-
1
ANA LUZA ARTIAGA RODRIGUES DA MOTTA
O SUJEITO NO DISCURSO ECOLGICO SOBRE A PESCA NA CIDADE DE CCERES
ESTADO DE MATO GROSSO
Dissertao a ser apresentada ao Curso de
Lingstica do Instituto de Estudos da Linguagem da
Universidade Estadual de Campinas como requisito
parcial para obteno do ttulo de Mestre em
Lingstica.
Orientadora: Profa. Dra. Eni Puccinelli Orlandi
UNICAMP
Instituto de Estudos da Linguagem
2003
-
2
FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA IEL - UNICAMP
M858s
Motta, Ana Luza Artiaga Rodrigues da O sujeito no discurso
ecolgico sobre a pesca na cidade de Cceres
Estado de Mato Grosso / Ana Luza Artiaga Rodrigues da Motta. - -
Campinas, SP: [s.n.], 2003.
Orientadora: Eni de Lourdes Pulcinelli Orlandi Dissertao
(mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Estudos da Linguagem. 1. Paraguai, Rio, Bacia. 2.
Turismo - Preservao. 3.
Conscientizao. 4. Anlise do discurso. 5. Desenvolvimento
sustentvel. 6. Pescadores. I. Orlandi, Eni de Lourdes Pulcinelli.
II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da
Linguagem. III. Ttulo.
-
3
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________________ Prof. Dr. Eni
Puccinelli Orlandi - Orientadora
_____________________________________________ Prof. Dr. Suzy
Lagazzi-Rodrigues
_____________________________________________ Prof. Dr. Leila da
Costa Ferreira
-
4
-
5
Para Carlos Otvio, companheiro,
parte desta trajetria.
Para meus filhos Flvio e Matheus,
meninos com quem tenho
compreendido o porqu em ser forte
neste percurso.
Para meus pais, Lcio e Maurcia,
figuras importantssimas na minha
formao.
-
6
-
7
AGRADECIMENTOS
Eni, mesmo antes de ser minha orientadora, o seu trabalho com
a
linguagem j provocava em mim rupturas, escutas. Pelas leituras e
orientaes, pelo
estmulo, pela segurana, pela sua pessoa, a minha admirao.
Suzy Lagzzi, pela ateno e seriedade, pelas leituras e
contribuies
neste trabalho.
Leila Ferreira, pela maneira receptiva e acadmica no IFCH,
pelas
leituras e sugestes para o meu dizer sobre o movimento
ecolgico.
Aos pescadores ribeirinhos, que permitiram-me momentos de
reflexes,
conhecimentos do seu lugar de pescador, de sua relao com o rio
Paraguai em
Cceres-MT.
Mnica Zoppi-Fontana, pelos momentos de leituras e escutas, a
sua
presena significativa em Cceres, na UNEMAT.
A Eduardo Guimares, pelo dilogo proporcionado.
meus irmos, Admar, Avany, Edgar, Luciene, Luciana, Ivana e
Aderbal
(in memria) pelo carinho e incentivo:
Para meus sogros, Sr.Otvio e D. Leonora, pelas palavras de
incentivo.
Fundao Estadual do Meio Ambiente FEMA, Polcia Florestal,
IBAMA, Secretaria de Turismo e Meio Ambiente - Cceres, ONGS,
JUVAM, Colnia
de Pesca Z-2, pescadores amadores e turistas pelas entrevistas e
materiais
concedidos para este trabalho.
CAPES, pela bolsa concedida.
-
8
Universidade do Estado de Mato Grosso UNEMAT, pelo apoio e
afastamento concedido.
A todos os colegas pelas trocas de experincias, conversas: Ana
Di
Renzo, Gleide, Edna Andr, Mirami, Vera Regina, Taisir, Elizethe,
gueda,
Wellington, Eliana de Almeida, Valdir e Maria Teresa. A Neuza
Zattar pelas leituras
e sugestes.
Vianez, pelos inmeros atendimentos e conversas
tranqilizadoras
diante dos clipes da informtica.
A D. Lurdes, Sr. Pedro (in memria), Snia, Idenir, Sandra, D.
Kel, D.Iracy,
Maria, Idevil, Ighinardo, Juliana, Inara, Amanda, Robson, Iury,
Gilson, Bila, Tatiana,
Zez, amigos conquistados em Campinas.
Ana Rosa, pelo carinho e dedicao, requisitos de suma
importncia
que permitem as minhas viagens.
Tereza, da Escola e Berrio Baro de Teff ( Campinas), pelo
gesto
de carinho com meu pequeno Matheus.
A meus filhos, Flvio e Matheus, que deixaram seus espaos em
Cceres
para acompanhar-me em Campinas; minha me pela visita, companhia,
pelos
cuidados com Matheus em Campinas; e a Carlos Otvio, pelo
incentivo e
compreenso.
A todos os amigos que, diretamente ou indiretamente, contriburam
com
um gesto, uma palavra de incentivo.
Deus, Jesus, So Judas Tadeu, pela luz e sabedoria, sempre.
-
9
(...)Todo mundo ama um dia
Todo mundo chora um dia
A gente chega
E o outro vai embora
Cada um de ns
Compe a sua histria
Cada ser em si carrega o dom de
ser capaz
De ser feliz
preciso amor pra poder pulsar
preciso paz pra poder sorrir
preciso a chuva para florir(...)
Tocando em frente - Almir Sater/Renato Teixeira
-
10
-
11
SUMRIO
APRESENTAO...............................................................................................
15
1 DISCURSO ECOLGICO: UM DIZER EM MOVIMENTO
............................. 1.1 1970 Impactos Ambientais nos
Estados Unidos e no Brasil .................1.2 A Posio do
Movimento
Ecolgico........................................................
1.3 A Questo Ambiental na Dcada de 90
................................................ 1.4 Ecologia: O
Discurso da Contraposio
................................................ 1.5 O Desafio da
Institucionalizao de Um Dizer
.......................................
1. 6 O Estado de Mato Grosso
...........................................................
........ 1.6.1 Breve Caracterizao ..........
............................................................ 1. 7 A
Estratgia Poltica do Estado de Mato
Grosso................................... 1.8 FEMA: Lugar de
porta-voz ambiental institucional em Mato
Grosso.....................................................................................................
19 20 24 26 31 34 36 37 40
2 O RIO PARAGUAI NO DIZER DA CIDADE
.................................................. 2.1 A Cidade
Como Sentido
.......................................................................
2.2 Textualizao: O Rio na Cidade.
........................................................... 2.3 A
linguagem estampa a cidade
.............................................................
2. 3.1 As
Placas........................................................
.................. ..................
2.4. As Pinturas
Ecolgicas...................................................................
... 2.5 Sujeito pescador...
................................................................................
2.6 Pesca: Gestualidade e silncio
........................................................... 2.7 O
Lugar da Pesca: Uma Organizao
Poltica.......................................
51 53 55 59 59 59 65 66 68
75 3 PIRACEMA: UM
SLOGAN.............................................................................
3.1 Texto: Uma Escuta
.................................................................................
3.2 O Dizer e Saber: Uma Posio do sujeito
.............................................
77 80 87
4 A SUSTENTABILIDADE DO DIZER
.............................................................. 4.1
Cidado e Sustentabilidade
...................................................................
4.2 O Turismo e a Cidade
.......................................................................
. 4.3 Os diferentes sentidos da palavra: Conscientizao e Preservao
.....
93 99 102110
CONSIDERAES FINAIS
.............................................................................
ABSTRAC..........................................................................................................
123 127
BIBLIOGRAFIA..................................................................................................
129
-
12
-
13
RESUMO
Neste trabalho buscamos compreender, a partir do discurso
ecolgico,
os efeitos de sentido no dizer institucionalizado e
no-institucionalizado sobre a
pesca no rio Paraguai, na cidade de Cceres Mato Grosso.
Procuramos dar visibilidade espessura semntica da linguagem,
interrogando a materialidade simblica, explicitando as leituras
possveis de uma
discursividade. Para isso, tomamos, como corpus, discursos
institucionalizados e
no-institucionalizados que cruzam a cidade ribeirinha. Frente a
essa materialidade,
o nosso referencial terico-analtico o da Anlise de Discurso de
linha francesa de
Michel Pcheux, Eni Orlandi e outros colaboradores.
A opo em desenvolver este trabalho nasce do prprio lugar
onde
vivemos, o Pantanal Matogrossense. Nesta regio, a pesca tem uma
tradio
cultural, uma memria que vem desde a fundao da cidade, e, que no
h como
negar, no tem como no ser afetado pelo discurso ambiental que
significa nesta
cidade, nesta regio.
a partir desses discursos, dessa disperso de textos que se
estampam na cidade sobre a comunidade pesqueira, que
procuraremos trabalhar as
anlises nesse territrio poltico em que significamos.
No decorrer de nossas anlises, observaremos que o rio tem
uma
corporidade que o significa, que d vida cidade. Devido localizao
da cidade,
nesta regio, s margens desse rio, ela conhecida como O Portal do
Pantanal, a
Princesinha do Paraguai. esse discurso ecolgico que, pelo efeito
de sua
naturalizao, a nosso ver, produz e constitui no social
matogrossense um sujeito.
E, ento, nos interrogamos: que sujeito esse que se quer
constituir no social a
partir desses textos que jogam com os possveis interlocutores do
espao urbano?
PALAVRAS-CHAVE: Rio Paraguai, Pescador, Peixe, Cidade, Estado,
Leis de Pesca,Conscientizao, Preservao, Turista, Desenvolvimento
sustentvel, Sujeito
e Anlise de Discurso.
-
14
-
15
APRESENTAO
Neste estudo, onde se analisa o dizer sobre conscientizao e
preservao do peixe no Pantanal de Cceres, cabe destacar que o
Estado de Mato
Grosso, no seu contexto histrico, considerado o lugar que detm a
maior reserva
de biodiversidade da Amrica do Sul: o Pantanal.
A cidade de Cceres (MT), por estar geograficamente localizada
nesse
cenrio, considerada o Portal do Pantanal. Fundada em l778, por
Luiz de
Albuquerque de Melo Pereira e Cceres, est situada margem
esquerda do rio
Paraguai. uma cidade de ares exticos que tem a sua
historicidade, a sua
memria, que se textualizam no espao urbano a partir do sentido
que o rio produz
nesse lugar.
Por essa via, o rio prenhe de significados para a cidade, para
a
regio. Entre os sculos XVIII e XIX foi utilizado como meio de
transporte de
mercadorias e passageiros. Conforme consta em literatura
matogrossense, a lancha
Etrria navegou o rio Paraguai por mais de 60 anos, transportando
produtos da terra,
para o escoamento da borracha e da ipecacuranha (poaia). Esse
tipo de transporte,
o aqutico, segundo Batista (l998: 34)1, at os anos 30, foi o que
possibilitou a
relao, da cidade com as outras regies do pas, por ser o nico
meio de
comunicao.
