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AS ARQUITECTURAS DO METRO DO PORTO arquitectura andante PROVA FINAL PARA LICENCIATURA EM ARQUITECTURA FAUP 08|09
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Arquitectura Andante - As Arquitecturas do Metro do Porto

Mar 19, 2016

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FredericoVieira

Prova Final para Licenciatura em Arquitectura - FAUP
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  • As ArquitecturAs do Metro do porto

    arquitectura andante

    pr oVA F i N A L pA r A L i c e N c i At u r A e M A r q u i t e c t u r A FAu p 0 8|0 9

  • As ArquitecturAs do Metro do porto

    arquitectura F r e d e r i c o V i e i r A

  • Prova Final Faculdade de Arquitectura da Universidade do PortoAlunoFrederico Manuel Calada VieiraDocente AcompanhanteArq.to Nuno Brando CostaEstgio CurricularRealizado no perodo de 15/10/07 a 15/04/08 no atelier Teixeira Sousa Arquitectos Associados Lda. sob a responsabilidade do Arq.to Jos Carlos Sousa.AgradecimentosAo Professor Nuno Brando, pela orientao e aconselhamento sempre eficazes.Aos Arquitectos: Adalberto Dias, Adriano Pimenta, Alcino Soutinho, lvaro Siza, Bernardo Tvora, Carlos Cruz, Eduardo Souto Moura, Joo lvaro Rocha, e Jos Gigante, pelas conversas e pelo material fundamental.Ao Metro do Porto, pela autorizao dos registos fotogrficos.Aos amigos e famlia, por estarem l sempre que preciso.Maio 2009

  • aos meus pais e irm, por tudo...

  • ndice

    Abstract

    I - Metro no Porto1. Intenes2. Traado3. Consequncias UrbanasII - Metros do Mundo1. Londres, Paris e Nova Iorque: exemplos incontornveis2. Estrasburgo e Bordus: dois parentes prximos3. Bilbao: o Metro de Norman Foster4. Lisboa: o outro Metro PortugusEstao do Parque, Keil do AmaralEstao Cais do Sodr, Nuno Teotnio PereiraEstao da Baixa/Chiado, lvaro SizaIII - A Arquitectura Andante1. O projecto geral de Eduardo Souto MouraPormenorizao tipo

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  • 2. Regras, Arquitectos e LugarBrito Capelo, Alcino SoutinhoSra. da Hora, Bernardo TvoraParque Maia, Joo lvaro RochaPvoa de Varzim, Jos GiganteEstdio do Drago, Manuel SalgadoPlo Universitrio, Adalberto DiasSo Bento, lvaro Siza VieiraCasa da Msica, Eduardo Souto MouraBolho, Eduardo Souto MouraTrindade, Eduardo Souto MouraIV - Consideraes Finais

    Referncias Bibliogrficas

    Provenincia Imagens

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  • 9Abstract

    Os ltimos cinco anos que constituram o meu percurso pela Faculdade de Arquitectura coincidiram com os primeiros cinco anos de um outro percurso, aquele que com carris e estaes, ferro pedra e vidro, com mquinas novas e com pessoas sempre dependentes de movimento, tem vindo a (re)desenhar e (re)unir a cidade do Porto. A interveno com o objectivo de implementar o novo Metro de Superfcie tem vindo a mostrar-se, mais do que uma simples alternativa para os transportes na cidade, um formato completamente inovador de viver as deslocaes quer no seu interior, quer na relao da cidade com a rea metropolitana. As premissas que este tipo de transporte supe foram reagindo metro a metro com os espaos que se pretendiam servir, e acabaram sendo pretexto para uma reformulao urbana e arquitectnica desses lugares, com um carcter no s intensivo mas extensivo e abrangendo uma noo mais vasta e geral de pertena a uma rede comum e estruturante. O Metro do Porto deixa hoje e em cada lugar que passa uma cidade revista, actualizada e quase sempre melhorada.Ao longo destes anos, como estudante de Arquitectura dependente do Metro para as deslocaes dirias, tive o privilgio de viver na primeira pessoa as construes e transformaes que lhe so devidas, e de tomar gradualmente conscincia da importncia desse fenmeno. Dei por mim muitas vezes sentado no espao de uma qualquer estao, a us-lo sem saber como um laboratrio onde pouco a pouco testava e revia as lies aprendidas na faculdade e assimilava a esttica de uma escola. Reconhecveis num ou noutro gesto, os arquitectos do Metro produziram arquitecturas que partilharam uma imagem, mas acima de tudo uma identidade assente na qualidade da construo, no respeito pelas pr-existncias e no cuidado com o pormenor. Perguntei-me por diversas vezes

    sobre a importncia dessas coisas para os restantes utilizadores, e quanto do sucesso obtido no estaria afinal por trs destas escolhas. O Metro do Porto hoje o resultado de um esforo conjunto para dinamizar e melhorar o transporte urbano, o incio de uma nova fase que seguramente apenas deu os primeiros passos, mas acima de tudo, e como um futuro arquitecto, parece-me simbolizar uma maneira muito prpria e reconhecvel de fazer arquitectura na e para a cidade. Um processo que envolveu arquitectos exclusivamente do Porto, comprometidos a respeitar regras e uma certa linguagem comum, acabou por resultar numa vasta rede de estaes de grande qualidade capaz de criar e

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    representar por si s uma imagem de contemporaneidade arquitectnica atenta e envolvente para toda a rea Metropolitana do Porto. Agora que penso a interveno com maior cuidado, percebo que no se tratou apenas da satisfao de uma necessidade, mas que foi tambm para a cidade do Porto a afirmao de uma forte cultura arquitectnica, que apesar de timidamente reconhecida pelos seus protagonistas, tem na interveno do Metro de Superfcie um dos seus claros exemplos, talvez o maior e mais consistente em Portugal.

    A prova final a que me proponho no mais do que um repensar um pouco todas estas escolhas; situ-

    las num espao bem definido, com condicionantes muito apertadas, e certamente num tempo que os contm a todos. Escolhendo algumas estaes como casos de estudo representantes de cada um dos modos de fazer esta arquitectura, e consciente das omisses incontornveis deste tipo de representao, procurarei no entanto caracterizar e analisar com os conhecimentos at aqui adquiridos as consequncias espaciais deste Metro no Porto. A distncia que nos separa ainda curta, e avaliaes futuras sero com certeza mais completas e informadas, como explica Umberto Eco referindo-se s teses sobre matrias modernas, as opinies so ainda vagas e

    discordantes, a nossa capacidade crtica falseada pela falta de perspectiva e tudo se torna demasiado difcil.

    Faltam ao tema Metro do Porto chaves interpretativas seguras s quais nos podemos referir, e o repertrio

    bibliogrfico por enquanto disperso e incompleto. Ciente desta limitao imposta pelo tempo, mas no entanto seguro da importncia e actualidade do tema, sigo assim o conselho que o mesmo autor sabiamente nos deixa, e trabalho sobre um contemporneo como se fosse um antigo, e sobre um antigo como se fosse um contemporneo. O objectivo ser talvez, e como sempre, o de perceber um pouco melhor o que a Arquitectura destes espaos, e em que medida os Arquitectos que so afinal exemplos vivos desta Faculdade de Arquitectura do Porto podem

    desenhar um pouco a vida de todos aqueles que to simplesmente, dia-a-dia, vo andando pelo Metro.

  • I - Metro no Porto

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    1. Intenes

    A histria do Metro no Porto, se assim lhe podemos chamar, comear talvez no final da dcada de oitenta quando, por ocasio das eleies autrquicas de 1989 para a Cmara Municipal do Porto, alguns dos candidatos se interessaram por debater a ideia aparentemente utpica e longnqua de dotar a cidade do Porto de um sistema de metropolitano. Sendo conhecido o carcter extremamente grantico do subsolo da cidade, as proposies apontaram desde o incio na direco de um Metro de Superfcie, ou Tramway, que ao contrrio do conhecido Metro Subterrneo1, ou Subway, evitaria perfuraes extensivas e de complicada execuo. A ideia que inicialmente ter sofrido do cepticismo mais ou menos geral caracterstico do meio eleitoral e fervoroso em que se desenvolveu, pouco a pouco, comeou a ganhar algum protagonismo na imprensa interessada, e consequentemente junto da populao. Ainda que se possa ter tratado de uma deciso poltica nascida ao Norte, como defende Custdio Oliveira no terceiro captulo do seu livro2, independente do governo central em Lisboa, esta proposta dava resposta situao j algo catica do trnsito automvel na cidade e falta de transportes pblicos alternativos capazes de servir a rea do grande Porto.

    Em 1990, a recm-eleita Cmara do Porto procede pela primeira vez procura de financiamento e encomenda dos diversos estudos tcnicos que provaram a sua executabilidade. Apesar de nesse ano o Metro no Porto s convencer trs em cada centena de questionados num estudo de opinio encomendado pelo Municpio, a ideia foi rapidamente ganhando a visibilidade e a difuso necessrias para que se iniciasse o processo informal de troca de ideias, e os consequentes debates mais srios participados por especialistas nas reas de planeamento e dos transportes.O Metro no Porto tornou-se ento centro de um extenso debate poltico, econmico e social, nem sempre produtivo, mas que pela dimenso atingida fez prova, se no de outra coisa, da inevitabilidade do projecto. A ideia

    inicial para uma linha Gaia-Porto-Matosinhos foi-se alargando e crescendo medida que foi reunindo as vontades dos dirigentes polticos e dos municpios da rea Metropolitana do Porto3; at que em Dezembro de 1998, depois dos tradicionais avanos e retrocessos, so finalmente assinados os contractos de financiamento e adjudicao da

    obra Empresa Metro do Porto, SA., prevendo-se j linhas num total de mais de 70 quilmetros.

    A vontade de criar uma alternativa ao aumento da taxa de motorizao e s suas consequncias no Porto,

    1. O tipo de interveno mais antiga e comum, feita pela primeira vez em Portugal com o Metro de Lisboa, a funcionar desde Dezembro de 1959.2. OLIVEIRA, Custdio (2007), Processo Poltico, Metro do Porto: Os passos do maior investimento do sc. XX na rea Metropolitana do Porto. Porto: Edies Afrontamento, 27-29.3. Criada em 1991, reuniu os municpios de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Pvoa, Valongo, Vila

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    acabou por se aliar vontade dos Municpios vizinhos de reforar e modernizar as suas ligaes cidade. O Metro

    no Porto responde por isso inteno de reformular os transportes quer no interior da cidade quer na sua ligao com o exterior.No interior do Porto, h preocupaes com uma cidade com forte atrito nos seus movimentos internos, que est esclerosada. Ora, a esclerose o prembulo da decadncia e da morte! Por isso quando esse atrito demasiado,

    se vaticina a degradao e a queda das cidades.1 As intenes do Metro passavam assim por uma tentativa de reequilbrio e revitalizao da malha em mutao, que denunciava j problemas de desertificao em determinadas

    reas. Esperava-se que a oferta de um transporte pblico confortvel, seguro, pontual, e menos poluente, pudesse

    ainda reformular o espao pblico sua passagem e servir no s a acessibilidade de centralidades emergentes,

    como a de um centro histrico algo debilitado, necessitado de incentivos sua recuperao.No conjunto da AMP, evidente a capacidade de atraco dos empregos localizados intra-muros na Cidade do Porto. Mas no pode deixar de surpreender, tambm a importncia dos fluxos que do Porto irradiam para os Concelhos

    Limtrofes.2 A extenso do Metro at alguns destes concelhos justifica-se numa lgica Metropolitana que promove e alicera inter-relaes e interdependncias j existentes. A previso de futuras expanses da rede traduzia assim a inteno de uma AMP mais prxima, mais complementar, e logo mais forte social e economicamente.

    existem trs condies essenciais para a criao de uma verdadeira rea metropolitana. A primeira

    a existncia de acessibilidades, que liguem, de forma eficaz, os vrios municpios. () O Porto,

    contudo, ter de resolver os seus problemas em estreita relao com os seus vizinhos, numa escolha de

    oportunidades comuns, atravs de bases de discusso e de negociao constantes. 1

    1. OLIVEIRA, Lus Valente de (1999), Porto: Uma Cidade Boa para Viver. Porto: Porto Editora, pp. 187.2. OLIVEIRA, Lus Valente de (1999), Idem. pp. 204.3. PORTAS, Nuno (1999), Porto: Uma Cidade Boa para Viver. Porto: Porto Editora, pp. 29-30.

