UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM LINGUÍSTICA ASPECTOS DIALÓGICOS NA CONSTITUIÇÃO DE SENTIDO EM ARTIGOS DE OPINIÃO DE LYA LUFT E RUTH AQUINO TAÍS LÍRIO DA CRUZ Orientadora: Profa. Dra. Sonia Sueli Berti Santos Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística. SÃO PAULO 2013
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ASPECTOS DIALÓGICOS NA CONSTITUIÇÃO DE SENTIDO …S... · Análise do discurso 2. Análise dialógica do discurso (ADD) 3. Prática discursiva 4. Alteridade I. Santos, Sonia Sueli
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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM LINGUÍSTICA
ASPECTOS DIALÓGICOS NA CONSTITUIÇÃO DE SENTIDO
EM ARTIGOS DE OPINIÃO DE LYA LUFT E RUTH AQUINO
TAÍS LÍRIO DA CRUZ
Orientadora: Profa. Dra. Sonia Sueli Berti Santos
Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística.
SÃO PAULO
2013
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
C965a
Cruz, Taís Lírio da. Aspectos dialógicos na constituição de sentido em artigos de
opinião de Lya Luft e Ruth Aquino / Taís Lírio da Cruz. -- São Paulo; SP: [s.n], 2013.
93 p. : il. ; 30 cm. Orientadora: Sonia Sueli Berti Santos. Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-Graduação em
Linguística, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Análise do discurso 2. Análise dialógica do discurso (ADD) 3.
Prática discursiva 4. Alteridade I. Santos, Sonia Sueli Berti. II. Universidade Cruzeiro do Sul. Programa de Pós-Graduação em Linguística. III. Título.
CDU: 81’42(043.3)
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
ASPECTOS DIALÓGICOS NA CONSTITUIÇÃO DE SENTIDO
EM ARTIGOS DE OPINIÃO DE LYA LUFT E RUTH AQUINO
Taís Lírio da Cruz
Dissertação de mestrado defendida e aprovada
pela Banca Examinadora em 26/06/2013.
BANCA EXAMINADORA:
Prof.ª Dr.ª Sonia Sueli Berti Santos
Universidade Cruzeiro do Sul
Presidente
Prof.ª Dr.ª Ana Elvira Luciano Gebara
Universidade Cruzeiro do Sul
Prof. Dr. Sandro Luís Silva
Universidade Federal de São Paulo
Epígrafe
“O Senhor é o meu pastor, nada me faltará.
Salmos 23, 1.
[Salmo de Davi]
O SENHOR é o meu pastor, nada me faltará.
Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranqüilas.
Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome.
Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam.
Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda.
Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do SENHOR por longos dias.
DEDICATÓRIA
Aos meus pais que sempre me estimularam e auxiliaram durante minha
formação.
À minha família, em especial ao meu amado filho Marcus Vinícius Lírio, por
compreender o tempo de dedicação necessária à realização do Mestrado.
AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a DEUS por sua infinita bondade, por sustentar-
me e fazer-me senti-lo sempre ao meu lado dando-me forças para continuar.
À minha família, pelo apoio e compreensão. Àqueles que são família por
laços de amizade e escolha.
Aos amigos que a vida irmanou, Ana Uehara, Sheyla Santos e em especial,
Heide Rosário, pela presença constante. Ao amigo Ewelton pela colaboração.
Ao corpo docente do Mestrado – Linguística - Unicsul por partilharem
comigo seus conhecimentos.
A banca de qualificação: Profa. Dra. Ana Elvira Gebara e Prof. Sandro Luis
da Silva pelas pertinentes e significativas contribuições.
À Profa. Dra. Sonia S. Berti Santos pelo acompanhamento, orientação e
paciência.
CRUZ, Taís Lírio da. Aspectos dialógicos na constituição de sentido em artigos de opinião de Lya Luft e Ruth Aquino. 2013. 93 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)-Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2013.
RESUMO
O presente trabalho insere-se na linha de pesquisa “Discurso, Gênero e Memória”
na área de “Teorias e Práticas discursivas: leitura e escrita” e tem como propósito
principal identificar e analisar aspectos dialógicos na constituição de sentidos nos
artigos de opinião “Por que os homens nos matam” de Lya Luft, Revista Veja, e
“Marina Morena” de Ruth Aquino, Revista Época. A base teórica utilizada é a ADD
(análise dialógica do discurso), corrente bakhtiniana, acionada como norteadora de
leitura e análise, e esta como prática discursiva necessária à constituição sócio-
ideológica do sujeito. Objetivamos demonstrar que é possível constituir sentidos a
partir da observação de aspectos dialógicos, e assim poder ser este procedimento
utilizado para viabilizar leitura proficiente. O dispositivo teórico-analítico foi
construído com base nos conceitos de dialogismo, e o procedimento de análise
adotado fundamenta-se na verificação dos efeitos de sentido decorrentes da seleção
lexical e utilização de aspectos interdiscursivos, intertextuais, alteridade,
responsividade, ato ético, posição axiológica e tom valorativo. Este trabalho justifica-
se pela necessidade de pesquisas que encaminhem para percepção de como o
sentido se estabelece pela análise dos aspectos dialógicos, pois constituir sentidos
permite ao leitor ser coenunciador, ou seja, participar da construção dos sentidos.
Para fundamentação da pesquisa, recorremos aos teóricos da ADD corrente
bakhtiniana, dentre os quais se destacam Beth Brait, Fiorin, Sobral, Sonia Berti
Santos e Amossy.
Palavras-chave: Análise dialógica do discurso, Alteridade, Responsividade,
Posicionamento axiológico, Ato ético, Constituição de sentido.
CRUZ, Taís Lírio da. Dialogic aspects in the constitution of meaning in opinion articles Lya Luft and Ruth Aquino. 2013. 93 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)-Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2013.
ABSTRACT
This study is part of the research line “ Speech, Gender an Memory” in the “Theories
and Discursive Practices: reading and writing “ field, and has a main proposal of
identifying and analyzing dialogic aspects in the build of meaning in Opinion Articles
“Why men kill us” by Lya Luft, Veja Magazine, and “Marina Morena” by Ruth Aquino,
Época Magazine. The theoretical basis used is DAS (Dialogical analysis of the
Speech), Bakhtin line of study, triggered as a guide of reading and analyzing, and
this as a required discursive practice in the creation of the socio-ideological subject.
We aim to demonstrate that is possible to build meanings from the observation of the
dialogic aspects, and so this procedure can be used to facilitate proficient reading.
The Theoretical and analytical device was made based on concept of dialogism, and
the analysis procedure adopted is based on checking the effects of meaning from the
lexical selection and interdiscursive, intertextual, otherness, responsiveness, ethical
action, axiological position and evaluative tone use. This work is justified by the need
to research that leads to the perception of how the sense is established by analyzing
the dialogic aspects, because, to build senses allows the reader to be coenunciator,
in other words, to participate in the build of meaning, we used the theorics of DAS
from Bakhtin line of study, among which stand out Beth Brait, Fiorin, Sobral, Sonia
“...a língua não se transmite (...). Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles mergulham na corrente de comunicação verbal e somente quando isto ocorre é que tomam consciência de si e do mundo que os cerca”.(BAKHTIN,1979, p.108)
Este trabalho insere-se na área de pesquisa “Teorias e Práticas
discursivas: leitura e escrita”, do Programa de Pós-graduação - Mestrado em
Linguística da Universidade Cruzeiro do Sul. Tendo em vista o importante papel da
leitura e da escrita nos processos de comunicação, esta área focaliza estudos do
discurso numa dimensão sócio-interacionista, visando habilitar profissionais que
atuam nas ciências da linguagem a um uso mais eficiente dos mecanismos
linguísticos, seja dedicando-se à docência, seja produzindo ou analisando textos de
diversos gêneros.
A linha de pesquisa da dissertação é “Discurso, Gênero e Memória” na
qual se estudam os procedimentos enunciativos e as estratégias de construção do
sentido e da expressividade; analisam-se a constituição dos sujeitos em diferentes
situações de interação social e as formações discursivas que envolvem as práticas
de linguagem.
A questão norteadora da pesquisa tem por escopo identificar e analisar
aspectos dialógicos na constituição de sentidos nos artigos de opinião “Por que os
homens nos matam” de Lya Luft, Revista Veja, e “Marina Morena, você se pintou” de
Ruth Aquino, Revista Época; focalizando a ADD (análise dialógica do discurso)
como fundamentos de análise para leitura ativa, e esta como prática discursiva
necessária à constituição sócio-ideológica do sujeito.
A questão problema estabelecida é: podem as análises dos aspectos
dialógicos viabilizar a constituição de sentidos nos artigos de opinião?” Acreditamos
que sim, e desta hipótese se estabelecem as escolhas de fundamentação e
procedimento de análise.
Objetivamos demonstrar que é possível constituir sentidos a partir da
observação de aspectos dialógicos. O dispositivo teórico-analítico foi construído com
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base nos conceitos de dialogismo, e o procedimento de análise adotado
fundamenta-se na verificação dos efeitos de sentido decorrentes da utilização de
aspectos interdiscursivos, intertextuais, alteridade, responsividade, ato ético, posição
axiológica, tom valorativo e escolha lexical, nos artigos de opinião: “Por que os
homens nos matam” de Lya Luft, e “Marina Morena, você se pintou” de Ruth Aquino.
Visamos também estabelecer, pelas análises, como ocorre a constituição
do sentido dos enunciados pelo leitor, sendo este coautor do enunciado, a partir dos
conceitos do dialogismo, de interação, de entonação avaliativa, de responsividade
ativa, de valoração, da identificação de marcas do gênero, da esfera jornalística, do
ato ético, ato estético, e, com base na materialidade do enunciado.
Para desenvolver esta proposta, utilizamos como suporte teórico para
proceder ADD (análise dialógica do discurso), a perspectiva de Bakhtin, e de
pesquisadores contemporâneos considerados referências nos estudos bakhtinianos
Partimos da perspectiva da análise dialógica do discurso de Bakhtin e de
seu Círculo, e buscamos, assim, estabelecer as relações dialógicas imbricadas na
leitura do texto da esfera jornalística, o gênero artigo de opinião, a fim de
instrumentalizar o leitor a uma leitura mais crítica do enunciado argumentativo do
artigo, com fortes marcas persuasivas, objetivando propiciar-lhe o desenvolvimento
de subsídios para entendimento dos sentidos que constituem cada enunciado, e
dessa forma, contribuir para ampliação de sua capacidade de análise e construção
de sentidos.
Importante salientarmos que no cenário contemporâneo, o texto passa a
ser visto como uma totalidade que só alcança esse status por um trabalho conjunto
de construção de sentidos. Então, na perspectiva da ADD, a compreensão dos
textos deve passar pelo domínio de suas múltiplas dimensões:
Dimensão linguística ligada aos recursos fonológicos, morfológicos,
sintáticos e lexicais.
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Dimensão textual ligada à configuração do texto, em gêneros discursivos
ou sequências textuais.
Dimensão Discursiva relacionada aos interlocutores, aos seus papéis
sociais, às motivações, às restrições de situação, ao momento social e
histórico.
É a dimensão adotada na dissertação.
Dimensão cognitiva-conceitual associada aos conhecimentos sobre o
mundo. Importante destacarmos que todas as dimensões passam pelo
dialogismo, nosso objeto de análise.
Consideramos também o seguinte conceito: “(...) se é pelas atividades de
linguagem que o homem se constitui sujeito, só por intermédio delas é que tem
condições de refletir sobre si mesmo” (OCN – Organização curricular Nacional EM:
Leitura e Literatura p.23, MEC,1998). Com base neste pensamento, vale investirmos
em pesquisas que apresentem possibilidades de acionar no ato de ler e realizar
análises dialógicas discursivas, elementos norteadores que encaminhem para
compreensão do que é materializado nos textos.
Segundo Bakhtin, a língua, em sua totalidade concreta, viva, em seu uso real, tem a propriedade de ser dialógica. Essas relações dialógicas não se circunscrevem ao quadro estreito do diálogo face a face, que é apenas composicional, em que elas ocorrem. Ao contrário, todos os enunciados no processo de comunicação, independentemente de sua dimensão, são dialógicos. (FIORIN, 2008, p. 18-19)
Entendendo que todos os enunciados são dialógicos torna-se importante
lembrarmos que os textos da esfera jornalística, na qual se insere nosso corpus,
acionam elementos dialógicos discursivos que envolvem e podem persuadir o leitor,
assim, análises destes elementos podem oferecer recursos suficientes para leitura
ativa.
A motivação para esta pesquisa surgiu no desenvolvimento das
atividades profissionais desta pesquisadora, pois lecionando em cursos de
Licenciatura em Educação tem observado as significativas dificuldades em leitura
proficiente que os estudantes enfrentam, sendo os estudantes das IES (Instituições
de Ensino Superior) privadas em sua maioria constituída por cidadãos
trabalhadores, oriundos principalmente da rede pública de Ensino Médio e
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apresentam defasagens na habilidade de compreender os textos, sobretudo em
compreender de maneira profícua as dimensões de depreensão dos textos.
Objetivo Geral
Analisar os processos de produção de sentidos decorrentes das
observações das relações dialógicas, da utilização do tom valorativo, da alteridade,
responsividade, posição axiológica, ato ético, etc. e identificar o efeito das marcas
do dialogismo nos artigos de opinião como elementos norteadores de leitura
proficiente, e construção de sentidos.
Objetivos Específicos
Verificar como a análise dos aspectos dialógicos como: alteridade,
responsividade, ato ético, ato estético, posicionamento axiológico, além
do interdiscurso e intertextualidade nas atividades de leitura podem
aprimorar a capacidade do leitor em construir sentidos de forma
fundamentada linguisticamente, crítica, profícua.
Observar como questões ligadas ao conceito discursivo de texto, língua,
dialógicas discursivas que comprovem a hipótese apresentada que considera a
aplicação dos conceitos das relações dialógicas às leituras dos artigos de opinião
como possível elemento facilitador, ou seja, fator que propicie aos leitores condições
de acionar para aprimorar sua capacidade de construir sentidos.
Acreditamos que os resultados desta pesquisa poderão ser objeto de
reflexão para leitores em geral no que se refere a análise dos aspectos dialógicos
como norteadores de leitura profícua, além de educadores e profissionais
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compromissados com a aprendizagem significativa do ato de ler, podendo também
suscitar outras pesquisas que ampliem possibilidade de acionar elementos da ADD
para questões pertinentes ao ato de ler de forma interativa.
Justificativa
Este trabalho justifica-se pela relevância do projeto que é social e
acadêmico. Acadêmico porque aborda a questão da leitura interativa por meio da
identificação das marcas dialógicas nas unidades discursivas, pela alteridade,
responsividade, axiologia, ato ético, aspas, interdiscurso e intertextualidade
presentes nos artigos de opinião utilizando-os como norteadores para construção
dos sentidos. E social, porque a questão da constituição de sentido relaciona-se com
a leitura proficiente, parte inerente ao processo de formação integral de um cidadão,
sendo esta destaque como objetivo primordial nos documentos referenciais de
educação no Brasil.
Selecionamos a ADD pois cremos que esta pode oferecer subsídios
suficientes para análise, e em decorrência encaminhar para constituição de sentidos,
em especial pela identificação dos aspectos dialógicos. Diante dos conceitos
pertinentes a análise dialógica discursiva, optamos pela fundamentação em Bakhtin,
seu Círculo, e pesquisadores que seguem mesma corrente, por serem estes os
conceitos possibilitam atingir o objetivo da pesquisa.
Vale salientar, mais uma vez, que a escolha dos artigos de opinião como
corpus considera a quantidade significativa de leitores e de publicações no Brasil
neste momento histórico, bem como o nítido caráter persuasivo deste gênero
discursivo, segundo dados dos organismos de acompanhamento de publicações de
revistas no Brasil. Justificando-se assim, a necessidade de que o leitor acione
conhecimentos do dialogismo para inferir a partir das ideias materializadas no
gênero em questão.
Metodologia
Este trabalho tem como método escolhido a pesquisa bibliográfica, que
busca o embasamento teórico em Bakhtin e seu Círculo, além de pesquisadores da
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mesma corrente teórica e que deram continuidade aos estudos de Bakhtin. A partir
das fundamentações escolhidas a partir da ADD objetivamos relacionar conceitos
pertinentes para proceder à análise das marcas linguístico- discursivas dos aspectos
dialógicos presentes no corpus, e dessa forma encaminhar para constituição de
sentidos.
Segundo Severino (2008), a pesquisa bibliográfica oferece ao
pesquisador o desenvolvimento do projeto a partir das contribuições oferecidas
pelos autores nos textos, no caso desta pesquisa, a corrente bakhtiniana oferecerá
os conceitos de fundamentação a partir dos quais as análises se desenvolvem.
Fundamentação Teórica
Pode-se dizer que, por meio da palavra, o artista trabalha o mundo, para o que a palavra deve ser superada por via imanente como palavra, deve tornar-se expressão do mundo dos outros e expressão da relação do autor com esse mundo. (BAKHTIN, 2010, p.180)
Em Estética da Criação Verbal (2010), Bakhtin nos apresenta a “palavra”
ligada a “expressão do mundo”, e vincula as ações dos “outros” e do “autor”, cremos
então que por meio da análise destas relações nos encaminhamos para percepções
das relações dialógicas ligadas à construção dos sentidos. Para tanto verificamos os
casos de alteridade, responsividade, ato ético, posição axiológica, e algumas vezes
o uso de aspas (caso de nosso corpus). E, assim, percebemos que para
compreender a materialidade dos textos e ser proficiente na leitura é possível e
necessário utilizar estes elementos como norteadores de nossas percepções.
Cremos que pesquisas que analisem questões relativas ao dialogismo
devam necessariamente considerar os conceitos apresentados por Bakhtin e seu
Círculo, dessa forma nos fundamentamos, sobretudo nas obras: Marxismo e
Filosofia (BAKHTIN, 1979), Estética da Criação Verbal (BAKHTIN, 2010); Bakhtin:
dialogismo e construção do sentido, (BRAIT, 2008); Bakhtin: conceitos-chave
(BRAIT, 2010); Bakhtin: outros conceitos-chave (BRAIT, 2010); Do dialogismo ao
gênero: as fases do pensamento do Círculo de Bakhtin, (SOBRAL, 2009); Gêneros
Jornalísticos no Brasil, (MELO; ASSIS, 2010); além de pesquisadores bakhtinianos
na atualidade como Amossy, Orlandi, Koch, Fiorin, Sonia Berti; referências nos
estudos sobre os conceitos apresentados pelo filósofo.
