Publicado originalmente em: ALMEIDA, M. G. (Org.). Abordagens
geogrficas de Gois: o natural e o social na contemporaneidade.
Goinia: UFG, 2002. GOIS: NOVAS REGIES, OU NOVAS FORMAS DE OLHAR
VELHAS REGIES Tadeu Pereira Alencar Arrais1 1 - CONSIDERAES
INICIAIS O presente artigo tem como tema central a constituio do
conceito de regio na sua relao com a geografia regional do Estado
de Gois. A articulao entre o conceito e a realidade estudada a
partir da considerao dos processos que conduziram a atual formao
regional do Estado, levando em conta a dimenso tcnica como
promotora das diferenciaes regionais a partir da dcada de 1970.
Para exemplificar essa diversificao, apresentamos um breve estudo
comparativo entre duas regies, a Sudoeste e a Nordeste, e os
discursos regionais que as classificam como modernas e atrasadas.
Nosso objetivo colocar em pauta a geografia de Gois sob o enfoque
regional. 2 - REGIO E GEOGRAFIA A relao entre uma cincia e seu
aporte terico, constitudo por categorias e conceitos que lhe
permitem, em determinados perodos e sob circunstncias particulares,
aproximar-se da realidade, sempre contraditria, cheia de tropeos e
carregada de incertezas. Com a geografia no diferente. A constante
reformulao terica dessa cincia demonstra sua preocupao em perseguir
a realidade, o movimento. A ateno particular com o movimento
extremamente positiva, o que nos obriga uma reviso constante das
muitas categorias e conceitos utilizados na geografia. Dentre essas
categorias, a regio vem despertando muito interesse por parte dos
gegrafos contemporneos, muito embora, dentre estes, tambm existam
aqueles que apostam na desvalorizao do conceito e da prpria regio.
Para os que acreditam na perspectiva de uma leitura da sociedade
que exclui a diferenciao espacial
1
O autor agradece as atentas observaes do professor Dr. Antonio
Teixeira Neto. Mestre em Geografia pelo Instituto de Estudos
Scio-Ambientais (IESA / UFG) e professor da UFG e da UEG.
2
propondo ou aceitando o discurso da homogeneidade dos espaos, a
tarefa agora parece ser a de provar, apoiado na anlise emprica, que
a regio desapareceu. Aos que acreditam na persistncia da regio, a
tarefa parece ser semelhante, ou seja, provar que a regio nem havia
desaparecido, muito menos surgiu repentinamente como cogumelos aps
um curto perodo chuvoso. Dado insofismvel que a regio, em
diferentes perspectivas, sempre existiu, seja como um recorte
natural, social, cultural, econmico, histrico, simblico, ou mesmo
poltico administrativo. O fato que estamos mergulhados, de uma
forma, na regio, de outra, no discurso regional. Em outras
palavras, as geografias regionais ganham relevo na anlise do perodo
atual. Basta lembrar que, no sculo passado, entre declnios e
ascenses, muitas foram as geografias que valorizaram e muitas as
que desvalorizaram a regio. Entre as que desvalorizaram podemos
citar a Nova Geografia, como j anotou Guelke (1982). A Nova
Geografia2, interessada na construo de modelos, na busca de leis e
padres que pudessem resultar no reconhecimento de reas com
determinados graus de homogeneidade, no valorizou os estudos
regionais, o que no significa que as regies, as diferenciaes
regionais, no existissem. A seduo pelo novo, a possibilidade de
transformar o concreto em sistema numeral de relaes, impediu, at
certo ponto, o reconhecimento das regies produzidas pelo modo de
produo dominante, o que de fato foi reconhecido por outras
geografias. A chamada Geografia Ativa, por exemplo, trouxe para o
debate outros componentes para a anlise regional, dentre os quais a
questo do contedo histrico, das relaes ou laos entre os habitantes,
da influncia do centro enquanto elemento dinamizador da regio, alm
da noo de escala, que permitiu compreender a regio como parte de um
conjunto maior, articulado pelas redes, uma espcie de subsistema
dentro dos limites do Estado Nao. O que se colocou foram relaes
funcionais de uma regio entendida como campo de ao do gegrafo.
Assim, a idia de equilbrio da Nova Geografia, como tambm a de
permanncia da regio personagem vidalina3, no se encaixavam com a
realidade da
Associar a evoluo do conceito de regio s escolas ou correntes
geogrficas no deve impedir que se reconhea a diversidade de
conceitos no interior da prpria escola ou mesmo corrente. 3 A regio
personagem vidalina, conceito obstculo criticado veementemente por
Lacoste (1993), pelo seu contedo ideolgico, era (em alguns casos
ainda ) considerada pelos gegrafos como um dado eterno, produto da
geologia e da histria (1993:63).2
3
organizao de um espao marcado por graus de desenvolvimento
diferenciados, desiguais e combinados4, no sculo XX, seja na Europa
ou mesmo nos pases subdesenvolvidos. Essa temtica, sob a influncia
do marxismo, foi transportada para a Geografia e para o estudo
regional. A regio, sob essa orientao, passou a ser considerada
enquanto parte de uma totalidade maior, articulada por relaes de
produo capitalistas. Dessa forma, a incorporao de elementos do
pensamento marxista contribuiu positivamente para uma mudana no
modo de os gegrafos enxergarem a regio e a prpria Geografia, que
havia, por vezes, pretendido assumir uma postura neutra diante das
questes sociais.5 Os modelos anteriores tornam-se inoperantes. A
regio exigiu, reivindicou um novo olhar.6 O novo olhar, ou como
alguns preferem, o retorno regio, nos impe a tarefa de visitar
determinadas idias da geografia, a partir de uma cartografia
renovada, com uma viso de escala que v alm das convenes matemticas
e que possibilite compreender a complexidade do conceito de regio.
Para Fremont (1980:17): Redescobrir a regio pois procurar capt-la
onde ela existe, vista pelos homens. Outros autores tem alertado,
sob diferentes ngulos, para a necessidade de a geografia revisitar
a regio. Gomes (1995), Thrift (1996), Rochefort (1998), Lencioni
(1999), Silva (1999), Haesbaert (1999), entre outros, em suas
anlises, apontam para aspectos que vo desde a constituio histrica
dos discursos regionais, ressaltando que tal conceito sempre
expressou influncias dos modelos epistemolgicos e modos de pensar a
geografia e o mundo, bem como as influncias e ambies daqueles que
produzem intencionalmente o conceito, at a necessidade de um
conceito de regio que ultrapasse a idia de contiguidade,
reconhecendo o importante papel das redes, bem como a simples
delimitao ou mesmo reconhecimento de rea sob determinado grau de
homogeneidade. A considerao do grau de homogeneidade tornou-se
insuficiente, enquanto parmetro de anlise, para se pensar a regio.
Alm da homogeneidade,4 Segundo Smith (1988:139): O desenvolvimento
desigual a manifestao concreta da produo do espao sob o
capitalismo. 5 Nesse sentido, vale recordar a concepo de regio
adotada por Oliveira (1977:29), que muito influenciou os gegrafos.
Segundo o referido autor: Uma regio seria, em suma, o espao onde se
imbricam dialeticamente uma forma especial de reproduo do capital,
e por conseqncia uma forma especial de luta de classes, onde o
econmico e o poltico se fusionam e assumem uma forma especial de
aparecer no produto social e nos pressupostos da reposio. 6 Esse
novo olhar passa pela busca de novas referncias tanto para a
cincia, como para a geografia. Em se tratando da regio essa uma
tarefa rdua, especialmente se considerado que essa categoria, para
alguns, perdeu o sentido. Nada melhor, para contra-argumentar, que
as palavras de Castro (1997:62): Melhor que discutir se h ou no
validade explicativa para o conceito de regio, pois este um falso
debate, buscar um novo olhar capaz de visualizar fatos novos que
nos permitam compreender a realidade, projetada em diferentes
escalas e que se reflete em cada uma delas.
