos" mais três professores. Essesprofessores continuaram entusiasmados e este ano eu vou ficar numa escola onde já haviaCiência Viva. Portanto, eu sinto que o importante é o "bichinho" ficar dentro de nós. Não achoque seja assim tão importante existir um coordenador, porque o rótulo coordenador podedeturpar um bocadinho as coisas. O mais importante é haver formação e informação junto dosprofessores e nós próprios deixarmo-nos entusiasmar e não negarmos aquilo que é natural, queé o desenvolvimento das ciências nas escolas do 1º Ciclo.

ISABEL MARTINSPermitam-me que faça o ponto da situação. Houve intervenções muito importantes. As

questões que, de uma maneira assim um tanto cautelosa, procurei lançar tiveram algum eco juntodos colegas. Houve temáticas que foram, de facto, abordadas por quase todos, nomeadamente:ensinar ciências pela via experimental, com que meios, com que livros, com que textos de apoio,com que recursos materiais, com que equipamentos e onde, com que espaços…

É possível, de facto, fazer experiências no 1º Ciclo, bem como nos outros ciclos, comequipamentos de uso corrente, mas há coisas que não podem ser feitas e foram aqui evocadas.Recordo que muita gente tem do conceito de termómetro apenas o conceito de termómetroclínico. E quando são confrontados com um termómetro de laboratório julgam que o mercúriose desloca na escala e que é preciso sacudir, como se faz com o termómetro clínico. Portanto aexistência de termómetros para uso laboratorial no 1º Ciclo é de facto fundamental. A questãodo equilíbrio térmico passa logo pela utilização do termómetro. Mas é preciso microscópios, épreciso termómetros, é preciso balanças… Em muito da experimentação que nós queremosfazer, se não tivermos uma medição de massas também não podemos tirar uma conclusão.

Em relação à questão dos espaços, eu acho que agarraram nela duma maneira fantástica.Os professores do 1º Ciclo têm de ser ambiciosos e não podem ser nem conformistas nem con-formados com aquilo que têm. Temos de saber exigir, mas para podermos exigir temos de sabero quê e temos de ter fundamentos para o fazer. E só podemos exigir se formos capazes demostrar trabalho a esse nível. Quem nunca fez nada pode socorrer-se da opinião dos outros edizer que nunca fez porque precisa disto e daquilo. Mas se for capaz de mostrar que já fez algu-ma coisa e que pode ir muito mais longe se tiver outros recursos, então não haverá nenhum se-nhor político, culto do ponto de vista científico, que seja indiferente a essa exigência, a essescomentários.

Penso que o Programa Ciência Viva, ao longo destes anos, facultou aos professores os fun-damentos científicos para serem exigentes a respeito dos meios e dos recursos que julgam hojeindispensáveis numa escola do 1º Ciclo.

Ainda ninguém fez qualquer comentário sobre a questão dos equipamentos de segurança.Eu gostava de desafiar os presentes para ver se alguém tem alguma experiência engraçada pararelatar sobre isso e o que é que pensam efectivamente: se é preciso medidas especiais, ou se isso

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é uma questão menor, se aquilo que a gente faz no 1º Ciclo não é, afinal de contas, tão perigosoque necessite de uma protecção especial, ou se, pelo contrário, a tivéssemos poderíamos irmesmo mais longe. Quem desejar pode intervir.

MEMBRO DA ASSEMBLEIAEu ponho aqui a questão de segurança em termos de saúde, por exemplo relativamente

aos termómetros nós tivemos. Não foram as crianças que os partiram, mas apareceram partidostrês termómetros.

Eu não sei exactamente qual era o efeito. Foram as crianças as primeiras a dar conta dotermómetro partido. Eu não os deitei fora. Recolhi-os com papel de alumínio. Não sei se fiz bem,se mal. Tentei isolar aquilo, mas reconheço a minha ignorância. Penso que pode haver algumrisco para a saúde, nestes casos, com coisas tão elementares que podemos eventualmente terna nossa casa. Como é que nós professores deveríamos ter procedido nestas circunstâncias?

GABRIELA RIBEIROOs termómetros que vocês têm não são de mercúrio. Tivemos esse cuidado, de não serem

de mercúrio. E quando vocês estão a trabalhar com os termómetros e, por exemplo, com cir-cuitos eléctricos, que usam todos aqueles cabos, etc., e cujos fios que podem magoar os olhos,vocês costumam usar óculos?

MEMBRO DA ASSEMBLEIAAinda não temos os óculos; ainda não chegaram. Na parte da electricidade, quando nós

estivemos na barragem, o técnico que nos recebeu fez referência à passagem da corrente.Quando ultrapassava ou atingia os 48 volts já era um risco para a saúde. Como a corrente quenós estamos a produzir é inferior a isso, só se com alguma engenhoca de algum conseguirmosalguma coisa que não esteja bem.

Neste momento, penso que o meu recurso será o meu marido que é eng. electrotécnico.Neste momento já lancei uma pista para construir alguma coisa que possa dar informação, paradepois estender às colegas que queiram fazer. Tenho pouca infromação sobre electricidade ereconheço que a formação de que há pouco se falava é muito importante. A partir de determi-nado limite nós não temos mais para fornecer e desconhecemos os riscos. Os professores queestão a ser formados devem ser formados nesta área.

Este ano, como entrámos em agrupamento, temos na escola uma colega que está naminha turma. É o primeiro ano que trabalha e está a ser envolvida neste trabalho da ciênciaexperimental. Está a gostar imenso, mas ela diz: "No ano passado, no estágio, não fiz nada".Ela admite que não sabe fazer. Eu já tirei o curso há 25 anos. Quem está a sair agora está noutraperspectiva, tem outros aliciantes. É importante, muito importante, que esta formação comecejá, de base.

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TRABALHO EXPERIMENTAL NO 1º CICLO

PEDRO SARREIRA,ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DE LISBOA

Acho que não me expliquei muito bem na primeira intervenção, nomeadamente relativa-mente aos computadores no 1º Ciclo, e em relação à realização de textos de apoio ou materiaispara a formação de professores.

Relativamente aos computadores, eu sou um adepto incondicional dos computadores, equando eu me referi que talvez fosse um pouco cedo no 1º Ciclo, era relativamente aos com-putadores como auxiliares do trabalho experimental. Mas a Professora Gabriela já referiu doisexemplos de utilização dos computadores. Concordo que, nesse aspecto, será uma óptimaaltura para introduzir os computadores.

Relativamente aos computadores, seja como processador de texto, seja como suporte paraactividades multimedia, utilizando jogos e programas educativos, CD-Roms, etc. acho que é umaferramenta fundamental no ensino actual, não só das ciências mas de todas as áreas. A idadedo 1º Ciclo é a idade ideal para introduzir o computador, ou pode ser ainda mais cedo.

Relativamente aos textos de apoio, na minha experiência de Ciência Viva, na EscolaSuperior de Educação, tenho tido oportunidades de trabalhar com alguns professores do 1ºCiclo. E tenho tido oportunidade, também, de ver registos desses mesmos professores, dealguns educadores e de professores do 2º Ciclo. E embora haja uma boa percentagem de pro-fessores que explora as experiências correctamente e portanto dá informações correctas às crian-ças, tenho vistos alguns registos, não muitos felizmente, em que a exploração está mal feita, emque há respostas erradas, como por exemplo, "uma pedra vai ao fundo porque é mais pesadado que a água" e não "porque é mais densa do que a água". Então eu digo: "E se for 1m3 deágua e uma pedrinha pequenina, será que a pedra ainda é mais pesada que a água?" E comoeste exemplo, há muitos em que os professores exploram erradamente as experiências. Nestesentido eu acho que a formação dos professores terá de ser feita por quem tem muito à-von-tade em todos estes assuntos da Ciência, e a realização destes textos de apoio não pode ser feitasó por pessoas da universidade, nem da escola superior, ela terá sempre que contar com o tra-balho dos professores que estão no terreno, porque eles é que conhecem as crianças e sabematé onde é que elas conseguem ir, sabem as suas dificuldades, etc. Mas terá que contar, tam-bém, com pessoas que tenham a formação. Acho que equipas de vários níveis, em vez de multi-disciplinares, seria o ideal. Lanço aqui o repto, ao Ministério, de criar algumas equipas para pro-duzir materiais que pudessem ser distribuidos às escolas, bem como kits de experiências.

O que nós temos tentado produzir lá na escola são kits, caixinhas que nós comprámos nosupermercado, em que introduzimos os materiais que são necessários para cada experiência, euma ficha com o procedimento experimental. Este tipo de materiais existe tão pouco… Eraimportante e iria facilitar muito o trabalho dos professores nas escolas.

Relativamente à segurança, em tudo o que temos feito para o 1º Ciclo temos tido umgrande cuidado. Fazemos experiências em que não há muitos riscos.

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SESSÃO PARALELA

Quando há qualquer coisa que é preciso aquecer, esse aquecimento é sempre feito peloprofessor e não pela criança; trabalhamos o mínimo possível com vidros e mais com plástico.Temos tido muito cuidado, mas eu julgo que é a idade adequada também para começar a intro-duzir as regras de segurança. Obrigado.

CACILDA FERREIRA,ESCOLA SECUNDÁRIA DE LEIRIA.

Não tenho experiência no 1º Ciclo mas de qualquer modo eu gostava de deixar aqui umaexperiência que nós tivemos na minha escola acerca da formação de professores.

A formação de professores em áreas científicas parece-me uma coisa muito complicada deadquirir, e neste sentido na minha escola o que fizemos foi um projecto de formação científicaespecífica na área da Química. Apresentámos o projecto de formação sob a forma de Ciclo deEstudos ao Centro de Formação de Professores. Arranjámos o formador e fizemos funcionar umCiclo de Estudos, em que, ao mesmo tempo que fazíamos as experiências, fomos construindoum caderno de trabalho experimental adequado ao nosso nível de ensino e de trabalho. Ocaderno foi elaborado e discutido, com os professores suficientemente formados, para depois oimplementar e o tratar com os alunos. Parece-me uma ideia a aproveitar e, por isso, eu não quisdeixar de a expor. Relativamente à segurança, eu acho fundamental introduzir essas questõeslogo nos alunos mais pequeninos, porque isso implica incutir rigor na realização das experiên-cias. Parece-me fundamental.

Acerca do computador, penso que as duas linhas que foram defendidas são perfeitamenteconciliáveis. É fundamental que os alunos construam o gráfico, como foi dito, mas tambémpodem fazer registos através de computador depois fazer o estudo comparativo e a discussãodos resultados obtidos pelas duas vias.

GABRIELA RIBEIRORelativamente à formação, acho que temos de a procurar recorrendo a outras linhas de

apoio. A formação é apoiada concretamente por outras linhas diferentes do Ciência Viva epenso que devemos recorrer a elas e conjugar os dois aspectos para podermos ter a formação,como a colega falou há bocado, no Ciclo de Estudos ou noutros projectos.

Relativamente à segurança e concretamente na questão dos circuitos eléctricos, que fazparte do programa do 4º ano de escolaridade, como todos sabemos, trabalhámos só com pi-lhas, mas é óbvio que os miúdos têm tendência a perder o medo da electricidade que tinhamantes, e então podem resolver: "Vamos fazer experiências em casa". E uma das questões fun-damentais que nós colocámos nas nossas fichas de actividades foi alertar os miúdos para os peri-gos de utilização da electricidade em casa. Nem tudo são pilhas. Interpretar os sinais relativa-mente a esses aspectos, como o de perigo de morte, é fundamental.

Outro aspecto de que nós falámos foi a questão da ligação das crianças à família no que

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diz respeito a actividades científicas. Nós estimulamos muito o trabalho de casa, que consiste narealização de algumas actividades que podem ser feitas em conjunto com os pais e que podelevar, por outro lado, a que os pais também se interessem por estas coisas. No fundo, as criançasacabam por ser um veículo de divulgação científica e de interesse pelas questões da Ciência paraos próprios pais, além disso permitir uma ligação mais forte entre pais e filhos. Este é outroaspecto a que devemos dar atenção.

ISABEL MARTINSSeria interesssante que alguém se pronunciasse sobre a questão da formação inicial de

professores. Há aqui algumas pessoas experientes da formação inicial de professores e que secalhar poderão dar algum testemunho pessoal sobre essa questão.

OLGA SARAIVA, AVEIRO.

Tenho tido grupos de estágio de professores de 1º ciclo. Acho que, realmente, na for-mação inicial existe alguma falha porque as futuras professoras trazem muitas dificuldades aesse nível. Essas falhas poderiam ser colmatadas, pois elas estão dentro da universidade e pode-ria ser dado algum ensino, algum caminho, que as pudesse ajudar nesse trabalho futuro.Logicamente elas ainda estão a ser formadas no estágio, mas é essencial uma formação inicial,facultada pela universidade, para que se possa caminhar nesse sentido. Obrigada.

FERNANDA COUCEIRO, PROFESSORA DO 1º CICLO, ASSISTENTE CONVIDADA NA UNIVERSIDADE DE AVEIRO

O facto dos professores do 1º Ciclo estarem nesta fase com muitas dificuldades no ensinodas ciências significa que no seu percurso não tiverem formação para isso. Mas estamos todosempenhados em andar para a frente, em termos os conhecimentos suficientes para que a apren-dizagem dos nossos alunos seja uma realidade. É evidente que os professores do 1º Ciclo têmum leque enormíssimo de preocupações que não é só do ensino das ciências. Mas o ensino dasciências faz parte de uma cultura. E só se é culto quando também se é culto cientificamente.Essa cultura tem de começar na escola e a escola pode ser o veículo para chegarmos às própriasfamílias.

Por outro lado, a formação inicial tinha sido feita, até aqui, ao nível do bacharelato.Portanto, havia muitas lacunas. Com a investigação ao nível do ensino das ciências a dizer quecada vez é preciso começar mais cedo, também os professores do 1º Ciclo, e os educadores deinfância, devem ficar incluídos no processo, porque no Jardim de Infância já se pode fazer muitode ensino e de trabalho nas ciências de modo a levar as crianças a ter gosto por esta área.

Eu só posso falar da Universidade de Aveiro, onde a formação dos Professores do 1º Cicloe dos Educadores de Infância deixou de ser bacharelato para ser licenciatura. Os curriculos foram

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SESSÃO PARALELA

revistos, e há um processo completamente diferente também na formação ao nível das ciências.Por outro lado, os professores do 1º Ciclo têm as ciências numa perspectiva integrada,

porque todas as áreas vão culminar no Estudo do Meio: Física, Ciências da Natureza, Química,Geologia… É nesta dimensão que nós temos o Ensino das Ciências. Para além disso, temos aDidáctica das Ciências e temos uma outra vertente que é a dos Projectos Educativos em Ciências.

Portanto, não se trata de um projecto educativo de escola, mas de um projecto educativoem ciências; tem uma outra dimensão; é diferente. Certamente só daqui a uns anos vamos terfrutos desta formação. Todos estamos à espera da nova vaga que vem encher as nossas escolase dar-nos força para que as nossas crianças tenham sobretudo esta força, esta vida e esta von-tade que nós vimos lá fora, porque onde nós víamos crianças, íamos mais depressa e todospercebíamos melhor aquilo que eles tinham para nos dizer. Obrigada.

MANUELAEu gostava de ser optimista como a Fernanda, mas realmente não posso ser, porque acho

que efectivamente é um grande esforço fazer-se qualquer coisa a nível da formação inicial. Estouna formação de professores do 1º ciclo, e, de facto, acho que salvo honrosas excepções, o ensi-no das ciências no 1º ciclo está mau. Mas também acho que não é só no nosso país. Se fossesó no nosso país, se calhar o problema até não era assim tão grande.

O problema é que não é só no nosso país e penso que, de facto, no 1º ciclo, as questõessão muito complexas.

Por outro lado, não gostaria que se passasse agora a considerar que na formação dosmeninos, só são importantes as ciências. Vejo com imensa apreensão, por exemplo, o facto dena minha universidade, o currículo estar mauzinho em ciências, mas está péssimo emexpressões. E é fundamental a área das expressões com crianças destas idades. Há muitas áreasque são importantes.

E também acho, como aqui foi dito, que as pessoas têm de sentir segurança e têm desaber cientificamente o mínimo. É muito perigoso começarmos a julgar que temos de sabertodos muita ciência para despejar em cima dos meninos. Aí, e peço desculpa Isabel, eu tenhoalgumas reticências. Percebo onde queres chegar, mas tenho algumas reticências em relação aosmateriais. Também acho que é importante ter um microscópio, e ter o termómetro, mas se ca-lhar sem o microscópio, sem o termómetro, em alguns sítios cria-se gosto pela ciência. E noutrossítios com muitos termómetros e muitos microscópios fica-se a detestar a ciência.

O meu pressuposto é que o fundamental é, de facto, a formação dos professores, no sen-tido de os fazer ter gosto e sentir um mínimo de segurança. E tanto acho que é assim que é comimenso prazer que eu vejo aqui tantos professores de Aveiro, tão empenhados. Acho que tema ver, também, com a formação que receberam e que os faz sentir seguros, e recorrer às pes-soas que estiveram a trabalhar não para os professores do 1º Ciclo mas com os professores do1º Ciclo.

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TRABALHO EXPERIMENTAL NO 1º CICLO

MEMBRO DA ASSEMBLEIAEstive no Forum do ano passado e, tal como este ano, tive oportunidade de me aperceber

que o Forum é visitado por imensas crianças. Isso satisfaz-me bastante porque é para elas quetrabalhamos.

Mas levanta-se outra questão. Penso que o Norte faz muita Ciência Viva. Seria importanteque se descentralizasse o Forum. Sem querer fazer divisionismo entre Norte e Sul, seria bom quese desse oportunidade às crianças do Norte de poder visitar uma exposição deste género.

Era para mim um ponto de honra pôr as crianças a fazer Ciência Viva num Forum destegénero, mas seria muito caro trazê-las aqui. Acabei por deixá-las lá. Daí eu entender que tam-bém o Norte deveria ter direito a um Forum para estímulo das nossas crianças.

ISABEL MARTINSEsta intervenção foi muito importante pela chamada de atenção sobre a nossa realidade

nacional. Vamos propôr aos organizadores do Forum esta sugestão e apoiamo-la fortemente.Portanto, conte com duas entusiastas para a sua proposta. Concordo vivamente com a ideia deque o Forum Ciência Viva não pode ser sempre em Lisboa. Muitas outras crianças em muitospontos do país poderiam beneficiar da visita, da participação activa neste Forum, e os profes-sores também podem ganhar com isso. Nós também nos confrontámos com esse problema,porque trazer aqui as crianças é muito difícil.

Foi com muito agrado que nós aqui proporcionámos esta discussão, organizámos estedebate. Ganhámos muito com as sugestões, os comentários, as discordâncias, dos colegas,sobre algumas das questões levantadas.

Faremos um relato sucinto de aspectos essenciais que aqui foram postos, sobretudo aque-les que têm mais relevância para a organização futura de intervenções equivalentes a estas. Queo trabalho com os professores no âmbito do Forum Ciência Viva também possa contribuir parao crescimento do próprio Programa Ciência Viva e do conceito de Forum Ciência Viva. Muitoobrigada a todos pela vossa presença e foi um prazer estar aqui.

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Sessão Paralela

O Ensino experimentaldas ciências em contextosespeciais

Instituto de Reinserção Social

Colégios de Acolhimento Educação e Formação:Colégio Corpus ChristiColégio de S. FielColégio da Bela Vista

Instituto das ComunidadesEducativas

Ass. Portuguesa de Pais e Amigosdo Cidadão Deficiente Mental

Exploratório Infante D. HenriqueCentro de Ciência Viva

CAEF’s

ICE

APPACDM

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SESSÃO PARALELA

Drª Luísa PedroInstituto de Reinserção Social

Instituto de Reinserção Social é uma instituição do Ministério da Justiça e tem 21 equipa-mentos sociais, designadamente Colégios de Acolhimento, Educação e Formação e

Unidades Residenciais Autónomas.Neste caso concreto, irei falar especificamente dos Colégios de Acolhimento, Educação e

Formação que aderiram ao Programa Ciência Viva, e onde estão a decorrer actividades desen-volvidas neste âmbito.

São dez os Colégios de Acolhimento, Educação e Formação (CAEF’s) que se incluem entreos que têm propostas e que estão a trabalhar no âmbito do Programa Ciência Viva. NaDelegação Regional do Porto temos três colégios – o Colégio de Santo António, o Colégio deCorpus Christi e o Colégio de Santa Clara. Na Delegação Regional de Coimbra estão incluidoso Colégio dos Olivais, em Coimbra; o Colégio Alberto Souto, em Aveiro; o Colégio de São Fiel,em Castelo Branco e o Colégio de São José, em Viseu. Na Delegação Regional de Lisboa inte-gram este projecto o Colégio da Bela Vista, o Colégio de Corpus Christi e de São Fiel, o Colégioda Infanta e o Colégio de São Bernardino, em Peniche.

Tentaria, numa primeira abordagem, caracterizar um pouco quais são as atribuições destescolégios.

Estes colégios acolhem rapazes e raparigas dos 12 aos 18 anos e destinam-se, essencial-mente, a executar medidas judiciais decididas pelos tribunais de competência especializada oude competência mista, a acolher jovens por decisão do tribunal ou à ordem policial, e a efectuardiagnósticos para a observação desses menores. Uma vez que se trata de internamento, cumpre--lhes fazer o acolhimento, a educação e a formação no âmbito da escolaridade e da formaçãoprofissional.

No âmbito da escolaridade obrigatória temos cerca de 70% de jovens no 1º e 2º Ciclose mais de 20 % no 3º Ciclo. Estes projectos que têm por modelo as metodologias activas –porque se destinam à observação, à experimentação, à definição efectiva dos interesses e aodesenvolvimento dos interesses destas crianças – são projectos que têm, de facto, a ver coma especificidade dos jovens que estão nestes colégios de educação e formação. Relativamentea estes jovens, a grande maioria tem 14, 15, 16 e 17 anos, são oriundos das zonas metro-politanas de Lisboa e Porto e mais de 70 por cento, são jovens que ou praticaram algum deli-to ou contravenção ou que, efectivamente, estão numa situação de paradelinquência ou devitimização, neste último caso em menor percentagem. Reportando-me a 31 de Dezembro de98, os casos de vitimização representam uma percentagem da ordem dos 20 por cento con-

O

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CONTEXTOS ESPECIAIS

tra e os mais de setenta por cento em que a situação é, de facto, de delinquência ou paradelin-quência.

São, portanto, jovens que necessitam de actividades relacionadas com as suas própriasexperiências, com algo que tenha a ver com vivências passadas que possam vir a ser desen-volvidas duma forma, como diria, com alguma adrenalina Se não for assim, se for da maneiraextremamente morna duma escola tradicional, não colhe a motivação e o interesse destesjovens. E é nestes projectos que efectivamente acreditamos.

Quereria ainda dizer que os temas em que estes projectos incidiram foram, basicamente,em relação à preservação do ambiente e da vida, à questão da reciclagem versus o consumodesenfreado, à promoção da saúde, à utilização das novas tecnologias científicas; na defesa dopatrimónio natural, no estudo dos fenómenos ambientais, no cultivo de produtos e de sementesnutricionais e também o estudo das espécies em extinção.

Muitas foram já as actividades desenvolvidas. Pese embora o pouco tempo que os projec-tos tiveram, uma vez que as suas candidaturas se fizeram neste ano lectivo, desde os contactoscom as comunidades, a articulação com as autarquias, com as escolas mais próximas – escolassecundárias, do ensino básico e escolas do ensino superior, designadamente a Escola Superiorde Educação de Lisboa, o Instituto Politécnico da Guarda – e muitas outras actividades, como vi-sitas de estudo, exposições e embelezamento de espaços verdes. Muita foi a adrenalina quemotivou estes professores, estes alunos e toda a equipa do colégio.

Não vou desenvolver muito mais. Daria a palavra aos colegas professores que, esses sim,estão efectivamente com estes jovens e podem ser um testemunho vivo de como decorreu adinâmica nestes colégios.

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SESSÃO PARALELA

Drª Maria da Conceição PintadoColégio Corpus Christi (CAEF)

projecto em curso no Colégio de Acolhimento, Educação e Formação Corpus Christi, chama--se "Saber viver com saúde" e pareceu ao colégio a forma mais adequada de pôr em comum,

ou de ligar, as características da forma como funcionam os jovens que estão em CAEF’s e o ensinoexperimental das ciências. Nestes alunos estão incluidos alunos do sistema de justiça, em regime deinternamento ou outra medida tutelar e alunos externos, alunos que provêem da comunidade.

O nosso projecto previa três grandes momentos: o momento de observação, o momento deexperimentação propriamente dito e o momento de divulgação dos resultados. Estas três fases nãoestão a ser seguidas cronologicamente. Deveriamos estar já na fase da divulgação dos resultados,mas estamos ainda na fase da experimentação. Assim sendo, as actividades desenvolvidas neste pro-jecto, procuram que os alunos que estão no CAEF Corpus Christi se compreendam a si próprios eao mundo que os rodeia, compreendam que a ciência é uma actividade humana capaz de procurare aplicar conceitos científicos na resolução de problemas na vida real.

Assim sendo, as actividades experimentais desenvolvem-se segundo áreas disciplinares esurgem no espaço curricular. São, portanto, actividades experimentais ligadas aos curriculos dosalunos que estão, em termos de aulas, a frequentar as actividades lectivas dentro do colégio.

No âmbito da extensão do Programa Ciência Viva do Ministério da Ciência e da Tecnologiaaos CAEF’s pensou-se, no Colégio Corpus Christi, conjugar estes aspectos e dar corpo a este pro-jecto que, tendo em conta vários participantes, permitisse alguns produtos palpáveis para alémda actividade experimental propriamente dita.

Um dos produtos palpáveis do desenvolvimento do projecto foi aquilo a que nós chamá-mos – que se chamou em termos de projecto – as folhas "Tu és a tua saúde" que tiveram algu-ma evolução, desde a fase de copiar dos manuais alguns excertos para fazer a folha, por exem-plo em relação à alimentação e à roda dos alimentos, até criarem folhas especificamente semrecorrer a nenhum manual.

Estas folhas, utilizando as tecnologias ligadas ao projecto, recolhiam uma determinadamensagem muito curta e procuravam transmitir alguma coisa que tivesse a ver com a preser-vação da saúde e higiene. Uma outra ligada directamente ao ambiente e à primeira parte doprojecto previa roteiros de observação, nomeadamente na quinta anexa ao colégio.