A ponte sobre o rio Paraguai em Cceres, com extenso de 300
metros, caracteriza a marcha para o oeste. denominada ponte
Marechal Rondon,
devido ao seu colonizador. Essa construo foi inaugurada em 21 de
janeiro de
1961, pelo ento governador do Estado Dr. Joo Ponce de
Arruda.
1 BATISTA, Martha. Estrela de uma vida inteira: a histria de
Cceres contada atravs das lembranas de v Estella. (1998) A autora a
partir de narrativas de antigos moradores da cidade, traz um
recorte da cidade aos olhos dos entrevistados no ano de 1926.
-
16
Assim, podemos dizer que o rio Paraguai tem um pr-construdo2
que
funciona no imaginrio dos antigos moradores da cidade como: os
pescadores
ribeirinhos, os pescadores amadores, os turistas, os
transeuntes. Evidentemente, o
gesto de dizer sobre a preservao do rio Paraguai, do peixe como
sobre a conscientizao ambiental no Pantanal tem mltiplos sentidos.
Impe mudanas, regras institucionalizadas no manejo, na relao do
sujeito com o rio, com os peixes.
H pesos e medidas pr-estabelecidos para a retirada do peixe, das
espcies da
gua, do seu habitat, conforme prescreve a Lei de Pesca 6.672 de
20 de outubro de
1.995 do Estado de Mato Grosso.
Para desenvolvermos esta pesquisa, deve-se dizer que o
processo
metodolgico da delimitao do corpus discursivo exige do analista
uma postura
terica, uma vez que na Anlise de Discurso a delimitao do campo
discursivo no
limita-se a anlise de um determinado eixo apenas a ser
analisado. Em outras
palavras, o corpus instvel. O acontecimento organizacional dos
recortes
discursivos so constitudos a partir das anlises.
Para tanto, o campo discursivo de referncia o discurso
ecolgico
sobre a pesca no rio Paraguai, na cidade de Cceres, no Estado de
Mato Grosso.
Os materiais de anlise constituem-se de Lei de Crimes Ambientais
de n. 9.605
de 12 de fevereiro de 1998, Lei de Pesca Federal n. 7.679 de 23
de novembro de
1988. e Lei de Pesca Estadual n. 6.672 de 22 de outubro de 1995.
Esta Lei de
Pesca Estadual estava em processo de reformulao e votao na
Assemblia
Legislativa, em Cuiab, objetivando uma mudana na quantidade de
quilos de
pescado para pescadores profissionais, amadores e turistas.
Em maro de 1999, poca de nossas entrevistas, o pescador
profissional tinha o direito a 1.000 kg, o turista a 300 kg e o
amador a 100 kg por
semana. A proposta estadual em votao seria de 100kg para o
pescador
profissional, 30 kg para o turista e 10 kg para o pescador
amador, por semana.
Dada a disperso de textos que discutem a problemtica da pesca
na
regio, sero tambm, considerados materiais de anlise, estatutos,
jornais, revistas,
slogans de campanhas entre 1990 e 1999 contra a pesca predatria
no perodo da
2 . O efeito de pr-construdo aqui citado se faz compreensvel a
partir de P. Henry, como algo que j tem a sua carga
significativa.
-
17
piracema; enunciados das placas de sinalizao da beira-rio, como
da BR 364,
permetro que liga a cidade de Cceres a Cuiab.
Alm do que foi citado, o corpus deste trabalho ser composto
de
entrevistas realizadas com instituies governamentais e
no-governamentais tais,
como:
1) Instituto Brasileiro do Meio Ambiente-IBAMA; Fundao Estadual
do
Meio Ambiente- FEMA; 2) Secretaria de Turismo e Meio Ambiente-
SEMATUR; 3)
Associao dos Amigos do Rio Paraguai - AARPA (ONG); 4) Colnia Z-2
dos
pescadores, pescadores profissionais, amadores e turistas;
5)Juiz de Direito da Vara
Criminal, Juizado Volante Ambiental - JUVAM; 6) Polcia Militar
Florestal - PMF,
Capitania dos Portos- Marinha Mercantil.
Para proceder s anlises desse corpus, nos filiamos a
perspectiva
terica da Anlise de Discurso de linha francesa de Michel Pcheux,
e no Brasil, Eni
P. Orlandi e colaboradores. Sero consideradas as condies de
produo do
discurso ecolgico das instituies governamentais e
no-governamentais sobre a
situao pesqueira no pantanal de Cceres. No exame desse material,
sero
observados o funcionamento da linguagem e o processo de
significao que a
discusso ambientalista produz nos interlocutores. Nessa direo,
analisaremos a
interface da sociedade e a natureza, nos ancorando na literatura
da Sociologia
Ambiental brasileira, tendo como referncia Leila da Costa
Ferreira, Eduardo Viola
entre outros. Como diz Viola (1996:28), O ambientalismo, surgido
como um
movimento reduzido de pessoas grupos e associaes preocupadas com
o meio
ambiente, transforma-se num intenso movimento
multissetorial.
sobre esse discurso institucionalizado e no-institucionalizado
que
esta dissertao estar sendo dividida em quatro captulos.
No primeiro captulo, borda-se questes polticas e sociais,
observando o processo de institucionalizao jurdica das polticas
sociais no Brasil,
enfatizando, nesse quadro das polticas sociais o processo
scio-histrico da Lei de
Pesca n. 6672 de 22 de outubro de 1995, no Estado de Mato
Grosso. No segundo
captulo, toma-se o rio enquanto texto e discute-se os efeitos de
sentido do discurso
sobre a pesca no espao urbano da cidade. No terceiro captulo,
discute-se a partir
de textos jornalsticos e o slogan de 1998, como o dizer sobre a
piracema constri
sentidos e significa, no social. E finalmente o ltimo captulo,
retrata de forma
-
18
analtica a inscrio do dizer sobre desenvolvimento sustentvel,
sustentabilidade,
trabalhando o jogo da lngua nesse discurso de cunho
internacional.
Dada s anlises, a disperso de textos que constituem o
discurso
sobre a pesca na cidade de Cceres, questionamos: como significa
esse discurso
ecolgico, sobre a comunidade pesqueira, na transitividade
urbana? Que posio
sujeito figura nesses dizeres? Seria o imaginrio de um sujeito
eco, que figura em
um tipo de discurso ecolgico?
-
19
I. DISCURSO ECOLGICO: UM DIZER EM MOVIMENTO
Enfoca-se neste captulo uma discusso scio-histrica
discursiva
acerca do movimento ecolgico nos Estados Unidos e no Brasil.
Falamos da relao
homem x natureza, dos acontecimentos que mobilizaram uma tomada
de posio
diante dos fatos, no que se refere questo da preservao do
ambiente.
Para tanto, evidenciaremos questes polticas e sociais desses
pases
de fronteiras, culturas e infra-estrutura diferenciadas,
observando o processo de
institucionalizao jurdica das polticas de proteo ambiental no
Brasil.
Aborda-se ainda, com nfase, o processo de institucionalizao
jurdica
da Lei de Pesca n. 6.772, sancionada e publicada no dia 20 de
outubro de 1995, no
Estado de Mato Grosso.
Assim, analisar o discurso ecolgico significa pensar o
movimento
ecolgico em suas vrias significaes scio-histricas discursivas,
nesse espao
caracterizado como poltico. Nesse espao poltico e social, os
seres humanos vivem
em uma interdependncia com a natureza, a princpio to bvio que se
apagam os
efeitos de sentido dessa discursividade sobre conscientizao,
preservao e
desenvolvimento ambiental.
A posio-sujeito, no discurso do capitalismo e do discurso
ecolgico,
produz conflitos no social, movimentos de sentido, gestos de
interpretao3. H uma
incessante busca poltica para o desenvolvimento social, busca
pelo progresso,
pelo desenvolvimento. Este um fato que reclama sentidos, j
que:
O sujeito moderno-capitalista ao mesmo tempo livre e submisso,
determinado (pela exterioridade) e determinador (do que diz): essa
a condio de sua responsabilidade (sujeito jurdico, sujeito a
direitos e deveres) e de sua coerncia (no-contradio) que lhe
garantem, em conjunto, sua impresso de unidade e controle de
3 Sobre Gestos de Interpretao, ver Orlandi, 1996.
-
20
(por) sua vontade. No s dos outros mas at de si mesmo. Bastando
ter poder...(ORLANDI, l999:22)
Buscando compreender essa relao scio-poltica entre
desenvolvimento e ecologia, Viola (1987) trabalha o movimento
ecolgico no Brasil
(l974, l986). O autor coloca que O comportamento predatrio no
novo na
histria humana, e que isso no se restringe nem ao fim do sculo
XX e nem aos
ltimos dois sculos de industrialismo. O que novo a escala dos
instrumentos de
predao, cujo smbolo mximo so as armas nucleares (p.5).
Na seqncia de sua reflexo, o autor se debrua sobre a questo
do
ambiente, questionando, primeiramente, a posio da humanidade a
partir de
grandes acontecimentos como Hiroshima e Nagasaki. Aponta
catstrofes que
ameaam concretamente a humanidade como: a guerra nuclear; o lixo
atmico
acumulado e acidentes em usinas nucleares; o efeito estufa e o
enfraquecimento da
camada de oznio na atmosfera4. Diante desse quadro, o autor diz
que a dcada
de 70 que se constitui como o marco, o despertar da conscincia
ecolgica no
mundo.5
1.1 1970 - Impactos Ambientais nos Estados Unidos e no
Brasil
Os estudos ambientais nos Estados Unidos, entre as dcadas de
1970
a 1980, sofrem grandes mudanas. Nos anos 70 surge, segundo
Buttel (1987), um
desenvolvimento da Sociologia Ambiental devido aos problemas
ambientais no
princpio dessa dcada. Conforme Dunlap (1997), os socilogos
naquela poca
estavam voltados mais para problemas gerais ambientais,
distanciando-se da
sociedade. O mesmo autor refora essa discusso pontuando que
tal
distanciamento do homem x natureza se deve abundncia em recursos
e
progressos tecnolgicos.
Entretanto, a escassez de energia (1973 a 1974) chamou a
ateno
da Associao de Sociologia Americana, Associao Norte-Americana
Internacional
4 VIOLA,Eduardo J. ( 1987 ), discute os efeitos de tais
catstrofes para a humanidade trazendo uma vasta bibliografia de
pesquisadores que estudam essa relao do ser humano com seu espao. 5
VIOLA (idem) cita a conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente
em Estocolmo (1972); relatrio Meadows (1972) sobre os limites do
crescimento e relatrios subseqentes (Tinbergen, 1978; Laszlo, 1977;
Bariloche); surgimento do paradigma terico da ecologia poltica;
proliferao de movimentos sociais ecologistas no mundo norocidental
(...) ( p.6)
-
21
(ISA), entre outras, para a formulao de questionamentos sobre os
impactos
sociais. A pensar "que o ambiente era mais do que somente um
outro problema
social e que condies ambientais poderiam realmente afetar a
sociedade" (Idem).
Quanto dcada de 80, h um declnio desse movimento
ambientalista. A preocupao dos USA com os impactos das
condies
ambientais nos humanos, mais do que os impactos dos humanos no
ambiente.
