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Objetiva-se apresentar e discutir os parmetros da historiografia
contempornea apartir das mudanas ocorridas durante os ltimos anos.
Mostrar como a partir dessasmudanas ocorrem alteraes nos sentidos e
significados do conhecimento histrico,especialmente quanto aos usos
da memria no contexto do tempo presente, tantono campo social como
no cultural. Tais aspectos so apresentados no debate terico,visando
compreenso e importncia do estudo das teorias da Histria nacomposio
das noes como idias de futuro no passado e cultura da mudana.
Idias de futuro no passado e cultura historiogrfica da
mudana
Future ideas in the past and historigraphical culture of
change
Resumo
The aim of this investigation is to show and discuss the
parameters of contemporaryhistoriography from the changes occurred
in the last years. Besides that, it showshow, from these changes,
alterations occur in senses and meanings of historicknowledge,
mainly regarding the use of memory in the context of present time,
bothin social and cultural field. Such aspects are shown in
theoretical debate, seeking thecomprehension and importance of
studying the theories of History in the compositionof notions like
future ideas in the past and culture of change.
Abstract
Astor Antnio DiehlProfessor do departamento de
histriaUniversidade de Passo [email protected] Mal Rondon, 262 -
Vila CarmemPasso Fundo-RS99027-270
Palavras-chaveCultura historiogrfica; Conhecimento histrico;
Cultura da mudana.
KeywordHistoriographical culture; Historical knowledge; Culture
of change.
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Enviado em: 12/06/2008Aprovado em: 17/07/2008
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Tenho muito medo de um movimento intelectualse transformar num
slogan, pois h sempre operigo de autocomplacncia intelectual, ou
seja,de se acreditar que se est no nico caminhocorreto,
verdadeiro.
Carlo Ginzburg
A cultura em torno do pensamento histrico a partir dos anos 1980
e,especialmente, dos anos de 1990 teria perdido, em tese, sua
capacidade deexplicao estrutural dos movimentos sociais e dos
processos que propunhama civilizao.
As histrias narradas perderam, tambm, muito de seu sentido
originalglorioso e herico. Sua energia e pedagogia explicativa
inicial dos grandes feitosmodernizadores cedem lugar conscincia de
viver numa poca multicultural ede interesses pluriorientados.
Parece-me que o passado dos feitos gloriosos e positivados
atravs dasconcepes vindas desde o esclarecimento j no mais consegue
iluminar ostrilhos por onde a locomotiva da histria com sua carga
preciosa e esclarecedoratrazida do passado pudesse passar rumo ao
futuro.
A conscincia dessa perda irreparvel, promovida pela
mudanaparadigmtica nas formas de produo do conhecimento gerou, ao
que tudoindica o afastamento das histrias e das representaes
estruturais de cartereminentemente materialistas. Em seu lugar
crescem as histrias culturais. Jno so mais os modelos conceituais
tericos aqueles capazes de dar conta daambio explicativa, mas a
memria agora passa a assumir importncia.
A reconstituio das memrias coletivas e individuais permitiu
odesdobramento metodolgico para uma infinidade de possveis escalas
e leiturasdo passado. Esse exatamente o ponto de insero de
estratgiashermenuticas na compreenso do passado e, conseqentemente,
do exercciopara romper com a exclusividade da verdade cientfica
(VATTIMO 1996;HUTCHEON 1991).
Como no mais possvel contar com as luzes de uma verdade e
exclusivacincia, do progresso e do projeto legitimado pela
linearidade temporal, a nfaserecai sobre as runas, os restos e as
lembranas que sobraram dos processosde modernizao, os quais rondam
como fantasmas sobre nossas cabeas.
Em termos de representaes histricas, ns assistimos formao
deverdadeiras tendncias historiogrficas, cada qual se apegando em
um tipo deresto ou rastro para, a partir dele, dimensionar os
sentidos de uma disciplinaautnoma para reconstituir o passado.
A projeo modernizadora nos tempos passados colocou para a
memriaum papel menos importante, sobre o qual, alm disso, pesava a
terrveldesconfiana quanto sua capacidade heurstica, apesar de toda
cultura histricaocidental estar completamente assentada sobre essa
mesma memria.
Essa desconfiana em relao memria passada parece-me que est
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sendo superada. Alis, o que sobrou dos tempos hericos somente a
suaprpria memria. Porm, a sua reabilitao como fonte de informaes
econhecimentos parece ser uma tnica mais importante da cultura
historiogrficaatual (DIEHL 2007).
A atualidade do tema memria vincula-se tambm falncia da ao edas
leituras entrpicas, promovidas por pensadores modernos, que
remetiamo imaginrio social ao projeto de segurana e de um mundo
presente quaseperfeito no futuro. Nesse caso, a certeza cientfica e
as filosofias especulativasda histria do futuro cegaram as
possibilidades de existir a contingncia nahistria.
Evidentemente que essa reorientao no feita de forma indolor.
Huma espcie de desespero frente quilo que a memria possa nos
revelar. Emsuas mltiplas leituras possveis, a memria revela os
escombros, as runas eos processos de desintegrao, tornando-se ela
um testemunho do passado,no qual o progresso rompera com as
estruturas tradicionais.1 O passado passaa ser percebido como um
imenso espao temporal, constitudo de coisasdesconhecidas, porm
disponveis para um processo de reconstituio inventiva.
Frente diversidade reveladora da memria social, escrita e oral,
ohistoriador j no consegue mais ter a certeza absoluta sobre o
reconstituir eo significar o passado. O historiador passa a ter
insegurana epistemolgica,disciplinar e, assim, bate s portas das
demais cincias humanas com a moestendida, na qual lemos um pedido
de ajuda.
Primeiro, foi a interdisciplinaridade, depois veio a multi e a
trans e agora ametadisciplinaridade (SCHNITMAN 1996). Est claro que
tal refinamento darede metodolgica de aproximao das disciplinas
servir para captar no maisos processos modernizadores, mas,
sobretudo, as runas, resultantes doprocesso de ao do tempo.
O historiador, que antes varria a sala, deixando-a brilhante,
livre de culpase ressentimentos, se deu conta que todos aqueles
restos varridos formavamum entulho de representaes simblicas no
meio da sala, porm debaixo dotapete. Nosso esforo para higienizar o
ambiente tornando o passado emHistria -, condenou-nos a cair sobre
a prpria armadilha na sala.
Nosso olhar fixo e alienante no futuro nos transformou em uma
autoridadecom conhecimentos esclarecedores para visualizar
perspectivas de futuro paraa sociedade. Porm, bastou uma dobra no
tapete para que nos debrussemossobre as runas, varridas para baixo
do tapete.
No entanto, no bastaria somente a conscincia daquilo que fora
condenadono passado. O historiador precisou de outros instrumentos
metodolgicos parapoder dar conta de novos sistemas de referncia e
sentidos atribudos aos
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mudana
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1 Observa-se atualmente um reaquecimento dos estudos sobre o
trgico, ver a ttulo de exemplificaoos artigos publicados
recentemente na Revista Filosofia Poltica. Departamento de
Filosofia, Cursode Ps-graduao em Filosofia, IFCH/UFRGS, III/1,
2001.
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fragmentos, para ento reconstruir uma nova representao e,
portanto, maissignificativa, para o passado.
A histria encontraria na origem, na alegoria e na esttica seu
modo derepresentao. Tais tendncias mostram a larga receptividade da
obra de WalterBenjamim e de Michel Foucault na elaborao de leituras
quanto ao progresso, tcnica, aproximao entre histria e literatura e
s novas formas deapreender as relaes de poder (DIEHL 2002).
Por outro lado, o tropeo no tapete da sala tambm possibilitou
que osdestroos do passado irrompessem na cena contempornea.
Entretanto, adiferena agora est no fato de no se poder usar mais
aqueles modelos tericosde seleo, de classificao e de identidade
sobre os restos, como se fazia nopassado, sem, pelo menos,
relativiz-los.
A heterogeneidade temporal, cultural e poltica impedem-nos de
fazer tbuarasa do passado em termos de sentidos e significados
(GUMBRECHT 1998). Aheterogeneidade tambm revela o espao cultural
contemporneo saturado.No entanto, essa mesma heterogeneidade pode,
por sua vez, incitar-nos paraduas orientaes diferentes e
contraditrias: a reao e a criao.
