Aspectos penais da emissão de cheque sem provisão de fundos Felix Magno Von Dollinger Mestrando em Direito Empresarial pela FDMC 1- Introdução O cheque, afirma a doutrina brasileira dominante, é um título de crédito que contém uma ordem de pagamento a vista, ou na expressão da Lei 7.357 de 02 de setembro de 1985, em seu art. 1º, inciso II: “a ordem incondicional de pagar quantia determinada”. Este título dispõe “de rigor cambiário, na forma e na execução. Tem validade independente de sua causa” (SANT’ANNA, 1978, p. 47). Através do cheque, o emitente, como devedor principal, assume a obrigação de “pagar, em favor do beneficiário, quantia determinada à vista e dirigida ao banco (sacado), ou instituição financeira equiparada, incluída em título, com formalidades legais” (RESTIFFE, 2006, P. 233). Desde a sua introdução no sistema legal brasileiro através da Lei 2.591 de 07 de agosto de 1912, o cheque, devido a sua importância na circulação de riquezas, sempre preocupou o legislador penal nos casos de emissão do título sem provisão de fundos. De fato narra o citado diploma legal (revogado): “Art. 7º - Aquele que emitir cheques sem ter suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ficará sujeito à multa de 10% sobre o respectivo montante, além de outras penas em que possa incorrer. (Código Penal, art. 338.) O Código Penal que aqui se faz referência é o de 1891, que em seu Título XII tratava dos crimes contra a propriedade pública e particular, cuidando no Capítulo IV do estellionato, abuso de confiança e outras fraudes. A tendência de criminalização da emissão de cheques sem provisão de fundos continuou com o atual Código Penal de 1940 (Decreto-Lei 2.848 de 07 de dezembro de 1940), que assim estabelece:
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Aspectos penais da emissão de cheque sem provisão de fundos
Felix Magno Von Dollinger
Mestrando em Direito Empresarial pela FDMC
1- Introdução
O cheque, afirma a doutrina brasileira dominante, é um título de crédito que
contém uma ordem de pagamento a vista, ou na expressão da Lei 7.357 de 02 de
setembro de 1985, em seu art. 1º, inciso II: “a ordem incondicional de pagar quantia
determinada”. Este título dispõe “de rigor cambiário, na forma e na execução. Tem
validade independente de sua causa” (SANT’ANNA, 1978, p. 47).
Através do cheque, o emitente, como devedor principal, assume a obrigação de
“pagar, em favor do beneficiário, quantia determinada à vista e dirigida ao banco
(sacado), ou instituição financeira equiparada, incluída em título, com formalidades
legais” (RESTIFFE, 2006, P. 233).
Desde a sua introdução no sistema legal brasileiro através da Lei 2.591 de 07 de
agosto de 1912, o cheque, devido a sua importância na circulação de riquezas, sempre
preocupou o legislador penal nos casos de emissão do título sem provisão de fundos.
De fato narra o citado diploma legal (revogado): “Art. 7º - Aquele que emitir
cheques sem ter suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ficará sujeito à
multa de 10% sobre o respectivo montante, além de outras penas em que possa
incorrer. (Código Penal, art. 338.)
O Código Penal que aqui se faz referência é o de 1891, que em seu Título XII
tratava dos crimes contra a propriedade pública e particular, cuidando no Capítulo IV do
estellionato, abuso de confiança e outras fraudes.
A tendência de criminalização da emissão de cheques sem provisão de fundos
continuou com o atual Código Penal de 1940 (Decreto-Lei 2.848 de 07 de dezembro de
1940), que assim estabelece:
Estelionato
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou
mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.
(...)
Fraude no pagamento por meio de cheque
VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o
pagamento.
§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de
direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.
Todavia, com o passar dos anos, essa natureza de “ordem de pagamento à vista”,
vem sendo relativizada pela hoje prática comuníssima de pós-datamento do cheque,
tornando-se assim uma espécie de promessa de pagamento, com efeitos diretos sobre a
caracterização do crime de estelionato. De acordo com RESTIFFE (2006, p. 233),
“O cheque pós-datado acaba desempenhando o papel de promessa de pagamento,
constituindo-se em verdadeira nota promissória. Há, como o cheque pós-datado, o seu
uso diverso da realidade legal, com desvirtuamento até do nome: “pré-datado”.