Concluímos, em termos de desenvolvimento do processo experimental para os alunos aco-lhidos do CAEF Corpus Christi, ser complicado acompanhar as fases do processo mas, que em ter-mos de motivação, toda a aprendizagem foi muito mais motivante, muito mais aliciante e muitomais participada, com todas estas actividades que surgiram em relação à conservação da saúde.

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CONTEXTOS ESPECIAIS

Drª Elisabete CasimiroColégio de S. Fiel (CAEF)

s objectivos gerais do enquadramento das acções desenvolvidas no Colégio de São Fiel,com o título "A quinta, ambiente de vida", resumem-se a promover o gosto pela expe-

rimentação e pela pesquisa científica; levar os alunos a adquirir conhecimentos científicos taiscomo a composição dos solos, a sua conservação, a criação de animais, as condições atmosféri-cas; desenvolver capacidades, atitudes e valores relacionados com a vida, o ambiente e a ciên-cia.

Quanto aos intervenientes, são aproximadamente 20 alunos do 1º e 2º ciclos do EnsinoRecorrente, a comunidade do colégio em geral, e algumas instituições: o Instituto Nacional deMeteorologia e Geofísica de Castelo Branco, a Escola Superior Agrária de Castelo Branco e tam-bém o Instituto Português da Juventude. Quanto ao espaço físico, as acções desenrolaram-se nasala de aula, na biblioteca, no espaço destinado à quinta, no laboratório de fotografia e nas insti-tuições envolvidas no projecto.

Em relação às actividades desenvolvidas, e numa análise muito rápida, numa primeira fasede sensibilização e motivação para o projecto, fez-se uma visita de estudo ao Instituto Nacionalde Meteorologia que, realmente, suscitou alguma curiosidade para os temas relacionados coma Meteorologia. Ainda nessa mesma fase fez-se uma segunda visita de estudo, desta vez àEscola Superior Agrária de Castelo Branco, onde se levou uma amostra de solo recolhida no ter-reno destinado à quinta para ser analisada. Tivemos oportunidade também de rever a parte agrí-cola e também a parte animal.

Nesta altura, os alunos já manifestavam interesse em fazer alguma destas actividades nocolégio.

Passou-se, em seguida, à execução propriamente dita do projecto, com o início dos tra-balhos na horta. Aqui os alunos participaram em todas as etapas: na lavra, na fertilização, namarcação dos canteiros, na sementeira – que talvez seja a parte em que eles mais se tenhamempenhado – na colheita e os produtos obtidos têm sido utilizados no refeitório do colégio. Serábom referir que todos estes trabalhos tiveram o acompanhamento e a orientação de um fun-cionário do colégio responsável pela agricultura e, em relação ao desempenho dos alunos nes-tas actividades, até ao momento consideramos que é satisfatório.

Outra actividade já implementada é a criação de alguns pequenos animais, limitada aosfrangos e às galinhas. Estas instalações foram construídas nas oficinas do colégio com a parti-cipação e a colaboração dos alunos. Em relação à sua manutenção, foi definida uma escala emque se distribuíram as tarefas de limpeza e de alimentação, para que os alunos todos pudessem

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SESSÃO PARALELA

participar nessas actividades. Até agora eles têm revelado um grande empenhamento nestaactividade, e o seu desempenho é realmente bastante satisfatório.

Uma outra actividade, mais recente, que nos propúnhamos realizar era instalar um labo-ratório de fotografia. O pouco tempo decorrido desde o início desta experiência não permite dis-por, como gostaríamos, de elementos de avaliação.

Por último, na sala de aula, houve sempre a preocupação de integrar as actividades doprojecto nos conteúdos programáticos a fim de haver uma aquisição de conteúdos, de conhe-cimentos científicos relacionados com o tema ciência: ambiente, ciência, seres vivos. Estes tra-balhos vão ser utilizados para produzir um boletim informativo divulgado no final do ano lecti-vo, uma exposição de trabalhos e uma exposição das fotografias que temos registado ao longodo processo. Pretendemos, ainda, fazer uma exposição com as fotografias que iremos revelar nonovo laboratório, a parte mais artística da fotografia. E, como não poderia deixar de ser, umalmoço-convívio com todos os elementos participantes, utilizando obviamente os produtos daquinta.

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CONTEXTOS ESPECIAIS

Dr. Alfredo TinocoColégio da Bela Vista (CAEF)

ntes de explicar os projectos, vou enquandrar a sua génese no nosso colégio. O Colégioda Bela Vista é uma instituição tutelada pelo Instituto de Reinserção Social e acolhe cerca

de 70 crianças e jovens entre os 10 e os 18 anos de idade em regime de internato, distribuídospelos três ciclos do ensino básico. É preciso dizer que o percurso escolar destes jovens, na gene-ralidade, é muito irregular, ora marcado pela ausência de escola ou pelo abandono muito pre-coce dela, ora marcado pela repetência sucessiva e, portanto, pela rejeição pura e simples daescola.

Um artigo extremamente interessante da Professora Marie Thérese Raimond, publicado narevista "Infância e Juventude", diz, logo a abrir, esta frase lapidar: "Aqueles que vivem ou quetrabalham lado a lado com adolescentes difíceis apercebem-se muito depressa que as suasrecusas são muito frequentemente uma maneira de mascarar uma incapacidade".

Com efeito, os meios de que provêm a maioria dos nossos jovens, os intercâmbios familiarese sociais são muito reduzidos e têm como referência normal o real imediato e a satisfação de neces-sidades básicas. A descoberta nunca é estimulada e se o acaso permite que aconteça algumadescoberta, não lhe é conferida qualquer importância, quando não é mesmo rejeitada pelos fami-liares mais próximos ou pelo meio envolvente. Daí que a maioria dos nossos alunos, perante umadificuldade, opta por dizer "não quero" ou "não faço", quando deveria dizer "não sei".

Resumindo, estes jovens difíceis afirmam permanentemente a sua rejeição de tudo aquiloque seja vida interna. Se são convidados a pensar dizem "isso é muito complicado", "dá muitotrabalho" ou "faz dores de cabeça". Se se apela ao imaginário é igualmente frustrante, dizem"não gosto de inventar". Da mesma maneira que não gostam de pensar, também não admitemque sonham, "eu não sonho, eu nunca tive sonhos", dizem frequentemente.

Deixem-me mostrar-vos uma frase retirada de um concurso em que se perguntava àscrianças o que é que faziam se fossem cientistas: "Inventava uma máquina de fazer sonhos cor--de-rosa e azuis que brilham como o Sol". Portanto, o meu aluno e meu amigo Ricardo inven-tava uma máquina para sonhar por ele, para imaginar para ele esse mundo azul e cor-de-rosa eonde brilha o Sol que ele se recusa a imaginar e a inventar.

Não vamos, evidentemente, fazer aqui psicanálise. Não é disso que se trata. Mas peço-vosque fiquem com isto na cabeça, porque é neste ambiente que nós trabalhamos. É neste con-texto que nascem estes projectos da Ciência Viva. O entroncar do ensino que nós praticamos éum ensino muito prático, adaptando a relação curricular de forma a responder aos interesses eàs expectativas dos nossos alunos, mas tentando alargar esses interesses e essas expectativas, ao

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SESSÃO PARALELA

mesmo tempo que se pretende dar uma formação sólida, que seja para a vida, para uma vidaque se desejaria plena. Que é o que nós desejamos evidentemente para eles e que todos os pro-fessores naturalmente desejam para os seus alunos.

Ainda bem que o Ministério da Ciência e da Tecnologia resolveu, a certa altura, discrimi-nar – e bem – pela positiva os nossos colégios, porque tivemos de facto oportunidade de lançaresta semente junto dos nossos alunos. Ainda bem que fomos discriminados positivamente,porque nós acreditamos que esta é a maneira certa de ultrapassar os bloqueios que há poucoenunciei.

Parece-nos que a ciência, isto é, a experiência, a experimentação, de que eles tantogostam afinal, pode levar ao pensamento. Essa é a táctica correcta para levá-los a usar o pen-samento, para levá-los a apossar-se de um instrumento para a sua vida. Como todos sabemos,é fácil levá-los a isso, porque se há coisa que um cientista e uma criança têm em comum é decerteza a curiosidade, é saber o que é que está para lá daquilo que se vê.

Nós lançámos dois projectos. Um chama-se "Da horta à mesa", feito de recursos de colé-gio, portanto cultivo de uma horta que eles cultivam em atelier e que depois é discutida na salade aula: o 1º Ciclo na área de Estudo do Meio, o 2º Ciclo na área do Homem e do Ambiente eo 3º Ciclo na área das Ciências do Ambiente. Eles fazem experiências adequadas a esse projec-to em sala de aula, do curriculo consta isso. O cultivo é feito na horta e destina-se a ser con-sumido no colégio. Este projecto, além dos objectivos que estão no projecto entregue aoMinistério da Ciência e da Tecnologia, tem efeitos colaterais, como agora está na moda dizer,que são o interesse pelo ambiente, o perceber as diferenças entre os adubos químicos e osorgânicos... Este interesse acabou por desenvolver uma coisa que não constava em nenhum pro-jecto, que foi uma Estação Meteorológica, para os alunos perceberem que as condições meteo-rológicas têm que ver também com a agricultura.

O projecto permite duas coisas que são fundamentais. Uma é que cada vez que eles se sen-tam à mesa no colégio, têm de perceber que por detrás da sopa que vão comer há o trabalhohumano, que eles trabalharam para comer a sopa. E a segunda coisa importantíssima, é que portrás do simples acto de comer há muita ciência e que eles também já produziram alguma dela.

A agricultura não é uma coisa aleatória, puramente empírica. Não. Tem uma base científicae eles foram ao nosso parceiro neste projecto, que é a Escola Agrícola D. Dinis da Paiã, ver comoé que essas coisas funcionam em laboratórios mais complicados, para analisar culturas, etc..

O segundo projecto, "Da terra à terra", na área da Geologia e da Mineralogia, existe paraque os alunos percebam como esse mundo está presente no nosso quotidiano. Cada vez quecarrego no botão da televisão, ou que uso a chave para abrir a porta do carro, ou rodo amaçaneta da porta, é alguma coisa que veio do interior da Terra, e que passou por uma série defases de ciência, de experimentação, de aplicação técnica, etc. Dentro das possibilidade quetemos, temos feito visitas de estudo, recolha de rochas, análise laboratorial, classificação e cons-tituição de uma colecção.

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CONTEXTOS ESPECIAIS

Para nos darem alguma certificação científica que nós não temos, e para que aos alunospareça também importante, arranjámos parceiros que são a Escola Agrícola D. Dinis da Paiã, oMuseu Laboratório de Mineralogia e Geologia da Universidade de Lisboa, integrado no MuseuNacional de História Natural.

Para concluir diria que nós gostaríamos muito que os nossos alunos aprendessem muitaCiência. Porque isso faz falta para a vida e é muito bom para eles. Mas o que nós gostariamosmesmo era que os nossos alunos se incluíssem nos cientistas de amanhã.

Muito obrigado.

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SESSÃO PARALELA

Drª Maria do Carmo SerroteICE – Instituto das Comunidades Educativas

u começaria por dizer, muito rapidamente, o que é o Instituto das ComunidadesEducativas. É uma organização não governamental que tem o apoio da Fundação

Bernardo Van Lear, do Ministério da Educação, de autarquias e de algumas instituições privadas.É um projecto que está desenvolvido, alargado a todo o país, tendo vários projectos com objec-tivos e com estratégias diversificadas.

Um dos primeiros projectos do Ministério e do ICE, é o projecto das escolas isoladas e teveo seu início no Alentejo. São escolas com menos de 10 alunos e que, tendencialmente, seriamencerradas pelo Ministério da Educação. Houve alguma força do ICE, com o apoio das autar-quias, no sentido de que essas escolas não fossem encerradas pois está mais que provado que,encerrando uma escola, toda a zona morre.

Qualquer terra que não tenha uma escola de 1º Ciclo é, à partida, uma terra isolada. Como apoio do ICE houve, realmente, a tendência de não encerrar as escolas. É claro que foi feitoalgo neste sentido. Todos sabemos que os alunos em escolas isoladas têm o problema da poucasocialização, do isolamento. Então, para colmatar este problema, criaram-se várias redes deescolas, que se encontram semanalmente ou quinzenalmente em cada estabelecimento de ensi-no. Ou seja, há uma escola anfitriã que recebe as outras. Nessa altura, toda a população édinamizada para receber mostrando o seu melhor, as suas tradições, a sua cultura própria.

Foi neste projecto de escolas isoladas que o projecto Ciência Viva deu uma ajuda fabulosa.Foi um meio de colmatar o isolamento e as dificuldades que as escolas tinham. Este projecto, anível das escolas de 1º Ciclo, conseguiu criar o gosto pela descoberta da ciência, pelos saberescientíficos a partir do conhecimento do mundo no dia-a-dia, e isto é muito importante.

Os alunos trazem para a escola um saber acumulado de muitas gerações, e eu passaria adescrever dois casos que servem de exemplo do que disse. Uma escola de Estremoz – não é nacidade de Estremoz, é uma escola isolada numa freguesia rural – empenhou-se numa pesquisasobre a história dos ganhões. Os ganhões são as pessoas que, há cerca de 40 anos, trabalhavama terra nas herdades, lavravam com os bois, trabalhavam de sol a sol, iam a casa só uma vez porsemana e aos Domingos iam à roupa, como eles diziam. Trabalhavam ao sábado e ao domingofaziam os empalmos, ou seja, trabalhavam só de manhã até às oito, nove horas.

Estando a semana inteira fora de casa, nas herdades, eles tinham de fazer as suas própriasrefeições e faziam aqueles belos pratos que são hoje os pratos tradicionais alentejanos. Excelentes,porquê? Porque utilizavam aqueles temperos e produtos tradicionais: a salsa, o poejo, os orégãos,os coentros, a alabaça, o chícharo, os cardos, as acelgas, as beldroegas, os agriões, etc.

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CONTEXTOS ESPECIAIS

Os alunos fizeram toda uma recolha deste trabalho, estudando as alfaias agrícolas que osganhões utilizavam. Foram falar com os avós, com as pessoas que na terra sabiam bem a históriados ganhões. O ICE, posteriormente, editou este livro e constitui um documento fabuloso, cons-truído pelos alunos, pelas crianças, sobre a cultura do povo alentejano, nomeadamente naregião de Estremoz.

É claro que com a história dos temperos os alunos ficaram muito motivados para estudaras plantas e foram procurar todos estes temperos. Fizeram o seu estudo, analisaram-nos, fize-ram herbários, estudaram com pormenor os cereais, estudaram as fases de crescimento destasplantas, sempre com o acompanhamento – e algumas ajudas – dos familiares, de pessoas quenaquela zona, tinham conhecimento destas histórias. A propósito dos instrumentos que os ga-nhões utilizavam, começaram por perceber e perguntaram porque é que se fazia a poda, porqueé que se tinha de revolver a terra, etc. Todo um estudo que realmente aconteceu.

Numa escola de Grândola, uma escola isolada com cerca de seis/sete alunos, houve umaaluna que nos foi mostrar, muito feliz, a experiência do ano. E o que era a experiência do ano?Era uma planta que só aparece com grande desenvolvimento nos anos em que há muita plu-viosidade. Quando essa pluviosidade surge em tempo adequado a planta desenvolve-se mais doque habitualmente. Se há uma determinada zona da planta que está desenvolvida correspondea bom ano de centeio, outra zona da planta bastante desenvolvida corresponde a bom ano decevada. Quem contou isto àquela aluna que vinha felicíssima mostrar a sua experiência foi a avó,foi a sua avó que lhe mostrou a experiência do ano.

Foi a partir de todos estes conhecimentos – que foram sistematizando – que os alunosorganizaram produtos que são comunicáveis, que eles comunicaram nas mini-conferênciasrealizaram nos tais dias diferentes: quando se encontram, quando a escola é a anfitriã. É, nofundo, o aprender comunicando.

Com o projecto Ciência Viva, começa a ser criado, em muitas escolas, um enorme manan-cial de materiais que constitui um património científico comum a muitas escolas. Essas experiên-cias e esses materiais são organizados em centros de recursos. Depois, procura-se que estas expe-riências funcionem sempre como pólos transdisciplinares. Por exemplo, a história dos ganhões foium trabalho que teve o apoio da Língua Portuguesa, do meio ambiente, das expressões, etc.Depois, ao nível das escolas isoladas, há ainda, com o projecto Ciência Viva, mais um pretexto desocialização, ou seja, há perguntas que são feitas entre escolas, do Alentejo para o Norte, viaInternet ou por escrito. Inclusivamente, e este é um facto muito interessante, existem pesquisasque se fazem já nalgumas escolas por encomenda. Ou seja, houve escolas do Norte que quiseramsaber algo sobre o sobreiro e encomendaram a uma escola de Alcácer do Sal um estudo com tudoo que eles conseguissem saber de concreto sobre o sobreiro. Há, no fundo, uma grande implicaçãoda comunidade, constantemente chamada a partilhar estas investigações que as crianças iniciam.

Terminava lembrando um provérbio chinês: "Ouço e esqueço, vejo e percebo, faço eaprendo". Muito obrigada.

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SESSÃO PARALELA

Professor Manuel BarbeitosAPPACDM – Associação Portuguesa de Pais e Amigos doCidadão Deficiente Mental – Delegação de Setúbal

Centro Sócio-Educativo da APPACDM é uma das seis valências que existem em Setúbale abrange uma faixa etária dos 6 aos 16 anos, a faixa etária da escolaridade obrigatória.

Os nossos utentes abrangidos por este projecto foram 60. São alunos com deficiências mentaismoderada e ligeira, com problemas associados ao nível escolar muito baixo e temos por objec-tivo aumentar esse nível e prepará-los, fundamentalmente, para uma aprendizagem profissional.Trabalharam neste projecto 5 professores do 1º Ciclo do Ensino Básico, 2 professores de Tra-balhos Manuais, 2 educadores de infância, 1 psicólogo e 7 auxiliares de educação.

O espaço de que usufruiram foi uma quinta – as salas de aula e o espaço exterior dessaquinta – que tinha um espaço com uma horta, um jardim e um pomar. A construção de umaestufa e um galinheiro foram actividades dum projecto a que eles se dedicaram.

Um dos objectivos principais deste projecto era o desenvolvimento de capacidades instru-mentais. Eram alunos que não tinham hábitos de trabalho, não eram persistentes, desistiamlogo à primeira e tentou-se aumentar a capacidade de resistência em tudo o que realizavam. Senão gostavam do que realizavam, estragavam, deitavam fora, não queriam que se guardasse.Tentou-se melhorar o grau de perfeição, tentou-se desenvolver a coordenação óculo-manual,desenvolver a destreza manual destes utentes.

Um dos principais factores que condicionava tudo isto era a estabilidade comportamental.Eram alunos muito instáveis e que não aderiam a nenhuma tarefa e tentou-se com as actividadesdeste projecto aumentar a estabilidade comportamental, aumentar os períodos de atenção, deconcentração. Outra das coisas que eles não aceitavam eram regras e este projecto conseguiuque eles interiorizassem algumas regras e que as respeitassem.

O que é que se pretendia com isto? Ligado ao saber fazer, pretendia-se que o CentroSócio-Educativo iniciasse um trabalho que tivesse, como disse há pouco, o encaminhamento dosalunos para a pré e da formação profissional. Aqueles alunos que não conseguissem ir para apré nem para a formação profissional, transitariam para unidades que são os centros de activi-dades ocupacionais.

É possível observar, através de documentos fotográficos, o trabalho desenvolvido.Observar os alunos que estão na nossa horta, a preparar a terra para fazer sementeira; numafase mais elaborada da nossa horta, a fazer as mondas, a tirar as ervas daninhas. Na nossa hortatinhamos duas divisões: uma parte da horta com agricultura biológica e a outra parte com agri-cultura não biológica, onde eles fizeram as comparações. Mais tarde tudo o que retiravam dahorta era para consumir, para eles próprios, numa aprendizagem que não terminava aqui.

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CONTEXTOS ESPECIAIS

Preparar flores, envasar flores, retirar flores de um vaso para outro, foram algumas dastarefas que os pequenos fizeram. Todos os dias iam ter com as suas plantas, para as regar.

Como era uma quinta, havia um espaço exterior muito grande e foram plantadas 175laranjeiras, doadas pela Companhia das Resinas. O objectivo futuro destas laranjeiras é criar umaunidade operacional no Centro, acompanhada pelos homens com idade superior a 16 anos eonde estes possam fazer o doce de laranja tradicional de Setúbal. Neste momento ainda nãotemos as laranjas mas já temos as encomendas.

Ter as laranjeiras implica uma manutenção constante. Eu estava aqui a colocar cal numadestas laranjeiras em que havia muitas formigas e muitos caracóis e eles deitaram uma calda decal em todas as laranjeiras.

Aqui estavam a fazer uma vedação com sebes para um parque infantil. Eles é que fazema manutenção desta quinta e tratam dela. Isso vai-lhes criar a necessidade de, mais tarde, fazeros registos e ganhar interesse pelas actividades académicas que até aqui não tinham.

Instalaram o sistema de rega gota-a-gota. Todas as árvores foram plantadas com um sis-tema em que são eles quem, de manhã, abre as torneiras e, à tarde, fecham as torneiras. Têmuma tarefa: abrir e fechar a água a determinada hora.

Também fazem a manutenção dos jardins utilizando algumas máquinas, como o corta--relva. Fazem a manutenção de todos os espaços verdes: cada sala tem um espaço verde a quese dedica e orienta o trabalho desenvolvido. Em cada espaço é um trabalho diferente.

Temos uma secção designada por AVD, relativa às actividades da vida diária, que é um mini--apartamento com uma cozinha, um quarto e uma sala. Tudo o que eles vão à horta buscar épara ser consumido. Na época das ervilhas eles colheram as ervilhas, descascaram as ervilhas e,como seriam eles a consumir as ervilhas, foram eles quem fez o comer nesse dia no refeitório.Cortaram a cebola, cortaram o chouriço, cozinharam e comeram a refeição que fizeram.

Uma actividade nova foi a construção de um galinheiro. Comprámos uma chocadeira eeles marcaram os ovos – que tinham de ser mudados todos os dias. Eles viam as marcas emudavam-nos para o outro lado. Os primeiros animais nasceram e já temos galinhas no gali-nheiro. E é com felicidade que eles dão milho às galinhas. E isso é ilustrativo duma actividadeque eles gostam, e que é para continuar.

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SESSÃO PARALELA

Professora Helena CaldeiraExploratório Infante D. Henrique – Centro Ciência Vivade Coimbra

uando me convidaram para integrar este painel, foi-me dito que nele se iria debater oproblema do ensino experimental das ciências em contextos especiais. Pensei, portanto,

em fazer convosco uma reflexão um pouco mais abrangente sobre a questão que se coloca nonosso país face ao projecto que o ministro da Ciência e da Tecnologia apresentou de criação deuma rede de centros Ciência Viva em todo o país.

Assim sendo, põe-se a questão de como tornar eficazes, em termos de se conseguiraprendizagem, as visitas a um centro de ciência. Durante muito tempo pensou-se que a funçãodestes centros de ciência, destas exposições interactivas, era apenas a divulgação da ciência, avulgarização da ciência, e que não era possível aprender-se. Hoje já há muitos trabalhos de inves-tigação sobre a questão "consegue-se ou não promover aprendizagem numa visita a um centrode ciência?", já há muita coisa publicada com interesse.

Era a experiência do Exploratório como ambiente complementar de aprendizagem que eutrazia aqui, visto pensar que os centros Ciência Viva não deverão ser apenas essa exposição –com todo o valor que ela tem – mas que devem ter, paralelamente, um conjunto de trabalho.Assim, e colaborando depois todos entre si, conseguiriamos realmente um bom lucro em termosda aprendizagem experimental das ciências nestes contextos interactivos.

O Exploratório tem preocupações didácticas que poderão ser ou não conseguidas. Outente depois o dirá. Tentamos que haja já implícito um modelo de aprendizagem do "prevê,observa, experimenta e depois explica, confronta com as tuas ideias". Temos instruções para amanipulação, para a realização das experiências, convidamos a reflectir, observar para ver, edepois explicamos. Mas, paralelamente a isso, tentamos ter também a ligação ao quotidiano,aquilo que chamamos a ciência na vida.

Como pensamos que uma boa maneira de testar se percebemos o fenómeno em causa,ou o princípio em causa, é aplicá-lo a outras situações, criámos aquilo a que chamámos dedesafio, em que há uma pergunta para o visitante tentar responder. Uma situação do quotidianoem que aquela mesma situação experimental está presente. Assim decorre a visita.

Temos, portanto, as visitas ditas normais, mas também temos visitas especiais. E essastêmo-las em vários contextos, por exemplo, visitas estritamente por um tema que pertence aocurrículo. Tem funcionado a Dinâmica da Rotação. As experiências diferentes daquelas que estãoconsideradas obrigatórias no programa também são feitas, com uma metodologia diferente, emque o carácter lúdico está sempre presente para ser consentâneo com o ambiente - também elediferente -, fichas de trabalho também diferentes e a presença de professores para que eles

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CONTEXTOS ESPECIAIS

percebam que com metodologias diferentes também conseguem. E, certamente, com maiorentusiasmo que é o que se tem verificado.

Às aulas de Dinâmica de Rotação, do 12º Ano, da zona de Coimbra já vêm pessoas doPorto. Há uma altura do ano em que as manhãs são todas ocupadas com a Dinâmica daRotação. Depois da Luz e Visão do 8º Ano, que fizemos o ano passado, vamos agora começartambém com a Óptica, tudo isto integrado em projectos Ciência Viva. Se não tivessem sido osprojectos Ciência Viva nós não podiamos ter partido para estas iniciativas.

No ano passado, então com o 1º Ciclo, fizemos um projecto de ensino integrado da ciên-cia: Biologia, Geologia, Física, Química e Matemática com a jardinagem. Com a criação de umahorta em que os miúdos semeavam, plantavam, em que tinhamos recolha de materiais eestações meteorológicas, em que era medida temperatura, pressão, humidade. E experiênciasem laboratório para ilustrar aquilo que se tinha verificado e que se tinha observado lá fora.Depois disso, criámos também algo que estamos ainda a testar – porque a nossa componentede investigação está sempre presente – que foram fichas suficientemente abertas, nem muitomanipuladoras nem muito de criança, para o 1º Ciclo.