A situao do espao cultural pode gerar uma reao, entendida aqui
comoum obstculo originalidade, inovao ou mesmo impossibilidade de
produode novos conhecimentos (MOZER 1999, p.33-54). Tudo j teria
sido dito, feitoe narrado. Restaria, ento, uma espcie de sada
estratgica em direo aomundo primitivo, situado em algum momento
antes da modernidade. Um desejode busca da comunidade, do pequeno,
da experincia, do micro e, porque nodizer, de recolocar o sujeito
tico-moral no centro do palco.
A semiotizao atual retirou os sentidos de sua clandestinidade. E
nesseaspecto, em termos dos micro-territrios de sociabilidades,
vale a poltica doplano de reconstituio dos sentidos, l onde existem
as privacidades e asintimidades. Estaramos encaminhando para uma
cincia do texto em detrimentodaquela vinculada na relao
demonstrativa e explicativa do homem-natureza?(SARTORI 2001).
Assim, o contexto do tempo presente pode, perfeitamente,revelar as
estratgias para a formao de desejos e significados no camposocial e
cultural (DIEHL 2007).
Essa nova tendncia mostra-nos que, em termos macro, a
compreensodo cultural seria entendida apenas como a poltica do
plano concludo e como asestratgias que, somente positivadas,
reconheceriam o visvel a prioriestabelecido pelos conceitos.
De uma ou outra forma, temos a orientao, na qual a situao do
espaocultural pode mostrar que a saturao seja percebida com a
condio sine quanon de produo de novos sentidos. Aquilo que
aparecera debaixo do tapeteseria a matria-prima para a constituio
do campo das significaes.
O custo social da modernizao seria, agora, visto no mais como
obstculo,mas como o recurso para sua reutilizao atravs dos esforos
da metanarrativa,metafico ou intertextualidade (HUTCHEON 1991).
Configura-se, portanto, um
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terreno frtil e promissor ao avano do debate das narrativas
ps-modernas,numa espcie de modo de produo das subjetividades,
atravs de uma espciede cincia do texto como referimos acima.
Uma primeira orientao resultante aquela que parte da
recombinaode temporalidades diferentes numa mesma narrativa, sendo
esta no maisvista como uma deformao ou mesmo sinnimo de desordem,
mas deconstituio de um sistema com uma lgica que trabalha com
sentidos pr-constitudos e mltiplos. Pela dinmica interna do sistema
e pelos seus enunciados,a narrativa e a esttica assumem um papel
central. O contedo, propriamente,torna-se o campo da demonstrao
sobre o qual se narra e se estetiza.
As mltiplas recombinaes possveis no sistema levam a implodir
asbilateralidades de posies. Quebram-se assim as oposies, tendo-se,
poroutro lado, dificuldade em diferenciar produo de reproduo ou
originalidadede resignificao. Por vezes, essa tendncia duramente
criticada como sendomera reciclagem, pastiche ou mesmo canibalismo
cultural, crtica com a qual deantemo no concordamos.
Todo esse processo estaria levando ao esgotamento cultural,
falta deoriginalidade e ausncia de crtica (SOKOL; BRICMONT 1999).
Transportandoeste contexto ao ambiente atual na cultura
historiogrfica brasileira, podemosentend-la como sendo de
incessante crtica razo histrica (CUCHE 1999).Uma segunda orientao
avana para alm desta perspectiva, mas no deixade se refugiar no
anti-modernismo comunitrio, desta vez supostamenteidentificada na
conotao poltica de vanguarda historiogrfica. Deixou-se deperseguir
as explicaes racionais sobre as razes estruturais e conjunturaisde
determinadas configuraes histricas em nome de possveis
orientaesps-modernas, apresentadas com os mais diversos matizes
tericos (SEMPRINI1999).
A pergunta que podemos fazer aqui a seguinte: por que isso
estariaocorrendo? Gostaria, ento, de levantar algumas suspeitas
para a possvelcompreenso desse contexto.
Primeiramente, vivemos num clima deixado pelas frustraes
intelectuaise sociais, pois as revolues otimistas, aquelas que
projetavam uma soluode redeno do homem no futuro, no aconteceram
nos moldes teorizados.Esse fato uma das origens de certo pessimismo
em relao ao futuro coletivoe prpria possibilidade de mudana
social.
Esse aspecto, por sua vez, gerou uma crise de critrios
cientficos eracionais do establisment, sobre os quais tais
paradigmas orientadores estavamassentados (LECHTE 2002).
Convivemos, assim com a precariedade e com aausncia de transparncia
terica no sentido de Habermas e, em alguns casos,com a demisso da
prpria razo de seu posto alcanado na sua trajetriadesde o
iluminismo.
Em segundo lugar, o clima de fragmentao da ordem
estabelecida.Essa fragmentao uma das conseqncias dos prprios
processos de
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modernizao que explodem as tradies historiogrficas e culturais.
Estafragmentao, em termos de teorias, no novidade, pois ela
acompanha aprpria constituio da modernidade.
Entretanto, essa situao no momento presente nos deixa
numaatmosfera de insegurana, uma vez que os antigos critrios no
cobrem nemconseguem capturar mais a realidade que pretendemos
reconstituir e, almdisso, desconfiamos profundamente dos novos
(SOUZA SANTOS 1999).
Sem dvida, os processos de modernizao geram custos sociais
eculturais, apresentados atravs da historiografia das
representaesfragmentadas. Portanto, j que a sociedade e o coletivo
estariam fragmentados(fracionados e muitas vezes hostis entre si),
a tendncia bsica um retornoao indivduo e ao sentido da
subjetividade. Assim, existe uma forte perspectivade individualizao
do presente e do passado.
Em termos historiogrficos isso se evidencia atravs de
representaesdo passado na configurao do retorno das solues micro,
das regionalidadese das territorialidades do desconhecido, e do
imediato, orientadas, assim penso,nas pesquisas do psquico, do
mstico, do religioso e das cotidianidades dasexperincias.
Pois bem, os dois aspectos que apontamos acima gerariam alguns
dilemas,diria estruturais, que avanam sobre nossas posturas
acadmicas e profissionais.Ao nvel acadmico apresentam-se dois
vetores: o afastamento do discurso daresponsabilidade
acadmico-social em termos de mudanas estruturais e a
crticaconformista da sociedade atravs das perspectivas acima
descritas.
J ao nvel dos resultados de pesquisas e temticas abordadas temos
umretorno ao cotidiano, uma espcie de enclausuramento, de
isolamento doindivduo ou de pequenos grupos - quase tribos - em si
mesmos, formando asilhas do passado histrico. Existiria, ento, uma
fuga orientada que vai da esferapblica para o privado, para as
abordagens das solues especiais e imediatas(MAFFESOLI 1999), porm
sempre levando em conta as possibilidades que taistendncias
oferecem na produo de significados nas representaes sobre
opassado.
Em tese, o momento seria dos cotidianos ntimos da vida, das
experinciasmicro, a vez das bruxas, das feiticeiras, dos loucos,
dos vadios, doshomossexuais, dos gestos significativos, porm
individualizados, tais como aclandestinidade, o medo, o desejo, a
angstia etc. A vez tambm seria daquiloque se denominaria de
compensaes dos custos resultantes dos processos demodernizao
(GIDDENS 1991) otimista-lineares, daquilo que historicamentefoi
jogado na lata de lixo pela cincia formal.
Essa tendncia parece sintomtica, especialmente quando insistimos
emprocurar no passado aqueles gestos significativos que compensam a
falta decritrios objetivos no presente, preenchendo assim a cmara
de vcuo deixadapelas filosofias da histria. Radicalizando,
poder-se-ia perguntar: romantizamos,idealizamos aspectos do passado
num esforo para restabelecer a ordem e o
Astor Antnio Diehl
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paraso perdidos (LWY 1990).Essa ltima orientao, por certo, no
ingnua e no estaria longe de
justificar e legitimar o ressurgimento de mitos to caros do
sculo XIX, taiscomo: da nao, do estado, do tnico, da personalidade,
da geopoltica, dopoliticamente correto e da tradio cultural como
elementos autnomos. Sejameles percebidos como os licores dos deuses
ou como as culpas induzidas pelosdesejos. Isso traz de volta a
estratgia das solues imediatas, localizadas ecarismticas. Nesse
ponto, estamos novamente situados de frente com o temados processos
de identificao e com a identidade como tal.
Colocado isso, uma pergunta de via dupla continua a perturbar:
essasnovas perspectivas efetivamente colocariam a histria como
disciplina em xequeou estas novas tendncias em seus somatrios no
estariam propiciando umavano em termos de compreenso do
passado?