O vero quente de 1988 nos USA aquece as discusses com
destaque em conceituados meios de comunicao, como a Revista
Time, em dizer
"terra em risco". A expanso da problemtica configura em junho de
92 a "reunio
de cpula da Terra" no Rio de Janeiro, com o objetivo de discutir
com os pases
subdesenvolvidos o ambiente e os efeitos do desenvolvimento
industrial na
biosfera.
Ferreira (1996:134)6 diz que: Examinando o desenvolvimento
das
duas dcadas pode-se afirmar que, durante os anos 70 e 80, os
Estados Unidos e
outros pases altamente industrializados adotaram dezenas de
polticas ambientais
e criaram novas instituies para desenvolver programas na rea.
Quanto
dcada de 90, a autora pontua que a agenda ambiental parece
tornar-se mais
complexa, o que significa uma reavaliao cuidadosa das polticas
ambientais.
No caso do Brasil, o movimento ecolgico tem seus efeitos, as
suas
particularidades. O choque da crise do petrleo, em 1973, faz com
que o Brasil se
posicione diante dos recursos naturais. A partir dessa
preocupao, com a crise do
petrleo, outros discursos que j debatiam a questo da preservao e
impactos
ambientais dariam sustentabilidade ao dizer do movimento
ecolgico neste pas.
Viola (1987), diz que, quase paralelamente ao primeiro mundo, os
movimentos
ecolgicos vo-se desenvolvendo aqui, ainda que em escala bem
menor, j em
1970. Mas o marco desse acontecimento do movimento ecolgico no
Brasil tem
registro em 1974, ano em que se inicia a poltica de distenso do
presidente
Geisel, com o conseqente afrouxamento dos controles estatais
sobre a
organizao da sociedade civil.
O Brasil, considerado a oitava economia do mundo capitalista,
um
pas que tem uma m distribuio de renda e um distanciamento das
causas sociais,
6 Ver FRREIRA, Leila da Costa & VIOLA, Eduardo (orgs.).
Incertezas de Sustentabilidade na Globalizao. Ed. UNICAMP,
1996.
-
22
tais como saneamento bsico, tratamento de esgoto e gua. Conforme
Viola (idem),
a qualidade das guas da rede pblica consumida em quase todo o
Brasil
pssima, segundo parmetros internacionais exigentes.
No Brasil, "at a dcada de 1970 o Brasil se realizava no mito
desenvolvimentista, e a questo ambiental, sombra de valores
predatrios, era tratada como a anttese do desenvolvimento nacional.
Durante a Conferncia das Naes Unidas, em 1972, o governo brasileiro
expressou publicamente sua estratgia geopoltica atravs de dois
trunfos: a ausncia de normas ou regras de organizao do espao de
utilizao dos ecossistemas nacionais e a desvalorizao brutal da mo
de obra local no mercado de trabalho mundial. Institucionalizar ou
dar respostas oficiais a demandas pela melhoria da qualidade
ambiental significava abdicar do j restrito poder de barganha na
ordem econmica mundial" Ferreira (1993:16).7
Assim, devido aos problemas ambientais internos e o crescimento
das
discusses sobre os impactos ambientais no mundo, o Brasil assume
o
compromisso de criar instituies governamentais, a partir da
reunio em Estocolmo,
em 1972. O objetivo de cumprir exigncias internacionais deve-se
a priori para a
aprovao de emprstimos destinados a grandes obras pblicas
brasileiras. Cria-se
a SEMA Secretaria Especial de Meio Ambiente, em 1974, sob o
regime militar
chefiada pelo Dr. Paulo Nogueira Neto.
O movimento ecolgico no Brasil, segundo Viola, (1987), pode
ser
caracterizado em trs perodos:
1. O movimento ecolgico na fase ambientalista ( 1974-1981) Em
1971, registra-se um grupo de pioneiros, influenciados,
conforme
Viola e Leis (1995), pelo movimento ambientalista
norte-americano e europeu, e
comandados no Sul do Brasil pelo engenheiro agrnomo Jos
Lutzenberger, fundam
a AGAPAN Associao Gacha de Proteo ao Ambiente Natural. Esta
seria,
ento, a primeira associao ecologista a surgir no Brasil e na
Amrica Latina. Essa
associao se v com grandes dificuldades de organizao durante o
perodo de
represso que se alastrava no pas, sob a presidncia de Mdici.
Deve-se dizer que
outros vultos antecederam a AGAPAN e fazem parte da pr-histria
da ecologia no
7 Sobre o desenvolvimento da poltica ambiental no Brasil, ler
Ferreira, Leila da Costa. A Questo Ambiental: Sustentabilidade e
polticas pblicas no Brasil. Boitempo Editorial, 1998.
-
23
Brasil. Nomes que tambm lutaram em prol do ambiente como o
naturalista Henrique
Roessler nas dcadas de 50 e 60, em todo o Rio Grande do Sul. Em
1974, surgem
outras associaes ecolgicas no Sul-Sudeste, tendo como destaque
Movimento
Arte e Pensamento Ecolgico em So Paulo. So marcos que constituem
1974
como o ano de incio do movimento ecolgico no Brasil. Uma
caracterstica
importante desse perodo do movimento ecolgico na fase
ambientalista foi a
existncia de dois movimentos paralelos identificados como
apolticos: um com um
perfil de denncia de degradao ambiental nas cidades e outro nas
comunidades
alternativas rurais.
Em 1978, publica-se a revista Pensamento Ecolgico atravs do
Movimento Arte e Pensamento Ecolgico. Em 1979, o movimento ganha
outros
adeptos esquerdistas voltados do exlio, como Fernando Gabeira, e
nesse mesmo
ano difundido no pas um movimento de defesa da Amaznia. 2. O
ecologismo em transio (1982-1985)
O ano de 1982, ano de transio democrtica brasileira, tambm,
segundo Viola (op.cit), o ano de transio do movimento ecolgico.
Assim, pode-se
dizer do surgimento de candidatos a eleies estaduais com ideais
de movimento
poltico em prol do ambiente. Em 1984, vrios ecologistas
ativistas decidem
participar da campanha pelas diretas-j para presidente da
Repblica. Essa
postura dos ativistas na campanha poltica pontua discusses de
que os problemas
ambientais esto vinculados aos problemas de ordem social e
poltica. preciso ter
poder. Isto garante aos participantes dos movimentos ambientais
a se candidatarem
eleio. A batalharem por um lugar na poltica, atravs do processo
eleitoral em
prol de ideais de preservao do ambiente, do ecolgico.
Como podemos observar o perodo de 1982 a 1985 um momento de
transio poltica e social dentro do movimento ecolgico
brasileiro. O lugar, a
posio dos sujeitos em dizerem, em se colocarem como candidatos
em defesa do
espao ecolgico, diferente. So discursos que se fortalecem
constituindo um novo
lugar no poder institucional, de dizer sobre a conscientizao e a
preservao do
ambiente, de um lugar poltico institucionalizado.
3) A opo ecopoltica em 1986 Em 1986, o grupo do movimento
ecolgico se intensifica na perspectiva
de participar e de intervir no processo constituinte. Nesse
mesmo ano funda-se no
-
24
Rio de Janeiro o Partido Verde - PV, e Gabeira candidato ao
governo do Rio de
Janeiro, com apoio do PT. Esse fato coloca a cidade maravilhosa
como eixo central
do movimento ecolgico, j que a cidade o centro da comunicao de
massa do
pas. vlido dizer que o Partido Verde aos poucos vai tomando fora
e constituindo
bases em outras capitais dos Estados, como Santa Catarina, So
Paulo e outras. A
maioria das pessoas que participam do movimento ecolgico nesse
perodo so
universitrias. O trabalho de ecologizar a burguesia no to
difundido nessa
camada social, j que o consumo o alvo dessa camada e no o efeito
desse
consumismo na natureza. Em meio a essa postura ecolgica, quem
participa
ativamente dos princpios do movimento ecolgico, respeitando as
normas para a
no depredao da natureza, so as multinacionais. Estas empresas
que investiram
no Brasil, a convite de Mdici, a princpio no esto preocupadas
com as causas
ambientais, elas fixam o comrcio no Brasil em busca de espao e
mo-de-obra
barata.
possvel observar atravs das anlises, no tecido histrico
discursivo
do movimento ecolgico, uma mudana na posio-sujeito que mobiliza
sentidos
para o dizer institucional, para o lugar do poder. Trata-se
daquele que se subjetiva,
ao falar sobre a posio da natureza e do homem nesse espao
caracterizado como
ambiente. Os dissidentes, com perfis caractersticos singulares,
constituem esse
acontecimento dentro do prprio movimento ecolgico no Brasil. So
eles: os
ecologistas realistas, ecologistas fundamentalistas, os
ecocapitalistas e os
ecossocialistas. Eles marcam, delimitam sentidos no conflito de
dizer, de ver o
homem e o seu espao, o ambiente.
Neste item no nos deteremos a explicitar a predominncia
desses
ecologistas no interior do movimento ecolgico, mas trabalharemos
os efeitos de
sentido desse discurso ambiental na comunidade pesqueira, em
Cceres, Estado de
Mato Grosso sobre o discurso da conscientizao e a preservao do
peixe no rio
Paraguai.
1.2 A Posio do Movimento Ecolgico
A proteo ambiental no Brasil passa a ter respaldo legal,
consistncia
poltica no social, com a promulgao da Constituio Federal em
1988. Em 1989, o
-
25
governo Sarney cria e institucionaliza, o Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais IBAMA. A antiga SEMA , ento, destituda,
funde-se a outros
rgos de floresta, pesca e borracha.
Assim, o poltico tem trnsito, se ancora no jurdico, representado
no
art. 225 do Caput da Constituio Federal de 1988, congregando as
muitas vozes
que constituram os discursos de proteo ao ambiente: todos tm
direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial
sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder pblico e
coletividade o dever de
defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes. Para
o movimento ecolgico que surge diante de uma situao de
degradao social e ambiental, a proposta um novo sistema de
valores sustentado
no equilbrio ecolgico, na justia social, na no-violncia ativa e
na solidariedade
diacrnica com as geraes futuras. Essa idealizao de um mundo
justo e fraterno
deve-se postura do movimento ecolgico que trabalha com a
idia-fora de
ecodesenvolvimento. A idia-fora de ecodesenvolvimento refere-se
ao equilbrio,
um controle entre o desenvolvimento e a preservao do ambiente,
enfocando-se a
a justia social. Essa posio do movimento ecolgico um
acontecimento
significativo que, no entanto, devido ao excesso desse dizer no
social, produz o
efeito da evidncia. E isto ideolgico8.
A ideologia, enquanto prtica, produz esse efeito, em que se
apaga o
processo e naturaliza-se o acontecimento. Produz, na
materialidade da linguagem, o
efeito da evidncia, no se questiona o discurso, a textualidade,
enfim, o processo.
