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A arte de pontuar no sculo XVI e os Tratados de
Ferno Cardim Maria Filomena Gonalves
Departamento de Lingustica e Literaturas - Universidade de vora
Apartado 94, 7002-554 vora - Portugal
[email protected]
Abstract. The aim of this paper is to analyse the punctuation
and its function in the 16th. century writing, supported by the
transcripts known as Tratados da Terra e Gente do Brasil ascribed
to Father Ferno Cardim (1548?-1625). Thus the punctuation inscribed
in the cardinian corpus is compared with both the theory of the
grammarians on the art of punctuating and the practice of the press
of the time, which will allow us to draw the points of disagreement
between the theories of the period and the practice present in
Cardims Tratados.
Keywords. Punctuation; writing; 16th century; theories;
practices.
Resumo. Neste trabalho prope-se uma anlise da pontuao e a sua
funo na escrita quinhentista, com base nos apgrafos conhecidos como
Tratados da Terra e Gente do Brasil, atribudos ao Pe. Ferno Cardim
(1548?-1625). Para isso, a pontuao registada no corpus cardiniano
confrontada quer com a teoria dos gramticos a respeito da arte de
pontuar, quer com a prtica da imprensa daquele tempo, o que nos
permitir descrever os pontos de discordncia entre as teorias da
poca e a prtica presente nos Tratados de Cardim.
Palavras-chave. Pontuao; escrita; sculo XVI; teorias;
prticas.
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PONTUAA. Sa pontos, virgulas, & certos sinaes, & notas,
com que na escritura, & na impressa se distinguem as palavras,
& se dividem as sentenas para facilitar aos Leytores a
intelligencia.
Rafael Bluteau, Vocabulario Portuguez e Latino.
1. Prembulo Nos ltimos anos, as exigncias da crtica textual tm
atrado a ateno de
fillogos e de linguistas para as antigas prticas de escrita
(Accioli, 2004; Megale: 2006). Embora seja verdade que o estudo da
componente grafemtica, devido sua importncia na reconstruo do
sistema fonolgico e suas realizaes, tem registado significativos
avanos, no menos certo que a pontuao costuma ser tratada como
aspecto menor no quadro das prticas grficas dos manuscritos. Se
outros no houvesse, esse seria motivo suficiente para suscitar o
interesse pela anlise de casos especficos que possam contribuir
para a compreenso das prticas de escrita nos finais do sculo XVI,
e, por conseguinte, para a adequada transcrio de manuscritos de
acordo com o tipo de edio que se pretenda levar a cabo.
Associados ao nome do Pe. Ferno Cardim, os apgrafos dos Tratados
da Terra e Gente do Brasil anlise que se divide em trs partes: na 1
tecem-se consideraes sobre os pressupostos tericos da arte de
pontuar, sendo para isso revisitada a doutrina de gramticos
quinhentistas; na 2 parte, luz dos dados anteriores, aduzem-se
exemplos da prtica presente no corpus cardiniano; por ltimo,
tentar-se- demonstrar em que medida a pontuao registada naqueles
manuscritos corresponde prescrio feita na poca.
2. A arte de pontuar sabido que a pontuao sempre resistiu
circunscrio normativa ou
prescritiva, motivo por que no raro remetida para o terreno da
variao individual ou estilstica prpria do registo escrito da lngua,
ora dependente dos graus de competncia do escrevente, ora
decorrente da aproximao oralidade. s bvias dificuldades de
normalizao e de padronizao at hoje sentidas, sobretudo em contexto
de ensino-aprendizagem, acresce a oralizao intencional como forma
de plasmar na linearidade da escrita a espontnea e ininterrupta
corrente do pensamento. Com efeito, ao prescindirem dos sinais de
pontuao, marcas de descontinuidade ou de segmentao no enunciado
grfico, muitos escritores contemporneos Saramago disso exemplo
assumem, implicitamente, que pontuao corresponde j um 1 grau de
interpretao textual. Assim, a reduo da pontuao sua mnima
funcionalidade oferece o texto como desafio interpretativo que
exige a cumplicidade e a cooperao do leitor, a quem cabe desbravar
a sequncia textual, emprestando-lhe assim sentidos prprios.
A essa tendncia de oralizao da escrita literria, que apenas
afectar os consumidores dessa literatura, no se poder, contudo,
assacar a responsabilidade das hesitaes experimentadas por aqueles
ao terem de pontuar um texto, mas, sim, falta de treino em contexto
escolar ou de exercitao ao longo da vida. A tudo isto soma-se,
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por outro lado, o facto de o estudo da pontuao no ter grande
tradio entre ns portugueses e brasileiros , conforme denuncia a
escassez de produo ensastica relativa ao assunto, tanto do ponto de
vista sincrnico como do diacrnico. De facto, raros so os ttulos
centrados especificamente na matria, valendo por isso a pena realar
a tese de doutoramento de Carlota Paixo Rosa, que trata da Pontuao
e sintaxe em impressos renascentistas (1994) e, ainda no Brasil, a
tese de mestrado de Machado Filho (2004), sobre a pontuao em textos
medievais. Na dcada de 50 do sculo passado j tinham vindo a lume
algumas tentativas de anlise lingustica da pontuao segundo critrios
lingusticos, de que so exemplo os estudos de Leite (1959) ou Rebelo
(1957). Embora s acima referidas se possam juntar outras
contribuies a respeito tanto da pontuao medieval (Martins 1986;
Ferreira, 1986) como da pontuao moderna (Nogueira 1989), este gnero
de trabalhos no fez carreira entre ns.
