Artrite Reumatide
SumrioA artrite reumatide (AR) uma doena articular inflamatria,
crnica, no supurativa do tecido conjuntivo. Tem carter progressivo,
acometendo difusamente a membrana sinovial, produzindo dor, edema,
calor e rubor articular e acentuada limitao de movimentos.
Resumo
Os autores inicialmente apresentam o conceito/definio da artrite
reumatide (AR), a sinonmia, bem como os dados epidemiolgicos
(incidncia ) da doena.
Mencionam as teorias ou fatores etiopatognicos da AR: fatores
genticos, microbianos e virais, imunolgicos e psicognicos.
Alm da evoluo anatomopatolgica da AR, ou seja, sinovite-pannus
(proliferao) e anquilose, os autores subdividem o quadro clnico da
doena em: manifestaes articulares e extra-articulares (sistmicas,
cutneas, vasculares, oculares, pleuropulmonares, cardacas, renais,
neurolgicas, musculares, entre outras menos freqentes).
No artigo, os autores atualizam os critrios de classificao para
o diagnstico da AR revisados em 1989. A seguir estabelecem a
importncia dos exames laboratoriais, salientando a utilidade da
avaliao do lquido sinovial no diagnstico diferencial.
O tratamento subvididido em psicoterapia/relao mdico-paciente,
tratamento medicamentoso paraespecfico e na medicina fsica
abrangente (fisioterapia). Dentre os medicamentos, os autores fazem
referncia aos AINEs (antiinflamatrios no esterides), corticides,
aos DMARDS (vide relao) e, mais recentemente, os agentes biolgicos
que mudam a evoluo da AR.
Mencionam ainda a reabilitao profissional
ocupacional/vocacional, as cirurgias, concluindo que o portador de
AR deve ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar.
Conceito - definio
A artrite reumatide (AR) uma doena articular inflamatria,
crnica, no supurativa do tecido conjuntivo.
Tem carter progressivo, acometendo difusamente a membrana
sinovial, produzindo dor, edema, calor e rubor articular e
acentuada limitao de movimentos.
Doena de etiologia desconhecida, predominantemente de sexo
feminino na faixa etria da quarta a sexta dcada de vida, com
acentuada participao etiolgica dos fatores emocionais e que atinge
as articulaes, geralmente em carter simtrico, tendo como carto de
visita as mos e, principalmente, as articulaes interfalangeanas
proximais, formando o dedo em fuso. Na evoluo produz impotncia
funcional, atrofias intersseas e musculares, desvios, luxaes,
sub-luxaes e anquilose em fases mais avanadas.
Manifestaes sistmicas parecem resultar de imunocomplexos
circulantes. Qualquer rgo interno ou sistema pode ser acometido,
porm os mais comuns se referem ao globo ocular e membranas serosas,
geralmente em conseqncia de alteraes em nvel vascular.
Sinonmia
Tambm chamada de doena reumatide, artrite deformante, artrite
anquilosante, poliartrite crnica evolutiva (PACE), artrite
infecciosa crnica.
Foi em 1859 que sir Archibald B. Garrod, mdico ingls, introduziu
na literatura mdica a denominao de artrite reumatide,
individualizando e diferenciando de outros reumatismos, entre eles
a gota.
Incidncias
Na populao total (adulta): 0,6% a 2% Na populao de doentes
reumticos: 10% a 12% Quanto ao sexo: predomina o sexo feminino: 3:1
at 5:2 Quanto raa: a doena universal Quanto idade: a faixa etria
predominante: 30 aos 50 anos
Fatores predisponentes e desencadeantes
Sexo Idade Herana Infeces Traumas fsicos e psquicos Gravidez
Menopausa
Figura 1 - Interao etiopatognica na doena reumatide (Chahade,
1981).
Teorias ou fatores etiopatognicos
A AR uma doena que continua desafiando a moderna tecnologia da
pesquisa mdica mundial. Vrias tm sido as hipteses aventadas
(infecciosa, hereditria, endcrina, imunolgica, psicognica),
procurando explicar esta inflamao "perptua" que acomete
especialmente a sinovial e prefere as mulheres. Nos ltimos 20 anos,
os estudos imunolgicos e teraputicos (antiinflamatrios e
imunodepressores) contriburam para a compreenso de mecanismos
lesionais, permanecendo um mistrio a origem e natureza da doena. A
recente introduo do conceito de inflamao como reao celular (no
apenas vascular) e sua supresso por acentuada diminuio da
quantidade de clulas (emprego de imunodepressores, drenagem dos
linfcitos do canal torcico) sugerem um fenmeno imunolgico secundrio
que utiliza mediadores qumicos e enzimticos. Mas o que inicia a
doena? Seria um agente infeccioso que, ao agredir um indivduo com
sistema imunolgico geneticamente predisposto, daria como conseqncia
a enfermidade? Seriam as diferentes formas de AR resultantes de
patrimnios genticos, agresses ou mecanismos lesionais
diferentes?
