UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FÍSICA “GLEB WATAGHIN” PÓS-GRADUAÇÃO MULTIUNIDADES EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA GABRIELA FINCO MAIDAME APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS NO ENSINO FUNDAMENTAL II: APLICABILIDADE, POTENCIAL E REFLEXÕES DE UMA ADAPTAÇÃO SOB PERSPECTIVAS GEOCIENTÍFICAS Orientadora: Profa. Dra. Maria José Maluf de Mesquita Versão Final da Tese apresentada ao Instituto de Física “Gleb Wataghin” como parte dos requisitos exigidos para obtenção do título de Doutora em Ensino de Ciências e Matemática, na área de Ensino de Ciências e Matemática. Campinas/SP 2018
245
Embed
APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS NO ENSINO …repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/331847/1/Maidame_Gabri… · ABP, do original Problem Based Learning - PBL, consagrada na Educação
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FÍSICA “GLEB WATAGHIN”
PÓS-GRADUAÇÃO MULTIUNIDADES EM ENSINO DE
CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
GABRIELA FINCO MAIDAME
APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS NO ENSINO
FUNDAMENTAL II: APLICABILIDADE, POTENCIAL E REFLEXÕES
DE UMA ADAPTAÇÃO SOB PERSPECTIVAS GEOCIENTÍFICAS
Orientadora: Profa. Dra. Maria José Maluf de Mesquita
Versão Final da Tese apresentada ao Instituto de
Física “Gleb Wataghin” como parte dos requisitos
exigidos para obtenção do título de Doutora em
Ensino de Ciências e Matemática, na área de Ensino
de Ciências e Matemática.
Campinas/SP
2018
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FÍSICA “GLEB WATAGHIN”
PÓS-GRADUAÇÃO MULTIUNIDADES EM ENSINO DE
CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
GABRIELA FINCO MAIDAME
APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS NO ENSINO
FUNDAMENTAL II: APLICABILIDADE, POTENCIAL E REFLEXÕES
DE UMA ADAPTAÇÃO SOB PERSPECTIVAS GEOCIENTÍFICAS
Orientadora: Profa. Dra. Maria José Maluf de Mesquita
Versão Final da Tese apresentada ao Instituto de
Física “Gleb Wataghin” como parte dos requisitos
exigidos para obtenção do título de Doutora em
Ensino de Ciências e Matemática, na área de Ensino
de Ciências e Matemática.
Campinas/SP
2018
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FÍSICA “GLEB WATAGHIN”
PÓS-GRADUAÇÃO MULTIUNIDADES EM ENSINO DE
CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
AUTORA: Gabriela Finco Maidame
APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS NO ENSINO
FUNDAMENTAL II: APLICABILIDADE, POTENCIAL E REFLEXÕES
DE UMA ADAPTAÇÃO SOB PERSPECTIVAS GEOCIENTÍFICAS
EXAMINADORES
Profa. Dra. Maria José Maluf de Mesquita - Presidente
Prof. Dr. Ulisses Ferreira de Araújo
Prof. Dr. Renato Eugênio da Silva Diniz
Prof. Dr. Mauricio Compiani
Prof. Dr. Jorge Megid Neto
Obs.: A Ata da Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no
processo da vida acadêmica da aluna.
Campinas, 27 de fevereiro de 2018.
Todos juntos somos fortes
Somos flecha e somos arco
Todos nós no mesmo barco,
Não há nada pra temer.
(Chico Buarque, Os Saltimbancos)
Márcio, meu companheiro, novamente (como na Dissertação) aos nossos
trigêmeos, Arthur, Miguel e Otávio que, juntamente com este trabalho ganharam corpo,
conteúdo, e cresceram!
Pra vocês..., por vocês. Sempre!
AGRADECIMENTOS
À essa Força Maior, tamanha (que sinto), e que não permitiu que eu me rendesse.
Ao meu pai e minha mãe, pelas diretrizes de vida, apoio incondicional e cuidados com os meus filhos.
Ao meu companheiro Márcio, pelo exemplo, incentivo, paciência e constante assistência.
Aos meus trigêmeos, Arthur, Miguel e Otávio, pela existência (eternamente grata) e compreensão das
minhas ausências.
Aos demais familiares, pelo carinho e torcida.
À minha orientadora, professora Maria José de Mesquita, pelo suporte acadêmico, confiança e
subsídios para que esse trabalho se concretizasse.
Ao professor Maurício Compiani e professor Ulisses de Araújo, membros da Banca da Defesa, pelo
valioso aporte e direcionamentos sugeridos no Exame de Qualificação.
Aos demais membros da Banca, professor Renato Diniz e professor Jorge Megid, pelo aceite do
convite, cuidado na leitura do trabalho e rigor nos apontamentos.
À CAPES, por financiar em forma de bolsa de estudos o desenvolvimento deste trabalho de pesquisa.
À Coordenação do PECIM e demais professores do Programa, pela assistência, contribuições e
ensinamentos.
À escola estadual “Trinta e Um de Março”, nas pessoas da coordenadora Adriana e do professor
Ângelo, pelo entusiasmo na acolhida, confiança e participação.
Às secretárias Bárbara e Nadir, pelo suporte e dúvidas sanadas.
Aos mestrandos e doutorandos, parceiros nas disciplinas, eventos, congressos e nesta conquista.
Aos colegas Paulo, Matheus, Roberta, Karin, Grace, Franciele, Walléria e Valeska, em especial, pela
amizade, momentos de alegria e descontração, proximidade e escora, principalmente nos instantes de
desalento.
Enfim, a tod@s que, de alguma forma não menos significativa, participaram do desfecho de mais este
sonho, e contribuíram para a sua feitura.
De coração, muito obrigada.
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-
fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo
buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago
e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo
educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e
comunicar ou anunciar a novidade
Paulo Freire
APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS NO ENSINO
FUNDAMENTAL II: APLICABILIDADE, POTENCIAL E REFLEXÕES
DE UMA ADAPTAÇÃO SOB PERSPECTIVAS GEOCIENTÍFICAS
RESUMO
As metodologias de aprendizagem ativas, nas quais os estudantes protagonizam o próprio
processo de construção do conhecimento, são fundamentais ao desenvolvimento intelectual
autônomo. Dentre as tendências metodológicas, há a Aprendizagem Baseada em Problemas -
ABP, do original Problem Based Learning - PBL, consagrada na Educação Superior pelos
resultados positivos, mas pouco investigada na Educação Básico, especialmente no Brasil. A
presente pesquisa procurou diagnosticar como se dá e quais são os limites e potencialidades
do desenvolvimento de aulas adaptadas à metodologia da ABP, via conteúdos curriculares
geocientíficos, em uma turma do nono ano do Ensino Fundamental II, de uma escola pública
da cidade de Campinas, São Paulo. Investigou adaptações por meio de atividades baseadas
nos princípios da ABP, em temas com enfoque na Origem e Evolução do Universo, da Terra e
da Vida. Para tal, foi levantado um histórico da consolidação da metodologia, das suas
características e particularidades, e elaborado um Plano de Aprendizagem. As aulas foram
desenvolvidas durante quase um bimestre escolar, de acordo com um cronograma pré-
estabelecido, e a experiência foi socializada na Unidade Escolar, junto a todo o corpo docente.
Com base em produções, avaliações e autoavaliações dos alunos, caderno de campo,
filmagem das atividades, socialização com o corpo docente e entrevista com o professor
titular da disciplina de Ciências, analisou-se e discutiu-se uma dinâmica adaptada da ABP
com relação a: a) infraestrutura e particularidades organizacionais da Unidade Escolar; b)
habilidades relacionadas ao desenvolvimento de atividades em equipes; c) preparo e
contribuições ao docente, incluindo os relatos da entrevista do professor titular, e; d)
construção de conhecimentos geocientíficos com um olhar interdisciplinar. As contribuições
dos docentes, durante a socialização, foram consideradas e igualmente compuseram as
análises e discussões. A realização da dinâmica de ABP, dentro da realidade das escolas
públicas estaduais, foi o primeiro resultado positivo da experimentação. As considerações
finais apontam sinais de êxito em relação à dinâmica adaptada das variantes da ABP, além de:
i) detecção de poucas deficiências na infraestrutura escolar, que não inviabilizaram a
execução da dinâmica; ii) identificação de habilidades de colaboração e autonomia (pré-
requisitos ao princípio das atividades em grupos) nos alunos do final do Ensino Fundamental
II e, em desenvolvimento, as de administrar o tempo e de sistematização; iii) percepção, por
parte dos alunos, do próprio processo de maturação intelectual, via autoavaliação; iv) reflexão
da pesquisadora-professora sob o preparo das aulas e o processo de ensino-aprendizagem; v)
alterações no modo da abordagem das aulas subsequentes (professor titular), porém com
relatos de apreensão ao uso de algumas etapas adaptadas da ABP (docentes da Unidade
Escolar), e; vi) os temas geocientíficos tenderam aos escolarizados e a construção de
conhecimentos surgiu como consequência de todo o processo. Deste modo, acreditamos que
investigações sobre o desenvolvimento da ABP no Ensino Básico, fornecem subsídios para
motivar os docentes a novas experiências com metodologias de aprendizagem ativas.
