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Universidade Federal Fluminense Instituto de Ciências Humanas e Filosofia Graduação em Ciências Sociais ABILIO MAIWORM-WEIAND As relações de trabalho numa empresa agrícola de produção orgânica: estudo de caso do Sítio do Moinho, em Petrópolis – RJ. Niterói 2014
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As relações de trabalho numa empresa agrícola de produção orgânica: estudo de caso do Sítio do Moinho em Petrópolis - RJ.

May 15, 2023

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Page 1: As relações de trabalho numa empresa agrícola de produção orgânica:  estudo de caso do Sítio do Moinho em Petrópolis - RJ.

Universidade Federal FluminenseInstituto de Ciências Humanas e Filosofia

Graduação em Ciências Sociais

ABILIO MAIWORM-WEIAND

As relações de trabalho numa empresa agrícola de produção orgânica:estudo de caso do Sítio do Moinho, em Petrópolis – RJ.

Niterói2014

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Universidade Federal FluminenseInstituto de Ciências Humanas e Filosofia

Graduação em Ciências Sociais

ABILIO MAIWORM-WEIAND

As relações de trabalho numa empresa agrícola de produção orgânica:estudo de caso do Sítio do Moinho, em Petrópolis – RJ

Monografia apresentada à coordenação do cursode Ciências Sociais da Universidade FederalFluminense, como parte dos requisitos para aobtenção do grau de bacharel.

Orientador: Prof. Dr. Maurício Mello Vieira MartinsCo-orientadora: Profa. Dra. Ana Maria Motta Ribeiro

Niterói2014

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Universidade Federal FluminenseInstituto de Ciências Humanas e Filosofia

Graduação em Ciências Sociais

ABILIO MAIWORM-WEIAND

As relações de trabalho numa empresa agrícola de produção orgânica:estudo de caso do Sítio do Moinho, em Petrópolis – RJ

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________Prof. Dr. Maurício Mello Vieira Martins (Orientador)

Universidade Federal Fluminense

____________________________________________Profa. Dra. Ana Maria Motta Ribeiro (Co-orientadora)

Universidade Federal Fluminense

____________________________________________Prof. Dr. Valter Lúcio de OliveiraUniversidade Federal Fluminense

Niterói2014

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DEDICATÓRIAS

In memoriam

Marco Túlio David das Neves

Atílio Aléssio

Alexandre Francisco da Silva

“para aliviar o peso da palavra

que ninguém é de pedra”

(Paulinho da Viola).

Professor Ciro Flamarion Cardoso (in memoriam).

Cuja palestra proferida em 13 de abril de 2009,

em Petrópolis,

teve o efeito de lavar minh’alma

e

determinar o meu retorno à vida acadêmica.

Abaixo, dedico o “diálogo” entre o poeta e o filósofo, acompanhado atentamente por nossoherói, ao autor destas linhas.

Quem é você que não sabe o que diz? (Noel Rosa)

Só sei que nada sei. (Sócrates)

Ai, que preguiça! (Macunaíma).

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AGRADECIMENTOS

Parte de maior “liberdade” no trabalho acadêmico, pois mesmo sem a rigidez dasnormas o espaço é exíguo. Expor afetos assim é como convidar para a cerveja e distribuir de-

dais. Espero que as parcas palavras não sejam a expressão de porcas afeições.

Em tese, numa monografia, que nem dissertação é, deveria constar o valoroso reco-nhecimento de quem contribuiu para a sua realização. Inclusive, pouparia espaço. Mas, um

TCC é mais que o trabalho de conclusão de curso. Muitas pessoas estiveram na canoa. Mesmo

que brevemente, foram-na em mar revoltoso ou sem brisa; timoneiras e remadoras, simultane-amente. Reingressar na universidade depois de anos, cuja luz que acalentava tal ideia parecia

vir da lamparina de um túnel tortuoso, conta com tantas outras; maquinistas e foguistas.

Meu contato com as ciências sociais iniciou há certo tempo. O marco talvez seja em1993. Bernard Herman Hess, amigo-camarada e irmão da vida (hoje na UNB), criou comigo

um grupo de estudos na universidade (Viçosa – MG). Iniciado como curso de introdução à

filosofia, reuniu entre 30 e 40 pessoas aos fins de semana de um período letivo. Ministradoentusiasticamente pelo professor José Carlos Costa (UFV) seguiu sob sua coordenação nos

anos seguintes como grupo de estudos. Ao Bernard e ao Zé não há como agradecer. Eles não

contribuíram para a minha formação. Muito além, compõem o meu arcabouço analítico toda

vez que o mobilizo. Igualmente reconheço o professor Alberto Jones (sociologia rural –UFV), o camarada Jones. Amigo guerreiro, valoroso e fecundo intelectual, poeta de textos e

da vida. Um grande filho da Bahia que traz dentro de si a generosidade do seu Povo.

A ideia de cursar ciências sociais também vem daí. O primeiro a acalentá-la foi o mé-dico-veterinário, psicólogo e ser humano por paixão, Breno Veríssimo Gomes. Como já disse

o poeta, “fez-se do amigo próximo, distante” ao fim do seu doutorado e do mestrado de sua

mulher, Fátima, e o retorno para a UFMS. Mais recente, mas nem por isso não distante, em2003, ao fim da defesa da dissertação da minha companheira, Clareth Reis, o incentivo veio

da professora Iolanda de Oliveira (PENESB – UFF). Estímulo que se juntou às menções in-

conformadas da Clareth sobre a minha recusa em retornar à condição de um “ser sem luz”.Também a partir daí, insistentemente ouvi o mesmo das amigas professoras Maria Batista

(UFS) e Vera Neri (UNISUAM). A elas, cada qual de um canto deste país, mas com contos

de vida que se encontram nos cantos herdados das resistências e rebeliões das senzalas, qui-lombos, sertões, navios e guerrilhas, expresso a minha singela e inesquecível gratidão.

No trajeto podem surgir percalços a desestimular o caminhante, caso não esteja confi-

ante na construção do caminho. Comigo não foi diferente. A diferença é que novos remadorese timoneiros chegaram. Muitos mais que as menções aqui. Pelo apoio material e emocional

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naqueles momentos complicados, agradeço carinhosamente: a Anilce Bretas, à querida amiga

Ilza David das Neves (incluindo toda a sincronia desde o “fim da história”), a colega JuciaraPrado e ao prezado Anderson Paulino.

As tempestades costumam retornar após certa bonança. Os agradecimentos são pela

acolhida carinhosa e pela partilha de tantas coisas simples que nos humanizam. Ao amigoWelington Batista, da coordenação de estatística; a seriedade das palavras e o afeto das ações.

À querida Denise Pinaud, que sorri com o coração e canta a vida. Ao Marcelo Carvalho, que

pela simplicidade e alegria só podia ser da Bahia. E novamente ao Anderson, agora acompa-nhado da Gisele; “Um sorriso negro, um abraço negro. Traz... felicidade”.

Ao Luciano Cruz e a Soraia Silva pela aconchegante recepção em vosso quilombo

(PENESB – UFF) e por darem fim ao desespero de trabalhos prontos, mas não impressos.Em Petrópolis, além de sempre me procurarem, preocupados com meu sumiço, gen-

tilmente cederam os seus canais auditivos às elucubrações intelectuais e aos choros sem velas

pela angústia de esforços não sacramentados no “coeficiente de crucificação”. Seu Luis e Do-

na Dirce (Quitanda Mosela), Silvana e Florian Kopp (Independência esquina com Bayern),peço-lhes que sempre me procurem e perdoem; às vezes eu não sei o que estou dizendo.

Aos companheiros-agricultores familiares da APOP, Edvaldo Vieira e Manoel Ferrei-

ra, pela confiança, o espaço aberto e a convivência na agricultura orgânica, assim como aoamigo de décadas Paulo Roberto e Souza (Mamirauá – Tefé – AM); outro mundo é possível.

Às bibliotecárias e demais trabalhadores e trabalhadoras da Biblioteca Central, em

particular a Tâmia, pela pronta atenção e orientação na busca de livros e soluções de proble-mas. Sem vossa ajuda não teria logrado os conhecimentos e resultados acadêmicos obtidos.

Aos funcionários e funcionárias do ICHF com quem convivi e que trabalham para

que o Instituto e o curso de ciências sociais efetivamente aconteçam. Em particular ao Wel-lington Teixeira. Também ao Eduardo Telles, cuja convivência permitiu a criação idealizada

de uma agremiação cultural da qual nos tornamos diretores. Aos terceirizados e terceirizadas,

em especial ao Alberto e a Ângela, sempre atenciosos e prestativos, ajudaram-me a conectar auniversidade e o curso à realidade social fora do espaço acadêmico.

Aos professores da UFF que efetivamente trabalham e se dedicam à formação de tan-

tos cientistas sociais, apesar das condições muitas vezes precárias, do excesso de trabalho e daremuneração muito aquém da qualificação e da responsabilidade.

Aos colegas Diego Maggi e Chico Julião (Um P. C.) pelas valorosas discussões ao

longo do curso e o regozijo com vossos embates. Vocês farão diferença em nosso campo.

À professora Carmen Felgueiras pela primeira sugestão de que eu partisse da experi-ência na agricultura orgânica para o TCC. Também ao professor e companheiro Adriano Du-

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arte (História – UFSC) pelo reforço desta ideia e sugestões valiosas. Ao Lourival Fidelis, que

em meio ao doutorado e lá da Espanha, guiou-me nos primeiros passos da delimitação do te-ma e da construção das hipóteses. Sua ajuda foi fundamental. A muito querida Renake David

e aos camaradas Leonardo Albuquerque e Bernardo Soares, todos da história da UFF, por

acreditarem na relevância do tema, pelas dicas e pelo incentivo quando vinha o desânimo.Aos geógrafos sociais, amigos-professores Márcio Piñon (UFF) e Júlio Ambrozio

(UFJF) pelas fecundas discussões da geografia. Com vocês vi relações muito mais complexas

sendo edificadas em nossos latossolos e variantes que as observadas nas superfícies de suasargilas silicatadas. Ao Júlio, pelas sugestões variadas para o TCC, mas principalmente pelo

convívio na geografia serrana, rico em reflexões de quem está no pico, mas conhece os vales.

Mais “Imperial Helles” nos aguarda: Noch ein Bier, bitte!À professora Lívia de Tommasi pelos alertas de excesso, quase sempre ignorados e

que acabaram por cobrar um preço quase alto demais. Pelo respeito à linha teórica que assu-

mi, reconhecimento, incentivo e pela recomendação que sempre fez: Procura o Maurício. Pro-

cura o Maurício. Ao menos nisto lhe ouvi.À professora Ana Motta, pela co-orientação, pelas palavras de estímulo e leitura aten-

ta da monografia. Ao professor Valter de Oliveira pelas sugestões iniciais ao projeto de pes-

quisa e leitura da monografia.Ao Maurício Vieira Martins. A convivência por um ano sob sua orientação revelou-

me um intelectual rigoroso e fecundo professor, comprometido com a universidade pública,

com o curso de ciências sociais e a respectiva formação de seus estudantes. Mas acima detudo pude conhecer um ser humano de imensa sensibilidade. A relação sincera e amiga esta-

belecida foi essencial para o processo de orientação e para que me sentisse estimulado, com-

prometido e dedicado a desenvolver um trabalho investigativo que atingisse o potencial e asexpectativas que criamos frente às condições apresentadas. Posso dizer sem medo de errar que

levarei comigo um aprendizado humano para o restante do trajeto de vida.

“E dando os trâmites por findos”, até pela coincidência do dia, não há mais como a-gradecê-la. Resta-me a confissão: a Clareth.

Foguista dos meus sonhos,

remadora de paixões,

locomotiva da minha vida

timoneira dos caminhos,

Porto seguro do meu coração. Abilio Maiworm-Weiand/sábado, 02-ago-2014, Petrópolis - RJ

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RESUMO

O estudo monográfico “As relações de trabalho numa empresa agrícola de produção

orgânica: estudo de caso do Sítio do Moinho em Petrópolis – RJ” aborda vários

aspectos da agricultura orgânica e analisa as relações sociais de trabalho que engendram

a produção. A questão crucial levantada é se o trabalho assume caráter inovador dentro

do contexto da ecorresponsabilidade social ou se tem a mesma lógica da produção de

mercadorias. Partiu-se da pesquisa bibliográfica nucleada no debate agrário sob a ótica

marxista de textos acadêmicos que analisam o assunto. Realizou-se um estudo

exploratório de campo no Sítio do Moinho, região serrana fluminense. Fizeram-se

entrevistas no local de pesquisa e imagens digitais do campo. Diversos portais na

internet foram pesquisados. Procurou-se identificar os diversos aspectos socioespaço-

temporais do lócus de investigação. Os dados construídos fundamentaram a verificação

das hipóteses. Constatou-se a presença do agronegócio orgânico.

Palavras-chave: Sítio do Moinho. Desenvolvimento sustentável. Agricultura orgânica.

Trabalho produtivo.

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LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS

ABIO – Associação dos Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro

APOP – Associação de Produtores Orgânicos de Petrópolis

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

COONATURA – Cooperativa Mista de Produtores e Consumidores de Alimentos

EBAA – Encontro Brasileiro de Agricultura Alternativa

EMATER-RJ – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Rio de

Janeiro

IBD – Instituto Biodinâmica de Desenvolvimento Rural

IFOAM – International Federation on Organic Agriculture (Federação Internacional de

Agricultura Orgânica)

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

MIT – Massachusetts Institute of Technology (Instituto de Tecnologia de Massachussets –

EUA)

OIT – Organização Internacional do Trabalho

ONU – Organização das Nações Unidas

OPAC – Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade.

PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

RS – Rio Grande do Sul

RR – Roraima

SBT – Sistema Brasileiro de Televisão

SIMPLES – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das

Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte

SISORG – Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica

SPG – Sistema Participativo de Garantia

UNCED – United Nations Conference on Environment and Development (Conferência das

Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento)

UENF – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darci Ribeiro

UFF – Universidade Federal Fluminense

UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

UNOPAR – Universidade Norte do Paraná

URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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SUMÁRIO

1 APRESENTAÇÃO 01

1.1 Antecedentes do tema 01

1.2 Relações de trabalho e agricultura orgânica: caminhos trilhados 03

2 A AGRICULTURA ANTES E APÓS A REVOLUÇÃO VERDE 10

2.1 Breve contextualização acerca do debate dos clássicos do marxismo sobre o

campesinato 10

2.2 A Revolução Verde e algumas consequências para o Brasil 15

2.3 A agricultura alternativa 17

2.4 Desenvolvimento sustentável 18

2.5 Economia verde 20

2.6 A agricultura orgânica 21

3 A AGRICULTURA ORGÂNICA EM PETRÓPOLIS 25

3.1 O Sítio do Moinho 26

3.2 Condições preliminares do trabalho de campo 26

3.3 Situando o Sítio do Moinho 27

3.4 O surgimento do Sítio do Moinho 29

3.5 Dick Thompson: um proprietário neorrural 32

3.6 Do início da produção à primeira comercialização 33

3.7 O significante “cesta” e seu significado no Sítio do Moinho 34

3.8 O espaço neorrural do Sítio do Moinho e sua identidade em construção 37

3.9 Além do domicílio: o fornecimento para os supermercados 39

3.9.1 A saída do grande comércio varejista 40

3.9.2 A estrutura herdada 42

3.9.3 A certificação da produção orgânica 44

3.10 Exigências para a certificação da produção orgânica: três possibilidades 45

3.11 – O Sítio do Moinho e as certificações pelo IBD e ABIO 47

3.12 – Agricultores-fornecedores familiares e as novas exigências 48

3.13 – Dick Thompson: de produtor rural a empresário 53

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4 SÍTIO DO MOINHO: PRODUÇÃO E RELAÇÕES DE TRABALHO 56

4.1 O atual patamar da produção 58

4.2 Planejamento, supervisão e execução do cultivo 66

4.3 As condições de trabalho 73

4.4 A parte que te cabe dessa produção 75

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 85

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 86

7 APÊNDICES 92

7.1 APÊNDICE A: ROTEIRO PARA ENTREVISTAS 92

7.2 APÊNDICE B: ENTREVISTAS 93

7.2.1. APÊNDICE B1: 1ª ENTREVISTA (1ª PARTE) DICK THOMPSON 93

7.2.2 APÊNDICE B1.1: 1ª ENTREVISTA (2ª PARTE) DICK THOMPSON 107

7.2.3 APÊNDICE B2: 2ª ENTREVISTA EVANDRO 109

7.2.4 APÊNDICE B3: 3ª ENTREVISTA MARLENE 114

7.2.5 APÊNDICE B4: 4ª ENTREVISTA MARLENE, MARCOS E EVANDRO 116

7.2.6 APÊNDICE B5: 5ª ENTREVISTA (1ª PARTE) EDUARDO 121

7.2.7 APÊNDICE B5.1: 5ª ENTREVISTA (2ª PARTE) EDUARDO 130

7.2.8 APÊNDICE B5.2: 5ª ENTREVISTA (3ª PARTE) EDUARDO 130

7.2.9 APÊNDICE B6: 6ª ENTREVISTA PAULO CÉSAR 131

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1 - Apresentação

1.1 - Antecedentes do tema

A decisão pela escolha do tema sobre o trabalho na agricultura, e mais especifica-

mente sobre as relações de trabalho que se estabelecem e se dinamizam num determinado

empreendimento de agricultura orgânica, tem relação inevitável com a minha própria trajetó-

ria pessoal.

Apesar de não ser filho de camponeses, meus avós, tanto paternos quanto maternos,

foram agricultores familiares e sempre trabalharam a terra sem o uso de quaisquer substâncias

químicas industrializadas. Aprendi a gostar de agricultura principalmente pela convivência

com a minha avó materna que residia ao final da Rua Gaspar Gonçalves, em Petrópolis, no

município serrano do Rio de Janeiro1. Apesar das limitações técnicas da fotografia original2 e

da própria digitalização, meus avós maternos Carmen Mayworm e João Wayand Jr. podem

ser vistos abaixo junto de alguns dos seus animais domésticos.

1 Julgo necessário esclarecer que no último dia 25 de abril de 2014, foi aprovada a Lei nº 7.174 que alterou aDeliberação nº 1.224 de 07 de abril de 1960, que denominava o logradouro público por Rua Gaspar Gonçalves,passando a denominar-se agora de Rua João Wayand Júnior, no Quarteirão Brasileiro. Ao final de 2009 iniciei acampanha para esta alteração. Foi a forma encontrada para homenagear a memória daquele que liderou a abertu-ra da rua, nomeou-a como Gaspar Gonçalves, cuidou da mesma por toda a vida e faleceu repentinamente em 21de janeiro de 1977 devido ao esforço físico empregado nesses cuidados.2 A autoria não é conhecida. A data é avaliada em fins dos anos 1950, provavelmente entre 1956 e 1959. A fotooriginal pertence ao álbum de família de Laura Wayand, filha do casal Mayworm&Wayand. A reprodução digi-tal foi realizada por mim. Para complementar, o que parece um cigarro à boca é apenas uma mancha branca.

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Sob tal influência direta fui cursar agronomia na Universidade Federal de Viçosa, em

Minas Gerais. Apesar de não ter concluído o curso, não me afastei completamente da dimen-

são do rural. Entre os anos de 2004 e 2009 labutei como agricultor orgânico onde também

morava, na atual Rua João Wayand Júnior, no Quarteirão Brasileiro. A área total do terreno é

de 574,44 m². No entanto, a parte agricultável não ultrapassa os 370,00m². As fotografias di-

gitalizadas e postadas abaixo retratam parte desta área em que residi e trabalhei.

Foto e digitalização: Abilio Maiworm-WeiandCanteiros: (1º) Couve-flor, repolho, mostarda; (2º) Alface; (3º) Alface, cenoura e beterraba.No último plano: ervilha e feijão preto. Acima e à esquerda dois pequenos montes de composta-gem; restos de cozinha, folhagens diversas, calcário dolomítico (Ca e Mg) e esterco de cachorro.

Foto e digitalização: Abilio Maiworm-WeiandMilho híbrido em cultivo consorciado com feijão preto.

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No ano de 2005 ingressei na Associação dos Produtores Orgânicos de Petrópolis

(APOP). Durante a minha organização na APOP tive a oportunidade de conhecer de perto o

universo de luta e organização dos agricultores familiares e das disputas políticas e ideológi-

cas travadas neste setor. Tanto em embate com a agricultura convencional quanto na luta in-

tersetorial com produtores capitalizados e consumidores de “classe média”.

Só abandonei efetivamente estas atividades ao final de 2009, quando decidi tentar o

vestibular para o curso de ciências sociais da Universidade Federal Fluminense, em Niterói.

Ao ingressar na UFF tive a possibilidade de travar contato de forma mais aprofunda-

da com as discussões acerca das múltiplas dimensões da sociedade. Particularmente, as ques-

tões suscitadas pelo tema do mundo do trabalho despertaram-me grande interesse, assim como

os textos e os debates da disciplina sociologia rural.

A partir dessas vivências surgiu a ideia de realizar um estudo sobre as relações de

trabalho na agricultura orgânica.

1.2 - Relações de trabalho e agricultura orgânica: caminhos trilhados

A agricultura orgânica é uma proposta de produção de alimentos que se diz inovado-

ra em muitos aspectos. Seus praticantes além de defenderem uma agricultura que não esgote

os recursos naturais, ou seja, sustentável, advogam uma sustentabilidade multidimensional.

Incluem-se aí, questões de âmbito social, econômico, ambiental, cultural, ético e político. Ge-

ralmente, tais proposições surgem sintetizadas por seus adeptos na expressão “ecorresponsabi-

lidade social”. Assim, a partir desse discernimento que a agricultura orgânica tem e divulga

sobre si mesma, decidimos investigar como se forjam e se dinamizam as relações de trabalho

em empresas agrícolas de produção orgânica.

Questionamos, então, se os empreendimentos de agricultura orgânica conseguem

construir relações de trabalho que se diferenciem de uma empresa agrícola convencional, co-

mo por exemplo, do agronegócio. Em caso negativo, isto é, se não conseguem se desvencilhar

da lógica do capital de produção de mercadorias e extração de mais-valor, não seriam, neste

caso, empresas também do agronegócio sem, no entanto, utilizarem os agroquímicos industri-

alizados?

Em vista disso, se esses empreendimentos utilizam mão de obra assalariada e se os

trabalhadores não participam das decisões de o quê produzir, como produzir e comercializar e

nem da distribuição dos lucros, cogitamos a hipótese de que tais empreendimentos não conse-

guem produzir de um modo que se diferencie essencialmente do modo de produção capitalis-

ta. Esta hipótese é considerada mesmo se o prescrito em lei estiver sendo respeitado em rela-

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ção ao compromisso “assumido pelo empregador com os trabalhadores, com medidas a serem

adotadas para melhoria contínua da qualidade de vida” 3.

Para que a análise proposta fosse alcançada, partimos de um levantamento bibliográ-

fico centrado na questão agrária do ponto de vista marxista e de um conjunto de textos que

incorpora a reflexão acadêmica existente sobre o tema. Também foi realizado um estudo ex-

ploratório de campo no Sítio do Moinho, situado na região serrana do estado do Rio de Janei-

ro. Especificamente, procuramos conhecer: o surgimento, caracterização econômica, estrutura

organizacional, produção agrícola, comercialização e, por último, como se forjam as relações

de trabalho que permitem dinamizar todo o processo produtivo nesse lócus de pesquisa. Utili-

zamos ainda como fonte de dados o portal do Sítio do Moinho na internet e as suas respecti-

vas ligações com outras organizações que mantém algum tipo de relação considerada impor-

tante para este estudo. Com isso, visamos obter dados empíricos que pudessem fundamentar

as respostas às hipóteses que instigaram esta pesquisa.

O estudo exploratório de campo ocorreu no dia 08 de abril de 2014. Foram realizadas

seis entrevistas, conforme a sequência:

1) Proprietário do empreendimento: Dick Thompson;

2) Técnico agrícola: Evandro;

3) Trabalhadora rural: Marlene;

4) Trabalhador rural: Marcos;

5) Engenheiro agrônomo: Eduardo;

6) Trabalhador agrícola: Paulo César.

Apesar de me ter guiado por perguntas preparadas antes de seguir para o campo, as

entrevistas foram construídas de forma não estruturada, isto é, entrevistas abertas4. Esta opção

foi adotada porque, conforme esclarecem Robert Bogdan e Sari Biklen, devido a sua flexibili-

dade a entrevista não estruturada “permite aos sujeitos responderem de acordo com a sua

perspectiva pessoal em vez de terem de se moldar a questões previamente elaboradas”5.

E ainda, de acordo com Marieta Ferreira e Janaína Amado, “o testemunho oral repre-

senta o núcleo da investigação, nunca parte acessória (...) [permitindo] (...) esclarecer trajetó-

rias individuais, eventos ou processos que às vezes não têm como ser entendidos ou elucida-

dos de outra forma”6. Com esta metodologia a principal fonte de dados constitui-se durante o

3 BRASIL. Presidência da República, 2007.4 A respeito dessas prévias indagações, ver o APÊNDICE A.5 BOGDAN; BILKELN, 1994, p. 17.6 FERREIRA; AMADO, 2001, p. XIV

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processo de geração da mesma, isto é, a geração documental através das entrevistas. Resulta-

do do diálogo entre o pesquisador e o entrevistado, exige do investigador a consciência de um

processo intersubjetivo. Neste caso, o corpo teórico interpretativo se forma conforme a pes-

quisa avança, buscando o sentido da visão de mundo dos seus entrevistados.

Dessa forma, através das entrevistas procuramos identificar a percepção dos entrevis-

tados, proprietário e trabalhadores, em relação às relações de trabalho que se estabelecem en-

tre os mesmos; como se dá a produção e como os produtos gerados são repartidos entre eles.

Portanto, buscamos identificar se o Sítio do Moinho tem como prioridade a produção para a

satisfação das necessidades dos envolvidos no processo produtivo, sendo comercializado ape-

nas o excedente. Ou, ao contrário, se as relações aí estabelecidas são de simples assalaria-

mento e, por isso, mesmo, produtoras de mercadorias voltadas ao mercado.

Outro recurso metodológico empregado foi o da imagem digital. Tanto a fotografia

quanto a imagem digital são mais uma forma de representação da realidade em suas múltiplas

dimensões socioespaciais; geografia, atividade laboral, construções, equipamentos etc.7 A

intenção de construir um corpus imagético não é a de mera ilustração textual. Esse tipo de

material insere-se como mais uma fonte de dados, um instrumento de pesquisa e reflexão a ser

empregado e analisado para auxiliar na compreensão do objeto de estudo em questão. A pers-

pectiva é que a narrativa textual e a imagética dialoguem ao longo do trabalho de forma a

complementarem-se, enriquecendo a compreensão do objeto investigado. Com esses propósi-

tos e nessas circunstâncias podemos “tomar” a imagem digital por fotografia e caracterizá-la

conceitualmente como possuidora de:(...) uma linguagem particular, expressando-se pela disposição dos seus diversoselementos dentro de um campo delimitado e bidimensional. Portanto, ela constituiuma representação particular como forma para expressar as relações sociais ou di-mensões particulares da natureza. É a representação registrada numa fração infini-tamente diminuta do tempo, cuja substância está contida na totalidade do processohistórico. Totalidade muito mais ampla, complexa e dinâmica que qualquer forma derepresentação.

Como as demais artes, refere-se e retrata, com maior ou menor fidelidade, mas nun-ca exatamente, o mundo real através da expressão pessoal de quem a utiliza. Assim,ela é uma forma peculiar de expressão e investigação da realidade objetiva. O domí-nio do fotógrafo sobre a técnica, o equipamento e a linguagem fotográfica, aliado àsua sensibilidade, formam o conjunto de recursos para tal elaboração interpretativae, sobretudo, representativa da realidade8.

7 Faço a distinção entre fotografia e imagem digital por questões ontológicas que não cabem ser discutidas aqui.Apesar disso, a linguagem imagética de ambas guardam muitas semelhanças e em muitos aspectos apresentampontos comuns, digamos, de uma mesma gramática. Esta, por sua vez, origina-se das regras de composição queremontam aos primórdios da geometria e sua aplicação na arquitetura, escultura e pintura muitos séculos antesdo reconhecimento oficial da primeira fotografia em 1826.8 MAIWORM-WEIAND, 2004, p. 11.

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Esse duplo caráter no interior de uma unicidade concreta, isto é, ser ao mesmo tempo

uma forma peculiar de expressar e de investigar a realidade, pode torná-la um meio eficaz

como instrumento de pesquisa para as ciências sociais. Subjetividade e objetividade como

núcleo dialético indissociável. A imagem técnica, fotográfica ou digital, é um recorte do real,

fruto do momento da escolha que o operador faz ao considerar importante aquilo que viu. Por

isso, é uma atribuição de valor e, portanto, um artefato cultural impregnado pela visão do fo-

tógrafo e de sua época, além de estar limitada pelas próprias condições técnicas de sua reali-

zação. Como afirma Ulpiano de Meneses é necessário “dar atenção à construção da imagem,

às condições técnicas e sociais de sua produção e consumo”9.

Ao mesmo tempo, no caso de fonte de dados para a pesquisa, em que a dimensão ar-

tística tem de estar necessariamente submetida aos parâmetros técnicos de foco e nitidez, po-

demos destacar “que a fotografia sempre traz consigo o seu referente”, como afirma Roland

Barthes10. Caso contrário, a sua capacidade como instrumento de pesquisa poderá ter forte

viés ou ser completamente anulada. Mas é exatamente o duplo caráter da fotografia que pode

permitir durante a pesquisa que aquilo que está invisível ganhe visibilidade, numa alusão à

interpretação que Paul Klee faz em relação à pintura11.

Além das imagens de minha própria lavra, também foram utilizadas neste trabalho

imagens que se encontram publicamente disponíveis através da página do Sítio do Moinho no

facebook12. Não há razão metodológica para descartar ou ignorar o uso de imagens que não

tenham sido feitas pelo próprio pesquisador. Porém, como toda imagem é uma atribuição de

valor, ressaltamos o fato de que essas passaram também, e necessariamente, por uma seleção

para serem publicadas, independentemente de terem sido feitas pelo proprietário, visitantes ou

por profissional contratado para este fim. O que significa dizer que são usadas como forma de

representação social de si mesmos para o restante do corpo societário em que se inserem, im-

plicando numa dimensão de construção de identidade, inclusive ideológica.

No tocante à bibliografia há certa literatura já produzida sobre a relação entre a pe-

quena agricultura familiar e a sua subordinação ao processo de reprodução do capital, como se

pode verificar em José Vicente Tavares dos Santos, Elizandra de Oliveira, Roselaine da Sil-

va13. Sobre os movimentos sociais no campo também há vasta literatura; José de Souza Mar-

9 MENESES, 2003, p. 18.10 BARTHES, 1984, p. 15.11 KLEE apud GURAN, 2002, p. 104.12 FACEBOOK, 2014. A referência completa está no item bibliografia.13 As obras, respectivamente, são: Os colonos do vinho (1978); A agroindústria sucroalcooleira e a subordina-ção dos pequenos proprietários de terra em Santa Bárbara D’Oeste (2010); Trabalho integrado e reproduçãoampliada do capital (2011), cujas referências bibliográficas completas estão no final desta monografia.

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tins e Leonilde de Medeiros são alguns exemplos14. Porém, sobre a especificidade do tema

tratado nesta investigação – relações de trabalho no interior de empresas do ramo da agricul-

tura orgânica – não encontramos uma literatura mais a propósito. Por isto, esta pesquisa justi-

fica-se também pela possibilidade de contribuir com um tema que nos parece até agora ter

recebido pouca atenção por parte dos pesquisadores. Principalmente em relação aos pressu-

postos teóricos que nitidamente buscamos assumir aqui sobre o sentido do trabalho produtivo

para o capital, conforme Marx o dimensionou.

No âmbito das ciências sociais este estudo ainda poderá colaborar para ampliar a

compreensão da dinâmica da agricultura na região serrana do estado do Rio de Janeiro e acer-

ca das relações de trabalho em empresas de agricultura orgânica. Os resultados poderão inte-

ressar não somente aos diretamente envolvidos no processo investigativo, mas também àque-

les que de uma ou outra forma já possuem algum interesse sobre a prática agrícola em ques-

tão.

Especificamente sobre o tema trabalho, empregamo-lo aqui no sentido elaborado por

Karl Marx e desenvolvido por Ricardo Antunes15. Para estes autores o trabalho é a categoria

estruturante da mediação entre sociedade e natureza. É a atividade fundamental “à existência do

homem - quaisquer que sejam as formas de sociedade -, é necessidade natural e eterna de efetivar

o intercâmbio material entre o homem e a natureza, e, portanto, de manter a vida humana"16. As-

sim sendo, o trabalho é a atividade essencial da própria práxis humana.

A categoria trabalho também é considerada neste texto, ainda conforme os mesmos

autores, no seu sentido histórico; o trabalho produtivo no modo de produção capitalista. Neste

processo de produzir o trabalho encontra-se organizado na relação entre os detentores dos

meios de produção, a burguesia, e os detentores da força de trabalho, o proletariado. Esta rela-

ção implica em duas dimensões do trabalho; concreta e abstrata. Conforme a qualidade do

trabalho, a dimensão concreta produz valores de usos específicos; sapatos, roupas, alimentos

etc. A dimensão abstrata produz valor; trabalho socialmente necessário em que desaparece a

sua dimensão concreta. O trabalhador só é produtivo quando está a serviço direto do capital,

produzindo valor e mais-valor. A respeito desta particularidade do modo capitalista de produ-

ção, Marx afirma:

14 Do primeiro autor: Os Camponeses e a política no Brasil (1981). Da segunda autora: História da luta pelaterra no Brasil (2003) e O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (2007). A referência completa estána bibliografia.15 ANTUNES, 2002.16 MARX, 1971, p. 50 apud Idem, p. 91.

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A produção capitalista não é apenas produção de mercadoria, mas essencialmenteprodução de mais-valor. O trabalhador produz não para si, mas para o capital. Nãobasta, por isso, que ele produza em geral. Ele tem de produzir mais-valor. Só é pro-dutivo o trabalhador que produz mais-valor para o capitalista ou serve à autovalori-zação do capital17.

O proletário ao entrar em atividade durante certa jornada de trabalho produz o valor

da sua própria força de trabalho, referente ao atendimento das suas necessidades mínimas de

sobrevivência e de sua família. Ainda de acordo com Marx, “pressupondo-se que a força de

trabalho seja remunerada por seu valor”, este é recebido do burguês na forma salário18. Entre-

tanto, tal valor é produzido durante determinado tempo da jornada de trabalho. Como esta

prossegue além deste ponto, o trabalhador produz um valor além do referente às suas necessi-

dades mínimas. É produzido mais-valor, que por sua vez não lhe é pago, mas apropriado pelo

proprietário dos meios de produção, o que permite a reprodução e a acumulação de capital.

Esse é o caráter abstrato do trabalho; fonte de criação do valor e de mais-valor. Nesse

modo de produção, os produtores diretos não se identificam com o que fabricam. Além de

serem apartados do fruto do seu trabalho, são impedidos de decidirem o que fabricar e como

fabricar. Tal situação gera o fenômeno do estranhamento (Entfremdung), de acordo com a

discussão travada por Ricardo Antunes19.

É este o sentido, geral e resumido, que utilizamos como instrumento investigativo

das relações de trabalho no lócus empírico deste estudo. Isto é, a peculiaridade histórica do

trabalho no modo de produção capitalista, não encontrado em outras épocas; o seu sentido de

ser produtivo e não produtivo para o capitalismo.

Esta monografia está organizada em quatro capítulos. Neste primeiro apresentamos o

percurso metodológico, instrumentos de pesquisa, objetivos, as hipóteses que norteiam a dis-

cussão dos demais capítulos, a justificativa e o conceito de trabalho produtivo para o capital.

No segundo capítulo debatemos a questão agrária sob o ponto de vista marxista, com destaque

para o avanço da indústria sobre a agricultura. Apresentamos a Revolução Verde e contextua-

lizamos a agricultura no Brasil a partir dela. Conceitos atuais que orientam a disputa por re-

cursos naturais e guiam a prática agrícola orgânica são apresentados e debatidos. Também

situamos de forma ampla o surgimento e o desenrolar da agricultura orgânica no Brasil.

No terceiro capítulo, a partir de uma brevíssima contextualização da agricultura or-

gânica em Petrópolis, adentramos naquele que foi o lócus desta pesquisa: o Sítio do Moinho.

Aspectos históricos, sociais e econômicos de seu desenvolvimento compõem esta parte do

17 MARX, 2013, p. 467.18 Idem, p. 469.19 ANTUNES, 2002, p. 99-101.

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texto. No quarto capítulo damos visibilidade às relações de trabalho estabelecidas no Sítio do

Moinho. É nesse capítulo que as hipóteses por nós formuladas são confrontadas mais direta-

mente com os dados empíricos.

Por fim, algumas considerações que entendemos pertinentes são apresentadas no úl-

timo elemento textual. Em seguida alocamos as referências bibliográficas usadas no decorrer

desta monografia e que representam o principal arcabouço analítico que guiou e fundamentou

todo o processo investigativo. Depois desse item há um conjunto de apêndices. Nele podem

ser vistas as perguntas iniciais que nos conduziram no estudo exploratório de campo para a

realização das entrevistas e a construção das imagens digitais. Todas as entrevistas foram

transcritas e constam nos apêndices.

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2 - A agricultura antes e após a Revolução Verde

2. 1 – Breve contextualização acerca do debate dos clássicos do marxismo sobre ocampesinato

A agricultura é um ramo da atividade econômica que afeta diretamente todos os seres

humanos do planeta. Até porque é daí que vem “o pão nosso de cada dia”. Muitos estudos já

foram feitos sobre o tema da agricultura, sua organização e dinâmica. Tanto no exterior quan-

to no Brasil. No campo dos que se colocam como herdeiros do pensamento desenvolvido por

Karl Marx e Friedrich Engels destacam-se inicialmente, em relação ao debate sobre a penetra-

ção do capital na agricultura, os próprios trabalhos destes autores alemães. Marx, no capítulo

24 de O Capital, intitulado A assim chamada acumulação primitiva, aborda a questão da ex-

propriação da terra do camponês e sua expulsão para as cidades, formando o “trabalhador

livre” para a indústria capitalista20. Nesse capítulo é abordado o processo ocorrido na Inglater-

ra entre os séculos XV e XVIII. Também no O Capital, Livro III, capítulo 47, Marx faz uma

explanação sobre a teoria da renda fundiária no capitalismo21. Conforme Tânia Padilha, Marx

e Engels teriam dado especial atenção ao debate com os chamados “populistas russos” sobre o

papel do campesinato numa possível revolução de caráter socialista na Rússia, saltando a fase

capitalista22.

Além de Marx e Engels, destacam-se os trabalhos de Lênin, Karl Kautsky e Alexan-

der Chayanov23. Escritos em fins do século XIX e princípio do século XX, tornaram-se refe-

rência para as pesquisas sobre a temática no interior do campo marxista, inclusive no próprio

Brasil. Em relação ao debate sobre a penetração do capital na agricultura e o processo de de-

saparecimento do campesinato, destacam-se os trabalhos de Lênin e do alemão Karl Kautsky.

Ambos publicados em 1899, mas analisando formações socioespaciais bem distintas. Enquan-

to a Alemanha era um dos países centrais do capitalismo, a Rússia ocupava a sua periferia,

com forte presença de relações feudais de produção.

Lênin analisou o surgimento das classes sociais essenciais do modo de produção ca-

pitalista e suas contradições na agricultura russa em confronto direto com a posição dos popu-

listas russos24. Com base em dados estatísticos e no diálogo com outros autores, teorizou so-

20 MARX, 2013, p. 633-670.21 MARX, 1986, p. 245-266.22 PADILHA, 2008, p. 2.23 Refiro-me especificamente às grandes obras clássicas desses autores, respectivamente: O desenvolvimento docapitalismo na Rússia (1988); A questão agrária (1986); Sobre a teoria dos sistemas econômicos não-capitalistas (1981), cujas referências completas encontram-se no item bibliografia, ao final desta monografia.24 Segundo José de Souza Martins, “populistas” era como Lênin chamava os socialistas russos narodniks, com osquais mantinha intensa polêmica na Rússia agrária do final do século XIX (MARTINS,1981, p.15).

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bre a diferenciação do campesinato de seu país em termos de mobilidade social; assalariamen-

to dos camponeses pobres pelos camponeses ricos. Para ele o processo histórico de desenvol-

vimento da agricultura, mesmo no socialismo, tinha a tendência de criar por um lado a prole-

tarização do camponês e por outro uma pequena burguesia rural, num processo que denomi-

nou “descamponização”. Isto aconteceria devido à dinâmica inexorável de expropriação do

trabalhador dos seus meios de produção no capitalismo. Processo que seria responsável pela

formação do mercado interno na Rússia; os agricultores deixariam de produzir para a própria

manutenção e estariam voltados ao mercado.

O cerne da análise de Karl Kautsky está no processo de industrialização da agricultu-

ra. Conforme o modo de produção capitalista avança sobre todas as esferas da vida econômi-

ca, haveria um processo inexorável de integração entre agricultura e indústria, tornando a pró-

pria agricultura cada vez mais dependente da indústria e da sua dinâmica de produtora de

mercadorias. Grande atenção é dada à comparação entre a produtividade da pequena e da

grande propriedade.

Conforme destaca Ricardo Abramovay, Kautsky esforça-se por mostrar “a superiori-

dade da grande exploração capitalista sobre a propriedade familiar’’25. Raciocinando em ter-

mos de economia de escala, o autor alemão argumenta que a grande exploração agrícola é

uma unidade de produção muito superior à pequena propriedade, pois tem acesso aos recursos

técnico-científicos que são inacessíveis à outra26. Portanto, no processo de competição, con-

centração e centralização do capital e sua produção em escala, Abramovay afirma que a inten-

ção política de Kautsky é demonstrar ao campesinato e ao próprio Partido Social-Democrata

Alemão a inviabilidade da resistência por parte da agricultura familiar contra o avanço da

indústria sobre o campo, já que há um “movimento inelutável que o capitalismo promove de

expropriação camponesa”27.

Tanto Lênin quanto Kautsky teorizaram a partir de dados estatísticos e do diálogo

com outros autores sobre o processo de diferenciação do campesinato em seus respectivos

países. O que mais os aproxima, além de se filiarem à corrente ídeo-prática já mencionada, é a

conclusão de que a partir da penetração do capitalismo na agricultura o campesinato até então

existente iria diferenciar-se. Porém, para Lênin as atividades extras dos camponeses pobres

eram a sinalização do processo tendencial da diferenciação campesina. Para Kautsky, as

“ocupações acessórias”, ao contrário, eram exatamente o que ainda possibilitava a sobrevi-

25 ABRAMOVAY, 1998, p. 46.26 KAUTSKY, 1986, p. 112- 127.27 ABRAMOVAY, 1998, p. 46.

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vência e a reprodução da família camponesa. Conforme destaca Teodor Shanin, apesar de a

abordagem kautskyana trilhar a senda de Marx em O Capital sobre o caso inglês, o autor ale-

mão percebeu “a possibilidade de algumas diferenças no modo como o capital penetra na

agricultura, em contraposição aos outros ramos da economia”28.

Por outro lado, Teodor Shanin afirma que o próprio Lênin admitiu que havia se pre-

cipitado ao concluir sobre algumas características da penetração do capital na agricultura do

seu país, bem como sobre a diferenciação do campesinato. Prova-o, a extinção do programa

agrário do partido fundado por Lênin, ainda segundo Shanin29.

Lênin e Karl Kautsky viveram num momento histórico de ascensão da luta proletária

contra a exploração do capital e numa viva perspectiva de ultrapassagem dessa sociabilidade

no sentido da construção do socialismo. Também é época de grande entusiasmo com o pro-

gresso técnico do capital e a potencialidade disso, em termos de benefício para a humanidade,

caso o conjunto das relações sociais pudessem ser revolucionadas num novo modo de produ-

zir e partilhar os frutos do trabalho social. Nesse contexto, surgiram grandes debates sobre a

agricultura, o campesinato, a penetração do capitalismo no campo e os seus respectivos pesos

no bojo do processo político da luta de classes e construção do socialismo, dos quais Lênin e

Kautsky, ao lado de outros revolucionários, eram os grandes expoentes das principais organi-

zações de trabalhadores.