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Na obra Estética da Criação Verbal (2010) Bakhtin considera: “Sem fazer
nenhuma menção à necessidade de comunicação entre os homens, a língua seria
uma condição indispensável do pensamento para o homem até mesmo na sua
eterna solidão. (HUMBOLDT, 1859, p. 51 apud Bakhtin, 2010, p.270)”
Conforme mencionado na citação, segundo Humboldt (1859, apud.
Bakhtin, 2010), a língua é condição indispensável para o pensamento humano, e
portanto necessária à comunicação, dessa forma, entendemos que para analisar os
efeitos de sentido produzidos pelos aspectos dialógicos torna-se fundamental a
compreensão do conceito de língua, texto e leitura, bem como do próprio conceito
de dialogismo.
Inicialmente considerarmos a leitura feita por Fiorin (2008) dos conceitos
bakhtinianos em “Introdução ao Pensamento de Bakhtin”, obra organizada
didaticamente em apresentação sequencial dos elementos constitutivos da Análise
Dialógica do Discurso, em especial das relações dialógicas. Assim, vale analisarmos
a seguinte citação: “Há três eixos básicos do pensamento bakhtiniano: unicidade do
ser do evento; relação eu/outro; dimensão axiológica. São essas coordenadas que
estarão na base da concepção dialógica da linguagem.” (FIORIN, p.17, 2008)
Analisando o excerto, percebemos que segundo a leitura de Fiorin,
compreender é participar de um diálogo com o texto, e também com seu
destinatário; por isso, não podemos analisar o ato de ler de forma proficiente
sem observar as ocorrências do dialogismo nas unidades discursivas por meio da
alteridade, ato ético, responsividade, posição axiológica, intertextualidade,
interdiscursividade, e ocorrências de aspas (quando pertinentes), como elementos
norteadores para compreensão da construção de sentidos, objetivo desta pesquisa.
Tendo como objeto de pesquisa a análise da relação entre aspectos
dialógicos e processamento textual, torna-se fundamental considerarmos que:
Na medida em que o leitor se coloca como participante do diálogo que se estabelece em torno de um determinado texto, a compreensão não surge da sua subjetividade. Ela é tributária de outras compreensões ao mesmo tempo, como o leitor participa desse diálogo mobilizando aquilo que leu e dando a todo esse material uma resposta ativa, sua leitura é singular. (FIORIN, 2008, p. 6)
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Sendo a compreensão do texto tributária de outras compreensões,
percebemos que para que o leitor seja realmente participante da construção dos
sentidos do texto, faz-se necessário identificar ocorrências do dialogismo, ou seja, o
leitor precisa ser participante do diálogo mencionado no excerto, ser coenunciador
pela resposta ativa, dessa forma, faz-se necessário ressaltar a partir da obra
Estética da Criação Verbal de Bakhtin (2010):
Toda compreensão plena real é ativamente responsiva e não é senão uma fase inicial preparatória da resposta (seja qual for a forma em que ela se dê). [...] O empenho em tornar inteligível a sua fala é apenas o momento abstrato do projeto concreto e pleno de discurso do falante. [...] Cada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada dos enunciados. (BAKHTIN, 2010, p.272)
Ao analisarmos a questão da responsividade, observamos que, para o
leitor compreender o texto, e em decorrência poder posicionar-se concordando ou
discordando, o ato de ler está diretamente associado às questões de como acorreu
o processamento textual, a identificação de quais elementos foram norteadores
desse entendimento.
Os estudos do texto e do discurso, nas últimas décadas, em muito tem
sido fundamentados a partir das contribuições de Bakhtin, dessa forma, para
análises são necessárias reflexões sobre o princípio dialógico que antecipa e
influencia os estudos do discurso e do texto, assim, utilizaremos a concepção de
texto como objeto das ciências humanas, pois apresentam método e objeto
dialógico, consideramos o texto também como discurso ou enunciado (BARROS,
DIANA L. P., 2010, p.25), adotamos os conceitos da existência de princípios
dialógicos, ou seja, do diálogo entre interlocutores e entre discursos (enunciados).
Na obra “Bakhtin: Dialogismo e construção do Sentido” (BRAIT, 2010, p.
280) a pesquisadora afirma a partir de (BAKHTIN, 2010, p. 35-36), que “a alteridade
define o ser humano, pois “o outro” é imprescindível para sua concepção: é
impossível pensar no homem fora das relações que o ligam “ao outro”. Assim, afirma
que a vida é dialógica por natureza.
Concebendo a ideia de que a vida é dialógica por natureza, urge
selecionarmos conceito de dialogismo, que segundo Sobral (2009):
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Faz sentido dizer que o conceito de dialogismo, e seu correlato, o de interação, se baseiam em algo que vai além do campo da linguística e mesmo do discurso: uma concepção filosófica do ser e do agir dos sujeitos humanos, uma maneira específica de pensar a condição desses sujeitos. (SOBRAL, 2009, p. 59).
Para compreendermos aspectos dialógicos como elementos constituintes
de sentido, torna-se fundamental considerarmos a obra “Marxismo e Filosofia”
(BAKHTIN, 1979) no trecho que o pesquisador menciona:
A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. (p.96). Em condições normais, o critério de correção linguística cede lugar ao critério puramente ideológico: importa-nos menos a correção da enunciação do que seu valor de verdade ou de mentira, seu caráter poético ou vulgar, etc.. A língua, no seu uso prático, é inseparável de seu conteúdo ideológico ou relativo à vida. (BAKHTIN, 1979, p.97)
Se a palavra está sempre carregada de ideologia, ou seja, de valores
sócio-históricos materializados nos discursos, constituir sentidos a partir de análises
da língua, da escolha lexical tornam-se práticas profícuas. Nesse cenário,
reafirmamos que o gênero “artigo de opinião” pode ser utilizado como objeto de
análise, pois tem como característica a apresentação de vozes que se manifestam a
partir de lugares sociais, de ideologias. As ideias e argumentos, neste gênero são
articulados de forma que propiciem desenvolvimento de atitude responsiva, de
posicionamento axiológico, pois há predominância pela argumentação neste gênero,
e pela apresentação de elementos persuasivos, fato que requer do leitor interação
realmente ativa.
Observamos, portanto, que diante do gênero em questão, marcado pela
persuasão, não basta compreensão passiva; para interatividade, é preciso acionar
compreensão responsiva ativa, fato que pode ser estabelecido a partir da análise
dos aspectos dialógicos em sua utilização específica nos artigos de opinião, em
especial o ato ético, a alteridade, a responsividade, e o posicionamento axiológico.
Ao analisarmos questões que possam contribuir para que a leitura seja
ativa, não podemos deixar de considerar os conceitos apresentados por Bakhtin
quanto ao dialogismo, e revisitados por Fiorin.
“Há um Bakhtin interacionista. Afinal, ele tratou fundamentalmente das relações do “eu” com o “outro”. Entretanto, o outro é uma posição social, expressa num texto. As relações dialógicas que ele ocupou não são o diálogo face a face, mas as relações entre posições sociais. ”(FIORIN, 2008, p.15)
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Considerando a citação percebemos a nítida relação dos conceitos de
interação e dialogismo manifestados no gênero artigo de opinião, da esfera
jornalística, pois nesse caso o “outro” é realmente representação de uma posição
social.
Na esfera jornalística o jornalista ou no caso do artigo de opinião, o
“articulista” expressa no texto uma posição ideológica, representa uma voz social,
uma posição, um “lugar social” a partir do qual se expressa. Apresenta, muitas
vezes, também marcas dos valores do veículo de publicação, ou seja, da Instituição
veiculadora, no caso as revistas, Lya Luft pela Veja, e Ruth Aquino pela Revista
Época, conforme apresentado no capítulo de análise.
Para conexão entre elementos necessários à leitura interativa neste
gênero torna-se importante lembrarmos os posicionamentos de Bakhtin em relação
a questões pertinentes ao ato de ler e as relações com a língua, enunciação e
dialogismo.
Compreendemos leitura um processo de apreensão/compreensão de
algum tipo de informação armazenada num suporte e transmitida mediante
determinados códigos, como a linguagem. Quanto a língua, adotamos uma citação
de em Estética da Criação Verbal (2010):
O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem a condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua ma, acima de tudo, por sua construção composicional. (BAKHTIN, 2010, p. 261)
Tendo como fundamentação o conceito supracitado, e considerando que
a língua tem a propriedade de ser dialógica, e que não ocorrem apenas nos diálogos
face a face, vale destacarmos o grande número de ocorrências nos artigos de
opinião justificando a análise da construção dos sentidos nesse gênero por meio da
observação dos dialogismos. Decorre daí, a necessidade de considerarmos os
conceitos de enunciação:
A enunciação, compreendida como uma réplica do diálogo social, é a unidade de base da língua, trata-se de discurso interior (diálogo consigo mesmo) ou exterior. Ela é de natureza social, portanto ideológica. Ela não
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existe fora de um contexto social, já que cada locutor tem um “horizonte social”. Há sempre um interlocutor, ao menos potencial. O locutor pensa e se exprime para um auditório social bem definido. “A filosofia marxista da linguagem deve colocar como base de sua doutrina a enunciação, como realidade da língua e como estrutura sócio-ideológica.” (BAKHTIN, 1979, p.17)
Nesse contexto é importante lembrarmos o papel do sujeito nessa
construção de sentidos norteada pelos aspectos dialógicos.
O sujeito age em relação aos outros; o indivíduo constitui-se em relação ao outro. Isso significa que o dialogismo é o princípio de constituição do indivíduo e o seu princípio de ação. A apreensão do mundo é sempre situada historicamente, porque o sujeito está sempre em relação com o outro(s). Como a realidade é heterogênea, o sujeito não absorve apenas a voz social, mas várias, que estão em relações diversas entre si, portanto o sujeito é constitutivamente dialógico. (FIORIN, 2008, p.55)
Reconhecendo que a apreensão do mundo está sempre relacionada às
leituras feitas a partir do momento histórico, torna-se necessária a análise de como
as ideias materializadas nos artigos de opinião pelo dialogismo podem ser
persuasivas e estabelecerem relações com os sujeitos, pois conforme mencionado
na citação este é constitutivamente dialógico.
Fundamental destacarmos que Mikhail Bakhtin examina o dialogismo em
diferentes ângulos e estuda detidamente suas manifestações.
a língua em sua totalidade, no seu uso real, tem a propriedade de ser dialógica. Todos os enunciados no processo de comunicação são dialógicos. Existe uma dialogização interna da palavra, que é repassada pela palavra do outro, ou seja, todo enunciador para constituir um discurso, leva em conta o discurso de outrem, utilizando-o de alguma maneira no seu discurso. Assim, o Círculo de Bakhtin dá um papel central à linguagem na sua teoria da superestrutura, pois para Bakhtin o real apresenta-se para nós sempre semioticamente, ou seja, linguisticamente. (BRAIT, 2008, p.32-33)
Valendo-se da ideia de que a Língua tem a propriedade de ser dialógica,
e que consequentemente os enunciados são dialógicos, e de que pela dialogização
todo enunciador para construir seu discurso leva em consideração o discurso do
outro, acionamos estes conceitos bakhtinianos para análise dos artigos de opinião.
Modernamente, observa-se que a análise dialógica do discurso tem
demonstrado interesse pelas possibilidades de leitura e inferência deste tipo de
gênero discursivo (esfera jornalística) devido ao seu caráter persuasivo: “Se a
linguagem é sempre produzida por um falante que sente a necessidade, a
20
conveniência, o desejo ou o prazer de dizer qualquer coisa, a linguagem é sempre
subjetiva.” (MARTINS, 2008, p.234).
Importante lembrarmos que Bakhtin não descartava possibilidades de
análises, observamos então contribuições de Amossy ao afirmar que quando “O
orador enuncia uma informação e ao mesmo tempo diz: sou isto, não sou aquilo”.
(AMOSSY, 2005, p.10), há uma tomada de posição, uma marca ideológica, e diante
disso percebemos que estes elementos podem ser investigados para constituírem
subsídios para leitura e inferência.
Os artigos de opinião utilizados como objeto de análise, conforme
mencionado, pertencem a esfera jornalística, sendo modernamente considerado
“Jornalismo opinativo”, e o jornalista visto como um “articulista”, assim, nos
fundamentarmos em Melo, Assis, (2008) reconhecidos pesquisadores de textos
inseridos nesta esfera.
Em Jornalismo Opinativo, José Marques de Melo assinala que há dois núcleos de interesse em torno dos quais o discurso jornalístico se articula: a) A informação, cujo interesse é saber o que se passa. b) A opinião, cujo interesse é saber o que se pensa sobre o que se passa. Segundo o autor, os gêneros do primeiro núcleo (universo da informação) “se estruturam a partir de um referencial exterior à Instituição Jornalística: sua expressão depende diretamente da eclosão e evolução dos acontecimentos e da relação que os mediadores profissionais (jornalistas) estabelecem com seus protagonistas (personalidades ou organizações). (MELO; ASSIS, 2003, p.65).
Quanto ao gênero importante considerar:
texto opinativo (mais que informativo) publicado em seção destacada do conteúdo noticioso, para enfatizar sua natureza “não-jornalística”. Os autores recorrentes de artigos são chamados de articulistas. Apresenta-se como colaboração espontânea ou solicitação não necessariamente remunerada, o que confere liberdade completa ao seu autor. “Trata-se de liberdade em relação ao tema, ao juízo de valor emitido, e também em relação ao modo de expressão verbal” (MELO, 2003, p.125).
O artigo de opinião “Por que os homens nos matam” de Lya Luft, foi
publicado na Revista Veja em 21 de julho de 2010, o texto apresenta informações e
opiniões com conteúdo que se assemelha ao noticioso, respeitando aspectos de
natureza não jornalística, pois insere-se no formato “histórias de interesse humano”,
conforme conceituam Melo, Assis (2008).
21
A temática aborda a violência doméstica contra a mulher, e pela
seriedade do tema e recorrências de notícias a respeito, atrai atenção do leitor. Há
no artigo menção ao desaparecimento da jovem “Elisa Samúdio” que, no momento
de produção do texto era notícia em quase todas as mídias de informação. O
desfecho do caso coincide com o término desta pesquisa, estabelecendo
possibilidade de analisar toda a trajetória da informação materializada inicialmente
no artigo.
No artigo “Marina Morena”, publicado na Revista Época em 22 de agosto
de 2009, Ruth Aquino imprime caráter mais que informativo sobre a ex-ministra do
meio ambiente do Brasil, no governo Lula, Marina Silva, articula uma apresentação
dela como opção para a eleição presidencial brasileira de 2010, fato que realmente
ocorreu, importante lembrar que Ruth Aquino publicou o artigo um ano antes das
eleições, e antes dos lançamentos das candidaturas.
Este trabalho organiza-se em:
Introdução
Três capítulos:
Capítulo I - Destinado à fundamentação teórica
Aspectos discursivo-dialógicos
Neste primeiro capítulo apresentamos as fundamentações teóricas
pertinentes aos aspectos discursivo-dialógicos constituintes de construção dos
alguns fundamentos teóricos que nortearão as análises.
Inicialmente, apresentaremos os conceitos selecionados quanto ao
sentido de texto, língua, linguagem, leitura, discurso, persuasão, enunciação,
enunciado, dialogismo, esfera jornalística, gênero discursivo, artigo de opinião,
sempre tendo como base pesquisadores da corrente bakhtiniana.
Em “Estética da Criação Verbal”, Bakhtin apregoa que:
“ O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo, não só põe seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas acima de tudo por sua construção composicional.” (BAKHTIN, 2010, p.261, Estética da Criação Verbal)
Entendendo, a partir da citação, que a língua efetua-se em forma de
enunciados e reflete as condições específicas e as finalidades de cada campo da
atividade humana, vale salientar que para compreender os sentidos dos textos
torna-se necessário analisar as escolhas e as utilizações dos recursos lexicais,
fraseológicos e gramaticais da língua, bem como a construção composicional no
caso deste trabalho, uma vez que as análises focam aspectos dialógicos ligados a
estes elementos. Para tanto, consideramos o seguinte conceito: “A linguagem é fruto
de uma tensão dialética contínua entre a estabilidade e instabilidade, entre a
cristalização de significações e a amplitude dos temas sociais e historicamente
possíveis.” (SOBRAL, 2009, p.89). Compreendendo que a linguagem é fruto da
descrita tensão dialética, conforme descreve Bakhtin (2010), se manifesta e é
compreendida na materialidade do texto, vale salientar que na ADD entendemos
texto como:
24
O texto (escrito ou oral) é dado primário de todas as disciplinas, constitui a realidade imediata para que se possa estudar o homem social e a sua linguagem, já que sua constituição bem como sua linguagem é mediada pelo texto; é através do texto que o homem exprime suas ideias e sentimentos. (BAKHTIN, 2010, p.307)
Aliando o conceito de texto supracitado e as interações que ocorrem de
forma dialógica, consideramos que:
O lugar do exercício da língua é o ambiente social e histórico em que ocorrem as interações, linguísticas e outras. As interações são, como vimos, intrinsecamente dialógicas; a relação dialógica engloba e vai além da relação entre as réplicas de um diálogo real e alcança, por sua extensão, variação e complexidade, o plano de um meta-discurso (um discurso sobre o discurso, discursos nos discursos), num contínuo processo. Esse meta-discurso interliga discursos não em termos de sucessão temporal e de presença num mesmo espaço, mas em termos de sentido: o que é dito ou pode ser dito em outros discursos está presente num dado discurso. Essa concepção de linguagem destaca o caráter ativo do intercâmbio linguístico: os enunciados/discursos são considerados um produto desse processo de intercâmbio. (SOBRAL, 2009, p.89-90).
O intercâmbio entre enunciados e discursos descritos acima ocorrem no
corpus e vale ser considerado. Complementando as relações entre os conceitos da
ADD necessários ao desenvolvimento deste trabalho, adotamos na análise dos
aspectos dialógicos como constituintes de sentido, e para tanto selecionamos a ideia
de Fiorin quanto a “compreensão”:
Toda compreensão de um texto, tenha ele a dimensão que tiver, implica, segundo Bakhtin, uma responsividade e, por conseguinte um juízo de valor. O ouvinte ou o leitor, ao receber e compreender a significação linguística de um texto, adota, ao mesmo tempo, em relação a ele, uma atitude responsiva ativa: concorda ou discorda, total ou parcialmente; completa; adapta, etc. Toda compreensão é carregada de resposta. Isso quer dizer que a compreensão passiva da significação é apenas parte do processo global de compreensão. O todo é a compreensão responsiva ativa, que se expressa num ato real de resposta. (FIORIN, 2008, p. 6)
Com base nos conceitos apresentados na citação, concluímos, que para
compreensão profícua de um texto faz-se necessário considerar responsividade e
enunciação, conceitos aqui apresentados e acionados no capítulo de análise.