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    D01 - Mapa da rede em Maio de 2009.

    1. Em 2005, passou a designar-se Grande rea Metropolitana do Porto, integrando

    tambm os concelhos de Arouca, S.ta Maria da Feira, S. Joo da Madeira, Trofa e S.to Tirso.

    2. Traado

    Na idealizao de um Metro de Superfcie, as decises sobre um traado no se prendem somente, como no correspondente subterrneo, com uma seleco de pontos notveis onde colocar as estaes que podero depois ser unidos, com maior ou menor dificuldade, por segmentos de recta que perfuram um subsolo comum e, salvo raras excepes, ainda por ocupar. Quando se trata de um veculo que coabita na cidade com arruamentos e quarteires, com automveis e pees, e ainda assim requer como base indispensvel uma via autnoma, as decises sobre o traado tm de respeitar um espao quase sempre densamente ocupado e com inmeras situaes de conflito e sobreposio a ponderar.As decises sobre o percurso a efectuar pelo Metro do Porto foram desde os momentos iniciais amplamente contestadas e debatidas entre os dirigentes polticos que suportaram a sua construo. A ideia base defendida pelos Municpios de Vila Nova de Gaia, Porto e Matosinhos, propunha um percurso nico essencialmente urbano que os interligava. No entanto, a reivindicao da maioria dos municpios da AMP em fazer parte do projecto, acabou por acarretar contnuas modificaes ao traado, num processo de negociaes constantes, que levaram sua ampliao para o de uma rede com vrias linhas, a ser cumprida em duas fases de construo.O traado actual compreende cinco linhas j em funcionamento abrangendo seis municpios: Porto, Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Maia, Vila do Conde e Pvoa de Varzim. Permanecem por construir as duas linhas que uniro a Boavista no Porto a Santo Ovdio (Gaia) e a Lea da Palmeira (Matosinhos). Para completar a segunda fase restam ainda as ampliaes das linhas existentes at Trofa e a Gondomar, que elevaro para oito o nmero total

    de cidades servidas pelo Metro de Superfcie do Porto. Dos nove concelhos que constituram inicialmente a AMP1, apenas dois: Espinho e Valongo, ficaram excludos do traado proposto para as duas primeiras fases. Apesar dessa escolha, devida sobretudo s ligaes ferrovirias consideradas satisfatrias que j possuam com a cidade do Porto, estas duas cidades so consideradas candidatas a uma futura integrao na rede, atravs da ampliao das linhas de Gaia e Gondomar.

    Da primeira fase de construo, a nica at aqui concluda, fizeram parte as linhas A, B, C, D, e E.A linha A, a linha azul, liga a Estao de Sr. de Matosinhos (Matosinhos) ao Estdio do Drago (Porto). Com 15,6km de extenso, a linha possui um total de 23 estaes que demoram aproximadamente 49 minutos a percorrer.

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    1.Campeonato Europeu de Futebol realizado em 2004 em Portugal e que previa vrios jogos, entre eles o inaugural, a realizar na cidade do Porto. Os jogos foram disputados no Estdio do Drago, um projecto da autoria do Arq. Manuel Salgado, construdo em 2003 especialmente para esse efeito.

    Foi a primeira a ser inaugurada em Janeiro de 2003, com a ligao entre Sr. de Matosinhos e a Estao da Trindade, mas s em Junho de 2004 foi estendida at ao Estdio do Drago, a tempo de transportar os primeiros adeptos para o Euro20041 . Trata-se de uma linha de importncia fundamental, uma vez que constitui pela primeira vez o troo Sr. da Hora Estdio do Drago, que pretendia ser depois partilhado por outras trs das cinco linhas da primeira fase. A linha B, a linha vermelha, liga a Estao de Pvoa de Varzim ao Estdio do Drago (Porto). Aumenta rede 24,2km de extenso a partir da Estao Sr. da Hora para Norte, e possui um total de 35 estaes que demoram

    aproximadamente 66 minutos a percorrer. Foi inaugurada em Maro de 2005, at Estao de Pedras Rubras, e

    completada um ano mais tarde com a chegada Pvoa de Varzim. A linha utiliza um canal ferrovirio preexistente, aberto no sculo XIX, e substitui portanto o comboio que ligava os concelhos da Pvoa de Varzim e de Vila do Conde cidade do Porto.

    A linha C, a linha verde, liga a Estao do ISMAI (Maia) ao Estdio do Drago (Porto). Aumenta rede 10,5km de extenso a partir da Estao Fonte do Cuco para Nordeste, e possui um total de 25 estaes que demoram aproximadamente 45 minutos a percorrer. Foi inaugurada em Julho de 2005, at Estao Frum Maia, e completada em Maro de 2006. Parte do trajecto construda, tal como na linha B, sobre um canal ferrovirio preexistente que servia a linha da Trofa, e unia via comboio esta cidade e a Estao da Trindade no Porto.

    A linha D, a linha amarela, liga a Estao do Hospital de S. Joo (Porto) Estao D. Joo II (Vila Nova de Gaia). Com 7,7km de extenso, a linha possui um total de 15 estaes que demoram aproximadamente 23 minutos a percorrer. Foi inaugurada em Setembro de 2005 e a nica a cruzar o tronco comum das restantes quatro linhas e a atravessar o Rio Douro. Criada para servir as deslocaes norte-sul na cidade, pressups inicialmente a construo de uma nova ponte, a ideia foi entretanto ultrapassada e substituda pela reestruturao do tabuleiro superior da ponte Luiz I para a instalao de duas vias dedicadas exclusivamente travessia do Metro. Sem tneis nem canais ferrovirios preexistentes e sem espao para circular, o traado resultou de extensas escavaes sob a cidade consolidada, e obrigou a que oito das quinze estaes fossem completamente enterradas. Como resultado, o percurso assume um carcter misto subterrneo/superfcie que lhe permite, no s tempos de deslocao imbatveis, mas tambm uma forte componente cnica com o longo trajecto escuro a desembocar numa vista privilegiada sobre a cidade.

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    1. imagem do que aconteceu com a primeira travessia do Douro por parte do Metro do Porto, tambm esta segunda, tem vindo a suscitar algum debate e polmica. A equipa da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto liderada por Paulo Pinho, a quem o Metro do Porto e o Ministrio das Obras Pblicas encomendaram um estudo para a segunda fase da rede de metropolitano, props em Dezembro de 2007 a adaptao da Ponte da

    Arrbida e a ampliao do tabuleiro principal como uma soluo para o atravessamento. No entanto, a hiptese de uma nova ponte para esse efeito tambm defendida por alguns pensadores da cidade como o gegrafo Rio Fernandes, e tem o conhecido apoio do presidente da Cmara de Gaia, Lus Filipe Menezes.

    A linha E, a linha violeta, liga a Estao Aeroporto (Maia) ao Estdio do Drago (Porto). Aumenta rede 1,5km de extenso a partir da Estao Verdes para Oeste, e possui um total de 21 estaes que demoram aproximadamente 33 minutos a percorrer. Tendo sido a ltima a ser inaugurada, em Maio de 2006, concluiu com a sua entrada em funcionamento a primeira fase de construo. Com o principal objectivo de ligar a rede ao Aeroporto Francisco S Carneiro, esta linha na realidade uma pequena derivao da linha B com a qual comparte a grande maioria do traado. Apesar de apenas acrescentar trs novas estaes rede, esta linha permite com isso uma ligao directa, sem intermedirios, do centro da cidade ao recinto do Aeroporto, e constitui por si s um dos exemplos notveis de complementaridade na rede do Metropolitano de Superfcie do Porto.A segunda fase, ainda por construir, prev a ampliao das linhas A, C e D, bem como a construo de duas linhas completamente novas: F e G, que serviro a parte ocidental da cidade.

    A linha A dever ser ampliada a norte desde a Estao de Sr. de Matosinhos at Estao Belchior Robles

    (Lea da Palmeira), e a oriente desde a Estao Estdio do Drago at Estao de Gondomar.

    A linha C dever ser ampliada a norte desde a Estao ISMAI at Estao da Trofa, completando assim a substituio da anterior ligao ferroviria.A linha D dever ser ampliada a sul desde a Estao D. Joo II at Estao S.to Ovdio (Vila Nova de Gaia),

    e a norte desde a Estao Hospital de S. Joo at Estao Parque da Maia, criando assim a possibilidade de transbordo com a linha C e uma maior interaco do sistema.A linha F, que ser a cor-de-rosa, est projectada para unir a Estao da Casa da Msica (Porto) com a Estao Belchior Robles (Lea da Palmeira). O traado prev a descida da Avenida da Boavista pelo corredor central at ao Castelo do Queijo, e a interligao depois com a linha A na Estao de Matosinhos Sul com a qual partilhar o percurso at Lea da Palmeira. Esta linha permitir uma relao mais prxima com todas as actividades de

    carcter central instaladas ao longo da Av. da Boavista, mas tambm uma importante abertura da rede frente de mar, ao Passeio Alegre e ao Parque da Cidade, importantes centros de lazer na vida dos habitantes do Porto.A linha G, que ser a cor-de-laranja, est tambm projectada para partir da Estao da Casa da Msica

    (Porto) at Estao de S.to Ovdio (Vila Nova de Gaia), onde partilhar a estao terminal com a linha D. O trajecto previsto ter passagem pela centralidade em torno do Centro Comercial e do Mercado do Bom Sucesso, descida at ao Plo Universitrio do Campo Alegre, atravessamento do Rio Douro1, e um percurso depois em Vila Nova de Gaia,

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    cota alta, que serve a centralidade em torno do Centro Comercial Arrbida e grande parte do interior da cidade.

