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NOVOS RUMOS PARA O LABORATRIO ESCOLAR DE CINCIAS*
A. Tarciso Borges Colgio Tcnico da UFMG Belo Horizonte MG
Resumo Este trabalho discute o papel das atividades prticas no
ensino de cincias e rev como o laboratrio escolar de cincias tem
sido usado. Discute os pressupostos sobre a natureza do
conhecimento que suportam esses usos e os equvocos a que conduzem.
Descreve algumas alternativas potencialmente mais relevantes e
pedagogicamente interessantes que temos estudado, em contraste com
os tipos de atividades fortemente estruturadas tradicionalmente
utilizadas pelos professores. Em particular, defende a adoo de uma
ampla gama de atividades prtico-experimentais no necessariamente
dirigidas como os tradicionais roteiros experimentais e uma mudana
de foco do trabalho no laboratrio, com o objetivo de deslocar o
ncleo das atividades dos estudantes da exclusiva manipulao de
equipamentos, preparao de montagens e realizao de medidas, para
outras atividades que se aproximam mais do fazer cincia. Essas
atividades mais envolvem a manipulao de interpretaes e idias sobre
observaes e fenmenos que objetos, com o propsito de produzir
conhecimento. Entre elas: a anlise e interpretao dos resultados, a
reflexo sobre as implicaes destes e a avaliao da qualidade das
evidncias que suportam as concluses obtidas. Palavras-chave:
Laboratrio, investigaes abertas, resoluo de problemas, problemas
prticos, ensino-aprendizagem de cincias.
* Publicado no Caderno Brasileiro de Ensino de Fsica, v. 19, n.
3, dez. 2002. Este trabalho baseado em um texto destinado a
discutir o papel das atividades prticas em um curso para a formao
de especialistas em ensino de cincias. O texto original foi
apresentado como comunicao oral e publicado nas Atas do I ENPEC,
guas de Lindia, SP, 27-29 de novembro, 1997. Porto Alegre:
Instituto de Fsica da UFRGS, p. 2-11.
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I. Introduo
A qualidade do ensino provido pelos sistemas escolares s crianas
e jovens tem sido objeto de debates ao longo de vrias dcadas,
culminando com os chamados para a reforma desses sistemas e dos
currculos vigentes. O ensino tradicional de cincias, da escola
primria aos cursos de graduao, tem se mostrado pouco eficaz, seja
do ponto de vista dos estudantes e professores, quanto das
expectativas da sociedade. Essa situao no privilgio das cincias,
mas se estende a outras reas de conhecimento, como indicam os
resultados conseguidos por grupos de estudantes brasileiros nas
avaliaes nacionais e no recente projeto PISA (OCDE, 2001). A escola
tem sido criticada pela baixa qualidade de seu ensino, por sua
incapacidade em preparar os estudantes para ingressar no mercado de
trabalho ou na universidade, por no cumprir adequadamente seu papel
de formao das crianas e adolescentes, e pelo fato de que o
conhecimento que os estudantes exibem ao deixar a escola
fragmentado e de aplicao limitada. Tampouco a escola conseguiu
fazer das mesmos pessoas acostumadas a tomar decises, a avaliar
alternativas de ao de maneira crtica e independente e a trabalhar
em cooperao.
Vrias so as causas apontadas para explicar a ineficincia do
sistema escolar. A educao, como absoluta prioridade nacional, ainda
permanece apenas no plano da retrica oficial dos governos dos
estados e federao. No entanto, algumas medidas foram e continuam
sendo implementadas, como o aumento da carga horria obrigatria,
introduo de novas disciplinas, programa de avaliao de livros
didticos e mudanas na forma de organizao do trabalho escolar. Essas
mudanas ocorrem lentamente, ao passo que outras, igualmente
importantes e urgentes, vo sendo proteladas, como a valorizao dos
espaos educacionais, da profisso de professor e de programas para o
aperfeioamento e desenvolvimento profissional dos docentes. Ao lado
dessas dificuldades gerais, as vrias disciplinas que compem o
currculo apresentam problemas especficos de aprendizagem. Os
pesquisadores educacionais tm se debruado sobre estas questes e, se
ainda no h consenso, h um razovel entendimento do que poderia ser
feito para diminuir a enorme distncia que nos separa, em termos de
qualidade de educao pblica, de outras naes. No entanto, as
pesquisas educacionais permanecem igualmente desconhecidas para
governantes e professores.
No caso de Cincias, tm havido em vrios pases movimentos de
reforma curricular, desde os grandes projetos de interveno da dcada
de 60 at aes mais localizadas e orientadas pelo crescente corpo de
conhecimento sobre as concepes alternativas dos estudantes a
respeito de vrios tpicos de Fsica e das dificuldades especficas de
aprendizagem que eles enfrentam. Antes de tudo preciso enfatizar
que o ensino, no s de cincias, uma atividade complexa e
problemtica. Isso se deve ao fato de no existir uma tradio de
prticas sociais de ensino
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suficientemente estveis que possam ser amplamente compartilhadas
e que resistam s mudanas contnuas, no s no contexto fsico e
scio-cultural da escola, mas tambm nos professores e seus
estudantes, provocadas por novos valores, conhecimentos e crenas,
novas percepes e maturao. Isso nos remete para a formao dos
professores, visto que cada um deles deveria estar consciente desse
espectro de possibilidades de transformaes em si prprio, em seus
colegas, em seus estudantes e ambiente de trabalho e flexvel para
modificar sua forma de atuao em resposta s mudanas percebidas.
Trata-se de um problema extremamente complexo e de larga escala.
Nesse trabalho, nossa preocupao ser apenas com as conseqncias
advindas de como os professores de cincias entendem aquilo que
ensinam e como crem que podem faz-lo melhor. Isso est relacionado,
em grande parte, com as metas estabelecidas pelos currculos
(reconhecidas como legtimas pelos professores), para a educao em
cincias. As modificaes nestas metas acarretam alteraes nos prprios
contedos e tcnicas de ensino. As metas que mais comumente expressam
aquilo que os estudantes devem aprender tm sido:
1) adquirir conhecimento cientfico; 2) aprender os processos e
mtodos das cincias; 3) compreender as aplicaes da cincia,
especialmente as relaes entre
cincia e sociedade, e cincia-tecnologia-sociedade (BYBEE;
DEBOER, 1996). De acordo com essa proposta, os estudantes deveriam
conhecer alguns
dos principais produtos da cincia, ter experincia com eles,
compreender os mtodos utilizados pelos cientistas para a produo de
novos conhecimentos e como a cincia uma das foras transformadoras
do mundo. Um exemplo disso pode ser encontrado nos Parmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio (MEC, 1999) que prope que
o ensino de cincias deve propiciar ao educando compreender as
cincias como construes humanas, entendendo como elas se desenvolvem
por acumulao, continuidade ou ruptura de paradigmas, relacionando o
desenvolvimento cientfico com a transformao da sociedade (p.
