FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC) Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo. COIMBRA, Arthur Antunes. Arthur Antunes Coimbra (depoimento, 2012). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2013. 37p. ARTHUR ANTUNES COIMBRA (depoimento, 2012) Rio de Janeiro 2013
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ARTHUR ANTUNES COIMBRA (depoimento, 2012) · A Sandra foi a minha primeira namorada, a gente dançou a valsa... Eu dancei a valsa de 15 anos dela. Ela tinha 14 anos e eu tinha 17
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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)
Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.
COIMBRA, Arthur Antunes. Arthur Antunes Coimbra (depoimento, 2012). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2013. 37p.
ARTHUR ANTUNES COIMBRA
(depoimento, 2012)
Rio de Janeiro
2013
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Nome do Entrevistado: Arthur Antunes Coimbra
Local da entrevista: Centro de Futebol Zico Sociedade Esportiva - Rio de Janeiro - RJ
Data da entrevista: 21 de novembro 2012
Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um
acervo de entrevistas em História Oral.
Entrevistadores: Adelina Alves Novaes e Cruz (CPDOC/FGV) e Regina da Luz
Moreira (CPDOC/FGV)
Câmera: Bernardo Bortolotti e Ítalo Rocha
Transcrição: Letícia Cristina Fonseca Destro
Data da transcrição: 30 de novembro de 2012
Conferência de Fidelidade: Heitor Gomes
** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Arthur Antunes Coimbra em 21/11/2012. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC.
Adelina Novaes – Então, Zico, essa nossa entrevista vai ser um pouquinho da
sua história de vida. Eu sei que você já deu milhões de entrevista, deve estar cansado de
repetir, mas é um projeto voltado para a preservação da sua imagem, da sua voz no
Museu do Futebol. Eu mais ou menos pensei: um pouco da sua vida privada, de
infância; depois o Flamengo, a sua trajetória no Flamengo; depois a seleção – porque o
objeto em específico é trabalhar com jogadores de seleção, que participaram das
seleções brasileiras, das Copas do Mundo. Então, para começar eu queria que você nos
dissesse, nós não sabemos de nada, onde você nasceu, quando, falar um pouco do seu
Antunes, dos seus pais, dos irmãos e, em algum momento ali, eu li que você tinha um
avô português rubro negro, se puder falar dele um pouquinho nesse comecinho.
Arthur Coimbra – Bom, eu me chamo Arthur Antunes Coimbra e na época,
quando eu era criança, me chamavam de Arthurzinho, Arthuzico ou Thuzico e eu tive
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uma prima chamada Ermelinda que pediu ao meu pai porque não deixar só Zico e foi
praticamente ela que deu o nome de Zico. Então o meu nome Zico foi graças a isto. No
Brasil a gente sabe que tem muitos diminutivos e seria até normal Arthurzinho, mas eu
já tinha um irmão que era Tonico, aí ficavam me chamando de Arthuzico e ficou Zico
mesmo. Foi até melhor, porque com os acontecimentos da minha vida, para dar
autógrafos foi bem mais fácil. Em nasci em três de março de 1953, nasci no Rio de
Janeiro, em Quintino, Bocaiúva, é um bairro do subúrbio do Rio. Fiquei morando lá até
me casar com 22 anos de idade. O meu pai é um português lá de Tondela, o velho
Antunes, e quando ele chegou ao Brasil ele foi ver uma partida de futebol entre
Flamengo e América, o Flamengo perdeu de quatro a um, e ele ficou encantado com as
cores da camisa do Flamengo, e passou a ser Flamengo. Coincidência que depois os
filhos dele foram jogar justamente no Flamengo e no América. [riso] O meu pai era um
alfaiate, teve a chance de jogar futebol, era um goleiro. Existia na época, final dos anos
1930 e início dos anos 1940, duas categorias, a amadora e a profissional, e o meu pai foi
tricampeão pelo municipal como goleiro e foi convidado para jogar no Flamengo, para
fazer um treino no Flamengo. Ele foi campeão em 1939, 1940 e 1941. E aí, como ele
trabalhava em uma padaria, o dono da padaria era vascaíno e não permitiu que ele fosse
treinar no Flamengo, e disse que se ele fosse para o Flamengo ele perderia o emprego.
Naquela época o importante era o emprego. A partir daí o meu pai passou a ter ódio do
Vasco por causa disso. E ele acabou indicando o que era reserva dele para o Flamengo,
que era o Jurandir. E esse Jurandir acabou sendo titular do tricampeonato de 1942,
1943 e 1944, um dos goleiros. Quer dizer, era para ele ter sido goleiro do Flamengo
nesse primeiro tricampeonato. Então, o meu pai, com isso, teve uma frustração grande,
não seguiu o futebol. Casou com a minha mãe, dona Matilde, do Rio de Janeiro, teve
seis filhos: a Maria José, que a gente chama de Zezé, o Antunes, que nós chamamos de
Zeca, o Fernando, Nando, o Eduardo, Edu, e o Tonico e eu. Então a casa é só de rubro-
negros. O meu pai, por ser flamenguista, quando nascia um filho ele dava o uniforme
completo do Flamengo – meia, calção e camisa – e da seleção brasileira. O Edu, o
Antunes e o Nando foram jogadores de futebol. O Antunes começou no Fluminense, ele
que abriu as portas para a gente praticamente, o Edu jogou muito tempo no América,
depois teve outros times, o Nando também - Madureira, foi a Portugal - e eu e o Tonico
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fomos treinar no Flamengo juntos, mas o Tonico acabou não ficando e eu fiquei. A
minha irmã acabou sendo a madrinha, a mais velha, primeira de todas. Ela depois se
formou professora, psicóloga. E o grande orgulho do meu pai é esse, não é que ele teve
filhos jogadores de futebol famosos, mas sim porque todos os filhos são formados,
economistas, Administração de empresa, Educação Física, Psicologia, enfim. Quando
Deus chamou, ele foi feliz porque formou todos os filhos, já tinha 85 anos de idade.
Então foi um grande aprendizado, o meu pai foi um grande alfaiate e me ajudou muito
no futebol porque eu saía da escola, ia lá para a alfaiataria e via como ele era detalhista
em relação aos cortes, ao fazer os ternos dos clientes e no futebol é preciso ser assim
também. Morador de Quintino, jogando na rua minhas peladas. Desde os sete anos eu
jogava pelada lá em Quintino e por ter qualidades todo mundo me chamava para jogar
nos times dos bairros de lá, ali perto. Todo final de semana eu jogava em todo que é
lugar até que eu fui chamado para jogar. Nós tínhamos um time de futebol de salão, que
hoje se chama futsal, era o Juventude de Quintino, e eu fui chamado para jogar no
torneio interno, no River. Tinha um clube que... O River disputava esse campeonato do
Rio de Janeiro de futsal, mas esse campeonato era interno. Tinha um senhor, o senhor
Joaquim que organizava todos os domingos pela manhã, eram dez times se não me
engano, e eu fui jogar no Santos. Fomos tricampeões, eu fui artilheiro em todos os três
anos e um desses jogos, eu fiz nove gols, o Celso Garcia foi me ver jogar e ficou
apaixonado, ficou encantado e foi pedir ao meu pai se podia me levar para o Flamengo.
Aí eu já estava com tudo encaminhado para ir para o América, mas o coração de
torcedor falou mais alto e eu falei com o meu irmão Edu: “Eu prefiro tentar no
Flamengo”. Ele falou: “Ah, não tem problema nenhum”. E fui para o Flamengo. Assim,
aos 13 anos de idade começou a minha história dentro do Flamengo, na Gávea, quando
eu fui fazer o meu primeiro treino em 1967.
A.N. – Então, antes da gente entrar no Flamengo. Não sei se a Regina tem, eu
tenho só duas dúvidas: uma, quando vocês nasciam, os filhos homens, o pai dava o
uniforme completo da seleção e do Flamengo, a irmã ganhou? [riso] Porque o meu avô,
quando nascia os filhos ele distribuía brindes, quando nascia as filhas ele... [riso] Tem
que perguntar para a Zezé.
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A.C. – Tem que perguntar para a Zezé porque nunca foi falado nada a respeito
disso. [riso] Nunca ninguém tocou nesse assunto e a Zezé também nunca reclamou de
ter ganho...
A.N. – Ela era bebê...
A.C. – Ela podia reclamar mais velha, mas ela nunca reclamou e nunca
comentou nada.
A.N. – E nunca cobrou do pai? [riso]
A.C. – Nunca cobrou do pai sobre ela nunca ter ganhado um uniforme do
Flamengo.
A.N. – Quando eu li eu falei: “Eu tenho que perguntar”. E outra na sua infância é
que você quase foi pianista e você gostava? Quem lhe ensinou?
A.C. – É verdade. Eu adoro piano, eu adoro música e o que aconteceu? A minha
mãe tocava piano e, lógico, nasceu a primeira filha, era tudo o que ela queria para ser
pianista. Mas não aconteceu. Depois de todos os irmãos não aconteceu nada, ninguém
queria saber. Quando eu devia ter não sei se oito ou nove anos, ela comprou um piano e
de vez em quando ela tocava. Aí fomos crescendo. Quando eu estava lá pelos 12 ou 11
anos, por aí, foi quando ela insistiu para que eu começasse a estudar piano e eu fui
estudar. Eu toquei durante um ano, estudei e tudo por música mesmo. Se não me engano
era duas vezes por semana que eu tinha aula com a professora e fazia em casa e tal.
Agora, o que me desestimulou? O que me desestimulou foram as músicas da época que
eu não conhecia. Por tocar... Por música era aquela sinfonia de não sei o que lá, e eu não
sabia o que eu estava tocando, eu não conhecia nada, tanto é que eu toquei uma vez na
televisão. Na TV Globo tinha um programa da Célia Biar e Ted Boy Marino se não me
engano era “Oh! Que delícia de show” o nome do programa e tinha um quadro que ia
uma pessoa famosa fazer uma apresentação e um dos caras que selecionava isso era o
preparador físico do América dos meus irmãos. Aí o Edu, meu irmão, começou a se
destacar e ele falou: “Olha, dá para vocês irem na televisão, a família toda, para
cantar?”. Eu lembro que a família, todos os seis irmãos, foi lá cantar aquela música:
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Tristeza, por favor vai embora... E a música era de acordo porque nós cantando era uma
tristeza. [riso] E ele falou: “O mais novo toca piano”. E eu fui lá tocar. Eu lembro que
eu toquei “A Marcha do Soldadinho de Chumbo” que eu não sabia o que era. Eu estava
lá tocando pá, pá, pá, olhando a partitura e tal. Eu sabia tudo, o que era clave de fá,
clave de sol, eu sabia isso tudo, estudava legal. Mas depois de um ano e pouco eu
comecei a não me empolgar com isso, e aí comecei a fugir da aula, dizia para a mamãe
que eu ia para a aula de piano e ia jogar bola. Eu acho que fiz certo. [risos] Mas eu
adoro piano, tenho uma frustração grande de não poder ter seguido. Depois, na Itália, eu
ainda peguei um órgão, tentei estudar uns quatro meses e tal, mas aí eu já estava... É
necessário muito tempo...