    O projecto do Metropolitano de Superfcie do Porto assume na totalidade do traado j previsto, um carcter

    Metropolitano na verdadeira acesso da palavra, cumprindo com o papel de meio unificador que lhe competia, no s no Porto mas um pouco por toda a regio. Apesar de extensa e igualitria, a rede traada assume, contudo, uma certa tendncia radial que favorece pouco a interaco entre linhas. O troo que une a Estao de Sr. da Hora ao Estdio do Drago alberga quatro das cinco linhas actuais, o que condiciona a circulao dos veculos em toda a extenso dessas linhas. A total saturao desse trajecto e a necessidade de partilha da via acabam por ditar uma frequncia mais baixa dos veculos nos percursos que lhe so afectos, como o caso das linhas de maior alcance: B (Pvoa de Varzim) e C (Trofa). Aqui, a substituio das ligaes ferrovirias da CP preexistentes, deixa tambm algumas reservas aos utilizadores, que se queixam da inadequao deste tipo de transporte ligeiro. Os utentes destas linhas de carcter suburbano, com baixa densidade populacional, no apreciam o nmero excessivo de estaes, nem a reduo da velocidade que implicam.A expectativa para os futuros percursos a contemplar pelo traado do Metro do Porto so ainda muitas e variadas. Desde aqueles que vm no Metro uma oportunidade de reequilbrio ao nvel da AMP, nomeadamente com a ligao a concelhos mais pobres e menos influentes como o de Gondomar ou de Valongo, at aos que vm com desagrado as longas linhas lineares ou defendem pelo contrrio a aposta em linhas circulares1 que possam cruzar as principais estaes do interior do concelho do Porto; todos parecem contudo acreditar que a soluo para os problemas de transporte na e para a cidade do Porto passa pela expanso e evoluo deste sistema. Haver com certeza que o adaptar s exigncias de cada percurso, e complement-lo talvez com sistemas de capacidade mais reduzida como sejam os elctricos ou os autocarros, no entanto, no h dvida que o traado do Metro de Superfcie do Porto e continuar a ser no futuro uma oportunidade para repensar e requalificar o transporte na cidade. 1. Quer o estudo encomendado sobre a segunda fase de expanso do Metro, quer os pareceres que a empresa Metro do Porto pediu ao arquitecto Manuel Correia Fernandes,

    ao gegrafo Rio Fernandes, ao economista Jos Costa, e ao engenheiro Antnio Babo; todos

    se mostram favorveis ao conceito de uma linha circular para o Porto. Sem consensos porm quanto ao traado, os especialistas concordam que esta linha, tendencialmente subterrnea, traria vantagens rede no interior da cidade.

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    3. Consequncias Urbanas

    Uma via exclusiva, fornecimento de energia constante, e pontos de paragem onde se possam fazer as trocas de passageiros, so as principais imposies urbanas de um sistema de metro ligeiro numa qualquer cidade. No entanto, estes requisitos aparentemente bsicos so sempre tanto mais difceis de cumprir, quanto maiores as

    condicionantes do meio em que se insere. Implementar um Metro Ligeiro de Superfcie centrado na cidade do

    Porto, onde a malha bastante antiga e quase sempre consolidada serve de palco a essas imposies, significou ponderar e aceitar srias consequncias urbanas. Ainda que a implementao do Metro no Porto se tenha servido inicialmente daqueles que eram os canais de chegada das linhas ferrovirias da Pvoa de Varzim e da Trofa, onde as condies de exclusividade e alguns dos pontos de paragem estariam j garantidos, medida que se vai afastando destes canais mais e mais questes

    foram sendo necessrias resolver. Mesmo nos canais pr-existentes, herdados do comboio, foi indispensvel a introduo do fornecimento elctrico, a garantia de duas vias de circulao constantes, e a alterao da frequncia dos pontos de entrada e sada de passageiros. Os anteriores apeadeiros foram assim convertidos em estaes, e at as estaes existentes foram reajustadas ou mesmo reconstrudas para acolher as novas exigncias. Ao longo do canal que unia a Sr. da Hora e a Trindade, um dos trajectos mais frequentados e com maior importncia da actual rede Metro, foram vrias as operaes de ajustes tcnicos e estruturais que permitiram a passagem dos novos veculos, mas as mais visveis e com maior impacto urbano so sobretudo a duplicao da via que permite a circulao simultnea nos dois sentidos e a repetio dos elementos metlicos verticais da catenria que ilumina e electrifica a via. As ruas que envolviam a linha foram tambm repensadas para optimizar

    a circulao pedonal, automvel e o estacionamento; e pontos de conflito da linha com a cidade foram resolvidos

    com vrias passagens desniveladas que permitem o contnuo fluir de todos os movimentos. Para corresponder

    maior interaco deste sistema com os utilizadores, foi tambm necessrio o redesenho dos passeios de e

    para o Metro, que levou criao de pequenos novos espaos pblicos, alguns deles com reas ajardinadas, e implementao de um novo mobilirio urbano condizente.Nos canais ferrovirios da Pvoa de Varzim ou da Trofa, para norte da Sr.a da Hora, as intervenes foram tambm significativas nas estaes de maior importncia. Alguns dos conflitos com a rede viria permaneceram

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    por resolver, com muitas das passagens de nvel a obrigarem ainda a uma coexistncia constrangedora, no entanto, de salientar que a criao de muitos e novos pontos de paragem ao longo destes trajectos contribuiu igualmente para a criao de uma rede de pequenos espaos pblicos em torno deles, com grandes reas ajardinadas e muitas rvores. Uma das principais novidades nestas estaes ainda a preocupao com o parqueamento automvel, que deu origem a um vasto conjunto de parques de estacionamento ao longo de ambas as linhas, e que permitem aos utilizadores que habitam nestas reas metropolitanas levar o carro at ao Metro e utiliz-lo depois para evitar

    o trnsito na cidade do Porto. Esta parece uma excelente resposta , cada vez maior, dependncia automvel das populaes urbanas, e que potencia a soluo de um dos objectivos do Metro, a diminuio do trnsito no interior da cidade, ao mesmo tempo que permite aos utentes uma situao de compromisso e de deslocao cmoda com o automvel desde as suas casas at ao Metro.Fruto de um parcelamento urbano exguo, e de uma evoluo histrica que muito pouco se lhe ops, a cidade do Porto, sobretudo na zona da Baixa e em torno do que considerado o seu centro histrico, possui um

    espao pblico fisicamente reduzido. Constitudo essencialmente de ruas estreitas, algo desniveladas e com poucos lugares onde os pontos de paragem pudessem ser criados, o ncleo central da cidade foi para o Metro de Superfcie o mais difcil de ocupar. Mesmo sem espao superfcie para circular, e com o inevitvel enterramento

    da linha, os resultados da sua passagem subterrnea parecem vir tona como se de uma cura interior se tratasse.

    As linhas e os cais de acesso emersos no subsolo fazem-se prever cota da cidade por pavimentos reordenados, e

    escadas de acesso s galerias, elas prprias amplificadoras de um renovado espao pblico. Os novos elevadores

    vitrificados, bem como as placas indicativas do Metro, rejuvenescem e alegram a cidade, e no contraste com as fachadas oitocentistas representam uma interveno que se pretende respeitadora e consciente, mas ainda assim contempornea, eficiente e agilizada.

    Nos casos em que os canais, embora completamente novos, encontram espao para se desenvolverem

    superfcie, como acontece na linha de Matosinhos, em Vila Nova de Gaia, ou na Maia, estes chegam a criar autnticos

    boulevards metro. Nestas situaes, a introduo do Metro tornou-se rapidamente uma fonte de solues e

    um pretexto para a reformulao e requalificao de toda uma faixa envolvente ao territrio em que toca. No enorme tapete verde sobre o qual o Metro desliza em Matosinhos, ou nas ruas que promoveu a pedonais com a sua passagem pelo centro da cidade; na reestruturao da Ponte Luiz I de que se serve para chegar a Vila Nova de

    F01 - F02. Transformao do tabuleiro superior da Ponte Luis I. (pgina anterior)

    F03 - F04. Transformao da Avenida de Frana. (pgina anterior)

    F05 - F06. Transformao da Estao da Trindade - Rua. (pgina anterior)

    F07 - F08. Transformao da Estao da Trindade - Cais. (pgina anterior)

    F09 - F10. Transformao da linha ferroviria na Lapa. (pgina anterior)

    F11 - F12. Transformao da linha ferroviria na Senhora da Hora. (pgina anterior)

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    F13 - F14. Transformao da Estao Senhora da Hora - Cais. (pgina anterior)

    F15 - F16. Transformao da Estao Senhora da Hora - Edifcio. (pgina anterior)

    F17 - F18. Transformao da Avenida de Antnio Domingues dos Santos. (pgina anterior)

    F19 - F20. Transformao de um conjunto habitacional em Matosinhos. (pgina anterior)

    F21 - F22. Transformao do espao junto A28/IC1. (pgina anterior)

    F23 - F24. Transformao da Estao da Pvoa de Varzim. (pgina anterior)

    1. Dentro da cidade do Porto, a rede de Metro permite em certas estaes uma correspondncia com outros transportes pblicos, como sejam os autocarros ou elctricos dos Servios de Transportes Colectivos do Porto (STCP), os caminhos-de-ferro dos

    Comboios de Portugal (CP), ou o Funicular do Guindais.

    Gaia, ou na recuperao dos espaos na Serra do Pilar; no Viaduto Maia Sul ou nas alteraes que introduziu no centro da cidade da Maia, por todo o lado encontramos exemplos notveis destas consequncias urbanas. Devidas inteiramente a intervenes com um propsito Metro, so smbolos de uma arquitectura de qualidade superior e que produziu espaos, e melhor ainda, reorganizou outros, sempre com claros benefcios para a cidade.As estaes de maior importncia, sobretudo aquelas que servem de interface entre vrias linhas ou com meios de transporte complementares1, foram tambm responsveis por algumas das principais transformaes urbanas. o caso das estaes da Trindade, Casa da Msica, Sr. da Hora, So Bento, ou Parque da Maia, que procurarei mais frente estudar com maior detalhe, capazes de introduzir por si s um certo carcter de centralidade associada aos movimentos na cidade. ainda curioso notar que se trata talvez da primeira vez que se constroem no Porto arquitecturas para a mobilidade interna, no meros pontos de chegada ou partida da cidade, mas de verdadeiros plos de distribuio interna. So estaes pensadas como partes conectadas entre si, regidas por uma arquitectura maior sem edifcios, que serve a cidade e os movimentos dentro dela. Uma Arquitectura a que eu gosto de chamar Andante, porque andou tambm sobre a cidade, deixando com isso consequncias a uma escala sem precedentes.

  • II - Metros do Mundo

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    D02. Construo do Metropolitan Railway nos arredores da Estao de Kings Cross.

    1. Derivada da palavra grega metrpolis (mtr = me, ventre + polis = cidade), designa

    reas urbanas formadas por uma ou mais cidades ligadas entre si fisicamente ou atravs

    de fluxos de pessoas e servios.

    1. Londres, Paris e Nova Iorque: exemplos incontornveis

    Todos os sistemas Metro derivam, como o prprio nome indica, da necessidade de dar resposta a um problema exclusivo da Metrpole1. Faz por isso todo o sentido, que o nascimento e a difuso deste tipo de transporte tenham ficado para sempre ligados a algumas das grandes cidades do mundo moderno, e mais particularmente a trs dos seus melhores exemplos: Londres, Paris e Nova Iorque. Estas cidades que partilharam durante os anos que se seguiram Revoluo Industrial o papel de cidades mais importantes do mundo foram vtimas da migrao massiva para os centros urbanos e protagonizaram alguns dos mais incrveis crescimentos populacionais de sempre. Entre os problemas que da resultaram, punha-se o do transporte num espao urbano sobrelotado, j que era urgente organizar os movimentos dirios caticos de centenas de milhares de trabalhadores a caminho dos seus empregos.