Fatores genticos
A distribuio populacional da AR parece ser aleatria. As
consideraes de ordem gentica,ainda discutidas, surgem da ocorrncia
por vezes familiar.H um aumento na prevalncia da patologia em
parentes de primeiro grau de portador de AR, alm de um risco
aumentado em 30 vezes em gmeos monozigticos. Enquanto em gmeos
dizigticos e irmos no gmeos o risco de cerca de seis vezes em relao
ao grupo-controle. H uma forte associao com a presena do
HLA-DR4.
Fatores microbianos e virais
Evidncias implicando agentes infecciosos ainda no so
conclusivas. Distintas bactrias, micoplasmas e/ou vrus tm sido
incriminados. possvel que uma infeco exgena ou um componente
molecular de um microrganismo possa ser considerado como
participante dos eventos primrios patognicos. Estudos recentes tm
evidenciado os difterides-similes, tais como o corynebacterium,
isolados da sinovial reumatide. No entanto, estes achados tambm
foram observados em tecidos no reumatides em nmero significativo.
Mycoplasma e Clostridium continuam fascinando os aspectos
etiopatognicos da enfermidade por desencadearem artrite
experimental em modelos animais. At esta data, entretanto, nenhum
trabalho demonstrou, de modo convincente, um vnculo entre AR e uma
infeco.
O desenvolvimento de quadros poliarticulares smiles a AR
correlacionados com o vrus da rubola, da hepatite B e do grupo dos
arbovrus que, em certas situaes, podem cronificar-se, sugere a
interferncia viral.
Recentemente, tem-se especulado sobre a verdadeira participao do
vrus DNA, o vrus de Epstein-Barr. Cerca de 90% dos pacientes
reumatides soropositivos tem anticorpos contra-antgenos
relacionados ao Epstein-Barr encontrados em linfcitos B. Embora
praticamente toda a populao americana adulta apresente anticorpos
contra antgenos deste vrus, os ttulos so mais elevados em pacientes
reumatides e com maior incidncia de anticorpos antinucleares da AR
tipo anti-Rana.
Talvez o complexo antignico do vrus de Epstein-Barr modifique a
resposta imunolgica e participe dos mecanismos etiopatognicos. No
entanto, isto no explica os casos que no apresentam sinais de
acometimento viral, sem anticorpos contra o genoma do
Epstein-Barr.
Fatores imunolgicos
Inmeras pesquisas tm sido devotadas s alteraes imunolgicas
observadas no soro e no lquido sinovial de reumatides. Com os
recentes estudos sobre as diferentes classes de fator reumatide
(IgM, IgG e IgA) e mtodos laboratoriais mais refinados, tem-se
demonstrado que a maioria dos casos soronegativos em realidade
apenas o so para o fator reumatide IgM, mas no para os IgG e IgA.
Hipoteticamente, os anticorpos surgiriam quando o agente causal,
interagindo com o IgG negativo alterasse sua configurao terciria.
Embora os fatores reumatides sejam conseqncias e no causa da doena,
podem causar leso no tecido conjuntivo pelos complexos Ag-Ac que
formam. Acredita-se, atualmente, que a sinovite da artrite
reumatide seria provavelmente devido ao de um agressor externo
("vrus?") que levaria a resposta imunolgica da sinovial em indivduo
geneticamente predisposto e em atividade fsica. Este elaboraria
anticorpos de classe IgG que seriam alterados em sua configurao
espacial (estrutura terciria). O organismo deixaria de reconhecer
sua prpria imunoglobulina e elaboraria anticorpos anti-IgG que, ao
fixarem complemento, so fagocitados pelas clulas sinoviais. Estas
liberariam enzimas lisossmicas e os complexos Ag-Ac conduziriam
liberao de mediadores de inflamao (cininas). A resposta imunolgica
no se daria exclusivamente pela resposta humoral: linfcitos T
ficariam sensibilizados e elaborariam linfocinas que provocam leses
citotxicas. Surge intensa fagocitose pelas clulas sinoviais e pelos
polimorfonucleares, que pela reao vascular afluem para a cavidade
articular. O lquido sinovial fica hipercelular com alta percentagem
de polimorfonucleares e rico em enzimas inflamatrias; a membrana
sinovial se torna hiperplasiada, neovascularizada e pseudondulos
linfides surgem para combater a agresso. O alto consumo metablico
da sinovial inflamada diminui o teor de glicose do lquido. As leses
extra-articulares (pulmonares, arteriais, ndulos subcutneos) so
explicadas pelos complexos imunes circulantes.