Com essa aproximao temtica surgem alguns aspectos que
talvezmerecessem ser, pelo menos, apontados:
a) a analogia entre a reconstruo da biografia e a sua
interpretaocrtica possibilita a reconstituio de estruturas
simblicas em geral;
b) a cincia produzida na Universidade no desempenha mais seu
papelde motor no pensamento, por que esta funo j est ocupada pela
poltica;
c) a histria, como disciplina com plausibilidade cientfica[,] no
teria afuno de propor identidades, pois a historiografia seria o
resultado deracionalizaes metodolgicas e de constituio de
identidades poderiam seformar e cumprir funes atravs do esttico, do
passional e do afetivo.
Nesse sentido, o lastro de contedos do passado, que alavanca
apossibilidade de identificaes, passa a ser percebido tal como
deveria ter sido.Em tese, podemos considerar que estaria ocorrendo
a revanche doacontecimento em detrimento das histrias estruturais
com teor analtico.
Em outros termos, concordamos com Bachelard ao argumentar que
talprocesso no de agora e que ele se caracterizaria pela luta entre
espao xtempo (BACHELARD 1996). Essa perspectiva injeta no sentido
do passadouma leitura de significado romntico de como queramos que
fosse.
Entretanto, ns j entendemos que esse passado nunca existiu a no
serna imaginao criativa ou na afetividade. Porm, a outra leitura
desse passado aquela que remete para o sentido metodolgico do como
possvel de serreconstitudo. Para esta leitura, no tenho dvidas de
que as estruturaspsicolgicas e o campo das subjetividades so uma
base interessante e produtivapara a sua reconstituio.
Fazendo-se uma reviso na historiografia brasileira
contempornea,percebemos uma mudana estrutural na produo do
conhecimento histrico.At os anos da dcada de 1980 temos paradigmas
terico-metodolgicosotimistas, representados pelo positivismo,
marxismo e em parte pela tradiode Max Weber com seus respectivos
desdobramentos.
Nesse sentido, produzia-se conhecimento numa viso de progresso
material,
Idias de futuro no passado e cultura historiogrfica da
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quando o sentido coletivo e o aspecto institucional foram
orientaes centrais;buscava-se conquistar a modernidade e pautava-se
pela histria na perspectivamagistra vitae.
Penso que, atualmente, as tendncias historiogrficas no buscam
maislegitimar a redeno do homem no futuro como um projeto para alm
denossa poca. H, em vez disso, um retorno ao passado (das ilhas) e
aosindivduos, ressaltando-se os aspectos etno-antropolgicos de
certa visocultural. H, por outro lado e tudo indica uma carncia de
projetos estruturaissubjacentes que tenham implcita a perspectiva
da mudana social naperspectiva vinda do esclarecimento.
A cultura historiogrfica valoriza sobremaneira a configurao
tico-literrio-ornamental da histria, parecendo que tambm a histria
est na linha dos noditos, uma histria para massagear,
anacronicamente, o ego pela compensaorelacional entre conscincia e
culpa.
Entretanto, no s esse lado que deve ser visto. As novas
tendnciasda historiografia tambm nos mostraram, e fizeram ver,
mesmo a contra gosto,o quanto a racionalidade moderna amputou do
conhecimento os horizontesdas subjetividades e de tudo o que isso
possa significar em termos dareconstituio do passado.
O rompimento das relaes de sucesses temporais como
modeloexplicativo catapultou, pelo muro dos fundos, a memria e a
narrativa para ocentro do debate da histria cultural e das
representaes. Parece-nos que ahistria como disciplina est passando
por um tempo de provaes e ela estem busca de parcerias como, por
exemplo, a psicanlise.
Pois bem, tanto a histria, na sua grande mudana ocorrida no
final dasegunda metade do sculo XIX, como a psicanlise so
disciplinas que buscamcompreender o indivduo circunstanciado pela
complexidade das relaes sociaise culturais.
Com este pensamento est registrado que a conscincia se tornou
umprofundo estado difcil de ser definido, sobre a qual so
estabelecidas asorientaes temporais tanto individuais como
coletivas. Nesse caso, a relaoentre histria e psicanlise pode gerar
possibilidades de compreenso docomplexo debate historiogrfico atual
em termos das suas representaessimblicas de identidade, do retorno
ao indivduo e da prpria subjetividade. Emtese, o tempo presente o
da memria/esquecimento/rememorizao dossentidos e significados
culturais.
A percepo desse exerccio no nos pode levar estratgia de
varrerpara debaixo do tapete aquilo que no se enquadra em nossos
modelosexplicativos a priori fixados no horizonte de nossas
expectativas tericas, comopraticvamos at pouco. No podemos esquecer
do simples fato que o horizonte inatingvel, servindo apenas como
linha de referncia, a qual mudaconstantemente.
Tambm no podemos nos deixar levar pela estratgia de avestruz:
de
Astor Antnio Diehl
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histria da historiografia nmero 01 agosto 2008
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enterrar a cabea, deixando de fora o volumoso corpo, pensando
que dessaforma estaramos protegidos dos eventuais abalos nos
parmetros deplausibilidade da cincia a priori estabelecidos pelas
experincias empricas.
Sem dvida, podemos propor um dilogo em torno dessas questes
deforma programtica, estabelecendo relaes entre as experincias do
passado,cada vez mais vigorosas pela historiografia, e as
expectativas de futuro (RSEN2002, p. 305-321) naquilo que
denominamos de cultura da mudana dentroda perspectiva do dilogo com
as tradies e as idias de futuro no passado.
Quanto ao presente, ele no presente, ele est presente, no s
porqueo recusamos atravs da banalizao, mas tambm porque o passado
est topresente que o invade e, por sua vez, absorvido pelo futuro,
diluindo-o. Opassado faz o papel de presente e ele passa a ser
entendido como meio deafirmar e de reabilitar processos de
identificao ou, pelo menos, de cumprir afuno de que nos seja
permitido (sobre)viver culturalmente no presente,reorientando o
horizonte de expectativas.
A histria como disciplina com plausibilidade argumentativa tem
apossibilidade de compreender e explicar fenmenos econmicos,
sociais e asrelaes de poder. Para tanto, torna-se necessrio e
desejvel, como ponto departida, que a histria seja uma disciplina
uma cincia da cultura -, orientadano cultural, no social e no
psicanaltico. Porm, estamos ainda longe de constituirtal
disciplina, com tais caractersticas.
Entretanto, podemos reconstituir parte desse debate atravs dos
rastrosdeixados pela da crise do historicismo, pela relao entre
psicanlise e marxismo,ou ainda, pela recuperao e atualizao
contextualizada das obras de Nietzsche,Freud, Weber, Benjamim,
Marcuse, Fromm entre outros tantos.2
Se todo esse interesse da questo ir trazer novos campos de
pesquisa ediscusses terico-metodolgicas, permito-me dizer que ainda
cedo e notenho uma resposta que me possa satisfazer. Entretanto, de
uma coisa podemoster certeza, mesmo que de forma provisria:
(re)trabalhar o passado sob asperspectivas de fundamentalismos
historiogrficos no nos levar para almda crtica confortante e
confortada pela estrutura acadmica. Podemos, pois,falar de atitude
intradisciplinar e transdisciplinar, com o objetivo de abrir
ocorao, desta vez no div, para uma introduo crtica da razo histrica
nosentido das idias de futuro no passado.
A perda do sentido utpico e a impossibilidade de uma cultura da
mudanaa partir dos ideais do esclarecimento na historiografia
contempornea lanaramparte dos historiadores sobre a tarefa de
revisitar o passado com novas lentese perspectivas, muito
diferentes daqueles estudos histricos tradicionais e nempoderia ser
diferente.
Idias de futuro no passado e cultura historiogrfica da
mudana
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histria da historiografia nmero 01 agosto 2008
2 Nesse caso existe uma atualidade expressa das obras de Georg
Simmel e Norbert Elias, cujaspossibilidades esto implcitas quanto a
noo de cultura na modernidade.
-
Nesse sentido, a representao de indivduos, de grupos sociais e
defenmenos simblicos gerou uma luta encarniada entre significados
culturaisinternos e externos.
Entretanto, tais mudanas estruturais na produo do conhecimento
sobreos mais diferentes aspectos, sejam disciplinares ou
poltico-ideolgicos, geraramum segundo conjunto de dilemas, os quais
podem ser observados na literaturahistoriogrfica. Os dilemas podem
ser evidenciados pela experincia deaproximao da histria com outras
disciplinas e por certas configuraescaractersticas do Sptzeit,
conforme j apresentada anteriormente (MOZERop. Cit.).
