As telenovelas brasileiras em Portugal Isabel Ferin Cunha Universidade de Coimbra Índice 1 Introdução ............. 1 2 No Princípio era a Gabriela .... 4 2.1 O Ano de 1977 ......... 5 2.2 A década de 80 ......... 8 3 As Guerras de Audiência, Parte I (1993-1998) ............ 10 4 As Guerra de Audiência, Parte II (1999-2002) ............ 13 5 Conclusão ............. 17 6 Bibliografia ............ 20 Resumo: Neste artigo, procura-se contri- buir para a compreensão dos processos que levam a telenovela novela brasileira a consti- tuir, desde 1977, um produto de sucesso in- discutível em Portugal. Com base em da- dos estatísticos, compilados por organismos oficias portugueses, faz-se uma breve apre- sentação do actual panorama mediático por- tuguês no que toca aos canais generalistas. Apresenta-se, em seguida, algumas questões teóricas referentes à segmentação do mer- cado português quanto a consumos de produ- tos culturais e de conteúdos. Com base nes- tes dados, procede-se então a um estudo ex- ploratório, cruzando-os com indicadores ob- tidos por levantamentos na imprensa (de re- ferência e de “coração”) e com os resulta- dos dos primeiros estudos de recepção re- alizados desde 1999, na região de Lisboa. Chega-se à conclusão de que existem indi- cadores claros sobre os factores de aceita- ção das telenovelas brasileiras, bem como elementos que apontam para mudanças de comportamento das audiências frente a este produto. Numa perspectiva interpretativa exploratória, considera-se que na base des- tas mudanças se encontram factores sócio- económicos recentes, nomeadamente o cres- cimento sustentado das classes médias e mé- dias baixas, desde o início da década de 90, bem como factores inerentes à economia dos Media, tais como a expansão da TV a Cabo e a “guerra das audiências”, entre os 4 ca- nais generalistas, que levaram à diversifica- ção de estratégias de programação e ao in- vestimento em novos produtos televisivos. 1 Introdução Na nossa perspectiva, não é possível com- preender os Media sem ter em conta os con- textos políticos, económicos, sociais e cultu- rais em que se inserem. Os Media são, en- quanto instituições sociais, simultaneamente um sistema gerador de lógicas próprias e um dos elementos, dos mais determinantes, de contaminação de outros sistemas presentes na Sociedade. O estudo dos Media, nesta
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As telenovelas brasileiras em Portugal
Isabel Ferin CunhaUniversidade de Coimbra
Índice
1 Introdução. . . . . . . . . . . . . 12 No Princípio era a Gabriela. . . . 42.1 O Ano de 1977 . . . . . . . . . 52.2 A década de 80. . . . . . . . . 83 As Guerras de Audiência, Parte I
(1993-1998). . . . . . . . . . . . 104 As Guerra de Audiência, Parte II
Resumo: Neste artigo, procura-se contri-buir para a compreensão dos processos quelevam a telenovela novela brasileira a consti-tuir, desde 1977, um produto de sucesso in-discutível em Portugal. Com base em da-dos estatísticos, compilados por organismosoficias portugueses, faz-se uma breve apre-sentação do actual panorama mediático por-tuguês no que toca aos canais generalistas.Apresenta-se, em seguida, algumas questõesteóricas referentes à segmentação do mer-cado português quanto a consumos de produ-tos culturais e de conteúdos. Com base nes-tes dados, procede-se então a um estudo ex-ploratório, cruzando-os com indicadores ob-tidos por levantamentos na imprensa (de re-ferência e de “coração”) e com os resulta-
dos dos primeiros estudos de recepção re-alizados desde 1999, na região de Lisboa.Chega-se à conclusão de que existem indi-cadores claros sobre os factores de aceita-ção das telenovelas brasileiras, bem comoelementos que apontam para mudanças decomportamento das audiências frente a esteproduto. Numa perspectiva interpretativaexploratória, considera-se que na base des-tas mudanças se encontram factores sócio-económicos recentes, nomeadamente o cres-cimento sustentado das classes médias e mé-dias baixas, desde o início da década de 90,bem como factores inerentes à economia dosMedia, tais como a expansão da TV a Caboe a “guerra das audiências”, entre os 4 ca-nais generalistas, que levaram à diversifica-ção de estratégias de programação e ao in-vestimento em novos produtos televisivos.
1 Introdução
Na nossa perspectiva, não é possível com-preender osMediasem ter em conta os con-textos políticos, económicos, sociais e cultu-rais em que se inserem. OsMedia são, en-quanto instituições sociais, simultaneamenteum sistema gerador de lógicas próprias e umdos elementos, dos mais determinantes, decontaminaçãode outros sistemas presentesna Sociedade. O estudo dosMedia, nesta
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concepção alargada, deverá ter em conside-ração os percursos das indústrias culturais ede conteúdo, a inserção e dinâmicas das cul-turas urbanas, bem como a diversificação dosestilos de vida e expansão das culturas deconsumo.
São recentes os estudos e investigaçõessobre osMedia em Portugal. A imprensa,comoMedia mais nobre, reúne o maior nú-mero de estudos,1 tendo em conta a sua na-tureza de fonte de informações eespelho dasociedade. Nos últimos anos, em funçãode múltiplos factores, nomeadamente o cres-cente número de dissertções e teses em Ciên-cias da Comunicação e áreas afins, e dada aprogressiva centralidade, visibilidade e alte-rações dosMedia na sociedade portuguesa,têm surgido trabalhos importantes que pro-nunciam a investigação sobre osMedia apartir do campo dosMedia.
A complexidade do sistema dosMedia eas diversas estratégias de promoção de con-teúdos, exigem que se avance para uma pe-riodização funcional capaz de garantir a in-vestigação e a análise. Esforços teóricos rea-lizados até ao momento2 procuraram compa-tibilizar determinados marcos contextuais dasociedade portuguesa com as alterações queestes marcos suscitaram no campo dosMe-dia.
Os parâmetros cronológicos propostosneste artigo fundamentam-se tanto em mar-cos histórico-políticos (por exemplo,EstadoNovo, Revolução do 25 de Abril, Períodode Normalização Democrática, Entrada de
1Por exemplo: Tengarrinha, J. (1965)História daImprensa Periódica Portuguesa, Lisboa, Portugália.
2Mesquita, M. (1994)Os meios de comunicaçãosocial. In: Portugal 25 anos de democracia, Lisboa,Círculo dos Leitores, pp. 360-405; Correia, F. (1997)Os Jornalistas e as Notícias, Lisboa, Caminho.
Portugal na Comunidade Económica Eu-ropeia - CEE) como nos pertencentes aocampo dosMedia (por exemplo,Aprovaçãoda Legislação que permite canais de televi-são privados, Início do funcionamento doscanais privados de televisão, Expansão datelevisão a cabo e da multimédia doméstica).Ressalvando a devida especificidade, estesmarcos surgem em conformidade com a aná-lise da situação social das últimas décadas.3 Por outro lado, é necessário ter em contaque, sendo extremamente difícil aceder à do-cumentação produzida, nos e sobre, osMe-dia, os dados quantitativos são, até ao finalda década de noventa, praticamente inexis-tentes. Assim, a investigação fundamenta-se,na generalidade, nos jornais de época e even-tuais documentosachadosem arquivos ge-rais, bem como em dados, não sistemáticos,produzidos por por empresas e institutos deinvestigação. Convém, ainda, ressalvar queesta exposição tem como limite o ano 2002.
Com base nos critérios enunciados, o tra-balho compreende os seguintes períodos: pe-ríodo deNormalização Democrática4 queabrange o ano de 1977 e vai até 1988; pe-ríodo deModernização e Desregulamenta-ção do mercado dosMedia que abarca osanos de 1989 a 1992; o período de 1993 até1998, que é dominado pela privatização doscanais de TV, pela expansão das empresasde multimédia e de novos conteúdos e porfim, um último período, de 1999 à actuali-dade, caracterizado pela progressiva concen-tração das empresasMediae de telecomuni-cações, pelas manifestas dificuldades surgi-
3Cfr.: Barreto, A. ( 1996)Três décadas de mu-dança em Portugal. In: A Situação Social em Portu-gal, 1960-1995. Lisboa, ICS, pp. 35-60.
4Maxwell, K. (1999)A construção da democraciaem Portugal, Lisboa, Ed. Presença.
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das nas televisões generalistas frente ao de-senvolvimento das televisões a Cabo e o con-traditório desenvolvimento de conteúdos na-cionais, originais ou adaptados.
Esta periodização tem como objectivoprincipal facilitar a investigação e organizara exposição do conhecimento apesar de, talcomo afirma Paquete de Oliveiraos diferen-tes ciclos demarcados da vida da comunica-ção social portuguesa corresponderem a ou-tros tantos ciclos da história da nação.5
A complexidade, diversidade e extensãodo objecto, e o objectivo deste artigoTele-novelas Brasileiras em Portugal: indicado-res de aceitação e mudança, leva-nos a fazeruma breve exposição dos períodos enuncia-dos, na tentativa de melhor compreender operíodo que se vive na actualidade.