Os mediadores da inflamao levariam a polimerizao da fibrina e
sua desnaturao. A reao imunolgica prolongada a fibrina e outras
protenas inflamatrias constituiria elemento adicional para
estabelecer a cronicidade do processo.
Fatores psicognicos
Tm sido levantados como causa no desencadeamento da doena.
Enquanto no surgirem maiores informaes sobre os mediadores qumicos
do sistema nervoso e de sua implicao na fisiologia e patologia, o
tema permanece muito especulativo. A prtica mdica, contudo,
registra, s vezes, o agravamento e, por vezes, o incio da doena,
aps significativo estresse emocional.
Evoluo anatomopatolgica da AR
A AR caminha por um curso inexorvel de evoluo em trs fases
distintas:
Exsudao - sinovite; Proliferao - pannus; Anquilose fibrosa ou
ssea.
A sinovial se torna edemaciada e avermelhada e as vilosidades
aumentam em volume, ocupando grande parte da cavidade articular. A
articulao fica distendida porque, alm de a sinovial estar inflamada
e hipertrofiada, ultrapassando o espao normalmente existente, h
aumento do lquido sinovial, que fica turvo e com menor viscosidade.
As vilosidades sinoviais de incio ficam frouxamente aderentes a
cartilagem articular para, a seguir, firmemente aderirem s margens
cartilaginosas, substituindo-as. Adotando um carter
circunferencial, o tecido sinovial cresce cobrindo a cartilagem
("pannus"), ligando-se de tal maneira que no pode ser
destacado.
Os ligamentos ficam frouxos, os msculos se atrofiam e a pele que
recobre a articulao se torna tensa e atrfica. O osso se torna
osteoportico e o tecido de granulao sinovial pressiona-o; sob a ao
do movimento articular h penetrao do pannus e do lquido sinovial,
originando-se pseudocistos intra-sseos.
A cavidade articular se enche de fibrina, comeando o processo de
anquilose fibrosa com posterior e eventual anquilose ssea. Nessa
fase crnica o edema vai regredindo, as vilosidades se tornam menos
proeminentes e plidas e a grande efuso sinovial cede, como se
estivesse evitando a formao de aderncias.
Figura 2 - Mo reumatide.
Figura 3 - Evoluo AR - Fase 1: sinovite.
Figura 4 - Evoluo AR - Fase 2: pannus.
Figura 5 - Evoluo AR - Fase 3: anquilose.
Quadro clnico da AR
A artrite reumatide se situa entre aquelas entidades nosolgicas
que apresentam um quadro ora exuberante de sinais e sintomas, com
um diagnstico fcil, ora de poucos dados clnicos ou subjetivos.
De um modo geral, podemos enquadrar as manifestaes de acordo com
os principais sinais e sintomas em:
Manifestaes articulares; Manifestaes extra-articulares.
Figura 6 - Mo reumatide.
Figura 7 - AR - Ndulos olecrnio.
Figura 8 - Vasculites - gangrena.
Manifestaes articulares
Dor - edema - calor - rubor ; Impotncia funcional; Rigidez
matinal; Derrame sinovial - sinovite e formao de dedo em
fuso.Atrofias musculares e deformidades (desvio cubital, dedo em
"pescoo de cisne", dedo em "casa de boto" ou "boto de campainha",
dedo em "martelo"). So atingidos tambm com freqncia os punhos
(tumefeitos e dolorosos), os cotovelos e os ombros, com capacidade
funcional diminuda.
Nos membros inferiores so atingidos os joelhos, tornozelos e as
articulaes metatarsofalangeanas. As articulaes coxo-femurais,
quando atingidas (no manifestam edemas), quase sempre levam a
processos graves com dor, limitao de movimentos e alteraes
posturais.
Alm dessas, outras articulaes so atingidas na AR: as
tmporo-mandibulares, com conseqncias imediatas na abertura da boca,
dor mastigao e palpao; as articulaes cricoaritenides (raramente);
as articulaes intervertebrais; as costoesternais; as
costovertebrais etc.
Manifestaes extra-articulares
SistmicasPerda de peso, anorexia, adinamia, febre,
linfadenopatia e anemia.
CutneasNdulos subcutneos (olecrnio, tendo de Aquiles; couro
cabeludo, joelhos) ocorrem quase sempre em AR soropositiva.
VascularesVasculiteslceras de perna (leso vasculocutnea)Angetes
necrotizantesGangrena digital
PleuropulmonaresPleurites com ou sem derramePneumoniteFibrose
intersticial difusaNdulos pulmonares (nico ou mltiplos). Sndrome de
Caplan (AR em trabalhadores de minas de carvo com ndulos
pulmonares).