A.N. – É um estudo muito pesado.
A.C. – Muito pesado, você precisa de umas quatro, seis horas diárias para
poder...
Regina Moreira – Durante muitos anos.
A.C. – Durante muitos anos. A Sandra, minha esposa, estudou durante dez anos
e se formou...
A.N. – E ela toca?
A.C. – Não toca, ela enjoou porque toda vez que chegava uma pessoa na casa do
meu sogro: “Toca para eles, toca para eles”. Então ela foi cansando, não aguentou, então
passou a perder o prazer, não é? Então, já que eu falei da Sandra, eu vou falar também
da minha vida de casado. A Sandra foi a minha primeira namorada, a gente dançou a
valsa... Eu dancei a valsa de 15 anos dela. Ela tinha 14 anos e eu tinha 17 quando a
gente começou a namorar, e engatamos esse namoro, namoramos cinco anos. Ela é irmã
da esposa do Edu, então duas irmãs e dois irmãos. E aí a gente casou em dezembro de
1975, tivemos três filhos: Arthur Júnior, Bruno e o Tiago. E estamos aí já há quarenta
e... Vamos fazer 37 anos de casados com mais cinco de namoro, 42 anos juntos. Temos
agora já cinco netos: o Bruno tem dois, o Felipe de quatro anos e o Gabriel de dois anos,
o Júnior tem um que é o Arthur que fez ontem um ano, inclusive a festa foi até aqui, e o
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Tiago que tem dois, tem o Antônio de dois anos e nasceu agora, dia seis de novembro, a
minha primeira netinha, a Alice, que está deixando todo mundo babando porque é a
primeira neta e era tudo o que a gente queria.
A.N. – E já teve um gol dedicado a ela.
A.C. – Já teve um gol dedicado a ela pelo iraquiano na vitória... Já nasceu me
dando sorte, a pé quente, a gente ganhando o primeiro jogo. E está uma alegria enorme
na família pelo nascimento da Alice.
R.M. – Eu queria também fazer uma pergunta. Um pouco pensando nessa
garotada de hoje em dia que acha que tudo é muito simples, está acostumada a ver o
jogo transmitido ao vivo seja lá de que lugar do mundo. Como você acompanhava os
jogos do Flamengo quando você era garoto?
A.C. – Olha, eu acompanhava os jogos do Flamengo somente quando ia ao
estádio ou também pelo radinho. Mas assim mesmo o meu pai que ficava o rádio,
naquela época não tinha variedade, facilidade para se comprar, cada um ter seu rádio,
cada um ter seu computador, seu telefone, nada disso. O meu pai tinha o rádio dele lá,
famoso, das ondas curtas. Por ser português ele era Sporting1, sempre queria pegar
alguma rádio de Portugal para ele escutar os jogos também do Sporting e a gente ficava
escutando junto com ele. Mas o meu pai comprou duas cadeiras no Maracanã, então eu,
quando era pequeno, os meus irmãos iam e eu ia sempre na carona. Então eu fui a
muitos jogos do Flamengo lá nas cadeiras, mas fui também com amigos que me
levavam no Maracanã e tal. Então, televisão era muito raro. Às vezes tinha uns
programas na antiga TV Continental, na TV Tupi que algumas vezes passava algum
jogo ao vivo dentro de um programa, por exemplo, do Flávio Cavalcanti. Mas era uma
coisa... Só se fosse uma decisão realmente no meio de semana, do contrário não tinha
televisão não.
1 Sporting Clube de Portugal.
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A.N. – Então, você já nos falou do porquê do seu apelido ser Zico, mas eu
também não sei porque é Galinho de Quintino. Por que e quando surgiu?
A.C. – O meu apelido Galinho de Quintino surgiu quando eu subi para os
profissionais em 1971 e eu... Lógico que quando você está subindo, na escalada, você
vai jogar onde botarem. Eu não jogava na minha posição, fui jogar quase que de centro-
avante. E garoto cabeludo correndo muito, lutando muito dentro do campo... E o Waldir
Amaral que era o locutor da Rádio Globo, por eu morar em Quintino e lutar muito
dentro de campo, ele deu esse apelido de Galinho de Quintino. Então, lógico, a força do
Flamengo com a força da Rádio Globo passou a ser Galinho de Quintino. E isso até
hoje, gente que eu nunca vi na vida passa: “O Galo, tudo bem?”. Nêgo me chama de
Galo... Intimidade total. [riso] E foi legal, pegou mesmo, não teve jeito.
R.M. – Agora, começando no Flamengo você teve como técnico o Bría2, o
Carlinhos3, o Joubert4, quer dizer, todos ex-jogadores. O Bría, inclusive, foi do primeiro
tricampeonato...
A.C. – Foi esse que era para estar junto do meu pai.
O que esse pessoal passou de importante para você como jogador. Porque você está se
formando nesse período não é?
A.C. – É, eu acho que todos eles tiveram uma importância grande, primeiro, por
ter jogado no Flamengo conheciam o que representa o Flamengo, a história do
Flamengo. Então é importante que passam. Foram pessoas de sucesso, pessoas que
conseguiram conquistas. Então isso era importante, o respeito acaba sendo maior de
2 Modesto Bría, ex-futebolista paraguaio e ex-treinador do Flamengo. 3 Luís Carlos Nunes da Silva, ex-futebolista e ex-treinador do Flamengo. 4 Joubert Meira, ex-futebolista e ex-treinador do Flamengo.
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você ouvir um seu Bría, ouvir um Joubert, o Walter Miraglia que eram pessoas que
realmente podiam falar porque tinham uma história dentro do clube. Então eu acho que
eles tinham uma coisa importante, quer dizer, além do conhecimento do futebol, a
questão da disciplina - isso aí a formação era muito boa, quer dizer, eles não tratavam
ali só com o garoto que está querendo ser jogador de futebol, ele está tratando com
homens, está dando os ensinamentos do dia a dia. Então a gente tinha isso no Flamengo
essa grande importância, aquele treinador que não te via só como treinador e sim
também como educador. E o fato deles terem tido história no clube lógico que ajudou. E
eu acho que... Aquela turma nossa foi bem orientada porque quase todos eles...
R.M. – Desabrocharam...
A.C. – É, o Júnior é o que é, eu no futebol, o Vanderlei Luxembrugo, o
Cantareli, treinador de goleiros, o Jaime que é auxiliar e foi técnico de futebol também.
Então, a grande geração na formação dessas pessoas, não é?
R.M. – E esse reconhecimento de alguma forma te levou, por exemplo, a criar o
espaço que nós estamos hoje, quer dizer, o centro de futebol?
A.C. – É, ajudou, porque é uma forma de você retribuir, não é? O meu objetivo
aqui da criação do Centro de Futebol é que essa região do Recreio e da Barra nós não
tínhamos áreas esportivas e você tem uma infinidade de gente, de crianças aqui que
nunca jogaram em campos de futebol. Então o meu objetivo foi esse: criar essa escola
com campos realmente de grama que eles pudessem desenvolver, jogar futebol e ter a
alegria de jogar futebol, e poder passar esses ensinamentos que eu aprendi, que me
foram importantes. Então a gente tem hoje um projeto no Brasil inteiro da Escola Zico
10, eu tive aqui do Centro Futebol Zico, que é o projeto de ensino do futebol e ensino
do cidadão. Eu acho que isso é o mais importante, é um método de trabalho, é uma
filosofia de trabalho e tudo ganha com os ensinamentos desses treinadores que eu tive e
muitas dessas coisas eu hoje, como treinador, uso isso também no meu dia a dia. O
Joubert foi um treinador que me ajudou muito nos fundamentos, porque era muito
exigente, muito repetitivo. Então, o fato de eu ter um bom percentual nos passes é,
lógico, em função da minha qualidade, mas em função de treinamentos de repetição, por
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quê? Porque ele ficava comigo ali um bom tempo, dando passe, batendo falta, fazendo
finalização. Então isso eu levo comigo, eu sei que é importante para o desenvolvimento
individual do jogador. Então, de cada treinador que eu passei eu procuro tirar sempre
uma coisa que eu posso passar isso, que eu tenho certeza que é importante para quem a
gente está comandando.
A.N. – Deixa, então, eu retomar um pouquinho. Você falou que chegou ao
Flamengo com 13, 14 anos.
[INTERRUPÇÃO NA GRAVAÇÃO]
A.N – Então, você falou que chegou ao Flamengo com 13, 14 anos, o Edu
estava no América e você começa a ter uma trajetória de escolinha. Em 1969 houve a
possibilidade de você ir para o Vasco?
A.C. – Houve, houve porque nós tivemos um pequeno problema lá no
Flamengo. O meu pai sempre foi muito exigente com os estudos e eu acabei, em um
certo período... Aquela coisa de família, o meu Edu, apesar de ser um destaque pequeno
e tal: “é bom, mas vai ser baixinho igual a ele. Temos que fazer um trabalho aqui”. Aí o
que acontecia? Eu tinha que sair de manhã de casa, por volta das seis da manhã,
chegava ao Flamengo às oito. Treinava de oito e meia até dez meia. 11 horas eu já tinha
que pegar o ônibus porque eu estudava meio dia na Central, ali no Rivadávia Correia e
naquela época não tinha túnel, tinha que dá a volta lá por Copacabana. Aí eu estudava
de meio dia às cinco. Saía dali, voltava para o Leblon para fazer a academia, duas horas
lá, e depois voltava para Quintino de novo. Então, durante o dia, nesses dias eu fazia
musculação – era três vezes por semana – eu andava de ônibus umas seis horas, e trem.
E o que acontecia? Quando eu estava de manhã, para ir para a escola, o meu pai falou:
“O Flamengo tem que dar o almoço”. E o Flamengo se negou a dar esse almoço. Aí, o
Célio de Souza, que saiu do Flamengo e foi para o Vasco, queria levar uns quatro
jogadores, acabou levando só dois. Aí alguém do Flamengo descobriu na época, não
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deixou, e resolveu. O Jorge Elau resolveu isso, ele era dirigente do Flamengo. Nós
achávamos que era o Flamengo, era ele que pagava essa ajudava de custo do bolso dele.
O meu pai me entregou a ele e foi assim que eu permaneci no Flamengo. Então,
simplesmente o meu pai não abria mão: “ele tem que estudar”. Não queria nem a janta
porque eu ia para academia, mas voltava e jantava em casa. Então não teria problema.
Mas realmente, às vezes eu ficava horas sem me alimentar por causa do deslocamento e
da grana, porque o custo era muito alto.