Por outro lado, nessa mesma época, Alexander Chayanov, autor com grande contato

com a vida rural russa, visto que além de agrônomo pertencia a Escola de Organização e Pro-

dução Agrícola da Rússia, produz fecundas reflexões sobre o tema em questão. No entanto,

suas investigações centram-se na manutenção e não no desaparecimento do camponês. Em

suas análises a economia familiar do campesinato russo ganha atenção especial. Para ele não é

possível pensar a economia camponesa com base na mesma dinâmica da economia capitalista;

o assalariamento dos membros da família camponesa não ocorre de forma individual, mesmo

que a família esteja inserida na sociabilidade burguesa. A renda familiar camponesa é indivi-

sível. Não é possível determinar as dimensões do produto gerado por cada membro em parti-

cular. A economia camponesa, por ser regida por valores que conformam um verdadeiro éthos

do campesinato, não pode ser encarada como um modo de produção em si. Não existe em seu

interior, por exemplo, a busca pela maximização do lucro, mesmo que esteja diretamente vin-

culada ao mercado. Em relação a isso, o autor afirma que:

28 SHANIN, 2005, p. 7.29 Idem.

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Não conseguiremos progredir no pensamento econômico unicamente com as catego-rias capitalistas, pois uma área muito vasta da vida econômica (a maior parte da es-fera de produção agrária) baseia-se, não em uma forma capitalista, mas numa formainteiramente diferente, de unidade econômica familiar não assalariada. Esta unidadetem motivações muito específicas para a atividade econômica, bem como uma con-cepção bastante específica de lucratividade30.

Chayanov afirma, a partir dos seus estudos empíricos, que o camponês (família cam-

ponesa) é uma unidade de produção com características próprias. A distinção fundamental é a

produção voltada para o autoconsumo e a sua própria reprodução. Apenas o excedente ao

atendimento dessas necessidades é destinado à comercialização. O trabalho do camponês é

executado conforme a sua avaliação subjetiva entre o atendimento das necessidades básicas

da família e o que o autor chamou de “auto-exploração”; o esforço que estaria além da sua

capacidade de trabalho.

Como sempre comercializou o excedente, o autor advoga que o camponês nunca vi-

veu isolado. Ao contrário, sempre manteve relações econômicas de troca com o modo de pro-

dução dominante ao seu entorno. Por isso que, como também compreendia Kautsky, o vínculo

com o mercado capitalista possibilita a própria manutenção e reprodução da “unidade de pro-

dução familiar”. A comercialização do excedente e a aquisição de valores de uso que não são

produzidos permitem que a unidade familiar não se desintegre. Para que fique mais elucidati-

vo, tal unidade pode ser caracterizada da seguinte maneira:A típica unidade familiar da agricultura produz o alimento, o combustível, as insta-lações e as ferramentas necessárias, a alimentação e mesmo as roupas de que neces-sita. Apenas um número reduzido de suas necessidades exige o recurso ao Mercado.[…] O significativo, […], é que esse tipo de agricultura envolve o trabalho da famí-lia em todas as operações relativas à produção, ao processamento, à armazenagem eà distribuição das mercadorias ali produzidas31.

Em contraposição a Lênin, mas também ao próprio pensamento de Kautsky, do qual

o autor russo não faz referência, ao invés da diferenciação social em proletários e burgueses e

seu respectivo desaparecimento, a economia camponesa presencia certa “diferenciação demo-

gráfica” ao longo do tempo. A família opta por um tipo de cultivo dependendo da relação en-

tre o número dos seus membros, a quantidade de terra disponível e a necessidade do trabalho.

Portanto, o camponês para decidir o quê produzir, considera o bem-estar da família, a quanti-

dade de terra e o trabalho necessário. A família trabalha até atingir o limite da “auto-

exploração” conforme se diferencia ao longo do tempo. Esse processo, por sua vez, repercute

diretamente na diferenciação do próprio meio agrícola. Portanto, ao invés de desaparecer, o

campesinato vê a sua unidade familiar de produção, que também é a própria unidade familiar

30 CHAYANOV, 1981, p.133-134 apud CARNEIRO, 2009, p. 55.31 DAVIS; GOLDBERG apud SILVA, 2011, p. 357 (tradução livre da autora).

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de consumo, modificar-se. Ao longo do tempo ocorre o envelhecimento dos seus membros e

novos núcleos familiares surgem através de casamentos e da saída das respectivas unidades de

produção em busca por novas terras, por exemplo. Essa dinâmica permite que a unidade inici-

al não desapareça pela herança igualitária em que todos teriam direito a uma gleba. Se assim

fosse, cada herdeiro teria direito a uma porção de espaço diminuto a cada geração até o ponto

de não ser mais possível a própria reprodução como camponês.

No exposto por Chayanov, pode-se verificar que o camponês possui uma racionali-

dade e eficiência econômica calcada no atendimento às necessidades familiares. É essa capa-

cidade que lhe permitiu (e permite) a reprodução ao longo de gerações, embora de modo su-

bordinado aos modos de produção dominante.

Ellen e Klaas Woortmann mencionam que no Brasil, por exemplo, há vários traba-

lhos que seguiram a senda de Chayanov e elucidaram a eficiência econômica do pequeno

agricultor familiar brasileiro32. Tendo em vista realidades socioespaço-temporais mais amplas,

Teodore Schultz33, a partir de instrumental típico da economia burguesa do século XX, con-

forme destacam Roselaine Silva, Ricardo Abramovay e Sergio Salles-Filho, afirma que este

modo de produção agrícola é racional e eficiente, apesar de limitado34. De acordo com Paulo

Almeida, Schultz cunhou a expressão “pobre, mais eficiente” e afirmou que “há comparati-

vamente poucas ineficiências significativas na distribuição dos fatores de produção na agricul-

tura tradicional”35. Isto é, o camponês apesar de não realizar mudanças significativas nos seus

elementos produtivos ao longo de gerações sabe alocá-los racional e eficientemente para a sua

própria manutenção e reprodução.

O que foi exposto acima de forma muito breve tem o sentido tão somente de apresen-

tar o grande debate que norteou os meios acadêmicos e marxistas acerca da questão agrária.

Isto é, em relação ao avanço do capitalismo sobre a agricultura, subordinado-a à indústria e à

tendência ao desaparecimento da sua base familiar e à proletarização dos seus membros. Esta

discussão continua sendo referência para o debate em diversos países, pois apesar de todas as

circunstâncias desfavoráveis a pequena agricultura familiar não desapareceu completamente.

No Brasil, por exemplo, os agricultores familiares continuam a desempenhar relevante papel

32 WOORTMANN; WOORTMANN, 1977, p. 13.33 Publicou o trabalho intitulado A transformação da agricultura tradicional, cuja edição original é de 1965. Foilaureado com o Prêmio Nobel de Economia em 1979.34 SILVA, 2011, p. 93; ABROMAVAY, 1988, p. 92-96; SALLES-FILHO, 2005, p. 11.35SCHULTZ apud ALMEIDA, 2012, p. 38.

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na atividade agrícola e econômica em geral36, embora na condição de “subordinados”37 ou de

“subsumidos” pelo capital38.

2. 2 – A Revolução Verde e algumas consequências para o Brasil

Em relação ao Brasil, ao experimentarmos processos semelhantes, os autores anteri-

ormente discutidos se tornaram referência para o debate. Não obstante, é necessário destacar

que temos certa especificidade histórica que torna o chamado setor primário da economia bra-

sileira muito especial, principalmente a agricultura. Algumas características marcantes podem

ser assinaladas. Primeiro, o fato de termos sido o último país a extinguir oficialmente a escra-

vidão, base do modo de produção da agricultura de exportação entre os séculos XVI e XIX.

Segundo, ter “fechado” o acesso à terra em modo de propriedade privada, criando um merca-

do de terras a partir da Lei 601 de 185039. Terceiro, não ter realizado nenhuma substancial

reforma agrária após o fim do escravismo e ter baseado a economia no setor agrário-

exportador quase exclusivamente até 1930. Por último, basear atualmente grande parte da

economia nacional no sistema agroexportador, transformado em agribusiness ou agronegócio

(espécie de expressão desbotada em verde e amarelo), transfigurando os alimentos em com-

modities.

A partir da década de 1960 a agricultura brasileira começou a sofrer profundas alte-

rações pelo que ficou conhecido como Revolução Verde. De acordo com Nilsa Luzzi era um

“pacote tecnológico” conformado, fundamentalmente, através do:(...) uso de mecanização (tratores e colheitadeiras) que possibilitaria reduzir drasti-camente a necessidade de mão-de-obra, tanto no preparo do solo, como na semeadu-ra e na colheita; utilização de sementes híbridas com o objetivo de obter alto rendi-mento das culturas (aumento da produção e produtividade), especialmente as mono-culturas de exportação; uso de adubos e fertilizantes químicos para garantir a altaprodutividade das culturas; uso de agrotóxicos para o controle de pragas e invaso-ras40.

36 Conforme tabela elaborada pelo DIEESE (2011, p. 181) a partir de dados do IBGE, a agricultura familiar res-pondeu em 2006 por 38% do valor total da produção agropecuária nacional, ocupando 74% da mão de obranuma área correspondente a 24% da área total desta atividade. Ainda conforme a mesma instituição, no ano de2009 a agricultura familiar e as suas respectivas cadeias produtivas corresponderam a 9,0% do PIB (Idem, p.188). Os agricultores familiares produzem, em média, 71,5% dos três tipos de feijão mais consumidos no país. Amandioca corresponde a 86,7 % da produção nacional (Idem, p. 185).37 Ver TAVARES DOS SANTOS (Op. cit.) acerca da análise empreendida sobre a subordinação dos agricultoresfamiliares produtores de uva no Rio Grande do Sul à industria do vinho.38 Ver MARX, 1978.39 Lei que ficou conhecida como Lei de Terras. A este respeito, sugerimos a tese de doutorado de Alberto Jones(1997). Em particular o item 3, do capítulo 2, intitulado A lei de terras: legitimação dos privilégios. Essa tese,logo após à sua defesa, foi encaminhada para análise do Ministério da Política Fundiária e do DesenvolvimentoAgrário pela Presidência da República.40 LUZZI, 2007, p. 10.

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Esta caracterização da Revolução Verde também é feita em seus traços mais gerais

por diversos autores, dentre eles Clarissa Barreto, Flaviane Canavesi e Glauco Schultz41. Esse

pacote fechado de tecnologias desenvolvidas e importadas dos EUA e da Europa era anuncia-

do por seus arautos como o eliminador da fome no mundo devido ao altíssimo incremento na

produtividade agrícola. O Nobel de Economia de 1979, Teodore Schultz, nomeia a agricultura

praticada antes da Revolução Verde pelos pequenos agricultores familiares dos países da peri-

feria do capital como “agricultura tradicional”. De acordo com Salles-Filho:Schultz, conscientemente ou não, deu com suas idéias um dos mais fortes argumen-tos àquilo que mais tarde ficou conhecido como Revolução Verde (...) a difusão deum conjunto de tecnologias voltadas para a obtenção de ganhos de produtividade naagricultura, particularmente para as regiões muito pobres do planeta42.

Por isso, Roselaine da Silva argumenta que “Schultz define a agricultura tradicional

como aquela que no tocante à forma de produção e à relação social sob a qual ela acontece, é

total ou quase totalmente independente da intervenção do capital”43. Para os economistas des-

sa corrente de pensamento era assim que se encontrava a maior parte da agricultura brasileira

praticada pelo pequeno e médio agricultor, isto é, estava distante da própria lógica do capital.

Entretanto, como bem destaca a própria Roselaine da Silva, a relação do capital com a agri-

cultura inicia-se desde o seu processo de acumulação primitiva; a agricultura libera mão de

obra para a indústria e ao mesmo tempo passa pelo processo de industrialização, inserindo-se

na valorização do capital e fornecendo matéria prima para a própria indústria44. Portanto, a

importação de tal pacote tecnológico, sem adentrar em questões da geopolítica daquele con-

texto histórico, deve ser compreendida no âmbito do movimento histórico do capital para se

reproduzir e acumular45.

É necessário mencionar que este processo não ocorreu sem resistências por parte do

conjunto dos agricultores brasileiros, fossem pequenos ou médios proprietários de terra. Insti-

tuições de extensão rural e pesquisa foram criadas para conquistar a própria subjetividade do

conjunto do corpo social para a necessidade da incorporação desse arcabouço tecnológico

importado ao meio agrícola brasileiro46. Após a consolidação desse processo, passou a preva-

41 BARRETO, 2007, p. 14, 28, CANAVESI, 2011, p. 56, SCHULTZ, 2006, p. 69.42 SALLES-FILHO, 2005, 10.43 SILVA, 2011, p. 93.44 Idem, p. 92.45 A este respeito a autora citada anteriormente realiza uma discussão esclarecedora e fecunda em sua tese dedoutoramento, particularmente no capítulo 2, intitulado A agricultura para o capital, história e teoria.46 Sobre o modelo de extensão rural tornado hegemônico no Brasil a partir da década de 1970, consultar a tese dedoutorado de Marcus Peixoto (2009), A extensão privada e a privatização da extensão. Referência completa nabibliografia.

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lecer entre a maioria dos agricultores, mas também entre os trabalhadores urbanos, a ideia da

impossibilidade do cultivo de alimentos sem agroquímicos (fertilizantes e agrotóxicos)47.

Outra questão importante diz respeito à estrutura agrária. Modificado pela Revolução

Verde, o latifúndio saiu fortalecido em detrimento das demais formas de organização e produ-

ção agrícola. Contemporaneamente transformado em latifúndio de produção capitalista ou

agribusiness, ou agronegócio, concentra grandes extensões de terra. Possui forte organização

política, formando inclusive a intitulada bancada ruralista no Congresso Nacional. Desta for-

ma, é o segmento da agricultura nacional que possui o maior acesso ao financiamento para

plantio e comercialização48. Portanto, a base tecnológica da produção agrícola foi transforma-

da, mas a estrutura agrária não.

Também em decorrência da Revolução Verde e da dominação econômica e política

do agri-negócio-business ocorreram e ocorrem danos elevados ao meio ambiente agrícola e

ao meio ambiente como um todo. A saúde do agricultor e de sua família, diretamente expostos

aos venenos agrícolas ou agrotóxicos, também é afetada sobremaneira. Mais que isso, os re-

flexos desse profundo processo de transformação na forma e no modo de plantar chegam aos

centros urbanos de várias formas; êxodo rural, favelização, pacientes intoxicados que muitas

vezes apresentam sintomas de difícil diagnóstico, contaminação de rios e lençóis freáticos que

poderão contaminar a cadeia alimentar e os reservatórios de água que abastecem as cidades

etc49. Estes são alguns exemplos de como distintas realidades socioespaciais e a vida que ne-

las se desenvolve são afetadas pela base produtiva implantada a partir da Revolução Verde.

2. 3 – A agricultura alternativa

No entanto, ainda como parte da dinâmica de resistência, a partir da década de 1970

iniciam-se os movimentos de “agricultura alternativa” em contestação ao processo desencade-

ado pela Revolução Verde e as suas consequências. Movimentos que muitas vezes defendiam

também uma proposta de “sociedade alternativa”. É o que nos mostra Valter de Oliveira ao

fazer uma caracterização geral das proposições dos movimentos de agricultura alternativa,

que consideravam além das questões estritamente técnicas da produção agrícola:

47 Esta afirmativa baseia-se, principalmente, na minha experiência junto à área. Iniciada a época de graduandoem agronomia pela Universidade Federal de Viçosa. Inclui as discussões no interior da Associação dos Produto-res Orgânicos de Petrópolis sobre o processo vivido por vários dos associados de abandono da agricultura agro-química e a passagem para a orgânica. Assim como em inúmeras conversas com pessoas do meio urbano quenão têm contato direto algum com o meio especificamente rural.48 BBC BRASIL, 2012.49 Estudos sobre o tema dos agrotóxicos e a saúde humana e ambiental podem ser vistos em PERES; MOREIRA(2003). É veneno ou é remédio?Ver a bibliografia.

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18

(...) a distribuição de renda no meio rural, a segurança e a educação alimentar, a es-trutura fundiária, o comércio internacional, a relação entre o produtor e o consumi-dor, o estabelecimento de um comércio justo, as responsabilidades estatais nesse se-tor; enfim, tudo o que se refira à transformação da base sobre a qual estão sustenta-das as relações sociais e de produção predominantes, especialmente no meio rural,mas estendendo-se a toda sociedade50.

Ainda de acordo com esse autor, ao longo do tempo ganhou força o termo “agricultu-

ra sustentável”. Uma expressão “menos ideologizada” e que foi sendo apropriada por diversas

vertentes da prática agrícola, até mesmo pela agricultura que utilizava os recursos industriais,

como os adubos químicos e agrotóxicos. Porém, faziam-no dentro da estrita “necessidade”

técnica, preocupando-se de alguma forma com a preservação dos recursos agrícolas, como o

solo. Neste caso, uma forma de praticar a agricultura muito mais voltada para a redução de

custos do que para quaisquer dos outros compromissos anteriormente citados. O que significa

dizer que através do termo “sustentável” foi conformado um novo contorno ideológico. Ideo-

logia que possibilita sustentar quaisquer práticas agrícolas que tenham de alguma forma a

preocupação com a preservação dos recursos ambientais. Ou seja, o questionamento do pró-

prio modo de produção e reprodução social dominante não é necessário ser feito a partir dessa

opção por despolitização. Como destaca Valter de Oliveira, o adjetivo sustentável foi esvazia-

do “de conteúdo ao longo do tempo”. Passou a qualificar tantas outras expressões, como “de-

senvolvimento sustentável”, em que a única preocupação mais efetiva é com o esgotamento

dos recursos econômicos naturais e, neste caso, com a própria “sustentabilidade” das ativida-

des agrícolas51.

2. 4 – Desenvolvimento sustentável

Com relação ao debate voltado exclusivamente para a preservação dos recursos natu-

rais, o conceito de “desenvolvimento sustentável”, segundo Maria Bacha, teve o seu marco

histórico inicial a partir da publicação em 1972 do relatório intitulado “Os limites do cresci-

mento”. Seu conteúdo dizia respeito aos possíveis riscos ao planeta devido aos poluentes e à

extenuação dos recursos naturais52. Tal relatório fora encomendado por uma associação cons-

tituída de empresários, políticos e cientistas ao Instituto de Tecnologia de Massachussets

(MIT; sigla em inglês), nos Estados Unidos da América. A associação foi fundada em 1968 e

ficou conhecida como “Clube de Roma”. O relatório advertia que o futuro seria de catástrofes

50 OLIVEIRA, 2004, p. 110-111.51 Idem, p. 111.52 BACHA et al, 2010, p. 2.

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se o ritmo do crescimento econômico continuasse a seguir as taxas do pós-guerra de 1945.

Hector Leis afirma que de acordo com este relatório:(...) os principais problemas ambientais são globais e sua evolução acontece a ritmoexponencial. A simulação feita no computador do comportamento das diversas vari-áveis mostrava que a catástrofe era inevitável, caso não se tomassem medidas pre-ventivas. A tragédia aconteceria em poucos anos, no final do século XX, e seusprincipais sintomas seriam a exaustão dos recursos naturais, a poluição industrial e afalta de alimentos. Havia, então, uma necessidade urgente de reconhecer os limitesexistentes no meio ambiente para o crescimento indefinido da economia e da popu-lação e, portanto, de estabilizar tanto a uma quanto a outra53.

No mesmo ano realizou-se em Estocolmo a Conferência das Nações Unidas sobre

Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), na Suécia. Quando então surgiu a expressão

“eco-desenvolvimento”, criada pelo secretário geral da conferência, Maurice Strong, e que

ganharia status de conceito com Ignacy Sachs em seu artigo Environment and styles of deve-

lopment, publicado em 1976. Este conceito passaria a ser a base para a fundamentação do

conceito de “desenvolvimento sustentável”54. Em 1987 a Comissão Mundial para o Ambiente

e Desenvolvimento, da Organização das Nações Unidas, apresentou o Relatório Brundtland55.

Foi neste relatório que o termo “desenvolvimento sustentável” surgiu conceituado como sen-

do aquele que “atenda as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gera-

ções futuras atenderem também às suas”56.

No entanto, Paulo Vargas citado por Marcelo Dias chama a atenção de que o Relató-

rio Brundtland:(...) dedica um espaço bastante diminuto à crítica à sociedade industrial e aos paísesindustrializados, não toca na questão da propriedade da terra que envolve os grandeslatifúndios improdutivos (principalmente nos países do Terceiro Mundo) e, ainda,torna a superação do subdesenvolvimento dos países do hemisfério sul quase que to-talmente dependente do crescimento continuado dos países industrializados57.

Portanto, é necessária uma crítica mais fecunda e contundente à própria lógica da so-

ciedade produtora de mercadorias. Sociedade que com o seu atual modo de produção domi-

nante é a responsável por engendrar o esgotamento dos recursos naturais, incluindo o solo e a

água para a agricultura. Dessa forma, a concepção incorporada ao conceito de “desenvolvi-

mento sustentável” não é suficiente para atender nem ao conjunto das necessidades da atual e

nem das gerações futuras. Segundo Henri Acselrad, o que está verdadeiramente em jogo é a

possibilidade de os recursos naturais serem exauridos e por isso o setor produtivo dominante

53 LEIS, 2004, p. 56.54 DIAS, 2004, p. 76.55 Sobrenome da presidente da referida comissão da ONU, a sueca Gro Harlem Brundtland. Este relatório tam-bém ficou conhecido como “Nosso Futuro Comum”.56 CMMAD, 1991, p. 9.57 DIAS, 2004, p. 78.

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da sociedade intencionou “internalizar o meio ambiente no pensamento e práticas dominantes

sem que isso implicasse interromper o processo de acumulação de riqueza”58.

Assim, o questionamento das relações sociais de produção e o próprio consumismo,

que engendra a acumulação de capital e exaure, em última instância, os próprios recursos na-

turais, estão fora de qualquer crítica mais consequente. É nessa perspectiva que se insere a

chamada “economia verde”.

2. 5 – Economia verde

Em 2011, de acordo com Luciana Almeida, o Programa de Meio Ambiente das Na-

ções Unidas (Pnuma) definiu “economia verde” como sendo “aquela que resulta na melhoria

do bem-estar humano e da igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamen-

te os riscos ambientais e das limitações ecológicas”59. Ronaldo Seroa da Mota e Carolina Du-

bex afirmam que é uma definição que tem o caráter de instrumentalizar o próprio conceito de

desenvolvimento sustentável a serviço de uma política econômica que o tenha em sua centra-

lidade60.

A concepção de “economia verde” engloba três dimensões, conforme esclarece Ri-

cardo Abramovay. Uma delas diz respeito à substituição das fontes de energia não renováveis

(petróleo, principalmente) para fontes renováveis. A segunda está no uso sustentável da bio-

diversidade, favorecendo o conjunto dos que vivem em áreas de grande diversidade biológica.

A última dimensão diz respeito à utilização de bens e serviços de maior eficiência energética e

que possam ser reaproveitados cada vez mais os resíduos que seriam descartados61. Ou seja,

uma economia que traga benefícios sociais, mas que seja principalmente eficiente quanto à

utilização dos recursos naturais, devendo ser caracterizada como de baixo-carbono.

Sobre o aspecto econômico-político dessa concepção, Marcelo Firpo Porto chama-

nos a atenção de que a economia verde:É uma tentativa, apoiada por vários organismos internacionais e governos, de buscarum consenso em relação ao que fazer para combater a crise econômica e ambiental.Esse consenso se dá através de cúpulas da ONU, que têm centrado fogo no tema dasmudanças climáticas globais, mecanismos de mercado e continuidade do sistemacapitalista atual62.

O autor refere-se diretamente à crise do capital de 2008, quando a ONU lançou, con-

forme Luciana Almeida, a proposta “Iniciativa Economia Verde” que foi uma tentativa de

58 ACSELRAD apud ANTUNES, 2011, p. 6.59 ALMEIDA, 2012, p. 93.60 SEROA DA MOTA; DUBEX, 2011, p. 197.61 ABRAMOVAY, 2012, p. 83-85.62 PORTO apud ANTUNES, 2011, p. 7.

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apresentar novas concepções de produção para a retomada do crescimento econômico63. A

“Iniciativa” defende que “mobilizar e reorientar a economia global para investimentos em

tecnologias limpas e infra-estrutura ‘natural’, como as florestas e solos, é a melhor aposta para

o crescimento efetivo, o combate às mudanças climáticas e a promoção de um boom de em-

prego no século 21”64. Nessa ocasião foi exposta uma primeira caracterização de “economia

verde”, que como vimos foi conceituada em 2011.

Então, como se pode observar, apesar de denominações semelhantes, Revolução

Verde e “economia verde” têm concepções distintas. A primeira é um conjunto de tecnologias

voltadas para a agricultura, representando a sua própria subordinação à indústria. Seus defen-

sores argumentavam que impulsionaria a “produtividade agrícola por meio de uma tecnologia

de controle da natureza de base científico-industrial, a fim de solucionar a fome no mundo,

visto que na época se considerava a pobreza, e principalmente a fome, como um problema de

produção”65. No entanto, como já mencionamos, os frutos colhidos vão muito além do alto

incremento de produtividade agrícola e ficam muito aquém da eliminação da fome nos países

em que foi implantada.

Por sua vez, a “economia verde” é um instrumento teórico-político voltado para ori-

entar a totalidade da esfera da economia burguesa. Através dele, argumenta-se que o desen-

volvimento se sustentaria ao longo das gerações, pois propõe a preservação dos recursos natu-

rais para o crescimento econômico. Não obstante, ambas estão direcionadas para o próprio

processo de sustentabilidade do capital e do seu modo de produção e reprodução ampliada.

2. 6 – A agricultura orgânica

Retomando a discussão sobre as práticas agrícolas que se opõem à Revolução Verde,

mas que por outro lado inserem-se na perspectiva do “desenvolvimento sustentável” e da

“economia verde”, encontram-se aquelas, que de uma forma geral, adotaram a nomenclatura

de agricultura orgânica.

A agricultura orgânica pode ser considerada uma área da prática agrícola relativa-

mente recente se comparada com a agricultura hegemônica nos países capitalistas após a se-

gunda metade do século XX. Antes deste período, tanto a monocultura praticada em grandes

extensões, já inserida no circuito do valor de troca mundial, quanto a pequena agricultura fa-

miliar voltada para a subsistência66 nos países da periferia do capitalismo tinham como carac-

63 AMEIDA, 2012, p. 93.64 Idem.65 PEREIRA, 2012, apud ANDRADE NETO, 2013, p. 55.66 Recorde-se que o economista Teodor Schultz a intitulava de “agricultura tradicional”.

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terística comum a não utilização em larga escala dos insumos que ganharam força com a Re-

volução Verde. Por isso, o surgimento de práticas agrícolas que receberam diversas denomi-

nações, dentre elas agricultura orgânica, não pode ser visto como mero retorno a um tipo de

agricultura já praticada. Dessa forma, entendemos que seria um equívoco histórico e concei-

tual classificar a agricultura predominante de antes da Revolução Verde com qualquer uma

das denominações contemporâneas, surgidas de uma forma ou outra para demarcar um campo

de ideias e práticas com a agricultura por ela transformada. Não obstante, os princípios gerais

de algumas dessas ideias e práticas surgiram ainda em meados da década de 1920. Por exem-

plo, os elaborados por Rudolf Steiner, criador da agricultura biodinâmica67.

Como há inúmeras definições para esta concepção de agricultura, dependendo de

quem a pratique e a que grupo ou classe social pertença, será utilizada a definição prescrita

em lei. Até porque para fins de comercialização e fiscalização há a necessidade de o produtor

se adequar à legislação vigente. No caso, a produção orgânica no Brasil foi definida pela Lei

Nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003, cuja regulamentação se deu através do Decreto Nº

6.323, de 27 de dezembro de 2007, que manteve a redação original sobre a definição de agri-

cultura orgânica. Assim, conforme o Artigo 2º, parágrafo XVII deste decreto, define-se:Sistema orgânico de produção agropecuária: todo aquele em que se adotam técnicasespecíficas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicosdisponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, tendo por ob-jetivo a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios soci-ais, a minimização da dependência de energia não-renovável, empregando, sempreque possível, métodos culturais, biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso demateriais sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente modificadose radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento,armazenamento, distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente68.

E conforme o parágrafo 2º do artigo 1º da Lei Nº 10.831, de 23 de dezembro de

2003, “o conceito de sistema orgânico de produção agropecuária e industrial abrange os de-

nominados: ecológico, biodinâmico, natural, regenerativo, biológico, agroecológicos, perma-

cultura e outros que atendam os princípios estabelecidos por esta Lei”69. Percebemos que para

fins legislativos não há diferenciação entre as mais variadas formas, concepções filosóficas e

mesmo modos de produzir sem a utilização dos “materiais sintéticos” mencionados na defini-

ção anterior. No entanto, conforme chama a atenção Valter de Oliveira:

67 Em relação ao histórico da agricultura sustentável, sugerimos Eduardo Ehlers (1996).68 BRASIL. Presidência da República, 2007.69 Idem, 2003.

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A agricultura orgânica é uma denominação que está mais comumentemente associa-da àqueles grupos de agricultores e técnicos mais preocupados em atender as de-mandas do mercado e é considerada a forma menos comprometida ideologicamentecom outras questões referentes, sobretudo, às questões agrárias. Por isso mesmo, sãoconstantemente acusados de promoverem apenas uma substituição do pacote tecno-lógico, se libertando dos agroquímicos para passar a depender dos insumos ‘limpos’.Este fato se torna ainda mais evidente devido ao surgimento de grandes empresasespecializadas na produção de insumos legalmente aceitos na agricultura orgânica 70.

Corroborando com tal assertiva, Camila de Vargas em seu estudo sobre o mercado de

orgânicos afirma que “assim como as demais atividades desenvolvidas na economia, a agri-

cultura orgânica também precisa de inovações para se manter competitiva no mercado e im-

pulsionar o desenvolvimento econômico das regiões e países onde ela está presente”71.

Dessa forma, como uma corrente originária da “agricultura alternativa”, a agricultura

orgânica não defende, como já alertado, um mero retorno a uma prática agrícola do passado,

anterior ao uso dos agroquímicos industrializados. O que é almejado, como também destaca

Ademar Romeiro, é “a partir da experiência milenar das agriculturas camponesas bem sucedi-

das, desenvolver cientificamente práticas agropecuárias que manejem a natureza de modo a

obter serviços ecossistêmicos úteis à produção”72. Técnicas que podem ser baseadas na mera

observação em lócus de práticas agrícolas campesinas antigas, quanto desenvolvidas a partir

do contato direto com os centros agronômicos de pesquisa. Inclusive, se a produção de orgâ-

nicos estiver voltada exclusivamente ao mercado, a busca por novas técnicas faz parte neces-

sariamente de seus objetivos. É necessidade impreterível da dinâmica do modo produtor de

mercadorias; preservar recursos, diminuir custos e aumentar a competitividade intra e interse-

torial.

A agricultura é uma atividade econômica que se desenvolve através do trabalho efe-

tivo direto de permuta entre o ser humano e a natureza. Ela pressupõe a intervenção humana

sobre a natureza, modificando-a em seus aspectos geográficos e ambientais para criar uma

nova realidade socioespacial. Portanto, qualquer prática agrícola significa uma transformação

e, consequentemente, um desequilíbrio no meio ambiente originário. Se a intervenção não se

der de forma profundamente drástica e extensa há a possibilidade que um novo estado de

equilíbrio dinâmico seja estabelecido, incorporando o ser humano, seus vegetais e animais.

Por isso, a produção orgânica, independentemente de se caracterizar por ser voltada

ao mercado, produtora de mercadorias portadoras de valor que se expressam no valor de tro-

ca, ou a produção prioritária de valores de uso para autoconsumo, possui em nossa opinião

70 OLIVEIRA, 2004, p. 118.71 VARGAS, 2012, p. 10.72 ROMEIRO, 2011, p. 128.

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inúmeras vantagens em relação à agricultura concebida pela Revolução Verde. Os benefícios

individuais e sociais são muitos. Como exemplo, podemos citar o alimento livre de venenos.

Assim como a eliminação do contato imediato do cultivador e dos membros da família, no

caso da agricultura familiar, com o agrotóxico. A preservação de uma imensa gama de orga-

nismos e microrganismos que atuam no ecossistema agrícola, dando-lhe vida. A manutenção

da qualidade da água; tanto a advinda das fontes superficiais, como rios e lagoas, quanto a que

se obtém do lençol freático. A própria saúde do consumidor final, geralmente habitante do

meio urbano e considerado distante dos malefícios causados à realidade socioespacial rural.

A prática agrícola dominante da Revolução Verde é a monocultura, que além de tra-

zer desequilíbrios desastrosos ao meio ambiente em que é implantada, traz a completa subor-

dinação da agricultura familiar ao capital. Conforme destaca Leonardo Faver, “a especializa-

ção, significa [para o pequeno produtor] sua submissão aos interesses dos compradores indus-

triais e comerciais e só é vantajosa para as elites agrícolas e para os complexos agro-

industriais e comerciais atuantes na agricultura”73. É o caso, esclarece o autor, do uso pelo

agricultor familiar de sementes que foram geneticamente melhoradas e que só obtém bons

resultados se cultivadas com adubo industrializado, agrotóxicos e todos os demais insumos

exigidos conforme a espécie e suas respectivas variedades74. O uso desse tipo de semente

acarreta, na maioria absoluta das vezes, o abandono das sementes nativas ou crioulas, como

também são chamadas. Sementes que fazem parte da cultura da comunidade de agricultores

familiares há várias gerações. Isto implica também em perda de patrimônio genético e, portan-

to, dependência às transnacionais que produzem as sementes híbridas e as geneticamente mo-

dificadas, como acontece com o cultivo do milho, por exemplo.

73 FAVER, 2004, p. 12.74 Idem.

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3 – A agricultura orgânica em Petrópolis

Se no Brasil as práticas agrícolas que surgiram para se contrapor ao pacote tecnoló-

gico representado pela Revolução Verde podem ser consideradas relativamente recentes, em

Petrópolis não poderia ser diferente.

Não obstante, a cidade localizada na Serra da Estrela exerceu papel pioneiro nesse

setor da agricultura. Segundo Leonardo Faver, que fez um estudo sobre o desenvolvimento e a

organização do “arranjo produtivo local” da agricultura orgânica na cidade, visando à amplia-

ção da eficiência produtiva, foi em Petrópolis que nasceu a primeira experiência de agricultu-

ra orgânica no estado do Rio de Janeiro na década de 197075. Denise Bloise destaca que em

1979 foi criada a Cooperativa Mista de Produtores e Consumidores de Alimentos, Ideias e

Soluções Naturais (COONATURA), que reunia agricultores do Brejal, na Posse (5º distrito de

Petrópolis) e consumidores de “classe” média do Rio de Janeiro voltados para a discussão, a

produção e comercialização de alimentos sem o uso dos insumos advindos da Revolução Ver-

de76.

Ainda dentro dessa perspectiva precursora, Petrópolis sediou em abril de 1984 o II

Encontro Brasileiro de Agricultura Alternativa (EBAA), organizado pela Federação das Asso-

ciações de Engenheiros Agrônomos do Brasil (FAEAB). Este encontro reuniu, principalmen-

te, agrônomos e estudantes de agronomia e a discussão dominante foi a denúncia da utilização

massiva dos agrotóxicos e dos respectivos problemas causados77.

Mesmo com esse pioneirismo, a primeira feira de produtos orgânicos em Petrópolis

data do ano 2000. E apesar da experiência de organização dos agricultores familiares do Bre-

jal em torno da COONATURA desde 1979, a Associação dos Produtores Orgânicos de Petró-

polis (APOP) só foi fundada em setembro de 200278.

Não foi obtida nenhuma fonte com dados atuais compilados sobre o volume da pro-

dução de orgânicos no município e o respectivo número de agricultores orgânicos, familiares

ou não79. Não obstante, de acordo com dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão

Rural do Estado do Rio de Janeiro (EMATER-RJ) havia 53 produtores orgânicos no municí-

pio de Petrópolis no ano de 200480.

75 FAVER, 2004, p. 1.76 BLOISE, 2013, p. 16-17, p. 66, p. 112-113.77 ASSIS et al, 1996, p. 28.78 MAIWORM-WEIAND, 2013, p. 9.79 Pelo Cadastro Nacional dos Produtores Orgânicos do MAPA, atualizado em março de 2014, há 7.959 produto-res orgânicos no Brasil. A lista indica o município de cada um. A referência completa está no item bibliografia.80 FAVER, 2004, p. 64.

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3.1 – O Sítio do Moinho

No contexto atual da agricultura orgânica petropolitana destaca-se o Sítio do Moi-

nho. Este foi o local escolhido para investigar como um empreendimento desse ramo da agri-

cultura insere-se no contexto mais amplo das relações sociais do modo de produção capitalista

e como as relações de trabalho se forjam e se dinamizam no seu próprio interior.

A decisão de realizar o trabalho empírico neste lócus baseou-se em informações pre-

liminares e informais, assim como pela internet, sobre o tipo de agricultura praticada. Os da-

dos iniciais indicavam que era a única empresa do setor agrícola do município que autodeno-

minava a sua produção de orgânica. Também apontavam que era reconhecida como tal na

cidade e fora dela, pois tem a certificação exigida pela legislação que rege esta atividade eco-

nômica.

3. 2 – Condições preliminares do trabalho de campo

Antes de chegar à área da pesquisa decidi primeiro procurar o secretário municipal

de agricultura. No dia 25 de fevereiro deste ano fui à Secretaria Municipal de Agricultura de

Petrópolis e fiz contato direto com o secretário, o agrônomo e então doutorando, Leonardo

Faver. Apesar de não ter agendado o encontro fui muito bem recebido por ele. O secretário

demonstrou interesse pelo tema e prontificou-se a agendar uma entrevista e ir comigo até o

Sítio do Moinho. Orientou-me, inclusive enfaticamente, a tentar construir e coletar todos os

dados necessários numa única ida ao campo “pra não precisar voltar lá”. Por todas as circuns-

tâncias de quem se tratava e como parte do seu trabalho de campo para o mestrado havia sido

feito nessa localidade, considerei bastante esta sugestão e assim tentei proceder quando lá

estive.

A visita só pôde ser agendada para o dia 08 de abril, às 10h, pois ele, Leonardo, esta-

va em finalização do doutorado e não tinha possibilidade de ir ao Sítio do Moinho antes dis-

so81. Mas mesmo nesta data, devido aos compromissos públicos de secretário de agricultura já

agendados, não pôde de forma alguma comparecer comigo no dia marcado, causando certa

decepção à gerente do escritório, Verônica Oliveira. Felizmente, independentemente disso, fui

muito bem recepcionado e todos com quem travei contato foram muitíssimos atenciosos e

solícitos.

81 Sua defesa ocorreu no dia 18 de março e a tese intitula-se: O motor das transformações: indutores da inovaçãolaboral na horticultura da Região Serrana Fluminense.

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3. 3 – Situando o Sítio do Moinho

O lócus de pesquisa situa-se na Estrada Correa da Veiga 2405, no bairro Santa Môni-

ca, em Itaipava, 3º distrito de Petrópolis, a 750,0m de altitude e distante 29,0Km do centro da

cidade, sendo que os dois últimos quilômetros não tem transporte público e no último não há

calçamento. O trajeto em transporte público demora aproximadamente duas horas. A imagem

inserida mais abaixo possibilita uma ideia geral do Sítio do Moinho com sua geografia e al-

gumas edificações82.

A área plana que se vê representa a maior parte da área de cultivo da propriedade. Na

entrevista que me concedeu, Dick Thompson, proprietário do Sítio, informou que a área total

é de “500.000m2. Mas é tudo morro. Na parte plana, arável, eu tenho entre 5 e 6ha”83. Para

complementar, em entrevista concedida ao portal Planeta Orgânico esclareceu que dos 50ha

“350.000m² são de Mata Atlântica; (...) aproximadamente 2 hectares de morro onde também

conseguimos plantar sem irrigação (...)”84.

ID: Charlotte Valade. Vista geral do Sítio do Moinho – Itaipava – Petrópolis – RJ.Publicado: 12-fev-2014. Acesso em 21 de junho de 2014.

82 FACEBOOK, 2014.83 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 97. Um hectare (1ha) corresponde a uma área de 10.000m², que éuma dimensão próxima a de um campo de futebol oficial.84 PLANETA ORGÂNICO, s/d.

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Observando-se atentamente a imagem anterior, vê-se no canto inferior esquerdo um

veículo branco estacionado. Ele está postado na estrada que dá acesso ao Sítio, quase em fren-

te a sua entrada. As construções que podem ser vistas próximas ao ponto indicado são da parte

administrativa da propriedade. Incluem também o galpão de

beneficiamento, a panificadora, a cozinha e a área de refeição

dos trabalhadores. No restante da área plana, veem-se cultivos

abertos, em casas de vegetação e sob coberturas plásticas na

parte em declive suave. Estas construções ficarão mais eviden-

tes em outras imagens. As construções de alvenaria defronte a

área em declive têm usos variados. Rodeada por uma vegetação

densa, próximo ao centro da imagem, fica a residência do casal

de proprietários, Ângela e Dick Thompson, vistos ao lado85.

O próximo registro imagético foi realizado a partir da área de cultivo, num ponto re-

ferencial relativamente oposto e inferior ao da imagem inserida na página anterior.

ID: Abilio Maiworm-Weiand. Cultivo em túneis; alface, rúcula, salsa, cebolinha, coentro etc. Data: 08-abr-2014.

85 FACEBOOK, 2014. Acesso em 20 de junho de 2014.

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As coberturas plásticas vistas anteriormente são baixadas em condições de alta inci-

dência de radiação solar e alta intensidade pluvial, pois prejudicam os cultivos das folhosas

mais delicadas, como alfaces. Por isso, são utilizadas com mais frequência durante o verão.

Pode-se ver também o uso do plástico aplicado ao solo. Sua utilização dificulta ou mesmo

impede o brotamento de plantas silvestres que apresentam grande desenvolvimento e compe-

tem por água, nutrientes do solo e radiação solar com as plantas em cultivo. Também impede

a radiação solar direta sobre o solo e dificulta a atuação dos agentes naturais de erosão, “subs-

tituindo” a função da cobertura morta (restos vegetais). Por outro lado, a não emergência das

ervas podem atrair insetos e outros organismos que não tendo como se alimentar buscam as

espécies em cultivo, trazendo prejuízos grandes, caso as condições ambientais não estejam em

equilíbrio. A irrigação é feita por gotejamento, isto é, pela aplicação pontual das gotas d’água

diretamente no solo.

3. 4 – O surgimento do Sítio do Moinho

Na entrevista concedida, Dick Thompson relatou que a partir de 1965 começou a tra-

balhar no mercado financeiro, ingressando no Grupo Garantia em 1971, do qual se tornou

sócio minoritário, detendo 1,0% de suas ações. Quando o banco decidiu mudar a sede do Rio

de Janeiro para a capital de São Paulo, ele aproximava-se dos “60 anos de idade. E dentro da

filosofia do banco, quando você chegava aos seus 60 anos de idade, você deveria sair do ban-

co e deixar a sua participação acionária pros mais jovens”86. Além disso, estava cansado de

muitas viagens e o contato com a família diminuiria ainda mais se tivesse de ir e voltar de São

Paulo. Nessas circunstâncias, decidiu sair do banco entre 1984 e 1985 e procurar a região ser-

rana ao invés do litoral porque, segundo ele, não tem um fenótipo propício à exposição solar.

Escolheu Itaipava, em Petrópolis, única e “exclusivamente pela facilidade de vir aqui em vez

de subir a serra de Teresópolis; mão e contramão. Nada além disso”87.

Morou inicialmente numa casa alugada enquanto procurava mais que uma residência,

mas “um lugar”, em suas palavras. Passado algum tempo, o caseiro lhe indicou a propriedade

que o fez cair “de amores pelo lugar, pelo conceito, pela filosofia. Vale; bacana, fim de um

vale, cara! Sem, sem... (...) sem vizinhança. Ou pouca vizinhança. Comprei! Não sabia se isso

aqui ia ser haras, campo de futebol, tênis...”. (Negritos meus).

Antes de prosseguirmos com a exposição da entrevista, algumas passagens merecem

atenção. O primeiro detalhe a ser observado é que entre 1984 e 1985, o entrevistado contava

86 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 96.87 Idem.

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com 48 ou 49 anos; 11 anos a menos da idade limite em que poderia permanecer no banco em

que trabalhava desde os 35 anos, conforme relatou. A saída nestas condições pode insinuar

que talvez já tivesse também a intenção de tentar outros caminhos no mundo dos negócios.