Primeiramente é necessário referir que aRevolução do 25 de Abril demonstrou que,apesar da censura e da repressão, a Rádio, oJornal, a Televisão, a Indústria Cultural e asTelecomunicações constituiam instrumentose agentes sociais incontronáveis.Basta lem-brar que as senhas para o deflagrar do movi-mento utilizaram todos estes elementos.
Por outro lado, independentemente, dasvicissitudes internas, comuns a todas as em-presas neste período (ajustes de contas, sane-amentos, greves, comissões de luta, etc.), asrádios e a televisão, tiveram um papel muitoimportante de dinamização, no primeiro ci-clo da Revolução do 25 de Abril. Primeiro,foram as rádios que levaram aos locais maisrecônditos, do então Império Colonial, as no-tícias dos acontecimentos na capital, depois,foi através delas que a maioria dos portugue-
5Paquete de Oliveira, J.M. (1992),A integraçãoeuropeia e os meios de comunicação socialIn: Aná-lise Social, 27, 118-119: 4-5, 995-1024.
ses foi tomando conhecimento do que se pas-sava no país. Foi assim com o Programa doMFA, com as ocupações das fábricas, comas nacionalizações das empresas e os sane-amentos dos patrões. As rádios estiveram,também, nas ocupações do Alentejo, na re-forma agrária e nas greves, acompanharamos acordos para a independência nas Coló-nias, o regresso dos militares e os primei-ros refugiados/retornados. Às rádios deve-se, também, a expansão docanto livre, damúsica de protesto, nacional e estrangeira, ea abertura a países até então pouco conheci-dos. Se as rádios deram voz e divulgaram (deforma mais eficaz que a imprensa) conteú-dos e jargões próprios aos diversos momen-tos da revolução, a televisão deu-lhes o rosto.No dia 26 de Abril de 1974, à 1h 20 da ma-drugada, a televisão pública apresentou, numcenário árido e ríspido, a Junta de SalvaçãoNacional, e ao longo dos dois anos de Re-volução, reflectirá as alternâncias do Poder,ao mesmo tempo que acertará contas com oanterior Regime.
Num balanço de fim de revolução de1974-75, algumas linhas de força estarão es-tabelecidas e far-se-ão sentir até aos nossosdias: a relação entre Cultura e Poder (atravésde nomeações, cargos, prémios, e a coopta-ção de intelectuais, nomeadamente, atravésda concessão de subsídios); a distinção en-tre a cultura erudita e a cultura popular oude massas; a formação de grupos de teatroresponsáveis por transformações na lingua-gem teatral; a promoção do urbanismo comoprincípio de qualidade de vida; o consumoregular de literatura especializada (política,ciências sociais, etc.); o incremento da mú-sica como grande consumo cultural; a ascen-são e a queda do número de espectadores decinema.
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2 No Princípio era a Gabriela
Em função do objectivo do trabalho – identi-ficar os indicadores de aceitação e mudançada telenovela brasileira em Portugal – optou-se por tratar em conjunto, os períodos cor-respondentes àNormalização Democrática(de 1977 a 1988) e àModernização e Des-regulamentação(de 1989 a 1992), indepen-dentemente deles corresponderem a dois mo-mentos diferentes da vida política e econó-mica do país e envolverem fases diferentesda realidade dosMedia. Neste contexto,considera-se que o ano de 1977 é extrema-mente importante não só por iniciar o pro-cesso deNormalização Democrática,6 comopor ser o ano em que é exibida a primeiratelenovela brasileira em Portugal, dando ori-gem, na televisão, a um ciclo que só se alte-rará com o fim do monopólio estatal e a aber-tura dos canais privados em 1992. Pelo meio,ficam as privatizações da imprensa, as dis-cussões e decisões sobre a distribuição dasfrequências na Rádio, sobre a abertura da te-levisão a operadores privados e sobre a des-regulamentação do sector das telecomunica-ções.
Os anos finais da década de setenta, cor-respondem a um período de grande confli-tualidade social e trabalhista, na medida emque, após a fase de normalização democrá-tica, são tomadas medidas políticas e eco-nómicas, patrocinadas pelo FMI, no sentidode aproximar Portugal dos restantes paíseseuropeus. Neste período, ao mesmo tempoque se dava um verdadeiro êxodo rural e seacomodavam mais de meio milhão de re-tornados das ex-colónias africanas, a maio-ria da população passou a usufruir das infra-
6Maxwell, K. (1999)A construção da democraciaem Portugal, Lisboa, Ed. Presença.
estruturas domésticas e habitacionais, pro-gredindo, constantemente, os indicadores so-ciais referentes à educação, saúde, habitaçãoe consumo.
Na década de oitenta, o Estado assume,de forma inequívoca, o papel de agente mo-dernizador, implementando políticas econó-micas e sociais tendentes, como já foi refe-rido, a integrar Portugal na União Europeia.Se a primeira metade da década de oitenta,corresponde, ainda, a um período de ajusta-mentos à política ditada por empréstimos doFMI, reflectindo-se num abrandamento doprocesso de convergência frente aos paísesda Europa do Sul, a segunda metade destadécada – já como membro efectivo da Co-munidade Europeia, e beneficiário dos fun-dos de estruturação – traduz-se num cresci-mento contínuo do PIB, à média de 4% aoano. Estes resultados permitem um cresci-mento real da remuneração dos trabalhado-res por conta de outrém e a diminuição dodesemprego estrutural. Os problemas tra-balhistas decorrentes dos ajustamentos pós-revolucionários abrandaram e osretornadosdas colónias africanas integraram-se, cons-tituindo dos núcleos mais empenhados namodernização das infra-estruturas produti-vas. Ao mesmo tempo, o efeito de feminiza-ção da população activa trouxe a muitos gru-pos domésticos, por desdobramento de salá-rios, um maior poder de compra e conforto.7
A progressiva urbanização e litoralizaçãodas populações permitiu o crescimento dasnovas classes médias, habitando em grandesaglomerados urbanos com acesso a melhoresníveis de escolaridade e empregados em sec-
7Almeida, J. F de (1994),Evoluções Recentes eValores na SociedadeIn: Portugal Hoje, Oeiras, INA,pp.57-70.
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tores sócio-profisionais intermédios. Estescontextos, que serão propícios ao desenvol-vimento da televisão, promoveram a emer-gência de novos estilos de vida e de con-sumo, ao mesmo tempo que constituíram umcampo propício ao surgimento da telenovela,o género que mais se coaduna, no dizer dealguns autores, com as expectativas vivenci-adas por estas classes médias suburbanas.8 Énesta perspectiva, que se analisará o impactoda telenovela brasileira em Portugal.
2.1 O Ano de 1977O ano de 1977 inicia um período de transi-ção, após os anos de Revolução de 1974-76,que irá terminar, segundo Barreto9, apenascom a entrada de Portugal na União Euro-peia (UE) em 1985. É o ano de vigência do IGoverno Constitucional eleito nas primeiraseleições livres, em 1976, para a Assembleiae Presidência da Republica. O ano em quese formaliza o pedido de adesão de Portugalà UE e se inicia o percurso dereunir pedaçosapósa revolução dominada.10
Durante o período revolucionário a televi-são, um monopólio do Estado, participa aolado de quem esteve e alternou no poder.11
Com uma programação circunscrita a doisperíodos – hora do almoço e fim de tardedas 18h às 23h – incorporou nos anos revo-lucionários a doutrinadesenvolvimentistadaformação e educação das massas, com pro-
8Silverstone, R. Silverstone, R. (1995),Televisiony vida cotidiana, Buenos Aires, Amarrortu Editores.
9Barreto, A.,org. (1996),A situação social emPortugal, 1960-1995, Lisboa, Instituto de CiênciasSociais.
10Maxwell, K.(1999),A construção da democraciaem Portugal, Lisboa, Ed. Presença.
1125 anos inesquecíveis: os pontos altos da televi-são,Expresso, no 1848, 1998.
gramas deesclarecimento político, debatese complementação escolar. Em 1977, aindasem a Lei da Televisão em vigor, o avolumardos problemas orçamentais (provocados emparte pela fuga à taxa obrigatória), das cri-ses laborais partidarizadas, levam a uma re-estruturação da televisão e à reformulação deprogramas.
É nesta conjuntura que surgem dois pro-gramas,A visita da Cornélia(um concurso-reallity show) e a telenovela brasileiraGa-briela, Cravo e Canela, que alterarão o per-curso da televisão em Portugal ao mesmotempo que anteciparão e simbolizarão aemergência de uma nova sociedade e estilosde vida centrados no consumo e nosMedia.