A.N. – E aí você jogou pela primeira vez no Maracanã pelo Flamengo quando?
Você lembra?
A.C. – Pela escolinha? Eu joguei pela primeira vez pela escolinha, foi até um
jogo de exibição contra o América. Se eu não me engano teve uma festividade do
Flamengo a noite inteira e nós jogamos às cinco horas da tarde, não tinha ninguém, nem
os familiares estavam lá ainda. [risos] Foi até um joguinho de 20 minutos, dois tempos
de 20 minutos. Foi a primeira vez que eu joguei pela escolinha do Flamengo no
Maracanã.
R.M. – Agora, em 1969, quer dizer, quando você está começando na escolinha,
foi exatamente esse ano que você acabou de falar, havia a possibilidade do Edu ser
convocado para a seleção que, na realidade, acabou não acontecendo. Isso te marcou de
alguma maneira, quer dizer, você tirou algum tipo de aprendizado dessa situação?
A.C. – É sempre um grande aprendizado. Eu acho que os problemas e as alegrias
que aconteceram com os meus irmãos foram muito importante. Isso já tinha acontecido
com o meu irmão Antunes uma vez. O meu irmão Antunes, quando ele estava no
Fluminense, estava muito bem, em 1963, ele era o artilheiro do Fluminense do
aspirante, cotado para subir, para jogar no profissional, e veio a Olimpíada de 1964 que
foi no Japão, em Tóquio e o que aconteceu? A direção do Fluminense, foi na minha casa
obrigar o meu pai a assinar um contrato – na época tinha aqueles contratos de gaveta,
um compromisso – o meu pai disse que não ia assiná-lo, colocou o dirigente do
Fluminense para correr de lá. Aí ele disse que se ele não assinasse o contrato ele não iria
para a seleção e acabou não indo para a seleção olímpica. Isso já foi em 1964. Aí
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depois, em 1969, o Edu era o grande nome, ele foi eleito pela Associação de Cronistas
Esportivos o melhor jogador do Brasil - que seria, digamos, qualquer enquete que se
faça hoje, qualquer premiação, aquela na época era a mais importante. Eu me lembro
que eu era moleque e fomos assistir o último jogo do campeonato brasileiro que foi lá
no General Severiano contra o São Paulo, foi quatro a zero e o Edu fez três gols e se
tornou o artilheiro da competição. E todo mundo dava como certa a convocação dele,
mas eu não sei se o peso... Todo respeito ao América, mas eu acho que se ele estivesse
em um Flamengo, em um Corinthians, em um dos times grandes do futebol brasileiro eu
tenho certeza que teria uma pressão para ele ser convocado. Então foi uma decepção
grande para a família mais uma vez. E eu acho que isso vai nos dando maturidade para
não deixar... Quer dizer, quando a coisa começou a funcionar para mim de maneira
positiva sempre com os pés no chão, não me preocupando, sabendo que isso podia dar
uma volta de uma hora para outro. É lógico que foi um grande... Eu aprendi muito com
os problemas maiores que eles tiveram.
A.N. – Pois é, em 1971 também, aí é uma frustração: você, juvenil, integra um
dos destaques da seleção pré-olímpica e não vai à Munique, não é?
A.C. – É, foi a única vez que eu pensei em parar de jogar futebol foi por causa
disso. Pelo simples fato não de não ser convocado, não tem problema de não ser
convocado... E foi a partir daquele período, mesmo eu já famoso, eu escutava a relação
para não me decepcionar, por quê? Porque nós tínhamos ganho o pré-olímpico em 1971,
na Colômbia, no final do ano. Eu já estava jogando no profissional quando o senhor
Lins tinha me lançado, fiz o gol da classificação contra a Argentina, que nós ganhamos
de um a zero, ali deu a classificação do Brasil para Munique. Fiz uma grande
competição, joguei bem. Quer dizer, o treinador me colocou com toda a confiança, tanto
o Antoninho como o Parreira que passou a ser o treinador dentro da competição.
Quando veio 1972, o Zagallo entrou no Flamengo. Então, quando o Zagallo entrou no
Flamengo, ele, imediatamente na formação da temporada inicial, me chamou e disse:
“Você foi lançado prematuramente, eu acho que você é muito novo ainda e não
pretendo contar com você para o profissional. Agora, se você quiser continuar aqui no
plantel, pode continuar treinando”. Eu falei: “Está bom, não tem problema. Eu continuo
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aqui”. Eu ainda não tinha feito o primeiro contrato e continuo. Naquela época, para sair,
se o clube não liberasse, eu tinha que ficar fazendo estágio de dois anos para ir para
qualquer outro lugar e não é fácil você ficar dois anos sem jogar em uma idade daquela.
Então eu preferi ficar lá à espera, quem sabe, de uma oportunidade. Isso foi em janeiro
de 1972, quer dizer, a Olimpíada era em agosto e eu passei a não fazer nada. Durante
dois meses, eu ia a Gávea, trocava de roupa, colocava o calção, ficava lá do lado de
fora, não treinava e vinha embora. Eu apenas cumpria o meu dever profissional lá,
naquela época não tinha muita gente para treinar o pessoal que estava de fora, não
emprestavam jogador. Então a gente praticamente não fazia nada, não tinha ninguém
para cuidar. Nisso o Antoninho, que era o técnico da seleção, foi à Gávea falar comigo,
e eu acredito até que foi gente do Flamengo pedir para ele ir lá. Aí ele foi lá e falou:
“Olha, você continuando do jeito que está, nós já estamos quase em março, você não
jogou nenhuma partida, não treina, como eu vou te levar para a seleção? Eu acho que
seria bom se você voltasse a jogar na categoria de baixo, no juvenil, você ainda tem
idade”. Eu falei: “Está bom, não tendo nenhum prejuízo, eu vou continuar ganhando
minha ajuda de custo que eu tenho”- eu não tinha contrato. Aí o Flamengo: “Está bom,
continua a mesma coisa”. Eu falei: “Então está bom, jogo”. Aí desci para o juvenil, mas
continuei treinando, jogando e tal. Aí fomos campeões e eu fui o artilheiro. Então, para
mim estava tranquilo. Terminou o campeonato em julho, se não me engano, e para mim
estava tranquilo que eu ia ser convocado. Quando teve a convocação eu nem prestei a
atenção, nem escutei nada, não quis nem saber, fui direto para a Gávea fazer o
treinamento e tal. Quando eu cheguei na Gávea, todo mundo olhando para mim assim:
“Que sacanagem fizeram contigo e tal”. Eu falei: “O que foi?”. “Não sabe?”. Eu falei
assim: “Não, não sei. O que foi que aconteceu?”. “Ah, você não foi convocado, não te
chamaram para a seleção olímpica”. Aí eu falei: “Não fui convocado?”. “Não”. “Está
bom”. Tirei a roupa, virei as costas e fui embora para a casa. Eu falei: “eu não jogo mais
futebol”. Fui embora e cheguei em casa, falei com o meu pai: “Ah, isso que você
quer?”. Eu falei: “Ah, pai, eu não quero passar o que os meus irmãos passaram não. Eu
acho que isso daí é uma grande covardia, eu não posso estar com pessoas que a gente
não vai acreditar mais, não é? Que vem falar e não... Então eu acho que o futebol é uma
mentira e tal”. E fui. Aí o Edu e o Antunes é que me convenceram: “Olha, você tem um
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compromisso com o Flamengo, o Flamengo não tem culpa de nada, quem tem culpa é
esse pessoal da seleção. Eu acho que você tem que ainda dar uma resposta ao Flamengo.
Essas coisas passam”. Eu fiquei basicamente uns 15 dias sem ir ao Flamengo, disposto
a não jogar mais bola mesmo. Talvez nessa hora, se eu não tivesse meus dois irmãos
que passaram pelos mesmos problemas, talvez eu seguisse para ser pianista, não é?
[risos]
A.N. – Eu acho. Havia uma coisa do destino querendo te tentar. Mas o Zagallo
fica até 1972, e você só...
A.C. – Não, mesmo em 1972, depois que eu voltei ao Flamengo e comecei a
treinar, que eu estava jogando, eu fui neste campeonato mesmo de 1972, o próprio
Zagallo, em alguns jogos, me puxou para ficar na reserva. Tanto é que no campeonato
de 1972, carioca, eu cheguei a jogar eu acho que quatro ou oito jogos. Até os dirigentes
do Flamengo ficaram chateados porque teve um jogo importante que ele me tirou e era
um jogo decisivo, mesmo assim o Flamengo ganhou. Dali em diante, eu estava sendo
utilizado. Eu treinava com o juvenil, mas às vezes era requisitado para ficar na reserva
do profissional. Em 1973, aí que eu fui de vez, mesmo tendo idade, eu fui de vez para o
profissional.
R.M. – Aí eu queria só arrematar um pouquinho. Você começou a falar que fazia
a escolinha e começava a fazer musculação também. O trabalho que a comissão técnica
do Flamengo desenvolveu com você, inclusive o preparador físico Francalacci, era um
trabalho que na época não era muito comum dos clubes investirem nos jogadores – o
que hoje, hoje maneira de dizer, mas o que o Barcelona fez com o Messi – é uma coisa
que na época não era comum. Isso daí te valeu, durante algum tempo, uma crítica de ser
craque de laboratório.
A.C. – Isso aí foi o seguinte... Bom que deixa bem claro, o Flamengo não tem
culpa de nada, todo esse processo que foi feito comigo não foi feito pelo Flamengo, as
pessoas que trabalhavam no Flamengo, elas particularmente resolveram fazer esse
investimento. Então, por exemplo, eu tinha o médico do juvenil que era o José de Paula
Chaves Filho, o pai dele era um médico conceituado, José de Paula Chaves - ele faleceu,
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uma coisa muito falada, parece que ele fez um experimento de uma injeção de algum
medicamento e tal, e acabou falecendo por isso. Ele é que fez todo o estudo do meu
desenvolvimento, se eu podia desenvolver como base, a parte muscular, essa coisa toda.
