UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CAMPUS DE SOROCABA PRISCILLA MOTTA RAMOS LARA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA CRÍTICA APLICADA AO ENSINO DE BIOLOGIA CELULAR: REFLEXÕES E RESULTADOS. SOROCABA 2009
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CAMPUS DE SOROCABA
PRISCILLA MOTTA RAMOS LARA
APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA CRÍTICA APLICADA AO ENSINO DE
BIOLOGIA CELULAR: REFLEXÕES E RESULTADOS.
SOROCABA
2009
iii
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CAMPUS DE SOROCABA
PRISCILLA MOTTA RAMOS LARA
APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA CRÍTICA APLICADA AO
ENSINO DE BIOLOGIA CELULAR: REFLEXÕES E RESULTADOS.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de Ciências Biológicas da
Universidade Federal de São Carlos, Campus
de Sorocaba, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Licenciada em Ciências
Biológicas.
Orientação: Prof. Dr. Fábio Camargo Abdalla
Co-orientação: Hylio Laganá Fernandes
SOROCABA
2009
iv
FOLHA DE APROVAÇÃO
PRISCILLA MOTTA RAMOS LARA
APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA CRÍTICA APLICADA AO
ENSINO DE BIOLOGIA CELULAR: REFLEXÕES E RESULTADOS.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Ciências Biológicas
da Universidade Federal de São Carlos, Campus de Sorocaba, como parte dos
requisitos para obtenção do título de Licenciada em Ciências Biológicas.
Universidade Federal de São Carlos, campus de Sorocaba.
Sorocaba, __de__________ de 2009.
Orientador:
_________________________________________________
(Prof. Dr. Fábio Camargo Abdalla)
Universidade Federal de São Carlos, campus de Sorocaba.
Examinador(a):
_________________________________________________
(Profa. Dra. Teresa Mary Pires de Castro Melo)
Universidade Federal de São Carlos, campus de Sorocaba.
Examinador(a):
_________________________________________________
(Profa. Dra. Alik Wunder)
Universidade Federal de São Carlos, campus de Sorocaba.
v
“A consciência do mundo e a
consciência de si como ser inacabado
necessariamente inscrevem o ser
consciente de sua inconclusão num
permanente movimento de busca.”
(Paulo Freire)
vi
AGRADECIMENTOS
Ao professor Fábio, meu orientador, por tudo o que me ensinou, por acreditar
em mim e principalmente, por ser um grande mestre em todos os sentidos. Seu empenho com
os estudantes e sua vontade de fazer o melhor por eles, irão me inspirar para sempre.
Ao Paulo, por ser a pessoa que, além de acompanhar toda a minha trajetória
desde o cursinho, foi quem mais me apoiou em todos os momentos. Sem ele, eu não teria feito
metade do que fiz. Seu carinho e sua compreensão são os propulsores da minha vida.
A Andrea, que me deu grandes lições, e que me mostrou o quanto uma amizade
pode ser verdadeira e pode fazer com que os dias difíceis sejam muito mais alegres.
A Fabiana, que me aguentou durante esses quatro anos, que me acompanhou
no pensionato e nas repúblicas que montamos. Com ela pude perceber que é possível uma
relação de irmã mesmo com uma amiga que fazemos por acaso.
A Silvia, pela convivência, amizade e prestatividade sempre que precisei. A
Jaqueline e a Lívia, que têm uma luz e uma energia contagiante.
A minha família, que proporcionou todos os subsídios para que eu cursasse a
faculdade, e participasse dos congressos, inclusive com a sua companhia.
E a Bina, que pisava nas teclas do notebook sempre quando eu estava mais
concentrada.
vii
RESUMO
Desde o surgimento do cartesianismo, ou até mesmo antes, o modelo de
educação contempla binômios como “certo ou errado”, “falso ou verdadeiro”, “bom e mau”.
Tais conceitos não preparam os estudantes para uma sociedade de constantes transformações
e inexatidões. Os comportamentos humanos, assim como grande parte dos fenômenos naturais,
não são absolutamente lógicos, muito menos nossas impressões e percepções das coisas são
iguais. Estudantes submetidos a um ensino de certezas possivelmente não desenvolverão suas
habilidades e processos criativos, tornando-se cidadãos incapazes de refletir e de mudar o seu
comportamento. A flexibilidade comportamental é um fator vital não só para conviver, viver
bem, mas também proporciona a facilidade do aprendizado. Os estudantes devem perceber os
questionamentos como fatores positivos, essenciais para a construção de seus conhecimentos.
O professor, neste contexto, mediando e fazendo parte deste processo, pode, então,
proporcionar aos estudantes uma aprendizagem significativa e crítica. Este trabalho tem como
objetivo analisar o processo de ensino-aprendizagem através da óptica de várias metodologias
pedagógicas inovadoras. Para tanto, foram realizadas várias dinâmicas, na disciplina Biologia
Celular e Histologia, com estudantes ingressantes no curso de Ciências Biológicas, dos anos
de 2007 a 2009, na UFSCar, Campus de Sorocaba. Através de dinâmicas de ensino-
aprendizagem que contemplam as etapas cognitivas de síncrese, análise, síntese e antítese, foi
possível investigar os conhecimentos trazidos pelos estudantes, tanto do curso pré-vestibular
como do Ensino Médio, reforçar a atenção para alguns conceitos em que era necessária a
desaprendizagem, e principalmente fazê-los refletir sobre o conhecimento científico de forma
crítica, buscando os porquês, e não esperando que o professor fornecesse todas as respostas.
Nas duas primeiras dinâmicas foram utilizados materiais que possibilitavam a construção de
modelos bi- e tridimensionais de células, através dos quais os universitários, construíram seus
próprios exemplares de células. A terceira dinâmica, na área de Histologia, somente com os
estudantes da Licenciatura, investigou as concepções cotidianas, do senso comum dos
universitários sobre os temas Tecido Muscular e Adiposo. Outra atividade desenvolvida
foram os júris simulados, que inicialmente consistiam em um ciclo de dramatizações onde não
existia um réu, mas temas controversos e polêmicos a serem julgados nas duas disciplinas, e
foi modificada para uma mesa-redonda, com a participação de profissionais da área de
Fisiologia, Direito e Bioética. Por fim, a última dinâmica consistiu no uso de mapas
conceituais. Sua utilização foi feita no início, no meio e no final da disciplina de Biologia
Celular em 2009, para que fossem analisados tanto os conhecimentos prévios dos estudantes,
quanto à comparação entre os três mapas e as potencialidades e fragilidades ao longo do
processo de ensino. O ambiente de interação das dinâmicas proporcionou a integração, a
reconciliação e a diferenciação entre os conceitos das disciplinas, e o mais importante: a idéia
de que não é errado errar. O erro é fundamental para a construção do conhecimento, assim
como a desaprendizagem. O conhecimento é dinâmico, mutável e, por isso, a formulação de
perguntas, a negociação entre conceitos e a flexibilidade entre o conjunto são as bases para
aprendermos a aprender, como também aprendermos a ensinar.
Palavras-chave: Aprendizagem Significativa. Ensino em Biologia. Inovações
Pedagógicas. Concepções cotidianas. Mapas Conceituais.
viii
ABSTRACT
Since the beginning of cartesian, or even before, the classical education
includes binomials as the only way to thing about phenomena, as "right or wrong", "true or
false”, “good or bad." These concepts do not prepare the students for a society of constant
change and inexactness. Human behavior, as well as much of natural phenomena, is not
entirely logical. Additionally, our impressions and perceptions of things are not equal.
Students undergo an education of certainty can not develop their skills and creative cognitive
processes, becoming citizens unable to reflect and change their behavior. The behavioral
flexibility is a vital factor not only to live, but to live well and to provide facilities to learn.
Students should comprehend the doubts as positive factors, essential for the construction of
their knowledge. The teacher, into this context, is a mediator, being part of this process to
support the students build meaningful and critical learning. In this way, the present
investigation aimed to analyze the process of teaching and learning focused on various
innovative teaching methodologies, based on several dynamic in Cell Biology and Histology,
with first-year university students of Biological Sciences, among years 2007 to 2009, in the
UFSCar, Campus Sorocaba. Through dynamics of teaching and learning that include the
cognitive steps of sincrese, analysis, synthesis and antithesis, we investigated the knowledge
brought by high school students, trying to take some concepts out, which should required
unlearning, and especially invite them to reflect on scientific knowledge critically, seeking for
the whys by themselves, not waiting for the teacher to provide all the answers. In the first two
learning dynamics, materials were used kit of cell construction that enabled the enable the
students to do models of two-dimensional cells, through their previous concepts brought of
the last year of the high school. The third dynamic in which the Histology was the subject was
used only with the students of licenciature, we investigated the concepts of common sense of
the academic on the topics muscle and adipose tissues. Another activity developed were done
simulating jury like, which initially consisted of a cycle of dramas where there was not a
defendant, but controversial and contentious issues to be defended for groups of students.
Later, this activity was changed to a round table, with the participation of experts of
Physiology, Law and Bioethics. Finally, the last dynamic we used concept maps. The
concepts maps were use at the beginning, middle and end of the discipline Histology on 2009
in both courses. The aim of this activity was analyzed learning process of the students along
the semestry, as well as the teacher praxis. The environment of the dynamics promoted the
interaction, integration, reconciliation and differentiation of the concepts of the disciplines,
and mostly important, the idea that it is wrong to think be wrong. The error is fundamental for
the construction of knowledge, as well as unlearning. The knowledge is dynamic, changeable
and, therefore, the rise of the apparent confusion, many questions, negotiation of concepts and
the learn flexibility is the primordial bases for learning to learn, but also to learn to be a
teacher, or teaching.
Keywords: Meaningful learning. Education in biology. Pedagogical innovations. Routine
conceptions. Concept maps.
ix
SUMÁRIO
1. Objetivos ........................................................................................................... xiv
2. Justificativa ....................................................................................................... xv
3. Introdução ......................................................................................................... 17
4. Materiais e Métodos ......................................................................................... 27
4.1. Desenvolvimento do Material Didático e das Dinâmicas de Ensino-Aprendizagem
em 2006 .................................................................................................................................. 27
4.2. Investigação do Conceito de Célula com a Utilização dos Modelos
Bidimensionais ....................................................................................................................... 28
4.3. Investigação do Conceito de Célula e de sua Tridimensionalidade ................... 33
4.4. Investigação das concepções dos estudantes na disciplina de Histologia .......... 37
4.5. Desenvolvendo a capacidade de análise, síntese e antítese - Júri Simulado ...... 40
4.6. A Aprendizagem Significativa Crítica e a dinâmica dos Mapas Conceituais
(2009) .................................................................................................................................. 44
5. Resultados e Discussão ...................................................................................... 47
5.1. Modelos Bidimensionais .................................................................................... 48
5.2. Modelo Tridimensional ...................................................................................... 59
5.3. Questionários ...................................................................................................... 64
5.4. Atividade em Histologia .................................................................................... 71
5.5. Júri Simulado ..................................................................................................... 73
5.6. Modelo Tridimensional e Atividade em Histologia ........................................... 76
5.7. Mapas Conceituais ............................................................................................. 77
5.8. Modelos Bidimensionais e Mapas Conceituais: contribuições para o
aprendizado........................................................................................................................... 86
5.9. Terceiro Mapa Conceitual .................................................................................. 88
6. Considerações Finais ......................................................................................... 98
x
Referências …………….................................................................................. 100
Apêndices …………………………………………………………………….. cv
xi
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1. Mapa Conceitual do Grupo de pesquisas “Aprendendo a Aprender”,
partindo da estratégia didática de criação e aplicação de dinâmicas de
ensino-aprendizagem......................................................................... 25
FIGURA 2. Mapa Conceitual do Grupo de pesquisas “Aprendendo a Aprender”,
partindo das estratégias didáticas de aplicação e desenvolvimento de
material didático e desenvolvimento de habilidades procedimentais e
conceituais......................................................................................... 26
FIGURA 3. A. Grupos de estudantes reunidos para confecção e discussão dos
modelos que são realizados com os “kits” para montar células. B. Foto
de uma das células produzidas com uso das placas anexada ao
questionário respondido..................................................................... 29
FIGURA 4. Confecção de um modelo de célula, por um dos grupos de estudantes,
no ano de 2009................................................................................... 33
FIGURA 5. A. Início da modelagem das organelas com massa de modelar por um
dos grupos de universitários ingressantes. B. Algumas das organelas
produzidas, como o núcleo, em amarelo e verde. C. Modelo de célula
pronto, ao “alcance das mãos” da aluna............................................ 35
FIGURA 6. Modelos de células confeccionadas pelos estudantes. À esquerda, as
organelas em massinha, antes de serem colocados no gel. No centro, em
branco, observam-se as mitocôndrias representadas
bidimensionalmente. À direita, o modelo pronto.............................. 36
FIGURA 7. As três âncoras da atividade: à esquerda, a Profa. Dra. Mônica Jones; no
centro, a bacharel em direito Jane Conzatti, e à direita a Dra. Sandra
Mayer................................................................................................. 43
FIGURA 8. Estudantes que participantes da mesa-redonda.................................. 44
FIGURA 9. Desenho representando a célula que seria confeccionada................. 62
FIGURA 10. Gráfico sobre a avaliação dos estudantes do bacharelado do ano de
2008 quanto ao nível de aproveitamento das dinâmicas................... 64
FIGURA 11. Gráfico sobre a avaliação dos estudantes do bacharelado do ano de
2007 quanto ao nível de aproveitamento das dinâmicas................... 65
FIGURA 12. Gráfico sobre a avaliação dos estudantes da licenciatura do ano de 2008
quanto ao nível de aproveitamento das dinâmicas............................ 66
FIGURA 13. Gráfico sobre a avaliação dos estudantes da licenciatura do ano de 2007
quanto ao nível de aproveitamento das dinâmicas............................ 66
xii
FIGURA 14. Trechos do mapa conceitual de um dos integrantes do grupo 1 do
Bacharelado....................................................................................... 89
FIGURA 15. Trecho do mapa conceitual do integrante do grupo 5, da
Licenciatura....................................................................................... 90
FIGURA 16. Trecho do mapa conceitual do grupo 3, do Bacharelado................... 91
FIGURA 17. Trecho do mapa conceitual do grupo 1, da Licenciatura................... 92
FIGURA 18. Trecho do mapa conceitual do grupo 5, do Bacharelado................... 93
FIGURA 19. Primeiro mapa conceitual do Grupo 5, do Bacharelado.................... 95
FIGURA 20. Terceiro Mapa Conceitual do grupo 5, do Bacharelado. As elipses em
vermelho representam os conceitos presentes também no primeiro
mapa, e as elipses em verde, os conceitos que sofreram renomeação do
mapa anterior para este...................................................................... 96
xiii
LISTA DE TABELAS
TABELA 1. Questionamentos decorrentes da análise e confecção dos mapas
basais da Licenciatura, e consequentes conclusões após discussão em sala de aula,
com os estudantes...................................................................................................... 82
TABELA 2. Questionamentos decorrentes da análise e confecção dos mapas basais
do Bacharelado, e consequentes conclusões após discussão em sala de aula, com os
estudantes.................................................................................................................. 84
TABELA 3. Comparação do aproveitamento dos estudantes da Licenciatura nas duas
dinâmicas propostas, dos Modelos Bidimensionais (colunas “Questionário” e
“Apresentação”) e dos Mapas Conceituais (coluna “Mapas”), através da utilização de
conceitos.................................................................................................................... 87
TABELA 4. Comparação do aproveitamento dos estudantes do Bacharelado nas
duas dinâmicas propostas, dos Modelos Bidimensionais (colunas “Questionário” e
“Apresentação”) e dos Mapas Conceituais (coluna “Mapas”), através da utilização de
conceitos.................................................................................................................... 87
xiv
1. OBJETIVOS
Os objetivos do presente projeto foram:
1- Proporcionar aos universitários a oportunidade de significar, apropriar e reconciliar
os conteúdos das disciplinas Biologia Celular e Histologia, através de dinâmicas de ensino-
aprendizagem que contemplam as etapas cognitivas de síncrese, análise, síntese e antítese
(dialética) e a metodologia da aprendizagem significativa crítica;
2- Desenvolver as habilidades conceituais, procedimentais e atitudinais dos
universitários, tornando-os “agentes atuantes e multiplicadores” dos conhecimentos na
sociedade, de maneira consciente, ética, afetiva e transformadora.
xv
2. JUSTIFICATIVA
Vivemos em uma sociedade de constantes transformações, de avanços
tecnológicos nunca imaginados. Para acompanharmos todo esse dinamismo, é necessário que
estejamos atentos às mudanças, e que sejamos críticos diante do excesso de informações que
recebemos a todo o momento. Ser crítico, neste caso, não é ser a favor ou contra um
determinado fato, mas sim, pensar a respeito, perceber, ponderar. E pensar não é somente
“raciocinar”, ou “calcular”, ou “argumentar”, como nos tem sido ensinado algumas vezes,
mas é, sobretudo, dar sentido ao que somos e ao que nos acontece. (Bondía, 2002). Não é
obrigatório um posicionamento, pois a vida, assim como a ciência, não é feita de certezas.
Para preparamos nossos estudantes para um futuro de incertezas, é necessário
nos afastarmos do binômio “certo ou errado”, das verdades absolutas, do “pronto e acabado”,
das diferenças marcadamente opostas, e partir para um ensino que proporcione um tipo novo
de cidadão, de personalidade inquisitiva, flexível, criativa, inovadora, tolerante e liberal que
possa enfrentar a incerteza e a ambigüidade sem se perder, e que construa novos e viáveis
significados para encarar as ameaçadoras mudanças ambientais, sociais e econômicas
(Moreira, 2000). Porém, para que tudo isso possa ocorrer, a chave mestra, a mola propulsora,
o iniciador de todo esse processo é o preparo do Professor. O ciclo começa com o Professor e
termina no Professor.
A aprendizagem significativa, neste contexto, pode auxiliar os professores e os
estudantes no desenvolvimento deste novo tipo de cidadão criativo, já que possibilita que a
curiosidade ingênua do estudante, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando
a ser curiosidade, se criticize (Freire, 1996). Isto é proporcionado através da interação entre o
conhecimento novo e o conhecimento prévio. Desta forma, o estudante deixa de ser um
receptáculo de conhecimentos, onde estes são depositados e hermeticamente fechados ou
pulverizados, e passa a fazer parte (como sempre deveria ter feito), de todo o processo de
ensino-aprendizagem, desde a estruturação dos conceitos a serem aprendidos, até o resultado
final, onde estes são [re]significados. Contudo, para que isto aconteça, o Professor tem de
cindir com tudo, com seus tabus, com seus modelos sedimentados de ensino, com sua própria
vaidade e pretensa idéia de autoridade. O Professor precisa descer do púlpito, avaliar o todo e
não as partes, estudar o processo e não o êxito individual de cada estudante. É um desafio e
um desatino, é um bom senso e um desafio.
xvi
As dinâmicas de ensino-aprendizagem propostas neste trabalho basearam-se
nesta metodologia já conhecida desde a década de 60: “Aprendizagem Significativa
Subversiva” (Postman & Weingartner, 1969; Ausubel, 1963, 1968, 2000;) ou “Crítica”
(Moreira, 2000), e procuraram desenvolver um ambiente de dialogicidade entre professor-
estudante e estudante-estudante, para que houvesse a troca de experiências e conhecimentos
entre ambos. Procurou-se também tornar o estudante mais autônomo em seus estudos, para
que este desenvolvesse sua criatividade e curiosidade. O professor, em todo o processo, atua
como mediador, mas vale lembrar que “a dialogicidade não nega a validade de momentos
explicativos, narrativos em que o professor expõe ou fala do objeto” (Freire, 1996). O
conhecimento não se constrói a partir de um único indivíduo, portanto, professor e estudante
têm muito a oferecer sobre suas experiências e sobre seus conhecimentos de mundo.
3. INTRODUÇÃO
“Fale-me e eu me esquecerei. Ensine-me e eu me
lembrarei. Envolva-me e eu aprenderei".
Benjamin Franklin
Envolvimento é a palavra de ordem que deve tremular na bandeira educacional
que o Brasil ostenta. Segundo artigo divulgado em 2003 na “Literacy Skills for the World of
Tomorrow” (Alfabetização para o Mundo de Amanhã), divulgada pela Organização das
Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura — UNESCO — os estudantes brasileiros
estão em penúltimo lugar no desempenho em Matemática e Ciências e no 37º em Leitura, de
acordo com um teste aplicado em adolescentes com 15 anos de idade de 41 países. Na média
das três áreas de conhecimento, o nosso País fica em penúltimo lugar, na frente apenas do
Peru. Em pesquisa mais recente organizada pelo PISA (sigla, em inglês, para Programa
Internacional de Avaliação de Alunos) para a Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico – OCDE, foi demonstrado que entre 57 países pesquisados, o
Brasil ocupa a 53ª posição em Matemática e em Ciências e a 48ª em Leitura
(http://www.estadao.com.br/ext/especiais/2007/11/oecd.pdf). O mesmo órgão aponta, em
estudo divulgado no website
http://ocde.p4.siteinternet.com/publications/doifiles/962008041P1G011.xls (acessado em 11
de novembro de 2008), que o Brasil é o país com menor gasto por estudantes.
É nesta paisagem árida, sedimentada pelas antigas condutas educacionais
institucionalizadas através do tempo e que, pelo exposto acima, não parece ser mais a ideal,
que desenvolvemos este trabalho na tentativa de melhorar a qualidade do ensino, ao menos
em nosso universo de atuação: o ensino superior em Biologia Celular e Histologia. Como
trabalhamos com ingressos nos cursos de Ciências Biológicas, essa crise educacional que o
Brasil historicamente acumula e não corrige é sentida, a cada ano, mais acentuada por nós,
professores universitários e graduandos da licenciatura (estagiários, futuros professores).
Ao tomar contato com os ingressantes na Universidade, o professor vê-se
obrigado a retomar conceitos muito importantes que já deveriam estar construídos e
consolidados pelos ingressos. A posição de um professor voluntarioso, compreensivo com os
problemas da educação básica (fundamental e média), incumbido de uma “missão quase
18
mística ou messiânica” não pode ser cobrada pelas Instituições de Ensino Superior, pois
acabam levando à consolidação da “semicultura” em nosso País, assim como a imagem de
que o professor é culpado por todas as mazelas enfrentadas em seu curso e profissão (Bueno,
2007). É importante, neste sentido, deixar claro que as atitudes do professor para melhoria do
ensino são louváveis, porém para uma [re]edificação de nosso sistema educacional urge um
espaço generoso para reflexão em nosso Brasil.
Todos os indivíduos, ao longo das suas vidas, desenvolvem uma leitura do
mundo, uma linguagem própria para percebê-lo, constituída a partir da troca de experiências
com seus semelhantes. Estas relações interpessoais, ou experimentações, com o mundo e suas
próprias subjetividades são carregadas de aspectos culturais e sócio-históricos e do registro de
informações através dos sentidos e dos sentimentos, gerando parâmetros variáveis às
explicações do “porquê”, do “como” e do “onde” os fenômenos a sua volta ocorrem.
Partindo das idéias de Bakhtin (1981), em “Marxismo e Filosofia da
Linguagem”, e de Vygotsky (1977, 1987, 1988a,b), as percepções do mundo são distintas, ou
seja, eu posso ver o que você pode não ver e você vê o que eu não posso ver – portanto, as
relações exigem o diálogo, o produtivo e necessário encontro de visões, um processo de
autocompreensão através da alteridade. Nesta perspectiva, a compreensão do mundo se
constrói em colaboração, sendo assim a percepção do mundo e do que se “é” torna-se
imperativa tanto ao educador quanto ao educando num estado de conjugação. As diversas
culturas existentes provêm dos diferentes conjuntos de respostas historicamente dadas aos
questionamentos sobre os fenômenos vividos. Este fato pode ser observado nas sociedades
mistas, ou multiculturais, como a do nosso País (Canen & Xavier, 2005).