Quanto a responsividade nos referenciamos em Bakhtin (2010):
Toda compreensão plena real é ativamente responsiva e não é senão uma fase inicial preparatória da resposta (seja qual for a forma em que ela se dê). [...] O empenho em tornar inteligível a sua fala é apenas o momento abstrato do projeto concreto e pleno de discurso do falante. [...] Cada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada dos enunciados. (BAKHTIN, 2010, p.272)
25
Estando a compreensão ligada a responsividade, torna-se fundamental
nos respaldarmos em conceitos pertinentes a enunciação. Em “Marxismo e
uma réplica do diálogo social, é a unidade de base da língua, trata-se de discurso interior (diálogo consigo mesmo) ou exterior. Ela é de natureza social, portanto ideológica. Ela não existe fora de um contexto social, já que cada locutor tem um “horizonte social”. Há sempre um interlocutor, ao menos potencial. O locutor pensa e se exprime para um auditório social bem definido. “A filosofia marxista da linguagem deve colocar como base de sua doutrina a enunciação, como realidade da língua e como estrutura sócio-ideológica. (BAKHTIN, 1979, p.17)
Sendo a unidade da língua uma réplica do diálogo social, portanto
ideológica, analisar a relação entre locutor e interlocutor torna-se procedimento
necessário para compreensão do processo de constituição de sentidos. Vale
salientar que de acordo com a AD, nas análises dos processos de constituição de
sentidos na enunciação, nos referimos aos sujeitos como enunciadores e
coenunciadores.
De acordo com Marcuschi (2008), a partir dos conceitos apresentados por
Bakhtin e seu círculo, já se tornou cotidiana a ideia de que os enunciados nos
gêneros discursivos são fenômenos históricos, vinculados à vida cultural e social, e
a uma esfera de produção. Sendo estes considerados resultados de trabalhos da
coletividade, entendemos que os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as
atividades comunicativas do cotidiano a partir de sua esfera de produção. Portanto,
são considerados, entidades sócio-discursivas e formas de ação social
incontornáveis em qualquer situação comunicativa e se materializam em forma de
enunciados.
Na obra “estética da Criação Verbal” Bakhtin (2010) quanto ao enunciado
conceitua:
O estudo da natureza do enunciado e da diversidade de formas de gêneros dos enunciados nos diversos campos da atividade humana é de enorme importância para quase todos os campos da linguística e da filologia. Porque todo trabalho de investigação de um material linguístico concreto – seja de história da língua, de gramática normativa, de confecção de dicionários ou de estilística da língua, etc. – opera inevitavelmente com enunciados concretos (escritos e orais) relacionados a diferentes campos da atividade humana e da comunicação. (BAKHTIN, 2010, p.264)
Neste início de século XXI, gêneros discursivos veiculados na esfera
26
jornalística (àquela na qual se insere nosso corpus), nas bibliografias atuais,
caracterizam-se como eventos altamente maleáveis e dinâmicos. Lembramos que
geralmente, surgem emparelhados a necessidades e atividades socioculturais, bem
como na relação com inovações tecnológicas. Ao se considerar a quantidade de
gêneros e tipologias hoje existentes nesta esfera em relação a sociedades
anteriores verificamos tendência à utilização preferencial de meios virtuais de
divulgação, sobretudo pelos elementos facilitadores advindos das TIC (Tecnologias
da informação e comunicação) que permitiram a esfera jornalística atender de forma
mais abrangente o público leitor.
Grande parte dos artigos de opinião, na atualidade, são disponibilizados
virtualmente em quantidade ainda maior que àqueles em material impresso. Basta
observarmos os marcadores de quantidade de acessos nos sites das revistas e
jornais brasileiros que veiculam os textos, e verificamos a expressiva quantidade de
acessos diários e semanais, assim verifica-se que, os leitores em meio virtual
superam a quantidade de exemplares impressos semanalmente, fato que torna o
gênero e a tipologia textual ainda mais relevante.
Nesse cenário vale nos fundamentarmos no conceito de Bakhtin (2010)
que considera os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos, como
sendo correias de transmissão entre a história da sociedade e a história da
linguagem, fato observável nas análises de artigos de opinião. A partir destes
elementos necessitamos ponderar a respeito de “discurso”, e adotamos o seguinte
conceito:
O discurso só pode existir de fato na forma de enunciações concretas de determinados falantes, sujeitos do discurso. O discurso sempre está fundido em forma de enunciado pertencente a um determinado sujeito do discurso, e fora dessa forma não pode existir. (BAKHTIN, 2010, p.274)
Entendendo a inerente relação entre discurso e forma de enunciar,
encontramos em “Do Dialogismo ao Gênero” de Sobral (2009), a ideia de que:
Para o Círculo, todo discurso contém um conteúdo, uma forma e um material com que o autor trabalha. Numa descrição sumária, o conteúdo são os atos humanos, o material é, no caso dos discursos verbais, a língua, e a forma é o modo de dizer, de organizar os discursos, estando integrada ao conteúdo e ligada ao material. Quando se fala de “forma”, fala-se na verdade de duas formas; a primeira se refere à materialidade do texto – é a forma composicional – e, a segunda se refere à superfície discursiva, à
27
organização do conteúdo expresso por meio da matéria verbal, em termos das relações entre o autor, o tópico e o ouvinte – esta é a forma arquitetônica. (SOBRAL, 2009, p.68)
Compreendendo que todo discurso contém um conteúdo, uma forma e
um material com que o autor trabalha, julgamos necessário buscar fundamentações
teóricas para os aspectos estruturais que interferem na constituição de sentidos, e,
portanto devem ser adotados nas análises.
De acordo com os conceitos bakhtinianos, os gêneros discursivos não se
caracterizam como formas estruturais estáticas e definidas de uma vez por todas.
Bakhtin (2010) diz que os gêneros são tipos "relativamente estáveis" de enunciados
elaborados pelas mais diversas esferas da atividade humana. Afirma que são
eventos linguísticos, mas não se definem por características linguísticas:
caracterizam-se, enquanto atividades sócio-discursivas.
Identificando os gêneros como fenômenos sócio-históricos e
culturalmente sensíveis, não há como fazer uma lista de todos os gêneros. Portanto,
para compreender este fato vale considerarmos as citações de Bakhtin (2010,
p.123): “A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato
de formas linguísticas nem pela enunciação monológica, isolada, mas pelo
fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação. A interação
verbal constitui assim a realidade fundamental da língua”.
A partir destes pressupostos, observamos que o fenômeno social de
interação verbal realiza-se pela enunciação num gênero acionado a partir da
natureza do texto, e dessa forma torna-se necessário analisar o dialogismo, análise
esta que permitirá constituir sentidos de forma fundamentada.
Acionamos nas análises o conceito de dialogismo a partir de Bakhtin
(1979, p.22): “o dialogismo é a característica do funcionamento discursivo em que se
encontram presentes várias instâncias enunciadoras. É a presença destas várias
instâncias que constitui a dimensão polifônica do discurso, presença de vozes
sociais que se manifestam.” Vozes que se manifestam frequentemente nos artigos
de opinião, objetos de análise deste trabalho, e que, portanto devem ser
consideradas.
28
Segundo Bakhtin (1979), o conceito de dialogismo é princípio fundador da
linguagem, segundo a corrente bakhtiniana: toda linguagem é dialógica, isto é, todo
enunciado é sempre um enunciado de um locutor para seu interlocutor, assim, toda
linguagem pode ser considerada como fruto de um acontecimento social. Outro
sentido configurado para o dialogismo é que um texto sempre responde a um outro
texto, ou ainda que internaliza vozes de um outro discurso (interdiscursividade),
conceitos considerados nas análises dos artigos de opinião escolhidos como corpus.
Assim, o enunciado existente, surgido de maneira significativa num determinado
momento social e histórico, não pode deixar de considerar os fios dialógicos
existentes, fios tecidos pela consciência ideológica a partir de um dado objeto de
enunciação, não pode deixar de ser participante ativo do diálogo social.
Ainda em Bakhtin (1979), encontramos a ideia de que nenhuma palavra é
nossa, pois traz a perspectiva de outra voz que se manifesta no texto. Dessa forma,
o texto, conforme concebido por Bakhtin, consegue marcar o ponto de intersecção
entre vários diálogos, entre o cruzamento de vozes que se originaram em práticas
de linguagem diversificadas socialmente, e, demonstrar que essas vozes,
polemizam-se, completam-se ou ainda respondem umas as outras estabelecendo
conexões. E de acordo com Beth Brait (2010, p.25) “é necessário observar no
conjunto do enunciado, do discurso, de que forma a confluência das vozes significa
muito mais uma interpretação do discurso alheio, ou a manipulação na direção da
argumentação autoritária, ou mesmo a apropriação e subversão desse discurso.”
Questões relevantes às análises de artigos.
Bakhtin (2010) pondera que a linguagem é dialógica porque tem seus
sentidos produzidos na interação entre subjetividades. Considerando este aspecto,
entendemos que há três eixos básicos do pensamento bakhtiniano: unicidade do ser
do evento; relação eu/outro; dimensão axiológica. Fatores que nortearão as análises
neste trabalho.
Nesse âmbito, Sobral (2009, p.32) conceitua que“ a subjetividade é
entendida em termos sociais e históricos, sendo considerada condição de
possibilidade da subjetividade, sobretudo porque o sujeito do discurso é interagente
de outros agentes.” Com base nos conceitos supracitados, podemos depreender
que, todo ato, toda voz humana envolve outras vozes (BAKHTIN, 2010), e que esse
29
dialogismo, filosófico e discursivo, designa a condição de um sujeito existir pela
relação com o outro e consequentemente de agir diante desses sujeitos.
Entendemos que essa situação de confronto entre “eu e o outro”
possibilita que um ser se torne social na interação e inter-relação com outros que
representam aparelhos ideológicos diferentes. Importante lembrarmos que no plano
do discurso, o sentido, ou seja, os significados nascem em forma de enunciados
(discursos) produzidos anteriormente, pois de acordo com Bakhtin, antes mesmo de
se pronunciar e de se posicionar diante do outro, o sujeito já responde ao outro pela
resposta presumida, assim como pela observação das unidades discursivas; e em
especial, pelo dialogismo considerado como o princípio constitutivo da linguagem
que media, que estabelece conexões. Conexões a serem observadas e analisadas
no próximo capítulo deste trabalho.
Com base nas fundamentações teóricas apresentadas e adotadas neste
trabalho, percebemos que nosso mundo é semiotizado pelos discursos, pelas
relações entre discursos, e ainda pelas vozes que os compõem, constatamos a
nítida relação com o gênero, da esfera jornalística, artigo de opinião, pois nesse
caso o “outro” é realmente representação de uma posição social, expressa pelo
enunciador e objeto de análise.
Na construção da consciência do sujeito, observamos que as vozes
sociais são assimiladas de maneiras diferentes pelos indivíduos, e estes encontram
àquelas que aderem de modo incondicional, e, dessa forma, resistem a impregnar-
se de outras vozes sendo portanto denominadas “voz de autoridade, representa a
voz do enunciador. Há também vozes que representam posições de sentido
internamente persuasivos, consideradas mais dialógicas, que aparecem mais
frequentemente nos artigos de opinião e que funcionam como estratégia de transferir
responsabilidade (responsividade) quanto às ideias materializadas.
Diante dos conceitos analisados, vale observarmos Fiorin (2008, p.58): “O
mundo interior é a dialogização da heterogeneidade de vozes sociais. Os
enunciados, construídos pelo sujeito, são constitutivamente ideológicos, pois são
uma resposta ativa às vozes interiorizadas”. Considerando a descrita resposta ativa
30
às vozes interiorizadas nos textos, torna-se fundamental buscarmos conceitos
pertinentes à heterogeneidade que os enunciados materializam em gêneros:
Não se deve, de modo algum, minimizar a extrema heterogeneidade dos gêneros discursivos e a dificuldade daí advinda de definir a natureza geral do enunciado. Aqui é de especial importância atentar para a diferença essencial entre os gêneros discursivos primários (simples) e secundários (complexos) – não se trata de uma diferença funcional. Os gêneros discursivos secundários (complexos – romances, dramas, pesquisas científicas de toda espécie, os grandes gêneros publicísticos, etc.) surgem nas condições do convívio cultura mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado (predominantemente o escrito) – artístico, científico, sociopolítico, etc. No processo de suas formações eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários (simples), que se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata. (BAKHTIN, 2010, p.263)
Ciente de que os artigos analisados nesta dissertação inserem-se na
esfera jornalística, faz-se necessário fundamentar-se em Melo e Assis (2010), que
na obra “Gêneros Jornalísticos no Brasil” ponderam:
Muito antes de ser informativo ou interpretativo o jornalismo foi opinativo, como se via no panfletismo ideológico da Revolução Francesa. Na segunda metade do século 19 e nas primeiras décadas do século 20, o atual jornalismo empresarial dos EUA não destoava de escolas jornalísticas da época, como a francesa e a inglesa: praticava-se um jornalismo muito mais opinativo e tendencioso do que informativo. O veículo era usado apenas para manipular os fatos de acordo com os interesses do grupo ou da família proprietária do jornal – o que ainda ocorre, em pleno alvorecer do Terceiro Milênio, em muitas cidades do interior do Brasil, como verificam os próprios estudantes de Jornalismo. (MELO; ASSIS, 2010, p.18)
Conforme verificamos na citação, o jornalismo teve em suas origens um
caráter opinativo, marca que se mantém na tipologia “artigo de opinião”. Na obra“
Jornalismo Opinativo “, José Marques de Melo (2003) assinala que há dois núcleos
de interesse em torno dos quais o discurso jornalístico se articula:
a) A informação, cujo interesse é saber o que se passa.
b) A opinião, cujo interesse é saber o que se pensa sobre o que se passa.
Ainda segundo Melo e Assis (2003, p.65), “os gêneros do primeiro núcleo
(universo da informação) se estruturam a partir de um referencial exterior à
Instituição Jornalística: sua expressão depende diretamente da eclosão e evolução
dos acontecimentos e da relação que os mediadores profissionais (jornalistas)
estabelecem com seus protagonistas (personalidades ou organizações)”, elementos
presentes nos artigos em análise neste trabalho. Quanto aos gêneros situados no
31
segundo núcleo (universo da opinião), a estrutura da mensagem é “co-determinada
por variáveis controladas pela instituição jornalística. Assumem duas feições: autoria
(quem emite a opinião) e angulagem (perspectiva temporal ou espacial que dá
sentido à opinião).”
O artigo é, segundo Melo (2003), um texto opinativo (mais que
informativo) publicado em seção destacada do conteúdo noticioso, para enfatizar
sua natureza “não jornalística”, não apenas comprometida com o jornalismo
tradicional, que tem compromisso com a informação. Os autores recorrentes de
artigos são chamados de articulistas. Apresenta-se como colaboração espontânea
ou solicitação, o que confere liberdade completa ao seu autor: “Trata-se de liberdade
em relação ao tema, ao juízo de valor emitido, e também em relação ao modo de
expressão verbal” (MELO, 2003, p.125).
Decorre dos aspectos descritos acima a relevância da análise do
posicionamento axiológico nesta tipologia textual. Há também questões ligadas à
linguagem e ao estilo que merecem ser consideradas e analisadas. Bakhtin (2010)
pondera que mudanças históricas dos estilos de linguagem estão indissoluvelmente
ligadas às mudanças dos gêneros do discurso conforme demonstra:
A linguagem literária é um sistema dinâmico e complexo de estilos de linguagem; o peso específico desses estilos e sua inter-relação no sistema de linguagem literária estão em mudança permanente. A linguagem da literatura, cuja composição é integrada pelos estilos da linguagem não literária, é um sistema ainda mais complexo e organizado em outras bases. (BAKHTIN, 2010, p.267)
Constatando que a linguagem da literatura é integrada pelos estilos de
linguagem não literária, e pode ser organizado em outras bases entendemos que o
jornalismo opinativo faz parte dessa “outra base”, pois os textos não são apenas
informativos, são opinativos, e para que a opinião encontre aderência, o enunciador
se apropria de recursos da literatura, como utilização de gradações, de metáforas, e
até mesmo de sonoridade, conforme veremos no capítulo de análise. Considerando
as especificidades do corpus, adotamos como conceito que gênero pode assumir
caráter dinâmico conforme verificamos em Sobral (2009):
O gênero discursivo é estável porque conserva traços que o identificam como tal e é imutável porque está em constante transformação, se altera a cada vez que é empregado, havendo mesmo casos em que um gênero se transforma em outro. (SOBRAL, 2009, p.115)
32
O artigo de opinião, corpus deste trabalho, apresenta características
relacionadas ao descrito dinamismo que Sobral (2009) descreve:
Sua lógica não é abstrata, porque se manifesta em cada variedade nova, em cada nova obra, e, portanto, o gênero não é rígido em sua normatividade, mas dinâmico e concreto. O gênero traz o novo (a singularidade, a impermanência) articulado ao mesmo (a generalidade, a permanência), porque não é uma abstração normativa, mas um vir-a-ser concreto cujas regras supõem uma dada regularidade e não uma fixidez. (SOBRAL, 2009, pp.117-118)
A descrita “variedade nova” torna o gênero dinâmico, e segundo Ângela
Dionísio Paiva (2010), em “Gêneros textuais & Ensino”, artigo de opinião é um texto
de tipologia opinativa, de cunho argumentativo. Portanto, trata-se de um gênero em
que a opinião de um autor sobre um assunto de relevância é defendida, por meio de
recursos argumentativos: comparações, exemplificações, depoimentos (vozes e
discursos), dados estatísticos, dentre outros.
Vale destacar que, ainda segundo Paiva (2010), o artigo de opinião tem
como característica a liberdade estrutural, e que o enunciador aparenta dominar o
assunto, a linguagem se adéqua ao perfil dos leitores (mais formal ou informal) e
apresenta nítidos recursos persuasivos. Considerando estas características,
adotamos os conceitos de persuasão, como fator de influenciação, a partir das
contribuições de Adilson Citelli, na obra “Linguagem e Persuasão” (2001):
Para se verificar a construção do discurso persuasivo, é necessário reconhecer a organização e a natureza dos signos linguísticos. Afinal é da inter-relação dos signos que se produz a frase, o período o texto. O modo de articular o signo poderá determinar as direções que o discurso irá tomar, inclusive seu maior ou menor grau de persuasão, encaminhando para uma aparente lógica argumentativa. (CITELLI, 2001, p.23-24)
Fundamental mencionarmos que, de acordo com Paiva (2010), o artigo de
opinião utiliza estrutura básica de uma dissertação: inicia-se pela apresentação do
tema abordado com um ponto de vista posicionado, ou seja, uma introdução, a
argumentação é apresentada progressivamente em forma de desenvolvimento e, no
fechamento do artigo, apresenta-se uma retomada da tese inicial, ou ainda
apresentação de sugestões em forma de conclusão.
