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Natureza, razão e sentimento: a paisagem oitocentista brasileira na Viagem pelo Brasil de Spix e Martius 1 Solo il naturalista merita stima, che sa descriverci e rappresentarci le cose più strane, esotiche, ciascuna nel suo luogo, nel suo ambiente, nell'elemento suo peculiare. Goethe Resumo: Este trabalho visa realizar através da obra Viagem pelo Brasil: 1817-1820 de Spix e Martius uma análise sobre estes viajantes do século XIX. Ainda imbuídos do espírito iluminista estes naturalistas buscavam descrever na sua totalidade o que viam. A natureza neste relato é analisada como fonte de riquezas científicas e econômicas, mas se estabelece também uma afinidade afetiva, típica do Naturgefühl. Este fato, juntamente com a influência que Humboldt teve nos jovens naturalistas, ratifica como a dimensão romântica presente no relato evidencia a intenção dos autores em ligar a ciência à poesia. O estilo científico e poético inaugurado por Humboldt nasce do anseio de alcançar a compreensão total da natureza. Para estes viajantes de inspiração romântica a potência e a grandiosidade do mundo natural só conseguiria ser compreendida através da comunhão entre a ciência e a estética. Palavras- chave: literatura de viagem; viagens filosóficas; Naturgefühl. 1 O presente artigo originou-se do trabalho de conclusão da disciplina de Tópicos Especiais I - O fantástico, o desconhecido e o revelado: viagens nos Impérios Ibéricos – Espanha e Portugal, séculos XVI-XVIII, ministrada em 2012, sob a orientação do prof. Tiago Bonato.
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Sep 25, 2015

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Spix e Martius: Uma descrio Romntica da Paisagem Oitocentista Brasileira

Natureza, razo e sentimento: a paisagem oitocentista brasileira na Viagem pelo Brasil de Spix e Martius

Solo il naturalista merita stima, che sa descrivercie rappresentarci le cose pi strane, esotiche, ciascuna nel suo luogo, nel suo ambiente, nell'elemento suo peculiare. GoetheResumo: Este trabalho visa realizar atravs da obra Viagem pelo Brasil: 1817-1820 de Spix e Martius uma anlise sobre estes viajantes do sculo XIX. Ainda imbudos do esprito iluminista estes naturalistas buscavam descrever na sua totalidade o que viam. A natureza neste relato analisada como fonte de riquezas cientficas e econmicas, mas se estabelece tambm uma afinidade afetiva, tpica do Naturgefhl. Este fato, juntamente com a influncia que Humboldt teve nos jovens naturalistas, ratifica como a dimenso romntica presente no relato evidencia a inteno dos autores em ligar a cincia poesia. O estilo cientfico e potico inaugurado por Humboldt nasce do anseio de alcanar a compreenso total da natureza. Para estes viajantes de inspirao romntica a potncia e a grandiosidade do mundo natural s conseguiria ser compreendida atravs da comunho entre a cincia e a esttica.

Palavras- chave: literatura de viagem; viagens filosficas; Naturgefhl.I. NOVOS INTERESSES, NOVOS OLHARES: UM NOVO BRASIL

A chegada da famlia real portuguesa ao Brasil em 1808 e a abertura dos portos naquele mesmo ano, proporcionou a vinda de um grande fluxo de estrangeiros no territrio. Antes deste evento, Portugal sempre procurou manter suas terras afastadas da ambio das naes europias com o intuito de salvaguardar as potencialidades que a colnia luso-brasileira proporcionava economia da metrpole.O sculo XIX brasileiro foi marcado pela chegada de vrios cientistas de diferentes nacionalidades. Naturalistas, zologos, gegrafos, artistas, entre outros, chegaram ao Brasil com a inteno de estudar um territrio que, at ento, havia sido pouco explorado por estrangeiros sob o ponto de vista cientifico. Como se l na obra dos naturalistas Spix e Martius, :