Assunto controverso, a pontuao nunca foi matria consensual entre
pedagogos, gramticos, fillogos, escritores e mesmo linguistas
(Defays, 1998), existindo testemunhos da insegurana prescritiva por
ela suscitada em vrias pocas, conforme aconteceu no primeiro
quartel de Oitocentos, perodo em que se registou um sentimento de
anarquia pontuacional, conforme salienta Antnio Gil Gomes, autor
das Regras Elementares sobre a Pontuao, segunda parte da
Orthographia impressas no Brasil em 1831 (cf. Anexo 1). Nelas tenta
o autor regular os usos pontuacionais do seu tempo, fazendo jus ao
ttulo da obra. Pouco depois, em 1838, no peridico O Panorama, o
escritor romntico Alexandre Herculano vinha a terreiro para pr
ordem em matria de pontuao em dois artigos que denunciam quanto o
uso dos pontemas estaria ento sujeito a exageros e extragavncias.
Mais prximo do final do sculo, Jos Feliciano e Castilho (1870) no
faria melhor apreciao das prticas pontuacionais, consoante mostra
no Tratado Elementar da Pontuao da Lngua Portuguesa. Ademais da
inteno normativa que a elas presidiu, as obras acima mencionadas so
exemplo de que volta da pontuao se constitua um gnero
metalingustico autnomo da ortografia, prtica por que no sculo XVI j
se enveredara, quer em Frana, quer em Itlia, pases em que cedo a
pontuao viu a sua prtica ser objecto de prescrio por serem ento dos
mais avanados no que arte impressria dizia respeito. Se isso mostra
que a pontuao era vista como parte da normalizao grfica requerida
pela converso do manuscrito em impresso, tambm explicar que os
impressores italianos sejam responsveis pela doctrina puntuandi,
vertida depois no vernculo como larte del puntar, assunto de que
tratou o impressor Orazio Lombardelli, em 1585, num tratado sobre
Larte del Puntar gli Scritti, com 255 pginas, nmero nada
despiciendo para aquela poca (cf. Anexo 2). J antes, em 1540 ano da
impresso da segunda gramtica portuguesa , o francs Etienne Dolet
dera estampa em Lyon, cidade de grande tradio impressria, La
maniere de bien traduire dune langue en aultre. De la punctuation
de la langue franoyse. Associadas s casas de impresso ou escritas
pelos prprios impressores, tais obras espelham que a criao de
sinais de pontuao, depois de sculos de prtica manuscrita, passou
para a alada das oficinas de impresso, cujos progressos se
repercutiriam na prpria prtica manuscrita, num processo de interaco
entre a letra de forma e a letra de mo. Inversamente, os primeiros
impressos (incunbulos) tinham procurado reproduzir o manuscrito nas
suas caractersticas formais e estticas. Prova cabal das relaes
entre a imprensa e a escrita manual a inveno da letra aldina (hoje
itlico), por Aldo Mancio (1449-1515), famoso impressor italiano
que, coadjuvado
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pelo gravador Francesco Griffo, criou um caracter inclinado
letra aldina , tambm conhecida como grifo, letra cursiva ou
itlico.
Antes da interveno dos impressores, pontuao cabia a funo de
auxiliar da leitura em voz alta, embora at hoje se desconheam as
relaes daquela com o campo prosdico da lngua do perodo medieval
(Machado Filho, 2004). Devido s condies sociais e s prticas de
leitura (Marquilhas, 2000), ler era um acto colectivo, em certo
sentido um acto pblico, sobretudo quando se tratava da Bblia e de
textos religiosos. Na Idade Mdia, o acto de ditar correspondia ao
registo da fala de algum, tarefa confiada ao copista ou escriba.
Naquele tempo, pontuao no eram alheias questes de economia do
suporte, visto que tanto o pergaminho quanto depois o papel eram
bens escassos e caros, motivo por que eram sucessivamente
reutilizados. A economia de suporte e de tempo explicar em parte a
proliferao de abreviaturas e de outros procedimentos (como as
ligaduras) que igualmente cooperavam no desembarao e maior dbito da
escrita, em especial quando se tinha de produzir vrias cpias de um
mesmo documento.
Do ponto de vista histrico, a pontuao remonta ao sistema de trs
pontos dos Gregos ponto ao alto, ponto ao meio e ponto em baixo ,
correspondentes a outros tantos graus de pontuao, a saber: forte
(plena distinctio), mdia (distinctio media) e fraca
(subdistinctio). Para aumentar a legibilidade destes trs pontos,
entre os sculos IX e XII, foram-lhes acrescentados alguns
diacrticos como uma vrgula em baixo ou em cima < ; >, <
>, < ! > , passando a ser designados como periodus
(finitiva), colon e comma (Catach, 1994: 14-23). J no sculo XVI,
com o contributo da famlia de impressores Mancio, aqueles sinais
receberam as designaes de periodus < ; >, colum ponto em
baixo < . > e comma < : >. Lefvre dEtaples (1529)
adoptou essas designaes, embora o termo comma remetesse para uma
vrgula < , >, no para < : >. Para Etienne Dolet (1540)
colon < . > era a marca da pontuao forte, representada pelo
ponto em baixo; o antigo periodus < ; > deixa de funcionar
como marca de pargrafo e passa a ter funes semelhantes s do actual
ponto e vrgula1; comma < : > correspondia pontuao mdia; o
termo incisum ou vrgula < , > remetia para a pontuao fraca.
Posto isto, a figura e o valor da pontuao forte ter-se-o fixado
logo no sculo XVI, ao passo que a pontuao mdia estaria sujeita, at
hoje, a maiores oscilaes, ora sendo assinalada por < : >,
ora, por < ; >.