Nesta linha de argumentação, fundamentada em Bakhtin, Jobim & Souza,
(1994) afirma-se que a compreensão é um processo ativo em forma de diálogo:
“Compreender a enunciação de outra pessoa, requer uma orientação
específica do ouvinte em relação a ela; além disso, é preciso que o interlocutor encontre o
lugar dessa enunciação no contexto de suas significações anteriores” (p. 109).
As instituições escolares, ao atuarem nessas sociedades, têm o papel de
apresentar ao estudante um novo universo: microscópico, calculável, político e, sobretudo
sistêmico. Neste contexto, os docentes devem estar atentos para, ao ensinarem conceitos na
19
linguagem científica, não tentarem substituir a linguagem do senso-comum, considerando-a
um obstáculo a ser superado. O processo de aprendizagem não se constitui em uma
substituição das velhas concepções que o indivíduo já possui antes do processo de ensino
pelos novos conceitos científicos, mas como a negociação de novos significados num espaço
comunicativo no qual há o encontro entre diferentes perspectivas culturais, num processo de
crescimento mútuo sem anulações (Mortimer & Scott, 2002; Moreira, 2005).
As bases historicamente construídas para o insucesso de nossa educação não se
explicam tão somente no caráter da migração extrativista da colônia, mas também está
intimamente ligada à cultura medieval: ociosa, elitista, escravagista e mística, herdada do
reino de Portugal pelo Brasil, resultando em um país que aparentemente nada tinha a oferecer
além de riquezas a serem extraídas e exportadas. A indignação quanto a essas condições é
demonstrada por Luiz dos Santos Marrocos (Laurentino Gomes, 2007) no excerto abaixo:
“Eu não gosto de prender-me nesta terra, que julgo para mim de degredo. [...]
Estou tão escandalizado com esse país, que dele nada quero, e quando daqui sair,
não me esquecerei de limpar as botas nas bordas do cais, para não levar o mínimo
vestígio desta terra. [...] Quando se trata das más qualidades do Brasil, é para mim
matéria vasta de ódio e zanga, [...] e julgo que até dormindo praguejo contra ele.”
(Excerto de carta de Luiz dos Santos Marrocos, retirada do livro 1808, de
Laurentino Gomes, 2007, pág. 338).
Após cerca de 6 anos o mesmo Luiz dos Santos Marrocos (considerado o
grande paradigma da colonização portuguesa no Brasil) escreve aos seus pais que ficaram em
Portugal, após a vinda da família real ao Brasil (1808):
“Vivo em paz, em abundância, e com aquelas comodidades de que tanto precisava,
com uma boa casa, bem arranjada de tudo, com escravos e outras conveniências.
[...] A aversão a este país [...] é um grande erro, de que há muito tempo me
considero despido.” (Excerto de carta de Luiz dos Santos Marrocos, retirada do
livro 1808, de Laurentino Gomes, 2007, pág. 338).
Só a partir do momento que Luiz dos Santos Marrocos passou a respeitar a
pluralidade da qual o Brasil é formada, ele pode finalmente conhecê-lo em sua plenitude e
passar a admirá-lo. Com a educação ocorre o mesmo: enquanto tratarmos nossos estudantes
com autoridade, e como um grande grupo homogêneo e sem perspectivas de melhora, nunca
saberemos quantas riquezas deixamos de encontrar.
Ao proporcionar um ambiente interativo, rompendo a hierarquia elitista, o
professor diminui a distância histórica entre “mestre e aluno” (elite e povo), aproximando-se
da realidade da sala e percebendo-a não como um grupo homogêneo, mas como um mosaico
20
multicolorido, repleto de vivências com as quais o professor também pode (e deve) aprender.
Quando os conhecimentos dos estudantes são utilizados na forma e no momento corretos,
tornam-se imprescindíveis para o desenvolvimento de um processo de ensino-aprendizagem
efetivo. Com o [des]cobrimento das particularidades dos estudantes, há a necessidade do
professor assumir outro compromisso, não só o de educador, mas também o de pesquisador,
originando:
“um profissional reflexivo que assume a postura de constante reflexão crítica
sobre a prática pedagógica, atuando ativamente na construção de seu conhecimento
pedagógico” (Canen & Xavier, 2005).
O professor, nessa posição de “mediador”, adquire a responsabilidade de
intervir durante todo o processo de ensino, trabalhando com a contradição entre o que já se
sabe e o desconhecido, entre o mensurável e o impalpável, não com o objetivo de ressaltar
seus pontos opostos, mas de instigar os estudantes para o questionamento quanto às diferenças
encontradas. Esta dinâmica de ensino é baseada no método dialético, que contrariamente ao
sistema transmissivo, não tenta apenas “depositar” conhecimentos sobre o aluno, uma vez que
considera a construção do conhecimento como decorrente da interação do sujeito consigo,
com seus semelhantes e com o mundo, seguindo basicamente as fases: síncrese, análise,
síntese e antítese. O importante não é somente apreender o conhecimento e ser agente
multiplicador, mas também transformá-lo e, acima de tudo, através dele gerar atitudes, sejam
estas individuais ou coletivas. O conhecimento deve ser sujeito de mudanças e contestamentos,
um dínamo gerador de novos conhecimentos (Anastasiou, 2001), sócio-interacionista
(Vygotsky 1977, 1987, 1988a,b).
Tradicionalmente, as instituições escolares vêm ensinando as respostas
“corretas” que aprovam os estudantes em exames vestibulares, deixando de estimular o que é
mais importante: a formulação de perguntas, e assim também o é nas universidades de nosso
País. Segundo Rubem Alves (2004):
“Não existe nada mais fatal para o pensamento que o ensino de respostas certas.
Para isto que existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar
as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente
as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido” (p.128).
Incitando a memorização de respostas, as escolas geram, a cada ano, cidadãos
acríticos, incapazes de elaborar sínteses e fazer generalizações, ou seja, inserem na sociedade
21
e nas universidades, estudantes com uma postura passiva, “na qual os alunos imaginam que o
professor irá fornecer uma resposta às suas esperanças de conhecimento” (Villani & Freitas,
1998).
Esta postura só será rompida quando os estudantes deixarem de ser
considerados, como também se considerarem, meros observadores e o docente como o
“iluminado, detentor de todo o conhecimento”, “o grande pai” que fornecerá todas as
respostas às suas angústias e expectativas. Segundo Anastasiou (2001), este modelo de ensino,
no caso brasileiro, têm origem nas escolas jesuíticas, onde se destaca a figura do professor
repassador do conteúdo indiscutível a ser memorizado; o modelo da exposição acompanhado
de exercícios a serem resolvidos pelos alunos; a avaliação/emulação/castigos. Um estudante
passivo e obediente, que memoriza o conteúdo da avaliação, enfim, inserido em uma estrutura
rígida de funcionamento de um suposto processo de ensino-aprendizagem. Um modelo com
mais de quinhentos anos e que foi reforçado nas Universidades Brasileiras pelas escolas
Napoleônicas, baseadas no ensino profissionalizante a serviço do Estado. Todo este processo
de sedimentação do aparente processo de ensino “bem sucedido” que ocorre em nossas
escolas cai por terra quando pesquisas como as referidas no primeiro parágrafo desta
introdução são realizadas. Como acreditar que o ensino parece não ter mudado durante tanto
tempo?
Muitas pesquisas e teorias sobre o ensino são criadas, mas a maioria delas
diagnostica os problemas, sem fornecer soluções para resolvê-los, ou então as sugerem, mas
dificilmente um professor “se arrisca” a testá-las, pois o modelo transmissor de
conhecimentos é seguro, tanto para ele, quanto para a instituição de ensino na qual ele atua.
Além disto, estas instituições são constantemente influenciadas pelas diversas mudanças das
diretrizes educacionais que oscilam com as mudanças governamentais (Cunha, 2006).
Portanto, o professor está inserido num contexto que não lhe
proporciona/facilita tal mudança de conduta, a qual é vista muitas vezes com estranhamento
ou não seriedade pela Instituição, pelos seus colegas e mesmo pelos próprios estudantes.
Estimular o estudante a consultar mais de uma fonte primária para estudo, significar
conteúdos, construir e/ou desconstruir conceitos é uma tarefa exaustiva ao Professor que se
propõe a isso, principalmente dentro das Ciências Biológicas onde há todo tipo de vícios:
tecnofilia, veneração ao livro como única fonte incontestável do saber, memorização
exaustiva, conceitos dogmáticos, abstrações complexas sem preocupação de embasamento etc.
22
Até que haja o entendimento, e quando há, da proposta de ensino-aprendizagem entre
professor e estudante, principalmente no que concerne ao ingresso, cabe ao educador muito
gasto de energia para, aos poucos, destituir da sua autoridade autoritária sem que os
estudantes entendam que toda liberdade vem acompanhada de muitas responsabilidades.
Nesta etapa os estudantes ingressos entram em conflito e têm a impressão que o professor, a
disciplina e sua didática são confusas (Abdalla, informação pessoal).
Adicionalmente, o professor na universidade está sujeito a pressões similares
às dos estudantes: a produção científica ortodoxa, o envolvimento com cursos de pós-
graduação demasiadamente específicos, a elaboração de projetos para manter todos os
sistemas financeiramente operantes, metas e prazos improrrogáveis, elaboração de relatórios
extremamente específicos da sua área de atuação de pesquisa, entre outras atividades. Neste
ambiente onde se privilegia a quantidade e não a qualidade, a competição e não a cooperação,
o individualismo e não a coletividade, a fragmentação e não a interdisciplinaridade, é
necessário um esforço hercúleo do professor para conciliar as suas “obrigações de praxe” de
“cientista” e a atividade que, de fato, ele deveria exercer com mais afinco, pois foi contratado
para tal fim: o de professor. Como cita Cunha (2006):
“Espera-se que o professor seja, cada vez mais, um especialista em sua área,
tendo-se apropriado, com o concurso da pós-graduação stricto sensu, do
conhecimento legitimado academicamente no seu campo científico. O domínio do
conteúdo, por sua vez, deve ser alicerçado nas atividades de pesquisa que
garantam a capacidade potencial de produção de conhecimento”. (p.258)
O ensino, tanto fundamental quanto médio, também enfrenta problemas, como
a falta de apoio institucional, tanto infra-estrutural quanto ideológico. Diversas mudanças
podem acontecer com propostas individuais, apesar de serem mais difíceis de se
concretizarem quando a instituição não fornece também seu apoio ideológico, o qual assegura
a manutenção e a continuidade de qualquer mudança para além da presença de seu propositor.
Portanto, não podemos depositar sobre os professores toda a responsabilidade da situação
atual do ensino brasileiro. Assim como falta a motivação dos estudantes, também falta a dos
professores, por questões salariais e pelas condições de trabalho precárias (Bueno, 2007),
assim como a falta de uma formação continuada robusta (Anastasiou, 2001). Algumas escolas
de ensino médio, principalmente as públicas, nem sequer possuem laboratório de ciências, ou
materiais com os quais o professor possa desenvolver dinâmicas para a sua aula.
23
Devido ao exposto, procurou-se demonstrar neste trabalho que mesmo com
limitação de recursos, o professor pode estimular o envolvimento de seus estudantes e
também resgatar o seu próprio, desgastado pela experiência de trabalho, muitas vezes sofrida,
e pelo menos tentar superar tantas dificuldades encontradas.
Seja de que forma isso se concretize, cada estudante precisa ter a oportunidade
de trabalhar as novas idéias, ‘especificando um conjunto de suas próprias palavras’ (Vygotsky,
1988a) em resposta a essas idéias, para que possa apropriar-se delas, tornando-as suas
(Mortimer & Scott, 2002). Desenvolver a capacidade dos estudantes pensarem por si e de se
autoperceberem não só contribui para formação de cidadãos conscientes, mas também lhes
atribui certa autonomia para, a partir do aprendido em sala de aula, atuar de diferentes formas
na sociedade, melhorando-a e disseminando idéias inovadoras e humanitárias. Só muda um
comportamento o sujeito que o percebe e só se muda quando há a percepção de si (Vygotsky,
1977). Como coloca Martins (1997):
“Acima de tudo, espera-se que eles [estudantes] sejam pessoas livres de
manipulações e conduções externas e que consigam ter a capacidade de pensar e
examinar criticamente as idéias que lhes são apresentadas e a realidade social que
compartilham”. (p.111).
Falar em manipulação, neste período intenso de globalização guiada pelo
capitalismo é falar da mídia, fábrica de sonhos e de ilusões, e da homogeneização sem o
cuidado de salvaguardar a variabilidade e diversidade em todos os aspectos. Até o aspecto do
tão idealizado contexto de “sustentabilidade” é também afetado por um sistema que não
privilegia nada que não seja “igual”. O consumismo é despertado e estimulado
exaustivamente, como se adquirir um produto proporcionasse a felicidade desejada, a mulher
ou o homem “dos sonhos”, ou até mesmo ascensão social. Como cita Bondía (2002): “Pense-
se no que significa para nós ‘qualidade de vida’ ou ‘nível’ de vida: nada mais que a posse de
uma série de cacarecos para uso e desfrute”. Trabalhar essa temática dentro do conteúdo
específico das disciplinas - em meio a doenças contemporâneas como depressão, anorexia e
bulimia (geradas por uma realidade antagônica/ambígua) - é alertar adolescentes, crianças e,
no caso deste trabalho, a futuros professores, o quanto os “meios de comunicação de massa”
contribuem para frustração de milhares de pessoas perseguidoras de um ideal que não existe e
como estas reflexões podem fazer parte da rotina de suas disciplinas, mesmo que
aparentemente não haja conexão com seus conteúdos específicos, em nosso caso, Biologia
Celular e Histologia.
24
A vontade e a curiosidade são essenciais para o compartilhamento das
diferentes visões de mundo e de experiências entre professor-estudante e estudante-estudante.
Como nos ensina Rubem Alves (2004):
“é a fome (vontade) que põe em funcionamento nosso aparelho pensador.
Fome é afeto” (p.52).
Quando os estudantes deparam-se com conceitos novos, há dois possíveis
caminhos para o aprendizado: ou o conceito será utilizado apenas num determinado momento
(uma prova escrita, por exemplo) e esquecido quase que instantaneamente, ou estará presente
sempre que uma situação-problema o requisitar, integrando-se ao seu cotidiano de forma
significativa. Se esta “fome” não existir, os estudantes sempre estacionarão no primeiro
caminho. Discursar sobre o tema da aula é um fator importante, não deve ser descartado, mas
não é suficiente por si só, pois o estudante sendo apenas observador, não tem a oportunidade
de trabalhar suas próprias ideias, só as que o professor desenvolve no momento da aula. Neste
sentido, o professor que consegue enquanto fala trazer o estudante até a intimidade do
movimento de seu pensamento, pode alavancar o processo de aprendizagem. Sua aula é um
desafio, e não uma canção de ninar. Seus alunos cansam, não dormem. (Freire, 1996).
Porém, nem Vygotsky (1988b) previu com certa clareza a drástica mudança
sócio-cultural e antropológica do mundo. Desde a década de 80, o mundo mudou. A
linguagem, o pensamento, a cultura, as relações entre as pessoas e até mesmo as paisagens
mudaram. Para os futuros professores, atuar junto à semântica, aos aspectos linguísticos e de
comunicação em interação de entendimento junto aos estudantes não é um grande desafio.
Todavia, os professores de agora, pertencentes “ao outro mundo”, a outra infância, a outro
conjunto de valores, submetido a um desenvolvimento num contexto sócio-histórico
totalmente diferente dos seus estudantes, como desenvolverão ferramentas para construir e
proporcionar o movimento do pensamento do estudante? Mais uma vez, o problema da
educação e do ensino-aprendizado não constitui somente uma questão de despreparo ou da
defasagem da formação do professor ou do desinteresse dos estudantes. É uma questão mais
profunda, de mudança de mundo, cultura, valores e linguagem.
Nesta pesquisa foram criadas cinco dinâmicas com o intuito de envolver os
estudantes de graduação na efetiva significação dos conteúdos das disciplinas Biologia
Celular e Histologia. Essas dinâmicas, ou atividades investigativas, ocorreram em momentos
25
distintos no decorrer do semestre, intercaladas com aulas teóricas: duas envolveram a
construção do conceito de célula: sua fisiologia, morfologia e estrutura; outra especificamente
para os licenciandos, investigou conceitos prévios sobre os tecidos muscular e adiposo; na
quarta, através de um júri simulado, foi proporcionado aos estudantes um espaço para
reflexões e discussões de temas controversos, geradores de muitos equívocos e perplexidades
na esfera do mais fundo conhecimento e essência da formação de um biólogo: a origem da
vida e o conceito de evolução, e as questões éticas e biológicas sobre a eutanásia, incluindo os
conceitos de morte; e na quinta e última, o desenvolvimento e aplicação de mapas conceituais,
uma das estratégias facilitadoras da aprendizagem significativa crítica. A pesquisa começou
no início do ano de 2006, com a criação do grupo de pesquisas “Aprendendo a Aprender”
(cadastrado junto ao CNPq) e seus resultados começam a ganhar corpo a partir do final de
2009. Para exemplificar as atividades do grupo de pesquisas, citadas anteriormente, incluindo
seus objetivos e contribuições para o ensino e para o desenvolvimento de habilidades
atitudinais, foram elaborados dois mapas conceituais (os quais terão seus componentes e
funções detalhadas no decorrer deste trabalho), partindo das estratégias para aperfeiçoar o
ensino de Biologia Celular, foco de nossos estudos:
Acompanhamento do processo de ensino-
aprendizagem pelo professor e
educandos
Aprendizado e reflexão sobre a própria prática
(docente e licenciando)
Atuação em equipes multidisciplinares
Interação com o outro, com a sociedade e com o ambiente de forma plena e
humanizada Investigação sobre o processo de ensinar; Prática de
pesquisa do processo de ensino/aprendizagem
do docente
Criação e aplicação de dinâmicas de ensino-aprendizagem
anabolizantes
Crenças e Neodarwinismo
Anorexia e bulimia
Eutanásia
discussões
proporciona
favorece a criação de
Inovações pedagógicas
para
Através de
Construção de saberes
contextualizados e significados
iniciativa
tomada de decisão
julgamento
Conhecimento construído
e/ou utilizado pelo educando para a sua
melhoria de vida, dos seus e da comunidade
Pode ser
Através de
Para o
Exercício da cidadania
Desperta o
Prazer em aprender
autopercepção
motivação
autoconfiança
Estratégias para Conservação da
biodiversidade
Criação de
Sustentabilidade
Rumo a Atitudes Dinâmicas sempre em movimento
e mutação
Levam a Atitude de respeito e cuidado com o meio sócio-cultural
e natural
Aprendendo a aprender: Como melhorar o ensino de Biologia Celular?
Desenvolvimento de postura crítica e autônoma
do educando
26
Fig. 1. Mapa Conceitual do Grupo de pesquisas “Aprendendo a Aprender”, partindo da estratégia didática de
criação e aplicação de dinâmicas de ensino-aprendizagem.
Fig. 2. Mapa Conceitual do Grupo de pesquisas “Aprendendo a Aprender”, partindo das estratégias didáticas de
aplicação e desenvolvimento de material didático e desenvolvimento de habilidades procedimentais e conceituais.
Em todas as dinâmicas houve, pelo menos, quatro momentos que fazem parte
das atividades investigativas docentes e da metodologia dialética de ensino: 1) diagnosticar os
conhecimentos prévios dos universitários; 2) discutir conhecimentos equivocados, reforçar
pontos nos quais a maioria dos universitários mostrou deficiência ou interesse; 3) desconstruir
o já aprendido e partir para o que não se aprende, mas se descobre e 4) checar o êxito das
atividades através de dinâmicas, questionários e avaliações problematizadoras.
Métodos para
visualização de
células e tecidos
Aprendendo a aprender: como melhorar o ensino de Biologia Celular?
Aprendizagem Superordenada
autônoma: elaboração de
novos conhecimentos ou
mais complexos
Motiva a Aplicação e desenvolvimento
de material didático
Diagnose do
Conhecimento prévio
Independência, atitudes de respeito e cuidado com o meio sócio-cultural
e natural
Desenvolvimento de habilidades
Procedimentais e Conceituais
Tipos de microscopia
Visão
tridimensional
Através de
Base para
Compreensão e reordenação significativa de conceitos
fases
Modelo
tridimensional
Confronto das semelhanças e diferenças do conceito novo
e a concepção anterior
Aprendizagem Subordinada
Desequilíbrio
provocado por
Situações-problema
placas
Possibilitam o
síncrese
análise
síntese
antítese
Habilidade oral e escrita
Contextualização e significação
Construção, apropriação e modificação do conhecimento
Significação Crítica
Através de
Habilidades fundamentais para compreensão da disciplina e dos
demais núcleos das Ciências Biológicas
geram
são são são
Mapas
conceituais
27
4. MATERIAIS E MÉTODOS
4.1. Desenvolvimento do Material Didático e das Dinâmicas de Ensino-
Aprendizagem em 2006.
Com a preocupação de auxiliar os estudantes para o melhor entendimento dos
aspectos tridimensionais da célula e de seu funcionamento estrutural, fisiológico e molecular,
bem como introduzir na disciplina Biologia Celular novos métodos de estudo, foi criado no
ano de 2006, o projeto denominado “Desenvolvimento de Material Didático e Modelos
Tridimensionais para Ensino em Biologia Celular”, realizado por uma estudante de bolsa
treinamento, a qual, juntamente com o seu supervisor (Prof. Dr. Fábio Camargo Abdalla),
confeccionou os modelos a seguir: “Jogo de Síntese Protéica”; “Modelo de Membrana
Plasmática”; “Modelo de Criofratura”; “Ribossomo” e “Kit para Montar Diversos Tipos de
Células”. A identificação dos temas nos quais os estudantes de 2006 encontraram maiores
dificuldades de visualização e compreensão, foi o primeiro passo para confecção dos modelos,
seguido da idealização de modelos viáveis que trouxessem uma maior riqueza de detalhes e
que pudessem ser aproveitados para a explicação do maior número de temas na disciplina.
Dentre eles, o Kit para montar células foi o primeiro a ser utilizado e ter uma
metodologia desenvolvida para sua aplicação. Foram confeccionados dez exemplares, os
quais proporcionam ao usuário liberdade para compor uma célula a partir de seus
componentes básicos, estimulando a análise de como a função específica de cada tipo de
célula interfere no número e característica dos componentes celulares, ou seja, em sua
morfologia, funcionamento, diferenciação e fisiologia. O kit possui os seguintes componentes:
cloroplastos, complexos de Golgi, evaginações e invaginações da membrana plasmática,
heterofagossomos, lisossomos, mitocôndrias, núcleos em diversas fases da intérfase,
nucléolos, peroxissomos, polirribossomos e retículos endoplasmáticos lisos e rugosos. Todas
as peças foram desenhadas em cartolina, pintadas e revestidas com plástico transparente e
impermeabilizante e apresentam ímãs, permitindo a aderência ao tabuleiro metálico, pintado
com tinta nas cores bege (interior da célula) e azul (exterior da célula). O tabuleiro metálico,
com a preocupação de evitar acidentes de manejo, como cortes, arranhões ou outros
28
ferimentos, apresenta as extremidades revestidas com couro. Todos os demais modelos
produzidos pelo projeto também possuem esta preocupação. A tinta utilizada para pintar todas
as peças é atóxica (estes materiais estão em fase de patenteamento).
4.2. Investigação do Conceito de Célula com a Utilização dos Modelos
Bidimensionais.
2007
Esta atividade foi realizada no primeiro dia de aula da disciplina Biologia
Celular, para que fossem investigadas as concepções prévias dos estudantes, principalmente
aquelas trazidas do colegial e/ou do curso pré-vestibular. Utilizaram-se placas de metal
(representando o citossol) e diversas organelas imantadas de cartolina: o “kit célula”.
Pedimos para que os universitários formassem grupos (de quatro a seis pessoas) e,
livremente, dispusessem as organelas na placa, definindo quais destas deviam compor uma
célula, bem como suas localizações (Figura 3A). Todo o material produzido foi fotografado,
um a um, e logo após, foi entregue um questionário ao grupo, cujas perguntas (a seguir),
deviam ser respondidas de acordo com o modelo de célula criado:
Foto colada aqui
29
Depois de respondido, foi anexada ao questionário a foto impressa do modelo
de célula do grupo correspondente (Figura 3B):
Figura 3. A. Grupos de estudantes reunidos para confecção e discussão dos modelos que são realizados com os
“kits” para montar células. B. Foto de uma das células produzidas com uso das placas anexada ao questionário
respondido.