Insinuação reforçada pela intenção de adquirir “um lugar” que incluísse além da residência a

possibilidade de ser “haras, campo de futebol, tênis...”. Estas são atividades que requerem um

considerável aporte inicial de capital e estão voltadas para um mercado restrito e valorizado,

principalmente quando se trata de um haras ou de um campo de tênis. Mas deixemos que o

entrevistado prossiga com o seu relato.

Com o passar do tempo e “na proporção em que as decisões não tavam sendo toma-

das (...) pedi que fosse feito um estudo de viabilidade econômica (...) em 198988”. Dick Tho-

mpson contratou a AGROSUISSE, empresa que presta consultoria na área de “agropecuária,

agroindústria e desenvolvimento rural”89. O técnico enviado pela empresa visitou a área e

“uma hora depois, ele disse: ‘Dick, esta área é perfeito para a olericultura’”90. À época, estra-

nhando a última expressão, o entrevistado fala-nos da sua reação:Nunca ouvi falar disso na minha vida! Que porra é essa, cara! “Ah, Dick, é o concei-to de plantar... legumes, hortaliças, não sei o quê”! Eu disse pra mim: Pá, cê tá deporre! (Risos nossos!). Eu to. Pô! Vivi vinte e tantos anos da minha vida viajando;mesa de operações, milhões de dólares pra lá e pra cá! Eu vou plantar alface, ca-ra!? (Risos nossos. Negritos meus)91.

“Um estudo de viabilidade econômica” para “um lugar” parece que confirma a alu-

são feita anteriormente de que esse espaço seria também um lócus de relações sociais de pro-

dução que se inseririam no processo de reprodução ampliada do capital. A este respeito, o

quadro mental de referências que o entrevistado expôs na última citação é bastante significati-

vo. Particularmente, quando o consultor propõe-no o plantio de alface. A proposta causou

fartos risos e a memória dela ainda causa. Para alguém que possui o arcabouço de ideias que

explica e justifica o mundo do grande capital, do capital financeiro em particular, plantar alfa-

ce é um rebaixamento de status em relação à atividade que envolvia “milhões de dólares pra

lá e pra cá”. Inicialmente, portanto, é compreensível que a sugestão do consultor provocasse

risos.

Mas se assim o é, o que fez com que risos sarcásticos se desdobrassem em canteiros

de alface orgânica. Novamente, voltemos à história que nos estava sendo narrada.

88 Na já mencionada entrevista concedida ao portal Planeta Orgânico, afirma que a atual área do Sítio do Moinhofoi comprada em 1987.89 AGROSUISSE, 2014.90 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 96. Olericultura é um termo técnico que se refere ao cultivo dehortaliças; verduras que de uma forma geral têm ciclo vegetativo curto (dois a seis meses de vida), sendo quemuitas são consumidas in natura.91 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 96.

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Aí, foi quando ele vira pra mim e disse o seguinte: “Oh, Dick, pera aí, cê não tá en-tendendo. Eu gostaria de apresentar a você o conceito que tá se iniciando no mundoque é a agricultura orgânica”. (...). Que naquela altura, cara! Eu to com uns cinquen-ta e tantos anos de idade. Eu não sabia que as alfaces que cê comprava lá na feiraeram tratados e cultivados com veneno! E é veneno; agrotóxicos; veneno! (...). Aí,eu comecei a me interessar. Por quê? Eu tenho quatro filhas. No meu conceito, naminha filosofia, era uma forma de alimentar bem a minha família! E a mim!92

A decisão pela transformação da propriedade adquirida em 1987 no atual Sítio do

Moinho é apresentada como opção pela saúde pessoal e familiar. Não há motivos para se

questionar a legitimidade desse argumento. Afinal, a ligação do entrevistado com a agricultu-

ra era “zero antes de 1989”. Como mencionou, ignorava inclusive que os alimentos eram pro-

duzidos com o uso de venenos. A possibilidade, portanto, de cultivar ou ver o cultivo sadio do

próprio alimento é um potencial considerável de sensibilização do ser humano. Esta interpre-

tação é reforçada por outro momento da entrevista quando é afirmado que:(...) faço isso porque isso virou uma paixão! Eu, pra mim e pra a Ângela, a filosofiade consumir um produto orgânico, livre de todos os agrotóxicos, pesticidas. (brevesilêncio). De todo o demérito que isso leva ao ser humano, para a vida do indivíduo,da saúde do indivíduo. E depois vim a entender que era a saúde do meio ambientetambém. Que veio a me dar mais força, mais entusiasmo (...). (Negritos meus)93.

Foi um mundo novo que se abriu para esse ex-executivo de uma das mais poderosas

instituições financeiras do Brasil. Nem mesmo a dimensão da necessidade da preservação

ambiental para a preservação da saúde – e da vida humana em última instância – era parte do

seu conhecimento sobre o mundo. Há, assim, um claro processo de sensibilização possibilita-

do por uma opção a um tipo de agricultura (orgânica) em detrimento de outro (convencional).

O conteúdo do valor de uso produzido e as condições necessárias para a sua produção foram

capazes de ir modificando o próprio entendimento que o entrevistado tinha no tocante à rela-

ção entre a natureza e o ser humano. O envolvimento com a nova atividade, diretamente liga-

da à transformação da natureza, mas sem degradá-la, também agiu sobre o ser humano, trans-

formando-o.

No entanto, isto isoladamente ainda não explica porque o Sítio do Moinho surgiu.

Qualquer proposta feita pelo consultor da AGROSUISSE na área agropecuária seria levada

em consideração. Ele estava ali como autoridade técnica e econômica e o contratante esperava

isso da empresa de consultoria que o encaminhara. A opção pela olericultura orgânica se dá

também porque Dick Thompson convence-se que esta é uma frente de expansão econômica.

Com a agricultura orgânica a sua propriedade poderia se tornar, finalmente, “um lugar” para

92 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 96-97.93 Idem, p. 98.

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morar, viver, investir dinheiro, ampliar o capital e desfrutar de todas as demais potencialida-

des, inclusive lazer. Na já citada entrevista concedida ao portal Planeta Orgânico, afirma que:No estudo de viabilidade econômica que fizeram, sugeriram então o cultivo de hor-taliças devido à área plana. A idéia era que o plantio de folhas, tubérculos, hortaliçaspoderia ser um negócio interessante e que poderíamos fazer entregas em domicíliopois tínhamos uma área pequena e um mercado consumidor próximo. Tudo isso fa-zia sentido mas não estava nos interessando. Só quando eles começaram a falar deagricultura orgânica, que a idéia começou a despertar nosso interesse94.

Este relato reforça a interpretação realizada sobre a decisão primordial para o ingres-

so e o investimento na agricultura orgânica.

3. 5 – Dick Thompson: um proprietário neorrural

Priscila Freitas afirma que a categoria analítica neorruralismo foi desenvolvida pelos

cientistas sociais franceses a partir de fins da década de 1960 para a interpretação de fenôme-

nos novos no meio rural da França. Basicamente tentava dar conta do movimento de pessoas

do meio urbano que abandonavam as suas respectivas profissões para morar no campo, dedi-

cando-se às atividades agropecuárias95.

No Brasil também se verificam novas formas de ocupação do espaço rural por pesso-

as advindas do meio urbano. Na maioria das vezes sem ligações precedentes com as dimen-

sões do rural. Gian Giuliani, por sua vez, apreendeu a categoria neorruralismo para interpretar

aspectos novos da realidade rural da região serrana fluminense. Entretanto, este autor adverte

que “é um conceito genérico para uma realidade não muito precisa, carregado de símbolos

contraditórios e indicando fenômenos que permanecem à margem das dinâmicas [até então]

predominantes da agricultura atual”96. Em seus estudos observou que os neorrurais brasileiros

possuíam um aporte considerável de capital e, diferentemente dos franceses, não recuperavam

o modo tradicional de produzir da agricultura familiar.

Com a discussão empreendida até o momento, Dick Thompson pode ser identificado

como um neorrural. A primeira característica que nos permite tal afirmação é o fato de ele não

ter ligação anterior com o meio rural. Buscou-o a partir de uma expectativa de suplantação da

vida agitada que tinha no mercado financeiro. Inclusive, escolheu o distrito de Itaipava para

escapar da estrada de mão dupla para a também cidade serrana de Teresópolis.

Portador de certo capital acumulado e com formação intelectual sólida, procurou

construir uma vida nova não só numa perspectiva bucólica, mas também econômica. O que o

94 PLANETA ORGÂNICO, s/d.95 FREITAS, 2005, p. 48.96 GIULIANI, 1990.

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diferencia dos casos empíricos estudados por Gian Giuliani é ter adquirido certa consciência

ambiental somente a partir da implantação do seu empreendimento. Assim mesmo, só perce-

beu mais tarde que além da sua saúde estava em jogo “a saúde do meio ambiente também”.

Ainda no tocante a essa caracterização cabe destacar o detalhe nada fortuito que a

menção à cidade de Petrópolis não é feita no material de propaganda do Sítio do Moinho, in-

cluindo o seu portal na internet. No endereço postado, Itaipava aparece sugerindo que é uma

cidade e não um distrito de Petrópolis. Isto não é por acaso. Para se chegar a este distrito não é

necessário passar pelo centro de Petrópolis. A estrada que dá acesso sem “mão e contramão” é

a BR-040, que também possibilita a chegada ao estado de Minas Gerais. O distrito de Itaipava

há pelo menos duas décadas presencia forte expansão e especulação imobiliária. É frequenta-

do aos finais de semana pela chamada alta classe média da zona sul do Rio de Janeiro que o

trata como se fosse território urbano autônomo. Dick Thompson é oriundo desta pequena bur-

guesia e esse estrato social é muito importante para si, como será visto adiante. Também mais

adiante, outras características que o identificam como um neorrural serão explicitadas.

3. 6 – Do início da produção à primeira comercialização

Ao iniciar o relato sobre o início do plantio, Dick Thompson voltou a destacar que o

cultivo de orgânicos era para a própria alimentação. Vejamos:Ele [o consultor] me indicou um agrônomo e começamos a plantar97. E isto para aminha família. Mas foi interessante que... um mês depois... a Ângela, a minha espo-sa, começava a receber telefonemas de amigos: “Pô, ouvi dizer que cês tão plantan-do! (...) me entrega na minha residência! Ah, eu também quero”! Então, essa coisafoi expandindo e (...) 1991 foi a primeira entrega aonde nós tínhamos uma Chevro-let... ahm, caçamba atrás. Descemos pro Rio de Janeiro pra entregar a duas ou trêsfamílias98.

A produção foi iniciada no Sítio do Moinho em 1989 e a primeira comercialização

em 1991, conforme a menção acima. Assim, entre os primeiros telefonemas recebidos e a

primeira entrega deduz-se que há um hiato de um ano a um ano e meio. Provavelmente, o

tempo necessário para que a variedade e o volume dos vegetais cultivados ultrapassassem o

autoconsumo, possibilitando que o excedente ao atendimento dessas necessidades fosse desti-

nado à comercialização99. Tanto nessa entrevista quanto no relato que o casal Thompson deu

ao Planeta Orgânico, as dificuldades iniciais foram destacadas. A equipe era pequena e eles

acordavam de madrugada para acompanhar e participar do processo; da colheita à montagem

97 Talvez por um lapso de memória o entrevistado tenha trocado a formação técnica e o gênero da pessoa contra-tada; técnica agrícola Maria Claudia Arueira. Cf. PLANETA ORGÂNICO, s/d.98 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 97.99 A esse respeito ver a discussão já apresentada neste texto sobre o campesinato no item 1 do capítulo 2.

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das cestas. A entrega na cidade do Rio de Janeiro era acompanhada por sua esposa até que o

motorista conhecesse o endereço dos clientes100.

Apesar de Dick Thompson ter afirmado que começaram a receber pedidos de ami-

gos, na mesma entrevista concedida ao mencionado portal, Ângela Thompson afirma que co-

meçaram a cultivar “feijão, oferecendo para os amigos (...) algumas hortaliças, até que fize-

mos nossa primeira entrega domiciliar em junho de 91. Tínhamos que gerar alguma receita

para poder pagar as despesas do Sítio (...)”101. (Negrito meu). A propriedade tinha de se trans-

formar em “um lugar” que além de se pagar fosse mais que o simples atendimento das neces-

sidades familiares. Esta impressão é reforçada através do trabalho de Leonardo Faver quando

nos diz que “o proprietário contratou os serviços de uma consultoria agropecuária para orien-

tar qual o melhor ramo de atividade agrícola seria possível ser desenvolvido em sua área. Os

consultores mostraram que a agricultura orgânica estava prometendo ser uma boa opção”, de

mercado, complete-se102.

Muito provavelmente, portanto, a comercialização não foi somente fruto de um ex-

cedente que ultrapassou as necessidades familiares. Ao contrário, já era visada desde que a

consultoria indicou a agricultura orgânica como “uma boa opção” para transformar a proprie-

dade em “um lugar”. O comércio dos produtos orgânicos do Sítio do Moinho possivelmente

só começou quando seu proprietário percebeu que havia tanto volume quanto já controlava

minimamente o processo produtivo. Ao atingir tal patamar, tinha condições de projetar os

passos seguintes. Então, tornou-se exequível ofertar seus selecionados alimentos orgânicos

aos amigos-clientes sem correr o risco de perdê-los. Dado essas condições, a propriedade de

Dick Thompson, finalmente, tornou-se “um lugar” para viver.

3. 7 – O significante “cesta” e seu significado no Sítio do Moinho

Antes de prosseguirmos com a discussão acima será feita uma breve análise da ex-

pressão “cesta”. Termo de uso corrente por todos e todas do Sítio do Moinho na qual o signi-

ficante incorpora um significado para além da variação semântica de nossa língua portuguesa.

Durante as horas em que permaneci no lócus de investigação ouvi diversas vezes a

vocalização do substantivo “cesta”. Palavra de uso corrente e marcante tanto na entrevista

concedida por Dick Thompson quanto nas entrevistas com os técnicos e nos demais diálogos

travados na visita de campo. Também a ouvi sendo pronunciada a todo instante: “O Fulano

está montando as cestas ou já acabou”? “As cestas de hoje já foram despachadas, Beltrana”?

100 PLANETA ORGÂNICO, s/d.101 Idem.102 FAVER, 2004, p. 66.

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Mas, curiosamente, não vi nenhuma cesta. Aos poucos percebi que a expressão era

utilizada como referência ao utensílio de acondicionamento de entrega dos produtos pedidos

pelos clientes. No entanto, não eram cestas propriamente ditas, mas caixotes plásticos. Naque-

le momento, dei-me por satisfeito e esclarecido. Prossegui, então, o trabalho de campo em

busca de informações que possibilitassem responder à hipótese que suscitou esta investigação.

Porém, com a descoberta em fins de maio da página do Sítio do Moinho no facebook, algu-

mas imagens de cestas artesanais surgiram e com elas o tema ressurgiu a partir da seguinte

questão inicial: Por que caixote ou caixa é tomado por cesta?

Encontramos dicionarizado que cesta “é qualquer utensílio que, pela forma e pelo

uso, se assemelhe àquele feito de material entrançado”103. Portanto, nos termos correntes da

língua portuguesa, nossa principal matéria-prima de comunicação, esclarece-se que um vocá-

bulo é comumente usado no sentido de outro. Também é sabido que a palavra cesta tem uso

metonímico, ou seja, é utilizada de forma diferente ao seu contexto semântico usual. Neste

caso, é comumente empregada com o sentido de uma variedade de coisas. Conforme, inclusi-

ve, consigna o mesmo da definição anterior104. Em nosso estudo de caso, por exemplo, uma

variedade de alimentos orgânicos que são acondicionados para a entrega.

A primeira hipótese que sugerimos é que talvez as primeiras entregas em domicílio

fossem feitas em cestos artesanais; carregados, descarregados e retornados para o Sítio do

Moinho. Esses utensílios podem ter sido usados nos primeiros meses, enquanto o número de

clientes permitia. Sendo assim, a expressão teria se incorporado à fala cotidiana local e qual-

quer instrumento apropriado para o acondicionamento dos produtos a serem entregues era

tratado como cesta. Até aí, uma realidade sociolinguística, que como vimos, encontra-se dici-

onarizada.

No entanto, para nós o mais importante é tentar refletir se no caso do nosso local de

pesquisa a expressão possui um significado e uso para além da abordagem dicionarizada. O

uso do termo pode mais do que vincular-se à história do Sítio do Moinho ou ligar-se a senti-

dos linguísticos diversos. Parece-nos que também pode transmitir a ideia de um utensílio arte-

sanal, confeccionado com pura matéria da natureza. Assim como são os produtos comerciali-

zados por esta propriedade, reforçando a imagem que faz de si e para os clientes.

Sendo assim, analisemos mais detidamente duas imagens digitais que se encontram

postadas na página seguinte. Elas podem nos ajudar a compreender o contexto de apropriação

103 HOUAISS, 2009.104 Cf. Idem.

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e uso de um vocábulo pertencente ao léxico de uma língua por um determinado grupo social

no exercício de sua cotidianidade.

Apesar de retiradas dos canais de comunica-

ção da internet, é possível perceber a diferença na

qualidade das imagens. A primeira, ao ar livre, foi

cuidadosamente com-

posta. Os alimentos

que formam a cesta

foram atentamente

selecionados e acondi-

cionados. A cesta de

fibras naturais é bem

visível. Em segundo

plano, flores indicam

vida e alegria no local

de plantio, insinuado no plano seguinte. Por último, a

mata, sugerindo uma agricultura que se integra à

natureza e não a degrada. Esta imagem digital consta no facebook, frequentada rede social

virtual com enorme acesso diário. Associada a ela segue o seguinte texto:A beleza da produção orgânica, além de hortaliças e frutas saudáveis, é a preserva-ção. Solo rico e fértil, águas que se mantém limpas, vegetação que abriga uma infi-nidade de pássaros e insetos, a horta orgânica é uma fonte permanente de vida! —em Sitio do Moinho - horta orgânica105.

A imagem à direita, está postada no portal do Sítio do Moinho, na página Entrega

Domiciliares de Orgânicos106. A composição não foi feita com a mesma preocupação que a

anterior, pois o uso do flash projetou uma sombra sobre parte das verduras e esmaeceu um

pouco o verde da folhagem. Além disso, o nabo no canto inferior esquerdo refletiu uma gran-

de intensidade luminosa, ocultando a sua textura e deslocando a atenção do leitor para este

ponto, inclusive pelo contraste das cores. A “cesta” plástica, retangular e vermelha, está rela-

tivamente oculta, o que não parece ser ao acaso. Mesmo que a página onde se encontra essa

imagem tenha acesso significativo, provavelmente não alcança o número dos acessos do face-

book. Não há nela, além disso, a possibilidade de interação com os internautas.

105 FACEBOOK, 2014. Acesso em 15 de junho de 2014.106 SÍTIO DO MOINHO, 2014.

ID: Sem autoria e data de publicação

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O interessante da imagem exibida na rede social é que nela se verificam alguns dos

sentidos semânticos mais correntes para a palavra cesta; utensílio de acondicionamento geral

feito de fibras naturais entrelaçadas e, ao mesmo tempo, variedade de produtos. Todavia, além

disso, o utensílio é usado com fins evidentes de venda de uma imagem, ou seja, de propagan-

da. Construiu-se imageticamente um novo significado ao levá-lo às proximidades do campo

de cultivo, acondicionando em seu interior os alimentos orgânicos cultivados e comercializa-

dos como frutos da própria natureza exuberante que lhe rodeia.

Por isso, as duas imagens expostas e minimamente analisadas reforçam a percepção

surgida ainda de forma muito incipiente durante o estudo exploratório de campo. Impressão

que naquela ocasião não despertou maior interesse, mas que ressurgiu no decorrer desta reda-

ção sobre os possíveis sentidos correntes que os proprietários do Sítio do Moinho dão ao

substantivo cesta quando o pronunciam. Isto é, além daqueles dicionarizados, um utensílio

natural que acondiciona alimentos produzidos em consonância com as leis da natureza; não

agride o meio ambiente e é fonte de vida.

3.8 – O espaço neorrural do Sítio do Moinho e sua identidade em construção

Com esses dados é possível notar que a realidade socioespacial em que vive e da qual

vive Dick Thompson, um proprietário neorrural, é apresentada como “um lugar” aprazível. De

beleza ímpar, depende da conservação ambiental de todos que nele trabalham, frequentam,

passeiam e de alguma forma interagem, inclusive virtualmente. Como já observou Gian Giu-

liani sobre outro caso empírico de estudo, mas que remete diretamente ao proprietário do Sítio

do Moinho, “as [suas] realizações (...) são bastante especiais, assim como as pessoas que po-

dem usufruir delas são bastante selecionadas”107. Como atesta o próprio Dick Thompson em

painel apresentado ao 5º Congresso de Agribusiness, “o antigo conceito de que os produtos

orgânicos não eram bonitos, já caiu há muito tempo. Atualmente o orgânico é considerado um

produto nobre, de bom gosto, de paladar e aroma diferenciados, características que atraem

muito os consumidores”108. Distintos consumidores que têm a capacidade de compreender o

conceito e “(...) os benefícios de consumir um produto mais nobre, o que justifica seu preço

mais elevado, uma vida nova”109. É ainda ele mesmo que nos informa enfaticamente a região

de moradia desses consumidores quando diz que as cestas domiciliares sempre foram entre-

107 GIULIANI, 1990.108 THOMPSON, 2003, 159.109 THOMPSON apud COLLAÇO, 2010, p. 35.

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gues no município do “Rio de Janeiro. [Pois] tudo o que nós fazemos, Petrópolis é muito pe-

queno. Praticamente, nada! Praticamente, zero”110!

Acessando-se a página do facebook do Sítio do Moinho percebe-se que o local se

torna ponto turístico aos finais de semana. É frequentado por clientes e por turistas (potenciais

clientes) vindos principalmente do Rio de Janeiro111. O que parece confirmar a informação

dada acima por Dick Thompson sobre o mercado de consumo a que se destina a sua produção

de orgânicos. Para essas pessoas “bastante selecionadas” há placas espalhadas na área de

plantio que informam sobre a agricultura praticada e a integração com a exuberante natureza

ao redor. São textos que informam e, sobretudo, têm a intenção de formar consumidores para

incorporarem mais densamente em sua visão de mundo a prática que observam, tornando-se

divulgadores mais capacitados da agricultura do Sítio. A reprodução de uma dessas placas

pode ser visualizada em seguida como um exemplo da afirmação e análise feitas.

110 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 97.111 Leonardo Faver afirma que esses turistas do Rio de Janeiro são os grandes clientes do Sítio (2003, p. 71).

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Dick Thompson considera-se ainda um pioneiro. Assevera que “(...) em 1991, quan-

do ninguém falava disso, nós já estávamos com essa filosofia”112. No conjunto anterior de

suas relações sociais, inseridas no contexto de acumulação do capital financeiro, é provável

que “ninguém falava disso”, mesmo. No entanto, esse debate e a agricultura orgânica foram

iniciados há um tempo bem precedente ao início da década de 1990, inclusive em Petrópolis,

como já indicado anteriormente113.

Não obstante, a sua forma particular de empreender a atividade agrícola orgânica,

engendrando atividades paralelas, como o turismo rural, por exemplo, permitiu-lhe transfor-

mar a propriedade adquirida em 1987 em “um lugar” de múltiplas vivências. Essa capacidade

também já foi constatada por Gian Giuliani em suas investigações empíricas sobre os neorru-

rais brasileiros instalados na região serrana fluminense de Nova Friburgo e Teresópolis114.

3. 9 – Além do domicílio: o fornecimento para os supermercados

Com a consolidação da produção e das entregas em domicílio, veio a diversificação,

o incremento da produtividade e a ocupação da área total de plantio de acordo com os parâ-

metros de uso do solo na agricultura orgânica115. Dessa forma, novos clientes muito selecio-

nados surgiram; os supermercados da zona sul do Rio de Janeiro.

De acordo com o entrevistado, o primeiro deles foi o Supermercado Zona Sul, em

agosto de 1997. Dois anos depois o Sítio do Moinho passou a fornecer produtos orgânicos

também ao Carrefour, Extra, Sendas e Pão de Açúcar. As entregas começaram “com 600 uni-

dades por semana e foi extrapolado até 25.000 unidades por semana”, além do fornecimento

das cestas domiciliares, que nunca foi interrompido116.

O abastecimento de produtos orgânicos aos supermercados exigiu que a propriedade

fizesse amplas mudanças organizacionais e estruturais, alterando a forma de comercialização.

Segundo relata Ângela Thompson para o Planeta Orgânico, a entrada nos supermercados “foi

um divisor de águas para o Sítio. Até então fazíamos uma coisa muito artesanal. Para você

112 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 98.113 Em relação ao debate sobre o tema dos poluentes e da preservação ambiental, consultar a seção II. 4 – “De-senvolvimento sustentável”, p. 18, deste trabalho. Sobre a produção de orgânicos ainda em fins dos anos 1970 noBrejal, 5º Distrito de Petrópolis, consultar o capítulo 5, intitulado “Os agricultores da Fazenda Pedras Altas”, datese de doutoramento de Denise Bloise (2013).114 GIULIANI, 1990.115 Dos seis hectares (6ha) disponíveis para o cultivo, 1ha sempre fica em repouso por um ano. É um sistema derodízio ou rotação. São plantadas leguminosas (feijão, por exemplo) na área em repouso, pois são plantas quetêm a capacidade de adicionar o macronutriente nitrogênio (N) ao solo através de bactérias presentes em suasraízes.116 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 99. No 4º painel apresentado ao 5º Congresso de Agribusiness,Dick esclarece que “Uma unidade significa uma bandeja de cenoura, ou alface, ou beterraba, etc”.(THOMPSON, 2003, p. 157).

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entregar para lojas [e supermercados], é necessário ter volume de produção, rapidez, eficiên-

cia (...)”117.

Como esta quantidade de produção não tem condições de ser alcançado nos 6ha agri-

cultáveis da propriedade, mesmo se aquele que permanece em repouso fosse incorporado à

produção, surgiu a curiosidade de saber de onde vinha tamanha quantidade de artigos. Inda-

gado, Dick Thompson esclareceu que vinha do arrendamento de outras propriedades através

do que denomina de “parceria”. Em suas palavras, “quando nós atingimos aquela época dos

25.000 produtos por semana pra supermercados, além dos 5 [hectares], nós alugávamos fora,

em parceria, mais 25. E hoje, nós devemos ter, além dos nossos 5, uns 10 [ha]118. Nessa épo-

ca, chegou a dezoito (18) o número de agricultores dos arredores que abasteciam o comércio

do Sítio do Moinho119. Os fornecedores atuais são de outras cidades, como Cachoeiras de Ma-

cacu, mas ainda há um pequeno produtor que arrenda cerca de 10ha da Fazenda Cafundó, no

Brejal, na Posse, 5º distrito de Petrópolis120.

No entanto, essa forma de obtenção externa de produtos orgânicos, tanto no que con-

cerne ao tipo de parceria quanto se há mesmo arrendamento, não ficou muito evidente pela

entrevista. Leonardo Faver confirma que o Sítio do Moinho “produz e adquire produtos de

outros pequenos produtores e comercializa estes produtos com sua própria marca”121. Portan-

to, independentemente do tipo de contrato firmado com outros fornecedores, o que está claro

é que além da produção própria, produtos orgânicos externos à propriedade são comprados e

comercializados com o selo do Sítio do Moinho.

3. 9.1 – A saída do grande comércio varejista

Entre os anos de 1997 e 2006, o fornecimento aos supermercados chegou a represen-

tar 85% da comercialização do Sítio do Moinho, sendo que o restante era destinado às entre-

gas em domicílio122. Apesar desse enorme volume comercial, por inúmeros motivos Dick

Thompson cessou o fornecimento ao grande mercado varejista. Ao menos um motivo merece

destaque, pois permite elucidar um pouco, conforme a sua versão, a relação assimétrica im-

posta pelas grandes cadeias de supermercados. Vejamos, então.Os supermercados todos exigiam repositores. Nós quando távamos atendendo noauge, nós tínhamos dezesseis (16) pessoas contratadas para ajudar a rearrumar asprateleiras dos supermercados. (...). E como eram várias filiais; saía de uma filial,

117 PLANETA ORGÂNICO, s/d.118 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 105.119 THOMPSON apud COLLAÇO, 2003, p. 50.120 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 105.121 FAVER, 2004, p. 65.122 THOMPSON apud COLLAÇO, 2003, p. 50.

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entrava noutra, não sei o quê! Uma filial grande... o cara... obrigava que o repositorficasse lá o dia todo. O repositor trabalhava, digamos, uma (1) hora por dia pra gentee trabalhava sete (7) horas por dia para o supermercado; lavando banheiro, servindona cozinha, ajudando no caixa. Uma loucura, cara123!

A insatisfação e a angústia experimentadas por Dick Thompson devido ao comércio

estabelecido com os supermercados são expressas enfaticamente nos seguintes termos: (...) em 2006, eu disse: Não aguento mais! Carquei fora! Saí de todas as filiais, detodos os supermercados! (...) Não adianta, cara! A gente não pode ficar fazendo umacoisa que violenta a gente! E eu fazia isso não pelo dinheiro! Eu fazia pelo amor queeu tinha pela coisa etc.124.

O modo de produção capitalista generaliza cada vez mais e com maior intensidade o

circuito da realização do valor para todas as esferas da vida societária. Neste caso, o “amor”

não foi capaz de resistir a este processo, apesar de uma relação ininterrupta de nove (9) anos.

Como só um novo “amor” poderia apagar as amargas lembranças do caso rompido, alguns

meses depois era estabelecida uma nova relação comercial com outro supermercado. Mantida

até hoje, o único fornecimento para este tipo de estabelecimento se dá com a Rede Hortifruti,

sediada no município do Rio de Janeiro. Mas neste caso, “somos o único fornecedor deles que

opera dentro dos nossos parâmetros e não os parâmetros que eles exigem de outros fornecedo-

res. Show de bola”125! Em casos de “amor” é crucial a experiência de vida.

Atualmente a comercialização é feita com restaurantes, hotéis, algumas lojas especí-

ficas e também em lojas próprias (local, Leblon e Barra da Tijuca, bairros da zona sul e oeste

do Rio de Janeiro, respectivamente), além dos clientes domiciliares126. Abaixo, para ilustrar, a

loja local e a do Leblon, respectivamente. Notar a presença das cestas na segunda imagem.

123 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 99.124 Idem, p. 100. Na transcrição encontra-se a versão sobre os pormenores das relações mantidas com os super-mercados.125 Idem.126 SÍTIO DO MOINHO, 2014. A lista de estabelecimentos atendidos está na página Atendimento à Empresas.

ID: Sem autoria identificada Acesso: 20-06-2014http://www.sitiodomoinho.com/o-sitio-do-moinho/lojinha-do-sitio-itaipava-produtos-organicos

ID: Sem autoria identificada Publicada: 19-04-2011https://www.facebook.com/sitiodomoinho/timelineAcesso em 20-jun-2014.

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3. 9. 2 – A estrutura herdada

O fornecimento aos supermercados obrigou a uma série de investimentos e mudanças

estruturais no Sítio do Moinho para que a nova demanda fosse atendida adequadamente127.

Com a saída desse comércio em 2006, a estrutura básica montada para operacionalizar as

vendas aos supermercados foi mantida.

Como resultado desses nove (9) anos de comercialização, o Sitio do Moinho dispõe

hoje de um galpão com vários compartimentos que funciona como um centro operacional de

recepção e beneficiamento. Situa-se logo à entrada da propriedade e também ao lado do cam-

po de cultivo, facilitando as operações de carga e descarga, sem prejudicar as demais ativida-

des128. A sua área principal de trabalho pode ser vista abaixo.

O registro imagético acima foi feito próximo das 18h, no encerramento do dia de tra-

balho. Neste local é feita a principal triagem dos vegetais colhidos no campo de cultivo da

propriedade ou que vêm de outros fornecedores. Alguns produtos quando chegam são pesa-

dos, cenouras, por exemplo. Outros são comercializados como molhos e outros são por unida-

de. Em seguida são lavados e selecionados. Se estiverem fora do padrão de qualidade recebem

127 Ao cruzar a entrevista que Dick Thompson me concedeu com a entrevista que ele e a sua mulher, Ângela,concederam ao portal Planeta Orgânico, verifiquei certa incoerência de informação sobre o que levou à estrutu-ração do Sítio do Moinho. A mim, Dick passou a ideia de que foi antes da venda ao grande varejo. Já ao mencio-nado portal, informaram que tiveram de erguer a estrutura que apresento a partir da entrada no grande varejo,entre 1997 e 1999. Tomo aqui esta informação como a mais próxima do acontecido, pois essa entrevista, além deconjugal, foi à época em que ainda comercializavam com as cadeias de supermercados. Portanto, antes de 2006.No mínimo, há oito anos atrás. Cf. PLANETA ORGÂNICO, s/d.128 Para uma ideia geral da sua localização retorne à imagem da página 24 deste texto.

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outro destino que não é nem a comercialização e nem o descarte puro e simples, como será

visto mais a frente. Depois desse processo, os alimentos são acondicionados em embalagens

diferentes, dependendo das suas características; folhosas, ervas, tubérculos etc. Embalados,

seguem para um recinto diferente onde as cestas domiciliares são montadas de acordo com o

pedido do cliente e a disponibilidade do produto, pois o cultivo orgânico está mais a mercê

das estações do ano do que a agricultura envenenada. Assim, não há como colher abóbora em

pleno inverno da serra petropolitana, por exemplo, apesar de isso ser praticamente impossível

na outra também.

Ao lado desse galpão estão também três câmaras frigoríficas de aproximadamente

60,0m², sendo que duas são secas e uma é úmida (de 95% a 98% de umidade relativa do ar, e

temperatura entre 5,0 ºC e 7,0 ºC). Depois de passarem pelo processo anterior, muitos alimen-

tos dependendo do estoque e do volume de pedidos, vão primeiro para a câmara fria e só de-

pois seguem para a cesta. A câmara fria úmida destina-se principalmente às folhosas, impe-

dindo ou dificultando sobremaneira a desidratação e o consequente murchamento das folhas.

Ainda como parte da

logística, o Sítio do Moinho

dispõe de três caminhões frigo-

ríficos e duas Kombis. O pro-

duto orgânico que sai para a

entrega é retirado da câmara

fria úmida e transportado no

caminhão que é visto aqui.

Esse veículo também é utiliza-

do para buscar os produtos adquiridos de outros produtores.

Ao lado, um pouco mais detalhada, a imagem da lo-

gomarca que identifica os produtos comercializados pelo Sitio,

criada também nessa mesma época129. Cabe ressaltar nova-

mente a presença do cesto artesanal na composição da figura,

cuja discussão já foi realizada neste texto.

Os escritórios foram ampliados e informatizados com acesso à internet, mas a comu-

nicação por fibra ótica só foi estendida até a localidade rural em 2003. A estrutura elétrica foi

129 A imagem do caminhão (sem autoria identificada) foi reproduzida de: PLANETA ORGÂNICO, s/d. A logo-marca foi reproduzida de: FACEBOOK, 2014.

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modificada com a aquisição de um gerador e a mudança do redutor de tensão (“transforma-

dor”). Alterações organizacionais para manter as relações tributárias com o Estado também

foram feitas. Voltaremos a este assunto mais adiante. Dick Thompson também precisou ga-

rantir que seus produtos eram realmente orgânicos. Vejamos como isso ocorreu.

3. 9.3 – A certificação da produção orgânica

O fornecimento aos supermercados exigiu dos proprietários do Sítio do Moinho a ga-

rantia de que os alimentos postos à venda eram realmente advindos da agricultura orgânica. O

que só poderia ocorrer através de algum método que os certificassem como tal.

Entretanto, apesar dessa nova exigência mercadológica, quando o Sítio do Moinho

começou a abastecer os supermercados em 1997, ainda não existia uma legislação no Brasil

que regulamentasse o setor orgânico da agricultura. Inclusive, essa prática agrícola não era

nem reconhecida oficialmente. O que só aconteceria com a Instrução Normativa 007/99 do

Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA)130. Portanto, dois anos depois

do início do fornecimento ao grande varejo. Nessa época, a lei que viria regulamentar esta

atividade já tramitava no Congresso Nacional, mas sua aprovação só se efetuaria em 2003.

Vejamos brevemente, então, em que se baseava a certificação.

No plano externo, o primeiro conjunto de normas para a agricultura orgânica foi

formulado em 1978 pela Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica

(IFOAM, na sigla em inglês), sediado na Alemanha. Segundo Maria Fonseca, essas normas

“serviram de referência para a comercialização dos produtos orgânicos no mundo até a década

de 90 e para o estabelecimento de outras normas locais e regulamentos técnicos em diferentes

países”131.

Assim, os processos de certificação no Brasil eram baseados nessas normas interna-

cionais. Consequentemente, foi a partir delas que o Sítio do Moinho obteve o reconhecimento

de mercado para a comercialização de seus produtos. Porém, em relação a essa nova exigên-

cia mercantil, Dick Thompson fez questão de ressaltar em seu depoimento que:Antigamente, as pessoas acreditavam na gente. Nós plantávamos, e colhíamos, ecultivávamos produtos orgânicos! Mas era o Dick e a Ângela falando isso. Não tinhanada de certificação etc. No momento que a gente vai pro supermercado, você temque ter um selo de certificação”132. (Negritos meus).

Assim sendo, até antes da relação ser firmada com as grandes empresas privadas do

comércio varejista a “palavra” dos proprietários do Sítio do Moinho tinha o valor de docu-

130 FONSECA et al, 2009, p. 28.131 Idem.132 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 100.

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mento escrito. Nesse ponto, Dick Thompson expressa seu brio e, de certa maneira, como a

exigência de uma comprovação de terceiros sobre a sua atividade o feriu. Afinal, seu sucesso

junto à selecionada, exigente e bem informada pequena burguesia da zona sul do Rio de Ja-

neiro dava-lhe toda a credencial de uma palavra de “classe”.

Como não havia alternativa para atender a um mercado que parecia promissor, con-

forme indicado pela AGROSUISSE em 1989, Dick e Ângela recorrem a duas organizações

para conseguir o selo de certificação. Uma delas é o Instituto Biodinâmico de Desenvolvi-

mento Rural (IBD), filiado a IFOAM. A outra é a Associação dos Agricultores Biológicos do

Estado do Rio de Janeiro (ABIO). É necessário deixar claro que na entrevista que me conce-

deu, o proprietário do Sítio do Moinho não fez referência à certificação da ABIO e nem à sua

necessária filiação. Estes dados foram obtidos através de outras fontes133.

Segundo Leonardo Faver, o objetivo de obter os certificados emitidos pela ABIO e

pelo IBD era “poder atender tanto o mercado regional como, se necessário, nacional”, respec-

tivamente134. E cogitamos, por que não, quiçá o internacional; exportação e importação? Adi-

ante a afirmação desse autor será rediscutida, pois mesmo não constando mais na lista dos

produtores rurais associados à ABIO, Dick Thompson não deixou de atender o mercado regi-

onal135. Aliás, o mercado regional era formado pelos próprios supermercados. Além disso, por

que pagaria por uma certificação nacional se ainda não era “necessário”? A certificação da

ABIO só tinha realmente validade regional, não sendo aceita no restante do território nacio-

nal? São questões que deixamos momentaneamente abertas, mas que estarão em mente até a

retomada da discussão.

Para compreender um pouco melhor o atual processo de certificação, vejamos quais

são as alternativas que um produtor rural tem para se regularizar e poder comercializar os seus

produtos como orgânicos no mercado brasileiro.

3.10 – Exigências para a certificação da produção orgânica: três possibilidades

O processo de avaliação que garante que um produto está de acordo com a legislação

que o regula é denominado de “avaliação da conformidade”. Maria Fonseca afirma que “pro-

cedimentos de avaliação da conformidade são quaisquer atividades executadas com o objetivo

de determinar, direta ou indiretamente, que os requisitos regulamentados, aplicáveis a um

133 THOMPSON apud COLLAÇO, 2003, p. 49; PLANETA ORGÂNICO, s/d.134 FAVER, 2004, p. 66.135 A lista dos produtores atualmente associados à ABIO pode ser encontrada em seu portal na internet.

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produto ou serviço, estão sendo cumpridos”136. No caso da prática agrícola aqui em debate o

processo avaliativo é chamado de “avaliação da conformidade orgânica”.

De acordo com as informações que constam no portal do MAPA, o produtor rural pa-

ra se regularizar precisa se inscrever no Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos. Para isto

é exigido que cumpra um dos seguintes critérios que envolvem a avaliação da conformidade

orgânica:Certificação por Auditoria – A concessão do selo SisOrg é feita por uma certificado-ra pública ou privada credenciada no Ministério da Agricultura. O organismo deavaliação da conformidade obedece a procedimentos e critérios reconhecidos inter-nacionalmente, além dos requisitos técnicos estabelecidos pela legislação brasileira.

Sistema Participativo de Garantia – Caracteriza-se pela responsabilidade coletivados membros do sistema, que podem ser produtores, consumidores, técnicos e de-mais interessados. Para estar legal, um SPG tem que possuir um Organismo Partici-pativo de Avaliação da Conformidade (Opac) legalmente constituído, que responde-rá pela emissão do SisOrg.

Controle Social na Venda Direta – A legislação brasileira abriu uma exceção naobrigatoriedade de certificação dos produtos orgânicos para a agricultura familiar.Exige-se, porém, o credenciamento numa organização de controle social cadastradoem órgão fiscalizador oficial. Com isso, os agricultores familiares passam a fazerparte do Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos137.

Se o produtor optar por uma das duas primeiras possibilidades, recebe um selo de

certificação e pode comercializar as suas mercadorias com indústrias, supermercados, hotéis,

restaurantes, lojas, feiras e outros canais de venda, inclusive pela internet. Estas duas opções

compõem o Sistema Brasileiro de Avaliação de Conformidade Orgânica (SISORG). O produtor

deverá rotular os seus produtos orgânicos com um dos selos SISORG mostrados abaixo, con-

forme opte por uma forma ou outra de certificação138.

No terceiro caso, o produtor rural só pode vender diretamente ao consumidor e em

feiras públicas, assim como para as três esferas do governo; municipal, estadual e federal. Por

outro lado, não tem permissão para utilizar quaisquer dos selos mencionados.

136 FONSECA et al, 2009, p. 43.137 BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2014.138 Fonte das imagens: ABIO, 2014.

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Muito resumidamente, esses são os termos gerais e atuais que devem ser seguidos

por um produtor rural para que suas mercadorias sejam reconhecidas e comercializadas como

advindas da agricultura orgânica139.

3.11 – O Sítio do Moinho e as certificações pelo IBD e ABIO

Com a breve apresentação feita anteriormente, julgamos que podemos retonar à dis-

cussão sobre as opções de certificação feitas por Dick Thompson em 1997. Lembremos no-

vamente que nesta época os parâmetros para a certificação eram os internacionais, pois ainda

não havia uma legislação nacional que dispusesse sobre a agricultura orgânica.

Conforme informações que podem ser obtidas do seu portal na internet, o IBD foi

fundado em 1982 e está sediado em Botucatu, no estado de São Paulo. Hoje é a maior certifi-

cadora de produtos orgânicos da América Latina e a única do Brasil que é credenciada na

IFOAM. Há dezoito (18) tipos diferentes de selo. No caso do “IBD Orgânico” é necessário

especificar se a certificação é para o atendimento ao mercado nacional, europeu ou estaduni-

dense140. Caso a certificação vise o mercado interno, os

produtos recebem o selo do “IBD Orgânico” acompa-

nhados do selo SISORG, como pode ser visto aqui. São

esses os selos que acompanham os produtos do Sítio do

Moinho.

O IBD é uma empresa de certificação por auditoria da agricultura orgânica. Trabalha

enviando inspetores às propriedades agrícolas que têm a prerrogativa para determinar se a

agricultura inspecionada é realmente orgânica. O IBD está inserido completamente na lógica

do circuito da realização do valor, isto é, da reprodução ampliada do capital. A sua apresenta-

ção, as empresas para as quais presta os seus serviços de auditoria e os seus tipos de selos não

deixam dúvidas sobre isso. Inclusive, a afirmação de Denise Bloise de que a certificação por

auditoria “é um processo caro, que acarreta custos altos para o agricultor, somente sendo viá-

vel sua realização pelo agronegócio”141, reforça a nossa própria afirmação. (Negrito meu).