Foi planejado, então teve um dia que eu fui... Doutor Célio Cotechia que era do
profissional, ele trabalhava naquele hospital Barata Ribeiro na Mangueira e teve um dia
que eu passei a manhã inteiro tirando radiografia de todas as articulações do meu corpo,
tudo. Foram mais de cinquenta radiografias, eu passei a manhã toda tirando
radiografias. E ficou constatado que eu poderia desenvolver, eles poderiam fazer esse
tratamento. Então, o tratamento consistia de injeções, de musculação. Então, a
musculação onde foi feita? Francalacci trabalhava em uma academia no Leblon,
Academia Coelho, então o professor Paulo Ribeiro cedeu a academia para que eu
treinasse ali. Os medicamentos, o José de Paula Chaves conseguia. Aí faltava uma super
alimentação. A minha mãe: “Poxa, tem que se alimentar cinco vezes por dia, como eu
vou fazer isso? Vai ficar pesado”. Tinha que fazer uma série de coisas. Então o Elau
ajudou nessa questão financeira. Então foi assim que foi o processo. E aí, depois que eu
comecei, que eu estourei no juvenil e aí veio o profissional e tal, quando chegou que eu
despontei no profissional, o Márcio Guedes fez uma reportagem no Jornal Estado de
São Paulo que ganhou um prêmio Essa, sei lá, um prêmio de jornalismo com aquela
matéria e a matéria dizia justamente: “O Craque de laboratório”. E foi em função disso
que ficou um pouco dessa marca. Agora, craque de laboratório... Se eu não jogasse bola
não ia adiantar nada nêgo fazer isso daí. É, exatamente, não adianta você tentar fazer
uma coisa com quem não tem dom para jogar futebol ou fazer outra atividade. Quer
dizer, o que aconteceu, tudo isso, foi em função principalmente do caso do meu irmão.
Aí entra de novo a questão do irmão; assim como eu tenho o irmão Tonico que tem um
metro e noventa, o Antunes que era forte, tinha o Edu que era... Mas o Edu foi o que
teve mais destaque: “Ah não, vai jogar igual ao Edu, mas vai ser pequeno”. Aquela
coisa, os preconceitos que existem dentro do futebol. Hoje ninguém diz nada, porque os
maiores jogadores do mundo é o Messi, o Maradona, [riso] é tudo baixinho, o Pelé tem
um metro e setenta. Então não tem nada disso. Então eu acho que essa coisa pesou
bastante nesse trabalho. Agora, como foi um trabalho de desenvolvimento muscular do
meu biótipo, e eu não tinha muitos trabalhos de alongamento, isso acabou me
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prejudicando muito na minha carreira. O final da minha carreira foi complicada porque
eu hipertrofiei e com isso passei a ter muitos problemas musculares de panturrilha, de
posterior da coxa, musculatura anterior. Então eu tive muitas distensões, muitos
estiramentos em função desse trabalho, no final da carreira, exigido, musculatura
cansada. Isso também depois acabou sendo problemático. Mas se eu tivesse que repetir,
fazer tudo de novo, eu faria com o maior prazer porque eu sei que foi feito um estudo
minucioso e um estudo coerente com aquilo que poderia me ajudar no futuro.
A.N. – Então, eu queria agora que você... Pouquinho não pode ser, pode ser a
tarde toda [riso] não tem problema, enfim, que você nos falasse um pouquinho dessa
coisa de você fazer parte, de você ter integrado aquele time campeão do mundo em
1981, o Flamengo campeão do mundo. Mas nós estamos em 1978, e em algum
momento você falou que foi aí que começou tudo, em 1978. Eu queria que você
relatasse esse primeiro momento.
A.C. – É, a gente, o Flamengo... A geração de 1972-1973, que foi bicampeã
juvenil, foi uma geração minha, do Júnior, do Rondinelli, do Vanderlei, do Geraldo, do
Jaime, Cantarelli. E lógico que essa geração acabou logo sendo campeão carioca em
1974. Mas, infelizmente nós passamos três anos sem ganhar nada. Isso até gerou uma
certa desconfiança, natural: “Poxa, vamos apostar nesses jovens e tal”. Mas o Flamengo
também, em termos de administração, houve uma mudança grande na diretoria,
diferença de mentalidade e tal, um grupo novo que deu uma outra cara, outra filosofia
ao Flamengo e trouxeram alguns jogadores experientes, mas investiram na base. Então,
com a nossa geração... Depois incorporou a do Adílio, do Tita, o Andrade, aí depois
veio o Leandro, o Moser, Figueiredo e tal. E eu acho que isso deu uma... Foram unidas
três gerações de muita qualidade, muito talento; o Tita, o Nunes – o Nunes foi formado
até com a gente, no mesmo grupo. Ele depois saiu e foi lá para o nordeste. Então eu
acho que aquele campeonato de 1978, que depois desce toda aquela desconfiança
daqueles anos meio turbulentos... Quando a gente foi campeão carioca, a gente
realmente mostrou ali: “Essa geração pode dar muitos frutos para o Flamengo”. E ali,
aquele primeiro título, dali a gente começou a ganhar tudo no Rio de Janeiro até ganhar
o Brasileiro, do Brasileiro, a primeira Libertadores que disputamos ganhamos também,
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até o mundial, depois tinha mais Brasileiro. Então, eu acho que aquilo foi um projeto
que coincidiu de um período você ter três gerações que realmente de ótimos jogadores,
de jogadores que foram amadurecendo com o tempo. E eu acho que o Flamengo poderia
até ter seguido nisso, porque veio uma outra geração muito boa do Bebeto, do Jorginho,
do Zinho, do Leonardo e tal, já tinha tido a do Djalminha, a do Marcelinho, a do
Marquinho, do Júnior Baiano, enfim, Paulo Nunes. Então eu acho que o Flamengo tinha
tudo para dar sequência nessas conquistas, mas infelizmente tivemos alguns problemas,
alguns jogadores tiveram problemas e com isso acabaram tendo que sair, tendo sucesso
em outros lugares, não é? Eu acho que quem nos substituiu que foi esse pessoal do
Aldair, do Bebeto que foram campeões do mundo em 1994 depois, mas eles iriam se
juntar a essa geração do Júnior que continuou em 1992 e foi campeão brasileiro – onde
estava Nélio, onde estava Marcelinho, Djalminha, esse pessoal todo. Então, você
imagina se conseguisse juntar isso tudo? Então eu acho que infelizmente o Flamengo
desperdiçou uma terceira geração boa que foram todos ter sucesso individualmente em
outros clubes, não é?
A.N. – Pois é, em algum momento na sua biografia, eu não sei se foi no livro do
Assaf, você diz que até hoje o gol de Rondinelli – é isso que eu quero que você um
pouco narre para gente – te deixa arrepiado.
A.C. – É, quando eu vejo ainda arrepio em função das circunstâncias todas, do
jogo e da forma como aconteceu: primeiro porque eu não era de bater escanteio, muita
gente, na hora: “Você está louco? Vai para dentro da área e tal”. Os caras queriam que
você ficasse sempre dentro da área. E estava acabando o jogo – aquele jogo ali, se a
gente ganha era campeão, se a gente empata, o Vasco era campeão e a gente ia ter que
jogar mais dois jogos com o Vasco, não seria a decisão. Então, eu estava caindo para
aquele lado direito, quando a bola veio que eu estava para aquele lado, imediatamente o
Marco Antônio viu que era eu, colocou a bola para fora e a bola caiu na mão lá do [Che
ou Tchê5 que fazia os nossos churrascos, acabou depois fazendo... Ele era muito amigo
do Ramires. E aí ele mandou: “Está acabando, bate aí e tal”. E aí eu fui lá, peguei a
5 Mais próximo do que foi possível ouvir.
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bola, olhei o Rondineli, vi, era a única forma... O Rondineli era um bom cabeceador,
então a bola foi certinha na cabeça nele, ele fez o gol. Quer dizer, aquele título, quando
vejo, me arrepio porque realmente me traz ainda a emoção daquele gol, daquela
conquista. Então foi realmente ali que a meu ver começou a afirmação mesmo de toda
uma geração.
A.N. – Pois é. Aí começou a escalada que você já colocou do tri-estadual, dos
torneios de Palma de Maiorca, Ramon Carranza...
A.C. – A gente naquele período ali, 1978 a 1983, ganhou mais título do que o
Flamengo havia ganho em toda sua história. [Riso] É isso que marca muito. E os títulos
mais importantes. Quer dizer, o Flamengo nunca tinha ganho um Brasileiro, nunca tinha
ganho um título na Libertadores, no Mundial. Então é lógico que... Foi outro
tricampeonato que o Flamengo ganhou e ganhamos um bicampeonato invicto. Então eu
acho que isso tudo marcou demais, não é?
A.N. – Assim, só um detalhe. Centrando na Libertadores, a final da Libertadores
ainda... Daqui a pouco a gente passa para a seleção. Tem a questão já da final contra o
Cobreloa, que foram três partidas, já começa uma grande violência... Quer dizer, você
sempre foi muito perseguido em termos de violência em função do teu estilo.
A.C. – A Libertadores era uma competição muito complicada porque naquele
período tinha televisão, mas não se dava muitas imagens que se têm hoje, não se podia
fazer o tipo de cobertura que se faz hoje. Então a gente teve um caminho complicado já
na primeira fase que foi pegar o melhor time da competição que era o Atlético Mineiro,
que eu acho que quem passasse ali seria o campeão. A base da seleção era Flamengo e
Atlético Mineiro. Foram jogos maravilhosos. E aí a gente ainda pegou uma das chaves
mais difíceis que era do Paraguai, os clubes do Paraguai, o Olímpia tinha acabado de ser
o representante, foi vice-campeão, mas foi representante da América do Sul para jogar
contra o Europeu, porque o argentino que tinha ganho o Europeu não aceitava jogar
com eles. Então já foi complicado desde o início e a gente passou naquela fase, depois
pegamos os times da Colômbia e da Bolívia. O da Bolívia a gente praticamente jogou
dentro de um exército, parecia que a gente... Só tinha verdinho em volta do campo. O
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estádio todo, o general exército e o Presidente da Bolívia estarem lá, é a Bolívia que está
em campo não é o time. E a gente foi superando. A Colômbia foi a mesma coisa.
Quando veio o Cobreloa que tinha eliminado os argentinos e uruguaios, e com isso era
um time muito violento, um time realmente difícil de ser batido, principalmente que
jogava lá na altitude. E eu acho que a gente criou uma fórmula: “Só tem uma maneira da
gente ganhar: é jogando bola, senão a gente não consegue”. Quando passaram o jogo lá
para o estádio Santiago, era melhor que tivesse sido em Calama porque parecia que a
gente estava dentro de um presídio, os policiais cercaram tudo, pedrada de tudo o que é
jeito. Então foi complicado. Eu acho que se a gente não tivesse sangue frio depois do
jogo contra eles lá no Chile, a gente poderia ter tido problemas no Uruguai. Mas a gente
se reuniu: “Olha, vamos jogar futebol, vamos fazer o que a gente sabe”. E ganhamos
jogando bola. Então eu acho que foi uma conquista dificílima, dramática e que a gente
tem que valorizar bastante, porque a gente passou por muito sufoco para poder ganhar
aquele título.
A.N. – E não tinha essa questão... Quer dizer, eram duas ditaduras na verdade:
no Chile e a ditadura militar no Brasil.
A.C. – Duas não. Foi Chile, Bolívia, Paraguai era tudo ditadura.
A.N. – Argentina.
A.C. – Eu acho que era só na Colômbia que era mais tranquilo aquele período.
A.N. – É, mas era aquela coisa; os times iam representando...