O passo seguinte da atividade constitui-se no retorno ou esclarecimento de
todos os conceitos envolvidos tanto na célula construída como nas respostas ao questionário.
Para tanto, reuniões foram marcadas com cada grupo, nos horários disponíveis para todos os
componentes e ao ar livre, no gramado (da antiga sede dos professores, NCH), para deixar os
estudantes à vontade, sem a “opressão” das paredes e a impessoalidade das salas de aula.
Durante as reuniões, alguns grupos receberam orientações do professor da
disciplina, e outros, das duas monitoras (participantes do projeto, a saber: a bolsista de
Iniciação Científica e Fabiana Gimenes). Nos grupos orientados pelo professor, as monitoras
acompanharam como espectadoras, anotando as dúvidas e as dificuldades de cada grupo.
Igualmente o fizeram nos grupos que orientaram, porém, após a reunião.
2008
Neste ano, a dinâmica dos modelos bidimensionais apresentou profundas
modificações, de acordo com as necessidades observadas através da experiência do ano
anterior. A metodologia empregada foi mais rigorosa, tendo como base a teoria dialética, na
qual são apresentados quatro passos para o ensino-aprendizagem:
- Síncrese: visão geral do estudante, composta a partir dos conceitos
adquiridos mediante interações consigo, com seus semelhantes e com o meio social onde vive;
30
- Análise: através de situações-problema, inicia-se o processo de investigação,
a fim de preencher as lacunas que o conhecimento prévio não conseguiu preencher;
- Síntese: quando o estudante consegue sistematizar os conceitos, aplicando-os
em situações gerais e incorporando-os ao seu cotidiano;
- Antítese: quando o estudante de posse do conhecimento construído, passa a
questioná-la em contextos diversos.
As reuniões com o professor e as monitoras foram substituídas pela atividade
de pesquisa feita pelos próprios estudantes, as quais culminavam em seminários para
apresentação das respostas encontradas. O roteiro de perguntas também foi alterado e
direcionado para os conceitos em que os estudantes do ano anterior mais tinham dificuldade
em compreender. As perguntas acrescentadas foram as seguintes:
- Qual a natureza química da secreção desta célula? Por quê?
- Como um biólogo em laboratório consegue visualizar a sua célula?
- Esta célula é observada em todos os tipos de microscopia? Por quê?
- Para esta célula reconhecer a insulina do que ela precisa? Por quê?
- Supondo que há duas células com os mesmos genes ativos, mas só uma secreta a
enzima “A” e reconhece o hormônio “B”. Como isso é possível?
- Se esta célula fizesse parte de um tecido ou órgão, o que está faltando no esquema
construído por você?
Além da síncrese, análise, síntese e antítese, mais um passo constituiu a
dinâmica: a mediação do professor. A seguir, cada um destes passos apresenta-se
acompanhado de seu momento na dinâmica e o que se espera em cada momento, do professor
e dos estudantes:
Síncrese
- Problematização e significação: momento onde as concepções dos estudantes são
expostas, através da confecção do seu modelo de célula com o Kit. As perguntas do roteiro
31
têm como objetivo proporcionar a significação do que é aprendido, dar sentido ao modelo
construído, utilizando na prática alguns conceitos e instigando a curiosidade. Este é o nível de
problematização, onde se espera que os estudantes utilizem suas concepções prévias para
responder as perguntas e, neste momento, encontrem pontos contraditórios e confusos. Todo o
processo é realizado em grupos, para que todos os integrantes, a qualquer momento de dúvida,
possam compartilhá-las com os demais. Assim, a construção dos significados realiza-se
também pela interação entre os sujeitos.
Mediação do professor
- O professor indica as respostas equivocadas, não condizentes com o cientificamente
aceito, sem, no enquanto, fornecer as respostas corretas. O professor deve fazer perguntas
provocativas, ressaltar os pontos mais relevantes, oferecer a oportunidade dos estudantes
construírem seu próprio conhecimento, e de conhecer novos conceitos. “Conhecer é
estabelecer relações; quanto mais abrangentes e complexas forem as relações, melhor o
sujeito estará conhecendo. O educador deve colaborar com o educando na decifração, na
construção da representação mental do objeto em estudo.” (Vasconcellos, 1995, p.33).
Análise
“Busca-se, através da análise, chegar-se a uma síntese pessoal daquilo que foi
pesquisado. Análise e síntese constituem um grande momento. É difícil dizer a partir de que
momento parou a análise e começou a síntese” (Vasconcellos, 1995, p.43).
- Pesquisa: estratégia para uma aprendizagem ativa de investigação. Neste momento,
o estudante tem a oportunidade de refletir e de relacionar o que foi respondido no roteiro com
o encontrado na literatura científica, sem esperar que o professor forneça as respostas, como
se este fosse uma única fonte de informações. Esta é a parte mais complicada entre o
relacionamento professor-estudante, pois é necessária muita atenção por parte do professor
para que o conhecimento não fique no “vazio” devido ao ingresso não estar habituado a este
tipo de dialética. No momento da devolução dos formulários com o registro fotográfico
anexado para cada grupo, o professor, aleatoriamente adicionou símbolos que para os
estudantes eram conceitos (B-, A, C, D, B+). Neste caso, utilizamos o condicionamento
mental de recompensa para alavancar a procura por “respostas corretas”. Em nenhum
momento dissemos o que significavam os símbolos e se a atividade valia ou não conceitos.
32
Síntese
- Seminários: expressão do conhecimento adquirido. Todas as relações e descobertas
foram demonstradas através do discurso e das observações de cada grupo. Todos os demais
estudantes, que não compunham o grupo em apresentação, tiveram a oportunidade de
conhecer outros modelos de célula, criados a partir do mesmo material, compará-las ao de seu
próprio grupo e de compartilhar experiências durante todo o processo, fato não contemplado
na primeira vez que a atividade das placas de “kit célula” foi realizada.
Antítese
- Contextualização e Contestação: espera-se que o estudante consiga inter-relacionar
os conceitos desta disciplina com as demais, para quando defrontados com uma situação-
problema, possam resolvê-la, bem como contestar criticamente conhecimentos difundidos
tanto pela comunidade científica, quanto pela comunidade onde vive. Neste momento, pode
ser considerado que o ensino-aprendizado efetivamente ocorreu. O conhecimento, neste caso,
agora adquirido de fato, é sujeito de modificações pelos estudantes.
Para avaliação da real eficácia da mudança metodológica, foi elaborado um
questionário para ser respondido voluntariamente pelos estudantes, do ano de 2007 e de 2008,
com perguntas referentes a esta dinâmica e a dos modelos tridimensionais. Estas perguntas
estão contidas na seção Resultados e Discussão, bem como suas respostas contabilizadas e
transcritas no formato de percentuais. Uma delas, para facilitar a visualização e a comparação
entre as turmas, está sob a forma de gráficos de barra, elaborados através do programa
Microsoft Excel.
2009
Apesar da metodologia não ter sido profundamente mudada, ela sofreu
algumas alterações. A principal preocupação, foi utilizar a dinâmica para não só negociar o
senso-comum dos estudantes e os conceitos da Biologia Celular, mas também para “nivelar a
classe”. Antes de começarmos a disciplina, tentou-se fazer com que os significados cognitivos
de cada um dos estudantes, concernentes a ela, ficassem não tão heterogêneos na defasagem, a
fim de começar a disciplina com um conhecimento basal mínimo a todos.
33
Além disso, o questionário aplicado sofreu acréscimo de uma questão: “Qual a
diferença essencial quanto aos receptores celulares entre uma célula não diferenciada (célula
tronco ou totipotente) e uma terminalmente diferenciada (neurônio, por exemplo)?”. As
perguntas acrescentadas no ano de 2008 foram retiradas, pois as respostas apresentadas já
estavam contidas nas perguntas anteriormente feitas, mais gerais e abrangentes.
Os grupos foram compostos por aproximadamente cinco estudantes, e a
confecção dos modelos de célula (Figura 4), bem como o registro fotográfico e aplicação do
questionário seguiram os mesmos padrões de 2008.
Figura 4. Confecção de um modelo de célula, por um dos grupos de estudantes, no ano de 2009.
As duas novas monitoras da disciplina, neste ano, atribuíram conceitos às
respostas dos questionários: I para insuficiente, B para bom e MB para muito bom, com o
objetivo de indicar o quanto o grupo deveria se empenhar em pesquisas em fontes primárias,
para detectar as diferenças e semelhanças de seus conhecimentos com aqueles que
defrontariam na disciplina, ao longo do semestre. Por fim, após uma semana, cada grupo
apresentou seus resultados em forma de seminários, onde puderam expor suas
[re]significações. Os seminários foram acompanhados pelo docente da disciplina e pela
bolsista de Iniciação Científica, que atribuíram um conceito de 0 a 50 para a apresentação, e
este valor deveria ser dividido pelo grupo, de acordo com o julgamento quanto à participação
dos componentes durante todo o processo.
4.3. Investigação do Conceito de Célula e de sua Tridimensionalidade
2006
34
A segunda atividade proposta para os estudantes foi criada no ano de 2006.
Durante uma avaliação da disciplina de integração do curso de Licenciatura do Campus de
Sorocaba, PPEC – Prática e Pesquisa no Ensino de Ciências I surgiu a idéia desta atividade
com uma questão que propunha a criação de um modelo diferente para o ensino de Citologia
em uma classe de quinta série. Foi proposto (pela bolsista de Iniciação Científica e por
Fabiana Gimenes), um modelo tridimensional, produzido com massa de modelar de diversas
cores para a confecção das organelas, gel transparente (para cabelos) para o citoplasma, e
sacos plásticos transparentes para a membrana plasmática, com os quais os estudantes
montariam sua própria célula, em grupos. Portanto, a “atividade propunha uma dinâmica
lúdica e incentivava uma participação ativa na construção do próprio material de
aprendizagem pelo aluno” (Fernandes et al. 2007). Ao mesmo tempo, o professor, durante a
confecção, revisaria as funções de cada organela.
Com o incentivo do professor responsável pela disciplina Biologia Celular, a
atividade foi aplicada naquela mesma sala, por suas criadoras, fornecendo-se os materiais, de
forma totalmente livre. A boa recepção da atividade incentivou a extensão desta para os
alunos do ano subseqüente, relatada a seguir.
2007
As disciplinas Biologia Celular, Histologia, Embriologia, Fisiologia e
Bioquímica (todas reunidas num módulo chamado Biologia Geral) exigem do estudante
esforço de relação entre lógica espacial, cinética dos componentes macro e micro-celulares e
processos metabólicos. Estes processos, químicos, bioquímicos ou fisiológicos, e a noção de
tridimensionalidade são extremamente importantes para que os estudantes venham a entender
as disciplinas do módulo. Em Histologia, especificamente, se não se compreender que uma
lâmina histológica de determinado órgão ou tecido o representa como fatias bidimensionais
cujo processo fisiológico foi “congelado” num determinado tempo, dificilmente o docente
terá êxito no processo de ensino-aprendizagem do estudante.
Com os resultados da aplicação da atividade em 2006, tornou-se evidente a
importância de problematizar essas questões aos estudantes ingressos, tanto do Bacharelado,
quanto da Licenciatura. Seu objetivo em 2007 e 2008 passou a ser não só o de incentivar
futuros professores a diferenciar seus métodos de ensino, como também construir junto a eles
o entendimento do processo de elaboração dos modelos clássicos de esquemas e figuras
35
apresentado nos livros didáticos e que se baseiam na pesquisa de estudos bidimensionais com
diversas técnicas microscópicas, de ensaios bioquímicos, moleculares e fisiológicos altamente
abstrativos.
Em cada uma das salas, solicitou-se a formação de grupos, e os materiais foram
distribuídos. Houve uma modificação na aplicação da atividade depois da primeira
experiência: o gel foi colocado previamente no saco plástico, até sua metade, e potes plásticos
foram deixados à disposição, caso os estudantes desejassem produzir um modelo de célula
vegetal. A rigidez dos potes plásticos representaria não só a membrana plasmática, mas
também a parede celular celulósica de uma célula vegetal. Pedimos que montassem seus
modelos de acordo com o esperado por eles do formato e componentes de uma célula real.
Os modelos prontos e sua confecção foram documentados por fotografia
(Figura 5A, B, C):
Figura 5. A. Início da modelagem das organelas com massa de modelar por um dos grupos de universitários
ingressantes. B. Algumas das organelas produzidas, como o núcleo, em amarelo e verde. C. Modelo de célula
pronto, ao “alcance das mãos” da aluna.
Foram propostas duas perguntas, para serem respondidas individualmente após
a atividade:
Como essa atividade pode contribuir para sua formação?
Como essa atividade pode ser utilizada em seu futuro profissional?
As respostas foram lidas pelos participantes do projeto para avaliação do
retorno aos estudantes quanto à prática.
2008
A aplicação da dinâmica neste ano foi realizada como no ano de 2007, porém,
não se utilizou um saco plástico (representando a membrana plasmática), só o próprio pote de
gel para cabelos. A modificação da metodologia tornou-se necessária devido a sugestões dos
36
estudantes do ano anterior, realizadas como adendo nas duas perguntas sobre a atividade. Eles
relataram a dificuldade de inserir e manusear as organelas de massa de modelar no gel dentro
do saco plástico, pois este não proporcionava a firmeza necessária para permitir correções de
posição ou do próprio formato das organelas.
Durante a confecção dos modelos, com a ajuda da atual monitora da disciplina,
Aline Martins, foram registrados alguns questionamentos entre os componentes dos grupos
para definição da composição e do formato das organelas. Na aplicação desta atividade houve
também, por sugestão de alguns estudantes, o “planejamento” prévio da célula com esquemas
feitos à mão e o registro fotográfico das organelas foi feito antes de serem colocadas no gel,
como mostra a Figura 6:
Figura 6. Modelos de células confeccionadas pelos estudantes. À esquerda, as organelas em massinha, antes de
serem colocados no gel. No centro, em branco, observam-se as mitocôndrias representadas bidimensionalmente.
À direita, o modelo pronto.
Todas estas experiências, acrescidas das aulas práticas convencionais da
disciplina Biologia Celular, foram sintetizadas em dois vídeos confeccionados através de
registro fotográfico, filmagem e microfilmagem em microscópio. Todo o material foi editado
através do programa “Windows Movie Maker” e dois vídeos foram disponibilizados na
Internet. Os vídeos foram hospedados no YouTube. Até a data de 14 de setembro de 2008,
foram acessados quase 500 vezes.
http://www.youtube.com/watch?v=_aa0qvZCqPU. Acesso em: 14 set. 2008.
http://www.youtube.com/watch?v=dGMWkHDLCGA. Acesso em: 14 set. 2008.
37
4.4. Investigação das concepções dos estudantes na disciplina de Histologia
2007
A terceira atividade foi desenvolvida na disciplina Histologia, ministrada pelo
mesmo docente da disciplina Biologia Celular, proporcionando a continuação do
acompanhamento do desenvolvimento dos estudantes e das metodologias de inovações
pedagógicas propostas pelo grupo Aprendendo a Aprender. Temáticas como uso de
anabolizantes, busca pelo corpo perfeito, dietas radicais, padrões de beleza do mundo atual e
suas doenças relacionadas, como anorexia e bulimia são, muitas vezes, raramente citadas nas
aulas de Histologia ou até mesmo ignoradas. Pensando em uma aula voltada à Licenciatura,
foco de nossa preocupação quanto à formação docente, elaboramos três situações hipotéticas e
cotidianas e, em seguida, algumas perguntas sobre os principais pontos das temáticas:
1) João é um garoto de 12 anos acima do peso. Enquanto seus colegas de escola jogavam
futebol por horas, ele se cansava nos primeiros minutos. Como se não bastasse, ainda recebia
apelidos “carinhosos” da turma. Cansado dessa situação, decidiu mudar seu porte físico.
Durante pesquisas na internet, encontrou uma fórmula que parecia milagrosa: anabolizantes.
- “Vou ficar forte como um touro, sem fazer esforço” - ele pensava.
João está correto em sua afirmação? O que isto acarretará para sua saúde?
2) Verusca estava descontente com sua forma física. Ela era magra, porém, gostaria de ficar
mais forte e definida. Decidiu procurar uma academia para praticar musculação.
- “Vou transformar gordura em músculos!”.
a) A afirmação de Verusca está correta? Por quê?
b) Se ela, depois de dois anos de academia, parar de praticar musculação, o que acontecerá
com seus músculos?
c) Qual o efeito da musculação sobre as células musculares?
38
d) Por que, ao sairmos da academia depois de uma aula de musculação, temos a sensação de
que nossos músculos ficaram mais rígidos e definidos? O efeito sobre os nossos músculos é
imediato?
3) Joana pesava 90 quilos e media 1,65m. Desesperada por perder peso, cortou todos os
doces, refrigerantes e refeições. Passava o dia inteiro tomando chá e comendo uma maçã e
algumas torradas. O resultado foi a perda de 6 quilos em duas semanas. Contente com o
resultado, prolongou a dieta por um mês. Responda:
a) Todo o peso perdido por Joana era constituído somente por gordura? Qual a diferença entre
perder peso e emagrecer?
b) Por que dietas radicais, não elaboradas por nutricionistas, têm efeito rápido, mas em longo
prazo, seus praticantes voltam a engordar?
Optamos por não partir diretamente de perguntas-respostas, para provocar o
envolvimento dos estudantes com as situações propostas, esperando-se, dessa forma, obter
respostas espontâneas, primordiais para revelar as suas concepções prévias e, acima de tudo,
para suscitar dúvidas. É importante ressaltar que, para elaboração das perguntas, uma pesquisa
prévia foi realizada através da Internet, principalmente em sites voltados para frequentadores
de academias de ginástica. Procurou-se obter tais informações em sites particulares (blogs),
onde as pessoas expusessem livremente seus conceitos e idéias sobre os temas escolhidos, e
através dos quais se pudesse obter uma amostra razoável do senso comum. Os websites
utilizados para cada tema foram os seguintes:
COPACABANA RUNNERS. São Paulo, 2002. Disponível em:
<http://www.copacabanarunners.net/imagem-corporal>. Acesso em: 12 nov. 2007.
MUSCULAÇÃO: TEORIA E PRÁTICA. São Paulo, 2004. Disponível em:
<http://www.fisioculturismo.hpg.ig.com.br/0001.htm>. Acesso em: 12 nov. 2007.
CYBER DIET. São Paulo, 2000. <
http://cyberdiet.terra.com.br/cyberdiet/colunas/001214_fit_musc.htm> e <
http://cyberdiet.terra.com.br/cyberdiet/colunas/020920_fit_mitos_verdades.htm>. Acesso em:
12 nov. 2007.
39
CENTRO ESPORTIVO VIRTUAL. Campinas, 1996. Disponível em: <
http://listas.cev.org.br/arquivos/html/cevfit/2001-11/msg00009.html>. Acesso em: 12 nov.
2007.
RICARDO CAMÕES - PERSONAL TRAINER. Rio de Janeiro, n.d. Disponível em:
<http://br.geocities.com/corpoemov/view_lendasemitos_01.htm> . Acesso em 12 nov. 2007.
Terminologias como “Ana” (garota anoréxica), “Mia” (garota bulímica),
“miar” (auto-indução ao vômito), LF (low food – pouca alimentação) e NF (no food –
nenhuma alimentação) foram encontradas nas principais comunidades sobre o assunto no site
de relacionamentos http://www.orkut.com (acessado em 12 de novembro de 2007) e páginas
pessoais de postagens regulares (os blogs). Neles havia disputas sobre quem conseguia ficar
mais tempo sem comer, e cada resistência ao ato era considerada uma vitória, e sua praticante
elogiada pelas demais por sua força de vontade. Trechos de suas falas foram reproduzidos
para conhecimento dos estudantes quanto à gravidade da doença nestas portadoras, sem citar
seus nomes e tampouco as fontes da internet. Desta forma, o senso-comum e situações que
aparentavam ser tão distante da realidade de alguns estudantes foram utilizadas como
principal instrumento para elaboração da dinâmica. Havia também uma quarta questão, essa
direta sobre a satisfação dos estudantes quanto a sua forma física. A partir das respostas,
abordaríamos a temática social sobre os padrões de beleza:
4) Faça uma auto-análise de sua forma física, ressaltando os pontos que menos e os que mais
lhe agradam
Os questionários foram aplicados e respondidos, sem a exigência de
identificação na folha de respostas, com o intuito de evitar inibição e “o medo de cometer
erros”. Após o preenchimento destes questionários, o professor ministrou uma aula
convencional sobre os conhecimentos específicos que abrangem os temas Tecido Muscular e
Tecido Adiposo (uma modalidade de Tecido Conjuntivo). Uma semana depois, o assunto foi
retomado, através de slides explicativos, com foco nos principais erros conceituais
encontrados nas três primeiras questões (sem explicitá-los). Neles havia as perguntas e as
respostas na sequência, em forma de tópicos e com fotos e ilustrações demonstrativas. Para a
quarta questão, elaborou-se um gráfico com o percentual de alunos satisfeitos/insatisfeitos
com sua forma física, e na seqüência, com as orientações da Profa.Dra.Viviane Melo de
Mendonça, docente formada em Psicologia do Campus, especialista em psicologia de jovens
40
e adolescentes, abordou-se o porquê do almejo do “corpo perfeito”, como os expostos pela
mídia a todo o momento; o efeito da baixa-estima sobre os professores no ato de seu exercício
profissional; a anorexia e a bulimia, seus sintomas e diagnóstico social e por último, como o
professor deve proceder ao deparar-se com estudantes portadores dessas doenças.
Tanto a aplicação do questionário quanto a aula foram realizadas e elaboradas
pela bolsista de iniciação científica e pela monitora de Histologia, Andrea Cattaneo
Hernandez, na época a nova integrante do grupo de pesquisas. O docente da disciplina esteve
presente acompanhando os procedimentos da atividade, principalmente a aula, a qual, quando
julgava necessário, acrescentava informações ou explicava alguns pontos controversos que
surgiam.
4.5. Desenvolvendo a capacidade de análise, síntese e antítese - Júri Simulado
Primeiro Semestre de 2008.
Com a preocupação da falta de oportunidade, tempo e espaço para reflexões e
discussões sobre temas além do programado pelos docentes em suas disciplinas, não só na
área de Biologia Celular, mas das Ciências Biológicas em geral, procurou-se desenvolver uma
atividade onde os estudantes pudessem defender ou contra argumentar temas polêmicos, de
visões de mundo opostas e presentes no cotidiano, para direcionar a atenção às consequências
de cada uma delas na sociedade, e no caso dos licenciandos, também na sala de aula. Para isso,
foi criada a dinâmica intitulada “Júri Simulado”, onde se procurou despertar o debate e a
reflexão. Várias reuniões foram feitas para sistematizar esta atividade, a qual teve quase total
apoio dos conhecimentos de jurisdição da Dra. Sandra Oliveira Mayer de Barros, funcionária
administrativa do setor jurídico da UFSCar, Campus de Sorocaba.
Com o apoio da Dra. Sandra, houve uma reformulação de todas as fases que
constituem um julgamento convencional, a começar pela ausência de um réu. O que estava
em julgamento eram causas ou teses referentes a uma temática da disciplina Biologia Celular,
porém não uma temática qualquer e sim, uma que envolvesse não só o conteúdo científico,
mas as fortes ligações deste conteúdo com a estruturação da significação de nossa sociedade.
O tema escolhido para ser desenvolvido neste semestre de 2008 foi a “Origem da Vida:
Criacionismo versus Neodarwinismo”.