Pensando sobre o processo pelo qual somos afetados, isto , pelo
simblico,
Interrogamos: ao se referir idia-fora de ecodesenvolvimento, que
sentidos
atravessam esse dizer? Como se inscreve a ecologia no social?
Nas relaes
sociais, na constituio dos sujeitos enquanto sujeitos dessa
sociedade na histria?
8 Pcheux, M e Orlandi, Eni, P. discutem esse efeito da evidncia
na linguagem em uma vasta literatura.Ver bibliografia final.
-
26
1.3 A Questo Ambiental na Dcada de 90
Ferreira (2001)9 discute sobre as inter-relaes entre sociedade
e
ambiente no Brasil, pontuando o incio da institucionalizao desse
conhecimento,
em meados da dcada de 1980. A autora fala das primeiras
iniciativas nesse
percurso de institucionalizao desse estudo na regio sudeste,
citando a
Universidade Estadual de Campinas, a Universidade de So Paulo, e
a Universidade
Federal de Santa Catarina.
A autora afirma que a sociologia ambiental no Brasil encontra-se
em
fase intermediria quando comparada s experincias internacionais.
Menos pelo
impacto da produo e mais pela resistncia que ainda enfrenta por
parte de setores
fortemente disciplinares das cincias sociais brasileiras
(p.53).
Observa-se que o grupo s consegue reunir-se na Associao
Nacional
de Ps-Graduao e Pesquisa em Cincias Sociais (ANPOCS), em 1986.
Nessa
data, as Cincias Sociais ainda tratavam a problemtica ambiental
de forma
incipiente.O espao prioritrio para uma discusso crtica em relao
ao contexto
brasileiro s viria acontecer em 1992, em face do evento da
Conferncia das
Naes Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento ( CNUMAD) no Rio de
Janeiro.
Aps a ECO 92, as discusses dos tericos das Cincias Sociais e
Socilogos culminam em escritas de livros e em busca de
aperfeioamento
intelectual de pesquisadores em doutorado e ps-doutorado no
exterior, j que nos
Estados Unidos, Frana e Inglaterra, a discusso sobre as questes
ambientais j se
alargava frente do Brasil com 20 anos de literatura.
Na primeira metade dos anos de 90, final de sculo, a preocupao
era
com a questo da globalizao. Viola (1996) diz que fundamental
enfatizar que
globalizao no homogeneizao. O autor 10 argumenta que essa nova
forma de
dizer sobre o mundo, a globalizao, importante, mas infelizmente
a mdia
simplifica o acontecimento. Diz ainda que, o ambientalismo como
tecido social, seja
na sua forma simples ou multissetorial dos anos 90, um grande
laboratrio do
complexo sistema global. E conclui. Tem uma grande vantagem quem
aborda a
9 Ver, Ferreira, Leila da Costa. No artigo Sociologia Ambiental,
Teoria Social e a Produo Intelectual no Brasil, Revista Idias-ano 8
(2), 2001, a autora tece o percurso scio histrico do movimento
literrio, as produes cientficas no Brasil. 10 Ver Viola, 1997. No
texto Confronto e Legitimao in O Ambientalismo no Brasil : Passado,
Presente e Futuro, o autor discute em conjunto com FERREIRA, Lcia
da C. & LEIS, Hector Ricardo, o percurso scio histrico do
movimento ambiental no Brasil.
-
27
globalizao pelo vis ambiental, se comparado com quem a trata
pelo vis
econmico, porque a maioria das pessoas que estudam globalizao se
mantm na
esfera econmica e tem uma concepo bem mais simples (p.31). O
livro Incertezas
de sustentabilidade na globalizao (1996), rene vrios artigos que
discutem o
processo histrico da globalizao. Viola (idem) diz que em meados
da dcada de
1980, o homem toma conta, conscincia de que faz parte de um s
planeta, dos
riscos da degradao ambiental, que na verdade j existia desde a
dcada de 1950,
dada a existncia de armas qumicas, contaminao do ar, entre
outros. Segundo
Ferreira (2001), A preocupao ecolgica no tem ptria, seu
enraizamento o
planeta. Viola (1996) enfatiza que a dimenso ecolgico-ambiental
constitui o mais
poderoso dos processos de globalizao.
No conjunto do que se discute sobre os problemas enfrentados
no
mundo, no que se refere degradao ambiental, de similar natureza.
Dada a
relevncia do problema, observa-se na dcada de 90 uma outra forma
de
organizao poltica no social, sem fins lucrativos, com fins
pblicos, com
organismos privados, com participao voluntria - o surgimento das
ONGs. Na dcada de 90, o movimento ecolgico sofre grandes mudanas,
politizado, tanto
quanto outros novos movimentos sociais.
(PRINCER & FINGER, 1996, in PIGNATTI 2002), definem as
ONGs
como grupos no lucrativos com base ou atividades em mais de um
pas, cuja
misso principal impedir a degradao ambiental e promover formas
sustentveis
de desenvolvimento. So entidades que buscam, atravs de polticas
sociais,
solues para os problemas de desequilbrios oriundos do
desenvolvimento local,
regional e global. Essas entidades algumas vezes trabalham com
algum tipo de
colaborao do governo, mas na maioria das vezes os movimentos que
pensam as
relaes de conflito, as aes no social, passam ao largo da poltica
tradicional do
Estado Nao.
As explicaes para o prprio surgimento das ONGs
ambientalistas
transnacionais, bem como o seu papel na sociedade moderna, so
pontuadas pelos
autores (in PIGNATTI:68) como produto da crise global.
Argumentam ainda que, a
crise ecolgica global, a destruio do meio ambiente visvel e
dramtica em todas
as partes do mundo e tem vrios efeitos sobre a vida humana e
seus ecossistemas.
Um dos pontos destacados nesse conflito homem x natureza
refere-se ansiedade,
-
28
insegurana, ao medo e ao stress social. nesse lugar que as ONGs
pressionam
os governos a investirem em pesquisas e projetos que discutam os
efeitos da
degradao no social, sem perder de perspectiva o homem nessa
relao de conflito.
PignattI (ibidem) argumenta, que o ambientalismo poltico no
Brasil
toma outras diretrizes na dcada de noventa. A autora pontua que
no Brasil as ONGs
procuram, nos anos noventa intensificar as discusses, dividir
responsabilidades com
governos, universidades e centros de pesquisa. Essa forma de
intensificar as
responsabilidades deve-se a fatores como a globalizao da
economia, como pelo
prprio esforo de um pacto social em prol da conservao do
ambiente que comea
a partir da Conferncia das Naes Unidas em 1992. (p.70).
No Brasil, h uma diferenciao entre ONGs ambientais e outras
formas de associao dos atores sociais. (HERCULANO in PIGNATTI,
2002:74),
caracteriza as ONGs como institutos e fundaes com mais
originalidade formados
por profissionais predominantemente apoiados poltica e
financeiramente por
institutos e fundaes, de mbito internacional. Estes podem ser
ligados por uma
formalidade ou no a partidos polticos, igrejas, federaes
sindicais, entre outros.
No entanto, o que chama a ateno refere-se ao pedaggica que
funciona como
uma assessoria cidadania e ao mesmo tempo como um instrumento de
presso
frente ao Estado e imprensa em favor das polticas pblicas
ambientais.
Geralmente essas entidades tm registro no Conselho Nacional de
Meio Ambiente
(CONAMA), Conselhos Estaduais de Meio Ambiente (CONSEMAS) e
Conselhos
Municipais de Meio Ambiente (CONSEMAS) so de carter
deliberativo, e fazem
parte do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). (p.71)
Ferreira (2000) diz que as ONGs ambientalistas, que tm
movimento
em territrio nacional, tm contribudo com inmeros tipos de
projetos que tm como
pblico-alvo preferencial ndios, seringueiros, ribeirinhos,
pescadores, sertanejos,
artesos, ex-sem-terras assentados. O objetivo dessa relao entre
as ONGs no
Brasil e as comunidades trabalhar a posio do sujeito e o
ambiente. Dito de outra
forma, significa produzir mecanismos que garantam a
sustentabilidade dos sistemas
naturais e qualidade de vida s comunidades carentes que dependem
diretamente
dos recursos naturais para a sobrevivncia.
Neste estudo, em que analisa-se o funcionamento da linguagem,
a
partir de textos que discutem a questo ambiental sobre a pesca
na cidade de
-
29
Cceres-MT, trabalha-se com o sujeito enquanto posio, nessa
textualidade.
Pensa-se na posio sujeito que formula o discurso ecolgico para o
social e isto faz a diferena. Assim, neste processo discursivo,
para que se questione a
materialidade discursiva, deslocar a palavra adequada pois, se
considerarmos bem
as coisas, disto justamente que se trata (P. Henry,
l993:l52).
Compreende-se que sentido e sujeito esto relacionados a sua
constituio pela noo de interpretao. a partir dessa posio-sujeito
constituda
que podemos observar o processo, o jogo de que passvel a lngua,
na relao
com o simblico. E a relao do sujeito com a linguagem que nos
permite pensar
no movimento da leitura, nos efeitos de sentido11, que
determinadas palavras produzem no social.
Desse modo, o sentido da expresso degradao social globalizao
inscreve-se em uma formao discursiva e no em outra devido s
condies de
produo desse discurso em pases de fronteiras, culturas e
polticas de
desenvolvimentos distintos. Pcheux (l990:l5) diz que a mesma
palavra, a mesma
frase no tm, o mesmo sentido. O que isto quer dizer?
Os fatos de sentido da ordem do discurso no so remissveis ao
discurso de um sujeito, nem aos de vrios conjuntos para fazer uma
espcie de sujeito mdio, mas a formaes discursivas que no tm
realidade no nvel do indivduo, seno pelo fato de que elas
determinam as posies que pode e deve ocupar todo indivduo, para ser
o sujeito de uma enunciao provida de sentido (P.HENRY idem,
l62).
Dito de outra forma, significa trazer tona as condies em que
um
determinado discurso foi organizado, constitudo. Assim, o lugar,
a poca, a
constituio histrico-social fazem parte do sentido no movimento,
no gesto de
interpretao do sujeito com o mundo. Como afirma Orlandi ( l999)
sujeito e sentido
se constituem ao mesmo tempo na articulao da lngua com a
histria, em que
entram o imaginrio e a ideologia. Da compreende-se o porqu do
discurso ser o
material concreto que oferece ao analista o lugar ao
questionamento, observao.
O discurso, enquanto materialidade simblica, o lugar onde o
analista
se debrua e compreende a relao da lngua com a ideologia. o
sujeito
11 ORLANDI, Eni, P. Do Sujeito na Histria e no Simblico in
Escrito n.4 Laboratrio de Estudos Urbanos Nudecri, l999
-
30
assujeitado lngua na histria, ento no tem como estar no mundo
sem ser
afetado pelo simblico.