107).
Os professores de cincias, tanto no ensino fundamental como no
mdio, em geral acreditam que a melhoria do ensino passa pela
introduo de aulas prticas no currculo. Curiosamente, vrias das
escolas dispem de alguns equipamentos e laboratrios que, no
entanto, por vrias razes, nunca so utilizados, dentre s quais cabe
mencionar o fato de no existirem atividades j preparadas para o uso
do professor; falta de recursos para aquisio de componentes e
materiais de reposio; falta de tempo do professor para planejar a
realizao de atividades como parte do seu programa de ensino;
laboratrio fechado e sem manuteno. So basicamente as mesmas razes
pelas quais os professores raramente utilizam os computadores
colocados nas escolas. Muitos deles at se dispem a enfrentar isso,
improvisando
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aulas prticas e demonstraes com materiais caseiros, mas acabam
se cansando dessa tarefa inglria, especialmente em vista dos parcos
resultados que alcanam. um equvoco corriqueiro confundir atividades
prticas com a necessidade de um ambiente com equipamentos especiais
para a realizao de trabalhos experimentais, uma vez que podem ser
desenvolvidas em qualquer sala de aula, sem a necessidade de
instrumentos ou aparelhos sofisticados. Os movimentos de reforma
curricular nas ltimas dcadas deram imenso destaque ao ensino no
laboratrio, como por exemplo, PSSC, e os vrios cursos da Nuffield
Foundation. No obstante, o papel que o laboratrio deve ter no
ensino de cincias, estava longe de ser claro para o professor. Em
parte, as dificuldades com as atividades prticas derivam de uma
postura equivocada quanto natureza da Cincia (HODSON, 1988; MILLAR,
1991).
A importncia e o prestgio que os professores atribuem ao ensino
prtico deve-se popularizao, nas ltimas dcadas, das idias
progressistas ou desenvolvimentalistas no pensamento educacional
que descendem de Rousseau, Pestalozzi, Spencer, Huxley, Dewey,
entre outros (BYBBE; DEBOER, 1996). A idia central : qualquer que
seja o mtodo de ensino-aprendizagem escolhido, deve mobilizar a
atividade do aprendiz, em lugar de sua passividade. Usualmente, os
mtodos ativos de ensino-aprendizagem so entendidos como se
defendessem a idia de que os estudantes aprendem melhor por
experincia direta. Embora verdadeiro em algumas situaes, esse
entendimento uma simplificao grosseira, como apontam os trabalhos
baseados nas idias de Dewey, Piaget e Vigotsky, entre outros. O
importante no a manipulao de objetos e artefatos concretos, e sim o
envolvimento comprometido com a busca de respostas/solues bem
articuladas para as questes colocadas, em atividades que podem ser
puramente de pensamento. Nesse sentido, podemos pensar que o ncleo
dos mtodos ativos (pode-se at cham-lo de trabalhos ou atividades
prticas, para significar que est orientado para algum propsito) no
envolve necessariamente atividades tpicas do laboratrio
escolar.
Atividades de resoluo de problemas, modelamento e representao,
com simulaes em computador, desenhos, pinturas, colagens ou
simplesmente atividades de encenao e teatro, cumprem esse papel de
mobilizar o envolvimento do aprendiz. Essas atividades apresentam,
muitas vezes, vantagens claras sobre o laboratrio usual, uma vez
que no requerem a simples manipulao, s vezes repetitiva e
irrefletida, de objetos concretos, mas de idias e representaes, com
o propsito de comunicar outras idias e percepes. Obviamente, todas
elas podem ser associadas a certos aspectos materiais. A
materializao de um modelo, de uma representao, de uma encenao,
etc., requer objetos que no so necessariamente os mesmos de um
trabalho de laboratrio. A riqueza desse tipo de atividade est em
propiciar ao estudante a oportunidade e ele precisa estar
consciente disso de trabalhar com coisas e objetos como se fossem
outras coisas e objetos, em um
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exerccio de simbolizao ou representao. Ela permite conectar
smbolos com coisas e situaes imaginadas, o que raramente buscado no
laboratrio, expandindo os horizontes de sua compreenso.
II. O laboratrio tradicional
Para um pas onde uma frao considervel dos estudantes nunca teve
a oportunidade de entrar em um laboratrio de cincias, pode parecer
um contra-senso questionar a validade de aulas prticas,
especialmente porque na maioria das escolas elas simplesmente no
existem. De fato, h uma corrente de opinio que defende a idia de
que muitos dos problemas do ensino de cincias se devem ausncia de
aulas de laboratrio. Para os que compartilham dessa opinio, uma
condio necessria para a melhoria da qualidade de ensino consiste em
equipar as escolas com laboratrios e treinar os professores para
utiliz-los. Entretanto, mesmo nos pases onde a tradio de ensino
experimental est bem sedimentada, a funo que o laboratrio pode, e
deve ter, bem como a sua eficcia em promover as aprendizagens
desejadas, tm sido objeto de questionamentos, o que contribui para
manter a discusso sobre a questo h alguns anos (veja WOOLNOUGH,
1991; WHITE,1996).
Dessa discusso, parece resultar uma posio unnime de
desaconselhar o uso de laboratrios no esquema tradicionalmente
usado, pelo seu impacto negativo sobre a aprendizagem dos
estudantes. White comenta que os resultados e concluses de muitas
pesquisas sobre a eficcia dos laboratrios decepcionam, pois
conflita com teorias e expectativas. Ns preferimos pensar que os
laboratrios funcionam porque acrescentam cor, a curiosidade de
objetos no-usuais e eventos diferentes, e um contraste com a prtica
comum na sala de aula de permanecer assentado (WHITE, 1996, p.761).
No que denominado laboratrio tradicional, o aluno realiza
atividades prticas, envolvendo observaes e medidas, acerca de
fenmenos previamente determinados pelo professor (TAMIR, 1991). Em
geral, os alunos trabalham em pequenos grupos e seguem as instrues
de um roteiro. O objetivo da atividade prtica pode ser o de testar
uma lei cientfica, ilustrar idias e conceitos aprendidos nas aulas
tericas, descobrir ou formular uma lei acerca de um fenmeno
especfico, ver na prtica o que acontece na teoria, ou aprender a
utilizar algum instrumento ou tcnica de laboratrio especfica. No se
pode deixar de reconhecer alguns mritos nesse tipo de atividade:
por exemplo, a recomendao de se trabalhar em pequenos grupos, o que
possibilita a cada aluno a oportunidade de interagir com as
montagens e instrumentos especficos, enquanto divide
responsabilidades e idias sobre o que devem fazer e como faz-lo;
outro o carter mais informal do laboratrio, em contraposio
formalidade das demais aulas.