41
Solicitou-se no Bacharelado e na Licenciatura, a formação de dois grupos de
cinco pessoas, compostos por estudantes que estivessem interessados em participar da
atividade. A escolha das causas por cada grupo foi livre. Para formular bons argumentos,
tanto para defender sua causa como para atingir os pontos frágeis da causa contrária, os
grupos deveriam recorrer a fontes como livros, relatos verídicos, artigos, estatísticas,
noticiários, fotos, podendo utilizar como recursos o data-show para apresentação de slides. Os
demais estudantes da sala foram os jurados e deveriam votar, ao final do júri, na causa mais
bem defendida. Foi enfatizado que a causa vencedora não poderia ser considerada “correta” e
a perdedora “errada”, pois não existem verdades absolutas, nenhum saber está pronto e
acabado. O que deveria ser analisado era a articulação entre a pesquisa previamente feita com
a forma como os argumentos foram apresentados, sem qualquer influência de pré-conceitos.
O principal objetivo desta atividade foi preparar o futuro pesquisador e professor a defrontar-
se com o senso-comum dos seus estudantes, respeitando-o na sua percepção de significação
de mundo. Há de se conhecer as duas faces da moeda para conhecê-la por completo.
A sessão plenária foi composta por uma juíza (Dra. Sandra), mediadora das
discussões; uma escrevente (estudante), para organizar os grupos, distribuir e recolher as
cédulas dos votos; dois defensores (um de cada grupo) de suas respectivas teses; quatro
testemunhas de cada grupo, para apoiar com fatos e relatos uma das teses e responder a dez
perguntas feitas pelos defensores, sendo cinco do grupo que apoiava uma tese e cinco do
grupo que defendia a outra tese, e os jurados (os demais estudantes da sala).
A duração de cada fase do julgamento foi estabelecida, para não haver
favorecimento de nenhuma tese em detrimento a outra. Antecipadamente, cada grupo
entregou as dez perguntas para o “Juiz”, para avaliação da pertinência quanto ao tema
(perguntas que levassem o grupo oposto ao erro ou a contradições) e para o acompanhamento
durante a atividade. Abaixo, segue cada fase do julgamento, com seu referido tempo de
duração:
1) O Juiz anunciou o tema do julgamento, apresentando os dois grupos e a tese que
cada um deles defenderia – 10 minutos;
2) As testemunhas de ambos os grupos foram encaminhadas pela escrevente aos seus
lugares reservados, uma ao lado da outras – 5 minutos;
42
3) O Juiz fez advertências aos jurados sobre as atitudes não permitidas (os jurados
não podiam se comunicar ou manifestar opiniões durante a defesa das teses e das respostas
das testemunhas) – 5 minutos;
4) O Juiz anunciou o início do julgamento, relatando brevemente sobre as duas teses
– 5 minutos;
5) Debates – 30 minutos para cada defensor, os quais expuseram suas teses, iniciando
com a tese Criacionista e em seguida a Neodarwinista;
6) Testemunhas da tese Criacionista responderam dez perguntas, sendo cinco do seu
próprio grupo e cinco do grupo Neodarwinista – 15 minutos;
7) Testemunhas da tese Neodarwinista responderam dez perguntas, sendo cinco do
seu próprio grupo e cinco do grupo Criacionista – 15 minutos;
8) Explicação do Juiz sobre o esquema de votação e os aspectos mais importantes a
serem analisados de cada grupo – 20 minutos;
9) A escrevente distribuiu as cédulas de votação, que ocorreu de forma secreta;
10) Após contagem de votos, a tese mais bem defendida foi anunciada.
Segundo de semestre de 2008.
Após a primeira experiência de aplicação da dinâmica, foram realizadas
algumas modificações quanto à sua metodologia, tornando-a semelhante a um debate,
principalmente para proporcionar a participação não só dos grupos que defendem as teses,
mas também do restante da sala. Como será visto adiante, foi observado na Licenciatura que a
discussão tornou-se mais proveitosa desta maneira, e que no Bacharelado, talvez pelo seu
perfil mais reservado e temeroso quanto a erros (observado nesta turma especificamente), seus
integrantes sintam-se mais incentivados a participarem da dinâmica, com esta mudança. O
tema pretendido para a disciplina Histologia, foi a questão da eutanásia, termo que significa,
em grego, boa morte ou morte digna (Batista & Schramm, 2004).
Pensando em uma abordagem que motivasse os estudantes a pensarem o tema
sem o preconceito inicial inerente a ele, realizamos uma atividade dialogada de mesa-redonda
43
para discussão da polêmica sobre a eutanásia, prática que envolve tanto o conceito de morte,
das implicações histo-fisiológicas, quanto dos aspectos éticos e jurídicos. O debate sobre a
bioética do fim da vida, longe de ser uma questão relativa ao indivíduo– aquele que morre –,
constitui um autêntico problema de saúde coletiva (Batista & Schramm, 2004).
Como ponto de partida para reflexão e formação de uma postura crítica quanto
ao tema “eutanásia”, foi pedido aos estudantes do 1° ano em Ciências Biológicas, tanto do
bacharelado quanto da licenciatura, para assistirem a três filmes com enfoques diferentes
sobre o tema: os filmes “Invasões Bárbaras”, do diretor Denys Arcand; “Mar Adentro”, do
diretor Alejandro Amenábar e “Fale com Ela”, do diretor Pedro Almodóvar. Aos estudantes
também foram fornecidas notícias recentes sobre o tema através de correio eletrônico, como a
da menina britânica Hannah, de 13 anos, que conquistou o direito de morrer após o hospital
em que estava internada desistir de obrigá-la a se submeter a uma cirurgia no coração.
Participaram como âncoras da atividade a Dra. Sandra Mayer (Departamento
Jurídico da Universidade), a bacharel em direito Jane Conzatti, cuja monografia abordou o
tema bioética (estudante do primeiro ano da Biologia – Licenciatura), e a Profa. Dra. Mônica
Jones, professora de fisiologia desta I.E.S (Figura 7).
Figura 7. As três âncoras da atividade: à esquerda, a Profa. Dra. Mônica Jones; no centro, a bacharel
em direito Jane Conzatti, e à direita a Dra. Sandra Mayer.
Os estudantes, ao longo das três abordagens das convidadas, puderam fazer
perguntas e discutir o tema abertamente (Figura 8). Ao final, foi solicitado aos estudantes que
resumissem, em uma só palavra, qual a sua impressão sobre o tema, após toda a discussão.
44
Figura 8. Estudantes que participantes da mesa-redonda.
4.6. A Aprendizagem Significativa Crítica e a dinâmica dos Mapas Conceituais
(2009).
Mapas Conceituais, segundo Moreira (2005), são “diagramas indicando
relações entre conceitos, ou entre palavras que usamos para representar conceitos.”. São
ferramentas que possibilitam a organização hierárquica de conceitos, onde os mais gerais
permanecem no topo do mapa, e os mais específicos na base. Estes conceitos podem estar
unidos por uma linha contínua, pontilhada, ou por uma seta, porém, deve-se tomar cuidado ao
utilizá-la, afim de não confundir o mapa conceitual com um diagrama de fluxo. Podem ser
inseridas palavras-chave sobre essas linhas ou setas, para indicar a natureza da relação entre
os dois conceitos conectados.
Os mapas podem ser utilizados para preparação de uma aula, organização de
currículo escolar, entrevistas de emprego, estudos de livros ou artigos, dentre tantas outras
aplicações. Nesta pesquisa, mais especificamente, eles foram utilizados como método de
avaliação didática, tanto dos conhecimentos prévios, advindos do Ensino Médio, quanto dos
conhecimentos construídos pelos estudantes após as aulas da disciplina Biologia Celular.
Também foram utilizados para verificar a condução do processo de ensino pelo professor.
Desta forma, os mapas conceituais são também uma das estratégias facilitadoras da
aprendizagem significativa crítica, que “caracteriza-se pela interação entre o novo
conhecimento e o conhecimento prévio.” (Moreira, 2000), de forma dinâmica, permitindo ao
estudante a diferenciação gradual de sua estrutura cognitiva (sempre conservadora),
construindo assim conhecimentos com significado para ele. Os aspectos relevantes
preexistentes na estrutura cognitiva dos estudantes, são chamados “subsunçores” nesta
metodologia, e servem de ancoragem para os novos conhecimentos. Como cita Moreira
(2005):
45
“À medida que o conhecimento prévio serve de base para a atribuição de
significados à nova informação, ele também se modifica, ou seja, os subsunçores
vão adquirindo novos significados, se tornando mais diferenciados, mais estáveis.
Novos subsunçores vão se formando; subsunçores vão interagindo entre si. A
estrutura cognitiva está constantemente se reestruturando durante a aprendizagem
significativa”. (p.7).
Nessa perspectiva, as condições para a aprendizagem significativa são a
potencialidade significativa dos materiais educativos e a pré-disposição do sujeito para
aprender (Moreira, 2006, 2007). Quando um professor adota os mapas conceituais como
estratégia didática, o processo de ensino-aprendizagem perpassa por duas etapas: a
diferenciação progressiva e a reconciliação integradora. A primeira permite que os conceitos
mais gerais do conteúdo sejam apresentados desde o início da disciplina, e, ao longo do
período letivo, a retomada destes conceitos vai sendo feita e cada vez com mais especificidade,
para que os estudantes, aos poucos, consigam diferenciar cada um deles. A segunda “é uma
forma de diferenciação progressiva da estrutura cognitiva que resulta no delineamento de
diferenças e similaridades entre idéias relacionadas.” (Silveira, 2004). Permite também a
relação entre conceitos antes desconexos, podendo promover a interdisciplinaridade. A
comparação entre a diferenciação progressiva e a reconciliação integradora, permite ao
professor diagnosticar sua prática através dos mapas conceituais elaborados pelos estudantes.
Como as relações entre os conceitos são únicas do indivíduo que o faz, pois
atribuir significados é algo estritamente pessoal (por isso o termo aprendizagem significativa),
ele não é auto-explicativo, e depende de explicação de quem o confeccionou. Neste momento,
há a exposição de todo o conhecimento ali representado. De acordo com Bondía (2002), o
sujeito da experiência é um sujeito exposto, com toda a vulnerabilidade e risco que isso
representa; é um sujeito sofredor, padecente, receptivo, que não se preocupa em ter opinião
para tudo. Os estudantes, através desta experiência, podem ir além do binômio informação-
opinião, e partir para o campo das incertezas, que são habilidades
conceituais/comportamentais que propulsionam a ciência.
Propomos, portanto, como nova dinâmica para o ano de 2009, a aplicação dos
mapas conceituais, para os ingressos deste ano. Para que os estudantes da Licenciatura e do
Bacharelado construíssem seus mapas conceituais, foi ministrada uma pequena aula (de
aproximadamente 15 minutos) pela bolsista de Iniciação Científica, para explicar o que era
um mapa conceitual, com o auxílio de slides confeccionados em power point e projetados em
datashow. Seu objetivo consistia em que os estudantes tivessem contato com exemplos de
46
mapas conceituais, suas funções, seus componentes, forma de confecção e aplicações. Após a
apresentação, foi entregue um roteiro (Apêndice A - Roteiro para construção dos Mapas
Conceituais) para cada grupo, sendo que este necessariamente deveria ser o mesmo grupo da
atividade das placas (modelos bidimensionais). Este roteiro continha os conceitos mais
importantes apresentados nos slides.
Cada grupo teria que entregar, na aula seguinte (uma semana depois), um mapa
conceitual confeccionado a partir do tema: “Célula: Estrutura e Funcionamento”, além de um
texto explicativo sobre as relações apresentadas no mapa.
Após dois meses de aula, foi solicitada aos estudantes a confecção de um
segundo mapa, com o mesmo tema. Porém, ele deveria conter tudo o que o grupo tivesse
aprendido na disciplina até o momento. A Licenciatura, neste período, teve sua última aula
antes do mapa sobre endomembranas, e o Bacharelado sobre endomembranas, mitocôndrias e
cloroplastos. Para ambos, as temáticas das aulas foram: origem da célula; composição
molecular da célula; métodos e instrumentos para análise de células; citoesqueleto; membrana
plasmática: estrutura e função; endomembranas; reciclagem de membranas e digestão celular.
O roteiro foi reenviado para o e-mail das salas, e a bolsista ficou a disposição para eventuais
dúvidas.
Para avaliação do desempenho das duas turmas, foram atribuídos conceitos:
insuficiente (I), bom (B) e muito bom (MB) para cada grupo, de acordo com a evolução
conceitual entre o primeiro e o segundo mapa. Esta evolução representa o aumento do número
de relações entre conceitos, a utilização da interdisciplinaridade, o aumento da complexidade
dos termos utilizados para representar conceitos e a ausência ou presença de conceitos entre
os dois mapas.
Posteriormente à avaliação por grupos, foram confeccionados pela bolsista dois
mapas basais para cada turma: um representando o primeiro mapa de todos os grupos e outro
representando o segundo. Para obtenção de um mapa realmente representativo, foram
escolhidos os conceitos que a maioria dos grupos representou em seus mapas. Desta forma,
pode-se avaliar não só o desempenho dos grupos, mas também das turmas na disciplina como
um todo.
47
Os mapas construídos foram apresentados às turmas, uma semana depois da
entrega do último mapa.
Através de animações em power point, procurou-se evidenciar todos os
conceitos e relações novas estabelecidas, bem como as excluídas após o primeiro mapa. Como
complemento, dois mapas de um grupo específico de estudantes, das duas turmas, foram
expostos para exemplificar as particularidades e as fragilidades presentes. Procurou-se
esclarecer que a escolha do grupo não significava que este era melhor do que os outros, afinal,
não existe mapa conceitual certo ou errado. A escolha foi por maior representatividade dos
elementos que necessitavam de uma abordagem mais detalhada, como a interdisciplinaridade
(que no mapa geral não estava presente, pois não foi comum a todos os grupos). Por fim,
pediu-se para que os estudantes, em uma só palavra, caracterizassem a apresentação e o
resultado da dinâmica.
Ao final da disciplina, antes da última avaliação, pedimos para que os
estudantes elaborassem um último mapa conceitual, com todo o conteúdo aprendido no
semestre. Ressaltamos que esta atividade não era obrigatória e que não serviria para uma
avaliação. O pedido foi justificado como uma forma do professor ter uma última visão geral
sobre sua disciplina, para reformular ou não, alguns conteúdos desta para o próximo ano, ou
para a disciplina que ministraria no próximo semestre, Histologia.
Sugerimos que fossem entregues mesmo rascunhos, caso alguns estudantes
utilizassem o mapa para estudar para a avaliação da disciplina. Recebemos ao todo 6 mapas: 4
do Bacharelado e 2 da Licenciatura. Alguns foram individuais e outros dos mesmos grupos do
mapa anterior.
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Faça-se necessário salientar que as práticas metodológicas aqui descritas, assim
como os materiais pedagógicos desenvolvidos, devem ser analisados no contexto deste
trabalho científico. Não devem ser interpretados, em hipótese nenhuma, como protocolos
ou “receitas” cujos resultados, se empregado em outro momento, em outras disciplinas e
48
Instituições de Ensino, serão os mesmos. Este trabalho é um “fragmento de contexto
avaliativo permanente”, cuja metodologia foi empregada e, algumas desenvolvidas, não
almejando sua reprodução, mas, primordialmente, sua funcionalidade no contexto e no
momento de atuação dos acadêmicos nesta I.E.S. O método em educação, muitas vezes,
oscila por estar imerso em muitas variáveis: o contexto, o momento, a maneira e, sobretudo,
os indivíduos que elaboram, aplicam e se submetem ao método. Portanto, os resultados e
discussão refletem uma experiência de experienciação, não uma comprovação de
experimento. Tampouco se apresenta dados quantitativos, mas preponderantemente dados
qualitativos expressos em tabelas e gráficos.
5.1. Modelo Bidimensional
2007
A Biologia Celular, como uma das disciplinas introdutórias da maioria dos
cursos de Ciências Biológicas e da Saúde, tem uma grande responsabilidade: fornecer aos
estudantes a base necessária para através do microcosmo celular proporcionar o entendimento
do universo repleto de relações e interações que constitui um organismo, o qual interage com
outros organismos e com o meio onde se insere. Na sua ausência, não seria possível conhecer
profundamente todo o funcionamento e organização dos seres uni e pluricelulares, bem como
suas relações ecológicas, pois “os conteúdos e as ações mentais que vão sendo formados
dependem da organização lógica e psicológica das matérias de ensino. A organização lógica
se refere à seqüência progressiva dos conceitos, idéias, habilidades, em nível crescente de
complexidade” (Libâneo, 2004). Por isso é primordial que os estudantes completem o curso
com pleno domínio dos conceitos fundamentais. Isto é um grande desafio para os docentes da
área, pois a disciplina exige dos estudantes um alto esforço de abstração e de formulação de
mapas mentais que relacionem diversos conceitos, muitos dos quais não vistos anteriormente.
O primeiro contato com os ingressos foi nesta atividade, no ano de 2007. Nas
reuniões ao ar livre, sem a presença do professor, os estudantes mostraram-se mais
desinibidos para fazer perguntas e comentavam sentir-se mais à vontade, devido ao medo das
mesmas serem julgadas como “simples” demais pelo docente. Observamos aqui a relação
49
autoritária professor/aluno que perdura quase como uma tradição vinda das escolas. Como
cita Santos (2005),
“O século XX, embora contestando teoricamente discursos transmissivos e práticas
de natureza dogmática, deu continuidade à tradicional ‘pedagogia na terceira
pessoa’ que, por sistema, sujeita o educando à autoridade do educador (terceira
pessoa)”.
No período da atividade era início do ano letivo, mas ainda assim esse
pensamento já estava presente na mente dos estudantes. Como as duas monitoras eram
igualmente “alunas” eles sentiram maior identificação e desta forma, puderam fazer suas
perguntas, antes retraídas.
Percebeu-se também que alguns estudantes haviam estudado antes das reuniões,
pois sabiam respostas de algumas perguntas que, propositalmente, restringiam-se a
conhecimentos altamente técnicos e detalhados somente no meio acadêmico. Já alguns
estudantes apresentavam noções muito simplificadas do assunto e conceituações totalmente
destoantes. Neste momento, em reunião com as monitoras, os estudantes perguntaram se a
atividade era uma simples aplicação para os estudos futuros e se as respostas dadas seriam
pontuadas. Tais questionamentos surgiram do fato de não se mencionar se a atividade faria
parte de uma avaliação.
Fato curioso ocorreu quando relacionamos teoria com a prática, como o
processo de picnose nuclear com a formação da hemácia na medula óssea hematógena (morte
celular programada). Os estudantes pareceram mais interessados na explicação. Esta
associação, de certa forma, ativou-lhes a curiosidade e proporcionou maior entendimento.
Como cita Rubens Alves (1994): “O corpo não suporta carregar o peso de um conhecimento
morto que ele não consegue integrar com a vida”.
As dificuldades e dúvidas dos grupos foram anotadas e as principais
observações, além das anteriormente citadas, estão elencadas abaixo:
- diferenciação celular (o que significa a célula ser pouco ou muito diferenciada?):
essa foi uma questão difícil de explicar. Os estudantes consideravam células muito
diferenciadas como portadoras de muitas funções, já que possuem muitas organelas, e células
pouco diferenciadas como tendo poucas funções, por terem poucas organelas. O equívoco da
associação de que quanto maior a quantidade de organelas diferentes, maior a quantidade de
50
funções em uma mesma célula esteve presente em todos os grupos. Utilizou-se como exemplo
a célula-tronco, para explicar como ocorre a diferenciação, bem como a sua limitação
funcional depois de já diferenciada.
- tipo de microscopia utilizada para observar a célula confeccionada: muitos não
lembravam ou não sabiam dos dois principais tipos existentes (microscopias eletrônica de
varredura e de transmissão) e quando recordados ou a eles explicado, não sabiam em que caso
utilizá-las e quais os fundamentos procedimentais para preparar um material para ser
observado por tais técnicas. Cabe aqui uma observação relevante: como o estudante, ao longo
de todo seu curso de Ciências e, posteriormente, de Biologia, estuda as células e os tecidos
através de representações gráficas de livros, dificilmente haverá o questionamento em relação
a como essas imagens podem ser obtidas na rotina de um laboratório, por exemplo. Mesmo a
microscopia óptica, mais simples nos aspectos procedimentais e mais próxima à realidade de
alguns estudantes e escolas é sequer citada. Não há a curiosidade em saber quais os
fundamentos que permitem que o estudante observe o material biológico em microscópio, e
tampouco os procedimentos corretos para operá-lo. Essa questão ainda continua relevante,
uma vez que, no momento da dinâmica, os estudantes não haviam tido contato com os
diferentes equipamentos que envolvem estas técnicas. É difícil ao estudante abstrair todo o
conceito que é ofertado na prática laboratorial, principalmente nas disciplinas que ensinam
conceitos gerados por equipamentos sofisticados e altamente abstrativos, cuja decodificação e
entendimento necessitam de aprendizado. Nesta ocasião, várias vezes os estudantes
questionaram o professor se haveria algum tipo de visita a centros de microscopia eletrônica.
- função da célula confeccionada: na questão “em que órgão você encontraria essa
célula?” nenhum grupo soube responder. Todos montaram células com todas as organelas
existentes no kit-célula, como as que aparecem nos livros didáticos. Eles saíram do colegial
e/ou cursinho pré-vestibular com a falsa impressão de que todas as organelas devem
obrigatoriamente estar presente em todas as células. Desmistificou-se esse fato, centrando na
função de cada organela presente, e onde ela seria requisitada tendo esses atributos. Foram
utilizadas, para todos os grupos, as células mamárias como exemplo, já que estas produzem
lactose pelo retículo endoplasmático liso (REL) e imunoglobulinas pelo retículo
endoplasmático rugoso (RER). Neste momento também se recuperou o conceito de
diferenciação celular.
51
- questão “essa célula é eucarionte unicelular?”: muitos pensaram de início que
poderia ser, porém, quando pedimos que se lembrassem das aulas de Biologia de
Microrganismos e Fungos (disciplina que é ministrada no mesmo semestre), principalmente
na estrutura de um protozoário, eles perceberam que para tanto, muitos outros componentes
deveriam estar presentes, como: peça bucal, sistema de locomoção, vacúolo digestivo, entre
outros. Esta questão explicitou algo comum encontrado em muitos estudantes: o de possuírem
alguns conhecimentos de forma fragmentada e desconexa. Muitas vezes, os estudantes são
quase “especialistas” em um assunto, mas quando solicitados a usar esse conhecimento em
outra área, é como se nada soubessem. É neste momento que a questão da
interdisciplinaridade deve ser bem trabalhada, em todas as disciplinas, para escaparmos desses
“sistemas bancários” de ensino, onde só depositamos conceitos nos alunos. Nestes casos
vemos a importância do diálogo entre os docentes para produzir um sistema de atividades não
justapostas, mas sobrepostas. Neste último conceito, é imperativa a necessidade do ensino-
aprendizado ser refletido não em fragmentos, mas como uma grande matriz integradora, a
qual propõe a “substituição do antigo processo em que o professor apenas explica sua matéria
e avalia os conhecimentos dos alunos em cada disciplina, por um sistema em que as mesmas
se entrelaçam e se complementam.” (Anastasiou, 2003), ou um grande mapa conceitual
composto por “diagramas indicando relações entre conceitos, ou entre palavras que usamos
para representar conceitos” (Moreira, 2005) que pode integrar todas as disciplinas do curso.
- metabolismo celular: a relação alto metabolismo/muitas mitocôndrias ocorreu em
todos os grupos. Só poucos estudantes lembraram-se de analisar o estado de condensação
cromatínica do núcleo. Ainda assim, não sabiam dizer, olhando somente para o núcleo, como
estava a atividade celular. É interessante notar que dentre todas as organelas celulares a mais
bem conhecida pelo ingresso (e também pelos veteranos) é a mitocôndria. Talvez seja porque
esta organela está relacionada aos principais sistemas metabólicos, do desenvolvimento e
fisiológicos dos organismos pluricelulares. Porém, apesar do conhecimento da “existência e
função primordial da mitocôndria”, os conhecimentos sobre ela são surpreendentemente
fragmentados. Perguntas tais: “por que os antibióticos afetam nossas mitocôndrias?” ou “há
alguma relação entre a forma e os componentes estruturais da mitocôndria e os processos
envolvidos na produção de ATP?” não conseguem ser respondidas mesmo por estudantes já
avançados em seus estudos, pois há dificuldade em inter-relacionar os conhecimentos
supostamente apreendidos nas diferentes áreas afins e responder a estas questões.