Nessa direo, h que se pensar a lngua, o simblico na histria. E
se
a lngua para significar se inscreve no real da histria,
justifica-se trazer as condies
de produo do discurso. Neste caso, trazemos para a reflexo o
dizer sobre a
globalizao. A palavra globalizao, de uso comum, na atualidade
tem a sua
historicidade. Esse dizer intensifica-se na metade da dcada dos
anos oitenta, mas
de fato j existe desde 1950 (VIOLA, 1996). Esse dizer tem o
estatuto que o
universaliza, que o idealiza. Apagam-se as diferenas
scio-econmicas entre os
pases. O Brasil, por exemplo, tem uma das maiores biodiversidade
do mundo, tem
suas reservas naturais. Como tambm, os seus conflitos internos,
uma m
distribuio de renda e infra-estrutura, e categorizado devido as
suas reais
condies de infra-estrutura, como um pas subdesenvolvido.
Quando tomado para uma anlise discursiva, nota-se que
determinados discursos autorizados, como o da globalizao,
circulam no social,
tomam corpo; no entanto, necessrio que se questionem as
diferenas scio-
econmicas e polticas dos pases, os industrializados e os
no-industrializados,
nessa formulao universal. importante ver o local nesse discurso,
pois o global, a
totalidade atravessa esse discurso. E entende-se via literatura
que o discurso
ecolgico no homogneo, porm, o que se observa uma sobredeterminao
de
um discurso universal. No se diz sobre inscrio dessa palavra
dentro da
organizao histrica-poltica das naes. Cobra-se a educao
ambiental,
naturalizam-se as diferenas entre pases desenvolvidos e
subdesenvolvidos, e,
conseqentemente, somos uma s, a aldeia global.
Sabe-se, no entanto, que cada pas se inscreve em uma
particularidade
de acordo com suas condies scio-econmica, diante do fato da
degradao
ambiental. A exemplo, so problemas tidos, at ento, como
perifricos sobre
saneamento bsico no Brasil, e que aos poucos tornam-se um
problema conflitante
no meio urbano. Isso produz um movimento, um eco no social. Em
contraponto, h
pases que discutem a degradao ambiental, mas onde saneamento e
infra-
estrutura para a sociedade no um problema. O que deixa em uma
posio
favorvel os pases desenvolvidos industrializados em relao a
outros menos
abastados.
-
31
A partir dessas diferentes formaes discursivas em que o dizer
sobre
o ambiente se inscreve, perguntamos: como esse discurso
ambiental que se
pronuncia na Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente em
Estocolmo,
em l972, constri uma identidade no Brasil?
Pode-se ler nas primeiras pginas deste trabalho, o percurso
sobre o
discurso ecolgico que vai sendo constitudo no Brasil, e que,
afetado pelas
posies polticas sociais. O ano de 1974, ano em que se iniciam os
movimentos
ecolgicos no Brasil, marcado pela poltica de distenso do ento
presidente
Geisel. Conforme Ferreira & Ferreira (l995), Em Estocolmo a
posio brasileira
ainda espelhava um pouco o golpe de l964, a Ordem e o
Progresso(p.l8) .12
Viola (1996) diz que as propostas dos ecologistas no
influenciaram
debates sobre a posio ambiental no/do Brasil at o fim do regime
militar. Como
tambm no constitui uma discursividade poltica na Nova Repblica.
Ou seja, o
discurso ecologista no produz no social, a priori um discurso
que mobilize uma
estratgia poltica que legitime a posio do ecolgico. Como tambm a
tomada de
uma posio jurdica do pas em desenvolvimento, com suas
necessidades e
condies de se manter tanto em desenvolvimento, quanto em
equilbrio ecolgico.
Meados da dcada de setenta, os estados constituem normas com
o
objetivo de controlar os excessos degradativos. Entretanto,
somente na dcada de
80, os estados comeam a agir em termos de licenciamento,
ancorados na
Constituio Federal, no Art. 225.
1.4 Ecologia: o Discurso da Contraposio
A cincia da ecologia nasceu no final do sculo XIX e
desenvolveu-se
durante todo o sculo XX, notadamente na dcada de 1930, em volta
da questo de
ecossistema. O objeto de ateno da ecologia no est disperso no
real, ele
corresponde a um conjunto coerente e organizado. Essa organizao
do
12 FERREIRA, Leila C. & FERREIRS, Lcia . Limites
ecossistmicos: novos dilemas e desafios para o estado e para a
sociedade. In Dilemas Socioambientais e Desenvolvimento
Sustentveled. (orgs.) Daniel J. Hogan & Paulo F. Veira.
UNICAMP, l995. Nesse artigo, as autoras discutem a posio
scio-histrica do Brasil no discurso sobre o ambiente.
-
32
ecossistema constituda pela unio do bitopo (base fsica) e de uma
biocenose
(conjunto de interaes entre vida vegetal e vida animal) Pignatti
(2002: 53).
(ACOT,1990 in PIGNATTI, idem) diz que em 1953, as
conceituaes
foram sistematizadas por Odum e substituram o espao ecolgico
dividido pelo
espao ecolgico reunificado, no qual os fatos biticos e abiticos
do ambiente no
representavam mais do que dois aspectos de uma mesma realidade
(p.54).
Esse lugar da investigao cientfica caracteriza de biosfera todo
um
conjunto de organismos vivos e o seu ambiente, o terrestre. Os
estudos demonstram
que os equilbrios dos ecossistemas como o da prpria biosfera
esto ameaados
devido eroso dos solos, poluies diversas, cujos nveis esto acima
da absoro
sistmica. So fenmenos que coloca o homem como o grande mediador
para o
equilbrio dos ecossistemas, como da prpria biosfera.
Quando tomamos para estudo a linguagem em funcionamento, no
dizer
da ecologia faz-se necessrio e justifica-se o percurso
scio-histrico da ecologia, do
movimento ecolgico. Viola (1987) discute as origens do movimento
ecolgico,
pontuando que o primeiro estgio do movimento constituiu-se de um
lugar de
profetismo apocalptico, com temas polmicos como Ns destrumos a
natureza, A
morte do Oceano, acontecimentos que viriam pr em pauta os
efeitos da relao
do homem com o seu meio.
O discurso ecolgico ou seja, a fala da ecologia enquanto
dizer poltico historicamente determinado: um discurso que se
constitui pela contraposio em relao a essa sociedade de consumo
urbano-industrial (SILVA, 1996:50).
de dentro desse universo de consumo, ou consumismo urbano,
que
o discurso ecolgico emerge para o social. Conforme Almino
(l993), o termo
ecologia, de uso comum no discurso da sociedade, empregado pela
primeira vez, em 1866, pelo zologo e bilogo alemo Ernest Haeckel,
em seu livro
Morfologia geral dos organismos. O marco na biologia, no que se
refere ao
pensamento ecolgico, se d a partir do pensamento e enfoque
holstico desse
alemo.
Para Almino (idem):
Os conceitos de crescimento e desenvolvimento, que como o de
ecologia, so herdados da biologia, foram incorporados economia
-
33
num momento em que esta alou-se ao primeiro plano das preocupaes
internas e internacionais dos Estados. (p.l9)13 (grifos nossos)
Observa-se que, ecologia, desenvolvimento e crescimento tm
um
sentido especfico no contexto da biologia. Como o discurso
ecolgico um dizer
que tem, na atualidade, um certo domnio no social, a nossa
inteno trabalhar o
movimento da linguagem nesse discurso, no qual se cristalizam e
institucionalizam
representaes ambientais dentro do Estado. A institucionalizao
dessa forma de
discurso ecolgico toma forma de discurso jurdico. Tem a sua
representatividade
dentro da Lei. H um no-dito, mas com sentido constitutivo, que
funciona no dizer
ambientalista, institucionalizado sobre a posio-sujeito no que
se refere a direitos e
deveres.
na tentativa de se compreender, a partir da materialidade
discursiva,
como o sentido de ecologia, desenvolvimento, conscientizao e
preservao
ambiental se inscrevem nesse espao poltico-social, que fazemos
nossas anlises.
Afinal, como esse dizer ecolgico se abre para uma outra
discursividade no social?
Ao se inscrever hoje no discurso poltico, o
ambientalismo/ecologismo vem se situar no espao anteriormente
representado a partir de uma oposio entre o capitalismo e o
socialismo, entre um discurso dominante e um discurso outro,
revolucionrio 14 (SILVA, l995: l3).
O discurso ambientalista tido como revolucionrio face
sociedade
capitalista toma corpo no discurso da sociedade capitalista,
liberal, neo-liberal. Ele
re-funcionaliza o discurso ecolgico, administrando-o ao modo
capitalista.
Dessa forma, nesse espao constitudo como poltico que tem
como
premissa o discurso de desenvolvimento, o progresso
(capitalista), h um
distanciamento, uma excluso da questo ecolgica. pensando sobre
esse
discurso ecolgico, o lugar de conflito, no que se refere ao
discurso da
13 ALMINO, Joo discute no livro Naturezas Mortas, no Captulo I:
A natureza poltica do ecologismo sobre o incio da revoluo da
ecologia na segunda metade do sculo XIX. O autor diz que o termo
ecologia usado na Alemanha pela primeira vez em l9l5, e acrescenta
que na dcada de vinte que os ecologistas comeam a se manifestar
como tais. o apelo ao solo, natureza e Me Terra, a crtica ao
progresso, ao mundo industrial e ao artificialismo da tecnologia
moderna, a valorizao da vida rural e uma ideologia matriarcal que
rejeita o que considera ser o princpio patriarcal dominante que
implicaria explorar, de forma insensvel a natureza (p.22. 14 SILVA,
Telma Domingues da. A biodiversidade e a floresta tropical no
discurso de meio ambiente e desenvolvimento. Dissertao de mestrado,
IEL-UNICAMP,1995.
-
34
conscientizao e da preservao do ambiente, que este estudo vai se
configurar
em anlises discursivas sobre o funcionamento do dizer
institucionalizado e no-
institucionalizado sobre a pesca, em Cceres, Estado de Mato
Grosso.
Nessa direo, o espao scio-histrico em que se consolida esse
discurso ecolgico se faz necessrio e justifica a leitura dessa
materialidade
histrica para que compreendamos o processo discursivo. E s aps
este percurso
scio-histrico do movimento ecolgico, que nos deteremos na
especificidade deste
trabalho em termos de anlise. Pois, a partir desse percurso
histrico que se torna
possvel ao analista ir discutindo a mobilizao dessa
discursividade no social.
Pensar o processo discursivo nos remete s condies de produo
do discurso em seu espao scio-histrico como tambm nos mobiliza a
leituras
sobre a constituio ou a difuso macia desse discurso.
1. 5 O Desafio da Institucionalizao de Um Dizer
A bandeira de proteo ambiental, conforme Sirvinskas (l998)15,
se
constitui, na segunda metade do sculo XlX, com a revoluo
industrial, devido aos
fatos histricos de degradao, como tambm a mentalidade dominante
no tipo de
sociedade produto do capitalismo.
Pignatti (2002) diz que o termo ambiental tem sido apropriado
em
diversos matizes cientficos e ideolgicos, traduzidos atualmente
por um nmero
cada vez mais significativo de estudos. Desse forma, a
legitimidade do poder dizer
sobre uma universalizao ecolgica, o de preservar a natureza, tem
seus efeitos no
social, nas suas particularidades.