A.C. – O Flamengo não representava o Brasil, agora os outros times adversários
representavam o país. Quando a gente chegava parecia que a gente era inimigo de
guerra mesmo.
R.M. – E o jogo contra Cobreloa foi uma guerra.
A.C. – E o da Bolívia também, era um time fraco mas que... Sabe? A pressão em
cima, a pressão de arbitragem também, a pressão do país eram muito forte.
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R.M. – O papel do Lico?
A.C. – Ele se encaixou perfeitamente dentro daquilo que o Carpegiani queria,
não é? Porque o Carpegiani tinha uma forma de pensar tática, o Carpegiani sempre foi
um jogador tático dentro do campo, já quando ele jogava ele formulava isso. Então, a
forma como ele queria colocar o Flamengo, ele queria que tivéssemos uma rotatividade
maior com jogadores que jogavam nos cantos, mas que soubessem se movimentar para
qualquer lado do campo. E antes a gente jogava ou com o Baroninho na esquerda ou
então com um outro ponta direita, era o Chiquinho se não me engano. E com isso a
gente ficava normalmente ou para um lado ou para o outro. Quando veio o Lico, ficou o
Tita e o Lico um de cada lado. Então ele fazia o mesmo movimento com os laterais para
o balanço não ter aquela coisa do ponta fixo que joga só por ali. Então o Adílio caía por
um lado, eu caía pelo outro, vinha o Leandro, vinha o Júnior, o Tita vinha para o meio,
o Lico vinha para o meio, o Nunes caía para os cantos. Então a gente tinha uma
movimentação geral. Então é isso, a grande importância da entrada do Lico foi isso, não
é? E foi na Bolívia, não é?
[FINAL DO ARQUIVO I]
R.M. – Bom, retomando, você falou do Carpegiani e é exatamente nesse ano de
1981 que o Carpegiani assumiu o time do Flamengo no lugar do Cláudio Coutinho.
A.C. – Não, do Dino Sani
R.M. – Dino Sani, desculpa. Eu queria falar o Coutinho.
A.C. – O Coutinho saiu em 1980, no início de 1981 se não me engano.
R.M. – O Dino Sani teve uma passagem bem curta, não é?
A.C. – É.
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R.M. – Eu queria um pouco avaliar entre o Claudio Coutinho, quer dizer, a
importância que ele teve para o time do Flamengo, com todas aquelas experiências...
Que era tido como, enfim, visionário maluco. Lembro-me dos cronistas ridicularizando
um pouco o overlapping...
A.C. – Overlapping, ponto futuro.
R.M. – Exatamente, ponto futuro. E de repente você pega o Carpegiani e ressalta
exatamente o espírito tático dele. Enfim, comenta alguma coisa.
A.C. - É. O Coutinho eu o conheci quando eu estreei na seleção. O Coutinho era
o observador das seleções adversárias. Eu lembro que nos jogos contra o Uruguai e a
Argentina, nos dois primeiros jogos em 1976, o Coutinho que fez um pouco da preleção
falando dos adversários para o Osvaldo Brandão. Ele que fez o estudo dos adversários.
Então, quando ele foi para o Flamengo de técnico é lógico que ele, no início, estava um
pouquinho apaixonado com aquela coisa de seleção da Holanda de 1974 e tal, o
carrossel. Então ele se empolgou com aquele negócio e queria que o jogador brasileiro
fizesse aquilo. Eu acho até que em certo momento acabou tirando a liberdade dos
jogadores tamanha era a empolgação dele. Ele achava que o jogador brasileiro com o
talento podia fazer aquilo que os holandeses faziam. Mas eu acho que é o tal negócio, a
geração da Holanda foi um caso à parte na história do futebol e eu acho que a gente
acabou sofrendo isso, e em 1978, na Argentina, acabou que a coisa não dando muito
certo. Mas quando ele voltou para o Flamengo ele já voltou com outra cabeça, com
outra mentalidade, com outra forma de pensar com mais liberdade, deixando mais a
criatividade. Então foi quando ele começou a instituir no Flamengo essas coisas. Ele,
por ser uma pessoa muito inteligente criou alguns nomes: ponto futuro, por exemplo, é
bola no espaço vazio e overlapping é troca de posição. Ele apenas deu uns nomes que
não tinha nada a ver, alguma coisa nova.
A.N. – Para impressionar.
A.C. - É, para impressionar, aquela coisa toda. Então isso é inteligência. Agora,
o Coutinho fazia treinamentos importantes para nós, treinamentos táticos. A gente, às
vezes, treinava dentro do campo só posição, mas isso hoje vai ter jornalistas que vai
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chamar de maluco. Treinava todo mundo sozinho, sem bola: "movimenta para cá,
movimenta para lá, posiciona aqui, posiciona ali". Então os treinamentos dele juntavam
a parte tática com as qualidades dos jogadores. Então, isso foi muito bem aceito pelo
Carpegiani, o Carpegiani também tinha um pouco isso. Então, uma coisa que... Sem
tirar a liberdade dos jogadores, sem tirar a criatividade, você somar isto ao aspecto
tático. Então o grande diferencial do Flamengo era esse, a gente tinha essa forma tática
de jogar, ninguém sabia marcar, mas ele conseguiu fazer com o que time jogasse de
forma de compacta, que os espaços eram sempre diminuídos. Então a gente jogava
sempre os dez em uma determinada faixa de campo, por treinamento, por desenho que
ele fazia isso. Então eu acho que o grande mérito do Coutinho foi esse: fazer a parte
tática e também dar essa liberdade que o jogador brasileiro tem de criar. Então a gente
ia para dentro de campo e sabia o que ia fazer, sabia sempre os treinamentos. Agora, se
dentro do campo a gente tivesse que criar uma coisa nova era assim que a gente fazia. E
ele tinha algumas teses importantes que era, primeiro, lutador de boxe na época do Mike
Tyson e tal: “Oh, vai sai com aquele olho de tigre e sai arrebentando os caras”. Então os
primeiros 15, 20 minutos a gente saía para... Principalmente no Maracanã, saía
sufocando o adversário e fazia logo dois gols e já tranquilizava. Mas ele falava: “Bate!
Se puder fazer o terceiro ou quarto faz logo. Bate! Dá murro até o cara cair, porque
senão ele respira, pega o revólver e pode te matar. Então liquida”. E a outra era do jogo
basquete, da posse de bola. No basquete você tem 24 segundos para arremessar, no
futebol não, no futebol você pode ficar com a bola o tempo todo. Então, está a bola, vai
pela direita, não conseguiu? Volta com a bola, vem aqui no meio. Então a gente fazia
esses treinos... Se puder, em três passes finalizar, chegar no gol, ótimo. Senão der fica
com a bola. A bola é ouro, a bola é a mulher, você não pode entregar ao bandido, não
pode entregar de mão beijada. Então ele tinha essas comparações, essas filosofias que
foi muito bem adaptadas por todos nós, uma geração boa, de qualidade. Então o
Carpegiani deu seguimento, ele teve uma importância grande nisso tudo.
[INTERRUPÇÃO NA GRAVAÇÃO]
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A.N. – Enfim, a gente queria... Não dá para falar tanto só do Flamengo, enfim, a
gente queria encerrar, digamos, o bloco do Flamengo com o Mundial, claro. Faz de
conta que eu não sei nada: onde foi disputada essa última partida, em que data, o placar,
qual foi o time. Você falar um pouco dessa final e essa coisa que eu li que você, no seu
depoimento, a coisa de comemorar o título longe da torcida. Uma coisa que vocês...
Sempre acostumados com Maracanã, com a coisa da presença, a volta olímpica...
Enfim, falar um pouco desse...
A.C. – A conquista do Mundial lá no Japão lógico que foi a mais importante,
mas foi a mais fria para todos nós. Sinceramente eu não tenho assim uma coisa: “Olha,
ganhamos o jogo”. Mas não me traz nenhuma coisa inesquecível. A Libertadores está
muito mais gravada pela circunstância, por estar ali, por ter uma torcida do Flamengo no
Uruguai, a gente chegar e está toda torcida aqui, a gente voltar, comemorar junto, estava
no meio da competição do Carioca. Então eu acho que a torcida estando perto é sempre
gostoso, então eu queria muito que a gente pudesse ter comemorado aquele título de
uma forma mais vizinha da torcida. Quer dizer, você está ali, naquela época não tinha
aquela coisa de internet, você não tinha como se comunicar muito. A televisão, a gente
tinha noção que estava... Mas não tinha a menor noção da festa que estava sendo feita
no Brasil e a gente queria estar participando disso. Então jogamos uma hora da tarde,
frio danado. O primeiro tempo praticamente decidiu o jogo contra o Liverpool. Quer
dizer, foi uma das melhores partidas que fizemos em um tempo. O Liverpool talvez não
conhecesse muito o Flamengo, e a gente os conhecia. Mas entramos – aquela coisa do
boxe do Mike Tyson – para arrasar. Entramos, arrasamos e decidimos o jogo em 45
minutos. O segundo tempo foi para deixar passar. Torcida era uma coisa neutra, não
tinha aquelas cornetas tocando. Na época, o futebol no Japão não tinha quase nada,
tinha a questão do baseball, tem o home run quando você dá aquela pancada na bola e a
bola vai longe a torcida vibra, é o ponto. E eles achavam que no futebol, quando o
zagueiro rebatia, todo mundo fazia: “Ah”, achavam que no futebol o bonito era aquilo.
Eles não tinham muito conhecimento. Como foi feito evento, o japonês quer sair de
casa, todos os grandes eventos era nessa faixa de meio dia até duas horas da tarde. Então
o pessoal vai, mas não sabe nem para o que está indo e colocaram assim no estádio:
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“Vai ter jogo” e a bandeirinha do Flamengo e do Liverpool, quem escolher melhor...
Então a do Liverpool estava no final, já tinha lotado aquele... Aí todo mundo foi para o
lado do Flamengo, mas não estavam nem aí, os caras estavam vendo lá... Então foi uma
coisa muito fria para nós. Nós, dentro do campo, procuramos nos concentrar ali naquela
coisa do jogo, da importância do título que a gente sabia. Mas o jogo em si, a
comemoração em si foi muito fria. E depois dali a gente entrava de férias. Aí eu fui com
a minha mulher também, o Raul também, o Adílio, alguns dirigentes... Aí a gente
depois foi para o Havaí, fomos à Las Vegas, Nova York...
A.N. – A Sandra estava lá?
A.C. – A Sandra estava comigo o tempo todo. E eu só voltei aqui em dezembro,
só fui reencontrar a torcida do Flamengo 20 de janeiro de 1982 no Maracanã, no jogo
contra do São Paulo – que foi o início da temporada. Quer dizer, para nós, foi uma
comemoração não como hoje que todo mundo vai, a torcida lá no Japão, a gente... Eu vi
mesmo lá dois títulos do São Paulo, a torcida toda do São Paulo lá, vi o Boca Juniors
ganhar lá também, uma festa danada com os argentinos. Então, na nossa época era
diferente, não tinha ninguém lá, devia ter só dois torcedores, três. [riso] Então foi a
conquista mais importante, mas em termos de emoção...