Nessa altura já eram produtos de grandeimpacto e consumo: a música popular, a in-dústria livreira, o teatro e o cinema brasilei-ros. No momento em que se assiste ao lan-çamento do primeiro capítulo da telenovela,16 de Maio de 1977, as rádios e a televisãomantinham programas regulares de divulga-ção da MPB12, os romances de Jorge Amadoerambest-sellersna feira do livro13 e naslivrarias, 14 enquanto encenações de Boal(Barraca conta Tiradentes15) e uma peça deDias Gomes, O Santo Inquérito16 eram exi-bidas nos teatros da capital com notável êxitode bilheteira. No mesmo período, o cinema
12O programa "Tropicalia", por exemplo, às sextas-feiras às 19.30, feito por correspondentes da RTP noBrasil.
13Entre surpresas e Barracas de "Artesa-nato"Gabriela manda na Feira (do livro),Diáriode Lisboa, 20/05/77, p. 4.
14Cfr: Livros mais vendidos, Expresso Revista,28/05/ 77 a 26/11/77.
15Feio, L., Barraca conta Tiradentes: o êxito deuma companhia ...,O Jornal, 06/05/77,p. 25.
16Teatro de Campolide estreia"Santo Inquérito", OJornal, 16/09/77, p. 25.
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brasileiro chega a Portugal, quer através defestivais mais selectivos, como o da Figueirada Foz17, quer através do grande circuito co-mercial (Dona Flor e seus dois maridos)18, OCasamentode Arnaldo Jabor eXica da Silvade Cácá Diegues19).
A relação entre os diversos produtos da in-dústria cultural, e de conteúdos, com a tele-novela é estabelecida constantemente, de di-versas formas e em diferentes níveis: entre aliteratura e a telenovela, entre o teatro, os ac-tores e a telenovela, entre a MPB e a teleno-vela, assim como entre o cinema, os actorese a telenovela.
Não existindo estudos da época sobre a re-cepção da telenovelaGabriela, é com basena análise dos jornais, grandemente politi-zados em função da Revolução do 25 deAbril, que se torna possível construir essasformas de recepção. Sabendo-se que cadaum dos jornais tende a reflectir determina-das tendências latentes na sociedade portu-guesa, as peculiaridades do agendamento datelenovelaGabriela, Cravo e Canela, reali-zado como se de um acontecimento genuínose tratasse, poderão ser compreendidas comoformas de negociação da mensagem ficcio-nada, o que tenderá a tornar as "estórias"datelenovela uma história dos anos revolucio-
17Cfr: VI Festival de Cinema da Figueira da Foz:Da Gabriela aos filmes de Leste,Diário de Notícias,22/09/77, p. 8. São referidos os seguintes filmes:"A lenda de Ubirajara"de André Luís de Oliveira;"Barra Pesada"de Reginaldo Farias; "Tenda dos Mi-lagres"de Nelson Pereira dos Santos.
18Ramos, J. L.,Crítica do cinema: "Dona Flor eseus dois maridos"de Nuno Barreto, Diário de Lisboa,17/11/77, p. 13;
19Ramos, J.L., Crítica de Cinema: "Xica daSilva"de Carlos Diegues , "O casamento"de ArnaldoJabor, Diário de Lisboa, 03/05/77, p. 14.
nários20 e principalmente a História do anode 197721.
Ao longo dos três grandes momentos deagendamento (Fase de Lançamento, Fase deTematização e Fase de Encerramento) os jor-nalistas e o público, entrevistado pelos diver-sos jornais, vão-se dando conta da sofisticadaindústria que produz a telenovela, a qual éidentificada, posteriormente, como um gé-nero televisivo e não, apenas, como umamera adaptação televisiva de um romance deJorge Amado, uma indústria que produz si-multaneamente música, cinema,showse umstar systempróprio, ao mesmo tempo quepromove a Literatura e o Teatro brasileiro.
Por outro lado, num país fragmentado pe-las quezílias políticas no âmbito nacional efamiliar, a telenovelaGabrielavem gerar umfenómeno de coesão e consenso social emfunção da interactividade que promove como seu público – interpelando-o a partir da suaunidade básica de audiência, a família, noseu quotidiano – proporcionando um factorde mediação cultural e política entre os di-versos grupos sociais.22 Ao mesmo tempo,a politização das temáticas faz da recepçãodesta telenovela, um fenómeno de audiênciaspredominantemente masculino.
Sabendo-se que, em 1977, o número deaparelhos de televisão por mil habitantes
20Castrim, M.,Canal da Crítica: Gabriela outravez ela, Diário de Lisboa, 5/11/77, p.11; Dionísio,M., Ideias e opiniões: Crónica de Verão, O Jornal,06/08/77, p. 18.
21Castrim,M., Canal da Crítica: Gabriela ,mas...aviso ao público: a crónica de hoje fala de po-lítica, Diário de Lisboa, 28/10/77;Guidinha, TempoLivre: Os tonicos e os ramiros da Graça, O Jornal,29/07/77, p.13.
22Martín-Barbero, J. (1997),Dos Meios às Media-ções: comunicação, cultura e hegemonia, Rio de Ja-neiro, Ed. UFRJ, pp. 291-303.
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rondava os 15023 e que era prática corrente,nas aldeias, vilas e bairros, assistir-se à tele-novela nos cafés, associações de bairro, as-sociações de moradores ou sedes de outrasassociações cooperativas, pode-se imaginaro efeito de interactividade criado pelo sim-ples facto de fruição conjunta da exibição.
Pelos indicadores que a análise dos jornaisnos fornecem, o público tenderá a apropriar-se da telenovelaGabriela em função dassuas expectativas e referências mais premen-tes: em primeiro lugar em função dos con-textos políticos e sociais do Portugal pós Re-volução do 25 de Abril, nomeadamente nasquestões referentes à identidade decorrentesdo fim do ciclo imperial; em seguida em fun-ção dos seus quotidianos, como seja a eman-cipação da mulher, a liberdade sexual e asmudanças de estilos de vida e costumes.
Se a inserção da telenovela no horário no-bre fez parte de um processo de reestrutu-ração da RTP,24 o seu sucesso, reconhe-cido unanimemente, promoveu novos acor-dos para a compra de telenovelas, enquadra-das, mais uma vez, num outro processo dereestruturação que incluiu a repetição da Ga-briela à hora do almoço. Assim, se a exibi-ção da telenovela,por volta da hora do jan-tar, vai criar areceitade sucesso telejornal-telenovela-telejornal, na RTP 1 – alterandoos quotidianos das famílias e estabelecendoo início do Jornal Nacional às 20 horas – are-exibição da telenovela à hora do almoçovai contribuir para a feminização da recep-ção da telenovela em Portugal.
A exibição da telenovelaGabriela, Cravoe Canela, em simultâneo com oreality show
23Barreto, A. (1996), ob. cit., p. 146.24Nova programação da RTP já segunda-feira,Diá-
rio de Lisboa, 14 de maio de 1977, p. 6.
A visita da Cornélia, inaugurou aquilo quealguns críticos, comentaristas e jornalistasdesignaram porpaís televisivo25 ou seja, oinício, em Portugal, dos fenómenos ineren-tes à massificação das audiências centrada natelevisão. Entretanto, os profissionais destesector tomam consciência que existe umaindústria de conteúdos em português – al-tamente desenvolvida, portadora de lógicaspróprias de criação e divulgação – e da fas-cinação provocada pelos seus produtos.
A opção pela telenovela brasileira comoestratégia de fidelizar audiências na televi-são pública não foi pacífica, não só por setemer uma demasiada influência dos falarese vivências culturais brasileiras como por seconsiderar que a uma televisão pública, pagacom impostos públicos, compete a divulga-ção da cultura feita em Portugal e por por-tugueses. Contraditoriamente, uma das jus-tificativas para o sucesso do género em Por-tugal, está com certeza vinculados ao factoda(s) telenovela(s) brasileiras terem propostoaos seus receptores, durante mais de vinteanos, conteúdos e temas que os interpela-ram. Estes conteúdos, expressos numa lín-gua comum mas, também, num imagináriocomum, de mitos, heróis, acontecimentos,paisagens, recordações e saudades, permi-tem facilmente, sua identificação por todosos portugueses.26
Acresce a esta justificativa o facto dos es-pectadores, sobretudo as classes médias por-tuguesas em ascensão, perceberem os con-teúdos das telenovelas como modelos decomportamentos, estilos de vida e valores
25Amorim, R., Gabriela desapareceu..., ExpressoRevista, 19/11/77, p. 17R
26Featherstone, M. (1997),O desmanche da cul-tura: globalização, pós-modernismo e identidade,São Paulo, SESC, p. 151.