Conforme Viola (1987), o discurso ecolgico produto, poderia
se
dizer, de universitrios. Esse dizer ecolgico atinge grupos de
uma massa popular,
em que a maioria so de operrios ou proletrios que sofrem
diretamente com as
causas da degradao. Pode-se dizer, que so cidados que esto
visveis ao
desvio do capitalismo das causas sociais, por residirem prximos
s fbricas
poluentes. Tais como: sangradouros, logradouros, rios que
recebem esgotos, detritos
15 Sirvinskas, Luis Paulo, em Tutela Penal do Meio Ambiente,
tece breves consideraes Lei n. 9.605, de 12-2-1998.
-
35
de produtos produzidos pela sociedade, sem que lhe seja atribudo
os tratamentos
adequados. Vejamos:
A partir do Relatrio Meadows foi possvel reconhecer que o
desperdcio e a poluio deixaram de representar apenas um problema
referente s condies de vida e de consumo das populaes humanas, mas
que diz respeito prpria base de reproduo da esfera produtiva.
(FERREIRA & FERREIA, l995:l9).
(BRUSEKE, 1995; VIGEVANI, 1997 in PIGNATTI, 200216) pontuam
a
Conferncia de Estocolmo, realizada 1972, como uma das formas
de
institucionalizao da temtica sobre o ambiente. J que a os
efeitos da poluio
eram preocupao de pases transfronteirios. Dizem ainda que apesar
da
Conferncia no ter chegado a grandes resolues ou acordos, foi um
marco por
introduzir o tema ambiental na agenda diplomtica mundial.
(p.75)
esse percurso scio-histrico do movimento ecolgico que migra,
atravessa as fronteiras e produz no social gestos de leitura17.
Quando falamos aqui
em gestos, no podemos esquecer de dizer da filiao terica que
essa palavra tem na perspectiva discursiva, que desloca a noo de
ato pensado na pragmtica, sem
desconsidera-la. Para Pcheux (1969), h signos no-lingusticos que
so possveis
de intervir na materialidade discursiva de um dizer em um
determinado lugar, trata-se
de uma prtica fsica. Podemos citar, a exemplo, os aplausos,
risos, cochichos,
assobios e outros gestos que Pcheux chama de atos no nvel do
simblico (p.78). Para Orlandi (2001), falar sobre gestos de
interpretao, significa
aproximar a noo de interpretao e de gesto. A autora, desloca a
noo de gesto
pensado por Pcheux, e considera a interpretao como uma prtica
simblica, uma prtica discursiva que intervm no mundo, que intervm
no real do sentido.(p.25) Assim, possvel pensar em gestos de
interpretao porque, se de um lado, o sentido, o espao simblico no
se fecha, marcado pela incompletude,
e de outro, a prtica discursiva, intervm no real dos sentidos
atravs do gesto de
interpretao.
16 Ler Pignatti, Marta G. O Ambientalismo no Estado de Mato
Grosso: ONGs ambientais na conformao da poltica ambiental na dcada
de 90. Tese de Doutorado, UNICAMP, 2002. 17 Pcheux. M. Ler o
Arquivo Hoje in Gestos de Leitura, l997. O autor discute a
pluralidade de questionamentos em que se deve deter o leitor em
relao materialidade simblica.
-
36
Dessa forma, ao falarmos sobre gestos de leitura a partir de
Pcheux
( 1997), significa que h maneiras diferentes nos gestos de
leituras subjacentes na
constituio do arquivo18.
1.6 O Estado de Mato Grosso
1.6.1 Breve Caracterizao
O Estado de Mato Grosso considerado o lugar que detm a maior
reserva de biodiversidade da Amrica do Sul, composta por trs
ecossistemas: o
pantanal, o cerrado e a floresta amaznica. Nesta parte nos
limitaremos a falar
sobre o Pantanal.
No Brasil, o Pantanal localiza-se nos Estados de Mato Grosso e
Mato
Grosso do Sul. O Estado de Mato Grosso foi dividido em 1977
criando-se o Mato
Grosso do Sul, aps um longo perodo de busca por lideranas
polticas.(MATO
GROSSO, 1999).
A regio do Pantanal, ou o complexo do Pantanal como tambm
conhecido, a maior plancie inundvel do planeta. Apresenta uma
grande
variedade de flora e fauna, so 650 espcies de aves, 80 de
mamferos, 260 tipos
de peixes e 50 de rpteis. Tal variedade originada das reas do
Chaco, dos
Cerrados e da Mata Atlntica, o que contribui para maximizar sua
diversidade
biolgica. A paisagem pantaneira influenciada e modificada pelo
ciclo das guas.
H perodos de chuva, cheia, vazante e seca. Piaia (1999:195).
A hidrografia mato-grossense destaca-se em mbito nacional por
ser
um grande divisor de guas. Compreende duas bacias: a Bacia
Amaznica e a
Bacia Platina. Neste trabalho nos limitaremos a falar sobre a
Bacia Platina. O rio
Paraguai, cuja nascente est localizada na Serra do Apor a 100Km
de Cuiab
(MT), atravessa o Pantanal, cruza o territrio Paraguaio e desgua
no rio Paran, j
na Argentina. o encontro entre os rios Paran, Uruguai e
Paraguai, na fronteira
entre a Argentina e o Uruguai, do origem ao Rio da Prata.
18 Ler o Arquivo em Pcheux, (1997) entendido no sentido amplo de
campo de documentos pertinentes e disponveis sobre uma questo.
(p.57)
-
37
O rio Paraguai no perodo das chuvas, sai do seu leito natural
cobrindo
a vasta rea que forma o complexo do Pantanal, fazendo extravasar
as baas, nome
regional que recebem as lagoas, onde comum ocorrer a reproduo
dos peixes.
As baas so ligadas umas as outras pelos corixos, que so cursos
de gua
provisrios que so possveis no perodo das cheias. H salinas ou
saleiras no
Pantanal que so guas salobras devido elevada concentrao de sais
minerais
no solo (cloreto de sdio e magnsio). Existem tambm os chamados
barreiros, so
lagos temporrios que vm das inundaes e desaparecem no perodo da
seca.
essa mudana que possibilita ao Pantanal a vida, a riqueza do
solo,
atravs dos nutrientes deixados pelas guas.
O Estado de Mato Grosso conta com cinco unidades de
conservao
ambiental: o Parque Nacional do Pantanal, o Parque Nacional de
Chapada dos
Guimares, as Estaes Ecolgicas de Taiam (Cceres), da Serra das
Araras
(Porto Estrela) e a de Iqu-Juruena (divisa de Vilhena e Juna)
que somam juntas
411.025 hectares, alm de outras reservas ecolgicas.
1.7 A Estratgia Poltica do Estado de Mato Grosso
Na dcada de 70, devido ao desenvolvimento e colonizao do
Estado
de Mato Grosso, fez-se necessrio um planejamento voltado para a
poltica
ambiental. Em 1979, atravs da Lei n. 4087 de 11 de julho,
cria-se o Conselho
Estadual de Meio Ambiente. No entanto, este Conselho fica posto
como unidade
integrada da estrutura da Secretaria do Trabalho e
Desenvolvimento Social. Em
1980 cria-se a Coordenadoria do Meio Ambiente, mas tambm
vinculada mesma
Secretria do Trabalho, com objetivo de responder pelos quadros
de defesa dos
recursos naturais.
A preocupao com a posio do Estado de Mato Grosso, em
crescimento no setor agropecurio, fez com que, o ento
governador, Jlio Jos de
Campos, atravs da Lei 4.600 de 6 de junho de 1983, criasse a
Fundao de
Desenvolvimento do Pantanal - FUNDEPAN. Essa Fundao era
vinculada ao
gabinete do governo, com objetivos de planejar, coordenar e
executar aes que
promovessem o desenvolvimento no/do Pantanal Matogrossense.
-
38
No Estado de Mato Grosso, a Legislao Ambiental tem registro
em
1981, no entanto, somente em 1995 foi promulgado o Cdigo
Ambiental do Estado,
consolidando as atribuies legitimadas pela Constituio Federal de
1988 (Mato
Grosso, 1995).
Em 1985, a Poltica Estadual de Meio Ambiente foi decretada e
sancionada atravs da Lei 4.894, de 25 de setembro do corrente
ano. J em 1986 foi
baixado o decreto 1980, instituindo a Fundao Especial de Meio
Ambiente.
Devido promulgao do atual Cdigo Ambiental do Estado de Mato
Grosso, em 1995, os decretos citados encontram-se revogados.
Quanto ao ano de
1986 o CONSEMA (Conselho Estadual de Meio Ambiente) baixou sua
primeira
resoluo instituindo o Termo de Compromisso voltado
principalmente para o setor
industririo, aquele com grandes tendncias a poluies.
Em 1987, um outro fato vai ter o seu marco na poltica do Estado.
O
ento governador, Carlos Bezerra, cria a Secretaria de Estado do
Meio Ambiente.
Com a criao dessa secretaria, a FUNDEPAN transformada em Fundao
Estadual de Meio Ambiente FEMA. No entanto, s em 1992, a Lei
complementar n. 14 de 16 de janeiro, artigo 38, muda a nomeao da
Secretaria de Estado de
Meio Ambiente para Secretaria Especial de Meio Ambiente,
conferindo FEMA a autonomia, a competncia dos cuidados com os
recursos naturais. Romio (1998).
Institucionaliza-se dessa maneira, via decreto n. 4.189 de 4 de
fevereiro de 1994, a FEMA, como um rgo executor das polticas
Ambientais no Estado de Mato Grosso. Esse rgo institui um lugar de
escutas neste trabalho, dada a materialidade discursiva que se
produz sobre a questo ambiental no que se
refere pesca na regio do Pantanal. Discutiremos os efeitos de
sentido que
textualizam a Lei 6.672 de 20 de outubro de 1995 sobre a Pesca
em Cceres Estado
de Mato Grosso.
Situar um entendimento sobre o Estado, significa refletir sobre
o papel
do prprio aparelho institucional que sinaliza de uma plataforma
X o espao
denominado Estado.
A Anlise de Discurso dos anos 70 buscou-se em Althusser
recursos
para se pensar o papel das instituies, bem como o modo como este
autor
compreende a ideologia. esse lugar institucional discursivo que
interessa para a
linguagem. Pensa-se a linguagem neste estudo a partir dos
trabalhos de Pcheux,
-
39
observando como Pcheux inspira-se em Althusser. Compreende-se,
pela teoria,
como Pcheux desloca a noo de ideologia, como ocultao, para
ideologia como
prtica. E enquanto prtica, na perspectiva terica da Anlise de
Discurso, o discurso
o tecido, o lugar da materializao da ideologia. Da poder
compreender que
quando Pcheux traz a instituio para a rea da linguagem, a
instituio est sendo
pensada no modo de produzir sentidos. Pcheux desloca a instituio
como um lugar
s pensado como funcionamento de represso ou como espao ideolgico
para um
outro lugar. H um trabalho terico de Pcheux em pensar a a
linguagem
produzindo sentidos.
a instituio governamental que produz discursos jurdicos,
neste
caso, as Leis de Pesca, slogans de campanhas sobre a piracema e
outros discursos
sobre o espao do rio, e o que vai mobilizar sentidos e anlises.