Por isso, a certificadora acaba dizendo muito e ajuda a identificar o caráter socioeco-

nômico daquele que é por ela certificado. No nosso caso, o Sítio do Moinho. Não é mera con-

tingência que tanto Alexandre Harkaly, vice-presidente executivo do IBD, quanto Dick Tho-

mpson tenham participado do 4º painel do 5º Congresso de Agribusiness realizado no Rio de

Janeiro em fins de novembro de 2003.

139 Para aprofundar o tema, sugere-se: FONSECA et al, 2009.140 Cf. IBD, 2014.141 BLOISE, 2013, p. 118.

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A outra certificação conseguida por Dick Thompson foi emitida pela ABIO. De

acordo com o portal da ABIO na internet, a associação foi fundada em Nova Friburgo, em

1985, por um grupo de pequenos agricultores depois de uma experiência bem sucedida na

organização da primeira feira orgânica na cidade. A ABIO está credenciada junto ao MAPA

para operar através do “Sistema Participativo de Garantia”, emitindo a certificação (SPG-

ABIO)142. O SPG é uma alternativa para escapar aos altos custos da certificação por auditoria

e exige a organização dos produtores, técnicos e outros interessados, como consumidores. É

exigido que as pessoas envolvidas, incluindo todos os imediatamente citados e demais inte-

ressados, participem das reuniões e visitas mútuas às propriedades rurais certificadas.

Para Dick Thompson, as certificações representaram outra alteração de caráter estru-

tural e organizacional que o seu “lugar” teve de ser submetido para se adequar às novas exi-

gências de mercado. Também alterou a sua relação com os chamados “parceiros”.

3.12 – Agricultores-fornecedores familiares e as novas exigências

Antes de fornecer aos supermercados, o nosso entrevistado já adquiria alimentos or-

gânicos de outros agricultores familiares da região. A partir desse fornecimento, não só a es-

trutura do Sítio do Moinho e a agricultura aí praticada foram dinamizadas, mas parte da dinâ-

mica da agricultura orgânica do município também foi alterada por esse processo. Os agricul-

tores familiares-fornecedores foram diretamente atingidos. Como deixa claro Dick Thompson,

“uma cadeia de supermercados é um cliente muito exigente em termos de volume, constância,

qualidade, padrão, código de barras, pontualidade etc., e os fornecedores que quiseram conti-

nuar conosco tiveram que se adaptar também”143. Esta adaptação, além de mexer com o tempo

dos agricultores que é bem distinto do tempo do capital, dizia respeito também à salvaguarda

de que a produção deles era orgânica.

Vejamos um pouco mais como ocorreu essa “adaptação” dos agricultores-

fornecedores às mudanças exigidas. Para isso, valhamo-nos novamente do depoimento que

Dick Thompson prestou a Jacira Collaço, em A Lavoura, também um periódico de “classe”:Cada um tem uma área específica de tipo de produto para nos fornecer, mas semprecom a qualidade que exigimos. Contudo, alguns são tão pequenos que nós mesmosbuscamos de caminhão a sua produção. Em termos legais, o Sítio do Moinho temum contrato “guarda-chuva”, que permite a esses pequenos fornecedores, que nãotêm dinheiro para pagar os custos de certificação, de nos venderem sua produção,que será comercializada com nosso selo. Isto significa que não podem comerciali-zar seus produtos separadamente. É claro que sempre temos permanente contatopara verificar se eles continuam mantendo os requisitos necessários à produção or-gânica.

142 Cf. ABIO, 2014.143 THOMPSON apud COLLAÇO, 2003, p. 49.

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Por outro lado, fizemos também uma espécie de qualificação social com mais de80% dos fornecedores, providenciando carteira de identidade, CPF, título de eleitor,conta em banco. Isto nos deu um prazer imenso, em vê-los ter uma cidadania com-pleta, sem contar as famílias beneficiadas pelos empregos gerados144. (Negritosmeus).

É necessário que nos debrucemos um pouco sobre o depoimento supracitado. O pri-

meiro parágrafo da citação indica-nos algo sobre a perda de autonomia dos agricultores “tão

pequenos” e a subordinação deles ao Sítio do Moinho. Primeiro, porque uma das característi-

cas da agricultura familiar é a variedade de alimentos cultivados. A diversificação é voltada

para o atendimento das necessidades dos membros da família. Dick, como gosta de ser cha-

mado, fala-nos de um tipo “específico de produto” para lhe ser fornecido. Segundo, que tal

produto tem de estar adequado ao padrão de qualidade que ele determina – tamanho, ausência

de avarias e manchas são os aspectos mais comumente exigidos e as hortaliças são as mais

susceptíveis. Porém, o mais emblemático é o caráter do “contrato ‘guarda-chuva’” firmado

com os pequenos agricultores, impedindo-os de manter quaisquer tipos de comércio que não

seja com o próprio Sítio do Moinho.

Já foi dado destaque à página 22 do presente texto à afirmação de Leonardo Faver de

que a especialização do agricultor familiar submete-o aos adquirentes de seus produtos e só

beneficia as “elites agrícolas”145. No entanto, a observação feita por esse autor diz respeito à

submissão da agricultura familiar levada a cabo pelo pacote da Revolução Verde. Neste caso,

então, o Sítio do Moinho, apesar de ter uma proposta de produção de alimentos que se diz

inovadora por advogar uma ecorresponsabilidade social, não estaria se assemelhando, essen-

cialmente, a uma empresa agrícola convencional? Seus proprietários ao firmarem o “contrato

‘guarda-chuva’” com os agricultores familiares não os estariam subordinando, também essen-

cialmente, como as empresas do agronegócio, inseridas na lógica do capital de produção de

mercadorias e extração de mais-valor?

Com a certificação por auditoria do IBD representando o que já discutimos e com os

dados apresentados e analisados até o momento, tendemos a concluir afirmativamente. Afinal,

esses agricultores, pelas exigências que lhes foram feitas, não participavam das decisões de o

quê produzir, como produzir e comercializar e nem da distribuição dos lucros. De qualquer

forma, pensamos que seja um bom alvitre deixar tais questões ainda em aberto. Até porque

esse foi um momento passado do Sítio do Moinho e ainda não foram analisadas as suas rela-

ções de trabalho internas.

144 THOMPSON apud COLLAÇO, 2003, p. 50.145 FAVER, 2004, p. 12.

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Gostaríamos ainda de retomar o depoimento que vínhamos analisando. Na última

frase do primeiro parágrafo, Dick Thompson distingue sem rodeios o valor da sua palavra em

relação à dos agricultores familiares que o abasteciam. Caso contrário, não veria a necessida-

de de verificar se esses pequenos produtores estavam realmente praticando a agricultura or-

gânica. O que está manifesto é que para o proprietário do Sítio do Moinho a palavra desses

agricultores não tem a mesma “classe” que a dele.

No segundo parágrafo, Dick Thompson destaca a “qualificação social” que promo-

veu, afirmando que isto muito o alegrou. Novamente não há razões para se duvidar que um

ser humano não se sinta feliz com a alegria do outro. No entanto, as relações sociais de co-

mércio firmadas entre o proprietário do Sítio do Moinho e o conjunto dos agricultores-

fornecedores são assimétricas e de conteúdo de classe; a decisão sobre o que plantar e com

quem comercializar são exemplos. A entrega aos supermercados exigia um novo tipo de com-

promisso produtivo e comercial. O que só poderia ser alcançado se os fornecedores do Sítio

tivessem pelo menos a documentação necessária para serem incorporados a esse novo merca-

do.

A partir dessas considerações, julgamos que é possível retornar às questões suscita-

das sobre a afirmação de Leonardo Faver em relação às duas certificações e ao atendimento

aos mercados regional e nacional. Tanto a certificação do IBD quanto a certificação da ABIO

possibilitavam que Dick Thompson comercializasse os seus produtos do Monte Caburaí (RR)

ao Arroio Chuí (RS), pois não havia impedimentos legais. Por isso, não eram essas as razões

para as duas certificações.

Uma hipótese é que o selo SISSORG-ABIO, emitido pelo sistema participativo, como

é uma alternativa ao elevado custo do selo por auditoria do IBD, fosse utilizado no menciona-

do “contrato ‘guarda-chuva’” entre o Sítio do Moinho e os agricultores-fornecedores. Foi o

próprio proprietário que declarou no depoimento supracitado que estava sempre em contato

com esses produtores para verificar se cumpriam as exigências da produção orgânica. A partir

dessa certificação participativa, poderia comercializar os produtos com a marca própria do

Sítio do Moinho e com o outro selo (IBD). Mas por que utilizar o selo emitido por auditoria e

de custo muito mais elevado se já tinha a garantia do selo da ABIO?

Bem, podemos supor que a seleta e bem informada clientela dos supermercados da

zona sul do Rio do Janeiro se sentiria muito mais segura e, portanto, mais valorizada se visse

nos produtos que adquiria o selo do IBD, uma empresa de projeção internacional. Assim, tal-

vez o selo do IBD fosse uma exigência do grande comércio varejista. Mas e no caso das lojas,

incluindo aí as de propriedade de Dick e Ângela Thompson, em que há um contato, mesmo

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que inconstante, entre dono e cliente146? Neste caso, a primeira suposição continua a ser váli-

da. Mas também é possível, conforme o que conhecemos do universo mental de referências

dessa pequena burguesia, que não fizesse um juízo de valor da mais alta “classe” sobre o nos-

so entrevistado ao vê-lo utilizar um selo emitido por agricultores familiares, pobres em sua

grande maioria. Ainda mais que não tinha nenhum contato direto com qualquer um deles. A

ausência de um selo emitido por uma certificadora de atuação nacional e internacional poderia

passar a ideia para esse estrato social de um rebaixamento de status do Sítio do Moinho. Sen-

timento que o próprio Dick Thompson pode ter tido, haja vista que já expressara a sua insatis-

fação com a necessidade da certificação em si.

Essa é uma hipótese para a sua decisão de se desvincular do quadro de associados da

ABIO ao sair do grande comércio varejista, se é que esta desvinculação não aconteceu antes.

Não comercializando mais em grande volume, não tinha mais a necessidade de tantos forne-

cedores e nem desse tipo de certificação. Não nos esqueçamos de que os atuais fornecedores

são de outras cidades e apenas um é do Brejal, na Posse, 5º distrito de Petrópolis147. Poupava-

se, além disso, de ter de participar ou enviar algum representante às reuniões ordinárias e ex-

traordinárias da ABIO.

Aliás, sobre o processo de certificação participativa que havia aderido em 1997, Dick

Thompson apresentou as seguintes preocupações atuais:Participativa: eu, você, fulano, beltrano, 20 pessoas; vamos juntar, fazer uma associ-ação! Eu vou ficar de olho em você, você em mim, eu nele, que se alguém mijar forado penico, eles vão reclamar! Pra mim isto não acontece. (...) não vai sobreviverno Brasil! Se sou amigo do cara, eu não vou (...) indicar que o cara tá fazendo um er-ro no cultivo dele148. (Negritos meus).

E ainda em outro momento da sua entrevista enfatiza que:(...) é importante frisar isso – o que me surpreende muito é que (...) uns anos atrás ti-nha uma feira orgânica (...) no Rio de Janeiro. Hoje, têm 20, 25 feiras (...) espalha-das pelo Rio de Janeiro inteiro! De onde vieram esses produtores orgânicos de re-pente!? Quem certifica e... pior ou mais importante ainda, quem é que fiscaliza nafeira que todo mundo que tá lá, oficialmente é um produtor orgânico? Não tem notafiscal, vende não sei aonde e tal. Então, eu questiono! (...). Porque quem suposta-mente certifica e fiscaliza são certificadoras participativas. (silêncio breve). Eunão boto a minha mão no fogo, não. Mas, eu também não vou chegar e dizer acon-tece, porque eu não sei. Mas... eu questiono. Antigamente não tinha produção orgâ-nica. De repente, 30 produtores apareceram.(...) se for verdade, ótimo! Porque estádemonstrando o aumento da produção que é superimportante149. (Negritos meus).

146 A loja do Sítio do Moinho no bairro do Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, só foi inaugurada em 2008.Mas antes disso, Dick Thompson fornecia para outras lojas da mesma região da cidade do Rio.147 Um número bem inferior aos dezoito agricultores-fornecedores no momento de pico desse comércio.148 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 102.149 Idem, p. 105-106.

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Está claro que não confia no processo de organização dos agricultores familiares e

nem nos demais envolvidos. Agricultores, que além da necessidade da certificação, buscam

uma forma de não se submeterem às condições e aos elevados custos das empresas de audito-

ria. O interessante, no entanto, é que quando necessitou da certificação participativa, a ela

recorreu de alguma forma. Talvez por estar diretamente envolvido, não via maiores proble-

mas, pois considerava que tinha controle sobre o processo produtivo de seus fornecedores. Em

última instância, era a sua palavra de “classe” que dava aos procedimentos de certificação

participativa a garantia de idoneidade. Por outro lado, antes mesmo de fornecer aos supermer-

cados já buscava produtos fora do Sítio do Moinho para atender aos clientes domiciliares.

Nessa época “as pessoas acreditavam na gente” e pelo que parece, ele confiava em quem lhe

fornecia, mesmo não tendo “nada de certificação”.

Dick Thompson ainda tem um fornecedor no Brejal que “é certificado às vezes pela

ABIO ou por outras certificações participativas”150. Ou seja, precisando, não há problema.

Entretanto, pelo menos neste caso, Dick Thompson deixa transparecer certa “coerência” ao

insinuar algum tipo de problema com os produtos fornecidos, já que na sequência completa,

“mas é sempre uma pequena dor de cabeça o tempo todo. Ele prefere... E eu tenho muito re-

ceio [pausa] – é importante frisar isso – (...)151”. Insinua uma desconfiança sobre o seu forne-

cedor, mas cauteloso, deixa a dúvida pairando no ar e volta a sua atenção para o tema das fei-

ras orgânicas da cidade do Rio de Janeiro, como mostramos anteriormente.

Com isso, julgamos que a decisão dos proprietários do Sítio do Moinho de aderirem

às certificações por auditoria (IBD) e participativa (ABIO) é muito mais complexa que a ne-

cessidade exclusiva de atender a um comércio regional ou nacional. É, inclusive, muito mais

complexa que a simples e inexorável necessidade de adesão aos preceitos legais que impõem

a certificação. Relaciona-se, dentre tantas outras necessidades, direta e contraditoriamente aos

processos sócio-históricos de construção de confiança e desconfiança dinamizados no âmago

da estrutura verticalizada de nossa sociedade. Dick Thompson é um neorrural sem quaisquer

experiências anteriores com o conjunto dos costumes, hábitos, valores, ideias e crenças carac-

terísticas dos pequenos agricultores familiares brasileiros. De onde veio, ou seja, do mercado

financeiro, a palavra têm de estar documentada para ter caráter legal. Mesmo assim, esbarra

em condicionantes de poder que podem impor outra palavra, ignorando os acordos sacramen-

tados em papel. Por outro lado, em termos de conjunto social, o documento legal do agricultor

familiar é firmado quando a própria palavra é verbalizada.

150 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 105.151 Idem.

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Portanto, são universos sociais muito distintos e intrincados que passaram a se rela-

cionar de forma ampla, adquirindo uma nova complexidade no âmbito de uma dinâmica con-

traditória entre novas e antigas ruralidades. A própria necessidade de certificar que uma pro-

dução é orgânica também não é aceita sem questionamentos pelos agricultores familiares.

Afinal, por que os alimentos cultivados com o uso de agrotóxicos não veem acompanhados de

um símbolo de advertência!? Poderia ser um V; produzido com o uso de veneno! Assim como

se vem lutando para que os alimentos in natura ou os processados contenham em sua embala-

gem o símbolo , caso tenham algum constituinte que seja transgênico. Como os transgêni-

cos permitem que uma maior quantidade de herbicida seja aplicada sem afetar a planta em

cultivo, pois parte da sua estrutura genético-evolutiva foi alterada nos laboratórios de pesqui-

sa, o símbolo de advertência poderia ser -V; transgênico e envenenado.

3.13 – Dick Thompson: de produtor rural a empresário

Finalizaremos este capítulo com uma visão geral da estrutura econômica do Sítio do

Moinho. Abordaremos o processo organizativo da produção e comercialização forjado antes e

durante o fornecimento de produtos orgânicos para o grande varejo.

No período em que os proprietários do Sítio do Moinho plantavam e colhiam produ-

tos orgânicos e as pessoas acreditavam neles, isto é, antes do fornecimento aos supermerca-

dos, Dick Thompson registrou-se no MAPA como agricultor; produtor rural John Richard

Lewies Thompson, seu nome civil152.

Em seguida, ele fundou a empresa Sítio do Moinho Alimentos Orgânicos Ltda. Seu

objetivo era organizar e tornar ágil a comercialização dos alimentos colhidos. Conforme os

clientes domiciliares cresceram, a demanda por produtos in natura e processados também

aumentou. Foram iniciadas a compra e a comercialização de produtos não cultivados na regi-

ão, como por exemplo, arroz orgânico, que vinha principalmente da região sul do Brasil. Des-

sa forma, a Sítio do Moinho Alimentos Orgânicos Ltda. transformou-se numa empresa de

comercialização de produtos orgânicos.

Em 2004, por sugestão de dois italianos, decidiram fundar a Molino d’Oro no pró-

prio Sítio do Moinho “a primeira panificadora orgânica do Brasil! Certificado pelo IBD”. Mas

Dick Thompson dá outro destaque a esta iniciativa, segundo ele:

152 Consta no Cadastro Nacional dos Produtores Orgânicos sob o CPF/CNPJ nº 00209708700, cujo escopo pro-dutivo é caracterizado como Produção Primária Vegetal (PPV) (BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento, 2014).

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Na realidade, o importante é que isto foi a primeira vez que nós botamos um pé dolado de fora pra importar produtos! Nunca tinha feito isso antes. (...). Então, em2012, (...) o Sítio do Moinho - pasme! – esta empresasinha, pequenininha, virou omaior importador de produtos orgânicos do Brasil! Não em volume; em varieda-de153.

A importação foi iniciada com a farinha de trigo produzida na Itália e depois ampli-

ada para massas, azeites, patê e tantos outros produtos não fabricados no Brasil. Com o início

da importação, o entrevistado vislumbrou uma nova aurora para o seu “lugar”; dividiu a em-

presa de comercialização Sítio do Moinho Alimentos Orgânicos para permanecer no sistema

SIMPLES de tributação. Na realidade, além da panificadora, fundou uma nova empresa, sepa-

rando juridicamente a comercialização e a importação. A nova firma foi denominada de SDM

Comercializadora de Produtos Orgânicos Ltda. Esta nova pessoa jurídica passou a ser a entre-

gadora das cestas domiciliares e dos produtos aos supermercados e lojas. A empresa Sítio do

Moinho Alimentos Orgânicos Ltda. foi reorganizada como importadora de produtos orgânicos

e atualmente possui financiamento do governo federal. Isto pode ser conferido através da pla-

ca registrada por mim e inserida abaixo, apesar dos limites técnicos da imagem devido às

condições de luminosidade no interior do galpão de recebimento154.

153 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 101, 103.154 A imagem do interior desse galpão, onde essa placa está fixada, encontra-se à p. 42.

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A apresentação desse complexo na internet é feita nos seguintes termos:O Sitio do Moinho é atualmente um núcleo de 60 pessoas, do produtor na horta àequipe de venda, nutricionistas, panificadora, passando por responsabilidades comogerência, administração, empacotamento, cozinha e refeitório, limpeza, semeio, ma-nutenção, motoristas e entregadores.

Todas essas etapas são parte de um projeto cujo propósito é produzir, promover ecomercializar produtos orgânicos, objetivando sempre um padrão de excelência155.(Negrito meu).

Por observação direta e através da análise dos dados levantados e construídos, pode-

mos perceber que aquilo que é chamado de “núcleo” abrange um conjunto organizado de qua-

tro entes econômicos. Nos limites da realidade socioespacial do Sítio do Moinho, e a partir

desses limites, estão atualmente em plena atividade as seguintes organizações:

1. John Richard Lewies Thompson (pessoa física; produtor rural);

2. SDM Comercializadora de Produtos Orgânicos Ltda, (pessoa jurídica);

3. Sítio do Moinho Alimentos Orgânicos Ltda. (pessoa jurídica; importadora);

4. Molino D'oro Panificadora Ltda. (pessoa jurídica; padaria).

Dessas quatro organizações socioeconômicas acima listadas, a que mais interessa pa-

ra este estudo de caso é a do produtor rural John Richard Lewies Thompson. As relações soci-

ais de produção engendradas em sua respectiva geografia, conformando um complexo socio-

espaço-temporal de atividade agrícola orgânica, serão o tema principal do último e seguinte

capítulo.

155 SÍTIO DO MOINHO, 2014.

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4 – Sítio do Moinho: produção e relações de trabalho

As relações de trabalho em casos de empreendimentos de sucesso em nossa socieda-

de estão quase sempre ocultas ou são apresentadas como se fossem secundárias. O sucesso é

mostrado como fruto do esforço e da capacidade individual do empreendedor e o emprego da

força de trabalho como ato de preocupação social. Daí, expressões correntes como “dar em-

prego”, “deu muito emprego” etc. O emprego aparece como dádiva do empregador e não co-

mo necessidade absoluta de colocar em movimento o seu capital para ser reproduzido e am-

pliado. No entanto, a dádiva sempre é retirada quando surge no processo de competição do

mercado uma nova tecnologia. Que ao invés de desempregar, pois seria antissocial, amplia o

lucro através da economia de mão de obra.

Em relação a este estudo de caso não tem sido muito diferente. Dick Thompson e as

várias fontes consultadas têm-nos apresentado a sua capacidade e o seu dinamismo; transfor-

mou uma propriedade há tempos sem atividade agrícola em “um lugar” em poucos anos156.

Não que estas qualidades lhe sejam estranhas, muito pelo contrário. Afinal, alguém para ocu-

par o cargo, ou os cargos, que ocupou durante tantos anos numa das maiores instituições do

mercado financeiro, atrás de mesas de operações com “milhões de dólares pra lá e pra cá” é

no mínimo uma pessoa dinâmica e perspicaz. Não obstante, estas qualidades, apesar de neces-

sárias, são insuficientes para o alcance do sucesso que nos é apresentado. Ainda não nos foi

mostrada a relação social fundamental que permitiu engendrar esse processo a partir de certo

capital já acumulado por esse neorrural anglo-brasileiro; a relação de trabalho estabelecida

entre ele, proprietário dos meios de produção, e aqueles que trabalham em sua propriedade.

Mais um exemplo dessa construção ideológica de representação social e ocultação do

trabalho pode ser encontrado na página do Sítio do Moinho no facebook. Ao percorremos as

cem (100) primeiras imagens publicadas entre 02 de janeiro e de 04 de junho do corrente ano,

apenas uma incluía uma das trabalhadoras rurais. Mesmo assim, ela está ali por acaso; ocupa

plano e posição sem destaque numa imagem que retrata certa reportagem sobre uma inusitada

e controvertida técnica de produção. O experimento consiste em expor as plantas ao som de

alguns movimentos de certas músicas clássicas, cuidadosamente selecionadas. O objetivo

último é tentar aumentar a produtividade através do estímulo sonoro. A imagem mencionada

foi originalmente publicada no dia 28 de abril e pode ser vista em seguida.

156 Na entrevista concedida ao portal Planeta Orgânico, afirmou que quando adquiriu o sítio “a terra estava para-da há uns 7 anos” (PLANETA ORGÂNICO, s/d).

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A legenda

informa que “uma

equipe do SBT esteve

no Sítio essa manhã

para conhecer nossas

estufas e nossas ver-

duras que crescem

com música... — em

Sitio do Moinho -

horta orgânica - estu-

fas com musica clás-

sica”157.

Então, propomo-nos a apresentar as relações de trabalho estabelecidas entre o propri-

etário do Sítio do Moinho e aqueles que trabalham em sua propriedade. Antes, queremos re-

forçar que a parte da dinâmica socioeconômica que mais nos interessa para este estudo de

caso é a atividade agrícola de produção orgânica do Sítio do Moinho. Por isso, passaremos a

analisar neste capítulo como se estabelecem as relações de trabalho entre John Richard Lewi-

es Thompson, detentor da terra e dos demais meios de produção, e os trabalhadores do campo

de cultivo de sua gleba.

Também queremos reafirmar que estará sempre em consideração o discernimento

que a agricultura orgânica propala sobre si mesma em relação a certa sustentabilidade multi-

dimensional. Destacamos novamente que de acordo com a legislação que rege esse ramo de

atividade, a agricultura orgânica tem dentre seus objetivos “a sustentabilidade econômica e

ecológica, a maximização dos benefícios sociais (...)”158. Conforme ainda a legislação, para

alcançar tais objetivos este setor da agricultura tem como diretriz basear as suas relações de

trabalho “no tratamento com justiça, dignidade e eqüidade, independentemente das formas de

contrato de trabalho”159. (Negrito meu).

157 FACEBOOK, 2014.158 BRASIL. Presidência da República, 2003.159 Idem, 2007.

ID: Sem autoria identificada Fonte: Facebook Acesso: 04-jun-2014

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4. 1 – O atual patamar da produção

Como já registrado, o Sítio do Moinho desde o início de sua atividade agrícola em

1989 optou pela olericultura orgânica, seguindo a orientação técnica do consultor da

AGROSUISSE. A partir das primeiras cestas domiciliares entregues a demanda aumentou. A

produção e a diversificação das espécies e variedades cultivadas também foram ampliadas.

Também desde o início a agricultura orgânica é praticada no Sítio do Moinho por

John Richard Lewies Thompson. Este produtor rural com registro no MAPA cultiva e colhe

alimentos orgânicos que são vendidos verdadeiramente por um preço justo para a empresa

SDM Comercializadora de Produtos Orgânicos Ltda. A SDM, que por sua vez possui galpões

de recebimento e embalagem, câmaras frias, veículos climatizados etc, processa, embala,

transporta e vende os produtos com valor agregado a uma seleta clientela da zona sul do Rio

de Janeiro. Em linhas muito gerais é assim que se dá o processo de produção e escoamento

dos vegetais cultivados organicamente pelo produtor rural do Sítio do Moinho, de acordo com

as informações prestadas pelo Eduardo160.

Atualmente são trezentas cestas domiciliares entregues semanalmente. A próxima

meta é atingir a entrega de quatrocentas cestas por semana, conforme depoimento de outro

entrevistado, o Evandro161. Ainda de acordo com as suas informações, no Sítio do Moinho

cultivam-se sessenta espécies de plantas de valor agrícola. Dentre elas, duas variedades de

brócolis, duas de repolhos, ervilhas, couve-flor, três variedades de chicórias, cinco de alface,

chuchu, ervas condimentares, medicinais e algumas espécies frutíferas. Na rápida visita ao

campo de cultivo, feita já ao final do dia de trabalho, identifiquei bananeiras, pés de maracujá

e de morango. O volume total colhido é considerável, mas apesar de o planejamento de plan-

tio ser feito por m², nenhum dado sobre a produtividade foi obtido, isto é, a produção por hec-

tare (produtos/ha).

Algumas variedades de alface cultivadas em casa de vegetação podem ser vistas em

seguida. O registro imagético digital foi feito por mim no dia 08 de abril, durante o estudo

exploratório de campo162.

160 Eduardo é formado em agronomia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Trabalhousete anos para John R. L. Thompson. Ao me conceder a entrevista era prestador de serviços, aguardando umsubstituto. Por motivos pessoais sairá de Petrópolis. Cf. APÊNDICE B5 - 5ª Entrevista (1ª parte), p. 121-122.161 Evandro. Técnico agrícola formado pela Escola Agrotécnica Federal de Machado – MG e gestor ambientalformado pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR). Trabalha como técnico agrícola há quase sete anospara o produtor rural John Richard Lewies Thompson. Cf. APÊNDICE B2 - 2ª Entrevista, p. 109-110, 113.162 Todas as imagens digitais inseridas a partir de agora são de minha autoria e o meu nome está associado a cadauma. Todos os registros são do dia 08 de abril de 2014. Foram feitos com uma câmara amadora SONY, modeloDSC-WX7, pertencente ao patrimônio da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darci Ribeiro (UENF),sob a responsabilidade da professora Dra. Maria Clareth Gonçalves Reis.

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As variedades de minialfaces em primeiro plano são chamadas de salanova verde e

vermelha, respectivamente. Mais ao fundo estão as variedades lisa, mimosa e crespa das mi-

nialfaces salanova. As tubulações vistas na imagem são para irrigação por gotejamento; técni-

ca que permite grande economia de água, pois as gotas são liberadas lenta e diretamente na

superfície do solo, em torno da área do sistema radicular (raízes) dos vegetais.

Na entrevista concedida por Dick Thompson, fomos informados que a água usada

tanto na irrigação quanto na sua panificadora é captada de um poço artesiano de 103,0m de

profundidade e “é cristalina, sem nenhum aditivo químico”163. “Aditivo químico” neste caso é

uma referência à água sanitária diluída que percorre, em particular, as tubulações dos grandes

centros urbanos. A água clorada não só altera as qualidades organolépticas do pão quanto pre-

judica a fermentação natural, pois este processo é realizado por um fungo.

Em seguida, em outra imagem digital, vê-se um tensiômetro em meio às alfaces,

também em casa de vegetação. A parte inferior desse instrumento está localizada no limite da

profundidade das raízes, no caso das alfaces, cerca de 20,0 cm, mas pode chegar até 40,0cm.

O tensiômetro permite manejar a irrigação de forma simples. Na sua parte inferior há um ma-

terial poroso, feito de cerâmica. Quando o êmbolo é acionado para cima ocorre um processo

163 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 104.

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de sucção, sendo possível saber se há água disponível para as raízes. O tensiômetro, apesar de

simples, raciona o uso da água ao indicar o teor de umidade do solo.

O cultivo em casa de vegetação, assim chamada pelos fitotecnistas (geralmente agrô-

nomos e engenheiros florestais dedicados à reprodução de plantas) e estufa pelos não fitotec-

nistas, possui grandes vantagens. A principal é a possibilidade de desenvolver e controlar um

microclima que se diferencie do externo. Com isso, há a possibilidade de se criar melhores

condições de cultivo. A umidade do ar e do solo, assim como a temperatura de ambos, e a

concentração de CO2, por exemplo, são fatores de produção naturais que podem ser mais bem

controlados no interior dessa construção rural. Por outro lado, é um investimento que requer

um aporte de capital considerável, geralmente inacessível aos pequenos agricultores familia-

res.

John Richard Lewis Thompson está instalando em toda a sua área de cultivo casas de

vegetação e coberturas plásticas. Elas podem ser observadas em diversas imagens inseridas ao

longo deste texto, como a da reportagem da emissora de televisão. Na próxima imagem ve-

mos dois trabalhadores da empresa contratada para a implantação dessas construções rurais

escavando a terra para a fixação dos mastros. Notar nos planos posteriores aos canteiros de

alfaces, diversos postes de fixação já instalados.

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Em seguida podem ser visualizadas três destas construções. Observar que as casas de

vegetação são fechadas, o que possibilita certo isolamento do meio externo enquanto a outra é

aberta nas laterais. Mesmo permitindo a troca de ar com mais facilidade, a temperatura sob a

cobertura plástica chega a ser entre 3 ºC e 4 ºC superior à temperatura do ambiente ao redor.

Na sequência vemos com um pouco mais de detalhe o cultivo de rúcula sob a cober-

tura plástica que está registrada na imagem acima, à direita.

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Na propriedade de John Richard Lewis Thompson, as sementes das oleráceas culti-

vadas são adquiridas de empresas que as produzem sob a forma convencional de agricultura.

Não existe no Brasil a produção de sementes orgânicas e sua obtenção na própria propriedade

requereria um planejamento próprio e dispendioso. Com essas sementes são produzidas as

mudas que serão transplantadas no campo. Este é o tema da próxima sequência imagética.

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Abaixo, uma visão um pouco mais ampla de uma das áreas de transplante das mudas.

Trabalho de transplante de mudas acompanhado por dois quero-queros no canto infe-

rior direito. Na sequência, a mesma operação com alguns detalhes há mais.

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Além do destaque da bandeja de mudas, do cano para irrigação por aspersão em pri-

meiro plano, do cultivo de bananeiras ao fundo, notar a presença feminina e negra nesta ativi-

dade. Também vale ressaltar que as plantas que margeiam os canteiros assim como as que

estão num planto imediatamente anterior às bananeiras nasceram espontaneamente. Próximo e

entre às bananeiras predominam os capins. Este destaque é apenas para ressaltar que se a prá-

tica agrícola implantada não fosse a orgânica, tudo provavelmente estaria “limpo” pela aplica-

ção de herbicidas. E se ainda não existisse preocupação com os processos erosivos, o solo

estaria descoberto. Para a agricultura envenenada, o que não é a planta em cultivo costuma ser

considerado um problema a ser combatido; ervas daninhas que competem por água, luz, nutri-

entes e reduzem a produtividade por hectare, reduzindo o lucro, consequentemente.

Nas imagens da página anterior, assim como na maioria das outras do campo de cul-

tivo, podem ser vistas áreas vegetadas com mata, formando um cinturão verde em torno dos

hectares agricultados. Esta vegetação traz equilíbrio ao meio ambiente. Equilíbrio que é fun-

damental para que insetos e outros organismos não se tornem uma praga para os vegetais em

cultivo. Também é fundamental para a proteção do solo, evitando ou diminuindo a intensida-

de dos processos erosivos. Também é importantíssimo para a preservação das fontes de água.

Proteção que se estende para além da propriedade, alcançando no mínimo o seu entorno.

A imagem seguinte, feita de outro ângulo, registra parte do mesmo campo de cultivo.

Permite vislumbrar um pouco mais das áreas com mata. Ao fundo, do lado direito aos aflora-

mentos rochosos, vê-se um deslizamento de solo provocado pelas intensas chuvas ocorridas

em 12 de janeiro de 2011. Considerado o maior desastre natural do Brasil, com mais de 1.000

mortes registradas, oficialmente.

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Esse meio ambiente protegido e benéfico ao próprio ser humano só está nestas con-

dições devido à prática agrícola atual. Qualquer alteração, seja nas partes vegetadas não in-

corporadas diretamente à área de cultivo ou através do uso de agrotóxicos e adubos químicos

de alta solubilidade, afetará a totalidade do ecossistema local.

Através das imagens inseridas até o momento é possível ter uma boa noção de que

esta é uma área de produção agrícola orgânica bastante capitalizada. Todas as construções

rurais e os demais insumos, como o plástico, objetivam ampliar de alguma forma o controle

sobre os ciclos biológicos e diminuir a dependência das condições climáticas e do tempo me-

teorológico. Tais medidas inserem-se no interior da mesma lógica que tem atraído capitais

para investimentos diretos na agricultura desde o surgimento da Revolução Verde; a garantia

do retorno de investimento e ampliação do capital. Ou seja, lograr uma taxa média de lucro

que geralmente só era obtida em atividades não agrícolas ou restritas à fabricação de insumos

e equipamentos para este setor. Ou ainda limitadas aos ramos das atividades de beneficiamen-

to industrial e comercialização dos produtos primários agrícolas.

Percebe-se, portanto, que estamos diante de um processo de apropriação do capital

por um tipo de agricultura que até então era relegada ou mesmo ridicularizada em amplos

setores da sociedade. A começar pelas instituições de ensino e pesquisa de agronomia, enge-

nharia florestal etc, assim como pelas instituições de extensão rural, que ignoravam a chama-

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da agricultura tradicional. Considerada atrasada tecnologicamente e fadada ao desaparecimen-

to nas sociedades modernas e desenvolvidas. Posição que começou a ser lentamente mudada

com os movimentos de agricultura alternativa na década de 70 do século passado, já discutida

no item 2.6 desta monografia.

É nessa perspectiva de investimento que nos parece que o nosso neorrural, que bus-

cava “um lugar”, decide pela agricultura orgânica. Não se restringe, inclusive, à atividade do

produtor rural John Lewis Richard Thompson. Amplia o seu investimento nos procedimentos

de pós-colheita; beneficiamento e comercialização. Comércio que inclui a importação de pro-

dutos orgânicos não encontrados no Brasil.

A partir do próximo item passaremos a abordar outros aspectos necessários para di-

namizar o processo de produção no campo de cultivo do Sítio do Moinho.

4. 2 – Planejamento, supervisão e execução do cultivo

Todo o trabalho de produção no campo de cultivo, do qual até o momento só o vimos

imagética e parcialmente no transplante de mudas, é realizado atualmente por dez (10) pesso-

as que trabalham para o produtor rural do Sítio do Moinho. Dentre esse conjunto de trabalha-

dores e trabalhadoras há na parte estritamente técnica, isto é, responsáveis pelo planejamento

e supervisão da execução do trabalho, um agrônomo (Eduardo) e dois técnicos agrícolas

(Evandro e Adeilton). Portanto, são sete os demais trabalhadores “sem” qualificação técnica

mais específica.

O agrônomo é o técnico responsável pela área de cultivo. A ele cabe a gerência geral

da produção agrícola. Isto é, o planejamento do plantio; quando e como plantar. Assim como

a responsabilidade pela compra dos insumos que não estão disponíveis na propriedade e são

necessários à produção. Sementes, material de irrigação e pulverização, adubo orgânico e ro-

chas moídas (calcário, principalmente) são alguns exemplos.

Os técnicos agrícolas ocupam lugar intermediário entre o gerente e os trabalhadores

rurais. São responsáveis pela orientação técnica; execução do plantio e cultivo. Avaliam as

necessidades de irrigação, adubação e capina. Igualmente, as condições fitossanitárias (a saú-

de geral dos vegetais) e o momento da colheita. Em suma, são responsáveis por toda a super-

visão da parte do cultivo propriamente dito, conhecido como manejo; do semeio à colheita.

Na próxima imagem podemos ver à esquerda o Eduardo (engenheiro agrônomo). No

plano posterior, atrás do trator, encontra-se o Evandro, o técnico agrícola do Sítio do Moinho

que foi entrevistado. Ao volante, o motorista da concessionária fazendo a entrega do trator

adquirido recentemente.

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Aos outros sete (7) trabalhadores e trabalhadoras “sem” qualificação, chamados no

Sítio do Moinho de “auxiliares de produção”, cabe-lhes a execução direta da produção; se-

meio, plantio, cuidados com o cultivo e colheita. Enfim, são os produtores diretos, responsá-

veis pelo o que é conhecido como tratos culturais; capina da vegetação silvestre, adubação,

irrigação e outros cuidados para que a produção efetivamente aconteça. Como pode ser obser-

vado abaixo, por exemplo, no trabalho de capina do Paulo César em área de cultivo de ceboli-

nha, cenoura e alface.

Por isso, o termo “auxiliar” não expressa todo o trabalho, a responsabilidade e a ca-

pacidade dessas e desses produtores diretos. Inclusive, a preposição sem foi colocada entre

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aspas porque todas as operações de produção exigem uma técnica de trabalho. Por exemplo, a

utilização da enxada pelo Paulo César na capina é feita de forma a não aprofundar em dema-

sia a parte metálica na terra. Se assim fosse feito, haveria mais terra solta, acarretando conse-

quências na perda de solo e nutrientes arrastados pela chuva, que é o principal agente de ero-

são em nossas condições geoclimáticas.

Mas além de técnica propriamente dita há algo mais em jogo na execução do traba-

lho agrícola. Referimo-nos em especial ao campo da subjetividade, sempre mobilizada duran-

te a ação sobre a natureza: a identificação do trabalhador com o próprio trabalho agrícola. No

caso do Paulo César, filho de agricultores, mas que estava afastado da lavoura antes de ingres-

sar no Sítio do Moinho há quatro anos, quando indagado sobre o seu trabalho afirmou: É bom, né, cara!? Isso é be-be-beleza pura, né? (...). Tudo com negócio de pranta.(...). É muito bom. É ótimo”! [E ele] faz tudo; limpa, pranta, né? Só pra colher queeu não to treinado, assim. (...) Pra colher já tem as pessoas certo, que já entende, né?(...) O que tá bom de tirar. O que não presta, né164?

Como se vê, além de gostar do que faz, admite que para a etapa da colheita é neces-

sário certo conhecimento que ainda não detém. Conhecimento empírico relacionado à fisiolo-

gia vegetal, sempre articulado na intermediação entre o pensamento e a ação, cuja imagem

abaixo também sugere.

164 APÊNDICE B6 - 6ª Entrevista, p. 131-132.

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Em relação ainda à identificação com o trabalho agrícola, gostaríamos ainda de expor

a opinião de uma lavradora e de um trabalhador, ambos do campo de cultivo, que foram en-

trevistadas: a Marlene e o Marcos165.

Marlene, que segundo Dick Thompson “tem uma mão fantástica”, era empregada

doméstica antes de ingressar no Sítio do Moinho na entrada do milênio (2000) e esta foi a

primeira experiência dela na agricultura. Durante os primeiros quatro (4) anos trabalhou como

meeira ao lado do seu marido que já estava no Sítio, mas hoje não mais. A partir de 2010,

estabeleceu outra relação de trabalho com o proprietário. É a cultivadora das ervas aromáticas

e medicinais do Sítio. Quando indagada sobre o que mais a atraía no trabalho que executava,

respondeu: “Ah, eu gosto do que eu faço. Eu gosto muito. Eu não sei fazer outra coisa, pra te

falar a verdade! (Risos)”. E reforça: “Eu gosto da terra. Eu gosto disso aí. Eu gosto do que eu

faço (silêncio)”166. Vejamos ainda o trecho da entrevista em que é indagada se toparia traba-

lhar em outro local, com outra técnica de produção que não fosse a orgânica:

· Teria pra você alguma diferença se (...) tivesse que trabalhar num outro local queusasse é... agricultura da forma convencional?

♦ Aí, seria ruim, né? Ia ser difícil. Aí, eu nem ia mexer com isso aí, mais não! (Ri-sos).

· Mas por que, especificamente?

♦ Eu ia fazer outra coisa. Ah, porque faz mal, né? Não é bom, não. Se fechar o Sí-tio, eu vou trabalhar de outra coisa. Não vou mexer com planta mais, não. (Risos)167.(Negritos meus).

Pelo que parece, esta lavradora já interiorizou no seu quadro mental de referências o

gosto pela labuta numa agricultura livre dos agrotóxicos. Se tivesse de sair da produção orgâ-

nica, conforme afirmou, procuraria outra ocupação que não fosse o trabalho com a terra e as

plantas.

Na sequência há duas imagens em que podemos vê-la no campo de cultivo junto de

parte de “suas” ervas. Na primeira, próximo a ela, é visto uma moita de capim-limão ou ca-

pim-cidreira, cuja folhagem longa e fina é utilizada como chá, pois se considera que tenha

propriedades medicinais. No canto inferior direito podemos ver um pé de manjericão verde,

muito utilizado como condimento.

165 Enquanto entrevistava a Marlene, o Evandro se aproximou com o Marcos, o trabalhador mais recente no Sítiodo Moinho. Eles se limitavam a ouvir o que eu indagava a Marlene, mas em certo instante o Marcos fez umcomentário e a partir disso a entrevista tornou-se coletiva.166 APÊNDICE B4 - 4ª Entrevista, p. 117.167 APÊNDICE B3: 3ª Entrevista, p. 114.

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A rede vista acima é para diminuir a energia potencial das grandes gotas de chuva em

dias de tempestade, mas principalmente contra a queda de granizo. Chuva torrencial e granizo

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podem trazer grandes estragos aos cultivos e em particular há algumas das ervas mais delica-

das.

Abaixo, ao centro e em primeiro plano, detalhe do pé de manjericão, que é chamado

no Sítio do Moinho, por quem lavra a terra, de alfavaca. Nos canteiros laterais há outras ervas.

À direita do manjericão, orégano (rasteiro).

O terceiro trabalhador entrevistado, Marcos, já havia exercido atividades na agricul-

tura, mas estava afastado delas há alguns anos. Também trabalhava “mais em obra” e veio

para o Sítio do Moinho porque estava sem emprego. À época do estudo exploratório de cam-

po encontrava-se em fase de experiência, pois havia chegado há apenas um mês. Sobre o tra-

balho na agricultura afirma que:Se o cara não gostar, não adianta. Que a pranta num se sente. Cuida dela direitinho.Ela se sente também. Ela vem bonita. Agora, tu cuido de mau vontade, ela se sente.Qualquer pranta. Prantá também. Quando tu pranta com amor, elas vêm bonitaquando tu ranca os mato. Agora, tu arrancá com ignorância, com raiva; até isso sen-te. Tem gente que pensa que não, mas elas sente168.

Quando foi indagado se teria alguma diferença para ele trabalhar na agricultura orgâ-

nica ou na convencional, respondeu: “Não. Não. Fica tranquilo. (...). Se sair daqui e tiver ou-

tro lugar, eu garro assim mesmo, também. Num esquento, não”169!