4
em uma poca veloz como a nossa, devemos considerar os agentes
que produzem a diferenciao regional. Essa diferenciao regional,
muitas vezes, escapa aos procedimentos de regionalizao, uma vez que
no perodo tcnico cientfico informacional os espao transformam seus
contedos em velocidade sempre crescente. A localizao de grande
empresa, a produo de um determinado produto agrcola. Nunca a idia
de estabilidade e permanncia, em se tratando da regio, foi to
relativa. No entanto esse relativismo (redes), muitas vezes
utilizado para condenar a regio, reafirma sua existncia sob outras
contradies. em funo da produo e reconhecimento das diferenas, As
diferenciaes regionais, sejam de ordem econmica, simblica ou mesmo
natural, o que nos faz pensar a regio enquanto um espao possvel de
ser cartografvel. Devemos estar cientes que a prpria diferena no se
explica por si s, ou melhor, resultado de produes que acontecem a
acontecero em espaos aparentemente distintos. A questo que a
realidade sempre mutante, mais que a ortodoxia acadmica que muitas
vezes transformam os conceitos em definies, tem contribudo para a
reformulao constante do conceito de regio. No h outra sada possvel.
O perodo atual exige novos parmetros de anlise. Mais que nunca a
dimenso tcnica na produo e reproduo do espao deve ser considerada.
Os fluxos de informaes nem sempre visveis, mostram que os limites
regionais vo alm dos recortes ditos naturais. Os ritmos regionais
tambm mudam devido aos acrscimos de velocidade que colocam em xeque
vises cristalizadas de conceitos de regio natural, regio geogrfica
e regio homognea. Esses conceitos, muitos dos quais considerados de
modo fechado ainda sobrevivem em algumas geografias presentes; um
exemplo claro a geografia que se ensina e ensina o Brasil a partir
das regies, para lembrar a crtica de Moreira (1987). A usual diviso
regional do Brasil pode colocar em prova nossas reflexes, pois
conduz os olhares para um pas, ainda, organizado em grandes regies
dotadas de singularidades e historicidades deterministas.
Extra-oficialmente, podemos dizer, a diviso de Fbio Guimares com
base em variveis naturais ainda sobrevive enquanto representao
ideolgica nos discursos cotidianos e acadmicos. O Nordeste sempre
seco e pobre, com seu futuro subordinado histria colonial, e no ao
presente das relaes da indstria e do turismo, como tambm da
agricultura moderna do Novo Nordeste, para lembrar Haesbaert
(1996). O Norte, concebido enquanto espao extico, despovoado
segundo a densidade do Sudeste que por muito tempo pensou a regio,
representado pela aparente
5
fora e rigidez da floresta amaznica, esconde relaes sociais
diferenciadas daquelas mostradas pela homogeneidade da cobertura
vegetal. O Sudeste, sempre industrializado, moderno, por vezes
apresentado enquanto parmetro comparativo para mensurar o
desenvolvimento das demais regies. Nessa perspectiva o conceito de
regio transformou-se em definio de regio, empobrecendo e limitando
as anlises, cristalizando, congelando no tempo e no espao, relaes
pretritas, como se a histria e a geografia no oferecessem
indicativos de mudanas. O que colocamos em questo uma maneira
particular de a geografia olhar, primeiro, para o conceito
cristalizado de regio, depois, para a realidade. Agindo assim a
geografia identifica regies segundo padres e modelos a priori,
quando deveria recompor constantemente, e no simplesmente
identificar, as regies. Nesse ponto devemos fazer referncia
proposta de Haesbaert (1999:28) que faz distines entre regio
enquanto conceito e a regionalizao como procedimento metodolgico
para a geografia regional. Segundo o referido autor: Enquanto a
regio adquire um carter epistemolgico mais rigoroso, com uma
delimitao conceitual mais consistente, a regionalizao pode ser
vista como um instrumento geral de anlise, um pressuposto
metodolgico para o gegrafo e, neste sentido, a diversidade
territorial como um todo que nos interessa, pois a princpio
qualquer espao pode ser objeto de regionalizao, dependendo dos
objetivos definidos pelo pesquisador. Acreditamos que esse seja um
dos caminhos possveis para se pensar a regio e entend-la na sua
relao com o real. Sob esse prisma procuraremos olhar regionalmente
para o Estado de Gois, para tanto vamos recompor rapidamente a sua
construo regional a partir da dcada de 1970, momento que a tcnica
passa a ser um dado importante na produo de novas relaes e regies
no territrio goiano. 3 - VELHAS FORMAS DE OLHAR NOVAS REGIES Foram
muitas as formas encontradas ao longo da histria do Estado de Gois
para caracteriz-lo, dividi-lo em regies. A primeira talvez tenha
sido aquela guiada pelas representaes de um serto distante,
habitado por ndios. Com a descoberta das minas as representaes
mudam. A possibilidade de riqueza conduziu para as regies aurferas
do Estado de Gois o aventureiro, como tambm, aps o auge da
atividade aurfera, o semeador, para fazer referncias a Holanda
(1996). Lentamente, a partir do sculo XVIII, o povoamento no
6
Estado ocorre de maneira desigual, seguindo, naturalmente, o
caminho do ouro. Desse momento em diante, a geografia regional do
Estado de Gois no ser a mesma. A minerao do ouro, sculos atrs, j
afirmava uma diferena expressiva entre o Sul e o Norte do Estado,
seja na poltica fiscal que privilegiou o Sul em detrimento do
Norte, no povoamento influenciado pelos stios urbanos aurferos de
Gois (1727), Cavalcanti (1740), Jaragu e Pirenpolis (1731), So
Domingos (incio do sculo XVIII) e Niquelndia (1735), entre outros,
e at mesmo na formao das mentalidades decorrentes da ruralizao da
vida aps a atividade mineratria, como bem anotou Palacin (1990). As
diferenciaes regionais entre o Norte e o Sul do Estado, desde o
incio da colonizao, j demonstravam o forte vnculo com questes que j
ultrapassavam os limites do Paranaba, do Araguaia, do Tocantins e
da Serra Geral de Gois. O Sul do Estado, pela proximidade regio de
So Paulo, centro econmico do pas, mostrou-se, no final do sculo
XIX, mais receptivo s novas formas de produo do Sudeste do Pas. J o
Norte, vazio do ponto de vista das atividades ditas produtivas,
veio a integrar-se definitivamente ao mercado nacional por ocasio
das polticas que visaram a integrao nacional e a construo da
BR-153, eixo rodovirio que cortou o Estado no sentido Norte - Sul,
facilitando, tambm, as vias de acesso Amaznia, fronteira econmica
importante para o pas. A localizao privilegiada do Estado de Gois,
ocupando o centro do pas, o tornou, em diferentes perodos do sculo
XX7, alvo de polticas territoriais nacionais. A Marcha para o
Oeste, a Edificao de Goinia, os Projetos de Colonizao Federal, o
Plano Rodovirio Nacional seguido da edificao de Braslia, a criao do
Estado do Tocantins, entre outros eventos, demonstram a importncia
desse territrio do ponto de vista de uma poltica voltada para a
integrao nacional. No entanto, a considerao da posio geogrfica
central e o papel das polticas pblicas seria insuficiente enquanto
parmetro de anlise para compreender a nova configurao regional do
territrio goiano a partir dos anos 1970. preciso considerar a
dimenso tcnica na produo de novas relaes regionais no territrio
goiano, para ento compreender os agentes que promoveram as
diversidades regionais. Tal atitude permitir compreender as
chamadas desigualdades regionais como conseqncias, tambm, da
incorporao seletiva de novas relaes tcnicas. Para empreender essa
tarefa partiremos da
7
A descoberta do ouro demandou uma nova poltica territorial para
o Estado, que inclua a criao da Capitania de Gois, uma poltica
tributria, alm da fundao vilas e arraiais.