Paiva (2010) pondera ainda que os estudos do “Artigo” podem contribuir
para desenvolvermos subsídios para melhor compreensão de uma tipologia que
permite a emissão de opiniões, que acolhe em sua organização a manifestação de
33
posicionamentos ideológicos pelo uso de argumentatividade a partir da ação do
enunciador, e a demonstração de seu posicionamento quanto a determinadas
questões polêmicas constitui objeto de análise. Considerando estas ideias vale
analisarmos Kleiman (2010) quando afirma:
(...) enquanto gênero jornalístico de revistas e jornais (...) estaria, assim, orientado por representações sobre o contexto de produção, os destinatários, a instituição social em que foi produzida, além de obedecer a um padrão formal de textualização.(KLEIMAN, 2010, p.33 )
Adotando as ideias da pesquisadora supracitada, entendemos que a
análise do artigo de opinião requer observação do contexto de produção, dos
destinatários e das marcas das instituições sociais nas quais foram produzidas as
ideias, pois segundo Fiorin (2008), compreender é participar de um diálogo com o
texto, e também com seu destinatário, assim, não podemos analisar o ato de ler de
forma proficiente sem observar as ocorrências do dialogismo como norteador para
compreensão da construção dos sentidos, sobretudo em suas incidências no artigo
de opinião (nosso corpus).
Na medida em que o leitor se coloca como participante do diálogo que se estabelece em torno de um determinado texto, a compreensão não surge apenas da sua subjetividade. Ela é tributária de outras compreensões. ao mesmo tempo, como o leitor participa desse diálogo mobilizando aquilo que leu e dando a todo esse material uma resposta ativa, sua leitura é singular.(FIORIN, 2008, p.6)
Compreendemos que analisar o contexto, o destinatário e as marcas
sociais são fundamentais para entendimento do artigo, pois conectam-se aos
aspectos dialógicos estabelecendo-se como elementos para depreensão, importante
lembrarmos que esse dialogismo está presente na constituição do enunciado
escolhido para essa dissertação: os artigos de opinião “Por que os homens nos
matam” de Lya Luft, Revista Veja; e “Marina Morena, você se pintou” de Ruth
Aquino, revista Época. Ciente das necessárias conexões entre os elementos que
encaminham à constituição dos sentidos ponderamos que:
Toda compreensão de um texto, tenha ele a dimensão que tiver, implica, segundo Bakhtin, uma responsividade e, por conseguinte um juízo de valor. O ouvinte ou o leitor, ao receber e compreender a significação linguística de um texto, adota, ao mesmo tempo, em relação a ele, uma atitude responsiva ativa: concorda ou discorda, total ou parcialmente; completa; adapta, etc. Toda compreensão é carregada de resposta. Isso quer dizer que a compreensão passiva da significação é apenas parte do processo global de compreensão. O todo é a compreensão responsiva ativa, que se expressa num ato real de resposta. (BRAIT, 2010, p.6)
34
Entendendo que os artigos de opinião produzidos no Brasil, caracterizam-
se por conteúdo temático sempre atual, de relevância social, com predominância
argumentativa comprometida com persuasão, retomamos o conceito de “persuasão”
de Citelli (2001), já apresentado como modo de articulação de signos para produzir
determinados sentidos.
Observamos também que artigos são marcados por utilizações
composicionais dialógicas e estilo ligado ao objetivo deste gênero, típico da esfera
jornalística, que é persuadir, mas com sutileza, aparentando informar, além de
apresentar também marcas do estilo do veículo de publicação e do enunciador
(articulista) que assina o artigo, e que representa uma ideologia, um olhar
desenvolvido a partir de determinado espaço social. Entendemos que pela seleção
de elementos linguísticos ocorre o ato estilístico. Diante do exposto necessitamos
apresentar mais alguns conceitos. Em “Estética da Criação Verbal”, Bakhtin (2010)
conceitua estilo como:
unidade de procedimentos de enformação e acabamento da personagem e do seu mundo e dos procedimentos, por estes determinados, de elaboração e adaptação (superação imanente) do material. Em que relação se encontram o estilo e o autor enquanto individualidade? Como o estilo se relaciona com o conteúdo, isto é, com o mundo dos outros, suscetível de acabamento? Que importância tem a tradição no contexto axiológico do autor contemplador? (BAKHTIN, 2010, p.186)
Observamos que o estilo se relaciona com o conteúdo e, sobretudo com o
posicionamento do enunciador a partir do qual materializa as ideias, por isso
julgamos necessário adotarmos como referencial aspectos pertinentes ao processo
de construção, e tomarmos como referência alguns conceitos bakhtinianos, como o
conceito de heteroglossia apresentado por Brait (2008):
Bakhtin faz sua teoria emergir de uma determinada concepção de linguagem que a toma como heteroglossia, isto é, como uma realidade que congrega múltiplas e heterogêneas línguas sociais, entendidas como compósito verbo-axiológico, como expressões de uma determinada interpretação do mundo. [...] A heteroglossia não é tomada, como um dado bruto, mas é apropriada refratariamente pela voz do autor-criador (que é também – não esqueçamos –uma posição refratada, já que, como dissemos antes, é sempre uma voz segunda). Ao mesmo tempo, é importante destacar que as línguas sociais não estão apenas postas lado a lado no romance, mas constituem um sistema de planos que se interseccionam: o autor-criador põe as línguas sociais em inter-relações num todo artístico..As relações entre o sujeito da cognição e o sujeito a ser conhecido nas ciências humanas são, para Bakhtin, relações de comunicação entre Destinador e Destinatário. O sujeito da cognição procura interpretar ou compreender o
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outro sujeito em lugar de buscar apenas conhecer um objeto. (BRAIT, 2008, p.49)
A partir desse conceito, urge considerarmos também aspectos pertinentes
ao posicionamento axiológico, aos sujeitos e ao enunciador, elementos que
encontramos também em Brait (2008):
O autor-criador cumpre, então, sua tarefa formal ocupando uma certa posição verbo-axiológica (ele se materializa como a refração de uma certa voz social) a partir da qual reflete e refrata a heteroglossia, isto é, não a reproduz mecanicamente, mas apresenta, num todo estilístico, um modo de percebê-la, experimentá-la e valorá-la. As relações entre o sujeito da cognição e o sujeito a ser conhecido nas ciências humanas são, para Bakhtin, relações de comunicação entre Destinador e Destinatário. O sujeito da cognição procura interpretar ou compreender o outro sujeito em lugar de buscar apenas conhecer um objeto. (BRAIT, 2008, p. 50)
O descrito autor-criador, na análise, identificamos como enunciador, pois
representa um grupo social, uma ideologia materializada na posição axiológica, que
reflete e refrata a voz social conectando-se ao coenunciador pelo dialogismo.
Adotando estes conceitos no procedimento de análise a partir das escolhas lexicais,
torna-se necessário selecionarmos também os conceitos sobre sujeito e alteridade
que ficam nítidos em Brait (2008):
Quanto ao método nas ciências humanas, Bakhtin afirma que se trata da compreensão respondente: procura-se conhecer um objeto nas ciências naturais, um sujeito – produtor de textos -, na ciências humanas. As relações entre o sujeito da cognição e o sujeito a ser conhecido nas ciências humanas são, para Bakhtin, relações de comunicação entre Destinador e Destinatário. O sujeito da cognição procura interpretar ou compreender o outro sujeito em lugar de buscar apenas conhecer um objeto. A alteridade define o ser humano, pois o outro é imprescindível para sua concepção: é impossível pensar no homem fora das relações que o ligam ao outro. Em síntese, diz o autor, “a vida é dialógica por natureza”. (BRAIT, 2008)
Nos artigos em análise neste trabalho, observamos ocorrência do descrito
sujeito da cognição na forma do enunciador, pois este interpreta e/ou compreende o
outro sujeito em lugar de apenas conhecer o objeto e pela alteridade articula e
apresenta sua concepção, fato verificado no capítulo de análise. Ainda segundo
Brait (2008), os gêneros secundários, no qual se insere nosso corpus, pertencem à
esfera da comunicação cultural, parte integrante da esfera jornalística (e nela o
artigo de opinião), esfera comprometida com a forma escrita de produção textual.
Ainda segundo a pesquisadora, alguns gêneros secundários absorvem e
transformam os gêneros primários de onde surgem questões opinativas. Então, vale
36
destacarmos que o artigo de opinião insere-se nesse caso, pois, embora seja
considerado secundário, transforma assuntos cotidianos em temas dos artigos por
sua natureza argumentativa. Quanto a isto consideramos o conceito de esfera
apresentado por Sobral (2009):
Esfera deve ser entendida como a versão bakhtiniana marxista de “instituição”, ou seja, uma modalidade socioistórica relativamente estável de relacionamento entre os seres humanos. A esfera vai das relações de intimidade familiar ao aparato institucional do Estado, passando por circunstâncias como as que tornam possíveis comentários casuais que desconhecidos fazem um para o outro na rua sobre diversos assuntos cotidianos. (SOBRAL, 2009, p.121)
Segundo os conceitos bakhtinianos, apresentados em Fiorin (2008) não
são as unidades da língua que são dialógicas, mas os enunciados, então vale
ressaltarmos o que o filósofo considera:
Segundo Bakhtin: o enunciado é a réplica de um diálogo, pois cada vez que se produz um enunciado o que se está fazendo é participar de um diálogo com outros discursos. Um enunciado está acabado quando permite a resposta do outro. Portanto, é constitutivo do enunciado é que ele não existe fora das relações dialógicas. Nele estão sempre presentes ecos e lembranças de outros enunciados, com que ele conta, que ele refuta, confirma, completa, pressupõe e assim por diante. Um enunciado ocupa sempre uma posição numa esfera de comunicação sobre um dado problema. (FIORIN, 2008, p.21)
Salientamos, mais uma vez que ao analisarmos artigos de opinião, corpus
deste trabalho, vale ficarmos atentos à construção dos sentidos pelo uso de
aspectos dialógicos, pois é preciso identificar marcas dialógicas para poder construir
a resposta, o posicionamento, conforme mencionado na citação, e faz-se necessário
compreendermos que o processo de responsividade está intimamente ligado à
leitura proficiente.
Em uma análise dialógica discursiva é necessário observarmos que as
unidades da língua são sons, palavras e períodos (frases e orações), e percebermos
que exercem papel de unidades reais de comunicação, ou seja, materializadas
linguisticamente em função de uma objetivada constituição de sentidos, mas, vale
salientar que os enunciados são únicos, nunca se repetem, assim, é preciso
compreender as unidades da língua, mas, ter como objeto de análise, os
enunciados, ou seja, o sentido específico no contexto de uso do termo.
37
Segundo Brait (2010), compreender os enunciados requer o entendimento
do funcionamento real da linguagem, ou seja, a situação de uso, o contexto, cujo
objeto de análise são os enunciados. Vale relembrarmos que para o filósofo,
enunciado é réplica de diálogo, e, assim, ocupa posição numa esfera de
comunicação sobre um dado problema, e como os enunciados têm autor, estes
revelam uma posição, um posicionamento axiológico.
No caso dos artigos de opinião há, portanto, materialização do
posicionamento do enunciador (axiologia) e, nesse contexto, é fundamental ler
estabelecendo posicionamento também como leitor proficiente, para poder interagir
na construção dos sentidos. Considerando Brait (2008), as unidades da língua são
neutras, e os enunciados é que são carregados de posicionamentos.
Compreendemos que todo enunciado se estabelece a partir de outro, fato
que nos leva a considerar também o importante papel de renovação e ampliação da
memória discursiva por meio das leituras. Assim, observamos o conceito de
heterogeneidade do enunciado, pois este revela um posicionamento, e também sua
oposição àquele não materializado. De acordo com Brait (2008) por
heterogeneidade compreendemos que:
A relação contratual com um enunciado, a adesão a ele, a aceitação de seu conteúdo fazem-se no ponto de tensão dessa voz com outras vozes sociais. Se a sociedade é dividida em grupos sociais, com interesses divergentes, então os enunciados são sempre o espaço de luta entre as vozes sociais, o que significa que são inevitavelmente o lugar da contradição. O que é constitutivo das diferentes posições sociais que circulam numa dada esfera social é a contradição. O contato se faz com uma das vozes de uma polêmica. (BRAIT, 2008, p.52)
Inferimos então que no caso do artigo de opinião, para leitura proficiente,
é fundamental realizar leitura que identifique heterogeneidade e as vozes
(heteroglossia) que se manifestam no texto para poder aderir ou refutar ideias
materializadas. Relembramos que na esfera jornalística, o artigo de opinião é
considerado um texto no qual a voz do enunciador expõe seu posicionamento diante
de algum tema atual e de interesse de uma coletividade, e segundo Brandão (2012),
enunciador é a figura da enunciação que representa a pessoa cujo ponto de vista é
apresentado. É a perspectiva que o sujeito constrói e de cujo ponto de vista narra,
quer identificando-se com ele quer distanciando-se dele.
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Tendo como referencial todas as fundamentações teóricas apresentadas
e adotadas, percebemos que para analisar aspectos dialógicos na constituição de
sentidos no artigo de opinião, da esfera jornalística, devemos considerar os
conceitos de individual e social apresentados por Bakhtin em Fiorin (2008), pois para
o filósofo, a maioria das marcas materializadas linguisticamente de opiniões são
sociais, embora nem sempre os cidadãos percebam esse caráter.
Todo enunciado se dirige não somente a um destinatário imediato, cuja presença é percebida mais ou menos conscientemente, mas também a um superdestinatário, cuja compreensão responsiva, vista como correta, é determinante na posição discursiva. A identidade desse superdestinatário varia de grupo social para grupo social, de uma época para outra, de um lugar para outro.”(FIORIN, 2008, p.27)
Entendemos que por meio da compreensão dos aspectos dialógicos, o
sujeito não fica completamente assujeitado aos discursos sociais, pode pela
identificação de marcas dialógicas estabelecer os sentidos, e posicionar-se, ou seja,
ser ativo no ato de ler.
Quando objetivamos analisar artigos veiculados nas duas maiores
revistas de circulação nacional (Revista Veja e Revista Época), produzidos por duas
jornalistas conceituadas (Lya Luft e Ruth Aquino), faz-se relevante analisarmos
também a questão da estilização conceituada por Bakhtin como imitação de um
texto ou estilo, sem a intenção de negar o que está sendo imitado, de ridicularizá-lo,
de desqualificá-lo. Na estilização, as vozes são convergentes na direção do sentido,
elas apresentam a mesma posição significante. Em relação ao estilo e estilização de
vozes vale mais uma vez considerarmos que:
Estilo é o conjunto de procedimentos de acabamento de um enunciado. Portanto, são os recursos empregados para elaborá-lo, que resultam de uma seleção dos recursos linguísticos à disposição do enunciador. Isso significa que o estilo é o conjunto de traços fônicos, morfológicos, sintáticos, semânticos, lexicais, enunciativos, discursivos, etc., que definem a especificidade de um enunciado e, por isso, criam um efeito de sentido de individualidade.”(FIORIN, 2008, p.46)
Brait (2008) contribui para fixação do conceito e sua posterior
identificação nas análises apregoando que estilo está ligado não só a uma pessoa
mas a um grupo social:
O estilo é o “homem”, dizem; mas poderíamos dizer: o estilo é pelo menos duas pessoas ou, mais precisamente, uma pessoa mais seu grupo social na forma do seu representante autorizado, o ouvinte – o participante constante
39
na fala interior e exterior de uma pessoa. (Voloshinow, 1926, apud BRAIT, 2008, p. 83)
Para compreensão profícua dos artigos, fundamental lembrarmo-nos da
necessidade de analisar marcas do estilo: “Ao dizer que o estilo cria uma dimensão
de individualidade não se está pensando em expressão da subjetividade. O estilo é
resultante de uma visão de mundo. ”(FIORIN, 2008, p.47). E segundo Bakhtin:
O autor é dotado de autoridade e necessário para o leitor, que o vê não como pessoa, não como outro homem, não como personagem nem como determinidade do existir, mas como princípio que deve ser seguido. A individualidade do autor é uma individualidade criativa de ordem especial, não estética; é uma individualidade ativa da visão e da informação e não uma individualidade invisível e não enformada.” (BAKHTIN, 2010, p.191)
A partir da citação observamos que a individualidade criativa identifica o
autor, mas na materialidade do texto, este passa a ser o enunciador, e segundo
Bakhtin (2010), o estilo é constitutivamente dialógico e revela o direito e o seu
oposto, permite assim ao leitor identificá-lo e construir sentidos a partir das análises.
E a imagem que o enunciador faz do interlocutor está diretamente ligada ao estilo
adotado e materializado, portanto, podemos considerar que o estilo é parceiro da
construção dos sentidos, sendo um dos componentes do gênero.
Pesquisar textos da esfera social do jornalismo torna fundamental
destacarmos que esta tipifica, segundo Bazerman (2006) na obra “Gênero, agência
e escrita” as situações de interação, estabilizando relativamente os enunciados que
nela circulam, originando gêneros do discurso específicos dessa esfera, portanto
com peculiaridades que devem ser consideradas.
Considerando ainda, Bakhtin (2010, p.43), postula-se que as esferas
sociais são apresentadas como princípio organizador dos gêneros, que as relações
de produção e a estrutura sociopolítica que delas diretamente decorrem determinam
os contatos verbais possíveis entre indivíduos, e as formas e os meios de
comunicação verbal nos âmbitos do trabalho, das relações interpessoais e, a partir
destas, se estabelecem observações que cada esfera social apresenta numa
orientação sócio-histórico-cultural para a realidade.
Diante das ideias supracitadas, vale considerarmos que o jornalismo de
revista, caso dos artigos de opinião em análise neste trabalho, pode ser diferenciado
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de outras mídias não apenas por aspectos sociais e históricos de produção, mas
principalmente por sua construção discursiva, pelas projeções ideológicas e pelos
recortes valorativos materializados, pois estas percepções podem viabilizar
inferências.
Nesse contexto, o ato de apresentar fatos e acontecimentos produz um
processo multifacetado de discursivização, ordenação, planejamento, construção e
avaliação de informações mediadas pelo discurso. Decorre que podemos entender
que esse processo implica que os discursos da esfera do jornalismo refletem e
refratam construções do real. Portanto, é fundamental analisarmos o ato ético, a
alteridade, a responsividade, a posição axiológica, a construção dos sentidos
decorrente do uso de aspas, embora não sejam propriamente os fatos
especificamente como acontecem na realidade social, mas transposições
axiologicamente refratadas desse real observado no social e transformado.