    A primeira vez que os caminhos-de-ferro so enterrados numa cidade para satisfazer as necessidades de deslocamento dos seus habitantes, acontece em Londres em 1863. Era ento chamado de Metropolitan Railway (Caminho-de-Ferro Metropolitano) e a sua linha de seis escassos quilmetros unia a Estao de Paddington de

    Farringdon Street. Numa cidade que rebentava pelas costuras, e onde o espao superfcie vivia graves problemas de salubridade, a linha subterrnea apresentou uma alternativa vivel e mais controlada para todos os que se queriam deslocar ao longo dos espaos que servia. O sucesso foi imediato e rapidamente se multiplicaram as linhas do transporte que passou a ser designado pelos habitantes como o Underground (por baixo do cho).Com problemas idnticos e uma rivalidade com Londres conhecida, Paris vivia no final do sculo XIX as fortes reformulaes urbanas de Haussmann, e no escondia tambm a vontade de estabelecer uma rede de

    caminhos-de-ferro no interior da cidade. Existiram vrios projectos, sempre envoltos em grande polmica, mas s aps a tomada de iniciativa londrina, e com o aumento da presso da opinio pblica francesa, se reuniram as condies necessrias e a cidade avanou com as escavaes. At que em 1900, ano em que tanto a Exposio Universal como os Jogos Olmpico de Inverno teriam lugar em Paris, a cidade apresentou ao mundo a primeira linha do seu Chemin de Ferre Mtropolitain entre Porte de Vincennes e Porte Maillot.No caso de Nova Iorque, uma cidade com um crescimento exponencial idntico, a histria urbana era contudo mais recente do que a de Londres ou Paris, e era por isso menos densa a malha que a estruturava. A

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    esttica da cidade norte-americana era alis to diferente que circulavam no seu interior, desde a segunda metade do sc. XIX, comboios a vapor nas chamadas linhas elevadas1. Em 1904, a cidade acabou no entanto por adoptar e desenvolver um sistema idntico ao das congneres europeias, abrindo ao pblico a primeira de uma vasta rede de linhas subterrneas, que gradualmente substituiriam as mais complicadas linhas elevadas. O New York City Subway, nome por que ficaria conhecido, tornou-se desde ento um verdadeiro motor para esta cidade com a capacidade de transportar milhes de pessoas diariamente, e comprovou o sucesso do sistema contribuindo largamente para que outros lhe seguissem os passos.Importa tambm salientar nestes exemplos incontornveis de sistemas Metro, aquelas que foram talvez as primeiras decises conscientes de criar imagens urbanas reconhecveis para o novo meio transporte, e que com o passar dos anos acabaram por tornar-se verdadeiros smbolos das intervenes, mas tambm das cidades a que se propuserem servir.

    Em Londres, os passageiros aprenderam a identificar entradas Metro associadas ao logtipo do crculo vermelho com a inscrio Underground a azul (F25). Este crculo automaticamente reconhecvel simbolizava tambm a tpica escavao tubular das linhas que era visvel nos espaos subterrneos, e que lhe valeu a alcunha The Tube. At hoje, esta continua a ser a imagem de marca do transporte, quer visualmente, quer quanto construo do espao enterrado. Construdas inicialmente com recurso a uma construo tradicional cuja caracterstica base era a utilizao do tijolo macio (F26), as estaes londrinas evoluram at hoje para se posicionarem entre as tecnologicamente mais desenvolvidas a nvel mundial. No entanto, mesmo integrando os avanos tecnolgicos e construtivos aos mais diversos nveis, o Metro de Londres continua a definir-se por um espao enterrado

    abobadado, exguo, e extremamente funcional (F27). Os seus cais de embarque so marcados por uma filosofia britnica de rigor e ordem, que opta agora normalmente por fazer corresponder um tnel distinto a cada sentido da estao. A circulao dos veculos nestes casos encostada a uma das paredes curvas de forma a libertar a metade restante do espao para a plataforma de acesso, e permitindo assim que a parede oposta possa ser utilizada nas combinaes com o espao tubular simtrico, e no relacionamento com os sistemas de acesso superfcie. Esta hierarquizao no s assegura um aproveitamento mximo do espao criado sob o cho, como resulta tambm numa construo rpida, inequvoca e eficaz.Em Paris, o Arquitecto Hector Guimard foi contratado em 1899, para desenhar as mundialmente reconhecidas

    1. Trinta e cinco anos antes do aparecimento do primeiro metro enterrado em Nova Iorque, existiam j linhas sobrelevadas por meio de viadutos em ferro que cruzavam as ruas apenas alguns metros acima do movimentado cho da cidade. Essas primeiras linhas construdas em Manhattan na dcada de 1970 para garantir as deslocaes no interior da ilha eram de resto uma soluo comum a muitas outras cidades Norte-Americanas.

    F27

    F25 F26

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    entradas Art Nouveau, que sinalizavam as escadas de acesso aos tneis do metropolitano (F28). Construdas em ferro fundido, estas entradas ostentavam formas e motivos florais arrojados que atraam o olhar dos utilizadores

    destacando-as do entorno urbano, e pretendiam aliar ao transporte inovador o simbolismo e o modernismo da

    arte de ento. Apesar de se tratarem de peas claramente datadas e no mais repetidas, as entradas enraizaram-se de tal forma na imagtica e na cultura parisiense, que se mantm at hoje religiosamente intocadas. Ao contrrio do que acontece em Londres, as estaes tm normalmente um cais onde ambos os sentidos se cruzam sob uma abbada unificada e maior. A disposio das plataformas de acesso varia conforme as necessidades particulares

    de cada estao e do seu contacto com a superfcie, ora colocadas perifericamente contra a parede curva, ora unidas centralmente sob um p direito maior. A imagem do Metro de Paris e do espao subterrneo que foi criando ao longo dos anos est ainda profundamente conotada com a utilizao do azulejo branco. Este foi o material de eleio constantemente utilizado no interior das estaes iniciais, nas quais eram integrados painis distintivos para dar a conhecer de forma clara o nome de cada estao (F29). As peas rectangulares e vitrificadas que revestiam uniformemente o espao, no s permitiam uma maior higiene e facilidade de limpeza das paredes, como reflectiam e ampliavam tambm a iluminao forosamente artificial do subterrneo, produzindo um efeito quase dramtico e de grande beleza (F30).Em Nova Iorque os espaos dedicados ao Metro foram construdos sobretudo com recurso ao mtodo cut and cover1, que escava ao longo das suas maiores avenidas para instalar as linhas, refazendo-as depois novamente

    sobre ele. A sua imagem ficou assim intimamente ligada das pequenas aberturas ao longo dos passeios nas ruas principais, demarcadas por uma guarda com a inscrio Subway, onde as escadas conduziam ao espao subterrneo imediatamente abaixo (F31). Dada a configurao da malha na cidade, este mtodo garantiu inicialmente com

    grande eficincia e economia de meios a satisfao da grande maioria dos principais fluxos nova-iorquinos. As entradas foram mais tarde apetrechadas com candeeiros esfricos muito particulares e j enraizados no panorama urbano, que atravs de um sistema de luzes de diferentes cores comunicam aos utilizadores o regime horrio em que funciona cada estao. Quanto aos espaos enterrados sob a cidade, e devido ao mtodo construtivo utilizado, ficaram para sempre marcados pelos omnipresentes pilares metlicos (F33), naquela poca imprescindveis como forma de suportar uma cobertura plana que servia simultneamente como laje de algumas das rua mais movimentadas do mundo. Apesar de resultarem em elementos algo incmodos e inconvenientes ao fluir dos 1. Termo tcnico ingls para designar o mtodo de construo em trincheira.

    F28

    F30

    F29

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    1. Desta lista, efectuada com base nos dados estatsticos fornecidos pelas prprias empresas e referentes na sua maioria ao ano de 2007, constam respectivamente os seguintes metros: Tquio (2916 milhes), Moscovo (2529 milhes), Nova Iorque (1850 milhes), Seoul (1654 milhes), Mxico (1417 milhes), Paris (1409 milhes), Hong Kong (1136 milhes), Londres (1014 milhes), Osaka (877,8 milhes), e So Paulo (845 milhes).

    movimentos nas estaes, estes mtodos permitiam cidade grandes canais de circulao enterrada ao longo da malha, construdos de forma muito rpida e a baixo custo. Salvo casos muito excepcionais, o conjunto de espaos criados foi visto com um intuito quase meramente funcional, sobretudo numa relao de complementaridade com a rua, e por isso nunca cuidado enquanto espao interior em si mesmo, mas antes como parte assumidamente secundarizada e subserviente do espao urbano superfcie.Por serem exemplares Metro dos mais antigos, e com ndices de utilizao muito elevados, qualquer uma das intervenes possui um conjunto de espaos to extenso quanto variado. Foram sendo sucessivamente alvo de adies e desenvolvimentos diversos, ao longo de histrias recheadas de linhas construdas, reconstrudas e por vezes abandonadas. Actualmente contam j com vrias linhas que se estendem pela cidade para conformar redes mais apertadas e heterogneas, entrecruzando estaes feitas no passado, algumas delas revistas, com aquelas que continuam a desenhar-se at hoje. Essa evidente multiplicidade, introduzida pela proliferao de espaos e

    de linguagens algo diversas, torna-nos j quase impossvel, para qualquer uma das intervenes, descrever ou

    caracterizar estaes tipificadas e completamente fiis s construes iniciais. Embora j mltiplos e abrangentes, estes Metros e os espaos que criaram, mantm ainda assim muitos dos princpios e ideias que estiveram na sua gnese no final do sc. XIX, continuando sem dvida alguma a constituir modelos de interveno perfeitamente

    identificveis, e desenvolvidos em estreita relao com as cidades que os originam.Mais de um sculo passado, qualquer um destes exemplos histricos e incontornveis permanece ao servio das suas Metrpoles. Segundo dados estatsticos, e apesar do crescimento acelerado das metrpoles asiticas e sul-americanas das ltimas dcadas, todos eles continuam a figurar na lista dos dez sistemas de metropolitano com maior nmero de passageiros transportados por ano1. Ao adaptarem-se e evolurem como qualquer organismo urbano, integraram a evoluo da tecnologia e do grau de exigncia da populao, mantendo-se no entanto sempre

    fiis quele que o propsito comum dos Metros em todo o mundo: a satisfao de uma permanente necessidade de movimento nas cidades.

    F31

    F33

    F32

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    1. Exemplo do cuidado dedicado a essas intervenes a Estao Terminal de Hoenheim da Arquitecta Zaha Hadid, que em 2003 foi galardoada com o Prmio da Unio Europeia para Arquitectura Contempornea Mies Van der Rohe.