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As principais crticas que se fazem a essas atividades prticas
que elas no so efetivamente relacionadas aos conceitos fsicos; que
muitas delas no so relevantes do ponto de vista dos estudantes, j
que tanto o problema como o procedimento para resolv-lo esto
previamente determinados; que as operaes de montagem dos
equipamentos, as atividades de coleta de dados e os clculos para
obter respostas esperadas consomem muito ou todo o tempo disponvel.
Com isso, os estudantes dedicam pouco tempo anlise e interpretao
dos resultados e do prprio significado da atividade realizada.
Geralmente, eles percebem as atividades prticas como eventos
isolados que tm o objetivo de chegar resposta certa (TAMIR, 1989).
No surpreendente, assim, que o laboratrio seja pouco efetivo em
provocar mudanas nas concepes e modelos prvios dos estudantes, em
proporcionar uma apreciao sobre a natureza da cincia e da
investigao cientfica e em facilitar o desenvolvimento de
habilidades estratgicas (WHITE, 1996; GAGN, 1970). Alguns crticos
mais veementes argumentam que, alm disso, os laboratrios de cincias
so caros, que o uso de equipamentos s encontrados nos laboratrios
torna o ensino distante da experincia fora de sala de aula e que a
prpria complexidade das montagens constitui uma forte barreira para
que o estudante compreenda as idias e conceitos envolvidos nas
atividades prticas.
As crticas que se colocam ao modo como essas atividades prticas
so tradicionalmente utilizadas nas escolas apontam que, alm de sua
completa inadequao pedaggica, sua fundamentao epistemolgica
equivocada (HODSON, 1988; MILLAR, 1991). Esse quadro no exclusivo
do laboratrio; vrios dos livros-textos de Fsica e de cincias mais
populares no pas sofrem da mesma deficincia (MOREIRA; OSTERMANN;
1993). Essa concepo empirista-indutivista da cincia, a qual
Chalmers (1993) denomina de indutivismo ingnuo, assume que o
conhecimento cientfico a verdade provada ou descoberta que tem
origem no acmulo de observaes cuidadosas de algum fenmeno por uma
mente livre de pr-concepes e sentimentos que aplica o mtodo
cientfico para chegar a generalizaes cientificamente vlidas. Essa
concepo de cincia acaba por conferir um peso excessivo observao, em
detrimento das idias prvias e imaginao dos estudantes. Alm disso,
representa o mtodo cientfico como um algoritmo infalvel, capaz de
produzir conhecimento cientificamente provado, comeando com
observaes objetivas e neutras, formulao de hipteses, comprovao
experimental e generalizao das concluses. H dois problemas srios e
sem soluo com essa viso.
Em primeiro lugar, essa concepo particular do processo de produo
do conhecimento sugere para professores e estudantes que as
atividades prticas escolares so da mesma natureza e tm a mesma
finalidade que as experimentais e de observao que os cientistas
fazem nos seus laboratrios de pesquisa. As atividades
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prticas e os experimentos cientficos so bem distintos, com
objetivos bastante diferentes. O cientista passou anos de sua vida
estudando uma determinada rea da cincia e quando se prepara para
realizar um experimento ou conjunto de experimentos, ele o faz para
resolver um problema que o interessa, e para o qual pode estar
buscando uma soluo h muito tempo. Assim, quando ele realiza um
experimento, este vem precedido de muito estudo e reflexo,
planejamento e preparao. Nesse perodo anterior efetiva concretizao
do experimento, o cientista toma uma srie de decises para definir e
delimitar o que ir fazer e medir/observar, que critrios usar para
checar a preciso e a confiabilidade dos resultados, que controles
exercer sobre a situao, entre outras. Em segundo lugar, tendo sido
criticada por vrios filsofos, como por exemplo Popper,
Russel-Hanson, Feyerabend, Kuhn e Toulmin, esta imagem da cincia,
que ainda permeia muitos dos nossos livros didticos de cincias
naturais, especialmente aqueles utilizados na Educao Bsica, est
completamente superada nos crculos acadmicos h vrias dcadas.
A aceitao dessas crticas no implica, entretanto, concordar com a
argumentao de que as atividades prtico-experimentais de cincias so
suprfluas, e que elas podem, portanto, ser descartadas para o bem
dos professores, dos estudantes e da prpria escola, que estes
poderiam repensar o aproveitamento do tempo destinado a tais
atividades, bem como dos espaos ocupados por salas especiais de
laboratrio, onde existem. Alis, da forma como vemos a questo, no h
a necessidade de um ambiente especial reservado para tais
atividades, com instrumentos e mesas para experincias, mas somente
que haja planejamento e clareza dos objetivos das atividades
propostas. Segundo Tamir (1991), um dos principais problemas com o
laboratrio de cincias que se pretende atingir uma variedade de
objetivos, nem sempre compatveis, com um mesmo tipo de atividade.
certo que, com um mesmo conjunto de materiais, um professor
criativo pode planejar vrias atividades diferentes com objetivos
claramente distintos, como, por exemplo, aprender a usar um
instrumento para fazer leituras, obter uma imagem de um fenmeno
ainda no observado, aprender estratgias para lidar com os erros e
incertezas inerentes ao processo de medio, procurar evidncias da
existncia de alguma relao entre grandezas envolvidas na situao, e
outros. Sem dvida que as atividades prticas podem propiciar ao
estudante imagens vividas e memorveis de fenmenos interessantes e
importantes para a compreenso dos conceitos cientficos. Atravs
delas, ele pode ser educado para fazer medies corretamente e
procurar relaes entre variveis.
A questo que se coloca : o laboratrio pode ter um papel mais
relevante para a aprendizagem escolar? Se pode, de que maneira ele
deve ser organizado? A resposta para a primeira questo sem dvida
afirmativa: o
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laboratrio pode, e deve, ter um papel mais relevante para a
aprendizagem de cincias. O fato de estarmos insatisfeitos com a
qualidade da aprendizagem, no s de cincias, sugere que todo o
sistema escolar deve ser continuamente repensado. Com raras excees,
no se cogita a extino da escola, por causa de suas dificuldades. Da
mesma forma, o que precisamos encontrar novas maneiras de usar as
atividades prtico-experimentais mais criativa e eficientemente e
com propsitos bem definidos, mesmo sabendo que isso apenas no soluo
para os problemas relacionados com a aprendizagem de cincias.