168 APÊNDICE B4 - 4ª Entrevista, p. 116-117.169 Idem, p. 118.

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Apesar de sua aparente indiferença, o que ficou caracterizado pela entrevista é que

ele ainda não compreendeu o que é a agricultura orgânica. Mais que isso, acredita que no Sítio

do Moinho são usados os mesmos insumos químicos industriais. Quando tentei esclarecer

melhor a pergunta, afirmando que ali não eram usados tais insumos, ele contestou afirmando

que “tem esses negócio, sim. Que eles bota aí. Às vez eles mistura alguma coisa. (...). Esse

negócio de líquido. Essas coisa assim”170.

Como começou a trabalhar no Sítio do Moinho há apenas um mês, ainda não teve

tempo de entender que a agricultura orgânica não leva veneno. Essa confusão se dá, prova-

velmente, porque já viu o pulverizador costal em uso. Este equipamento é muito utilizado

para a aplicação de agrotóxicos, por isso ele o associou com “esses negócio”. No entanto, o

produto líquido aplicado pode ser um extrato de adubo orgânico ou as caldas para o controle

de doenças causadas por fungos, de uso permitido por serem praticamente atóxicas ao ser hu-

mano.

Em seguida vemos o galpão dos insumos agrícolas para uso na agricultura orgânica.

Neste local são acondicionadas as sementes e os substratos para a produção das mudas. Os

barris em primeiro plano são para a guarda dos biofertilizantes. Depois da decantação dos

substratos mais densos, sobra uma emulsão rica em nutrientes que é aplicada através dos pul-

verizadores diretamente sobre a folhagem; é a adubação foliar. Um desses instrumentos pode

ser visto na imagem abaixo. Está em cima da mesa e tem coloração amarela.

170 APÊNDICE B4 - 4ª Entrevista, p. 117.

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4. 3 – As condições de trabalho

O Decreto nº 6.323, de 27 de dezembro de 2007 que regulamenta a Lei nº 10.831, de

23 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a agricultura orgânica, registra no artigo 5º, do

Capítulo I, das relações de trabalho que “nas unidades de produção orgânica deve ser obser-

vado o acesso dos trabalhadores aos serviços básicos, em ambiente de trabalho com seguran-

ça, salubridade, ordem e limpeza”171. Vejamos, então, as condições de trabalho que foram

passíveis de observação no dia do estudo exploratório de campo.

As terras de cultivo do produtor rural John Richard Lewis Thompson situam-se há

2,0km após o ponto final do ônibus que parte do Terminal de Itaipava para Santa Mônica.

Para sanar a dificuldade de chegada dos trabalhadores até à propriedade, o Sítio Moinho dis-

ponibiliza uma Kombi para buscá-los pela manhã e levá-los ao fim da jornada de trabalho.

Tive a oportunidade de utilizar esse transporte quando a última viagem até o ponto foi feita.

Em relação à moradia, conforme informações do Eduardo, o Sítio põem à disposição

oito vagas em alojamento para aqueles que necessitam residir no local de trabalho porque não

são do município. Os estagiários também podem se acomodar nesse espaço. São quartos cole-

tivos para até três pessoas. A informação é de que o aluguel é simbólico, mas o preço não foi

informado. Atualmente há três pessoas ocupando as dependências do alojamento. Dos traba-

lhadores do campo, apenas o Evandro reside no próprio Sítio, pois é de Minas Gerais. Tam-

bém havia um estagiário do curso de agronomia, de Londrina, no estado do Paraná.

O Sítio também fornece aos trabalhadores das quatro empresas um vale mensal para

compras em supermercados da região. Novamente, o valor não foi mencionado. Há cozinha e

um respectivo refeitório onde é servido a todos que trabalham no Sítio as seguintes refeiçoes:

café da manhã, almoço, café com pão à tarde e janta para os alojados. Ainda segundo o Edu-

ardo, o preço total das três refeições é próximo de R$1,00 por dia. Os vegetais que compõe a

salada são todos do produtor rural do Sítio ou que chegam dos fornecedores e por estarem

fora do padrão de qualidade não são vendidos. Arroz, feijão e carne são adquiridos nos su-

permercados da região.

No dia da visita de campo fui gentilmente convidado para almoçar pela gerente do

escritório, Verônica Oliveira. Por motivos que abrangiam tanto a necessidade premente de

sanar exigências fisiológicas quanto às da dimensão etnográfica, aceitei penhoradamente.

Com isso, pude mais que observar; experimentei a qualidade dos alimentos orgânicos servi-

171 BRASIL. Presidência da República, 2007.

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dos na salada, assim como a destreza do cozinheiro. Em seguida, o registro imagético do local

de refeições172.

No que tange ao aspecto legal mencionado no início deste item, nossa pesquisa empí-

rica, apesar de ligeira, tende a comprovar o prescrito em lei, ao menos minimamente. Se há

algum aspecto que não está conforme a prescrição legal, não foi empecilho para a obtenção da

certificação. O que não significa que as relações se diferenciem essencialmente da relação

entre capital e trabalho, comum à sociabilidade burguesa.

Ainda de acordo com o gerente geral da produção agrícola, cada trabalhador do cam-

po desempenha uma atividade específica; capina, pulverização (adubação foliar e caldas) e

manuseio do microtrator foram alguns exemplos citados. É o caso do Paulo César que só exe-

cuta o trabalho de capinação.

O microtrator é usado como meio de transporte dos vegetais colhidos, para a feitura

de canteiros e para uso da roçadeira. Foi adquirido recentemente e pode ser visto abaixo sendo

retirado do caminhão de entrega com a roçadeira acoplada à traseira. Essa máquina motora

agrícola chegou exatamente no dia do estudo exploratório de campo, na parte da tarde.

172 As condições de luminosidade eram desfavoráveis, mas como se dizia no meio fotográfico profissional, antesuma fotografia ruim que nenhuma fotografia. Isto continua sendo válido para o universo da imagem virtual. Dequalquer forma, para os objetivos deste trabalho de campo é uma imagem que contém dados. Gostaria apenas dedestacar que o local não é tão grande quanto parece; os planos estão distanciados. Este efeito visual é inevitáveldevido às características ópticas da objetiva grande angular. Usada para abranger toda a área do refeitório.

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Apesar desse novo equipamento, a enxada ainda é o instrumento de trabalho mais

utilizado nas terras de John Richard Lewis Thompson.

A carga horária de trabalho segue a determinação constitucional da jornada de 44 ho-

ras semanais. Fui informado pelo Evandro, que a jornada semanal é cumprida de segunda a

sexta-feira. No sábado e no domingo são escalados os que tiveram as duas folgas durante a

semana. A carga de trabalho diária é de 8h e 48min; entrada às 7h, com 1h para almoço, e

saída às 16h e 48min.

4. 4 – A parte que te cabe dessa produção

O Sítio do Moinho, “cuja meta é produzir, promover e comercializar hortaliças orgâ-

nicas, objetivando sempre um padrão de excelência”, estabelece relações de assalariamento

com todos os seus trabalhadores. Incluem-se, obviamente, aqueles que labutam diretamente

no campo de cultivo, cujas relações de trabalho interessam para este capítulo.

Conforme Dick Thompson, quando em sua entrevista discorria sobre os primeiros

tempos da implantação da agricultura orgânica em seu “lugar”, tudo o que era feito estava

“estritamente dentro das leis do país. Todo mundo com carteira assinada. Todo mundo com os

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seus direitos em dia”173. Desde o início, por suas próprias palavras, compreende-se que os

trabalhadores são assalariados sob o regime da CLT.

No entanto, o salário a ser recebido pode ser a base mínima de participação dos pro-

dutores de valores de uso na repartição da riqueza gerada. Dick Thompson deixa entender isso

quando explana sobre outro selo de certificação emitido pelo IBD, pago por um tempo e dis-

pensado depois. Ele afirma que:Fomos a primeira e única empresa de agricultura, de hortaliças etc, que conseguiu oselo EcoSocial. [Explica que] EcoSocial era o selo que vinha e que demonstrava aforma com a qual a gente lidava e tratava com (...) os nossos funcionários. Se vocêentrar no site – (...) www.ibd.com.br – deve ter alguma coisa sobre a filosofia do se-lo EcoSocial. Aí, isso vai te demonstrar uma filosofia complementar que nós tínha-mos na forma de tratar os funcionários, mas que custava uma fortuna! E que nãolevava a nada porque nós não conseguíamos vender mais por causa do EcoSo-cial. E como (...) a gente fazia de que qualquer forma o que távamos fazendo aqui,(...) decidimos parar com o selo”174. (Negritos meus).

Sempre racionalizando a sua atividade, leva-nos a concordar com o argumento apre-

sentado. Afinal, por que pagar por um selo que não ampliou as vendas nem para cobrir os seus

próprios gastos e que não alterava em nada a relação que já mantinha com os trabalhadores da

sua propriedade? Seria ilógico em qualquer lugar do mundo manter tal certificação; um custo

a mais com o mesmo parâmetro de responsabilidade social. Já “que custava uma fortuna”,

poderia ser distribuído na totalidade ou em parte entre todos. Porém, esta relação de trabalho

diferenciada não se evidenciou pela entrevista e nem pelas observações diretas.

Assim, por que não seguir a sugestão feita e procurar no portal do IBD alguma in-

formação sobre o selo EcoSocial? Esta certificação pode nos informar algo sobre o caráter da

tão propalada responsabilidade social que os praticantes empresariais da agricultura orgânica

fazem questão de afirmar que seguem. Ainda pode esclarecer a “filosofia complementar” do

produtor John Richard Lewis Thompson na relação de trabalho estabelecida com os trabalha-

dores do seu campo de cultivo.

De acordo com o que consta no portal do Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento

Rural:A Certificação EcoSocial se aplica a empresas, propriedades e grupos de produtoresque visam desencadear um processo interno de desenvolvimento humano, social eambiental fomentado por relações comerciais baseadas nos princípios do ComércioJusto. (...) visando a melhoria contínua nos aspectos socioambientais (Condições deVida e de Trabalho, Conservação e Recuperação Ambiental)175.

173 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 98.174 Idem, p. 100.175 IBD, 2014.

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“Comércio Justo” é uma expressão bastante subjetiva, pois depende da apropriação

que determinada classe social ou fração desta classe faz do termo na defesa dos seus interes-

ses. Para as grandes transnacionais da agricultura, por exemplo, o comércio de transgênicos é

um comércio justo; tudo é legalizado e os preços são acessíveis à maioria dos agricultores.

Mas pra quem está vinculado ao tipo de agricultura que estamos discutindo aqui, os transgêni-

cos representam a completa subordinação dos produtores à indústria. Comércio, portanto, na

sociedade atual é o lócus da realização do valor que se expressa no valor de troca das merca-

dorias. Está submetido ao jogo de forças presentes no mercado burguês, mesmo que apresente

alguns princípios comerciais que tentem se diferenciar das práticas dominantes176.

Apesar disso, há um detalhe na citação anterior que particularmente nos interessa; a

busca contínua pela melhoria das “condições de vida e de trabalho”. Vejamos um pouco mais

sobre quais são os critérios necessários para a obtenção do selo EcoSocial. De acordo com

Jackie Bowen “o programa EcoSocial capacita agricultores e trabalhadores em países em de-

senvolvimento - cujos produtos e ingredientes são exportados para o resto do mundo – para

avaliar sua situação, identificar oportunidades, desenvolver metas e implementar soluções”177.

(Negrito meu). Parece-nos que o principal objetivo desta certificação é levar algum tipo de

garantia ao mercado internacional, para o qual os produtos com o selo EcoSocial seriam des-

tinados. Neste caso, a primeira observação é que em nenhum momento de seu depoimento

Dick Thompson falou em exportação, mas apenas em importação.

Vejamos ainda mais um pouco sobre o que o autor citado tem a nos informar sobre o

selo em questão.[Os] Objetivos são determinados de forma colaborativa com a participação de tra-balhadores em todos os níveis, através de um comitê de gerenciamento das partesinteressadas. Após a priorização das demandas encontradas pela organização, o co-mitê seleciona ao menos dois projetos de melhoria ambiental e dois de melhoria so-cial para promover melhor qualidade de vida e aumentar a conservação. Por exem-plo, um produtor de arroz na Tailândia escolhe garantir acesso à água potável para acomunidade e melhorar a educação infantil 178. (Negritos meus).

O programa EcoSocial inclui os trabalhadores no processo de decisão. A certificação

EcoSocial garante que o artigo comercializado está de acordo com a legislação trabalhista

176 Acreditar que o comércio de mercadorias praticado por empresas possa ser justo por causa de alguns princí-pios que o norteiam é acreditar na mesma preocupação social defendida por muitas ONGs. A este respeito olonga Quanto vale ou é por quilo? lançado em 2005 pelo cineasta Sérgio Bianchi é bastante elucidativo sobre aresponsabilidade social e o financiamento empresarial. Cf. Quanto vale ou é por quilo? Direção: Sérgio Bianchi.Roteiro: Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi. Rio de Janeiro: Agravo Produções Ciematográfi-cas, Riofilme, 2005. Disponível em DVD.177 BOWEN, s/d, p. 1.178 Idem.

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nacional e a OIT, incluindo a “oferta de salários e condições de trabalho justas, proporcionan-

do moradia adequada, cuidados médicos e oportunidades educacionais (...)”179.

Aspecto fundamental para o nosso estudo de caso é a “participação de trabalhadores

em todos os níveis”. Mas participação em quê? No processo de decidir o que cultivar? Qual o

destino da produção? Quando e como comercializar? Pelo exemplo do produtor de arroz na

Tailândia, não nos parece que sejam essas as participações referidas. Ou seja, no processo

produtivo interno da propriedade não é necessária a participação dos próprios trabalhadores.

As decisões cabem ao proprietário, ou à gerência, ou a ambos. A mencionada inclusão de tra-

balhadores na gestão sugere que é à gestão destinada ao programa de ação social externo à

propriedade. Neste caso, o que aparenta é que os trabalhadores seriam utilizados como mão de

obra não remunerada em projetos de ação social.

Teria sido isso que fez com que Dick Thompson abandonasse a Certificação EcoSo-

cial? Questões trabalhistas não lhe acarretariam a perda do respectivo selo, pois estavam sen-

do cumpridas plenamente, segundo suas informações. Seria pelo fato de ele não querer dispo-

nibilizar os seus trabalhadores para uma atividade que lhes ocuparia um tempo precioso e não

traria dividendos? Ou não conseguiu convencê-los da importância de participarem de algum

projeto social que levaria o selo do Sítio do Moinho? Ou, além disso, não conseguiu preparar

algum projeto dessa envergadura que lhe desse o devido retorno? Nada foi mencionado sobre

isso.

Dick Thompson deixou claro que não conseguiu “vender mais por causa do EcoSo-

cial.” Evidenciou que objetivava o aumento das vendas e, consequentemente, a obtenção de

maior taxa de lucro. Por outro lado, ter seguido a sua sugestão de investigação não nos escla-

receu sobre a “filosofia complementar” que tem no trato com os funcionários do Sítio do Mo-

inho. Também não deu informações sobre como é distribuída a riqueza produzida, além da

indicação do assalariamento e observância da CLT. Sendo assim, recorrer aos trabalhadores

entrevistados pode ajudar nesta questão.

Marlene quando indagada se podia levar parte da produção para casa, respondeu que

“quando eles liberam, a gente leva (...). Alguma coisa sobrando. Aí, eles dão pra gente”180. Na

sequência o Evandro complementa quando exemplifica que se colheu “um lote. Sobrou algu-

mas alfaces que não dá pra vender. Aí, eu dou pra eles”181. Não são vendidas porque estão

fora do padrão de qualidade, principalmente em termos de tamanho, mas nem por isso signifi-

179 BOWEN, s/d, p. 1.180 APÊNDICE B3 - 3ª Entrevista, p. 115.181 APÊNDICE B4 - 4ª Entrevista, p. 116.

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ca que perderam a qualidade nutricional. De qualquer forma, só podem ser levadas porque

seriam descartadas.

Mesmo assim, poderia existir uma área de cultivo específica para os trabalhadores

produzirem os alimentos que desejassem e caso desejassem. O que poderia ser feito na área

adquirida recentemente de 16.000,00m². São terras contíguas ao Sítio do Moinho e que ainda

não foram incorporadas à produção. Requerem um prazo de descanso para descontaminação

do solo, exigência da prática agrícola em debate182. Todavia, não há esta área. A produção é

completamente voltada para atender “ao mercado”, como confirmou o Eduardo em sua entre-

vista183. A única parcela que os trabalhadores recebem pelo seu trabalho é na forma de salário,

conforme a legislação que rege a relação entre capital e trabalho. Ainda de acordo com o

agrônomo do Sítio, na agricultura orgânica não se “pode liberar os certificados se não tiver

com (...) os funcionários registrados de acordo com a lei. (...). Não tem porque inventar (...)

tem que tá de acordo com a lei trabalhista184.

Esta posição, como não poderia ser diferente, é a mesma do proprietário do Sítio do

Moinho. Ao ser indagado se enfrentava algum problema em seu empreendimento agrícola

devido à legislação que regula o trabalho, afirmou que “não. (...). Lei trabalhista é tudo a

mesma coisa. (...). Não tem benefício. Não tem vantagem. Não tem nada. É a lei trabalhis-

ta”185.

A legislação que o preocupa é outra. Para Dick Thompson os grandes problemas

“são os novos parâmetros federais para esse nosso universo orgânico no Brasil. (...). A legis-

lação [ênfase dele]. Os parâmetros de o quê que eles consideram orgânico, o quê que pode ser

orgânico, o quê que não é”186. Esta insatisfação deve-se às determinações judiciais de reco-

lhimento de produtos orgânicos importados por sua empresa e que já estavam em circula-

ção187.

Fizemos tão somente um brevíssimo parêntesis comparativo das preocupações em re-

lação às normatizações em que o empresário se vê envolvido. Retomemos a discussão sobre a

questão do trabalho neste ramo econômico da agricultura, pois a nossa abordagem sobre o

tema ainda não pode ser dada como finalizada.

Num país como o nosso em que são correntes as denúncias de trabalho escravo, prin-

cipalmente no meio rural e agrícola, é um avanço social e político considerável o respeito à

182 APÊNDICE B1.1 - 1ª Entrevista (2ª parte), p. 108.183 APÊNDICE B5 - 5ª Entrevista (1ª parte), p. 123.184 Idem.185 Idem, p. 122-123.186 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 101.187 Cf. RIO DE JANEIRO, 2011, p. 22.

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legislação trabalhista188. Ainda mais como exigência para o reconhecimento da própria ativi-

dade, conforme são hoje os parâmetros exigidos para uma prática agrícola ser considerada

orgânica. Por outro lado, também é sabido que desde o anúncio do “fim da história”, com a

queda do bloco socioeconômico liderado pela URSS, o mundo do trabalho está sob ferrenho

ataque do capital. No Brasil, em nome da competitividade, a legislação trabalhista é constan-

temente ameaçada através de projetos de leis encaminhados ao Congresso Nacional pelos

governos federais democraticamente eleitos189. Essas ameaças têm sido chamadas eufemisti-

camente de “flexibilização trabalhista”. Por exemplo, incluem a liberação das negociações

diretas entre patrões e empregados para a redução de salários, aumento de carga horária de

trabalho etc, desconsiderando a legislação vigente. O mote é que o negociado prevaleça sobre

o legislado, como se existisse equidade de forças entre capital e trabalho. E mais ainda, como

se as condições de trabalho consignadas nos termos da lei atendessem plenamente as necessi-

dades dos trabalhadores e de suas famílias. Como se com essa legislação fosse possível a

construção de uma sociedade definida pelos parâmetros de liberdade, igualdade e fraternida-

de. Como se todos e todas já tivessem o acesso garantido à terra, trabalho, alimentos, saúde,

paz, lazer, arte e ensino de qualidade, dentre outras conquistas só acessíveis a poucos.

Então, de imediato cabem duas questões. Primeiro, se houver alterações na legislação

trabalhista, com drásticas reduções de direitos conquistados historicamente pela classe traba-

lhadora brasileira, os empreendimentos de agricultura orgânica, como o Sítio do Moinho, ade-

rirão formalmente a tal legislação e receberão a certificação pertinente? Segundo, se assim o

fizerem, não estarão desconsiderando os aspectos éticos de sua tão propalada sustentabilidade

multidimensional, com destaque para a tal da responsabilidade social? Se assim acontecer,

certamente confirmarão que além de já não ter benefício, não ter vantagem, não ter nada, pa-

rafraseando o empresário entrevistado, seguirão uma lei que poderá desembocar, em última

instância, na revogação de outra: a Lei Áurea.

Feitas tais considerações, julgamos relevante explicitar a remuneração recebida por

aqueles que trabalham para o produtor rural do Sítio do Moinho. A legislação pertinente de-

termina que não pode haver salário pago abaixo de um valor mínimo definido anualmente. O

produtor rural John Richard Lewis Thompson paga aos ingressantes, como é o caso do Mar-

cos, esse salário mínimo. A partir deste patamar o trabalhador ou a trabalhadora pode alcançar

outras faixas salariais, dependendo de sua dedicação e do tempo transcorrido no Sítio. Por

188 Sobre os estudos recentes de trabalho escravo no Brasil, sugerimos o trabalho organizado por Leonardo Sa-kamoto (2007).189 Sobre a perda dos direitos trabalhistas, sugerimos a consulta do artigo publicado em conjunto por LourivalOliveira e Dayane Cunico, em 2010. A referência completa está na bibliografia

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exemplo, a Marlene, a trabalhadora da “mão fantástica”, que está há mais tempo no campo de

cultivo (14 anos) “deve tá aí com uma faixa de um (1) salário e meio, fora (...) os benefícios

que (...) incluem (...) o tempo de trabalho, né”190?

Como o próprio Eduardo reconhece, “não é muito, né? Isso é um complicador tam-

bém”191. Complicador de permanência do trabalhador e da trabalhadora, apesar de ser o cam-

po de cultivo o setor de menor rotatividade do Sítio do Moinho. A permanência aí gira em

torno de um (1) ano. Ainda na opinião do agrônomo: A pessoa que trabalha no campo tem um status bem, bem ruim. Apesar de muitasvezes (...) em termos financeiros [ser] melhor do que muito outro emprego aí. Na ci-dade! (...). Não tem mais trabalhador rural. Cê tem gente que vem e aprende a fazero serviço (...) mas muitas das vezes não é aquilo que ele quer. Ele tá aqui por (...)necessidade pessoal que depois que ele acha um outro lugar, ele vai. Esse é um dosproblemas que a gente tem192.

Dick Thompson também ressalta esse problema da permanência da força de trabalho.

No entanto, a ênfase é dada a partir do seu ponto de vista de classe, pois afirma que “mão de

obra pra nós é a maior dor de cabeça. Muito difícil! [Ênfase dele]. Porque nós estamos num

lugar distante. É difícil pegar o peão... porque o peão prefere trabalhar não sei aonde, ao em

vez de ficar se dedicando...[como, por exemplo] pessoas que tão conosco há 20 anos. Porque

são pessoas que se conscientizam, que gostam do que fazem”193. (Negritos meus).

A legislação que rege o universo dos orgânicos, englobando inclusive o reconheci-

mento dos produtos importados, pode ser modificada. Até mesmo porque está em constante

debate. Já a consciência dos trabalhadores não pode ser mudada legislativamente. Por isso, o

entrevistado destaca essa dificuldade e novamente explicita o seu caráter neófito em relação

ao universo rural. Em mais um aspecto assemelha-se aos casos estudados por Gian Giuliani.

Vejamos o que este autor verificou sobre os neorrurais da região serrana fluminense:(...) "os empregados" parecem ser o único e verdadeiro problema que os "novos-rurais" enfrentam. Todos eles afirmam que seus trabalhadores resistem em adotar asnovas técnicas ou não têm cultura suficiente para assimilá-las. Além disso, os "em-pregados" nunca demonstram ter a paciência e a determinação indispensáveis paraenfrentar as constantes dificuldades, problemas e imprevistos. Eles querem um horá-rio de trabalho "frouxo" e um salário de quem mora na cidade. Aliás, sempre estãosonhando com a cidade e na primeira oportunidade deixam tudo (...)194.

Tentar convencer o “peão” da grande virtude que é trabalhar para ele, Dick Thomp-

son, é sempre uma grande “dor de cabeça”. Afinal, ele é um produtor rural orgânico que res-

peita as leis trabalhistas. Além disso, o “peão” pode desfrutar de um ambiente de trabalho

190 APÊNDICE B5 - 5ª Entrevista (1ª parte), p. 126.191 APÊNDICE B5 - 5ª Entrevista (1ª parte), p. 126.192 Idem.193 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 106.194 GIULIANI, 1990.

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agradável e saudável. Pode usufruir do benefício que esta prática agrícola lhe traz, pois não

tem veneno. Pode levar para casa o que não é comercializado. Tem a seu dispor uma alimen-

tação de qualidade e a preços reduzidos no refeitório do Sítio. Com tudo isso, o que mais po-

deria almejar? Por que, mesmo tendo todas essas condições de trabalho, ainda decide se reti-

rar para o ambiente citadino; um não-lugar com seu ar poluído e muitas vezes fétido, com

água clorada, com asfalto e cimento, com barulho que ensurdece, enfim, sem vida?

Caudatário das relações sociais do setor financeiro, não passa pelo pensamento do

dono das terras do Sítio do Moinho que as relações de trabalho que estabelece com o “peão”

possam ter quaisquer semelhanças com aquelas vividas por ele; alienantes. A sujeição às in-

tempéries, o esforço físico dispensado no trabalho com a enxada, a distância da residência, a

não identificação com o que é produzido e, como frisou o Eduardo, o status social baixo de

um trabalhador rural junto ao restante do corpo societário são coisas menores. Mais que isso,

são dimensões simplesmente incompreensíveis para um neorrural que possui um arcabouço de

ideias que explica e justifica o mundo do grande capital. Por isso, Dick Thompson não com-

preende como um trabalhador rural pode trocar as condições de trabalho que ele oferece por

um emprego no comércio para ganhar o mesmo salário mínimo, como geralmente acontece.

Quanto à participação no processo de tomada de decisões sobre a produção e a co-

mercialização, a Marlene afirmou que “na verdade, eu só cuido das minhas pranta, né? (...).

Porque nas ervas, só eu que mexo”195. É o Eduardo quem nos esclarece mais detalhadamente

sobre o planejamento geral do que vai ser plantado e de como a produção colhida é comercia-

lizada.A gente recebe informação (...) da quantidade que o setor comercial consegue ven-der e o que precisa, né? Pra atender os clientes. A gente transforma isso em metroquadrado (m2) no campo. Transforma isso, no viveiro de mudas, em bandejas demuda. Agora, o que vai ser produzido aqui, dentro do Sítio, é uma discussão internaque envolve o campo, eu, né? Os diretores. Os donos, né? E o gerente geral. E umconsultor também, de fora. A gente tenta enquadrar aquilo que a gente quer produ-zir. Tenta chegar num consenso do (...) que os donos gostariam de ver e o (...) quetem um rendimento bacana e que é possível plantar na nossa área196.

Com maquinário ou instrumentos mais simples percebe-se que a agricultura orgânica

praticada é racionalizada ao máximo. Há uma típica divisão de trabalho feita nos parâmetros

do taylorismo-fordismo. Há uma hierarquia a ser cumprida a partir do planejamento geral

feito pela gerência e que segue através da supervisão e da execução especializada no campo.

195 APÊNDICE B4 - 4ª Entrevista, p. 118.196 APÊNDICE B5 - 5ª Entrevista (1ª parte), p. 123.

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Ao final desta correia de transmissão obtêm-se os produtos orgânicos com o padrão de exce-

lência anunciado pelo Sítio do Moinho em seu portal na internet.

A explanação bem detalhada do agrônomo diz respeito a como se dão as resoluções

para o campo de cultivo. No entanto, para uma compreensão mais ampla de como as decisões

são tomadas na totalidade das relações socioespaciais do Sítio do Moinho, nada mais adequa-

do que a palavra do próprio proprietário. Sobre isso, Dick Thompson deixa claro que:As decisões finais são minhas e da minha esposa, Ângela. Temos duas pessoas quenos ajudam muito aqui. Uma é a Adriana, a nossa nutricionista, e o nosso gerentegeral, que é o Cleber. Este grupo de quatro pessoas sempre tomou as decisões todas.A decisão final é minha. Mas, a gente coloca numa mesa as ideias, isso, aquilo. Porexemplo, conceitos, filosofias e detalhes (...)197. (Negritos meus).

Por outro lado, voltamos a destacar que o Decreto nº 6.323, de 27 de dezembro de

2007 que regulamenta a Lei nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a agri-

cultura orgânica, consigna no parágrafo VII, artigo 3º, do Capítulo II que este setor da agricul-

tura tem a diretriz de suas “relações de trabalho baseadas no tratamento com justiça, dignida-

de e eqüidade, independentemente das formas de contrato de trabalho”198. (Negrito meu).

É claro que cada um desses substantivos femininos podem apresentar sentidos con-

ceituais muito distintos no interior de uma sociedade como a nossa. Temos grandes disparida-

des sociais que se verificam nas nítidas divisões de classe, que por sua vez se imbricam histo-

ricamente com discriminações de gênero e com o racismo, dentre tantas outras.

Com essas questões em vista, o estudo exploratório no Sítio do Moinho e a respecti-

va análise dos dados revelam que as relações de trabalho aí estabelecidas são completamente

verticalizadas. Portanto, o conceito de equidade expresso no preceito legal é interpretado de

uma forma muito peculiar pelo IBD. Haja vista que não se configurou como impedimento

para certificar como orgânica a prática agrícola do produtor John Richard Lewis Thompson.

Não há duvidas que nas terras de Dick Thompson produzem-se valores de uso com

um diferencial ambiental e nutricional significativamente superior aos produtos advindos da

agricultura dinamizada pela Revolução Verde. Isto é um avanço civilizatório considerável.

Por outro lado, em vários momentos o entrevistado expressou que o seu objetivo é o

aumento das vendas. O que ficou particularmente explícito no episódio do selo EcoSocial.

Portanto, a lógica crucial do seu empreendimento agrícola orgânico é a econômica. As outras

dimensões simbólicas desta agricultura são importantes na medida em que estejam subordina-

das à obtenção da maior taxa de lucro possível.

197 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 104.198 BRASIL. Presidência da República, 2007.

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No Sítio do Moinho o modo de produção é tipicamente capitalista. Trabalhadores e

trabalhadoras não possuem os meios de produção, não trabalham para si e nem produzem um

excedente que seja voltado conscientemente para o atendimento das necessidades de outras

famílias de trabalhadores. O trabalho é voltado para produção de mercadorias, cujo objetivo é

a obtenção de lucro pelo proprietário das terras e equipamentos. O lucro alcançado é direcio-

nado, primordialmente, para a obtenção de mais terras, mais equipamentos e investimentos

em outros setores, como o comércio. Que por sua vez visa mais lucro, e assim sucessivamen-

te. É um modo de produção que busca continuamente a ampliação de capital. Portanto, o tra-

balho que dinamiza todo o processo é o trabalho produtivo para o capital, conforme o sentido

dimensionado por Karl Marx; fonte de criação de valor e mais-valor. É uma dinâmica social

que não enfrenta a questão crucial da exploração da força de trabalho. O trabalho assume o

caráter histórico alienante e gerador de estranhamento (Entfremdung). Não há identificação

dos trabalhadores com aquilo que produzem. Os produtores diretos não participam das toma-

das cruciais de decisão sobre a produção e são apartados dos resultados do seu trabalho, dele

só participando através da parcela salário. Também do ponto de vista civilizacional, mas por

outro lado, isto representa uma estagnação considerável.

Por isso que se verifica também a grande rotatividade no campo de cultivo. As exce-

ções estão a cargo de um trabalhador há quatro e de uma trabalhadora há quatorze anos no

Sítio. Diria o proprietário que essas pessoas se conscientizaram e gostam do que fazem. Nós

preferimos dizer que uma complexidade enorme de fatores as mantém no trabalho. Desde o

gosto pelo trabalho agrícola, sim, mas que também passa pela ausência de outras oportunida-

des até à introjeção no arcabouço de ideias dos valores do proprietário. Questões altamente

complexas que se inserem na dinâmica contraditória do movimento do ser social submetida à

lógica do capital e sua busca incessante em reproduzir-se ampliadamente. Uma lógica que

assume atualmente que “a mera procura de lucros é determinante em primeira instância”, co-

mo destacou David Harvey em contraposição à “última instância” de autores marxistas199.

Assim, em nossa opinião, a dita sustentabilidade multidimensional perdeu muitas das

suas dimensões. Particularmente, a dimensão sociopolítica, pois não enfrenta as questões cru-

ciais da edificação do gênero humano através daquilo mesmo que o humaniza: o trabalho. O

trabalho não estranhado, voltado não para atender as necessidades de acúmulo de capital, mas

ensejado para atender as necessidades do gênero humano quando o produtor se reconhece

como um ente-espécie.

199 HAVEY, 2006, p. 301.

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5 – Considerações finais

No início desta monografia foi apresentada a hipótese que norteou a totalidade da in-

vestigação; da consulta bibliográfica à apresentação e análise dos dados. Cogitou-se que se os

empreendimentos de agricultura orgânica não constroem relações de trabalho desvencilhadas

da lógica do capital de produção de mercadorias e extração de mais-valor, não se diferenciari-

am essencialmente de uma empresa do agronegócio. Ou melhor, configurar-se-iam como em-

presas de agronegócio orgânico.

Apesar de a pesquisa realizada não permitir a generalização sociológica para todos os

empreendimentos de agricultura orgânica, consideramos que para este caso específico a hipó-

tese levantada está confirmada. Pudemos verificar, a partir do estudo exploratório de campo

realizado, que não só o produtor rural John Richard Lewis Thompson, mas o Sítio do Moinho

Alimentos Orgânicos Ltda, a SDM Comercializadora de Produtos Orgânicos Ltda. e a Molino

D'oro Panificadora Ltda. apresentam as seguintes características fundamentais:

1. Gestão verticalizada;

2. Produção voltada ao mercado;

3. Assalariamento da força de trabalho;

4. Separação dos produtores diretos do fruto do seu trabalho.

Ou seja, a totalidade dos entes econômicos contidos na dimensão socioespacial do

Sítio do Moinho não consegue engendrar relações sociais de produção que se desvencilham

essencialmente do modo capitalista de produção. Isto configura que o proprietário do Sítio do

Moinho, talvez um dos mais capitalizados neorrurais do município de Petrópolis ou até mes-

mo da região serrana fluminense, não estabelece relações de associação e produção que se

diferenciem em substância de quaisquer outras empresas voltadas para o acúmulo de capital.

Apesar de dinâmico e criativo não consegue, mas também não deseja, implantar quaisquer

inovações nas relações sociais básicas da produção de mercadorias. O complexo socioeconô-

mico e geográfico que constitui a sua propriedade é dinamizado por típicas relações históricas

de produção burguesa.

Dessa forma, o lócus empírico em questão apenas gesta novos mercados capitalistas

de produção e consumo. O trabalho que incrementa todo o processo é o trabalho produtivo

para o capital; fonte de criação de valor e mais-valor. O Sítio do Moinho pode, então, ser ca-

racterizado como uma empresa do agronegócio voltada para a produção e comercialização de

produtos orgânicos; uma empresa capitalista de agronegócio orgânico.

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7 – APÊNDICES

7.1 – APÊNCDICE A: Roteiro para entrevistas

1. Desde quando o senhor exerce a atividade de produtor rural?

2. O que lhe incentivou a se dedicar à agricultura orgânica e não à convencional?

3. Como funciona o seu sítio, isto é como está organizado o processo de produção? Os

trabalhadores são assalariados ou trabalham como meeiros ou há formas mistas de

produção?

4. Qual é o principal destino da produção do seu sítio? A prioridade é atender o mercado

de orgânicos? Há alguma parte da produção que é voltada para o seu próprio consumo.

5. Há alguma parte da produção que é destinada ao consumo dos próprios trabalhadores?

6. Em relação à mão de obra, qual é o principal problema que o senhor identifica? Por

que?

7. Especificamente em relação aos trabalhadores do sítio. Eles podem participar das de-

cisões administrativas ou não têm interesse sobre isso?

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7.2 – APÊNDICE B: ENTREVISTAS

7.2.1 APÊNDICE B1: 1ª Entrevista (1ª parte) - Dick Thompson

Transcrição da parte 1ª da entrevista com o Sr. Dick Thompson, proprietário do Sítio do Moi-nho Alimentos Orgânicos, localizado na Estrada Correa da Veiga 2405. Santa Mônica – Itai-pava – Petrópolis – RJ.Local: Sala de reuniões da empresa. Data: 08-abr-2014 Duração: 1h, 21min e 44s.

Ab. Eu... Na verdade, eu sou estudante de ciências sociais... É obrigatório na univer-sidade,pelo Ministério da Educação, é... se fazer um trabalho de conclusão de curso. Que é conside-rado um trabalho de mais fôlego; uma pesquisa tal. Aí, o tema fica aberto... é... de acordo como estudante de graduação. E...DT. Deixa eu te interromper. Isto é para um mestrado ou para um doutorado ou para o quê?Ab. Não, é para a graduação.DT. Graduação de quê?Ab. Ciências sociais.DT. Mas em que nível? Neste sentido de universidade... é mestrado ou doutorado?Ab. Não. Nem o mestrado, nem o doutorado. É a etapa anterior.DT. Etapa anterior.Ab. Etapa anterior ao mestrado. Após isso, se for aprovado etc e tal, aí eu termino o curso e aíeu posso pleitear o mestrado. Que é, aliás, o que eu estou...DT. Pleiteando fazer.Ab. Sim, claro. Eu já cheguei num ponto em que o meu caminho vai ser acadêmico; mestradoe doutorado. A não ser que as coisas deem errado por algum motivo.DT. Sei.Ab. Aí, eu tenho que fazer um trabalho que é chamado de TCC; trabalho de conclusão de cur-so, né. Aí, pela minha ligação, até por causa do meu avô, dessas coisas todas, eu não conseguime desvincular do, do rural. Né? E eu sempre... Então, eu vou contar um pouco da minha his-tória.DT. Por favor. Eu acho importante.Ab. Eu comecei a fazer agronomia em 1985. Eu fui colega da Rumi .DT. 1900 e...?Ab. 1985. Fui colega da Rumi. A Rumi estudou em Viçosa, na Universidade Federal de Viço-sa. O problema era que o que era ensinado não me convencia. Que era, exatamente, a utiliza-ção de agrotóxicos, a... Ah! O pacote da Revolução Verde, né? Isso me deixou muito agonia-do. E eu também tinha uma formação de ensino médio muito fraca em matemática e chegouem determinado ponto que o curso tava pesado na parte da matemática. Eu não tava conse-guindo levar. MAS O QUE ME DEIXOU MESMO muito, vamos dizer assim, não foi nem agota d’água, foi um balde d’água que jogaram em cima de mim, foi o dia que eu estava fazen-do CONTROLE DE PLANTAS DANINHAS - que eu não gosto nem desse nome - e era umatabela de tudo quanto era tamanho e a gente tinha que decorar, e era decorar, mesmo, era de-corar o nome do produto químico, o nome do...do comercial, a fórmula química, a cultura queera aplicada, o prazo de carência. Era, era... 9 DADOS E UM NEGÓCIO ASSIM... Aí, eucheguei na janela. Eu dei um grito!DT. Gargalhadas.Ab. Os meus colegas, tudo desesperado: O quê que foi, cara?! Eu disse: Isso é coisa pra idio-ta! Tô me sentindo um imbecil!DT. Risos.Ab. Aí, aí chegou... aí não dá!