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inerentes à modernização, nomeadamente noque se refere a comportamentos da vida pri-vada e à reivindicação de liberdades públi-cas. Esta hipótese, já avançada em outros ar-tigos27 tem vindo a ser comprovada, à pos-teriori, por estudos de recepção efectuadosentre 2000 e 2002,28 permitindo identificar atelenovela brasileira quer como um agente deglobalização, quer como um agente de mo-dernização e democratização.29
2.2 A década de 80A política de privatizações, empreendida pe-los sucessivos governos na década de oi-tenta, no domínio dos sectores mais produ-tivos, confere ao Estado um encaixe econó-mico que permite a modernização de infra-estruturas e o investimento na área social. Nocampo dosMedia, as políticas de privatiza-ções, empreendidas pelos sucessivos gover-nos, vêm privilegiar as empresas que actuamno sector, dando origem à constituição e ex-pansão de grupos existentes, bem como a suadiversificação e aliança com empresas inter-nacionais. De uma forma sucinta, estas mu-danças reflectem-se no desaparecimento demuitos títulos da imprensa – que tendo sidonacionalizados na Revolução do 25 de Abril,não conseguiram subsistir uma vez repriva-tizados – e no lançamento de novos projec-
27Fein Cunha, I. (2000),Transição e Telenovela: oano de 1977, São Vicente, Actas do IV Lusocon.
28Policarpo, V. (2001)Telenovela Brasileira: apro-priação, género e trajectória familiar, Dissertação deMestrado em Sociologia, apresentada à Universidadede Coimbra;Imagens do masculino e do feminino natelenovela brasileira, Projecto financiado pela Funda-ção Ciência e Tecnologia, 2000-2002.
29Ferin Cunha, I. (1999),As "Agendas"da teleno-vela brasileira em Portugal, Actas do I Congresso deCiências da Comunicação, Lisboa.
tos jornalísticos, já com um carácter empre-sarial. No meio Rádio, a Igreja e o Estadopartilham os canais de maior audiência, en-quanto se assiste à implosão das rádios li-vres, ou piratas, criadas no vazio legislativo.Na televisão, mantêm-se o monopólio do Es-tado até à revisão constitucional de 1989 queabre caminho aos operadores privados queiniciarão a sua actividade em Fevereiro de1992.30
A televisão, apesar de pública e monopo-lizada, torna-se, a partir deste momento, umdos agentes mais activos da modernização –cerca de 90% dos lares possuem televisão,ainda a preto e branco, no final da década de80 – ao constituir-se como centro de infor-mação e de cultura(s) nacionais e internacio-nais, estabelecendo relações entre imagens erealidades, normalizando procedimentos pri-vados e públicos, conferindo rotinas ao quo-tidiano.
Ao longo desta década, a estação públicaoptou por um modelo convencional, apre-sentando um serviço generalista no canal 1(RTP1), enquanto no canal 2 (RTP2) a gre-lha se encontrava direccionada para atenderos gostos de um público cultivado. Nos doiscanais, os horários eram parcelares: na RTP1das 12h às 14h e à tarde, das 18h às 24h;na RTP2 iniciava-se a emissão por volta das20h, excepto aos fins de semana, com tér-mino à meia-noite. Entre os dois canais damesma estação pública, travaram-se algumasguerras de audiência, em torno da informa-ção: O Canal 2 desenvolveu em programaspioneiros,uma escola de jornalistas e apre-
30Paquete de Oliveira, J.M. (1992),A integraçãoeuropeia e os meios de comunicação social, AnáliseSocial, vol. XXVIII, (118-119): 4-5, 995-1024.
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sentadoresque dominam, até hoje, o espec-tro dosMediaem Portugal.
Na RTP1, as grelhas integraram, na dé-cada de 80 os programas infantis, à me-dida que os prazos das emissões se foramalargando, com desenhos animados originá-rios dos países de Leste, da Europa Centralou do Brasil (como por exemplo, oMuppetShowe O Sítio do Picapau Amarelo), pro-gramas de carácter cultural (por exemplo, so-bre História e Música), programas formati-vos e educativos (desde a TV Rural ao en-sino à distância), programas de humor portu-gueses (onde se iniciaram a maior parte dosgrandes humoristas portugueses da actuali-dade, por exemplo, Herman José) e brasilei-ros (por exemplo,O Planeta dos HomenseViva o Gordo, abaixo o Regime), bem comoas transmissões de festivais de Música Li-geira e a revelação, em programas de auditó-rio, de novos talentos das artes e dos espectá-culos (por exemplo, no programaO Passeiodos Alegres, de Júlio Isidro, a presença regu-lar de actores como Mário Viegas).
A televisão pública, no tocante à ficção,tentou, nos anos oitenta, diversificar a ofertaintegrando Portugal na rota das produçõesglobalizadas – foram exibidas asoap-operaDallas e as sériesBalada de Hill StreeteFame, bem como séries ingleses e italianas– ao mesmo tempo que se ensaiavam as pri-meiras tentativas de telenovela portuguesa ese mantinha a receita de sucesso doprime-time fundada na sequência –sandwich– te-lenovela brasileira-telejornal-telenovela bra-sileira.
Não havendo alternativa, aos dois canaispúblicos, as audiências eram cativas, che-gando aos 92% do universo dos especta-dores, durante os períodos de exibição dastelenovelas brasileiras, nomeadamente das
Esta última, dez anos depois da exibição deGabriela vai conseguir, de novo e em ambi-ente de eleições autárquicas, politizar a re-cepção, como o prova a análise dos jornais esemanários de qualidade, onde são constan-tes as referências de políticos e de líderes deopinião ao enredo, nomeadamente no que serefere à corrupção política.32
A hegemonia da produção brasileira natelevisão pública portuguesa, repercutiu nasinstituições governamentais e entre agentesinteressados no sector das indústrias cultu-rais. Os debates – na televisão, nos jornaise em colóquios – visaram encontrar alterna-tivas a esta realidade e propor medidas queconstituíssem opçõespara quem não gostade brasileiradas.33 Surgiu, assim a produ-ção de telenovelas portuguesas, inspiradasno modelo da Globo, mas com temas e acto-res nacionais, sendo a telenovelaVila Faia,exibida em 1982, a tentativa com mais su-cesso. Conforme dados recolhidos e trata-dos pela empresa Marktest34 e publicados nojornal O Dia, de 14 de Junho de 1982,VilaFaia agradou, nos seus primeiros cinco epi-sódios a 71% dos portugueses e terminou
31Sondagem Telenovelas/SIC: as 20 novelas prefe-ridas dos portugueses. Universo: Eleitores residen-tes em Portugal Continental e Regiões Autónomas.Amostra: Aleatória e representante do universo, com848 entrevistas telefónicas. Realização: 14 a 17 deAbril de 1998, pelo Centro de Sondagens da SIC.
32Figueiras, R. (2002),A telenovela “Roque San-teiro” na Imprensa Portuguesa(no prelo).
33E a Telenovela Portuguesa?Diário de Notícias,28 de Fev. 1981.
34Burnay, C. (2002)A telenovela portuguesa: his-tória e audiência, Dissertação de Mestrado a apresen-tar no Mestrado de Comunicação e Indústrias Cultu-rais na Universidade Católica Portuguesa.
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agradando a 91%. Ao mesmo tempo, 23%dos telespectadores consideraram esta tele-novela portuguesa melhor do que as brasilei-ras, 55% consideraram-na igual às brasilei-ras e 12% pior.
Durante esta década, outras tentativas fo-ram feitas pela televisão pública, com oobjectivo de travar estacolonização brasi-leira,35 mas com pouco sucesso: as tele-novelas brasileiras continuaram a manter asmaiores audiências e as produções portugue-sas não conseguiram captar a atenção do pú-blico.
A comunidade académica portuguesa nãose interessou pelo fenómenotelenovelas bra-sileiras, apesar do seu impacto e visibili-dade. Apenas são conhecidos dois estudosrelativos aos anos oitenta, um na óptica daprodução e do conteúdo, da autoria de JoãoPaulo Moreira36 e outro na perspectiva da re-cepção, de João Manuel Leite Viegas.37 Uti-lizando propostas teóricas e metodológicasdiferentes, ambos procuram cruzar, na pers-pectiva da recepção, variáveis demográficase sociais com as formas de captar sentidos eassistir à telenovela.
3 As Guerras de Audiência,Parte I (1993-1998)
Nos anos noventa, a estabilidade económicae política, alicerçada nos sucessivos planos
35E a Telenovela Portuguesa?Diário de Notícias,28 de Fev. 1981.
36Moreira, J.P. (1980),Telenovelas: a propósito dacultura de massas, Revista Crítica de Ciências Soci-ais, no 4/5: 47-85.