O presente trabalho visa apresentar a atual posição da jurisprudência brasileira
sobre o crime de estelionato mediante a emissão do cheque sem provisão de fundos, em
especial quando este é pós-datado, verificando assim, as implicações tanto na seara
cível, quanto na criminal. Para tanto, passa-se, inicialmente ao estudo da origem do
cheque, seu conceito e sua natureza jurídica.
2- Conceito, origem e natureza jurídica do cheque
2.1 Da Origem do Cheque
De acordo com BULGARELLI (2001, p.298), a palavra cheque tem uma
etimologia controvertida:
“...entendendo alguns provir do verbo inglês to cheque (examinar, conferir) ou da palavra
francesa echecs ou echequer, ou echequier (retirar, dar baixa no jogo de xadrez, também
tabuleiro de contagem de dinheiro usado por cambistas e tesoureiros régios), entendendo
Souza Pinto que a origem é a inglesa, pois a emissão e o pagamento do cheque implicam a
verificação prévia.”
Também em relação a origem deste título de crédito, a doutrina não é pacífica,
chegando-se a afirmar um início remoto na Idade Antiga, onde haveria ordem de
pagamento a terceiros, na velha Roma e Grécia.
ANDREATTA (2004, p. 17) indica que como época de surgimento do cheque a
Idade Média. Segundo a autora, para se evitar o transporte de numerários entre cidades e
possíveis roubos, os comerciantes do período criaram um título que representava um
valor, que estava de posse de um banco.
No Brasil, oficialmente, o cheque surge com a Lei 2.591, de 07 de agosto de
1912, tendo sido apenas citado pelo decreto 917 de 24 de outubro de 1890, que
dispunha sobre o processo de falência (ANDREATTA, 2004, p. 19). Esta legislação
vigorou até 1985, quando foi revogada pela Lei 7.357 de 02 de setembro daquele ano,
com a integração das disposições da Lei Uniforme de Genebra.
Entretanto, salienta-se que de acordo com MARTINS (2008, p. 278-279), a Lei
1.083 de 1860, apesar de não usar a expressão cheque, “referia-se a esse instituto ao
tratar dos recibos ou mandatos ao portador. Pela disposição legal eram permitidos tais
mandatos, mas ficavam eles subordinados a certas condições”.
2.2 Do conceito de cheque
No tocante ao conceito de cheque, de acordo com COSTA (2003, p. 323), o
cheque caracteriza-se por ser “uma promessa indireta de pagamento feita pelo emitente,
cujo conteúdo, tal como na letra de câmbio, corresponde a uma ordem de pagamento a
um Banco ou Instituição Financeira assemelhada...”. Para este autor, afirmar que o
cheque é uma ordem pagamento à vista (essa é a posição de MARTINS, 2008, p. 275),
é negar-lhe a natureza de título de crédito:
“Ordem de pagamento é o teor da declaração cambial inicial, que equivale à emissão do
cheque e não ao título em si. Se fosse assim, a letra de câmbio não passaria também de
uma ordem de pagamento, pois seu teor de sua declaração inicial implica também numa
ordem de pagamento.” COSTA, 2003, p. 323).
Outros doutrinadores, como RIZZARDO (2006, p. 185), contudo, entendem que
o cheque é mesmo uma ordem de pagamento à vista, com o detalhe de ser em geral a
prazo: “Define-se, ainda, como uma declaração unilateral, através da qual uma pessoa
dá uma ordem incondicional de pagamento à vista, em seu próprio benefício ou em
favor de terceiro”.
2.3 Da natureza jurídica do cheque
Sobre a natureza do cheque, não é pacífica na doutrina sua classificação entre os
título de crédito.