Traduzidos embora por unidades formal e funcionalmente distintas
das originais veja-se o caso do ponto e vrgula , os actuais
pontemas reflectem os mesmos trs graus da primitiva pontuao, facto
que traduz o papel hierarquizador dos segmentos grficos delimitados
pelas unidades pontuacionais. De facto, na sua origem, a pontuao
decorreu de trs ordens de necessidades: ajudar na leitura para
distinguir unidades de sentido; cooperar no estabelecimento e
tratamento do texto (assinalar aspectos visuais ou crticos); e
auxiliar no canto ou na recitao cantada (sobretudo em textos
litrgicos). Devido interveno dos impressores humanistas, que
criaram novas unidades ou atriburam funes diferentes s antigas,
parece inegvel que a moderna pontuao subsidiria, a vrios ttulos, da
arte impressria.
3. Pontuao na poca de Ferno Cardim Sem o flego terico dos seus
congneres franceses ou italianos, os gramticos portugueses de
Quinhentos, cujas doutrinas serviro aqui de contraponto prtica
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pontuacional presente nos textos atribudos ao Pe. Ferno Cardim
(1548?-1625), reconheciam j a funo da pontuao, conforme se v em Joo
de Barros (1496-1570), Pro Magalhes de Gndavo (?-1579) e Duarte
Nunes de Leo (1530-1608). Apesar de o assunto ser preceituado em
gramticas da lngua latina publicadas no mesmo perodo, Joo de Barros
foi o primeiro gramtico a incluir uma seco sob o ttulo de Dos
Pontos e distines da oram, onde reala o valor funcional dos
pontemas na separao dos elementos da frase: ha das cousas prinipes
da orthografia, pela qul entendemos a escritura: o apontr das prtes
e clusulas, e em que os latinos mostrram muita diligia (Barros,
1540: 49). Palavras do mesmo gramtico informam que os
quinhentistas, ao contrrio dos Antigos, no eram to diligentes na
arte de pontuar: Esta nam temos ns, principlmente na letera tirda,
sendo cousa que imprta muito: por que s uezes fica a ram
amfibolgica sem elles, donde nem duuidas (Barros, 1540: 49). Se a
crtica de Barros prtica sua contempornea justificaria um gnero
metalingustico centrado na arte de pontuar, portanto autnomo do
ortogrfico ou gramatical, na esteira de publicaes francesas e
italianas coetneas, na verdade esse gnero frutificaria em Portugal,
nem mesmo nos sculos seguintes. A propsito da funo de cada pontema
diz Joo de Barros:
Cma, uocbulo grego, aque podemos chamr cortadura: por que aly se
crta a clusula duas prtes. Estas duas prtes, se crtam em uirgulas:
que sam has distines das prtes da clausula.
Clo, o termo ou mrco em que se acba a clusula. As figuras de
cada ponto destes: sam as seguintes. Dous a este mdo : se chamam
cma. Este s se chama clo. As uergas sam estas zeburas, ao mdo dos
gregos. Na cma paree que descansa a uz, mas nam fica o intendimto
satisfeito: por que deseia a outra prte, com que a ram fica
perfeita e rematda com este ponto clo. Estam antre as cortaduras
que sam estes dous pontos: has zeburas assy, aque chammos distines
das prtes da clausula. Este s pto (como ia disse) se chama clo. As
paluras que izm antre dous clos, se chama, clausula, ao nsso mdo: e
segundo os gregos, periodo aque os latinos chamam termo. Os dous
rcos que fzem estas palauras (como ia disse): usam os latinos
quando comtem ha figura aque chamam Entreposiam, e os gregos,
partesis, daqul tratamos na construam.
Qudo pergtamos lga cousa dizendo. Quem foy o primeiro que achou
o uso das leteras ? Estes dous pontos assy escritos onde apergunta
acba, podemos chamr interrogatiuos: por serem sinl que interrogamos
e preguntamos alga cousa. (Barros, 1540: 49r-49v; grifo nosso).
As designaes usadas por Joo de Barros cma, clo, uerga,
parentesis e interrogam denotam a herana da terminologia
greco-latina, marcada pela sua origem retrico-literria. Segundo
Barros, o colon < . >, sinal de fechamento do enunciado,
designa-se tambm cortadura; comma refere o pontema < : >.
Dobrada a metade de Quinhentos, ainda sem o termo pontuao e sob
o ttulo de Dos lugares omde se hade vsar destas letras maiusculas,
& das pausas & distines que se requerem no discurso das
escripturas (1574), Magalhes de Gndavo1 (1574) traa um sistema de
pontuao baseado nos referidos trs graus:
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E no discurso a escriptura auer tres maneiras de distines, pera
que o lector saiba melhor pausar & entender o sentido da
sentena, ou clausula, conuem a saber, auer virgula, dous pontos :
hum ponto. (da maneira que fica significado) Da virgula se vsar
quando quiserem destinguir ha parte da outra indo proseguindo pela
sentena adiante todas as vezes que for necessario. Dos dous pontos
em algs lugares, onde se fezer mais pausa. De hum ponto no fim da
clausula, onde se acaba de concluir algua cousa. E logo a diante do
mesmo ponto a primeira letra que se seguir ser maiscula: porque hum
ponto s tem mais fora que dous, & os dous mais que a virgula.
(Gndavo 1574: 10r-10v).