37Viegas, J.M.L. (1987),Telenovelas: do modelode recepção à diversidade de reconhecimento, Re-vista Sociologia , problemas e práticas, Lisboa, Pu-blicações Europa América, no 2.
de convergência apoiados pelos Fundos Es-truturais da Comunidade Europeia, propiciaum constante aumento dos indicadores debem estar, económicos e sociais, dos portu-gueses. Segundo Barreto,38 para além de al-gumas tendências mais evidentes – como amodernização, a urbanização, o desenvolvi-mento do capitalismo e da economia de mer-cado, a ligação crescente às economias glo-bais, o envelhecimento da população, a esco-larização da população jovem, a democrati-zação da política e da sociedade e outros –existem outros processos sociais em curso,nomeadamente as alterações da concepçãodo papel da mulher e da família, a seculariza-ção da vida pública e privada, a terciarizaçãoda economia e da sociedade, a imigração eos novos fenómenos de exclusão. Ao mesmotempo, a década de noventa assiste a um au-mento progressivo, e constante, do bem-estarcolectivo e individual, possível de detectaratravés de indicadores de consumo, de equi-pamento doméstico, de conforto, de acesso àeducação e à cobertura sanitária. Bens comoo telefone, a televisão a cores (mais de umaparelho por lar), o frigorífico, as máquinas eelectro-domésticos e o automóvel tornam-seacessíveis, através do crédito, à generalidadedos indivíduos das classes médias.
Neste contexto, as privatizações e as al-terações na legislação sobre Comunicações,prevista na Lei de Bases de 88/89, tornarampossível a reorganização do sector. A cria-ção da holding Comunicações Nacionais, em1993, reuniu as empresas públicas de Cor-reios, Telefones, Rádio e Televisão e a Mar-coni, entregando a liderança à Portugal Tele-
38Barreto, A., org. (2000),A Situação Social emPortugal 1960-1999, Lisboa, Imprensa de CiênciasSociais, p.60.
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com, que posteriormente será parcialmenteprivatizada.39
Com o crescimento da publicidade,tornam-se possíveis projectos profissionaisde jornalismo – como o diário Público,e o semanário Independente – e abre-secaminho a dois operadores privados detelevisão: a SIC (Sociedade Independente deComunicação) e a TVI (Televisão da Igreja,depois Televisão Independente) que inicia-ram as suas actividades, respectivamente em6 de Outubro de 1992 e a 20 de Fevereiro de1993.
O panorama dosMedia e das indústriasculturais altera-se rapidamente: até Outu-bro de 1992, cem por cento do investimentopublicitário na televisão era feito na RTP ecerca de 9, 5 milhões de pessoas viam regu-larmente o Canal 1. Dois anos depois, nomesmo Canal, o valor médio dosharedes-ceu para 50% desse valor, atingindo a suamelhor cotação no intervalo das telenove-las brasileiras. Os restantes 50% da publi-cidade os anunciantes distribuíram-nos pelosdois novos canais, sendo que a SIC, exibindotambém telenovelas brasileiras, irá arrecadarprogressivamente, uma maior fatia.40
Independentemente da SIC ter iniciado oseu projecto televisivo com base naInforma-ção, e ter durante os dois primeiros anos im-portadoreality showse concursos musicais,o director da estação, Emídio Rangel, per-cebeu imediatamente que a guerra das audi-ências só poderia ser ganha, contra a RTP1,
39Sousa, H.Políticas da comunicação: reformas econtinuidadesIn: Pinto, M., org. (2000),A Comu-nicação e os Media em Portugal, Braga, Instituto deCiências Sociais da Universidade do Minho, pp.31-51.
40Gonçalves, M. A. (1994),Um ano de televisão aquatro, Público, pp.24-25.
pelas telenovelas brasileiras. Como afirmaLopes,41 a política de confrontocom basenas telenovelas brasileiras foi assumida an-tes do arranque da SIC, no momento em quea televisão pública antecipou a estreia da te-lenovelaPedra sobre Pedra, em sobreposi-ção aMeu Bem Meu Mal. No Verão de1994, o contracto de exclusividade firmadocom a Globo permitirá à SIC tomar progres-sivamente a liderança das audiências com atelenovelaMulheres de Areia, apostando nacontinuação do modelo existente na RTP1,telenovela-telejornal-telenovela.
Ao mesmo tempo, o grupo Imprensa, aque pertence a SIC, e o semanárioExpresso,bem comorevistas de coraçãoe de televi-são, concertam uma agenda periódica sobreas telenovelas exibidas, o que permite daruma grande visibilidade às produções e aostemas tratados. Esta Agenda, presente em ór-gãos de comunicação de qualidade e introdu-zida, comofait-divers, nos jornais nacionaise programas sobrebeautiful people, confe-rem grande visibilidade ao produto teleno-vela e procura atingir as classes A/B, decla-radamente avessas a este género televisivo42.
A RTP1 ainda tentou até 1995 in-verter a tendência das oscilações dasaudiências no momento das telenovelas,procurando quebrar o circulo telenovela-telejornal-telenovela, apostando no conceitode informação espectáculo, inforteinement,introduzido pela SIC, ao mesmo tempo queaumentava os tempos comerciais. Mas as
41Lopes, F.Estratégias e rumos no Panorama Au-diovisual PortuguêsIn: Pinto, M., org. (2000),AComunicação e os Media em Portugal, Braga, Ins-tituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho,pp.77-97.
42A televisão já não é o que era, DossierRevistaExpresso, 24/05/97.
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progressivas dificuldades da estação e a elei-ção do governo socialista, com outro Pro-jecto para os audiovisuais, irão remeter o ca-nal para um lugar secundário nas preferên-cias das audiências.
Entre 1992 e 1996, os espectadores au-mentaram de 65,9% para 70,8% da popula-ção total,43 a média de tempo gasto frenteaos televisores passou de 258 minutos diá-rios para 239, sendo a classes D (a conside-rada mais popular) que mais tempo passoufrente à televisão, cerca de 4horas diárias. Apartir do Verão de 1994, as telenovelas brasi-leiras exibidas na SIC, chegam a captar 80%a 85% do total das audiências.
Resumindo, na primeira metade da dé-cada de noventa, a SIC alcança a liderançae apresenta resultados positivos, a televi-são pública mergulha definitivamente numacrise crónica, enquanto a Televisão da Igreja(TVI) luta para manter o seu projecto até1996, oscilando entre a carta de princípioscristãos – que nunca respeitou totalmente – eas tentativas de agradar às audiências.
A segunda metade da década de noventacaracterizar-se-á pela hegemonia incontes-tada da SIC, as crises cíclicas da RTP (queinclui o Canal 1 e 2, a RTP Internacionale a RTP-África), agravadas pelas constan-tes mudanças de direcção e as limitaçõesao investimento publicitário. A TVI ensaiasucessivos modelos de viabilização até sercomprada, em Março de 1997, primeiro pelaSOCI, depois pela Media Capital, em aliançacom outras empresas internacionais do sec-tor. Neste período, a TV Cabo expande-se eos canais temáticos adquirem maiores audi-ências.44
43Segundo dados da AGB, num painel de8.970.000 portugueses com mais de 4 anos de idade.
44Lopes, F.Estratégias e rumos no Panorama Au-
De uma maneira geral, pode-se afirmarque a segunda metade da década de noventa,mantém grelhas muito semelhantes ao iníciodas emissões dos canais privados em 1992.A grande novidade deste período está na pro-liferação de programas – com maior ou me-nor visibilidade – protagonizados por genteanónima, o cidadão comum. Estes progra-mas, normalmente exibidos pela manhã, ouapós a hora de almoço, se por um lado pa-recemdar voz a quem não tem voz, fazendocom queos mais humildes sejam escutados,por outro lado, abrem caminho àtelevisão deproximidadee, mais á frente, àtelevisão in-timista, centrada na exploração de sentimen-tos e rotinas do cidadão actor e das tendên-cias voyeristasdas audiências domésticas.No de mais, estando a SIC à frente das prefe-rências dos espectadores, seguida da RTP1 ea TVI, não existe praticamente disputa peloprime-timeganho antecipadamente pela es-tação que detêm a exclusividade das teleno-velas brasileiras.
Contudo, é necessário referir que a exclu-sividade da exibição das telenovelas brasilei-ras pela SIC abriu, a partir de 1994, e porcontraposição, um novo mercado para pro-dutoras, actores e demais profissionais doaudiovisual nos outros canais. Apesar dasexperiências da década de oitenta não te-rem sido, na generalidade, bem sucedidasa empresaNBP-Produção e Video, criadaem 1990, vai dar um novo impulso à fic-ção portuguesa, assegurando cerca de 70%desta produção em todos os canais genera-listas. Adaptando-se à realidade audiovisualportuguesa, imprimindo um ritmo industrial
diovisual PortuguêsIn: Pinto, M., org. (2000),AComunicação e os Media em Portugal, Braga, Ins-tituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho,pp.77-97.