Os partidários dessa posição minoritária na doutrina brasileira argumentam em
apertada síntese o seguinte, conforme lição de RIZZARDO (2006, p. 188):
- o cheque nem sempre é instrumento de circulação;
- o cheque é instrumento e exação, não de dilação. Não tem data de vencimento;
- O cheque não é dinheiro, não tem poder liberatório, sendo assim, meio de
pagamento.
Neste aspecto, seguindo lições de Pontes de Miranda, RETIFFE NETO e
RESTIFFE (2000, p. 98-99), assim se pronunciam:
“ O cheque- que é título cambial, mas não título de crédito, e muito menos título de crédito
causal- é instrumento de pagamento, um quase-dinheiro, que traduz uma ordem de
pagamento que se exaure economicamente com o recebimento do seu valor. A provisão é
preconstituída com o banco sacado.”
MIRANDA (1962, p. 22-29), em seu Tratado de Direito Privado elenca as
seguintes teorias para explicar a natureza do cheque:
a) Teoria contratual;
b) Teoria da promessa unilateral;
c) Teoria da promessa mista;
d) Teoria do cheque-mandato;
e) Teoria do cheque-cessão de crédito;
f) Teoria do cheque-delegação;
g) Teoria do cheque- estipulação em favor de terceiro;
h) Teoria do cheque-instrumento de pagamento;
i) Teoria da representatividade do cheque;
Entretanto, a maioria da doutrina especializada entende ser o cheque um título de
crédito, uma vez que é um instrumento dotado de autonomia, prazo (mesmo que breve)
entre a promessa de pagamento e sua realização, é independente, literal, formal e
circulável.
Prossegue RIZZARDO (2006, p. 189):
“Com efeito,, se não todos, pelo menos vários princípios e características dos títulos de
crédito estão presentes no cheque. É ele endossável através de uma simples assinatura no
verso, e, desta forma circulável. Embora ordem de pagamento à vista, e, conforme alguns,
um mero instrumento para sacar valores, está presente a abstração, porquanto não se
pesquisa a sua origem. A exigibilidade exercita-se com a simples posse documento. A
autonomia também constitui uma qualidade presente, por não depender de algum outro
contrato, o que não afasta que tenha uma causa em um negócio diferente, como acontece
muitas vezes. Aquele que é portador está garantido da inoponibilidade das exceções
pessoais do emitente, relativamente ao primeiro favorecido que o endossou. A literalidade
também ressalta, porquanto basta o mero instrumento perfectibilizado de acordo com os
requisitos da lei para ter valor.”
Assim já pronunciou o Superior Tribunal de Justiça- STJ, a cerca da natureza do
cheque como título de crédito, com sua especial autonomia, submetida às ações
cambiais:
REsp 1270885 / SC RECURSO ESPECIAL 2011/0196022-0
Relator(a) Ministro MASSAMI UYEDA (1129)
Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA
Data do Julgamento 04/10/2011
Data da Publicação/Fonte DJe 11/10/2011
Ementa
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE COBRANÇA - CHEQUE PRESCRITO - EMPRESA DE
FOMENTO MERCANTIL - FACTORING - CAUSA ORIGINÁRIA DA EMISSÃO DE
CHEQUE - DEMONSTRAÇÃO - DISPENSA - AUTONOMIA DOS TÍTULOS DE
CRÉDITO - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - Nas demandas de cobrança de cheques prescritos para as ações cambiais, é
prescindível que o autor decline a causa subjacente da emissão das cártulas, cabendo ao
réu, se quiser, fazê-lo na oportunidade de apresentação de sua defesa.
II - Recurso especial provido.
Como título de crédito, o cheque é dotado de abstração e autonomia, de modo
que não se discute a relação jurídica subjacente que deu origem à sua emissão, salvo
comprovada má-fé ou lesão à ordem jurídica.
O cheque é título de crédito abstrato, sendo que após iniciar sua circulação e
entregue a terceiro de boa fé, com a consequência de aplicação do princípio da
autonomia das obrigações cambiárias, e da inoponibilidade das exceções pessoais ao
terceiro de boa-fé.