Palavras chave: aprendizagem baseada em problemas, ciências, ensino fundamental II,
geociências, interdisciplinaridade, tempo geológico.
PROBLEM-BASED LEARNING IN ELEMENTARY EDUCATION II:
APPLICABILITY, POTENTIAL AND REFLECTIONS OF AN
ADAPTATION UNDER GEOSCIENCES PERSPECTIVES
ABSTRACT
The active learning methodologies, in which the students protagonise their own knowledge
construction process, are fundamental to the autonomous intellectual development. Among
the methodological tendencies, there is a Problem Based Learning - PBL, established in
Higher Education by your positive results, but few used in Middle School, particularly in
Brazil. The present research sought to diagnose how it takes place and what the limits and
potentialities of the PBL methodology, through geoscientific curricular contents, adapted to a
ninth year of middle public school class of the city of Campinas in the São Paulo State in
Brazil. This research investigated adaptations through activities based on the principles of
PBL, in themes focusing on the Origin and Evolution of the Universe, Earth and Life. In order
to do it we developed the methodology consolidation history, its characteristics and
peculiarities, and a Learning Plan for the school dynamic. The classes were developed during
almost a two-month period of the School calendar, according to a pre-established schedule,
and the experience was socialized in the School Unit, with all school teachers. The adapted
dynamics of the PBL was analyzed and discussed based on productions, evaluations and the
students' self-assessments, field work notebook, filmed activities, school teacher’s
socialization sciences discipline main teacher interviews. The main topics to discuss are: a)
infrastructure and organizational features of the School Unit; b) skills related to the team-
based activities; c) preparation and contributions to the teacher, including reports of the
teacher’s interview, and; d) construction of geoscientific knowledge with an interdisciplinary
approach. The contributions of the teachers during the socialization were considered and
composed the analyzes and discussions. The first positive result of the experimentation was
the PBL dynamic’s development and conclusion, within the reality of the state's public
schools in Brazil. The final considerations pointed to success signs in relation to the adapted
dynamics of the PBL variants, in addition to: i) the detection of only few deficiencies in the
school's infrastructure, which did not invalidate the execution of the dynamics; ii) the
recognition of the student’s collaboration and autonomy skills (prerequisites to the principle
of team activities) in the students of the end of Middle School Term and, in development, the
skills of managing time and thinking systematization; iii) the students’ perception of the
process of intellectual maturation, through self-assessments; iv) the researcher-teacher’s
reflections about the classes’ preparation and teaching-learning process; v) changes in the
approach of the subsequent classes (by the main sciences teacher), however with personal
apprehension accounts to the use of some adapted steps of the PBL (teachers of the School
Unit), and; vi) the geoscientific subjects trended to the scholar standards and the knowledge
construction arose as a consequence of the whole process. Therefore, we believe that the PBL
development researches in Basic Education provides subsidies to motivate teachers to new
experiences inactive learning methodologies.
Key words: Problem-based learning, sciences, elementary education II, geosciences,
interdisciplinarity, geologic time.
GRÁFICOS
Gráfico 4.1: Número de respostas dos alunos (29 respondentes) vs. desempenho na
habilidade referente à agilidade em se agrupar e se organizar nas equipes
1.1. Aprendizagem Baseada em Problemas .................................................................................. 31
1.1.1. Breve histórico antecedente à consolidação da ABP .......................................................................... 32 1.1.2. Implantação, descrição dos formatos e variantes da ABP .................................................................. 36 1.1.3. O método; princípios, pré-requisitos e estratégias .............................................................................. 43
1.2. Geociências ou Ciências da Terra ........................................................................................... 47
1.2.1. As Geociências e suas características ................................................................................................. 47 1.2.2. Panorama histórico do ensino das Geociências no Nível Fundamental .............................................. 48 1.2.3. Importância do ensino das Geociências no “novo milênio” ............................................................... 52 1.2.4. Relações com o desenvolvimento do Pensamento Sistêmico ............................................................. 56
CAPÍTULO 2: CONTEXTO E PREPARO DA INTERVENÇÃO ESCOLAR ............... 59
2.1. Expectativa do desenvolvimento das aulas com base nos estudos teóricos ......................... 59
2.1.1. A Unidade Escolar: origem, relação com a comunidade e espaço físico ............................................ 61 2.1.2. O perfil do professor e da turma ......................................................................................................... 62 2.1.3. O material didático e os conteúdos curriculares geocientíficos .......................................................... 64
2.2. O Plano de Aprendizagem, a metodologia da ABP e os conteúdos geocientíficos .............. 67
CAPÍTULO 3: EXECUÇÃO DO CRONOGRAMA, PRODUTOS E SOCIALIZAÇÃO
3.1. A execução do cronograma, algumas elucidações e peculiaridades ..................................... 73
3.1.1. O vídeo motivador, a chuva de ideias e a estruturação de seis temas de estudos ............................... 76 3.1.1a Observações do caderno de campo ................................................................................................... 78 3.1.1b Análise dos passos retratados ............................................................................................................ 79 3.1.2. Organização dos grupos, atribuição dos temas e funções, e elaboração da questão/problema e
hipóteses ....................................................................................................................................................... 80 3.1.2a Observações do caderno de campo ................................................................................................... 82 3.1.2b Análise dos passos retratados ............................................................................................................ 83 3.1.3. Investigação em fontes eletrônicas e impressas .................................................................................. 85 3.1.3a Observações do caderno de campo ................................................................................................... 88 3.1.3b Análise dos passos retratados ............................................................................................................ 90 3.1.4. Finalização da pesquisa (em equipes) e apresentação dos resultados ................................................. 92 3.1.4a Observações do caderno de campo ................................................................................................... 93 3.1.4b Análise dos passos retratados ............................................................................................................ 94 3.1.5. Conversa integradora (saberes construídos) e avaliações ................................................................... 96 3.1.5a Observações do caderno de campo ................................................................................................... 97 3.1.5b Análise dos passos retratados ............................................................................................................ 97 3.1.6. Documentário e fechamento das atividades ........................................................................................ 98 3.1.6a Observações do caderno de campo ................................................................................................... 99 3.1.6b Análise dos passos retratados ............................................................................................................ 99
3.2. Registros e produtos da intervenção ..................................................................................... 101
3.2.1. O caderno de anotações e registros audiovisuais .............................................................................. 101 3.2.2. As Fichas Parciais ............................................................................................................................. 102 3.2.3. As avaliações .................................................................................................................................... 103 3.2.4. Relatos do professor titular ............................................................................................................... 105
3.3. Socialização das atividades junto ao quadro docente da Unidade Escolar ....................... 106
CAPÍTULO 4: ANÁLISES DOS DADOS E DISCUSSÕES ............................................ 108
4.1. A metodologia da ABP, as particularidades organizacionais e a infraestrutura da Unidade
4.2. As habilidades para o trabalho em equipes e a metodologia da ABP................................ 111
4.2.1. Das respostas dos testes da Autoavaliação ....................................................................................... 111 4.2.2. Das respostas dissertativas da Autoavaliação ................................................................................... 117 4.2.3. Da Avaliação das Apresentações Orais ............................................................................................ 120
4.3. O preparo da pesquisadora-professora, o desenvolvimento das aulas apoiadas na
metodologia da ABP e as contribuições à prática docente ........................................................ 124
4.3.1. A entrevista pós-intervenção e a devolutiva do professor titular ...................................................... 128 4.3.2. A socialização da pesquisa junto ao corpo docente da Unidade Escola e a receptividade às
ANEXO 16 – Transcrição da entrevista com o Professor Titular da disciplina de
Ciências (após a intervenção/atividades) ............................................................................ 225
ANEXO 17 – Relatórios finais (Grupo 1 ao 6, sequenciados) .......................................... 229
19
APRESENTAÇÃO
Não poderia iniciar o relato deste trabalho acadêmico sem uma breve explanação
da minha trajetória educacional e acadêmica, em relação aos rumos seguidos por esta
pesquisa. A ligação e afeto que sempre nutri pelo ensinar/aprender, a minha formação
acadêmica em Licenciatura em Ciências Biológicas, o contato com as Geociências (durante a
Iniciação Científica e, posteriormente, no Mestrado) e o anseio de me envolver e contribuir,
efetivamente, para o aprimoramento das práticas de ensino foram fatores que influenciaram,
fortemente, a escolha por uma pesquisa do tipo interativa.