A.N. – E o carro que você ganhou ainda está preservado?
A.C. – É, eu ganhei um, o Nunes ganhou o outro. E está comigo até hoje, na
minha garagem. Agora mesmo... Eu parei de andar um pouco por causa da direção
hidráulica, não era direção hidráulica, um carro muito duro, então complicado. Mas
agora eu tive uma aproximação boa com a Toyota e é bem provável que eles vão ver se
vão trocar. É um carro que você olha assim está novinho, futurista, o design dele ainda
passa com muita tranquilidade.
R.M. – Eu queria fazer paralelamente a sua evolução no time do Flamengo, suas
convocações, você começou a ter também uma participação no sindicato dos jogadores
profissionais. O que representou isso para você? O que era você naquela época, que
ainda era época de Ditadura, batalhar por uma categoria, enfim?
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A.C. – É, desde o início eu sempre procurei participar. Eu acho que isso tudo
veio quando a gente... Eu fui convidado para fazer parte de uma seleção de um primeiro
jogo do primeiro evento, vamos dizer, beneficente da Sociedade Amigos dos
Deficientes Físico, a Sadef. Um jogo de final de ano, um municipal de futebol de salão.
A primeira atividade a parte ao futebol em relação à ação de ajudar alguma coisa. Eu era
garoto ainda, ainda não estava nem no profissional, quando joguei essa partida. Depois,
quando eu já fui para a seleção, a gente participou do movimento da regulamentação da
profissão de jogador de futebol. Isto já foi em 1978 se não me engano, antes da Copa do
Mundo, os jogadores todos da seleção, fomos até o ministro do trabalho e o
reconhecimento da profissão foi feito. Eu lembro que a minha carteira foi a carteira de
número 18 de carteira de trabalho. Então a profissão do atleta de futebol regulamentada.
Mais tarde, a gente vendo tantos problemas da categoria, eu aceitei ser o segundo vice e
quem era o presidente era o José Mário, o meu compadre, o meu padrinho de casamento
e a gente jogou junto muito tempo e tal, o segundo era o Leão. Só que eles tiveram um
problema no Vasco, o José Mário saiu, o Leão também saiu e aí eu assumi a
presidência. Então assumi realmente para fazer alguma coisa e conseguimos, na época,
fazer uma partida entre cariocas e paulistas que a gente conseguiu comprar a sede
própria, duas salas próprias para o sindicato se instalar e também defender causas de
atletas. Então foi um período realmente que eu fiquei engajado e depois, com isso,
passamos a participação das ações da Agape6, da Fugap7 que são órgãos que sempre
ajudaram o atleta, o ex-atleta. Lógico que o tempo era escasso pela exigência da
profissão e por estar jogando para o Flamengo e seleção, mas dentro da possibilidade eu
estou aí no intuito de ajudar porque eu sei o quanto é difícil você vencer nessa profissão.
A.N. – Então engrenando aí já que a Regina colocou essa questão... Vamos ficar
nessa linha um pouquinho, fora, assim, do futebol de campo. O governo Collor8, só para
a gente fechar um pouco esse bloco nessa sua atuação mais política – política no sentido
6 Associação de ajuda atletas e ex-‐profissionais de futebol
7 Fundação garantia do atleta profissional
8 Fernando Collor de Mello, ex-‐presidente do Brasil.
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de lutar pela classe... Você se torna secretário de esporte do governo Collor em 1991 e
nesse momento você propõe – você vai falar isso tudo aí, eu não sei de nada – o fim do
passe e vem a Lei Zico, transformação dos clubes... Você coloca que você não quer se
político para concorrer mandatos.
A.C. – É, em nenhum momento eu aceitei o cargo de secretário para objetivar
saltos maiores. Eu acho que até o Collor queria isso, ele queria que eu me candidatasse
ao Rio de Janeiro em algum cargo – deputado, prefeito, senador, alguma coisa assim -,
mas eu falei para ele: “o meu negócio não é esse”. Tinha um secretário dele lá que
ajudou na campanha que vivia... Ele mudava às vezes o papelzinho de sentar no jantar
para ficar do meu lado para ficar buzinando no meu ouvido: “Vamos, você tem que se
candidatar, você tem que ser prefeito do Rio. Eu vou te ajudar na campanha”. Eu falei:
“Não, o meu negócio não é esse. Eu vim aqui para ser secretário de esporte. O meu
objetivo é ajudar o esporte no Brasil. Então eu venho só com esse intuito. Não venho
com intuito de concorrer a nenhum cargo”. E assim foi. Então o meu objetivo o que foi?
Hoje, o que era a Lei no Brasil? Era uma Lei ultrapassada, de 1940 e poucos já. Então,
o que a gente procurou fazer? Procurou ver aonde tinham coisas modernas que a gente
pudesse adaptar. Fomos aos Estados Unidos, à Portugal, à Espanha para olhar o que
estava sendo feito, o que tinha mudado na lei do esporte e procuramos nos adaptar.
Tivemos um estudo de seis meses, enviamos documentação a todas confederações,
federações, clubes que nos dessem subsídios para que trabalhássemos juntos. Formamos
uma comissão para estudar isso e assim ela funcionou. Em nenhum momento Lei Zico,
era Lei de Esportes. A Lei ficou Lei Zico porque quando saiu, o Arthur da Távola criou
um substitutivo e para ajudar na aprovação da Lei ele começou a chamar de Lei Zico
para ajudar e foi aprovada. Agora, dentro daquele meu projeto inicial muita coisa foi
tirada, muita coisa foi mudada, por exemplo, o nosso projeto não tinha nada a ver com
bingo, isto daí foi colocado, sabe? A gente sugeriu a Lei e entregou lá no Congresso.
Agora, eles lá é que decidem a melhor forma de... O que a gente queria mudar era a
forma de eleição nas confederações, realmente modificação da lei do passe. Tinha uma
série de coisas que aos poucos foram sendo conquistas importantes: a criação de ligas, a
criação de campeonatos para não ficar coisa presa. O nosso objetivo era o quê?
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Confederação, CBF cuida da seleção brasileira. Você podia ter uma liga que cuidasse
dos clubes. Então eu acho que o nosso objetivo foi esse. Só que todas essas mudanças
mexiam muito com certos cartéis já existentes, foi onde eu tive os maiores problemas. E
aí, realmente, se eu não tiver o apoio da presidência... O Collor foi um, por ter sido
presidente de clube ele discutiu tudo comigo em relação à Lei, o conhecimento. Foram
quase duas horas de discussão e ele falou: “Poxa, isso aqui é dentro daquilo que eu
quero. O meu projeto de governo é isso, essa modernização”. Só que ele esqueceu que
em muitos locais do Brasil, gente que o apoiou ia ter que debandar e aí a coisa ficou
engavetada lá. Aí, quando eu tomei a decisão de ir embora eu falei: “Olha, eu entreguei
uma carta lá...”. Só ele sabia... Eu e o meu advogado fizemos uma carta, ninguém sabia
de nada, entreguei para ele, irrevogável a minha saída e aí ele falou: “Você espera pelo
menos 15 dias para a gente entregar esse projeto no Congresso”. E aí em uma semana
choveu de gente lá na secretaria para a gente definir isso. Aí a coisa funcionou, foi
entregue e aí eu saí. Então era a única forma da gente aprovar isso, não é?
A.N. – Deixa eu endireitar... Você desabotoou... A lapela está puxando sua
A.N. – É. Rapidinho. Vamos pular, enfim, você campeão brasileiro em 1982, bi
e tri em 1983.
A.C. – Isso já foi falado.
A.N. – Já, então... Udinese também vamos pular. Vamos falar um pouco, nos
15 minutos que nos restam, na sua trajetória enquanto jogador da seleção. Você já falou
de 1970 também um pouco quando a Regina fez a questão. Então eu queria que você
falasse um pouco da sua estreia na sua seleção brasileira: quando foi isso, quando você
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estreou, quem foi o técnico, que recordações você tem dessa primeira copa que você
participou?
A.C. – O objetivo de todo jogador sem dúvida é chegar à seleção brasileira. Meu
sonho maior como jogador quando eu entrei para o futebol era um só: chegar a usar a
camisa 10 do Flamengo, que era do Dida, por ser meu ídolo, que era o grande ídolo da
nação, o ídolo da minha família. Meus pais sempre disseram que uma das primeiras
palavras que eu falei, depois de pai e mãe, era Dida. Porque quando eu tinha dois anos o
Dida foi quem fez os gols da final do tricampeonato em 1955. Aí era Dida pra lá, Dida
pra cá, na minha casa também, e o meu sonho sempre foi esse no futebol. Agora, é
lógico que quando você vai galgando certos degraus você quer chegar à seleção. Você
vê que tem capacidade, qualidade, desenvolve bem... É chegar à seleção, e eu não vou
ser diferente, eu queria chegar à seleção. Mas meu período de seleção não foi favorável.
Coisas que aconteceram que realmente não me ajudaram dentro da seleção. Eu estreei
até muito bem em 1976, que foi meu primeiro jogo contra o Uruguai, a gente ganhou de
dois a um, eu fiz o gol da vitória. Estava um a um, a gente estava jogando com nove
jogadores, o Nelinho, que tinha feito o primeiro gol, e Rivelino tinham sido expulsos.
Teve uma falta no final do jogo e eu fiz o gol de falta. O treinador era o Osvaldo
Brandão, ganhamos de dois a um do Uruguai. Aí três dias depois fomos jogar na
Argentina e a mesma coisa se sucedeu: um a um o jogo, outra falta e eu fiz o segundo
gol de falta, ganhamos de dois a um. Então aquela expectativa de estrear na seleção e
tal, isso foi bom. Aí veio a mudança danada, vieram as eliminatórias, no primeiro jogo
já o Brandão saiu, veio o Coutinho, aquela mudança toda, muita turbulência, nós
qualificamos. Teve um jogo, quando eu estava bem na seleção, ganhamos da Colômbia
e eu fui expulso, fiquei sem jogar três jogos, fui suspenso por três jogos. Dois desses
eram contra o Paraguai, na fase preliminar das eliminatórias, e tinha os dois últimos,
que o Brasil foi primeiro... A gente jogava contra o Peru e depois contra a Bolívia.
Contra o Peru eu não joguei. Os jogos foram na Colômbia, em Cali, aí foi um a zero.
Depois eu voltei ao time contra a Bolívia, nós ganhamos de oito a zero, eu fiz quatro
gols, e nós fomos e classificamos pra copa. Então eu fui para a copa com muita
confiança, muita expectativa em relação a mim, a minha presença, minha participação.