REsp 122088 / SP RECURSO ESPECIAL 1997/0015504-8
Relator(a) MIN. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (1088)
Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA
Data do Julgamento18/03/1999
Data da Publicação/Fonte DJ 24/05/1999 p. 171
Ementa:
COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. CHEQUE. ABSTRAÇÃO E AUTONOMIA. CAUSA
DEBENDI. DISCUSSÃO. REEXAME DE PROVAS. ENUNCIADO Nº 7 DA SÚMULA/STJ.
RECURSO NÃO CONHECIDO.
I - A discussão da relação jurídica subjacente à emissão de cheque é permitida se houver
sérios indícios de que a obrigação foi constituída em flagrante desrespeito à ordem
jurídica ou se configurada a má-fé do possuidor do título.
II - A falta de causa que justifique a exigência do título pode ser alegada e provada pelo
devedor que participou diretamente do negócio jurídico realizado com o credor.
III - Tendo o acórdão de origem concluído que o cheque não era exigível, com base nas
provas produzidas, é vedado o reexame da matéria nesta instância, a teor do enunciado nº
7 da súmula/STJ.
BORGES (1972, p. 161), assim se manifestou:
“se se verificam, pois, em relação ao cheque os dois elementos que caracterizam uma
operação de crédito – a confiança e o prazo que intervém entre a promessa do devedor e a
sua realização futura- é claro que o cheque, apesar de não passar normalmente de mero
instrumento de retirada de fundos, ou de movimentação de conta bancária, é também um
título de crédito.”
Feitas essas considerações, passa-se à analise da questão da provisão de fundos,
como pressuposto para a emissão do cheque.
3- A provisão de fundos como pressuposto para a emissão de cheque
A Lei 7.357/1985, do artigo 1º ao 16 estabelece quais são os requisitos da
emissão e da forma do cheque, o qual deve conter: de acordo com o art. 1º:
I - a denominação ‘’cheque’’ inscrita no contexto do título e expressa na língua em que
este é redigido;
II - a ordem incondicional de pagar quantia determinada;
III - o nome do banco ou da instituição financeira que deve pagar (sacado);
IV - a indicação do lugar de pagamento;
V - a indicação da data e do lugar de emissão;
VI - a assinatura do emitente (sacador), ou de seu mandatário com poderes especiais.
Parágrafo único - A assinatura do emitente ou a de seu mandatário com poderes especiais
pode ser constituída, na forma de legislação específica, por chancela mecânica ou
processo equivalente.
Art . 2º O título, a que falte qualquer dos requisitos enumerados no artigo precedente não
vale como cheque, salvo nos casos determinados a seguir:
I - na falta de indicação especial, é considerado lugar de pagamento o lugar designado
junto ao nome do sacado; se designados vários lugares, o cheque é pagável no primeiro
deles; não existindo qualquer indicação, o cheque é pagável no lugar de sua emissão;
II - não indicado o lugar de emissão, considera-se emitido o cheque no lugar indicado
junto ao nome do emitente.
(...)
Art . 4º O emitente deve ter fundos disponíveis em poder do sacado e estar autorizado a
sobre eles emitir cheque, em virtude de contrato expresso ou tácito. A infração desses
preceitos não prejudica a validade do título como cheque.
§ 1º - A existência de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação do
cheque para pagamento.
§ 2º - Consideram-se fundos disponíveis:
a) os créditos constantes de conta-corrente bancária não subordinados a termo;
b) o saldo exigível de conta-corrente contratual;
c) a soma proveniente de abertura de crédito. (grifo nosso)
“A existência de fundos é verificada no momento da apresentação do cheque
(...), favorecendo, na prática, a emissão de cheques pós-datados, conhecidos na vida
comercial como pré-datados.” (SANTOS, 1992, p.3).
Verifica-se que a não é apenas exigível a existência de fundos, mas também que
tais fundos estejam disponíveis, ou seja, “que possa ser movimentada pelo sacador sem
que nenhum óbice impeça essa movimentação. Assim, havendo um depósito vinculado
a determinada operação, a provisão só será disponível para essa para essa operação...”