Em 1994 optei e ingressei em um curso universitário noturno - Licenciatura em
Ciências Biológicas (UNICAMP) – com a intenção de lecionar nos demais períodos, e já no
segundo ano da graduação ministrava aulas de Ciências e Biologia numa escola para jovens e
adultos (antigo Supletivo).
O meu primeiro contato com as Ciências da Terra e a pesquisa em Ensino
aconteceu durante a Iniciação Científica, nos anos de 1997 e 1998, ao participar de um projeto
de formação continuada de professores de escolas públicas. Neste projeto, intitulado
Geociências e a Formação Continuada de Professores em Exercício do Ensino
Fundamental1, algumas das minhas funções consistiam em auxiliar, registrar e dar suporte
técnico aos professores de diversas disciplinas, durante as suas aulas. E as observações desse
acompanhamento eram colocadas e discutidas em reuniões, junto aos coordenadores e demais
membros do projeto.
Seis anos após a conclusão da Graduação, e com uma experiência de quase uma
década lecionando no Ensino Básico, retorno à academia no Programa de Pós-Graduação em
Ensino e História de Ciências da Terra (PEHCT)2, no qual concluí o Mestrado com um
1 O projeto, denominado Geociências e a Formação Continuada de Professores em Exercício do Ensino
Fundamental, iniciou-se em janeiro de 1997, com apoio da FINEP e em março do mesmo ano com apoio do
CNPq e FAPESP. Em dezembro de 1999 encerrou-se pela FINEP e estendeu-se até maio de 2000 pela
FAPESP e até agosto de 2001 pelo CNPq. O projeto, que foi desenvolvido pelo Departamento de
Geociências Aplicadas ao Ensino (DGAE) do Instituto de Geociências da UNICAMP, começou as suas
reuniões preparatórias em novembro de 1995, quando se reuniram o grupo de professores do DGAE e o
grupo de professores da rede pública. Do grupo inicial de 30 professores da rede pública, 15 continuaram até
a concessão dos apoios financeiros e, assim, iniciamos com 15 bolsas de Aperfeiçoamento Pedagógico. O
projeto terminou com 13 professores da rede pública (quatro professores de Geografia, três de Ciências, dois
de Matemática, dois de Português e dois de História), três professores, uma mestranda do DGAE e um
pesquisador do Instituto Paulo Freire. Também tivemos, ao todo, 5 bolsistas de iniciação científica. 2 O Programa de Pós-Graduação em Ensino e História de Ciências da Terra (PEHCT) tem sua origem na
criação da Área de Educação Aplicada às Geociências (AEG) em 1979, através de um grupo de professores
20
trabalho que enfocava as relações interdisciplinares existentes entre as Geociências e a
Biologia. Esse programa (instituído na UNICAMP em 2004) conecta as áreas de Geociências
e Ensino, estendendo-se para as pesquisas voltadas à formação continuada de professores,
História das Ciências Naturais, ensino e aprendizagem, material didático, currículos e
programas dos vários níveis educacionais, entre outros.
Por cerca de duas décadas, entre aulas ministradas nas disciplinas de Ciências e
Biologia, e a formação acadêmica continuada, presenciei inúmeras situações e experiências de
construção do conhecimento, e dois pontos frequentemente me inquietavam; a necessidade de
contribuir para a construção de saberes sobre o ambiente, e das suas interações no espaço e no
tempo, e a atual acessibilidade aos diversos conhecimentos, construídos ao longo dos tempos
e disponíveis em inúmeros formatos. Em relação à minha ansiedade sobre as questões
envolvendo o meio, eram constantes as percepções, com tendências interdisciplinares, de
temas que transitavam entre as áreas biológicas e geocientífica, e este pressuposto se
estabeleceu e compôs as considerações finais da dissertação originada da minha pesquisa de
mestrado (FINCO-MAIDAME, 2011).
Compreendi com esse percurso a relevância da educação geocientífica,
principalmente ao considerar os tempos em que vivemos, no qual o entender do
funcionamento dos processos terrestres é essencial, tanto para uma relação harmoniosa com o
planeta, como para uma atuação social consciente e eficaz.
Todavia, em relação aos meus desassossegos, ainda faltava pesquisar e
experimentar uma forma de construção do conhecimento onde todas essas informações pré-
existentes, acessíveis dos mais diversos modos, pudessem ser utilizadas, autônoma e
efetivamente, para a construção de novos saberes e atitudes, considerando concepções e
interesses de aprendizado. E essa vivência me trouxe a convicção de prosseguir na área da
pesquisa em Ensino.
transferidos do Instituto de Geociências da USP para a UNICAMP. Em 1996, inaugurou-se a Área de
Concentração em Educação Aplicada às Geociências dentro do Programa de Pós-Graduação em Geociências
(PG) da UNICAMP, que recebeu sua primeira turma de Mestrado Acadêmico. Após a CAPES criar a Área
de Ensino de Ciências e Matemática (Área 46), em 2000, o projeto da criação de uma nova pós-graduação foi
examinado e avaliado por essa comissão, o que acarretou na transformação da Área de Concentração da PG
no Programa de Pós-Graduação em Ensino e História de Ciências da Terra. E em 2004 esse Programa
recebeu suas primeiras turmas de Mestrado e Doutorado.
21
Inicialmente como aluna especial e cursando disciplinas agora do Programa de
Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM)3, elaborei meu
projeto de doutoramento para o processo seletivo do curso. O plano inicial do trabalho que
aqui se apresenta, resumia-se a um ensaio, uma discussão teórica sobre metodologias de
ensino e o desenvolvimento do processo de aprendizagem, envolvendo conteúdos
biogeocientíficos, considerando a participação do aluno e a sua capacidade de contribuir com
a construção de conhecimentos.
Passados alguns meses do ingresso no curso de Doutorado, em um momento de
intensas leituras e, após o contato estreito com um grupo de estudos envolvendo uma escola
pública, seus professores e alunos, surgiu uma oportuna chance de interagir com a sala de
aula, e o plano da pesquisa sofreu novas diretrizes. Sendo esse espaço grandiosamente
promissor e eficaz para aprofundamentos em estudos na área de Ensino, este trabalho que, de
início se restringiria a uma pesquisa de cunho teórico, potencializou-se com um componente
prático, em seu aspecto de investigação, ação e socialização.
Estudos apoiados nas tendências da metodologia ativa da Aprendizagem Baseada
em Problemas (do inglês Problem Based Learning – PBL), juntamente com a importância do
aprendizado de temas geocientíficos, deram o arcabouço para a parte teórica e prática desta
pesquisa. Um diferencial deste trabalho acadêmico foi a tentativa de inovar na construção de
conhecimentos com temática geocientífica (que estimulam o desenvolvimento do Pensamento
Sistêmico), através da adaptação e uso de alguns princípios da metodologia da ABP, no nível
Fundamental do ensino Básico brasileiro, para a discussão da viabilidade e limites dessa
experiência.
E no decorrer destas páginas, o leitor se deparará com maiores detalhes e
pormenores dos estudos, planejamento, desenvolvimento, análises e discussões das relações
acima apresentadas.
3 O Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM) da UNICAMP
é integrado por quatro unidades acadêmicas: Faculdade de Educação, Instituto de Física “Gleb Wataghin”,
Instituto de Geociências e Instituto de Química (além da participação de docentes do Instituto de Biologia,
Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Unicamp e da Faculdade de Tecnologia). O
programa, de caráter itinerante (estabelece um sistema de rodízio entre as unidades integrantes, de quatro em
quatro anos) foca, principalmente, na produção e desenvolvimento de conhecimentos que possam contribuir
direta e efetivamente para a melhoria da formação dos professores das áreas envolvidas, e para a educação
formal e não formal.
22
INTRODUÇÃO
Nas escolas tradicionais, nas mais conceituadas e em diversos níveis educacionais,
mesmo sofrendo questionamentos em relação às adequações necessárias para a atualidade, o
processo do ensino/aprendizagem tido como passivo ainda impera. Neste formato, o professor
é ator central do processo e desempenha o papel de transmissor do conhecimento, em geral
com a apresentação de estudos teoricamente finalizados, e de um posicionamento em
evidência. Por outro lado, os alunos incorporam as informações e conteúdos trazidos, numa
condição inativa, não instigante à iniciativa e ação do pensamento.