52
- atividade celular: no estado de condensação da cromatina detectou-se uma
extrema falta de conceituação, pois a eles era difícil relacionar a cor do núcleo (corado com
hematoxilina) com o estágio de condensação cromatínica. Aqui, como na questão da técnica
utilizada para a observação da célula confeccionada, detecta-se um grande hiato entre o
conteúdo teórico da disciplina e suas habilidades procedimentais. A eles, o único estado
visível do material genético era na forma de cromossomos. Neste aspecto, foi muito
trabalhoso conceituar a estrutura do DNA, a cromatina no núcleo interfásico e os
cromossomos no núcleo em divisão. Utilizamos como exemplo fios de lã (cromatina)
dispersos (núcleo claro) e todos unidos como um novelo (núcleo escuro) ou as mãos com os
dedos esticados e depois com os punhos cerrados. Muitos consideravam que, como no período
da interfase a célula não estava se dividindo, ela estava parada, sem atividade e, por isso, a
cromatina descondensada representava baixa atividade metabólica. É importante, portanto,
enfatizar o papel da intérfase não só na duplicação do DNA, mas também no acúmulo de
energia para a divisão, o papel da ativação e inativação gênica na diferenciação celular e a
configuração da morfologia nuclear que está relacionada com a diferenciação. Este assunto é
muito importante, uma vez que perpassa por todas as disciplinas das ciências básicas
(Biologia Celular, Histologia, Embriologia, Fisiologia, Bioquímica e Genética I).
- corantes utilizados na microscopia óptica: a relação ácido-base dos corantes
hematoxilina e eosina demonstrou causar total desconhecimento dos procedimentos tanto
teóricos como das habilidades práticas dos estudantes ingressos no curso de Biologia. O
conhecimento da ação destes corantes, vastamente utilizados para corar lâminas permanentes
em Histologia, é crucial para os estudantes construírem o mínimo de conhecimento desejado
nesta disciplina, por isso, já introduzimos esse conhecimento na Biologia Celular. Apesar de
se ter corantes específicos para demonstrar com muito mais precisão os diversos aspectos
celulares na microscopia óptica, os corantes hematoxilina (básico) e eosina (ácido) não só
coram as células, como indicam grosseiramente a natureza química do que está sendo corado
(se ácido ou básico, respectivamente), e o estado de condensação da cromatina. Neste caso, a
cromatina sempre será corada pela hematoxilina por ser ácida, mas nem sempre com a mesma
intensidade, devido aos seus diferentes graus de compactação ao se analisar os diferentes
graus de diferenciação celular e/ou ciclo celular.
Para demonstrar a importância de corar as células, faz-se um experimento
clássico dentro do laboratório: análise de células através de esfoliação da bochecha. As
53
células são analisadas ao microscópio óptico sem corar e, nesta ocasião, pedimos aos
estudantes para responder por que eles as enxergam muito transparentes. Depois as coramos
com um corante vital chamado Azul de Metileno, que também cora as bactérias aderidas nas
células. Nas células coradas observa-se claramente o núcleo celular e o citoplasma, além do
limite de cada célula. Estes conhecimentos são, então, conjugados com a teoria: origem da
vida. Todos os seres vivos são constituídos por átomos de C, O, N, e H, os quais possuem
praticamente o mesmo índice de refração. A partir dos conhecimentos biológicos e físicos,
partimos para explicação do “porquê” se devem corar as células, e depois do “como”,
introduzindo o conceito de coloração. Assim, tentamos explicar que a cor do núcleo com
esses corantes não muda nunca, só sua intensidade, daí inserimos conceitos da Biologia
Molecular (estrutura do ácido nucléico), mas que o citoplasma pode variar (natureza básica ou
ácida da secreção, ácido ribonucléico e demais aspectos). Nesta atividade, também
reforçamos o conteúdo teórico sobre diferenças entres células procariontes e eucariontes.
- morte celular: apesar de ser um tema avançado, os estudantes sabiam relacionar a
morte celular com a quantidade de lisossomos e quando questionados sobre quando a morte
celular ocorre, alguns se lembraram da morte celular programada ligada aos processos de
morfogênese que são bastante mencionados em Ciências e Biologia nas escolas (formação dos
dedos durante a morfogênese, por exemplo).
- função dos polirribossomos quanto à localização: muitos estudantes só sabiam
que havia polirribossomos no retículo endoplasmático rugoso. Quando dissemos que também
havia polirribossomos dispersos no citoplasma, poucos arriscaram uma função para eles.
Houve um grupo que, durante a montagem de seu modelo, colocou polirribossomos no núcleo
da célula, pensando serem cromossomos, “devido à representação em cartolina ser julgada
semelhante”. Portanto, para futuras aplicações, pretendemos revisar o material utilizado, bem
como as demais organelas representadas, para evitarmos mal-entendidos como esses.
Houve várias outras sugestões, como colocar no “kit célula” peças como
vacúolos e parede celular, centríolos e núcleos em divisão celular. Os lisossomos estão mal
representados, precisando também serem refeitos.
2008
54
Palmero e Moreira (2002), em seu trabalho sobre a aprendizagem do conceito
de célula, listaram algumas das maiores dificuldades dos estudantes nesta disciplina: na
concepção de fotossíntese, desconhecimento do nível celular, ausência de transformações
químicas na célula, ausência de compreensão do destino dos nutrientes, visão ou idéia de
uma célula estática carente de funções, incompreensão da divisão celular,
desconhecimento ou ausência de compreensão das funções vitais (...), que são obstáculos
para compreensão do comportamento dos seres vivos pluricelulares. Dificuldades também
encontradas neste trabalho, ressaltando a necessidade de mais pesquisas na área.
Os docentes dos núcleos das áreas Biologia Geral e Fundamentos das Ciências
Biológicas, reúnem-se, na presente instituição do grupo de pesquisa, anualmente para
discussão de demandas e reforços de conceitos entre as disciplinas. Como resultado destas
reuniões, a atividade de investigação do conceito de células foi remodelada no ano de 2008,
devido à demanda de se entender mais os processos de sinalização celular e síntese protéica.
Porém, o grande diferencial da atividade foi a mudança na metodologia, que
surpreendentemente trouxe um salto qualitativo muito maior que o do ano anterior. Na forma
de reuniões com os grupos, era difícil avaliar se os conceitos novos foram compreendidos,
pois os estudantes apenas ouviam as explicações e algumas vezes faziam perguntas e tais
perguntas e esclarecimentos não eram compartilhados com os outros grupos. Já nos
seminários, as sínteses e antíteses elaboradas foram expostas a todos na sala de aula e
formuladas por eles mesmos, sendo estes agentes da construção de seu conhecimento. Quanto
à aplicação da atividade no ano de 2008, os conceitos equivocados diagnosticados nas
respostas do roteiro de atividades do ano de 2007 foram praticamente os mesmos encontrados
nas respostas dos estudantes de 2008.
Algumas modificações nas organelas do kit foram sugeridas, como a mudança
do polirribossomo (já confundido no ano anterior com a cromatina), dos lisossomos (muito
semelhantes aos peroxissomos) e do acréscimo de uma representação de parede celular e de
vacúolos, para confecção de uma célula vegetal. As mesmas sugestões dadas no ano anterior.
2009
A seguir, de modo geral, estão listados os principais conceitos apresentados
pelas duas turmas deste ano, que tiveram alguns aspectos diferentes dos anos anteriores, e as
principais impressões:
55
- O metabolismo celular é sempre relacionado com o número de mitocôndrias:
quanto maior o seu número, maior o metabolismo das células. Somente alguns grupos do
Bacharelado relacionaram a intensidade da cor do núcleo com as fases de divisão celular e o
metabolismo. Os seres autótrofos, curiosamente, foram caracterizados por um dos grupos,
como de metabolismo baixo. A quantidade de poros no núcleo foi citada por apenas um grupo,
na turma do Bacharelado, como evidência do estado metabólico da célula. Quando
questionados, durante a apresentação, do porquê as mitocôndrias do kit-célula apresentavam
formatos diferentes, nenhum grupo soube responder. Neste caso, o docente interveio,
explicando os diferentes tipos de cortes histológicos que podem ser obtidos, dependendo do
plano de corte da célula no micrótomo.
Este último aspecto é um forte indicativo de que os estudantes chegam do
colégio sem o “conceito”, sem o âmago do saber, mas com ideias fragmentadas construídas a
partir de esquemas de “coisas não significadas”. O vocabulário dos ingressantes é todo
direcionado à geometria plana. Além disto, são incapazes de associar os processos
metabólicos com os aspectos espaciais da célula, ou especificamente nas mitocôndrias, por
exemplo. Mesmo estudantes avançados, após cursar bioquímica, não conseguem associar os
processos de glicólise, ciclo de Krebs e cadeia transportadora de elétrons com a geometria da
célula e das mitocôndrias. É como se a morfologia da mitocôndria, apreendida na Biologia
Celular, não tivesse absolutamente nenhuma relação com os processos bioquímicos que
ocorrem graças ao seu formato espacial. Ao se perguntar para um estudante do último ano:
qual a relação entre a matriz mitocondrial, as cristas mitocondriais e o espaço
intermembranoso com o ciclo de Krebs e a cadeia transportadora de elétrons, o estudante,
invariavelmente não sabe responder. Se elevarmos o nível de complexidade da pergunta,
acrescentando subsunções evolutivas (origem e adaptação das mitocôndrias com relação aos
processos biomoleculares, nem estudantes de pós-graduação conseguem responder). Neste
sentido, é alarmante o nível e a qualidade dos conhecimentos prévios dos ingressos, assim
como dos formandos. É indubitável que houve o acréscimo de informações durante a
formação do formando, porém até que ponto houve a integração, síntese e associação das
mesmas? Neste ponto do processo, que começou pela simples falta de abstração da geometria
espacial de uma mitocôndria, podemos nos questionar o que mais dentro dos núcleos de
conhecimento do curso não são consolidados ao longo da formação do estudante? E este
último questionamento nos leva ao principal foco deste trabalho: a educação formal fornece
subsídios ou, de fato, constitui o melhor meio de ensino-aprendizagem?
56
O professor (mediação humana) é quem já domina os significados aceitos no
âmbito da matéria de ensino e o aprendiz é aquele que busca construir tais significados
(Moreira, 2006, 2007), portanto, a intervenção do docente durante os seminários foi
primordial para que os estudantes conhecessem esses significados e pudessem [re]significá-
los.
- Os tipos de microscopia com os quais a célula poderia ser observada variou
bastante entre os grupos. Muitos citaram apenas a microscopia eletrônica e outros, a de
varredura. Mesmo após a pesquisa e a uma aula sobre este tema, era visível a dificuldade em
conceituar a diferença entre os vários tipos de microscopia, algo absolutamente compreensível,
dado que os estudantes estavam no início do período letivo, e não haviam tido o contato
necessário com o laboratório de aula prática.
No caso dos modelos, eles poderiam ser observados por uma espécie de
“combinação” entre a microscopia óptica e a microscopia eletrônica de transmissão, já que a
primeira permite a visualização do estado de condensação da cromatina (no caso do kit-célula,
os núcleos estão em roxo, representando pela técnica de coloração com hematoxilina e eosina
utilizada na microscopia óptica), e a segunda permite a visualização das organelas, o que não
é possibilitado no primeiro tipo de microscopia.
- Alguns grupos consideraram que as suas células produziam todos os tipos de
macromoléculas, mesmo estas compondo um órgão de origem animal. Os grupos que fizeram
modelos de células vegetais citaram o papel da fotossíntese na produção de carboidratos e
relacionaram o vacúolo somente com as células vegetais, sem citar outros tipos, como o
contrátil, presente em protozoários. Nestes dois casos, evidencia-se o aprendizado separado
em “compartimentos”, onde um conceito só pode ser utilizado para uma situação específica,
sendo inflexível a outras situações. A falta de um ensino interdisciplinar contribui para isso, e
já foi observada nos dois anos anteriores (verificar acima).
- A questão sobre a exportação de secreções foi, em todos os grupos,
relacionada à presença ou ausência do Complexo de Golgi. Contudo, houve certa dificuldade
em seu posicionamento nos modelos de células. Em muitos casos esta organela estava em
posição invertida, e longe do núcleo. Sua função, como citada por muitos grupos, seria a de
exportar “resíduos da digestão intracelular”. Neste ano, ambas as turmas, trouxeram um
conhecimento sobre os processos de síntese, reciclagem e digestão celular muito pouco
57
desenvolvido. Comumente, como foi dito, confundiam, mesmo após as atividades, a função
do Complexo de Golgi com a digestão celular, como se esta organela fosse a responsável por
tal processo.
Possivelmente os estudantes confundiram seu conhecimento prévio sobre o
acrossomo dos espermatozóides, que possuem enzimas que ajudam a perfurar o córion do
óvulo ou zônula radiata e que são sintetizados e estruturados por essa organela, neste caso
específico. Os heterofagossomos e lisossomos também são relacionados à mesma função,
“digestão intracelular”, o que parece demonstrar que os estudantes apresentam uma
representação de célula como um ser isolado, sem comunicação com outras células. Um ser
vivo capaz de realizar todas as funções necessárias para sua sobrevivência, mesmo fazendo
parte de um tecido, como se ele não dependesse das outras células. Frases como “essa célula
pode ser um ser vivo”, estiveram presentes mesmo após a pesquisa. Portanto, até aquele
período letivo, os estudantes não haviam encontrado uma relação entre uma célula de um
tecido, o que é necessário para um organismo unicelular manter sua homeostase e quais são os
meios existentes para comunicação de ambos com o meio externo, ou ambiente.
- A diferença entre os receptores de uma célula terminalmente diferenciada e
de uma não diferenciada foi explicada de muitas formas distintas. A maioria delas atribuía a
essa diferença a adaptação ao meio. Células não diferenciadas se “adaptariam” a qualquer
meio, já as diferenciadas seriam mais específicas. A complexidade dos receptores também foi
um dos argumentos utilizados: células pouco diferenciadas teriam receptores menos
complexos, ao contrário das diferenciadas. Outras diferenças citadas foram: a quantidade de
estímulos e de “matéria” captados e a velocidade dos “impulsos” transmitidos. Após as
pesquisas, praticamente todos os grupos desaprenderam tais conceitos. Essa desaprendizagem,
“não se trata de ‘apagar’ algum conhecimento já existente na estrutura cognitiva o que, aliás, é
impossível se a aprendizagem foi significativa, mas sim de não usá-lo como subsunçor.”
(Moreira, 2000). Os conceitos de ativação e inativação de genes foram essenciais para o
entendimento da diferença entre esses dois tipos de células e de seus receptores, e foram os
novos subsunçores desse conhecimento.
- Os conceitos de acidofilia e basofilia foram de difícil compreensão pelos
estudantes, mesmo após a pesquisa, algo que foi diagnosticado também nos dois anos
anteriores de aplicação do modelo bidimensional. Porém, com o auxílio do docente durante as
apresentações, muitas dúvidas foram esclarecidas. A diferença desse ano para os anteriores
58
foram alguns tipos de relações entre o órgão onde a célula poderia ser encontrada, e o estado
do citoplasma quanto a acidofilia e a basofilia. Um dos grupos, tendo confeccionado uma
célula pertencente ao estômago, justificou a acidofilia do citoplasma com a produção de ácido
clorídrico no órgão, mesmo tendo sido explicado que uma substância acidófila (corada pela
hematoxilina) é básica. Caso semelhante ocorreu com o grupo que confeccionou uma célula
de pulmão: a acidofilia do citoplasma foi atribuída a liberação de gás carbônico (CO2) pelo
órgão, e com o grupo que esquematizou uma célula do músculo cardíaco: a acidofilia foi
atribuída a “excreção de ácido lático”. Com o grupo que confeccionou uma célula do pâncreas,
houve outra relação: o citoplasma seria neutro, sem afinidade nem por corante ácido, nem por
base.
Apesar dos equívocos dessas relações, algo importante pode ser observado: os
estudantes, diferente dos anos anteriores, começaram a pensar primeiramente em que órgão a
célula poderia estar presente, para então escolher suas organelas e delimitar suas funções.
Com isso, poucos grupos encontraram dificuldades em relacionar a quantidade de funções e o
nível de diferenciação celular. Se ela já tinha uma função específica, por fazer parte de um
órgão pré-determinado, só poderia estar diferenciada.
Um fato que vale a pena ressaltar ocorreu na turma da Licenciatura. Para a
apresentação, um dos grupos construiu um roteiro entregue para todos da sala, com a foto de
seu modelo de célula e com um mapa conceitual das funções básicas gerais de uma célula
hipotética. Sua forma de apresentação consistiu em uma aula simulada, onde o modelo da
célula confeccionada foi construído passo a passo, através da utilização de recursos em
PowerPoint. Para a surpresa do docente e da pesquisadora de iniciação científica, como o
grupo havia feito uma célula vegetal, os integrantes desenharam os vacúolos próprios deste
tipo de célula e acrescentaram à animação. Pode-se observar, portanto, que neste grupo, além
da aprendizagem significativa, a criatividade foi estimulada, fruto do envolvimento de seus
integrantes com a dinâmica, havendo aprendizagem superordenada.
59
5.2. Modelo Tridimensional
2007
O segundo passo do processo investigativo, com modelos tridimensionais
utilizando massa de modelar e gel, foi explicado aos estudantes muito rapidamente. Muitos
grupos, durante a confecção, mostraram-se envolvidos e motivados, porém, no Bacharelado
houve estudantes que constantemente reclamavam, demonstrando sua insatisfação com a
atividade. Ao final da montagem, pedimos para que eles dessem opiniões sobre o que haviam
feito. Alguns estudantes manifestaram-se, considerando-se “cobaias” da pesquisa, alegando
que a atividade não contribuía em nada com sua formação acadêmica, muito menos poderia
ser aproveitada em seu futuro profissional. Após este relato, o Professor Hylio Laganá
Fernandes (co-orientador) ressaltou que além de serem colaboradores de nossos estudos,
criticando, dando opiniões, sugerindo mudanças, eles também estão aprendendo e conhecendo
suas próprias concepções sobre o que é uma célula. Após essa declaração, a maioria da classe
sentiu-se incentivada a verbalizar que gostaram muito da atividade, dizendo o quanto foi
divertido e educativo produzi-las. As duas perguntas propostas foram escritas no quadro
branco, mas como a discussão surgida na sala de aula demorou certo tempo, pedimos que nos
entregassem as respostas posteriormente.
Acreditamos ser a apresentação da atividade um dos motivos para o ocorrido
acima. Por ter sido muito concisa, trouxe insegurança aos estudantes, quanto ao que estavam
fazendo e ao seu papel no processo. Além disso, o desenvolvimento das atividades trouxe
impressões aos pesquisadores quanto à diferença do perfil do licenciando e do bacharelando
(impressões estas que sugerem um estudo sobre o tema, visando novas intervenções). As
turmas dos licenciandos têm sido naturalmente mais lúdicas e receptivas a atividades que se
situam na interface Ciências Biológicas/Ciências Humanas, se é que de fato essa interface
exista. Os licenciandos parecem ter mais preparo na interpretação de textos, gosto por leituras
não técnicas e estão mais aptos a lidar com o conhecimento “confuso” em construção que
lidamos na Universidade. Os bacharelandos ingressantes entram na Biologia geralmente
repudiando qualquer tipo de atividade pedagógica, pois serão “cientistas”: uma visão muito
equivocada do que é ciência e, infelizmente, estimulada muitas vezes por alguns docentes e
sedimentada nos planos pedagógicos destes cursos. Então, práticas não laboratoriais, leituras
menos ortodoxas e conhecimentos menos sedimentados podem trazer-lhes certa estranheza.
60
Os próprios docentes da Biologia muitas vezes não sabem discernir o que são
atividades “práticas” e “teóricas”, julgando as primeiras somente válidas com
experimentações laboratoriais e utilização de equipamentos. O primordial, nesse caso, não é a
fixação e o conhecimento dos fenômenos, mas a investigação que eles provocam, tanto no
educador quanto no estudante. Como bem aponta Krasilchik (2000):
“Nesses casos, o laboratório e as aulas práticas podem até ser divertidas, mas não
levam à formulação ou reformulação de conceitos (...). Na perspectiva
construtivista, as pré-concepções dos estudantes sobre os fenômenos e sua atuação
nas aulas práticas são férteis fontes de investigação para os pesquisadores como
elucidação do que pensam e como é possível fazê-los progredir no raciocínio e
análise dos fenômenos.”
Durante as disciplinas Biologia Celular e Histologia Prática todos estes desvios
foram trabalhados intensamente e acreditamos que a turma de 2007 tem uma formação melhor
do que a de 2006 quanto a estes aspectos.
Na sala da Licenciatura fomos mais cuidadosos na apresentação da atividade e
do projeto, ressaltando que eles eram colaboradores da pesquisa e que toda a opinião para
melhorias seria benvinda. A recepção foi muito boa. Acreditamos que, além da apresentação
diferenciada, a identificação da Licenciatura com a prática foi determinante. Todos, de uma
maneira geral, nos deram opiniões favoráveis. As perguntas propostas foram respondidas e
entregues durante a aula. Recebemos somente poucas respostas do Bacharelado, se por falta
de interesse ou por esquecimento, não sabemos ao certo. Definitivamente, esta sala, em
especial, não foi “penetrada” (segundo Rubens Alves (2004), a educação é como uma transa
entre a boca e o ouvido; a palavra deseja penetrar o ouvido, com o objetivo de colocar uma
semente na mente de quem ouve, semente esta que gerará uma gravidez, em analogia ao
surgimento de idéias e reflexões próprias do estudante) pelo conhecimento que nos
dispusemos a oferecer.
Percebemos, porém, que os ex-ingressantes da Licenciatura, agora veteranos da
turma seguinte, são portadores, defensores fervorosos e multiplicadores da metodologia
inovadora por nós elaborada. De certa forma, isso influenciou bastante as duas turmas do ano
de 2008, cujo padrão comportamental frente às “coisas da Licenciatura” os interessa muito.
Os estudantes são menos apáticos e requisitam atividades integradoras e investigativas. Essa
mudança verificada na postura dos estudantes, inclusive agregando valor ao trabalho docente,
é um resultado emergente e significativo de que nossas atividades têm repercussão positiva
entre os estudantes.
61
Após a leitura das respostas às perguntas propostas, destacamos as que nos
chamaram mais atenção:
- “exercícios dessa natureza incentivam o aluno a buscar novas informações,
curiosidades; e isso é fundamental, uma vez que a busca por novos dados, descobertas, deve
ser a base para um bom biólogo, cientista, educador... além de tudo, provoca interação entre
as pessoas”.
Este estudante destaca um dos principais objetivos desta pesquisa: a interação.
Segundo Martins (1997): “tais interações permitem ao sujeito ultrapassar a impressão inicial
das idéias que lhe chegam e buscar o que está além delas, oculto, mais profundo e
sistematizado, de forma a instrumentá-lo para o exame da realidade” (p.112).
- “[a atividade] Coloca em questão a diferença entre a bidimensão da célula vista
em livros didáticos e a tridimensional, esta mais próxima ao real”.
Os livros didáticos, utilizando-se de esquemas e figuras bidimensionais (cortes
histológicos) para demonstrar processos fisiológicos e morfológicos de organelas e estruturas
celulares, não são suficientes para a visualização desses processos pelo estudante. A falta de
material didático e muitas vezes, a falta de percepção desta demanda pelo professor são
agravantes para o fato.
-“entendemos melhor noções de escala, posição e interação”.
Produzindo seu próprio material didático, o estudante constantemente se
questiona sobre onde colocar tal organela, ou qual formato e tamanho ela deveria ter.
Ouviram-se muitos comentários dessa natureza durante a confecção pelos grupos.
- “não pretendo lecionar, portanto acredito que essa atividade não será utilizada”.