Dois anos depois, Duarte Nunes de Leo (ou Lio) publica na sua
Orthographia o primeiro Tractado dos Pontos das clausulas, & de
outros que se pem nas palauras; ou orao (Leo, 1576: fl. 74r-78),
ali referindo a vrgula < , > , a comma < : > e o colon
< . > como principais pontemas. O sistema de pontuao assim
descrito pelo ortgrafo quinhentista:
[] E os pontos que neste tempo se vso, no partir & diuidir
as clausulas, assi na scriptura de mo, como na stampada, so tres.
s. virgula, coma, colon, que teem estas figuras [].
E a differena que ha entre tres pontos he, que a uirgula se pe,
& faz distino, quando ainda no sta dicto tal cousa, que dee
sentido cheo, mas soomente descansa para dizer mais (Leo, 1576:
74v).
O segundo se pe, quando st dicto tanto, que d sentido mas fica
ainda mais para dizer, para perfeio, & acabamto da sentena. O
qual ponto se chama comma, que quer dizer cortadura.
O terceiro se pe, quando teemos chea a senta, sem ficar della
mais que dizer. E chama se colon, que quer dizer mbro. Porque elle
he parte do periodo, que he a clausula ou materia acabada, de que a
baxo diremos mais. O qual periodo, que quer dizer arrodeo, consta
de tres membros, & ao menos de dous (Leo, 1576: 75r; grifo
nosso).
Dos excertos de Gndavo e Leo se conclui que a pontuao tanto
dependia da estrutura sintctico-semntica vejam-se as referncias ao
perodo, clusula e sentena e ao sentido como das pausas
respiratrias.
semelhana de Barros (1540), quer Gndavo quer Leo incluem os
pontos de exclamao e de interrogao nos respectivos elencos, abaixo
reunidos num quadro em que sobressai a variedade das unidades
apontadas por Nunes de Leo.
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Quadro 1
Sistema de pontuao Gramtico Vrgula
(,) Coma (:) colon /
ponto (.) Interrogao/ exclamao
Parntesis Outros
Barros 1540
uerga (zeburas)
comma (cortadura)
clo
interrogatiuo
entreposiam partesis
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Gndavo 1574
virgula
comma hum ponto (exclamao)
Interrogao parenthesis
-
Leo 1576
virgula coma colon interrogatiuo patenthesis admiratiuo
paragrapho meo circulo
apices hyphen
asterisco obelisco brachia diuiso angulo
Confrontadas as doutrinas pontuacionais destes gramticos
verifica-se que, em obedincia tradio dos trs pontos, as unidades
relacionadas com a construo sintctica, a delimitao de sintagmas e
de oraes eram a vrgula, os dois pontos (coma) e o ponto, sendo de
salientar que a teoria gramatical de Quinhentos no integrara ainda
o ponto e vrgula, tal como o empregamos hoje, conquanto j
existisse, formalmente, desde a poca medieval, para assinalar o
periodus, vale dizer, o pargrafo. Retomado no sculo XVI pelo
humanista francs Lefvre dEtaples (Catach, 1994: 14-15), este
pontema fora veiculado pela prtica manuscrita, tornando-se cada vez
mais frequente nos impressos. Pese embora o seu antigo emprego em
manuscritos medievais e na escrita renascentista, ao tempo de Leo o
ponto e vrgula era tido como novidade, consoante se infere das
palavras do autor ao comentar:
De outro ponto vso agora algus modernos, que consta de hum
colon, na parte superior, & de ha virgula na inferior assi; do
quel dizem, q querem vsar, onde no st dicto tanto, que se aja de
por comma, nem tpouco, que se aja de poer virgula. Mas a meu veer,
he inuo de pouca vtilidade, & desnecessaria, & que eu no
imitaria. Porque pelos antigos se distingue tudo, & este faz
mais toruao, que distino, que he o fim dos pontos (Leo, 1576: 76v,
grifo nosso).
Com efeito, o ponto e vrgula seria apenas referido e usado com
regularidade, nas obras dos prprios gramticos, no decurso do sculo
XVII, reconhecendo os autores a dificuldade em prescrever este
pontema, conforme mostram as obras ortogrficas de lvaro Ferreira de
Vera (1631), Bento Pereira (1666) e Joo Franco Barreto (1671). Para
o primeiro, a virgula & ponto (colon ou membro imperfeito i.e.
ponto e vrgula)
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serve para fechar sentena imperfeita quando no basta virgula;
nem tampouco conv dous pontos [](Vera, 1631: 38). Quanto aos dois
pontos, o mesmo ortografista previa que fosse usado quando temos
cheia a sentena, sem ficar mais que dizer, distinguindo-o,
portanto, do ponto e vrgula, j que este, ao ser colon imperfeito,
deixa suspenso o sentido at ouvir a particula indeclinavel, ou
relativa, que se segue (Vera, 1631: 38v). Ademais desta, Vera
destaca j a funo dos dois pontos como pontema do discurso repetido
ou encaixado, para indicar a abertura das citaes. Impressa em
caracteres aldinos ou itlicos, a obra de Ferreira de Vera apresenta
inmeras ocorrncias do ponto e vrgula nos contextos previstos na
doutrina do ortgrafo, ao invs do que acontece na obra de Bento
Pereira (1666), situao que, podendo ser imputvel ao impressor
Domingos Carneiro, se prender igualmente coma difcil prescrio do
seu emprego, qual alude aquele jesuta alentejano quando se refere
destrina funcional entre o colon imperfectum e o colon
perfectum:
Mayor difficuldade he explicar outra parte da regra, & dar
differena entre o uso do ponto, & virgula, & o de dous
pontos. Quanto ao uso de ponto & virgula [] entam se dar,
quando na basta a virgula, nem convenha porse dous pontos: o que
acontece quando fecha sentena imperfeyta [] Quanto a dous pontos []
usamos delle, quando temos chea a sentena sem ficar mais que dizer.