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DT. Não era por ali, né?Ab. Não, não. Aí, foi... Aííí... eu... eu fui pra outros caminhos na vida. Acabei me tornandofotógrafo e tal.DT. É?Ab. É. Mas, aí veio e o digital. (simulação de um riso tosco; rê, ré). O digital saiu engolindotudo. Eu acho que perdeu muito da áurea da, da fotografia...DT. Você continua com a fotografia?Ab. Só pra esse tipo de coisa. Pra trabalho assim. O último trabalho que eu fiz de fotografiafoi para um amigo meu (entonação de engraçado); casamento. Eu dei de presente pra ele umasfotos que eu fiz em filme PRETO E BRANCO! Filme preto e branco. Revelado lá no Rio.DT. A..a... Sabe o que eu... Isso me surpreendeu, é que me... que interessante... Eu tenho qua-tro filhas. A mais jovem, que estudou um ano na Inglaterra e depois seis ou sete anos nos Es-tados Unidos. Ela se formou de uma universidade do Parsons Shcool Designer e se formouem fotografia. Depois voltou para o Brasil e tá seguindo esse ventilo.Ab. É. Na Europa tem curso de graduação em fotografia há muito tempo. Nos Estados Uni-dos...Acho até que na Argentina e em alguns cantos. No Brasil foi iniciar um, acho que foi em90 no SENAC. Muito atrasa/. Os livros do Man Ray (risos), que são livros publicados no iní-cio do século XIX [quis dizer XX] sobre a máquina fotográfica, o filme... Coisas assim,é...fundamentais na área, foram traduzidos pela editora do SENAC no final da década de 90.(Entonação irônica em meio a risos) Eles já, mais ou menos, saíram do prelo direto pro sebo!DT. Risos divertidos. Sei!Ab. Saíram do prelo pro sebo! Porque quase ninguém tá mais utilizando isso. Aí, eu tô atécom uma maquininha digital aqui, com um negócio que... Eu fico até com vergonha de usar.DT. Outra gargalhada.Ab. É emprestada, é da minha companheira. Eu não comprei, eu... Mas eu gosto muito. Gosto.Estou até cursando uma disciplina de história da fotografia. Que é também pra não abandonaresse conhecimento.DT. Esse conhecimento que você tem? Perfeito.Ab. É. Exato.4min e 33s. DT. Bem, deixa... Eu acho que... eu... O quê que você quer escutar de mim? É ohistórico daqui do Sítio?Ab. Inicialmente, eu gostaria. Assim como eu contei um pouco da minha história para o se-nhor, só para me situar. Eu também gosto de, apesar de tá fazendo curso de ciências sociais,que é sociologia, antropologia e ciência política, eu gosto muito de situar historicamente ascoisas. Então, eu gostaria muito de ouvir, né?(5min e 0s). DT. Ok. Então vamos lá. Eu... tenho 78 anos e nasci em 1936. Ãh...Ab. Só sou um menino perto do senhor, então.DT. Você é um pib. Fui estudar, com 10 anos passei 10 meses nos Estados Unidos. Volteipara a escola americana do Rio de Janeiro, de 47 a 53. Em 53 fui para o Canadá estudar numaescola militar escocesa, usando as sainhas. Em 55 fui para os Estados Unidos. Estudei 5 anosna Noquested University, que fica no Illinois. Voltei para o Brasil em 60, fui trabalhar na J.Walter Thompson, agência de publicidade, mas que não tem nada a ver com a minha família,só mesmo o nome, por coincidência. E... três anos depois, em 63, mais ou menos, 64...deciditalvez começar procurar uma coisa nova. Em 67, comprei uma carta-patente. Não, isto foi em65. Fui trabalhar numa financeira como vendedor. Fui bem, ganhei um dinheirinho. Em 67comprei uma corretora. Uma carta-patente pra operar na bolsa do Rio de Janeiro. Em 71 vendiessa corretora e fui trabalhar no Grupo chamado Garantia.Ab. Era o Oportunity?DT. Não. O Oportunity é uma coisa. O Grupo Garantia era outra coisa. E aí, fiquei neste Gru-po. Passei a ser sócio do Grupo. Um dos donos, fundador deste Grupo financeiro era o Jorge

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Paulo Lemann, que virou um dos homens mais ricos do Brasil.Tem um livro – acho incrível essas coisas! – tem um livro. O título: O sonho grande. Se vocênão leu, pode até... acho até interessante. Uma... uma... jornalista, uma repórter me telefonoudizendo que tava querendo fazer um livro, uma biografia sobre a vida dos três. O Jorge come-çou, depois contratou mais dois Grupos e foi feito um trio entre Jorge Paulo, Marcel Telles eCarlos Alberto Sucupira. Desenvolveram a financeira, que virou banco. Que teve um sucessoestrondoso no mercado. Compraram Lojas Americanas, depois compraram Brahma. Brahmacomprou a Antártica. Esse Grupo foi lá fora e comprou um Grupo holandês chamado AM-BEV e depois compraram o Banco Whiserbosch. Pô, um Grupo... E o Jorge Paulo tá entre umdos 10 mais ricos do mundo. Então, essa repórter interessada em fazer um histórico da vidados três, me telefonou: Pô, Dick... o Banco Garantia, não sei o quê... queria fazer uma entre-vista com você por que estou fazendo um livro. Vai ser chamado “O Sonho Grande”. Ela veioaqui. Ah, detalhe, curioso. Pô, de repente do nada essa mulher me telefona! Então, eu mandeium e-mail pro Jorge. Eu não me comunico com ele nunca. Tive o e-mail dele. E incrível, vocêmanda um... Jorge... em 10min ele responde. Então, 10min depois eu tinha recebido a respos-ta. Ele fala o seguinte: O Dick isso é um projeto. Não é financiado por nós, é uma ideia dela...Pode ficar à vontade, pode ser entrevistado. Não tem problema nenhum, mas, por favor, falebem da gente! (Risos fartos). A atitude depois... Acho, realmente, um cara fantástico. Ela veioaqui, fez uma entrevista. Ligou o, o...Ab. O gravador.DT. O gravador. Ficou lá em cima. A minha casa fica mais em cima. Duas, três horas. Eu to tefalando isso, porque se você olhar na lista dos livros, O Sonho Grande, os 10 melhores livros,não sei o quê, está em segundo lugar. Está nesta lista, quase há dois meses. Tá mais que há 48semanas. Sempre segundo, terceiro, quarto, segundo...Ab. E ele foi publicado quando? (silêncio; 5s). A sua entrevista, a que o senhor concedeu praela?DT. Uns 6 meses atrás. Então, é um livro muito bacana. Acho interessante porque você vai lersobre a evolução da filosofia do Grupo. E o interessante é que eu apareço nessa.., nesse livrodizendo que eu conheci o Jorge quando eu e ele estudávamos na Escola Americana em... de47 a 53. (breve silêncio). E da forma que eu fui entrevistado. Sempre as entrevistas eram bas-tante acentuadas em... difíceis. E que a... (silêncio). Ahm... (silêncio). E aí o livro aborda aminha saída do banco e diz que naquela época eu comprei um terreno, que é o Sítio do Moi-nho, produzindo produtos orgânicos. Então, se você olha o número de cópias vendidas, táacima de 250, 300.000 cópias vendidas do livro. Pelo menos, eu tenho a satisfação de saberque o Sítio do Moinho (fala sorridente, entre risos) aparece várias vezes para as leituras daspessoas nesse livro. Mas muito bem/.Ab. Então a sua ligação com a agricultura é... é... dentro do seu... da sua extensão de vida é,relativamente, recente?DT. É zero antes de mil novecentos (esforça-se para se lembrar do ano, ficando em silênciopor 2s) e 89.Ab. Ah, é?DT. Zero. Não sabia. Então, vamos lá. Eu fui a pessoa responsável, dentro do Banco Garantia,para fazer contato com empresas. O Banco Garantia lhe dava mais com pessoa jurídica. Euera responsável por vendas no Brasil inteiro. Viaja muito por diferentes estados; Banco dedesenvolvimento, banco estadual, bancos comerciais, seguradoras etc. No momento em que oBrasil bloqueou o dinheiro dos bancos estrangeiros para não permitir que houvesse uma re-meça do dinheiro pra fora. (silêncio). O grande problema desses bancos era como aplicar essedinheiro pra não perder a desvalorização. Então, eu tive que fazer muitas viagens pro exterior.Ab. Isso foi quando... em...?DT. Foi... (tenta se lembrar; 5s). Deixa eu ver se... (tenta se lembrar; 5s). Ah, deve ter sido

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entre 78 e 80 e pouco. Ahm... Aí... o banco... o banco decidiu mudar a matriz pra São Paulo.Era do Rio. Aí, eu comecei a relutar muito. Porque ir pra São Paulo. Eu já viajava muito, aminha vida familiar, eu tenho quatro filhas. A minha vida familiar, não que fosse estressada,mas sempre viajando, sempre viajando! Se eu tivesse que morar no Rio e ir trabalhar em SãoPaulo; ir pra São Paulo segunda à tarde, voltar quarta e quinta, entre as minhas viagens (nãocompreendi). E eu estava chegando perto dos meus 60 anos de idade. E dentro da filosofia dobanco, quando você chegava aos seus 60 anos de idade, você deveria sair do banco e deixar asua participação acionária pros mais jovens. Eu tinha 1% do banco. Porcentagem pequena.Aí... decidi sair do banco. E não sabia o que eu queria fazer. E isso deve ter sido em 1900 e(tenta se lembrar; 5s) 85, 84, 85 (silêncio). Como eu sou de descendência inglesa, pele gringa,não posso ficar pegando sol. Então, eu decidi que em vez de ficar, digamos comprar uma casaem Búzios, Angra, eu iria pra serra. Optei por Itaipava, exclusivamente pela facilidade de viraqui em vez de subir a serra de Teresópolis; mão e contramão. Nada além – [Ab. De especial]- disso. Aluguei a casa do Sérgio Dourado, hoje uma pousada, durante quase 3, 4 anos. E pro-curando sempre um lugar pra comprar, que seria o meu lugar.E depois de uns dois ou três anos, de busca, um dia o meu caseiro chega pra mim numa sexta-feira e diz pra mim: “Oh, Dick, encontrei a propriedade que o senhor vai querer comprar”.Vim visitar a propriedade no dia seguinte, sábado. Fechei negócio no domingo. Na segunda-feira! Caí de amores pelo lugar, pelo conceito, pela filosofia. Vale; bacana, fim de um vale,cara! Sem, sem...Ab. O lugar é belíssimo!DT. É. E sem, sem vizinhança. Ou pouca vizinhança. Comprei! Não sabia se isso aqui ia serharas, campo de futebol, tênis...Ab. Tinha muito mais. Mas o objetivo era residência?DT. Era. Era uma residência. Era como um lugar. Quando mudamos pra cá, quando compra-mos... Aqui em cima, logo mais em frente, a sede da casa foi construída em 1893. Então, erauma casa centenária. Mas não sabíamos se nós íamos querer morar lá ou num lugar diferente.Mas, na proporção em que as decisões não tavam sendo tomadas, eu não sabia o quê fazeraqui. Aqui embaixo (refere-se à área que é hoje a de cultivo e na qual se encontra o escritórioem que estamos). Então nós... eu pedi que fosse feito um estudo de viabilidade econômica.Ab. Ah, o senhor contratou uma, uma consultora?DT. Eu contratei uma consultoria. E cônsul... e novamente, por um acaso, como eu conhecia odiretor... de um... do Credit Suisse, Banco Suíço. Eu visitava sempre eles; ia pra Suíça, conhe-cia o cara. Ahm... Um dos ex-diretores saiu e criou uma empresa no Brasil chamada Agro-suisse .Ab. Hum. Já ouvi falar.DT. E... falando com ele, ele me mandou um jovem rapaz, que era sócio inicial do novo gru-po, chamado Fábio Ramos . E ele veio pra cá em 1989. Aí, ele visitou. Uma hora depois, eledisse: “Dick, esta área é perfeito para a olericultura”. Aí, disse: Oh, Fábio, que porra é essa!?Ab. Quê que é isso!? (risos).DT. (Entre risos). Nunca ouvi falar disso na minha vida! Que porra é essa, cara! “Ah, Dick, éo conceito de plantar... legumes, hortaliças, não sei o que! Eu disse pra mim: Pá, cê tá de por-re! (Risos nossos!). Eu to. Pô! Vivi vinte e tantos anos da minha vida viajando; mesa de ope-rações, milhões de dólares pra lá e pra cá! Eu vou plantar alface, cara!? (Risos nossos). Aí, foiquando ele vira pra mim e disse o seguinte: “Oh, Dick, pera aí, cê não tá entendendo. Eu gos-taria de apresentar a você o conceito que tá se iniciando no mundo que é a agricultura orgâni-ca”.Ab. Outro palavrão!DT. Que porra é essa!? Foi quando ele começou a explicar... Que naquela altura, cara! Eu tocom uns cinquenta e tantos anos de idade. Eu não sabia que as alfaces que cê comprava lá na

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feira eram tratados e cultivados com veneno! E é veneno; agrotóxicos; veneno! E eu disse:Porra, que coisa impressionante! Não sei o quê! Aí, eu comecei a me interessar. Por quê? Eutenho quatro filhas. No meu conceito, na minha filosofia, era uma forma de alimentar bem aminha família! E a mim! Então, eu tomei a decisão de em vez de construir a minha casa nessabaixada, construir num lugar isolado. Em vez de ter movimento aqui, isto seria uma horta.Ab. Mas foi fácil, desculpe interromper, mas foi fácil ele convencer de que era possível plan-tar sem adubo químico, sem agrotóxico? Ou senhor ignorava... (sou interrompido).DT. Ignorava totalmente! Foi facílimo pra mim! Pô, bacana! Show de bola! Vamo em frente!Ab. Não, é que... (sou interrompido).DT. – Fábio, você vai me ajudar? – Vou. Porque eu não tinha a menor ideia da dificuldade, dasimplificação, da simplicidade! Nada!Ab. Porque, geralmente, a resistência das pessoas a isso é enorme, né? Enorme. Isto é interes-sante.DT. Pois é. Eu não entrei no... no... no ato, no fato...do questionamento de: por que essa coisaseria feita assim!? (silêncio longo; 7s). Começamos.Ab. A área aqui é... é...DT. Nós temos 50ha; são 500.000m². Mas é tudo morro. Na parte plana, arável, eu tenho entre5 e 6ha.Ab. A parte agricultável?DT. Heim?Ab. A parte agricultável?DT. 5 ou 6ha, só dos 50ha. Começamos. Plantamos. Ele me indicou um agrônomo e começa-mos a plantar. E isto para a minha família. Mas foi interessante que... um mês depois... a Ân-gela, a minha esposa, começava a receber telefonemas de amigos: “Pô, ouvi dizer que cês tãoplantando! Ouvi dizer que não sei o quê! Porra, me entrega na minha residência! Ah, eu tam-bém quero”! Então, essa coisa foi expandindo e eu me lembro que nós começamos em 1900...e 91. 1991 foi a primeira entrega aonde nós tínhamos uma Chevrolet... ahm, caçamba atrás.Descemos pro Rio de Janeiro pra entregar a duas ou três famílias.Ab. Ah, então essa entrega não era nem aqui em Petrópolis? Era...DT. Sempre Rio de Janeiro. Tudo o que nós fazemos, Petrópolis é muito pequeno. Pratica-mente, nada! Praticamente, zero! Então, começamos. (silêncio breve). Aí, foi interessanteporque o convívio, a Ângela, a mãe dela... ajudava. A mãe dela, hoje, coitada. A Ângela, pra-ticamente não sobe porque a mãe dela tá com um problema... GRAVE de Alzeihmer e a mãenão tá acamada, mas quase. E a Ângela fica no Rio pra tentar ajudar. Além das enfermeiras...Ab. É um momento importante.DT. É uma coisa... é uma situação muito difícil. Mas, naquela época, nós... as entregas eramfeitas na terça-feira. Só na terça-feira; um dia por semana. A montagem era feita na segunda.Segunda de noite, tipo 5, 6, 7h da tarde, todo mundo preparando as coisas. Íamos dormir. le-vantávamos às 4h da manhã; eu, Ângela, a mãe dela, com alguns dos piões daqui. Montáva-mos as cestas; 3, 4, 5 cestas, seja o que for, pra descer pro Rio. E essa coisa foi num... foi numcrescendo, foi num crescendo, foi num crescendo... No início, nem nota fiscal, não tinha. Era,simplesmente, muito amador. Aí, quando começou até... até 15 cestas, 20 cestas... Hoje nósfazemos de 250 a 300 entregas por semana... pro Rio de Janeiro.Ab. 250 a 300?DT. Por semana. E a gente entrega segunda, terça, quarta, quinta... sexta em Niterói.Ab. E o que vai na cesta? Ou varia, depende do que a pessoa/DT. Nós aqui temos uma seleção de produtos que vão... é, possivelmente, uma seleção maiordo que vários supermercados do Brasil. Então, é um leque muito grande de alternativas... en-tre produtos que a gente cultiva, produtos que a gente compra de terceiros, produtos que agente importa e pães que a gente fabrica, porque criamos depois, mais tarde, a primeira pani-

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ficadora orgânica do Brasil aqui/Ab. É, foi pelo pão que eu falei com o meu orientador que eu já tinha visto/DT. Ah, pelo pão!Ab. Que eu peguei, olhei e vi que era orgânico.DT. Então, nós começamos a fazer essas entregas... Tivemos que... é... Eu me registrei, eu,Dick, como produtor rural. Depois criamos uma limitada, chamada Sítio do Moinho Ltda, prapoder ajudar na comercialização do produto/Ab. Então: a Companhia Limitada Sítio do Moinho.DT. Nós temos três empresas aqui: John Richard, que é meu nome: John Richard LewiesThompson Produtor Rural . Sítio do Moinho Comercial Ltda, que é a empresa que começoutudo! E depois foi a empresa que conseguiu o... a permissão da importação. Ahm... (silênciode 5s) e depois, para poder manter esta empresa como SIMPLES, criamos uma segunda em-presa pra poder continuar como SIMPLES e nessa segunda empresa, Sítio do Moinho, SDMAlimentos Orgânicos não sei o quê, etc. para comercializar o produto que a gente entrega nasresidências.Ab. O senhor falou em importação. O senhor importa também?DT. Bom. Vamos chegar lá. O... Então, nós começamos a fazer esse trabalho de entrega. Ti-vemos que nos estruturar para pegar pedido, telefone, sistema de telefonia; de mandar fax, dereceber fax. Depois criar um projeto via internet. Pra poder atrair essas pessoas a fazerem oseus pedidos. Nós temos uma área muito pequena aqui. Dentro da filosofia orgânica cê deve-ria sempre, dentro dos seus 5, 6,0ha. Se você somar um pouquinho do morro que a gente ocu-pa, é uns 6ha. A filosofia orgânica, você deveria manter, mais ou menos,20%...permanentemente... ahm, descansando. Ahm... criando maior valor nutricional ao solopra não depreciar o solo. E isso é feito constantemente. Consequentemente, nós só temos áreaarável de mais ou menos 5ha, permanentemente.Ab. O resto fica em pousio.DT. Hein?Ab. O outro restante, os outros dois hectares/DT. Em repouso. Com produtos plantados, levando valor nutricional ao solo.Ab. Leguminosas. Suponho.DT. Exatamente. Então... Isso tudo foi sendo acompanhado pelo Fábio, o nosso consultor. Ascoisas foram num evoluindo. Tivemos que começar a estudar a expansão da nossa área admi-nistrativa aqui com câmaras frias, com veículos. Veículos refrigerados. Então, a coisa foi numcrescendo. Nesse momento, tudo o que nós fazíamos era estritamente dentro das leis do país.Todo mundo com carteira assinada. Todo mundo com os seus direitos em dia. Isso aqui nãoganha dinheiro. Eu tenho que colocar dinheiro constantemente. Tem momentos que: Opa,melhorou! Tem momentos que não. Então, faço isso porque isso virou uma paixão! Eu, pramim e pra a Ângela, a filosofia de consumir um produto orgânico, livre de todos os agrotóxi-cos, pesticidas. (breve silêncio). De todo o demérito que isso leva ao ser humano, para a vidado indivíduo, da saúde do indivíduo. E depois vim a entender que era a saúde do meio ambi-ente também. Que veio a me dar mais força, mais entusiasmo pelo que a gente fazia. E isso...em 1991! Quer dizer: em 1991, quando ninguém falava disso, nós já estávamos com essa filo-sofia. Então, nós estamos com isso há quase 24, 23 anos. (Breve silêncio). Aí, em... (silênciolongo: 8s). Considerando que as minhas filhas foram crescendo e que a gente tava fazendoessa vantagem para (brevíssima pausa) ahn, os nossos funcionários...ahn (pausa: 4s), decidi-mos...(3s) em 2004?Ab. Que ano foi?DT. Eu não sei. Pera aí. Deixa eu pensar um pouquinho. Eu não sei exatamente quando, mas...Em 1997... entramos no supermercado. Que dentro daquilo que a gente tava fazendo... é 97...Supermercado Zona Sul. “Nós que temos interesse. Não sei o quê. Vem, entrega pra gente/

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Ab. No Rio, né? Zona Sul do Rio de Janeiro; Leblon, né?DT. Foi. No Leblon. Começamos lá. Agosto de 97. Durante três meses descemos com o ca-minhão três vezes por semana; segunda, quarta e sexta. Entregando para o Zona Sul 200 uni-dades em cada descida. Um ano e meio depois estávamos em todas as filiais entregando 6vezes por semana. Estávamos no Pão de Açúcar, Extra, Sendas e Carrefour.Ab. E mais as cestas?DT. E mais as cestas. Foi uma explosão. Isto fez com que a gente mudasse a forma operacio-nal. Nós começamos com 600 unidades por semana e foi extrapolado até 25.000 unidades porsemana! Descendo com dois caminhões, não sei o quê. Uma loucura! Uma loucura! E aí, agente passou a sofrer o dia a dia da entrega no grande varejo. O chefe de seção não tem a me-nor ideia do que, não tinha do quê que é o produto orgânico. Ele não entendia porque essaalface orgânica custava “2” e essa alface convencional custava “1”. Pra ele, não queria dizerdiferença nenhuma. Os supermercados todos exigiam repositores. Nós quando távamos aten-dendo no auge, nós tínhamos 16 pessoas contratadas para ajudar a rearrumar as prateleiras dossupermercados.Ab. Do Sítio ... trabalhando lá?DT. Lá, nas prateleiras das filiais! E como eram várias filiais; saía de uma filial, entrava nou-tra, não sei o quê! Uma filial grande... Ahm, o cara... obrigava que o repositor ficasse lá o diatodo. O repositor trabalhava, digamos, 1h por dia pra gente e trabalhava 7h por dia para o su-permercado; lavando banheiro, servindo na cozinha, ajudando no caixa. Uma loucura, cara!Isso já tava me deixando muito angustiado, muito chateado. E... foi o Carrefour que começou.O Carrefour vira e disse: “Oh Dick, sabe de uma coisa, cara? Olha, cê me dá bonificação, ava-ria, você não tem custos e eu te cobro um aluguel pra botar um troço na cabeceira de umafileirazinha de coisas. Vamos fazer o seguinte: eu vou te cobrar um desconto financeiro;4,5%! Aí, esquece; você não me dá bonificação, não me dá avaria. Esquece esses custos to-dos! Topa”!? Aí, eu pensei: 4,5%? Essa dor de cabeça o tempo todo. Tá bem, topo! Assineium contrato com eles. (breve silêncio). Olha, a pior coisa que eu já fiz na minha vida! Logodepois, duas semanas depois de ter assinado, no Carrefour. Não, não, não, desculpa! Não foino Carrefour! Logo depois do Carrefour, o Pão de Açúcar, adorou a ideia e começou a fazer amesma coisa. Assinei 4,5% com o Pão de Açúcar. Logo depois, a filial da Barra, do Pão deAçúcar – tinha duas ou três – uma das filiais. O chefe de seção veio pra mim e disse: “Oh,Dick, quero falar com você, cara! Pô, você não tá me dando mais a minha avaria, a minhabonificação”. Eu disse: “Mas não é pra dar. Olha aqui. Um contrato assinado na diretoria queeu não preciso dar. Tá me descontando 4,5%. Aí. “Você me desculpa, mas quem é responsá-vel aqui, nesta seção, sou eu. Se você não me der a minha bonificação, aí, eu não vou comprarde você”. (breve silêncio). Resumo da ópera: Tive que voltar a dar a bonificação e avaria praele continuar comprando da gente. E continuava com o desconto financeiro.Ab. Sendo que o contrato tava sendo...DT. Contrato assinado, mas... o chefe de seção era aquele cara! Se eu não entregasse pra ele oque ele exigia de mim, porque ele era cobrado pela, pelo conceito daquilo que ele conseguiados fornecedores. (silêncio breve). Então... ahm... (silêncio longo; 5s). O papo tá levando umtemposinho, porque também tenho uma outra reunião, mas não tem problema. Aí, todo ano,essa porcentagem aumentava. Dos 4,5, continua os 10%. Eu fui pro diretor do Pão de Açúcare disse: “Olha, eu não tenho uma margem tão alta que permite ficar te dando essas porcenta-gens aí! Eu não to pagando esse troço! Aí, o cara vira pra mim e diz: “Oh, Dick, não tem pro-blema. Aumenta o seu preço”. Eu disse: “O quê”!? “Aumenta o preço. Se eu to te cobrando10%, você vende alguma coisa por 100. Pega o 100 – R$100,00 – 100% menos 10% é 90%.Pega o 100, divide por .90, vai te dar 110, 111. Você me cobra 111. Quando você tirar os 10%de 111, vai cair no 100”. (breve silêncio). Isso é maquiavélico! Maquiavélico! Então, o quêque acontece no mercado? O Zona Sul nunca fez isso. Pão de Açúcar. Eu vendo pros dois,

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produtos; um eu vendo a 100 e outro eu vendo a 110. Cada um bota 100% de margem! Amargem do Pão de Açúcar, que é de 100 pra 200 e a margem do...do Zona Sul de 100 pra 200e a margem do Pão de Açúcar de 111 pra 122, 222! Então, eles estão ganhando uma margemmaior em cima do meu preço maior!Ab. Rum, rum.DT. (breve silêncio). Maquiavélico! E como cada filial de supermercado é distinto, o cara nãovai aqui pra comparar o preço, sai da rua, entra no outro pra comparar o preço. Porque é muitolonge um supermercado do outro. É o que aconteceu.Muito bem. Nove anos depois – começamos em 1997 – em 2006, eu disse: Não aguento mais!Carquei fora! Saí de todos as filiais, de todos os supermercados! O Jaime Xavier, diretor fi-nanceiro ou diretor comercial do Zona Sul: “Porra, Dick! Que merda! Apostei no cavalo erra-do”! Foi a expressão dele: “Apostei no cavalo errado”.Não adianta, cara! A gente não pode ficar fazendo uma coisa que violenta a gente! E eu faziaisso, não pelo dinheiro! Eu fazia pelo amor que eu tinha pela coisa etc. Então... Três mesesdepois, o Hortifruti, que é outra cadeia de supermercados, diz que queria que a gente servisse,fornecesse pra eles. Aí, a gente disse: “Sim, se vocês seguirem os nossos parâmetros e não nósseguirmos os seus parâmetros”! Toparam. E até hoje somos o único fornecedor deles que ope-ra dentro dos nossos parâmetros e não os parâmetros que eles exigem de outros fornecedores.Show de bola!Ab. Então, atualmente o Sítio não entrega mais nesses supermercados.DT. Nenhum. Só o Hortifruti. Além das entregas em domicílio, além de restaurantes e alémde lojas/Ab. Hortifruti, no Rio!?DT. Só no Rio de Janeiro. Ah... eu acho que tem um Niterói, também. Eu não sei se tem Hor-tifruti... porque você faz uma entrega centralizada. Eles é que entregam, acho que eles devemter até... Macaé. Não sei.Então, começamos a fazer as nossas entregas. Voltamos a fazer a nossas entregas. Só, comoum exemplo adicional da forma, do carinho que a gente tem com os funcionários... (silêncio;3s). Foi quando nós entramos nos supermercados que nós procuramos a certificação! Antiga-mente, as pessoas acreditavam na gente. Nós plantávamos, e colhíamos, e cultivávamos pro-dutos orgânicos! Mas era o Dick e a Ângela falando isso.Ab. Rum. Rum.DT. Não tinha nada de certificação etc. No momento que a gente vai pro supermercado, vocêtem que ter um selo de certificação. E procuramos o IBD. O IBD começou a nos certificardesde 1996, 97... 97./Ab. É o Instituto Biodinâmico?DT. Instituto Biodinâmico e de Desenvolvimento Rural – IBD – do sul do país. Segue o con-ceito biodinâmico. Segue a filosofia do Rudolf Steiner. Ele tem dois tipos de certificação:certificação orgânica - IBD ou BIONDINÂMICA, que é uma certificação muito mais difícil,chamada demeter. Então, ahm... começamos a operar e alguns meses, alguns anos depois... OIBD tinha um outro selo chamado EcoSocial . Fomos a primeira e única empresa de agricul-tura, de hortaliças etc. que conseguiu o selo EcoSocial. EcoSocial era o selo que vinha e quedemonstrava a forma com a qual a gente lhe dava e tratava com a nossa, a nossa... os nossosfuncionários. Se você entrar no site - deve ser, não me lembro mais, deve ser www.ibd.com.br– dentro desse site deles deve ter alguma coisa sobre o... a filosofia do selo EcoSocial. Aí, issovai te demonstrar uma filosofia complementar que nós tínhamos na forma de tratar os funcio-nários, mas que custava uma fortuna! E que não levava a nada porque nós não conseguíamosvender mais por causa do EcoSocial. E como era um custo altíssimo... a gente fazia de quequalquer forma o que távamos fazendo aqui, ahm... decidimos parar com o selo. Hoje, nãotemos o selo EcoSocial.

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Muito bem... Em 2004... (pausa longa) em função de dois italianos que nós conhecíamos –eles vieram nos visitar e ahm... eles eram importadores. E eles nos apresentaram a ideia - co-mo eles importavam farinha da Itália, eles queriam saber se nós tínhamos interesse em impor-tar farinha orgânica da Itália. (Silêncio). Disse: “Olha, por que que nós vamos importar fari-nha se... utilizar como?/Ab. Mas farinha de quê, de trigo?DT. Aí, eles jogaram o conceito: “Por que vocês não fazem a primeira panificadora orgânicado Brasil”? Falei pra Nicole: “Pô, que bacana, não tinha pensado! Não sei o quê! Pá”! Deci-são: construí este prédio aqui. Embaixo da gente tem a primeira panificadora orgânica do Bra-sil! Certificado pelo IBD .Ab. Ah, então é aqui também.DT. Aqui embaixo. Quando você sobe aqui, aqui na frente tem uma sala que é masseira, outrasala que é a fatiadora. É... fomos em frente! (silêncio breve). Pô! É uma indústria! É uma coi-as! A gente foi aprendendo muita coisa porque eu não tinha a menor ideia do que era pão deuma panificadora! O porquê, de que forma, não sei o quê! E fomos aprendendo, evoluindo.Chegou 8 meses, 9 meses. Menos de 1 ano depois que começamos... não távamos ganhandodinheiro... Aí os italianos: “Ah, não! Porque não pode ficar assim! Assim não pode! Não sei oquê! Vamos começar a usar farinha convencional! Vamo fazer o pão convencional! Vamo nãosei o quê”! Aí, eu disse: Não é por ali. A filosofia aqui é outra. Se vocês não querem continuarzelando, tentando... Então, eu compro a sua participação – e era 20% de cada um. Os doistinham 20, eu e Ângela tinha 20 e um... um... ah... engenheiro... industrial, que acompanhavaa gente, Jorge Rosa, tinha outra, outros 20%. Ficamos eu e Ângela; compramos a participaçãode todo mundo e ficamos sozinhos aqui. Na realidade, o importante é que isto foi a primeiravez que nós botamos um pé do lado de fora pra importar produtos! Nunca tinha feito isso an-tes. E isso nos levou a... continuar, continuando a importar farinha orgânica. Começamos aestudar alternativas. Fizemos um lançamento de uma linha no Brasil, chamado BioSprout ,que eram produtos germinados, que tavam dando um certo ibope. Porque é tudo produto prasaúde, pro, pra, pro benefício do consumidor. E o conceito de um produto germinado abre um,um... universo de coisas que passam (não entendi). Muito bem, estávamos comeando a impor-tar as farinhas, estávamos começando a importar massas, bebida vegetal, azeite, azeitonas,patê de azeitona... (silêncio breve; 3s). Isso, mais ou menos, 2000 e... 9 pra 10. O AGAVE, jáera antes de 2008 ou 2009... E Agave é um produto... ahm... é um xarope de frutose.Ab. Eu pensei que fosse mel. Não prestei atenção.DT. Não! Xarope de frutose... oriundo de um cactos. Esse cactos solta, é cultivado no México.A gente importa o produto como tá, nessas garrafinhas. Ele é 30% mais doce que açúcar, 25%menos calórico, com uma grande vantagem: tem um muito baixo índice glicêmico.Ab. Então, pode ser usado por pessoas que têm problemas de, de glic/DT. Diabético. 50 pra baixo é considerado baixo. O índice glicêmico deste produto é 17. Odiabético pode usar. Obviamente, que dependendo da diabete. Mas o médico dele pode indi-car. Então, tivemos um sucesso enorme com esse produto. (silêncio breve). Muito bem. Ascoisas estavam – aumenta aqui, aumenta aqui, produção etc, etc. Aí, começam os problemas.O maior problema que nós enfrentamos e continuamos enfrentando são os novos parâmetrosfederais para esse nosso universo orgânico no Brasil.Ab. A legislação?DT. A LEGISLAÇÃO. Os parâmetros de o quê que eles consideram orgânico, o quê que podeser orgânico, o quê que não é./Ab. Especificamente, a lei... o decreto de 2007?DT. Essas coisas, o número, o decreto, eu não sei!Ab. (Falei junto com ele, embolando as falas; 5s). ... porque eu pra, eu resolvi utilizar a legis-lação pra... delimitar o conceito de orgânico. O meu argumento era que precisava passar por

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uma certificação e tinha uma legislação. Então, eu vou/porque tem muitos conceitos de orgâ-nico, não é? Aí, eu peguei o da legislação. É por isso que eu to/DT. Pode ser, mas se você fez isto... perfeito! Se é, se são esses os parâmetros que coordenamo nosso universo atual, do dia a dia, perfeito! Eu não sei decreto-lei um, zero, zero, não sei dasquantas. Isso. Não sei. Agora (silêncio longo; 4s). Vou te dar uma ideia (silêncio longo; 6s).Isso era um processo que demorou. Era pra ser lançado em 2009 e formalizado em 2010. Nãoteve tempo para o mercado se adaptar. Então, foi adiado um (1) ano. Em 2010, até agosto de2010, toda certificadora no Brasil tinha que ser registrada no INMETRO! Para uma vez regis-trado, serem... inspecionados e analisados pelo MAPA; Ministério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento. (silêncio breve). Aquela época, em 2010, deveria ter no Brasil (pausa) 30, 35certificadoras, que certificavam entre... certificação participativa e certificação por auditoria.Ab. Que é o seu caso, aqui?DT. Auditoria. Participativa; eu, você, fulano, beltrano, 20 pessoas; vamos juntar, fazer umaassociação! Eu vou ficar de olho em você, você em mim, eu nele, que se alguém mijar fora dopenico, eles vão reclamar! Pra mim isto não acontece. Não. Não, não vai sobreviver no Brasil!Se sou amigo do cara, eu não vou, não vou... indicar que o cara tá fazendo um erro no cultivodele.Certificação por auditoria, onde os caras mandam um inspetor, analisa tudo; exame de solo,rastreabilidade, documentação, ba, ba, ba, ba, ba. (pausa). Em 2011, dos 35 grupos que foraminspecionados, só 6 foram aprovados. Desses 6, 3 participativa e 3 por auditoria. Das três porauditoria; ECOCER, TECPAR e IBD. Vamos em frente.Ab. A ECOCER, do Rio Grande do Sul também, não é?DT. (Pausa). Não sei. Não sei se é São Paulo ou Rio Grande do Sul. ECOCER; filiais ao redordo mundo inteiro. São limitadas individualizadas. IBD, uma no Brasil, no sul. A TECPAR,não sei.Ab. Mas a dificuldade que o senhor tá falando, em termos, é legislativo, especificamente temalguma coisa que... específica que tá, que tá atrapalhando na, na/DT. Muito. Isto... Como de 35 só 6 foram aprovados, no, dentro do Brasil, houve embolamen-to de campo. Pra te dar uma ideia; KORIN é certifica pela Mokiti Okada. A Mokiti Okada nãofoi aprovada! Todos os inspetores da Mokiti Okada saíram da Mokiti Okada e foram pro IBD!Korin, hoje, é certificada pelo IBD. Pô! É só pra te dar uma ideia da dificuldade.Muito bem. Naquela época – e olha, isso foi em janeiro de 2011; 2011, 2012, 2013, 2014,abril de 2014. (pausa). Quase 4 anos depois, nenhuma certificadora internacional foi aprovadaainda. (ênfase dele).Ab. Então, é um processo de oligopolização do processo de certificação?DT. Pois é. Nenhuma certificadora internacional foi aprovada! Para que fosse aprovada, acertificadora internacional teria que montar uma pessoa jurídica no Brasil, se apresentar proINMETRO, ser certificada pra ser aprovada. Zero, até agora. Sítio do Moinho: importandobebida vegetal, farinha, massa, azeite, azeitona. É... é... purê, é... purê de azeitona. (Silênciolongo). Nós, então, peitamos (silêncio breve) para que esse produto tenha... (pega no frasco doAGAVE). Esse aqui é o selo SisOrg. Para que a gente consiga esse selo, eu tenho que ir proIBD: IBD, escolhe o seu inspetor – que vai fazer inspeção pra gente. Escolhe o João. Temosde pagar a passagem internacional do João pro México. A estada dele durante uma semana, 10dias; hotel, despesa, alimentação, telefonia, bá, bá, bá. A passagem de volta. O custo dele co-mo profissional. Que é tudo um... custo que nós pagamos e depois o IBD nos manda a contadela por ser a certificadora!Ab. O João é o funcionário deles?DT. O João é o funcionário deles. Nos custa por produto, 15.000 dólares por ano! E anual-mente cê tem que fazer a renovação.Ab. É igual a IPVA de carro.

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DT. Heim!?Ab. Eu não tenho carro, mas/DT. Não, não... Mas, porra! Então, em 2012, no transcorrer desses problemas todos, o Sítio doMoinho - pasme! – esta empresasinha, pequenininha, virou o maior importador de produtosorgânicos do Brasil! Não em volume; em variedade.Ab. Rum. Rum.DT. Porque nós pagamos o cara que foi pra Itália, o cara disso, o cara que foi pro México.Indo para o Canadá, pro produto germinado, não conseguimos fazer com que nenhuma maté-ria-prima dele fosse certificada pro Brasil. Tivemos que cancelar o produto. (silêncio longo;5s). Então... Aí, eu aprendi uma coisa que eu acho bacana. Você vê: a ótica – farinha, a pro-dução da farinha é uma ciência.Deu um jeito nas costas escovando o dente anteontem. Velho, é fogo! Pra não dizer outra pa-lavra. (risos).Ab. Velho, nada. Eu dei um aqui no braço faz tempo, já.DT. Pô, cara! Mas (silêncio longo). Você chega a um ponto... Na ciência... Num silo, elesguardam grãos. Uma vez que mói que pra fazer a farinha – a farinha tem uma data de validadede 6 meses e o grão, três anos. Colocam grão no do silo, que é uma ciência. O silo pode serfornecido por 10 empresas. Cada empresa tem 20, 30 produtores! Então, num silo pode ter300 fornecedores; 300, 400 fornecedores de grão. Impossível, você mandar um técnico daquipra lá pra visitar 300 pessoas. Então, a nossa consultora, Elena Ruocco, que é uma flor depessoa, nos ajudou muito no diálogo com – ela é italiana – no diálogo dela com os diretoresdessa empresa. Chegaram a conclusão de que: “Nós vamos o seguinte: Sítio do Moinho. Nósvamos separar um silo só pra você. Neste silo, nós vamos botar grãos de 10 fornecedores paraque o inspetor possa ir e fazer essa inspeção”. No fim de 2012, meio, cheio de problemas, nãosei o quê. Tínhamos que renovar novamente. Estávamos naquela: “Será que vamos, será quenão vamos? Pô, mas que dor de cabeça! Só dá problema”! (silêncio breve). Ahm... a Elenacomeçou o diálogo com esses caras. Aí, eles viraram e disseram: “Sabe de uma coisa? Nósnão vamos fazer isso mais não. O nosso custo administrativa de separar esse... esse silo pravocê é tão alto, é tão custoso, que pra nós, quando fizemos isso, esperávamos que o Brasilpudesse importar 20, 25 contêineres”! Nós importamos dois.Ab. Tá longe, ainda. (riso contido).DT. Aí, o cara diz: “Olha, não adianta; não é rentável pra gente”. E a gente diz: “Pra nós tam-bém não, porque não adianta”! O custo operacional... Então... Conclusão: Paramos de impor-tar farinha. Começamos a usar uma farinha... brasileira... de um grupo chamado Mirela, queimporta o trigo da Argentina. Mas eles importam um trigo! Não é a ciência na Itália que éfornecida por 4, 5, 7, 10, 20 trigos diferentes com características – estudos laboratoriais indi-cando o quê que vai ser representativo na, na próxima farinha que vai ser moída. Conclusão:paramos de importar tudo! Éramos os maiores importadores em 2012. Em 2014, zero! Nãozero, este é (mostra o AGAVE) o único produto que nós continuamos importando.Ab. E sem perspectiva de retomada?DT. Só existe uma retomada se passara ter uma compatibilização(destaque do DT) inter-filosofias orgânicas, inter-países! (idem). Pode levar um anos, pode dois anos, pode levar 5anos pra chegar lá. Mas enquanto...Ab. Mas já há essa movimentação?/DT. Não, isto existe permanentemente. O MAPA em diálogo com o pessoal da Europa, o pes-soal dos Estados Unidos, o pessoal do Oriente. Isto existe, mas... já passou quatro anos e nãoteve nada. Não teve nenhuma certificadora aprovada e quanto menos as... a... a, a compatibili-zação das filosofias e dos parâmetros orgânicos. Super complicado.Ab. Mas isso ocasionou queda nas vendas ou – de clientes – ou o pessoal que compra as ces-tas continua...

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DT. O pessoal das cestas continua. Mas o interessante é que, basicamente, os nossos pãespouco vai pro domicílio. A maior parte vai pra restaurantes... Passamos a fabricar um pão...Porque nós temos duas linhas; assado e semi assado. O semi assado - veio um chefe chamadoMaiê, do Restaurante Essa, do Centro da cidade do Rio. Ele disse o seguinte: “É isso que euquero! Eu quero essa pão mini, porque o pão é fantástico”! E, é o melhor pão do Brasil. Since-ramente, eu acho, pelo menos. Farinha, da forma que é feita. Inclusive, um detalhe, que melevou a entender – outra coisa que eu não quero entrar nisso, senão a gente fica aqui horas –que é o fato de que quando o pão é fabricado, uma das matérias-primas é água. E quando autilização é feita na água no Centro da cidade, a água é tratada com cloro! Então, o cloro queé utilizado afeta o gosto do pão. Aqui não! A água vem de um poço artesiano de 103,00m deprofundidade que a gente usa pra irrigar. É a água que vem dos morros... como nós estamosnum vale. E a água é cristalina, sem nenhum aditivo químico.Ab. A água clorada deve afetar, inclusive, o próprio... o próprio fermento, né/DT. Claro!Ab. Porque é um fungo vivo.DT. Claro, claro. Muito bem. Então, suspendemos tudo. Começamos a usar a farinha brasilei-ra... A qualidade da farinha brasileira altera o pão; ruim, péssimo o pão. Não tem a mesmaqualidade; longe de ter. Tem momento que o pão, por alguma razão, escurecia muito. Em vezde ser um pão branco ficava mais acinzentado. Reclamações. O cheiro diferente porque afermentação é de uma forma diferente. Então, teve cliente que parou de comprar. Decisãonossa! Olha o que tamos atravessando neste momento! Inauguramos uma... Temos uma lojano Rio, no Leblon. Vamos inaugurar uma segunda loja, na Barra, num lugar chamado O2!(ênfase dele na palavra O2). Que é um projeto que fica do outro lado da rua, de uma área ha-bitacional chamada Península. Uma loja lá, que tá pronta pra ser inaugurada há 14 meses! Toesperando o quê? Alvará.Ab. Eu tenho algumas, eu gostaria de voltar um pouco atrás porque foram surgindo – eu nãoquis lhe interromper, né? – mas foram surgindo várias... várias questões. Mas uma delas é oseguinte: O senhor é... é... falou sempre no plural, né? “Nós decidimos e tal”. Como é o pro-cesso de decisão. É... é... aqui das tomadas? No caso, os trabalhadores são convidados a parti-cipar do processo administrativo ou eles não se interessam?DT. Não, não. Nós... As decisões finais são minhas e da minha esposa, Ângela.Ab. Hum... tá.DT. Temos duas pessoas que nos ajudam muito aqui. Uma é a Adriana, a nossa nutricionista,e o nosso gerente geral, que é o Cleber . Este grupo de quatro pessoas sempre tomou as deci-sões todas. A decisão final é minha.Ab. Certo.DT. Mas, a gente coloca numa mesa as ideias, isso, aquilo. Por exemplo, conceitos, filosofiase detalhes sobre in comers, a compra pela internet. Eu não entendo porra nenhuma de... de...Mal uso um celular! Então, obviamente, a interferência desse pessoal é muito importante.Hoje, nesse momento, nós estamos participando de uma feira em São Paulo, chamada Vitafo-ods! Os mexicanos quando, primeiro nos orien, nos falavam aqui desses produtos, eles sempredisseram: “Puxa, vida... ahm... no México e nos Estados Unidos, oitenta%das nossas vendassão pra indústria! 20% é pro consumidor final”. No Brasil, 99% é pro consumidor final e 1%,indústrias. Então, a ideia é gerar o aumento para a indústria. Estar lá, nesta feira, além do caraque veio do México, Adriana, que é nossa nutricionista, o Cleber, que é o nosso... gerentegeral. Estamos, porém, atravessando uma fase difícil! O Eduardo, que vai caminhar com vocêna horta, tá indo embora. Tá com um problema particular de saúde da esposa dele e que elenão pode... eles moram em Magé. Sobe de desce o dia todo. E o Cleber, que é o nosso gerentegeral, rapaz jovem, que tá conosco a 7, vai pra 8 anos, foi oferecido um emprego – como elediz – irrecusável. Então, tá indo embora. Estamos substituindo ele por outro rapaz que é o

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nosso consultor, Fábio Ramos, que vai assumir a função dele, mas não da mesma forma. Masisso também não entra muito... nisso, não. Então, tamos aqui nos preparando para enfrentaresta nossa nova forma. Temos... estamos agora – que eu só queria terminar dizendo o seguin-te: Essas legislações criam parâmetros tão difíceis! Quê que nós tamos fazendo agora? (pau-sa). A massa que nós importamos da Itália é fantástica! Várias vezes melhor do que qualquermassa do Brasil. A loja, através da gente, através do Sítio do Moinho, importou um containerde massa. Mas a massa, nós sabemos que é orgânico da origem, mas não pode ser consideradaorgânica ao entrar no Brasil. Vamos oferecer um prato - não vamos dizer que é orgânico, não– por causa da qualidade da massa. Se alguém perguntar, eu tenho o... o... o... a cópia, a cópiado certificado anual dizendo que o produto é orgânico e nota fiscal dizendo que é orgânico.Pra utilizar na mesa. Chegou no Brasil um produto, sem indicação na etiqueta que é orgânicoe se tivesse a indicação não entrava no Brasil.Ab. Eu to curioso o seguinte, né? O senhor me disse que a sua área agricultável é de cinco.../DT. Cinco hectares.Ab. Cinco. São sete, mas são... dois ficam descansando. Não é isso? Ou seis?/DT. São seis e um fica descansando.Ab. É... e como que o senhor tá conseguindo produzir pra atender todo esse mercado?DT. Não, não. Nós operamos através de parceiros.Ab. Ah, tá!DT. Nós temos, além desses 5ha... - nós devemos ter... Quando nós atingimos, aquela épocados 25.000 produtos por semana pra supermercados, além dos 5, nós alugávamos fora, emparceria, mais 25. E hoje, nós devemos ter, além dos nossos 5, uns 10.Ab. São o quê? Outros agricultores, do mesmo estilo daqui do Sítio do Moinho, ou agriculturafamiliar?DT. É mais pra agricultura fami/Ab. Familiar.DT. Como é que você define uma agricultura familiar?Ab. É. Bem, no conceito que – também tem vários conceitos – a gente tá trabalhando com oco de... é... é... é o agricultor, a mulher dele e a mão de obra utilizada é a família. No máximoele contrata uma outra pessoa num período de colheita, uma coisa assim/DT. Em Cachoeiras de Macacu, nós temos uma senhora, Lilian, Liliane, que é dona do imóvelque tem... ela não vive daquilo. Ela é dona de uma coisa que... Ela mora no Rio de Janeiro.Mas tem os piões que trabalham por ela, que tomam conta. Do lado, a filha dela tem outracoisa parecida. O... o Eduardo conhece outra pessoa em Cachoeira de Macacu, perto de Magé,onde ele mora, que tem uma fazenda que tá nos fornecendo. Em Brejal, nós temos um carachamado Antônio Paulo, que é que coordena... é... ele aluga um... da... da Fazenda Cafundó,10ha, produz pras feiras e produz pra gente. Então, não que seja familiar, mas é um pequenoprodutor.Ab. Tá.DT. E ele... ele é certificado às vezes pela... pela ABIO ou por outras certificações participati-vas. E faz um acordo conosco. Mas é sempre uma pequena dor de cabeça o tempo todo. Eleprefere... E eu tenho muito receio (pausa) – é importante frisar isso – as, o que me surpreendemuito é que de repente no Brasil, uns anos atrás (breve pausa), tinha uma feira orgânica noBrasil, no Rio de Janeiro. Hoje, têm 20, 25 feiras/Ab. Na Glória, né?DT. Era na Glória. Hoje, têm 20, 25 feiras espalhadas pelo Rio de Janeiro inteiro! De ondevieram esses produtores orgânicos de repente!? Quem certifica e... pior ou mais importanteainda, quem é que fiscaliza na feira que todo mundo que tá lá, oficialmente é um produtororgânico? Não tem nota fiscal, vende não sei aonde e tal. Então, eu questiono!/Ab. E aí é que entra a questão da certificação participativa que o senhor questiona? Se é que