Considerando as especificidades do gênero “artigo de opinião” e da
esfera jornalística na qual se insere nosso corpus, torna-se importante concluirmos o
papel do enunciador no momento da enunciação por meio da citação:
deve ser entendido, antes de tudo, a partir do acontecimento da obra como participante dela, como orientador autorizado do leitor. Compreender o autor no universo autorizado de sua época, no seu lugar no grupo social, a sua posição de classe. (BAKHTIN, 2010, p.191)
A orientação autorizada mencionada acima liga-se ao conceito de ato
criador, assim, adotamos para realização das análises o conceito pertinente:
O efetivo ato criador (como aliás qualquer ato em linhas gerais) sempre se move nas fronteiras (axiológicas) do mundo estético, da realidade (realidade do dado – realidade estética), na fronteira do corpo, na fronteira da alma, move-se no espírito; o espírito ainda não existe; para ele tudo ainda está por vir; para ele tudo o que existe já houve. O autor (enunciador) deve ser entendido, antes de tudo, a partir do acontecimento da obra como participante dela, como orientador autorizado do leitor. Compreender o autor (enunciador) no universo histórico de sua época, no seu lugar no grupo social, a sua posição de classe. (BAKHTIN, 2010, p.190-191)
Entendendo que o enunciador deve ser entendido no universo histórico de
sua época, quanto ao ato ético consideramos:
O ato para Bakhtin envolve essencialmente responsabilidade ética. O que é sim negado é que seja possível derivar compromissos éticos (da ordem da vida vivida) da verdade lógica de proposições morais (da ordem da abstração teórica e da generalização formal). Em Bakhtin, todo dever ético
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nasce em situação, ou seja, mantém a estrutura comum que compartilha com outros deveres éticos, mas se realiza de maneira específica, dependente da situação concreta. (BRAIT, 2010, p. 31)
Depreendemos a partir das citações que o ato criador envolve
responsabilidade ética, em relação a responsividade adotamos o conceito
apresentado por Sobral (2009):
A avaliação responsável, ou ato valorativo ético, organiza os atos do (inter-) agente, sendo portanto o aspecto arquitetônico (organizacional) do ato, o cimento que cria a totalidade que é o ato, sempre ético (mesmo apesar dos sujeitos). (SOBRAL, 2009, p.59)
Estabelecendo relações entre os conceitos, vale também considerarmos a
posição responsiva:
O ouvinte, ao perceber e compreender o significado (linguístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc. [...] Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante. (BAKHTIN, 2010, p. 271)
Beth Brait (2008), na obra “Dialogismo e construção do sentido”, aborda
além das questões de texto e discurso, aspectos pertinentes aos princípios
dialógicos, aos diálogos entre interlocutores, e ainda os diálogos entre discursos,
aspectos que nos interessam para realização da análise:
Bakhtin influenciou ou antecipou as principais orientações teóricas dos estudos sobre o texto e o discurso [...] suas reflexões variadas sobre o princípio dialógico que anteciparam e influenciaram os estudos do discurso e do texto, com esse fim, organiza-se sobre a concepção de texto (discurso ou enunciado) como objeto das ciências humanas, e sobre o princípio dialógico e seus desenvolvimentos em diferentes teorias do discurso e do texto. A segunda parte subdivide-se, por sua vez, em duas outras: uma sobre o diálogo entre interlocutores, outra sobre o diálogo entre discursos (ou enunciados, no dizer de Bakhtin). (BRAIT, 2008, p. 25)
Decorre então a necessidade de adotarmos, nas análises, o conceito de
interdiscursividade e intertextualidade. E sobre o conceito de intertextualidade e
interdiscursividade orienta-nos Brait (2010) em “Bakhtin: outros conceitos-chave”:
Bakhtin opera com a noção de intertextualidade, porque considera que o diálogo é a única esfera possível da vida da linguagem. Por isso ele vê a escritura como leitura do corpus literário anterior e o texto como absorção e réplica a um outro texto.Está aí entronizada a noção de intertextualidade coo procedimento real de constituição do texto. O dialogismo é sempre
42
entre discursos. O interlocutor só existe enquanto discurso. (BRAIT, 2010, p.165)
Em “Marxismo e Filosofia da linguagem”, Bakhtin (1979) apresenta ideia
de que do interdiscurso emerge o sentido:
Um enunciado vivo, significativamente surgido em um momento histórico e em um meio social determinados, não pode deixar de tocar em milhares de fios dialógicos vivos, tecidos pela consciência sócio-ideológica em torno do objeto e de participar ativamente do diálogo social. De resto, é dele que o enunciado saiu: ele é como sua continuação, sua réplica... Os "fios dialógicos vivos" aos quais se refere o autor são os outros discursos colocados como constitutivos do tecido de todo e qualquer discurso. É do interdiscurso que emerge o sentido. (BAKHTIN, 1979, p.130)
Os conceitos de interdiscursividade e intertextualidade relacionam-se e
encaminham para analisar a constituição de sentidos a partir das ocorrências destes
elementos, também pela observação dos aspectos dialógicos, dessa forma torna-se
importante considerarmos:
Na realidade não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial” (BAKHTIN, 2010)
A citação atende perfeitamente o objetivo deste trabalho: analisar a
constituição de sentidos por meio das marcas do dialogismo observadas a partir da
escolha lexical, interdiscursividade, intertextualidade, posicionamento axiológico do
enunciador, responsividade e alteridade no artigo de opinião, e são acionadas n
capítulo de análise.
De acordo com os conceitos bakhtinianos, quando se fala em dialogismo
constitutivo, pensa-se em relações com enunciados já constituídos e, portanto,
passados. Com base nestes conceitos, espera-se sempre uma compreensão
responsiva ativa, pois este constrói-se especificamente para uma resposta, seja ela
uma concordância ou uma refutação. Analisar questões pertinentes à
responsibilidade a partir de Sobral (2008) também contribuem para entendimento da
constituição de sentidos no corpus.
Há, comumente, um imenso fosso separando o uso de termos relativos ao respeito às diferenças e a responsibilidade concreta por esse uso, que se reflete necessariamente em práticas éticas em todos os planos da vida. Nesse sentido, em nossos dias, “co-construção”, “diálogo”, “interação” etc. se tornaram conceitos essenciais, ao lado de “responsabilidade” e “ética”. (SOBRAL, 2008, p.21).
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É necessário lembrarmos que o dialogismo composicional trata da
incorporação pelo enunciador da voz ou vozes de outros no enunciado. Segundo a
leitura de Fiorin, a partir dos conceitos apresentados por Bakhtin e seu Círculo,
dialogismo composicional são maneiras externas, visíveis de mostrar outras vozes
no discurso, nesse âmbito podemos identificar a paródia, a estilização, a polêmica
clara ou velada e ainda a utilização de discurso indireto livre.
A partir destes conceitos cabe uma citação de Adail Sobral (2009).
Sumariamente, pode-se dizer que, de um lado, muitos dos usos dessas palavras podem vir a ser uma forma de declarar um compromisso com uma concepção de mundo, de linguagem, de sociedade etc., que valoriza a interação entre os agentes sociais e vê a todos como parceiros diferentes e com igual valor, sem por isso levar de fato a um compromisso concreto com essa concepção, à responsabilidade por suas implicações.” (SOBRAL, 2012, p.10, In: BERTI-SANTOS (org.) 2012, p. 10)
É fundamental lembrarmos que na obra “Para uma filosofia do ato”, obra
originalmente publicada em 1916, Bakhtin realça que os atos humanos envolvem
tanto a “responsividade” do agente aos outros, como a “participatividade” do agente
em seus atos, sua “responsabilidade” por suas atitudes. Dessa forma une o
responder a alguém ou a alguma coisa ao responder pelos próprios atos.
Daí pode-se depreender que o ato “responsível” (ou ato ético) envolve o
seu conteúdo e processo, que são ligados, na “unidade do sentido”, pela
valoração/avaliação do agente com respeito a seu próprio ato. Vale salientar que
em Bakhtin (2010), o pesquisador demonstra que o dialogismo é mais que forma
composicional, abrange a forma de funcionamento da linguagem, comtempla
também o modo de constituição do enunciado, a forma de materializar e, por estes
recursos consegue tornar visível o discurso alheio no próprio enunciado acionando
o princípio de funcionamento da própria linguagem.
Pensando o funcionamento da linguagem e por meio dela as
possibilidades de construção de sentidos, importante lembrar que ainda em Bakhtin
(2010), o filósofo apresenta profundas reflexões sobre cultura, pois o ato de
comunicar está diretamente relacionado aos aspectos culturais, e em análises
dialógicas discursivas estas observações são fundamentais.
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Diante destas constatações, analisar a esfera social do jornalismo é
fundamental no processo de pesquisa e escolha de fundamentações teóricas para
nortear desenvolvimento da dissertação, bem como para destacarmos que esta
tipifica as situações de interação, estabilizando relativamente os enunciados que
nela circulam, originando gêneros do discurso com características específicas dessa
esfera, e comprovando que conforme dito por Bakhtin (2010), “os gêneros
apresentam características relativamente estáveis, mas não são “engessados”.
As esferas sociais são apresentadas como princípio organizador dos
gêneros. Postula-se ainda que as relações de produção e a estrutura sociopolítica
que delas diretamente decorrem determinam os contatos verbais possíveis entre
indivíduos, assim como as formas e os meios de comunicação verbal nos âmbitos
das relações interpessoais e no mundo do trabalho.
Considerando Melo e Assis (2010) o artigo de opinião é identificado como
jornalismo de revista e pode ser diferenciado de outras mídias não apenas por
aspectos sociais e históricos de produção, mas sobretudo por sua construção
discursiva, pelas projeções ideológicas e pelos recortes valorativos materializados,
daí decorre a necessidade de considerar a responsividade, pois dizer é
comprometer-se com o dito, aspecto inerente ao gênero artigo de opinião, pois a
própria palavra opinião já expõe este aspecto. Este aspecto refere-se aos dois lados
da interação, do “eu e do outro”. Discerníveis, mas inter-relacionados, dessa forma
observamos que a co-construção do conhecimento é eticamente exigente, e está
ligada ao ato ético.
Compreendendo todos os elementos necessários a constituição de
sentidos, torna-se fundamental destacarmos que o ato de apresentar fatos e
acontecimentos gera um processo multifacetado de discursivização, ordenação,
planejamento, construção e avaliação de informações mediadas pelo discurso.
Entendemos que esse processo implica que os discursos da esfera do jornalismo
refletem e refratam construções do real, embora não sejam propriamente os fatos
especificamente como acontecem na realidade social, mas transposições
axiologicamente refratadas desse real observado no social e transformado. Quanto a
isto podemos ponderar que:
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O autor se forma axiologicamente em primeiro lugar, e essa diretriz artística lhe determina a posição litero-material Chamamos estilo à unidade de procedimentos de informação e acabamento da personagem e do seu mundo e dos procedimentos por esse determinados, de elaboração e adaptação (superação imanente) do material. (BAKHTIN, 2010, p.186).
Em Bakhtin (2010) é possível observarmos a distinção entre autor pessoa
(empírico) e autor criador (enunciador), distinção necessária à análise de artigos de
opinião. O texto conceitua que aquele se apresenta como o escritor, ou seja, agindo
artisticamente, enquanto este se posiciona discursivamente como elemento
constituinte (estético e formal) da obra. Diante destas constatações, observamos
que para Bakhtin, a posição discursiva do enunciador está intimamente relacionada
ao gênero do enunciado, sobretudo porque cada gênero de discurso possui uma
autoria autorizada, e no caso do artigo de opinião isto é inerente, portanto esta
característica deve ser considerada.
Nas obras Problemas da Poética de Dostoievski (BAKHTIN, 2002), e
Estética da Criação Verbal, (BAKHTIN, 2010), Bakhtin afirma que a função do autor
criador (enunciador) deve ser compreendida como uma posição estético-formal cuja
característica central é consubstanciar o discurso com posição axiológica e projeção
ideológica recortada e refratada, conceitos que se encaixam no corpus.
A partir da análise destes referenciais teóricos, podemos inferir que no
artigo de opinião, nosso objeto de análise, o autor criador manifesta-se numa
posição refratada e refratante. Posição refratada por ser uma posição axiológica,
recortada pelo viés valorativo do autor-pessoa; e também refratante, sobretudo
porque a partir dela se recortam e se reordenam esteticamente os eventos da vida
social abordados no gênero.
“Por trás de cada texto está o sistema da linguagem. A esse sistema correspondem no texto tudo o que é repetido e reproduzido e tudo que pode ser repetido e reproduzido, tudo o que pode ser dado fora de tal texto (o dado). Concomitantemente, porém, cada texto (como enunciado) é algo individual, único e singular, e nisso reside todo o seu sentido (a sua intenção em prol da qual ele foi criado). É aquilo que nele tem relação com a verdade, com a bondade, com a beleza, com a história. (BAKHTIN, 2010, 136)
46
2 ASPECTOS DIALÓGICOS NA CONSTITUIÇÃO DE SENTIDO -
ANÁLISES
2.1 Preliminarmente
Adotamos como categoria de análise as escolhas lexicais, os aspectos
dialógicos, interdiscursivos, intertextuais, o posicionamento axiológico, a alteridade,
a responsividade, o ato ético e alguns casos de uso de aspas. Para procedermos a
análise do corpus, optamos por realizá-la trecho por trecho, sequencialmente,
identificando-os como: T.1. / T.2. e assim sucessivamente. Dessa forma respeitamos
a progressão textual e acrescentamos logo em seguida ao excerto os respectivos
comentários. Reunimos uma série de considerações gerais sobre aspectos que se
destacam na análise. Utilizamos como referencial os pressupostos da ADD (Análise
dialógica discursiva), e as fundamentações teóricas apresentadas no capítulo I.
Considerando os textos: “Por que os homens nos matam” de Lya Luft, (v.
anexo A) publicado na revista Veja em 21 de julho de 2010, página 26, e, “Marina
Morena” de Ruth Aquino, (v. anexo B) publicado na Revista Época em 22 de agosto
de 2009, selecionados como corpus desta dissertação, salientamos que os mesmos
inserem-se na esfera jornalística como “Artigo de Opinião”.
Conforme fundamentação teórica apresentada no capítulo I, para análise
do texto opinativo adotamos os conceitos pertinentes aos aspectos dialógicos,
sobretudo enunciação, enunciador, posicionamento axiológico, interdiscurso e
intertextualidade, ato ético, alteridade e responsividade, já apresentados.
É fundamental destacarmos que a esfera do jornalismo de revista
apresenta história e características específicas, por isso as análises devem abranger
observações das condições de produção, da instituição e do enunciador.
Considerando que cada esfera social apresenta uma orientação sócio-histórico-
cultural para a realidade, torna-se relevante analisarmos àquelas relativas as
Revistas Veja e Época, na materialidade dos textos de Lya Luft e Ruth Aquino.
Importante observarmos que ambas revistas são destinadas prioritariamente às
camadas socioeconômicas A e B. Em análises de artigos de opinião a
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responsividade deve necessariamente ser considerada, pois o gênero marca este
aspecto, então vale analisarmos a citação de Sobral (2012):
Uma concepção do sentido e do conhecimento como co-construídos, co-construção, algo que envolve uma entoação avaliativa e uma responsividade ativa, que se pressupõem mutuamente, com efeito, é uma concepção que acentua o papel de cada sujeito, em suas apropriações situadas, na objetivação do mundo, uma atribuição que envolve responsabilidade ética, ou “responsibilidade”, isto é, tanto a responsabilidade de cada indivíduo diante dos outros, como sua “responsividade” aos outros. A entoação avaliativa e a “responsividade ativa” são socialmente reconhecíveis, mas sempre figuradas como obra de um dado sujeito, que deve “responsibilizar-se” por essas, sem álibi, sem escapatória ou desculpa, no aqui e agora. (SOBRAL, in: BERTI SANTOS, 2012).
Verifica-se que nos artigos assinados por Lya Luft e Ruth Aquino, o autor-
criador, ou seja, o enunciador é quem dá forma ao conteúdo, pois não apenas
recorta e reordena os eventos da vida, mas realiza-o a partir de determinada posição
axiológica observável nas unidades discursivas, na escolha lexical.
No corpus, as enunciadoras, Lya Luft (Revista Veja), e Ruth Aquino
(Revista Época), no processo de escritura do texto (no decorrer do ato) deslocam-se
do plano empírico para o estético-discursivo, ou seja, o discurso do autor-criador não
é o discurso direto do autor empírico (da escritora), mas materializa a construção
refratada axiologicamente desse discurso.
Assim, o enunciador é, no caso do artigo de opinião, capaz de trabalhar
numa linguagem enquanto permanece fora dessa linguagem. E, o gênero permite
que caiba ao leitor construir os sentidos interagindo com os elementos
apresentados. Os artigos recuperam pelos enunciados um momento da história
político-social brasileira.
Importante lembrarmos que Lya Luft, além de contribuir no âmbito do
jornalismo é escritora de romances e professora universitária. Gaúcha, nascida em
1938, descendente de alemães com poder aquisitivo familiar privilegiado para a
média nacional. Desde criança estudou Goethe e Schiller. Iniciou sua vida literária
traduzindo obras de Virgínia Wolf, posteriormente tornou-se romancista, poetisa e
colunista. Mantém semanalmente uma coluna na Revista Veja, na qual apresenta
artigos de opinião. Sua formação permite unir aspectos do jornalismo à articulações
48
de unidades discursivas que estabelecem recursos de linguagem, mais comuns na
literatura, como a ironia, por exemplo.
Ruth Aquino atua como editora (chefe) na revista Época, na qual também
contribui como colunista apresentando semanalmente um artigo de opinião é
blogueira e repórter especial. Desde 1974 trabalha com notícias de jornal, rádio,
mídia e organização. Como repórter, trabalhou na revista Manchete, na rádio BBC,
em Londres, no Jornal do Brasil, como correspondente em Londres de Fórmula 1,
política, economia e comportamento, foi editora-chefe e diretora de multimídia do
jornal “O Dia” no Rio de Janeiro, diretora de projetos especiais da Editora Abril,
correspondente da Editora Abril em Paris, redatora-chefe e diretora da sucursal do
Rio de Janeiro da revista Época, da Editora Globo.
Foi presidente do Forum Mundial de Editores (WEF), da WAN
(Associação Mundial de Jornais), com base em Paris. Foi consultora de multimídia
para Ifra, organização baseada na Alemanha e especializada em tecnologia de
redações e no novo profissional de jornalismo. Apresenta formação mais voltada ao
jornalismo, mas atua escrevendo sobre “comportamento”, ou seja, sobre interação
humana. Assim revela no estilo de escrita “um olhar” de quem sabe selecionar
exemplificações de “comportamentos e discursos” que conseguem estabelecer
“alteridade” para os sujeitos participantes do discurso, estabelecendo pelas
escolhas, posicionamentos.