Pensamos que não é fácil fazer fichas adequadas ao 1º Ciclo, em que não vamos cortar asua imaginação, em que tentemos descobrir efectivamente o que é que o garoto concluiudaquela experiência – porque ele muitas vezes não conclui aquilo que nós queremos que eleconclua – e descobrir isso foi extremamente interessante.

A fase seguinte deste projecto, e por isso é que ele ainda não está concluido, é organizar arecolha enorme que fizemos, quer das perguntas que eles fizeram, quer das respostas que eles dãoà pergunta "O que é que descobriste?". Foi uma pergunta extremamente alargada para, justamente,perceber o que é que eles tiram da experiência e porque achamos que vamos aprender muito comaquilo que eles escreveram. Esta componente investigativa está, como digo, sempre presente.

Temos tido, igualmente, mestrados em Ensino da Física, em colaboração com oDepartamento de Física da Universide de Coimbra, sobre como preparar uma visita de modo aobter aprendizagem – a conseguir promover aprendizagem – sobre o que é que o professor devefazer antes, durante e depois. Actividades sempre lúdicas, que têm de ser diferentes das actividadesda sala de aula, senão caimos outra vez na sala de aula e não é isso que queremos. É outra pers-pectiva e tudo isso tem de ser testado de modo a consolidar também na sala de aula a visita.

Neste contexto, estamos a construir kits para as escolas em que, de certo modo, são repro-duzidas as experiências do Exploratório e que na sala de aula poderão servir para consolidar, pararelembrar aquilo que se viu no Exploratório. Estamos também a elaborar material escrito sobreesses kits, quer para o professor quer para o aluno, e que será objecto de uma investigação, vistoque estamos a tentar testar um modelo diferente de aprendizagem, baseado um pouco no POE –o "prevê, observa, explica" – mas mais aprofundado, mais adequado a alunos do 3º Ciclo doBásico, visto que o 2º e o 3º Ciclo do Básico neste momento para nós são a grande preocupação.

Deixei para o fim uma actividade que me é muito querida e que surgiu a convite da Professora

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SESSÃO PARALELA

Joan Solomon que, aqui há uns anos e porque tinha visto, de certo modo, o meu "bichinho" por estascoisas com umas experiências que eu tinha feito, me perguntou se eu ainda gostava destas coisas.Porque ela tinha observado que no Vista, um Centro próximo de Oxford, os alunos com necessidadeseducativas especiais aderiam de uma forma espectacular a este tipo de actividades e que estas activi-dades pareciam ser potenciais de desenvolvimento de certo tipo de capacidades. Surgiu, assim, um tra-balho que ela já estava a fazer com a sua colaboradora Helen Brook e que nós, que por acaso tinhamoscontacto com a APPACDM de Figueira do Lordão, tinhamos constatado algo de semelhante.

Os alunos – alunos perfeitamente apáticos nas instituições – chegavam ali e aderiam deuma forma impressionante, com tempos de atenção e concentração enormes naquelas activi-dades, e outros que se lembravam. Estou-me a lembrar do Sérgio que, um ano depois de ir aoExploratório, vinha a dizer "os ângulos, os ângulos, os ângulos". Ele queria rever o módulo dosângulos e foi logo para o módulo dos ângulos. Conseguiu, ao fim de algum tempo, muito feliz,concretizar aquela experiência dos ângulos.

Iniciámos, então, um projecto de investigação que foi subsidiado pelo Instituto deInovação Educacional e que é agora a "menina dos nossos olhos". Realmente construimos, naaltura, algumas actividades interactivas porque vimos que elas têm potencialidades de maioratenção e concentração dos alunos, maior comunicação e colaboração entre eles, maior curiosi-dade e independência. Sem esquecer a relação causa-efeito. Para isso criámos actividades espe-ciais em que, realmente, os efeitos sejam de certo modo apelativos, com estímulos multisenso-riais, bons para este tipo de alunos.

Nós trabalhámos com alunos com dificuldades moderadas e severas de aprendizagem, comdisfunções específicas de linguagem e também com o Síndrome de Down. Tentámos alguma apren-dizagem de conceitos. Temos, por exemplo, um com um camião. Mas sempre com efeito: o camião,a certa altura, choca e produz som ou produz luz. Há sempre um estímulo sensorial, em que a forçaé mais intensa; mais força, menos força; o tipo de flutuação - afunda, flutua. Tentamos introduzir jáalgum conceito de ciência mas tentamos, sobretudo, o desenvolvimento de capacidades.

Partimos agora para outro tipo de aprendizagem. A pedido, justamente, dos professoresdestas instituições após observarem o comportamento dos seus alunos, quer ali, quer depois nasescolas. Depois de irmos às escolas com experiências semelhantes, mais pequenas, para ver oque é que os alunos se lembravam aconteceram coisas interessantíssimas, nomeadamente dealunos hiperactivos que quase não se conseguem parar sentados na instituição e que, com aque-les kits, se sentaram e estiveram a trabalhar imenso tempo. Começaram, então, a pedir-nos queconstruíssemos coisas.

Dois exemplos são, sobretudo para as pessoas que percebem mais de alunos com necessidadeseducativas especiais do que nós, dois módulos, um para aprendizagem das cores e outro para apren-dizagem das formas, que estão a ser testados na APPACDM da Figueira de Lordão. Certamente queterão defeitos, mas foi a primeira coisa, foi algo que nós imaginámos que poderia funcionar. Pareceu--nos que face a certo tipo de comportamentos que os alunos tinham, seriam úteis.

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CONTEXTOS ESPECIAIS

Professora Joan SolomonOpen University, Faculty of Science – Reino Unido

ostaria de felicitar o Ciência Viva por incluir as crianças menos afortunadas no ma-ravilhoso mundo da ciência. Considero-o muito comovente. Portugal é um país tão

democrático que até mesmo as crianças com grandes dificuldades de aprendizagem não sãoexcluídas.

O trabalho que a Drª Helena Caldeira tem realizado com crianças com o Síndrome deDown, e no qual também participei, foi igualmente realizado em Inglaterra. Algumas dessascrianças nem sequer conseguiam falar.

A primeira questão residia em saber se eles poderiam aprender a partir do Centro, dasexperiências do Centro, e se, seguidamente, se lembrariam do que tinham feito, do que tinhamaprendido. Ficámos muito espantadas, a Drª Helena e eu, com a quantidade de coisas que elesconseguiam relembrar mais tarde. Este aspecto deve-se ao facto de ser um centro "Hands on",ou seja, onde eles podem mexer com as mãos.

O ser humano tem, pelo menos, três maneiras diferentes de se recordar das coisas. A maisantiga e a mais primitiva é a recordação procedimental, são recordados os procedimentos, omodo como se faz determinada coisa. Até se podem ensinar procedimentos aos animais. Alémdisso, os centros interactivos possuem um leque alargado de estímulos.

O outro tipo de memória que possuímos é a memória episódica. De certeza já passarampela experiência de se lembrar de uma coisa que têm de fazer quando se está no primeiro andar,descer ao andar de baixo, esquecer-se do que ia fazer e depois ter que voltar ao primeiro andare, nessa altura, lembrar-se do que tinha para fazer. Este aspecto acontece com as crianças como Síndrome de Down que, quando regressam ao Exploratório, relembram-se das coisas que láfizeram. É por isto que os centros interactivos e os projectos Ciência Viva, com todas as suasactividades práticas, têm tanto para oferecer a estas crianças com necessidades especiais.

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Sessão Plenária

Geminações entre escolase instituições científicas

Centro de Neurociências de CoimbraEscola Secundária da Quinta das Flores, Coimbra

Departamento de Botânica,Universidade do Porto; IBMC(Instituto de Biologia Moleculare Celular)Escola Secundária AlmeidaGarrett, Vila Nova de Gaia

IDMEC – Instituto de Mecânica e Instituto Superior Técnico,LisboaEscola Secundária GagoCoutinho, Vila Franca de Xira

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SESSÃO PLENÁRIA

Professora Ana NoronhaPrograma Ciência Viva

amos dar início a esta sessão sobre o Programa de Geminação entre instituições científi-cas e escolas. Sempre foi uma prioridade do Ciência Viva estimular a cooperação entre

instituições científicas e escolas e criar laços duradouros entre estes dois mundos. O objectivo éligar as pessoas que fazem a Ciência com as pessoas que a ensinam nas escolas todos os dias,no sentido de melhorar a qualidade do ensino das ciências, em particular através da melhoria daqualidade do ensino experimental que se faz nas escolas e do ensino da Ciência em geral.

Temos vindo a pedir aos investigadores, e eles têm colaborado em vários níveis no Ciência Vivadesde o início, que apoiem os professores das escolas no seu trabalho, através dos seus laboratóriose das infraestruturas que possuem, no sentido de melhorar a qualidade do ensino das ciências.

As instituições científicas colaboram connosco a vários níveis, como têm visto, certamente,nos quiosques. Temos instituições científicas que coordenam directamente projectos CiênciaViva em parceria com escolas; temos projectos Ciência Viva que, sendo coordenados por esco-las, têm a parceria de instituições científicas e professores universitários que trabalham ombro aombro com eles; temos ainda, e é sobre isto que versa esta sessão, a geminação entre escolase instituições científicas, que foi promovida pelo Programa Ciência Viva, com o objectivo de darapoio aos professores dessas escolas.

Para o estabelecimento de Geminações foram convidadas instituições que já tinhamrelações no terreno baseadas em laços pessoais de colaboração, quer através de projectosCiência Viva, quer através da Ocupação Científica dos Jovens nas Férias, quer através das inicia-tivas de divulgação científica.

Estas geminações foram privilegiar relações que existiam já no terreno. Temos o prazer deter aqui connosco o Professor Arsélio Pato de Carvalho, coordenador do Centro de Neuro-ciências de Coimbra, o Professor Carlos Mota Soares do Instituto de Mecânica e do InstitutoSuperior Técnico, e professores das escolas geminadas. Em relação ao IBMC e ao Departamentode Botânica da Faculdade de Ciências do Porto, os respectivos responsáveis, o ProfessorAlexandre Quintanilha e Professor Roberto Salema, não puderam estar presentes. Tenho tam-bém aqui o Professor José Pissarra que é do IBMC. É que o director, infelizmente não pôde estarpresente, nem o Professor Carlos Salema, mas temos o professor José Pissarra, que nos vaidepois falar destas experiências de Geminação.

Seguidamente, passo a palavra ao Professor Arsélio Pato de Carvalho, que nos vai explicarcomo é que decorre a geminação do Centro de Neurociências com três escolas secundárias daárea de Coimbra, das quais temos aqui a Dra. Isabel Paiva, que nos vai falar também a seguir.

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GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

Professor Arsélio Pato de CarvalhoCentro de Neurociências de Coimbra

Muito obrigado, Drª Ana Noronha. É de facto um prazer estar aqui. Não obstante asexigências que hoje são feitas aos cientistas nos seus postos de trabalho para poderem ser com-petitivos no mundo da Ciência, esta missão de divulgar a Ciência, iniciada nos últimos anos emPortugal, é, sobretudo em Portugal, uma das missões mais nobres que podemos levar a cabo nopresente momento de desenvolvimento cultural do País.

No fundo, o que nós estamos a fazer é muito simples e é indispensável para o progressoda nossa sociedade; estamos a tornar acessível à nossa população a linguagem da Ciência.

Quer queiramos, quer não, essa linguagem, e o próprio conceito da Ciência, são utiliza-dos na nossa vida dia-a-dia, sem que muitas vezes nos apercebamos o quão a Ciência faz parteda nossa vida.

O cidadão médio tem ainda uma certa carência de vocabulário, de conceitos, de com-preensão desta actividade nobre e influente nas nossas vidas, que é a Ciência.

A Ciência, sem dúvida, continuará a ter cada vez mais impacto no desenvolvimento futurodo nosso país e, portanto, estes minutos que tiramos dos nossos laboratórios para vir aqui sãoextremamente importantes.

Eu vou dividir a minha curta intervenção em três partes.Primeiro, quero dizer-vos qual foi a sensação que tive ao entrar aqui hoje, que foi também

o meu primeiro contacto directo com esta actividade do Ciência Viva. Não obstante ser umSábado de manhã, ser cedo, e não terem chegado ainda muitas pessoas, impressionou-me todoo aparato, que reflecte uma transformação profunda que foi feita neste espaço que traz até nósuma realidade que vive oculta nos laboratórios e na mente dos investigadorres, professores ealunos, e que deve ser parte de toda a nossa cultura.

Não há dúvida que o número de painéis, a diversidade dos painéis, representa que pordetrás disto tudo está um entusiasmo que já se gerou e que temos de saber aproveitar nas nos-sas escolas, e sobretudo na ligação das nossas escolas secundárias à universidade, ao ensinosuperior, e depois estender esta nova realidade a toda a população.

Segundo, a outra mensagem que eu vos queria transmitir, porque isso me foi solicitado, édizer o que é o Centro de Neurociências de Coimbra.

Embora refira especificamente o Centro de Neurociências de Coimbra, porque é esta insti-tuição de investigação que conheço melhor, é minha intenção transmitir-vos o que são, dummodo geral, as instituições modernas de investigação científica.

As instituições de investigação científica têm, necessariamente, de ser instituições de

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SESSÃO PLENÁRIA

prestígio mundial. De facto, a Ciência é uma coisa curiosa: é que não se pode fazer ciência mal,nem sequer menos bem, e sobreviver como cientista. A Ciência ou é excelente e produz um pro-duto, o conhecimento, ou então não produz conhecimento e, portanto, deixa de ter valor.

O produto da Ciência, o conhecimento, produz-se, sem barreiras, não há fronteiras, neminstitucionais, nem nacionais, e, portanto, o conhecimento é o mesmo, quer seja produzido emPortugal, quer seja produzido na Europa, na América, ou onde quer que seja.

Para se chegar a esse conhecimento, a actividade científica tem de ser de facto excelente,caso contrário é inutil. Assim, a Ciência é um tipo de actividade diferente das outras actividades.Nós podemos produzir, por exemplo automóveis que são melhores, outros piores, mas o co-nhecimento é só um; ou é conhecimento ou não é conhecimento. E, portanto, isto impõe umaexigência extraordinária aos institutos de investigação científica.

Os institutos não podem manter actividades locais, isoladas do resto do mundo e, feliz-mente que, principalmente nos últimos dez anos, nós transpusemos também essa barreira.

As nossas instituições estão hoje a par das instituições lá de fora. Os institutos de investi-gação não têm paredes que separem a comunicação entre os investigadores onde quer queestejam; os investigadores comunicam uns com os outros de muitas maneiras usando os sis-temas de comunicação mais sofisticados, desde revistas científicas internacionais lidas em todaa parte do mundo à Internet.

Em Portugal estamos ainda muito habituados a identificar um instituto com um dado edifí-cio: vemos um edifício muito bonito e dizemos "ali devem fazer-se grandes coisas". No entan-to, mais importante do que os edifícios são as pessoas. Os edifícios são demasiado estáticos e oque é particularmente importante na Ciência de hoje é a mudança, a capacidade de apreendernovos conceitos e adaptá-los ao programa de trabalho dos cientistas, quer eles se encontrem nomesmo edifício ou não.

Os cientistas comunicam-se, visitam-se frequentemente, trocam ideias. É desta interacçãoviva que brota a maior parte da actividade científica. A actividade científica não tem barreiras,não tem paredes.

Portanto, como noutras instituições, o Centro de Neurociências de Coimbra é uma insti-tuição aberta, sem paredes. O Centro de Neurociências de Coimbra está inserido naUniversidade de Coimbra, e constitui um local de aglutinação de competências, que podem virda Faculdade de Ciências, da Faculdade de Medicina, da Faculdade de Farmácia, do Hospital e,porque não, do exterior também.

Nós temos sempre no Centro de Neurociências de Coimbra vários cientistas estrangeiros,como temos cientistas doutras universidades e doutros institutos, e estes cientistas comunicamcom outros cientistas noutros laboratórios em Portugal e no estrangeiro. Portanto, a mensagemforte que vos quero transmitir é que a ideia estereotipada do cientista isolado no seu gabinetea fazer Ciência caducou, já não tem interesse, e não é assim que os institutos se constroem hoje.

Os institutos de investigação constroem-se através de redes de cientistas com os mesmos

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interesses, que se comunicam, que trocam ideias e que têm que estar sempre na frente do co-nhecimento. Têm de ser sempre tão bons e estar sempre tão bem informados como os melhores.

Não é por qualquer elitismo que dizemos que a Ciência só pode ser excelente. É um facto.Nós podemos produzir um automóvel, ou um frigorífico que é melhor do que outro, mas o co-nhecimento ou é conhecimento ou não é conhecimento, ou somos capazes de produzir conhe-cimento ou não somos capazes de produzir conhecimento. Portanto, é por esta razão que aCiência só pode ser boa. Não há Ciência má e Ciência fraca, a Ciência má não vale nada. E hoje,felizmente, esta noção está na mente dos nossos governantes, está na mente dos cientistas por-tugueses, e as próprias instituições mais tradicionalistas estão a reconhecer que não podemosser, e não somos mais, um país isolado cientificamente.

A terceira mensagem que vos queria transmitir é uma explicação sobre como surge anossa intervenção no Ciência Viva. Devo dizer, e aqui penitencio-me, que inicialmente não ligueimuito ao desafio do programa da Ciência Viva. Geralmente, ando muito ocupado com outrascoisas, com os afazeres da minha própria instituição. Não foi por qualquer desprezo, por qual-quer desdém, mas não tenho tempo para fazer todas as coisas. E foi só, gradualmente, que oCentro de Neurociências de Coimbra acabou por ficar envolvido nas actividades da Ciência Viva.

Vou-vos dizer como isso aconteceu. Primeiro, o nosso Ministro da Ciência, o ProfessorMariano Gago, persistentemente visita as instituições científicas para saber o que está a aconte-cer. O que é certo é que ele às vezes instiga-nos a fazer coisas que nós não faríamos normal-mente. Foi com uma destas visitas do Senhor Ministro que comecei a sentir que o Centro deNeurociências também teria de participar no Ciência Viva.

Optámos por criar o nosso próprio método de nos introduzirmos no Programa da CiênciaViva. O que fizemos foi o seguinte: criámos uma acção directa entre o Centro de Neurociênciase três escolas, e propusemos receber entre 8 e 16 alunos durante o Verão, que nos são envia-dos pelas escolas que seleccionam os alunos que nos querem mandar.

A geminação das escolas com o Centro de Neurociências foi feita através das ligações quejá existem entre o nosso corpo de investigadores e os professores das escolas.

Evoluímos já para a criação de um mestrado que é dirigido ao ensino da Biologia, e estamosa pensar em associar este mestrado a esta actividade do Ciência Viva. Aliás, houve uma nova ideiaque emergiu recentemente: a ideia é que cada dissertação de mestrado realizada por um profes-sor do ensino secundário constitua um projecto do Ciência Viva. A dissertação deve contribuir comnovos conhecimentos para o avanço dos processos de comunicar Ciência aos alunos. Isto tambémé criatividade, isto também é original e justifica-se como uma dissertação de mestrado.

O Programa Ciência Viva tem dado origem a muitas iniciativas importantes, e acho quetemos um substrato muito importante que não devemos deixar cair. Sinceramente, inicialmentefui um bocado avesso a ingressar nesta actividade, mas hoje estou muito entusiasmado e esperoque este meu entusiasmo possa contagiar alguns de vós.

Obrigado.

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SESSÃO PLENÁRIA

Professor António VeríssimoCentro de Neurociências de Coimbra

Muito bom dia a todos. O Professor Arsélio já vos explicou qual era a nossa ideia do Centrode Investigação que se adapta perfeitamente à nossa ideia de geminação que vos queria muitobrevemente tentar explicar. Antes disso, vou só apresentar as escolas que estão connosco gemi-nadas: são a Escola Secundária Dom Diniz, a Escola Secundária lnfanta Dona Maria e a EscolaSecundária Quinta das Flores, todas da zona de Coimbra e todas da zona urbana de Coimbra.

Se se lembram, o Dr. Arsélio explicou que o Centro de Neurociências não é um centro deinvestigação com paredes nem sequer de vidro: não tem paredes de todo.

A nossa ideia de geminação surge um pouco nessa linha ou, se quiserem, nessa filosofiainerente ao próprio Centro, tentando alargar cada vez mais as pessoas que constituem o Centroe não sendo, neste caso, necessário derrubar paredes porque elas não existem ou, pelo menosdo nosso lado, presumimos que não existem. De modo que a nossa ideia de geminação podeser facilmente resumida num lema que eu tentei escrever para vocês e que se pode resumirentão no seguinte: A escola à procura de Ciência, a Ciência à disposição da escola.

O que é que queremos dizer com isto? Queremos dizer que se a escola for à procura, eaqui a responsabilidade é, do nosso ponto de vista, da escola – de resto essa ideia de autores-ponsabilização da escola e dos professores penso que é também uma ideia que agrada a todoo Programa Ciência Viva – de modo que nós, nesta ideia de geminação, pretendemos mantê-latambém. E então, se quando a escola vem à procura de Ciência sente essa necessidade, nósestamos lá à disposição para ajudar a, de um modo geral, procurar e, quem sabe, até mesmo aconstruir e a divulgar essa ciência.

De modo que, o que nós fizemos a nível prático com estas três escolas foi propor esta ideiae apresentar, à partida, uma pequenina lista de pequenas acções concretas que poderíamoscomeçar a realizar para desenvolver actividades.

Uma vez que não tínhamos qualquer tipo de actividade ou de ligação, digamos, mais insti-tucional entre o Centro de Investigação e estas escolas o que nós propusemos às escolas foi,muito pragmaticamente, ajudar na instalação de laboratórios para o ensino de ciências, utilizaro nosso know how, a escola utilizar o nosso know how para esse efeito. Propusemos tambémque eles nos usassem para a instalação e manutenção de equipamentos científicos que nóssabemos que, por vezes, existem nas escolas mas que os professores têm alguma dificuldade emutilizar e, inclusivamente, em manter.

Outra grande dificuldade que nós pensamos que nalgumas escolas existe é o acesso acoisas tão simples que um centro de investigação tem, que manobra no seu dia-a-dia, que são

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catálogos de equipamentos e de reagentes. De modo que uma das coisas que nos propomos foifacilitar o acesso a essas coisas simples também.

Uma vez que grande parte da nossa actividade está relacionada com Biologia, propusemostambém uma outra coisa que para alguns professores, nomeadamente da área do 11º B, é porvezes muito difícil de obter nas escolas e que são certos tipos de material biológico. Estamos apensar em quê? Por exemplo culturas bacterianas, culturas de algumas células específicas, esta-mos a pensar inclusivamente em organismos celulares que dificilmente poderão ser isolados nasescolas.

Os professores ou alguns alunos podem dirigir-se ao centro e, porque não, com o nossoauxilio isolarem, por exemplo, cloroplastos, mitocôndrias – parece que aqui em Lisboa este mudade sexo, não é? Segundo parece não são mitocôndrias, são mitocôndrios. Mas, enfim, tanto fazpois estamos a falar da mesma coisa – portanto é essa a nossa ideia em relação ao materialbiológico, ou outro que eventualmente nós tenhamos possibilidade de obter.

Outra questão muito pragmática que propusemos foi o intercâmbio de protocolos expe-rimentais. Nós temos alguns, as escolas provavelmente têm outros que nos podem melhorar nanossa docência diária, aqueles que somos docentes e que pertencemos ao centro de investi-gação.

Outra coisa que nós notamos que geralmente os professores têm acesso difícil e que nóstemos logo ali à mão é uma biblioteca. Propusemos também que os professores e os alunos dasescolas tivessem acesso à nossa biblioteca.

Finalmente, propusemos dar o nosso apoio e a nossa disponibilidade a projectos de inves-tigação que estejam já a decorrer nas escolas e auxiliar noutros quaisquer problemas que as pes-soas queiram, seja de cariz experimental, seja de cariz teórico: alguém tem uma dúvida qual-quer, um detalhe qualquer teórico que não sabe como resolver. Não tem problema: telefona,manda um correio electrónico, escreve, faz o que entende.

Portanto, esta foi a nossa inicial proposta de dinamização às escolas, mas sempre comintenção de estarmos abertos a todo outro tipo de iniciativas. Esta parece-nos, ou pareceu-nos,a base mínima de partida que nós poderíamos oferecer.

O nosso processo de geminação é recente e não posso apresentar-vos, neste momento,grandes resultados deste nosso processo. Posso é informar-vos, talvez seja interessante, dealgumas pequenas dificuldades ou sucessos que tivemos no caminho de construção dessaprópria geminação. E, muito rapidamente para não vos roubar mais tempo, chegámos a algu-mas conclusões que parece que são importantes.

Primeiro, no nosso caso, após a geminação institucional, após os presidentes de ambas asinstituições assinarem um papel, achámos fundamental personalizar os contactos, isto é, temque haver pessoas com que outras pessoas do outro lado saibam contactar. Tem de haver umnúmero de telefone, um nome, um correio electrónico. E, a partir daí, essas instituições formamuma espécie de rede.

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Depois, pareceu-nos muito importante – e já o fizemos – constituir em todas estas institui-ções, nas quatro, núcleos de dinamização, aquilo a que eu chamo um núcleo duro, que depoisforma a tal rede nas quatro instituições.

Pareceu–nos também interessante, e chegámos a essa conclusão, que era muito impor-tante procurar a discussão em grupos interdisciplinares das actividades a realizar consoante asnecessidades de cada escola. Verificámos, também, que cada escola é ou pode ser um mundodiferente, com realidades diferentes das outras escolas, e é importante ter isso em conta.

Finalmente, uma conclusão muito importante a que chegámos: é que a programação dasactividades deve respeitar muito rigorosamente o calendário que os professores são obrigados acumprir.

Para terminar, gostava de vos dizer que com as três escolas nós temos agendado já, e oProfessor Arsélio Pato de Carvalho já falou nisso, o projecto Ciência Viva nas Férias, que nesteano particular vai decorrer no nosso Laboratório de Biologia Celular e Neuroquímica, sobre umtema geral de cultura de células animais. Os 9 alunos que nós vamos receber são obviamente 3de cada uma das nossas escolas geminadas e, portanto, foi cada uma das escolas que escolheuos 3 alunos em conjunto connosco. Temos já agendado, também para todas as escolas, reuniõesa efectuar no dia 9 e 10 de Setembro deste ano para calendarização das actividades mais especí-ficas com cada uma das escolas. Para além disso, gostava também de vos apresentar aquela queé, provavelmente, a nossa ‘jóia da coroa’, que é a Escola Secundária da Quinta das Flores. Paraalém deste tipo de actividade mais geral, a Dra. Isabel Paiva explicar-vos-ia todos os projectosque estamos a desenvolver ou a tentar incrementar com relação especificamente a essa escola.