Esta resposta é de um bacharelando. Neste caso, diferentemente dos
depoimentos acima, o estudante não percebeu além do que lhe foi pedido. O mais curioso é
que o objetivo dessa atividade não é o de ensinar metodologias pedagógicas para os
estudantes, mas sim completar o círculo de conhecimentos e habilidades do que é uma célula,
tanto no seu plano idealizado, como na sua perspectiva do real. Não ser professor não
62
significa que o profissional nunca vá ensinar, ao contrário, todos somos, de certa forma,
professores.
2008
Os estudantes deste ano pareceram envolvidos com a atividade, diferentemente
do ano anterior, o Bacharelado não apresentou desagrado. Houve muitos questionamentos
durante a confecção dos modelos, como:
“Tenho que pensar qual célula será antes de fazer as organelas?”; “Quantos
microtúbulos tem o centríolo?”; “Pra célula ser boa, tem que bater o olho e saber de onde
ela é”; “A mitocôndria é aberta ou fechada?”; “Tem vesícula que sai do retículo
endoplasmático rugoso?”; “Tem que fazer a célula achatada, como em um livro didático?”.
Estas questões demonstram não só a consolidação dos conhecimentos da
atividade do modelo bidimensional, como o obstáculo encontrado pelos estudantes ao terem
que representar uma célula diferente dos cortes histológicos. Quase todos os modelos
apresentaram uma mistura de organelas tridimensionais com outras representadas
bidimensionalmente, ou em cortes histológicos. Havia em muitos grupos a preocupação em
representar as organelas com detalhes, como as cristas e a matriz da mitocôndria (feitas com
massinha de cores diferentes) e recorria-se à representação das organelas partidas ao meio.
Um deles, por exemplo, antes de começar a confecção do modelo, desenhou a célula
pretendida em papel sulfite, para então definir quais organelas estariam presentes e suas
posições (Fig. 9).
Figura 9. Desenho representando a célula que seria confeccionada.
63
Diferentemente da confecção da célula bidimensional, os estudantes, antes de
começarem a montar o modelo, pensaram na função da célula, em qual órgão ela estaria,
quais organelas estariam presentes e então providenciaram uma forma de esquematizar seus
passos, ou listando as organelas ou desenhando a célula, como visto anteriormente. Neste
momento, houve a utilização dos conhecimentos obtidos na experiência anterior “não
necessariamente todas as organelas estão presentes em uma célula, isso depende de sua
função”. O conceito contrário, trazido de representações de livros didáticos, acompanha os
estudantes quando ingressam na Universidade, e é importante que eles desenvolvam a
capacidade de perceber que as células em geral, não possuem uma estrutura fixa ou uma
igualdade de componentes. Analisando criticamente essas representações, espera-se que os
estudantes, principalmente os licenciados, possam atuar em suas profissões de forma a
desmistificar este fato e/ou secundariamente incorporar estes conteúdos e habilidades
procedimentais durantes diferentes contextos de suas vidas.
A complexidade dos modelos também foi muito maior do que a do ano anterior.
Alguns grupos representaram células do pâncreas, células do intestino delgado (com suas
microvilosidades), células pouco diferenciadas e células vegetais, com vacúolos, cloroplastos,
microvilosidades e parede celular em massinha, posta em torno do pote de gel. Os diferentes
tipos de retículos (liso e rugoso) procuravam ser da mesma cor, com a única diferença dos
ribossomos acoplados na parede do retículo endoplasmático rugoso. As vesículas do
Complexo de Golgi também estavam presentes nos modelos dos grupos, na tentativa de
representar a atividade desta organela.
O retorno da dinâmica, na qual os alunos analisariam seu modelo de célula, foi
prejudicado esse ano, pois a massinha dissolveu-se no gel pouco tempo depois da confecção e
houve o intervalo de um grande feriado entre as atividades, prejudicando o andamento das
atividades, distanciando-as muito.
Julgamos que esta atividade, apesar de ser bem aceita e complementar a
primeira, deve ser dada logo na disciplina Histologia, porém como uma revisão quanto a sua
metodologia, ordem cronológica e materiais utilizados, para que os estudantes tenham o maior
aproveitamento possível.
64
5.3. Questionários
Os resultados obtidos com os questionários sobre a mudança metodológica na
atividade das placas, e sobre o aproveitamento desta e a dos modelos tridimensionais foram
analisados de acordo com os índices percentuais das respostas e de gráficos (somente para
umas das questões, de caráter comparativo entre as turmas), e serão mostrados a seguir. O
espaço amostral é constituído de 32 estudantes da Licenciatura do ano de 2007, 31 da
Licenciatura do ano de 2008, 32 do Bacharelado do ano de 2007 e 35 do Bacharelado do ano
de 2008. Ao todo foram respondidos 59 questionários, 22 do Bacharelado e 16 da
Licenciatura do ano de 2008 e 10 do Bacharelado e 11 da Licenciatura do ano de 2007.
Pedimos, em uma das questões, para que os estudantes avaliassem o nível de aproveitamento
das dinâmicas entre irrelevante, insuficiente, médio e muito proveitoso, e com os dados,
gráficos foram obtidos para comparação das metodologias:
1° ano - Bacharelado - Nível de Aproveitamento
0
5
10
15
irrelevante insuficiente médio muito proveitoso
Níveis
alu
no
s
Atividade das placas Modelo Tridimensional
Figura 10. Gráfico sobre a avaliação dos estudantes do bacharelado do ano de 2008 quanto ao nível
de aproveitamento das dinâmicas.
65
2° ano - Bacharelado - Nível de Aproveitamento
0
5
10
15
irrelevante insuficiente médio muito proveitoso
Níveis
Alu
no
s
Atividade das placas Modelo Tridimensional
Figura 11. Gráfico sobre a avaliação dos estudantes do bacharelado do ano de 2007 quanto ao nível
de aproveitamento das dinâmicas.
Como observado na comparação entre os gráficos das figuras 10 e 11, os níveis
de aproveitamento na atividade das placas apresentaram um salto qualitativo muito expressivo
(em roxo) após a mudança metodológica no Bacharelado. Ela foi bem aceita e melhor
aproveitada pelos estudantes do ano de 2008, possivelmente devido à maior participação
durante a dinâmica, com pesquisas em fontes primárias e apresentação de seminários.
A dinâmica dos modelos tridimensionais no ano de 2008 foi mal formulada e
conduzida, pois, como dito anteriormente, a massa de modelar para confecção das organelas
derreteu no gel, dificultando a análise dos modelos. Apesar do incidente, encaramos este
acontecimento como positivo, pois demonstra que o método depende das variáveis. No
gráfico observa-se que a atividade foi considerada pela maioria como de nível médio e
insuficiente neste ano, ao contrário do ano de 2007, onde os estudantes a classificaram entre
média e muito proveitosa (em azul); a diferença entre os dois anos foi a condução da atividade:
no ano de 2007, mesmo com a desaprovação de alguns estudantes, observou-se através do
gráfico que esta opinião não era unânime. De forma geral, os estudantes tiveram alguns
elementos diferenciadores, como um retorno sobre os resultados, que foi prejudicado no ano
seguinte e a integridade dos modelos por um longo período de tempo, permitindo sua análise.
Houve, além disso, vazamento de informações entre os segundos e os primeiros anos do
Bacharelado e da Licenciatura sobre como as organelas deveriam ser confeccionadas (de
forma totalmente tridimensional), o que prejudicou ainda mais a atividade.
66
A seguir, estão os gráficos obtidos através das respostas fornecidas pelas duas turmas
da licenciatura:
1° ano - Licenciatura - Nível de Aproveitamento
0
5
10
15
irrelevante insuficiente médio muito proveitoso
Níveis
Alu
no
s
Atividade das placas Modelo Tridimensional
Figura 12. Gráfico sobre a avaliação dos estudantes da licenciatura do ano de 2008 quanto ao nível de
aproveitamento das dinâmicas.
2° ano - Licenciatura - Nível de Aproveitamento
0
5
10
15
irrelevante insuficiente médio muito proveitoso
Níveis
Alu
no
s
Atividade das placas Modelo Trdimensional
Figura 13. Gráfico sobre a avaliação dos estudantes da licenciatura do ano de 2007 quanto ao nível de
aproveitamento das dinâmicas.
Através da comparação dos gráficos das figuras 12 e 13, o salto qualitativo na
atividade das placas também foi observado na Licenciatura do ano de 2008, assim como a
classificação da atividade dos modelos tridimensionais, ficou em sua maioria, entre médio e
insuficiente. Comparando os dois primeiros anos da Licenciatura e do Bacharelado, houve
uma patente aceitação da atividade das placas, em detrimento ao observado nos dois segundos
67
anos. O reflexo da mudança metodológica nos gráficos demonstra que a atividade, neste
contexto, pode e deve ser aplicada tanto para estudantes que desejam ser professores, quanto
para os que desejam ser “cientistas”. Apenas uma diferença foi encontrada no gráfico do 2°
ano: a atividade das placas e a do modelo tridimensional foram quase classificadas igualmente.
Isto pode ser explicado pela aparente receptividade dos estudantes desta turma a atividades
que envolvam técnicas pedagógicas aliadas à Biologia, já que são licenciandos e estão
envolvidos com os processos pedagógicos e didáticos em disciplinas das Ciências Humanas
desde o primeiro semestre do primeiro ano.
As demais perguntas do questionário foram estas, seguidas de suas respostas
em percentuais:
O conceito sobre “o que é uma célula” foi modificado após a atividade com as
placas e organelas imantadas?
1° ano Bacharelado: Sim: 77,2%; Não: 13,6%; Pouco: 9%.
1° ano Licenciatura: Sim: 87,5%; Não: 12,5%.
2° ano Licenciatura: Sim: 63,63%; Não: 18,18%; Mais ou menos: 18,18%.
2° ano Bacharelado: Sim: 70%; Não: 10%; Não, mas foi melhorado: 20%.
Um dos objetivos principais a ser alcançado com as dinâmicas foi provocar nos
estudantes a modificação de seu conceito de célula, ampliando-o (aumentando sua
complexidade) ou superando-o, caso este conceito estivesse mistificado ou restrito a
explicações do senso-comum. Com a análise dos percentuais, pode-se concluir que grande
parte dos estudantes atingiu este objetivo.
Em atividades como estas, sabe-se que nem sempre todos os estudantes são
envolvidos ou as aproveitam da mesma forma, mas conseguir atingir mais da metade dos
estudantes é um grande avanço e um incentivo para aperfeiçoar ainda mais as dinâmicas e
suas metodologias.
Você observou alguma conexão lógica entre a primeira atividade (com as
placas) e a segunda (com gel e massinha)?
68
1° ano Bacharelado: sim: 100%
1° ano Licenciatura: sim: 100%
2° ano Licenciatura: sim: 81,8%; não: 18,1%
2° ano Bacharelado: sim: 100%
Esta questão tinha como propósito verificar se os estudantes haviam
relacionado a bidimensionalidade do modelo utilizado na atividade das placas com a
tridimensionalidade do modelo em massinha e gel, e que utilizassem os conhecimentos
construídos na atividade das placas para confecção de seu modelo de célula na segunda
atividade, relacionando principalmente sua função pré-determinada com as organelas que a
comporiam. De acordo com as respostas, a conexão foi alcançada quase que plenamente,
segundo os estudantes.
A fim de aperfeiçoar as dinâmicas para os futuros ingressantes na disciplina
Biologia Celular, dê sugestões e/ ou opiniões quanto às atividades (inclusive
sugerindo novas dinâmicas e falhas das mesmas).
Sugestões e opiniões mais citadas:
- Mais explicação teórica sobre as atividades: 4
- Conexão da teoria com a prática: 7
- Maior organização: 4
- Satisfeitos com a atividade: 5
- Segunda atividade deveria ser testada antes: 4
- Objetividade: 2
- Conceitos ficaram vagos: 2
- Grupos de atividades menores: 2
69
- Desenvolver mais idéias como essas: 2
- Exigir mais do aluno, de maneira descontraída: 2
Essas opiniões foram as mais citadas entre todas as turmas. A necessidade de
conectar os conteúdos em sala de aula com as práticas, bem como a satisfação com as
atividades foram as mais expressivas. Em relação ao primeiro item, foi demonstrado que não
só o momento da dinâmica é importante, como também retomá-la durante a teoria fornecida
em sala de aula, para que os estudantes relacionem os conceitos modificados/aprendidos com
os conhecimentos científicos trazidos pelos livros ou materiais de apoio. Este fator teve
influência em outros itens citados, como objetividade, organização, mais explicação teórica
sobre as atividades e conceitos vagos na disciplina. Também se observou mais um reflexo da
má condução da atividade do modelo tridimensional, quando os estudantes sugeriram que esta
atividade fosse testada antes.
Se você realizasse a atividade novamente, seu êxito seria melhor?
1° ano Bacharelado: Sim: 100%
1° ano Licenciatura: Sim: 100%
2° ano Licenciatura: Sim: 81,8%; Não: 0; Talvez: 18,1%
2° ano Bacharelado: Sim: 100%
Com relação ao êxito na atividade, caso ela fosse refeita, quase todos os
estudantes responderam que ele melhoraria. Vale a pena destacar uma resposta obtida no
primeiro ano da Licenciatura: “aproveitamento incrível. Duvido então que poderia haver
desempenho melhor dos alunos e do professor, nessas atividades”. O mais relevante foi o fato
dos estudantes considerarem-se mais seguros quanto à realização da atividade, pois
possivelmente houve aquisição de conhecimentos consolidados que não serão facilmente
esquecidos.
Você aplicaria atividades parecidas no seu futuro profissional?
1° ano Bacharelado: Sim: 95,4%; Não: 4,5%
70
1° ano Licenciatura: Sim: 100%
2° ano Licenciatura: Sim: 72,72%; Sim, apenas a da placa: 9,09%; Sim, apenas para
o Ensino Fundamental: 9,09%; Não: 0; Talvez: 9,09%.
2° ano Bacharelado: Sim: 80%; Sim, só o modelo tridimensional: 10%; Não: 0;
Não na Biologia Celular: 10%
Mesmo que não questionados sobre a atividade do júri simulado, os dois
primeiros anos e um estudante do segundo ano da Licenciatura citaram-na como atividade a
ser empregada no futuro profissional. Quanto às duas atividades desenvolvidas, o 2° ano do
Bacharelado apresentou uma incoerência: mesmo aparentemente avessos às atividades
pedagógicas, os estudantes as aplicariam em seu futuro profissional, demonstrando mais uma
vez que a insatisfação quanto a elas não era a opinião de toda a sala. Outra análise importante
é a de que a Licenciatura do 2° ano, por apresentar maior experiência pedagógica do que os
do 1° ano procuraram especificar quais delas utilizariam, bem como o momento escolar
empregado.
Com esses resultados pode-se afirmar que a mudança metodológica foi
necessária e que enriqueceu a atividade das placas, proporcionando o salto qualitativo
esperado. O modelo tridimensional necessita desta mesma mudança, a qual acreditamos que
ocorrerá com a turma do ano de 2009, na disciplina Histologia.
Nas atividades com modelos bi e tridimensionais de células, os estudantes
tiveram a oportunidade de enriquecer seus conhecimentos acerca do conceito de célula, porém
faltava ser desenvolvido um enriquecimento em outro setor, o da cidadania, ou seja, no
desenvolvimento de uma postura crítica não só perante aos conhecimentos científicos, mas
também aos difundidos na sociedade, a fim de desmistificar conceitos que podem afetar
adolescentes e adultos, tanto em seu convívio social, como em sua saúde mental e física. As
duas dinâmicas a seguir possuem esta preocupação: despertar no estudante atitudes que
podem transformar uma sociedade, fazendo desta uma entidade mais humana, já que eles, no
decorrer de suas profissões, terão contato com diferentes pessoas e pontos de vista, e deverão
saber analisar cada situação ouvindo e compreendendo o outro. Estas dinâmicas, portanto, são
complementares às anteriores.
71
5.4. Atividade em Histologia
Na terceira atividade, feita no segundo semestre ou perfil 2, na disciplina
Histologia, nos confrontamos com as concepções dos estudantes através das respostas das
situações hipotéticas, e avaliamos a auto-estima dos mesmos. Para a elaboração da aula foi
feito um levantamento das concepções diversas do cientificamente aceito (as mais frequentes),
e das questões que geraram mais controversas, listadas a seguir:
- “Parada da musculação acarreta perda total da hipertrofia atingida ou os músculos
perdem sua forma”;
- Os estudantes sabem que anabolizantes prejudicam a saúde, mas não conseguem
explicam o porquê;
- Alguns acreditavam que a hipertrofia após a atividade de musculação é imediata e
que ocorre transformação do tecido adiposo em tecido muscular (a mesma idéia foi expressa
em 2009);
- Não conseguem distinguir “perder peso” e “emagrecer”;
- A adaptação do corpo é muitas vezes a justificativa para a aquisição rápida de
gordura após uma dieta radical;
- É predominante a visão do anabolizante como um suplemento alimentar, ou seja,
capaz de acelerar o aumento de massa muscular sem necessidade de esforço físico, e da
musculação como uma maneira de aumentar a atividade mitótica da célula (sendo que os
músculos hipertrofiam pela produção de miofibrilas – hiperplasia);
- “A musculação ‘força’ o tecido muscular ocasionando sua definição”;
- “Tomar esteróides exige menor esforço físico para obtenção de bons resultados”;
- Havia falta do conhecimento da relação entre perda de massa muscular e queda de
metabolismo, tendo como resultado o ganho de peso, após uma dieta radical;
- Alguns estão cientes da ocorrência de hipertrofia instantânea, mas não conhecem
sua causa;
72
- “Anabolizantes dão a ‘aparência’ de que os músculos estão modelados, mas isto é
irreal”.
No momento da aula, procurou-se provocar nos estudantes o confronto das
semelhanças e diferenças entre o conceito novo (cientificamente aceito) e a concepção
anterior, nunca, é claro, dizendo encontrar respostas dessa natureza no questionário. Os
alunos foram bastante receptivos, fazendo perguntas e relatando casos vivenciados. Na última
parte da aula houve maior envolvimento, com a questão da mídia e suas influências. Houve
discussão entre os estudantes, fato extremamente importante para a interação das concepções
alternativas. Apresentamos o gráfico da porcentagem de alunos satisfeitos com sua forma
física, o qual demonstrava que mais de 95% dos alunos não estavam felizes com seus corpos.
A partir desta representação gráfica das impressões dos estudantes, que aparentemente os
surpreendeu e até ao docente, pretendeu-se mostrar qual a origem do ideal de “corpo
perfeito”. Essa parte da aula foi desenvolvida após uma discussão com a Profa. Dra.Viviane
Melo de Mendonça Magro (psicóloga, especializada em Psicologia de Jovens e
Adolescentes). Ela forneceu todas as informações necessárias para abordagem eficaz do tema
e permitiu que a interdisciplinaridade, novamente, mostrasse sua importância. Optamos por
abordar esse tema porque, segundo Ferreira (2004):
“Os ‘meios de comunicação de massa’, a indústria cultural, as corporações da
mídia são poderosos agentes culturais que influenciam decisivamente a educação,
a socialização dos indivíduos e das coletividades, influenciando no modo pelo
qual uns e outros se inserem na sociedade, na cultura, no mercado, na política
etc.” (p.1232).
Com tamanho poder, nem os futuros professores estão livres de sua influência.
Professores com baixa-estima podem tornar-se autoritários, escondendo-se atrás de uma
postura rígida, devido ao medo de críticas, ou inseguros, não conseguindo manter o controle
da turma e mostrar-se presente. Não só o bom conhecimento sobre a disciplina é fator para
uma boa aula. Durante uma aula, os professores trazem além da sabedoria, suas vivências,
costumes, problemas afetivos, familiares, tabus, enfim, todo um mundo de concepções
prévias, assim como seus estudantes. Futuros licenciados necessitam ter a visão sobre os dois
lados, pois a construção de conhecimentos só é realizada de maneira conjunta e negociadora,
e todo o obstáculo para tanto, deve servir para prepará-los para atuarem em sociedades
multiculturais, constituídas na pluralidade, na multiplicidade e nas diferenças (Canen &
Xavier, 2005), como as existentes em nosso país.
73
Elaboramos um questionário para avaliação da ocorrência de evolução
conceitual nos alunos e o enviamos para o e-mail da sala. Porém, como eles estavam em
época de avaliações no final de semestre, recebemos poucas respostas, não representativas
para conclusões.
5.5. Júri simulado
Primeiro Semestre de 2008
O júri simulado foi primeiramente desenvolvido na Licenciatura, depois no
Bacharelado, e demonstrou, assim como na atividade dos modelos tridimensionais, a
diferença de perfis das duas turmas. Na Licenciatura, o grupo do Criacionismo utilizou
recursos como data-show para defender sua tese, baseando-se na teoria de que defendiam um
Criacionismo “geral” ou “design inteligente”, onde a idéia da evolução não era negada. O
grupo do Neodarwinismo contestou somente oralmente momentos da Bíblia, como a arca de
Noé, e afirmou através de dados científicos a existência de mutações e do crossing-over na
meiose. O Criacionismo “geral” do primeiro grupo foi ressaltado ainda mais no momento das
perguntas às testemunhas. As do Criacionismo eram evasivas quando questionadas sobre fatos
da Bíblia: “Não estamos defendendo o Criacionismo religioso”. A confusão entre design
inteligente e Criacionismo gerou uma fervorosa discussão em sala de aula.
Para a surpresa dos organizadores do júri, os jurados (restante da sala)
frequentemente erguiam as mãos para dar opiniões sobre o assunto, algo que não era
permitido, segundo as regras anteriormente estipuladas do júri, porém, o professor abriu uma
exceção e a discussão foi ainda mais enriquecedora, e quase todos os estudantes participaram.
Ao final, foi feito um breve esclarecimento pelo professor sobre as dúvidas trazidas, para que
os estudantes não formassem conceitos equivocados sobre o tema e inclusive ele lhes enviou
por e-mail um breve resumo sobre alguns pontos relevantes, para que ao iniciarem a disciplina
Evolução, no quinto semestre, já estejam mais preparados e críticos perante o tema. Após a
votação, o grupo vencedor foi o do Criacionismo, que apesar do equívoco, defendeu sua tese
com maior desenvoltura que a do Neodarwinismo, inclusive formulando perguntas muito
pertinentes ao grupo contrário: “Como algo pode evoluir sem ser criado?”; “Já que de
acordo com o evolucionismo as coisas evoluem gradativamente, como não há uma célula
intermediária entre a procarionte e a eucarionte?”; “A seleção natural transforma mudanças
individuais ao acaso em mudanças populacionais com sentido adaptativo, tanto pela
74
eliminação dos indivíduos com mudanças desfavoráveis como pela promoção produtiva
daqueles com mudanças favoráveis. A partir disso pode se dizer que o acaso sempre gerará o
acaso?”. De todas as formas, toda a classe, julgou as “defesas”, não as teorias envolvidas
entre estes dois tópicos.
Na sala do Bacharelado, os grupos estavam bem mais concentrados que os da
Licenciatura, e era nítido o medo de errar alguns conceitos. As regras do júri não foram
quebradas em nenhuma hipótese, inclusive, se alguma testemunha interrompia o defensor em
um momento indevido, ele recorria à juíza dizendo: “Isso pode ser feito? Não é a minha vez?”.
O restante da sala permaneceu em silêncio todo o tempo, ninguém manifestou opiniões. Os
grupos do Criacionismo e do Neodarwinismo apresentaram suas teses somente oralmente,
porém o último grupo apresentou um diferencial, levando a Bíblia e citando trechos da mesma.
As perguntas às testemunhas foram semelhantes às da sala da Licenciatura, mas as perguntas
do Neodarwinismo como: “Se Deus criou tudo (meio biótico e abiótico) em 6 dias, como
explicar os fósseis encontrados e datados em diferentes épocas?”, deixaram o grupo do
Criacionismo sem respostas convincentes e foram decisivas para a vitória do grupo
Neodarwinista. Também foram enviados por e-mail alguns pontos importantes a serem
esclarecidos sobre o tema, para não haver equívocos.