Como tambm os
discursos no-institucionais que discutem essa problemtica
ambiental na
comunidade pesqueira, mas que diferente a posio-sujeito.
Assim, observa-se que, do ponto de vista discursivo, e a partir
das
reflexes de M. Pcheux, se torna mais complexo esse quadro
institucional
designado primeiramente por Althusser como AIE, j que, a partir
das reflexes de
Pcheux, intervm a questo da linguagem no institucional. Ao mesmo
tempo,
desloca-se a a prpria noo de ideologia.
Como trabalhar essa mobilizao de sentidos? Diante dessa
concepo de poder, de organizao social, no existe um sujeito fora
do Estado e
um dentro do Estado. Assim como no h instituio pblica e privada
fora do
Estado. Dada essa relao de direitos e deveres, o Estado se
constitui e se legitima
no jurdico, ou melhor dizendo, na Instituio Jurdica.
O discurso tem um efeito ideolgico que funciona no
institucional, no
social. E isto no tem como mudar. Lagazzi (1988) diz que:
No h como modificar as relaes internas ao aparelho do Estado,
mantendo intacta a concepo de Estado, como se este se colocasse
independente das relaes que o constituem. O Estado constitudo pelas
relaes que se do entre proprietrios e no-proprietrios, por direitos
e deveres antagnicos. O Estado o Estado-capitalista-jurdico e a
divergncia de interesses, a contraposio de direitos e deveres
distintos, traz a necessidade da coero, j que os interesses e
direitos/deveres de uns no so os interesses e direitos/deveres de
outros. Pensar uma sociedade sem desigualdade,
-
40
onde as relaes de poder possam se dar como no-coercivas, pensar
uma sociedade sem Estado (p.l6).
Nesse sentido, o Estado apresenta para o sujeito, para a
sociedade, o
lugar do poltico, do jurdico, do poder, atravs da Constituio
Federal, das normas
de direitos e deveres. Essas relaes hierarquizadas dentro do
Estado de ordem e
obedincia constituem lugares de tenso. Nessa direo, abre-se
uma
discursividade, j que o sujeito que sujeito a/da
interpretao19sofre essa injuno
interpretao. E quando falamos em interpretao a partir da Anlise
de Discurso,
pensamos o sentido. Ou melhor, dizendo, no h sentido sem
interpretao. Assim,
o sentido movimento, no se fecha, est no jogo de que passvel a
lngua.
Dessa forma, as palavras no tm o sentido colado literalidade.
Ao
contrrio, pela maneira como se pensa o sentido nessa perspectiva
terica, desloca-
se a noo do sentido literal. As palavras so tomadas enquanto
sentido na
materialidade, no social, pela sua inscrio na formao discursiva.
, pois, nas
formaes discursivas que as palavras tm seus sentidos
instaurados. Da poder
dizer que A formao discursiva se constitui na relao com o
interdiscurso(a
memria do dizer), representando no dizer as formaes
ideolgicas.
A partir dessas reflexes, compreende-se que o sentido no se
fecha,
que preciso a anlise, os questionamentos sobre a materialidade
para que se
compreenda, no movimento da linguagem, possibilidades de
escutas. Esse efeito de
sentido, que constitutivo da linguagem, produz no interlocutor
gestos de
interpretao, dada a relao do sujeito com o simblico.
1.7 FEMA: Lugar De Porta-Voz Ambiental Institucional em Mato
Grosso
O texto institucional tem um perfil diferenciado do texto
no-
institucional, porque a instituio diz de um determinado lugar
jurdico para o social.
essa relao, o lugar institucional do jurdico no social da/para a
sociedade, que
buscamos, no texto de apresentao da Lei estadual n. 6.672. O
acontecimento da
legitimao da Lei n. 6.672, de 20 de outubro de l.995, coloca a
Fundao Estadual
do Meio Ambiente - FEMA - como a responsvel pelo espao
hidrogrfico. Demarca,
19 ORLANDI, E.P. Interpretao: autoria, leitura e efeitos do
trabalho simblico. A autora analisa os diferentes gestos de
interpretao, nas diferentes formas de linguagem (Vozes,l996) .
-
41
para a regio, um antes e um depois da vigncia da Lei de pesca,
sobre a responsabilidade de um aparelho do Estado. H um processo
institucionalizado de ruptura com a memria histrica da regio, da
cidade, j que antes, quem monitorava
a pesca no Estado eram a SUDEP, a Capitania dos Portos - Marinha
Mercantil, o
IBAMA e a Polcia Florestal.
O Estado instaura um porta-voz - FEMA - e ela, enquanto
instituio,
que deve ser a mediadora do Estado de Mato Grosso nas questes
polticas e
sociais sobre a comunidade pesqueira.
O destino do porta-voz circula assim entre a posio do profeta, a
do dirigente e a do homem de Estado, visto que ele o ponto em que o
outro mundo se confronta com o estado de coisas existente, o ponto
de partida recproco no qual a contradio vem se amarrar
politicamente a um negcio de Estado (PCHEUX, l990:l8)
Entende-se aqui o Estado em uma posio poltica,
institucionalizado, e
o outro mundo, a partir do que diz o autor nessa citao, como o
no-
institucionalizado, a comunidade pesqueira. Pensamos esse setor
pesqueiro
(pescador ribeirinho), por estar submisso a posio do dizer
institucionalizado Lei
de Pesca. O pescador ribeirinho, o mais visvel, como veremos no
decorrer das
anlises, aparece no conflito entre o dizer institucionalizado e
o dizer no-
institucionalizado. essa comunidade ribeirinha que vai mobilizar
sentidos,
politicamente falando, sobre a situao da Colnia de Pescadores no
Estado. O
Estado, ou, melhor dizendo, a FEMA, por sua vez, tem a posio de
ponto de
partida, de mudana, de ao legitimada pela Lei estadual da
Pesca.
Assim, o porta-voz , em si, pela posio institucionalizada, o
lugar do
institucional, do poltico, j que a lngua tem essa relao com o
poltico, com o
social. Esse lugar , ento, lugar de conflito, de confronto.
Porque ao falar nos
filiamos a redes de sentido. Assim, o sujeito no origem de si,
pois, ao nascermos,
como diz Orlandi (l998), as palavras j esto a circulando,
produzindo sentidos,
dada a relao com o interdiscurso, a memria do dizvel. a partir
desse jogo
constitutivo da linguagem que compreendemos o processo da
significao, isto , h
um movimento, onde a lngua se inscreve no real da histria para
significar.
esse movimento, o jogo da linguagem, que permite ao analista
observar que entre o porta-voz, que tem um lugar
institucionalizado, e o social, h
-
42
uma mobilidade de sentido que delimitam lugares do cidado no
conjunto da
sociedade. Ao mesmo tempo, devemos pensar que governo, Estado,
no discurso
jurdico representa a prpria sociedade. H nessa relao um efeito
de oposio que
trabalha com a relao de poder. O Estado representa o cidado, a
sociedade e, ao
mesmo tempo, cobra desses seus representantes direitos e
deveres.
Devemos dizer que esse jogo no visvel. preciso trabalhar o
processo, analisar o que est dito em determinado texto e o
no-dito, mas que
silencia e constitui sentidos. isso que pretendemos com a
anlise, a escuta20. a
partir dessa escuta que pretendemos trabalhar a constituio da
formao imaginria
entre o porta-voz (FEMA) e aquele sujeito no/do social.
Com a Lei n 6.672, sancionada e publicada no dia 20 de outubro
de 1995, Mato Grosso deu um importante passo, no sentido de coibir
a pesca predatria nos rios estaduais. Elaborada com ampla
participao da sociedade civil, a nova Lei de Pesca, assim como da
comercializao e industrializao do pescado, estabelecendo severas
sanes para as condutas que coloquem em risco a fauna aqutica. Essa
mudana iniciada com a nova lei, representa uma opo pela pesca
desportiva e turstica e sua implementao, seguramente, trar como
conseqncia, o aumento de nosso estoque pesqueiro21. (grifos
nossos)
Observando a construo do texto acima, vemos que o Estado se
constri em uma posio categrica, hierarquizada no poder das
relaes sociais
institucionais, do lugar do jurdico e do executivo.
Conforme Lagazzi (1988):
Essas relaes hierrquicas e autoritrias de comando obedincia,
presentes nas mais diversas situaes e diferentes contextos sociais,
levam as pessoas a se relacionarem dentro de uma esfera de tenso
permeada por direitos e deveres, responsabilidades, cobranas e
justificativas. Temos, assim, um juridismo inscrito nas relaes
pessoais (p.2l).
20 ORLANDI (l998), diz que Essa escuta, essa prtica de leitura
discursiva, faz a crtica da interpretao enquanto representao de
contedos e procura compreender como sujeito e sentido se
constituem.(p.l0) Revista RUA, n.4. 21 Carta assinada pelo ento,
Secretrio Especial do Meio Ambiente e Presidente da FEMA, Sr.
Frederico Guilherme de Moura Muller
-
43
A partir dessa posio jurdica de apresentao da Lei 6.672,
tem-se
um porta-voz institudo a falar sobre a forma do funcionamento da
pesca no Estado
de Mato Grosso.
Nesse sentido, o porta-voz diz e se confronta, no social, de
diferentes
formas. Ao dizer (...) no sentido de coibir a pesca predatria
nos rios estaduais,
configura-se a a presena fecunda e imaginria do pescador atravs
do Estado.
Quem o predador? H uma ordem Jurdica em funcionamento nessa
formulao
marcada no verbo coibir. Parafrasticamente, o sentido dessa
expresso pode ser
deslocado para proibir, interditar. Por outro lado, nesse
processo discursivo, o
funcionamento da lngua carregado de um certo eufemismo ao se
dirigir ao
possvel interlocutor. O mesmo sentido se estende em (...)
estabelecendo severas
sanes para as condutas que coloquem em risco a fauna aqutica. Em
condutas,
emerge o fato. O acontecimento22. A infrao s leis postas em
circulao representa
o ato do punvel, da aplicabilidade da resoluo em que o Estado se
ampara no
cdigo das Leis ambientais. Esse efeito de sentido23, o da
penabilidade, pe em
funcionamento no social o sujeito com direitos e deveres. Ao
mesmo tempo, o sujeito
nesta direo assujeitado s leis, a conhecer os limites, os
sentidos que
asseguram essa organizao penal no social.
Da interpelao do indivduo em sujeito pela ideologia resulta a
forma-sujeito histrica. Em nosso caso, a forma-sujeito histrica
capitalista corresponde ao sujeito-jurdico constitudo pela
ambigidade que joga entre autonomia e a responsabilidade sustentada
pelo vai-e-vem entre direitos e deveres. Podemos dizer, ento, que a
condio inalienvel para a subjetividade a lngua, a histria e o
mecanismo ideolgico pelo qual o sujeito se constitui. Por outro
lado, esse sujeito, uma vez constitudo, sofre diferentes processos
de individualizao (e de socializao) pelo Estado. (ORLANDI, l999:
6l).