Apesar, porm, dos grandes progressos no conhecimento dessa parte do mundo, oferece ela ainda vasto campo ao esprito pesquisador a fim de estender, com os descobrimentos, o circulo da cincia humana (SPIX e MARTIUS, 1981, v.I, p.25). Outras motivaes da viagem que podemos ainda citar so a atrao pelo extico, a vontade de estudar a flora e a fauna dos trpicos e o interesse em descobrir novas espcies comercialmente explorveis (VEIGA, 2009, p.291).Neste contexto, tambm conhecido como novo descobrimento do Brasil (KURY, 2001, p.117) est inserida a expedio dos cientistas Carl Friedrich Phillip von Martius e Johann Baptist von Spix, que resultou na elaborao da obra Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Conforme Lisboa (2001), Martius e Spix receberam esta incumbncia da Real Academia de Cincias de Munique e contaram tambm com o apoio do rei da Baviera Maximiliano Jos I.Johann Baptist Spix nasceu em 8 de fevereiro de 1781 na Bavria. Em 1800 concluiu o doutorado em filosofia e passou a se dedicar a outras reas como Teologia, Medicina e Histria Natural. Em 1806 recebeu uma bolsa de estudos para estudar zoologia em Paris. Durante a viagem no Brasil, Spix leu um vasto livro da natureza. Porm, restou pouco tempo para ele poder escrever seu livro (...). Voltou com a sade debilitada e morreu durante a redao do segundo volume de Viagem pelo Brasil, em 1826 (GNTHER, 2009, p.50).Carl Friedrich Philipp von Martius nasceu em 17 de abril de 1794 no estado da Bavria. Dedicou seus estudos a Medicina e a Botnica. Aps o retorno da misso cientifica no Brasil, entrou na Academia [de Cincias de Munique] como membro regular e tornou-se diretor do jardim botnico. (...) Dedicou toda a sua vida aos estudos sobre o Brasil, que considerava como sua segunda ptria. Morreu em 13 de dezembro de 1868 (AUGUSTIN, 2009, p.50-51).A obra V A partir da leitura de alguns trechos da Viagem pelo Brasil pretende-se analisar, nesse artigo, algumas questes referentes permanncia da herana iluminista no modo de perceber a natureza, que passa a ser revestida pelo utilitarismo correlacionado aos fins polticos e econmicos identificveis neste relato. Outro ponto importante da pesquisa diz respeito forma como o romantismo influenciou a obra destes cientistas. II. A HERANA ILUMINISTA No que diz respeito concepo de cincia, possvel perceber a inteno por parte destes naturalistas de construir um conhecimento universal a partir do estudo da natureza in toto. Spix e Martius percorreram cerca de dez mil quilmetros entre 1817 e 1820. Segundo Lisboa (2001), os naturalistas partiram do Rio de Janeiro e prosseguiram rumo So Paulo e Minas Gerais, transpuseram as margens do Rio So Francisco na fronteira com Gois e depois voltaram para o litoral baiano. Da Bahia se deslocaram para o Noroeste at chegarem a Belm. Dali prosseguiram at a fronteira da atual Colmbia e em seguida tornaram a Belm (LISBOA, 2001, p.75-76). Spix, como zologo, ficou encarregado de analisar o reino animal:

Nesse domnio, incluir ele tudo que diz respeito ao homem, tanto indgena como imigrados: as diversidades, conforme os climas; o seu estado fsico e espiritual, etc.; a morfologia e a anatomia de todas as espcies de animais, dos inferiores aos superiores, os seus hbitos e instintos, a sua distribuio geogrfica e migraes; e, igualmente, far observaes sobre os restos existentes embaixo da terra (SPIX e MARTIUS, 1981, v.I, p.26).