    2. Estrasburgo e Bordus: dois parentes prximos

    Aquando da deciso de construir no Porto um Metro Ligeiro de Superfcie, atravs de um processo que j

    tentei resumidamente explicar, os responsveis pela iniciativa do projecto fizeram, a ttulo de estudo, vrias visitas a uma das naes europeias com maior experincia na implementao desse sistema, Frana. Estas viagens que se iniciaram em 1990, numa fase ainda embrionria do projecto, com a visita do recm-eleito Presidente da Cmara do Porto Fernando Gomes a Estrasburgo, acabariam por servir aos responsveis polticos para conhecerem melhor este tipo de transporte e para obterem junto dos homlogos franceses informaes mais detalhas sobre o projecto e os possveis modelos de financiamento. Quanto daquilo que viram e ouviram ter influenciado as suas maneiras de entender o Metro e as decises que tomaram depois, impossvel dizer com certeza, no entanto em duas das cidades visitadas: Estrasburgo e Bordus, os princpios gerais do Metro sugerem tais semelhanas com aqueles adoptados para o Porto que merecem na minha opinio um olhar mais atento.No incio da dcada de noventa, Estrasburgo e Bordus partilhavam com o Porto a inteno de responder ao problema do transporte urbano com a construo de um sistema de Metro Ligeiro, ou Tramway como conhecido em Frana. Tanto Estrasburgo como Bordus eram cidades com uma tradio comum no uso do transporte sobre carris na cidade, onde desde o final do sculo XIX vinham sendo utilizados em larga escala e cujas linhas atingiam em ambos os casos as duas centenas de quilmetros. Com o crescimento da utilizao do automvel e o congestionamento progressivo das ruas a que se assistiu durante a segunda metade do sculo XX as velhas linhas do Tram acabam por no resistir concorrncia e ao maior conforto dos autocarros para em 1958 em Bordus e 1960 em Estrasburgo fecharem por completo. Alguns anos mais tarde e com as primeiras consequncias nefastas da omnipresena automvel naquelas cidades, surgem rapidamente intenes de reconstruir e evoluir os Tramway de forma a garantir um transporte menos poluente e reduzir a saturao do espao urbano. Estrasburgo a mais rpida das trs cidades a inaugurar a primeira linha em 1994, e acaba por dar um exemplo de como a construo de um Metro de Superfcie pode ser pretexto tambm para uma reformulao urbana. Com a preocupao de integrar o transporte na cidade so designados arquitectos que garantam essa qualidade, e mesmo na periferia os espaos so tratados com ateno especial circulao pedonal, ao

    parqueamento automvel e arborizao.1 Actualmente com cinco linhas que se entrecruzam e que garantem

  • 32

    em algumas estaes a correspondncia com outros transportes, a rede de Estrasburgo configura um crculo

    em torno da zona central da cidade que se ramifica depois em vrias direces periferia urbana. No decorrer da fase de projecto, os Arquitectos do Metro do Porto conheceram e estudaram as solues encontradas nesta cidade como referncia, sobretudo para as intervenes superfcie que se deram em Matosinhos, na Maia, ou no

    percurso at Pvoa de Varzim.

    Em Bordus o processo foi mais longo, e a inaugurao da primeira linha acaba por s acontecer no final de 2003, depois da entrada em funcionamento da primeira linha do Metro do Porto em Janeiro desse ano. Ainda assim repetido o princpio de uma interveno que se alia a uma reviso urbanstica cuidada da cidade onde os principais beneficirios pretendem ser os pees e os ciclistas. So construdos tambm os parqueamentos na periferia da cidade que pretendem dissuadir a chegada do automvel ao seu interior. A rede de Bordus conta actualmente com trs linhas construdas que conformam, tal como em Estrasburgo, um anel na zona central da cidade, onde possvel permutar entre todos os percursos que linearmente irradiam depois para a periferia. A maior novidade introduzida pela interveno de Bordus talvez a inovao tcnica do fornecimento de electricidade no solo, que permite enterrar e esconder das perspectivas do espao pblico toda a catenria e a cablagem elctrica presentes quer no Porto, quer em Estrasburgo.Embora pensados e projectados num mesmo tempo, com objectivos idnticos, e para cidades de caractersticas muito prximas ao Porto, os dois sistemas franceses acabam por se materializar numa construo menos contnua e unificadora. Mais apoiados na tradio e na experincia diversificada dos Tramway naquele pas, a inovao que propem acaba por no ultrapassar nunca a mera reviso e actualizao dos seus valores. Em nenhum dos casos se consegue criar uma imagem to aglutinadora e personalizada como a do Porto, capaz de identificar a interveno como prpria daquelas cidades. Ainda que pontualmente bem conseguidas, e capazes de produzir espaos de qualidade na cidade e fora dela, ambas as construes se mostram, no entanto, descontinuadas e com critrios muito variados ao longo do percurso. Dado o grau de semelhana do conceito, e a contemporaneidade na execuo da obra, estes sero os exemplos ideais daquelas que foram as principais diferenas, as particularidades, e as qualidades nicas do projecto Metro do Porto.

    Tanto em Estrasburgo (F34), como mais tarde em Bordus (F35), o Metro de Superfcie ser sem dvida um importante e singular veculo, que permite aos seus utilizadores uma forma transparente e interessante

    F34

    F35

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    de se movimentarem pela cidade. Ao nvel do patrimnio construdo, e do conjunto de espaos que criaram ou cruzaram na cidade, no atingiram porm a qualidade da interveno levada a cabo no Porto. Enquanto elementos constitutivos do espao pblico superfcie, estes dois parentes prximos no tiveram, a meu ver, a capacidade de

    ultrapassar o estatuto de infra-estrutura urbana. Integraram-se no espao com o intuito exclusivo de o servir, sem contudo aspirarem a provocar melhorias efectivas sobre a cidade em seu redor. Pelo contrrio, no Porto, o Metro integrou-se no composto urbano que atravessa, reformulando-o a cada passo. Pode agora dizer-se que no est no espao como estaria em Estrasburgo ou em Bordus, simplesmente porque tomou parte na sua construo, e ao faze-lo reagiu com a cidade, integrando-a a ela tambm.

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    3. Bilbao: o Metro de Norman Foster

    Alguns anos antes da operao levada a cabo no Porto, construa-se em Bilbao um metropolitano com algumas semelhanas, onde o papel particular do Arquitecto e da Arquitectura se mostraram igualmente notveis. As semelhanas no estaro tanto no sistema ou nas formas obtidas, mas sobretudo ao nvel do processo e dos resultados produzidos. Este talvez um dos exemplos mais prximos do Metro do Porto, enquanto fruto de uma parceria equilibrada entre Arquitectura, Engenharia, e Construo. Como responsvel pelo desenho das estaes, o Arquitecto Norman Foster ficar para sempre ligado imagem do metropolitano e da prpria cidade, ao ponto de podermos chamar a este: o Metro de Norman Foster.O Metro de Bilbao foi construdo entre 1988 e 1995 como culminar de um processo muito longo que tentava dar resposta ao crescimento catico daquela zona metropolitana, onde se receava um estrangulamento do trnsito automvel. Aps vencer o Concurso Internacional, no qual se disputava o Desenho Arquitectnico das Estaes, Foster dirige a concepo de espaos ao longo de cerca de 38km de rede, com um total de 36 novas estaes. Embora no seja uma interveno exclusivamente subterrnea, sobretudo nas suas 20 estaes enterradas que desenvolvido um maior esforo. O desenho cuidado e o pensamento arquitectnico so nestes espaos mais evidentes, e postos ao servio da cidade e do sistema, elevando-o ao que poderamos chamar um Metro de Autor. Ao apostar fortemente na Arquitectura como parte integrante do processo de desenvolvimento de um Metro, Bilbao consegue um organismo urbano de grande carcter, e que influi activamente no panorama da cidade. A sua imagem bastante forte e clara assenta sobretudo numa arquitectura que recorre ao beto, ao ferro, e ao vidro, para definir um novo e atractivo meio para o transporte na cidade. A ateno ao pormenor e a nobreza dos materiais colocam a qualidade a par da funcionalidade do espao, abrindo um novo captulo neste tipo de programa.

    Um sistema metro uma excelente demonstrao de como o ambiente construdo influencia a

    qualidade das nossas vidas. A construo de tneis para comboios normalmente tida como isolada do

    fornecimento de espaos para as pessoas apesar de fazerem parte de uma experincia contnua do

    viajante, que comea e acaba ao nvel da rua.1

    D03. Esquisso explicativo das intenes para o espao subterrneo.1. Foster + Partners, Bilbao Metro Description. Pgina consultada a 1 Maio 2009.

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    Uma das caractersticas mais forte de toda a interveno estar, sem dvida, na qualidade e beleza dos espaos criados abaixo do cho. A preocupao no aqui a de criar meros cais de acesso a veculos ou plataformas de troca de pessoas, mas tambm a de criar a prpria cidade enterrada, que se pretende construir com igual dignidade. Os espaos so tratados como importante ponte de contacto entre deslocaes na cidade a nveis distintos, mas tambm como espaos em si mesmo, onde importa trazer bem-estar e qualidade. Esta uma

    afirmao da vontade de quebrar o estigma e o desinteresse generalizado face ao submundo criado normalmente pelo metropolitano enterrado. O trabalho era, de resto, bem conhecido por Souto Moura, que o visitou, tal como os seus colaboradores, com o objectivo de verificar e estudar o efeito de dilatao do espao pblico produzido sobre a cidade. Os espaos tubulares que resultam normalmente da escavao subterrnea, so neste caso completamente assumidos, sendo todas as escolhas de projecto tomadas no sentido de afirmar essa espacialidade, ao invs de

    tentar camufl-la ou reconfigur-la (F36). Sem recorrer a essa regularizao da seco por meio de tectos e paredes planas, aqui a grande curva de beto aparente que conforma o interior das estaes acima da linha, e parece ditar todo o espao. Cada coisa que acontece para alm dela lida como uma adio posterior. A quadrcula desenhada sobre o beto a medida que gera todas as outras, e ao seu ritmo so dispostos elementos metlicos que suportam mezzaninos pendendo sobre a linha, painis informativos, e iluminao. Tudo aposto ao espao principal definido pela abbada, sendo sempre possvel percepcion-lo como contnuo. Essa continuidade dada pelo beto e pelo cinza de que reveste a estao. Mesmo ao longo dos acessos encontramos um beto curvado, criando quase a sensao de que o espao se contorce at sada, desenhando escadarias, tneis de aceso, e por

    ltimo poos de luz, onde d finalmente lugar ao vidro de um mundo mais transparente.