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à produção e à criação, aNBP recruta técni-cos e profissionais no Brasil e na Europa, aomesmo tempo que através daCasa de Cri-ação promove, não só a adaptação de for-matos estrangeiros (séries e telenovelas) àrealidade portuguesa, como tenta desenvol-ver projectos originais.45 Não sendo propri-amente ficção, deve-se, contudo referir umproduto, de grande sucesso, comum a todosos canais, ossketchescómicos, normalmenteutilizados comotampãoentre o fim do jornalda noite e o início da telenovela ou ficção,por exemplo,Os Malucos do Riso(na SIC)ouBora lá Marina(na TVI).46
4 As Guerra de Audiência, ParteII (1999-2002)
Os finais da década de noventa, início do mi-lénio, acentuam algumas tendências que jáse vinham sentindo sobretudo no começo dasegunda metade da década de noventa. Apartir de 1998, torna-se perceptível o esgota-mento do modelo centrado na expansão eco-nómica suportada, com base nos Fundos daComunidade Europeia, pelas grandes obraspúblicas (Centro Cultural de Belém, PonteVasco da Gama, as Auto-estradas que ligamas principais cidades do país e estas à vizi-nha Espanha) e eventos culturais nacionais(a Expo’98, ou em 1994,Lisboa Capital daCultura).
No mesmo período, fenómenos económi-cos e sociais adquirem grande visibilidade,
45Burnay, C. (2002)A telenovela portuguesa: his-tória e audiência, Dissertação de Mestrado a apresen-tar no Mestrado de Comunicação e Indústrias Cultu-rais na Universidade Católica Portuguesa.
46Ferin Cunha, I., Burnay, C., Gameiro, L. (2002)A ficção em Português nas televisões generalistas: umestudo de caso, Lisboa,Revista do Obercon, no 6.
imprimindo uma nova dinâmica ao quotidi-ano dos portugueses. Dentro dos fenóme-nos económicos com maiores repercussõessociais poderão ser referidos, a abertura daBanca portuguesa ao estrangeiro, com a con-sequente luta por quotas de mercado atravésda concessão de crédito fácil; a inaugura-ção de grande número deshopping-centersde grandes dimensões; a internacionalizaçãodo comércio através dasfranchise; a espe-cialização da oferta e o uso generalizado dotelemóvel. Complementarmente, fenómenossociais de ostentação de riqueza, de imigra-ção – principalmente dos Países Africanos deLíngua Portuguesa, do Brasil e dos Países daEuropa de Leste – e de exclusão tomam no-vas dimensões. Ao mesmo tempo, assiste-se à expansão das classes médias – de quefazem parte muitos imigrantes – assente nosganhos, em constante progressão, de activi-dades e salários de profissões relacionadasà construção civil, aos serviços e às empre-sas de carácter familiar.47 Estas classes mé-dias, com escolaridade média e média baixa,detentoras de um deficit crónico de bens deconsumo e aspirando a um sucesso rápido,parecem estar a afirmar-se socialmente pormeio de outros comportamentos, gostos e va-lores.
Com efeito, tendo como base indicadoresde tendências48 pode-se avançar que a emer-gência destas novas classes médias – comvalores e estéticas próprias, com caracterís-ticas próximas ao que alguns autores deno-
47Lisboa Hábitos de compra, Lisboa, Câmara Mu-nicipal, 2001.
48Janus 99-2000, Lisboa ,Público-UniversidadeAutónoma de Lisboa;Janus 2001, Lisboa, Público-Universidade Autónoma.
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minaram cultura de urgência49 – irão provo-car, nos finais da década de 90 e início domilénio, em conjunção com indícios econó-micos recessivos, alterações progressivas nasofertas dosMedia. Neste contexto – pontu-ado pela expansão da Internet, pela diversifi-cação da oferta cultural e de entretenimento–os directores das televisões generalistas re-petirão à saciedade a ideia que as televisõesdão o que o povo quer ver( visto que quemnão épovo, vê canais temáticos e tem acessoa outras opções de entretenimento e lazer)enquanto as elites intelectualizadas não secansarão de repetir que os três canais se igua-laram na emissão detelelixo.
Relativamente a este período convém re-ferir alguns factos e indicadores. Primeira-mente, é necessário evidenciar as tentativasrealizadas pelos Governos, de reorganizar osector e as actividades audiovisuais, que re-sultaram na criação da empresaFormas eConteúdos, em 1999, por autonomização doCentro de Produção de Lisboa da RTP, e acongregação na holdingPortugal Globaldasempresas RTP, RDP e Lusa, detidas pelo Es-tado. Em seguida, nestes três últimos anosmultiplicam-se as iniciativas de organismoscomo aComissão Inter-Ministerial para oAudiovisuale aPlataforma do Audiovisual,organismos que reúnem agentes interessadosno sector, no sentido de propor medidas con-cretas para o desenvolvimento da produçãoportuguesa, incluindo a criação de um fundode apoio. Estas iniciativas resultaram numaumento significativo de oferta de ficção por-tuguesa em todos os canais generalistas, nãosó em horas/emissão como na oferta e vari-edade de géneros (adaptados a Portugal ou
49 Confr: P.- H Chombart de Lauwe e os trabalhosdo Laboratório de Sociologia Urbana, CNRS, Paris.
Nos últimos três anos, 1999-2002, as te-levisões generalistas portuguesas ensaiarammúltiplas estratégias, com o objectivo de au-mentar as suas quotas de mercado atravésda apresentação de novos produtos em no-vas grelhas. Estas acções justificam-se da-das as dificuldades económicas sentidas pe-los grupos nos quais as estações televisivasse encontram inseridas e por mudanças de di-recção que envolveram os profissionais maisqualificados do mercado. Estas novas estra-tégias centraram-se na organização de gre-lhas que pudessem, por um lado, concorrercom as estações rivais, por outro, aumen-tar as quotas de audiência e, em simultâ-neo, obedecerem a contenções orçamentais.Neste jogo, as estações acabam por ratearpartes doprime-time, assumindo à partidaque não vale a pena investir altas somas emdeterminados espaços – já ganhos pelas con-correntes com determinados produtos consi-derados imbatíveis – e procurando através deanálises de mercado, outros produtos possí-veis de granjear mais audiências e que pode-rão ser alvos de disputa por melhores quotasde audiência.
Neste contexto, assiste-se à implementa-ção de um novoestilo de televisão, propa-gado pelosnovos directores, agora à frentedas antigas estações rivais. Apesar de nãoser possível ignorar os canais públicos nestepuzzle, sobretudo a RTP1, é entre a SIC eTVI que se promove onovo estilo, visívelnão só nos ajustamentos internos de gre-lhas como na compatibilização externa dasmesmas, em função de critérios subordina-dos a análises pragmáticas de rentabiliza-ção. A TVI comanda a implementação destenovo estilo, utilizando como táctica a expan-
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são do conceito deprime-time, e conferindoao jornal televisivo uma estrutura que con-tinua e antecipa a estrutura das telenovelasapresentadas. Assim, no jornal televisivo,encontram-se presentes não só narrativas he-róicas contextualizadas em cenários tipifica-dos (materiais e emocionais), mas tambémum conjunto de valores tendentes a repor acoesão social em função de uma determinadavisão do mundo.
Num contexto de grande concorrência en-tre os canais privados e a estação pública,com a saída do director da RTP1 para a TVIe, posteriormente, do director da SIC para aRTP1, as estratégias das televisões tomamnovos rumos. A partir deste momento, aTVI disputará oprime-timecom a SIC, re-correndo quer a estratégias de expansão doprime-time, como atrás se referiu, quer à exi-bição dereality showse à promoção de fic-ção portuguesa (telenovelas e séries). Poroutro lado, este mesmo canal adoptará, a par-tir do lançamento doBig Brother, em Setem-bro de 2000, duas estratégias constantes as-sentes na expansão do conceito deinfortei-nemente deproduct placement. Com baseno inforteinement,a TVI introduzirá nos ali-nhamentos dos jornais televisivos – já aligei-rados pela ênfase nosfait-divers50 e na es-trutura narrativa heróica – diversas peças so-bre oBig Brothere através doproduct pla-cement,rentabiliza os promotores e anunci-antes ao colocar, sistematicamente, noBigBrother, produtos de consumo diário em si-tuação de visível destaque.
Dados recolhidos peloObservatório deComunicação(OBERCOM) referem que em
50Martins, M. (2002),Jornalismo e Ética na TVI,Dissertação de Mestrado a apresentar à FCH da Uni-versidade Católica.
de 1999 a 2000 a SIC diminui ligeiramente oseushare– para cerca de 48% de audiências– enquanto a TVI veio a subir de forma cons-tante no mesmo período, em detrimento dosdois canais públicos.51
No centro da nova guerra de audiênciaspelo prime-time, encontram-se , mais umavez as telenovelas brasileiras. Os sinais decansaço das audiências, frente ao modelo desucesso inaugurado em 1977 pela RTP1, eaprofundado pela SIC, fundado na receita te-lenovela brasileira-telejornal-telenovela bra-sileira, acentuam-se a partir de 1999, quandoo sharedecai de aproximadamente 80% para65%, no momento da exibição da telenovelaTerra Nostra. Contudo, segundo refere Po-licarpo,52 no dia 30 de Dezembro de 1999,74% dos aparelhos de televisão do sistemade audiometria estavam sintonizados para as-sistir aTerra Nostra, e sondagens audiomé-tricas realizadas para o semanárioExpresso,referem que 61% dos telespectadores seriammulheres, 34,6% pertencentes à Classe C2 e32,8% à classe D, (perfazendo um total de67,4% dos estratos médio-baixo e baixo), es-tando situadas 26,3% no interior rural e nagrande Lisboa.