A histria escrita a forma de dramatizao do mundo externo a
partir demotivaes internas, que fazem acionar indivduos e grupos
para desempenhareme representarem determinados papis sociais e
simblicos. Ou seja, que a relaodo psicanalista e do historiador
muito prxima em termos do texto e quedessa relao se abre um caminho
para a compreenso das idias de futuro nopassado.
A cincia psicanaltica no dispensa certos conhecimentos de
outrasdisciplinas, pois ela tambm no poderia se restringir a si
mesma. Desde osanos de 1950, a psicanlise procurou abrir-se e
modificar seu espao de trabalho.Esta flexibilidade serviu muitas
vezes como obstculo, mas tambm isso fazparte do destino de qualquer
disciplina que pretenda abrir seus horizontes.
A pesquisa psicanaltica desde ento atraiu para si a antropologia
e a crticaliterria. A cincia histrica ficou como uma espcie de
prima pobre. Aantropologia trouxe para o psicanalista o controle da
dramaticidade da vidahumana vivida e a crtica literria contribuiu
com o discurso. Em ambos oscasos criaram-se situaes as quais no se
diferenciam tanto em uma conversapsicanaltica.
A histria, por sua vez, exige, alm disso, formas de
intermediaesdidtico-pedaggicas. Por isso mesmo, nas formas de
intermediaoencontramos temticas que seriam relevantes no sentido de
suas funes sociaisda cultura, tais como: a cotidianidade, o
racionalismo do ertico, os fenmenosreligiosos, os complexos
sociais, o sofrimento e a violncia entre tantos outros,ainda pouco
explorados nos livros didticos de histria (DIEHL 2006). De
certaforma, isto explica o fato de tais temas ainda no terem sido
trabalhados apartir da perspectiva psicanaltica.
Porm, nos ltimos anos, mesmo que de forma tmida, alguns
temaspassaram a compor a lista de pesquisas tambm para os
historiadores, como avida privada, as estruturas simblicas, os
(res)sentimentos, as metforas, asrelaes de poder, as perspectivas
de futuro que se tinha no passado etc. perceptvel que est comeando
a surgir um movimento historiogrfico, queaos poucos, com
legitimidade, evoca a psicanlise.
Nessa caminhada pode surgir uma relao produtiva entre a
formaopsicanaltica de determinados historiadores e a necessidade de
compreender
Astor Antnio Diehl
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histria da historiografia nmero 01 agosto 2008
-
um tempo, patologicamente, saturado de problemas e informaes com
extremaatualidade: a atualidade do problema racial, do racismo, a
questo dassexualidades, o feminismo, a relao entre biografia e
histria das idias, asquestes da alienao, as transformaes nas relaes
de trabalhos e seusdesdobramentos sobre as instituies disciplinares
como a escola, a fbrica e afamlia.
O momento importante dessa aproximao est no fato de que
apsicanlise vive, em relao ao historiador da cultura, uma situao
privilegiada,pois os seus questionamentos esto direcionados sobre
as experincias deinsights do processo de rememorao. O conhecimento
terico viria,exatamente, da possibilidade de extrapolar tais
questes. A psicanlise poderiadiagnosticar os fatos levantados pelos
historiadores.
Alm disso, seria desejvel que as rgidas fronteiras entre as duas
disciplinasfossem levantadas atravs do estabelecimento de nveis de
controle sobre ainterpretao do texto.
Pela estrutura atual das duas disciplinas, talvez isto fosse uma
empreitadadifcil de ser atingida, mas uma tentativa atrativa,
sobretudo se levarmos emconsiderao s mltiplas possibilidades que
tal parceria poderia significar. Nessecaso, no suficiente apenas
praticar uma disciplina aps a outra, mas a tarefaseria a de
costurar os resultados de pesquisas, tomando por base a
psicanlisecomo mtodo histrico.
Amarrar a pesquisa histrica com a da psicanlise significa, em
essncia,arrolar e expor o fundo metodolgico das disciplinas em
relao com aexperincia de lidar com as fontes. Pois, o psicanalista
tambm exerce suaprofisso no somente levando em conta uma postura
intelectual de formaopara chegar aos resultados, mas, alm disso, e,
sobretudo, quando faz a anlisea partir de suas reaes inconscientes
sobre aquilo que expressa a pessoaanalisada, tencionada pelo
dilogo.
No apenas a recepo de informaes pelo psicanalista, mas as
formasde intermediao que se estabelecem. nesse sentido que a
intermediao oinstrumento importante da pesquisa psicanaltica,
resultando da a qualidade dafonte informativa. Exatamente, a
possibilidade de uma leitura interpretativacorreta das fontes
depender, alm, claro, do largo conhecimento do analista,da
qualidade heurstica com que estas fontes foram recolhidas. Tudo
isso tambmdepender das contradies internas do analista, pois nenhum
psicanalistaavana para alm daquilo que os seus prprios complexos
permitem, j diziaFreud.
Por seu lado, no caso da histria, a crtica contempornea
realizada emrelao epistemologia racionalista e a crtica s grandes
narrativaslegitimadoras1, a crtica aos processos de modernizao e,
especialmente, a
Idias de futuro no passado e cultura historiogrfica da
mudana
55
histria da historiografia nmero 01 agosto 2008
3 Ver especialmente CHAUVEAU, A.; TTARD, Ph. (org.). Questes
para a histria do presente.Bauru: Edusc, 1999 e BODEI, Remo. A
histria tem um sentido? Bauru: Edusc, 2001. Este
-
crtica idia de progresso, que assistimos brotar em todos os
recantos dascincias humanas.
Em seus duzentos anos de cultura historiogrfica da conscincia, a
categoriaprogresso (NISBET 1985) se incrustou profundamente nas
estruturas da psiqueocidental e, por que no, oriental, atuando na
conscincia histrico-coletiva.
Para verificarmos isso, na prtica, basta perguntar para uma
criana ouat mesmo para adultos, confirmando a idia orientadora de
que o futuro irsuperar sempre - o presente e o passado, em termos
de chances de vida e depossibilidades de felicidade.
Ora, se a perspectiva do futuro da redeno humana na perspectiva
coletivase distanciou do horizonte individual, ento vem tona, como
obstculo, apossibilidade de orientao a partir das temporalidades da
prpria histria. Esseobstculo orientador ser percebido atravs do
distanciamento entre o processode desenvolvimento e as narrativas
legitimadoras.
O progresso como modelo de pensamento um fator social,
umconseqente fator mental dos princpios de conduta da vida e, ele
precisa sercolocado, como assim sendo, na ordem do dia, caso a
histria como disciplinade relevncia social deseje ocupar o espao da
comunicao entre as experinciase o conhecimento histrico.4
Por um lado, indiscutvel que, no debate atual, a categoria
progresso(como ela se tornou fragmentria na compreenso da cultura)
no consigamais ser concebida sem profundas fissuras (CUCHE 1999).
Para isso mesmo,as experincias histricas so poderosas demais.
A tendncia crise, as conseqncias catastrficas da
concepotradicional, concebida como elo entre o desenvolvimento
histrico e o mundomoderno (especialmente nos setores scio-econmicos
a partir daindustrializao), j se tornou experincia coletiva
comum.
Cada um de ns que possui sensibilidade suficiente para perceber
ascontradies estruturais entre o nosso mundo e o da gerao passada,
leva emconsiderao os resultados prticos desse desenvolvimento, como
podemosobservar na destruio ecolgica durante a explorao da natureza
viaindustrializao e na desertificao dos impulsos inovadores dentro
doracionalismo institucionalizado pela cincia na configurao da razo
crtica.
A cincia histrica no poder se excluir da onda crtica ao
progresso dadestruio, se para o historiador a conscincia histrica
apreendida da experinciado passado significar alguma coisa. A crise
da noo de progresso linear e
.
Astor Antnio Diehl
56
histria da historiografia nmero 01 agosto 2008
questionamento j estava presente nas preocupaes de Walter
Benjamin em LWY, Michael.Romantismo e messianismo. So Paulo:
Perspectiva, EDUSP, 1990, especialmente o Cap. 9 e 10;para a questo
historiogrfica ver DIEHL, Astor Antnio. A matriz da cultura
histrica brasileira.Porto Alegre: EDIPUCRS, 1993, Idem. A cultura
historiogrfica nos anos 1980. Op. Cit..4 Este aspecto no privilgio
do pensamento histrico, mas abrange os mais diversos debates
nasmais diferentes reas do conhecimento. A abrangncia do debate
pode ser acompanhada emSCHNITMAN, Dora Fried (org.). Novos
paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: ArtesMdicas,
1996.