Muito obrigado.

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Drª Isabel PaivaEscola Secundária da Quinta das Flores, Coimbra

Venho aqui em representação da Escola Secundária da Quinta das Flores, para fazer sen-tir o quão importante foi para nós o projecto de geminação ora apresentado.

Os projectos de geminação são importantes para as escolas, por uma razão tão simplescomo esta: a ciência experimental nas escolas é uma necessidade incontornável. Há necessidadede a fazer, mas há sempre um duro caminho a percorrer para concretizar algumas actividades.Normalmente, as pessoas desmotivam-se, porque não há condições, os apoios são poucos epode haver muitas ideias, mas normalmente ficam pelo caminho.

Em relação à Escola Secundária Quinta das Flores, e na sequência do protocolo de gemi-nação, houve a capacidade de pensar alguns projectos que gostaríamos muito de levar a cabo.De entre as actividades iniciadas durante este ano lectivo, tivemos algum sucesso com um ciclode conferências, que intitulámos "A Ciência Universitária na Escola", e que abordou temascomo a Biotecnologia, a Saúde, a Microbiologia e até a Genética Molecular, normalmente feitaspor conferencistas que chegaram muito próximo dos nossos alunos.

Avaliado este projecto junto dos alunos verificou-se que as mensagens tinham passado e,sem excepção, consideraram ser uma forma muito agradável de obter informação. É, portanto,um trabalho a continuar e o Centro de Neurociências vai-nos possibilitar o contacto com muitomais cientistas, sobretudo facilitando-o, porque são pessoas muito ocupadas e por vezes nãopercebem a importância destas actividades a nível do Ensino Secundário. A sua colaboração seráfacilitada se estiverem motivadas e estarão se forem parte integrante de uma geminação.

Por outro lado, algumas das maiores preocupações nas escolas são o ensino para a Saúdee para o Ambiente. São conteúdos que estão pouco considerados de forma explícita nos pro-gramas, mas estão presentes na sua articulação transversal. Portanto nós queremos apostar prin-cipalmente em projectos do tipo interdisciplinar que cumpram essa metodologia.

A nossa escola tem um belíssimo espaço exterior, tem também bons laboratórios em ter-mos de espaço físico e de alguns materiais. Os laboratórios não estão muito bem organizadose como o Dr. Veríssimo acabou de dizer, essa é uma das ajudas prioritárias do CNC: reorganizaros laboratórios e rentabilizá-los mais.

Temos ainda em mente um outro projecto. As escolas secundárias enfrentam um problemagrave. O ensino secundário são 3 anos de escolaridade e, portanto, a permanência dos alunos doensino secundário na escola é de 3 anos (10º, 11º, 12º). Portanto, ao entrarem na escola, no 10ºano, os alunos precisam eventualmente de um ano de adaptação. Quando estão preparados paracomeçar a actuar e participar em projectos extracurriculares, vão entrar no 12º e saem.

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O nosso projecto é algo ambicioso e vai criar um eixo talvez um pouco para além até doque estava pensado pela geminação. A geminação pretende criar uma ligação entre o ensinosuperior e o ensino secundário.

Nós vamos mais longe, para que essa ligação seja ensino superior – ensino secundário –ensino básico. O projecto que pretendemos muito acarinhado pelo Centro de Neurociências éexactamente a capacidade de preparar actividades que vão ser desenvolvidas na escola, nonosso espaço exterior e nos nossos laboratórios, com alunos de escolas básicas da área da EscolaSecundária da Quinta das Flores. Essa proximidade permitirá a esses alunos conhecerem a esco-la antes de para lá irem e, provavelmente, optarem por ela e optar por algumas actividades daescola. Quando lá chegarem, já terão conhecimento do que a escola lhes poderá oferecer.

Mas queríamos mais do que isso, queríamos que os grandes organizadores e entusiastasdestas actividades fossem fundamentalmente os nossos alunos, aqueles que estão lá hoje.Queremos, por isso, começar no próximo mês de Setembro com a formação de monitores paraessas actividades e esses monitores serão os nossos alunos. Mais do que isso, alguns dessesmonitores poderão ser os alunos que a nossa escola indicou ao Centro de Neurociências para oPrograma Ciência Viva nas Férias. Vamos tentar encaixar todos esses pontos do processo, deforma a obter o maior êxito possível.

Poderia terminar por aqui. Embora haja muitos outros projectos, acho que o fundamentalé pensar como tudo isto poderá gerar o tal entusiasmo na educação para a Saúde e para oAmbiente, e sobretudo ganhar a partida da educação através de informação actualizada, expe-rimentada e portanto muito facilmente aprendida. Só se o conhecimento for actual e prático éque pode ser aprendido sem esforço, aprendido com gosto e permitir uma escolha conscienteno futuro.

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Professor José PissarraDepartamento de Botânica da Universidade do Porto e IBMC

Em primeiro lugar queria apresentar os meus cumprimentos a todos os presentes eagradecer ao Programa Ciência Viva do Ministério da Ciência e da Tecnologia, na pessoa daProfessora Ana Noronha, o convite para estar aqui presente e relatar algumas experiências noâmbito das Geminações. Vou ser muito breve, por questões de temperamento e porque muitasdas considerações que poderia tecer já foram feitas anteriormente.

Começando pela geminação estabelecida entre o Instituto de Biologia Molecular e Celularda Universidade do Porto (IBMC) e a Escola Secundária Carolina Michaelis, importa referir que oIBMC é uma instituição multidisciplinar que aglutina diversos grupos de investigação que parti-lham interesses comuns. São grupos de investigadores das Faculdades de Ciências, de Farmáciae de Medicina, do Instituto de Ciências Biomédicas "Abel Salazar", do Hospital Geral SantoAntónio, do Instituto de Genética Médica e do instituto Nacional de Saúde "Dr. Ricardo Jorge",que obviamente desenvolvem investigação básica e aplicada em áreas da Biologia. O apoio queo IBMC tem dado e que pode dar insere-se dentro desta área do saber.

A geminação estabelecida com a Escola Secundária Carolina Michaelis tem consistido naprestação de apoio diverso desde interpretação de compêndios, cedência de material –nomeadamente culturas bacterianas – e em ajuda em técnicas diversas de Microbiologia.

Ao falar em Microbiologia, permitam-me que refira aqui um aspecto muito curioso, que éo seguinte: perguntava-me um docente do ensino secundário o que é que eram e para que éque serviam os mesossomas, uma vez que vinham descritos como tendo muitas funções. E eudisse-lhe pura e simplesmente que os mesossomas não existem. "Mas não pode ser, vem noscompêndios!". Acrescentei que "foram escritos tratados, mas há um cientista português, oProfessor Dr. Teixeira da Silva, cujo trabalho é reconhecido pela comunidade científica interna-cional, que demonstrou que os mesossomas não existem; demonstrou que é possível induzirtantos mesossomas quantos se quiserem quando os processos de fixação não são adequados".

Isto vem na sequência do que disse o Professor Dr. Pato de Carvalho, quando falava quea investigação tem de ser de excelência.

Temos, neste caso concreto, investigação de excelência, foi produzido conhecimento quede facto só é um, que os mesossomas não existem. E, para espanto meu, dizem-me que o assun-to vem nos programas que emanam do Ministério da Educação. Não pude resistir a denunciaresta situação e exortava os colegas a corrigirem tudo isto.

Ainda dentro da geminação estabelecida com a Escola Secundária Carolina Michaelis, oapoio tem-se restringido ao domínio da Microbiologia estando, inclusive, programado um curso

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sobre "Aspectos Básicos da Prática Microbiológica" para docentes desta Escola e que decorreráno IBMC. Será ministrado por especialistas na matéria e versará técnicas básicas de cultura demicro-organismos, de coloração e de identificação.

A outra geminação foi estabelecida com a Escola Secundária Almeida Garrett e tem-setraduzido em apoio técnico e científico, fundamentalmente, nos domínios da Biologia Vegetal,porque foi uma geminação estabelecida entre o Departamento de Botânica da Faculdade deCiências da Universidade do Porto e esta escola do ensino secundário.

É daquelas situações que resultam de sinergias diversas, de intercâmbio e de conheci-mentos pessoais. Eu diria que o trabalho de base e a colaboração já existiam e só depois é quesurgiu a ideia de estabelecer a geminação. Nesta sequência foi possível organizar um workshopque decorreu nas instalações da escola, subordinado ao tema "Técnicas de microscopia eprocessamento de material para observação ao microscópio óptico".

Este tipo de geminações é, na realidade, uma cooperação entre as comunidades científi-cas e educativa. Pela nossa parte, a cooperação com as instituições do ensino secundário é umaprática muito antiga a que o Ciência Viva veio, de certa maneira, dar uma cobertura legal e umaface visível.

Mas nem todas as instituições científicas podem proceder do mesmo modo. E, por outrolado, será que de facto a comunidade científica é tão aberta a colaborar com as instituições doensino secundário? Vou deixar estes pontos mais polémicos e as suas implicações para o meucolega, o Dr. Jorge Coelho.

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Dr. Jorge CoelhoEscola Secundária Almeida Garrett, Vila Nova de Gaia

Bom dia. Eu estou a representar a escola secundária Almeida Garrett. Uma escola urbanada cidade de Vila Nova de Gaia.

O nosso protocolo de cooperação, em termos informais, com o Departamento de Botânicada Universidade do Porto, era algo que já se tinha estabelecido nos anos anteriores. De qualquerdas formas, aquando da assinatura do protocolo de cooperação, ocorre-me reler a primeira linhaque diz "a cooperação entre as comunidades científicas e educativas...". Este ponto assume-se,pelo menos para mim, como uma grande dúvida, isto é, se de facto ela existe, ou se ocorre deuma forma esporádica. Às vezes nós, como professores do ensino secundário, não identificamosa formalização dessas relações, mas em termos informais, pelo menos, a comunidade educati-va está interessada nos processos da produção do conhecimento científico que as instituições doensino superior produzem.

Implicações da produção do conhecimento científico e do desenvolvimento tecnológico aonível da sociedade (axiológicas, portanto de valores), inclusivamente implicações políticas, tudoisso se vai repercutir no nosso modo de ensinar ciência.

Na projecção que estão a ver, a seta pretende mostrar o sentido que assume essa mesmarelação, entre a comunidade dos investigadores e a comunidade escolar, portanto unidireccional.De qualquer das formas, essas relações, mesmo informais, existem.

Existem e porquê? Porque existem áreas de interesse comuns. A comunidade científica ao dara conhecer o currículo dos seus cursos aos nossos alunos do ensino secundário, portanto, 10º, 11º e12º anos, pretende cativar alunos de "primeira escolha". Eu coloquei a expressão entre aspas, porquea expressão não é minha. Assume o significado de os alunos poderem de forma intencional escolhercursos ditos das ciências experimentais, como por exemplo, a Física, a Química, a Biologia e aGeologia, mas como primeira opção e não ser um outro curso numa segunda opção.

A comunidade científica está hoje mais interessada em divulgar o que estão fazendo nosrespectivos departamentos e por outro lado, disponibilizam-se para desenvolver acções de for-mação de professores de ciências.

Divulgar ciência, em termos muito genéricos, pode passar pela apresentação de uma sim-ples publicação, ou pode assumir um contacto mais informal, através da disponibilização, porexemplo, dos espaços das instituições do ensino superior, sob a forma de visitas guiadas aos la-boratórios dos respectivos departamentos. Por outro lado, a comunidade escolar tem tambémalgumas áreas de interesse nomeadamente no aprofundamento de conhecimentos sobre dife-rentes teorias e hipóteses científicas, porque importa aos docente saber os contextos de

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SESSÃO PLENÁRIA

descoberta e justificação para produzirem um produto final para o aluno, em termos de fichasde trabalho, ou de criação de protocolos experimentais, de índole mais investigativa.

Os professores do ensino secundário, sentem a necessidade de ter presente os contextosda descoberta, as suas implicações, aqueles caminhos que não são tão conhecidos e que muitasvezes passam pela resolução de situações de erro. É, também, de grande relevância os profes-sores terem presente o conhecimento dos contextos da própria justificação, a forma como éacreditado o conhecimento científico pela comunidade científica.

Para o professor do ensino secundário é fundamental a aquisição de conhecimento mani-pulativo ou processual sobre as diferentes metodologias que são utilizadas ao nível da investigação,para um melhor desenvolvimento das estratégias de ensino e para a construção adequada denovos materiais sustentados numa didáctica construtivista no ensino das ciências. Assim, a didácti-ca construtivista pode dar um contributo no sentido de mostrar que as experiências feitas na salade aula não têm o mesmo valor epistemológico da experimentação realizada nos departamentosde investigação, actualmente. Cabe à didáctica revelar melhor essa realidade.

Para terminar esta comunicação gostaria de referir aquilo que ao nível da nossa escola foirealizado antes da própria assinatura do protocolo.

Nós desenvolvemos um workshop com sessões práticas e teóricas que são "espaços" pri-vilegiados, onde o nosso grupo disciplinar se pode reunir com investigadores convidados. Deconcreto, realizamos a preparação de tecidos e estruturas vegetais para microscopia óptica.Também, como professores, estamos bastante carenciados e necessitamos de apoio bibliográfi-co relacionado com aspectos de divulgação científica, como por exemplo sobre os actuais pro-blemas na investigação.

Os contextos problemáticos da investigação de uma comunidade científica, podem ser apro-priados pelos nossos alunos na sala de aula, sob a forma de teorias e hipóteses de trabalho expe-rimental. Como professores devemos apresentar um trabalho prático, não do "tipo receita" ou"demonstrativo", isto é, em que o aluno possa só verificar, ou que o professor possa mostrar pe-rante a turma, mas sim de um novo modelo que possibilite aos alunos aprender a fazer fazendo.

A consulta sobre metodologias experimentais e recursos tecnológicos – no sentido de daruma faceta plural às diferentes metodologias de ensino – pode, sinceramente, contribuir paraultrapassar aquele conceito sobre a existência apenas de um único método: o método científi-co. Portanto uma pluralidade de métodos devia estar contemplada e subjacente na elaboraçãodos protocolos experimentais do trabalho prático na sala de aula.

Em síntese: I) deverão desenvolver-se projectos educacionais que valorizem um trabalho práti-co, de índole mais investigativa, para que os alunos tenham um melhor gosto pela ciência e que nãopercam essa apetência à medida que vão percorrendo o ensino secundário; II) as experiências desen-volvidas na sala de aula proporcionem aos alunos uma cumplicidade na obtenção de resultados, queembora tenham sido já previamente obtidos pelos cientistas, sejam resultados ajustados aos pro-blemas científicos de que eles se apropriaram como se fossem os seus. Muito obrigado.

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GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

Professor Carlos Mota SoaresInstituto de Mecânica, Instituto Superior Técnico de Lisboa

Bom dia. A minha intervenção vai ser muito curta: dois comentários gerais e deixo o restodo tempo ao Eng. Manuel Lima para relatar a experiência concreta da nossa geminação. O inte-resse da geminação entre instituições de investigação e escolas secundárias é, na minha opinião,objectivo e não é paternalista. Consigo ver pelo menos quatro objectivos nessa relação. Primeiro,interessar os alunos pela Ciência ou pela Engenharia em particular. Segundo, um objectivo par-ticular, o recrutamento de futuros engenheiros e investigadores. O terceiro objectivo será o inte-ressar os professores do ensino secundário pela investigação. Quarto objectivo será o recruta-mento de professores do ensino secundário para fazerem mestrados e doutoramentos e assimelevar o nível do sistema de educação nacional.

No caso particular desta geminação entre o Instituto de Engenharia Mecânica e a EscolaSecundária Gago Coutinho tem como objectivo colaborar e melhorar de facto os projectos apre-sentados pela escola. Aqui, repito, nos projectos apresentados pela escola, a nossa colaboraçãoé tentar com o nosso conhecimento, com os nossos laboratórios, com os nossos computadores,colaborar com a escola no melhoramento desses projectos.

Temos tido a sorte de contar com o Eng. Manuel Lima já o conheço há muitos anos, comoaluno de licenciatura e nos últimos anos como aluno de mestrado, e penso que quando acabaro Mestrado irá intensificar a relação já profunda entre as nossas duas instituições. Como digo,para mim é uma relação objectiva e não paternalista. Passo a palavra ao Eng. Manuel Lima.

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Eng. Manuel Gomes LimaEscola Secundária Gago Coutinho, Vila Franca de Xira

Bom dia a todos. O Professor Carlos Mota Soares deixou-me uma franja, ele disse muitoem poucas palavras e sobretudo disse o que é fundamental. Fundamental e verdadeiro. Deixou--me, em todo o caso, uma franja que eu vou aproveitar em dois vectores.

O primeiro, dar uma breve notícia do que tem sido o trabalho do Departamento deMecânica da Escola Secundária Gago Coutinho e o segundo dar umas dicas sobre qual é afilosofia que lhe está subjacente.

A dica que eu vou aproveitar, digamos a margem de manobra que me ficou, tem a vercom a relação da Escola Secundária Gago Coutinho com empresas. Nós há seis anos, concreta-mente já vamos no sétimo ano de actividade nesse sentido, temos vindo a desenvolver uma sériede protótipos objectivamente vocacionados para aplicações hidráulicas e electro-hidráulicas,onde sejam contemplados todos os conteúdos programáticos das disciplinas de Mecânica, doscursos tecnológicos de Mecânica.

Assim, começámos por construir uma quinadeira para chapa de aço de 4 mm e 1 m decomprimento, tensão redutora para 45 Kg a máxima. Construímos três máquinas de racharlenha, de accionamento electro-hidráulico, todas elas com características diferentes, sendo umadelas já industrial. Construímos, e neste momento está em fase de acabamento, uma platafor-ma elevatória de tesoura dupla também electro-hidráulica para 1.500 kg de capacidade de cargae 2,20 m de cota. Desculpem, eu acelerei um bocadinho. É que, sabem, o tempo é pouco e otrabalho muito, falta de hábito.

Então, estava eu a dizer, para além daquelas máquinas maravilhosas que nós construímose de que nos orgulhamos muito, temos continuado a relatar os nossos feitos, estamos nestemomento a acabar uma plataforma elevatória de tesoura, dupla, também de accionamentoelectro-hidráulico, também de características industriais, 1.500 kg de capacidade de carga má-xima e 2 metros e meio de cota. Isto, digamos, sem um objectivo claro, ou seja, sem termos umcliente à vista.

Curiosamente, todas as máquinas que nós acabámos – estamos a falar da quinadeira eestamos a falar das máquinas de rachar lenha – estão todas vendidas, sendo o resultado do pro-duto da venda dessas máquinas revertido a favor de novas experiências com o objectivo de dar-mos saltos qualitativos no nosso ensino.

Esta relação que temos com a empresa, concretamente com a Cabena, eu tenho estado àespera que o Sr. António José Gameiro, que é a pessoa responsável junto de nós pela Cabena,e que tem tido uma abertura de espírito que apostou na escola, isto é, ele apercebeu-se por

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aquilo que viu - aquilo que viu não foi ainda o que nós temos – apercebeu-se do potencial quenós representávamos enquanto elemento de ligação ao meio industrial.

É esta fatia, esta margem de manobra que o Professor Carlos Mota Soares deixou que euqueria explorar e que tem a ver com o terceiro vértice do triângulo, o chamado triângulo da feli-cidade, penso eu, que nós queremos construir. Vértices definidos claramente pelo InstitutoSuperior Técnico e LEMEC, pela Escola Secundária Gago Coutinho – Departamento de Mecânicae, neste caso concreto, com a Cabena.

O que é que nós estamos a fazer junto desta empresa? Nós estamos a colocar aquilo quea escola tem em termos de potencial, não são só os equipamentos, não são só todas asmáquinas operativas que temos no nosso departamento, mas sobretudo, o potencial represen-tado por professores e alunos, que são ao fim e ao cabo os grandes beneficiários por parte daescola, os grandes beneficiários desta geminação, a todos os níveis.

Da parte da empresa, esta ligação representa, e estou convencido que isto é recíproco,representa o grande desejo que existe de ambas as partes de integrar ciência no dia-a-dia. Aofim e ao cabo, vamos resumir, o nosso objectivo enquanto escola é criar cientistas de fato-maca-co, estamos muito a precisar deles. E esses cientistas de fato-macaco, meus amigos, são ofuturo, pensamos nós.

Tenho aqui dois jovens, aqui nesta sala, que estão a ouvir este discurso. Estou a criar-lhesresponsabilidades, pelo menos aquela de transmitir esta mensagem – não é que eles já nãosaibam – e queria aproveitar também para vos convidar a ver o nosso stand, examinar comcuidado, à lupa se quiserem, o trabalho representado pela escavadora. Anterior a este, desen-volvemos também um projecto da parte da escola, que tem a ver com a colaboração de projec-to e desenvolvimento do chassis, pela varredora e aspiradora urbana, e neste momento com oprestígio que fomos ganhando com esta ligação, fomos convidados a desenvolver projectos aonível autárquico. Efectivamente, está lá um mini-poster, enfim, que não estará muito acabado,mas nós somos só engenheiros, não temos habilidade nenhuma para expor o nosso trabalho,queremos é que a máquina funcione. No entanto, peço-vos que atentem no substrato subja-cente ao que lá está.

E o que lá está é um projecto que vamos desenvolver já para o próximo ano e o nossocliente é a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, e que consiste numa plataforma elevatóriade tesoura para serventia das cozinhas da Câmara. E há outros projectos a seguir. Resumindo,nós já temos trabalho que chegue para os próximos três anos. No entanto, não é só esta ligaçãoque está a ser privilegiada, também para olhar para dentro da escola com o objectivo de incre-mentar, e isto é muito importante, incrementou a relação interdisciplinar de todos os núcleos danossa escola. Estamos a construir também um túnel de vento em circuito fechado para o ensi-no da mecânica dos fluídos nas disciplinas de Física e de Mecânica.

O que é que eu gostava de vos dizer mais. Bem, se me dessem corda estávamos aqui oresto da manhã a falar porque há muito, muito, muito a dizer.

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Eu gostava antes de mais, de dizer o seguinte, isto é muito importante e parece-me queé a pedra de toque de toda esta actividade. Nós estamos a assistir - e nem sempre nos apercebe-mos disso, porque o processo é complexo – estamos a assistir a uma mudança muito grande,nós estamos a ver coisas que eram os nossos símbolos, digamos da malta da minha geração, debem-estar, de futuro e de confiança, estamos a vê-los praticamente, eu diria corrompidos nosentido lato da palavra, só que a gente não pode cruzar os braços.

O facto de as coisas se estarem a modificar cria-nos um dilema: a gente ou encosta ou vaipara a frente. Para quem quer ir para a frente, como é o nosso caso, há duas coisas que esta-mos proibidos de fazer, uma é de baixar os braços e outra é de contemporizar. A nossa tarefa éresistir.

Temos que resistir a quê?Temos que resistir à solicitação do mais fácil. A solicitação do mais fácil é a solicitação do

preguiçoso. Nós temos que resistir a abrandar o rigor dos currícula programáticos, a pretextode que os miúdos, e é verdade, vêm cada vez mais mal preparados. Nós temos que resistir aofacilitismo do deixa andar. Isto é, nós não podemos dizer o colectivo da turma é muito fraqui-nho, temos de passar alguns, que é para garantir a quantidade do sistema. Nós temos que acer-tar ao nosso nível, e somos nós que andamos cá em baixo, nós é que nos apercebemos da rea-lidade da base da pirâmide, nós temos que alertar as pessoas felizmente bem intencionadas queainda temos para esta realidade e mobilizar todos os recursos a todos os níveis para que estasituação se inverta.

Reparem, muita da nossa malta, dos nossos miúdos, são solicitados ou porque precisammesmo de dinheiro ou porque querem comprar uma mota, são solicitados a passar as suas fériasnum mega-emprego qualquer, ou a conduzir uma empilhadora ou a servir umas sandes parafazerem uns trocos para a mota.

Bem, nós na Gago Coutinho tentámos dar a volta a isso, o Departamento de Mecânica, etemos estágios durante as férias na Lisnave, nas OGMAS, na Câmara Municipal de Vila Francade Xira e o que mais adiante se verá. Estágios remunerados, não tão bem remunerados comoo mega-emprego, mas onde a malta vai aprender e vai vergar a mola e vai saber o que é quecusta a realidade cá fora. Isto é o mínimo que a gente pode fazer.

Eu gostava muito de continuar aqui, mas já esgotei o tempo da minha intervenção.

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DebateModeradora: Professora Ana Noronha

PROFESSORA UNIVERSITÁRIA, MATEMÁTICAGostei muito das intervenções aqui proferidas, das pequenas intervenções, porque dão

imagem de sucesso de cooperação das instituições de ensino superior e as escolas. Tenho algu-ma experiência de três anos desse tipo de colaboração, embora não seja uma colaboração insti-tucional, sou docente do ensino superior e tenho tido colaboração com as escolas, e tenho sen-tido algumas dificuldades que gostava de adiantar.

Vou aproveitar esta oportunidade para colocar algumas questões que me têm preocupadoe que aqui me pareceram que não eram sentidas. Uma dessas preocupações é a nível de adesãode professores nas escolas. Gostava de saber como é que, e também da outra escola da AlmeidaGarrett, como é que são mobilizados os professores para participarem neste tipo de experiências.

A minha experiência pessoal é que esta mobilização é extremamente complicada, vivemuitas vezes de uma pessoa que faz o que pode e depois de alguns estagiários e isso traz algunsinconvenientes porque os estagiários estão lá durante aquele ano. Depois, no ano seguinte, jánão se encontram na mesma escola e a dinâmica que foi criada num ano, e que parecia exce-lente, no ano seguinte deixa de existir.

Tenho o exemplo de uma escola no Porto, em que havia um entusiasmo enorme da parteda escola, dos alunos, mas no ano seguinte, os estagiários que tinham sido meus alunos naFaculdade deixaram de estar nessa escola. A escola ainda aderiu ao projecto mas com uma par-ticipação extremamente reduzida.

Talvez os professores de Ciências sejam diferentes dos professores da minha área, aMatemática, mas já agora gostava de saber qual é a dinâmica criada nas escolas no âmbitodestas colaborações. Obrigada.