CardacasRaras na clnica diria das AR, mas comuns nas autpsias
(40%). Podem ser atingidos o pericrdio, miocrdio e o endocrdio,
chamando mais ateno a pericardite.
Leses nodulares podem ser encontradas em qualquer dos folhetos
do corao.
Figura 9 - Ndulos pulmonares.
RenaisSo raras e pouco especficas. Amiloidose e pielonefrite so
as mais usuais.
Digestivas/hepticasSo raras. Alteraes das glndulas salivares na
sndrome de Sjgren.
NeurolgicasNeurite perifrica e sndromes de compresso (tnel
carpiano).
MuscularesAtrofias e fraqueza (mais por desuso).
sseasOsteoporoseLinfadenopatiaEsplenomegalia - em 1924, Felty
descreveu uma sndrome que consiste na trade: AR, neutropenia,
esplenomegalia.
Critrios clnicos e laboratoriais para diagnstico de AR
1. Rigidez matinal: rigidez articular durando pelo menos uma
hora.2. Artrite de trs ou mais reas: pelo menos trs reas
articulares com edema de partes moles ou derrame articular
observado pelo mdico.3. Artrite de articulaes das mos (punhos,
interfalangeanas proximais e metacarpofalangeanas).4. Artrite
simtrica.5. Ndulos reumatides.6. Fator reumatide srico.7. Alteraes
radiogrficas: eroses ou descalcificaes localizadas em radiografias
de mos e punhos.
Os critrios de 1 a 4 devem estar presentes por pelo menos seis
semanas.Orientao para classificao: quatro dos sete critrios so
necessrios para classificar um paciente como portador de artrite
reumatide.
Observao: pacientes com dois ou trs critrios no so excludos.
Figura 10 - AR - Mos - joelhos.
Laboratrio
No existem exames laboratoriais especficos para o diagnstico da
AR, entretanto os mtodos atuais servem para sugerir a presena da
doena, afastar outras patologias e conhecer a intensidade do
processo inflamatrio.Sugerimos a rotina para AR.
Hemograma pode revelar uma anemia normoctica e normocrmica ou
hipocrmica.
Os leuccitos geralmente se apresentam em nveis normais.
Leucopenia e leucocitose geralmente indicam outra doena, ou ARJ,
ou complicaes. A sndrorne de Felty, variante clnica da AR de longa
durao, caracterizada por esplenomegalia e leucopenia
(neutropenia).
Velocidade de sedimentao (VHS) - na maioria dos pacientes a VHS
corre paralela atividade inflamatria da AR.Mucoprotenas -
geralmente elevadas.
Protena C reativa - prova inespecfica. No um bom ndice de
avaliao.
Freqentemente negativa em formas agudas de AR.
Eletroforese de protenas - a proteinemia total no se altera.
Geralmente diminuio de albumina e elevao de alfa-2 e
gamaglobulinas. A imunoeletroforese mostra elevao de IgM e IgH.
Provas sorolgicas - determinao da presena do fator
reumatide.Prova do ltex - positiva em 70% a 80% dos casos, sendo
mais sensvel e menos especfica.
Prova de Waaler Rose - positiva de 60% a 70% dos casos, sendo
menos sensvel e mais especfica.
Os testes geralmente empregados para a determinao so de
aglutinao. A modernizao e evoluo da investigao imunolgica fez com
que novos mtodos surgissem: imunofluorescncia indireta,
radioimunolgia, imunoadsoro quantitativa.
Urinlise - o sedimento urinrio e a pesquisa de rotina de
elementos anormais no apresentam alteraes.Lquido sinovial -
atualmente o exame do LS muito til, no s para o diagnstico, como
tambm para diferenciar com outras patologias de um quadro de
monoartrite.
Aspecto turvo, viscosidade diminuda, hipercelularidade (200 a
2000 mm3), protenas elevadas, glicose normal ou diminuda,
complemento baixo, presena de ragcitos (leuccitos com incises
citoplasmticas), PMN aumentados (60% a 75%).
Figura 11 - Artroscopia - vilosidades aumentadas.
Figura 12 - AR - Joelho - pannus - anquilose parcial.
Figura 13 - Radiologia - mos reumatide - desvios - luxaes -
subluxaes - osteoporose.
Outros
Radiologia - temos que considerar a radiologia da AR em trs
fases distintas: inicial, intermediria e final.
Fase inicialNesta fase o estudo radiolgico pouco pode
contribuir. Geralmente encontramos aumento de volume das partes
moles e rarefao ssea em reas epifisrias.