Ribeiro (2010), sobre a aprendizagem passiva, coloca que
[...] há um consenso de que essa metodologia (tradicional) não mais dá conta
de promover a aprendizagem significativa de conhecimentos conceituais
nem consegue encorajar o desenvolvimento de outros tipos de
conhecimentos, procedimentais e atitudinais, valorizados na vida
profissional e social. (p. 9)
Não discordamos do valor dos saberes e conhecimentos até então desenvolvidos e
disponíveis nos mais variados formatos e fontes, mas questionamos que a passividade dos
estudantes e dos métodos de ensino não mais contribui e estimula a formação de cidadãos
com condições reais de participação e responsabilidades na sociedade. Leão (1999), em seus
estudos sobre o ensino tradicional e o construtivista, afirma que,
“Um aspecto importante da escola tradicional é que ela se preocupa em
transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade. Possibilitar que
todo esse acervo cultural seja objeto de aprendizagem é um dos méritos da
escola tradicional. É óbvio que os conteúdos escolares têm de ser
valorizados e efetivamente ensinados ao aluno. O que se discute é a forma
mais adequada de realizar este contato dos alunos com os conteúdos
curriculares.” (p. 203)
As afirmações de Leão (1999) estimulam à reflexão do que é aprendizagem, como
estimulá-la e para qual finalidade, o que nos leva a pensar no conceito e no processo do
desenvolvimento do Pensamento Sistêmico (PS).
Ossimitz (2000) afirma que o processo de desenvolvimento do PS é uma forma
complexa de compreensão, contudo passível de aprendizagem, e que permite um
entendimento dos fenômenos a partir da percepção das suas partes, gerando novas
concepções. Em um trabalho sobre a apresentação de conteúdos geocientíficos a estudantes do
Ensino Fundamental, ele define quatro dimensões essenciais para o desenvolvimento desse
modo de pensamento: i) pensar o modelo, ou fenômeno, no sentido de visualizá-lo; ii)
23
feedback, ou pensamento loop, que é um tipo de raciocínio não-linear, que considera as partes
de um modelo, e suas inter-relações num sistema cíclico; iii) pensar dinâmico, que envolve
uma visão retrospectiva, e consiste em compreender eventos passados para entender os
futuros, e; iv) a capacidade de reconstruir o sistema a partir dos fragmentos isolados.
Segundo Kali, Orion e Eylon (2003), o Pensamento Sistêmico tem sido
amplamente estudado nas Ciências Sociais, Medicina, Psicologia, Matemática, no entanto,
pouco se sabe sobre ele no contexto da Educação. Esses autores desenvolveram uma pesquisa
com estudantes do nível escolar equivalente ao Fundamental II, sob o conteúdo de Ciências
referente ao tema Ciclo das Rochas, no qual analisaram a capacidade de resolver problemas
em um determinado contexto. E concluíram que os alunos dessa faixa etária fazem conexões
entre as partes e o todo, e mostram graus diferentes de evolução, nesta forma de pensar.
A forma como se desenvolve o PS nos parece interessante para a aprendizagem de
conteúdos referentes aos fenômenos naturais, como a dinâmica do Sistema Terra, pois permite
que, a partir de noções da interação das esferas do planeta, possam surgir questões,
levantamento de hipóteses, e o estudo das partes culminem numa reorganização da
compreensão do todo.
A Secretária de Educação da Finlândia, Marjo Kyllonen, ao proferir palestra sobre
o ensino tradicional e as novas orientações de construção do conhecimento (durante a
Conferência Educacional Transformar 2015), aborda propostas de diretrizes para a educação,
aponta competências para este século, e apresenta as principais mudanças para o processo de
ensino/aprendizagem do currículo pedagógico do seu país.
Kyllonen (2015) afirma que não se sabe quais profissionais, competências e
habilidades serão requisitadas nas próximas décadas. Acredita em mudanças rápidas,
principalmente ao se pensar na digitalização, e questiona se a escola está preparando,
adequadamente, os seus alunos para um futuro tão próximo e dinâmico. Foca na competência
de colaboração e na habilidade social, descrita por ela como “uma capacidade de trabalhar,
resolver problemas e construir conhecimentos em conjunto”, e cita que é preciso que as
crianças desenvolvam o pensamento interdisciplinar, no sentido de serem capazes de
combinar informações diferentes, de distintas fontes. Aponta a importância de se promover a
participação ativa do aluno, e que, nessa mudança de eixo, o professor sofre uma alteração do
seu papel, que passa a ser de colaborador da construção do conhecimento.
24
A Base Nacional Comum Curricular4 – BNCC (Brasil, 2017) traz como uma das
suas dez competências gerais,
[...] exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das
ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação
e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular
e resolver problemas e inventar soluções com base nos conhecimentos das
diferentes áreas. (p. 18)
O documento ainda orienta que, nos anos finais do Ensino Fundamental, “é
importante fortalecer a autonomia desses adolescentes, oferecendo-lhes condições e
ferramentas para acessar e interagir criticamente com diferentes conhecimentos e fontes de
informação.” (p. 56)
Especificamente para a área de Ciências da Natureza, há indicações de
competências que estimulam o “agir coletivamente com respeito, autonomia,
responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação”, para tomadas de decisões frente a
inúmeras questões científicas e socioambientais. E visa para os anos finais do Ensino
Fundamental uma “ampliação progressiva da capacidade de abstração e da autonomia de ação
e de pensamento, possibilitando ao aluno explorar aspectos mais complexos das relações
consigo mesmo, com os outros, com a natureza, com as tecnologias e com o ambiente.” (p.
295)
E quais metodologias escolares estariam de acordo com esses apontamentos, ou
seriam indicadas para tais fins?
Com base nesses estudos, entendemos que as metodologias alinhadas a estas
premissas são as chamadas ativas. Nelas, a atuação do aluno no processo de construção do
conhecimento é participativa, e a atenção se volta para o seu aprender.
Paulo Freire (2008), partidário desses métodos, em sua obra Pedagogia do
oprimido defende que o que impulsiona a aprendizagem é a superação de desafios, a
4 Documento entregue para aprovação ao Conselho Nacional de Educação (CNE), em abril de 2017, de
“caráter normativo, e que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os
alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica. Aprovada em votação, no
dia 15/12/2017, e homologada em cerimônia no Palácio do Planalto em 20/12/2017, aplica-se à educação
escolar, tal como define o parágrafo primeiro da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei
nº 9.394/1996), e indica conhecimentos e competências que se espera que todos os estudantes desenvolvam
ao longo da escolaridade. Orientada pelos princípios éticos, políticos e estéticos traçados pelas Diretrizes
Curriculares Educacionais da Educação Básica (DCNs), a Base soma-se aos propósitos que direcionam a
educação brasileira para a formação humana integral, e para a construção de uma sociedade justa,
democrática e inclusiva.” (BRASIL, p. 7, 2017)
25
resolução de problemas e a construção de conhecimento novo a partir de conhecimentos e
experiências prévias dos indivíduos.
Queiroz e Cabral (2016), organizadores de uma obra5 sobre ensino e
aprendizagem na Educação Básica, afirmam que,
[...] a construção de práticas pedagógicas que priorizam o papel do aluno
durante o processo de ensino e aprendizagem tem sido amplamente
recomendada por educadores em âmbito nacional e internacional (VARELA
& MARTINS, 2013; HERREID & SCHILLER, 2013). Por outro lado, é
sabido que, muitas vezes, quando estas são colocadas em funcionamento,
encontram barreiras difíceis de transpor no contexto de salas de aula tomadas
por práticas antigas, que visam unicamente à transmissão de informações
(BRASIL, 1998). (p. 11)
Essas pesquisas apontam que o incentivo às aulas expositivas está enfraquecido, e
que as metodologias ativas têm apresentado resultados positivos no processo da construção de
conhecimentos. E dentre suas possibilidades, há a Aprendizagem Baseada em Problemas
(ABP), do original Problem Based Learning – PBL, consagrada no Ensino Superior, contudo
carente de investigação no Ensino Básico.
Apresentamos a ABP pelos dizeres de Araújo & Sastre (2009), como um conjunto
de orientações pedagógicas que;
“... deslocam o aluno para o núcleo do processo educativo, dando a ele
autonomia e responsabilidade pela própria aprendizagem, por meio da
identificação e análise de problemas; da capacidade de elaborar questões e
procurar informações para ampliá-las e respondê-las; e, daí, para recomeçar
o ciclo levantando novas questões e novos processos de aprendizagem e
problematização da realidade.” (p. 9)
Na ABP, o professor assume a posição de mediador, em interações grupais, e os
alunos se relacionam de forma colaborativa, comprometidos com o processo de construção do
conhecimento. A atenção se volta para a autonomia de aprendizagem do estudante, e não para
o ato de ensinar, propriamente, e a construção de conhecimentos surge como produto dessa
interação.