7
proposta do IBGE (1991) que regionalizaou o Estado em
mesorregies e microrregies geogrficas. Consta no CENSO (1991:17)
que: As mesorregies geogrficas constituem o macro espao estadual e
foram identificadas a partir da anlise do processo social, do
quadro natural e da vida de relaes. Alm da delimitao do espao,
foram caracterizados os fatores que os explicam, buscando, dessa
forma, uma compreenso das diferentes realidades subregionais,
definindo e explicando o papel de cada espao no conjunto de toda
organizao espacial do estado.
MESORREGIO 001- NOROESTE GOIANO Aragaras 002 - NORTE GOIANO 003
- CENTRO GOIANO Goinia 004 - LESTE GOIANO 005 - SUL GOIANO
TABELA 01 ESTADO DE GOIS: DIVISO REGIONAL MICRORREGIO 001- So
Miguel do Araguaia / 002- Rio Vermelho / 003004- Porangatu / 005-
Chapada dos Veadeiros 006- Ceres / 007- Anpolis / 008 - Ipor / 009
- Anicuns / 010011- Vo do Paran / 012- Entorno de Braslia 013-
Sudoeste de Gois / 014- Vale do Rio dos Bois / 015- Meia Ponte /
016- Pires do Rio 017- Catalo / 018- Quirinpolis
Fonte: Anurio Estatstico do Estado de Gois. 1996. A diviso em
micro e mesorregies no foi a primeira diviso regional do Estado.
Antes a diviso regional obedecia a critrios explicitamente
naturais, onde variveis como vegetao, hidrografia, relevo, estavam
presentes na prpria apresentao da regio. Assim, para exemplificar,
no Norte Goiano tnhamos a regio do mdio Tocantins-Araguaia, a regio
da Serra Geral de Gois, como no Sul Goiano a regio da Serra do
Caiap, a regio da Vertente Goiana do Paranaba, bem como a regio do
Mato Grosso Goiano, hoje Centro Goiano. Devemos lembrar que nessa
diviso o Estado do Tocantins ainda no havia sido emancipado do
atual territrio goiano. J os atuais critrios utilizados pelo IBGE
para regionalizar o Estado de Gois, sob o ponto de vista das
mesorregies e microrregies, so bem diferentes dos anteriores, tendo
importncia significativa, especialmente se considerarmos o ponto de
vista administrativo, pois possibilitou a reunio de dados
censitrios seguindo os limites municipais, o que til
8
para o planejamento, j que essa tributria de um momento que o
planejamento regional foi valorizado por um Estado preocupado com
as questes regionais e a regionalizao dos espaos do pas, o que
colocou em evidncia a opo feita pelas regies homogneas e
funcionais. No entanto, isso no impede que faamos reflexes que
possam colocar em evidncia novas relaes construdas no espao
regional goiano, como, para exemplificar, tem sugerido Antnio
Teixeira Neto ao regionalizar o territrio goiano na perspectiva das
regies geoeconmicas8. Negar esse aspecto seria congelar, aprisionar
o real numa definio precisamos lembrar que os conceitos foram
elaborados levando em conta processos que hoje adquiriram uma
dinmica diferente. Esses novos processos, essa uma de nossas
hipteses, j podem ser identificados a partir da dcada de 1970,
quando um novo padro de reproduo espacial se impe seletivamente no
territrio nacional, com base crescente no contedo cientfico e
tcnico, criando um meio que Santos (1994) adjetivou de tcnico
cientfico-informacional. o espao sendo transformado pela tcnica e
pela informao, ganhando fluidez, rompendo as barreiras temporais da
comunicao entre empresas, pessoas e instituies, vencendo e
convertendo, a partir da intencionalidade mercadolgica, os
ambientes mais inspitos em recursos. Nesse momento o cerrado
torna-se, ento, uma regio intencionalmente agrcola. Os solos cidos
e de baixa fertilidade, com o uso do calcrio e de tcnicas agrcolas
especficas, foram convertidos em fatores de alta produtividade
agrcola, especialmente para a soja, cultura adaptada pelas condies
tecnolgicas desenvolvidas pela engenharia agrcola. Interessante
notar o papel da cincia, da pesquisa aplicada, que possibilitou o
cultivo da soja em um pas de climas e solos to diversos. Isso
ocorreu primeiramente nas terras do Sul do pas, e j nas dcadas de
1970 e 1980 atingiu o Centro-Oeste, incorporando reas do Estado de
Gois e continuando sua marcha na direo do Norte e Nordeste do pas.
Em Gois, a soja entra via regio Sul e Sudoeste do Estado, onde,
especialmente na ltima, os chapades revestidos pelo cerrado dito
improdutivo foram transformados numa paisagem verde e homognea,
como os cintures norte-americanos, dando indicativos de uma regio j
articulada com o processo produtivo internacional. A transformao do
cerrado em rea produtiva, segundo o modelo dominante, ocorreu
concomitantemente ao processo de urbanizao do Estado. Os dados
demogrficos8 Teixeira Neto (In: Gomes:1993) sugere a existncia,
entre outras, de quatro regies geoeconmicas. So elas: o Sudoeste
Goiano, o Mato Grosso Goiano, o Sudeste Goiano e o Corredor da
Belm-Braslia.
9
demonstram uma radical inverso das taxas de urbanizao do Estado
a partir da dcada de 1970. Se em 1960 apenas 37% da populao do
Estado viviam em cidades, em 1980, esse nmero passava de 60%.
Segundo dados do IBGE, em 1996, o ndice de urbanizao do Estado
atingiu 85,7%. Se considerarmos os resultados preliminares do Censo
2000, observamos que esse nmero de pessoas vivendo em cidades
ultrapassa os 87%, de uma populao total de 4.994.897. Isso
significa que 4.389.108 habitantes vivem em cidades. Essa urbanizao
do Estado, sendo observada do ponto de vista regional, nos leva a
consider-la em seu aspecto concentrado e seletivo. TABELA
02REGIONALIZAO E URBANIZAO POPULAO DO ESTADO 1996 2000MESORREGIO
NOROESTE GOIANO NORTE GOIANO CENTRO GOIANO LESTE GOIANO SUL GOIANO
ESTADO REA (Km2) 56.109.9 56.762.2 41.038.8 55.664.8 131.984.7
341.289,5 216.430 283.536 2301.727 733.060 981.115 4515.868 Total
219.390 282.544 2.531.312 904.777 1.056.873 4.994.897 Urbana
162.320 209.653 2.357.035 780.154 879.946 4.389.108 Rural 57.070
72.891 174.277 124.623 176.927 605.789
Fonte: Anurio Estatstico do Estado de Gois 1996 / Censo
Demogrfico 2000.