Sendo o corpus em análise um artigo de opinião, considerar questões
pertinentes a dialogização é fundamental, pois ela é acionada para estabelecer
sentidos, e, uma vez que esse texto é marcado pela argumentação, por persuasão,
tanto que os enunciadores deste tipo de texto são no meio jornalístico também
conhecidos como “articulistas”, relembramos que temos como um dos objetivos a
observação destes elementos, pois impactam a constituição dos sentidos.
Ao analisarmos elementos da ADD que possam contribuir para
desenvolvimento de leitura proficiente, e a decorrente constituição de sentidos,
percebemos que identificar marcas do dialogismo pode subsidiar leitura interativa,
pois as dominando, o leitor pode ser ativo na construção de sua compreensão. O
artigo constitui-se e é constituído de discursos e sua leitura profícua depende do
entendimento de sua linguagem verbal, considerando que é da materialidade
linguística que o enunciador (autor-criador) estabelece os sentidos por seus
discursos internos, sua memória discursiva, seus discursos éticos, políticos e morais.
Os artigos de opinião geralmente são escritos em primeira pessoa, pois
se trata de um texto com marcas pessoais e indícios de subjetividade, mas, no
corpus, em alguns trechos é possível observarmos a utilização da terceira pessoa,
estabelecendo fator de atração e identificação do leitor com as ideias expostas, pois
assemelha-se a um diálogo. Alteridade, marcas de posicionamentos axiológicos e
ato ético são marcas frequentes nos artigos de Ruth Aquino e Lya Luft, fato a ser
comprovados no decorrer das análises e considerado na escolha dos textos.
No caso dos artigos de opinião escritos por Lya Luft (Revista Veja), e
Ruth Aquino (Revista Época) vale destacar que os destinatários e superdestinatários
são adultos, já no mercado de trabalho, e que para interação social neste ambiente
precisam estar bem informados, o que pode ocorrer facilmente a partir da leitura dos
artigos, pois apresentam linguagem simples e tema de interesse humano. Há nos
artigos diversas vozes que se manifestam. Segundo Berti Santos (2012):
é a alternância dos sujeitos que emoldura o enunciado, o que permite a ele estar ligado a outros aos quais responde e pelos quais é respondido. A relação valorativa do enunciador com o objeto de seu discurso determina os recursos lexicais, gramaticais e composicionais do enunciado. Portanto, o estilo individual do enunciado é determinado pelo aspecto expressivo. As palavras, nas situações discursivas, são enunciações valorativas, uma vez que adquirem, em determinadas condições político-sociais valores específicos. (BERTI SANTOS, 2010, p.103)
Segue uma citação de Lya Luft que pode ampliar nossa percepção sobre
a manifestação discursiva:
Não existe isso de homem escrever com vigor e mulher escrever com fragilidade. Isso não existe. É um erro pensar assim. Eu sou uma mulher. Faço tudo de mulher, como mulher. Mas não sou uma mulher que necessita de ajuda de um homem. Não necessito de proteção de homem nenhum. Essas mulheres frageizinhas, que fazem esse gênero, querem mesmo é explorar seus maridos. Isso entra também na questão literária. Não existe isso de homens com escrita vigorosa, enquanto as mulheres se perdem na doçura. Eu quero escrever com o vigor de uma mulher. Não me interessa escrever como homem. (LUFT, 2010, p. 2, Projeto Releitura)
A citação, disponível no site Projeto Releitura de Arnaldo Nogueira Júnior,
acesso em 22 de janeiro de 2013, de Lya Luft, sobretudo quando apresenta antítese
50
entre o desprestígio do trabalho feminino em relação à valorização social do trabalho
do homem em pleno século XXI demonstra seu posicionamento quanto ao ato de
escrever, ou seja, de materializar ideias.
As Revistas Veja e Época são publicadas semanalmente. A Veja com
uma tiragem superior a um milhão de exemplares, a Época quatrocentos e vinte mil
exemplares semanais, de acordo com a ANER (Associação Nacional de Editores de
Revistas, acesso em 08 de maio de 2013). São as duas revistas de maior circulação
no Brasil, portanto ter um artigo publicado neste veículo possui significativa
repercução, sobretudo porque todas as seções são assinadas.
Na esfera jornalística, o artigo de opinião é considerado um texto em que
a voz do enunciador expõe seu posicionamento diante de algum tema atual e de
interesse de uma coletividade representando um discurso, um grupo social (um
sujeito social). Conforme já afirmamos, este tipo de texto apresenta marcas da
dissertação pela apresentação de argumentos sobre o assunto abordado, portanto,
cabe ao escritor além de expor ideias, sustentá-las através de informações
coerentes e admissíveis, fatos que serão observados nas análises.
Por conseguinte, o leitor (coautor do enunciado), coenunciador portanto,
ativando sua posição responsiva, pode recuperar seus discursos internos,
relacioná-los aos externos, e constituir o sentido do enunciado. Dessa interação
entre atos e sujeitos decorre o processo contínuo de criação de sentidos.
2.2 Análise do artigo: “Por que os homens nos matam” de Lya Luft
De acordo com Sobral (2009) a interação é constitutiva do processo
contínuo da criação de sentido passando por níveis, sendo o primeiro o do
intercâmbio verbal, o ambiente físico, os meios materiais de mediação da interação,
o contexto, as posições dos interlocutores. Em seguida, o nível do contexto social
imediato, e o nível mais amplo: o horizonte histórico que abrange a cultura geral e as
relações entre culturas.
O artigo, entendido como genro discursivo e dialógico é constituído por
uma forma composicional e uma arquitetônica. A forma composicional está ligada a
51
língua, as estruturas textuais, a materialidade. E a arquitetônica relaciona-se com o
projeto enunciativo da enunciadora.
O artigo de Luft, recupera um momento político social importante (uma
cronotopia), a mídia brasileira e internacional divulgava exaustivamente o
desaparecimento de Elisa Samúdio, uma jovem que, naquele período, suspeitava-se
ter sido morta, com traços de crueldade e horror, a mando do então goleiro do
Flamengo: Bruno. Dessa forma a violência doméstica, em especial, a violência
contra mulheres volta a ser discutida pela sociedade.
O título “Por que os homens nos matam” traz pela seleção lexical do
pronome “nos” a ideia de que o sujeito que se manifesta na enunciação esta
irmanado com a problemática, embora em seguida mencione “Nunca vi nem escutei
um homem batendo numa mulher.”, e nesse trecho utilizando o pronome em
primeira pessoa marca posicionamento do enunciador, e se afasta.
O distanciamento insere a manifestação de um aparelho ideológico
“elitizado” em relação à realidade social da maior parte da população brasileira, e
que embora transmita a ideia de não vivenciar no âmbito familiar esta problemática,
não fica indiferente a ela, dada a gravidade com a qual a sociedade lê o fato.
Podemos observar também que este posicionamento dialoga com o perfil dos
leitores da Revista Veja (classes socioeconômicas A e B), portanto há traços de um
sujeito social que se manifesta no discurso. Assim, a enunciadora por este
movimento de aproximação e afastamento evidencia sua alteridade, sua postura
axiológica: reconhece a existência da problemática, da necessidade de denúncia,
mas posiciona-se fora dela.
Vale mais uma vez informar que a análise investiga como pela
materialidade linguística do enunciado podemos constituir sentido, considerando
como pelo dialogismo, intertextualidade, interdiscursividade, pelo tom valorativo,
pela alteridade do sujeito, posicionamento axiológico, posicionamento ético o sentido
se estabelece. A análise das vozes que se manifestam são objetos de investigação
para proceder análises. Traço de indignação social, como voz de uma coletividade
pode ser analisado no excerto:
52
T.1 Não tenho a menor tolerância com a figura do pai e marido boçal, que usa o
stress no trabalho como desculpa para gritar ou distribuir bofetões em casa. Nunca
vi nem escutei um homem batendo numa mulher. Mas histórias a respeito, ah,
muitas pululavam em comentários dos adultos, e nas minhas fantasias de criança
com excesso de imaginação, que aumentava encantos e pavores.
No trecho: “Não tenho a menor tolerância com a figura do pai e marido
boçal, que usa o stress no trabalho como desculpa para gritar ou distribuir bofetões
em casa.”
Analisamos em “marido boçal” uma marca cronotópica, antiga, uma gíria
que critica, marca posição axiológica, e identifica pela adjetivação o tipo de homem
que age com violência. Boçal em contraponto com “figura do pai” que nesse
contexto produz um embate com o marido agressor. Na definição da agressão como
“bofetão” há uma carga valorativa maior, na qual o enunciador se coloca, se
posiciona axiologicamente.
Embora o trecho esteja em primeira pessoa “... nas minhas fantasias de
criança...” é possível estabelecer a demonstração de preocupação da sociedade
quanto à temática:” na manifestação do sujeito “Mas histórias a respeito, ah,
pupulavam em comentários dos adultos...”
No trecho: “Nunca vi nem escutei um homem batendo numa mulher Mas
histórias a respeito, ah, muitas pululavam em comentários dos adultos, e nas minhas
fantasias de criança com excesso de imaginação, que aumentava encantos e
pavores..”
De acordo com o dicionário Howais (2010), “Encantos”, s.m., significa:
coisa maravilhosa, ação de encantar por meio de supostas operações mágicas.”, e
pavores significam “s. m.” excesso de medo ou temor.”, analisamos então um
paradoxo, que marca traços psicológicos, posicionamento.
Embora, não conviva pessoalmente com a questão, o enunciador
demonstra sentir-se envolvido pela temática que culturalmente povoa o imaginário
dos brasileiros, devido a recorrência de notícias sobre este tipo de violência. A
53
menção ao excesso de imaginação relacionada às fantasias de criança confirma o
aspecto sociocultural.
T.2 Relatos como o do homem que regularmente se embebedava e batia na mulher,
os dois já de cabelos brancos. Os vizinhos incomodados às vezes reclamavam, mas
todos tinham medo dele e, afinal “a gente não quer se meter”. Os filhos adolescentes
do casal se refugiavam no fundo do pátio, os menorzinhos choravam. Até que um
dia um deles, crescido, se meteu entre os dois velhos, e disse: “Na minha mãe você
não bate mais. Ou eu te bato também”. Minha memória diz que o rapaz foi expulso
de casa e nunca mais o viram. A mãe recebeu disfarçados parabéns quando,
tempos depois, o velho cruel morreu, mas comentava-se que estava abalada.
Porque “mulheres são assim”. Será?
A adjetivação dos cabelos “brancos” permite analisarmos que a situação
se estabelece por longos períodos, as vezes a vida toda, e a relação entre violência
doméstica e a bebida também podem ser facilmente encontrada ma memória de
brasileiros das diversas camadas sociais.
Em: “Os filhos adolescentes do casal se refugiavam no fundo do pátio, os
menorzinhos choravam. Até que um dia um deles, crescido, se meteu entre os dois
velhos, e disse: “Na minha mãe você não bate mais. Ou eu te bato também”. Minha
memória diz que o rapaz foi expulso de casa e nunca mais o viram. A mãe recebeu
disfarçados parabéns quando, tempos depois, o velho cruel morreu, mas
comentava-se que estava abalada. Porque “mulheres são assim”. Será?”
Há várias vozes sociais presentes: “Na minha mãe você não bate mais”.
O pronome “minha” fortalece um posicionamento, demonstra envolvimento. Mas, em
“Minha memória diz que o rapaz foi expulso de casa e nunca mais o viram” há um
arrefecimento no posicionamento pelo desfecho frustrante, e a expressão “minha
memória” traz relatos de situações semelhantes no mundo da vida. A utilização do
pronome possessivo “minha” duas vezes seguidas referindo-se a duas diferentes
vozes estabelece um embate, e cabe ao leitor construir o sentido, traço nitidamente
dialógico.
54
Este trecho, sobretudo em “... a gente não quer se meter..” também traz
marcas de um posicionamento do sujeito social ligado ao tipo de leitor da revista de
veiculação do texto, que assim como mencionado no início do artigo nunca vivenciou
este tipo de violência, mas ouviu e “indignou-se.” Há um posicionamento axiológico
marcado.
No trecho supracitado, quem são “essa gente”? O enunciador se insere
ou a conveniência dele se insere simulando ato politicamente correto, ato ético, e se
afasta, pois desde a abertura do artigo de opinião posiciona-se do lado de fora da
questão, como observadora. A expressão “a gente” marca várias vozes sociais, mas
a autoria realmente se insere? Importante perceber isto para construção dos
sentidos e realizar leitura profícua.
Em:
A mãe recebeu disfarçados parabéns quando, tempos depois, o velho cruel morreu, mas comentava-se que estava abalada. Porque “mulheres são assim”. Será?”
A utilização da terminologia “mulheres” de forma generalizante provoca
novamente um distanciamento entre o “status” do sujeito que se constitui pela
materialidade do discurso, há alteridade diante da unidade discursiva manifestada e
as ocorrências de violência descritas.
A utilização de unidades discursivas como “... o velho cruel morreu...”, se
insere numa característica presente em artigos de opinião, a persuasão pelo uso da
adjetivação (“...velho cruel..”), nessa escolha linguística, a materialidade carrega
valores, juízos, o tom valorativo descrito por Bakhtin, e a partir dessa materialização
no discurso a alteridade do sujeito que enuncia se apresenta, se posiciona, o
adjetivo cruel marca o posicionamento, a contrariedade diante das ações descritas
como sendo dele, simboliza um tipo humano.
Quando é apresentado o questionamento: “Porque “mulheres são assim”.
Será?” Observamos um diálogo entre a alteridade da autora e a do leitor presumido,
em que fica evidenciada a recusa da autora em se inserir como protagonista da
violência contra as mulheres, posiciona-se como espectadora. Indignada, mas
apenas espectadora. Nesse fazer discursivo estabelece relações com o leitor
55
presumido e estabelece com ele uma atitude responsiva. A análise desta relação
pode permitir ao leitor construir os sentidos e dessa forma realizar leitura profícua.
Há uma aparente “cumplicidade” entre as ideias veiculadas pela autora
em seus enunciados, nos quais tenta estabelecer, pela atitude responsiva, um
diálogo de cumplicidade, ou seja, fazer com que o leitor responda às suas
ideologias, marcadas na materialidade do enunciado.
Quando o leitor analisa este posicionamento e o percebe, pode
instrumentalizar-se para ser agente no ato de ler, usa a análise dos posicionamentos
da autoria para estabelecer os sentidos do texto, e dessa forma avançar no domínio
da leitura e construção dos sentidos.
O uso do substantivo “mulheres”, ao mesmo tempo generaliza e adjetiva
“a mulher” que se sujeita a tal tratamento, generalização descrita por (AMOSSY,
2005). O uso desta unidade linguística desencadeia uma série de questionamentos
quanto à postura da mulher que aceita ser humilhada, e que é recorrente na
memória dos brasileiros devidos as frequentes descrições do fato pela mídia.
A pluralização do termo “mulheres” em “Porque “mulheres são assim”.
Será?” mais uma vez dialoga com o leitor, convida a construção dos sentidos, e
marca um estilo, um ato ético da autoria. A expressão ”Mulheres são assim” revela
também uma marca cronotópica, axiológica, dialógica. Retoma discursos históricos
das origens da humanidade, indelevelmente, pela presença genética, mantemos
essa característica, psicologicamente essa posição.
“Por que uma mulher aceita apanhar do parceiro ou ser humilhada por
ele, controlada, ironizada? Por que admite ser tratada com grosseria pelo filho
homem? O que deixou em nós, as remanescentes das cavernas, essa marca feia e
triste, essa deformidade que cola com a deformidade do ex-troglodita às vezes
assassino?” O trecho recupera e apresenta para reflexão, valores machistas, ainda
característicos da sociedade brasileira. Pelo ato ético convida à reflexão, a
construção dos sentidos.
56
T.3 Por que uma mulher aceita apanhar do parceiro ou ser humilhada por ele,
controlada, ironizada? Por que admite ser tratada com grosseria pelo filho homem?
O que deixou em nós, as remanescentes das cavernas, essa marca feia e triste,
essa deformidade que cola com a deformidade do ex-troglodita às vezes assassino?
É um dos mistérios humanos, nem todos engraçados ou curiosos, que talvez nunca
se expliquem.
Há novamente utilização do pronome nós: “O que deixou em nós, as
remanescentes das cavernas, essa marca feia e triste, essa deformidade que cola
com a deformidade do ex-troglodita às vezes assassino? O uso do pronome “nós”,
mais uma vez sugere cumplicidade entre mulheres (representadas pela alteridade)
que por circunstâncias sociais “assistem” a violência e àquelas que as vivenciam. O
sujeito revelado a partir da perspectiva de análise dialógica do discurso traz um
embate entre os sujeitos descritos nas exemplificações de violência contra a mulher
e àqueles que se indignam diante dos relatos, embora não as vivencie.
No trecho apresentam-se também traços de historicidade, como por
exemplo, em: “... remanescentes das cavernas...”, uma referência a milenar
manifestação da violência contra a mulher.
A voz do discurso manifesto quanto ao aspecto social projeta-se como
pertencente a uma classe social que combate e desperta reflexões quanto a questão
da violência contra a mulher, mas está “acima” desta mazela. No psicoafetivo
demonstra indignação tanto em relação às exemplificações descritas da violência
quanto a passividade das “mulheres” diante da agressão.
T.4 Não sei por que a brutalidade masculina e a submissão feminina fariam parte de
nossa estrutura psíquica ou de qualquer cultura. Mas não desconheço a ideia de que
o homem se cansa em trabalho sério, e a mulher se distrai em casa com as crianças
e as lides domésticas, às vezes, quem sabe, com um empreguinho “fora” - sem
direito a stress. A esta altura, matam-se no Brasil cerca de dez a doze mulheres por
dia. Não morte por assalto ou acidente de carro: assassinato na mão do parceiro.
Em certos lugares a explicação para os maus-tratos é simplória: “Os homens são
assim”, e pronto. Ou: “Mas ele não te deixa faltar nada” - significando trapos para se
cobrir, restos para comer temperados com lágrimas e solidão.
57
Em: “É um dos mistérios humanos, nem todos engraçados ou curiosos,
que talvez nunca se expliquem. Não sei por que a brutalidade masculina e a
submissão feminina fariam parte de nossa estrutura psíquica ou de qualquer
cultura.” A brutalidade descrita é de todas as culturas, ou é recorrente em algumas
apenas? O trecho mais uma vez encaminha para construção dos sentidos.