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há a certificação participativa.DT. Exatamente. Porque quem supostamente certifica e fiscaliza são certificadoras participa-tivas. (silêncio breve). Eu não boto a minha mão no fogo, não. Mas, eu também não vou che-gar e dizer, acontece, porque eu não sei. Mas... eu, eu questiono. Antigamente não tinha pro-dução orgânica. De repente, 30 produtores apareceram. Que hoje, não sei o quê! Que se forverdade, ótimo! Porque está demonstrando o aumento da produção que é superimportante./Ab. E também as pessoas comprando, não? Os consumidores.DT. Sim. Aí, começa a pequena coisa. O restaurante vai pra uma feira e compra. E servir norestaurante. Eu tenho um restaurante que começou a fazer isso. Não vou mencionar o nome,mas começou a ir numa feira que tinha a quatro quarteirões de onde ela tem o restaurante. Ecomeçou a comprar lá. Em vez da gente, comprava deles. Mas não tinha nota fiscal. Como éque lançavam na, na estrutura da... da... do restaurante dela? E depois, qual era a garantia queo produto era orgânico?Ab. Rum. Rum.DT. Ela começou a se preocupar. Voltou a comprar da gente. Mas o que levou ela a comprarna feira? Preço! Por quê? Como não tem nota fiscal, não tem toda a argamassa dos tributos aserem pagos que nós temos de pagar!Ab. Entendo.DT. Os tributos matam o dia a dia do que cê tá querendo fazer.Ab. Em relação à... à legislação: Existe alguma dificuldade, existe a legislação específica praquestão do trabalho dentro agricultura orgânica e isso traz alguma dificuldade pra empreen-dimentos? Eu posso chamar isso aqui de empreendimento?DT. Lógico.Ab. Pra empreendimentos orgânicos como... O senhor tem trabalhadores que são assalariados.Não é isso?DT. Ah, ram. Todos eles são.Ab. A legislação é a mesma, a trabalhista ou é...DT. (Acena com a cabeça que sim).Ab. Ah, então, nesse tocante não tem problema com a legislação em relação a isso?DT. Não. Não em leis trabalhistas. É a mesma coisa. Lei trabalhista é tudo a mesma coisa.Ab. Não. Pensei que talvez tivesse uma/DT. Não tem benefício. Não tem vantagem. Não tem nada. É a lei trabalhista. O que é o difícilé essa expressão. E o que é difícil é que na lei brasileira, nova, além de ter (silêncio longo; 5s)produtores de (gagueja), de pequenas famílias, ou seja o que for, que operam (pausa) dentrodo conceito de uma certificação (pausa), ahm, da certificação participativa. A lei orgânica noBrasil tem uma terceira característica que não existe no mundo inteiro! Que é: o pequeno pro-dutor escreve uma carta para o MAPA, se qualificando como pequeno produtor orgânico.Ab. Mas e a necessidade da certificação?DT. E esse pequeno produtor (pausa) como não tem nota fiscal – ou se tem, eu não sei exata-mente o que ele oferece – ele só é permitido vender em feiras e em domicílio. (silêncio longo;4s). (gagueja). Cadê o resto dessa argamassa de situações que você tem que fazer pra poderdar conforto ao seu consumidor.Ab. No caso, o que o senhor acha em termos de... Qual é a maior dificuldade em termos dequalidade de mão de obra? Isso no Brasil, de uma forma geral/DT. Mão de obra pra nós é a maior dor de cabeça. Muito difícil! (ênfase). Porque nós estamosnum lugar distante. É difícil pegar o peão (pausa) porque o peão prefere trabalhar não sei aon-de, ao em vez de ficar se dedicando... Nós temos pessoas que tão conosco há 20 anos. Porquesão pessoas que se conscientizam, que gostam do que fazem. Regininha, que te atendeu aqui.Ahm, que trouxe o café. Tá conosco há 20, vinte e tantos anos.Ab. Ou seja, pra essas pessoas há uma diferença entre produzir organicamente do que traba-

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lhar numa outra agricultura qualquer?DT. Não sei. Se é a filosofia do tipo de trabalho ou se é o fato de eles se sentirem bem aqui noSítio do Moinho conosco. Não sei.Ab. Seria possível depois eu entrevistar um ou outro trabalhador?DT. Claro, claro! Por que, não?Ab. Porque isso me gerou uma curiosidade.DT. Acho que você deveria procurar, por exemplo, a Regininha, procurar a Marlene, que éuma pessoa que trabalha na nossa horta; responsável por ervas; tem uma mão fantástica! Elatá conosco há não sei quanto tempo.Ab. Mas a... o senhor tava... Eu lhe interrompi, na verdade o erro foi meu (risos sem graça)...Eu sou iniciante na pesquisa, então, às vezes a gente comete essas cosisas: em vez de deixar apessoa falar, fica interrompendo/ a pergunta.DT. Não, mas eu acho que/. Ah, ram.Ab. Mas o senhor tava falando do é... a dificuldade é convencê-lo... mesmo... assinando car-teira, mesmo com a carga horária... toda a legislação trabalhista, ele não prefere trabalharaqui, prefere trabalhar ocasionalmente, digamos assim.DT. Ocasionalmente.Ab. Ah, tá. Porque aqui ele teria que cumprir a carga horária/DT. Exatamente. Isso. Ocasionalmente. É muito difícil. Você, por exemplo, motoristas quevão levar o carro pro Rio de Janeiro. Nós temos o Delei, que é o nosso chefe dos motoristas,tá conosco ah... tempão! Vários anos. Então, eu acho que... É, seria interessante você entrevis-tar: Ah, por que você está aqui há 20 anos? Por que você gosta tanto daqui? (silêncio longo;6s).DT. Bem, deixa eu só – que são 11,5h, deveria ter uma reunião às 11h, mas ninguém me avi-sou. Não, fica sentado aí. Pera aí, deixa eu só... (fim).

7.2.2 APÊNDICE B1.1: 1ªEntrevista (2ª parte) - Dick Thompson

DT. O que eu queria só... terminar com você. E se você, depois de andar por aí e pensar emalguma coisa que você queira falar... Ah, tamos à ordem!Ab. Ah, tá legal! Obrigado.DT. Eu tenho um amigo meu na Holanda – conheci há 40 anos atrás – ele, ultimamente, temvindo pro Brasil... O que eu vou te falar é, é no sentido de... são coisas que entusiasmam agente. Fazem a gente criar coisas diferentes. Então, na, na, na segunda visita – que ele já fezumas 4 visitas pro Brasil. Na segunda visita, ele me trouxe esse livro daqui: A vida/Ab. “A vida secreta das plantas”. Ah, eu já li, mas li traduzido.DT. Ah, cê leu o livro!?Ab. Li.DT. Ah, que bacana, cara! Isso aqui me deixou (silêncio breve), me pirou!Ab. Hum, rum. Não. Tem cada coisa fantástica aí!DT. Que quando começa a entender que o peão quando entra numa... numa horta, ele tá mauhumorado. Não está sentindo bem. Brigou com a esposa. Perdeu na loteria. Seja o que for. Aáurea dele é negativa. Ele entra numa horta... as plantas murcham. Em contrapartida, desco-briu uma namorada nova, tá sentindo bem, as plantas reagem. E nesse capítulo 10, que é “Avida harmônica das plantas”, dizem que se você botar em estufas, música, existe uma, umreflexo nas plantas. Aí, eles dizem aqui: Se for iê-iê-iê, samba e coisa ã, as plantas murcham.Se forem música clássica.Ab. Bach.DT. Exatamente, ele bota aqui: Chopin, Beethoven, Mozart etc. São músicas que fazem a, a, aplanta reagir de uma forma melhor. Isto, eu tava lendo quando – eu não sei se te, acho que não

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falei, não. Eu comprei a propriedade do lado, que o meu vizinho de 87 anos de idade, ManoelMarques, (silêncio breve) tava querendo vender eu não queria qualquer vizinho. Então, respei-tava muito ele, o trabalho. Então, decidi comprar a propriedade. A propriedade dele tem umaárea plana. É, é, é muito menor que a minha. Ele tem 16, 20.000m², que depois doou partepras filhas. Ficou com 16. É menos de um módulo mínimo de uma área rural, que é 20.000m².Mas a área dele plana é mais ou menos 10.000m²! Que aumentaria a minha área de 5 pra 6!Aumentaria em 20%. Tá. Comprei. Aí, nesse meio tempo, comprei 6.000m² de estufas de umcara que tava querendo vender estufas de segunda mão. Construímos agora – cê... o Eduardovai te mostrar. Construímos agora... ãhm... a primeira sequência de estufas. São 7 estufas; 50de comprimento, 6 de largura. É... da 300m² multiplicado por 7; 2.100. 2.000 dos 6.000 tãoconstruídas. Pô, tem música clássica!Ab. Eu ia perguntar isso: pra fazer o experimento.DT. Não pra fazer, mas uma vez construídas, por que não fazer? Então, minha. A, a Ângela,minha esposa, o pai dela, falecido há bastante tempo, amante total da música clássica, ensinoumuito pra Ângela. Ângela, então, escolheu 30, 40 discos e disse: Grava. Mas não é gravar odisco! Neste disco (silêncio)...Ab. Um trecho.DT. ... a faixa 1, 4, 7, 8. No outro disco, faixa 1, 2, 3, 8, 9. Então, esse rapaz que veio aqui éque gravou pra mim e que é a pessoa que faz todo o nosso trabalho elétrico e telefônico.Ab. O... isso, isso que o senhor tá falando, o brasileiro, na forma geral e tal, tem a conversa da“mão boa”. A minha mãe dizia que a minha mão era boa. Eu coloco a mão nas plantas e asplantas. A minha companheira diz a mesma coisa. Ela me pede pra/DT. Mas, eu acho que isso vem de um sentimento. É um, é um, é um sentimento que você temcom as plantas.Ab. É. Eu não dava importância pra isso, não! Depois que eu li isso. Foi: Pô, eu acho que aminha mãe tem (risos) e é mãe, né?/DT. Agora, o que eu vou ter que fazer agora é medir pra saber qual é. Se, realmente... Qual é adiferença dentro de uma estufa?Bem, eu vou ter que interromper, porque eu to com duas pessoas...

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7.2.3 APÊNDICE B2: 2ª Entrevista - Evandro

Transcrição da entrevista com o técnico agrícola e gestor ambiental, Evandro. Os trabalhado-res rurais Marlene e Marcos, do Sítio do Moinho Alimentos Orgânicos, localizado na EstradaCorrea da Veiga 2405. Santa Mônica – Itaipava – Petrópolis – RJ.Local: No campo de produção. Data: 08-abr-2014 Duração: 30min e 33s.

Fui levado ao Evandro, pelo Eduardo (agrônomo), que estava num momento atribulado parame conceder um depoimento. Ele não parou o seu trabalho para conceder a entrevista, mas foiatencioso. Estava lavando cebolinhas que haviam sido colhidas antes da minha chegada.Ab. Evandro. Você é técnico agrícola?Ev. Sou técnico agrícola e gestor ambiental, também.Ab. Ah, você fez/Ev. Tenho essas duas formações, mas aqui no Sítio eu sou técnico.Ab. Você estudou onde, na Rural?Ev. Não. Estudei na UNOPAR.Ab. Ah, UNOPAR!Ev. Petrópolis. É.Ab. Tem Técnico Agrícola, aqui?Ev. Não. Fiz Gestão Ambiental.Ab. Ah, tá!Ev. Técnico Agrícola eu fiz num... em Machado, Minas Gerais.Ab. Conheço! Estudei com um cara de Machado; Marcelo.Ev. Eu estudei lá. Três anos lá.Ab. Agronomia. A gente se conheceu em Viçosa.Ev. Estudei na escola agrícola de lá.Ab. De Machado, né?Ev. É. Hoje é Instituto Federal de Ensino Tecnológico. Hoje tá violento! Antigamente eraEscola Agrotécnica Federal de Machado. Era bom, cara! Fiz um curso tranquilo./Ab. Não. Ele estudou lá, também./Ev. Uma experiência e tanto lá!Ab. Ele fez essa graduação, é... ele fez esse curso técnico. Eu não fiz o técnico, não é? Eu fuiestudar agronomia e... não terminei o curso, não.Ev. Hum.Ab. To fazendo outro curso hoje. E... to ligado hoje à sociologia rural.Ev. Ahn, ram.(Pausa longo de 8s).Ab. Você já trabalha aqui há muito tempo?Ev. Vai fazer 7 anos, esse ano.Ab. É. Uma das coisas que eu tava... que eu conversei... é... com o Dick que era sobre isso,né? Aqui, dos trabalhadores e tal... Não. Ele disse: pode ir à vontade lá, também. Fica à von-tade lá e conversa com... (outro trabalhador rural interrompe). A carga horária de trabalho devocês é, no geral, o quê? É...Ev. De segunda a sexta. É... com escala final de semana (pausa longa; 6s). É... São 8h por dia,de trabalho; 8h, e 48min a mais. Então, a gente pega às 7 e larga 4 e 48. Essas 48... Esses48min depois é pra dar o... as horas do... as horas pro... as horas pra...Ab. As 44 semanais?Ev. Isso, semanais. Então, tem duas folgas na semana, cada funcionário. Então, o funcionárioque trabalha domin... Exemplo, o cara que tá, que tá escalonado pra trabalhar domingo: elefolga sexta e sábado. O cara tá escalonado pra trabalhar sábado; folga sexta e domingo. Traba-

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lha sábado e folga sexta e domingo. E assim vai. E a turma de segunda a sexta, normal.Ab. A sua função específica aqui é qual? O que você exerce como técnico agrícola?Ev. Tudo. (silêncio breve; 3s). Tudo o que envolve a horta. Tudinho; planejamento... Campo.Controle. Manejo fitossanitário. Controle de praga e doença. Tudo.Ab. Então, a decisão de... de plantar, como plantar, quando plantar...Ev. É eu que faço; eu junto com o Eduardo. Eduardo é... ele planeja lá... tem planejamento.Ele é o chefe de setor e tal. E eu executo aqui no campo junto com os meninos. Junto com aequipe.Ab. Ali, na parte de execução, você também participa dessa parte de planejamento?Ev. Participo. Ajudo ele.Ab. E o resto dos trabalhadores? Participam também do planejamento?Ev. Não. Não. Só eu.Ab. Aí, só executa.Ev. Só executa. (pausa longa).3min e 30s. Ab. A... é... O que eu ia perguntar? Esqueci! A produção aqui é... específica doSítio do Moinho, é voltada para os... o Seu Dick já falou isso comigo lá, alguma coisa, né?Mas ele se entusiasma muito... ele fala muito da questão da certificação, né? Mas a produçãoaqui é voltada... é produzido, principalmente, pra atender às cestas domiciliares?/Ev. Isso.Ab. Mas no caso... é... ele... ele e a família dele também se alimentam dos próprios produtosaqui?/Ev. Também. As filhas também.Ab. Tudo aqui, produzido aqui.Ev. Aqui.Ab. E o... e no caso de vocês, que trabalham?Ev. Também.Ab. Também.Ev. A salada do almoço é nossa. Daqui também.Ab. Como assim a salada? Aqui tem um restaurante? É isso?Ev. Tem. Tem a cozinha aqui dos funcionários. A gente almoça aqui, janta. Os funcionáriosresidentes têm janta.Ab. Hum, tá. Aí, é tudo... toda a parte da salada, todas as coisas envolvidas com a vegetaçãovem tudo daqui, do próprio Sítio.Ev. Tudo daqui, do próprio Sítio.Ab. Ah, tá. Interessante.Ev. Menos arroz, feijão. Isso compra. Carne compra.Ab. Até porque isso não é cultivado aqui. Aqui, a produção é voltada, principalmente, praolerícula?Ev. Olericultura. Geral. Aqui, na horta, a gente tem 60 culturas diferentes. A gente trabalhacom 60 culturas. Dentre... As alfaces; 5 variedades de alface. É... repolho verde, roxo. Bróco-lis comum e o americano. Couve-flor. Vagem macarrão, francesa. Ervilha; torta e a grã. É...Banana. Tem um pouco de fruta. Tem banana. Agora é uma época boa de morango. Entramorango. Tomate cereja; amarelo e vermelho. É... Chicórias. Três tipos de chicórias. É... Er-vas! Tem muitas ervas.Ab. As condições agroclimáticas aqui são bastante adequadas pra esse tipo de cultivo, não?Ev. São. São. Ajuda bastante.Ab. Mas precisa de muito trato cultural... pra produzir com a qualidade que é/Ev. Precisa. Precisa. (pausa). Precisa.Ab. No caso, o que você considera como fundamental pra... pra... Dos tratos culturais, o que éo mais necessário pra se fazer...

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Ev. Capina. É o essencial. Tem essas tecnologias, né? De colocar mauch; essa cobertura sobreo canteiro/Ab. Mauch é esse/Ev. Mauch é um plástico e tem dois tipos. Esse preto aqui. Esse preto é uma ráfia. Então, ela ébem grossa. Bem grossa. Então, a vida útil dela é, no mínimo, uns 5 anos. O custo dela é mui-to elevado pra gente plantar. Mas, vale à pena. Uma... uma vez ao ano comprar uma quantida-de boa; uns 1.000,00m, é bom. Pra isso é vantajoso. Agora, sempre tem a diferença, porquetem o plástico branco. Tem esse plástico e tem essa ráfia. Eles têm diferença. Isso aqui é umano só e olhe lá!Ab. Mas tem a diferença de indicação técnica pra um tipo de cultivo? O branco... pro um tipode/Ev. Ah, o branco. O branco... no verão, a gente usou mais o branco. A primeira vez que a gen-te usou esse branco. Porque ele dá mais luminosidade. Isso é importante pras plantas. Agora opreto também... O preto... o preto, ele é bom, também. Mas o preto, essa ráfia, eu acho elamelhor porque ela é mais grossa. Então, ela aguenta mais. Ela abafa mais o mato. Dependen-do do... dependendo da intensidade do mato, aonde for, se eu colocar esse plástico aqui, omato fura ele. Aquela lá, não.Ab. Porque passa luminosidade.Ev. Passa luminosidade, um pouco. Mas... é escuro também, mas tem luz.Ab. Aqui, especificamente, nessa coisa aqui, trabalham quantas pessoas?Ev. Na horta?Ab. É.Ev. Na horta, hoje, tem 7 funcionários; 7 auxiliar de produção. Eu, técnico. Eu sou técnico. OAdeilton é técnico. E tem a Gláucia, que tá fazendo pela experiência. Ela é técnica também.Ab. E... daqui vai... vai... é colhido e vai pra um outro departamento? (começamos a caminharem direção ao galpão de recepção das hortaliças colhidas).Ev. Isso. Eu colhi agora e vai pro beneficiamento. Lá eu vou pesar, agora, essa cebolinha. Ai,eu vou saber a quantidade de molhos que tem; que cada molho aqui é 100g. Aí eu vou saber aquantidade de molhos que tem e lá, ele já vai montar, que vai usar ela hoje pra montagem...pra entregar de amanhã.Ab. E ali são quantos trabalhadores? (8min e 8s)Ev. Lá, agora?Ab. Isso. Nesse setor.Ev. Nesse setor de galpão. Vamos... a gente vai... Assim de cabeça eu não sei, mas vamos lá,que a gente dá uma olhada.Ab. Isso aqui é chuchu, né?Ev. É. Isso aqui é chuchu. Eu vou olhar lá. Eu vou falar com a Marlene . (caminhamos emsilêncio por 7s).Ab. Isto tudo compõem a cesta?Ev. Isso! Compõem a cesta.Ab. Essa parte aí, você não controla, não? A de... de fazer cestas?Ev. Não, não, não. (8min e 41s). (Conversa alguma coisa com o estagiário do curso de agro-nomia). Aí o produto vem pra cá. Aqui, ele é selecionado e embalado. Ela faz a seleção. Em-balagem. Lavagem. Tem os tanques aqui pra lavar as folhas; produtos que levam água, né?Aqui é a montagem.Ab. A montagem das cestas?Ev. Isso. Aqui é a montagem das cestas. Aquela janela ali é o mezanino (aponta para umajanela num pavimento superior). Que é... Se não me engano tem 8 repartições; 8 duplas. Queas meninas vendem. Então, cada cliente/Ab. Ah, tá! Ali é o escritório; escritório de venda e de comercialização.

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Ev. Isso. Então, aqui funciona assim: o cliente, o cliente... pede. Ele pode escolher o que elequer, o que tem disponível. Passa uma lista, né? As meninas recebem um contato. Então, cadacesta é numerada. Aí, o cliente escolhe a maneira que ele quer... que tipo de produto que elequer, que tipo de produto que nós temos disponíveis pra venda e o que ele pretende... comerem sua casa. Então... varia... o produto aqui é bem diferenciado. Uma coisa é o mercado, né?Você vai no mercado em vez de você escolher, você recebe em sua casa.Ab. Entrega em domicílio.Ev. Entrega e domicílio.Ab. Com o... o meio de transporte é da própria/Ev. Própria empresa. Tudo aqui é nosso. Tudo aqui. Até chegar na casa do cliente tudo... todaa frota é do Sítio. Então... a gente tá bem ligado a esse... esse processo. Ele tá montando, ó; tátudo separadinho, tudo embaladinho. Ele tá com o mapa na mão. Tá conferindo o que cadacliente quer. E aqui: as câmaras frias. O produto quando é colhido, né? Vem pra cá. Aqui é acâmara fria de frutas, né?Ab. As frutas também são daqui, do Sítio?Ev. São. Algumas coisas são, mas muita coisa também a gente compra pra revender. De pro-dutores orgânicos.Ab. Ah, ele me falou isso. O que ele me contou. Aí, eu falei: Mas como é que o senhor conse-gue retirar tanta, produzir tanta... tem alguma tecnologia/Ev. Tem. Tem.Ab. Não! Não! Mas daqui pra. “Não, a gente trabalha com...”Ev. Isso. Parceiros; parceiros de fora.Ab. Compra de outro local pra revender, pra atender às cestas.Ev. Compra de outro local, mas aqui a gente tem parceiros em outras regiões. Um exemplo.Um exemplo. Cachoeiras de Macacu. Eu não sei cê conhece lá.Ab. Conheço.Ev. Lá é mais quente. Bem mais quente que aqui. Então, lá eu consigo produzir... eu consigoproduzir... e... legume, praticamente o ano inteiro. Quiabo, berinjela, jiló. O aipim vem de lá;a gente apanha aipim de lá.Ab. Porque aqui é bem frio pra/Ev. Aqui é bem frio. Bem frio.Ab. Deve demorar um ano e meio a dois, né?Ev. Um ano e meio a dois. Lá é mais rápido.Ab. Lá, deve ser seis meses.Ev. Aqui é a câmara fria de folhas. Ela é umidificada. Então, o produto não sofre...Ab. Desidratação?Ev. O estresse. Ele não fica estresse. Ele não tem estresse. Por quê? Ele não perde qualidade.Um exemplo: eu to com uma alface lá – tem chuva e não tenho cobertura pra alface. O lote tábom, excelente pra tirar. Se chover, pode melar a alface. Eu posso perder o lote. Às vezes vemuma chuva de granizo. Eu não tenho cobertura. O lote tá bom. O quê que eu faço? Eu pego...colhendo o lote, eu ponho tudo aqui dentro. Ele encaixado direitinho, eu ponho aqui dentro.Aqui, vai conservar ele uns 5 dias... 6 dias, até chegar na casa do cliente. Tranquilo. Não vaiter problema nenhum. Alface vindo com boa qualidade! Tranquilo. Excelente.Ab. E qual é o tempo de durabilidade? Você sabe o que ela suportaria aí, depois da colheita?Com a qualidade...Ev. Seis dias.Ab. Seis dias.Ev. Seis dias. Por aí. É basicamente esse...Ab. A temperatura ali é o quê; 15, 18?Ev. Ah, chega a... nove; 9º.

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Ab. Nove.Ev. Então, aqui o quê que ele fez? Isto aqui é um restaurante.Ab. Ah, uma entrega pra... pro Rio de Janeiro, pra restaurante.Ev. O foco é a zona sul do Rio.Ab. Inclusive, pro’s clientes domicialiares?Ev. São. Zona sul do Rio. E aqui em Petrópolis também tem. Tem bastante aqui, em Petrópo-lis.Ab. Ah, é!?Ev. Tem.Ab. Ele me disse que aqui não tinha quase nada.Ev. Têm! Eu acho que, se eu não me engano, dá uns 20 e poucos clientes aqui, toda semana.Ev. É. Isso não é uma quantidade pequena.Ev. Vinte e poucos clientes. Por aí.Ab. Você sabe o total dos cadastrados?Ev. Eu acho que fecha, semanal, 200 e... quase 300 clientes. Semanal. Se não me engano. Ameta é chegar a 400!Ab. Por semana?Ev. Por semana.Ab. Vocês produzem batata aqui, também, ou batata de vem de fora?Ev. Vem de fora. Batata vem de São Paulo. (14min).Agora a Marlene vai entrar na hora de almoço. Mas é uma boa. Agora é uma hora boa de falarcom ela. Na sombra. Cê quer ir no campo tirar foto? Como é que cê quer?Ab. Não. Isso aí eu posso fazer depois. Isso posso... até porque eu to com dificuldade aqui deperguntar e ao mesmo tempo ficar registrando. Eu já vi que isso não vai dar certo.Ev. Ah, tá.Ab. É melhor eu fazer as imagens sozinho.Ev. Depois, cê para e tal.Ab. É. Depois que eu parar de... de conversar. Porque se eu ficar... não, vou fazer uma. Nãovai sair nem uma coisa e nem outra.Ev. Porque agora é hora de almoço.Ab. Ah, se você achar que é adequado, eu posso conversar com ela. Mas, eu também não que-ro atrapalhar, não. Eu quero.../Ev. Não. Tranquilo.Ab. Eu quero... eu quero interferir o mínimo possível. (alguém passa e o Evandro pergunta:Conseguiu?). (Já caminhando em direção ao campo de cultivo novamente ao encontro daMarlene). O mínimo possível na rotina de vocês. (Caminhamos por 8s em silêncio). É. Só porcuriosidade. Na verdade, isso é curiosidade minha, mesmo. A... Vocês trabalham com semen-tes... produzem as... as sementes ou... ou compram mudas?Ev. Não. Não. A gente compra as sementes e produz a muda aqui.Ab. Hum... Tá. Eu pensei que a Rumi de repente fornecesse pra cá. Porque aí, não é orgânico,né?Ev. A Rumi tem orgânico. Eu compro semente dela, também. Compro muda, quero dizer. Devez em quando, quando falta aqui, pra mim, no meu escalonamento, quando falta, eu recorro aela. A dela é certificado também.Ab. Não. Eu sei.

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7.2.4 APÊNDICE B3: 3ª Entrevista - Marlene

Ev. Marlene! Por favor, vem cá! Deixa eu perguntar um negócio pra ocê!(Volta-se para mim). Seu nome é?Ab. Abilio. Tudo bem? (Cumprimento a Marlene).Ev. Ele é... está estudando... sociologia rural. Aí, ele quer fazer uma entrevista; conversar. É...sobre os funcionários mais velhos da horta. Conhecer. Conversar como é que é o dia a dia. Oquê que cê faz. O que cê gosta de fazer das coisas. Um funcionário mais velho e um mais no-vo. Mais novo é o Marcos. Depois, vai falar com o Marcos. De fazer essa entrevis... que aí,ele tá intermediário; tá batendo uma papo comigo, tá batendo um papo com o Edu.Ab. Já conversei com o Dick.Ev. Já conversou com o Seu Dick. Agora ele queria bater um papinho contigo. É coisa rápida;5 minutinhos. Pode conversar com ele?Marlene. Posso.Ab. A música clássica! Ele me contou isso aí.Marl. Risos.Ab. Como é o seu nome, mesmo?Marl. Marlene.Ab. Marlene. Cê tá trabalhando aqui, no Sítio do Moinho, tem quanto tempo?Marl. Ah, de carteira assinada tem 10 anos. Mas você já trabalhava antes?Marl. Já trabalhava antes. Então, o total, total da 14 ano.Ab. 14 anos.Marl. Isso.Ab. Aí, só depois do 4º ano que passou... mas essa... essa assinatura da carteira foi direto pratodo mundo ou foi especificamente/Marl. Não. Não. Porque a gente era meeiro.Ab. Ah, cês trabalhavam como meeiro!Marl. É. Aí, depois, eles botaram como empregada. Aí, foi melhor, né?Ab. Hum.Marl. Aí, eu to aí esse tempo todo. Eu cuido de erva.Ab. Você trabalha, especificamente, com as ervas.Marl. É. Meu trabalho é cuidar delas.Ab. E pra você teria... – essa pergunta é meio assim – mas teria alguma diferença... você tra-balhava antes como agricultora também?Marl. Isso.Ab. Mas era na produção convencional ou era sempre orgânica?Marl. Não. Era aqui mermo; orgânico.Ab. Ah! Era sempre aqui! Você começou no orgânico.Marl. É. É.Ab. Ah, tá! Então... eu vou te perguntar de qualquer forma, né? Teria pra você alguma dife-rença hoje se... Por exemplo, se o Sítio do Moinho fechar e tal. Se você tivesse que trabalharnum outro local que usasse é... agricultura da forma convencional?Marl. Aí, seria ruim, né? Ia ser difícil. Aí, eu nem ia mexer com isso aí, mais não! (Risos).Ab. Mas, por quê? Especificamente.Marl. Eu ia fazer outra coisa. Ah, porque faz mal, né? Não é bom, não. Se fechar o Sítio, euvou trabalhar de outra coisa. Não vou mexer com planta mais, não. (Risos).Ab. Não. Eu to falando só porque... é só numa hipótese, já que você...Marl. Não. É. Se um dia isso vier acontecer, né? Não dá, não. Além, nunca mexi com isso.Aqui é a primeira horta que eu trabalho.

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Ab. Você, antes, trabalhava com quê?Marl. Oi? Antes eu trabalhava em casa de família. Eu era doméstica.Ab. Ah, e veio direto pra agricultura...Marl. É. É. Aí, o meu marido veio primeiro, né? Aí, depois eu larguei a casa de família e vimtambém, trabalhar com ele. Aí, agora, ele saiu e eu fiquei.Ab. Vocês têm... é... podem... é... levar parte da produção pra casa? Como é que é?Marl. É. Quando eles liberam, a gente leva, né? Alguma coisa. (Risos). A gente sempre leva.Alguma coisa sobrando. Aí, eles dão pra gente.Ab. Mas, aí é... isso não faz parte assim, digamos da... da rotina: Eu tenho tanto... direito alevar por mês... Isso é só ocasionalmente.Marl. Não. Não. Não. Só se sobrar. É. Se sobrar...Ab. É no caso daquilo que não vai pra... pra... pra cestas, né? Por um motivo ou por outro nãovai pra cesta, aí...Marl. Isso, aí, eles libera e todo mundo leva.

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7.2.5 APÊNDICE B4: 4ª Entrevista - Marlene, Marcos e Evandro

Marc. O que tá mais ou menos.Ab. Oi?Marc. Isso que tá mais ou menos dá pra aproveitar. Isso que tá mais ou menos.Marl. Osch! Coisa boa! (Risos). A gente leva coisa boa.Marc. Só bota coisa, mas é coisa boa! Tá mais ou menos do lado, assim... Já num bota, quenão tem como. Aí...Ah. Então, tá. Então, especificamente, não tem uma parte da produção que seja voltada pra...pro’s trabalhadores daqui, não. Né? Por exemplo... tem uma areazinha aqui. Aqui todo mundoplanta e... é... é...Ev. Pra levar pra casa?Ab. É.Ev. Não. Não.Ab. Vocês são trabalhadores assalariados. E aí, se o caso de sobrar por um motivo ou de ou-tro, pode levar.Ev. Pode levar. Aí, a gente libera. Não tem problema, não. Colhi um lote. Sobrou algumasalfaces que não dá pra vender. Aí, eu dou pra eles. Gente, cês querem levar pra casa? Podelevar.Ab. Ou pra você também, né? Mas você mora aqui, mesmo!Ev. É. Eu moro aqui, mesmo.Ab. Ah! Só por curiosidade também: a maioria dos trabalhadores é... residem aqui ou residemfora? Ia perguntar isso pro... pro Thompson, mas ele falou com tanto entusiasmo de outrascoisas, que eu esqueci.Marl. (Risos).Ev. No nosso setor, que é a horta, três residem. O restante é de fora. Da redondeza; Itaipava,Petrópolis.Ab. E... mas, por exemplo: eu saltei, saltei lá no ponto final do... e vim a pé. Tem um trans-porte de lá ou vocês vão lá buscar?Ev. Tem Kombi. Busca, né. Tem a Kombi. Eles não sobem a pé, não. A gente busca; busca eleva.Ab. Ah, tá! Aí, leva até o ponto e...Ev. Leva até o ponto. Aí pega o ônibus e de lá vai pra casa.Ab. Quantas pessoas trabalham na horta?Ev. 10.Ab. 10. Aí... só três que residem aqui?Ev. Três residem aqui.Ab. Ah, tá. Beleza. Acho que... Eu tenho umas coisinhas aqui, anotada. Como ele falou, iaser... ia ser rápido. Ah! Eu te perguntar..! No caso quando um trabalhador entra de férias. Temalguém que é substituído ou faz um rodízio?(20min e 42s). Ev. Faz um rodízio. Porque... porque hoje tá muito difícil achar mão de obra.Tá muito difícil. Eu acho que... o homem do campo tá acabando! Tá ficando escasso. Tá aca-bando. Tá difícil achar uma pessoa que gosta de fazer isso aqui; trabalhar no campo. Tá difícilde achar. Difícil arrumar pessoas que queiram, que gostam deste tipo de trabalho.Mar. Também tem que gostar, né?(Há uma fala simultânea e, por isso, incompreensível, mas de poucos segundos).Ev. Tem que gostar! Se não fazer com amor e carinho não vai.Marc. Ainda mais essas coisas aí!Ev. É detalhesinho! É detalhe! Tem que gostar.Marc. Se o cara não gostar, não adianta. Que a pranta num se sente. Cuida dela direitinho. Ela

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se sente também. Ela vem bonita. Agora, tu cuido de mau vontade, ela se sente.Ev. É verdade.Marc. Qualquer pranta. Prantá também. Quando tu pranta com amor, elas vêm bonita quandotu ranca os mato. Agora, tu arrancá com ignorância, com raiva; até isso sente. Tem gente quepensa que não, mas elas sente.Ab. (voltando-me para a Marlene). Você tá me falando isso aí, especificamente, você veiotrabalhar aqui porque você tava só procurando um emprego. Não foi isso?Marl. Não. O meu marido veio primeiro. Eu tava empregada.Ab. Ah, você trabalhava com...Marl. Eu trabalhava de doméstica. Então, eu falei: Ah, vou pra lá também. Aí, vim pra cátambém.Ab. E o quê que mais te atrai pra você ficar aqui trabalhando?Marl. Ah, eu gosto do que eu faço. Eu gosto muito. Eu não sei fazer outra coisa, pra te falar averdade!(Risos).Ab. Ué, você não trabalhava antes/Marl. Não. Mas hoje se for preciso de eu ir pra lá, já é completamente diferente.Marc. Vai se enrolar um pouquinho, né? Porque a pessoa vai se acostumando aquilo/Marl. Eu gosto da terra. Eu gosto disso aí. Eu gosto do que eu faço. (silêncio).Ab. Tá legal. Como é seu nome? A gente tá conversando...Marc. Marcos.Ab. Marcos?Ev. Esse é mais um dos novo.Ab. Ah! E você veio pra cá foi como. Eu to perguntando por... por... o que te levou a... vim atrabalhar a aqui.Marc. É porque eu já passei aqui. Tem muito tempo já. Tem muitos anos já. Aí, eu vim procoisa que arrumar serviço aqui. Eu já trabalhei nisso, mas há muitos anos, né, cara!Ab. Mas, não aqui, no Sítio.Marc. Não. Não aqui. Mas em outros lugá. Eu era mais novo, né? Que eu mexia com isso aí,também. Já era novinho. Aí, deu pra esquecer um mocado de coisa.Ab. Ah, você ficou um tempo sem trabalhar na agricultura!?Marc. É. eu trabaiava mais em obra, sítio. Essas coisas assim; é o mais que eu pegava. Emhorta, memo, é mais é aqui.Ab. E no que você/Marc. E até que não tinha esses negócio aqui, era tudo... só canteiro de fora a fora, que a gentefazia as risca. Agora tá mais fácil. Tá a medida certinho. Tu vai embora. Mas de primeiro nãoera, não. Pô, que a gente tem a linha certinha. A quantidade. Quantos colocava. Mas era isso.Ab. É. Mas quando você trabalhava antes era agricultura convencional, né? Que utilizava to-dos/Marc. Quando eu vim pra cá?Ab. Não. Eu to dizendo, antes de você vim pra cá, quando você trabalhou como agricultor. Aagricultura que você trabalhava era a que utilizava... é... adubo químico, utilizava... é... produ-to químico pra controle de infestação?Marc. É. Tinha também. Era mais negócio de alface, das coisa que eles pranta aí.Ab. E aqui não tem nada disso. E aqui não tem nada disso, certo?Marc. Não. Tem esses negócio, sim. Que eles bota aí. Às vez eles mistura alguma coisa. Eraisso também que era... passado. Mas, muitos anos atrás também, né? Muita coisa. Eles mexiacom isso também. Esse negócio de líquido. Essas coisa assim.Ab. Pra você tem alguma diferença trabalhar naquela agricultura ou trabalhar nessa? Aqui?Não to dizendo, especificamente, o Sítio do Moinho, não. Nesse tipo de agricultura que é pra-ticado aqui. Se você... Que é praticada aqui e é praticada em um outro local, a mesma. Pra

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você teria alguma diferença trabalhar nesse tipo de agricultura ou na anterior? Antes.Marc. Não. Não. (silêncio breve). Fica tranquilo.Ab. Então, qualquer... A que vier, você topa!?Marc. É. Se sair daqui e tiver outro lugar, eu garro assim mesmo, também. Num esquento,não! Que é um serviço que eu gosto também. Morei muito pro lado da roça. Então, gosto demexer com essas coisas também. Qualquer coisa. A gente vai fazendo! A gente não sabe, agente aprende. Eu não sei mexer com isso, não! Porque eu sou sincero. Eu falo memo! Ó, eunão sei mexer com isso, não. Igual eu vim: “Ó, sabe mexer com isso”? Eu falei assim: “Maisou menos”. Que tem gente que fala que sabe pra pode pegar o serviço, né? Aí, depois o cara...Ah, pega, faz aquilo ali: “Eu não sei, não”. “Ué, tu falou que sabe”! Fica meio chato. Eu jásou sincero. Isso eu sei. Isso eu não sei. Igual o Sítio. O cara fala assim: “Tu sabe mexer compiscina?” “Isso, eu não sei, não”. “Mas o restante tu sabe”? “O restante tu pode botar na mi-nha mão que eu desenrolo tudo”. (silêncio breve). É, ué! Né!? Tem que ser... É, ué! Num sei.Agora, eu vou fala: “Eu sei mexer com piscina”. Aí, o cara fala: “Hoje, tu lá vai mexe compiscina”. “Ih! Eu não sei, não”! “Ué!? Tu não falo que sabia”!? Aí, eu vou fica meio lá meiocá! O cara vai vê que eu já num tira. Era cá que começa. Então, eu falo a verdade.Ab. O... Uma pergunta pra Marlene, aqui, que tá me ocorrendo. O seu marido trabalha aindaaqui?Marl. Não.Ab. Não trabalha mais, não? Hoje, aqui. o quê que mais te atrai pra trabalhar aqui, na locali-dade, no Sítio do Moinho?Marl. O que me atrai?Ab. É. O que você mais gosta, assim, que... que... o que te mantém aqui, né?Marl. Ah! Porque eu gosto também, né?Ab. Desse trabalho...Marl. Gosto. Gosto. Aquilo que eu te falei, eu não sei fazer outra coisa. Eu gosto. (silêncio). Eé isso.Ab. É... Eu perguntei pra ele e... aí... pra ter mais dado – apesar de eu não tá trabalhando comestatística – eu vou perguntar pra vocês também. Cês são chamados a... a decidir alguma coisado quê plantar, como plantar? Ou apenas recebem as instruções de, de... Ah, hoje, eu vou terque trabalhar aqui. Hoje, você trabalha aqui. Amanhã, vai ser ali. E tal. Ou você tem... Não.Eu queria trabalhar lá, no outro canto, por causa disso, disso, disso... Vocês chegam... vocêschegam a sentar pra discutir... é... o que vão... o que vão... trabalhar; no que vai trabalhar ou éuma decisão que vem da administração e vocês cumprem essa decisão?Marl. Ah, na verdade, eu só cuido das minhas pranta, né? Às vezes, o Evandro precisa de mimpra fazer um outro serviço. Eu largo elas e vou fazer o outro serviço.Ab. Ah! Então, tá. Era isso que eu...Marl. Na verdade, memo, eu só fico com elas. Entendeu?Ev. Quando a gente aperta um lado, eu recorro a ela.Marl. É. Aí, eles me chamam. Eles me chamam. Porque nas ervas, só eu que mexo. Eles me-xem só quando eu não to final de semana; sábado e domingo.Ab. Então, você é a responsável pela parte da erva, de ervas.Ev. Todinha.Ab. Oi?Ev. Todas as ervas é por conta dela.Marl. É. Aí, quando eles se atolam, eles precisam de mim. Aí... aí, eu vou lá. Aí, eles me pe-dem. Aí, eu vou fazer.Ab. E tem mais alguém trabalha contigo nas ervas?Marl. Não. Sou eu. (risos).Ab. Não mexe nas minhas ervinhas, não! (risos de todos).