A cincia, em sua forma final, se apresenta como um sistema de
natureza terica. Contudo, necessrio que procuremos criar
oportunidades para que o ensino experimental e o ensino terico se
efetuem em concordncia, permitindo ao estudante integrar
conhecimento prtico e terico. Descartar a possibilidade de que os
laboratrios tm um papel importante no ensino de cincias significa
destituir o conhecimento cientfico de seu contexto, reduzindo-o a
um sistema abstrato de definies, leis e frmulas. Muito do que se
faz nas aulas de Fsica em nossas escolas de ensino mdio e
universidades assemelha-se a isso, preocupando-se mais com a
apresentao das definies, conceitos e frmulas que os alunos
memorizam para resolver exerccios. Sem dvida que as teorias fsicas
so construes tericas e expressas em forma matemtica; mas o
conhecimento que elas carregam s faz sentido se nos permite
compreender como o mundo funciona e porqu as coisas so como so e no
de outra forma. Isso no significa admitir que podemos adquirir uma
compreenso de conceitos tericos atravs de experimentos, mas que as
dimenses terica e emprica do conhecimento cientfico no so isoladas.
No se trata, pois, de contrapor o ensino experimental ao terico,
mas de encontrar formas que evitem essa fragmentao no conhecimento,
para tornar a aprendizagem mais interessante, motivadora e acessvel
aos estudantes.
III. Os objetivos do laboratrio
Mesmo em locais com forte tradio de ensino experimental, por
exemplo, nos cursos superiores e cursos das escolas tcnicas, quase
nunca ocorre o planejamento sistemtico das atividades, com a
explicitao e discusso dos objetivos de tal ensino. A formulao de um
planejamento para as atividades de ensino, quando existe,
destina-se mais a atender s demandas burocrticas do que explicitar
as diretrizes de ao do professor e dos estudantes, ao longo de um
curso. Assim, o professor trabalha quase sempre com objetivos de
ensino pouco claros e implcitos, confiando em sua experincia
anterior com cursos similares. Com isso, os estudantes no percebem
outros propsitos para as atividades prticas que no os de verificar
e comprovar fatos e leis cientficas. Isso determinante na sua
compreenso acerca da
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natureza e propsitos da cincia (HODSON, 1988), e tambm da
importncia que eles atribuem s atividades experimentais. Alguns dos
objetivos implcitos que os professores e estudantes
tradicionalmente associam aos laboratrios de cincias sero
discutidos a seguir.
III.1 Verificar/comprovar leis e teorias cientficas
Este objetivo enganoso, pois o sucesso da atividade garantido de
antemo por sua preparao adequada. O teste que se pretende fazer ,
em geral, de um aspecto especfico de uma lei ou teoria, e no de
seus fundamentos. Hodson (1988) aponta que, como conseqncia, o
estudante tende a exagerar a importncia de seus resultados
experimentais, alm de originar um entendimento equivocado da relao
entre teoria e observao. Outro aspecto que ele logo percebe que sua
experincia deve produzir o resultado previsto pela teoria, ou que
alguma regularidade deve ser encontrada. Quando ele no obtm a
resposta esperada, fica desconcertado com seu erro, mas, se percebe
que o erro pode afetar suas notas, ele intencionalmente corrige
suas observaes e dados para obter a resposta correta, e as
atividades experimentais passam a ter o carter de um jogo viciado.
Infelizmente este daquele tipo de jogo que se aprende a jogar muito
rapidamente. Muitas vezes, os prprios professores so vtimas desse
raciocnio, e sentem-se inseguros quando as atividades que propem no
funcionam como esperavam, passando a evit-las no futuro porque no
do certo. As causas do erro no so investigadas e uma situao
potencialmente valiosa de aprendizagem se perde, muitas vezes, por
falta de tempo. Nesse sentido, o que se consegue no laboratrio
similar ao que se aprende na sala de aula, onde o resultado se
torna mais importante que o processo, em detrimento da
aprendizagem.
III.2 Ensinar o mtodo cientfico
Muitas vezes, o que o professor deseja que o aluno aprenda ou
adquira uma apreciao sobre o mtodo cientfico e a natureza da
cincia. A compreenso subjacente a de que fazer cincia significa
descobrir fatos e leis pela aplicao de um mtodo experimental
indutivo, e fazer invenes. A motivao para a atividade experimental
dos cientistas verificar se suas prprias idias esto corretas. Tal
concepo assume que existe um nico mtodo cientfico que pode ser
adequadamente representado como uma seqncia de etapas, como um
algoritmo. Essa concepo do papel das atividades prticas e as suas
conseqncias para a aprendizagem de cincias foram discutidas por
vrios autores (HODSON, 1986; MILLAR, 1991; MOREIRA; OSTERMANN,
1993). Ela assume que a atividade
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experimental essencial cincia e que a observao e a experimentao
fornecem dados puros, verdadeiros e objetivos, e, por isso mesmo,
confiveis, em vista de sua independncia de quaisquer idias tericas
do observador, ou seja, est apoiada na idia de que qualquer
observador no tendencioso registrar as mesmas observaes sobre
aquela parte da realidade para a qual ele volta sua ateno. A
essncia daquela parte observada da realidade descortina-se e
impe-se da mesma forma para todos os observadores com esse
perfil.
H uma ingenuidade inerente a esse entendimento que consiste em
assumir que os dados so imediatos, no sentido de que so lidos
diretamente da parcela observada do mundo, e no problemticos. Tudo
o que o cientista precisa fazer selecionar quais os fenmenos ou
aspectos da realidade deseja investigar e, ento, aplicar o mtodo
cientfico. A natureza/realidade se encarregar de produzir as
respostas do tipo sim/no para as suas indagaes (HODSON, 1986). A
descoberta cientfica assemelha-se assim (para usar uma analogia
mais acessvel) descoberta de novas terras pelos treinados
navegantes de uns poucos sculos atrs, com uma pequena frota e
tripulao (ou mesmo um barco isolado), perscrutando os mares pouco
navegados, com olhos atentos para os indcios de novas terras e
ilhas, como pssaros e razes e troncos nas guas. Alguns podiam at
tardar em conseguir sucesso, mas as terras e ilhas desconhecidas
estavam l, a espera de algum descobridor atento e destemido. Esta
concepo assume tambm que os professores e estudantes percebem o
propsito de um experimento escolar em cincias de forma clara, igual
e inequvoca, o que os conduzir descoberta de novos fatos e leis,
conforme prescrito pelo roteiro de atividades.
H vrias dcadas, amplamente questionada a idia de que a
descoberta seja um processo, ou um conjunto hierrquico de processos
lgicos. Apesar de que os informes e relatos das descobertas
cientficas, especialmente como apresentado nos livros escolares e
pelos meios de comunicao, sugiram para o leigo que as descobertas
cientficas resultam do acmulo de vastos conjuntos de observaes
detalhadas e repetidas acerca de um fenmeno segundo as prescries do
mtodo cientfico, ou ento resultem de idias inspiradas de mentes
geniais, o processo bem diferente disso. Os cientistas utilizam
mtodos, mas isso no significa que haja um mtodo cientfico que
determine exatamente como fazer para produzir conhecimento. O
laboratrio pode proporcionar excelentes oportunidades para que os
estudantes testem suas prprias hipteses sobre fenmenos
particulares, para que planejem suas aes, e as executem, de forma a
produzir resultados dignos de confiana. Para que isso seja efetivo,
deve-se programar atividades de explicitao dessas hipteses antes da
realizao das atividades. Faz-se tambm necessrio que os professores
enfatizem as diferenas entre os experimentos realizados no
laboratrio escolar, com fins pedaggicos, e a investigao emprica
realizada por cientistas. necessria uma
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anlise mais cuidadosa da relao entre observao, experimento e
teoria (CHALMERS, 1993). Alm disso, devem encorajar a discusso
aberta das limitaes e suposies que permeiam cada atividade no
laboratrio escolar.