Os dados da tabela 02 demonstram a concentrao da populao nas
mesorregies do Centro, Sul e Leste Goiano. Mais de 89% da populao
do Estado esta concentrada nessas trs regies. Alm disso,
respectivamente, so as mesoregies mais urbanizadas do Estado. O
fator histrico do povoamento que segue, especialmente a partir do
incio do sculo XX, pelos trilhos da estrada de ferro, ou seja, pela
regio Sudeste do Estado, em contrapartida com o povoamento esparso
fomentado pela atividade pecuria e a agricultura tradicional da
regio Norte, bem como os processos espaciais que ocorreram com a
edificao de Braslia e seu Entorno podem nos auxiliar na explicao
dessas dinmicas regionais. Quando nos referimos ao dado demogrfico
na mesorregio do Centro Goiano, no podemos deixar de assinalar que
seu destaque se deve presena de cidades como Goinia, Aparecida de
Goinia e Anpolis, com 1090.581, 335.822, 287.666 habitantes,
respectivamente, em 2000. Goinia e Aparecida de Goinia fazem parte
da chamada microrregio de Goinia e Anpolis faz parte da microrregio
de Anpolis. Esses trs municpios representam mais de 67% da populao
dessa mesorregio, ficando o restante distribudo entre os mais de
setenta municpios restantes. O mesmo raciocnio pode ser
10
empregado se analisada a
urbanizao que tambm deve-se presena das j citadas
microregies de Anpolis e Goinia, com ndices de urbanizao que
ultrapassam em muito as outras microregies. A cidade de Goinia, por
exemplo, em 2000, apresentou uma populao urbana maior que 99,3%.
preciso anotar que essa mesorregio uma das mais dinmicas do Estado.
Para se ter uma idia, em 1991, do universo de 77 municpios, 14
apresentaram ndices de urbanizao abaixo de 50%. Em 2000, so apenas
seis municpios com populao rural maior que a urbana9. Alm disso no
perodo 1991/1996 registrou-se um maior crescimento das cidades do
entorno de Goinia em detrimento da capital do Estado. Enquanto
Goinia, no referido perodo, cresceu 1,72%, Aparecida de Goinia,
Senador Canedo, Trindade, cresceram 8,30, 13,11, e 5,25,
respectivamente. No perodo 1996/2000 o entorno continuo a crescer
mais que Goinia e o Estado, tendo Aparecida de Goinia, Senador
Canedo e Trindade apresentado taxas de crescimento geomtrico de
6,01, 4,62 e 4,62, respectivamente. Outras cidades como
Bonfinpolis, Goinia, Nerpolis, Santo Antnio de Gois, cresceram
5,53, 5,39, 5,07 e 6,23, no mesmo perodo, o que pode significar,
seguindo um raciocnio que no se contenta com a dado esttico, que
Goinia continua em expanso, uma vez que as cidades do entorno tambm
vivem, consomem e produzem em Goinia. A produo, nesse sentido, vai
alm do dado material, passando para o simblico e cultural. Outra
questo importante que demonstra a particularidade dessa mesorregio
a rede urbana que se desenha entre Goinia e os municpios vizinhos,
alguns j em processo de conurbao. Anpolis, cidade que se encontra a
pouco menos de 50 km de Goinia, e os municpios do entorno de
Goinia10, concentram uma populao maior de quase dois milhes de
habitantes. A funcionalidade dessa regio h muito deixou de ser
determinada pelo padro de uso do solo para a agropecuria. Podemos
considerar outros componentes espaciais na definio das
funcionalidades para essa regio do Estado. possvel que o fluxo de
informaes, os sistemas de redes que ordenam a produo, a
funcionalidade administrativa, alm da grande concentrao de servios
pblicos nessa rea que abrange o aglomerado de Goinia, incluindo
tambm o municpio de Anpolis, plo industrial e farmoqumico do
Estado, possam fornecer novos parmetros que nos faam repensar a
regio. Anpolis, terceiraEsses municpios so: Guarinos, Pilar de
Gois, Santa Isabel, Santa Rita do Novo Destino, So Patrcio, na
microrregio de Ceres; Caldazinha, na microrregio de Goinia. 10 O
chamado Aglomerado Urbano de Goinia, com uma populao em 2000 de
1.664.072 habitantes, compreende 15 municpios, so eles:
Brazabrantes, Trindade, Nerpolis, Goinia, Santo Antnio, Senador
Canedo, Goianira, Abadia de Gois, Goianpolis, Aparecida de Goinia,
Bonfinpolis, Guap, Aragoinia, Hidrolndia e Bela Vista de Gois.9
11
cidade do Estado ponto de vista demogrfico, mas segunda em grau
de importncia scioeconmica, sedia o mais estruturado Distritro
Industrial do Estado, o chamado DAIA (Distrito Agroindstrial de
Anpolis)11, que vem, nos dias de hoje, passando por transformaes em
funo da instalao na rea do Distrito de um Porto Seco. O Porto Seco,
nome genrico da EADI (Estao Aduaneira do Interior), possibilitar,
segundo o discurso do Estado, uma maior integrao entre o
Centro-Oeste e o mercado internacional, uma vez que o objetivo
facilitar as importaes e exportaes, a partir de mecanismos
alfandegrios e de servios especficos, de produtos das mais
diferentes origens. Essa uma nova realidade para essa regio que
observa a possibilidade da revitalizao dos dormentes que chegaram
regio na dcada de 30 e a partir da dcada de 1970 no representam
mais que lembranas do tempo em que o progresso seguia o apito do
trem. Esse destaque dado regio de Goinia e Anpolis apresenta
indicativos de uma nova configurao que escapa ao padro tradicional
de regio. preciso entender que as funcionalidades mudaram, muitas
vezes ultrapassando o espao regional. Os meios informacionais que
agregam fluidez ao espao possibilitaram isso. Para se ter uma idia,
dos 597.365 terminais telefnicos instalados no Estado, em 1996,
364.796 encontram-se no municpio de Goinia. Das 594 agencias
bancrias privadas e estatais, operavam no Estado em 1995, 295
encontram-se nessa regio, sendo que dessas, 161 esto na cidade de
Goinia, o que pode demonstrar um nvel de articulao financeira maior
dessa regio com o Estado, o restante do pas e o mercado
internacional. O mesmo procedimento de anlise pode ser utilizado
para outras regies do Estado, como por exemplo a mesorregio
Noroeste, que corresponde, na sua quase totalidade, regio da
Estrada do Boi. A estrada foi estudada por Barreira (1997) como
recurso explicativo dessa regio que corresponde ao mdio Araguaia.
No a primeira vez que isso ocorre na histria de Gois. Em excelente
artigo, Neto (2000) estuda as influncias dos caminhos no
ordenamento do territrio Goiano, desde o perodo minertrio, at os
dias de hoje. O resultado um mapa da refuncionalizao dos caminhos
que partiram e partem para e do territrio Goiano. Os caminhos
imperiais e coloniais em busca do ouro, a ferrovia, as estradas
modernas como a BR 153, a 040 e 050, alm da GO 164 (Estrada do
Boi), no s promoveram os encontros, mas tambm possibilitaram a
apropriao11 Sobre a poltica de industrializao no Estado de Gois a
partir da implementao dos Distritos Industriais, especialmente o
DAIA, consultar Santos (B) (2000).