(MARTINS, 2008, p. 287-288). O emitente deve dispor de fundos em poder do sacado.
Os fundos devem existir no momento da apresentação do cheque para
pagamento, visto que diante deles o sacado deve pagar o consignado no cheque.
Explicando as hipóteses constantes do art. 4º, 2º da Lei 7.357/85, assim se
manifesta COSTA (2003, p. 340-341):
“ A primeira hipótese de provisão refere-se a crédito constantes de conta-corrente
bancária, ou seja, crédito vindo de depósito bancário. Este corresponde ao valor que o
correntista ntrega ao Banco de que é cliente, para que possa o estabelecimento pagar os
cheques emitidos pelo depositante.
(...)
A segunda hipótese de provisão é a conta-corrente contratual. No sentido da lei, ela tem
por base um contrato entre as partes (Banco e correntista). Em verdade, trata-se de
operações casadas, em que o correntista transfere, geralmente, títulos negociáveis
(duplicatas, notas promissórias e outros) ao Banco, para cobrança, oferecendo-lhe ainda
outras garantias, conforme exigir o Banco, que, por sua vez credita em conta do cliente o
valor correspondente e previamente estipulado no contrato.
(...)
A terceira hipótese de provisão está na soma proveniente da abertura de crédito, que
corresponde também a um contrato, em que o Banco é o creditador e o correntista é o
creditado. Quase sempre com base no crédito pessoal do correntista, o Banco põe à
disposição dele um certo valor, geralmente limitado pelo creditador, com ou sem termo
para utilização do crédito. Dessa forma, mesmo que não haja saldo disponível decorrente
de depósito à vista, o Banco acata os cheques dados pelo correntista, até o limite posto à
sua disposição.”
Esta última hipótese trata-se do famigerado cheque especial, o qual sujeita o
correntista a elevados juros e demais por ventura previstas contratualmente.
No tocante à indenização por insuficiência de fundos, tem-se entendido que é
regular o exercício do direito de devolução do cheque pelo banco e a inscrição do nome
do correntista no cadastro de emitentes de cheque sem fundos, quando não havia no
momento da apresentação do cheque a suficiência de fundos, sem necessidade de
conferência de assinatura. Incabível, portanto, indenização por danos morais.
Se a conta corrente tiver mais de um titular, a emissão de cheque sem provisão
de fundos não pode permitir que o co-titular que não emitiu a cártula tenha seu nome
lançado nos cadastros de restrição de crédito. Esse co-titular de conta-corrente só
responde solidariamente pelos créditos que possui em relação à instituição financeira.
Neste ponto, importante trazer a lume algumas decisões do Tribunal de Justiça
de Minas Gerais sobre a questão dos fundos disponíveis:
Relator:
Des.(a) LUCAS PEREIRA
Data do Julgamento: 28/01/2010
Data da Publicação: 01/06/2010
Nº do processo: 1.0394.08.083872-2/001(1)
Ementa:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DEVOLUÇÃO DE CHEQUES E INSCRIÇÃO DO NOME DO
CORRENTISTA NO ""CCF"" - INSUFICIÊNCIA DE FUNDOS - SUSTAÇÃO DOS
TÍTULOS POSTERIOR À SUA DEVOLUÇÃO - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA -
OBRIGAÇÃO DE DEVOLVER OS CHEQUES POR ESSE MOTIVO - CONFERÊNCIA DA
ASSINATURA - DESNECESSIDADE, QUANDO NÃO HÁ DISPONIBILIDADE DE
FUNDOS - EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO - PEDIDO INDENIZATÓRIO
IMPROCEDENTE. Para que se condene alguém ao pagamento de indenização por danos
morais, devem estar presentes os pressupostos da obrigação de indenizar, que na lição de
Antônio Lindbergh C. Montenegro, são: ""a- o dano, também denominado prejuízo; b- o
ato ilícito ou o risco, segundo a lei exija ou não a culpa do agente; c- um nexo de
causalidade entre tais elementos. Comprovada a existência desses requisitos em um dado
caso, surge um vínculo de direito por força do qual o prejudicado assume a posição de