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Só que veio o primeiro jogo... Até comecei bem, dando uns passes bons, mas o time não
foi bem. A gente empatou o jogo com a Suécia de um a um, campo horroroso, o campo
parecia um charco, parecia um pasto, a gente começava a correr a grama saía. Era um
negócio assim horroroso. E aí na última bola do jogo tem um corner, o Nelinho bateu,
eu fiz o gol de cabeça, seria o gol da vitória, aí o juiz foi e terminou o jogo com a bola
dentro do gol e disse que terminou com a bola no ar. Quer dizer, em dois segundos ele
conseguiu apitar e terminar o jogo. Quer dizer, numa batida de corner... Então ali já
começou o prenúncio de que as coisas não iam funcionar bem. Aí dali veio o segundo
jogo, o Brasil não jogou bem contra a Espanha, eu já fui substituído, aí não joguei,
entrei mais alguns jogos contra Argentina e Peru, e veio o último jogo contra a Polônia,
eu entrei de titular, com um minuto de jogo arrebentei o adutor, saí machucado... Então
a copa foi realmente desastrosa pra mim. Lógico, muitas críticas em relação à minha
participação e corretas, lógico, porque eu não tinha rendido aquilo que esperavam, mas
eu segui em frente. Eu me recuperei, aí veio o Flamengo com aquelas conquistas todas.
Veio 82, aquele timaço da seleção brasileira, e a gente vinha fazendo uma grande Copa
do Mundo até que acabamos eliminados pela Itália. Mas eu acredito que não tenha
decepcionado pela forma como eu me apresentei em todos os cinco jogos da seleção. Eu
acho que se aquele time tivesse vencido aquele jogo, tivesse conquistado o título, seria
um time inesquecível dos últimos anos...
R.M. – Continua sendo inesquecível. Sempre...
A.C. – [Risos] É um time que, mesmo não ganhando, entrou no rol das seleções
que ninguém esquece: como é a Holanda de 1974, como é a Hungria de 1954, como é o
Brasil de 1950... Então eu acho que aquele time mostrou um futebol maravilhoso. E aí
eu continuei, fui pra Itália... Tinha já esquecido um pouco de seleção porque naquele
período a dificuldade era grande dos jogadores que estavam na Europa virem para a
seleção. Tanto é que eu fiquei algum tempo sem participar porque os custos eram muito
grandes, a CBF não tinha receita e os clubes lá da Europa queriam que a CBF pagasse
os salários dos jogadores, e a CBF não concordava. Então não vinha ninguém pra cá. Eu
acabei vindo depois, em 1985, quando houve a mudança do Evaristo9 para o Telê10. O
9 Evaristo de Macedo, ex-treinador e futebolista brasileiro.
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Telê repatriou todo mundo e aí a gente disputou as eliminatórias. Foi assim: chegamos
uma semana antes dos jogos e aí classificamos o Brasil e fomos para 1986. Só que nesse
período eu voltei ao Brasil, tinha tido um problema no joelho e aí ficou aquela luta,
aquele drama: opera, não opera, opera... Eu queria operar, fomos para a copa, eu já tinha
tido aqui alguns jogos... Fiz um jogo maravilhoso contra a Iugoslávia e três dias depois
fui jogar de novo contra o Chile e arrebentei o joelho. Aí fui para São Paulo, pedi ao
médico, pedi ao chefe da delegação, ao presidente para ser cortado que eu tinha um
problema, precisava operar, o médico sabia que eu precisava operar. E o que aconteceu?
Eu fui para a Copa, ficamos lá no México, aquela batalha, fazendo treinamentos
especiais e tal. Um dia que o Mozer se machucou, foi para os EUA operar e eu pedi ao
médico para ir junto e nada, e nada. Parecia que eu estava adivinhando alguma coisa
que vinha pela frente. Fui para... Entrei na lista. Veio o primeiro jogo, eu fiquei de fora,
veio o segundo que eu ia jogar, de início, na véspera do jogo eu senti um problema no
joelho, recuperei, fui para a reserva para o terceiro jogo contra a Irlanda, entrei, contra a
Polônia a mesma coisa, entrei, e contra a França também. Então, quer dizer, os
problemas vinham acontecendo, eu sabia disso, e aí teve o lance do pênalti que assim
que eu entrei acabei perdendo. Lógico que o Brasil acabou sendo eliminado depois na
disputa de pênaltis. E fica sempre aquela marca. As pessoas que não tem o que falar vão
falar: “Perdeu o pênalti”, “Amarelou”, “Não é jogador de seleção”. Essas coisas todas.
Então a gente carrega essa marca em função das coisas que aconteceram na seleção: o
fato de a gente ter sido uma geração de futebol bom, reconhecido por todo mundo, mas
que infelizmente não conquistou uma copa. Mas eu acredito que as nossas derrotas
tenham sido importantes para o futuro da seleção, das coisas que poderiam ser feitas.
Então a gente paga um preço muito alto por isso, mas é a vida. Eu não tenho que
reclamar de nada. O futebol me proporcionou tanta coisa boa. Se na seleção não era
para ser, não deram certo as conquistas, se não deu certo em algumas coisas que
aconteceram, então, eu acho que são coisas que a gente entrega a Deus e vai em frente.
O importante é a gente ter a cabeça erguida, botar a cabeça no travesseiro e saber que
trabalhou, que fez o melhor. Eu me sacrifiquei muito para tentar estar em condições de
10 Telê Santana da Silva, ex-treinador e futebolista brasileiro.
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jogar aquela copa. Tenho testemunhas, pessoas que acordavam comigo às sete da manhã
para ficar fazendo musculação o tempo todo, que sofreram junto comigo. Mas não foi
possível, paciência, faz parte da vida. Não tenho do que reclamar não. Gostaria muito de
ter tido sucesso, uma conquista com a seleção, mas não foi possível, paciência.
R.M. – E como era o clima com a comissão técnica e os dirigentes? Parece que
não havia muita harmonia...
A.C. – Não, não... Até que em 1982 a harmonia existiu. Nós tínhamos o
[INAUDÍVEL] que tinham um bom relacionamento, e com a comissão técnica também,
com o Telê, com o Gilberto tinha... Eu acho que o clima era de harmonia. Eu acho que
nós pagamos um preço de erros individuais. Em jogos mata-mata, que podem definir
uma classificação, você não pode se dar o direito de errar. O Brasil que tinha ganhado
quatro partidas até ali, a primeira que perdeu foi eliminado. A Itália que tinha empatado
três, classificou por diferença de gols, ganhou uma partida, ela ganhou da gente, nós é
que fomos eliminados. A Copa do Mundo é isso. É diferente de um campeonato. Eu
acho que se fosse um campeonato dificilmente aquele time perdia. Um dia vai dar
errado, mas durante a competição toda não. E a Copa do Mundo é assim: um dia você
vai mal, esse dia pode ser fatal. E foi o que aconteceu com a gente. Não quero dizer com
isso que a Itália não merecesse. A Itália jogou melhor, jogou nos nossos erros e venceu
com toda a justiça.
R.M. – Depois teve o pênalti do Rossi... você acha que a torcida brasileira...
A.C – Do Baggio.
A.N. – Nossa, você acelerou, já cobriu um monte de coisa que a gente ia te
perguntar, então, só para fechar... Na sua trajetória...
A. C. – Eu vou só falar sobre o Flamengo, que eu não falei de 1987.
A.N. – Isso. Depois a gente fecha com... Fala, fala...
A.C. – Depois de toda aquela fase maravilhosa de Flamengo, nós ainda... As
últimas gotas foram colocadas no campeonato brasileiro de 1987. Eu acho que foi um
dos melhores times que o Flamengo fez depois daquele de 1981. Era praticamente uma
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seleção brasileira. Talvez daquele nosso time só o Ailton não tenha ido à seleção, o
resto todo mundo. Tivemos cinco campeões mundiais em 1994 daquele time. Foi um
campeonato dos mais difíceis porque ninguém acreditava, todo mundo achava que a
gente já era veterano e que o time estava mais pra master do que para time de futebol. E
a gente foi superando todas as barreiras, batendo todo mundo e ganhamos aquele título.
Foi um título muito significativo para mim, primeiro, porque tinha uma cobrança dentro
da minha casa do Tiago que queria ver o pai campeão e não tinha visto ainda. Ele estava
com quatro anos e já tinha aquela coisa de Flamengo, dos filhos e tal, e já estava
começando a entender e queria ver o papai ser campeão. “Quero ver o papai ser
campeão”, essa coisa toda. E aí, quando chegou no jogo do Santa Cruz, que eu fiz o
terceiro gol de falta, que deu a classificação para a fase final, na comemoração eu caí de
mal jeito e arrebentei o meu joelho: soltaram os pontos que eu tinha tido no menisco. A
gente escondeu isso de muita gente para poder jogar. Eram jogos seguidos. Meu joelho
inchava. Eu joguei o primeiro jogo contra o Atlético, no segundo tempo saía, jogava o
outro, saía, e foi assim até o final. Fui me desdobrando para poder jogar e poder ajudar
naqueles quatro jogos. Ganhamos do Atlético duas vezes, empatamos com o Inter e
ganhamos a final. Comemoração, aquela festa toda, e no dia seguinte ao título eu estava
em uma mesa de cirurgia fazendo minha quarta ou quinta cirurgia. Depois vem aquela
história de querer tirar o título, que o Flamengo não era campeão brasileiro e tal. Isso eu
não aceito de jeito nenhum. Eu apanhei de tudo que é jeito, sofri, principalmente aquele
último mês, e ganhamos no campo, ganhamos das melhores equipes, ganhamos da
verdadeira primeira divisão do Brasil. Então eu acho que o verdadeiro campeão
brasileiro é o Flamengo de 1987 e foi um título marcante para mim, encerrando minha
carreira cheio de problemas, superando tudo e conseguindo uma façanha... Podendo
jogar ao lado de uma das melhores equipes formadas pelo Flamengo.
A.N. – Mas sua despedida como jogador profissional foi em 1990, não é isso?
A.C. – Foi em 1990. 6 de fevereiro de 1990. Dia seis inclusive é um dia legal
porque tenho dois netos que nasceram no dia seis. [risos] Um de março e outro de
novembro. Então, é lógico que eu procurei me preparar de todas as formas. Eu encerrei
mesmo com a minha cabeça... em julho, se eu não me engano, quando daquele jogo
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com o Botafogo em 1989. Ali eu terminei. Como o Flamengo vendeu o Bebeto para o
Vasco, o Gilberto Cardoso, que era o presidente, veio falar comigo: “Poxa, dá para você
esticar até dezembro e tal... O Brasileiro é importante. Com essa coisa do Bebeto... A
gente teve que vender ele, a torcida...”. Eu falei: “Está bom, vou esticar. Eu só quero
liberdade, porque eu quero tratar do meu jogo. Eu tenho que viajar para a Europa, para
fazer o convite, para preparar meu jogo... A pessoa que vai organizar mora na Europa e
ele tem que vir aqui, eu tenho que visitar os clubes para fazer o convite aos jogadores...”