Já em Agosto de 1999, apesar da SICmanter a liderança e a RTP1 ainda se en-contrar em segundo lugar, nas preferênciasdos espectadores, nota-se uma tendência as-cendente da TVI – com José Eduardo Mo-
51OBERCOM (2000),Anuário Comunicação: osmedia e os novos media, 2000-2001, Lisboa, Obser-vatório da Comunicação.
52Policarpo, V. (2001), Telenovela Brasileira:apropriação, género e trajectória familiar, Disserta-ção de Mestrado em Sociologia, apresentada à Uni-versidade de Coimbra;Imagens do masculino e dofeminino na telenovela brasileira, Projecto financi-ado pela Fundação Ciência e Tecnologia, 2000-2002,p.50.
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niz, à frente, vindo da RTP – sobretudonos segmentos de público, Donas de Casae Crianças (4-14 anos). Esta tendência seráreforçada em 2000 com as novas grelhas,sendo que a TVI apostará numa contra –programação frente à SIC, fundada nas te-lenovelas portuguesas, em programas de for-mato importado, como oBig Brother, e noprolongamento do telejornal da noite ondesão introduzidas informações sobre as tele-novelas e oBig Brother.
Neste novo contexto, a exibição deLaçosde Famíliana SIC, será gravemente afectada,sofrendo constantes oscilações nos seussha-res (entre 53% e 34%), mas mantendo con-tudo a média da liderança com uma percenta-gem de cerca de 39,9% da audiência total, oque corresponde a mais de um milhão e meiode espectadores, representando 16% da po-pulação portuguesa. Dados fornecidos pelaempresa Marketest, recolhidos peloProjectoImagens do Masculino e do Feminino na te-lenovela brasileira,53 referentes à visualiza-ção da telenovelaLaços de Família, de Maioa Dezembro de 2000, parecem indicar quesão as mulheres de mais de 45 anos, vivendonas cidades do interior, que independente-mente das classes sociais mais consomem te-lenovelas brasileiras. No entanto, a investi-gação levada a cabo por este Projecto – combase em entrevistas individuais e defocusgroup a cerca de vinte homens e mulheresjovens adultos, na cidade de Lisboa – e apesquisa realizada por Verónica Policarpo –cerca de 20 entrevistas , 7 homens e 13 mu-lheres, na mesma cidade – sobre a apropri-
53Projecto financiado pela Fundação Ciência e Tec-nologia (FCT), de 2000 a 2002, com a participaçãodas seguintes investigadoras, Isabel Ferin Cunha, Te-resa Líbano Monteiro, Verónia Policarpo e LeonorGameiro (bolseira da FCT).
ação, em função do género e trajectória fa-miliar da telenovelaTerra Nostra, apontampara a ideia que, existindo na generalidademais de um receptor de televisão em cadacasa, e sendo ozappinguma constante, a te-lenovela brasileira é regularmente objecto devisualização, sendo entendida como um fac-tor deutilidade social,deaprendizagem, deprazer estético, derelaxamentoe, em menorgrau,de entretenimento.54
Se o impacto doreality show, Big Brother,na TVI, abalou toda a estratégia da SIC, naverdade não é possível menosprezar a apostafeita por essa estação nas telenovelas e sé-ries portuguesas. Como afirmou o directorda TVI, José Eduardo Moniz, oBig Brotherfuncionou como locomotiva de atracção dosespectadores, mas para os fidelizar lá esta-vam o Jornal da Noite, com a jornalista-vedeta Manuela Moura Guedes, as sériesJardins Proibidos, Crianças SOS, Super Paie as telenovelasOlhos de Água, Anjo Selva-gem(2002) eFilha do Mar(2002). A partirdo último trimestre de 2001, sempre puxadaspelas aventuras e desventuras das expulsõesdos moradores da casa doBig Brother I, II eIII , a TVI consegue superar os níveis de au-diência da SIC.55 Pelo meio ficaram dias me-moráveis de contra-progragramação, com aexibição de telenovelas por tempo indetermi-nado ou programas de apoio explícito a listasde clubes de futebol, bem como o recurso ahistórias pessoais de violência, miséria ou in-segurança. A SIC ainda tentou contra atacarexibindo reality showscomparáveis aoBigBrother, como oBar da TV, Acorrentados,mas acaba por incorporar uma táctica palia-
54Policarpo, V. (2001), Ob. Cit. p. 46.55OBERCOM (2001),Anuário Comunicação: os
media e os novos media, 2001-2002, Lisboa, Obser-vatório da Comunicação.
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tiva, ao procurar reforçar os tempos anterio-res aoprime-timeliderado pela TVI, na espe-rança de um esgotamento daquela estratégia.
Neste enquadramento, a SIC investiu, du-rante o ano de 2001, na exibição de teleno-velas brasileiras, num total de cerca de 882horas/ano, bem como em 10 telefilmes por-tugueses. As tardes foram ocupadas, desde ahora do almoço até ao início doprime-time,pelas reposições deA Próxima Vítimae aVi-agem, as telenovelasUga, Uga, New Wavee O Cravo e a Rosa. No início doprime-time, a SIC tentou a exibição, sem grandesucesso, deGanância, uma telenovela por-tuguesa com actores brasileiros e atirou parao fim doprime-time(22h 30m)Porto dos Mi-lagres.56 Durante o ano de 2002, esta estaçãoutilizará a mesma táctica, ao concentrar astelenovelas brasileiras (Desejos de Mulher,New Wave, Coração de Estudante) no pe-ríodo anterior aoprime-time, preenchendo eestendendo oprime-timecom programas dehumor e tentando a sorte com a telenovelaportuguesaFúria de Viver(bastante mais ba-rata, cerca de 30.000̆A por capítulo, contraos cerca de 100.000̆A das brasileiras), aomesmo tempo que atiravaO Clone para operíodo após o fim doprime-time.
A táctica de resistência da SIC parece teracabado por dar resultado, de acordo comdados da Marketest, a partir de Maio de2002, quando recupera a liderança das au-diências, registando umsharemédio mensalde 32,9%, contra os 29% de quota de mer-cado da TVI e os 21,2% da RTP1. Contudo,esta posição da SIC fica-se pela média dodia, continuando a TVI, com 35%3 a lide-
56Nunes, C. (2001), "Ficção vence Big Brother: anovela da TVI Olhos de Água lidera os programasmais vistos. A novela real cedeu o lugar à ficção",Expresso, 07/04/01, p.12.
rar um longoprime-time esticado, das 20h às24h, com oJornal da Noitee as telenovelasportuguesas.
No cenário dinâmico destes três últimosanos, convém referir as alterações que fo-ram realizadas, ou anunciadas, pelo governoeleito em Março de 2002, nomeadamente areestruturação da RTP(com a possível extin-ção do Canal 2), a extinção daholding Por-tugal Global, a redefinição dos objectivos doserviço público de televisão e de rádio, com adiminuição dos tempos de publicidade e hi-erarquização de conteúdos de interesse pú-blico (as telenovelas são, directamente, con-sideradas de não interesse público), o fim dossubsídios a organismos vocacionados para acriação de conteúdos.57
5 Conclusão
A sociedade portuguesa mudou muito do fi-nal da década de setenta até ao ano de 2002.São cerca de vinte e cinco anos que fizeramde Portugal um país diferente nos aspectoseconómico, político, social e demográfico.Os portugueses, apesar de se manterem nacauda da Europa, atingiram muitos dos ín-dices de desenvolvimento e bem estar euro-peus e, como já foi afirmado, mas é semprebom retomar, os portugueses têm as mesmasexpectativas perante a sociedade material, oconsumo, a organização, as férias, a culturae o divertimento que os mais ricos habitan-tes do hemisfério Norte.58 Por outro lado,estas expectativas são forjadas, quase na to-talidade, pelos Media e pelas indústrias cul-turais, através de incentivos ao consumo e a
57Henriques, J.P. (2002),Governo pôs em marchaplano para reformar RTP, Público, 10/05/02, p.2.
58Maria João Avillez conversa com António Bar-reto: Entrevista.Expresso, 11/07/98.
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apresentação de estilos de vida, assentes emmodelos de vida quotidiana.