12
do espao goiano. Isso ocorreu com muita evidncia na regio da
Estrada do Boi. A estrada nessa regio, primeiro com a GO 164,
depois com a BR 153, rompeu o isolamento e possibilitou a
articulao, o fluxo, com o Norte do Pas e o Centro Goiano, regio
consumidora de carne bovina. Segundo Barreira (1997:56): Pelas suas
caractersticas topogrficas e pedolgicas, a principal vocao da Regio
da Estrada do Boi a atividade agropastoril. A regio concentrava, em
1994, mais de 22% do efetivo do rebanho bovino do Estado e menos de
5% da populao do total do Estado. A cria, recria e engorda do gado
foi favorecida pelas condies naturais oferecidas pelo mdio
Araguaia, o que nos faz lembrar, tambm, das possibilidades
tursticas diretamente ligadas ao Rio Araguaia, especialmente em
cidades como Aruan e So Miguel do Araguaia. Acreditamos que o termo
regio da Estrada do Boi, trabalhado de forma detalhada por Barreira
(1997), seja mais adequado para essa Mesorregio que o termo
Noroeste, trabalhado pelo IBGE. O primeiro, do ponto de vista
conceitual, oferece algumas vantagens, entre elas a de considerar o
processo histrico de povoamento, a dinmica regional que em
diferentes perodos, e at nos dias atuais, envolveram a Estrada do
Boi, pois na vida de relaes a atividade que predomina ainda a
pecuria, alm do que o conceito nos faz pensar na constituio da
paisagem natural e humanizada pelo vis do incremento de novas
relaes tcnicas para a atividade agropastoril. O Norte Goiano
considerado aqui compreendendo apenas a microrregio de Porangatu,
pois achamos por bem, como poder ser observado durante o decorrer
da discusso, incluir a microrregio da Chapada dos Veadeiros, que
faz parte da mesorregio Norte, no chamado Nordeste Goiano. A
geografia dessa regio, que se encontra entre os vales do Araguaia e
do Tocantins, chamada por Teixeira Neto (2000) de a Mesopotmia
Goiana, nunca mais foi a mesma desde a construo da BR 153. A
percepo dessa mudana pode ser notada no estudo de Valverde &
Dias (1967:177): A Seco Central da rodovia Belm-Braslia rasgou o
serto brasileiro. A abertura da estrada teve realmente o efeito de
um dreno colocado numa regio prxima ao centro geomtrico do pas e
estagnada por falta de circulao. A rodovia significou, para alguns
municpios da regio Norte do Estado, uma completa refuncionalizao
das formas e funes urbanas. Para o Estado, que at ento inclua o
Estado
13
do Tocantins12, significou, do ponto de vista nacional, a
integrao definitiva com o pas. J do ponto de vista regional, a
estrada desarticulou o sistema de transporte, especialmente o
fluvial, j precrio, pelo lado oriental do Tocantins, drenando todo
o fluxo para a regio prxima ao Vale do Araguaia que se transformou
em eixo de ligao com o Norte do Estado e o Norte do pas. Merece
destaque nessa regio o que podemos chamar de Quadriltero do Norte,
formado pelos municpios de Porangatu, Niquelnida, Uruau e Minau,
cidades mais importantes do ponto de vista demogrfico e econmico da
regio. Nessa regio, alm da importncia da pecuria, o setor mineral
destaca-se. Niquelndia pela produo de nquel, ferro e concentrado
fosftico; Minau pela significativa produo de Amianto e as
perspectivas negativas geradas com a presso internacional em torno
da interrupo da comercializao desse produto. Alm disso nessa regio
podemos destacar a gerao de energia hidroeltrica em Serra da Mesa,
o que vem despertando a atividade turstica em algumas cidades da
regio, como Niquelndia e Urua, onde, especialmente nessa ltima, j
se podem notar as alteraes na paisagem urbana. Outra regio
interessante, que mereceria maior destaque por parte da geografia
goiana, o Entorno de Braslia. Al encontramos o exemplo de um espao
constitudo a partir de um projeto de articulao territorial
nacional, que foi a edificao de Braslia. O Entorno a negao de
Braslia. A negao e a demonstrao das contradies que a modernidade
criou. Mello (1999), em um dos poucos trabalhos realizados pela
geografia goiana sobre o Entorno de Braslia, nos faz pensar na
articulao existente entre a constituio da regio e os projetos
polticos a partir da dcada de 1950. Segundo o autor (1999:443):
...a regio do Entorno de Braslia deve ser tratada como uma criao
poltica, instituda para propiciar a implantao e manuteno da nova
capital do pas, que por sua vez estava includa como elemento
articulador de um projeto de integrao do territrio em nvel
nacional. Interessante notar que hoje o Entorno de Braslia
constitu-se numa regio ambgua, tanto para Braslia como para Gois.
Braslia usa do Entorno e o Entorno, em certa medida,12
O Estado do Tocantins foi criado em 1989, sendo que os disposies
legais esto contidas no artigo 13 (Ato das Disposies
Constitucionais Transitrias) da Constituio de 1988. Consta no 1 do
citado Artigo: O Estado do Tocantins integra a Regio Norte e
limita-se com o Estado de Gois pelas divisas norte dos municpios de
So Miguel do Araguaia, Porangatu, Formoso, Minau, Cavalcante, Monte
Alegre de Gois e Campos Belos (1988:111). Interessante notar que a
partir da emancipao do Tocantins as representaes sobre o Norte e
Centro do Estado mudam significativamente.
14
em funo da grande necessidade de mo de obra, sobrevive de
Braslia. Mas o Entorno tambm ameaa, o que lhe torna alvo de
polticas pblicas para a amenizao dos problemas scio-econmicos
causados, segundo o discurso oficial, pela grande crescimento
demogrfico da regio. No Entorno de Braslia existem 07 cidades com
populao superior a cinqenta mil habitantes. Alm disso,
considerando-se a regionalizao do Estado a partir das microrregies,
o Entorno de Braslia a segunda microrregio com maior populao, em
2000, com 812.877 habitantes, ficando atrs apenas da microrregio de
Goinia. Outro dado interessante diz respeito ao crescimento
geomtrico referente 1991/1996, que foi de 6,44%, quando a mdia do
Estado, no mesmo perodo, foi de 2,36. O que preocupa mais que a
tendncia ao crescimento acelerado continuou, pois o Censo 2000
apontou essa regio como a que mais cresceu no Estado de Gois. Todas
as cidades do Entorno de Braslia apresentaram crescimento geomtrico
positivo. gua Fria de Gois (4,33), Cidade Ocidental (5,06),
Cristalina (4,78), Luzinia (7,18), Novo Gama (5.29), Padre Bernardo
(6,23), Planaltina (5,85), Valparaso de Gois (5,66), Vila Boa
(4,84), Vila Propcio (4,58), nada comparado ao crescimento de guas
Lindas de Gois com 14,4213, atingindo uma populao em 2000 de
105.379 habitantes, dos quais apenas 163 no meio rural14. Essa
regio, em conseqncia do crescimento populacional acelerado, segundo
os discursos da mdia e do Estado, vem sendo classificada como uma
das mais violentas do pas. Essa representao ideolgica j vem
produzindo discursos que vem como alternativa a criao de um Estado
nessa regio, uma vez que a questo da violncia vem sendo entendida
como uma questo de polcia e no de polticas sociais justas. Mais uma
vez toma-se a regio como uma entidade viva, e sobretudo nociva.