PROFESSORA UNIVERSITÁRIAFoi exactamente ao encontro do problema da nossa escola, que é o da formação de novos

professores.Sou orientadora de estágio e são também os estagiários que trabalham nestes projectos.

Não há dúvida que, de qualquer forma, há mais gente empenhada em fazer coisas, mas eupenso que ao contrário de os estagiários serem um perigo na morte dos projectos eles são sobre-tudo o seu futuro noutras escolas. E isso é que eu acho que é muito importante.

Portanto, se pelo menos eles levarem de cada escola o exemplo, empenho e interesse,provavelmente nas suas novas escolas eles vão fazer o mesmo: por cada quatro estagiários que

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saem por ano na minha escola, vão quatro escolas ganhar com isso. Quer dizer, eles vão estarna origem de uma forma de disseminação de todo o projecto de execução e de formação.

Claro que em relação ao que acontece em cada escola, quem faz os projectos são pessoas,no fundo não é a escola toda, são pessoas, e o Dr. Veríssimo sublinhou bem isso também emtermos de geminação, são pessoas, não são instituições só. Nós temos que personalizar essescontactos, e a escola ganha muito com isso. Há sempre pessoas empenhadas, temos é que nãodesistir, temos de continuar a tentar, a tentar para que cada vez haja mais pessoas empenhadas.Não sei se respondi...

PROFESSORA TERESA ANTUNESBom dia. Eu sou Teresa Antunes, sou da Faculdade de Ciências de Lisboa, Centro de

Biologia Ambiental. Era só para referir uma experiência que tive em relação a estágios pedagógi-cos, em que as alunas tinham um projecto e eu fazia a parte de orientação científica. Achei queo projecto – fiz uma visita ao Forum, como este que está a decorrer – achei que o projecto eramuito interessante e incentivei bastante a escola onde elas estavam, a orientadora, que concor-ressem ao projecto. Elas puseram logo o problema de no ano a seguir não estarem na escola,não estarem nessa escola, irem para outras. Mas, a professora da escola era bastante persistentee concorreram de facto a um projecto. Elas ficaram em escolas relativamente perto – é umaescola secundária de Torres Vedras, a Escola Madeira Torres – ficaram em arredores, e portantoo projecto ficou distribuído por três escolas. Portanto, em vez de estar centralizado numa esco-la, ficou distribuído pelas três escolas. Claro que é evidente que isto é um exemplo de sucesso,penso eu. Mas esta problemática é extremamente importante.

Já agora que estou a falar, vou pedir desculpa, sair um bocadinho, não totalmente, do tema,mas dar um outro testemunho vivido por mim e pela Professora Isabel Pinto que está aqui ao meu lado.Eu penso que as visitas ao Forum, que está a decorrer, são muito importantes. Toda a nossa actividadetem surgido depois destas visitas que fizemos ao Forum Ciência Viva, porque eu penso, como disse oProfessor Pato de Carvalho, que não é não acreditar, mas há outras coisas que fazer e isto vai passan-do ao lado, e penso que, mesmo muitas vezes em relação ao ensino superior, muitos dos nossos cole-gas nem sequer têm noção do que é que se faz nas escolas e os projectos que se estão a desenvolver.E quando se chega aqui vê-se, de facto, como é que nós podemos cooperar. Principalmente osdocentes universitários, que é o nosso caso, que estamos muito vocacionados para as licenciaturas deensino e, portanto, queremos fazer essa ponte, que acho que é extremamente importante.

E há outro factor que eu queria chamar a atenção, é que todas estas geminações – nósno fundo não assinámos uma geminação mas, depois do que ouvi aqui, nós temos uma gemi-nação com uma escola do Porto , a Escola Abel Salazar de São Mamede de Infesta – que surgiuespontaneamente.

Para abreviar, em relação a essa experiência que tivemos e do que aqui foi dito, pode dizer--se que desenvolvemos alguns projectos idênticos aos que aqui foram referidos, queria apenas

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salientar dois aspectos. Um que foi o facto de termos feito uma acção de formação ou, se assimlhe quisermos chamar, um workshop. Foram dois dias inteiros que passámos na escola com osprofessores da escola, fizemos trabalho prático com eles no laboratório. E teve algumas vanta-gens: foi in loco, foi na escola. Eu acho que isto é extremamente importante: nós também irmosà escola e podermos ajudar lá na escola a desenvolver o projecto.

Outro aspecto que eu queria salientar neste projecto, que me parece que é extremamenteimportante, é que ele vai desde o ensino, eu não sei se se chama primário agora, mas pronto,desde o primário até ao 12º ano, portanto em que também veio colmatar um bocado aquelaideia que foi posta há pouco de ser só para o 10º, 11º e 12º e depois não haver continuidade.

O que é certo é que os alunos da primária, os mais pequeninos, vão à escola secundáriaplantar a horta que têm – o projecto é um projecto de plantas aromáticas – e já têm um con-tacto também directo com os mais velhos da escola. Por outro lado, tem uma interdisciplinari-dade muito importante que é conseguir reunir a Biologia, a Química e a Educação Visual. E eupenso que isso, que projectos se desenvolvam nesta relação, também é muito importante.Pronto, isto é um pouco da minha experiência.

Muito obrigada.

PROFESSORA UNIVERSITÁRIAEu queria dizer que também tenho a experiência de estagiários saírem da escola, irem para

novas escolas, divulgarem um projecto e fazerem nascer um projecto na nova escola. Isso é posi-tivo. Mas eu penso, também, que não se podem escamotear as dificuldades.

Mas queria, realmente, explorar um outro aspecto que tem a ver com o ponto de vista dodocente do ensino superior. É uma carreira que assenta muito especialmente em publicações.Da parte dos docentes do ensino superior, quando uma pessoa está a coordenar um projecto,que é o meu caso, há muito tempo investido em deslocações às escolas, em tarefas burocráti-cas, e isso muitas vezes não é considerado como algo importante para progressão na carreira,porque está muito baseada nessas publicações. De qualquer forma eu gostaria de ouvir aopinião das pessoas aqui presentes. Muito obrigada pelo tempo.

PROFESSOR MOTA SOARESA minha intervenção será relatar, de facto, os contactos que temos tido com o ensino

secundário em geral. Temos feito dias abertos, em que convidamos os professores e alunos do ensi-no secundário, principalmente do 12º ano com Matemática e Física, a visitar os nossos laboratórios,em que temos tido cerca de 600/800 alunos por ano a visitar os nossos laboratórios. Começámosagora outro esquema, que é enviar um docente às escolas. Fizemos há quinze dias a primeira tenta-tiva de seleccionar dez escolas das que mandam mais alunos para o Técnico. Seleccionámos essas deze enviámos um docente. Contudo o nosso grande forum de contacto penso que será o mestrado.

Digo isso porque nós temos um mestrado há quase vinte anos e temos tido todos os anos

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um ou dois professores do ensino secundário e, de facto, essa experiência é muito útil, emboraeu tenha a relatar que apenas 50% dos professores do ensino secundário fizeram o mestrado,e alguns até o doutoramento. A parte negativa é que alguns docentes saíram do ensinosecundário e estão hoje na Universidade e Politécnico. Mas acho que não é por essa parte quedevemos desistir. Acho que é muito importante os professores do ensino secundário fre-quentarem os mestrados e dessa maneira incentivar as relações entre o ensino superior e o ensi-no secundário. Obviamente, se saírem do ensino secundário, isso não irá acontecer.

PROFESSOR ANTÓNIO VERÍSSIMOSó em relação à questão que foi posta, que é de algum modo uma questão que eu acho

fundamental, que é, ao fim e ao cabo, penso eu, a adesão de professores de escolas e também,vamos chamar-lhe assim, cientistas, dos centros de investigação a este tipo de projectos. Pensoque interpretei bem, o seu problema é um pouco esse. Se reparou no que eu disse, a nossaexperiência resultou razoavelmente bem, ou pelo menos tem resultado razoavelmente bem, oque implica a formação de grupos de dinamização. E nós, que estamos geminados com trêsescolas, temos aquilo a que eu chamo um núcleo duro, pessoas que de facto se interessaram àpartida, que tende cada vez mais a abrir-se e que nós esperamos que de futuro seja cada vezmais alargado.

O trabalho, a demonstração do trabalho realizado, é uma boa forma de facto de trazermais pessoas a este tipo de projecto. Agora a dificuldade que se sente no ensino secundário éa mesma do meu lado. Provavelmente, não sei, mas até será muitas vezes mais difícil entusias-mar um professor universitário ou um investigador a entrar em projectos destes do que um pro-fessor do ensino secundário.

Há aqui um detalhe que eu desconheço completamente: eu não sei o nível de motivaçãodos professores de Matemática. Desconheço completamente. Na Biologia sei que isso érazoavelmente fácil. Há, portanto, esse detalhe que eu aí não me posso pronunciar.

Nas universidades como é que a gente resolve isto, nos centros de investigação como éque a gente resolve isto? Presumo eu que da mesma maneira. Teremos de começar como – eucostumo usar a expressão de "homenzinhos pequeninos, verdes, com antenas", porque nalgunssectores da Universidade são considerados assim – mas que, presumo eu, cada vez mais aprópria universidade e os próprios centros de investigação vêem a vantagem, digamos assim,deste tipo de actividades, porque há aqui coisas muito objectivas a ganhar, como disse oProfessor Carlos Mota Soares. Na actividade dele é visto de forma notória. Na nossa actividadede investigação mais aplicada noutras áreas, mas não tão impressionante como as escavadoras– de facto merece a pena ser visto contrariamente aos outros, de facto foi muito difícil de insta-lar e de transportar, presumo eu, não sei como é que conseguiram trazer, mas resultou nalgu-ma dificuldade – mas dizia eu que de facto nós temos a ganhar também com o contacto comprofessores e com o contacto com alunos. Estou a pensar num aspecto que me é particular-

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mente querido, que é obrigarmos a fazer uma reflexão – que geralmente não é feita, ou que éfeita, digamos a outros tempos, em outros espaços temporais – sobre o próprio processo emque estamos empenhados de construção de Ciência: o que é isso que nós estamos a fazer numlaboratório, o que é que isso tem a ver com o que está de fora do laboratório, com a sociedade,etc. por aí fora.

Este tipo de contacto com professores e com alunos obriga-nos de algum modo a reflec-tir mais profundamente sobre este tipo de questões e de problemas que é muito enriquecedordo nosso ponto de vista. O meu trabalho no Centro de Neurociências é tentar mostrar isto aosmeus colegas, é que eles ganham também e enriquecem-se com este tipo de actividades.

PROFESSOR VÍTOR GILEstas excelentes experiências aqui relatadas, e bem assim todas as que estão lá fora, nor-

malmente arrancam de uma forma desinteressada, mas a sua sustentação no tempo há-de exi-gir várias coisas, entre elas um crescente reconhecimento formal, nomeadamente no planoprofissional dos professores das escolas básicas e secundárias.

Ora, é sabido que as instituições de ensino superior organizam ou participam na organi-zação de acções de formação, designadamente no âmbito do Programa Foco, que se traduzemem créditos que têm relevância na promoção profissional dos professores.

A minha questão é em que medida é que a intervenção em projectos desta natureza de-verá e poderá ser traduzido numa creditação com efeitos promocionais na carreira.

ENG. MANUEL GOMES LIMAEu queria pedir-vos mais um pouco da vossa atenção para um aspecto. Gostava de desen-

volver um aspecto que foi focado pelo Professor Carlos Mota Soares e que tem a ver com oabandono de alguns professores do ensino secundário que fazem o mestrado e que depois“abalam” para o ensino politécnico ou ensino superior.

Ora bem – vão perdoar-me a expressão, digo isto com sentimento, como aliás o fiz emrelação a tudo o que fiz aqui – mas há um ditado na minha terra que diz que todos gostam deser grandes menos nas orelhas. Quer dizer, se nós conseguirmos dignificar, com a dignidade queele merece, o ensino secundário, as pessoas que atingiram um grau de ensino superior ou, nestecaso, de aprendizagem superior no mestrado, não necessitarão mais de se promover, de pro-mover a sua própria imagem – o que, diga-se de passagem, é legítimo – com a transferênciapara o nível de ensino superior. Não. Pode investir-se no secundário. Sabem porquê? Porque osecundário é o elemento que está imediatamente entre a população que acede ao Técnico e obásico. Quanto melhor for o secundário, melhor é o ensino superior.

Aquilo que disse há bocado, nós não vamos cruzar os braços nem vamos laborear. Ondeé que é o nosso próximo campo de batalha, onde é que ele começa? No ensino superior? Não,ele começa em casa. Para já, ele começa em casa, é verdade, mas também agora, cada um com

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as suas responsabilidades. Se nós no Técnico pegamos, como alguém disse aqui, e quanto a mimbem, naqueles miúdos que vêm para o 10º ano porque lhes fazia muito bem terem um estágioantes de irem para o secundário – mas não têm – se nós pegarmos neles e os dinamizarmos ecomeçarmos a puxar para aquilo que é efectivamente importante – nivelar por cima – obrigá-mo--los a desenvolver trabalho, a sentirem-se chegados àquilo que pretendemos que eles sejam.Porque precisamos mais e exigimos mais, isso tem de ser feito à custa de uma melhoria de quali-dade de ensino que começa pelo próprio professor.

Portanto, o professor teve, entre aspas, o privilégio – porque é um privilégio neste momen-to, fazer o mestrado – tem método, luta. Aquilo custa muito, sabem com certeza, mas teve ométodo de chegar lá acima. Mas isso, meus amigos, não significa necessariamente uma portade acesso para aquilo que neste momento é entendido como um salto para cima.

Porquê? O que é que é um salto para cima? Um salto para cima, meus amigos, é aquiloque exige mais trabalho e luta, por isso é que dignifica. "Então ficas no secundário?". E porqueé que alguns que estão no superior e no politécnico não voltam ao secundário? Ganhávamostodos com isso. Muito obrigado.

PROFESSOR MANUEL MARQUESBom dia. Manuel Marques, da Faculdade de Ciências do Porto. A minha intervenção

prende-se um pouco com a intervenção anterior sobre o acabar com a carolice nestes projectos.Eu vou relatar um caso concreto que se passou num projecto em que eu colaboro e em que ocoordenador do projecto pertence à Escola Secundária.

O coordenador tem uma óptima relação com o Conselho Directivo que, reconhecendo aimportância do projecto, deu uma redução de duas horas lectivas a esse professor. Mas essa reduçãofoi chumbada pela DREN, porque não teria direito a nenhuma redução lectiva, enquanto na mesmaescola existem professores de Educação Física que estão no desporto escolar e têm redução lectiva.

Esse professor sentiu uma desmotivação tão grande por esse apoio negativo que teve, quepassou quase um mês quase a pensar abandonar o projecto. Este aspecto, acho que é um aspec-to que merece, que deve merecer, uma atenção do projecto Ciência Viva, este aspecto dadesmotivação, da carolice. Uma pessoa é capaz de ser carola durante um ano, dois anos, trêsanos, mas depois começa a moer.

O mesmo aspecto se põe do lado das instituições superiores. Eu não me esqueço que quan-do comecei a colaborar com escolas secundárias, há coisa de dez anos atrás, fui aconselhado porvários colegas a abandonar isso, porque, como eles diziam, ia-me diminuir o número de papers cien-tíficos que eu iria produzir o que implicaria que eu ficaria para trás na progressão científica.

O aspecto põe-se, portanto, dos dois lados, mas principalmente eu gostava que a equipada Unidade Ciência Viva tomasse algumas medidas no sentido de, pelo menos dentro das esco-las secundárias, haver alguma credibilização dos projectos Ciência Viva. Muito obrigado.

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GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

PROFESSORA DO 1º CICLOEu sou professora de 1º Cicio de uma escola da Figueira da Foz que está agrupada com

mais sete escolas. Quero aqui dar o testemunho do que tem sido, como é que temos estado aviver o Programa nas nossas escolas.

Quando apresentámos o projecto foi, na nossa ideia, um pouco ambicioso. Ambicioso porque em relação às escolas do 1º ciclo, e não entendemos bem porquê, os que mandam pare-cem querer sempre construir a casa pelo telhado, ou seja, nas escolas de 1º ciclo nunca há nada,nunca aparece nada. Sentíamos sempre a falta de tudo e quando fizemos o projecto pedimosaquilo que não tínhamos e pensámos, "como é que isto vai ser, será que vamos ter direito a teralguma coisa?". O que é certo é que tivemos e, desde que temos lá equipamento, não se fazideia de como têm sido desenvolvidas experiências interessantes e as crianças estão muito maismotivadas. Só apreciando é que se pode ver.

Foi, de facto, uma lufada de ar fresco que chegou. Porque nós não tínhamos nenhum materialde apoio, nada a não ser a nossa própria imaginação, quadro, giz e pouco mais. Agora as crianças têmoportunidade de trabalhar com o material que foi adquirido e com coisas muito interessantes. Paraalém disso, escolas do secundário têm, também no âmbito deste projecto, articulado connosco, levamas nossas crianças lá, têm ido lá com professores e grupos de alunos e, de facto, tem sido uma dife-rença na aprendizagem que se nota na forma como as crianças revelam que aprenderam e tudo isso.

Por tudo isso, ao Programa Ciência Viva, nós estamos de facto muito gratos. Estamos agora com um problema, ao aproximar-se o final do ano: os professores. É que

nós somos sete escolas e doze professores e destes apenas três é que são professores titularesdos lugares das escolas, o que significa que se os outros não tiverem autorização para per-manecer nas escolas em que não são titulares dos lugares, se tiverem de mudar, não sabemoscomo é que as coisas irão correr com os elementos novos. Mas temos o pedido feito para ver seeles ficam. O meu testemunho era só para dizer que o Programa Ciência Viva nas escolas do 1ºciclo foi, no nosso caso, de facto uma coisa muito agradável para todos. Muito obrigada.

DRª ISABEL PAIVAQueria apenas acrescentar algo em relação ao que foi focado acerca da carolice dos profes-

sores e o problema dos professores no ensino secundário. Não há dúvida que a carolice tem sido omotor da maior parte das actividades, do gosto de as fazer. Mas a verdade é que há algumasevoluções nesse contexto. Por exemplo, a partir do próximo ano, a gestão das horas a atribuir aosprojectos é feita pela própria escola e não pelo Ministério da Educação, nem pelas direcções regio-nais. Portanto, o facto de ser possível atribuir horas de redução aos professores coordenadores deprojectos, desde que os apresentem, poderá melhorar a situação e isso é já um aspecto positivo.

Embora o Ministério não tenha sido assim tão 'mãos largas" no que respeita às quotas aatribuir, a verdade é que já há essa possibilidade. Claro que um projecto não se realiza com duas outrês horas de redução, mas já é uma ajuda. Também constituiria uma grande ajuda o reconheci-

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SESSÃO PLENÁRIA

mento institucional, o reconhecimento para a carreira, a gratificação das pessoas que fazem, tendoredução, ou tendo apenas entusiasmo, e aí estou de acordo com a opinião do Professor Vítor Gil deque há outros reconhecimentos que devem ser feitos aos professores que se empenham.

Portanto, a carolice tem de continuar a existir, porque nenhum projecto se faz sem entu-siasmo e acho que vamos ter cada vez mais professores do ensino secundário contentes por seremprofessores do ensino secundário, quando virem que os professores do ensino superior lhes estãoa dar a devida importância. Eu penso que esse desentendimento tem sido um grande problema.As instituições do ensino superior têm estado, muitas vezes, de costas voltadas para o ensinosecundário, não lhe dando a devida importância e, neste contexto, as geminações e outras inicia-tivas do mesmo tipo têm sido extremamente importantes na aproximação, na convivência entre aspessoas, no reconhecimento do seu real valor e na importância que têm na sociedade, quer ensi-nando no secundário, quer investigando no superior. É isso que é extremamente gratificante.

PROFESSOR VÍTOR GILSó uma brevíssima intervenção, relativa à necessidade de uma coordenação entre activi-

dades no âmbito do Ciência Viva e a sala de aula.Isto é, pode bem acontecer que uma criança do 1º cicio realize várias experiências e depois,

daí a dois anos, está na escola de 2º ciclo e na aula aparece a mesma experiência: "Já sei isso, jáconheço isto, etc"… Ora, há aqui algum esforço de articulação que é preciso garantir. E uma ideiasimples sem ser original, é criar para cada criança uma espécie de Passaporte de Ciência, em quese vai registando, em que ele próprio regista as experiências em Ciência que vai realizando, de talforma que quando chega a uma determinada aula, o professor saiba qual é para cada indivíduo,para cada criança a sua experiência anterior e, eventualmente, tirar partido disso.

PROFESSOR BRITES FERREIRABrites Ferreira, sou professor do ensino superior politécnico e gostava só de dizer uma

coisa. Era pegar nas palavras que o Professor Vítor Gil acabou de dizer a propósito do ensinobásico. Era aproveitar a ideia para a formação de professores do ensino básico. Quando se tratade cursos formais, organizados numa lógica de unidades de créditos, valorizar trabalho quetenha sido feito com qualidade e, desde que tenha sido devidamente acompanhado, não obri-gar pessoas a fazer percursos desnecessários, ou inclusive fazer com que pessoas que tendo feitocursos em determinado tipo de circunstâncias, ou há não sei quantos anos atrás, fiquem amar-rados a um 12 ou a um 13, ou o que quer que seja. Fazem trabalho importante e são impedi-dos de progredir na sua formação. Já nem digo na sua carreira. É só isto.

PROFESSORA UNIVERSITÁRIA, MATEMÁTICAParece-me que a minha intervenção foi tomada como algo negativo, algo que eu não queria

dizer. Queria cumprimentar o Ciência Viva pelo esforço que está a fazer. O que eu queria era chamar

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GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

a atenção para alguns problemas. Eu própria sinto também algum cansaço depois de três anos decoordenação do programa "Matemática sem Fronteiras". No primeiro ano tive cinco escolas, nosegundo tive 11, das quais duas acabaram por não concluir o projecto, desistiram a meio.

Este ano tenho dez escolas, do Porto até Castelo de Paiva, até Melgaço – inclusivamentepor causa de estagiários numas escolas que depois vão para as outras – mas há realmente pro-blemas sobre os quais eu penso que é preciso reflectir bastante, e era isso que eu queria que aspessoas fizessem.

Há, de facto, o entusiasmo que eu primeiro vi nalguns professores das escolas e queacabou por ir diminuindo ao longo dos anos, porque sentem esse cansaço. Quanto ao ensinobásico, o 1º ciclo, eu acho que é de facto muito importante. Eu própria estou a coordenar umprojecto do ensino básico, 1º ciclo e 2º ciclo. Acho que é ai que se tem que investir imensoporque é um nível de ensino ao qual não se tem dado a necessária atenção, ao contrário do queacontece nos outros países. E está muitas vezes muito afastado dos centros de fazer Ciência.Obrigada.

PROFESSOR ANTÓNIO VERÍSSIMOEu não vos incomodo mais, é mesmo a última coisa que eu quero dizer, mas há aqui uma

questão que está obviamente latente e é de facto muito importante e que, embora talvez nãotenha a ver connosco directamente, é quando se fala de reconhecimento por parte dos profes-sores, quando se fala de carreiras, etc. Estão aqui, obviamente, duas entidades em jogo de quemainda ninguém falou e que, vou chamar as coisas pelos nomes, são o Ministério da Ciência e oMinistério da Educação. Obviamente. E é ai que reside esse problema que as pessoas sentem.

Agora, a minha última afirmação é muito simples, que estas duas entidades estão conde-nadas a entenderem-se mais profundamente ou, se quiserem, a geminar-se, para ir atrás da bolaque já foi lançada.

DRª DINA SILVEIRABom dia. Dina Silveira, da Escola Cardeal Costa Nunes, Ilha do Pico. Eu queria levantar

algumas questões. Por exemplo, na nossa escola, ao nível do 11º B, Grupo de Ciências, somosseis professores, todos eles contratados, a maioria professores oriundos do Continente, que vãoà nossa escola efectivar-se e num futuro próximo abandonarão a escola.

No tocante àquilo que foi sugerido em relação aos núcleos duros gostaria de dizer que nóstemos, realmente, pessoas muito interessadas e que, no nosso caso, estão envolvidas em quatro pro-jectos do Ciência Viva. Mas estas pessoas, num futuro próximo, irão abandonar a escola e não sabe-mos se as pessoas que as irão substituir estarão interessadas ou não em manter estes projectos.

Outra questão que eu gostaria de levantar é a seguinte: ao nível do 11º B, este é um grupoque se ocupa de muitas disciplinas, que pode abranger até 10, 12 disciplinas se contarmos com asTécnicas Laboratoriais de Biologia, Bloco 1, 2 e 3, as de Geologia, etc. Tendo em atenção que a

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SESSÃO PLENÁRIA

formação especifica de cada professor, ou na área de Biologia, ou da Geologia, ou de outras licen-ciaturas que permitem leccionar estas disciplinas, há uma certa dificuldade em que depois lhe sejaatribuído um conjunto de várias disciplinas para leccionar durante um ano lectivo. Isto implica, porvezes, estar a mudar de disciplina de ano para ano, ter três, quatro, cinco disciplinas para leccionar,ter de se preparar para todas essas disciplinas. Nós sentimos realmente uma dificuldade no apoioao nível de manuais escolares e não só. Mesmo a nível da biblioteca da nossa escola que tem vindoa ser apetrechada, mas vai havendo sempre uma certa carência de material.

Outra questão que eu gostaria de colocar é em relação aos manuais escolares. Muitasvezes, e isso já foi aqui mencionado, quando num capitulo em que nós nos sentimos mais à von-tade, em que a nossa formação nos permite ir um pouco mais além, fazer uma análise criticadesses manuais, nesses capítulos, nós por vezes detectamos erros, e erros graves do ponto devista científico.

Alguns desses erros nós detectamos. Noutros capítulos, em que a nossa formação não nospermite fazer essa análise, muitas vezes esses erros passam. Seria talvez importante, não sei queinstituição poderia fazer - se o próprio Ciência Viva, não sei que controlo é que tem sobre as edi-toras e sobre a revisão de certos manuais que saem cá para fora – fazer essa revisão. Até porqueas editoras enviam-nos esses manuais no final do ano lectivo e nós temos uma semana, quinzedias para os analisar.

Fazemos uma análise o melhor que podemos, dentro do tempo, dentro daquilo que sabe-mos, mas por vezes cometemos o erro de adoptar um determinado manual que depois, à medi-da que vai decorrendo o ano lectivo, notamos que esses manuais realmente têm erros incríveis.Pronto, acho que era essencialmente isso.