E assim a raza de se chamar mbro perfeyto, he por ser parte do
periodo, o qual, como corpo he clausula, ou materia particular
acabada (Pereira, 1666: 14-15).
Seja como for, a ausncia do ponto e vrgula na obra de Bento
Pereira demonstra em que medida a pontuao dos textos seiscentistas
estava ainda condicionada pela prtica impressria. Diferente do
anterior o caso da Ortografia da Lingua Portuguesa (1671), de Joo
Franco Barreto. Impressa em Lisboa na Oficina de Joo da Costa,
nesta obra a teoria do ortgrafo v-se reflectida no texto imprenso,
sendo at ampliados os contextos previstos para cada pontema. Sob a
designao de pontuao, para Barreto os trs sinais essenciais
continuam a ser a vrgula (coma ou inciso e meio ponto), o colon ou
ponto e vrgula (colon imperfeyto) e o perodo (ponto), sem deixar de
mencionar a destrina entre o ponto e vrgula e os dois pontos com
base na diferena de sentido dos membros delimitados por um e por
outro. A esse propsito, acrescenta o ortgrafo:
O ponto & virgula, que chamamos colon imperfeyto, usamos,
quando a virgula n basta, & os dous pontos sobejam; quero
dizer; quando n est dito tanto, que se haja de por dous pontos, n t
pouco, que se haja de por virgula; ms he cousa muyto dificil de se
conhecer; aindaque Duarte Nunez, a chama inven de pouca utilidade,
& desncessaria, o que elles diz, n imitaria, sendo t nimio,
outras cousas menos importantes. [colon perfeito] quando temos
cheya a sentena, ms n acabado o periodo; & parece que o animo
do que ouve fica suspenso, esperando outra cousa mays, que depende
do que est dito (Barreto, 1671: 216-217; grifo nosso).
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Na verdade, para Barreto o sinal de dous pontos fica reservado
para marcar o incio de uma citao, isto , de um discurso repetido:
Tamb usamos de dous pontos, quando na pratica que fazemos referimos
palavras de outrem [] (Barreto, 1671: 217-218). Para este
ortografista, a distribuio dos pontemas na cadeia grfica decorre da
prpria organizao interna do perodo, porque colon perfeyto, ou
imperfeyto, pde comprender muytas virgulas, & o ponto final
muytos coma, & cols (Barreto, 1671: 218), acrescentando depois
Barreto: e isto he o que se chama periodo onde vay a clausula,
& materia toda acabaa, incluindo seys membros, ou sentenas
distintas per suas virgulas, cols, & rematadas c ponto final
(Barreto, 1671: 218-219).
Revisitada a doutrina quinhentista e seiscentista a respeito da
pontuao, dela se conclui, por um lado, que o ponto e vrgula, sinal
de pontuao mdia, no fora ainda completamente integrado na doutrina
dos gramticos de Quinhentos, embora no ltimo quartel do sculo,
consoante se viu em Leo, merecesse j referncia, a ttulo de unidade
exterior ao elenco fundamental; por outro lado, conforme se notou
em Bento Pereira, nem sempre a aluso ao ponto e vrgula acompanhada
da sua ocorrncia nos impressos. Se a presena desta unidade nos
impressos parece estar dependente da disponibilidade das oficinas
de impresso, resta saber, por um lado, em que medida a prtica
manuscrita a contemplava e, por outro, qual a funo por ela
desempenhada na escrita dos finais de Quinhentos. Para isso, servem
de exemplo os Tratados do Pe. Ferno Cardim.
3.1. A pontuao nos Tratados de Cardim Os relatos de viagem
escritos pelos missionrios destinavam-se a serem lidos
(possivelmente em voz alta) pelos membros da ordem ou congregao,
o que ter determinado uma pontuao orientada para a funo pausal ou
entoacional, conquanto no desatendesse organizao sintctico-semntica
do texto. Eram relatos de carcter informativo e descritivo, aspecto
que importa realar, j que o gnero textual2 tanto quanto as
circunstncias da redaco, o destinatrio ou as finalidades, decerto
ter condicionado a pontuao neles presente.
O contedo dos manuscritos do Cod CXVI / 1-33 da Biblioteca
Pblica de vora Do principio & origem dos Indios do Brasil &
de seus costumes, adoraa, & cerimonias, fol. 1-12; Do Clima,
& terra do Brasil, e de algas. cousas notaueis que se acha assi
na terra como no mar, fol. 13-33) corresponde ao texto conhecido
desde o sculo XIX (Cardim 1925; 1997) como Tratados da Terra e
Gente do Brasil. O seu autor, o Pe. Ferno Cardim (1548?-1625),
jesuta alentejano que viajou para a Bahia como secretrio do
Visitador Cristvo Gouveia, exerceu a misso no Brasil durante mais
de quarenta anos. Embora os manuscritos da Biblioteca eborense no
sejam autgrafos, pois sabe-se que os originais tero ido parar a
Inglaterra na poca em que o Padre Cardim, no regresso Bahia, vindo
de Roma, foi capturado por corsrios ingleses que o levaram como
prisioneiro para aquele pas, o seu contedo idntico ao que se
encontra em Purchas and his Pilgrims, obra publicada em Inglaterra
em 1625, sem qualquer meno a Ferno Cardim. Os manuscritos
apresentam caractersticas paleogrficas e de escrita prprias de
finais do sculo XVI ou de comeos do seguinte (Megale, 2005;
Accioli, 2003), sendo possvel que uma das duas assinaturas apostas
em cartas includas no mesmo cdice seja do Pe. Cardim. Embora no
possam atribuir-se pena de Cardim, estes textos tm o interesse de
serem uma cpia do texto produzido na
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poca do autor, exemplificando, portanto, a prtica da pontuao
desse perodo. Tudo aponta para um nico punho bastante hbil, pois os
traos e demais caractersticas assim o indicam. O alinhamento das
margens quase perfeito; a letra humanstica elegante, clara e limpa,
incluindo as habituais abreviaturas e ligaduras, em conformidade
com o que era corrente na mesma poca. No se trata de um rascunho,
visto as rasuras serem poucas, mas de uma cpia, sem data ou
assinatura. um apgrafo, cujo contedo coincide com o da edio
seiscentista em lngua inglesa.