III.3 Facilitar a aprendizagem e compreenso de conceitos
Para se alcanar este objetivo recomenda-se que a atividade
concentre-se apenas nos aspectos desejados, com um planejamento
cuidadoso que considere as idias prvias dos estudantes a respeito
da situao estudada, o tempo necessrio para completar a atividade,
as habilidades requeridas e aspectos ligados segurana (HODSON,
1988). Ao desenvolver tais atividades, o professor deve ter em
mente que aquilo que qualquer pessoa observa depende fortemente de
seu conhecimento prvio e de suas expectativas (HANSON, 1958;
CHALMERS, 1993). Em um laboratrio tradicional, com atividades
realizadas sob a orientao do professor e seguindo os roteiros
fornecidos, pode-se acreditar que tal objetivo possa ser
conseguido. Mas no se pode tomar como certo que se todos os membros
de um grupo vem o mesmo fenmeno, todos o interpretem da mesma forma
ou aceitem a validade e legitimidade das observaes (GUNSTONE,
1991). O fato de um estudante realizar uma atividade adequadamente
planejada no garante que ele aprenda aquilo que era pretendido.
Essas consideraes sugerem a necessidade de atividades pr e
ps-laboratrio, para que os alunos explicitem suas idias e
expectativas, e discutam o significado de suas observaes e
interpretaes. Antes de realizar a atividade prtica, deve-se
discutir com eles a situao ou fenmeno que ser tratado. Pode-se
pedir que escrevam suas previses sobre o que deve acontecer e
justific-las. Na fase ps-atividade, faz-se a discusso das
observaes, resultados e interpretaes obtidos, tentando
reconcili-las com as previses feitas. Aqui o momento de se discutir
as falhas e limitaes da atividade prtica (GUNSTONE, 1991).
Uma vez que os estudantes no so desafiados a explorar,
desenvolver e avaliar as suas prprias idias, e os currculos de
cincias no oferecem oportunidades para a abordagem de questes
acerca da natureza e propsitos da cincia e da investigao cientfica
(CAREY et al, 1989), a forma de trabalhar proposta proporciona o
contexto adequado para a discusso desse tipo de questo.
III.4 Ensinar habilidades prticas
A aquisio de habilidades prticas e tcnicas de laboratrio um
objetivo que pode e deve ser almejado nas atividades. H,
entretanto, um certo grau de confuso sobre o que realmente so. Para
alguns, trata-se de habilidades cognitivas relacionadas com os
processos bsicos da cincia. Vrios currculos de cincias
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desenvolvidos nos Estados Unidos, Canad e Europa adotaram tal
perspectiva, buscando ensinar ou desenvolver certas habilidades
gerais e independentes do contexto, tais como fazer observaes,
classificar, prever, formular hipteses que poderiam, ento, ser
aplicadas em outros contextos. H uma forte crtica acerca da
possibilidade de transferncia destas habilidades entre contextos
distintos, da necessidade e mesmo da possibilidade de se ensin-las
(MILLAR; DRIVER, 1987; MILLAR, 1988).
O argumento utilizado que so processos cognitivos gerais que as
pessoas empregam desde muito cedo, e que associ-las com os
processos da cincia o mesmo que insistir em uma concepo
ultrapassada da atividade cientfica. Como Millar e Driver (1987)
argumentam, pode-se desejar que as crianas aprendam a observar
cuidadosamente, a notar detalhes, a fazer observaes relevantes.
Entretanto, o que ou no relevante depende das expectativas e idias
prvias de cada um acerca de um fenmeno. No existe algo relevante em
uma situao ou fenmeno, independentemente de quem o observa, ou
formula hipteses sobre ele.
Millar (1988; 1991) argumenta que h um conjunto de habilidades
prticas ou tcnicas bsicas de laboratrio que vale a pena ser
ensinado, como por exemplo, aprender a usar equipamentos e
instrumentos especficos, medir grandezas fsicas e realizar pequenas
montagens, que dificilmente o estudante tem oportunidade de
aprender fora do laboratrio escolar. Dentro de cada laboratrio h um
conjunto bsico de tcnicas que pode ser ensinado e que forma uma
base experiencial sobre a qual os estudantes podem construir um
sistema de noes que lhes permitiro relacionar-se melhor com os
objetos tecnolgicos do cotidiano. Alm delas, existem as chamadas
tcnicas de investigao (MILLAR, 1991); so ferramentas importantes e
teis para qualquer cidado e relacionam-se com a obteno de
conhecimento e a sua comunicao. Por exemplo: repetir procedimentos
para aumentar a confiabilidade dos resultados obtidos, aprender a
colocar e a obter informao de diferentes formas de representao como
diagramas, esquemas, grficos, tabelas, etc. Muitas dessas
habilidades so utilizadas inconscientemente por todas as pessoas e
se refletem nas decises e procedimentos que cada um de ns toma ou
se utiliza ao resolver problemas ou ao lidar com situaes prticas.
Elas fazem parte do nosso arsenal de estratgias de pensamento
informal que toda a pessoa inteligente deveria estar apta a
empregar em qualquer situao. Embora possam ser desenvolvidas atravs
da escolarizao, no so necessariamente vinculadas aprendizagem de
cincias. A organizao das atividades para se conseguir tais
objetivos depender do conhecimento que os estudantes j possuem. Por
exemplo, se o objetivo que os alunos, sem nenhum conhecimento
anterior, aprendam a utilizar corretamente o voltmetro e o
ampermetro, ento, uma atividade orientada pelo professor e baseada
em um roteiro pode ser a melhor alternativa. Se, ao contrrio, eles
j tm algum
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conhecimento em circuitos eltricos, provavelmente melhor que
eles aprendam a partir do estudo dos manuais tcnicos que acompanham
os equipamentos.