-
cumulativo se faz na confrontao entre inteno e realizao,
especialmentea partir de trs vetores bsicos:
a) As pessoas do sculo XX viveram desde grandes tenses at
guerrasmundiais, guerras locais, tendo como referencial um potente
arsenal destruidorcientificamente produzido. Em contrapartida,
assistimos a desreferenciao datecnocincia para eliminar problemas
de fome, etc (GIDDENS 1991);
b) O progresso moderno constitui, na forma mais decisiva, a
sociedade dotrabalho, na qual vale o crescimento da produtividade
na base da constanteautomatizao, gerando nas sociedades
industrializadas a crise da prpriasociedade do trabalho;
c) A crise da noo de progresso leva crise de identidade, que se
fazvisvel em diferentes setores, como por exemplo: a crise de
legitimidade desistemas polticos.
Da crise de orientao e da prescrio dos elementos subjetivos
pelarazo instrumental - que essa crtica do progresso representa na
cultura polticae na cultura histrica atual -, resulta o sintoma das
crescentes revoluesfrustradas, atingindo, em contrapartida, a
concepo do progresso damaximizao de revolues otimistas crescentes,
quando o ideal de progressofoi o estmulo central para o iluminismo
em termos do esclarecimento.
Esse direcionamento do iluminismo tardio tornou-se parte
substancial dacultura histrica das sociedades modernas. A categoria
progresso incluiria, ento,as experincias histricas em uma nica
histria com tendncia a abraar todaa humanidade. Processo esse, que
foi sendo relacionado com a teoria do fimda histria.
Neste caso, a categoria progresso teria, par excelence, funo
integrativa,mas ela oferece, ao mesmo tempo, para a histria da
humanidade, umaincontrolvel dinmica da fragmentao (FONTANA 1998, p.
265-281). No finaldo sculo XVIII, com a fragmentao da ordem
estabelecida e, no sculo XIX,com a fragmentao da cincia em cincias
buscou-se no progresso o termocomum para a unidade universal. Mas,
essa fragmentao da cincia, de ento,gerou solues disciplinares,
normativas, pragmticas em diferentes nveistericos.
Todos esses novos nveis e estruturas cientficas teriam algo em
comum,pois, individualmente, buscam controlar o passado e projetar
o futuro. Ou seja,elas pretendiam nos persuadir de que a redeno da
humanidade estaria nofuturo. O tempo linear seria o avalista de
garantia para que a posteridade noreservasse abismos e tragdias. Ou
seja, a cincia e a razo estariamadministrando a reconstituio do
passado na orientao do tempo linear,projetando no futuro. Sendo,
nesse caso, o passado caracterizado comosinnimo de erro, de caos, o
que oportunizaria a cincia que ela criasse saberessobre as
experincias e certamente as superaria.5
Idias de futuro no passado e cultura historiogrfica da
mudana
57
histria da historiografia nmero 01 agosto 2008
5 CHARLOT, Mnica; MARX, Roland. Londres, 1851-1901: a era
vitoriana ou o triunfo das desigualdades.Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1993.
-
Astor Antnio Diehl
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histria da historiografia nmero 01 agosto 2008
A idia de progresso tambm se constitui como uma perspectiva do
agir.O progresso integra e dinamiza as experincias histricas em uma
histria amplacoletiva, cujo sentido est orientado atravs de uma
inferncia humana ativapara alterar as reaes de vivncias e
aperfeioar a qualidade de vida.
O progresso foi uma medida e a forma de pensamento de
umaconscincia especfica. A experincia histrica no mais balizada
pelo modelodo pensamento de uma grande coletnea de exemplos hericos
para respaldarregras de aes, como aquelas que so apresentadas na
expresso magistravitae.
As experincias histricas originam, em contrapartida, formas
genticas,criando significado sobre o passado. E elas foram
entendidas como um processotemporal nico e acabado, quando o futuro
iria se impor qualitativamente aopassado em termos de
possibilidades de aes, porm, essas aes estosubmetidas s categorias
como classe, elite, grupo e etc. Tal submissoconceitual
caracterizou a morte do sujeito.
A ao humana em cada presente era instigada a realizar tal
direcionamentode mudana, na medida em que o tempo linear
classificara o passado comosendo caos e desordem. A incumbncia da
histria, neste processo, era dirigir-se a esse passado obscuro e
nele procurar, atravs de seus mtodos positivose aplicados aos
escombros da tradio, os documentos e as evidncias quepermitiriam a
reconstruo do seu verdadeiro rosto.
Assim, ao contrrio do restante da humanidade que olha e caminha
paraadiante, diria para o futuro, no sentido iluminista projetado
para alm de suapoca, a histria se desloca para o passado,
procurando expurgar o caos, adesordem e o terror que pudesse ali
ser encontrado e, dessa forma, legitimar oolhar do caminhar para o
futuro.
E essa ambigidade que parece assolar o imaginrio da crise. Pois,
deum lado, a histria reconhecida como uma das atividades essenciais
doimaginrio ocidental. Afinal de contas, a histria a disciplina do
passado, datradio, extirpando o trgico que ali possa brotar
(DELUMEAU 1989).
A histria, por outro lado, s conseguiria alcanar esse objetivo,
aliando-se completamente aos interesses que cercam o coletivo,
esquecendo-se dofuturo para mergulhar na gigantesca teia da erudio
que, de um ponto de vistaprtico (preocupado com o progresso),
absolutamente gratuita.
Tudo indica que a histria no esteve sozinha no esforo de
empregar oseu potencial disciplinador a servio dessa concepo
iluminista do tempo. Essanoo de tempo, como progresso, s foi
possvel e teve validade porque a elaforam conectados discursos que
continham condies de aumentar o seu poderde persuaso, aparando os
pontos de incertezas que dela pudessem brotar. Parece que no foi
somente o desprestgio da tradio e da memria quelevou separao de
experincias e do horizonte de expectativas damodernidade. Pois,
essa separao justificaria a criao de oportunidades parao
florescimento do terror apenas no passado (POLLAK 1989).
-
O futuro, como projeto alm do tempo presente, deixou de lanar
suasluzes, diminuindo drasticamente a capacidade de os homens se
orientaremdentro e a partir dele. Assim, tambm, a legitimidade
histrica passa a dependerde um tempo que avana, incessantemente,
como se fosse uma flecha, semque se saiba rigorosamente qual a
direo que ela est tomando. Portanto,no se sabe, como, quando e onde
a flecha pode parar.
O tempo linear, alm de produzir o esquecimento do passado, gera
umaterrvel incerteza, ou seja, a mais completa imprevisibilidade em
relao aofuturo. Imprevisibilidade que s poderia ser superada, se o
mesmo papeldesempenhado pela histria como disciplina na retaguarda
- na ponta de trsda linha -, fosse exercido pelas cincias fsicas e
naturais na ponta da frente(SOARES, 1998).
O progresso fora sempre o avano da cincia, da cincia moderna,
dacincia que se movimenta e se transforma juntamente com o tempo,
cujofundamento foi fornecido pelo modelo clssico, na tentativa de
garantir que aposteridade no nos reserve abismos e tragdias, como j
foi dito. Foramexatamente esses elementos que a histria como cincia
tentaria eliminar dopassado atravs das grandes narrativas
legitimadoras. Parece-me que a cinciahistrica fracassou nessa sua
tarefa, pois o sculo XX um libelo nesse sentido.
exatamente neste aspecto que aparece o elemento da atualidade
ligadoao tempo e idia de progresso: a memria. A memria uma
faculdade que,na concepo moderna de histria, precisa ser
constantemente refrescada,pois, caso contrrio, ela perde sua fora e
seu poder de evocao na medidaem que vai enfraquecendo.
Ora, num primeiro momento, com esse possvel enfraquecimento,
amemria passou a ser encarada com a mais absoluta desconfiana,
definidacomo uma entidade que sofre uma espcie de corroso interna,
corroso quevai desgastando-a com a passagem do tempo linear. E
nessa conexo entrea memria e o tempo que precisamos evidenciar
dentro dos propsitos darelao entre histria e psicanlise.