semelhana de outros relatos de viagem escritos por missionrios
no Novo Mundo, estes textos destinar-se-iam a circular entre os
irmos da Companhia, uma vez que as informaes relatadas descrio dos
gentios e da realidade natural do Brasil eram de grande utilidade
para quem fosse converter os indgenas em territrio brasileiro.
Escrito numa poca em que j existia imprensa, o texto de Cardim (ou
de quem copiou o seu texto) representa a prtica de um homem
culto.
Se a doutrina quinhentista prescrevia sobretudo o uso da vrgula,
dos dois pontos3 e do ponto, j a prtica presente nos manuscritos
associados a Cardim, sem a contrariar, afasta-se dela no que tange
ao ponto e vrgula, cujo uso afinal mais frequente do que se
depreende da lio dos gramticos de Quinhentos e de alguns do sculo
seguinte. Devido sua plurifuncionalidade, as unidades de pontuao
fraca e forte a vrgula e o ponto , so obviamente as mais
frequentes, cabendo aos dois pontos uma funo de pontuao mdia, cujo
uso depende da extenso do enunciado, visto servir para delimitar os
membros do perodo. Tal como se depreendia da doutrina de Nunes de
Leo, a entrada do ponto e vrgula para o domnio da pontuao mdia veio
suscitar a especializao funcional deste pontema e dos dois
pontos.
A prtica da pontuao nos Tratados de Ferno Cardim ser a seguir
ilustrada a partir de excertos dos manuscritos eborenses.
3.2. Pontuao fraca - vrgula Nos Tratados cardinianos, a vrgula
antecede com regularidade a conjuno coordenativa de adio e,
independentemente da sua alografia (e ou &), e o mesmo acontece
com a conjuno disjuntiva ou3. Dada a frequncia de estruturas de
coordenao na sintaxe quinhentista (Barreto, 1996), a primeira
daquelas conjunes a mais frequente, estando tambm presente nas
enumeraes de formas lexicais e na separao de sintagmas. Atente-se
nos seguintes passos:
i. Vrgula depois de conjuno coordenativa e e ou (1) As armas
destes gentio sam arcos, e frechas, e delles se honrra mujto, e os
fazem de boas madras, e muito galantes, tecidos c palma de uarias
cores, & lhe tingem as cordas de uerde, ou uermelho, e as
frechas fazem mujto galantes uscando canas, e na ponta lhe metem
dentes de animais, ou has certas canas muito duras e crueis, ou hs
paos agudos c muitas farpas, e as uezes as eruo c peonha. (fol.
5v).
(2) A priguia q chama do Brasil, he animal pera uer, parecese c
cas felpudos, ou perdigueiros. So muito feos, e os rosto parece de
molher mal toucada. Tem as mas e pees compridos, e grandes unhas, e
crueis, ando com o peito plo cha, e os filhos abraados na barriga,
p mais q lhe dem anda to deuagar q ha mister muito tp pera
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subir a ha aruore, e p isto so tomados facilmente. Sustentase de
certas folhas de figuas, e por isso na pod ir a Portugal, por que
como lhe falta, morrem logo. (fol. 16r.).
ii. Vrgula separadora em enumeraes (3) [Parreyras] Ha mtas
castas duuas como ferraes, boaes, bastarda, verdelho, galego, e
outras mtas. ate o Rio de Janro tem todo o anno vuas se as quer
ter, p q se as podo cada me, cada mes uao dando vuas successiue
(fol. 33r; grifo nosso).
(4) [Legumes] Melos na falta em mtas cap.tas e so bons e finos,
mtas abobaras, de q faz tambem cserua, muitas alfaces, de que tazem
se tambem a fazem, couues, pipinos, rabas, nabos, mostrada,
ortella, coentros, endros, funchos, eruilhas, gerselim, sebollas,
alhos, borrags, e outros legumes q do reino trouxera q se da bem na
terra. (fol. 33r-33v; grifo nosso).
Ademais dos contextos acima, nos manuscritos em apreo, ao invs
do que prescreveriam os gramticos e ortgrafos de Seiscentos, ainda
no era constante nem sequer predominante o uso de vrgula antes de
que, fosse ele pronome relativo ou uma conjuno, conforme se v nos
exemplos a seguir.
iii. Vrgula antes de que (5) [Aiuruatubira] Esta aruore q he
piquena da ha fruita vermelha, e della se tira h oleo vermelho com
q tab se unta os Indios. (fol. 22r).
(6) Jararaca he nome q cprehende quatro generos mto. peonhentas
[fol. 17r]
No entanto, a vrgula aparece antes de locuo concessiva:
iv. Vrgula antes de conjuno / locuo concessiva (7) [Mandioca] O
mantimto ordinario desta terra q serue de pa se chama Mandioca, e
sa has raizes como de senouras, ainda q mais grossas e compridas.