IV. Alternativas para o laboratrio escolar
As pesquisas sobre ensino-aprendizagem de cincias produziram
evidncias de que as crianas trazem para a escola um conjunto de
concepes sobre vrios aspectos do mundo, mesmo antes de qualquer
introduo cincia escolar. Essas concepes alternativas so adquiridas
a partir de sua insero na cultura comum e da experincia cotidiana
com fenmenos e eventos, e, freqentemente, interferem com a
aprendizagem das idias cientficas. A psicologia cognitiva tem
contribudo, junto com a pesquisa em ensino e aprendizagem de
cincias, para a anlise da prtica educacional. Entretanto, pela
prpria complexidade da questo, o que tem sido possvel fazer a
obteno de diretrizes muito genricas sobre como ensinar e como
contribuir para a aprendizagem escolar, o que ainda muito distante
das expectativas excessivamente otimistas da dcada de 50 (COLL,
1987). Uma dessas recomendaes, a qual exprime a idia bsica das
concepes construtivistas a de que o aluno constri seu prprio
conhecimento atravs da ao a de que os processos educacionais devem
respeitar e favorecer a atividade do estudante, e que esta deve ser
o centro do processo de aprendizagem. Algumas vertentes do
construtivismo argumentam que qualquer atividade pedaggica s tem
valor se tiver origem no aprendiz e se este detiver pleno controle
das aes, para justificar uma forma de ativismo empirista. Como Coll
aponta,
pouco importa que esta atividade consista de manipulaes
observveis ou em operaes mentais que escapem ao observador; pouco
importa tambm que responda total ou parcialmente iniciativa do
aluno, ou que tenha sua origem no incentivo e nas propostas do
professor. O essencial que se trate de uma atividade cuja organizao
e planejamento fique a cargo do aluno (1987, p. 187). O trabalho no
laboratrio pode ser organizado de diversas maneiras,
desde demonstraes at atividades prtico-experimentais dirigidas
diretamente pelo professor ou indiretamente, atravs de um roteiro.
Todas podem ser teis, dependendo dos objetivos que o professor
pretende com a realizao das atividades propostas. Uma alternativa
que temos defendido h mais de uma dcada, e mais recentemente temos
investigado e utilizado com nossos alunos, consiste em estruturar
as atividades de laboratrio como investigaes ou problemas prticos
mais abertos, que os alunos devem resolver sem a direo imposta por
um roteiro fortemente estruturado ou por instrues verbais do
professor. Um problema, diferentemente de
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um exerccio experimental ou de um de fim de captulo do
livro-texto, uma situao para a qual no h uma soluo imediata obtida
pela aplicao de uma frmula ou algoritmo. Pode no existir uma soluo
conhecida por estudantes e professores ou at ocorrer que nenhuma
soluo exata seja possvel. Para resolv-lo, tem-se que fazer
idealizaes e aproximaes. Diferentemente, um exerccio uma situao
perturbadora ou incompleta, mas que pode ser resolvida com base no
conhecimento de quem chamado a resolv-lo.
Aspectos Laboratrio Tradicional Atividades Investigativas
Quanto ao grau de abertura
Roteiro pr-definido
Restrito grau de abertura
Variado grau de abertura
Liberdade total no planejamento
Objetivo da Comprovar leis Explorar fenmenos
Atitude do estudante
Compromisso com o resultado Responsabilidade na investigao
Fig. 1 - Contnuo problema-exerccio.
O que julgamos importante chamar a ateno para o fato de que uma
situao, percebida como um problema por uma pessoa, pode ser
entendida como um mero exerccio por outra. De qualquer forma, para
resolver um problema, um estudante deve fazer mais que simplesmente
lembrar-se de uma frmula ou de uma situao similar que conseguiu
resolver. Nesse sentido, um problema um desafio proposto para o
aluno, e pode ser expresso em diferentes nveis: desde um problema
completamente fechado at um aberto (GARRET, 1988). No primeiro
caso, o problema, os procedimentos e recursos so dados pelo
professor, livro ou roteiro, ficando para o aluno a tarefa de
colher dados e tirar as concluses. Ao contrrio, em uma investigao
aberta, cabe a ele toda a soluo, desde a percepo e gerao do
problema; sua formulao em uma forma suscetvel de investigao; o
planejamento do curso de suas aes; a escolha dos procedimentos, a
seleo dos equipamentos e materiais, a preparao da montagem
experimental, a realizao de medidas e observaes necessrias; o
registro dos dados em tabelas e grficos; a interpretao dos
resultados e enumerao das concluses. A Fig. 1 representa as
atividades investigativas e o laboratrio tradicional,
contrastando-os segundo trs aspectos: o grau de abertura, o
objetivo da atividade e a atitude do estudante em relao a ela. O
que denominamos grau de abertura indica o quanto o professor ou o
roteiro que ele fornece especifica a tarefa.
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A Fig. 1 sugere, quanto ao aspecto abertura, a existncia de um
contnuo, cujos extremos seriam: exerccios, de um lado, e problemas
completamente abertos, do outro. Entre esses dois extremos, que
determinam quem tem o controle ou a responsabilidade por certas
etapas da atividade prtica, h um nmero de possibilidades com diviso
dessas tarefas entre o professor e os estudantes. Outra forma de
entender essa distino entre problema fechado e aberto foi proposta
por Tamir (1991), baseada em estudos anteriores e apresentada na
Fig. 2. Ele prope a categorizao das atividades investigativas em
quatro nveis, de acordo com a Fig. 2. No nvel 0, o qual corresponde
aproximadamente ao extremo de problema fechado, so dados o
problema, os procedimentos e aquilo que se deseja
observar/verificar, ficando a cargo dos estudantes coletar dados e
confirmar ou no as concluses. No nvel 1, o problema e procedimentos
so definidos pelo professor, atravs de um roteiro, por exemplo. Ao
estudante cabe coletar os dados indicados e obter as concluses. No
nvel 2, apenas a situao-problema dada, ficando para o estudante
decidir como e que dados coletar, fazer as medies requeridas e
obter concluses a partir deles. Finalmente, no nvel 3 o mais aberto
de investigao o estudante deve fazer tudo, desde a formulao do
problema at chegar s concluses.
Nvel de Investigao Problemas Procedimentos Concluses Nvel 0
Dados Dados Dados Nvel 1 Dados Dados Em aberto Nvel 2 Dados Em
aberto Em aberto Nvel 3 Em aberto Em aberto Em aberto
Fig.2- Nveis de investigao no laboratrio de cincias.
Um sistema de categorias, mesmo simples como esse, serve como um
organizador de nosso entendimento do que est envolvido no grau de
abertura de uma situao-problema. Como exemplo de um problema de
nvel 2, considere a situao a seguir, que realizamos recentemente
com todas as turmas do primeiro ano de ensino mdio, trabalhando em
grupos de 3 ou 4 estudantes cada, como uma atividade normal de
laboratrio durante o estudo de cinemtica. A Fig. 3 reproduz o
esquema apresentado aos alunos. O problema foi especificado e a
montagem previamente preparada, mas no fornecemos indicao do que e
como deveria ser medido, portanto parecia correto nosso
entendimento de que se tratava de um problema de nvel 2. Aps uma
fase rpida de planejamento do grupo, praticamente todos decidiram
por medir a altura mxima que a bolinha atingia ou o tempo necessrio
para ela atingir o ponto de maior altura. A partir dos valores
obtidos, eles usaram uma das equaes para movimento com acelerao
constante, por exemplo, a equao de Torricelli, para determinar Vo.