PROFESSOR CARLOS MOTA SOARESO meu comentário será muito pontual e até certo ponto uma resposta à professora da

Escola da Silveira da Ilha do Pico. Tenho muito prazer que esteja presente cá. Eu também souaçoreano, mas já vivo no Continente há muitos anos, e gostaria de lhe dizer que nós temos umprojecto de investigação, um projecto internacional de investigação sobre a produção de ener-gia, pela energia das ondas.

É um projecto que tem já seis ou sete anos, e que está neste momento a ser concretiza-do uma estação piloto na Ilha do Pico, penso que na Madalena ou na Silveira, e que essa estaçãopiloto já está pronta e terá como objectivo a produção de 10% de energia da Ilha do Pico.

Acho que temos aqui em concreto, uma ideia que seria a Escola Secundária da Silveira ououtras escolas da Ilha do Pico podiam aproveitar para colaborar nesse projecto. É um projectoenorme, mas acho que os alunos aprenderiam muito. É um projecto que pode modificar com-pletamente a fonte de energia da Ilha do Pico, que penso que deve ser gasóleo, que poderámodificar completamente o próprio ambiente da Ilha do Pico. Portanto penso que temos aquium tema de interesse mútuo. Obrigado.

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GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

DR. JORGE COELHOEu tenho estado a trabalhar no projecto Ciência Viva desde o inicio. Ao revisitar os Foruns

que foram realizados nos dois anos anteriores e também o deste encontro, pude constatar umgrande crescimento qualitativo. Eu acho que se torna necessário avaliarmos todas as iniciativas,porque há muitos materiais destinados às actividades experimentais na sala de aula.

Ao passar hoje pelos quiosques e pelos posters, identifiquei um grande número de mate-riais inovadores para o aluno, que precisamos, como agentes de ensino, determinar quais asimplicações educacionais do trabalho experimental desenvolvido desde o 1º ciclo até ao últimoano do ensino secundário.

E agora esta iniciativa torna-se um desafio urgente para a equipa que coordena o projec-to Ciência Viva. Este tempo que medeia até ao lançamento da quarta etapa que deve surgir,penso eu, em Setembro, deve ser destinada à avaliação. Há muitos materiais didácticos queestão disponíveis nas bancas dos diferentes quiosques e, mais que isso, era necessário as esco-las fazerem intercâmbio das experiências educacionais, trocando esses materiais e ideias.

Assim, deve-se constituir uma equipa de trabalho que possa avaliar, e possa divulgar asexperiências que de facto tiveram um grande valor educacional no ensino das ciências, dando-asa conhecer a todas as escolas envolvidas no projecto Ciência Viva. Estamos no terceiro ano e jáexiste um certo amadurecimento das iniciativas deste tipo. A partir deste momento torna-senecessário comprometer o Ministério da Educação assim como o da Ciência e da Tecnologia quelançou este projecto, para avaliar o impacto educacional do trabalho experimental no currículo.

Acho que o Ministério da Educação não pode ignorar os resultados conseguidos por esteprojecto, podendo contribuir com o seu valor institucional na divulgação das iniciativas mais rele-vantes na comunidade educacional.

PROFESSOR ARSÉLIO PATO DE CARVALHOTenho imensa pena de não poder responder às questões que foram colocadas mas, since-

ramente, não as consegui ouvir. Peço imensa desculpa, mas não posso dirigir-me às questõespontuais que foram colocadas. A minha percepção é que foram questões relativas a dificuldadesinerentes às consequências que o programa poderá ter, e inerentes às dificuldades das escolas,às dificuldades de ligações com a universidade, etc.

Vou, no entanto, fazer um comentário geral.Eu, como todos nós, inserimo-nos num meio que tem tido problemas, que vem de uma

situação extremamente difícil, do ponto de vista institucional. Nós vimos duma cultura em queas instituições eram estáticas e nós sentíamos que não participávamos nelas, que as instituiçõeseram o que eram. Portanto, não há uma tradição de reconhecermos que as instituições podemser alteradas e que nós podemos abrir novos caminhos.

Recentemente, em Coimbra, numa sessão em que esteve o senhor Ministro da Ciência eda Tecnologia, foram abordados os problemas, as dificuldades que temos nas universidades para

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SESSÃO PLENÁRIA

implementar os programas científicos. A certa altura, talvez um tanto inconscientemente – oufoi o meu subconsciente a falar – tive esta frase: "As instituições não vão mudar porque nósestamos nelas". De facto, o que eu tencionava dizer era o contrário: "As instituições vão mudarporque nós estamos nelas, porque tudo depende de nós e nós contamos". Mas o meu subcons-ciente traiu-me e fez-me dizer que, de facto, nós estamos satisfeitos com as coisas como elasestão: por inércia não queremos mudar. Na sociedade em que nós vivemos, nós somos culpa-dos, e não temos álibis para não fazer diferente.

Queria agora captar um bocado a essência do que deve ser este momento aqui hoje,sobretudo porque estamos aqui professores universitários, professores do ensino secundário,básico, etc., alunos.

Devemos aproveitar este momento para promover o que me parece ser o espírito doPrograma Ciência Viva. O Ciência Viva é uma acção afirmativa. É uma acção que não pode terdefeitos neste momento, porque os defeitos que tiver devem ser incentivos para levar a cabotodo um projecto que é inovador, que mexe com muitas coisas, que tem potencialidadesenormes.

Um ministério, o Ministério da Ciência e da Tecnologia tenta intervir com outro ministério,o Ministério da Educação, para complementar a acção deste no sentido de promover a lin-guagem da Ciência. Portanto, todas as dificuldades que foram apontadas não tenho dúvida queexistem.

Também não tenho dúvida que a partir de agora cada vez mais, se elas continuarem a exis-tir, a culpa é nossa. As instituições por natureza são estáticas. Nenhuma instituição que estáinstalada quer mudar, e especialmente no sistema que vigora na nossa sociedade, em que amaior parte de nós tem emprego para a vida.

É um facto encorajador começarmos a reconhecer individualmente que a nossa inter-venção conta e contará cada vez mais. Hoje em dia, cada um de nós pode de facto mudar asinstituições.

Voltando ao Ciência Viva, nós devemos entender o Ciência Viva não como um programadefinido, mas como uma acção afirmativa em que podemos participar para mudar o que estámal. Ouvi já aqui dizer-se que quando os projectos chegaram às escolas as coisas mudaram.Houve um entusiasmo quando o projecto chegou e quando começaram a acontecer coisas, eeste entusiasmo é contaminador, porque as pessoas ao lado começaram a ver e também queremfazer. Portanto, pela minha parte, termino num espírito de afirmação, num espírito de estar, defacto, convencido que isto é imparável, que a nossa sociedade vai mesmo mudar, e é importanteque sejamos nós já a contribuir para isso. Obrigado.

ANA NORONHABom, o Professor Pato de Carvalho já concluiu muito melhor do que eu poderia ter feito.Há só aqui um ponto que eu gostava de clarificar, que tem a ver com o reconhecimento

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GEMINAÇÕES ESCOLAS – INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

do enorme esforço que todos nós sabemos que toda a gente que aqui está faz. Os que aquiestão e aqueles que nem sequer puderam vir mas que colaboram activamente nestas activi-dades.

Conscientes do esforço e da importância social que tudo isto representa, o Ministério daCiência e da Tecnologia considera como parte integrante das atribuições das instituições cientí-ficas, no novo regulamento do financiamento plurianual, a divulgação científica. Portanto asinstituições científicas quando apresentam os relatórios para a renovação do seu financiamentoplurianual, podem, e devem, apresentar, além dos artigos que fizeram e dos doutoramentos queorientaram, também o trabalho que fizeram em prol da divulgação científica e da melhoria dascondições de aprendizagem das ciências nas escolas, nomeadamente através do acompa-nhamento científico de projectos Ciência Viva. Isto significa que, pela parte do Ministério daCiência e da Tecnologia, existe um reconhecimento da importância pública desse trabalho e daresponsabilidade social dos cientistas.

Por outro lado, a actividade central destas instituições é a investigação científica, que éuma actividade extremamente difícil, absorvente e trabalhosa. Precisamente por isso, é tambémimportante que a sociedade compartilhe esses esforços até para os compreender.

Da parte do Ministério da Educação, penso que as alterações que se preparam que con-templam isso. No entanto o Senhor Ministro, presente logo no encerramento, certamente quenos poderá falar sobre isto. Resta-me agradecer a todos pela vossa presença, pelo vosso esforçoe desejar-vos um resto de muito bom dia connosco aqui no Forum.

Obrigada

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Sessão Plenária

Apresentação do relatórioda Comissão Internacionalde Avaliação

Professora Joan SolomonOpen University, Faculty of Sciences – Reino Unido

Professor Paul CaroCité des Sciences – França

Professor Poul ThomsenUniversity of Aarhus, Center for Studies in Science Education – Dinamarca

Professor Svein SjöbergUniversity of Oslo, Science Education – Noruega

Professor Vasilis KoulaidisUniversity of Patras, Dep. of Education – Grécia

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SESSÃO PLENÁRIA

Professora Joan SolomonOpen University, Faculty of Sciences – Reino Unido

relatório elaborado pela Comissão Internacional no fim do segundo ano foi concluído emSetembro último. Teve em conta o êxito alcançado pelo Ciência Viva e pelos numerosos

projectos que conseguiu atrair, mas alguns dos novos projectos ainda não estavam nas escolaspara que fosse possível realizar novas visitas. Por isso, estamos a apresentar o relatório do segun-do ano.

O primeiro objectivo que irei abordar é o segundo dos três grandes objectivos do CiênciaViva. É um objectivo muito ambicioso: a promoção da disseminação da cultura científica e tecno-lógica em toda a sociedade portuguesa. Ambicioso! E não temos a certeza se o êxito foi alcança-do ou não. Tudo o que posso dizer, como costumamos dizer em inglês, é que "não se constróiuma casa num dia" ou, o equivalente em português, que "Roma e Pavia não se fizeram numdia". Habitualmente um projecto educativo exige muito tempo para dar frutos. Por exemplo, oprojecto americano 2061 levou mais de dez anos para que fosse iniciado. O projecto CiênciaViva começou logo e embora só tenham passado três anos, acho que a evolução que se verifi-cou não é nada menos do que espantosa.

Como é que é possível promover a disseminação da cultura científica e tecnológica com oPrograma Ciência Viva? Muito bem, achamos que cada projecto individualmente, quando éredigida a proposta para o Ciência Viva, deveria considerar o seguinte: "que ideias têm, tendoem vista a promoção do trabalho que estão a desenvolver, de forma a que tenha impacto sobrea comunidade portuguesa adulta?"

Estive lá fora a ver se os pais e as pessoas em geral, as pessoas que se encontram noParque das Nações, entravam para dar uma vista de olhos. Pareceu-me que isto não aconteceue temos uma sugestão: talvez o Forum não deva ser realizado sempre em Lisboa mas em dife-rentes cidades de Portugal, de uma maneira menos formal, de modo a que seja possível havermais crianças a mostrar aos pais aquilo que podem fazer. Desta forma, acredito que todos nóspoderemos dar o nosso contributo no sentido de difundir a ciência, para que esta faça parte dacultura do povo português, para que possa tirar partido das novas ondas de avanço tecnológi-co a que estamos constantemente sujeitos.

Estamos perfeitamente conscientes do grande interesse despertado pela astronomia e dapopularidade da astronomia nas actividades desenvolvidas no Verão. Recebemos com muitointeresse o kit para determinar a latitude e a longitude, que, uma vez mais, parece ser um pro-jecto muito adequado para Portugal.

Mas descobrimos no Reino Unido que, de facto, a ciência das crianças de mais tenra idade,

O

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COMISSÃO INTERNACIONAL DE AVALIAÇÃO

as do primeiro ciclo, é a que mais facilmente é disseminada junto dos pais. Os que são paisprovavelmente aperceber-se-ão disso, quando as crianças mais pequenas lhes contam, o queestiveram a fazer na escola. Com os adolescentes é diferente; quando lhes perguntamos o quefizeram na escola, a resposta habitual é: nada! Não é verdade, mas não é muito útil para os pais.

Recomendamos que alguns dos aparelhos que estão aqui presentes, tal como o Planetário,com o qual algumas escolas foram equipadas, sejam disponibilizados junto dos pais e de outraspessoas interessadas, na escola e na comunidade em geral. Seria desejável que existissem concur-sos para jovens de várias idades, em que os resultados fossem apresentados aos pais e à família.

O objectivo principal do programa Ciência Viva é, como é óbvio, melhorar o ensino daciência junto dos alunos das escolas portuguesas. Este objectivo passa por melhorar as com-petências da observação e da experimentação, o que não é tão fácil quanto parece. Se, de facto,os projectos tiveram sucesso nas vossas escolas, deverão ser capazes de constatar o seu resulta-do em termos de competências. Por isso, recomendamos que todos os projectos Ciência Vivaincluam, na sua avaliação final, um conjunto de provas de que as competências dos alunosaumentaram. Não precisam de me dizer que se trata de algo difícil. Bem o sei. Mas isto é ape-nas o primeiro passo no sentido da avaliação do êxito dos projectos, sendo também o primeiropasso no sentido da avaliação das próprias competências das crianças. De uma ou outra formapenso que os professores portugueses terão de começar a pensar na forma de avaliar e aferiraquilo que as crianças aprenderam em termos do ensino experimental.

Gostaríamos de ver mais trabalho prático que envolva investigação dos alunos, em queestes sigam as suas ideias e não se limitem a seguir um protocolo. Se os portugueses desejamtirar o máximo partido deste programa tão interessante, não serão apenas as competênciasexperimentais e o ensino da ciência a melhorar; melhorará também a criatividade pessoal e éesse o objectivo final do Ciência Viva. Claro está, tal não pode ser alcançado a não ser que ascrianças e jovens incluam as suas próprias ideias na experiência.

Nós ficámos muito impressionados com algum do trabalho que tem sido desenvolvido nasescolas primárias. O primeiro ciclo tem salas de aula onde há, como é óbvio, muito pouco equipa-mento e não dispõe de laboratórios adequados. No entanto, verificámos que nestas salas de aulase iniciaram actividades muito interessantes, sobretudo nas escolas primárias que tiveram a sortede estar perto de uma universidade que as auxiliou. As Universidades de Aveiro e do Porto desem-penharam um papel particularmente proeminente no auxílio que prestaram aos professores dasescolas primárias, e de forma simples porque os equipamentos utilizados habitualmente são muitosimples, coisas do dia a dia, como réguas e feijões a crescer em algodão molhado.

Quando chegamos ao segundo ou terceiro ciclos e às escolas secundárias, as coisas sãomais difíceis, porque os equipamentos não são familiares. E também não são familiares paramuitos dos professores. Por isso, penso que precisamos de muita ajuda para que os professorescompreendam como é que os aparelhos podem ser melhor utilizados. Talvez seja necessária umaconferência nacional para se abordar a questão dos equipamentos e das competências.

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SESSÃO PLENÁRIA

Outra forma de lidarmos com esta situação é fazer com que os professores registem por escritoo que estão a fazer, elaborem relatórios sobre o assunto para que tudo isto se transforme num tra-balho de investigação-acção, o que exigirá uma colaboração entre os professores e os que trabalhamnos departamentos universitários de educação em ciências, sobre os quais falarei mais adiante.

Julgo que é necessário fazer aqui uma referência às questões de segurança somente umpouco, porque não existe assim tanto a ser dito, mas porque a segurança é muito importante.Tive a oportunidade de assistir a uma aula do primeiro ciclo em que havia imensas velas queeram utilizadas para aquecer em vez de bicos de Bunsen, o que não é verdadeiramente seguro,pois se a vela cai pode dar origem a um incêndio.

Regra geral, as salas de aula das escolas primárias, embora estivessem repletas de criançasmuito próximas umas das outras, são um excelente campo de actividade. Tenho a certeza quetêm consciência de que não existe muita tecnologia, excepto em circunstâncias muito especiais.A tecnologia pode resumir-se a utilizar um kit para fazer algo que será desenvolvido. Outro pro-cedimento para desenvolver a inovação nas crianças é fazer com que elas projectem e façamactividades em situações em que não exista um kit, ou uma folha de trabalho que diga o quefazer. Estão assim a fazer coisas para desenvolverem os seus próprios projectos.

Temos contudo um problema com o grande êxito alcançado pelo Ciência Viva: o facto dedemorar muito tempo a processar o grande número de projectos que são apresentados. Porexemplo, as escolas só receberam o equipamento há um ou dois meses. Talvez seja a altura deos deixar familiarizarem-se com o equipamento antes de passarem ao próximo conjunto de pro-jectos. Tenho a certeza que se encontram numa posição melhor do que eu para descobrir quan-do é que isto deve ser feito. Mas é muito difícil avaliar o projecto se os equipamentos só chegamtardiamente, tendo chegado justamente antes de nós realizarmos a visita.

O terceiro objectivo foi a criação de redes de comunidades científicas, educativas e empre-sariais que possam partilhar recursos, conhecimento e estratégias, de modo a promover o ensi-no da ciência de uma forma mais prática. Não tem sido fácil, penso eu.

Sugeria o seguinte:Os professores do primeiro ciclo fariam automaticamente parte de uma rede com os pais

das crianças e também com as universidades onde os professores da primária receberam for-mação – e vimos muitos bons exemplos de redes com instituições universitárias.

No segundo e no terceiro ciclos, os elos de ligação, na nossa opinião, não parecem ser tãobons entre os professores da escola e os professores da universidade. Uma rede só pode existirse houver respeito mútuo. Não faz parte das funções do professor universitário simplesmentefazer com que os professores do ensino básico e secundário obtenham mestrados ou doutora-mentos nas disciplinas científicas, tal como fazem nalguns casos. A função dos professores dauniversidade é agir como consultores relativamente àquilo que os professores sabem, assimcomo relativamente aquilo que não sabem.

Estive em departamentos de algumas universidades onde foram desenvolvidos programas

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COMISSÃO INTERNACIONAL DE AVALIAÇÃO

de mestrado muito bons, nos quais os conhecimentos e compreensão dos professores do ensi-no básico e secundário relativamente ao trabalho prático cresceram. Ora, isso pode ser testadodurante a investigação que põem em prática. Para tal precisam da ajuda dos professores uni-versitários, tendo em conta o facto da ciência mudar e do conhecimento explodir em todas asdirecções. A ciência cresce cada vez mais depressa. Todos nós precisamos de actualizar os nos-sos conhecimentos científicos. Nunca é demais sublinhar até que ponto é importante ver os pro-fessores universitários, como peritos na sua própria esfera, agindo como consultores científicosdos professores do ensino básico e secundário.

Quando penso nas escolas que visitei, aquilo que perdura na minha memória é uma con-versa muito interessante que tive com um professor do primeiro ciclo que me falava sobre asidades em que os alunos, na escola primária, podiam fazer diferentes tipos de medições. Queidade tinham quando podiam medir utilizando as suas mãos, quando podiam medir centímetrose que idade tinham de ter para, de uma forma realista, se lhes pedir para medirem em milíme-tros. Claro que independentemente de serem os professores mais distintos da ciência ou da edu-cação do país, podem não ter qualquer tipo de conhecimento disto, porque isto é conhecimen-to profissional especializado. E se as redes funcionarem bem, é preciso que exista respeitomútuo, para que os profissionais na área do conhecimento científico e os profissionais na áreado ensino das crianças trabalhem em conjunto, de modo a obter mais conhecimento e a me-lhorar o trabalho prático.

Verificámos a participação de institutos nacionais de física e de biologia, que deram umcontributo muito importante, o que constitui outro aspecto do trabalho em rede. Poderão exis-tir outras formas através das quais o trabalho em rede pode ser desenvolvido. Por vezes os con-tactos pessoais podem ser feitos em determinadas circunstâncias. Nós estamos interessados emver como é que a indústria pode participar mais. Penso que se trata de algo muito importantepara Portugal, no seu todo e não apenas para as escolas. Trata-se de algo que é necessário ter-mos presente e é muito agradável saber da existência deste novo centro interactivo perto doPorto, o Visionarium, que não visitei, mas que me foi referido ser excelente.

Finalmente, gostaríamos de tecer alguns elogios de carácter geral pela energia demons-trada e pelo trabalho realizado pelo corpo docente português, que fizeram com que a mudançaeducacional encontrasse o seu caminho em muito menos tempo do que eu pensava que fossepossível. Mas, por favor, lembrem-se que começou agora!

Parece-me ser impossível saber quantas escolas é que não estão a participar no CiênciaViva, mas considerem o seguinte: se o vosso filho foi para a escola e soube que não estavam afazer nada das coisas práticas maravilhosas que as escolas que participam no Ciência Viva estãoa fazer… certamente eles têm direito a isto, a uma educação científica prática que deve ser umdireito de todas as crianças portuguesas. Por isso, recomendo que pensem em formas deexpandir o Programa de forma a incluir todas as escolas existentes.

Obrigada.

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ostaria de contar uma conversa que tive ontem à tarde com uma jovem, na exposição,que me perguntou que tipo de avaliação é que pode ser feita no caso dos projectos

Ciência Viva.Julgo que é uma boa pergunta e vou tentar sugerir algumas linhas de orientação que a

Comissão Internacional tem utilizado ou poderá utilizar, de modo a realizar uma avaliação dosprojectos Ciência Viva.

A pergunta é: quais são os critérios que devemos utilizar para avaliar os projectos?Devemos ter presente que o Ciência Viva está integrado numa tendência internacional que visaa promoção da educação da ciência. Portugal não se encontra sozinho neste campo. Muitos sãoos países que tentam fazer mais ou menos o mesmo, mas não a uma escala tão abrangente.

Neste mesmo sentido, vou mencionar o projecto pedagógico francês para as escolasprimárias, designado La main à la pâte, que é a tradução de Hands on. Quer o Ciência Viva quero La main à la pâte são iniciativas top down da comunidade de investigação. Como bem sabem,em Portugal foi o Ministério da Ciência e da Tecnologia que assumiu esta tarefa; em França foia Academia das Ciências. Pelo contrário nos EUA, a Academia de Ciências não está muito inte-ressada, especialmente na educação primária. Mas devo também mencionar que há o contri-buto de associações em França e também da Associação Expo Science. Trata-se de algo muitosemelhante ao que se está a passar aqui hoje.

Que tipos de critérios é que podem ser utilizados? É claro que dependem muito do con-texto e o seu peso relativo depende da natureza do projecto, do ambiente social, das ligaçõescom as instituições, tais como museus, e do envolvimento pessoal dos professores, que é umacondição necessária para o êxito.

Devo dizer que em todo o mundo, na Europa, mas também na América do Norte e noJapão, existe um desafio óbvio na área da educação da ciência clássica, simplesmente devido aofacto de em muitos países os curricula da ciência serem utilizados como um processo de selecçãosocial, sobretudo através do controlo da abstracção, de conceitos e da matemática e raramenteatravés de experiências. Por outro lado, a compreensão do contributo da ciência e da tecnolo-gia para uma cultura básica, ou para os problemas da sociedade, é importante para a cidada-nia, mas é com frequência negligenciada. É este, basicamente, o objectivo da Pedagogia orien-tada para o projecto.

Por isso, nos critérios que escolhemos, teremos de ter em conta o contributo do ensino daciência clássica, introduzindo mais experiências neste tipo de ensino e, por outro lado, a cultura

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Professor Paul CaroCité des Sciences – França

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COMISSÃO INTERNACIONAL DE AVALIAÇÃO

científica com o objectivo de trazer mais ciência e tecnologia para a cultura e a cidadania.Estas duas abordagens diferentes sobrepõem-se, em larga medida, no Ciência Viva.Em relação aos critérios, tenho uma lista de doze.Critério 1: Os projectos devem ser uma combinação de observação e experiência na qual

as crianças participam. De certa forma é a experiência clássica ou experiência realizada tendo emvista sobretudo um aspecto mais cultural. Trata-se de um ponto muito importante, um critériomuito básico.

Critério 2: As próprias crianças devem aprender por si próprias a argumentar e a construiruma linha de raciocínio em grupo para construírem uma análise em conjunto. É do conheci-mento geral que a Pedagogia Orientada para o Projecto tem as vantagens de criar laços sociaisno grupo de crianças. E aqui nós temos muitas experiências deste tipo, de criação de laços entreos alunos.

Critério 3: O tema que está a ser estudado deve providenciar um equilíbrio entre as expe-ctativas das crianças, os gostos dos professores e o curriculum. A originalidade do tema é muitoimportante e alguns dos projectos aqui apresentados são muito originais. O resultado é do gostodos professores, do gosto das crianças e raramente, devo dizer, resultado do curriculum.

Critério 4: Uma parte muito clássica do ensino, tendo em vista a experimentação, impli-cará uma abordagem mais clássica, tal como: experiências no campo da óptica, do som e dabiologia básica. É claro que é muito melhor se, num projecto, o conceito e as técnicas experi-mentais forem introduzidas para serem utilizadas e compreendidas. Mas é melhor ainda seenvolver aspectos da ciência contemporânea, o que, uma vez mais, foi aqui mostrado, poistemos vários exemplos presentes no Forum.

Critério 5: Devo também mencionar que o aspecto multidisciplinar é muito importante.Porquê? Porque é importante que haja cooperação entre os professores de física, química,geografia, arte, literatura, música, o que quer que seja que dê a um projecto uma abordagemmais geral, uma abordagem mais interdisciplinar. A maioria dos projectos que alcançaram êxitona Europa revestem-se de uma natureza interdisciplinar, e é muito importante trazer um pro-fessor a uma escola para abordar um único tópico, que inclua a ciência, mas também outrosaspectos da arte, da literatura, da geografia, por exemplo, tal como foi aqui demonstrado pordiversas ocasiões.

Critério 6: É claro que é muito importante, numa perspectiva da natureza do trabalho aser realizado, que este seja adaptado às crianças e às suas competências. Não é possível fazer omesmo projecto com crianças mais pequenas e com crianças mais velhas, sendo necessárioadaptar a ambição da ciência que é ensinada e compreendida à forma como as crianças parti-cipam. A questão importante é que os professores não devem fazer o trabalho todo; as criançasdevem ter a liberdade de fazer as coisas tal como as compreendem.

Critério 7: As crianças devem elaborar o seu próprio relatório de trabalho com as suaspróprias palavras. E uma questão importante é a autonomia da criança, que deve ser um objec-

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tivo central, mesmo que ela cometa alguns erros. A autonomia da criança é uma componentemuito importante para a sua educação.