Martius, botnico, assumiu a responsabilidade de pesquisar a flora tropical:competia-lhe investigar aquelas formas que, pelo parentesco ou identidade com plantas de outros pases, permitem concluir qual a ptria de origem (...). Pretendia ele fazer essas pesquisas, levando em conta as relaes climticas e geolgicas, e por essa razo estende-las tambm aos membros do reino das plantas, tais como os musgos, liquens e cogumelos (SPIX e MARTIUS, 1981, v.I, p.26).A Academia tambm solicitou que outras reas das cincias naturais fossem abordadas como, a fsica, a mineralogia, a geologia, a populao local e os seus costumes. A pretenso de abarcar o nmero maior possvel de reas das cincias naturais com o intuito de alcanar o conhecimento universal no pode ser compreendida sem a devida correlao com a formao enciclopedista destes naturalistas. Pois, seguindo os preceitos dos enciclopedistas, a Histria Natural visava ocupar-se de toda a natureza, desde os astros at os minerais, passando pela fauna e flora, incluindo o homem (LEITE apud LISBOA, 1995, p.85). A catalogao e categorizao de todo mundo natural foi um dos motes do pensamento setecentista, que continuou presente sculo XIX adentro. Muitos projetos das academias de cincias eram demasiadamente vastos. Segundo Paul Hazard (1989), a Academia de Bordus, por exemplo, empreendeu um desmensurado projeto, em 1719, que tinha por intuito escrever a histria da terra e de todas as modificaes que nela se produziram, tanto gerais como particulares, quer por tremores de terra e inundaes, quer por outras causas. Alm disso, pensava-se em fazeruma descrio exacta das modificaes da terra e do mar, da formao ou desaparecimento de ilhas, rios, montanhas, vales, lagos, golfos, estreitos, cabos (...) e tambm das obras feitas pela mo do homem que deram terra um novo aspecto (HAZARD, 1989, p.131)As intenes da cincia do setecentos de conhecer, recolher, catalogar e sistematizar o mundo natural tambm tiveram espao nas viagens oitocentistas. Segundo Pierre Berthiaume, era possvel encontrar algumas peculiaridades nos relatos de viagem entre a segunda metade do sculo XVIII e a primeira metade do sculo XIX. A principal era a capacidade de mesclar interesses acadmico-cientficos com uma poltica estatal. Segundo o autor, a variedade de interesses que imbricavam essas expedies foi fruto de uma nova forma de perceber a viagem no mais como uma descoberta, mas como uma atividade de pesquisa (BERTHIAUME apud GUIMARAES, 2000, p.394). As Reais Academias de Cincias, responsveis pela seleo dos cientistas e organizao das expedies, eram muitas vezes financiadas pelas Coroas dos Estados Nacionais europeus. As autoridades percebiam nestas misses uma forma de obter o devido espao para o prprio pas no cenrio cientfico internacional. Desta forma, academias nacionales de Cincias, (...) se convertiran em uma especie de rganos asesores del Rey, entre cuyas funciones no sern las menos importantes las destinadas a consagrar la obra de algunos hombres de cincia y proporcionar el brillo que pretigiaba y legitimaba la accon poltica de la corona. (LAFUENTE, 1987, p.375).

O status cientfico proporcionado pelo descobrimento de novas espcies tambm foi apontado por Pereira (2002). Segundo ele, as expedies poderiam ser organizadas de modo a (...) apressar a recolha de "produtos da natureza" das diversas partes do Imprio, de maneira a catalog-los o mais breve possvel, o que renderia muitos dividendos acadmicos e polticos, nesta corrida cientfica que se estabelecera entre as naes europias. Recolher e dar a conhecer o maior nmero possvel de espcies era uma questo de orgulho nacional (PEREIRA, 2002, p.30) Pode-se perceber que Martius, quando asseverava que a vocao dos germnicos seria conquistar os espaos e povos no europeus pelo esprito, pela cincia e pelo conhecimento (LISBOA, 2009, 190) buscava projetar a Real Academia de Cincias de Munique ao mesmo patamar de instituies cientficas de outros pases como a Frana, Inglaterra e ustria, que j contavam com um lugar de destaque no campo cientifico internacional. Inicialmente limitada aos exploradores e naturalistas portugueses, a natureza brasileira sempre despertou interesse aos olhos estrangeiros. Com a abertura dos portos, em 1808, a riqueza natural do Brasil se tornou foco de interesse de outras naes europeias, que alm do mrito cientfico almejavam a explorao dos produtos naturais para fins econmicos. Isso estava de acordo com os preceitos iluministas, uma vez que a cincia setecentista investiu a natureza de carter utilitrio, no qual o homem atravs do conhecimento seria capaz de valer-se dos elementos da natureza para fins teraputicos e econmicos. A ideia de aproveitar as potencialidades naturais do Brasil para fins econmicos fica evidente em alguns trechos do relato dos naturalistas:

Existia dantes, neste jardim, uma criao de cochonilhas sobre figueiras indianas, que

estavam plantadas ao longo da margem; atualmente, porm, ningum em todo o Brasil

se ocupa com este produto, que poderia vir a ser um ramo de negocio extremamente

lucrativo (SPIX e MARTIUS, 1981, v.I, p.65)E, mais adiante:

Existe tambm no pas outro bicho-da-seda, que se encontra em abundncia, sobretudo

no Maranho e no Par, em um arbusto do gnero das Laurceas, todavia no foi

utilizado em parte alguma, embora de fcil cultivo; e o fio do seu casulo promete seda

ainda mais brilhante que a europia. O que, porm, poderia fornecer um ramo ainda

mais lucrativo de cultura a criao da cochonilha, porque vegeta aqui o Cactus

coccinellifer, com o seu respectivo inseto, em muitos lugares da provncia de So

Paulo, especialmente em campo ensolarados (SPIX e MARTIUS, 1981, v.I, p.144)A partir do sculo XIX houve uma intensificao dessas redes de informao com o escopo de mapear as riquezas naturais e estudar suas possveis utilizaes. Nos trechos que seguem percebe-se a ateno com a qual estes naturalistas se voltaram para as plantas com propriedades medicinais.

Nas matas circunvizinhas da montanha e, segundo nos asseguraram, mesmo na proximidade daquele cafezal, viceja uma espcie de quina, que j desde alguns anos exportada sob nome de quina do Rio e cuja eficcia nas febres intermitentes tem sido demonstrada pela experincia dos mdicos prticos de Portugal (SPIX e MARTIUS, 1981, v.I, p.82).Mais adiante, sobre o mesmo tema:

Atribui ao vermelho do urup (Boletus sanguineus), que aparece de repente nas arvores podres e muitas vezes s dura um ms, virtude especial para estancar hemorragias uterinas, encontrou na madeira amarela da butua (Abuta rufescens) um indcio para sua eficcia nas doenas do fgado; nas razes em forma testicular da contra-erva (Dorstenia brasiliensis) e nas folhas cordiformes do corao-de-jesus (Mikania officinalis nob.) o sinal de propriedades fortificantes dos nervos e do corao, e considerava a grande e magnfica flor da Gomphrena officinalis nob. (SPIX e MARTIUS, 1981, v.I, p.162).A busca por plantas medicinais esteve presente em grande parte das expedies cientficas do sculo XVIII/XIX. Alm dos benefcios econmicos dessas plantas em terras europias, certamente os cientistas no deixavam de se preocupar com as condies de sade dos sertes e cidades do nascente Brasil oitocentista. Alm disso, claro, a discutida busca pela construo do conhecimento universal fez com que Spix e Martius reservassem espao em seus dirios para os medicamentos naturais. III. NATURGEFHL Alm dos aspectos polticos e econmicos que impulsionaram essa expedio algumas caractersticas tpicas do romantismo influenciaram a escrita e o modo de perceber a natureza. Humboldt, naturalista, explorador e botnico foi uma influncia marcante para Spix e Martius. Segundo Kohlhepp (2006),a expedio cientfica organizada por Humboldt entre 1799 e 1804 percorreu boa parte da Amrica espanhola, passando pelos vice-reinos do Peru, Nova-Granada e Nova Espanha e ainda pela ilha de Cuba. A viagem fez do naturalista um grande conhecedor dos aspectos fsicos, econmicos, polticos e sociais da Amrica Latina.