De forma semelhante à atividade dos modelos bidimensionais, a atividade do
júri simulado proporcionou o incentivo à pesquisa, através da competição entre os grupos e
garantiu aos estudantes a oportunidade de exporem suas próprias conclusões, sintetizando e
contextualizando o tema escolhido. No confronto entre as duas teorias, a reflexão foi
necessária para a escolha do grupo com a melhor argumentação.
O mais recompensador é que recebemos de ambos os cursos manifestações da
compreensão da atividade proposta e não da discussão da validade de uma teoria ou outra.
Seja licenciado, seja bacharel, o biólogo lidará com pessoas com visões profundamente
diferentes da do eixo central da biologia: a teoria da evolução. Para poder se posicionar,
conviver, ensinar e aprender há de se ter o conhecimento ou, ao menos o interesse, de se
entender o ponto de vista do outro. Isso se chama respeito às diferenças.
Segundo Semestre de 2008
75
O homem é o único ser vivo consciente da finitude de sua vida. Esta percepção
da ameaça externa ou interna eminente é um instinto básico do homem, que segundo Freud,
alavanca a “aflição”. Este sentimento de ameaça alavancou outros níveis de consciência e
padrões comportamentais, durante o processo evolutivo, juntamente com a necessidade
eminente de sobrevivência e, por outro lado, a negação da “condição humana”: o homem
tornou-se demasiadamente humano. Neste contexto, as ciências da saúde, como a Medicina
desenvolveram-se muito ao longo dos anos, objetivando vencer este ‘inimigo’: o
envelhecimento, a decrepitude do orgânico e a morte. Especialistas têm se dedicado a teorizar
sobre os caminhos que diferentes culturas humanas têm trilhado para vivenciar a consciência
de se saber mortal. Entretanto, em espaços educacionais este tem sido um tema pouco
abordado (Coelho & Falcão, 2006). Isto ocorre também no âmbito familiar, como modo de
proteção contra algo mórbido, místico e quase incontrolável.
A morte transformou-se num tabu, um assunto que deve ser evitado e não
refletido. Esta atitude, transmitida de geração a geração proporciona uma sociedade que evita
a discussão de um tema tão importante quanto o próprio existir. A Biologia, tanto como um
curso de graduação quanto uma disciplina escolar, ao abordar a vida deveria abordar a morte,
já que ambos são fenômenos naturais e que influenciaram e ainda influenciam o
desenvolvimento das sociedades e do indivíduo e, consequentemente, a sua interferência no
meio natural.
Para proporcionarmos aos estudantes das Ciências Biológicas a oportunidade
de discutir os conceitos de morte e a questão da eutanásia, realizamos uma mesa-redonda, que
inicialmente abordou, através da Dra. Sandra Oliveira e da bacharel Jane Conzatti, as
jurisprudências das leis atuais sobre a eutanásia em nosso país, os aspectos éticos sobre
proibição e possível liberação desta prática, e por fim, através da Profa. Dra. Monica Jones
Costa, os conceitos histofisiológicos de morte, bem como as modalidades de abreviamento da
vida de pacientes terminais. Após a explanação das três convidadas, os estudantes puderam
fazer perguntas.
Durante a discussão, surgiram diversos pontos controversos, entre eles: “O
custo gerado para manter a vida de pacientes terminais vale a pena?” – após essa pergunta,
discutiram-se os gastos com a manutenção dos presídios; “É antiético utilizar drogas ilegais
para amenizar a dor destes pacientes?”, “No caso de haver somente um leito em um hospital,
o que você faria se um paciente em coma, vivendo somente devido aos aparatos médicos,
76
estivesse ocupando o lugar de outro que poderia ser recuperado facilmente?”. Neste ponto,
discutiu-se a atuação dos profissionais da Medicina, que têm como meta da profissão manter a
vida a qualquer custo. Deve-se vencer a morte, e cada derrota é considerada um erro, gerando
angústia em toda a equipe médica.
Quanto aos aspectos histofisiológicos, os conceitos de “dor” e de “morte”
foram bastante abordados, a partir de questionamentos como: “um tetraplégico teria o direito
à eutanásia, já que não sente dor física, mas psicológica?”; “Qual a diferença entre coma e
estado vegetativo?”; “Morte cerebral é o fim da vida?”. A principal preocupação dos
estudantes era saber como quantificar a dor e avaliar quais indivíduos teriam a capacidade de
senti-la. Ao final da mesa redonda, pediu-se para os estudantes definirem, em uma só palavra,
o que a eutanásia representava para eles. Algumas delas foram: “decisão, complicação,
polêmica, direito, escolha, medo, dúvida, indecisão, medo e amor”.
Acreditamos que debates sobre temas como esse são necessários e
enriquecedores para o curso e para formar o ambiente verdadeiramente universitário. Como a
eutanásia é um tema multidisciplinar, dificilmente os estudantes têm a oportunidade de
analisar todos os diferentes aspectos nela envolvidos, e é neste momento que as universidades
e escolas devem incentivá-los para formação de profissionais-pessoas críticas e perpetuantes
de um pensamento livre de preconceitos, ou seja, não tanto demasiadamente humano, mas
simplesmente humano.
5.6. Modelos Tridimensionais e Atividade em Histologia
2009
Assim como constatamos no ano de 2008, a atividade dos modelos
tridimensionais necessitava ser revista. Desta forma, através de duas bolsistas-treinamento,
com projetos voltados à aplicação e desenvolvimento de Maquetes Histológicas e Modelos
Tridimensionais, essa atividade será aplicada no segundo semestre deste ano, com enfoque
mais específico.
Os estudantes, ao longo da disciplina Histologia, vêm encontrando grande
dificuldade (constatada pelo docente), em compreender a tridimensionalidade dos diferentes
77
tipos de glândulas presentes em nosso organismo, e isto afeta diretamente a compreensão das
lâminas histológicas em que estão presentes. Para auxiliá-los nessa tarefa, serão utilizados
modelos tridimensionais dos diferentes cortes histológicos de uma glândula mista,
confeccionados em biscuit, os quais deverão ser comparados à visualização do conteúdo das
lâminas, nas aulas práticas de Histologia.
A atividade em Histologia sobre os Tecidos Muscular e Adiposo, também
sofreu algumas modificações, e contou com a utilização de uma maquete sobre a integração
entre os tecidos ósseo, muscular e adiposo, confeccionada pela então monitora da disciplina,
Andrea Cattaneo Hernandez. Toda a metodologia foi então reformulada por ela, e passou a
compor um trabalho paralelo do grupo de pesquisas Aprendendo a Aprender, afim de que os
estudantes obtivessem o melhor aproveitamento possível, já que este projeto necessitava de
uma maior dedicação e tempo para elaboração de sua aplicação.
5.7. Mapas Conceituais
A elaboração dos mapas por grupos foi escolhida para que os estudantes,
durante a confecção dos mapas, compartilhassem suas diferentes conceituações sobre os
componentes e as funções da célula, já que, para formar um mapa único, deveriam incluir
elementos em que todos os seus integrantes estivessem de acordo. Desta forma, foi necessária
uma negociação de significados, “em um exercício que exige respeito às opiniões dos demais
e rejeição de qualquer imposição não-argumentada” (Peña et al, 1994), até se chegar a um
consenso final. Esse processo de elaboração inclui, portanto, a socialização entre os
estudantes, fator importante para o compartilhamento de conhecimentos, que não ocorre
somente entre professor-estudante. Como a atividade está centrada na elaboração de um mapa
grupal, o professor deve converter-se em um estimulador da classe (Peña et al, 1994),
incentivando-os nessa troca de conceituações.
Após esse processo, a elaboração dos mapas basais permitiu a análise do
conhecimento construído pela classe, o qual está detalhado a seguir:
a) Análise
- Mapa da Licenciatura
78
No primeiro mapa (Apêndice B - Primeiro mapa basal da Licenciatura), os
estudantes apresentaram como conceitos mais gerais, células procariontes e eucariontes e,
dentro destes organismos-conceitos, as células animais e vegetais. O principal critério para
separar procariontes de eucariontes foi a ausência e presença de carioteca. Já as células
animais foram detalhadas através das suas principais organelas, e as células vegetais tiveram
uma abordagem comparada em relação às células animais, pois foram descritas apenas as
organelas ausentes nas últimas. Quanto às organelas, estavam presentes os retículos
endoplasmáticos liso e rugoso, os lisossomos, a mitocôndria, o Complexo de Golgi e o
centríolo. Suas funções foram objetivas, sem muito detalhamento. O núcleo foi abordado
separadamente das organelas, relacionado ao conceito “com carioteca”. A membrana
plasmática foi citada apenas como revestimento das células eucariontes. Estes foram os
subsunçores advindos do Ensino Médio, representados nos mapas.
No segundo mapa (Apêndice C - Segundo mapa basal da Licenciatura), o
conceito de célula vegetal desapareceu, porque o docente enfatiza em suas aulas as células
animais, já que os estudantes terão outras disciplinas, ao longo do curso, que a abordarão a
morfologia, função e fisiologia das células vegetais, como Biologia das Fanerógamas e
Fisiologia Vegetal. O não detalhamento da célula vegetal faz parte de um acordo do núcleo
Biologia Geral, o qual inclui a disciplina Fisiologia Vegetal. Tal acordo serve para que não
haja repetição exaustiva de conceitos e assuntos em diferentes disciplinas, quando não
necessário. A separação das células em procariontes e eucariontes persistiu, porém, os
critérios para separação ficaram mais rigorosos, como presença ou ausência de
endomembranas e de citoesqueleto. Novos subsunçores, como os conceitos de microscopia e
biomoléculas surgiram como métodos de estudo e análise das células, evidenciando o
aprendizado em aulas práticas, também ministradas pelo docente.
Quanto ao conceito “membrana plasmática”, houve uma diferenciação
progressiva aparente, onde foram incorporados e relacionados novos conceitos, desde
estrutura molecular até suas funções e tipos de transporte de substâncias. As organelas
celulares não apresentaram grandes modificações, mesmo em relação ao Complexo de Golgi,
para o qual foi dedicada uma aula completa sobre glicosilação, vias de destino das vesículas
de secreção e processos bioquímicos que nele ocorrem. O sistema de endomembranas também
não foi relacionado com a reciclagem de membrana. Nestes casos, foram diagnosticados itens
que necessitam serem investigados pelo docente, a fim de reconhecer quais são
79
especificamente os conceitos, dentro destes temas, em que os estudantes estão encontrando
dificuldades de compreensão. Nas avaliações, ficou claro o desconhecimento dos estudantes
das vias de reciclagem de membrana e digestão celular, assim como de síntese intracelular. O
processo de glicosilação das proteínas no Complexo de Golgi exige do ingresso um esforço
absurdo de abstração, pois são necessários muitos subsunçores prévios a serem adquiridos.
Neste período, os estudantes não constroem subsunçores de biologia das moléculas, assim
como cinética das biomoléculas e muito menos elementos avançados da Química Orgânica,
logo, o docente ou gasta muito tempo em explicar este aspecto muito importante da biologia
da célula ou segue em frente, preocupando-se com o conjunto. Resolvemos seguir a segunda
alternativa. Todavia, o cerne da Biologia Celular: endomembranas, reciclagem de membranas
e processos de digestão celular, no ano de 2009, foi entendido por pouquíssimos estudantes,
haja visto as respostas nas avaliações. Como mencionado acima, este tópico será alvo de
investigação. Alguns aspectos especiais das turmas de 2009 devem ser ressaltados: a média de
idade dos estudantes é a menor que já tivemos, a maioria dos estudantes, em nossa percepção,
trouxe conhecimento prévio do colegial inferior ao dos anos anteriores (fato constatado pela
comparação dos seminários apresentados na ocasião das atividades do kit célula com as
turmas de 2008) e um número significativamente maior de estudantes transferidos advindos
das universidades particulares sem nenhuma orientação ou preparo para entrar no sistema da
universidade pública (Abdalla, informação pessoal).
O conceito “citoesqueleto” foi bem desenvolvido no mapa conceitual, com
conceitos relacionados às suas funções e composição, demonstrando o aprendizado adquirido
e (re)significado dos estudantes. O núcleo permaneceu separado do restante das organelas, e
foi relacionado ao conceito “citoplasma” e não mais ao conceito “com carioteca”. O centríolo
aparentemente foi retirado do segundo mapa devido à substituição por esse novo conceito,
mais inclusivo. Este tipo de aprendizagem, em que “um conceito ou proposição
potencialmente significativo mais geral e inclusivo do que idéias ou conceitos já
estabelecidos na estrutura cognitiva é adquirido a partir destes (...)” (Moreira, 2006, 2007), é
chamada de superordenada, e é uma das formas da aprendizagem significativa crítica, que
também compreende a aprendizagem subordinada e a aprendizagem combinatória.
- Mapa do Bacharelado
No primeiro mapa (Apêndice D - Primeiro mapa basal do Bacharelado), os
estudantes apresentaram como conceitos mais gerais as células procariontes e eucariontes, e
80
dentro deste último, as células animal e vegetal. Os procariontes foram separados dos
eucariontes através do conceito de “carioteca” e de, curiosamente, “membrana plasmática”
(este conceito, na Licenciatura, foi relacionado aos eucariontes). As células vegetais, assim
como no mapa conceitual da Licenciatura, foram separadas das células animais, a partir de
seus componentes exclusivos, como vacúolo, cloroplasto e parede celular. As organelas
citadas foram as mesmas da turma da Licenciatura, inclusive suas funções. O conceito de
“núcleo” foi separado das demais organelas, e relacionado ao conceito “carioteca”. Neste
momento, não só citaram o núcleo, como incluíram conceitos de genética, como o DNA,
RNAm (relacionado com a síntese de proteína no retículo endoplasmático rugoso), RNAr,
genes e ribossomos (também relacionado ao retículo endoplasmático rugoso). Estes foram os
subsunçores derivados do Ensino Médio.
No segundo mapa (Apêndice E – Segundo mapa basal do Bacharelado), a
divisão da célula em procariontes e eucariontes persistiu. As células animal e vegetal também
estavam presentes, porém, foram isoladas do restante do mapa. As características da célula
vegetal não foram incluídas no novo mapa, somente o conceito “cloroplasto” permaneceu.
Houve a substituição do conceito “organelas” pelo de “endomembranas”, e
desta forma, a mitocôndria foi abordada separadamente. O centríolo não apareceu no novo
mapa, mas foram incluídos os peroxissomos e os cloroplastos. O lisossomo apresentou uma
nova característica: o de tornar-se um endossomo. As funções do Complexo de Golgi
diminuíram, restando apenas a de secreção. Neste caso, assim como na Licenciatura, foi
ministrada uma aula exclusivamente para as funções desta endomembrana, mas não ocorreu a
representação do aprendizado desta aula no mapa conceitual. Ao citarem os retículos liso e
rugoso, não apenas foram relacionados proteínas e lipídios, mas também enzimas e hormônios.
O conceito de “membrana plasmática” foi ligado diretamente ao de “célula”,
contrariamente ao mapa anterior, em que foi relacionado aos procariontes. Houve uma
diferenciação progressiva evidente em relação a ela, incluindo suas especializações, tipos de
transporte, composição e funções. O citoesqueleto também estava presente, bem como suas
funções.
b) A abordagem em sala de aula e as principais impressões
81
Durante a apresentação dos mapas conceituais, os estudantes foram
questionados sobre alguns aspectos relevantes encontrados. Um dos mais importantes
consistia na pergunta: “Se você fizesse o mapa conceitual hoje, o que mudaria ou
acrescentaria?”. Alguns estudantes se manifestaram, citando várias funções do Complexo de
Golgi que estavam ausentes nos mapas conceituais. Neste momento, o docente da disciplina
questionou os estudantes em relação a cada resposta dada, provocando o surgimento de vários
outros conceitos e significados ausentes nos mapas e também nas avaliações. Nas palavras de
Moreira (2006, 2007), “cabe ao professor apresentar, das mais diversas maneiras, e várias
vezes se necessário, esses significados e buscar evidências de se o aluno os está captando”.
De certa forma, os estudantes pareceram surpresos por não terem inserido tais relações. Aqui
cabe ressaltar a importância de um projeto como este, pois o professor que se prende somente
à avaliação (ou prova) e diminui demasiadamente a variedade de sua natureza, não consegue,
de fato, avaliar tanto o seu desempenho como o processo de ensino-aprendizagem dos
estudantes. Tais atividades, que exigem um tempo dentro da classe para fazê-las e outro
tempo muito importante para lhes trazer o “retorno” pode significar um comprometimento
“do seguir o cronograma” nos 15 encontros mínimos que temos que oferecer. Por outro lado,
em uma aula, em uma dinâmica bem estruturada em sua metodologia e aplicação pode, de
uma única vez, abranger o conteúdo total da disciplina em 2 ou 3 semanas, como o faz a
atividades do kit célula.
Quanto ao desaparecimento dos conceitos relacionados à célula vegetal, os
estudantes disseram que o foco de seus estudos voltou-se para a célula animal, porque o
docente a abordava mais do que à outra.
Os grupos que tiveram seus mapas conceituais utilizados como exemplo,
apresentaram algumas características peculiares, citadas a seguir:
- Licenciatura: o primeiro mapa do grupo apresentava conceitos como
armazenamento energético, peroxissomos, polirribossomos e macromoléculas solúveis.
Dentro deste último, os carboidratos foram relacionados à estrutura da membrana. No
segundo mapa, houve o surgimento do conceito de célula primordial (Origem da Vida), de
endomembranas e de citoesqueleto. A membrana plasmática teve suas funções e composição
detalhada, e, inclusive, o conceito “matriz extracelular” foi ligado a ela. A
interdisciplinaridade, neste momento, foi demonstrada com a presença de conceitos como
Tecido Conjuntivo e desenvolvimento embrionário e pós-natal (Histologia e Embriologia).
82
- Bacharelado: o primeiro mapa do grupo citou exemplos de células
procariontes (bactérias e arqueias - Zoologia), relacionou a membrana plasmática à função de
permeabilidade seletiva, os polirribossomos à tradução, e o citoesqueleto à função estrutural.
Outro diferencial foram as características da célula vegetal. No segundo mapa, conceitos
como origem da vida, coacervados e RNA com capacidade autocatalítica foram relacionados
ao conceito de célula. Através do conceito “endossimbionte”, mitocôndrias e cloroplastos
tiveram suas funções definidas, bem como a característica de seu DNA. O citoesqueleto teve
uma incorporação de conceitos muito vasta, bem como a membrana plasmática. Além da
permeabilidade seletiva, ela adquiriu novos conceitos, como desmossomos, bicamada lipídica,
proteínas extrínsecas e intrínsecas e microscopia. As endomembranas tiveram três novos
componentes: os endossomos, os peroxissomos e os glioxissomos, presentes na célula vegetal.
Ao final de cada apresentação, nas duas turmas, foi exposto um slide, com o
título: “Para refletir”. Nele estavam contidos os conceitos em que era necessária a
“[des]aprendizagem”, ou seja, a utilização de outros subsunçores para a compreensão dos
conceitos. Procurou-se apenas relacioná-los em tópicos, na forma de questionamentos, sem a
resposta em seguida, para que no momento da exposição os próprios estudantes refletissem e
dessem suas conclusões. Este passo é um dos mais importantes, pois “um ensino centrado na
interação entre professor e aluno enfatizando o intercâmbio de perguntas tende a ser crítico e
suscitar a aprendizagem significativa crítica.” (Moreira, 2000). Um panorama geral desta
parte da apresentação está contido abaixo, na tabela 1 (apresentação na Licenciatura) e na
tabela 2 (apresentação no Bacharelado):
Tabela 1. Questionamentos decorrentes da análise e confecção dos mapas basais da Licenciatura, e consequentes
conclusões após discussão em sala de aula, com os estudantes.
Licenciatura
Questionamentos: Conhecimentos
Equivocados Apresentados nos Mapas
Basais
Conclusões após discussão:
Conhecimentos [Re]significados pelos
Estudantes quando Argüidos
1. Polirribossomos produzem
peroxissomos?
Os polirribossomos produzem o conteúdo
enzimático dos peroxissomos, que varia
de acordo com as necessidades da célula,
como para a destruição de moléculas
estranhas, por exemplo.
83
2. Vacúolo de suco celular? No livro “Biologia Celular e Molecular”
de Junqueira e Carneiro (2005), um dos
principais utilizados pelo docente na
disciplina, há uma descrição sobre a
composição do vacúolo, que segundo os
autores, é composto por “suco celular”.
Portanto, a expressão “vacúolo de suco
celular” torna-se redundante, e evidencia a
consulta do livro pelo grupo de estudantes,
algo que foi pedido para ser evitado.
3. Enzimas sintetizam RER?
Enzimas aceleram reações químicas, tanto
no sentido da síntese como no de
degradação, portanto, podem auxiliar na
síntese, mas não realizá-la por si só.
4. Núcleo é uma organela? Esta questão intrigou os estudantes, e
muitos citaram que nunca pensaram nessa
possibilidade, já que os livros didáticos
sempre abordam o núcleo separadamente
das organelas. Na literatura científica não
há um consenso sobre a resolução desta
questão, que varia de autor para autor.
5. REL armazena e transporta proteínas?
Essas funções são realizadas pelo Retículo
Endoplasmático Rugoso, cabendo ao
Retículo Endoplasmático Liso a produção
de lipídios e armazenamento de íons,
como o de Cálcio.
6. REL produz lisossomos?
Como os lisossomos são vesículas de
conteúdo enzimático, participam de sua
síntese o Retículo Endoplasmático Rugoso
e o Complexo de Golgi.
7. Célula procarionte originou a eucarionte
através de mutação?
Como os estudantes não cursaram a
disciplina Evolução, presente na grade
curricular do curso de Ciências
84
Biológicas, é natural este tipo de
posicionamento. Em muitas escolas, a
evolução é explicada somente através do
fator “mutação”, quando na verdade, ela
ocorre em uma taxa muito pequena,
principalmente devido ao grande número
de mecanismos de reparo durante a
divisão celular.
8. Todas as células possuem lisossomos?
Nas células dos vegetais superiores não há
lisossomos. As células das sementes
possuem glioxissomos que durante o
período de germinação funciona para
transformar os lipídios das sementes em
polissacarídeos para nutrição da plântula.
9. Mitocôndria “extrai” energia?
O termo “extrair” não é adequado neste
caso, já que a mitocôndria apenas utiliza a
energia da ruptura das ligações de
compostos orgânicos, através de um
composto intermediário, o ATP.
10. Carioteca ou envelope nuclear?
Atualmente, o termo “envelope nuclear” é
o mais indicado e é o termo oficialmente
aceito como padrão internacional para
representar a membrana que envolve o
núcleo.
Tabela 2. Questionamentos decorrentes da análise e confecção dos mapas basais do Bacharelado, e
consequentes conclusões após discussão em sala de aula, com os estudantes.
Bacharelado
Questionamentos: Conhecimentos
Equivocados Apresentados nos Mapas
Basais
Conclusões após discussão:
Conhecimentos [Re]significados pelos
Estudantes quando Argüidos
1. Membrana esquelética? O termo “esquelética” dá idéia de rigidez à
85
membrana, quando na verdade ela é fluída e
tem diversos mecanismos de transporte de
substâncias para que a célula atinja a
homeostase.
2. Quem produz o ribossomo? O ribossomo é uma estrutura muito
complexa, que possui RNA ribossomal e
proteínas específicas, portanto participam
deste processo tanto o nucléolo como o
retículo endoplasmático rugoso.
3. Lisossomos fosforilam proteínas que
foram glicolisadas no Complexo de Golgi?
Ao contrário, proteínas que se tornarão
enzimas lisossomais são fosforiladas no
Complexo de Golgi, logo no início do
sistema lamelar desta organela, chamada
face cis.
4. Citoesqueleto tem como função o
reconhecimento celular?
O citoesqueleto participa da sinalização
celular, mas em associação com as proteínas
transmembranas, auxiliando-as na
comunicação com o meio externo e o
citossólico.
5. RNA sofre transcrição? O DNA sofre transcrição em RNA, para
então o RNA ser traduzido em proteínas.