Fase intermediria a fase do pannus sinovial. Eroses marginais
Diminuio da interlinha articular Luxaes, subluxaes, desvios
Pseudocistos OsteoporoseFase final Reabsoro ssea Anquilose fibrosa
Anquilose ssea
Figura 14 - AR - Fuso ssea.
Tratamento da AR
O tratamento da AR personalizado - individual para cada
paciente. 0 simples diagnstico de AR insuficiente.
O objetivo principal do tratamento fazer cessar o processo
inflamatrio, evitar as deformidades. Necessitamos conhecer sua
gravidade, evoluo clnica, laboratorial e radiolgica; suas condies
psicossociais e familiares; condies e tipo de trabalho; doenas
concomitantes ou patologias associadas.
Em nossa clnica diria, chamamos a ateno que a confiana que o
mtodo inspira ao paciente parte fundamental no sucesso ou fracasso
da teraputica. 0 mdico deve ser um bom conhecedor de todas as
medidas que vai propor, quer nas aes e interaes medicamentosas,
quer nas posologias, que muitas vezes so totalmente
individuais.
O paciente portador de AR tem uma personalidade que difere de
todas as outras entidades nosolgicas, pelo que ele sabe ou Ihe
falaram, ou pelo que ele comparou com outro paciente, tornando-o
muitas das vezes refratrio ao tratamento, desanimado e incrdulo aos
programas institudos, sem levar em conta o alto custo do
tratamento, fazendo da AR a doena mais cara que se conhece
comparativamente a outras que cursam por longos perodos.
Artigo de Reviso
Elementos bsicos de diagnstico da doena (artrite) reumatide
IntroduoA doena reumatide (DRe), como preferimos denomin-la, em
vez de artrite reumatide como mais conhecida, devido ao
acometimento de outros rgos, alm das articulaes, uma doena
inflamatria, crnica e de distribuio universal.
a artrite inflamatria mais frequente, com uma prevalncia em
torno de 1% a 3% na populao mundial(1,2). No Brasil, dados
epidemiolgicos recentes mostraram uma prevalncia de 0,6% numa
populao envolvendo 500 famlias, em cinco cidades diferentes(3).
Seu pico de incidncia maior por volta dos 35 a 45 anos, sendo as
mulheres duas vezes e meia mais acometidas que os homens. Em
contrapartida os homens, geralmente, tm um curso da doena pior em
relao s mulheres(4).
Os eventos moleculares que levam ao incio da DRe ainda
permanecem desconhecidos. Existe forte evidncia que a doena ocorre
em indivduos geneticamente predispostos. Em populaes brancas essa
predisposio gentica parece estar associada presena de antgenos de
linfcitos humanos (HLA), mais especificamente as subclasses dos
HLA-DR4(5,6).
Os indivduos predispostos so expostos a um eventual agente
desencadeante que pode ser reconhecido por um complexo formado por
uma clula apresentadora de antgeno (neste caso este agente
desencadeante que ainda no conhecemos), geralmente um macrfago,
atravs de suas molculas do complexo de histocompatibilidade de
classe II (MHC II) e por um linfcito T com seu receptor(5,7). A
partir da, desencadeado um complexo processo inflamatrio no stio
primrio da doena que a membrana sinovial. A membrana sinovial se
torna inflamada e proliferada, formando o pannus (proliferao de
tecido sinovial), o qual invade o osso, a cartilagem e os
ligamentos, levando ao dano e deformidade articular caractersticos
da doena.
Patogenia
Com o reconhecimento do agente desencadeante pelo complexo MHC e
pelo linfcito T, ocorre a ativao de macrfagos, de linfcitos B, de
molculas de adeso (ICAM) e de molculas associadas funo dos
linfcitos (LFA), alm de um grupo de mediadores inflamatrios,
incluindo as interleucinas (IL), os fatores de necrose tumoral
(TNF), os fatores de crescimento de fibroblastos (FGF), os fatores
de crescimento derivados de plaquetas (PDGF), os peptdeos
estimuladores de moncitos e neutrfilos (Mo-CSF), o fator
estimulador de colnias granulcito-macrfago (GM-CSF), as
prostaglandinas e o xido ntrico, os quais, em conjunto, promovem um
processo inflamatrio complexo resultando em proliferao celular,
angiognese e apoptose (morte celular programada) responsvel pela
destruio celular(2,8).
medida que os eventos inflamatrios acontecem, os sinais e
sintomas clnicos vo surgindo. Inicialmente, na fase de apresentao
do antgeno desconhecido ao linfcito T nenhuma manifestao observada.