Ao longo destes vinte e cinco anos, muitasdestas expectativas concretizaram-se. A ge-ração que era adolescente, ou jovem adulta,na Revolução do 25 de Abril de 1974,progrediu economicamente com a democra-cia, adquiriu mais estudos, beneficiou dasoportunidades oferecidas pela integração naUnião Europeia. De uma maneira geral,os portugueses desta geração, nos primeirosquinze anos, pós 25 de Abril, estabeleceram-se nas cidades, compraram casa, esquece-ram os tempos da ditadura e do Império,educaram-se e educaram os filhos. Nos úl-timos dez anos, os mesmos portugueses pas-saram a ver-se como europeus, a olhar paraos imigrantes com certo desdém, esqueci-dos da sua emigração, habituaram-se via-jar, a consumir no quotidiano, tornaram-seconservadores nas práticas e nos gostos. Ageração da Revolução do 25 de Abril pro-curou, frente aos mais novos, simplificar-lhes a vida: ofereceu-lhes os produtos no-vos que eram anunciados na televisão pú-blica e depois nas privadas. Primeiro vieramas farinhas Nestlé, a Coca-Cola, os yogurtesDanone, depois os brinquedos do He-Man,as Tartarugas Ninja e, finalmente, o McDo-nalds, os brinquedos da Toy’s & URST com-prados nos shoppings-centers das Amorei-ras, Cascais ou Colombo. O consumo pas-sou a ser uma rotina no quotidiano. O con-sumo das indústrias culturais e de conteúdostornou-se uma forma de distinção, um dadona composição do estilo de vida, um meio dese integrar e na Europa e na sociedade Glo-bal.
As histórias de sucesso, do homem de su-cesso português, acarinhadas pelo primeiroministro Cavaco Silva, incorporadas pela ge-
ração da Revolução, tornaram-se, no imagi-nário urbano e consumista, um percurso emlinha recta para todos os jovens. A partir de1998, as crescentes dificuldades económicasde Portugal em cumprir prazos e metas, fi-nanceiros e económicos, exigidos pela UniãoEuropeia, vieram demonstrar que este cami-nho de sucesso individual e colectivo é sinu-oso: grande número de portugueses ficaramde fora das benesses da prosperidade anun-ciada, muitos não têm, nem terão, acesso rá-pido ao bem-estar. Entretanto, a sociedademudou, bem como os valores, os estilos devida e os quotidianos de grande parte dosportugueses.
O Relatório do OBERCOM oferece o se-guinte quadro dos espectadores, por canalgeneralista.O espectador da SIC vive no in-terior e na Grande Lisboa, enquanto a TVIapresenta maiores resultados no Interior eno Litoral Norte, à semelhança da RTP1.Relativamente às classes sociais, os espec-tadores da SIC, da RTP1 e da RTP2 perten-cem sobretudo à classe D, sendo na SIC oresultado bastante próximo da Classe C2. Éa esta última que pertence o espectador daTVI, que apresenta em segundo e terceiro lu-gar as Classes D e C1 com resultados bas-tante aproximados. No que diz respeito aogénero, RTP1, SIC e TVI são mais vistos pormulheres, enquanto a RTP2 é mais vista pelosexo masculino. Nas faixas etárias, os es-pectadores dividem-se praticamente em uni-formidade pelos vários canais. A RTP1 émais vista pelas faixas mais envelhecidas,apresentando 28,6% na população com maisde 64 anos e 16% nos que têm entre 55 e64 anos, à semelhança do que acontece naRTP2, que é vista 24,4% pelas pessoas commais de 64 anos e 14,6% pelas que têm entre55 e 64 anos. Já o espectador da TVI, pelo
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contrário, pertence às camadas mais jovens,com os que têm entre 4 e os 14 anos a repre-sentar 19,8% e as pessoas que têm entre os15 e os 24 anos a significarem 15%. A SIC,por seu lado, abrange as várias faixas etá-rias, situando-se os seus maiores resultadosna camada jovem, entre os 4 e os 14 anos(15,7%) e na faixa etária com mais de 64anos (20,5%). 59
A televisão, e os géneros televisivos, re-flectem estas mudanças: novas gerações no-vas exigências. O caso das telenovelas bra-sileiras, em Portugal, é provavelmente umcaso paradigmático da leitura que as audi-ências fazem de determinados géneros emfunção das alterações sociais por si viven-ciadas. Nos primeiros dez anos, a politiza-ção da recepção das telenovelas brasileirasestá por demais documentada na imprensa dequalidade e decoração. Nesse período, aomesmo tempo que se mantém o interesse pe-las telenovelas que focam temas de carácterhistórico – nomeadamente, pelas que apre-sentam um imaginário lusófono – aumenta ointeresse pelas temáticas de ascensão social(tipo Rainha da Sucata) e pelas narrativashumoradas que privilegiem temas ainda ta-bus (por exemplo,Guerra dos Sexos, RoqueSanteiro). Na década de noventa, a superiori-dade técnica de todos os agentes envolvidosna indústria da telenovela brasileira é unani-memente reconhecida em Portugal:eles sa-bem contar uma história, divertir e entre-ter, ao mesmo tempo expressar as alegrias,tristezas e preocupações dos espectadores.60
Mas não é só esta superioridade técnica que
59OBERCOM (2001),Anuário Comunicação: osmedia e os novos media, 2001-2002, Lisboa, Obser-vatório da Comunicação, p.268-269.
60Miguel, T. (1993),Portugal: alegrias e misérias,Revista Expresso, 25/09/1993, p 18-19 R.
capta as audiências, são também frequente-mente apontadas as convergência entre os te-mas tratados nas telenovelas brasileiras, fei-tas para as audiências brasileiras e os interes-ses presentes nas audiências portuguesas.
Os sinais desta convergência de interesses,presentes durante toda a década de noventa,devem-se provavelmente, ao vertiginoso pro-cesso de abertura da sociedade portuguesa àsociedade europeia e aos modelos de quoti-diano globalizados, e que podem ser identifi-cados nas referências públicas – na imprensade qualidade, na decoraçãoe nas duas inves-tigações realizadas – às telenovelas brasilei-ras como apresentando temáticasmodernas,actualizadase com umacerta utilidade so-cial. No entanto, na medida em que surgemespectadores mais jovens, já socializados emambientes urbanos, com hábitos de consu-mos culturais variados e grande número dehoras/géneros de televisão visualizadas, tal-vez esta convergência tenda a se esgotar oua se estabilizar num certo público. Este pú-blico constituído por mulheres e homens, demeia-idade, dos meios urbanos do interiore das grandes cidades, pessoas que mantêmcom a telenovela brasileira uma empatia li-gada ao seu percurso de urbanização recente.
Talvez, confirmando esta função de ser-viço público atribuído à telenovela, se possacitar a Sondagem realizada no mês de Junho,do presente ano, com vista a fundamentar osgéneros necessários a uma grelha de serviçopúblico, onde as telenovelas (sem se especi-ficar se são as brasileiras ou as portuguesas)surgem dividindo a opinião pública. Isto écerca de metade dos inquiridos consideram
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que as telenovelas prestam um serviço pú-blico.61
Ao mesmo tempo, os investimentos por-tugueses no audiovisual e no domínio detécnicas e a melhoria das performances dosprofissionais, tendem a criar novos públi-cos para as telenovelas feitas em Portugal,enfatizando a narrativa ficcionada, os ima-ginários, as expectativas e angústias nacio-nais. Com este objectivo, nem sempre con-seguido, tem-se vindo a localizar a ficçãonas terras e cidades portuguesas – filma-seo Douro, as lezírias ribatejanas e os Açores –constróem-se personagens com base em es-tereótipos identificáveis – uma matriarca po-derosa, jovens à procura de sucesso rápido –mostra-se de relance as culturas regionais –os lagares de azeite e vinho, a culinária – eos lugares decult nocturno da juventude por-tuguesa. Por outro lado, assiste-se à buscade temas que possam congregar diversos pú-blicos (estratos sociais,faixas etárias, níveisde escolarização) à volta da narração de umaestória. A experiência da TVI com a teleno-velaJóia de África(iniciada em Outubro de2002), ambientada na província de Gaza, emMoçambique, nos anos cinquenta, é um pis-car de olhos à identidade colonial portuguesaperdida, ao recriar através de umaestóriadefamília – onde falta coragem para discutir oque foi o colonialismo para os portuguesese para os moçambicanos – uma sociedadecolonial idílica. Deve-se referir, contudo, oavanço técnico e organizativo que esta expe-riência revela, bem como a contracenação degrande número de actores portugueses e mo-çambicanos. No entanto, a esta e às outrastelenovelas portuguesas ainda falta a densi-
61Vilar, E. (2002),Telenovelas dividem opiniões,Público, 24/06/2002, p. 34.
dade antropológica e sociológica das perso-nagens construídas pelas telenovelas brasi-leiras, bem como omarchandise socialqueconstitui, hoje, uma mais valia para a ficçãotelevisiva. E parece que a Globo já percebeuque tem de entrar neste jogo de tematizar elocalizar as telenovelas em Portugal ao pro-duzirSabor de Paixãocom algumas atençõesao público do além-mar.62
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