    Apesar de enterradas sob o cho da cidade, a maioria das estaes surge cota da rua de forma inconfundvel. Os famosos acessos que a populao carinhosamente apelidou de Fosteritos (F37), marcam a imagem da cidade superfcie, e anunciam a todos a passagem do Metro num nvel inferior. Nessas entradas para a escada rolante, reproduzida a curva quadriculada da nave principal, com o beto transformado em vidro que a armao de ferro desenha e suporta. Procuram ainda a luz natural, fundamental qualidade na vivncia do espao pblico, mas

    a sua eficcia quase sempre reduzida, resultando sobretudo de um ponto de vista simblico. Durante a noite so iluminados pelo interior, anunciando as entradas de forma muito dramtica e bela recorrendo unicamente

    F36

    F37

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    luz. Servem quase como lanternins que, quer de dia, quer de noite, fazem transparecer na cidade o carcter

    e as ambies de um Metro inovador, que quer simultaneamente abraar a superfcie e marcar uma posio, convidando utilizadores a experimentar um subterrneo que se anuncia limpo, simples, e cuidado. Ao destacarem-se do entorno urbano, as estruturas Hi-tech curvas e transparentes fazem pela imagem da interveno em Bilbao o mesmo que as entradas Art Nouveau em ferro fundido fizeram pelo Metro de Paris no incio do sculo XX. Criaram um cdigo conhecido e reconhecido por todos, que faz j parte do vocabulrio da cidade, mas tambm da imagtica de cada um dos seus habitantes.As estaes de superfcie so claramente menos interessantes, e construdas quase sempre num ambiente caracteristicamente ferrovirio. Ao contrrio do que acontece no Porto, no se aspira tanto um repensar cada

    lugar superfcie na sua totalidade, mas antes uma soluo em que a linha o objectivo, e que por isso acaba voltada sobre si mesma. Com uma qualidade arquitectnica que varia consoante a importncia e o contexto, cada uma das estaes tem um tratamento singular e muito autnomo, tornando-se assim mais difcil identific-las enquanto conjunto.

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    1. MARTINS, Cncio, A Arquitectura do Metro. Jornal dos Arquitectos n 191, Julho/

    Agosto de 1999, pp. 8.

    4. Lisboa: o outro Metro Portugus

    At construo do Metro na cidade do Porto, o nico exemplar de um sistema de transportes deste tipo em Portugal era o do Metropolitano de Lisboa. J numa fase adulta do seu desenvolvimento, e com experincias muito diversas ao longo da sua histria, o exemplo da capital ser uma espcie de irmo mais velho de caractersticas exclusivamente subterrneas algo distintas, mas ainda assim o nico caso capaz de ilustrar o sucesso e a evoluo deste modelo de transportes na outra, nica, rea metropolitana portuguesa. Data de 1885 a primeira sugesto para construir um metropolitano em Lisboa, inspirada pelas concretizaes iniciais do transporte subterrneo de Londres, o primeiro a ser implantado em todo o mundo. Fustigada por srios problemas ao nvel do transporte pblico, que advinham da sua prpria estrutura urbana, Lisboa v-se durante a primeira metade do sculo XX incapaz de introduzir melhorias nos transportes tradicionais, sem o recurso a uma rede subterrnea. Aps longas dcadas de discusso, hesitaes e vrios projectos, a cidade inaugura a 30 de Dezembro de 1959, a primeira fase do seu Metropolitano, compreendendo um total de 11 estaes que desenhavam um Y ao longo das grandes radiais da cidade. Esse traado inicial concebido na dcada de 50, e sucessivamente ampliado na dcada seguinte, fruto de um transporte que aparece com a vaga da urbanizao dos anos 50, momento decisivo na formao da rea Metropolitana de Lisboa.1

    Consideram-se na interveno trs momentos distintos que se caracterizaram por pressupostos e tipologias de espao diferentes: o das construes iniciais da dcada de 60, o da ampliao da rede nos anos 80, e o do esforo de expanso e renovao na ltima dcada do sc. XX. Num momento inicial, o Metro foi sendo construdo com base numa construo a cu aberto ao longo da rua, e conduzido por um modelo arquitectnico integrado numa Arquitectura Moderna Portuguesa, da responsabilidade de Francisco Keil de Amaral e Falco e Cunha. O contributo de Francisco Keil ter sido o mais fundamental j que colaborou com o Metro ao longo de vinte anos, sendo-lhe atribudas as principais decises sobre os acabamentos e todo o design das estaes, entradas, e mesmo o smbolo Metro. As estaes desenvolvidas neste perodo foram muito semelhantes e caracterizaram-se por uma longa nave abobadada que servia de paragem aos comboios, com

    um ou dois trios superiores nos seus topos a partir dos quais se acedia por escadas rua, onde um M vermelho luminoso assente sobre um marco vertical discreto assinalava a entrada. O interior das estaes era marcado pela

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    interveno da artista plstica Maria Keil, sendo as paredes revestidas com painis de azulejo pintados mo da sua autoria, que de um modo econmico e de fcil manuteno individualizavam pelas cores e formas empregues o espao de cada uma das estaes, e introduziam pela primeira vez a vontade de levar a arte ao espao quotidiano do Metropolitano de Lisboa.No decorrer da dcada de 80 a rede expandiu-se pela primeira vez ao longo dos eixos anteriormente definidos,

    e levando mais longe a interveno. Com um esprito renovado, e mais disponibilidade financeira, construram-se espaos com um maior grau de requinte, que dispensavam a tipologia estabelecida anteriormente, face a uma evoluo tecnolgica que permitia a construo de sistemas ortogonais em detrimento das abbadas. A unidade inicial dos anos 50/60 aqui perdida em intervenes entregues a arquitectos diferentes, mais individualizadas e de opes variveis, mantendo contudo um certo gosto pelo revestimento azulejar de artistas plsticos. As dimenses do cais foram mais generosas relativamente s das primeiras estaes, e a prpria presena exterior

    das estaes perde a timidez e modstia das entradas iniciais, oferecendo cidade espaos de entrada cobertos e de uma presena urbana maior, que chega a participar na reorganizao do espao pblico.J no fim do sculo XX, assistimos a uma nova vaga de expanso e renovao, apostada em ampliar a rea de abrangncia de uma rede ainda muito limitada ao antigo centro de Lisboa, e aos principais eixos virios delineadas na dcada de 50. Fortemente motivadas pelo pretexto Expo 98 e pela construo de uma nova linha, a

    do Oriente, o conjunto de estaes e intervenes na cidade cresceu significativamente na procura de contemplar

    novos territrios da cidade j transfigurada, permitindo uma maior correspondncia com outros transportes

    complementares. A forma de encarar o projecto manteve-se porm no plano de uma certa diversificao da imagem iniciada na dcada de 80, sendo chamados a intervir arquitectos de grande prestgio, em alguns casos intimamente relacionados com as zonas urbanas superfcie que serviam, como foi o caso de Toms Taveira ou

    lvaro Siza. Parte do protagonismo dado arte e ao azulejo parece na ltima fase ter-se transposto ao Arquitecto

    enquanto autor, e figura principal responsvel pela qualificao nica do espao da estao.

    A rede de Metropolitano de Lisboa iniciou-se modesta e reduzida, mas foi crescendo lentamente ao longo dos ltimos 50 anos de existncia, enfrentando as diferentes condies, pressupostos, e necessidades urbanas em que se desenvolvia. Conta hoje em dia com uma rede j madura e extensiva sobre o territrio, que enfrenta agora dvidas quanto ao carcter e pertinncia das suas expanses futuras. No que toca sua Arquitectura destacam-se

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    nos ltimos anos alguns bons exemplos de estaes desenvolvidas por Nuno Teotnio Pereira, Manuel Tanha, ou lvaro Siza, em concordncia com a cidade dentro de uma perspectiva de espao pblico bem desenhado e eficaz, mas sem nunca pretenderem porm atingir a unidade da interveno inicial, homogeneizada pelo contributo fundamental de Keil do Amaral, e da sua mulher Maria do Keil. As intervenes do Metropolitano de Lisboa no ambicionam desde esse perodo uma arquitectura de espaos tipificados e unidos por uma linguagem comum tal como encontramos em Bilbao ou no Metro do Porto, mas vo antes sendo pretextos pontuais e singularizados para um tratamento do espao pblico que feito por partes, a espaos, com resultados que variam na sua qualidade.

    Estao do Parque, Keil do Amaral

    Permanece at hoje como uma das estaes menos tocadas, entre as que fizeram parte do troo inaugural na

    dcada de 50, onde foi estabelecido um conjunto de indicaes grficas e espaciais muito precisas que unificaram e caracterizaram a interveno ao longo do curto canal subterrneo criado sob o centro da cidade. fruto desse projecto tipificado por Keil do Amaral para os trabalhos iniciais, que cada estao fazia depois variar em conjunto com o indissocivel trabalho artstico de Maria Keil sobre os azulejos que revestiam o espao.

    Dada a profundidade de 25m do cais em relao superfcie, a estao englobou partida escadas rolantes, uma excepo entre as iniciais, que ligaram o pavilho de entrada instalado ao nvel da rua a um trio nico elevado sobre a linha onde possvel descer sobre ambas as plataformas do cais. A construo superfcie foi

    uma adio face s restantes estaes, normalmente rematadas na rua por uma singela escada de acesso que

    estava protegida por uma elegante guarda em ao pintado qual era fixa o mastro que sinalizava o Metropolitano.

    O moderno pavilho afirma-se aqui na rua para abrigar a entrada na galeria de acesso ao cais. Com uma planta rectangular e uma cobertura de elementos de beto repetidos em abbada de bero numa soluo tpica da poca, este um espao qualificado pela entrada de luz natural atravs das aberturas semi-circulares que se conformam

    no encontro das abbadas com as paredes opacas laterais. O interior caracteriza-se por uma esttica minimal, com o cho resolvido em beto betuminoso, e as paredes revestidas com azulejos de Maria Keil (F38). O padro concebido para a estao baseia-se em formas triangulares, que vo combinando o verde, o branco, o castanho e o preto, com o sentido depurado e geomtrico do espao que antecede a descida ao subterrneo mais sombrio (F39). A partir da desse espao inicial, as paredes tero sido mantidas sem o revestimento cermico at ao cais, talvez

    F38

    F39

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    1. TOSTES, Ana, Keil no Metropolitano de Lisboa, Arte Minimal. Jornal dos Arquitectos n 191, Julho/Agosto de 1999, pp. 33.

    com a vontade de prolongar a aparncia forte e arrojada do beto no cho e na cobertura, perpetrando a mxima do arquitecto da verdade dos materiais. As galerias posteriores e o espao em abbada do cais, foram na dcada

    de 90 alvo de intervenes de valorizao esttica, e acabaram por ser igualmente revestidas a azulejo, mas desta vez com um tema diverso e aparentemente descontinuado da autoria das artistas plsticas Franoise Schein e Federica Matta de nacionalidade belga e francesa, respectivamente. A conformao do espao permaneceu ainda assim a mesma, estipulada inicialmente para todas as estaes: um cais em abbada abatida de 70m de comprimento, com plataformas laterais de cerca de 4m de largura para o acesso aos veculos, e servidas no topo por escadas que acedem a um mezanino sobre a linha. Trabalho datado, a obra de Keil no Metropolitano, reflecte a opo clssica possvel no final dos anos

    50, deliberadamente minimal e corajosamente desafiando o tempo e o gosto. Mais uma vez, confirma

    a filosofia de abordagem de Keil apostada num grande bom senso, numa obra de definitiva dignidade

    pensada para resistir ao tempo com fcil manuteno e para responder ao oramento limitado posto

    disposio.1

    Estao do Chiado, lvaro SizaConcebida j durante a ltima fase de expanso do Metropolitano de Lisboa, esta contudo uma estao extremamente central na cidade, que se constri no espao subterrneo da baixa pombalina, mais precisamente sob o quarteiro do Chiado em que Siza havia j trabalhado aps o incndio de 88. A estao neste caso dupla por se tratar de um ponto de reunio entre linhas, mas tambm entre cotas distintas da cidade, servidas por um espao comum inferior. Como habitual nas suas obras, Siza mune-se aqui mais uma vez das condicionantes envolvidas: comboios, cidade e das pessoas, para encontrar nelas uma soluo do espao, que surge to natural quanto bela e eficaz.