Com o incio da resposta inflamatria, ocorre proliferao das clulas
linfocitrias, liberao de citocinas, proliferao sinovial e
angiognese, a qual responsvel por perpetuao do processo inflamatrio
atravs da facilitao da chegada das clulas e mediadores
inflamatrios. Nessa fase a dor articular, o edema e a rigidez
matinal so os sintomas principais. Tardiamente, h evidente invaso
do pannus no osso subcondral, eroso ssea e distoro da arquitetura
articular. Os sintomas incluem dor, edema, instabilidade e
deformidades articulares, alm de complicaes
extra-articulares(9).
Critrios de classificao
Em 1987, o Colgio Americano de Reumatologia (ACR) realizou uma
reviso nos critrios classificatrios da DRe (Tabela 1). Os pacientes
portadores de pelo menos quatro dos sete critrios podem ser
rotulados como portadores de doena reumatide. Esses critrios
diferenciam a DRe das outras formas de artrite com uma
especificidade de 89% e uma sensibilidade de cerca de 94%(10).
A DRe tambm pode ser classificada de acordo com o grau de
incapacidade para as atividades pessoais e ocupacionais. Em 1991,
os critrios de classificao do estado funcional na DRe foram
revisados pelo ACR (Tabela 2). Eles permitem uma avaliao importante
do impacto da doena sobre a sensao de bem-estar do paciente, alm de
possibilitar um planejamento das necessidades futuras para o
paciente, como, por exemplo, a necessidade de uma prtese
articular(11).
Manifestaes clnicas (12-17)
A forma de incio da DRe muito varivel e, normalmente, no se
relaciona com o prognstico. Na maioria dos casos se inicia de forma
insidiosa (60% a 70% dos casos), podendo tambm ter um incio agudo
(8% a 15%). A apresentao inicial de forma atpica acarreta, muitas
vezes, confuso diagnstica e abordagem teraputica inadequada,
principalmente quando o quadro articular no for caracterstico. A
Tabela 3 mostra algumas formas incomuns de apresentao da DRe. O
curso clnico tambm bastante varivel, indo desde uma forma
oligoarticular leve at poliarticular difusa e destrutiva,
dependendo das alteraes histopatolgicas que ocorrem na membrana
sinovial.
Caracteristicamente, o comprometimento articular ocorre de forma
simtrica e evolutiva, com dor e edema de aspecto borrachide (Figura
1), alm de rigidez matinal e limitao funcional que so decorrentes
da invaso e proliferao do pannus. A durao da rigidez matinal
durante o dia um bom ndice para avaliar a resposta clnica
teraputica empregada.
Figura 1 - Aspecto clnico inicial da DRe mostrando sinovite
simtrica das IFP, MCF e punhos.
As articulaes das mos, especialmente as interfalangeanas
proximais (IFP) e metacarpofalangeanas (MCF), so as principais
articulaes acometidas. Punhos, joelhos, tornozelos e ps esto
geralmente envolvidos e, menos frequentemente, ombros, cotovelos,
coxofemurais, coluna cervical e temporomandibulares. Qualquer
articulao sinovial pode ser acometida pelo processo inflamatrio e
apresentar sinais de destruio.
Nas mos e nos dedos, a persistncia da agresso produz uma srie de
deformidades, tais como: em "casa de boto" (flexo das IFP e
hiperextenso das interfalangeanas distais - IFD); em "pescoo de
cisne" (hiperextenso das IFP e flexo das IFD) e em "martelo" (flexo
das IFD) (Figura 2).
Figura 2 - Aspecto clnico evolutivo da DRe em que se observa
sinovite crnica em punhos, MCF, IFP, desvio ulnar dos dedos e
deformidades em "pescoo de cisne" direita.
O comprometimento dos tendes extensores das mos favorece o
aparecimento de desvio ulnar dos dedos e, muitas vezes, podem
ocorrer rupturas tendinosas. A proliferao sinovial no punho pode
causar compresso do nervo mediano, levando ao aparecimento da
sndrome do tnel do carpo.
Nos membros inferiores o envolvimento dos quadris denota um pior
prognstico na evoluo da doena reumatide. Os joelhos podem evoluir
com grandes derrames sinoviais recidivantes, acompanhados de
deformidade em flexo, instabilidade ligamentar e cistos poplteos,
os quais podem se romper determinando a sndrome de
pseudotromboflebite. A sinovite crnica e a sobrecarga de peso so as
principais responsveis pelas deformidades dos ps, que se
caracterizam por p plano, hlux valgo, subluxao de
metatarsofalangeanas (MTF), dedo "em martelo", dedo "em garra" e
calosidades.