credor e o ofensor a de devedor, em outras palavras, a responsabilidade civil"". Nas datas
das apresentações dos cheques, o correntista não havia feito qualquer registro de contra-
ordem ou oposição ao pagamento, em razão do furto, do qual o banco-sacado ainda não
tinha ciência. Assim, se a CONTA-CORRENTE do autor não dispunha, nas datas da
segunda apresentação dos cheques, de SALDO suficiente à devida compensação, mostrou-
se legítima a devolução dos títulos, por insuficiência de fundos, com base no ""motivo 12""
e a consequente inscrição do autor-apelado no CCF, conforme determina o art. 10, da
Resolução BACEN n. 1.631. No tocante à alegada desídia do banco, em relação à
conferência da assinatura dos cheques apresentados para pagamento, também não assiste
razão ao apelado. Dentre os motivos pelos quais pode ser devolvida essa espécie de título
de crédito (art. 6º da Res. BACEN n. 1.631), está o motivo 22, atinente à divergência ou
insuficiência de assinatura. Nessa esteira, é bem de ver-se que a aludida norma do Banco
Central do Brasil prescreve, em seu art. 9º: ""Art. 9º - O motivo 22 somente poderá ser
alegado para CHEQUE com disponibilidade de fundos."" Uma vez que o requerente não
logrou êxito em comprovar que sustou os cheques, antes das datas de apresentação para
pagamento, somente poderia exigir que o requerido os tivesse devolvido, por suposta
divergência de assinaturas, se houvesse disponibilidade de fundos em sua CONTA-
CORRENTE. Não tendo o autor sequer alegado que sua CONTA dispunha de numerário
suficiente à compensação dos cheques, tampouco se desincumbido de tal ônus probatório
(CPC, art. 333, I), não seria EXIGÍVEL que o réu procedesse à devolução dos cheques,
por motivo de divergência da assinatura, tendo em vista as normas aplicáveis à espécie.
Assim, a nosso aviso, o apelante agiu em exercício regular de direito. Isso porque não foi
comunicado, previamente, pelo apelado, acerca do extravio de seus cheques, inexistindo
prova de que houve a sustação dos títulos antes das respectivas datas de apresentação,
bem como porque, de acordo com as normas do Banco Central do Brasil, inexistindo
disponibilidade de fundos, o CHEQUE deve ser devolvido por tal motivo, não sendo
possível, nessa hipótese, a devolução por divergência ou insuficiência de assinatura. O
exercício regular de direito, em virtude de se tratar de excludente de responsabilidade
civil, afasta a ilicitude da conduta que interfere na esfera jurídica alheia. V.V.
Súmula: DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O
RELATOR.
4- Do cheque pós-datado
O cheque pós-datado é aquele cuja apresentação é feita em data futura, sem
contudo perder sua natureza de ordem de pagamento à vista e é pagável na
apresentação, mesmo que esta se faça antes da data lançada na cártula.
Apesar de ser hoje uma prática comum nas transações comerciais, a figura do
cheque pós-datado já era conhecida desde o começo do século XX. No Brasil, a Lei
2.591/1912 previa punição àquele que emitia cheque com data falsa, conforme art. 6º:
Aquele que emitir cheque sem data ou com data falsa, ou que por contra ordem e sem
motivo legal procurar frustrar o seu pagamento, ficará sujeito à multa de 10% sobre o
respectivo montante.
Posteriormente, o cheque pós-datado foi previsto no art. 28 da Lei Uniforme de
Genebra, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 57.595, de 07 de janeiro de 1966, o qual
dispõe: “O cheque é pagável à vista. Considera-se como não escrita qualquer menção
em contrário. O cheque apresentado a pagamento antes do dia indicado como data da
emissão é pagável no dia da apresentação.” Com isso, o cheque pós-datado, por
continuar a ser uma ordem de pagamento à vista, não perde a força executiva.