(fol. 22 v).
3.3. Pontuao mdia: dois pontos e ponto e vrgula Se a vrgula tem
elevada frequncia porque est associada sobretudo separao de
sequncias sintagmticas e presena de conjunes coordenativas, j a
pontuao mdia tem menor presena no corpus em apreo, parecendo
depender da estrutura sintctica ou da dimenso do perodo, pois
ocorre quando a extenso deste requer uma pontuao de fora superior e
com funes diferentes das atribudas vrgula. Contudo, afora a
organizao do perodo, o emprego dos dois pontos estar igualmente
condicionado por contextos especficos4, como a existncia de um
pronome relativo distinto de que, consoante indicam os exemplos (8)
e (9), nos quais no ser de excluir a correspondncia a uma pausa
pausa maior do que a assinalada pela vrgula separadora de sequncias
sintagmticas ou lexicais.
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(8) [ndios] Os q tomados na guerra viuos sao destinados morte
uem logo de laa com hum sinal q he ha cordinha delgada ao pescoo, e
se he homem q pode fugir traz ha ma atadaso pescoo de baixo da
barba, e antes de entrar nas pouoais q ha polo caminho os enfeita,
depenando lhes as pestanas, sobrcelhas, e barbas trosquinandoos a
algum modo, e penando os com penas amarellas tamb assentadas q lhe
na parece cabello : as quais os fazem ta lustrosos como aos
Espanhoes os seus uestidos ricos, e assi ua mostrando sua uictoria
p onde quer que passa. (fol. 6r.).
Os dois pontos eram, por outro lado, a marca introdutria da
descrio do elemento anunciado no segmento anterior, correspondendo
a uma pausa maior que a da vrgula:
(9) [Pca.] Estas pacas so como leites. ha grande abundancia
dellas: a carne he gostosa, mas carregada. (fol. 14r.).
(10) [Tapyret.] Estas sa as antas de cuja pelle se fazem as
adargas: parecem se c vacas emuito mais c mullas [] (fol. 13v)
Embora possa ocorrer em vrios contextos quando se trata de
dividir enunciados grficos extensos (cf. exemplo 12), o ponto e
vrgula est associado presena de uma conjuno adversativa e pausa
registada nesse ponto do enunciado, em funo do contraste semntico
expresso pela conjuno, conforme se observa em (11).
(11) [Boicininga.] Esta cobra se chama de cascauel, he de grande
peonha; por faz tanto ruido com h cascauel q tem na cauda, q a
poucos toma: ainda que he ta ligeira q lhe chamao a cobra q voa:
seu comprimeto he de doze, e treze palmos. Ay outra chamada
Biciningbba: esta tamb tem cascauel, mas mais piqueno, he preta, e
tem muita peonha. (fol. 17v.)
(12) [Arara.] Estes papagayos sa os q por outro nome se chama
Macaos: he passaro grande, e so raros, e pola fralda do mar na se
acha. he ha fermosa em cores. os peitos tem uermelhos como gra ; do
meo corpo pera o rabo algs sa amarelos, outros uerdes, outros
azuis, e de ordinario, cada pena tem tres, quatro cores, e o rabo
he muito cprido. (fol. 18r).
No exemplo (11) nota-se que a locuo concessiva precedida, desta
feita, por por dois pontos, o que parece denotar que em tal
contexto se requeria uma pontuao mais forte que a vrgula. J em
(12), a existncia do ponto e vrgula5 decorrer da extenso do perodo
e da necessidade de separar elementos relativos mesma sequncia
descritiva da ave.
3.4. Pontuao forte A marca de finalizao ou de encerramento , por
excelncia, o ponto, no
obstante poder corresponder, quando em interior de frase, a uma
vrgula ou a um ponto vrgula. Alm de delimitar a cadeia grfica,
igualmente sinal de abreviatura, sendo se assinalar que nos
manuscritos em apreo, nem sempre constante e sistemtico o seu
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uso com tal funo, porquanto das inmeras abreviaturas presentes
no texto uma parte significativa no inclui o referido ponto,
conforme se observa em sobremanra (fol. 14v), mto, ligr, instrumto
, somte, mtas (fol. 15).
Posto isto, no corpus cardianiano o ponto acumula vrias funes,
que vo desde a delimitao dos ttulos at ao encerramento sintctico,
passando pela finalizao de oraes ou frases de maior ou menor
complexidade; mas serve ainda de pontuao mdia quando corresponde a
uma unidade de menor extenso e de sentido incompleto.
i. Ponto nos ttulos (13) Dos Casamentos. (fol. 1v)
(14) Do clima, & terra do Brasil e de algas. cousas notaueis
que se acha assi na terra cimo no mar. (fl. 13r)
ii. Ponto de fechamento sintctico (15) [Gatos brauos] Deste ha
mujtas castas, hs pretos, outros brancos assafroado, e so muito
gallantes pera qualquer forro, sa estes gatos muito terriueis, e
ligros : uiuem de caa e passaros, e tambem acometem a gente, algs
sa tamanhos como cas. (fol. 15v).
iii. Ponto interior sem maiscula seguinte (valor de pontuao
mdia)
(16) [Coati.] Este animal he pardo, parecese c os texugos de
Portugal, tem o fucinho mto comprido, e as unhas, trepa polas
aruores como bugios. na lhe escapa cobra nem ouo, nem passaro, n
quanto pode apanhar, fazemse domesticos casa mas na ha quem os
sofra tudo com. brinca c gatinhos, e cachorrinhos, & sam
maliciosos, apraziueis, e tem muitas habilidades. (fol. 15v).