O acometimento cervical pode causar dor e cefalia occipital, alm
de sensao de "estalidos" com a extenso do pescoo. Subluxao
atlanto-axial pode ocorrer em pacientes com doena erosiva e de
longa durao, sendo uma situao potencialmente fatal devido possvel
compresso vertebrobasilar e/ou medular.
Como doena sistmica, a DRe pode cursar com manifestaes
extra-articulares, muitas vezes, mascaradas pelas queixas
articulares. Por outro lado, se tais manifestaes no forem
prontamente evidenciadas podem determinar consequncias srias no
prognstico da doena. Em alguns pacientes as manifestaes
extra-articulares podem dominar o quadro clnico da doena,
dificultando o diagnstico preciso e o tratamento correto.
Cerca de 20% dos pacientes com DRe apresentam ndulos subcutneos
firmes, localizados em superfcies extensoras (Figura 3). Podem,
mais raramente, ser observados nos pulmes, no miocrdio, no sistema
nervoso central, no couro cabeludo e na laringe. Os ndulos
reumatides ocorrem geralmente nos pacientes com fator reumatide
positivo e podem refletir o grau de atividade da doena, diminuindo
em nmero e em tamanho quando h o controle da DRe. O uso de
methotrexate pode cursar com aumento dos ndulos reumatides.
Figura 3 - Ndulos reumatides num paciente com DRe, localizados
na superfcie extensora das mos.
Anormalidades hematolgicas em pacientes com DRe tm etiologia
multifatorial, podendo ocorrer devido atividade inflamatria
persistente ou secundria ao uso de frmacos para o controle da
doena. Anemia geralmente do tipo normocrmica e normoctica e tende a
melhorar com o controle da DRe. Plaquetose e eosinofilia tambm se
associam com doena em atividade e esto presentes comumente quando
existem manifestaes extra-articulares.
Em relao s manifestaes cardacas, a pericardite a manifestao mais
frequente, tende a acometer indivduos com fator reumatide positivo
e com ndulos reumatides e, geralmente, assintomtica. Os pulmes
tambm podem ser acometidos na forma de derrame pleural, alveolite
fibrosante, sndrome de Caplan e bronqueolite obliterante. O derrame
pleural a forma mais comum do acometimento pulmonar, sendo mais
frequente em homens, com fator reumatide positivo e com ndulos. A
sndrome de Caplan se caracteriza pela associao de pneumoconiose por
asbesto, carvo ou slica e DRe.
O envolvimento ocular mais comum a ceratoconjuntivite seca, que
acomete cerca de 10% a 35% dos pacientes. Os sintomas variam desde
uma queixa de olho seco at queimao e sensao de corpo estranho.
Episclerite se correlaciona com a atividade da DRe e o processo
pode ser nodular ou difuso, cursando com dor aguda e olho vermelho,
sem influenciar na acuidade visual. Esclerite menos comum e, quando
no tratada, pode evoluir para escleromalcia. Uvete, ceratite
ulcerativa, fuso de crnea e nodulose episcleral so outras formas de
envolvimento ocular que pode acontecer em pacientes com DRe.
Vasculite de pequenos vasos est intimamente relacionada com a
maioria das manifestaes clnicas da DRe. A vasculite sistmica
incomum e ocorre mais em indivduos com doena de longa durao. As
leses cutneas, as lceras em pernas e necrose de polpas digitais so
os achados clnicos mais comuns da vasculite reumatide. Os pacientes
com vasculite reumatide costumam apresentar fator reumatide
positivo, diminuio dos nveis de complemento, crioglobulinas
positivas, plaquetose e hipoalbuminemia.
A sndrome de Sjgren, em sua forma secundria, costuma estar
presente em cerca de 30% dos pacientes com DRe. Se caracteriza
pelos sintomas secos e baixa incidncia de anticorpos anti-SSA e
anti-SSB.
A sndrome de Felty uma variante clnica rara da DRe que cursa com
leucopenia custa de granulocitopenia e esplenomegalia, estando
associada tambm com lceras nos membros inferiores e infeces
secundrias (Figura 4).
Figura 4 - lcera de membro inferior caracterstica em uma
paciente com sndrome de Felty.
Achados laboratoriais, radiolgicos e histolgicos(18-23)
Podemos dizer, com certeza, que o diagnstico da DRe se baseia
fundamentalmente na histria clnica (Tabela 4). No existe nenhum
teste laboratorial, radiolgico ou histopatolgico que determine o
diagnstico definitivo de DRe. A investigao laboratorial auxilia
para sugerir a presena da doena e avaliar a atividade inflamatria,
alm de afastar outras possibilidades de diagnstico diferencial.