Entendemos que existe uma relação de proximidade entre as propostas das
aprendizagens ativas e os múltiplos saberes disponíveis nas mais variadas formas, destacando
as eletrônicas. E concordamos com Araújo e Sastre (2009) que compreendem que,
5 Fruto de um Curso de Especialização em Educação em Ciências, oferecido a professores, no período de
janeiro de 2014 a julho de 2015, a obra privilegiou a vivência e interações com metodologias ativas de ensino
e aprendizagem. Buscou ampliar conhecimentos e possibilitar reflexões sobre questões que, por exemplo,
abarcam o uso de novas tecnologias de informação e comunicação, além do desenvolvimento de atividades
de experimentação de caráter investigativo. (QUEIROZ; CABRAL, 2016)
26
“Por trás desse movimento está a busca de novos modelos de produção e
organização do conhecimento, condizentes com as demandas e necessidades
das sociedades contemporâneas e daquilo que vem sendo chamado por
muitos de sociedade do conhecimento.” (p. 7)
A ABP participa do referencial teórico deste trabalho de doutoramento, assim
como as Geociências, cujos conteúdos curriculares serviram de meio para o desenvolvimento
das aulas aqui analisadas e discutidas.
As Geociências associam-se à presente pesquisa pelas seguintes razões:
- sua “natureza” epistemológica se relaciona ao processo de aprendizagem via
desenvolvimento do Pensamento Sistêmico, que considera inicialmente o significado geral do
objeto, seguida da compreensão das partes para o entendimento do todo, e;
- a forma de tratamento dos conteúdos geocientíficos vai ao encontro das
orientações da BNCC, relativas ao desenvolvimento cognitivo e autônomo dos estudantes, e
às percepções do seu entorno.
Apoiada nos estudos acima, esta pesquisa procurou respostas para a seguinte
questão: Como se dá e quais são os limites e potencialidades do desenvolvimento de aulas
baseadas na metodologia da ABP, via conteúdos curriculares geocientíficos, em uma turma
finalizante do Ensino Fundamental II, de uma escola pública da cidade de Campinas?
A ABP e as Geociências dialogaram nas dinâmicas desta investigação, que teve
como objetivo principal investigar a aplicabilidade e funcionalidade de uma adaptação da
metodologia da ABP, nos anos finais do Ensino Fundamental, sob conteúdos curriculares
com enfoque geocientífica.
Especialmente, olhou-se para os fatores propícios e limitantes, na expectativa de
contribuir com subsídios valiosos para professores em exercício da Educação Básica, que
optam por desenvolver esses métodos na sala de aula.
Investigações e dinâmicas envolvendo os princípios da ABP, no nível escolar
Básico, apresentam-se escassos na literatura acadêmica, e para estudo dessa situação alguns
objetivos específicos foram traçados, como:
- elaborar um plano de aprendizagem e um cronograma de aulas, com conteúdos
curriculares inerentes às Ciências da Terra e da Vida, e metodologicamente apoiados em
alguns princípios da Aprendizagem Baseada em Problemas;
27
- desenvolver o planejamento acima citado em um nono ano do Ensino
Fundamental, nas aulas da disciplina de Ciências;
- analisar e discutir as possibilidades e limitações das etapas desse método,
através dos dados coletados e de acordo com o referencial das análises;
- entrevistar o professor titular da sala de aula em relação às suas percepções e
devolutiva do acompanhamento da dinâmica, e;
- socializar a experiência desenvolvida na Unidade Escolar junto ao seu corpo
docente.
A metodologia utilizada neste trabalho de doutoramento consistiu em uma
Pesquisa de Natureza Interativa (SOARES, 2001) e os instrumentos de coleta dos dados
constituíram-se por:
● Um caderno de anotações/campo (anexo 1), preenchido ao término de cada
aula, além dos registros audiovisuais, no qual se recorreu aos detalhes
quando necessário;
● Duas entrevistas informais (anexo 2 e anexo 16), do tipo semiaberta,
realizadas com o professor titular da disciplina de Ciências da turma
envolvida nas atividades, sendo uma antes do planejamento e execução
das aulas, e a segunda após alguns meses do desenvolvimento da
intervenção;
● Atividades produzidas durante as aulas, como as Fichas Parciais (anexos 3,
4 e 5), as de “Acompanhamento da Apresentação Oral” (anexo 6), de
“Autoavaliação” (anexo 7), dos “Critérios para Avaliação dos Membros
dos Grupos – líder” (anexo 8), e Relatórios Finais (anexo 17), e;
● Uma socialização da pesquisa e da intervenção, realizada junto ao corpo
docente da Unidade Escolar, que forneceu as impressões e vivências de
professores do Ensino Básico, em relação a metodologias ativas.
Reis (2011), em sua obra intitulada Observação de aulas e avaliação do
desempenho docente discute, entre vários pontos, sobre os cuidados e importância do preparo
das aulas e da coleta dos dados. Sobre os ganhos profissionais do docente, o autor afirma que:
“A preparação cuidadosa de uma aula, mesmo que efectuada exclusivamente
devido à presença do mentor ou supervisor, pode constituir um passo
28
interessante no desenvolvimento profissional do professor, nomeadamente,
pela reflexão que proporciona sobre as suas práticas.” (p. 9)
No caso da presente pesquisa, as aulas foram elaboradas e desenvolvidas pela
própria pesquisadora, e o material listado acima, resultante da intervenção, forneceu dados às
análises e cruzamento de informações, para as discussões da tendência metodológica em
estudo.
O Plano de Aprendizagem (anexo 9) igualmente foi elaborado e executado pela
pesquisadora, que assumiu a posição de professor facilitador (neste texto, com a denominação
de pesquisadora-professora), todavia com a constante presença do professor titular da
disciplina. O objeto investigado consistiu no conjunto de aulas, com a descrição minuciosa
das atividades que seguiram os princípios da ABP.
Os dados foram organizados e nas análises foram utilizadas as técnicas derivadas
do método qualitativo, a análise de conteúdo (BARDIN, 2011), a análise quantitativa de
frequência e a análise interpretativa com multicruzamento de dados e reflexões baseadas nos
referenciais teóricos.
É relevante citar que o professor titular da disciplina de Ciências, nas quais as
aulas foram desenvolvidas, envolveu-se de forma tímida, porém interessante, em alguns
momentos da dinâmica. Suas contribuições, estabelecidas nas entrevistas e em ocasiões
singulares das aulas, igualmente participaram das análises e discussões deste trabalho.
Um resumo dos referenciais teóricos e as considerações parciais desta pesquisa
foram apresentadas/socializadas aos professores e coordenação da Unidade Escolar onde a
prática aconteceu. Muitos deles acompanharam toda a movimentação e registros realizados,
durante os dois meses nos quais a pesquisadora interagiu com o ambiente escolar, e era
objetivo desta pesquisa coletivizar a investigação, principalmente por pertencer à área de
Ensino.
Assim sendo, o texto resultante deste trabalho de doutoramento dividi-se, a partir
desta introdução, em quatro capítulos:
- No primeiro capítulo têm-se os referenciais teóricos, que apresentam a
metodologia da Aprendizagem Baseada em Problemas, com sua definição segundo alguns
estudiosos, um breve histórico que antecede a sua consolidação em diversas instituições, sua
implantação e descrição dos formatos e variantes, e a caracterização do método com seus
princípios, pré-requisitos e estratégias, e; as Geociências (ou Ciências da Terra), igualmente
29
com uma definição voltada para seu caráter epistemológico, suas particularidades, uma
perspectiva histórica do seu ensino no Nível Fundamental, a importância do seu conhecimento
nos tempos atuais, e sua relação com um processo de construção de conhecimentos que se
baseia no desenvolvimento do Pensamento Sistêmico.
- O segundo capítulo traz o contexto e os detalhes do planejamento da
intervenção escolar, os primeiros contatos com os envolvidos (coordenadora, professores e
alunos) e a expectativa da experimentação. Descreve particularidades do surgimento da
Unidade Escolar, do seu espaço físico e relação com a comunidade local, do perfil do
professor e da turma, do material didático adotado pela escola, e dos seus conteúdos
curriculares. Apresenta o Plano de Aprendizagem, em forma de um cronograma, com as
etapas baseadas nos princípios da pedagogia da ABP.
- No terceiro capítulo, expomos os pontos fundamentais da execução do
cronograma das atividades, ou seja, os desdobramentos da dinâmica e detalhamentos
essenciais das relações entre alguns fundamentos e normas da ABP, no decorrer do
desenvolvimento das aulas. Organizamos uma apresentação, em blocos, composta pela
descrição das etapas das aulas, seguida das observações do caderno de campo e algumas
análises desses passos. Trazemos, também, os produtos dessa dinâmica, com as informações
do caderno de anotações e dos registros audiovisuais, das Fichas Parciais preenchidas pelos
alunos no decorrer das aulas, de todas as avaliações produzidas e executadas para a obtenção
de dados, além de informações dos relatos do professor titular. E finalizamos com detalhes da
socialização das atividades desenvolvidas, realizada junto ao professores e coordenadora da
escola.