Apesar de simples, a atividade propiciou discusses sobre como medir
a altura mxima alcanada pela bolinha, a pouca acuracidade
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conseguida na medida do tempo (eles facilmente conectaram isso
com o tempo de reao deles atividade que j haviam feito
anteriormente), e a necessidade do experimento ser replicado. Nem
todos os grupos conseguem imaginar um caminho para solucionar o
problema dentro do perodo do laboratrio, e recorrem ao professor ou
aos seus colegas, em busca de sugestes de procedimento. Para esses
grupos, no podemos dizer que a atividade um problema de nvel 2, mas
talvez de nvel 1.
Um curso baseado em investigaes apresenta a caracterstica nica
de combinar processos, conceitos e procedimentos na soluo de um
problema. Vrios estudos foram realizados em nosso grupo procurando
compreender as dificuldades que os estudantes, com e sem experincia
pessoal com trabalhos prticos escolares, enfrentam ao formular um
problema a partir de uma situao proposta a eles, em planejar a sua
soluo e execut-la. Nosso aprendizado a partir dessas pesquisas
sugere que uma atividade aberta pode ser muito difcil para alunos
sem conhecimento de contedo e sem experincia anterior com
laboratrio. No entanto, temos evidncias de que, mesmo sem
conhecimento especfico sofisticado e experincia com aulas de
laboratrio, conseguem formular problemas mais simples e planejar a
sua soluo em laboratrio.
Desafio prtico
Um lanador de projteis, consistindo de uma
mola comprimida por um mbolo dentro de um tubo de pvc, como o
mostrado ao lado, lana uma pequena bola verticalmente para cima com
uma velocidade inicial V0. Como voc faria para determinar essa
velocidade inicial? Planeje um experimento que lhe permita fazer
isto.
Utilize a montagem do lanador de projteis e faa as medidas que
julgar necessrias para resolver esse problema. Escreva em seu
relatrio o procedimento utilizado, os valores das medidas que voc
fez e o valor encontrado para a velocidade inicial.
Fig. 3 - Exemplo de um problema para estudantes do 1o ano do
ensino mdio.
O entendimento e formulao de um problema so as atividades que
mais exigem dos alunos, que, muitas vezes, s conseguem entender o
que devem fazer e formular o problema de maneira mais ou menos
clara, depois de passar vrias vezes pelas mesmas etapas. De
qualquer forma, o processo todo de formulao, planejamento e soluo,
no parece ser linear. Apesar de demandar ateno e auxlio
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do professor, essa forma de organizao da atividade prtica
captura a ateno dos estudantes e melhora seu envolvimento com ela.
Durante as etapas de resoluo do problema, h ciclos de realimentao
para as etapas anteriores, vindas da percepo da necessidade de
mudanas no planejamento, na formulao do problema ou nas tcnicas
experimentais utilizadas. Nossos estudos anteriores com alunos
conduzindo atividades investigativas produziram evidncias de que
estas etapas no ocorrem seqencialmente e independentemente umas das
outras, mas que ao contrrio, acontecem concomitantemente e de forma
recursiva, conforme ilustra a Fig. 4. Isso nos alerta para o fato
de que, ao investigar como os alunos resolvem problemas e desafios,
no devemos esperar reconhecer essas etapas nitidamente, nem
observar progressos rpidos e espetaculares em seu desempenho e em
sua autonomia. Podemos nos perguntar se vale o esforo; continuamos
acreditando que sim, mas no nos iludamos, pois ensinar e aprender a
pensar criticamente difcil e requer tempo.
Baseados nisso, sugerimos que as investigaes devam ser
inicialmente simples e feitas em pequenos grupos, embora com um
sentido claro de progresso ao longo do curso. Idealmente deveriam
ser introduzidas j no ensino fundamental. Nossos dados de pesquisa
sugerem que alunos de sexta srie em diante esto aptos a realizar
atividades desse tipo. A programao destas deve tambm levar em conta
tanto sua experincia com atividades do mesmo tipo, como o
conhecimento referente ao tpico a ser investigado. Quando este for
pouco conhecido, pode-se recorrer a consultas a livros ou a
materiais especialmente preparados para apresent-lo aos estudantes.
O professor atua como um mediador entre o grupo e a tarefa,
intervindo nos momentos em que h indeciso, falta de clareza ou
consenso. Seu objetivo deve ser deixar que o grupo,
progressivamente, assuma maior controle sobre sua atividade.
Entretanto e, principalmente, ao iniciar cada tema novo, o
professor deve monitorar mais cuidadosamente o seu progresso. Essa
uma atividade que demanda muito esforo do professor, especialmente
se h muitos grupos em sua turma.
Defendemos que essas abordagens deveriam ser adotadas na formao
de professores. Os licenciandos precisam exercitar o planejamento,
a preparao e a execuo de atividades mais abertas, se desejamos que
eles venham a adot-las em suas aulas no futuro. Como exemplo,
considere o problema de determinar que tipo de material de um dado
conjunto melhor para confeco de roupas de frio. Uma maneira de
resolver a questo seria envolver um recipiente, contendo uma certa
quantidade de gua gelada, com amostras de cada um dos materiais do
conjunto especificado, e determinar o tempo gasto para a
temperatura da gua subir at um valor estabelecido, como conseqncia
da troca de calor com o ambiente em volta. Dessa forma, est se
determinando que material fornece a melhor isolao trmica. Os
estudantes podem, no entanto, interpretar isso em termos de
concepes alternativas, concluindo que naquele caso em que a
temperatura da gua subir at o
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valor desejado mais rapidamente que se tem o melhor material,
isto , o que aquece mais. Foi exatamente o que aconteceu quando
propusemos a uma turma de professores de cincias, em uma disciplina
de um curso de especializao, que pensassem como este problema
poderia ser solucionado. Eles chegaram mesma soluo errada, embora
muito comum, pois est em acordo com as concepes prvias dos alunos e
deles prprios. Ao serem questionados sobre o significado das
concluses que um aluno poderia formular a partir dos resultados
conseguidos dessa forma, os professores perceberam a inadequao do
procedimento para uso na sala de aula. As discusses que se
seguiram, visando a sua modificao, para evitar a possibilidade de
reforar as concepes iniciais dos estudantes, foram ricas e fizeram
emergir algumas das dificuldades dos prprios professores, tanto com
o tpico, quanto com o planejamento de atividades de laboratrio.
Fig. 4 - Esquema de soluo de um problema.