    O espao enterrado abraa a sua condio fundamental de duas linhas que convergem, assumindo-as separadamente em dois enormes tneis circulares tratados de forma simtrica. Mantendo a simplicidade da parede curva revestida de placas de cermica brancas como tema principal, introduzido no tnel um mezzanino central que parece pairar no seu espao (F40). Essa a cota de circulao privilegiada atravs da qual se faz o acesso ao

    F40

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    cais, mas tambm o piso onde o homem posto em posio central, sobre uma linha normalmente protagonista. A escala do espao tende nele a tornar-se menor, mais prxima do intradorso da abbada que sempre protagonista.

    O mezzanino a pea que tudo define, num espao entre paredes que s toca para se suportar, e que quando o faz

    perfura a curva, unindo-se ao seu simtrico e relacionando com isso o espao de ambos os tneis. O detalhe ou

    ornamento tornam-se aqui quase suprfluos, incapazes de competir com a monumentalidade do branco curvado. cota inferior do cais os veculos perdem presena, domesticados pela cobertura do mezzanino, e a plataforma lateral de espera que se acentua, ampliada pelos enormes vazamentos superiores em que todo o espao se d a entender unificado (F41). A iluminao faz-se pontualmente, por meio de poderosos focos de luz apontados para

    cima, que fazem a luz reflectir-se constantemente nos elementos cermicos vitrificados e escorrer dramaticamente pelas paredes.Os acessos so previstos a cotas diferentes da cidade: um baixo na Rua do Crucifixo, em relao estreita com o elevador de Santa Justa e a Baixa, outro mais acima no Largo do Chiado, servindo percursos mais relacionados com

    a malha interna. As entradas opostas e perpendiculares linha, so conduzidas por meio de galerias serpenteantes mais reduzidas em tudo semelhantes aos tneis principais (F42), at coincidirem sobre o piso do mezzanino sobre a linha. Este percurso rasgado pelo interior do cho, e auxiliado pela utilizao das escadas rolantes, acaba por se afirmar tambm como um percurso alternativo e coberto, que une os espaos em cada extremo ao Metro, e com isso toda a cidade entre eles.

    Estao Cais do Sodr, Nuno Teotnio PereiraA Estao do Cais do Sodr fez parte, tal como o Chiado, da ltima vaga de intervenes em Lisboa que tiveram como objectivo expandir a rede numa relao mais directa com os restantes meios de transporte. Implantada numa posio estratgica, a estao propunha-se servir simultaneamente de interface com os comboios da linha

    de Cascais, e com os barcos que atravessam o Tejo ligando Lisboa margem Sul. sem dvida uma das maiores estaes da rede com uma nave que se estende por mais de 200m de extenso. O seu espao interior reveste-se por isso de uma monumentalidade incontornvel, e tratado com base nesse constante sobredimensionamento a que a enorme utilizao que previa obrigou (F43). Os efeitos dessa maior escala so aproveitados pelo arquitecto e postos ao servio da linguagem em magnficos enfiamentos F43

    F42F41

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    visuais, verticais e horizontais, muitas vezes enfatizados por situaes de luz contrastante, ora pendendo sobre candeeiros pontuais, ora difusa a partir do tecto. A estao inicia-se junto Rua 24 de Junho com um conjunto de escadas abertas sobre o piso inferior

    principal, onde o desnvel se afirma com um p direito total deixado a cu aberto que enche o espao de uma imensa luz natural, e projecta na parede curva de remate da nave um interessante jogo de sombras entre cada pedra saliente (F44). A estao desenvolve-se depois para poente j sob a forma de um paraleleppedo enterrado que lana braos sobre pontos escolhidos de contacto com os transportes que a envolvem. A nave parcialmente coberta pelo conjunto de linhas ferrovirias da estao da CP superfcie, e essa enorme carga a que submetido ditou o remate vertical numa laje de cobertura suportada por vigas de grande seco, que pela sua repetio homogenezam continuamente o espao, alternando os cheios e vazios entre elas. Quer o cho, quer as paredes so revestidos com uma estereotomia de pedra de grande dimenso, ligeiramente mais escura no plano horizontal, que permitem a unidade e envolvncia necessrias afirmao de todos os outros elementos individualizados pelo uso do beto.

    O piso inferior o que d acesso s linhas do Metropolitano colocadas na metade poente da nave, e acima

    dele criado no centro do espao um trio intermdio que o relaciona directamente com a superfcie, por entre

    os cais ferrovirios da linha de Cascais. O piso principal estende-se depois sobre o cais da estao, mais abaixo, na forma de um enorme mezzanino que cumpre tambm com o acesso aos barcos no topo contrrio da nave. O mezzanino paira no ar sobre vigas de beto lanadas s paredes laterais (F45), e conduz os fluxos ao longo de um enorme eixo acima das linhas que recorre a passadeiras rolantes para acelerar percurso. Mais prximo das vigas da cobertura, mas aberto sobre o p direito total, o percurso pelo mezzanino acompanhado pelo extenso painel de azulejo que reveste as paredes laterais da nave, da autoria do pintor Pedro Morais, e que remata todo o espao dedicado viagem incessante com uma interessante metfora implcita no desenho repetido de um coelho, que parece correr pelo espao do cais.

    F45F44

  • III - Arquitectura Andante

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    1. O projecto geral de Eduardo Souto Moura

    Qualquer interveno da dimenso de um projecto como o Metro do Porto se constri necessariamente de um vasto conjunto de especialidades, onde a Arquitectura no seno parte integrante, muitas vezes secundarizada. Quando a empresa Normetro convida Souto Moura a juntar-se ao concurso para a nova rede na

    cidade, este assumiu-se desde logo como uma das figuras de proa, e smbolo qualificador de toda a proposta

    a concurso. O aparente crescimento da importncia e do reconhecimento meditico envolvendo a figura do Arquitecto na sociedade ter com certeza tido parte fundamental na escolha feita pela empresa, e no deixa de ser curioso o facto de todos os outros consrcios que chegaram tambm a apresentar o seu projecto terem includo personalidades igualmente conhecidas e reconhecidas no panorama arquitectnico como lvaro Siza, ou Alcino Soutinho. Ainda que inicialmente algo gratuita, a incluso desta forte componente de Arquitectura no projecto parece pouco a pouco ter vindo a mud-lo substancialmente, demonstrando-se mais produtiva e congregadora do que provavelmente seria esperado. Ao longo do trabalho inicial de preparao para o concurso, o projecto foi desenvolvido num gabinete externo ao de Souto Moura, onde a sua posio ter sido menos participativa, e com uma funo de aconselhamento que o obrigava sobretudo a ouvir. Ainda que algo ofuscado pela componente esmagadora das engenharias, das mecnicas e de toda a dificuldade tecnolgica imediatamente equacionada na construo deste tipo de linha, o Arquitecto ter durante todo este processo delineando os fundamentos espaciais para um modelo de interveno que se previa j bastante diversificado e distenso sobre um territrio desigual. O meio no seria o mais propcio

    discusso das questes fundamentais para a Arquitectura como a da linguagem, a da imagem, e muito menos a da beleza, mas ainda assim Souto Moura foi capaz de absorver as exigncias e os objectivos principais do sistema, que lhe permitiram a formao de uma ideia global e sempre abrangente que caracteriza a sua postura. As suas propostas revelaram-se assim informadas por um conhecimento transversal s especialidades, que

    tentava solues de conjunto, e motivadas por uma atitude de construo unificadora. Mais do que o desenho

    de uma estao tipo, Souto Moura escolheu fixar princpios base para uma interveno que imaginou desde logo

    continuada por uma linguagem comum respeitadora das condicionantes tcnicas e financeiras. Apesar das oscilaes entretanto sofridas, sobretudo ao nvel das estaes subterrneas, e dos

  • D05D04

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    desenvolvimentos naturais face proposta inicial, o projecto com que a Normetro concorre construo do

    Metro do Porto definia j um conjunto de decises, de elementos, e de modelos abstractos pensados para todo o

    sistema, que se pretendiam como genricas mas capazes de produzir um Metro com um carcter pblico, eficaz e contemporneo. A Arquitectura e o Arquitecto, desempenham no Metro do Porto uma funo que no de imposio perante um conjunto j pr-concebido, mas antes desenvolvida na retaguarda, onde possvel coordenar, organizar, e controlar todos os agentes que o constroem. Ao contrrio da aposio de elementos que muitas vezes esperada de si, o Arquitecto preferiu aqui repensar em conjunto um espao na sua organizao fundamental. A postura no certamente a de uma Arquitectura num primeiro plano imperativo, mas antes a de um pano de fundo permissivo, sobre o qual depois possvel montar sucessivos planos posteriores. O Arquitecto foi, de resto, fundamental na consequente construo das linhas, tanto a figura de Souto Moura enquanto responsvel mximo, como todos

    os outros que lhe sucederam abdicando de uma autoria exclusiva. O projecto geral e o estatuto nele concedido Arquitectura, acabaram por fazer de todos os Arquitectos verdadeiros conciliadores da interveno, muitas vezes chamados a resolver problemas de uma ordem habitualmente externa das suas competncias.A partir do momento em vence o concurso, Souto Moura comea a trabalhar com o seu prprio atelier na optimizao dos desenhos iniciais, que pretendiam ser depois entregues aos Arquitectos convidados a trabalhar consigo sob a forma de uma espcie de biblioteca prevista para todas as intervenes, e que caberia a cada um deles saber utilizar. O conjunto claro de opes de Souto Moura patentes em cada elemento tipificado viria a ser, mais do que decisivo, estruturador dos restantes projectos Metro, e capaz de criar as regras para um projecto geral de grande qualidade.Dada a diversidade e a extenso da rede, de nada serviria a criao de um modelo ou tipologia nica de construo que acabaria por negligenciar totalmente a particularidade situaes que o Metro vai encontrando no seu caminho, ora de superfcie, ora enterrado, cruzando simultaneamente cidade e campo. Assim sendo, a pormenorizao do espao contemplou em vez disso elementos tipo, desenvolvidos com um mesmo carcter comum, mas em conformidade com cada uma das situaes encontradas. Defenido que estava partida o carcter enterrado da linha no centro do Porto, as intervenes foram por isso organizadas em dois grandes grupos: as subterrneas e as de superfcie. As operaes superfcie classificaram-se como sendo em meio urbano ou

    D04. Planta e perfil do Cais em situao Urbana. (pgina anterior)

    D05. Plantas, cortes e alados do Abrigo-Tipo Urbano. (pgina anterior)

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    D06

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    meio rural, e as subterrneas fora classificadas como M1 quando utilizado o mtodo cut and cover, e M3 quando

    utilizado o mtodo de escavao mineira. Os desenhos no iam alm da linha e do cais nos casos superfcie, e de sugestes para a resoluo da estao nos casos em que se enterrava sob o cho, mas ainda assim encerravam j um esprito de profunda coerncia inicial, sobre o qual cada espao poderia construir-se quase naturalmente.