- No quarto capítulo têm-se os dados, organizados e categorizados, seguidos das
análises e discussões realizadas à luz dos referenciais da pesquisa. Traz discussões das
correlações da metodologia da ABP com: i) a infraestrutura e organização da Unidade
Escolar; ii) as habilidades para o trabalho em grupos, consideradas nas diversas avaliações;
iii) o preparo da pesquisadora-professora e as contribuições de intervenções deste tipo à
prática docente; iv) a construção de conhecimentos, e a abordagem interdisciplinar que tanto
os temas geocientíficos como a metodologia permitem, e; v) alguns pontos limitantes.
Finalizamos o texto, nas considerações finais, com uma síntese da pesquisa,
informações sobre sua eficácia, perspectivas e limites gerados com base no desenvolvimento
das aulas adaptadas à metodologia estudada, e os pontos chaves das análises e discussões
concluídas da dinâmica e do material coletado e sistematizado.
30
Acreditamos que pesquisas sobre o desenvolvimento da metodologia ABP no
Ensino Fundamental possam fornecer subsídios valiosos aos professores em exercício da
Educação Básica, que optam por experimentar esses métodos na sala de aula. Neste sentido, é
importante indicar pontos favoráveis e/ou limitantes da utilização dessa metodologia, neste
nível educacional.
31
CAPÍTULO 1. REFERENCIAL TEÓRICO
Trazemos neste capítulo informações dos dois referenciais teóricos adotados na
presente pesquisa, que são:
● A metodologia da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), com um
breve histórico de sua origem, implantação e reconhecimento, além das
suas características, variantes e particularidades, e;
● As Geociências, ou Ciências da Terra, que serão tratadas pelo viés dos
seus fundamentos epistemológicos, histórico e situação educacional no
Ensino Básico brasileiro, e sua relação com o processo de construção de
conhecimentos denominado Pensamento Sistêmico.
Esses referenciais forneceram o arcabouço teórico e prático para a elaboração,
desenvolvimento, análise e discussão das aulas baseadas nos princípios da ABP, através dos
conteúdos curriculares com temática geocientífica.
Iniciemos com algumas particularidades, história de consolidação, e apresentação
dos formatos e variantes dessa metodologia ativa, datada há cerca de quatro décadas.
1.1. Aprendizagem Baseada em Problemas
Na ABP a aprendizagem do aluno é o foco principal e este deve estar
comprometido com o processo de construção do conhecimento, sob mediação do professor.
Outra característica dessa metodologia ativa são as relações colaborativas em grupos, que
conectam se com o desenvolvimento da autonomia e das habilidades sociais. Mas antes de
discorrermos sobre a implantação e moldes de como hoje se encontra estruturada,
selecionamos algumas definições que ressaltam a sua essência.
Foram variadas as caracterizações que surgiram acerca da ABP, durante as
investigações, e cada uma contribuiu de forma singular para o entendimento das
particularidades dessa metodologia. Barrows (1986) a apresenta como um método de
aprendizagem que tem por base a utilização de problemas como ponto de partida para a
aquisição de novos conhecimentos.
Araújo e Sastre (2009) entendem-na como um conjunto de orientações
pedagógicas que,
32
[...] deslocam o aluno para o núcleo do processo educativo, dando a ele
autonomia e responsabilidade pela própria aprendizagem, por meio da
identificação e análise de problemas; da capacidade de elaborar questões e
procurar informações para ampliá-las e respondê-las; e, daí, para recomeçar
o ciclo levantando novas questões e novos processos de aprendizagem e
problematização da realidade. (p. 9)
Ribeiro (2010) afirma que:
[...] o PBL é uma metodologia de ensino-aprendizagem colaborativa,
construtivista e contextualizada, na qual situações-problema são utilizadas
para iniciar, direcionar e motivar a aprendizagem de conceitos, teorias e o
desenvolvimento de habilidades e atitudes no contexto de sala de aula, isto é,
sem a necessidade de conceber disciplinas especificamente para este fim. (p.
10)
E complementa ao reiterar que mesmo que esta metodologia tenha suas raízes no
ensino de medicina, os seus princípios mostram-se suficientemente robustos para possíveis
usos em outros níveis de ensino e áreas do conhecimento, sem que as adaptações a desfigure.
Rodrigues e Figueiredo (1996) consideram que,
[...] o sucesso da utilização da metodologia PBL depende de uma série de
pré-requisitos: os estudantes devem ter características de personalidade
adequadas (independência, determinação, senso de responsabilidade,
capacidade de comunicação, desinibição, capacidade de organização); o
corpo docente deve ser treinado e familiarizado com o método; e na
organização da estrutura curricular, deve ser previsto tempo adequado para o
estudo auto dirigido; a instituição deve dispor da infra-estrutura necessária
para o auto-aprendizado do aluno. (p. 397)
Após iniciarmos com algumas definições da ABP, apresentamos a lógica de
pensadores que antecederam a sua consolidação e o histórico da sua implantação em
universidades de diversos países.
1.1.1. Breve histórico antecedente à consolidação da ABP
Antes de prosseguir até a atual conjuntura da ABP nos demais níveis
educacionais, é importante citar que a essência dessa metodologia ativa tem origens mais
remotas.
Segundo Luzuriaga (2001), no século XVIII, alguns pensadores como Rousseau já
apresentavam propostas de métodos pedagógicos ativos. O ponto central da metodologia
inicialmente proposta por Rousseau e desenvolvida ao longo dos dois séculos posteriores é a
autonomia do aluno, como agente que aprende e produz seu próprio conhecimento.
Durante o século XIX e XX, outros pensadores da educação e da psicologia como
Lev Vygotsky (1896-1934), Maria Montessori (1870-1952), Jean Piaget (1896-1980), David
33
Ausubel (1918-2008) e Paulo Freire (1921-1997), desenvolveram metodologias ativas ou
teorizaram sobre sua utilização no processo cognitivo do aluno. Contudo, é consenso na
comunidade acadêmica que a ABP tem como precursores e pode ser creditada,
principalmente, aos trabalhos de dois professores: John Dewey (1859-1952) e Jerome Seymor
Bruner (1915-2016).
Nas pesquisas de Souza (2012), encontra-se que “seria impossível definir um
marco ou pensador único como fundador da ABP, uma vez que a evolução do pensamento
pedagógico no mundo é o verdadeiro responsável pela concepção dessa metodologia” (p. 16).
Souza (2012) igualmente entende que Dewey e Bruner precederam o desenvolvimento da
estudada metodologia, com suas teorias, respectivamente:
● de que a aprendizagem surge de situações geradoras de dúvidas e
questionamentos, e;
● de que o ato de aprender envolve três processos coexistentes, ou seja, a
aquisição de novas informações, a sua transformação e compreensão.
Dewey, considerado um expoente da educação progressiva norte-americana, foi
professor de Filosofia. Inicialmente lecionou na Universidade de Michigan, posteriormente na
Universidade de Chicago e, finalmente, na Universidade de Columbia (Nova York), onde se
aposentou, em 1930. Na obra Experience and Nature (1929), John Dewey introduz os
métodos que, posteriormente, constituiria a ABP. Obviamente, a obra de Dewey é vasta, mas
pode se condensar suas propostas pedagógicas com auxílio de Luzuriaga (2001), que compila
as principais características da metodologia proposta pelo filósofo americano:
[...] 1º) que o aluno tenha uma situação de experiência direta, isto é, uma
atividade contínua na qual esteja pessoalmente interessado; 2º) que se
proponha um problema autêntico dentro dessa situação, como estímulo para
o pensamento; 3º) que tenha a informação e faça as observações
convenientes para tratá-la; 4º) que as soluções lhe ocorram e seja ele
responsável para que se desenvolvam de modo ordenado; 5º) que tenha
oportunidade para comprovar suas ideias, pela aplicação, aclarando-lhes
assim a significação e descobrindo-lhes por si mesmo a validade. (p. 250)
Para Dewey não há desigualdades entre o método e a matéria de ensino. Ele
entende que “o método é apenas combinação ou arranjo da matéria para fazê-la mais eficaz;
não é estranho a ela, é apenas seu tratamento com o mínimo de dispêndio e de energia.”
O outro pensador tido como precursor da ABP, Jerome Bruner, doutorou-se em
Psicologia da Educação pela Universidade de Harvard (1941), onde lecionou por toda a
34
carreira. Talvez o maior pedagogo americano do Século XX, ocupou altos cargos no Governo
Federal dos EUA, ligados à Ciência e Educação (governos Kennedy e Johnson). Bruner,
ainda, deixou como legado a proposta de reforma curricular dos Estados Unidos da América
denominada Learning by Discovery (Aprendizagem pela Descoberta).