Uma mudana na maneira de resolver o problema tornou-se
necessria: repetir o procedimento, mas agora comeando com gua da
torneira temperatura ambiente, em lugar de gelada. A seguir,
repetiu-se o processo utilizando gua quente e medindo-se quanto
tempo necessrio em cada caso para a temperatura cair, por exemplo,
dez graus. Essas modificaes forneceram muitas oportunidades para se
discutir as concepes prvias dos estudantes sobre o fenmeno
investigado e avaliar as suas possveis solues.
Outras alternativas que tm o potencial de propiciar aos alunos
atividades relevantes e motivadoras, que os desafiem a utilizar
suas habilidades cognitivas para construrem modelos mais robustos,
capazes de dar sentido s suas
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experincias com o mundo, envolve o uso de simulaes em computador
e os laboratrios investigativos baseados em computadores combinados
com sensores de vrios tipos. O computador no usado apenas como uma
ferramenta convencional para exibir animaes, fazer grficos e para o
tratamento estatstico de dados observacionais, mas com interfaces
apropriadas para a aquisio e exibio de dados em tempo real.
Sistemas desse tipo so usados em algumas escolas exatamente da
mesma forma que os equipamentos tradicionais; a pouca novidade fica
por conta do uso dos de alta tecnologia. Em princpio, um sistema
desse tipo no determina o que deve ser investigado, nem os passos
de uma investigao, mas temos defendido que pode mudar o papel do
estudante, se as atividades forem pensadas de forma adequada. Em um
laboratrio investigativo baseado em microcomputador, a coleta de
dados pode ser feita em tempo real, de forma rpida, e pode ser
repetida muitas vezes, se necessrio. Em situaes que ela lenta com
material convencional (por exemplo, coletar dados de intensidade da
corrente ou diferena de potencial durante a carga ou descarga de um
capacitor ou construir uma tabela de posio em funo do tempo para um
dado movimento), pode ser feita rpida e facilmente, com a aquisio
automtica de dados.
Atualmente, h interfaces para ambiente Windows e calculadoras de
bolso, alm de uma variedade enorme de sensores para detectar e
medir a temperatura, velocidade, posio, acelerao, fora, presso,
intensidade luminosa, condutividade trmica, umidade relativa do ar,
presso sangnea, pH e vrias outras grandezas. Nos ltimos anos, o
custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser
alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de
laboratrio. Os softwares de controle dispem de muitos recursos,
tais como exibio automtica de diferentes formas de grficos,
controle da interface via software, ajustes de escalas, tabelas,
recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos, entre outros.
Nossa experincia indica que os estudantes aprendem rapidamente a
usar os recursos bsicos do sistema. O uso de laboratrio baseado em
computador permite que o estudante dedique menos tempo coleta e
apresentao dos dados; com isso, ele dispe de mais tempo para o
controle de outras partes do processo, como o planejamento da
atividade, a seleo do que medir, execuo da investigao e interpretao
e avaliao dos resultados. Alm disso, esses recursos permitem a
execuo de investigaes em tempo real, bem como a pronta alterao do
planejamento, caso seja necessrio, o que freqentemente o caso numa
investigao. Possibilitam tambm que situaes mais complexas, como por
exemplo as que envolvem grande nmero de variveis ou as que
acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios
convencionais, possam ser estudadas no laboratrio, sob diferentes
condies.
A posio que defendemos no a de mera adeso a um modismo ou a de
investir em aquisio automtica de dados por causa do apelo das
novas
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tecnologias. A mera escolha de equipamentos alternativos ou o
uso de laboratrios baseados em computador no resolve os problemas
relacionados com a aprendizagem de cincias a partir de atividades
prtico-experimentais. A clareza sobre o que se pretende conseguir
com o uso do laboratrio, orientada pela pesquisa educacional,
continua sendo to importante quanto o no laboratrio convencional.
Nosso ponto central : mesmo onde as atividades prticas so comuns,
onde j existe uma tradio de aulas de laboratrio, em geral, acabam
se tornando improdutivas ou rotineiras, pois o currculo prope metas
no factveis para o laboratrio escolar. Alm disso, quase sempre o
manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a
ser vistos, por professores e alunos, como as atividades mais
importantes. Sobra muito pouco tempo e esforo para refletir,
discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e
implicaes das observaes que fizeram e os resultados que
obtiveram.
IV. Concluses
H evidncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores
como ferramentas de laboratrio oferece novas maneiras para ajudar
os estudantes na construo de conceitos fsicos (LINN; SONGER; LEWIS;
STERN, 1993) e permite o planejamento de seus prprios experimentos.
Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar
questes, fazer e testar previses, formular planos para
experimentos, coletar e analisar dados, alm de contribuir para
reforar a habilidade em interpretar grficos e resultados (LINN;
LAYMAN; NACHMIAS, 1987). Pelo fato de serem interativos e por
ligarem experincias concretas de coleta de dados com a sua
representao simblica em tempo real, os laboratrios baseados em
computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a
atividades mais centrais para o pensamento crtico, para a soluo de
problemas e o monitoramento de suas aes e pensamento, para modelar
solues e test-las, em lugar de apenas responderem s questes
levantadas pelo professor.
O laboratrio de cincias fornece uma base fenomenolgica sobre
fenmenos e eventos que se contrapem percepo desordenada do
cotidiano. O argumento aqui desenvolvido simples: a introduo de
atividades prticas nos cursos de Fsica e de Cincias no resolve as
dificuldades de aprendizagem dos estudantes, se continuarmos a
tratar o conhecimento cientfico e suas observaes, vivncias e medies
como fatos que devem ser memorizados e aprendidos, ao invs de como
eventos que requerem explicao. Apontamos tambm que alguns dos
objetivos, pretendidos por professores e autores de materiais de
ensino, derivam de concepes equivocadas acerca da natureza dos
processos de aprendizagem e de produo de conhecimento
cientificamente vlido. Para que as atividades prticas
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sejam efetivas em facilitar a aprendizagem, devem ser
cuidadosamente planejadas, levando-se em conta os objetivos
pretendidos, os recursos disponveis e as idias prvias dos
estudantes sobre o assunto.
Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades
pr-laboratrio para clarificar os objetivos pretendidos, idias
iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenmeno
estudado. Aps a atividade prtica, recomenda-se a discusso dos
resultados obtidos, bem como as limitaes da atividade. Para evitar
que os estudantes adquiram uma concepo errnea do que feito nos
laboratrios, necessrio que o professor distinga claramente as
atividades prticas para fins pedaggicos da investigao experimental
executada por cientistas. Alm disso, urgente que livros-texto e os
cursos de formao de professores nos vrios nveis passem a se
preocupar mais com as imagens sobre a natureza da cincia que,
implcita ou explicitamente, transmitem aos docentes e estudantes de
cincias.
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