E ele: “Está bom”. E aí alguns jogos eu não joguei. Preparei tudo, a gente terminou o
ano, encerrei o meu último jogo lá em Juiz de Fora com o Fluminense e depois preparei
tudo para a gente fazer aquela festa em fevereiro, dia seis. Foi uma festa muito bonita,
marcante. Eu só tenho que agradecer à torcida do Flamengo por ter estado lá presente
numa terça-feira à noite, quase cem mil pessoas, em um momento que o Flamengo não
estava bem no seu profissional. Mas a torcida esteve lá em reconhecimento à todos os
anos que eu dediquei. Então foi uma festa marcante, bonita e que eu vou guardar para o
resto da vida.
A.N. – Em termos de carreira internacional você jogou no Udinese em 1983 e
1985, a gente vai ter de passar batido por causa do relógio e correr... [riso] Depois você
vai para o Japão. Eu acho que depois que você vai para o Japão aquela coisa da
bandeirinha de um lado e a bandeirinha do outro mudou [risos], porque os japoneses a
partir da sua ida passaram a gostar de futebol.
A.C. – Eu acho que o Udinese foi uma experiência importante na minha vida.
Foram dois anos jogando num grande centro. Naquele período ali estavam os maiores
jogadores do mundo jogando nos seus clubes. Lógico que se tivesse de escolher... Não
estar em Juventus, em um Inter de Milão, em um Milan, equipes que brigavam pelo
título... Mas naquele período ver que nem assim aconteceu porque o Roma ganhou um
título e no ano seguinte foi o Verona, porque tinha grandes nomes, dois grandes nomes
em cada clube. No Verona tinha um alemão e um dinamarquês quando ganhou. No
Roma tinha o Falcão, quando foi campeão... Não, foi Verona em um ano e Juventus,
Roma tinha sido campeão antes. O Juventus ganhou com o Platini e com o
[INAUDÍVEL]. Eu acho que foi uma experiência gratificante. O Udinese tinha um
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projeto de uma grande equipe. O primeiro ano foi maravilhoso. No primeiro ano a gente
conseguiu até a última rodada estar entre os cinco primeiros. Eu tive uma contusão no
jogo final. O Edinho se machucou, então a gente acabou perdendo o último jogo. E de
quinto fomos para nono, mas por causa de um ponto de diferença somente. E pela média
de gols eu fui o artilheiro da competição, tive uma média de quase um gol por partida.
Essa média, de 15 times, nunca mais foi batida, com relação à média de gols. E o nosso
time revelou muita gente. Uns seis jogadores que eram jovens foram ter sucesso no
Nápoles, no Juventus, no Inter, no Roma, no Milan. Só que quando estavam chegando
na reta final do campeonato, o nosso diretor, que era um grande conhecedor de futebol,
ele brigou com o presidente e o presidente não sabia nada de futebol. Ele sabia das
empresas dele e quis comandar o futebol e a coisa degringolou, ele vendeu todo mundo.
No segundo ano a gente lutou para não cair, conseguimos nos salvar, mas isso acabou se
tornando uma decepção muito grande. Eu tive problemas de contusão e acabei voltando
para o Brasil em um projeto idealizado pelo Rogério Steinberg, que foi um projeto
muito legal, me repatriou e eu voltei ao Brasil. Mas foi uma experiência grande. Quanto
ao Japão, foi uma situação totalmente à parte. Estando como secretário, eu acabei indo
ao Japão para fazer um jogo amistoso de master entre Europa e América do Sul. E como
eu havia recém terminado de jogar, ainda estava em forma, acabei tendo muito destaque
lá, sendo o melhor do jogo. E os japoneses, que estavam com a ideia da
profissionalização. Um japa lá cismou: “Não, você tem que vir aqui, vai jogar porque
você dá para jogar”. Ele veio ao Brasil, me convenceu, eu estava saindo da secretaria
também, só que eu estava há um ano e meio sem jogar futebol. Aí eu expliquei para
eles: “Eu faço o contrato, mas durante três meses eu vou me preparar, se eu não
conseguir voltar eu fico aqui os três anos. Se vocês quiserem eu fico como técnico,
administrador, roupeiro, o que vocês quiserem. Mas jogar não. Me dá esses três meses”.
E aí eu fiz um trabalho de preparação aqui no próprio Flamengo durante quase um mês,
recuperei minha forma e fui para lá jogar. Comecei a jogar, a diferença de qualidade era
muito grande e, na segunda divisão, acabei sendo artilheiro do campeonato. Nosso time
precisava ficar entre o primeiro e o segundo colocado para se tornar profissional. A
gente ficou em segundo, ficamos em segundo porque eu tive uma distensão e não joguei
os últimos quatro jogos e aí o time acabou perdendo e a gente ficou fora do título, mas
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ficamos em segundo e o time foi para a liga profissional. Porque lá não basta... Você
tem uns requisitos para ir para a liga profissional, mesmo você sendo campeão. Se você
não atingir esses requisitos você não sobe. E naquela época mesmo que a Sumitomo11
atingisse todos os requisitos tinha de ficar na segunda, e primeiro ou segundo, se ficasse
em terceiro não ia. Tanto é que o que ficou em primeiro acabou não querendo ser
profissional. Não foi para a liga profissional e nós fomos. Então a liga profissional
começou com dez times e eu joguei o primeiro ano, mas foi um trabalho minucioso, de
garimpar mesmo, de você mostrar para os caras o que é profissionalismo, o que é
marketing, como é que deveria se comportar o jogador; como funciona um roupeiro, um
supervisor, um departamento médico. No Kashima eu acabei, com as condições que eles
estavam me dando, organizando isso tudo e o Kashima se tornou uma grande referência
no Japão por causa disso. O Kashima estava sempre em vanguarda, sempre vindo com
uma coisa nova. Eu acho que esse foi o grande mérito lá. Quer dizer, não basta só ter
dinheiro, você tem de acreditar também, colocar coisas que poderiam ser bem aceitas
pelo futebol de lá e eles acreditarem em mim também. Tenho certeza que se eu disser
que essa mesa é azul eles vão tentar olhar de alguma forma que tenha algum azul ali.
“Pô, o cara está falando que tem azul ali. É cinza, mas eu acho que tem um pouquinho...
Entendeu?” [riso]. Eu acho que o japonês é muito assim. Ele demora a acreditar, mas
quando ele confia ele vai até a morte.
A.N. – Isso é coisa de fanatismo não é? Quando eles gostam...
A.C. – Não vou dizer fanatismo não, eles são muito possessivos. Eles querem ter
você de qualquer jeito. Você não estando lá, você subiu... A gente costumava dizer que
quando você pega o avião de Narita os caras já não sabem mais quem é você. Eles
querem ter você lá, te usar lá, te pegar lá para que você fique por lá. Aí você está todo
dia no jornal... Eu lembro muito do Ayrton Senna. Quando ele estava na Honda todo dia
eram duas páginas, três páginas e tal. Quando ele foi para a Williams só saía o nome
dele nos jornais quando tinha corrida, porque só saía o dos outros, da Honda. Eu: “Pô,
não é possível”. Mas aí teve o acidente e tal, Deus levou e aí manteve aquela coisa. 11 Antes de sua ascensão para a J-‐League, 1ª divisão do campeonato japonês, o time Kashima Antlers
F.C, chamava-‐se Sumitomo Metals.
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Mas o japonês é muito disso. Você estando lá, estando com eles, está tudo bem, agora
saiu de lá, pegou o avião em Narita... [riso]
A.N. – A sua última partida pelo Kashima, em 1994, foi contra o Flamengo não
é? Você não ficou triste?
A.C. – Não, foi uma festa bonita, uma festa legal, eu acho que levar o Flamengo
lá... Foi uma coincidência incrível, porque quando o Carlinhos12 parou de jogar, o
Carlinhos me deu a chuteira dele no Maracanã. E quando eu parei de jogar o Carlinhos
era o técnico do Flamengo e eu pude entregar minha camisa para ele. Então foi bacana,
foi muito legal. Eu consegui, através disso, levar o Flamengo para jogar e fazer essa
festa bonita lá em Tóquio e foi muito bacana, muito bonita.
A.N. – Depois você foi diretor durante alguns anos lá no Kashima e em fim...
A.C. – A gente vai deixando de lado a história de técnico. Outro dia a gente faz
outro museu para falar de técnico...
A.N. – Você só cita então. A partir daí você entrou numa trajetória de treinador,
não é? Seleção do Japão... Basta citar, não precisa entrar em detalhes.
A.C. – Eu vou dizer o seguinte: através do Kashima, eu fui praticamente tudo lá
– do jogador ao, digamos, diretor técnico, auxiliar, massagista, roupeiro, treinador de
goleiro, fisioterapeuta –, eu procurei dar orientação de tudo o que é necessário para o
futebol, diretor de marketing, tudo. Só não fui presidente do clube. Lógico que por esse
trabalho e pelo desenvolvimento do Kashima, o clube teve um crescimento muito
grande. Em um período em que a coisa não estava boa, eu assumi como técnico. O
Kashima, pela primeira vez na sua história, estava para cair, estava nas últimas
colocações. Eu assumi durante seis meses e a gente conseguiu dar uma revigorada,
chegamos em quinto ainda no campeonato. Das 12 partidas eu estava para jogar eu
ganhei dez. Isso deu uma revigorada e um olho do presidente da liga, que passou a ser
presidente da federação, de que eu deveria ser o técnico da seleção. E foi aí que
12 O entrevistado se refere ao ex-‐técnico do Flamengo, Luís Carlos Nunes da Silva, mais conhecido como
Carlinhos, que esteve no comando do time rubro-‐negro em 1994.
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começou a minha vida de técnico. Mas eu acho que a minha história de técnico eu vou
deixar para outro depoimento.
A.N. – Pois é, mas em 2014, você vai ser nosso adversário como técnico?
A.C. – Não sei [risos]. Espero... Não ser adversário do Brasil, mas espero estar
aqui.
R.M. – Eu tenho uma prima que mora na França, 50% francesa, que ela disse
que uma das vezes que você fez ela chorar foi quando ela viu o sorteio Japão e França.
Aí ela começou a chorar por sua conta.
A.C. – Japão e Brasil.
A.N. – Zico, enfim, eu sei que seu tempo é super precioso. Você dedicou
algumas horas aqui para a gente e só queremos agradecer. Você só preenche... Porque
depois que você assinar eu vou mandar isso de volta... Só precisa assim... Tudo mais eu
preencho, só preciso do número da sua carteira de identidade e assinar as quatro... E