A tenso oriunda da relao hierarquizada se configura em
formulao
como:
Essa mudana iniciada com a nova lei, representa uma opo pela
pesca desportiva e turstica (...)
22 Pcheux, M., em Discurso: Estrutura ou Acontecimento, trabalha
o acontecimento enquanto fato. 23 Pcheux,M., Orlandi, Eni e
colaboradores trabalham a Anlise de Discurso da escola francesa, o
efeito e o sentido em relao a .
-
44
Observa-se nesse dizer um jogo institucionalizado para o
sujeito, para o
social. Est institudo no discurso uma opo de pesca desportista e
outra turstica.
Nesse vis perguntamos pela posio do pescador ribeirinho
profissional. H um
apagamento dessa posio-sujeito, aquele que profissionalmente
mantm a
subsistncia familiar atravs da pesca artesanal, que recebe
seguro desemprego do
governo, que tem carteira de trabalho e que juridicamente est
inscrito na prpria Lei
Estadual de Pesca, que diz:
Art. 3. Ficam permitidas, no Estado de Mato Grosso, as seguintes
categorias de pesca:
I cientfica II _ amadora; III _ profissional.
A posio-sujeito pescador ribeirinho reverbera sentidos nesse
lugar
textual que est em funcionamento, quando apresentado comunidade,
j que, ao
mesmo tempo, esse pescador profissional, que se apaga na carta
de apresentao
da FEMA/MT, aparece no Art. 3. enquanto categoria e no Art. 4.
enquanto sujeito configurado. Vejamos:
Art. 4. para os efeitos desta lei, considera-se: I - Pesca
cientfica, a exercida unicamente com fins de pesquisa por
instituies pblicas ou pessoas devidamente habilitadas para esse
fim. II Pesca amadora, a que se pratica artesanalmente, com fins
desportivos e/ou de subsistncia, e que em nenhuma hiptese venha a
importar em atividade comercial. III Pesca profissional artesanal,
a praticada por pescador profissional, com residncia comprovada no
Estado de Mato Grosso, cadastrado pela FEMA, que exera a atividade
da pesca como seu nico meio de vida, no compreendendo servios de
terceiros. (grifos nossos)
Essas diferentes posies tomam corpo e se subjetivam no ato
de
apresentao da Lei. No ltimo trecho da carta de apresentao, onde
se l:
seguramente trar como conseqncia o aumento de nosso estoque
pesqueiro, h
uma finalizao operacionalizando sobre uma linguagem lgica,
matemtica.
Preservou, logo h aumento do pescado. Observa-se que o Estado,
pela posio
institucionalizada, ocupa nessa afirmao a imagem histrica na
ruptura da pesca
-
45
predatria, assumindo nessa discursividade a responsabilidade no
s pela
fiscalizao como pela continuidade das espcies de peixes nos rios
.
Enfim, nessa luta poltica ideolgica pela posio de autoria, de
poder
dizer, o Estado j a tem assegurada na carta maior as Leis. Isto
pode ser lido, no art. 225, caput, da Constituio Federal que
prescreve:
Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida,
impondo-se ao poder pblico e coletividade o dever de defend-lo e
preserv-lo para as presentes e futuras geraes.
nesse lugar institucional que o Estado legitima a posio dele
enquanto Estado atravs das relaes de poder e coero.
Compreende-se que,
com a promulgao da Constituio Federal de 1988, o domnio das guas
tm o
seu limite entre a Unio e os Estados. Segundo Musetti (2001:54),
so da Unio os
lagos, rios e qualquer corrente de gua em terrenos de seu
domnio, ou que banhem
mais de um Estado, sirvam de limites com outros pases, ou
estendam a territrio
estrangeiro ou dele provenham. So dos Estados as guas
superficiais ou
subterrneas, fluentes, emergentes e em depsito, ressalvadas,
neste caso na forma
da lei, as decorrentes de obras da Unio.
Vejamos o funcionamento da Lei n. 6.672, de 20 de outubro l995,
que dispe sobre a pesca, estabelecendo medidas de proteo a
ictiofauna e d outras previdncias.
A ASSEMBLIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE
MATO GROSSO, tendo em vista o que dispe o artigo 42 da
Constituio Estadual, aprova e o governador do Estado sanciona a
seguinte lei:
Art. 1. As pessoas fsicas e jurdicas que desenvolverem a
pesca ou exercerem as atividades de comrcio, industrializao e
trnsito de pescado no Estado de Mato Grosso, observaro as disposies
desta lei.
Art. 2. - A Fundao Estadual do Meio Ambiente FEMA
a entidade pblica do Estado de Mato Grosso responsvel pela
fiscalizao das atividades da pesca em todas as suas fases, que
compreendem desde a captura, extrao, coleta, transporte,
-
46
conservao, transformao, beneficiamento, industrializao e
comercializao. (grifos nossos)
No que diz respeito subordinao dos sujeitos s Leis de pesca, o
Art
1. ressalta a posio das pessoas tanto fsicas, quanto jurdicas
diante da Lei. E o
Art. 2. diz que o lugar institucionalizado responsvel pela
cidadania, pelo equilbrio
ecolgico. Ou seja, retoma a o discurso constitucional sobre o
que diz o artigo
duzentos e vinte e cinco, da Constituio Federal, jogando com o
interlocutor as
penalidades cabveis em Lei.
A propsito, Ferreira (1998) diz que no Brasil a questo
relacionada
proteo desse espao caracterizado como ambiental s adquiriu
status
constitucional com a promulgao da Constituio Federal em 1988.
Segundo a
autora podem-se identificar a duas grandes posies:
1) Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado;
2) O poder pblico e a coletividade tm o dever de preservar e
proteger o meio ambiente.
A expresso meio ambiente para Ferreira (idem) compreende
vrias
acepes: natural, artificial, cultural, patrimonial, urbano,
regional (...) (p.30).
Trabalhando a linguagem discursivamente, compreende-se que o
sentido est
sempre em relao a, logo tem um movimento que possibilita que a
palavra tenha o
seu sentido dada formao discursiva em que ela se inscreve. Para
Pcheux
(1995:160),as palavras, expresses, proposies, etc., mudam de
sentido segundo
as posies sustentadas por aqueles que as empregam, dito de outra
forma, o
sentido est em referncia s formaes ideolgicas.
O autor chama de formao discursiva aquilo que, numa formao
ideolgica dada, isto , a partir de uma posio dada numa
conjuntura dada,
determinada pelo estado de luta de classes, determina o que pode
ser dito. (p.160)
A formao ideolgica por sua vez determinada a partir de uma luta
ideolgica. Isto
se evidencia no dizer, na formulao. Cabe-nos dizer, ainda, a
partir de Pcheux,
que as formaes discursivas textualizam na linguagem as formaes
ideolgicas.
Assim, entende-se que a transparncia da linguagem mascara o
que
Pcheux chama de o carter material do sentido. Nessa direo, a
expresso meio
-
47
ambiente, preservao, desenvolvimento, entre outras quaisquer de
uso, no importa
qual a palavra, o que importa a formao discursiva. esse o lugar,
a posio que
faz a diferena de uma palavra em um discurso.
O Estado de Mato Grosso, pela prpria localizao geogrfica em
reas consideradas de riquezas hdricas, de formao vegetal
heterognea e de
variedades de espcies, j produz um dizer sobre a preservao. No
entanto, o dizer
no transparente.
Esse dizer que se legitima, enquanto Lei, em panfletos, slogans
de
campanhas, manchetes de jornais, joga com o possvel
interlocutor, produz no social
gestos que reclamam sentidos.
Pensando essa rede constitutiva do sujeito e sentido no
social,
compreende-se como o sujeito afetado pelo simblico.Vejamos:
entre gestos,
bocas, olhos, ouvidos e palavras, vive o sujeito. Ele est dentro
dessa relao, desse
processo discursivo. Nesse meio de linguagem, nascemos, vivemos
e morremos.
No tem como no ser afetado, no tem como ignorar essa relao e no
exercit-la,
question-la. nessa relao de linguagem que se pode perceber como
diz Lagazzi:
a lngua lugar de poder e de tenso.
E nesse lugar do conflito, da tenso, que produzido pela
linguagem,
entre o mesmo que se repete, e o outro, o diferente, o
polissmico24, que se rompe,
que busca-se compreender o equvoco, a falha que, como diz Pcheux
(l990),
constitutiva da linguagem.
esse eixo que desestabiliza sentidos e que instaura outros
sentidos
que na Anlise de Discurso chamado de parfrase e polissemia.
Conforme Orlandi
(1983) Esta uma relao contraditria porque no h um sem o outro,
isto , essa
uma diferena necessria e constitutiva. Mas h outros sentidos
nessa contradio
que preciso compreender. (p.5)
O discurso o lugar da materializao da lngua, o lugar possvel de
se
ler, discutir os efeitos ideolgicos, analisar a relao da lngua
com a histria. A
histria est ligada a prticas e no ao tempo em si. Ela se
organiza tendo como
parmetro as relaes de poder e de sentidos, e no a cronologia: no
o tempo
24 ORLANDI, Eni, P. 1983 em A Linguagem e seu Funcionamento, a
autora discute esse eixo da linguagem entre o mesmo que se repete e
o diferente, o polissmico.
-
48
cronolgico que organiza a histria, mas a relao com o poder (a
poltica)
(ORLANDI, l990:35).
Assim, no tem como estarmos fora da ideologia. A ideologia
nesta
perspectiva terica prtica, e se ela compreendida como prtica, o
discurso o
lugar onde pode-se observar, trabalhar o encontro, o ponto de
toque entre lngua e
ideologia.
nesse lugar simblico, o discurso, que o analista questiona a
transparncia da linguagem. Dito de outra forma, a linguagem no
transparente,
j que os discursos estabelecem uma histria. Observemos esse
processo
constitutivo da linguagem no discurso sobre a Poltica Estadual
de Recursos Hdricos:
(...) Mato Grosso, considerado o Estado das guas, abriga
importantes nascentes de rios formadores das Bacias Amaznica,
Platina e Araguaia-Tocantins, e ainda contempla ambientes geolgicos
favorveis a um grande potencial de reserva de gua subterrnea25.
(...) A Fundao Estadual do Meio Ambiente FEMA recebe, por fora da
Lei, a competncia de Coordenadora/Gestora dos Recursos Hdricos,
passando a implementar o controle dos diversos usos a que se
destina a gua, de forma a evitar os conflitos nas bacias
hidrogrficas. (Grifos nossos)
A Poltica Estadual de Recursos Hdricos definida em setembro
de
1998. Atravs dessa poltica, o governo estadual cria o Conselho
de Recursos
Hdricos, em que se observa um apelo ao ecolgico, preservao dos
mananciais
do Estado. Expe para o social o epteto do Estado de Mato Grosso
como Estado das guas, potencializando a a cultura, os recursos
hdricos, a