Transformar a regio num Estado, com um novo pacto territorial, no
garante que a chamada violncia urbana acabar. A geografia dessa
regio mais complexa do que pensam alguns polticos. Seria impossvel
pensar o Norte, o Entorno, o Noroeste, o Sudeste, como qualquer
outra regio de Gois, de maneira isolada. Aqui, mais que certezas,
ficam indicativos de mudanas na configurao regional do Estado. A
poltica de transportes, o mapa produtivo, o mapa populacional, a
rede urbana, a fluidez de determinadas regies, a rigidez de outras,
o discurso institucional que utiliza ideologicamente a regio como
objeto de ao e controle, so13 14
Devemos observar essas dados levando em considerao o processo de
fragmentao dos municpios. Como outras regies do Estado, o Entorno
de Braslia deveria receber mais ateno por parte da geografia
goiana, especialmente em pesquisas sobre o processo de fragmentao
dos municpios, a especulao imobiliria e a migrao regional.
15
aspectos que muitas vezes fogem ao nosso olhar, mas que so
elementos chaves para a elaborao de novos discursos regionais para
e pelo Estado, como veremos com mais detalhe a partir de agora, uma
vez que desenvolveremos uma anlise comparativa entre duas regies do
Estado. 4 - NOVAS FORMAS DE OLHAR VELHAS REGIES Novos contedos esto
sendo incorporados s velhas regies, que muitas vezes ainda
insistimos em adjetiv-las, como no passado, negando a dinmica que
envolve sua produo. Dessa forma, ao falar em regio devemos estar
cientes de que o conceito envolve mais que a constatao de aspectos
e configuraes naturais. Quando o conceito de regio nega seu aspecto
de idia historicamente construda, estamos, antes de tudo,
conduzindo, intencionalmente ou no, os olhares para a realidade. O
perigo, que pode comprometer a anlise, considerar o conceito como
um modelo. Os modelos, ento, devem ser pensados luz da
contemporaneidade, o que nos leva a considerar que as densidades
racionais, mais que os recortes naturais, tem influenciado as
dinmicas regionais. O contedo racional de uma regio, ou mesmo a
densidade racional, est ligado s condies estruturais, fluidez e
intercmbio, diviso do trabalho global, presentes na regio. Uma
espcie de seletividade programada, intencional, visando a maximizao
do lucro, est por trs do contedo racional da regio. Uma nova
seletividade entra em cena. A disposio de mo-de-obra e a
proximidade em relao ao mercado consumidor j no ordenam o espao que
agora, segundo as reflexes de Santos (2000), tornou-se territrio
usado. A seletividade agora da tcnica, das condies fiscais, da
infra-estrutura informacional (rede de telecomunicaes, internet,
satlites), que garantem a fluidez. O espao agora o espao das redes
que drenam a produo, o que nos faz olhar para o mapa do Estado de
Gois de outra forma, considerando-o em sua relao com a produo do
espao global. Segundo Santos (1997:205): Os espaos da globalizao
apresentam cargas diferentes de contedo tcnico, de contedo
informacional, de contedo comunicacional. Os lugares, pois, se
definem pela sua densidade tcnica, pela sua densidade
informacional, pela sua densidade comunicacional, atributos que se
interpenetram e cuja fuso os caracteriza e distingue. Tais
categorias podem, facilmente, ser identificadas na realidade
emprica.
16
Considerando a densidade tcnica como um elemento importante e
que promove as diferenciaes regionais, elegemos, para os fins dessa
anlise, duas regies do Estado de Gois, o que vai nos permitir
colocar em questo as idias at aqui apresentadas. Com esse propsito
lanaremos olhares, breves reflexes, sobre as regies Sudoeste e
Nordeste de Gois. A microrregio Sudoeste pode ser entendida como
uma das mais singulares do Estado de Gois. Considerada pelo IBGE
como uma microrregio geogrfica, abrangendo um total de 13
municpios, guarda a particularidade por ser o ponto de divisa com
os Estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Nessa regio, os
dormentes, que despertaram um certo padro de reproduo nas relaes
econmicas no Sudeste do Estado no incio do sculo, para lembrar a
metfora de Borges (1990), adquiriram outras funes. Despertam para a
soja numa regio articulada com o mercado nacional e internacional.
Certamente, o sonho da ferrovia, como fora no passado para os
habitantes de Catalo, Goiandira, Ipameri, e outros municpios que
aguardavam ansiosamente o progresso representado pelos trilhos, no
adquire a mesma funo para os habitantes da regio Sudoeste, onde a
FERRONORTE caminha a passos largos, possibilitando o escoamento de
parte da soja produzida na regio. Esse espao, smbolo de uma
prosperidade, segundo o discurso oficial, exibe gratuitamente seu
contedo racional, tornando o Sudoeste exemplo de uma regio
metamorfoseada pelo capital. Nessa regio, esto localizadas cidades
populosas e importantes economicamente, como Rio Verde, Jata e
Mineiros, mas tambm, cidades com populao inferior a 5.000
habitantes, como Chapado do Cu, mas que guardam um contedo racional
que nos faz pensar nos limites dos modelos de classificao de
cidades tendo como base o dado demogrfico. A complexidade produtiva
dessa regio revela-se no montante de recursos que o Estado, a
partir de 1970, via poltica agrcola, destinou para as reas de
cerrados que cobriam essa regio, no intuito de transform-la numa
rea agrcola. Incentivos financeiros e fiscais no faltaram. A
Poltica de Preo Mnimo, o Crdito Agrcola, a Poltica de Estocagem de
Gros e o acesso ao crdito facilitado por programas como o
POLOCENTRO, o investimento direto em infra-estrutura, resumem o
quanto o interesse do grande capital, do complexo agroindustrial
estiveram voltados para essa regio, o que pode ser verificado em
pesquisa desenvolvida por Campos (1999). O Estado, podemos dizer,
produziu a fluidez que possibilitou um novo arranjo para essa
regio. O resultado, para o Estado e para o grande capital, no
poderia ter sido melhor: basta observarmos as mudanas na paisagem e
nas relaes de produo dessa, que para o discurso do Estado, passou a
ser uma regio
17
moderna, produtiva. Os municpios goianos com maior produo
agrcola de algodo, cana de acar, milho, soja, por exemplo, esto na
regio Sudoeste. Cidades como Santa Helena, Acrena, Rio Verde, Jata,
Chapado do Cu e Mineiros, esto entre os maiores produtores de gros
do Estado, alm da forte pecuria bovina. Ao contrrio do Sudoeste, o
Nordeste Goiano, do ponto de vista da participao no montante da
produo agrcola do Estado, especialmente aqueles produtos com
interesses no mercado internacional, inexpressivo, fato que tem uma
justificativa histrica diretamente ligada incorporao de espaos
produtivos no Estado de Gois. Historicamente o Nordeste goiano
esteve mais ligado ao Norte de Gois e ao Nordeste do pas. Regio
povoada em funo da minerao e da pecuria, essa identificada enquanto
atividade subsidiria, emerge como regio produtiva para um mercado
regional, especialmente aps a construo da Rodovia Belm-Braslia,
eixo de ligao entre o Sul e o Norte do Pas e da BR-020, que liga
Braslia ao Oeste da Bahia. Regio distante da promessa da estrada de
ferro, representao da pobreza, historicamente teve um baixo contedo
racional, especialmente se comparada ao Sul do Estado. O conceito
de Nordeste Goiano no foi formalizado pelo IBGE. Aqui o conceito
utilizado para justificar a regionalizao de uma parte do Estado que
compreende as chamadas microrregies da Chapada dos Veadeiros e Vo
do Paran. Esta ltima, juntamente com a microrregio do Entorno de
Braslia, compreende a chamada mesorregio Leste Goiano. Acreditamos
que o Vo do Paran tenha vnculos e maiores semelhanas com a
microrregio Chapada dos Veadeiros que, com o Entorno de Braslia,
seja do ponto de vista scioeconmico, ou mesmo da estrutura da
paisagem. Em detrimento do Sudoeste goiano, o Nordeste Goiano
demonstra o quanto o discurso regional invocado para justificar
determinadas polticas pblicas e escamotear as relaes polticas que
esto por trs do discurso regional. J h algum tempo o Nordeste
Goiano apresenta-se como regio objeto de aes emergenciais por parte
do Governo Estadual e Federal, especialmente pelo fato da sua
proximidade do Entorno de Braslia. Ali, mais uma vez, o discurso
articulado de forma metonmica, fazendo crer que a pobreza, a
misria, so caractersticas inerentes regio, uma espcie de
determinismo histrico e ambiental, justificado pelas condies
ambientais (especialmente a topografia irregular) que inibiram
durante dcadas a circulao e a produo de bens em escala comercial. A
participao da agricultura, como tambm da indstria, no montante da
produo do Estado
18
insignificante, muito embora no seja para aqueles que vivem no
campo, resistindo e mostrando que existem outras escalas de produo
que no aquelas determinadas pelo grande capital. Esses dados
constituem a base do discurso que desqualifica e condena a regio.