Spix e Martius, assim como Humbold, acreditam que homem e natureza se complementavam, de modo que era impossvel entender a paisagem natural sem o sentimento humano fosse levado em conta. Dessa forma, a racionalidade divide espao com o sentimento na descrio da paisagem natural e na anlise cientfica.

Nas ilustraes da obra aqui abordada possvel perceber a inteno por parte dos autores de representarem o homem como parte integrante da natureza, uma vez que ambos se complementam nas descries. Pode-se perceber que, em alguns desenhos, os autores se concentraram em retratar seus objetos de estudo (fauna, flora) separados do seu contexto. O objetivo, nesses casos, tentar fazer uma anlise cientfica mais apurada, que se detenha nos detalhes do objeto retirado da realidade para ser melhor descrito em seus aspectos morfolgicos. Porm, em outras figuras, como na Cachoeira Araraquara (Figura 01) visvel a representao de uma paisagem completa, em todos os seus elementos, contando inclusive com a presena do homem como complemento dessa natureza. O homem assim representado como parte intrnseca natureza. O uso da imagem se torna uma ferramenta til na tentativa de retratar, na sua totalidade, os fenmenos naturais observados.

As ilustraes, alm de conseguirem captar a relao homem natureza auxiliam a compreenso daqueles que aqui no estiveram. Martius em um trecho da obra Viagem pelo Brasil diz: mais difcil retratar o carter das jovens florestas brasileiras com palavras do que com imagens; e desse modo parece-nos j ter satisfeito ao benvolo leitor com a arte do pintor. Contudo aquele que deseje saber mais sobre a natureza destas florestas percorra a narrao de nossa viagem e o nosso discurso acadmico sobre a fisionomia das plantas no Brasil (MARTIUS apud KURY, 2001, p.867).Na concepo de Martius imagem e texto se articulavam organicamente para produo de conhecimento cientfico. Para Kury (2001), o anseio em capturar os fenmenos naturais juntamente aos fatos culturais como parte integrante das paisagens fez com que os naturalistas do sculo XIX, alm de recorrerem s imagens pictricas, muitas vezes buscassem auxlio na literatura. Para Spix e Martius o trabalho do naturalista no se limitava a catalogar de forma lineana a natureza. Segundo Lisboa (2009), o historiador da natureza mantm uma relao afetiva com o seu objeto de estudo. Este sentimento da natureza definido como Naturgefhl. Humboldt foi precursor deste modo de pensar a natureza. Ele foi o primeiro a mesclar descries cientficas da natureza com um discurso esttico. Em uma carta a Goethe escreveu que:A natureza deve ser sentida; quem somente v e abstrai, pode dissecar plantas e animais no turbilho do pulsar dos trpicos ardentes ao longo de toda uma vida, acreditando estar descrevendo a natureza, permanecendo, no entanto, eternamente alienado dela (HUMBOLDT apud LISBOA, 2009, p.182).

Figura 01: Cachoeira Araraquara (SPIX e MARTIUS, 1981, v.III, p.238)

Assim, como Humboldt que asseverava que o sentimento da natureza era indispensvel para a sua prpria compreenso, Spix e Martius imbudos por este sentimento da natureza descreveram de forma cientifica e potica a paisagem natural do Brasil oitocentista:Ao passo que o mundo tranqilo das plantas, iluminado aqui e ali por milhares de vaga-lumes como por enxame de estrelas volantes, com as suas exalaes balsmicas glorifica a noite, resplandece o horizonte incessantemente com os relmpagos, elevando a alma em jubilosa admirao s estrelas que no firmamento cintilam em solene silncio acima da terra e do mar, inspirando-a com noes de maravilhas sublimes (SPIX e MARTIUS, 1981, v.I, p.58-60)