A memria s comea a ser apontada como doente - sofrendo
decorroso, amnsia -, quando associada a uma noo de tempo que se
definecomo uma linha em movimento contnuo para frente, na direo do
futuro.
Esse processo implica no abandono do modelo clssico, o que faz
comque os homens, grupos ou mesmo sociedades redirecionem
literalmente osseus olhares e as suas esperanas, desviando-os do
passado e concentrando-os no porvir. O que, entre vrias outras
coisas, provoca um gradual, mascrescente enfraquecimento da memria
com poder de documento, sendo, poucoa pouco, substituda pelo
esquecimento, sem contraponto (DIEHL 2002).
, justamente, o surgimento desta definio iluminista de tempo,
assimiladoao progresso, convertido em linha que se desloca
inelutavelmente numa nicadireo, que vai separar o espao de
experincias (base da concepo clssicade histria) do horizonte de
expectativas do homem moderno (horizonte que
Idias de futuro no passado e cultura historiogrfica da
mudana
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histria da historiografia nmero 01 agosto 2008
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ir agora se fixar no futuro). Futuro que parece dispensar todo e
qualquerensinamento veiculado pela tradio, relegando-a a absoluta
obscuridade(KOSELLECK 1989).
Tal processo de modernizao tende a transformar a tradio em
umamontoado de runas, restos de uma caminhada que para sempre
encontra oseu sentido na frente. Esse projeto, alm de desativar
progressivamente amemria como fonte da crtica histrica, torna o
passado um lugar sombrio emisterioso, quase esquecido.
Em outras palavras, parece que h uma conexo entre o predomnio
deuma noo de tempo iluminista, o rpido desperdcio da memria com
aconverso do passado em matria de terror, especialmente se olharmos
aliteratura do final do sculo XIX, da Era Vitoriana e da Belle
poque.
Essas conexes so importantes em funo do quadro que elas esboamna
historiografia contempornea e na crtica da razo histrica, baseada
numameta expectativa de futuro que assegura um objeto de ao, de
melhoramentogradual das perspectivas de vida atravs da experincia
histrica. De formaque, at h poucos anos, a histria se deixaria
interpretar, tambm, como umaespcie de cincia do processo tecnolgico
de dominao da natureza, queordenaria as possibilidades de ao para o
futuro.
Em sua expresso clssica, esse processo seria marcado no futuro
comolibertao do homem de todos os obstculos que barram o
desenvolvimentode sua humanizao e civilidade.
Politicamente, o progresso fora entendido como democratizao, na
medidaem que se apostou na crescente participao das minorias (l-se
maiorias) nopoder, cuja no humanidade seria destruda em favor de um
consenso legitimador;socialmente, o progresso como equalizao
liberaria, via eliminao de obstculossociais, garantias individuais
e na forma de tendncia ousar chances sociaisiguais; e
culturalmente, o progresso perspectivaria um processo
dedesencantamento, secularizao e racionalizao - no sentido dado por
Weber- das petrificadas tradies em favor de formas de conscincia
(DIGGENS 1999).Ou seja, ele vai apagando da memria individual e
coletiva, aquilo que chamamosde amnsia.
Em contrapartida, dessa crise da conscincia histrica da dimenso
deprogresso surgem impressionantes potencialidades de ao do
sujeito. Isso possvel de se compreender por si na medida em que sua
prpria subjetividade,como processo temporal da libertao, caminharia
para formas de autonomiados prprios princpios de conduta de
vida.
Essa forma iluminista de entender e incorporar a idia de
progresso viasocializao, perdeu e perde sua fora de convencimento,
mas ela no deixoude ser - apesar do bombardeio crtico - um
fundamento da conscincia histrica.
Uma discusso engajada a partir do tempo presente precisa
transformaressa crise da conscincia do progresso em ponto de
partida para seu prprioredimensionamento conceitual. Nesse sentido,
a prpria idia de progresso nos
Astor Antnio Diehl
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histria da historiografia nmero 01 agosto 2008
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oferece duas variveis, por vezes entendidas como contraditrias:
a primeiradiz respeito a seu potencial destrutivo, corrosivo da
memria tanto individual ecoletiva. E a segunda diz respeito ao
potencial de emancipao nela contido.
Neste redimensionamento, a pergunta pertinente a ser formulada
aseguinte: se a idia de progresso tem, implcitas e explcitas, as
potencialidadesde poder romper com o passado, no sentido da tradio
e, ao mesmo tempo,propor a emancipao, como se explicaria o
crescimento da tendnciahistoriogrfica que procura exatamente
reviver aquela constelao de elementosque foram jogados na lata do
lixo da histria? Ou seja, a historiografia no estse consolidando
sobre elementos considerados irracionais e subjetivos? Nissotudo se
encontra uma representao do passado que pode ser entendida
comocrise das capacidades reais de superao dos processos de
modernizao(HOBSBAWM; RANGER 1984). Ento, como isso poderia ser
feito?
No podemos esquecer do fato que nos ltimos anos, o progresso
passoua ser visto como um monstro criado pela prpria cincia e
acalentado pelasociedade. Aqui as relaes de atrito entre o princpio
de progresso e experinciasnegativas, conseqentes do progresso,
propiciam uma viso do passado umtanto confusa, uma vez que o foco
central movido pelos historiadores sobreos perodos pr-modernos,
tomando-se a, como contraponto nevrlgico, umaespcie de imaginrio
popular.
Essa nova perspectiva historiogrfica contempornea poder
perderrapidamente sua plausibilidade, pois ela se configura de
forma indireta, isto ,como relaes sociais anteriores modernidade.
Essa crtica faz a expressomodernizao parecer com o sentido de
alienao e o progresso ser, ento,apresentado como elemento ideolgico
dissipador da prpria modernizao.
A experincia de compreenso do passado atravs da crtica dos
resultadosnegativos do progresso aumenta cada vez mais seu
potencial. A categoriaprogresso perde plausibilidade e j no possvel
perspectiv-la num horizontefuturo atravs da prtica cotidiana.
Portanto, se a crtica pudesse inverter o crescimento econmico a
partirdas formas como vem sendo operacionalizada (em um sistema
econmico-estatstico do passado), ento, a atual explorao da natureza
poderia sercompensado por um quadro equilibrado (entre homem e
natureza) dos tempospr-modernos e de culturas de subsistncia.
A ansiedade por projetos alternativos do mundo atual encontra
muitorapidamente seu revestimento histrico nos custos da experincia
histrica,numa espcie de neo-romantismo em que so idealizados
determinadosaspectos compensadores - do futuro perdido.
Pensamentos semelhantes convergem para a superao da
modernizao,os quais encontraremos na prpria historiografia atual
quando a questo centralse volta para a cultura popular nos tempos
modernos na Europa. Uma tendnciainterpretativa nessa direo reflete,
necessariamente, a crise da conscinciahistrica sobre o progresso em
quadros histricos de busca de um mundo mais
Idias de futuro no passado e cultura historiogrfica da
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histria da historiografia nmero 01 agosto 2008
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ou menos puro. Esse aspecto deixa transparecer a funo que a
histria (comocincia) cumprira no processo de modernizao, que
expusemos nos pargrafosanteriores.6
Neste contexto residem os crticos que apontam na orientao de
umreconhecimento dos saberes sobre o homem e sobre o social, em
especial,sobre experincias de formas particulares de vida, dos
universos singulares esignificativos, das suas especificidades e
nas suas diferenas sincrnicas ediacrnicas. Ou seja, do espao das
experincias que emergem os sentidos. Osentido e os interesses podem
aqui se voltar para a agncia humana, para aao em sua dimenso
virtual de autonomia.
Em termos de historiografia[,] assume-se a tendncia de cunhar
umaperspectiva do passado baseada em algo novo, porm situado
historicamenteem experincias anteriores aos tempos modernos. J na
Histria como disciplina,desde h muito tempo existe uma perspectiva,
que se move contra a concepode progresso via modernizao; contra as
perspectivas de histria da sociedade;contra categorias modernas
como o trabalho, a sociedade, as relaes dedependncia, presentes
como nunca em nossa sociedade. Esta tendncia perceptvel e discutida
sob campos e abordagens como a histria do cotidiano,a demografia
histrica e antropologia histrica e etc.
Tais perspectivas giram em torno de uma (contra) histria crtica
histriado progresso: a libertao aparece como processo de
disciplina; os custos dosprocessos de modernizao so criteriosamente
explicitados, vtimas doprogresso (por exemplo, mulheres e crianas)
recebem voz historiogrfica dedenncia.