como se a regio fosse um ser natural dotado de vida e
intencionalidade prprias. Mas a questo ainda no essa. Identificar
quantitativamente a produo dessa ou daquela regio uma tarefa
meramente formal. Devemos considerar os meios, os processos, que
viabilizaram a produo da diferenciao regional, da produo da
diferena espacial essencial para a reproduo das relaes
capitalistas. Os dados a seguir podem indicar como esse padro de
produo da diferena marcou a constituio dessas duas regies:TABELA 03
SNTESE COMPARATIVA ENTRE O NE E O SO SUDOESTE NORDESTE POPULAO
TOTAL (2000) 344.120 148.029 REA (KM2) 56.293.3 38.928.6 % DE
POPULAO URBANA (2000) 87.26 61.5 NMERO DE MUNICPIOS (2000) 18 20
MUNICPIOS COM MAIS DE 20.000 (2000) 04 01 Fonte: Anurio Estatstico
do Estado de Gois 1996 / Censo Demogrfico 2000.
ESTADO 4.994.897 341.289.5 87.87 246 47
Os dados demogrficos, geralmente, demonstram a concentrao de
capitais por meio da aglomerao de mo-de-obra, bem como do processo
industrial em determinadas regies. Iniciando a comparao a partir do
dado demogrfico fica claro a maior concentrao de pessoas na regio
Sudoeste do Estado em relao ao Nordeste Goiano, tanto no que toca
ao nmero absoluto da populao, como populao no espao urbano. Esse
ltimo, em se tratando da regio Nordeste Goiano atingiu, em 2000,
61,5%. Em 2000, nove dos vinte municpios apresentam populao rural
maior que a urbana. Outro dado significativo, que mereceria um
estudo especfico, que dos vinte municpios da regio sete
apresentaram, no perodo de 1991 / 1996, taxa geomtrica de
crescimento populacional negativa, o que significa, objetivamente,
que esses municpios perderam populao. Em relao ao perodo 1996/200
seis municpios, objetivamente, perderam populao. Os dados podem
indicar que o rural, mais que o agrcola, est presente nessa regio e
tem sua base construda, ainda, na pecuria extensiva e na
agricultura de subsistncia. A no compreenso desse rural, por vezes
entendido como sinnimo de pobreza e atraso, refora a construo do
discurso de um Nordeste Pobre, pois os indicadores sociais daqueles
que habitam o rural ainda so considerados luz
19
daqueles que habitam o urbano, como, por exemplo, a taxa de
analfabetismo, a infra-estrutura de gua e esgoto, as unidades
hospitalares, o nmero de leitos disponveis, alm da renda que,
seguramente, se computado somente o valor em moeda uma das menores
do Estado. Todos esses indicadores, especialmente se comparados s
outras regies do Estado, reforam o discurso do atraso e do
subdesenvolvimento dessa regio. Do outro extremo do Estado, no
Sudoeste, aparece o agrcola, ou o rural modernizado, com alto
contedo racional, receptivo s formas modernas de produo, com padres
de consumo diferentes daqueles do Nordeste Goiano.15 A dialtica
entre o rural e o urbano se completa na sntese do agrcola colocando
em dvida a separao campo / cidade. Entre o rural e o urbano aparece
o agrcola, carregado das contradies do rural e do urbano. Para
Santos ( 1996:67): A regio agrcola tem sua unidade devida
inter-relao entre o mundo rural e o mundo urbano, representado este
por cidades que abrigam atividades diretamente ligadas s atividades
agrcolas circundantes e que dependem, segundo graus diversos,
dessas atividades. Com um ndice de urbanizao maior que 80% e uma
rede urbana de 04 municpios com mais de 30.000 habitantes, sendo
que desses, Rio Verde e Jata so os mais populosos, apresentando uma
populao em 2000 de 116.559 e 75.408 habitantes, respectivamente, a
regio Sudoeste apresenta-se como paradigma produtivo para o Estado,
especialmente porque parte significativa da participao das
exportaes dos produtos agropecurios de Gois. L, indstria e
agricultura criaram o agrcola que vem suprimindo o rural. A
agricultura moderna, juntamente com a agroindstria, mudaram
significativamente o padro de uso do solo. Marinho (2000) em estudo
realizado na regio demonstra a evoluo, a partir da dcada de 1970,
no uso de fertilizantes qumicos, orgnicos e calcrio no solo como
elemento que possibilitou o aumento da produtividade, tanto
vertical quanto horizontal. a chamada modernizao conservadora, que
moderniza as relaes de produo com incrementos tcnicos, conservando
relaes de explorao do trabalho, causando prejuzos sociais e
ambientais. Com isso, em cidades como RioVerde, Mineiros e Jata, j
podemos identificar uma concentrao de pessoas que no tem direito ao
urbano nem ao rural, somente transitoriedade do agrcola. A
contradio entre a pobreza das favelas e o novo padro de
20
edificao da classe abastada, como em Mineiros, demonstra que,
assim como o urbano, o agrcola tambm produziu uma pobreza cada vez
mais distante do rural e do urbano, ou melhor, do que o urbano e o
rural poderiam oferecer. Esse processo no ocorreu por acaso. Foi
pensado pelo Estado e pelo capital. O primeiro, para lembrar
Lipietz (1988), garantiu a produo das mediaes tcnicas e deixou o
espao livre para o capital. Produzir no basta. Foi preciso dar
fluidez produo, construir estradas e ferrovias; dar crdito,
investir em energia eltrica, nas telecomunicaes, permitir, por
exemplo, que os contatos e contratos fossem estabelecidos com a
Bolsa de Chicago; que uma empresa como a Perdigo e muitas outras
produzam nessa regio, criando um territrio econmico, multiplicando
sua produo e subordinando os agentes sociais locais sua lgica, que
no mais local, mas mundial. A produo desse espao sob o meio tcnico
cientfico-informacional passa a exigir novos padres de consumo,
novas formas de organizao empresarial e burocrtica baseadas nos
princpios da racionalidade e da velocidade, reforando as j
presentes diferenciaes regionais em Gois. Segundo Santos (1996:47):
Seria uma oposio entre espaos inteligentes, racionais, e espaos
opacos, no racionais ou incompletamente racionais, comandando uma
nova diviso regional do Pas e determinando novas hierarquias: entre
regies com grande contedo em saber (nos objetos, nas instituies e
empresas, nas pessoas) e regies desprovidas dessa qualidade
fundamental em nossa poca; entre regies do mandar e regies do
fazer. A regio Sudoeste foi preparada intencionalmente para o
progresso, para o mandar e o fazer, numa escala que vai alm dos
limites da prpria regio. do fazer porque l a produo acontece. do
mandar, se considerada a escala regional, pois a fora do grande
capital capaz de ordenar a produo a partir desse espao regional. Ao
Nordeste Goiano, talvez fosse mais adequada a expresso regio do
esperar. Nem do mandar, nem do fazer, mas do esperar pelo fazer.