Bruner (1965), na obra Man: A Course of Study, em que propôs a revisão do
sistema educacional americano MACOS6, defende a aprendizagem através do envolvimento
em processos de descobertas, e diz que “o aluno deve poder resolver problemas, conjecturar,
discutir da mesma maneira que se faz no campo científico da disciplina” (1965 apud Marques,
2017, p.3).
Paralelamente ao trabalho dos dois estadunidenses, destaca-se também as
contribuições de Jean Piaget (1896-1980), biólogo suíço a quem se atribui a criação do
método construtivista de educação. Segundo os estudos de Santos (2017),
“Na perspectiva construtivista de Piaget, o começo do conhecimento é a
ação do sujeito sobre o objeto, ou seja, o conhecimento humano se constrói
na interação homem-meio, sujeito-objeto. Conhecer consiste em operar
sobre o real e transformá-lo a fim de compreendê-lo, é algo que se dá a partir
da ação do sujeito sobre o objeto de conhecimento. As formas de conhecer
são construídas nas trocas com os objetos, tendo uma melhor organização
em momentos sucessivos de adaptação ao objeto. A adaptação ocorre através
da organização, sendo que o organismo discrimina entre estímulos e
sensações, selecionando aqueles que irá organizar em alguma forma de
estrutura. A adaptação possui dois mecanismos opostos, mas
complementares, que garantem o processo de desenvolvimento: a
assimilação e a acomodação. Segundo Piaget, o conhecimento é a
equilibração/reequilibração entre assimilação e acomodação, ou seja, entre
os indivíduos e os objetos do mundo.” (p. 1)
Desta forma, Dewey e Bruner são os pensadores que contribuíram
significativamente para o substrato teórico que fundamenta a ABP, cujas ideias e experiências
sustentam a metodologia aqui estudada.
Consolidada no final dos anos 60 como a metodologia de ensino mais adequada à
desejada melhora da qualidade da educação, a ABP então passou a ser objeto de atenção
governamental (em especial nos EUA) e, ao mesmo tempo, de entidades privada ou
paraestatais, como a Fundação W. K. Kellogg e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
6 Programa educacional americano, da década de 70, de ensino “em espiral” (o conceito pode ser ensinado
repetidamente, dentro de um currículo, mas em vários níveis, sendo cada um mais complexo do que o
anterior) que foi baseado nas teorias de Jerome Bruner.
35
Em 1970, Russell Mawby7 assume a presidência da Fundação W. K. Kellogg por
25 anos. Mawby utilizou o prestígio da Fundação Kellogg para criar programas de
intercâmbio universitários (Kellogg National Fellowship Program), com a finalidade de
difundir conhecimento a líderes comunitários e melhorias na qualidade de serviços de saúde a
comunidades carentes em todo mundo.
Mais especificamente para os países da América Latina, a Fundação Kellogg
desenvolveu um programa denominado Projeto UNI8, igualmente voltado para a saúde e
comunidade, todavia com ambições pedagógicas de implantação e desenvolvimento da ABP.
E nestes programas, metodologias de ensino mais apropriadas às realidades regionais foram
enfatizadas, como as propostas por Paulo Freire (Venturelli, 1997, p. vi e vii).
Segundo Venturelli (1997), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a
Fundação Kellogg iniciaram esforços para difundir metodologias ativas de ensino,
especialmente no campo da medicina. Em 1977, a OMS lança o programa “Saúde para
Todos”, já com a premissa de “nuevos enfoques para la formación de los profesionales de la
salud.” (p. 2)
Para Branda (2009), cofundador da ABP na McMaster (pioneira em adotar essa
metodologia), a realização dessa tendência educacional harmoniza com o modo de pensar de
Paulo Freire (1970 apud Branda, 2009), e vai além de seus aspectos metodológicos que levam
à criação de um entorno característico. Essa concepção diz que:
“A educação deve começar pela superação da contradição educador-
educando; deve se fundamentar na conciliação de seus polos, de tal maneira
que ambos sejam, simultaneamente, educadores e educandos” (p. 226)
7 Filantropo, formado em economia da agricultura, tornou-se Mestre e Doutor pela Universidade de Michigan
e presidente emérito da Fundação W. K. Kellogg. 8 “Na América Latina destaca-se a iniciativa da fundação W. K. Kellogg, que decidiu dar início a um novo
programa denominado Uma Nova Iniciativa na Formação dos Profissionais de Saúde União com a
Comunidade (sinteticamente, Programa UNI). O Programa UNI articula a implantação de uma prática
pedagógica inovadora, na formação de profissionais de saúde pela Universidade, uma mudança da prática de
atenção à saúde no âmbito dos Serviços Locais de Saúde (SILOS) e um novo tipo de participação social com
vistas à promoção da saúde e melhora da qualidade de vida.” Explicam, ainda, os autores a faceta pedagógica
do programa: “Relacionado aos objetivos do projeto UNI e visando criar mecanismos que contribuíssem para
viabilizar os objetivos dos currículos de Medicina e Enfermagem, foi instalada, em 1995, a Comissão de
Apoio Pedagógico (CAP), formada por profissionais de diferentes áreas do conhecimento, tendo como
principais objetivos: colaborar na implementação e avaliação de programas e atividades relacionadas ao
ensino de medicina e enfermagem; prestar assessoria a professores e órgãos colegiados no âmbito do ensino;
colaborar na produção de material de ensino; prestar serviços de orientação aos alunos; divulgar novas
metodologias para programas de ensino. De modo ainda inicial, a CAP vem identificando experiências
inovadoras sobre o ensino das profissões de saúde, entre as quais encontra-se o Ensino Baseado em
Problemas (PBL). No sentido de buscar e diversificar metodologias, tem se promovido o intercâmbio com
instituições do país e do exterior, como as Universidades de Dundee (Escócia), McMaster (Canadá) e
Digamos também que Branda (2009) acredita que os interesses do aluno devam
ser considerados na elaboração de uma metodologia ativa, cujo foco principal é no processo
da sua aprendizagem subsequente à prática e experimentação.
Dos programas, tanto de instituições privadas, como da Fundação Kellogg e de
organismos paraestatais, como a OMS, partimos para a implantação da ABP, caracterização
dos formatos e principais variantes.
1.1.2. Implantação, descrição dos formatos e variantes da ABP
Quanto à implantação da ABP no ensino formal, deve-se destacar que essa
metodologia ganhou consagração principalmente pelas referências a três instituições de
ensino superior;
● Universidade de Maastricht, na Holanda,
● Universidade de Aalborg, na Dinamarca, e,
● Universidade de McMaster, no Canadá.
Há décadas, as três instituições adotaram essa pedagogia em suas linhas
educacionais e a caracterizaram como no momento é conhecida.
Na Universidade de Maastricht, localizada ao sul dos Países Baixos, foi
implantada principalmente pela demanda do país na formação de profissionais em medicina.
Foi uma das pioneiras em assumir a tendência da ABP como norteadora do seu projeto
educativo, e como se tratava de uma orientação pedagógica recente, a universidade se colocou
a desenvolver pesquisas na área educacional para comprovar a eficiência da metodologia
perante o ensino tradicional.
Segundo os princípios educacionais nos quais Maastricht se firmou, Deelman e
Hoeberigs (2009) comentam que a instituição pretende que,
[...] os estudantes aprendam de forma ativa, que assimilem os
conhecimentos, as habilidades, as atitudes e a conduta profissional de forma
significativa e em um contexto realista, para garantir que adquiram as
competências necessárias para sua futura carreira profissional. (p. 81)
Já a Universidade de Aalborg adotou um modelo acadêmico baseado na resolução
de problemas em 1974, ano de sua fundação. Pelo conceito da ABP, Enemark e Kjaersdam
(2009) relatam que seus alunos trabalham com problemas reais, tentando solucioná-los,
37
organizados em grupos, e sob a supervisão de um professor. E completam, afirmando que a
ABP, entre vários pontos:
[...] favorece soluções interdisciplinares, onde o aluno tem de aprender a
relacionar conhecimentos de diferentes áreas; requer os conceitos mais
atuais, onde os professores já não precisam decidir o que os alunos devem
aprender, pois os problemas reais os orientam na busca de novos
conhecimentos que levem à sua resolução; atualiza os professores, pois a
tarefa de orientar também requer que o docente atualize seus conhecimentos;
favorece as habilidades de comunicação, pois o aluno aprender a comunicar
suas ideias, experiências e seus valores aos colegas, ao debater o conteúdo
no grupo, e; favorece o aprendizado eficaz, na medida em que a
intercomunicação de seus membros favorece a transferência de
conhecimento entre eles. (p. 19)
No ensino organizado em projetos e baseado em problemas, como ocorre em
Aalborg (ENEMARK; KJAERSDAM, 2009):
- é permitido que os grupos escolham os problemas com os quais desejam
trabalhar, e tentem analisá-los e resolvê-los;
- é essencial a compreensão da interdisciplinaridade dos problemas da empresa, da
sociedade e da vida real, para que os graduandos possam lidar com as questões do futuro,
ainda desconhecidas;
- o objetivo é um estudo amplo e uma compreensão das conexões existentes entre
os diferentes campos e habilidades para, assim, poder atuar em uma sociedade cada vez mais
complexa e em constante mudança.