Em relao ao emprego do ponto como pontuao fraca (i. e vrgula) e
pontuao mdia (i.e. ponto e vrgula) sublinhe-se que tal prtica
deriva da tradio anterior, na qual o ponto era bastante
polivalente.
4. Notas finais O confronto da pontuao manuscrita do corpus
cardiniano com a doutrina dos gramticos quinhentistas ps de
manifesto, por um lado, que em finais de Quinhentos ainda no se
generalizara o uso do ponto e vrgula e dos dois pontos com as funes
actuais, e, por outro lado, que a pontuao mdia podia ainda ser
assegurada ou pelo ponto interior (no seguido de maiscula) ou pelos
dois pontos. O confronto da teoria com a prtica tambm permitiu
concluir que o ponto e vrgula tinha fraca expresso no corpus em
apreo, sendo baixa a sua frequncia mesmo em perodos longos.
Tal como se adiantava a propsito da teoria dos gramticos
quinhentistas, a pontuao mdia, a finais de Quinhentos, dependia da
existncia de unidades de sentido mais ou menos extensas, visto que
o ponto e vrgula ocorre a par dos dois pontos apenas em frases ou
perodos mais longos. Alm disso, a pontuao mdia parece
relacionar-se, por sua vez, com o tipo de conectores de oraes. As
conjunes (e locues conjuncionais) que mais parecem estar vinculadas
pontuao mdia so as subordinativas. A vrgula, por separar as partes
menores da orao e, por conseguinte,
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dos enunciados grficos, tem uma frequncia mais elevada. Pelo
contrrio, poucas so as ocorrncias tanto do ponto e vrgula como dos
dois pontos, se bem que este pontema, correspondente pontuao mdia
preceituada pelos ortgrafos portugueses, mais frequente do que
aquele. Registe-se, por outro lado, que nos impressos da poca de
Cardim o ponto e vrgula tem baixa frequncia, sendo descrito como
novidade prpria de impressores, os mesmos que acabariam por ser
responsveis pela sua difuso em letra de forma.
Em sntese, do cruzamento da doutrina gramatical com os dados do
corpus retiram-se algumas concluses provisrias a respeito da prtica
pontuacional dos finais do sculo XVI: 1.O ponto e vrgula e os dois
pontos no se tinham ainda especializado nas funes actuais,
parecendo depender da estrutura sintctica e da complexidade do
perodo. 2. A pontuao mdia j era ento um campo dado variao, sendo
certo que estaria associada a uma pausa maior do que a da vrgula.
3. O pontema mais recorrente era a vrgula, devido ao predomnio de
estruturas de coordenao e grande quantidade de enumeraes lexicais.
4. O uso de vrgula antes de que, prescrito pelos gramticos do sculo
XVII, no integrava nem a teoria nem o uso pontuacional de finais de
Quinhentos. 5. Ao ponto, sinal de fechamento sintctico e de unidade
semntica, cabia ainda um valor de pontuao mdia, em interior de
frase seguido de minscula, correspondendo ento vrgula ou ao ponto e
vrgula.
Embora nesta fase da anlise dos Tratados de Ferno Cardim no
tenha sido possvel apresentar o tratamento estatstico de todas
ocorrncias dos pontemas, nem esse era, na verdade, o objectivo das
reflexes acima, pensa-se ter mostrado que a pontuao, por mais
incoerente que possa parecer, ao traduzir a aspectos prosdicos da
lngua num certo perodo (a entoao e o ritmo, por ex.) e ao
articular-se com a prpria organizao sintctica dos enunciados
grficos, pondo em relevo as relaes lgicas entre os sintagmas e as
oraes, tem na escrita um papel que, longe de ser despiciendo, mais
significativo quanto maiores forem as divergncias entre as prticas
e os preceitos da arte de pontuar.
Notas 1 O seu nome est ligado Brasil por ter escrito a Historia
da Provncia de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil (1576).
Vide: Gndavo (1984). 2 No vamos deter-nos em pormenor na adequao da
pontuao aos gneros textuais, mas evidente que alguns sero mais
favorveis que outros representao da oralidade. A propsito da Carta
de Pro Vaz de Caminha, Corteso (1967: 59-60) sublinhava, por
exemplo, que gnero epistolar favorecia uma aproximao da escrita
lngua oral. 3 Na Carta de Pro Vaz de Caminha, segundo Barreto
(1996: 138), no se regista uma nica ocorrncia da conjuno disjuntiva
ou. 4 De acordo com Nogueira (1989: 33-34), os dois pontos tm na
essncia o mesmo valor do ponto final, considerados foneticamente;
considerados semanticamente, eles indicam: a) que a frase que se
lhes segue a justificao daquilo que se enuncia na frase que os
precede, e, em certos casos, substitui a conjuno causal porque. []
b) que,
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em determinada lista de coisas ou de factos, eles (os dois
pontos) substituem a expresso o seguinte. [] Em geral, empregam-se
os dois pontos em seguida s expresses: a saber, o seguinte, tais
so, por exemplo, verbi gratia. 5 Actualmente, o ponto e vrgula tem
na essncia o mesmo valor da vrgula, apenas com a particularidade de
imprimir frase maior durao na pausa. [] o ponto e vrgula emprega-se
para: a) delimitar grupos conexos de coisas ou de factos
constitutivos de sucesses. [] b) Nas alneas de um artigo
legislativo, por ex. [](Nogueira, 1989: 66).
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Anexo 1
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Anexo 2
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Anexo 3
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