Uma regio herdeira de formas arcaicas, que ainda, segundo o
discurso do Estado, precisa se modernizar. Essa regio do esperar,
diferentemente do Sudoeste Goiano, tem um tempo regional lento,
quebrado apenas pelo fluxo veloz da BR 020, que liga o Estado de
Gois Bahia. Um tempo lento,15 Santos (1994) faz referncias
existncia de um Brasil preenchido por regies agrcolas e regies
urbanas. Essa distino no exclui, acreditamos, a possibilidade do
rural. O rural, como entendemos, ainda persiste em certos espaos
regionais, como o caso, grosso modo, do Nordeste Goiano.
21
pouco fluido, mas nem por isso de menor importncia para o
capital e para o Estado, especialmente se considerarmos o papel da
tcnica na capitalizao do espao. Essa tendncia mudana dos tempos, ou
de uma espera por tempos mais velozes, regio do Vo do Paran:
Pode-se afirmar que a regio a ltima em Gois a passar por processos
de transformao, oriundos dos impactos econmicos de incorporao de
novas reas, ou criao de novos espaos no contexto de uma diviso
nacional do trabalho que continua a requerer reas que produzem
alimentos e matrias-primas, a despeito de no ser mais to
determinante ou to vital ocupar o espao, mas reapropri-lo, uma vez
que no havia ali um vazio total, mas um espao com viso econmica. O
pensamento da marginalizao social e econmica, uma vez que a regio
contribui economicamente, do ponto da tributao do ICMS, com menos
de 0,5% da arrecadao do Estado, um dos pontos que justifica a criao
de um programa especial e destinao de recursos para o Nordeste
Goiano. A implantao do Programa de Desenvolvimento Sustentvel do
Nordeste Goiano (Nordeste Novo), segundo o Governo Estadual,
objetiva corrigir as distores e os desequilbrios, integrando a
regio s demais reas do Estado (Economia & Desenvolvimento,
1999:51). Entre as aes emergenciais propostas pela Agncia de
Desenvolvimento Regional do Estado, esto a implantao do Banco do
Povo, a distribuio de cestas bsicas, melhoramento da
infra-estrutura de energia, no ensino fundamental, mdio e superior,
entre outros programas promovidos pelo Estado, que vo transformar a
realida social dessa regio. A prosperidade, dessa vez em matria
veiculada no Jornal O Popular sobre o Nordeste Goiano no dia 18 de
junho de 2000, com o ttulo Misria esvazia as cidades o que separa o
Nordeste do Sudoeste. O Nordeste deve, segundo esse raciocnio,
seguir os caminhos do Sudoeste se quiser sair da letargia na qual,
segundo esse discurso, se encontra. possvel destacar o aspecto
poltico-ideolgico presente na constituio dos discursos regionais. O
Sudoeste isso porque produz aquilo. Nordeste aquilo, porque no
produz isso. O jogo de palavras proposital. Envolve o longe (aquilo
que o Nordeste no produz) e o perto (isso que o Sudoeste produz).
Podemos perceber que a distncia entre o Sudoeste rico e o Nordeste
pobre fruto de um pensamento ideologicamente elaborado pelos grupos
dominantes. Aqui vale lembrar as palavras de Lipietz (1988:29) : em
se tratando do Nordeste Goiano, pode ser verificada no pensamento
de Barreira (1997:209) ao se referir
22
No h regio pobre, h apenas regies de pobres, e, se h regies de
pobres, porque h regies de ricos e relaes sociais que polarizam
riqueza e pobreza e as dispem diferencialmente no espao. O discurso
regional organicista produzido pelo Estado e meios de comunicao
trabalha com a polarizao entre o Sudoeste e o Nordeste, como se as
regies no fizessem parte de um mesmo processo de produzir a
diferena para aumentar a acumulao de capital. Aqui, o conceito de
regio personagem impede a identificao dos processos sociais
interiores e exteriores regio, condicionando e determinando o
futuro em funo de formas pretritas que se perpetuam no imaginrio
regional. O fato que nem o Sudoeste uma ilha de desenvolvimento,
eldorado do Estado, muito menos o Nordeste deve ser considerado o
corredor da misria. Consider-lo como corredor da misria aceitar o
discurso e no desconfiar das promessas da modernidade. Basta
observar que a modernidade produzida no Sudoeste no foi capaz, at o
momento, de minimizar o flagelo de parte significativa da populao
que vive em favelas ou nas periferias de Rio Verde, Jata, Mineiros
e Santa Helena, entre tantos outros municpios. A questo que se o
Sudoeste produziu a modernidade, tambm, no devemos esquecer,
produziu o seu oposto, ou seja, a misria e a proletarizao de parte
significativa da populao que os indicadores sociais podem camuflar.
H muitas outras diferenas entre o Sudoeste e o Nordeste. Uma visita
aos municpios de So Domingos e Mineiros, nas regies Nordeste e
Sudoeste, respectivamente, pode dar a dimenso dessas diferenas. Mas
tambm h as diferenas produzidas pelos discursos. A questo que o
discurso regional, com mais ou menos eficincia, sempre foi
utilizado para adjetivar essa ou aquela poro do Estado de Gois. O
que nos interessou nesse trabalho foi apontar, mais do que analisar
profundamente, algumas concepes de regio, procurando estabelecer
uma relao com os conceitos de regio da geografia, para num segundo
momento confrontar essas concepes com a realidade do Estado de
Gois, buscando, com tal procedimento, indicar elementos que
coloquem em evidncias outras regies, construdas por outros
princpios, ou melhor, outras geografias. 5 CONSIDERAES FINAIS O
velho e o novo olhar. A velha e a nova forma. A forma e o olhar.
Olhar as formas e as regies do Estado de Gois, essa foi nossa
pretenso. Foram muitos os olhares que
23
percorreram Gois. A anlise dos olhares, seja dos bandeirantes,
dos caboclos, dos escravos, dos ndios, dos portugueses, dos
jesutas, dos paulistas, como tambm dos empresrios modernos que
migraram do sul com a tarefa no s de olhar, mas de transformar a
paisagem retorcida do cerrado em formas geomtricas mais produtivas,
revela que a regio, desde h muito tempo, no pode ser pensada de
modo isolado. Nesse universo de olhares, o nosso apenas mais um,
movido por uma teoria que se esfrangalha e se refaz no contato com
a realidade, tornando-se, para utilizar a expresso de Morin (1999),
biodegradvel. Biodegradvel como a regio que nega, muitas vezes, os
princpios rgidos da classificao cientfica. mesorregio, microrregio,
Regio Homognea, Regio Natural, conceitos que se dissolvem diante de
um tempo e de um espao cada vez mais velozes. A velocidade, esse
dado contemporneo, apresenta-se de forma diferente segundo as
regies. Regies velozes, com ritmos mais rpidos, como o Sudoeste.
Regies menos velozes, com um ritmo mais lento, como o Nordeste.
Ritmos diferentes, regies diferentes, exigiriam olhares diferentes?
Talvez a diferena tambm esteja no olhar. Na forma de olhar velhas e
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