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Marc. A gente não pode nem mexer! Se mexer, ela zanga também! “Não. Não. Aqui é sómeu”!Marl. Sábado e domingo eles mexe. Que aí é minha folga. Mas de segunda a sexta sou eu.Ab. Só pode eu e o dono, né!? O dono porque é dono!Marl. Risos e gargalhadas.Marc. Se tiver mais um olhando: “Opa! Minhas prantinha, aí, heim”!Ab. Olha esse olhar! Tá meio torto pra cima das minhas...Marc. Tem que olhar com amor, também! Se não as minhas pranta fica feia!Marl. É verdade! (risos). Não. (Referindo-se ao Marcos). Às vezes ele também me ajudaquando eu to enrolada aí. Que às vezes saiu muita coisa. Inclusive, hoje, né? Terça e quinta éo dia que sai mais erva! Ái, na terça-feira passada ele me ajudou. Um ajuda o outro, né?Ab. Cê tá trabalhando aqui com essa música?Marl. To. Que a música vai na horta toda! (risos).Ab. Ah, tá na horta toda!Marl. Não. Assim. Dá pra escu, dá pra ouvir...Ab. É... num tem a ver, mas... com o meu trabalho, especificamente, mas isso é uma... umaquestão de ambiente de trabalho. Quê que cê achou da música? O quê que cê tá achando detrabalhar com a música? Te incomoda? Cê tá achando bom?Marl. Não incomoda, não! Tá bom.Ab. Você percebeu alguma diferença na... no... crescimento da planta com a...Marl. Ainda não, né? Ainda não tem diferença, ainda não, porque tem pouco tempo, né? Co-meçou essa semana. Não foi? (Volta-se para o Evandro). Foi essa semana.Ev. Começou quinta-feira da semana passada.Ab. Você já conhecia esse tipo de música?Marl. Não.Ab. Nunca tinha ouvido?Marl. Não.Ab. O quê que cê tá achando?Marl. Ah! Pra’s pranta vai ser bom! (gargalhadas).Ab. Não. To dizendo pra você, né? É. Cê tá gostando das músicas? Não tá gostando?Marl. Num é tão ruim, não! Mas também num é tão bom! (Gargalhadas).Marc. Vai levando, né?Marl. Dá pra levá.Ab. Você preferia o quê?Marl. Ah, uma sertaneja! (Gargalhadas).Ab. Tá certo.Marl. Uma sertaneja. Um forró.Marc. Porque também se tiver a música e o cara não cuidá das prantas direito. Também nãovai. Tem que ser os dois, ué! A música e nós, né!Ab. Rum. Rum.Marc. É, ué. (Risos da Marlene). Se tiver só a música e não cuidá direito elas não se sente!Num sentido. Tu tem que cuidá com carinho, também.Ab. Você tá trabalhando aqui há quanto tempo, Marcos?Marc. Ah, tem poucos tempo. Tem um mês, só.Ab. Tá ainda em... em... estágio.Marc. Na experiência.Ab. Estágio probatório?Ev. Quem?Ab. Ele. Tem esse esquema aqui?Ev. Tem. Tem um período de experiência. Ele tá no período de experiência. A pessoa, ele

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veio, fez uns testes com a gente, de diária. Aí, a gente gostou do serviço dele. Ele gostou doambiente. Contratamo ele por um período de experiência por 90 dias; 45, 45.Ab. Aí, com as mesmas... cumprindo as mesmas normas da legislação trabalhista? Carteiraassinada. Horário.EV. Tudo certinho. Tudo certinho.Marc. Tudo na benção.Ev. Aí... depois passou esses 90 dias, já tá efetivado. Já é contratado.Ab. Cê tá há quanto tempo? 30?Marc. É. Eu acho que vai fazer ou... fez.Ev. Vai fazer por aí.Marc. É. Vai fazer, vai fazer.Ab. Bem, pessoal. Olha só, eu queria agradecer muito vocês. Assim, no geral, porque... coisasna minha cabeça vem, mas eu que vocês tão no horário de almoço e também eu não queroatrapalhar. Mas, pra minha pesquisa, especificamente, tá mais que... bom. Tá. Eu queria agra-decer. Marlene, né? Sucesso pra vocês.Marc. Volta sempre! Volta sempre!Ab. Tá legal!

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7.2.6 APÊNDICE B5: 5ª Entrevista (1ª parte) - Eduardo

Transcrição da entrevista com o engenheiro agrônomo, Eduardo da Costa Guimarães, do Sítiodo Moinho Alimentos Orgânicos, localizado na Estrada Correa da Veiga 2405. Santa Mônica– Itaipava – Petrópolis – RJ.Local: Escritório. Data: 08-abr-2014 Duração: 34min e 24s.

Ab. Tentar... é... deixar... as nossas conversas agrícolas.../Edu. De lado.Ab. É! De lado! Ou um pouco mais na tangente, apesar de... pra mim acaba sendo difícil.Acho que pra nós dois. Mas, primeira, primeira coisa: Você é formado em agronomia. Não éisso?Edu. Formado em agronomia.Ab. E o teu nome é o quê? Eduardo?Edu. Eduardo da Costa Guimarães.Ab. E... cê exerce qual a função, especificamente, aqui no Sítio do Moinho?Edu. Hoje, eu... na verdade eu tenho um (1) mês que eu não sou mais funcionário do Sítio. Eusou um consultor do Sítio. É... Eu sou um prestador de serviço. Eu era gerente de produção. Oagrônomo responsável por toda área de produção. Por toda parte de compras e pelo galpão debeneficiamento de produtos. Mas, de 30 dias pra cá eu mudei a minha relação, por uma neces-sidade particular minha. E aí, eu tive que sair, mas continuo atendendo o Sítio como um pres-tador de serviço. É... três vezes na semana. Ainda tenho uma responsabilidade com o pessoaldo campo que ainda não tem nenhum... não entrou pessoa ainda pra substituir.Ab. Então você tá nesse/Edu. É. Ainda... ainda... Por mais consultor que eu seja hoje – não seja funcionário do Sítio –eu ainda... as pessoas ainda me reconhecem como o responsável pelo setor. Né?Ab. Por falar nisso. Você tava já trabalhando aqui há quanto tempo?Edu. Trabalhando no Sítio há 7 anos, já. São 7 anos de trabalho.Ab. Assim que se formou? Aí, veio pra cá?Edu. Não. Eu formei... tive um tempo de experiência... numa ONG. É... com produtores naminha cidade. Magé. Com a... assistência técnica também. E aí, depois de um ano e pouco, euvim pro Sítio. Conheci o Sítio e trabalhei aqui.Ab. É uma coisa que eu queria que o... o Seu Dick tivesse me falado, mas acabou não dandotempo. Quando eu perguntei, ele começou a falar, mas veio uma outra coisa e aí... eu... o des-viou da... na.., ele tinha também indicado pra eu conversar com o... acho que é o gerente geral,né? Tem.Edu. Tem. Tem um gerente geral.Ab. É. Mas a disse que ele tá viajando. Ele não tá aqui. Você como é que tá organizado a es-trutura de produção aqui, no Sítio? Eu to tentando entender isso. Pra mim seria importante.Quais são os cargos. Como é que tá organizado. Eu sei que seria ele, talvez, a pessoa maisindicada, mas como já aqui há/(2min e 40s). Edu. Eu consigo te responder isso. Como é que funciona aqui? Na verdade, sãoduas empresas aqui, né? Então, eu não trabalho, eu não trabalhava no Sítio do Moinho. Ocampo, o... vamo botar assim, a horta, é... a pessoa física do Senhor Dick, John Richard Lewi-es Thompson. Nós trabalhamos pra pessoa física; pro produtor rural. Então, o campo é produ-tor rural; CPF .O Sítio do Moinho: ele é apenas embalador dessa mercadoria que vem do produtor rural. OSítio compra do produtor rural. Embala. Beneficia. E vende pro seu cliente final. Então, oSítio tem uma outra estrutura, que é muito mais complexa do que a do campo. Então, o cam-po, uma empresa à parte, que tem o seu responsável técnico, o agrônomo, que seria e... no

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caso era, era eu! Com os seus técnicos agrícolas, num nível mais intermediário, e com os seusfuncionários de auxílio de produção. Que é o pessoal que trabalha na horta.No Sítio do Moinho é um pouco mais complexo, né? Você tem aí... subdivisões, que vai des-de o DP, gerente geral, o DP. É. Setor comercial. Setor de compras. É... estoque. É... galpãode beneficiamento. E... logística.Ab. Que é o transporte?Edu. É. Toda a logística. Transporte. Faturamento de nota. E representante de venda.Ab. Então, é uma... uma empresa como... outra qualquer.Edu. Isso. Como outra qualquer.Ab. Então, aqui, na verdade é um Sítio que tem... que tem... duas empresas... é... no mesmolocal. Sediada no mesmo local.Edu. Isso. Hoje, pra complicar um pouquinho, são três.Ab. Ele me falou alguma disso, mas...Edu. Hoje: é o Produtor Rural, pessoa física. Sítio do Moinho. O Sítio do Moinho... o Sítio doMoinho nem é a mais a... a... era o embalador. O Sítio do Moinho, agora, é o responsável pelaimportação de produto. Tudo o que é importado, entra pelo Sítio do Moinho. E o... SDM Co-mercializadora, uma empresa nova que a gente criou, foi criada, virou o embalador de produ-tos.Ab. Então, todo esse processo que eu vejo/Edu. Ali embaixo.Ab. A partir do momento que sai da horta e chega ali embaixo é feito pela...?Edu. SDM.Ab. SDM Embaladora?Edu. Comercializadora.Ab. Comercializadora.Edu. Ela embala, beneficia e vende. O Sítio do Moinho que sempre foi a... a única, né? Ela foideslocada pra ser a representante da importação. Pra ser a... a... operar com a importação.Ab. Pô! Então, vamu tentar fazer como o esquartejador, né; por partes. (Risos). Na parte... daagricultura. É... é... você disse que é a... a... essa primeira empresa...Edu. John Richards; é o Produtor Rural.Ab. É o Produtor Rural. Mas isto tá registrado é... como pessoa física ou..?Edu. Pessoa física.Ab. Pessoa física, né?Edu. Inscrição estadual.Ab. E tem quantas pessoas trabalhando para a pessoa física? Porque ele, ele não trabalha comenxada, essas coisas.Edu. Não. Não. São... hoje são 10 pessoas.Ab. Dez pessoas?Edu. Dez pessoas.Ab. Que trabalham na produção das verduras.Edu. Na produção das verduras.Ab. Na olericultura, especificamente.Edu. Isso! É isso, aí.Ab. E todas com carteira – já me falaram – assinada?Edu. Todas. Todas. Aqui, no Sítio do Moinho... é regra, né? Via de regra você vai botar emtodas as empresas, né? Dentro do grupo é carteira assinada. Tudo dentro da lei trabalhista.Ab. Ah, tá. Porque... não... não existe uma... uma legislação específica do trabalho pra a agri-cultura orgânica, não?Edu. Existe. Existe a que é. Na realidade, não existe uma específica. Existe o seguinte: na... aagricultura orgânica tem que respeitar a lei trabalhista. (silêncio breve). Que faz. Não tem

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porque inventar dentro do... ela tem que tá de acordo com a lei trabalhista. Nenhum... A gentevia muito relações de trabalho que (breve silêncio), de empresas que não tinham os seus pro-fissionais é... os seus funcionários com CLT e tal. Dentro da lei, né? A lei de orgânicos, elanão pode liberar os certificados se... não tiver com os... os funcionários registrados de acordocom a lei.Ab. E esses trabalhadores aqui tão registrados como o quê? Como agricul. É. Trabalhadoresrurais? É essa que é a categoria, reconhecida? (silêncio breve). Ou você não sabe?Edu. Aí, acho que até tá... a nossa categoria tá mais voltada pro... a categoria do... de alimen-tos.Ab. Então, o pessoal que trabalha produzindo ali na horta e tal... não é como... é... (silênciobreve). Não é um agricultor assalariado. Seria um... uma outra denominação.Edu. É. Auxiliar de produção! Tem uma outra... a gente tá ligado ao, associado ao... sindicatodos, de alimentos, né? Então... tem uma outra linha de... (silêncio).Ab. E com relação. É. Aí... Nessa, especificamente, tem você como o... o... como se fosse umcapataz, não é isso? Naqueles (fala irônica), naqueles termos antigos que a gente conhecia daagricultura. (Risos). Que é um coordenador geral da produção.Edu. É. Hoje... sempre. É. Continuo sendo, né? Um coordenador de produção.Ab. Aí, você coordena um grupo de 10 trabalhadores. Sendo que o cara que tá logo abaixo devocê na hierarquia dessa coordenação é o... o Evandro, que é o técnico agrícola?Edu. É. Aí, eu tenho dois apoios, né? A gente trabalha com dois, um tripezinho, que é oEvandro e o Adeilton. São dois técnicos agrícolas que... desenvolvem tarefas mais executivasque, com o pessoal do campo, né? Então, a gente... Como eu não to muito no campo. Então,eles são... esses caras que tão levando a execução do trabalho pros demais.Ab. O planejamento do trabalho é... o que vai ser produzido, como vai ser produzido e comovai ser comercializado. É... você faz parte dessa... desse processo de discussão ou você recebeuma orientação que vem de um superior pra fazer isso?Edu. Não. Na verdade, sou eu que faço também, né? Como funcio, a gente...inicialmente agente sa... é... (breve silêncio). A gente recebe informação do... do que... da... da quantidadeque o setor comercial consegue vender e o que precisa, né? Pra atender os clientes. A gentetransforma isso em metro quadrado (m2) no campo. Transforma isso, no viveiro de mudas,em bandejas de muda. E... Agora, o que vai ser produzido aqui, dentro do Sítio, é uma discus-são interna que envolve o campo, eu, né? Os diretores, os donos, né? E o gerente geral. E umconsultor também, de fora. A gente tenta enquadrar aquilo que a gente quer produzir. Tentachegar num consenso do quê que é a... do quê que os donos gostariam de ver e o quê que é...que tem um rendimento bacana e que é possível plantar na nossa área.Ab. Mas isso é voltado pra atender a mercado. Não é necessariamente pra atender a vocêsprimeiro como/Edu. Não. Ao mercado. Ao mercado. Não.Ab. Tá. Era isso que eu... eu tinha uma dúvida com relação a/. Aí, o resto dos outros trabalha-dores, né? No caso, é você e... e os dois técnicos. Então, são 7 trabalhadores que trabalhamcom... com... Então, eles participam de alguma forma de decisão disso ou só são executores?Edu. Não. Essa decisão, não. São executores. Eles participam de outras coisas, né? Aqui temum modelo bem participativo. Aqui, na atuação na horta. Participam em... ideias, sugestões,em modelos de plantio, manejo. Aí, o pessoal é... pariticpa.Ab. Mas vocês os convocam ou se eles têm alguma coisa.... opinião a dar, alguma coisa a fa-zer/Edu. As duas coisas. As duas coisas. Existe... um pessoal que... tem uma capacidade de...de...de expressar a suas opiniões rapidamente. De pronto. Então, a qualquer momento tá falandocontigo. E tem aqueles momentos que a gente faz reunião...que alguns são mais tímidos. E aí,eles conseguem naquele momento é...é... se colocar também. Mas é livre acesso; a todo mo-

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mento, ele tá podendo falar, sugerir.Ab. Essas reuniões. Os objetivos delas quais são? É. Elas acontecem é/Edu. Avaliar, avaliar o serviço em geral. Avaliar o nosso trabalho, né? Avaliar o que a gentetá fazendo. A forma que a gente tá fazendo. Como todo mundo tá... como é que tá o andamen-to do pessoal, também. A nível pessoal...no serviço, né? Se tem algum problema. O dia a dia;procedimentos do dia a dia, memo.Ab. E... sabe a frequência disso?Edu. A gente faz uma vez por mês. Não tem uma... não tem uma necessidade... Não tem umadata marcada, agendada. Mas muitas vezes até acontece antes. Mas... o prazo mínimo, assim,é 30 dias.Ab. Geralmente, um dia dá pra... dá...Edu. Uma hora, né!? Nem um dia! É meia, meia hora de reunião; bem objetiva; todo mundoconversa e fala. Meio-dia do nosso serviço. Meio-dia, 1h do nosso expediente. Não é um ex-tra.Ab. Em relação a... instrumento de trabalho. Qual é o principal instrumento de trabalho aqui;no campo, na produção?Edu. Aqui? (suspira profundamente). Ah, depende do funcionário! A gente tem assim, comotem... (silêncio e outro suspiro) umas atividades específicas pra cada funcionário. Então, temgente que só capina; tem um trabalho mais de capinar. Então, esse cara trabalha muito com aenxada. Aí, tem o cara que trabalha com o maquinário, né? Com trator, microtrator. Aí, sótrabalha com esse maquinário.Ab. O microtrator seria pra... pra feitura dos canteiros?Edu. Feitura dos canteiros. Carregar produto, né? O que colhe, carregar. Tem um pessoal quetrabalha muito com... com pulverizador costal.Ab. Mas o quê que é?Edu. Pra controle de, é calda alternativa, adubação. Mas assim, se fomos falar da ferramentamais utilizada: é a enxada. É a enxada. É o que a gente mais usa.Ab. Vocês fazem adubação foliar?Edu. Foliar também.Ab. Já to eu entrando na... (risos).Edu. Também. A gente, né? (risos).Deixa eu ver aqui se não eu me perco... Ah, tá! Bem, eu acho que da parte específica, pelomenos do que eu to me recorrendo aí, do... do... da parte da produção, eu acho que, eu achoque é isso! Né? Acabei de perguntar sobre adubação foliar e... Aí, depois que esse foi o pro-cesso (risos) é feito aí, vem pra essa segunda empresa que agora é a de embalagem, não é?Edu. Isso.Ab. Aí, você sabe – pegando a mesma questão, né? – como é que tá estruturada e quantas pes-soas têm trabalhando?Edu. Aqui no galpão de beneficiamento a gente tem (silêncio breve) 7 pessoas. Sete pessoasali pra produzir o produto e... montar as cestas pros clientes. De 7 a 10 pessoas. Tem todo umprocesso. Chegou no galpão, seleciona, limpa, lava, embala e... despacha na cesta do cliente.É assim que se faz.Tá em torno de 10 pessoas fazendo isso. (silêncio longo).Ab. Mas tem. Como é que tá organizada, assim, a estrutura. É... É. Você já falou, né? É...chegado, pesado.Edu. Chegou e... a horta. A produção entrega o produto - tem um setor chamado de setor derecebimento; ele recebe esse produto. É... dá entrada no produto. Esse produto vai para a câ-mara fria. Esse produto, à medida que o pessoal do galpão de beneficiamento for precisando,o... o galpão vai sendo alimentado com esses produtos, dando baixa no estoque da câmara eeles vão começar a fazer um trabalho de lavagem, secagem. Alguns produtos são pesados,outros são molhos, outros são unidades. Então, eles preparam. Eles pegam um produto; maté-

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ria-prima e fazem produto acabado! É. Beneficiam. Transformam em produto acabado. Esseproduto acabado vai pra um outro setor, que é o setor de despacho da cesta do cliente – cadacliente tem um número específico; de 1 a... quantos clientes forem; 10, 40, 50, depende dodia. As cestas são personalizadas. Então, o que o cliente pediu, a gente vai entregar pra ele –tendo o produto. E esse produto que entrou matéria-prima e foi transformado em produto aca-bado, ele vai sendo despachado na cesta do cliente de acordo com aquilo que o cliente pediu.E automaticamente essa cesta montada, finalizada, ela volta de novo pra uma câmara fria dedespacho. Onde tudo fica acondicionado em temperatura baixa e... depois vai pra um cami-nhão, que também é refrigerado. Que por final, vai pra casa do cliente.Ab. Só por uma curiosidade. Essa temperatura baixa é o quê: 10, 15 graus?Edu. Cinco. 5 graus. Abaixo até de 5.Ab. O transporte também?Edu. Também. Tudo do mesmo padrão. Temperatura padrão.Ab. Esse processo todo é feito por quantas pessoas?Edu. Então, sai de um balcão de beneficiamento de 7 pessoas a 8. Pro uma... de um galpão demontagens das cestas que é feito por 2 pessoas. Depois vai entrar num processo de cadeia delogística que é feita por mais 2 pessoas. No máximo 12 pessoas. Aí, tem as partes mais buro-cráticas. Que á a parte da... faturamento de nota, que é um outro setor que nada envolve com aprodução. Então... é paralelas, né? Alguém que emite pedidos, que é o setor de vendas. O se-tor de faturamento fatura nota. Enfim, funciona dessa forma.Ab. Relações pessoais?Edu. Não. Não temos... Você diz o quê, um SAC?Ab. Departamento pessoal.Edu. É. O departamento pessoal é muito em função da, da contratação dos funcionários, pa-gamentos. Não tem muito a ver com a... o ciclo de operação. É muito mais a, a... é, é... a parteda empresa que trabalha com os salários intern, as pessoas internas; os funcionários.Ab. O pessoal do transporte pertence a... a...Edu. À empresa.Ab. ...a qual área? A área de comercialização?Edu. Sim. Hoje a gente tem 10 pessoas; 10 no produtor rural. (silêncio). Botar aí uns... 55 a 60pessoas na comercializadora. Na de exportação deve ter duas pessoas, no máximo. Ab. Exportação que você diz aquele transporte?Edu. Importação! Desculpe. Da importação.Ab. Importação que seria o Sítio do Moinho?/Edu. Sítio do Moinho. Isso.Ab. Que fazem os contatos de/Edu. É. Pra existir a empresa.Ab. No total tem quantos trabalhadores aqui?Edu. Deve ter uns 70, entre 70 e 75 pessoas.Ab. É. Porque eu conversei com a garota e ela falou mais ou menos isso. Mas no... eu... euimagino. Eu falei, pô! O Sítio do Moinho deve ter um portal. Aí, eu resolvi entrar ontem. Aí,tava lá falando 53 pessoas.Edu. Então, é. Deve tá atualizado agora, então.Ab. Não. Ela disse que acha que tá equivocado.Edu. Ah, é!? Tudo bem. Deve ser essa parte que eu te falei, né? Que a gente não fica. Sempresai bastante... Sai. Entra. Da, da um fluxo que saiu, então...Ab. Aqui tem uma... uma.../Edu. Rotatividade?Ab. É. Rotatividade de mão de obra. Grande?Edu. Tem, tem.

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Ab. Principalmente onde? Na... na... na... na parte da produção do campo?Edu. A produção... A produção... ela tem uma rotatividade pequena. Não é tão grande, não.É... mas existe. No... Como hoje tem pouca gente, a... é muito mais representativo no... noSDM. Na comercializadora. Sai bastante gente. Entra. Renova bastante.Ab. Você sabe qual é o principal motivo do pessoal de... Entrar, geralmente, é procurandoemprego, né? Aí, é... [o motivo] a mais de sair.Edu. Ah! Isso tem vários fatores assim. A gente vai ouvindo durante a... o tempo que a gentetá aqui, né? Tem gente que consegue um serviço mais próximo de casa, né? A gente tem umfator aqui que é a distância, né? Não tá próximo assim... não é um lugar tão próximo...Ab. Próximo que você fala é da residência dos trabalhadores?Edu. É. Da residência dos trabalhadores. É... muitas das vezes não é... é por objetivo profissi-onal também, né? Querer fazer outra coisa. Aqui é uma empresa de ramo alimentício que agente, tipo.... Não... não tá voltado pra isso. Tá por uma necessidade de trabalhar, mesmo.(breve silêncio). No campo é muito. Hoje, no campo, na área de produção, é muito porque... agente não tem muito mão de obra de campo, né? É... o status da mão de obra do campo é mui-to ruim, né? A pessoa que trabalha no campo tem um status bem, bem ruim. Apesar de muitasvezes em... em termos financeiros... melhor do que muito outro emprego aí. Na cidade! Eacaba que cê não consegue fixar uma pessoa. Cê não tem mais hoje, trabalhadores de campo,né? Você não consegue tra...Ab. Trabalhador rural.Edu. É. Não tem mais trabalhador rural. Cê tem gente que vem e aprende a fazer o serviço e...é... mas muitas das vezes não é aquilo que ele quer. Ele tá aqui por um... uma necessidadepessoal que depois que ele acha um outro lugar, ele vai. Esse é um dos problemas que a gentetem.Ab. Não, cê falou uma coisa que eu nem tinha parado pra pensar. Não ia nem perguntar, mastocou num assunto, né? Você disse que às vezes a... a... a condição de salário é até melhor doque... é... fora. Qual é a faixa salarial desses trabalhadores do... que trabalham na produção, nocampo?Edu. É. Aí, depende do nível. Um novato, ele sempre entra com um salário mínimo, né? Masa gente tem esses salários abaixo de salário e meio, dois salários. Aí, depende do... do profis-sional, né? Quanto tempo ele tá.Ab. É o caso desse rapaz que entrou? O Marcos, não é isso?Edu. Isso.Ab. Ele entra com salário mínimo.Edu. Isso.Ab. E o... e ele tá aqui tem um mês, né?Edu. Isso.Ab. O caso da... – vamos pegar os extremos – é o caso da.../Edu. Marlene.Ab. Marlene! Tá aqui há 14 anos. Ela me falou que trabalhou 4 anos como meeira. E aí, de-pois, 10 anos que ela tá como trabalhadora com carteira assinada e tal. Qual é o salário dela?Edu. Marlene deve tá aí com uma faixa de 1 salário e meio, fora as... os benefícios que... é...incluem... o... o tempo de trabalho, né?Ab. Ah, tá.Edu. Mas essa... Uma faixa de salário mínimo. Que não é muito, né? A gente tá aqui falandoque, realmente, tem uma... (silêncio breve). Um, um... não tem também tanta... (silêncio bre-ve) perspectiva, assim, tão rápido, né? Não é tão, tão rápida a... a mudança, né? Isso é umcomplicador também.Ab. É... só. Me ocorreu o seguinte: Aqui tem a panificadora, né?Edu. Ah, ram.

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Ab. É... a panificadora pertence a qual.../Edu. A SDM.Ab. Também. Aí, na... na panificadora trabalha mais quantas pessoas ou esse pessoal todo quevocê falou é outro grupo?Edu. Não. O grupo de 65 a 70 inclui a panificadora.Ab. Inclui a panificadora. Tá.Edu. Eu não sei dizer quantas pessoas tão na panificadora. Eu não sei, mesmo. Deve ser numafaixa de 6 pessoas, 7. Acho. Exatamente, não sei.Ab. São o quê? Padeiros?Edu. Se eu não me engano, são dois padeiros, dois ajudantes de padeiro. Os outros cargos eunão sei te falar. O auxiliar de produção. Não sei, não sei como é que é a definição dos cargosna panificadora. Não sei te dar essa informação.Ab. Cê chegou aqui no Sítio como?Edu. Eu cheguei... é... Um amigo trabalhava nessa área de orgânicos, também, aqui, em SãoJosé do Vale do Rio Preto. E ele viu um anúncio de uma pessoa (breve silêncio). Que tinhaum consultor do Sítio... é... ou que, o consultor que ajudou a montar o Sítio tava procurandoestagiários. Aí, eu mandei o currículo pra ele. Fui entrevistado (breve silêncio). Fui o último aser entrevistado. E fui selecionado por ele. E to aí, desde então. (simulação de riso).Ab. Ah. Então foi por um outro/Edu. É. Foi por um consultor, né? Geralmente os funcionários que trabalham aqui na parte da– os técnicos de campo, né; agrícola, agrônomo – são... são... são selecionados pela consulto-ria. Hoje a gente tá selecionando uma pessoa. Eu também fiz parte da seleção dessa pessoa,através do consultor, também.Ab. Só por curiosidade. Você conseguiu, tá conseguindo ganhar o salário mínimo do agro-nômo? (risos).Edu. Não. Não. Não consigo. O teto, né?Ab. É. O teto, no caso. (silêncio). Deixa isso pra lá! (risos).Edu. É um complicador. (risos). Difícil essa relação, né? Bem complicado.Ab. Eu nem sei quanto que tá hoje! Quando eu estudava/Edu. 6 salários.Ab. Quando eu estudava eram 8, cara! Baixou!?Edu. Não, acho que.Ab. Eram 8. Eu me lembro que o pessoal, o pessoal falava de 8 salários mínimos que era omínimo, o salário mínimo do agrônomo.Edu. Se não me engano eram 6 salários mínimos. Sai a 4.000 e pouco, 300. Mas não vai a issoaí. Cê tem outras formas de ganhar. E não em carteira, né? Em carteira, não.

O telefone tocou e a entrevista sofreu uma pausa com a interrupção da gravação, sendo reto-mada do ponto de pausa.Ab. Encerrar. É... eu fiz essa pergunta pro, pro Dick também. Mas, de repente, como vocêtrabalha direto, cê tem uma outra visão. Ele falou muito no geral. Qual é o principal problemaem termos de mão de obra... aqui? É... pro Sítio contratar um trabalhador?Edu. No campo é... é... achar trabalhador rural. E... e... pagar o valor. Pagar o valor. Esse é umproblema.Ab. Pagar o quê? O valor oferecido?Edu. É. O... o... o trabalhador aceitar o valor. Esse é um... principal. Porque se for de longe, oSítio dá moradia, né? Enfim. Mas o problema é achar esse trabalhador que tá cada vez maisescasso. E... quando achar é... negociar o valor. Na parte da SDM, da comercializadora (silên-cio longo; 4s) é o objetivo profissional, né? De querer trabalhar numa empresa de ramo ali-mentício, né? Não são... não temos tantos espaços aqui pra... de uma empresa de... de... de

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área urbana, né? Empresa de área rural. Então, é difícil enquadrar as pessoas nesse... nessalinha aí.Ab. Precisa ter uma formação prévia pra... pra... (silêncio)/Edu. Trabalhar na SDM?Ab. Tanto, tanto no campo/Edu. Não. Não.Ab. Ou embaixo na... na SDM?Edu. Depende. Depende do cargo, né? Se for um cargo específico, sim.Ab. Agrônomo! Técnico agrícola.Edu. Técnico agrícola. Pessoal que trabalha no financeiro, na... administradores. Nutricionis-tas. Isso é. Agora, na, na... quando falamo, quando falamos de auxiliar de produção é... é ge-ral, né? É... qualquer um. Em algumas áreas pedem 2º grau, outras não. Ensi fundamental.Tem uma diferença.Ab. A... a... você falou em... se o trabalhador mora longe tem... tem... aqui tem... residência? Éoferecido no sentido de pagar um aluguel pequeno? Alguma coisa assim?Edu. É. A gente tem um alojamento que fica pro pessoal do campo; os trabalhadores rurais. Eé um aluguel simbólico. Pra ele morar ali e tal e desempenhar o trabalho dele. Não são pratodos. Não temos... né? Pra todo mundo que quiser morar ai. É limitado. Tem um limite... aíde... 8, 8 a 10 funcionários... se quiserem morar aí. São alojamentos. Não são casas. São...quarto... quarto conjunto, né? Dividido pra 2 pessoas, pra 3 pessoas.Ab. Tá. É... atualmente tem quantas pessoas nesse/Edu. Morando aqui são (silêncio) uma, duas, três... Morando, tem umas três pessoas. Hoje. Seeu não me engano são duas da SDM e uma, uma só do campo.Ab. É... além – Isso também é importante, mas não tava passando pela minha cabeça – alémdo, de pagar o salário... o quê que o Sítio do Moinho oferece é... o que seria uma... ou umavantagem ou uma facilidade pro... pro trabalhador? É... você tá falando, por exemplo, o casodo... do alojamento, né?Edu. Ahm, ram.Ab. Se ele morar distante... é... Essa distância também é bastante abstrata, né? O que seria odistante? Mas de qualquer forma tem um... se... tem um local pro, pra ficar. É possível conse-guir um local pra residir aqui.Edu. Isso, isso.Ab. Além dessa questão da moradia tem mais alguma outra... é... coisa que o... o... que é ofe-recido, que cê poderia/Edu. Pros funcionários, em geral, é oferecido assim... Tem um... tem um plano de... um vale-alimentação mensal... pra todas as empresas. É... existe, não muito bem formatado, mas exis-te... O Sítio oferece treinamento, curso de capacitação.Ab. Interno.Edu. Interno e externo.Ab. Mas é mais pro pessoal de... Qual área? (silêncio). Esses cursos de/Edu. É pra todos, né? No nível geral. Em geral. Era muito mais frequente. Mas é oferecido ocurso de capacitação pra todos. Existe uns que o Sítio promove. Existe alguns é... mandamosos funcionários fazer. Pedimos, né? Solicitamos. Outros os funcionários solicitam e a empre-sa, se possível, ajuda pra ele fazer esse curso. Existe essas modalidades aí.Ab. Só pra entender. O vale alimentação é do restaurante daqui de baixo?Edu. Não. Não.Ab. Ah, é outra coisa!?Edu. É um vale-alimentação compra; ticket-compra, né? É um cartão pra você poder fazer assuas compras no final do mês.Ab. E... o... restaurante/

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Edu. Ele é pago, né? Ele tem uma. Bom. Uma contribuição... uma contribuição baixa pra vo-cê... ter todas as suas refeições do dia aqui. É bem baixa. A contribuição. Não chega nem adar R$1,00 por dia.Ab. O... por almoço ou por almoço e janta?/Edu. Por dia. Dá R$1,00 por dia, mais ou menos. Pra você ter café da manhã, almoço, lancheda tarde e... e quem mora aqui ter janta.Ab. E... os produtos que são servidos no... no restaurante... é... vem de fora ou é do próprio,produção do próprio Sítio?Edu. Não. As hortaliças aqui é salada, né? O que é produzido aqui usa tudo em salada. Mas, orestante é de fora.Ab. O restante o quê? Arroz, feijão?Edu. É. A base, né? Arroz, feijão, carne é de fora. É compra.Ab. Por uma – lá vou eu (risos) – por curiosidade agronômica. O Sítio tem uma, faz uma...uma... casamento entre produção agrícola e produção animal?Edu. Não.Ab. Não? Nada?Edu. Não temos produção animal aqui, no Sítio.Ab. Vocês trabalham com adubação ou é... ou com aquele tipo de agricultura que trabalhasó... rejuvenescendo... a vida do solo?Edu. Trabalhamos com adubação.Ab. Adubação orgânica?Edu. Orgânica; composto orgânico, bokashi, biofertilizante. (silêncio). Essa é nossa forma deadubar.Ab. E... calagem, não naquele sentido de 80% de saturação de bases, não. É só pra repor cál-cio e magnésio.Edu. Isso.

O telefone tocou novamente e a entrevista sofreu uma pausa com a interrupção da gravação,sendo retomada do ponto de pausa.Ab. É... (risos). O adubo vem, vem, vocês compram? É externo?Edu. É. O esterco é comprado. O esterco é comprado.Ab. A maioria vem de onde, daqui dessa região?Edu. Daqui da região mesmo; São José, Areal. Mas a maioria é de São José. Petrópolis, mes-mo.Ab. Bovino?Edu. Bovino, aves e equino. Todos os três.Ab. Mas há uma necessidade grande de... desses/Edu. Sim. Pra poder fazer a compostagem tem que ter a parte animal, né? Esterco animal. Oresto vegetal a gente tem aqui, mas o animal a gente não tem. Então, tem que comprar. Vemde fora.Ab. Seria, mais ou menos, a fonte de nitrogênio?Edu. Isso! Isso. Isso aí.Ab. Camarada, muito obrigado!Edu. Foi um prazer.Ab. O prazer foi meu, cara! Sucesso na carreira de agrônomo. Fico feliz quando eu vejo umcara novo assim que tá na carreira de agrônomo e tá gostando do que tá fazendo.Edu. Pô, legal!

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7.2.7 APÊNDICE B5.1: 5ª Entrevista (2ªparte) - Eduardo

Ab. É... (entre risos) voltando àquela conversa nossa. O que você considera assim, que sejafundamental para um trabalhador aqui pra... pra própria produção do orgânico?Edu. É. Fundamental assim que a gente – que eu entendo fundamental assim – não só na pro-dução orgânica, mas qualquer tipo de atividade, acho que (breve silêncio) o ser humano é ocentro de tudo, né? Você pode ter... melhores equipamentos, procedimentos. Mas se o serhumano não for valorizado, o profissional, não acredito que funcione nenhuma atividade. Nanossa principalmente, né? Que é... o produtor é tão desvalorizado, né? É tão... é... O statusdele é tão baixo, né? De... um trabalhador rural tem um status tão baixo. Mas se... se o serhumano não for o principal de tudo, o processo não funciona, não. Não vai pra frente, não.Ab. É... já que a gente tocou nesse assunto, você tem uma média, assim, de quanto tempo –tirando os casos extremos, né, do rapaz que acabou de entrar e a Marlene que tá há 14 anosaqui – uma média de tempo que ao ser contratado depois que passa do período de experiência,é... o trabalhador costuma ficar?Edu. 1 ano. 1 ano é o máximo, assim. Cê tem, em média, 1 ano. Aí, cê começa a ter uma rota-tividade. Aí, cê tem que trocar. Tá sempre em troca. A Marlene não é parâmetro, não.Ab. Hum, rum. Mas, aí, são eles que pedem pra sair ou vocês que vêm que não tem/Edu. Não, são. Na maioria, são os funcionários que pedem pra sair.Ab. Tá legal.

7.2.8 APÊNDICE B5.2: 5ª Entrevista (3ª parte) - Eduardo

No campo a caminho de receber o microtrator.

Edu. É caro? É. Mas é o que... é a solução que a gente tá tentando que fazer pra... é... diminuira condição de mão de obra. A gente não tem! Um trator. Melhor do que o... diminuir o uso demão de obra. Então, pô, vamo...Ab. E esse trator aí foi adquirido agora?Edu. Foi.Ab. E o objetivo dele é pra o quê? Tração?Edu. Tração. Carregar mercadoria.Ab. Pô, novinho! Tá com plástico novo.Edu. Ele é novinho. Ele é pequenininho também.Ab. Isso daí não compacta quase nada, não?Edu. Não. Ele é como se fosse um microtrator. Até os elementos dele é de um microtrator.Ab. Isto é o quê? Um Massey & Fergusson?Edu. Não. Trator Yanmar.{A partir de agora eles começaram a preparar o trator para descer do caminhão. Enquanto issofui registrando a atividade em imagens digitais, pausando a gravação. Estavam presentes umtrabalhador rural, aparentando ter uns 50 anos (Paulo Cesar), o próprio Eduardo, o Evandro(técnico agrícola) e o motorista do caminhão da revendedora em Teresópolis que veio entre-gar o trator.}Ab. Aqui é produzido o quê? Nessa parcela aqui é produzido o quê?Ev. Aqui? É tudo; alface. É o mesmo produto que produz lá na frente.Ab. Ali são canteiros de cenoura, logo depois? Depois da alface.PC. Ali tem. Tem uma porção de coisa ali. É cebolinha. Tem repolho.Ab. Os dois primeiros são o quê? Alface?PC. (...) cebolinha. Tem 5 (...) de alface plantado ali.

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7.2.9 APÊNDICE B6: 6ª Entrevista - Paulo CésarTranscrição da entrevista com o trabalhador rural, Paulo César, do Sítio do Moinho AlimentosOrgânicos, localizado na Estrada Correa da Veiga 2405. Santa Mônica – Itaipava – Petrópolis– RJ. Apesar de um curto tempo de conversa, de estar na hora do café e por isso boa parte daconversa foi feita a caminho do refeitório, e do entrevistado ser gago e com uma pronúnciadifícil de ser compreendida em muitos momentos, foi a única vez que pude ficar a sós comum trabalhador do campo de cultivo, cujo principal instrumento de trabalho é a enxada.

Local: Campo de cultivo. Data: 08-abr-2014 Duração: 5min e 23s.

Ab. Qual é o nome do senhor?PC. Paulo César.Ab. Paulo César?PC. É.Ab. O senhor já é agricultor há quanto tempo? Trabalhador rural.PC. Oi? Já to aqui o quê? Já vai pra qua-4 ano. Que eu to aqui.Ab. Mas o senhor era trabalhador rural antes?PC. Trabaiva assim, negócio de-de obra; servente. Aí, depois que eu vim pra cá.Ab. Ah, tá. Então antes de o senhor ser trabalhador rural, o senhor era... trabalhava na cons-trução civil?PC. Era servente assim de-de-de obra, né?Ab. O senhor tá gostando desse tipo de trabalho?PC. To.Ab. E qual é a vantagem que o senhor vê em relação a isso ou trabalhar na construção civil?PC. É bom, né, cara!? Isso é be-be-beleza pura, né? Aí. É bom, né?Ab. Mas, assim, o quê que dá mais satisfação em relação a quê?PC. Aí, tem tudo aí que a pessoa faz, né?. Tudo com negócio de pranta. Essas coisa.Ab. Ah, mexer com a planta!PC. É. É muito bom. É ótimo!Ab. É melhor que mexer com cimento?PC. Heim?Ab. É melhor que mexer com cimento?PC. Ah, depois que a pessoa acostuma, né? Isso é.Ab. Mas foi difícil pro senhor no início!?PC. Não. Não foi. Isso já num. Não é muito difícil, não. Eu já trabaiei em lavoura, mas assim,muito tempo, né? Foi fácil pra mim. Não foi difícil, não.Ab. Hum. Então, tá.PC. Limpá pra mim, isso é mole, né? Vim pra cá, sabia como é que é, né? Só podê prantá queeu tava meio por fora. Foi fácil também, né? Foi fácil de apre-prender.Ab. E o quê que fez o senhor voltar pra... procurar aqui, pra trabalhar aqui como...?PC. Porque eu tava em obra. Aí, acabou a obra. Fiquei desempregado. Aí, uma colega lá dagrota me indicou com eles. Aí, arrumou pra mim aqui. Aí, deu uma força e eu vim aqui. Edeu-deu certo. Fez o teste, né? Assim no teste eu entrei até hoje aí.Ab. Ah, tá! O senhor reside aqui mesmo no Sítio?PC. Heim?Ab. O senhor reside aqui mesmo no Sítio?PC. Co-como assim?Ab. O senhor mora aqui, no Sítio do Moinho?PC. Não. Aqui dentro não. Eu trabalho aqui. Eu moro lá em Co-Corrêas. Pra lá de Itaipava.Ab. Sei. Sei.

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PC. Pra lá de Nogueira. Sabe aonde é?Ab. Conheço. Eu moro no... Quarteirão Mosela. Lá na Mosela.PC. Eu moro lá. O lado de Vista Alegre[ininteligível]. Entrando no Corrêas e-e Nogueira. Pracima daquela fa-fábrica da, de-de que foi de cigarro [ininteligível] Souza Cruz. Moro ali.Ab. Hum, rum.PC. Não é ruim, não. Vamo pra lá, né?Ab. Vamo.PC. Tomar um café. (caminhamos em direção ao refeitório). (silêncio). Nunca veio aqui, não?Ab. Não. É a primeira vez. Eu vim, to... Na verdade, eu to fazendo um trabalho de pesquisa,mas eu gosto disso, né? Senão – PC. Ah, tá! Você tá fazendo trabalho – não teria vindo.PC. (...) de pesquisa aí.Ab. É. Na verdade, eu to entrevistando os trabalhadores aqui.PC. Ah, tá certo!Ab. Por isso que eu to perguntando pro senhor há quanto tempo o senhor tá trabalhando aqui– PC. Tá, certo, vai – e tal. Se tá, se tem alguma coisa que o senhor mais gosta ou que nãogosta.PC. É. O ruim daí é o go, [ininteligível] tem coisa a gente não gosta, não, né?. [ininteligível]a gente [ininteligível], né? (silêncio). Eu trabaei em lavoura. Aí, negócio de tomate, e o meupai parou muito tempo e foi morar em negócio de fazenda; fa-fazer pasto pra negócio de gado.Essas coisa, né? Aí, parou com lavoura. Aí, bem tempo que a gente não mexe. Aí, voltei outravez pra cá. Aí, já ta aí. To-to entendendo mais ou meno.Ab. Aí, o senhor trabalha fazendo... plantando e... e...PC. Faz tudo; limpa, pranta, né? Só pra colher que eu não to treinado, assim. Só [ininteligí-vel]. Depende da pessoa, né? Pra colher já tem as pessoas certo, que já entende, né? É isso.Ab. Que tem uma forma – PC. Na hora tem que ter ajuda também. – específica pra colher?/PC. Heim?Ab. Por que tem uma forma específica pra colher?PC. Ter tem, né? A pessoa que tá mais acostumado. O que tá bom de tirar. O que não presta,né? É isso. Ás vezes ele quer até ajuda também.Ab. O senhor entra aqui a que/PC. Coisa mais fácil.Ab. Ah, ram. E qual é a carga horária assim de trabalho. O senhor entra aqui a que horas epode sair que horas?PC. É. 7 hora. saio 4, 4 e 48. Qua, Quase 5 hora, né? É isso.Ab. Dia isso o quê? De domingo a domingo ou de segunda a sexta.PC. Não. É de segunda a sexta. (4min e 16s). [ininteligível].(4min e 31s). Talvez até volte, dependendo do que for.PC. É. Voltar é melhor. (muito barulho dos nossos passos no chão com pedras e atritos damão no gravador, mas também teve um período de silêncio).Esse trabalho da estufa: são vocês mesmos que estão construindo ou tem gente de fora?PC. Não. Isso aí tem-tem gente lá pra fazê. Uma pessoa já trabalha já 3-já 3anos aqui dentro,aí. Ele tá fazendo isso aí. [frase ininteligível]. É bom isso aí. Quando tá chovendo vai pra de-baixo da estufa. Tem coisa pra fazer, né?Ab. Mas quando tá chovendo só tem... continua debaixo da chuva? Não atrapalha/PC. Não. É de-debaixo da-da estufa. Melhor, né?Ab. Claro.PC. Eles tem capa. Agora tu fazendo a estufa é me-melhor, né?Ab. Hum, rum.PC. Vamo tomar um café ali?Ab. Tá legal! Vou passar ali, primeiro.