A descrio dos sentimentos evocados pela natureza insere o discurso destes viajantes em uma perspectiva romntica que vai alm da observao emprica. Na obra comum encontrar trechos em que esboam o prprio estado de esprito instigado pela natureza: No menos extraordinrio que o reino das plantas o dos animais que habitam as matas virgens. O naturalista para a transportado pela primeira vez, no sabe o que mais admirar, se as formas, os coloridos ou as vozes dos animais (SPIX e MARTIUS, 1981, v.I, p.95). Esse sentimento de deslumbramento perante a natureza visvel tambm quando os naturalistas afirmam que:(...) todos esses magnficos produtos de terra to nova combinam-se num quadro, que mantm o naturalista europeu num contnuo e alternado estado de assombro e de xtase (SPIX e MARTIUS, 1981, v.I, p.95).IV. CONSIDERAES FINAIS As sensaes de encantamento e sobressalto descritas pelos viajantes do ao discurso cientfico uma nfase que transcende a exatido cientfica. O mtodo lineano permaneceu como ponto cardinal para compreenso do mundo natural, mas o Naturgefh possibilitava a apreenso subjetiva e detalhada do objeto observado. Segundo Temstocles Cezar, no Brasil oitocentista, nem sempre ser poeta ou romancista era incompatvel com ser historiador; e ir de um gnero ao outro era uma opo, no uma impossibilidade intelectual (CEZAR apud OLIVEIRA, 2010, p. 47).A obra Viagem pelo Brasil um exemplo de como uma narrativa cientfica e fortemente influenciada pelos preceitos iluministas pode tambm ser considerado um trabalho potico, mesmo que mediado pela razo. Esta obra fruto da sntese entre o saber cientfico e o Naturgefh evocado pela beleza natural das paisagens. O estilo cientfico e potico inaugurado por Humboldt nasce do anseio de alcanar a compreenso total da natureza. Para estes viajantes de inspirao romntica a potncia e a grandiosidade do mundo natural s conseguiria ser compreendida atravs da comunho entre a cincia e a esttica.Referncias Bibliogrficas AUGUSTIN, G. Literatura de viagem na poca de Dom Joo VI. Belo Horizonte: UFMG, 2009.

BONATO, T. Viagens do olhar. Relatos de viajantes e a construo do serto nordestino (1783-1822). Guarapuava, Editora da UNICENTRO, 2014.CARVALHO, R. de. A histria natural em Portugal no sc. XVIII. Instituto de Cultura e Lngua Portuguesa, Lisboa, 1987.CRUZ, L. R. B. ; PEREIRA, M. R.M. A histria de uma ausncia: os colonos cientista da Amrica portuguesa na historiografia brasileira. In: Joo Fragoso; Manolo Florentino. (Org.). Nas rotas do Imprio. Vitria/Lisboa: DUFES/Instituto de Investigao Cientfica Tropical, 2006.DOMINGUES, A. Para um melhor conhecimento dos domnios coloniais: a constituio de redes de informao no Imprio Portugus, em finais do setecentos. Histria, Cincias, Sade. Manguinhos, vol. 8 (suplemento), p. 823-838, 2001.

GUIMARES, M. L. S.: Histria e natureza em von Martius: esquadrinhando o Brasil para construir a nao.Histria, Cincias, Sade Manguinhos, vol. VII(2), 389-410, jul.-out. 2000.HAZARD, P. O pensamento europeu no sculo XVIII. Lisboa: Presena, 1989.KOHLHEPP, G. Descobertas cientficas da Expedio de Alexander von Humboldt na Amrica Espanhola (1799-1804) sob ponto de vista geogrfico. Revista de Biologia e Cincias da Terra, 2006, 6.1: 260-278.