Quando houver execução de cheque líquido, certo e exigível e mantidas as suas
características de literalidade e autonomia, não há óbice à referida execução se houve
pós-datamento do cheque, uma vez que mantém sua característica de ordem de
pagamento à vista, por força do art. 28 da Lei Uniforme de Genebra. Assim já se
manifestou o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
Relator: Des.(a) JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA
Data do Julgamento: 11/03/2004
Data da Publicação: 07/04/2004
N do processo: 2.0000.00.427197-0/000(1)
Ementa:
EMBARGOS DO DEVEDOR - CHEQUE PRÉ-DATADO - LEGITIMIDADE ATIVA -
EXECUÇÃO. O portador do CHEQUE nominal tem legitimidade ativa para a execução
por título extrajudicial (CPC, art. 585, I). O CHEQUE pré-datado ou dado em garantia
não perde a força executiva, porquanto a LEI UNIFORME especifica em seu artigo 28 que
o CHEQUE constitui uma ordem de pagamento a vista, preceito também expresso no
artigo 32 da LEI 7.357/1985, sendo certo que tais conceitos significam que essa cártula se
encontra imbuída de um crédito, pagável no ato de sua apresentação, independentemente
de perquirir a existência de requisito a sua quitação.
Súmula: Rejeitaram a preliminar e negaram provimento
Quanto a existência de fundos na emissão do cheque pós-datado, a verificação se
faz apenas no momento da apresentação do cheque e não no momento da emissão do
título, como reza o art. 4º, §1º da Lei 7.357/1985.
Todavia, importante salientar que se o beneficiário do cheque aceitar o seu
pagamento de forma pós-datada, aquele assume obrigação de não fazer, de modo a não
apresentar o título ao banco antes da data avençada com aquele que emitiu o cheque. Se
o beneficiário descumprir esse acordo, responderá por perdas e danos se promover o
protesto do cheque e inscrição do seu emitente no Cadastro dos Emitentes de Cheques
sem fundos.
Assim se pronunciou o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
Relator: Des.(a) JOSÉ ANTÔNIO BRAGA
Data do Julgamento: 25/04/2006
Data da Publicação: 13/05/2006
Nº do processo: 1.0287.03.014723-8/001(1
Ementa:
AÇÃO INDENIZATÓRIA - DANO MORAL - CONFIGURAÇÃO DE CULPA - CHEQUE
PÓS-DATADO - APRESENTAÇÃO ANTES DO PRAZO - INSCRIÇÃO DO NOME NO
CADASTRO DE EMITENTES DE CHEQUES SEM FUNDOS - CONTA ENCERRADA -
FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO - CRITÉRIO - DESVINCULAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO.
Requerida a assistência judiciária em Primeira Instância e silente o Juízo, pode o
Tribunal, à vista da declaração de pobreza, ratificar os atos realizados sob o pálio da
justiça gratuita e conhecer do Recurso independentemente de preparo e porte de retorno.
Ao aceitar pagamento com CHEQUE pós-DATADO, o beneficiário assume obrigação de
não fazer, consitente em abster-se de apresentar o título ao sacado antes da data avençada
com o emitente. O descumprimento dessa obrigação acarreta o dever de indenizar o
emitente.O apelante sofreu um abalo de crédito, que constitui causa suficiente para o dever
de indenizar, revelado pela devolução de CHEQUE por insuficiência de FUNDOS e
inscrição de seu nome no Cadastro dos Emitentes de Cheques sem FUNDOS. Tais
circunstâncias causam sério abalo a qualquer um, seja pelo transtorno de ter o nome em
algo que não cometeu, seja pelo desprestígio que passa a ter no meio social e, bem como,
pelas restrições creditícias que lhe foram impostas. A lei brasileira preferiu deixar ao
prudente critério do julgador o arbitramento da indenização, levando-se em conta as
condições da vítima, o grau de culpa do ofensor e a capacidade econômico-financeira do
responsável pela indenização. Indenização jungida ao salário mínimo esbarra em vedação
constitucional, devendo ser traduzida para a correspondente quantia em moeda corrente.