Critério 8: O projecto deve ser apoiado pelas famílias e pelos parceiros da área científica eindustrial ou pelas autoridades locais. Podemos ver aqui parceiros da área científica e industrial,mas parece-nos que as famílias não têm um grande envolvimento e parece-me que a minhaopinião é partilhada, tendo em conta o que me foi dito pela Joan. Este aspecto poderá ser umaquestão importante a ser melhorada no programa Ciência Viva.

Critério 9: Os professores devem ter apoio pedagógico. Já vimos aqui que muitos profes-sores da escola primária têm apoio das universidades e dos grupos de ciências da educação, oque é bom.

Critério 10: Diz respeito ao tempo que deve ser dedicado à actividade de projecto noâmbito do horário escolar, o que constitui um problema geral para os projectos em toda aEuropa, pois existe uma espécie de luta entre os pontos do currículo e a necessidade de que sejadedicado o tempo necessário aos projectos de pedagogia orientada.

Critério 11: O trabalho realizado deveria ser objecto de um relatório e apresentado publi-camente no Forum do Ciência Viva ou através da Internet.

Critério 12: As crianças e os professores deveriam ficar orgulhosos com o resultado dosseus projectos.

Acrescento ainda que deveria haver provas do prazer da realização do projecto, em con-junto, por professores e alunos. Talvez o resultado mais importante destes projectos seja o sen-tido de comunidade que é criado entre os participantes. Um relatório, como o que aqui temos,não pode fazer uma listagem exaustiva de todas as dificuldades face às falhas ou ao sucesso queum projecto acarreta. Este destina-se a ser recordado pelos participantes e são os sentimentossobre a ciência, como algo activo, que penetram na cultura. Não funciona como um parâmetro,a ser medido pelos avaliadores, mas os avaliadores esperam que seja o resultado mais impor-tante do trabalho realizado pelo Ciência Viva. Muito obrigado.

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Professor Poul ThomsenUniversity of Aarhus, Center for Studies in ScienceEducation – Dinamarca

quem pertencem os projectos Ciência Viva?Por diversas razões não visitei nenhum projecto Ciência Viva antes do Forum de 1998,

mas após ter visto os stands com informação sobre os projectos e ter tido a oportunidade defalar com muitas pessoas, cheguei à conclusão, no ano passado, que antecipava a oportunidadede visitar alguns projectos na vida real – e não apenas no pavilhão de exposições.

Na verdade, visitei alguns projectos (na região do Alentejo) há cerca de um mês: algunseram projectos "antigos" do Ciência Viva II e alguns eram projectos novos no seu início. Nãofiquei desiludido, pois tratava-se de uma experiência muito positiva – não só porque conhecipessoas muito simpáticas e entusiastas e por ter sido acompanhado pela professora AnaNoronha. Gostaria de vos agradecer a todos!

O Ciência Viva distribui muito equipamento em Portugal que é fácil de distinguir pelopequeno rótulo azul. Cada projecto é proprietário do seu equipamento. Mas a quem "per-tenceu" o projecto Ciência Viva?

Quando falo de "pertencer" quero dizer: quem é que considera os projectos como sendoos seus projectos e como sendo da sua responsabilidade? Obviamente, os proprietários originaissão as pessoas que inventaram os projectos, fizeram as propostas, e obtiveram o apoio finan-ceiro. Habitualmente, estas pessoas são professores de vários níveis no sistema de ensino –desde as escolas primárias até às universidades.

Pelo que sei de várias reuniões pessoais muitas destas pessoas são pessoas empenhadasque dedicam muito do seu tempo a tentar envolver outras pessoas nos projectos Ciência Viva,em primeiro lugar outros professores e as suas turmas. O que não se trata necessariamente deuma tarefa fácil, pois envolve a persuasão de outras pessoas para que assumam responsabili-dades, por outras palavras: Sejam também proprietários.

O problema apresenta pelo menos duas vertentes: em primeiro lugar, os professores têmde ganhar o desejo de querer aderir / apropriar-se do projecto e, em segundo lugar, os profes-sores têm de ser capazes de assumir as responsabilidades. O que pressupõe que têm de ter (ouobter) o conhecimento e competências necessários, sobre os conceitos científicos subjacentes esobre as utilizações dos equipamentos.

Isto coloca grandes exigências aos professores, mas é necessário, de modo a disseminar apropriedade e de modo a alcançar os elevados objectivos dos projectos e do próprio CiênciaViva: fazer com que a ciência penetre no sistema escolar assim como na população como umtodo.

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Após três anos de construção, penso que chegou agora a altura certa para considerar, deuma forma mais pormenorizada, todas as diferentes construções. Para descobrir o que funciona(e porquê!) e o que é que não funciona (e porque razão!). Fazer uma recolha das descrições dasboas práticas e propor a pertença destas práticas a todos os professores, em parte através daeducação básica dos professores, em parte através de formação em serviço de professores. Oque constitui uma enorme tarefa, mas tenho a certeza que constituirá uma recompensa para asociedade portuguesa como um todo deter a propriedade da ciência e da disseminação da te-cnologia junto de muitos mais professores.

Mas a disseminação da propriedade não deveria parar ao nível dos professores, deveriacontinuar e incluir os alunos. Uma experiência resultante da minha visita aos projectos ilustraeste aspecto: o cenário é uma escola primária, algures no Alentejo, onde cerca de 30 crianças eos seus professores estão numa sala de aula para testemunharem uma apresentação feita porum cientista de uma universidade. O objectivo era demonstrar os processos que se verificam naatmosfera e inclui um globo, balões, água a ferver e condensação de água, um elemento quími-co para dar cor e mais, muito mais. Por fim, mas não menos importante, incluía a participaçãodas crianças, transformando-as em participantes da apresentação em vez de serem apenasmeros espectadores. Eu não sei até que ponto é que eles compreendiam os conceitos científicossubjacentes à apresentação (provavelmente não compreendiam tanto quanto isso!), masestavam a gostar. Estavam mesmo a gostar.

No entanto, a apresentação não era o projecto, tratava-se apenas de algo para abrir oapetite. O projecto era a construção de uma estação atmosférica simples na escola primária demodo a envolver as crianças na medição da temperatura e da precipitação. Por isso, após a apre-sentação foram todos para fora da sala de aula para ver a estação atmosférica (financiada peloCiência Viva!) e ver como é que funcionava. Às crianças foi-lhes dito que agora era a estaçãoatmosférica deles e que todos os dias, ao meio dia, eles tinham de medir qual tinha sido a pre-cipitação desde o meio dia do dia anterior, e qual a temperatura mais elevada e a mais baixa.Por outras palavras, foi oferecida às crianças a propriedade do projecto. Tal como previamentemencionado, não sei até que ponto é que compreendiam, mas não tenho agora qualquer dúvi-da que assumiram a propriedade do projecto. A partir de agora, trata-se do projecto deles, inde-pendentemente de quem o começou. Era o projecto Ciência Viva deles e uma ciência muitoViva!

Difícil será exigir mais. Obrigado.

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Professor Svein SjöbergUniversity of Oslo, Science Education – Noruega

ão tenho muito a acrescentar ao relatório realizado por Joan Solomon que foi agora feito,mas pensei em partilhar convosco algumas palavras sobre o assunto chave do Ciência Viva.

Na minha opinião, o Ciência Viva tem como principal objectivo promover aquilo que se designapor cultura científica. Actualmente, a cultura científica soa aos nossos ouvidos, como educadoresde ciência, como professores de ciência, basicamente como uma palavra muito positiva.

Aquilo que irei fazer é simplesmente sublinhar alguns paradoxos que existem e que nós,enquanto educadores de ciência, devemos ter presentes.

Mas, permitam-me começar por mencionar a imagem indubitavelmente positiva da cul-tura científica, e o que ela poderá significar para muitos de nós.

Significa, entre outras coisas, um respeito pela evidência empírica, pelo que as experiên-cias nos podem demonstrar e ensinar. É também um respeito pelo facto de que o conhecimen-to deve ter por base tanto as evidências empíricas como bons argumentos. E como parte da cul-tura científica, como educador da ciência, também pensamos que é uma crença na racionali-dade e uma crença na discussão livre e aberta.

Um elemento básico na cultura científica é que nenhum argumento do conhecimentodeve ter qualquer referência à autoridade, quer esta autoridade seja religiosa ou secular. E seolharmos para trás, para a orgulhosa história da ciência, esta poderá ser vista como a ciência alutar contra a superstição e a supressão das mentes. Quanto a isto, podemos dizer que a ciên-cia é uma força de libertação. Liberta as mentes em relação às autoridades, às tradições.Também melhora, através das suas ligações com a tecnologia, os padrões materiais, a saúde daspessoas e as condições de vida. E se consideramos tudo isto em conjunto, todos estes diferentesaspectos da cultura científica podemos afirmar também que estas crenças que temos na ciênciaestão intimamente relacionadas com aquilo que designamos como modernidade e com aspec-tos importantes para uma sociedade democrática.

Não vou questionar todos os aspectos em que as pessoas acreditam enquanto educadoresde ciência,mas gostaria de mencionar que esta imagem positiva também pode conter em simesma alguns aspectos negativos, que enfrentamos quando ensinamos. Com frequência, aciência nos livros escolares e noutros é apresentada sem deixar muito espaço para a ética e paraos valores humanos. E se considerarmos os ideais da racionalidade científica, estes podem sercaracterizados como muito frios, muito intelectuais; nos relatórios científicos existe muito poucoespaço dedicado às pessoas, muito pouco espaço para a opinião. E os artigos científicos, e fre-quentemente os livros, são impessoais, pouco espaço deixam para emoções, sentimentos e

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empatia. Os ideais da ciência são a criação de teorias e estas são abstractas e teóricas pornatureza, pelo que deste modo se afasta a ciência do contexto do dia a dia, o que com algumafrequência se verifica nos livros escolares. A perspectiva mundial da ciência, dos métodos uti-lizados pela ciência, é frequentemente analítica e possivelmente reducionista. Analítica uma vezque os cientistas isolam sempre determinados aspectos para os estudarem em mais pormenor etambém acontece que se esquecem de o voltar a pôr novamente no seu todo, para construiruma imagem global.

A cultura científica, com frequência, tal como surge nos debates públicos, é muito impe-rialista, no sentido em que os cientistas demonstram muitas vezes, que têm muito poucorespeito por outros domínios do conhecimento. Uma consequência deste facto poderá ser aqui-lo que designamos como cientismo, a crença que tudo tem uma resposta científica, e a crençana tecnologia, a crença que os peritos são os que devem realmente decidir, e que estas decisõespodem ter por base a ciência e somente a ciência. Se considerarmos muitos dos livros escolares,a imagem que é projectada, e nós também sabemos que é a imagem que muitos alunos obtêm,é uma imagem em que a ciência tem as respostas correctas, a verdade eterna, a autoridade e asrespostas correctas para qualquer questão. Por isso, aqui temos os possíveis aspectos negativos.

Permitam-me também acrescentar que aquilo que afirmei até agora é uma imagem daciência tradicional, a ciência como costumava ser até há muito pouco tempo. Nos anos maisrecentes as coisas são ainda mais complexas, se considerarmos que a ciência moderna, a ciên-cia e a tecnologia na actual sociedade, são muito diferentes daquilo que eram há cerca de dezanos atrás. Actualmente é frequente vermos como, à escala internacional, a ciência e a tecno-logia estão por vezes aliadas com as forças militares, aliadas com a indústria e com o poder dasociedade. Por isso, de certa forma, trata-se de um papel diferente daquele que costumava serdesempenhado pela ciência, porque a ciência costumava ser a força libertadora radical e anti-autoritária. Actualmente poderemos fazer a seguinte pergunta: será que os cientistas são ospensadores radicais ou será que são na verdade, ou pelo menos alguns entre eles, os fiéis tra-balhadores empregues pelas indústrias multinacionais, pelo estado ou pelas forças militares?

Por isso, como podem ver, temos diferentes imagens da ciência em concorrência umascom as outras. E aquilo que também podemos constatar em muitas sociedades, é especialmenteo que enfrentamos no norte da Europa, de onde eu venho, da Noruega, penso que esta é umaimagem típica do norte da Europa e da Escandinávia: uma insatisfação crescente em relação àciência, uma desconfiança do público. Na verdade, existem razões subjacentes a tudo isto.Aquilo que desejo demonstrar é que um professor de ciências, hoje em dia, deveria ser capaz delidar com estas situações, e eu tenho um slide final para isto. A grande tarefa para o professorde ciências é tentar equilibrar estas perspectivas, ser capaz de apresentar a ciência, tal como fizno primeiro slide, uma ciência que é importante para a cultura, um património orgulhoso eideias culturais muito importantes a serem transmitidas às crianças.

E actualmente poderá ser a cultura científica uma forma importante de pensar, não em

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todas as instâncias, mas em algumas, e permitir aos alunos combinar aquilo que podemos dizersob uma forma fria de intelecto racional com um coração quente, para que não exista uma con-tradição entre ambos e na verdade os dois deviam realmente ser combinados. Se não formoscapazes de enfrentar estes desafios, sabemos que muitos alunos rejeitarão a ciência, voltarão ascostas à ciência e seguirão outros domínios. Mas se os professores de ciências forem capazes dedemonstrar que estas duas vertentes podem, na verdade, ser combinadas, então poderemosalcançar o nosso objectivo, que é, promover e disseminar a cultura científica.

Por fim, disse no ano passado que tinha tido o prazer de viajar pelo vosso belo país, co-nheci muitas pessoas interessantes, conheci muitos amigos e, uma vez mais, gostaria de vosagradecer por terem partilhado experiências comigo e por me terem ensinado muito sobre osaspectos interessantes do Ciência Viva. Muito obrigado.

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Professor Vasilis KoulaidisUniversity of Patras, Dep. of Education – Grécia

m primeiro lugar gostaria de afirmar que é um prazer para mim ter a oportunidade deme dirigir ao Forum Ciência Viva.

O facto de, durante três anos consecutivos, os projectos Ciência Viva terem aumentado em ter-mos de números e terem produzido resultados mais sofisticados, tal como se verifica pelos posterslá fora, demonstra que o programa Ciência Viva é uma história de sucesso. Parte da explicaçãode ser uma história de sucesso é o facto de tentar abranger uma necessidade real da sociedade.O programa Ciência Viva tenta aumentar os conhecimentos do público relativamente à ciência.

Verificam-se colisões múltiplas de interesses de correntes do pensamento nas nossassociedades modernas. O conhecimento científico aumenta a um ritmo que é impossível com-preender, até mesmo para os cientistas profissionais, daí que o grande público sinta que éimpossível de dominar. A tecnologia, tem por base o conhecimento científico; actualmente nósnão somos capazes de distinguir a ciência da tecnologia,a qual, por sua vez, já resolveu muitosproblemas, mas também criou novas necessidades e dá origem a dilemas morais quase impos-síveis de resolver. Por isso, o sucesso da ciência e da tecnologia deu origem a incertezas que, porsua vez, conduzem aqueles que têm um acesso limitado ao conhecimento científico a assumiremnão só uma posição anti-ciência, mas, de uma forma mais perturbante, a tentarem substituir aciência por formas não racionais de enfrentar e resolver os problemas.

As escolas devem assumir a tarefa de defesa da ciência e da racionalidade. Se aceitarmostal princípio, devemos responder à questão: qual será o critério de sucesso? E como é que asescolas devem realizar esta tarefa tão exigente? Em poucas palavras: o critério de sucesso estárelacionado com a lógica de inclusão de assuntos científicos nos curricula escolares. Será quetentamos aumentar a compreensão do público relativamente à ciência de modo a que todos oscidadãos possam ser capazes de dar respostas informadas através do conhecimento científicoaos seus problemas do dia a dia? Mesmo que fosse este o nosso objectivo, o que duvido quedeva ser, penso que é claramente impossível alcançá-lo tendo em conta o grande volume e acomplexidade do conhecimento científico disponível. É mais viável educar as pessoas para quefaçam as perguntas certas, educar as pessoas a pensarem sobre os dilemas morais relevantes.

Será que existe uma forma de avaliar até que ponto uma tentativa deste tipo pode terêxito? Proponho então que considerem esta regra simples: quando as pessoas se sentemembaraçadas numa reunião social por terem de admitir que nada sabem sobre a segunda lei datermodinâmica, tal como ficam embaraçadas quando têm de admitir que nunca ouviram falarde Saramago, então claramente a compreensão pública da ciência aumentou.

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COMISSÃO INTERNACIONAL DE AVALIAÇÃO

Quanto à minha segunda questão: como é que as escolas devem realizar esta tarefa tãoexigente? Penso que as escolas e os educadores de ciência têm de alargar o significado de"prática" no trabalho prático em relação ao significado que estão actualmente a utilizar. No casoda prática ligada às actividades científicas e ao ensino da ciência, já não se pode falar apenasdas competências relacionadas com o processo de formulação do corpus do material empíriconecessário. É também necessário incluir, no significado de prática científica, a capacidade deorganizar eficazmente e comunicar tanto este corpus, como as conclusões resultantes, incluin-do, e não o devemos recear, as restrições e as condições da sua validade.

A ciência é o nosso corpo mais seguro e coeso de conhecimento. Não devíamos pôr emcausa a confiança do público em geral fazendo afirmações excessivas e sem fundamentos. Porisso, o trabalho prático não é apenas constituído pelas técnicas de montagem de aparelhos,observação. técnicas de registo adequadas e análise de dados. Tudo isto é, como é óbvio, essen-cial para que se compreenda a essência do conhecimento científico. No entanto, não devemosrestringir a nós próprios a procura do conhecimento científico. É necessário acrescentarmos apersuasão racional: saber organizar eficazmente a informação e saber comunicar e discutir osresultados com o grande público. E ninguém se encontra em melhor posição para alcançar istodo que os educadores de ciência, desde que, claro está, aceitem o que foi descrito como partedo seu trabalho.

Um dos meus últimos comentários no ano passado estava relacionado com a necessidadede criar ligações horizontais nas escolas, assim como entre escolas e universidades. Certamenteque estas ligações, que a tecnologia tornou viáveis actualmente, desempenharão um papelcatalítico dando aos alunos a oportunidade de exercerem as competências de comunicaçãonecessárias. É claro que isto representa muito no já pesado trabalho dos professores de ciência.Por isso, precisam de criar uma estrutura para oferecer aos professores as oportunidades de umdesenvolvimento contínuo da carreira, o que é óbvio.

Em conclusão, o programa Ciência Viva demonstra que é possível intervir nas escolas etentar mudar as direcções de todo o sistema, de modo a aumentar a compreensão do públicorelativamente à ciência. Obrigado.

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SESSÃO PLENÁRIA

Perguntas e Respostas

MEMBRO DA ASSISTÊNCIAO Professor Sjöberg, deu-nos uma imagem resumida, embora exaustiva, dos aspectos ne-

gativos e positivos da cultura científica e concluiu pondo um fardo muito pesado sobre osombros dos professores de ciências. É claro que este fardo não será dividido de igual forma entreos professores das escolas primárias, secundárias e pelos professores universitários. Será quepoderia tecer mais alguns comentários sobre o assunto?

PROFESSOR SVEIN SJÖBERGDevo dizer que ao mencionar esta imagem dos desafios relativos à cultura científica, penso

que se trata de um fardo ou de um desafio que os professores que se encontram nos níveis maiselevados do sistema terão de enfrentar. Penso que se trata sobretudo do caso do secundárioquando os alunos começam a ser influenciados pelos meios de comunicação, que falam sobreos desastres ambientais e de muitos desafios enfrentados pela sociedade e quando estas ati-tudes perante a ciência passam a ser muito importantes para eles, na escolha de uma carreirafutura.

Penso que na escola primária, e, na minha opinião, isto é patente no Ciência Viva, a prin-cipal tarefa que compete ao professor de ciências é, na verdade, tentar despertar o interesse ecuriosidade das crianças e o prazer de fazer coisas e experimentar sem complicar demasiado ascoisas. Por isso, a este nível penso que os professores de ciências não deveriam estar demasia-do preocupados sobre o assunto, mas quando nos aproximamos de idades em que é necessárioescolher, pelo menos sabemos, tendo em conta investigações realizadas no meu país e noutrospaíses no norte da Europa, que estes aspectos mais emocionais e relacionados com atitudes daciência é algo que é realmente importante para os jovens e, particularmente para as raparigas.Sobretudo no norte da Europa, embora existam raparigas muito competentes, que obtêm asmelhores notas na escola e sejam muito boas em física e em matemática, mesmo assim, nãoseguem uma carreira científica.

Penso que se trata de algo que está relacionado com valores e atitudes e com a imagemda física. Não se trata de exigência conceptual, trata-se sobretudo da falta de personalidade,falta de empatia, que, com frequência, encontram na ciência da escola sobretudo na física ematemática escolares. Por isso, penso que é a este nível que este tipo de assuntos têm de serconsiderados de uma forma muito séria. Espero que este comentário tenha ido ao encontro dasua pergunta. Obrigado

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COMISSÃO INTERNACIONAL DE AVALIAÇÃO

CÂNDIDA QUEIRÓS MOREIRA, FACULDADE DE CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DO PORTOÉ uma pergunta para todos os participantes do painel, porque penso que este assunto não

foi abordado por nenhum dos oradores. Falámos muito sobre o barulho lá fora e não é possívelfazer grande coisa com tanto barulho. A minha pergunta é a seguinte: será que podemos fazeralguma coisa nas escolas se o barulho fora das escolas provocado pelos meios de comunicação étão alto, e não trata de forma alguma de ciência ou de tecnologia, que nos permita ver ou ouvir?Gostaria de saber o que pensam sobre esta questão tão importante e muito obrigada pelo vossorelatório e pelas vossas ideias e sugestões. Muito, muito obrigada, ao Ciência Viva também.

JOAN SOLOMON Não sei como hei-de responder à sua pergunta sobre os meios de comunicação. No meu

país há bons filmes sobre ciência, há um programa da BBC e alguns deles são traduzidos paraoutras línguas. Não sei se está aqui alguém presente das televisões portuguesas.

O que acabou de mencionar é um problema muito importante, porque muita da infor-mação que as crianças obtêm sobre a ciência tem a sua origem nos meios de comunicação, ecaso tal se verifique muito cedo, por exemplo a imagem da química é construída a partir de livrosde banda desenhada em tenra idade. E as notícias, a televisão e os meios de comunicação falamsobre a ciência, mas habitualmente é somente uma ciência com um sabor romântico. Esta ciên-cia pode ser traduzida em histórias, histórias com monstros indo de alguma forma ao encontroda forma tradicional de se contar lendas, por isso existe uma ligação directa entre o estiloliterário do jornalismo ou da televisão e o estilo literário das lendas de folclore, especialmenteno mundo ocidental. É claro que não são os mesmos personagens, mas é o mesmo cenário, e éclaro que temos de estar conscientes, que de facto, o jornalismo e a televisão transmitem algu-ma informação sobre a ciência, não somente os cenários como lendas da história científica, mastambém a informação.

De facto, a divulgação da ciência quando é feita pelos nossos colegas, por exemplo cien-tistas, que com frequência utilizam esta técnica de contar histórias, especialmente o que é maispopular, contar histórias sobre a origem do homem ou sobre as origens do mundo e há pessoascom muito talento, cientistas, colegas nossos, que explicam tudo isto de uma forma muito fasci-nante. São como contadores de histórias, mas o conteúdo das suas histórias é, na verdade, ciên-cia. Por isso, não deveríamos pura e simplesmente eliminar de forma absoluta o que é feito pelosmeios de comunicação.

É claro que, vemos apenas uma pequena parte da ciência, mas é uma boa forma de des-pertar o interesse das crianças, especialmente as crianças mais pequenas integrando a ciênciaem histórias, em histórias sobre animais, sobre pedras, e penso que deveríamos considerar umahistória de sucesso nos jornais ou na televisão britânica, para arranjarmos inspiração sobre aforma como podemos falar, especialmente sobre a ciência contemporânea na escola. Penso quedeveríamos ter consciência disto.

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SESSÃO PLENÁRIA

Gostaria de acrescentar que existem agora empresas internacionais que vendem progra-mas de ciência para a televisão. Por isso, a tarefa na verdade é sua: precisa de pedir à televisãoe depois se quiser falar comigo posso dar-lhe o nome de alguns distribuidores. Nós tivemos umasérie de excelentes programas sobre os planetas, na Grã Bretanha, que eu saiba, assim comouma sobre vulcões que está disponível, a um determinado preço para estações de televisão. Porisso, se quer alguma coisa deverá ir junto das pessoas certas e conseguir aquilo que quer.

PERGUNTA NÃO REGISTADA.

JOAN SOLOMONSe me permitirem, tenho a certeza que alguns dos meus colegas querem responder, mas

permitam-me dizer que visitei salas de aula que eram suficientemente grandes, algumas, é claro,estavam a abarrotar, mas estou muito preocupada com o segundo e o terceiro ciclos, que, regrageral, não têm laboratórios e seria muito triste se as crianças do primeiro ciclo chegassem àsescolas do segundo e terceiro ciclos para descobrirem que não têm qualquer tipo de trabalhoprático para fazer. E todo aquele entusiasmo esmorece.

Se me permitirem fazer uma sugestão, o Ministro da Educação do vosso país disse-me quetem planos para construir mais laboratórios, mas ainda vai demorar algum tempo. Entretanto, émuito possível ter um "semi-laboratório" no segundo e terceiro ciclo, uma sala onde exista águae electricidade e onde possam ser realizadas muitas experiências com bastante segurança.

É preciso que se reúnam e decidam quais são as precauções de segurança que devemadoptar porque, como é óbvio, deve ser pouco provável que consigam colocar um exaustor paraeliminarem os gases perigosos. Por isso, gases tais como o cloro ou o ácido sulfídrico não devemser produzidos. Mas há muitas experiências através das quais as crianças podem produzir e fazerexperiência com dióxido de carbono ou até mesmo hidrogénio ou oxigénio. Mas, é claro quetêm de se habituar a usar óculos de protecção, têm de ter a certeza que as experiências quefazem são seguras. Mas existem experiências de química muito interessantes que podem serrealizadas sem qualquer tipo de perigo.

Em dez ou doze anos, pode ser que as escolas tenham muitos laboratórios, poderão duvi-dar, mas é possível! Mas até mesmo isso representa muito tempo na vida de uma criança erecentemente vi numa escola que visitei o que tinham como laboratório, que consistia em duasbacias, um banco, várias fichas eléctricas e, isto é importante, posters na parede, muito interes-santes, sobre ciência, sobre vulcões e planetas e também sobre química e plantas. Isto, somenteos posters, já é em si mesmo meio caminho para se fazer um laboratório interessante!