Agora no se trata mais de desenvolvimentos temporais de longa
duraodas relaes de produo, formao social, etc., mas, sim, de
reconstruesdetalhadas de condies de vidas passadas e
desenvolvimentos particulares,trazendo lembrana do historiador um
antigo dilema metodolgico de enfoque:observar a floresta ou a
rvore.
Este olhar histrico-antropolgico de tendncia crtico-cultural
(HUNT 1992)se deixa encaixar nas perspectivas assim chamadas
ps-modernas. Ps-modernose tornou uma expresso dentre as tentativas
para dar significado profundaruptura do presente e futuro com a
tradio moderna. Isso significaria umaruptura entre a experincia de
vida e o pensamento, baseados em orientaesdo progresso e de razo
histrica.
Fala-se em formas econmicas ps-industriais e de valores
ps-materialistas que iriam marcar profundamente nossas sociedades
no futuro. E,atravs delas, deveramos centralizar nossos esforos,
obrigando-nos a umamanobra das caractersticas exploratrias da
natureza e, especialmente, dasatitudes mentais que orientam o
sistema econmico. Na cultura histrica essa
Astor Antnio Diehl
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histria da historiografia nmero 01 agosto 2008
6 Este aspecto pode ser observado, por exemplo, na obra de Peter
Burke quando escreve sobre acultura popular na poca moderna.
-
perspectiva de futuro discutida, portanto, como sintoma de crise
das formastradicionais de conscincia histrica.
Em outras palavras, isso significa abandonar a representao
temporal detransformaes dos homens e do significado desse mundo em
transformao,para assumirmos outros modos de pensar sobre
experincias e sobre os sentidosdo tempo, rumo a uma narrativa
salvacionista ou at mesmo mtica.
Assim como nenhum caminho do pensamento histrico
conseguereconstituir, isoladamente, a categoria de progresso dos
modernos, tambmnenhuma forma de pensamento histrico consegue ser
plausvel sem lev-laem considerao, se no pelo prprio desenvolvimento
de experincias e decapacidades de conscincia.
A crtica ao progresso legtima. Ela deveria, porm, ser enquadrada
emuma nova concepo que no deixasse de levar em conta seus
resultadoshistricos caractersticos, limpando-a, contudo, das
categorias histricas queno conseguem mais capturar de forma
plausvel esse processo. Ou seja, oprprio pensar histrico sobre o
progresso precisa ser modernizado em termosmetodolgicos. O que
significa isso?
Em outras palavras, quero dizer que possvel evidenciar isso com
umaargumentao abstrato-terica numa relao de racionalidade dos fins
eracionalidade de sentido e de valor. A atual crtica do progresso
no se propagaem tudo, o que est relacionado com a noo de
progresso.
A crtica se incendeia, sobretudo, sobre processos histricos, nos
quais sefizeram presentes naquele progresso no sentido de um
ilimitado desdobramentotcnico, instrumental e estratgico de fins
previsveis em todos os setores dasexperincias.
Esses progressos explodiam as culturas, as quais amarravam
easseguravam o agir humano das sociedades pr-modernas em
tradiesintransponveis como fontes de sentido. Max Weber
caracterizou essatransposio de limites com a sua noo do
desencantamento.
Com isso, Weber apontou indiretamente para o fato de que com
aintroduo, desenvolvimento e institucionalizao de sistemas
racionais de fins,em todas as relaes sociais e de vivncia
cotidiana, inclusive na cincia, sugeremde forma crescente um dficit
das potencialidades de sentido e de impulsosinovadores. Alm do
mais, ele descreveu claramente esse outro lado da medalha,ou seja,
esse desencantamento do pensar tradicional histrico:
decisesirracionais sobre os altos valores estariam colocadas
contrariamente a umarealidade que parece significar a corrente
catica dos acontecimentos.
Essa sombra do sentido da racionalizao do processo
modernizadorprovoca, ento, a procura de compensaes. Nesse caso, o
progresso passariaa ser visto pelo nevoeiro das ideologias ou pelos
experimentos irracionais,pseudo-religiosos ou mesmo impulsos
fundamentais e carismticos. As cinciassobrepuseram esse vazio de
sentido com a etiqueta da liberdade de valor, oumesmo pela
argumentao intelectual do afastamento.
Idias de futuro no passado e cultura historiogrfica da
mudana
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histria da historiografia nmero 01 agosto 2008
-
Astor Antnio Diehl
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histria da historiografia nmero 01 agosto 2008
O que se percebe, analisando-se a historiografia atual,
produzida emgrande parte nos departamentos de histria, um discurso
acadmico assentadoem caractersticas, tais como: prope e apenas
alcanaria uma crticaconformista; fomenta e amplia o retorno ao
indivduo e as solues carismticase de excees. Numa perspectiva
crtica, essas caractersticas assumidas pelahistoriografia
contempornea denotam um potencial de encantamento
doconhecimento.
A superao da at agora vlida noo de progresso cientfico
significacontrariamente, que a mais restritiva racionalidade dos
fins do progresso devesseser diagnosticada para uma ampla qualidade
da razo em termos de orientaohumana. Razo significa, aqui, devolver
e operacionalizar novas possibilidadesde aes sob critrios de
sentido e validade, que se unificariam na universidade,na liberdade
e na dinmica temporal do trabalho, nas formas de poder e
naespecificidade das culturas.
Esses critrios no exprimem somente princpios de possibilidades
da ao,mas os deixam abertos e atuais. Eles podem servir de
elementos de discussessobre a racionalidade nas sociedades modernas
ou no, portanto, as idiaseconmicas de superao das necessidades
materiais, o reconhecimento socialdas potencialidades e chances,
bem como a participao poltica cada vez maisampla no poder e
propiciar o entendimento cultural sobre uma pluralidade
deidentidades particulares. Mesmo porque, a especificidade s pode
adquirir sentidono universal e vice-versa.
Essas chances tambm podem quebrar a vontade maculada
daracionalidade dos fins para com o poder. Os direitos humanos so
exemplossignificativos. Eles nos mostram algo sobre as
potencialidades da razo nasformas de vida contempornea. Porm, esses
mesmos direitos humanos noconseguem brotar desta forma de
racionalidade, apesar dos estmulos parauma ao prtica racional na
orientao da vida.
Mas a concepo tradicional de progresso est tambm limitada,
umavez que, atravs dessa concepo acreditava-se que o processo
histrico realprovocara uma substituio de perodos histricos na sua
totalidade: o anteriorseria substitudo pelo posterior e assim por
diante, de forma que no ficavanenhum espao para o sentido interno e
externo dos tempos histricosdiferenciados.
Essa limitao se deixaria superar se na categoria progresso
estivessemembutidos elementos do pensar utpico. Mas, esses
elementos foramexpurgados ao longo do processo do desenvolvimento
da idia de progresso.
A alteridade, entendida como qualidade central para a conscincia
histricado passado em relao ao presente, se carrega com novo
significado. Comisso, o futuro ganha novas dimenses em termos de
possibilidades histricasno horizonte das expectativas, as quais no
podero estar apenas presas desdeo incio aos pontos de vista de sua
real realizao, mas sim s idias de futurono passado. Mas isso pode
ser uma opo.
-
E no caso do conhecimento j estabelecido?Nesse aspecto, em
especial, j no cabe mais aplicar uma crtica
reducionista, pois entendemos que essa postura est se no
superada, comseus dias contados. A historiografia no se realimenta
apenas com a rotina dapesquisa, dos processos de trabalhos
racionais, desencantamentos do passado,mas dos novos
questionamentos ao passado, originados das (muitas vezes)incmodas
experincias do presente.
Aqui, o problema duplo: uma vez a cincia histrica se defronta
consigomesma no sentido de funes e, outra vez, com as tendncias que
a colocamem questo. Portanto, temos tambm um problema epistemolgico
a serenfrentado. Esta auto-avaliao implica que a histria como
disciplina precisariaexaminar quais foram os instrumentos que
utilizou at agora para fornecerorientao temporal e que na
atualidade so questionados de forma radical.Penso que s ento poder
ficar evidenciado onde esto as deficincias deorientao do pensamento
histrico, as quais levam a uma reao s suasconquistas no processo de
estruturao cientfica ou que levam o prpriopensamento histrico a ser
questionado como fator de orientao cultural navida prtica.