6. Existe centríolo na célula vegetal? Apesar de ter citoesqueleto, a célula vegetal
não possui centríolo. Sua divisão ocorre
através da atividade do complexo de Golgi,
formando as placas crivadas ou
plasmodesmos e, posteriormente, a parede
celular primária.
Terminada a apresentação, foi solicitado aos estudantes para que resumissem
em uma só palavra a sua opinião sobre a apresentação e sobre o resultado final dos mapas
conceituais. As principais palavras foram: complexo, ampliação, construção, organização,
conhecimento, crescimento e esclarecedor. Através delas podemos deduzir que o objetivo da
utilização dos mapas conceituais foi alcançado: a maioria dos estudantes conseguiu organizar
86
seus conceitos sobre célula, pode observar o quanto seu conhecimento se modificou, ganhou
conceitos novos e desta forma, enriqueceu e amadureceu.
Neste ano, nos focamos muito no citoesqueleto para introduzi-los a outro
projeto que ocorrerá no segundo semestre do mesmo ano nas disciplinas Histologia e
Histologia Prática: a noção de cinética e tridimensionalidade das células, muito pouco
trabalhada nestas disciplinas que utilizam material de caráter bidimensional como principal
material e recurso pedagógico (lâminas histológicas permanentes).
Nas palavras de Silveira (2004), “o mapa conceitual elaborado pelo aluno tem
significado pessoal e os diferentes significados dos mapas poderão evidenciar o bom
entendimento da matéria sem que se possa dizer que um é melhor do que outro e muito menos
que um é certo e outro errado”. Desta forma, o mapa conceitual, a partir dos resultados
obtidos, mostrou-se uma excelente dinâmica de ensino, não só no momento de sua confecção,
mas também no momento de exposição e de troca de conhecimentos entre o professor e os
estudantes.
5.8. Modelos Bidimensionais e Mapas Conceituais: contribuições para o
aprendizado.
Como os grupos da dinâmica dos modelos bidimensionais e dos Mapas
Conceituais foram os mesmos, foi possível o acompanhamento do desempenho dos estudantes,
ao longo de toda a disciplina Biologia Celular. Para obtenção de parâmetros que auxiliassem
nesse acompanhamento, foram atribuídos conceitos a cada etapa dessas dinâmicas. Na dos
Modelos Bidimensionais, o questionário entregue ao final da confecção dos modelos de
células e a apresentação dos seminários receberam, respectivamente, conceitos entre
insuficiente (I), bom (B) e muito bom (MB) e conceitos de 0 a 50, como visto anteriormente,
na metodologia. Na dos Mapas Conceituais, foi avaliada a transição entre o primeiro e o
segundo mapa, de cada grupo, recebendo também os conceitos I, B e MB.
Com a obtenção desses dados, ao longo da disciplina, foi possível a elaboração
das duas tabelas a seguir. Ambas demonstram o aproveitamento dos estudantes em relação a
essas duas dinâmicas, ou seja, se elas contribuíram para tornar o conteúdo da disciplina
Biologia Celular significativo:
87
Tabela 3. Comparação do aproveitamento dos estudantes da Licenciatura nas duas dinâmicas propostas, dos
Modelos Bidimensionais (colunas “Questionário” e “Apresentação”) e dos Mapas Conceituais (coluna “Mapas”),
através da utilização de conceitos.
Licenciatura- Conceitos nas duas dinâmicas
Questionário Apresentação Mapas
Grupo 1 B 30 MB
Grupo 2 I 40 MB
Grupo 3 I 25 B
Grupo 4 B 50 I
Grupo 5 B 40 MB
Grupo 6 I 35 MB
Grupo 7 B 40 B
Tabela 4. Comparação do aproveitamento dos estudantes do Bacharelado nas duas dinâmicas
propostas, dos Modelos Bidimensionais (colunas “Questionário” e “Apresentação”) e dos Mapas Conceituais
(coluna “Mapas”), através da utilização de conceitos.
Bacharelado- Conceitos nas duas dinâmicas
Questionário Apresentação Mapas
Grupo 1 I 40 MB
Grupo 2 B 35 MB
Grupo 3 B 35 B
Grupo 4 B 40 B
Grupo 5 MB 45 MB
Como se pode observar, apenas o Grupo 4 da Licenciatura teve uma queda do
aproveitamento na dinâmica dos mapas conceituais. Isto ocorreu provavelmente porque entre
seus dois mapas não houve um significativo aumento do número de relações entre conceitos,
da complexidade dos termos utilizados para representar conceitos, e não foram detectados
conceitos interdisciplinares. É muito importante ressaltar que a não evolução entre os dois
mapas não representa a não aprendizagem do grupo, mas que essa atividade não contribuiu
para aumentar o aproveitamento dos seus integrantes na disciplina.
88
No restante dos grupos, houve ou um aproveitamento muito grande entre as
dinâmicas, ou ele manteve-se linear. Dentro desses níveis de aproveitamento, houve grupos
que logo após a apresentação dos seminários já obtiveram uma significação muito grande dos
conceitos científicos da disciplina (como o Grupo 2 da Licenciatura e o Grupo 1 do
Bacharelado), e outros que somente após a dinâmica dos Mapas Conceituais, apresentaram
essa significação (como o Grupo 1 da Licenciatura e o Grupo 2 do Bacharelado). De qualquer
forma, pode-se supor que as duas dinâmicas apresentam complementaridade, mesmo quando
os grupos não apresentam evolução conceitual. Como cita Peña (1994), “nenhum indivíduo é
igual ao outro, e portanto, não há dois alunos idênticos”. Cada estudante significa os
conceitos sobre o mundo de forma particular, e as duas dinâmicas trazem, ao longo da
disciplina, a oportunidade da diferenciação progressiva destes conceitos, de duas formas
diferentes, mas com o mesmo princípio: partindo dos conhecimentos prévios dos estudantes.
A retomada constante dos conceitos gerais da disciplina pode auxiliar na compreensão dos
conceitos mais específicos, e é outra importância da complementaridade das dinâmicas, pois
ambas atuam juntas nesta tarefa.
5.9. Terceiro Mapa Conceitual
A seguir, estão presentes as análises dos terceiros mapas conceituais,
elaborados voluntariamente por alguns estudantes. O indicativo “apenas um integrante”
representa os mapas que foram feitos por apenas um estudante do grupo anteriormente citado.
Os demais foram realizados por todos os seus integrantes. Também estão presentes alguns
fragmentos desses mapas, considerados pontos-chave quanto às evidências da aprendizagem
significativa:
Grupo 1- Bacharelado - apenas um integrante
Este mapa, apesar de ter sido confeccionado apenas por um integrante do grupo,
apresenta uma base muito semelhante ao mapa anteriormente produzido. O conceito
microscopia adquiriu novos subsunçores: óptica, eletrônica de transmissão e de varredura. As
técnicas de coloração, anteriormente citadas na atividade dos modelos bidimensionais como
tema de bastante controvérsia entre os estudantes, aparecem relacionadas à microscopia óptica
e ao estado de condensação da cromatina, ponto bastante discutido também em aulas práticas.
89
O Complexo de Golgi, além da função sempre lembrada de empacotamento e endereçamento,
adquiriu os subsunçores glicosilação e fosforilação de proteínas, tornando o conceito mais
específico. Um novo conceito, do segundo mapa para este, foi “núcleo”, subdividido em
interfásico, mitótico e envoltório nuclear.
Merecem destaque dois pontos desse mapa, que estão ilustrados abaixo
(Fig.14):
Figura 14. Trechos do mapa conceitual de um dos integrantes do grupo 1 do Bacharelado.
O quadro à esquerda, que se inicia com o conceito “meiose” relaciona este, a
gametogênese e a variabilidade genética, subsunçores essenciais para a compreensão das
disciplinas subseqüentes: Genética Básica e Genética Molecular. Esta nova “âncora”, como é
chamada por Moreira, (2005), é a que proporciona a atribuição de significados a novos
conhecimentos, e consequentemente a diferenciação progressiva. A partir destes conceitos
mais gerais, é possível facilitar a aquisição dos conceitos mais específicos que serão
apresentados aos estudantes ao longo de todo o curso. No quadro à direita, pode-se observar a
relação feita entre o ciclo celular e a apoptose, temática não abordada durante as aulas, mas
que, surpreendentemente, aparece nesse mapa. A aprendizagem neste caso, foi obtida através
de uma pesquisa autônoma do estudante, que muito o auxiliará para compreensão de outra
disciplina de seu curso: Embriologia.
Grupo 5 – Licenciatura – apenas um integrante
Este mapa foi diferenciado do segundo mapa, pois o único integrante que o
produziu apenas relacionou conceitos da última parte da disciplina, núcleo e metabolismo.
90
Desta forma, em relação a estes conceitos, o mapa tornou-se mais específico. Novos
subsunçores como atividade celular (para o nucléolo) e “elétron transparente” (para a
cromatina) estavam presentes. Este último representa, ainda que implicitamente, os conceitos
de microscopia e coloração, citados anteriormente. O trecho abaixo (Fig. 15) representa um
dos principais conceitos presentes nesse mapa:
Figura 15. Trecho do mapa conceitual do integrante do grupo 5, da Licenciatura.
Este trecho, além de apresentar o ciclo de Krebs e o de Calvin, característicos
das duas organelas, mitocôndria e cloroplasto respectivamente, traz os conceitos de
anabolismo e catabolismo, relacionando-os em uma união que gera um conceito mais geral e
inclusivo, o de entropia. Isto se chama aprendizagem superordenada, e demonstra o elevado
grau de relação que o estudante estabeleceu entre conceitos evolutivos, bioquímicos, celulares
e fisiológicos, mesmo não tendo cursado as disciplinas Bioquímica e Fisiologia. Destaca-se
portanto, a importância da Biologia Celular como disciplina introdutória destas últimas.
Grupo 3 – Bacharelado - apenas um integrante
91
Do segundo mapa para este, houve algumas modificações. O termo
“reprodução” adquiriu um novo significado, o de “reposição”, talvez por influência do
aprendizado sobre a “função” da mitose em nosso organismo. O núcleo apresentou novos
subsunçores, como divisão, cromatina, nucleoplasma e nucléolo. As organelas foram apenas
citadas, sem função definida. Os microtúbulos foram contextualizados, através da
exemplificação de onde poderiam ser encontrados: protozoários e espermatozóides. O
conceito “filamento de proteínas”, citado no mapa anterior do grupo, tornou-se mais
específico, e foi relatado como “filamentos intermediários”. A função dos cloroplastos foi
drasticamente reduzida, sendo relacionada somente a fotossíntese. Um dos trechos mais
importantes do mapa (Fig.16) pode ser visto abaixo:
Fig 16. Trecho do mapa conceitual do integrante do grupo 3, do Bacharelado.
92
Podemos observar neste trecho um rico fragmento sobre a origem da vida. A
partir dela, o estudante descreveu a estrutura da membrana plasmática e a origem dos
procariontes, eucariontes e organelas. Os biopolímeros também foram citados como
originários do caldo primordial, para então, o DNA e o RNA serem descritos, em outra porção
do mapa. Esta relação dificilmente é realizada durante as aulas no Ensino Médio, onde cada
um desses itens é visto em separado, como se a origem da vida terminasse no surgimento dos
seres humanos, e não tivesse relação com a composição química da célula. A partir desse
aprendizado subordinado, o estudante terá subsunçores muito importantes e necessários para o
bom entendimento da disciplina Evolução, bem como de Genética Molecular.
Grupo 1 – Licenciatura
Foi incluído o conceito de microscopia, como método de observação de células;
os eucariontes adquiriram novos subsunçores: “animal”, “vegetal” e “mitose e meiose”.
Houve um resgate das células vegetais, citadas pelo grupo somente em seu primeiro mapa,
com um detalhamento muito maior. Isto pode ter ocorrido devido à exposição dos mapas
basais para a sala, onde foi destacado o desaparecimento do conceito “células vegetais”, e
também pelo empenho do docente da disciplina, que após o diagnóstico destes mesmos mapas,
passou a novamente desenvolver este conceito com a sala. O conceito de “núcleo” foi bem
detalhado, mas alguns outros, como “membrana” tornaram-se mais simplificados: junções e
tipos de transportes não apareceram neste mapa. Como estes são um pouco mais específicos,
talvez necessitem de outras disciplinas para que sejam retomados e contextualizados, como na
Histologia.
Uma das particularidades deste mapa encontra-se abaixo (Fig.17):
Fig. 17. Trecho do mapa conceitual do grupo 1, da Licenciatura.
93
Relacionados ao conceito “procarionte”, podemos observar duas curiosidades.
Os reinos Arqueia e Procaria representam conceitos interdisciplinares, pois o docente não os
cita nas aulas teóricas. Este conhecimento advém de outra disciplina, ministrada no mesmo
semestre, que trata da biologia dos microrganismos. Este tipo de exercício é extremamente
importante para os estudantes, pois conhecimentos em compartimentos não proporcionam a
reflexibilidade de sua utilização em qualquer situação-problema proposta, além de tornarem-
se mais próximos a situações reais com as quais os estudantes podem se deparar, seja no dia-
a-dia, seja no futuro exercício profissional.
Outra questão importante, já citada, é a questão da desaprendizagem. Neste
trecho, o conceito “mitose” está relacionado a procarionte, porém a forma de reprodução
destes é por bipartição. Desta forma, observa-se que os mapas conceituais são também ótimas
ferramentas de diagnóstico para o professor, que pode desta forma orientar seus estudantes
para a utilização de outro subsunçor para este conceito.
Grupo 5 – Bacharelado
Os componentes do citoesqueleto, do segundo mapa para este, passaram da
simples descrição para uma caracterização funcional, tornando o conceito mais prático do que
teórico. O conceito “núcleo” aparece neste mapa com os subsunçores: cromatina, divisão
celular, nucléolo e envelope nuclear. Mitocôndrias e cloroplastos foram separados das
endomembranas e o primeiro adquiriu conceitos novos, como Ciclo de Krebs e cadeia
respiratória. O complexo de Golgi apresentou maior especificação, com a relação de
glicosilação com síntese de proteínas e suas vesículas com o endossomo. O conceito de
membrana plasmática tornou-se mais simplificado.
A seguir, temos uma particularidade deste mapa (Fig. 18):
Fig 18. Trecho do mapa conceitual do grupo 5, do Bacharelado.
94
Como visto nos demais mapas, alguns apresentam um resgate das células
vegetais, porém este grupo preocupou-se em detalhá-la um pouco mais, acrescentando os
componentes dos cloroplastos e os produtos da fotossíntese. Com estes subsunçores, os
estudantes poderão iniciar a disciplina Fisiologia Vegetal com maior facilidade. Um
questionamento também pode ser levantado a partir deste fragmento: será que a afinidade com
um determinado conteúdo influencia a composição do mapa conceitual? A partir deste
exemplo, parece que sim, pois este foi o único grupo que desenvolveu este conceito mais
profundamente.
Comparação 1° e 3° mapas
A comparação do primeiro com o segundo mapa dos grupos, de ambas as salas,
permitiu o diagnóstico de como e o que os estudantes haviam significado durante as aulas, até
o momento da disciplina. Ao compararmos o primeiro com o terceiro mapa, foi possível
visualizar a evolução conceitual dos estudantes, do início até o final da mesma. Para
exemplificar este processo, serão utilizados o primeiro (Fig. 18) e o último mapa (Fig. 19) do
grupo 5 do Bacharelado, um dos mais representativos neste aspecto:
96
Fig
. 20
. Terceiro
Map
a Co
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e as elipses em
verd
e, os co
nceito
s qu
e sofreram
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meação
do
map
a anterio
r para este.
97
Ao compararmos os dois mapas, pode-se observar como o número de relações
entre conceitos aumentou, e principalmente a quantidade de conceitos novos que foram
construídos após os estudantes do grupo cursarem a disciplina. Para evidenciar o aumento da
complexidade entre os mapas, foram utilizadas elipses em vermelho (Fig. 20) em torno dos
conceitos presentes no primeiro mapa construído pelo grupo; todo o restante são conceitos
novos.
No primeiro mapa, o conceito “célula” foi subdividido em citoplasma e núcleo,
divisão clássica utilizada pelos livros didáticos, que apresentam, muitas vezes, apenas uma
abordagem morfológica da célula (do que pode ser observado ao microscópio óptico). Já no
terceiro mapa, o ponto de partida foi “célula eucarionte”, mais específico que o anterior e o
mais abordado na disciplina; a partir deste, foram desenvolvidos os conceitos de célula
vegetal e animal, mitocôndria, núcleo e endomembranas.
A célula vegetal, antes não abordada, adquiriu subsunçores bastante específicos,
como visto anteriormente na seção sobre as particularidades de cada grupo. As organelas
passaram a serem denominadas como endomembranas, e a mitocôndria foi separada deste
grupo, com conceitos relacionados a sua forma e atividade bioquímica (Ciclo de Krebs e
cadeia respiratória). Sua função anterior, como na maioria dos grupos, era apenas a de
produção de energia, portanto, sua especificidade aumentou consideravelmente.
O centríolo foi substituído por um conceito mais inclusivo, o de
“citoesqueleto”, em uma aprendizagem superordenada que desencadeou novos subsunçores,
como filamentos intermediários, microfilamentos e microtúbulos. Este último, relacionou-se
também com a meiose, a mitose e o núcleo. A denominação “sistema golgiense” foi
substituída por “complexo de Golgi”, bem como o conceito “envoltório nuclear” foi
substituído por “envelope nuclear”, ambos envoltos por elipses, em verde, na Fig.20,
demonstrando a aprendizagem dos estudantes em relação às denominações utilizadas na
comunidade científica, também importantes para a carreira desses futuros biólogos.
As endomembranas, no terceiro mapa, apesar de não apresentarem funções
muito distintas das do primeiro mapa, passaram a relacionarem-se mais entre si. O complexo
de Golgi foi relacionado aos retículos liso e rugoso e também aos lisossomos, em um sistema
dinâmico de integração. A membrana plasmática, antes sequer citada, demonstrou a
importância das proteínas em sua constituição e na formação do glicocálice.
98
O núcleo foi um dos conceitos que se tornaram mais complexos. O nucléolo
adquiriu duas porções, a granular e a fibrilar, de funções distintas; o envelope nuclear teve o
seu conceito anterior “semipermeável” mais especificado, com os conceitos “complexo de
poro” e “lâmina” e o DNA, foi substituído por “cromatina”, com porções ativas e inativas.
Através dessas observações fica evidente a importância dos diversos métodos
de avaliação para que o docente possa diagnosticar todo o aprendizado dos estudantes, assim
como sua prática docente. Apenas avaliações no sistema de “prova” podem não demonstrar
todas as novas relações entre conceitos construídas. Todo o trabalho realizado em aulas
teóricas e práticas, somadas às atividades investigativas, foram as ferramentas para o
resultado obtido neste trabalho, e ainda assim, todos os subsunçores construídos serão levados
às outras disciplinas do módulo, demonstrando que o aprendizado não se encerra na Biologia
Celular.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nota do orientador: Este trabalho, desenvolvido ao longo dos mais de três anos que o
docente atua nesta I.E.S., primeiramente sozinho, depois com a ajuda inestimável do Prof. Dr.
Hylio Laganá Fernandes e, na sua grande maioria, nos 2,5 anos subseqüentes pela orientada
de iniciação científica, representa um processo profundo de ensino-aprendizagem, tanto do
docente das disciplinas como da sua orientada, a qual teve um papel essencial, se não decisivo,
para que todas estas atividades fossem feitas. Aprendemos muito durante o período do
desenvolvimento do projeto e, este trabalho de conclusão de curso, indubitavelmente não
representa nem um terço do esforço discente e docente ao longo do processo. Não há como
narrar a vigilância e a preocupação constante do docente dentro da sala de aula para alavancar
toda a proposta de ensino-aprendizagem e nem do esforço de horas de estudo extraclasse da
discente. Tampouco, relatamos as reuniões semanais do grupo institucionalizado pela UFSCar
e CNPq, Aprendendo a Aprender, no qual trazemos todas as problemáticas da atuação docente
para serem pensadas, [re]significadas e [des]aprendidas à luz do conhecimento científico e
inúmeros textos científicos e trechos de livros que tratam da educação, do processo de ensino-
aprendizado e, principalmente, do ensino em Biologia.
99
Confesso que perceber meu próprio desenvolvimento como pessoa e
profissional e o extraordinário desenvolvimento da estudante Priscilla, representou o dínamo
gerador de forças para que eu prosseguisse com estas atividades, as quais geram muitos
conflitos ou necessidade de negociações altamente complexas entre mim e os estudantes. Não
foi detalhado, ou citado no TCC, mas nós trabalhamos com o conceito de que a inteligência é
um fenômeno coletivo e não individual. Eu tenho toda uma atenção com os estudantes
popularmente conhecidos como “maus alunos” e fico atento a qualquer luz dos seus sensos-
comuns e de uma faísca de interesse pelo aprendizado para alavancá-los e convidá-los para
seguir conosco. Mapeamos a classe, “as tribos”, e tentamos através da linguagem e da
significação das suas experienciações trazê-los até nós. Este processo de acompanhamento
assistido é muito desgastante, mas altamente recompensador. Ver germinar uma flor de um
ramo aparentemente estéril é uma experiência quase mística, apesar de todo embasamento
científico para tratar tal flor.
***
Portanto, com a vontade humana e com materiais simples, como uma placa de
metal, peças imantadas, gel e massinha de modelar ou simplesmente dispondo de uma sala de
aula ou de uma folha de papel, toda a pesquisa descrita neste trabalho pôde ser realizada.
Durante todo o processo, o crescimento pessoal e profissional decorrente da interação dos
estudantes, professores e estagiários foi com certeza o ponto mais importante. Trabalhar com
ensino, e neste caso específico com o auxílio dos princípios da metodologia dialética, pode
trazer resultados inesperados, pontos de vistas não considerados e, sobretudo, proporcionar ao
professor-pesquisador a oportunidade de melhorar sua prática, atingindo e sendo atingido
pelos estudantes. Estes, por sua vez, tornam-se agentes ativos na construção do seu
conhecimento, confrontando-o, testando-o e finalmente fazendo deste um aprendizado
significativo crítico e aplicado.
“(…) bueno, lo que les estaba diciendo, que cuesta mucho ser auténtica, señora, y
en estas cosas no hay que ser rácana, porque una es más auténtica cuanto más se
parece a lo que ha soñado de si misma” (Todo Sobre mi Madre, 1999, Pedro
Almodóvar).
Por fim, o profissional que não faz da sua prática objeto de pesquisa para
melhorar o processo de ensino-aprendizado não pode ser considerado “educador”.
Aprender e ensinar, exige pesquisa e afetividade, coisas que aparentemente são
desconexas à prática docente nos dias de hoje.
100
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APÊNDICES
Apêndice A - Roteiro para construção dos Mapas Conceituais:
MAPAS CONCEITUAIS
São diagramas indicando relações entre conceitos, ou entre palavras que usamos para
representar conceitos. Não buscam classificá-los, mas sim relacioná-los e hierarquizá-los. Sempre
deve ficar claro no mapa quais os conceitos contextualmente mais importantes e quais os
secundários ou específicos.
FUNÇÃO OU OBJETIVO:
a) Integração; b) Reconciliação; c) Diferenciação de conceitos
TEMA PROPOSTO: Célula: Estrutura e Funcionamento.
PASSO A PASSO:
1) Identifique os conceitos-chave e liste-os;
2) Ordene os conceitos, colocando os mais gerais no topo do mapa e os mais específicos na base,
seguindo um gradiente de significação e relação;
3) Conecte os conceitos com linhas e insira sobre elas palavras-chave que expliquem a natureza
dessas relações;
4) Setas podem ser utilizadas para indicar o sentido da relação, mas em excesso podem transformar
o mapa em um fluxograma ou esquema;
5) Busque não só relações verticais entre conceitos, mas também horizontais e cruzadas;
6) Lembre-se que não há um único modo de traçar um mapa conceitual.
EXEMPLO:
Fonte: <http://penta2.ufrgs.br/edu/mapasconceituais/Mapaconceitual.jpg>.