    Pormenorizao Tipo

    Para as situaes mais comuns em que a estao se d superfcie em meio urbano foi definido um Abrigo

    do Tipo Urbano. Esta pea uma construo multifuncional, que serve simultaneamente de abrigo s pessoas que

    esperam o Metro, e equipamento indispensvel ao seu funcionamento. Caracteriza-se pelo seu aspecto minimalista e contemporneo, e j visto como um smbolo inconfundvel da interveno. construdo a partir de uma pea base em granito elevada do cho por meio de perfis metlicos, sob o qual assenta um volume central opaco e

    revestido a chapa metlica. No volume central integra-se a mquina que cumpre com venda de bilhetes, e afixam-

    se o conjunto de painis informativos onde figuram as indicaes necessrias para a compreenso do sistema e da rede. De cada um dos lados do volume central, a pea de granito prolongada de forma a permitir dois bancos distintos e abertos sobre o cais. A cobertura feita apoiar sobre o elemento central opaco, e estendida para se balanar lateralmente, quer sobre os bancos, quer sobre o espao do cais. O vidro cumpre depois a interiorizao de todo o espao, rematando-o lateralmente e dirigindo-o sobre o cais. Em cada uma das folhas de vidro, depois serigrafado o smbolo Metro acompanhado do nome da Estao. Foram desenhadas para se disporem aos pares simetricamente ao eixo da linha, e a sua presena sobrelevada pelo cais consegue por si s gerar um espao informal de paragem na cidade. A simplicidade das suas formas e a transparncia do conjunto conferem-lhe porm uma leveza notvel, facilmente diluvel em qualquer tipo ambiente urbano.

    Nos casos em que a passagem superfcie se d em meio rural foi desenhado um Abrigo Rural. Esta uma

    construo mais desenvolvida e protectora em relao anterior, dado que se previam tempos de espera mais elevados, em condies onde nem sempre haveria alternativas cobertas. A construo feita por isso de maneira mais efectiva com base num prtico de elementos pr-fabricados de beto, sob os quais se organizam espaos para servir o utilizador. Para este tipo de interveno foram previstos Abrigos diferenciados em cada um dos lados do cais, aparentemente com a mesma forma e linguagem, mas cuja dimenso varia em largura. De um dos lados

    D06. Planta e perfil do Cais em situao Rural. (pgina anterior)D07. Planta do Abrigo Rural, Tipo1. (pgina anterior)D08. Planta do Abrigo Rural, Tipo2. (pgina anterior)D09. Alado de linha do Abrigo-Tipo Rural. (pgina anterior)

  • D11D10

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    o prtico mais estreito, do Tipo 2, e prev o mesmo tipo de equipamentos centrais que podemos encontrar no Abrigo Urbano, com a diferena nica de o banco ser feito em beto e estar colocado entre o volume metlico e o cais. Para o lado contrrio prev-se um prtico maior, do Tipo 1, onde mantida a mesma disposio de elementos, mas com o espao do volume metlico a ser ampliado para dar lugar a um pequeno bar que se abre sobre o espao de trs, apoiado pela instalao de um reduzido sanitrio. A construo destes pequenos volumes simplificados pretendia com certeza ajudar na criao de pequenos plos em torno da estao, onde fossem possveis curtos momentos de reunio informal motivados um caf. Apesar de tudo o que foi projectado e concretizado neste tipo de estaes, os espaos do bar permanecem ainda fechados e por ocupar, sendo assim impossvel distingui-los funcionalmente de um outro Abrigo do tipo Urbano.Para cada um dos tipos de estao subterrnea, a M1 e a M3, foi constitudo um caderno com elementos igualmente tipificados, que so no entanto demasiado extensos e complexos para poderem ser completamente descritos. Estes cadernos foram preparados para serem distribudos pelos Arquitectos que desenharam espao enterrado ao longo da rede, e continham todo o tipo de informaes vitais que diziam respeito quer ao dimensionamento do espao, quer pormenorizao dos seus elementos, quer s condies de segurana a respeitar. O tipo de desenhos includos dizia respeito a elementos to distintos quanto o das peas de pedra inteiras que rematavam o bordo da plataforma, o das cancelas metlicas que vedavam o acesso ao tnel no fim do cais, o dos corrimos que guarneciam as escadas de acesso, ou o do elevador transparente que fazia a relao com a superfcie. Nestes documentos era estipulado um conjunto de medidas precisas como a do comprimento

    do cais - 70m, ou a largura das plataformas de acesso - 3m, mas tambm um conjunto de medidas auxiliares que balizavam espaos internos mnimos de circulao, ou as pendentes de escada a utilizar. As indicaes incluam tambm normas a respeitar como o dos tempos mximos permitidos para a evacuao do cais, ou as caractersticas exigidas pelas portas corta-fogos. O conjunto de elementos disponveis em cada um dos cadernos era enorme, e

    as condies nem sempre os tornavam possveis a todos, o que levou a um grau de flutuao maior neste tipo de estaes.Ainda que muitas vezes complementada, adaptada, ou mesmo contornada pelo trabalho posterior, a pormenorizao tipo constituiu no seu conjunto um ponto de partida imprescindvel para o trabalho posteriormente desenvolvido em cada estao. Conduzidos por este conjunto to extenso quanto preciso de orientaes, coube D10. Pormenorizao de estao subterrnea - M1. (pgina anterior)D11. Pormenorizao de estao subterrnea - M3. (pgina anterior)

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    depois a cada Arquitecto e ao seu esforo pessoal saber conduzir na relao com o lugar o inegvel rumo comum pretendido por Souto Moura para estas Arquitecturas.

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    2. Regras, Arquitectos e Lugar

    As estaes que agora passo a analisar em maior detalhe pretendem representar, tanto quanto possvel, aquela que foi a multiplicidade e riqueza global da interveno. Seguro da impossibilidade de um estudo completo e extensivo a todos os pontos de interesse ao longo da linha, seleccionei um conjunto razovel de dez estaes, desenvolvidas por oito arquitectos, nas quais possvel encontrar e discutir alguns dos temas mais importantes no Metro do Porto.Em cada um dos casos de estudo eleitos, pretendo salientar a adaptao das regras e condicionantes comuns a cada lugar. Apesar de unidas em torno de um objectivo comum, e de uma Arquitectura a que chamo Andante, cada um destes casos enfrentou, no entanto, problemas diversos que acabaram por ditar uma condio nica e irrepetvel. A importncia sempre dada s regras, e o esforo que cada arquitecto fez por respeit-las, levaram a

    um sentimento de pertena que atravessa todos os exemplos, e que consegue uni-las pela raiz. As dez estaes que descrevo so tambm representativas dos diversos modos de fazer e pensar, inevitavelmente prprios de cada arquitecto. Pretendi com elas apresentar um espectro de situaes to abrangente quanto possvel, nas quais figuram as solues mais marcadas pela tipificao e que importaram pela constncia que conferiram ao conjunto, mas tambm aquelas que ousaram um maior grau de desvio, atingindo dessa maneira alguma singularidade.Os sete primeiros exemplos, de sete arquitectos diferentes, procuram mostrar a diversidade dos contributos para a obra. Reunidos sobre a tipificao estabelecida, cada arquitecto trabalhou em condies distintas, sempre

    empenhados em torn-las um pouco melhores. Feitas luz de uma experincia pessoal e intransmissvel, estas

    estaes tornam-se no entanto interessantes composies arquitectnicas, onde podemos, de forma mais ou menos clara, sentir o dilogo entre o corpo comum e adquirido, e os valores pessoais de cada autor. As ltimas trs estaes, todas desenhadas por Souto Moura, mostram exemplos distintos daquele que foi o conjunto de espaos que imaginou para o centro da cidade. Escolhidas para cobrir a variedade de tipologias com que trabalhou, elas mostram tambm o que foram as estaes concebidas pelo criador das regras. Como responsvel pela idealizao dos elementos que caracterizaram a imagem Metro do Porto, o arquitecto lida nestes espaos com elementos gerados na sua prpria linguagem, produzindo por isso estaes que sero nesse aspecto, talvez, um pouco mais suas.

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    Brito Capelo, Alcino Soutinho

    Fazer uma estao de Metro de Superfcie pode, em ltimo caso, significar refazer toda uma rua. Na Estao Brito Capelo em Matosinhos, a interveno foi to longe quando podia no sentido de transformar uma rua debilitada e com uma forte tendncia para o abandono num renovado espao urbano de passagem, encontro, e comrcio. O processo de reconfigurao levado a cabo neste pedao de cidade, significou a substituio dos automveis por novos veculos, que circulam agora em contacto mais livre e directo com as actividades vividas na rua, e que as renovam com cada passagem.

    Brito Capelo ocupou durante longos anos o papel de centro comercial de Matosinhos, salientando-se como uma das ruas mais urbanas e agitadas da cidade. A actividade fortemente motivada pelo comrcio oferecia ainda aos habitantes frequentes e variados pontos de encontro em barbearias, cafs, e um pouco por todo o espao pblico. No entanto, e com o esmorecer deste tipo de relaes que a modernidade significou sobre os nossos estilos

    de vida, a rua tinha-se tornado algo decadente, confusa e desinteressante. Na necessidade de implantar a linha Metro, a cidade viu uma oportunidade e um pretexto esperado para tentar intervir e corrigir o sentido das coisas, pelo que fez tudo aquilo que podia no sentido de integrar tambm a Rua Brito Capelo no percurso a efectuar pelo novo transporte. Tal como aconteceu um pouco por todo o espao intervencionado em Matosinhos, o projecto de Alcino Soutinho encarou as dificuldades e a diversidade das pr-existncias, baseando-se no cho como o elemento

    unificador e que discretamente desenha cidade. O arquitecto ultrapassa assim a implantao da linha como mero

    canal Metro, mas v-a antes como meio que literalmente transporta consigo a reviso da cidade que vai tocando. A cidade encarregou o arquitecto de constantes operaes de insero urbana, com o intuito de fazer esta renovao integrar todo o espao de fachada a fachada. A interveno ao longo desta rua exemplo mximo daquele que foi o sentido de toda a restante colaborao do arquitecto com o Metro em Matosinhos, com elementos fundamentalmente discretos, e quase sempre no mbito do desenho do cho que calcamos diariamente. Aqui o desenho da estao o do prprio espao pblico da rua, e que se faz como sempre de uma fachada outra, desenhando tudo o que est entre elas, e os respectivos encontros

    com tudo o que est para alm. Trata-se de um desenho de cidade pelo seu negativo, que raramente ultrapassa a

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    cota dos centmetros, mas que fundamental na clareza e na organizao dos fluxos que ela comporta. Discreto

    por convico e no por circunstncia, este arquitecto orgulha-se de construir e desenhar esse espao de forma

    annima, sem procurar marc-los singularmente, nem como meio para a afirmao de algum tipo de ideologia pessoal.Na sua descida da Av. da Repblica, o Metro deixa para trs a Estao Matosinhos Sul e a linha curva direita para ocupar a metade norte da Rua Brito Capelo, antes de curvar novamente no encontro com a Av. Eng.

    Duarte Pacheco em direco ao Mercado e estao com o mesmo nome. Ao longo dos novecentos metros em

    que a linha percorre a rua, o