No trecho: “Mas não desconheço a ideia de que o homem se cansa em
trabalho sério, e a mulher se distrai em casa com as crianças e as lides domésticas,
às vezes, quem sabe, com um empreguinho “fora” - sem direito a stress” A voz que
se manifesta, materializa um discurso nitidamente machista, assim, de forma
dialógica, pelo embate “trabalho sério do homem”, “mulher se distrai em casa”
encaminha para análise. O uso do diminutivo “empreguinho” referindo-se às
atividades das mulheres também marca um posicionamento que fere a “ética”, e
propositalmente induz à reflexão, a reconstrução do ato ético.
A expressão “Matam-se” em “A essa altura, matam-se no Brasil cerca de
dez a doze mulheres por dia” revela impessoalização do sujeito, não mais o
troglodita, o assassino; mas o indefinido. Entretanto, essa aparente indefinição,
antes aumenta que diminui pelo dialogismo presente, o tom de denúncia.
A apresentação do “machismo” como denúncia retorna em “homens são
assim”, e pronto. Ou: “Mas ele não te deixa faltar nada”.
T.5 Para haver um opressor, dizemos, é preciso haver um oprimido. A mulher-vítima
é quem dá coragem ao truculento. O jogo sadomasoquista funciona quando há pelo
menos dois parceiros. Por que tantas vezes essa parceria mortal? A maioria dos
homens não é psicopata nem boçal. Não se alegra na dor da parceira, não precisa
lhe bater com palavras, atitudes ou punho fechado para se sentir mais homem. O
que leva uma jovenzinha aceitar, no começo ou no meio de uma relação, a
brutalidade masculina, numa frequência absurda? Cresceu em 90% nos últimos
tempos o número de mulheres que pedem socorro, no país inteiro, nas delegacias
da mulher ou grupos afins. Porém, esses locais são insuficientes ou mal equipados,
faltam funcionários, psicólogos, médicos, juízes, computadores. As famílias nem
sempre ajudam; amigos não querem interferir; a lei é vaga ou descumprida.
58
Analisamos argumento autorizado em “ O que leva uma jovenzinha
aceitar, no começo ou no meio de uma relação, a brutalidade masculina, numa
frequência absurda? Cresceu em 90% nos últimos tempos o número de mulheres
que pedem socorro, no país inteiro, nas delegacias da mulher ou grupos afins.
Porém, esses locais são insuficientes ou mal equipados, faltam funcionários,
psicólogos, médicos, juízes, computadores. As famílias nem sempre ajudam; amigos
não querem interferir; a lei é vaga ou descumprida.” A apresentação dos dados
aumenta a persuasão, mas, e o posicionamento axiológico? Qual o lugar da autoria
nesse contexto?
T.6 A sociedade omissa desvia o rosto. Enquanto os pedidos de ajuda se
multiplicam, as vítimas já tendo coragem de se queixar, querendo recuperar sua
dignidade ou salvar sua vida, a espera é tão longa e a punição tão branda que o
facínora realiza seu desejo animal: matar a indefesa. O pavoroso fim de mais uma
jovem por estes dias, que horroriza, comove e assusta o país inteiro e chega ao
exterior, destaca em nosso cotidiano de crueldade e medo o fato vergonhoso de
ainda sermos massacradas, humilhadas, muitas vezes mortas pelas mãos dos
nossos homens. E, se é assim, junto com tantos milhares de pessoas que querem
ver o fim disso, eu proponho: enquanto indivíduos, vamos ficar atentos, vamos
denunciar, ajudar, vamos agir. Enquanto sociedade, vamos prevenir, impor leis
severas, e socorrer as vítimas – tirando dos brutos e psicopatas seu reinado de
horror.
Em: “A sociedade omissa desvia o rosto.” A sociedade, apresentada por
um termo generalizante, desvia o rosto, e ela? Qual o ato ético, qual o
posicionamento axiológico?
A interdiscursividade é nítida quando menciona o pavoroso fim que mais
uma jovem brasileira teve, uma referência ao desaparecimento de Elisa Samúdio
que por ocasião da escrita deste artigo estava frequentemente na mídia.
No trecho: “Enquanto os pedidos de ajuda se multiplicam, as vítimas já
tendo coragem de se queixar, querendo recuperar sua dignidade ou salvar sua vida,
a espera é tão longa e a punição tão branda que o facínora realiza seu desejo
animal: matar a indefesa.“
59
Segundo o dicionário Howais (2010), vítima significa “s. f.” pessoa ou
animal ofendida por outro.”, e facínora significa “adj. s. m.” aquele que comete ato
perverso, criminoso, malfeitor, celerado.”
Analisamos por meio do par lexical “vítima e facínora” mais um embate
que revela pela relação dialógica marcas históricas da violência: o facínora realiza
seu desejo “animal”, a seleção das palavras marca o posicionamento axiológico, e
também, ato ético.
No período: “O pavoroso fim de mais uma jovem por estes dias, que
horroriza, comove e assusta o país inteiro e chega ao exterior, destaca em nosso
cotidiano de crueldade e medo o fato vergonhoso de ainda sermos massacradas,
humilhadas, muitas vezes mortas pelas mãos dos nossos homens.“
A gradação: horroriza, comove e assusta estabelece uma sequência de
sensações a partir da referência a Elisa Samúdio, que por ocasião da publicação
deste artigo de opinião estava presente em todas as mídias. Apresentar um dado
atual e real imprime no artigo de opinião um tom de denúncia.
A utilização do termo “pavoroso” que de acordo com o dicionário Howais
(2010) significa “adj. Aquele que apavora, medonho.” Marca a alteridade da autora
que se coloca axiologicamente, além de revelar também tom de denúncia ligada ao
ato ético. Quando define o fato como “vergonhoso” novamente se posiciona, e a
utilização do plural em “sermos massacradas, humilhadas, muitas vezes mortas
pelas mãos de nossos homens.” a inclui supostamente na problemática.
Entretanto, no decorrer de todo o texto, as questões são apresentadas
como se ela estivesse fora da questão, como observadora e àquela que denuncia,
vale lembrarmos que na abertura do artigo ela refere-se à lembranças e a “ouvir falar
de mulheres agredidas”, assim, vale analisar de que lugar ela realmente fala, afinal.
Mesmo diante destes posicionamentos marcados, no desfecho, a construção
sintática permite incluí-la.
Observemos especificamente o período: “ E, se é assim, junto com tantos
milhares de pessoas que querem ver o fim disso, eu proponho: enquanto indivíduos,
vamos ficar atentos, vamos denunciar, ajudar, vamos agir. Enquanto sociedade,
60
vamos prevenir, impor leis severas, e socorrer as vítimas – tirando dos brutos e
psicopatas seu reinado de horror.”
Em “com tantos milhares de pessoas que querem ver o fim disso” há um
novo afastamento, não é mais o “nós” que se manifesta, mas milhares de pessoas,
afinal, ela não estava inserida? Em seguida volta o “eu”. Em “eu proponho”, o “eu”
reaparece, agora como salvadora, com a solução. Embora surja o “eu”, a fala marca
instâncias sociais genéricas, e novamente observamos o afastamento no
posicionamento.
A conclusão do artigo conclamando “vamos denunciar, ajudar, vamos
agir” encaminha para efetiva participação dela, mas em seguida volta a utilização de
termo generalizante.
Em “Enquanto sociedade, vamos prevenir, impor leis severas e socorrer
as vítimas”, analisamos, mais uma vez, o posicionamento de distanciamento da
problemática. A alteridade fica marcada, o posicionamento axiológico presente na
utilização dos termos “tirando dos brutos e psicopatas seu reinado de horror.”
Constatamos que os posicionamentos oscilam no decorrer do artigo de
opinião, mas a finalização conclamando participação pode despertar no leitor
impressão de envolvimento e participação, estratégia persuasiva que merece e
justifica análise do processo de construção dos sentidos. Há utilização de aspas em
alguns trechos marcando a inserção de outras vozes, transferência responsiva.
2.3 Análise do artigo: “Marina Morena, você se pintou” de Ruth Aquino
O artigo de opinião “Marina morena, você se pintou” de Ruth Aquino,
publicado em 22 de agosto de 2009 pela Revista Época apresenta-se como um “pré-
texto”, pois a partir da comparação entre a “Marina” da música de Caymmi, e
“Marina Silva”, ex-ministra do meio ambiente, foi possível construir no texto todo um
posicionamento político-social-ideológico em relação à situação do Brasil, no
momento da enunciação: agosto de 2009, um ano antes da eleição presidencial que
acontecera em 2010.
61
O jogo sonoro apresentado no trecho inicial do artigo de opinião
apresenta um embate entre a imagem da Marina descrita na música de Caymmi, a
Marina Morena que se pinta, mas é bonita sem se pintar, e Marina Silva que não se
pinta porque é alérgica a maioria dos produtos utilizados em maquiagem. Há nas
descrições apresentadas pelo enunciador articulações que encaminham para
construção da identidade da ex-ministra. Historicamente a menção a ela não utilizar
maquiagem remete ao interdiscurso “cara limpa”, uma alusão a descrita ética
apresentada na introdução do artigo.
Entretanto, há uma reportagem de 09 de junho de 2010, disponibilizada
em www.beleza.terra.com.br assinada por Cecília Paterno, acessada 27 de
maio/2013, produzida no momento em que Marina Silva já era pré-candidata à
presidência da república e que revela que ela tem cuidados especiais com a pele e
não abusa de qualquer tipo de cosmético porque criada em meio a floresta, na
localidade de Seringal Bagaço, no estado do Acre, sobreviveu a cinco malárias, três
hepatites e a uma leishmaniose. E exatamente para tratar dessa última doença,
recebeu 45 injeções de um remédio à base de antimônio, que resultou em sequelas
nos rins, pâncreas, visão e alergia generalizada. A jornalista Cecília Paterno
reproduz o discurso da ex-ministra: "Eu sou muito alérgica, muito mesmo. O fato de
usar pouca maquiagem é em função desta alergia. É raro encontrar um produto que
não me dê alguma reação”.
A reportagem foi disponibilizada, quase um ano depois da publicação do
artigo, mesmo assim, fica na escolha do enunciador do artigo de opinião um
posicionamento que na macroestrutura do texto alia as descrições da introdução“
Marina, você faça tudo, mas faça o favor. Não mude o discurso da ética, que é só
seu. Marina, você já é respeitada com o que Deus lhe deu. (...) Mas o eleitor não
poderia arranjar outra igual (...)” ao interdiscurso “de cara limpa” na referência de
“não utiliza maquiagem” um pressuposto ligado à ética. A atitude responsiva
decorre da marca dialógica.
O dialogismo constitutivo pode ser analisado pela reapresentação de
Marina Silva pela descrição detalhada em artigo de opinião publicado em revista de
circulação nacional um ano antes do lançamento oficial dos candidatos às eleições
presidenciais. Apresenta-se também uma marca do artigo de opinião, no qual o
os sujeitos não possuem, neles mesmo, o conhecimento do que é veiculado pelo ato da enunciação, mas é na interação desses sujeitos, efeito, é por meio do diálogo que se confirma a unicidade do “eu”. Segundo o lingüista, o “eu” se liberta do peso do seu “eu” único, fazendo-se um “outro” para os outros, escondendo-se, dessa forma, no outro. Em outras palavras, um sujeito não pode ser considerado isoladamente, ele constrói-se sempre no processo da sua inter-relação com outros. (BRAIT; SINERGIA, 2010, p.230)
Considerando a dialogicidade que constrói o conhecimento e estabelece o
sujeito enunciador a partir da inter-relação com “outros”, verificamos que a
expressão “As baratas todas voaram” marca pelo interdiscurso essa interação.
Referir-se as atitudes dos políticos brasileiros num momento de crise (escândalo de
Sarney 2009), comparando-os às baratas, demonstra que o enunciador busca nos
fatos sociais elementos que sustem sua articulação de ideias. Marca o lugar social
de onde enuncia, sua cronotopia, e seu posicionamento axiológico: políticos são
como baratas, que voam, procuram salvar-se e abandonam os “companheiros”.
A enunciação introduz mais uma voz: “Quem tem amigos como o
deputado federal Ciro Gomes não precisa de inimigos.” A escolha lexical marca
utilização de ato ético (posicionamento) recorrendo mais uma vez a um interdiscurso
com os ditos populares “Quem tem amigos não morre pagão” e “o falso amigo é o
pior inimigo”.
Quando o enunciador atribui a Ciro Gomes as frases: “Marina implode a
candidatura de Dilma” e referindo-se a Dilma, “uma “persona” política em formação
que foi obrigada a defender Sarney” dialoga com o coenunciador estabelecendo sua
alteridade pela transferência responsiva, pois as ideias são aparentemente de Ciro
Gomes. Importante analisarmos que por meio das escolhas lexicais, o enunciador
pode criar determinados efeitos de sentido.
A utilização da lexia “implode” referindo-se as possíveis candidaturas
Marina X Dilma, coloca Marina como protagonista e como força, enquanto Dilma
aparece como coadjuvante, aquele “poste” descrito anteriormente. Quanto a
utilização da expressão “persona” política em formação” para referir-se a Dilma, mais
uma vez o enunciador a “desqualifica” pela materialidade linguística acionada, pois o
artigo descreve vários feitos de Marina Silva, e Dilma é descrita com ainda em
“formação”, ou seja, o posicionamento axiológico apresenta-a como alguém sem
experiência política em embate com a experiência de Marina.
73
Sugerir que Dilma foi obrigada a defender Sarney também a fragiliza, pois
a lexia “obrigada” remete a alguém que se sujeita, um ser que atende ordens mesmo
que absurdas, visão que marca uma cronotopia, um lugar social a partir do qual o
enunciador se posiciona por meio das ideias materializadas.
T.11 Dilma pediu a Marina que ficasse. “Estou triste. Preferia que ela continuasse no
PT porque é uma grande lutadora.” Vocês acreditam? A ministra já esqueceu as rixas
com a ambientalista que botava areia nas hidrelétricas? Depois, Dilma mudou o tom:
“Eu sempre acho que quanto mais mulher melhor”. É mesmo?
A utilização de uma ironia na expressão “É mesmo?” dialoga com o
coenunciador porque ironias encaminham para pensarmos no oposto, no ”não-dito”,
ou seja, constituímos sentido a partir da percepção de que a suposta cordialidade de
Dilma com Marina pudesse ser eleitoreira.
Analisamos que a unidade discursiva trazendo a voz de Dilma marca o
estilo adotado no artigo: “dizer” o que se pretende por meio de transferências
responsivas, pela introdução de várias vozes que se manifestam, mas é fundamental
analisarmos que se manifestam a partir da ação do enunciador que representa um
posicionamento social.
T.12 Dilma é vista como “a mulher do Lula” – a massa ainda não
conseguiu decorar seu nome. Lula ergueu a mão da mãe do PAC nos palanques
país afora e disse que o Brasil está preparado para “uma mulher na Presidência.”
A alteridade do enunciador é marcada pela utilização recorrente de
interdiscursos. Estabelecer relação entre a imagem de Dilma e a expressão popular
“é mulher de fulano” colocando a figura feminina “atrás do homem”, em segundo
plano, dialoga pela intertextualidade com “por traz de um grande homem há sempre
uma grande mulher”. O uso de aspas torna a marca dialógica evidente, e partir da
análise o coenunciador pode estabelecer sentidos.
A cronotopia que se revela na alteridade do enunciador estabelecendo
sentidos fica nítida numa construção valorativa quando expressa: “a massa ainda
não decorou seu nome”. Referir-se ao povo como “massa” revela um olhar “de cima
74
para baixo” é a voz de uma elite se materializando e se expressando na voz do
enunciador.
T.13 Lula só não esperava que uma sombra austera de saias emergisse da
floresta. Com seu fundamentalismo, a fé, as convicções, a integridade, a coerência
em 30 anos de PT. Sem dedo em riste. É muita ironia. E na mesma semana em que
Lula dá uma rádio para o filho de Renan Calheiros, outro senador que “obra e anda”
para a opinião pública.
O artigo apresenta traço de estilo relacionado a construção de imagens e
dessa forma estabelece conexão constante com o coenunciador, pois para
estabelecer sentido, este deve construir as imagens.
Ao apresentar a imagem “uma sombra austera de saias emergisse da
floresta” estabelece uma metáfora, o enunciador relaciona jornalismo e marcas de
textos que permitem tocar, ainda que levemente na conotação.
A expressão “sombra austera” marca uma axiologia que remete a
seriedade, austeridade neste contexto, não é termo pejorativo, pois está ligada a
força, em embate a “nulidade” da imagem de Dilma naquele momento de produção.
De saia estabelece uma ligação de imagem entre duas mulheres: Marina e Dilma, e
convida, pela marca dialógica, o coenunciador para estabelecer sentidos.
O termo “Da floresta” reforça na memória do coenunciador as descrições
apresentadas na abertura do artigo pelas quais a alteridade de Marina é construída
em embate a de Dilma. A retomada da lexia que recupera a origem da ex-ministra
do meio ambiente revela mais um traço de estilo: a apresentação de ideias
apresentadas e retomadas para reforçá-las, fixá-las na memória do coenunciador.
Há um posicionamento axiológico que marca uma crítica severa ao PT
materializada na expressão: “trinta anos de PT sem dedo em riste. É muita ironia.” O
PT que nascera como Partido dos Trabalhadores, agora aparece identificado como
“aquele no qual há dedos em riste”, e Marina Silva como aquela que destoa deste
procedimento, ou seja, a alteridade dela é construída como aquela que embora
tenha ficado trinta anos no partido, não se “modificou”, não se desfez de seus
75
princípios. Observa-se no trecho marca histórica e crítica social que merece ser
analisada para constituir sentido.
A ironia marca um traço de estilo mais uma vez, pois estabelece
comparação entre a postura de Marina, que saiu do partido por “convicções e
integridade”, lexias pelas quais o enunciador se posiciona ao referir-se a ela desta
maneira, e a oposição ao comportamento de Lula que é ou era reconhecido
socialmente como “a face do PT”.
Ao mencionar que Lula doou uma emissora de rádio (numa analogia ao
poder da mídia, dos meios de comunicação de massa) ao filho de Renan Calheiros,
que na época de produção do artigo (2009) também estava envolvido em escândalo
por envolvimento em esquema de corrupção, a alteridade do enunciador se
manifesta, pois alia informação jornalística ao posicionamento de “articulista”, traço
típico na produção de artigos de opinião, dessa forma por meio da conexão entre
informações estabelece tom de “verdade’ às ideias materializadas, e por este
recurso dialoga com o coenunciador que tem mais elementos para constituir
sentidos.