A discusso que envolve a histrica hoje demonstra a importncia
queesta continua tendo no contexto das cincias humanas. Em face da
ressonnciae veemncia dessa discusso poderia parecer que a se
encontrassem problemasrelacionados com a situao de sociedade em
processo de modernizao. Adiscusso se localiza, portanto, a meu ver,
ainda dentro dos parmetros econceitos da modernidade.
Talvez entre as formas mais sublimes do conhecimento est aquela
quepossibilita conectar passado-presente atravs de vestgios. Neste
processo, ahistria pode revelar a condio humana naquilo que ela tem
de mais fascinantee de mais temeroso. Nesta perspectiva, a noo
experincia assume condioespecial nos estudos histricos.
O momento parece ser exatamente de revigoramento cultural e
deinsero hermenutica na compreenso do passado e, neste sentido,
rompe-se com o exclusivismo de uma verdade cientfica. Fato que por
si s j podegerar alguns problemas de repercusses
terico-metodolgicos.
Recentemente, Hans-Ulrich Wehler caracterizou o pensamento
histrico,da virada do sculo a partir da nova histria cultural, como
possuidor de umdficit terico-estrutural e como sendo uma tendncia
carregada de abstinnciapoltica (WEHLER 2001). Em outras palavras,
podemos dizer que estaramosvivendo uma ressaca historiogrfica.
Enquanto isso, outros autores, comoFranois Dosse (DOSSE 2001), Jrn
Rsen (RSEN 2001) ou Josep Fontana(FONTANA 1998), cada um a sua
moda, esto buscando resignificar os sentidosdo conhecimento
histrico l onde ele est sendo criticado como de
contedoirracional.
bem verdade que, em tese, podemos afirmar que estamos
assistindo
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mudana
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uma luta encarniada entre as noes de espao x tempo, a qual
precisa semdvida de uma topoanlise diferenciada. O espao
antropolgico est cada vezmais presente na experincia reconstituda
em detrimento do tempo. E, nestecaso, a funo do espao a de reter o
tempo comprimido ou mesmoimobilizado. Na afirmao de Gaston
Bachelard, o teatro do passado a memria,onde o calendrio do tempo s
poderia ser estabelecido em seu processoprodutor de imagens
(BACHELARD 1996).
Assim sendo, o espao garante para a noo experincia um locus
especialno debate historiogrfico, numa espcie de revanche da
experincia antropolgicasobre a estrutura e do local da cultura
sobre a explicao. Est claro que adescrio densa, a la Geertz, da
experincia enfatiza, de forma extraordinria,as formulaes
discursivas no passado sem a dinmica do tempo, pormprojetadas na
atualidade como uma espcie de cincia do texto.
Esta rpida caracterizao da cultura historiogrfica tambm uma
marcacultural contempornea, identificada aqui como modernidade
tardia. certo quetais movimentos possuem ampla receptividade na
disciplina e no pensamentohistricos e nem poderia ser
diferente.
Por outro lado, j entendemos que o conhecimento do passado
comomeio de redeno do homem no futuro produziu monstros terrveis e
nisso osculo XX exemplar. Talvez o passado s exista mesmo apenas
comoexperincia, como imaginao e como afetividade a partir do
presente, cujasleituras so aquelas que nos remetem para o
fundamento metodolgico docomo possvel de ser reconstitudo o seu
sentido clandestino.
Tal perspectiva representa, como a entendemos, o momento ou
tempode experincias que podem possibilitar o questionamento do
presente pelopassado no sentido de reconstituirmos as idias de
futuro no passado e,sobretudo, compreend-las como os argumentos
para uma cultura da mudana.
Nesta orientao, a histria como texto representativo das
experinciashumanas somente se deixaria explicar e compreender a
partir de trs funesespecficas. Vejam:
a) histria como o processo de generalizaes de motivos, de aes e
derepresentaes de perspectivas de futuro no sentido de orientaes
dos objetivosindividuais e coletivos para o futuro agir;
b) histria a soma de aes orientadas em modelos de explicao
daexperincia, integrando os aspectos pertinentes multiplicidade,
heterogeneidade da conduta de vida e s relaes sociais;
c) histria a representao exemplar de critrios de regulamentao
deexperincias que, por sua vez, sedimentam e estabilizam a construo
demodelos legtimos e normativos da prxis social.
Estas trs possibilidades, como potencialidades da experincia
histrica,poderiam ser diferenciadas em um nmero extraordinrio de
funes especficasda cultura propriamente dita, dentre as quais
podemos destacar as de motivao,de orientao, de satisfao, de
disciplinao, de recrutamento e estratificao,
Astor Antnio Diehl
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de legitimao, de integrao e, finalmente, de
significao.Metodologicamente, estas funes envolvem um amplo
espectro de leituras
e intertextos das experincias. Pois bem, onde podemos perceber
oenvolvimento da experincia? Podemos perceber seu envolvimento no
apenasna materialidade da experincia, mas, sim, em estruturas de
representao taiscomo: na lembrana, na memria, na tradio, no
simblico, no imaginrio, nopsicolgico, no local da cultura e, no
caso da historiografia, em textos comoresultados da racionalizao e
estetizao das experincias.
De outra forma, no desprezvel que a situao nos apresente que
asaturao de perspectivas seja concebida como a condio maior de
produode novos sentidos.7 Destarte, os custos da modernizao
seletiva no seriammais percebidos como obstculos metodolgicos, mas
sim como recursos,como matria-prima para sua (re)atualizao atravs
dos esforos dametanarrativa, da metafico, ou ainda, da
intertextualidade.
Portanto, o tempo de experincias presentes, percebidas atravs
das idiasde futuro no passado e envolvidas tanto pela esttica como
pelas funes doconhecimento histrico, um campo frtil, mas traz
consigo alguns desafios,tais como: a analogia entre a reconstruo da
biografia e a interpretao crticaatravs dela de estruturas
simblicas; a cincia no desempenharia mais seupapel de motor do
pensamento, pois esta funo estaria ocupada pela poltica;a histria
com plausibilidade cientfica no pode ter mais a funo de
proporidentidades, pois a historiografia o resultado de
racionalizaes metodolgicas;a histria, para poder dar conta desta
busca de significaes sobre experincias,precisaria ampliar seu
lastro de contedos.
Tais desafios poderiam orientar as possibilidades de
reconstituio dopassado, primeiramente, tal como deveria ter sido.
Mas, esta perspectiva trazconsigo o sentido de uma leitura de
significado romntico de como queramosque fosse.
Entretanto, ns j compreendemos que esse passado nunca existiu
nessaforma a no ser na afetividade mais subjetiva. Portanto,
resta-nos a leitura dopassado que nos remete para o sentido
metodolgico do como possvel deser reconstitudo. Para esse
empreendimento precisamos estabelecer novasparcerias metodolgicas
especialmente quando tratamos dos guardados damemria.
Por outro lado, fica a conscincia de que aquilo que denominado
deconhecimento histrico est situado entre o fascnio da esttica e o
temor desuas respectivas funes no contexto de crise da razo, quando
no de suademisso entre os critrios de plausibilidade: o fio da
navalha.
Dito de forma mais evidente, isto quer dizer da facilidade de
cairmos na
Idias de futuro no passado e cultura historiogrfica da
mudana
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7 Este aspecto implica em redimensionar apenas a percepo da
racionalidade, mas, sobretudo, buscaruma compreenso mais ampla
sobre a subjetividade. Ver SCHNITMAN, Dora Fried (org.).
Novosparadigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes
Mdicas, 1996.
-
vala do reducionismo. justamente esse o cordo umbilical entre a
tradio e ainovao. Este cordo transmite os textos com o objetivo de
consignarpossibilidades para o psicanaltico e para a subjetividade
na reconstituio dopassado na perspectiva de potencializar os
sentidos.
Esta possibilidade pode ser assentada num trip, constituda pela
crtica darazo histrica e seu redimensionamento, pelo estmulo
argumentado para umacultura da mudana e, finalmente, pela
reconstituio das idias de futuro quese tinha no passado. A segunda
tarefa, digamos mais braal, diz respeito necessidade emprica de
inventrios da produo historiogrfica brasileira atravsde centros de
referncias e grupos de pesquisa.
O passado est l na cadeira de balano nalgum lugar registrado na
memriaem processo de esquecimento, seja ela individual ou coletiva
e, nesse momentodo debate, a Histria como disciplina parece que se
aproxima do div para umexerccio teraputico de sua prpria
trajetria.
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