KURY, L. Viajantes- naturalistas no Brasil oitocentista: experincia, relato e imagem. Histria, Cincias, Sade Manguinhos, vol. VIII (suplemento), 863-80, 2001.LAFUENTE, A. Las Expediciones Cientificas del Setecientos y la Nueva Relacion del Cientifico com el Estado. In: Revista de Indias, vol. XLVII, num.180, 1987.LISBOA, K. Brasil dos Naturalistas Spix e Martius. Revista Acervo, Local de publicao (editar no login de traduo o arquivo da citao ABNT), 22, nov. 2011. Disponvel em: . Acesso em: 15 Out. 2012.

MARTIUS, C. F. P.; SPIX, J. B. Viagem pelo Brasil. Belo Horizonte/So Paulo, Itatiaia/Edusp, 3 vols. (1823-31), 1981.

OLIVEIRA, M. G. Fazer histria, escrever a histria: sobre as figuraes do historiador no Brasil Oitocentista. Revista Brasileira de Histria. So Paulo, v.30, n59, p.37-52, 2010.

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TODOROV, T. As morais da histria. Portugal, Publicaes Europa Amrica LTDA, 1991.

VEIGA, J. E.; EHLERS, E. Diversidade biolgica e dinamismo econmico no meio rural. In: MAY, Peter (org) Economia do meio ambiente: teoria e prtica, 2 ed, RJ: Elsevier/Campus, p. 289-308, 2010. O presente artigo originou-se do trabalho de concluso da disciplina de Tpicos Especiais I - O fantstico, o desconhecido e o revelado: viagens nos Imprios Ibricos Espanha e Portugal, sculos XVI-XVIII, ministrada em 2012, sob a orientao do prof. Tiago Bonato.

Segundo Augustin, diversos viajantes percorreram o Brasil durante o sculo XIX: Luccock, Caldcleugh, Walsh, Suzannet, Burmeister, Av-Lallemant, Burton, Wells, Mawe, Eschwege, Freireyss, Saint Hilaire, Pohl, Spix, Martius, Bunbury, Gardener, Castelnau, Agassiz (AUGUSTIN, 2009, p.59).

bem verdade que a Coroa portuguesa havia feito um esforo em organizar diversas expedies cientficas na segunda metade do sculo XVIII, que ficaram conhecidas como viagens filosficas. A maior parte do material produzido pelos naturalistas, entretanto, permaneceu sem ser publicada na poca. Recentemente as pesquisas sobre a temtica aumentaram bastante, trazendo a tona vrias problemticas a respeito da historia da cincia na Amrica portuguesa setecentista. Ver, por exemplo, CRUZ, Ana L. R. B. ; PEREIRA, Magnus R. de Mello . A histria de uma ausncia: os colonos cientista da Amrica portuguesa na historiografia brasileira. In: Joo Fragoso; Manolo Florentino. (Org.). Nas rotas do Imprio. Vitria/Lisboa: DUFES/Instituto de Investigao Cientfica Tropical, 2006.

Informaes retiradas: AUGUSTIN, Gnther. Literatura de viagem na poca de Dom Joo VI. Belo Horizonte: UFMG, 2009.

Para uma discusso a respeito das redes de informao, ver DOMINGUES, ngela. Para um melhor conhecimento dos domnios coloniais: a constituio de redes de informao no Imprio Portugus, em finais do setecentos. Histria, Cincias, Sade. Manguinhos, vol. 8 (suplemento), pp. 823-838, 2001.

Sobre a utilizao de imagens juntamente s narrativas textuais, ver BONATO, Tiago. Viagens do olhar. Relatos de viajantes e a construo do serto nordestino (1783-1822). Guarapuava, Editora da UNICENTRO, 2014.

Carl Linn publicou Systema Naturae (Sistema da Natureza) em 1735. Segundo Romulo de Carvalho, a tentativa de Lineu com sua obra era classificar toda a natureza em trs reinos o vegetal, o animal e o mineral. Devido intensa atividade cientfica setecentista, a primeira edio, de 1735, constava apenas de doze pginas. A ltima edio publicada em vida de Lineu, j constava de mil e quinhentas pginas (CARVALHO, 1987, p.32)