Concluir o trecho com a expressão “outro senador que “obra e anda” para
a opinião pública.” Retoma a utilização de tom valorativo que representa o social, um
lugar de onde se posiciona. Permitir-se entre aspas, utilizar a expressão popular
“obra e anda” (interdiscursiva) funciona como um desabafo que todo o povo gostaria
de fazer, por esta voz, ou seja, por meio da voz do enunciador os coenunciadores
podem desabafar também. Há por esta estratégia uma aproximação entre
enunciador e coenunciadores na constituição dos sentidos, tendo como norteadores
a conexão entre fatos do momento de produção e a seleção do articulista, ele
escolhe as informações que conectadas possam estabelecer o efeito de sentido
desejado.
T.14 O maior trunfo de Marina não é ser mulher nem petista de raiz ou defensora do
verde. Ninguém supõe hoje que ela possa ser eleita presidente sozinha, contra as
duas máquinas. Mas sua biografia e as frases recheadas de atitude – “perco o
pescoço, mas não o juízo” – entusiasmam os desiludidos.”
76
No fechamento do artigo as unidades discursivas se aproximam mais do
explícito, o diálogo com o coenunciador fica mais evidente. A escolha lexical “maior
trunfo” remete a existência de adjetivos positivos na alteridade constituída para
Marina em abundância até para hierarquializá-los, a expressão reconecta-se as
diversas marcas da alteridade da ex-ministra acionadas no decorrer do artigo e
dessa forma as mantém em ênfase na memória do coenunciador.
Na construção de uma aparente negação (dialógica) “O maior trunfo não
é ser mulher nem petista de raiz ou defensora do verde.” Apresentam-se diferenciais
que marcam alteridade: ser mulher num cenário que historicamente só elegera
homens até então, ter “raiz” num partido político que nascera identificando-se como
“dos trabalhadores”, e “defensora do verde” num momento histórico em que se
proliferam movimentos em defesa do meio ambiente, estabelecem “imagem”
positivamente ligada a ações “pioneirismo”, alteridade que dialoga como o
coenunciador referendando tudo que foi apresentado pelo enunciador.
A relação entre “perco o pescoço, mas não o juízo” quebra uma
sequência de utilizações de verbo em terceira pessoa, marca de estilo. A utilização
do discurso em primeira pessoa na finalização do artigo estabelece marca de
alteridade, linguisticamente validada, pois decorre da “voz” da própria ex-ministra
pela transferência responsiva.
Há na conclusão do parágrafo um posicionamento axiológico que remete
a crítica social que permeia o artigo, porque diante da “voz” de Marina ao dizer que
não perde o juízo, insere-se “entusiasmam os desiludidos” historicamente e
considerando as ideias materializadas no artigo de opinião “os desiludidos” referem-
se ao povo, no artigo também denominado “massa”.
Neste contexto o coenunciador pode constituir sentido identificando a ex-
ministra como “aquela que pode atender e representar a classe social dos
desiludidos”, a lexia “desiludidos” remete aos trabalhadores, assim, acionando ideias
do artigo fica na memória do coenunciador que mesmo fora do PT Marina é quem
realmente os representa.
77
T.15 Marina Silva obriga tanto Dilma quanto o tucano José Serra a se perguntar:
como combater quem fala, baixo mas firme, a sua própria verdade?
O fechamento do artigo reforça a marca de alteridade da ex-ministra
estabelecida no decorrer do texto: Marina é o diferencial positivo num cenário
político historicamente reconhecido pelos desmandos, pelos conchavos e pela
corrupção conforme analisado na progressão da apresentação dos argumentos no
artigo, fato que se apoia na seleção lexical “Marina Silva obriga tanto Dilma quanto
José Serra a se perguntar (...)”, o verbo “obriga” remete a não ter escolha, a ter que
aceitar o fato e “curvar-se”, e a utilização da terceira pessoa mais uma vez
estabelece a ideia de que a ex-ministra é “símbolo” de uma nova opção. Há um
posicionamento axiológico que se conecta com todas as demais marcas de
alteridade construídas para a ex-ministra.
Apresentar Dilma e José Serra estabelece com o coenunciador mais um
diálogo, pois ambos representam os dois maiores partidos políticos do Brasil, assim
formam um contraste com Marina Silva descrita pelas lexias “como combater quem
fala baixo, baixo mais firme, a sua própria verdade (...)”. A afirmação descreve a ex-
ministra em terceira pessoa, portanto apresenta a voz do enunciador, seu
posicionamento axiológico, assume ser a voz que materializa ideias do grupo social
que representa.
“Falar baixo mais firme” fixa alteridade de quem tem conteúdo, de quem
tem o que dizer, entretanto não precisa utilizar autoridade de forma arbitrária.
Observa interdiscurso com a ideia advinda do senso comum, ou seja, dos dizeres
populares, de que gritam aqueles que querem fazer prevalecer a sua vontade.
Mencionar que Marina “fala a sua própria verdade” marca definitivamente
o posicionamento axiológico do enunciador, e conclui o desenvolvimento da
alteridade da ex-ministra permitindo ao coenunciador estabelecer sentido pela
análise da seleção lexical “Marina ligada a sua própria verdade”, ela não precisa
lutar por supostas verdades ou ainda verdades alheias.
78
3 PARALELO ENTRE A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO
ENUNCIADOR, USO DAS VOZES E EFEITOS DE SENTIDO NOS
ARTIGOS DE OPINIÃO DE LYA LUFT E RUTH AQUINO
Analisar como os aspectos dialógicos participam da constituição de
sentido nos artigos de opinião “Por que os homens nos matam” de Lya Luft, e:
“Marina Morena, você se pintou” de Ruth Aquino permite concluir que um método
para análise dialógica do discurso vai além da situação material de produção na qual
os enunciadores concretos são proferidos, buscando na história, na cultura, na vida
e no conhecimento compartilhado dos participantes, e dos contextos sociais nos
quais estão inseridos, suas construções identitárias que, por serem atribuições
situadas sócio-historicamente, são sempre, segundo Orlandi (2001) “relações de
sujeitos e de sentidos, e seus efeitos são múltiplos e variados, isto é, são entendidos
como heterogêneos, contraditórios, e em fluxo, constituintes das práticas discursivas
nas quais atuamos” (ORLANDI, 2001, p.21).
Os enunciadores concretos posicionam-se axiologicamente na articulação
dos artigos e pelas escolhas lexicais materializam as ideias e estabelecem a
alteridade das vozes que se manifestam, por ela também acionam transferência
responsiva, pois a responsabilidade do dizer é transmitida a elas pela alternância
dos discursos e dos pronomes acionados.
Neste capítulo objetivamos traçar um paralelo entre os dois textos,
evidenciando a constituição do sujeito enunciador, o uso das vozes que se fazem
presentes e possíveis efeitos de sentido que estes aspectos promovem nos artigos.
A constituição do sujeito enunciador no artigo “Por que os homens nos
matam” de Lya Luft decorre das análises das ideias materializadas a partir da
escolha lexical realizada pela enunciadora. Há uma cronotopia, ou seja, um lugar
social a partir do qual os enunciados se desenvolvem e evidenciam
posicionamentos. No caso deste artigo a cronotopia representa a voz de uma elite
que já ouviu falar sobre a questão da violência doméstica contra a mulher, tema do
artigo, entretanto se posiciona acima da questão.
79
O texto é desenvolvido a partir da alternância entre a utilização de
discurso em primeira pessoa do singular (eu) que se manifesta representando pelo
posicionamento axiológico, a voz de um grupo social elitizado. Pela alteridade da
enunciadora são desenvolvidos os posicionamentos ideológicos buscando na
história, na vida e na cultura valores a serem materializados linguisticamente para
reflexão.
O artigo utiliza-se também de discurso em primeira pessoa do plural (nós)
estabelecendo por este recurso nítido diálogo com o coenunciador, dessa forma
partilha com ele a responsabilidade do dizer. Há no desenvolvimento do artigo a
presença de diversas vozes sociais que se manifestam revelando que é possível,
pela transferência responsiva, estabelecer posicionamentos. Dessa forma a
enunciadora constitui aliados na responsabilidade do dizer.
O texto apresenta várias vozes que vão dando sustentabilidade aos
argumentos da enunciadora, daí a questão do dialogismo. Esse “revozear” é
utilizado como forma de persuadir o leitor, coenunciador, é estratégia para fazer com
que ele se aproxime da realidade discursiva e passe a refletir sobre a realidade
social – característica do gênero da esfera jornalística, artigo de opinião. Há,
portanto, conforme Bakhtin (2004, p.74) um caráter heteroglóssico e dialógico (no
artigo), uma vez que os enunciados sempre pressupõem uma atitude responsiva
do(s) outro(s) a quem se dirigem.
Há marcas históricas acionadas no trecho, como por exemplo: “O que
deixou em nós, as remanescentes das cavernas, essa arca feia e triste, essa
deformidade que cola com a deformidade do ex-troglodita às vezes assassino?”
analisamos neste trecho uma referência a milenar existência da violência contra a
mulher, a seleção da exemplificação também marca qual a alteridade da
enunciadora”, ela utiliza-se do pronome “nós” aparentemente se incluindo na
questão, entretanto em outros trechos observa a problemática de fora, como
expectadora que não fica indiferente, mas posiciona-se fora, como a voz que
representa a elite que se indigna, mas não se insere.
O sujeito que enuncia, constitui-se a partir de uma situação social e
história concreta, pensar alteridade implica analisar a presença constitutiva de vozes
80
que se manifestam como princípio norteador da arquitetura discursiva. Há denúncia,
há crítica social contundente no artigo, mas decorrem da relação entre o dizer em
primeira pessoa do singular e o dizer por meio de diversas vozes sociais, ou seja,
pela alteridade e pela transferência responsiva. A constituição de sentido decorre da
análise do coenunciador de todos estes aspectos dialógicos.
A constituição do sujeito enunciador no artigo “Marina Morena, você se
pintou” de Ruth Aquino também decorre da análise das escolhas lexicais realizadas
pela enunciadora, que pela escolha já se posiciona axiologicamente. Também há
uma cronotopia marcada, ou seja, um lugar social a partir do qual os enunciados se
desenvolvem e evidenciam posicionamentos. Esta cronotopia está ligada ao
momento da enunciação que se insere no período anterior a definição dos
candidatos à presidência da república, o artigo data de 2009, e retrata o cenário que
precede a corrida presidencial de 2010.
No caso deste artigo a cronotopia representa a voz de um grupo de elite
intelectual que não se acomoda ou se conforma com os desmandos políticos do
período como escândalos de corrupção abafados e trocas de favores descritos no
artigo, apresentando dessa forma marcas da esfera jornalística, entretanto
apresentadas com tom opinativo. A enunciadora assume ao posicionamento
ideológico e se manifesta em relação a uma situação social histórica e concreta.
Trabalhar a questão da alteridade requer a presença de vozes como
norteadoras do discurso, assim, na arquitetura do artigo observam-se diversas vozes
sociais acionadas para estabelecer alteridade e transferências responsivas.
No artigo de Ruth Aquino a questão do dialogismo vai além da música
“Marina Morena” de Caymmi, esta funcionou como pré-texto para constituição de um
posicionamento político-social-ídeológico em relação à situação do Brasil no
momento da enunciação, agosto de 2009, período que precede a corrida
presidencial de 2010. A intertextualidade permitiu estabelecer conexões entre as
“Marinas” (Marina Silva que não usa maquiagem por ser alérgica e a Marina Morena
que se pintou) e a partir deste pré-texto realizar apreciações valorativas com base
em critérios éticos e políticos, sobretudo.
81
Para introduzir as apreciações valorativas, a enunciadora desenvolve o
artigo em terceira pessoa, raras vezes há discurso direto, predomina o indireto. A
escolha revela implicações ideológicas, ou seja, o tom do discurso se estabelece a
partir de supostas ideias que se apresentam “sobre” Marina Silva e não “por” ela,
marca recorrente na esfera jornalística e que permite relacionar as vozes a ideia de
depoimento, de verdade.
A construção do sentido decorre das análises de diversas vozes que se
manifestam, assim, adota-se a transferência responsiva como norteador da
progressão argumentativa do texto. Vale lembrarmos que as vozes que se
manifestam são selecionadas, organizadas sequencialmente e acionadas pela
enunciadora de forma que há posicionamento axiológico, e articulação para
despertar determinadas percepções no coenunciador.
Os sujeitos se caracterizam a partir da heteroglossia, da alternância de
vozes que se manifestam, mas que representam a escolha da enunciadora.
Importante percebermos que a maneira como nos posicionamos discursivamente
contribuem para reconstruir o sujeito no mundo social, constroem identidades, como
a de Marina Silva, no artigo, apresentada por diversas vozes sociais, mas sempre
com lexias de referencial positivo, marca de posicionamento axiológico da
enunciadora.
A utilização de discurso em terceira pessoa valida a construção da
alteridade da ex-ministra, e a apresentação desta em comparação com a imagem
estabelecida discursivamente para Dilma Rousseff persuadem o coenunciador a
identificar Marina como possível candidata à presidência do Brasil em 2010,
identificada como “melhor preparada” num embate com Dilma.
Há no desenvolvimento da argumentação do artigo de Aquino, diversos
aspectos de crítica social, sobretudo em relação ao cenário político brasileiro,
conforme exemplos mencionados anteriormente neste capítulo, e que tiveram
espaço para se apresentar a partir do norteador do texto que fora o desenvolvimento
da alteridade da ex-ministra do meio ambiente.
82
É fundamental analisarmos que ambos os artigos marcam
posicionamentos axiológicos das enunciadoras, desenvolvem alteridade das vozes
que se manifestam, estabelecem com elas transferências responsivas e utilizam
interdiscursos e intertextos para introduzir enunciados. Assim, pelo uso das marcas
dialógicas permitem ao coenunciador constituir sentidos.
83
CONCLUSÃO
No percurso do trabalho, em um primeiro momento, procuramos identificar
conceitos da ADD que fundamentam as análises. No segundo capítulo, procedemos
as análises dos artigos de opinião, o terceiro capítulo estabeleceu paralelo entre os
dois artigos analisando a constituição do sujeito da enunciação, ao uso das vozes e
os efeitos de sentido.
Concluímos que a presente análise identificou e demonstrou que é
possível constituir sentidos a partir da observação de aspectos dialógicos. As
escolhas lexicais permitiram analisar como a alteridade dos sujeitos se desenvolve e
identificar posicionamento axiológico do enunciador. As marcas intertextuais e
interdiscursivas revelam aspectos sócio-históricos presentes na constituição de
sentidos e marcam o dialogismo.
O dispositivo teórico-analítico foi construído com base nos conceitos
bakhtinianos de dialogismo da ADD (análise dialógica discursiva), e o procedimento
de análise adotado fundamentou-se na verificação dos efeitos de sentido
decorrentes da utilização de aspectos dialógicos, em especial, os interdiscursivos,
intertextuais, a alteridade, a responsividade, o ato ético, a posição axiológica, o tom
valorativo pela escolha lexical realizada nos artigos de opinião.
Consideramos que o dispositivo teórico da corrente bakhtiniana respaldou
suficientemente as análises, e pela identificação e observação das escolhas lexicais
estabelecemos sentidos conforme hipótese levantada. Assim consideramos que o
coenunciador pela análise dos aspectos dialógicos pode realizar leitura proficiente.
Visamos também estabelecer, pelas análises, como ocorre a constituição
de sentido dos enunciados pelo leitor ativo, passando portanto a ser coenunciador.
Para desenvolver esta proposta, utilizamos como suporte teórico para ADD (análise
dialógica do discurso), pesquisadores contemporâneos considerados referências
nos estudos bakhtinianos como Beth Brait, Adail Sobral, Ruth Amossy, Fiorin, Sonia
Berti Santos, julgamos o suporte suficiente pois nos permitiu identificar todas os
aspectos dialógicos necessários à constituição de sentido.
84
Buscamos, pela ADD, estabelecer as relações dialógicas imbricadas na
leitura do gênero “artigo de opinião” da esfera jornalística, a fim de instrumentalizar o
leitor para realizar uma leitura mais crítica do enunciado argumentativo do artigo,
reconhecido por suas fortes marcas persuasivas, acreditamos por este procedimento
propiciar-lhe o desenvolvimento de subsídios para entendimento dos sentidos que o
compõem e, atuando portanto como coenunciador.
O artigo “Por que os homens nos matam” de Lya Luft alterna uso de
primeira pessoa do singular, marcando a alteridade do sujeito enunciador e seu
posicionamento axiológico, e uso de primeira pessoa do plural dialogando com o
coenunciador, aproximando-o da constituição de sentido. Há na voz da enunciadora
apresentação de uma voz coletiva, a voz social, a voz daqueles que sofrem a
violência doméstica descrita no artigo, ou a voz daqueles que estão preocupados
com ela.
O texto apresenta “várias vozes” que dão sustentabilidade aos
argumentos da enunciadora, há transferência responsiva, decorre daí o dialogismo.
Esse revozear permite que as ideias materializadas no artigo persuadam o leitor,
pois o aproximam da realidade discursiva, e passe a refletir sobre a realidade social,
característica do gênero artigo de opinião.
O artigo “Marina Morena, você se pintou” de Ruth Aquino estabelece
relação pré-textual com a música de Caymmi “Marina”, e a partir disto é construído
um posicionamento político-social-ideológico em relação à situação do Brasil, agosto
de 2009, momento da enunciação, período próximo à eleição presidencial de 2010.
A análise do artigo permitiu identificar que em face da atitude responsiva
ativa do outro perante o enunciador, o enunciado pressupõe sempre, segundo
Bakhtin, uma apreciação valorativa. E, que a identificação desta atitude permite ao
leitor, coenunciador, estabelecer sentido.
A utilização da terceira pessoa do singular na construção do artigo
desenvolve a alteridade de Marina, tema norteador do artigo, bem como das demais
vozes que se manifestam. Há, portanto implicações ideológicas na escolha, pois o
artigo desenvolve-se “sobre Marina” e não “por Marina”, as ideias materializadas
85
passa a supostamente ser de responsabilidade das vozes da enunciadora (social) e
daqueles que esta acionou e atribuiu “discursos diretos” como forma de transferis
responsividade.Perceber estas escolhas e constituir sentidos permite ao leitor ser
proficiente, e cremos que o trabalho possibilita esta percepção.
Estamos cientes que as categorias de análise propostas neste trabalho
não esgotam todas as possibilidades, uma vez que entendemos que outras
categorias poderiam ser estabelecidas e dessa forma ampliar procedimentos para
constituição de sentido pela análise de outros elementos discursivo-dialógicos.
Reconhecemos, ainda, que o levantamento das teorias e concepções
sobre aspectos dialógicos é passível de ampliação. Acreditamos, porém, que tanto
as teorias quanto as categorias de análise aqui expostas podem servir de base para
estudos futuros que envolvam a constituição de sentidos.
86
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