MEMBRO DA ASSISTÊNCIAGostaria de saudar todos os membros do comissão Internacional e todos em geral. Sou

um estudante universitário, da Universidade Técnica de Lisboa, actualmente estou a participar

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COMISSÃO INTERNACIONAL DE AVALIAÇÃO

em vários projectos que têm por objectivo a disseminação da ciência. Sou um representante deum tipo de aluno interessado na ciência, que nunca deu grande importância ao trabalho práti-co, sou um teórico. Lembro-me da primeira vez que entrei numa biblioteca, é como entrar numacatedral, e reparei que as vossas preocupações, tal como as do nosso Ministro da Ciência e daTecnologia, estão muito orientadas para o trabalho experimental. Gostaria de saber quais são osesforços que nós podemos envidar, especificamente na transmissão do conhecimento sobreciência teórica, sobre matemática e a utilização de computadores, por exemplo algoritmos eprocessamento de informação. O que é que pensam que deveria ser feito nesta área e como?Obrigado.

JOAN SOLOMON Bem, vou tentar dar uma resposta muito sucinta. Penso que fizemos ciência nas escolas

não de forma a ensinar alguns alunos que irão prosseguir uma carreira no domínio da ciência,mas nós tentamos ensinar todos os alunos, de forma a aumentar a compreensão do públicorelativamente à ciência. Devemos ter isto em consideração quando estamos a criar os curriculapara ciências. Alguns dos nossos alunos, que têm de enfrentar os seus problemas diários, temosde convencê-los a encarar os seus problemas diários à luz do conhecimento científico, no senti-do de perguntarem o tipo de perguntas certas e de considerarem os dilemas criados pela vidamoderna. Alguns dos alunos seguirão uma carreira científica e para eles os curricula das escolassecundárias, na minha opinião, são o lugar certo para os ensinar sobre o domínio esotérico daciência. Tendo em conta o que eu disse, eu estava sobretudo preocupado com a metodologia eas noções científicas e conceitos científicos. Penso que está preocupado com a metodologia, osconceitos e os códigos científicos. Por isso, temos de introduzir gradualmente os códigos daciência, a linguagem científica, na minha opinião, numa fase mais tardia, de forma a não alie-nar a população em geral. É claro que temos de ter muito cuidado para não introduzirmos ohábito de popularizar a ciência de uma forma menos correcta, trata-se de um equilíbrio queteremos de encontrar e penso que ninguém terá uma solução já pronta a usar.

Se me permitirem gostaria de acrescentar o seguinte: quando falo sobre trabalho práticonão estou a falar apenas na realização das instruções previstas numa folha de papel, seguindoum protocolo Estou a falar na compreensão de noções abstractas através de uma observaçãodiferente. Quando era uma jovem física, como o senhor, também gostava do raciocínio abs-tracto, mas nem todos os nossos alunos gostam. Gostaria de lhe dar um exemplo: recentementeestive numa escola secundária onde estavam a estudar cinemética. Tinham um carro que desciapor um plano inclinado, com fita cola agarrada ao carro na qual tinha colocado um tempo-rizador. Não sei se está a ver o que eu quero dizer? O temporizador vai marcando pontos nopapel e eu perguntei aos alunos: O carro está a acelerar? E eles pensaram durante um bocadoe depois disseram que sim, porque se tratava de um plano inclinado. Mas a forma mais óbviaera olhar para os pontos no papel, porque estavam claramente cada vez mais afastados, dando

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SESSÃO PLENÁRIA

uma imagem visual perfeita no trabalho prático daquilo que queremos dizer com aceleração.Estes alunos tinham dezasseis, dezassete anos, mas um aluno de onze anos podia compreendero que quer dizer aceleração olhando para este trabalho prático muito melhor do que se o pro-fessor ficasse junto do quadro e explicasse os aspectos matemáticos. A matemática tem por baseuma compreensão fundamental do que é o conceito e eu acredito que um trabalho prático bemconcebido pode levar os nossos alunos a compreenderem estes conceitos que serão "mate-matizados", transformados em matemática mais tarde.

PERGUNTA NÃO REGISTADA:

JOAN SOLOMONTem problemas com os pais, que pensam que aquilo que está a fazer é somente brincar,

compreendi bem? Quando introduzimos pela primeira vez a ciência nas escolas primárias, emInglaterra, desenvolvi um projecto com investigação simples que as crianças levavam para casae que era realizada com os pais. Estão aqui presentes uma ou duas pessoas que têm conheci-mento deste projecto. Foi um projecto que deu origem a muita satisfação. Os pais gostavam derealizar investigações simples com os seus filhos e rapidamente compreendiam o objectivo destetrabalho.

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Sessão de Encerramento

Drª Rosalia VargasDirectora do Programa Ciência Viva

Professor Marçal GriloMinistro da Educação

Professor Mariano GagoMinistro da Ciência

e da Tecnologia

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SESSÃO DE ENCERRAMENTO

Drª Rosalia VargasDirectora do Programa Ciência Viva

enhor Ministro da Educação, Senhor Ministro da Ciência, Professora Joan Solomon, caroscolegas.

Volto ao mote de abertura deste Forum. O Ciência Viva festeja três anos e, entre biliões e biliõesde possibilidades de não ter nascido, aconteceu que nasceu. Gostaria muito de ter o engenhoe a arte de Virgílio Ferreira, porque são dele estas palavras quando se refere às possibilidades dese nascer e ao grato que é isso acontecer.

O Ciência Viva nasceu de uma ideia. Uma ideia do Senhor Professor Mariano Gago e nós,equipa do Ciência Viva, e vocês, todos os professores intervenientes no Ciência Viva, transfor-maram-no naquilo que ele é hoje.

É um projecto vivo e que se alimenta de todo o entusiasmo e de toda a motivação. Emnome da equipa do Ciência Viva, agradeço a todos o terem estado aqui, o terem trazido todasestas ideias, estes projectos e terem vindo de tão longe para isso.

Muito obrigada e estamos sempre prontos a fazer melhor.

S

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CONTEXTOS ESPECIAIS

Professor Marçal GriloMinistro da Educação

Senhor Ministro da Ciência e da Tecnologia, Professor Mariano Gago e meu muito queri-do amigo, Senhora Dra. Rosalia Vargas, Directora do Programa Ciência Viva, Senhora Presidentedo Comité Internacional, Professora Joan Solomon, caras professoras, caros professores, queri-dos alunos e alunas e demais convidados nesta sessão de encerramento. Queria em primeirolugar cumprimentar todos, desde a Drª Rosalia Vargas a todos os estudantes, passando portodas as professoras e todos os professores que trabalham e dão o melhor do seu esforço e têmmostrado todo este empenhamento no Programa Ciência Viva, que hoje abrange grande partedas escolas portuguesas. Gostava de dizer da enorme satisfação em poder partilhar esta tardecom tantos professores que trouxeram os seus projectos para nos mostrarem aquilo que vemsendo feito no âmbito do projecto da Ciência Viva.

Ao fim de três anos, julgo que aquilo que era desejável está hoje demonstrado que é pos-sível. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, do Brasil, diz que a política é a arte de trans-formar em possível o que é desejável. O Senhor Ministro da Ciência e da Tecnologia e eu próprio,estamos a tentar mostrar que o país é capaz, que o país sabe como se faz, embora me pareçaque este projecto mostra que nós não temos um sistema educativo monolítico. Temos escolas ecada escola é um caso. É possível fazer progredir a inovação, a modernidade, neste caso especí-fico o ensino experimental, através de um processo gradual em que, ano após ano, vamosalargando e consolidando aquilo que é uma iniciativa de enorme mérito lançada pelo Ministérioda Ciência.

O Ministério da Educação estabeleceu nestes últimos três anos e meio acordos com umnúmero muito grande de outros ministérios. Com o Ministério do Ambiente, com o Ministério doTrabalho e da Solidariedade, com o Ministério da Saúde, com o Ministério da Agricultura e, obvia-mente, com o Ministério da Ciência. O trabalho com o Ministério da Ciência tem sido um traba-lho metódico, um trabalho disciplinado, aliás não se esperaria outra coisa do Ministério da Ciência.É um trabalho que tem vindo a ser conduzido nas escolas com um empenhamento enorme daparte dos senhores professores e das senhoras professoras. Eu estou muito reconhecido pelo factode hoje nas escolas portuguesas se viver um clima manifestamente diferente daquele que se viviahá quatro anos. As escolas portuguesas hoje são diferentes do que eram há quatro anos e istodeve-se menos ao Governo e mais aos senhores professores e às senhoras professoras que enten-deram ter chegado o momento de fazer aquele trabalho que gostariam de ter feito há muitos anosatrás. E permitam-me que lhes diga o seguinte: o Senhor Ministro referiu que uma das iniciativasdo Governo é a de conceder e de consolidar uma autonomia acrescida para as escolas e de dar às

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SESSÃO DE ENCERRAMENTO

escolas a possibilidade de elas se organizarem e de se agruparem. As escolas não podem viver sozi-nhas, as escolas não podem estar isoladas, as escolas têm de se congregar, até porque neste campodas ciências experimentais e do ensino experimental e da criação de uma verdadeira cultura cien-tífica, nós temos que partilhar uns com os outros o que sabemos, o que fazemos, os resultados aque chegamos. Estamos a fazer um grande esforço para que as escolas incluam a componente doensino experimental e a componente da cultura científica como pedras fundamentais do desen-volvimento dos seus projectos educativos. Hoje, o ensino experimental não é necessariamente oensino que passa pelos equipamentos altamente sofisticados. Esta exposição que nós tivemosocasião de ver mostra que da maior simplicidade de equipamentos ao equipamento mais sofisti-cado tudo é possível. Os senhores professores têm hoje uma capacidade imaginativa, uma capaci-dade para inovar e para inventar, utilizando os materiais mais simples que permitem que se faça oensino experimental. Eu tenho uma experiência nesta área há muitos anos de fazer ensino expe-rimental e de trabalhar em laboratórios num país como é a Inglaterra. Recordo-me que o meusupervisor, quando eu fiz a minha tese de mestrado no Imperial College, dizia: Your equipmentshould be deadly simple. Nunca se meta do início em equipamentos altamente sofisticados, senãodeixa de perceber qual é o fenómeno físico que está a tratar, porque o conceber, o desenhar, ofazer os modelos, o ensaiar, o testar, o comparar, o medir, o comprovar, o rectificar, o confirmar, orelatar e divulgar, tudo isto faz parte do ensino experimental. É isto que nós estamos a ver no tra-balho que tão brilhantemente aqui estas escolas nos apresentam. Outro aspecto que gostava dereferir – o Professor Mariano Gago também o referiu – e que acho que é muito importante, é queneste combate ao isolamento das escolas, é necessário que dentro do sistema educativo, nós pos-samos articular verticalmente as várias instituições: do pré-escolar às universidades, dos maispequeninos aos mais avançados em idade dentro do sistema educativo. Procurando fazer com queos institutos politécnicos, as universidades, os organismos de estado dedicados á investigação,onde está verdadeiramente a capacidade científica do país, partilhem e saibam descodificar a sualinguagem de maior grau de complexidade e consigam dialogar com os mais novos e divulgar aqui-lo que é um ensino experimental acessível, pertiremos verdadeiramente que se desenvolva umacultura científica e uma cultura de experimentação.

É importante que nós foquemos dois pontos que têm a ver com a educação e que têm aver com o Programa Ciência Viva e que vão merecer uma atenção especial da parte dos doisministérios.

Um tem a ver com a fixação dos professores. Eu fui muito sensível a um apelo que me foifeito aqui já no pavilhão quanto à fixação dos professores e quanto à necessidade de nós poder-mos aplicar ao Programa da Ciência Viva regras semelhantes àquelas que utilizámos para outrasiniciativas do Ministério da Educação, nomeadamente os currículos alternativos e os territórioseducativos de intervenção prioritária. Não estou a dizer que o vou fazer agora. Estou a dizer queé um assunto que passa a fazer parte das nossas preocupações e da necessidade que temos deresolver este problema tão rápido quanto possível.

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CONTEXTOS ESPECIAIS

O segundo tem a ver com revisões curriculares, e penso que é importante que qualquerrevisão curricular seja feita com cautelas especiais, no sentido de podermos consolidar o quefunciona bem. Aquilo que funciona, aquilo que tem condições de sucesso hoje dentro do sis-tema educativo deve ser consolidado. Podemos-lhe dar outra forma, outro nome, mas temosque consolidar aquilo que verdadeiramente funciona dentro do sistema educativo, porque comosabem, os últimos 10 anos mostraram que o currículo existente tem algumas fragilidades, mastem alguns aspectos muito positivos.

Um último ponto tem a ver com esta rede, não digo enorme, mas esta rede que se está hojea criar, de divulgação científica, de consolidação e de alimentação da cultura científica dos por-tugueses e dos jovens em particular. É o Europarque em Santa Maria da Feira, é o Exploratório emCoimbra, é este futuro Pavilhão Ciência Viva, o Pavilhão do Conhecimento, aqui no Parque dasNações, são todos os laboratórios e salas de experimentação que estão hoje abertas ao público nosinstitutos politécnicos, nas universidades e que podem e devem ter um papel essencial comosuporte de toda esta área da divulgação científica. Mas não esqueçamos outros aspectos que têma ver com, a relação entre a escola e a família, e a escola e a empresa. Nós criámos por iniciativado Ministério uma Associação dos Industriais para a Educação, não para fazer grandes acordoscom o Ministério da Educação, mas para que empresas ao nível local façam acordos específicoscom escolas dentro da mesma região geográfica. Temos algumas experiências na zona do Porto,na zona de Estarreja e na zona de Sines, estamos neste momento a avaliar estas iniciativas, e vamosalargá-las a outras zonas do país. Esta associação está viva, também está a dar os primeiros passose eu estou seguro que vai ser possível fazer um entendimento e um acordo entre escolas e empre-sas, não entre escolas e associações de empresas, mas entre escolas e empresas ao nível local,sobretudo as nossas associações de escolas que tão importantes são na formação dos professores.

O último ponto tem a ver com esta articulação entre o Ministério da Educação e o Ministérioda Ciência e tenho o maior gosto em dizer aqui publicamente que se tudo o que tem sido feito atéhoje tem um carácter muito importante, sobretudo por ser um conjunto de iniciativas emblemáti-cas, os próximos quatro e os próximos seis anos vão ser decisivos nesta matéria. E todas asmetodologias testadas, experimentadas e confirmadas nos últimos três anos vão ser de uma enormeimportância para que o terceiro Quadro Comunitário de Apoio permita que se consolidem e que seexpandem as iniciativas tomadas, não apenas no que respeita ao ensino experimental, mas tambémno que respeita ao equipamento de escolas, em equipamento informático – o nosso Nónio séc. XXI,o Programa Internet nas Escolas – e para continuarmos a acertar as nossas agulhas no sentido dedotar as escolas de equipamento que permita aos nossos jovens terem uma formação acrescida nes-tas áreas tão importantes para a sua vida futura. Desejo muitas felicidades a todos os professores, atodas as professoras e sobretudo, permitam-me, a todas as alunas e a todos os alunos, o esforçoque nós fazemos é sobretudo para eles, e muitos parabéns a todos pelo trabalho que têm feito.

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SESSÃO DE ENCERRAMENTO

Professor Mariano GagoMinistro da Ciência e da Tecnologia

ostaria em primeiro lugar de vos saudar e de agradecer todo o trabalho que tiveram, deagradecer ao Senhor Ministro da Educação a sua presença nesta sessão de encerramen-

to. Gostaria de saudar mais uma vez a equipa do Ciência Viva, assim como a ComissãoInternacional que nos acompanha desde a primeira hora.

Gostaria agora de fazer alguns comentários, a partir daquilo que, sendo uma visão pes-soal, é o que eu próprio aprendi neste último ano de Ciência Viva, sobretudo durante estes doisdias do Forum.

Existem algumas questões, pequenas, que progressivamente começam a ganhar impor-tância e que, estou certo, saberemos resolver.

Muitos professores dirigiram-se a nós, durante estes dois dias, procurando que equa-cionássemos a questão da formação, da valorização profissional e da valorização das carreiras,em relação com os projectos em que estão envolvidos, que dirigem ou promovem, sublinhando,portanto, esta relação profunda entre o reconhecimento da sua auto-formação nas parcerias emque se envolvem e a sua carreira profissional.

Outra questão tem vindo a ser pontualmente resolvida com a inestimável ajuda dos serviçosdo Ministério da Educação em todos os pontos do país: a questão da fixação dos professores, a esta-bilidade dos professores em projectos, designadamente em projectos que têm duração plurianual.Entre o momento em que começam e adquirem equipamento até ao momento em que se podedizer que concluíram a fase de concretização decorrem dois, três, quatro anos. Ainda que a mobi-lidade dos professores possa ser extremamente útil para outros efeitos, causa uma enorme pertur-bação para as crianças e seus percursos educativos.

Estou seguro que estas questões, como outras, são questões que, os dois Ministérios,Educação e Ciência, irão analisar com muito cuidado, porque chegámos a uma fase de maturi-dade, que permite encontrar, a partir da experiência realizada, soluções para estes problemas,apesar de todas as condicionantes de natureza legal e da carreira.

No que diz respeito à Tecnologia, procuraremos, no futuro, insistir mais na relação entre oensino experimental das ciências – a atitude experimental – e aquela outra atitude experimentalque é a tecnologia e a aprendizagem das tecnologias. Ainda que existam inúmeros pontos decontacto entre aprendizagem tecnológica e aprendizagem experimental das ciências, não sãoexactamente a mesma coisa. Há uma autonomia relativa entre a aprendizagem experimental dasciências – a relação entre a razão, o pensamento e o real – e o trabalho de natureza estritamentetecnológica.

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CONTEXTOS ESPECIAIS

Compreender como é que a matéria é capaz de fazer aquilo que nós queremos que elafaça e não aquilo que ela quer por si fazer. Esta é a grande diferença entre a Tecnologia e aCiência, sendo que ambas, no fundo, vêm do mesmo filão, da mesma raiz. Este é um problemageral de cultura científica e tecnológica em Portugal e tem que ver, também, com as diferentesexigências da tecnologia nos nossos dias. A visão da Tecnologia que herdámos do passado éuma visão que corresponde, em grande parte, às artes e ofícios hoje desaparecidos. Pelo con-trário, muitas das actividades e dos processos industriais promoveram novas tecnologias ou umanova concepção da tecnologia e, mais do que isso, grandes áreas da tecnologia ligadas à vidadas pessoas – estou a pensar na Saúde e no Ambiente – abriram-se como oportunidades deaprendizagem indispensáveis como competências para o mundo moderno.

No ano passado, discutimos muito a questão da absoluta indispensabilidade de tornar pro-gressivamente obrigatório o ensino experimental das ciências. Esta é uma decisão que nos enchede alegria e o Senhor Ministro da Educação certamente falará desse assunto, porque a articu-lação indispensável entre trabalho de projecto (com tudo o que ele representa de iniciativa, decoragem, de autonomia), e a sua combinação com o trabalho estritamente curricular e compráticas educativas generalizadas, é um factor crítico.

E é crítico porque quem está em jogo são essencialmente os jovens, os alunos. Enquantohouver um estudante que tenha atravessado todo o ensino sem ter feito uma experiência, tendopassado por disciplinas de ciências, alguma coisa está mal. Enquanto isso acontecer, não estare-mos tranquilos.

Os projectos que desenvolvemos, têm hoje uma enorme amplitude no país, cobrem umapercentagem vastíssima da população discente e docente, minoram este problema mas não opodem, por si só, resolver. Visam animar, criar um registo de actividade, mesmo quando a activi-dade experimental for obrigatória e generalizada, mas não podem substituir-se a essa práticageral escolar pela qual se medem as oportunidades de aprendizagem da totalidade dos alunos.

Gostava de reafirmar aos responsáveis do Ministério da Educação, a nossa inteira disponi-bilidade para partilhar e sobretudo, fazer usufruir da experiência que adquirimos ao longo destesanos para resolver estes difíceis problemas na educação, mantendo-nos na nossa esfera própria,que é da contribuição da comunidade científica e tecnológica para a educação em Portugal.

Uma das conclusões da Comissão de Avaliação é um apelo a que procuraremos explorarmelhor a dimensão da relação com as famílias no Programa Ciência Viva.

O Ciência Viva nasce e procura desenvolver-se essencialmente em parcerias, a primeira dasquais é a parceria entre as instituições científicas e universitárias e a escola, a comunidade cien-tífica e a comunidade educativa dos ensinos básicos, secundários, mas também do pré-escolar,das escolas profissionais, etc...

Esta parceria não é única. As autoridades locais, as Câmaras Municipais, as empresas,muitas associações participam nestas parcerias. E é isso que dá o enraizamento social e a riquezahoje presente no Programa, como foi patente neste Forum.

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SESSÃO DE ENCERRAMENTO

Conseguir ir mais longe, envolver crescentemente as famílias na vida escolar e designada-mente nos projectos, trazer os pais, os avós à escola e levar as experiências a casa é uma dasdimensões que queremos explorar no futuro.

Falou-se da possibilidade de descentralizar este Forum nacional do Ciência Viva. Creio queé indispensável seguir duas direcções e tentaremos na medida das nossas possibilidades fazê-lo:por um lado, criar progressivamente fóruns regionais Ciência Viva, que numa determinadaregião possam não só fazer e mostrar os projectos mas ir mais longe, fazendo o que é possívelquando a dimensão é mais pequena, por exemplo animar ateliers de experimentação, seremcentros de recursos de informação, coisa que aqui no Forum nacional é manifestamente impos-sível a uma escala tão vasta. Por outro lado, parece-nos essencial que se mantenha, eventual-mente circulando por várias cidades do país, este grande forum nacional que dá a todos um sen-timento de pertença a uma vasta comunidade e a um movimento de transformação da culturacientífica no país e que une e permite uma partilha de experiências. Um ponto singular na par-tilha de experiências que, muitas vezes, as dificuldades do dia-a-dia não nos permitem ao longodo ano.

Abrir as escolas, fazer com que os seus equipamentos, laboratórios e saídas de campo pos-sam ser partilhados com elementos da comunidade e com as famílias é um dos elementos essen-ciais de desenvolvimento deste Programa para os próximos anos, que tentaremos com muitafirmeza levar avante.

Gostaria também de referir uma questão aflorada em muitos dos contactos que mantiveneste Forum e que diz respeito à relação do trabalho de projectos e experimentação, com o tra-balho de avaliação das aprendizagens por parte dos alunos.

Este ponto é sentido por muitos e por mim também, enquanto professor, como absoluta-mente crítico. A credibilidade final da experimentação no ensino das ciências medir-se-á no diaem que as aprendizagens experimentais e as competências experimentais forem essenciais naavaliação final dos alunos. Esta questão é fundamental para que se possa finalmente dizer queexiste ensino experimental das ciências em Portugal e que as competências experimentais estãona primeira linha de preocupações do Estado.

Sabemos que é um problema difícil em qualquer parte do mundo e estamos disponíveispara partilhar toda a experiência adquirida e colaborar neste trabalho que o Ministério daEducação terá de desenvolver. Um trabalho difícil em qualquer parte do mundo, que não temsolução simples, mas que poderá ir tendo soluções progressivas e positivas.

As geminações entre escolas e unidades científicas, universidades, laboratórios e empre-sas tem crescido a um ritmo apreciável. Interessa, contudo, fazer muito mais nos próximos anos.É indispensável que não exista em Portugal nenhuma instituição científica de dimensão razoávelsem e que não existam escolas sem qualquer forma regular de relação com instituições científi-cas ou universitárias. Procurámos, do ponto de vista estritamente técnico, ajudar essa relação,fazendo com que o Programa Internet nas Escolas estivesse ao serviço deste objectivo do Ciência

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CONTEXTOS ESPECIAIS

Viva. Por isso, a concepção da rede telemática educativa que criámos em Portugal baseia-se emnós e em pontos de presença que se situam em universidades, em politécnicos, em centros deinvestigação. Reforçaremos esta tendência e procuraremos pôr, cada vez mais, a telemáticaeducativa ao serviço da experimentação.

Se procurámos manter a estratégia de desenvolvimento da telemática educativa e daconectividade em Portugal separada da estratégia de desenvolvimento da experimentação foiporque nos pareceu que, num país onde durante anos a fio não houve experimentação signi-ficativa das ciências, seria perigosíssimo transformar a ausência de experimentação em simulacrovirtual de experimentação, que seria a óbvia tentação da introdução maciça dos computadoresnos locais de laboratório. Não o fizemos, não o faremos e utilizaremos a telemática educativapara aquilo que ela serve, isto é, para fazer com que professores e alunos possam comunicar assuas experiências e encontrar em bases de dados os resultados da experiência, da motivação, dotrabalho de todos.

O primeiro exemplo disso foi o lançamento do chamado Kit Latitude e Longitude,disponível experimentalmente na Internet, que pode, de uma forma inteiramente original, sertransferido para papel e, inclusivamente, encontrar formas reais de ilustração de como é que seexperimenta em vídeos, que se encontram directamente dentro do computador, acessíveis pelaInternet. Este novo espaço de recursos educativos disponíveis na Net retirados da expe-rimentação, pode ser explorado porque hoje em dia existe software e existem máquinas que opermitem. Certamente que o software e as máquinas vão melhorar e permitirão uma aproxi-mação muito maior entre experiências, entre professores, entre grupos, entre escolas.

As escolas não estão isoladas. Esse é um dos maiores sucessos da política educativa dosúltimos anos e é também um dos grandes sucessos do País ao dar prioridade às escolas e perce-ber que é da nossa responsabilidade pensarmos nos nossos filhos e nos filhos dos nossos conci-dadãos.

O Ciência Viva é entendido como uma contribuição entre muitas deste vasto movimentosocial que procura a apropriação da escola pela sociedade e que procura apoiar o trabalho dosprofissionais que vivem na escola. É um movimento da ciência para a educação, da comunidadecientífica para a educação. Muito a educação dá à ciência. Porque lhe dá de volta as crianças,os jovens e os novos cientistas. Porque forma a criatividade, os problemas e a inquietação quevêm do ensino para a investigação científica, ou até para os processos da investigação científi-ca. Por isso, mais uma vez gostaria de agradecer a todos. Muito obrigado.

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