O hemograma demonstra as alteraes hematolgicas j descritas, como
anemia, plaquetose e eosinofilia. As provas de atividade
inflamatria, presentes em ttulos elevados durante a fase de
atividade, so de grande valia na monitorizao da doena. Dentre elas,
as mais usadas para os pacientes reumatides so: velocidade de
hemossedimentao (VHS), alfa-1-glicoprotena cida, protena C reativa
e as fraes proticas na eletroforese.
O fator reumatide est presente em cerca de 75% a 85% dos
pacientes com DRe. Isoladamente no determina o diagnstico da doena,
visto que pode estar presente em indivduos normais e em diferentes
patologias. A presena do fator reumatide em indivduos com DRe
parece estar relacionada com maior severidade no acometimento
articular, com ndulos reumatides e com vasculites. Altos ttulos
esto associados com pior prognstico. Pacientes reumatides que no
apresentam fator reumatide compreendem cerca de 10% da populao com
DRe e so considerados como soronegativos. Eles podem, depois de
algum tempo, tornar-se positivos ou permanecer como negativos por
tempo indeterminado. Geralmente apresentam uma forma mais leve da
doena.
Existem muitos mtodos para a deteco do fator reumatide. Os mais
conhecidos so o teste de ltex. O primeiro mais sensvel e menos
especfico. Atualmente, a maioria dos laboratrios tem utilizado a
nefelometria, a qual expressa os resultados em unidades
internacionais e mostra boa sensibilidadade e especificidade.
A determinao dos gentipos atravs do HLA-DR (DR4, DR4B1) pode
auxiliar como elemento marcador de suscetibilidade e de severidade
e alguns centros de Reumatologia no exterior tm includo estes
testes para auxiliar no diagnstico e na classificao da DRe.
A avaliao radiolgica importante para o diagnstico, classificao e
monitorizao da DRe. Nas fases iniciais so observados aumento de
partes moles e aumento do fluido sinovial. Posteriormente, surge
rarefao ssea epifisria e eroses sseas e cartilaginosas, com
consequente formao de cistos e reduo do espao articular (Figura
5).
Figura 5 - Aspectos radiogrficos da porose difusa reumatide,
principalmente justarticular, nas articulaes IFP, MCF e
carpometacarpianas com diminuio dos espaos articulares, mais
acentuada no carpo e articulaes rdio-ulno-carpianas. Observam-se
mltiplas leses erosivas.
As leses em estruturas periarticulares propiciam o
desalinhamento das estruturas sseas, provocando deslocamentos e/ou
subluxaes. Mutilaes sseas e anquilose so vistas em fases tardias da
doena.
A bipsia sinovial pode ser necessria no diagnstico diferencial
das formas monoarticulares, em que se evidencia intenso infiltrado
linfoplasmocitrio em arranjo pseudofolicular (Figura 6).
Figura 6 - Bipsia sinovial na DRe com infiltrado
linfoplasmocitrio em arranjo pseudofolicular.
Evoluo(18,24,25,26)
A DRe pode evoluir apresentando padres distintos. Cerca de 70%
dos pacientes apresentam a forma policclica da doena, com uma
evoluo intermitente ou contnua leve sem remisso completa. Poucos
pacientes apresentam um perodo curto de doena seguido de remisso
prolongada (forma monocclica), s vezes sem deixar sequelas. Quadros
mais longos e persistentes podem tornar-se de difcil controle,
resultando em deformidades e em impotncia funcional articular e
sistmica. Felizmente, apenas cerca de 5% a 10% de todos os doentes
reumatides desenvolvem formas progressivas e mutilantes.
As vrias formas evolutivas da DRe fazem com que os estudos
realizados com diferentes esquemas teraputicos apresentem avaliaes
contraditrias.
Do ponto de vista prognstico, alguns fatores, quando presentes,
indicam pior evoluo da DRe. Dentre eles podemos citar: presena de
manifestaes extra-articulares, fator reumatide em altos ttulos,
persistncia das provas de atividade inflamatria alteradas, longo
tempo de doena, alm de problemas psicossociais.
Diversos estudos tm mostrado que a expectativa de vida nos
pacientes reumatides cerca de dez anos menor que em indivduos
normais, especialmente naqueles que tm presentes os critrios de
pior prognstico.
Dentre as principais causas de morte nos pacientes com DRe esto
as infeces, as complicaes pulmonares, renais e
gastrointestinais.
A abordagem do paciente com DRe bastante ampla e deve envolver
uma equipe multidisciplinar, em que o reumatologista exerce um
papel fundamental. O diagnstico precoce, a otimizao da funo
articular, o controle das manifestaes extra-articulares e a
identificao dos pacientes que no respondem bem ao tratamento
inicial so fundamentais na obteno dos melhores resultados
teraputicos.