Segundo Enemark e Kjaersdam (2009), em Aalborg o currículo (ou conteúdo) é
genérico e organizado em temas, e “é dado no trabalho com projetos, com o complemento de
cursos teóricos, e não o contrário, com o ensino organizado em cursos teóricos e a prática
como atividade complementar.” (p. 24) O objetivo do projeto é “aprender a fazer”, “aprender
na ação”, e as habilidades profissionais são determinadas nesse contexto.
No modelo organizado em projetos e baseado em problemas, a bibliografia, as
aulas, estudos em grupo, a tutoria, o trabalho prático e os experimentos dão suporte para a
resolução do problema e a elaboração do relatório. E um dos objetivos finais principais é o
cumprir do prazo estabelecido, ou seja, o desempenho da habilidade de lidar com o tempo.
Na Universidade de McMaster (precursora em adotar a metodologia), a
implantação também ocorreu no final dos anos 60. Luis Branda (2009) traz em um de seus
trabalhos aspectos históricos do nascimento e crescimento da ABP na referida universidade, a
38
partir da sua vivência e memória. Dentre as ideias nas quais se basearam os fundadores do
programa de ABP, na Universidade de medicina de McMaster, temos as encontradas nos
Analectos de Confúcio (500 a.C.), referente ao conceito de aprendizagem autodirigida – um
dos pilares do curso da citada universidade. Confúcio somente ajudava seus discípulos
quando já haviam pensado ou tentado resolver pergunta de determinado tema.
Branda (2009) relata que aproximadamente vinte professores de diversas
universidades do mundo, liderados por John Evans9, deram início a esse programa inovador
de aprendizagem. Howard Barrows10, James Anderson11, William Spaulding12, Dave Sackett13
e Moran Campbell14 foram alguns dos participantes na fundação e estruturação desse
programa da McMaster. Após a realização de inúmeras consultas e visitas a outras faculdades
de medicina, principalmente nos Estados Unidos, cada professor contribuiu com participações
de formas distintas.
O programa de medicina da McMaster foi organizado, inicialmente, em uma
estrutura curricular constituída de quatro fases, e destas, a primeira (com duração de dez
semanas) preocupava-se em desenvolver habilidades de comunicação e em auxiliar o aluno a
compreender os problemas – tanto os individuais como os coletivos – da comunidade a que
deveriam prestar serviços. Branda (2009) conta que, após sofrer algumas alterações, hoje
McMaster objetiva firmar a ênfase na resolução de problemas, na ampliação das competências
profissionais e habilidades de comunicação, melhorias na interdisciplinaridade do processo de
9 John Robert Evans, médico nascido em 1929, que aos 35 anos foi o primeiro diretor da Faculdade de
Medicina de McMaster, hoje Faculdade de Ciências da Saúde McMaster. Responsável pelo progresso da
faculdade, tanto em educação, quanto em pesquisas e serviços assistenciais, no período de 1965-1972, em
uma entrevista a um estudante de medicina declarou que “o desafio é formar pessoas inventivas, que tomem a
inovação como responsabilidade própria”. Em seus pronunciamentos, colocava a responsabilidade da
resolução de problemas e a liderança não somente para o governo, e sim para todos os envolvidos. 10 Howard Barrows (1928-2011), bacharel em Zoologia e médico americano, atuou como professor de
Neurologia e participou da implementação do currículo da Aprendizagem Baseada em Problemas na
Universidade de McMaster. Foi líder na inovação docente e na difusão da ABP, publicando várias obras
direcionadas a área médica, com sua concepção sobre aquilo que deveria ser a ABP. 11 James Anderson (químico, antropólogo, médico e pedagogo) foi pioneiro no princípio da aprendizagem
autodirigida, o que incluiu a criação de uma escola secundária (Cool School), com um sistema educacional
alternativo para adolescentes no Canadá. 12 William Spaulding, um dos cinco primeiros membros da McMaster (1966), foi o primeiro diretor associado,
e presidente da comissão curricular desta universidade. Publicou, também, um livro com os relatos da
primeira década do desenvolvimento da ABP na McMaster. 13 David Lawrence Sackett (1934-2015) foi um médico epidemiologista americano-canadense pioneiro na
medicina baseada em evidências. Fundou o Departamento de Epidemiologia Clínica e Bioestatística e o
Oxford Center for Evidence-Based Medicine. 14 Edward James Moran Campbell (1925-2004) era um médico canadense e renomado cientista acadêmico
educador. Em 1968 foi o presidente fundador do Departamento de Medicina da Universidade de McMaster.
39
aprendizagem, aumento das oportunidades de colaboração interprofissional, e aumento do uso
das tecnologias.
Atualmente, na McMaster, a ABP se abriu a outras graduações, assim como a
vários programas de Pós-Graduação. Segundo Souza (2012), o processo da implementação da
ABP na McMaster se deu do seguinte modo:
“Na configuração da universidade, nesse período, o PBL foi adotado como
parte de um projeto de reorganização da compreensão; esse projeto deveria
ajudar no desempenho dos alunos na universidade. Para tanto, a universidade
selecionava alguns alunos com uma trajetória educacional não tradicional e
que tivesse alguma ligação com o instituto de ciências biomédicas
(medicina).” (p. 38)
Outra instituição que adotou a ABP em seu currículo, na década de 1980, foi a
respeitada Universidade de Harvard, em Massachusets. Ela foi implantada somente após a
superação de algumas dificuldades por conta da Aprendizagem Baseada em Problemas se
tratar de uma metodologia moderna, numa instituição de tradição, renome e excelência.
Temos em Souza (2012) que a ABP, atualmente, se configura e é trabalhada de
diferentes modos, ou formatos. São eles:
● o curricular, que foi originalmente concebido e desenvolvido na
Universidade McMaster (detalhado anteriormente), na qual todo o
currículo institucional é estruturado ao redor de situações-problema;
● o híbrido, no qual um núcleo central de problemas é informado por
conteúdos trabalhados em diferentes disciplinas convencionais, e;
● o parcial, que é trabalhado em disciplinas isoladas e dentro de currículos
tradicionais.
Queiroz e Cabral (2016), entre outros, relatam que atualmente, inúmeras
universidades nacionais adotam a ABP, como as áreas médicas da Universidade de Marília e
de Londrina, e os cursos de medicina da Universidade Federal de São Carlos e do Amapá,
contudo, “em grande parte delas, as noções que pautam o método são utilizadas apenas em
disciplinas isoladas e em currículos tradicionais.” (p. 12)
Na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo
(EACH), mais conhecida como USP-Leste, a ABP atuou como pilar da base curricular de
todos os cursos. Segundo Araújo e Sastre (2009), na USP-Leste, a eficácia da tendência foi
comprovada, pois ao mesmo tempo em que apresentaram resultados positivos, conseguiram
40
manter a sua excelência acadêmica. Ou seja, existia um desafio de se manter elevados padrões
de pesquisa, além da extensão universitária.
Araújo e Sastre (2009) descrevem que, a ABP teve a sua utilização amplamente
adotada, de início no ensino superior, principalmente em cursos de medicina. Após se firmar
como metodologia eficiente conquistou outras áreas acadêmicas e, mais modestamente, outros
níveis educacionais.
Todavia, descrever e delimitar as variantes da metodologia de ensino denominada
ABP é um grande desafio. Segundo Barrows (1986),
[...] o termo ABP deve ser considerado gênero, do qual existem muitas
espécies e subespécies..., e quaisquer descrições e avaliações dos métodos de
ABP devem ser analisados com base em que tipo de problemas foram
usados, a sequência de ensino-aprendizagem, a responsabilidade dada aos
estudantes para aprender e os métodos de avaliação aplicados aos alunos. (p.
485)
Barrows (1986) comenta que historicamente a ABP tem sido usada sem a devida
reflexão e planejamento, e como consequência, professores de medicina não percebem as
diferenças nos objetivos educacionais que podem derivar das diversas abordagens. Completa
dizendo que “um método particular da ABP é, às vezes escolhido, por conta da facilidade do
seu uso, viabilidade ou baixo custo, sem percepção dos sacrifícios educacionais realizados,
quando comparado a outro método educacional.” (p. 481)
Barrows (1986) propõe uma taxonomia, voltada para o ensino de medicina, para
auxiliar os professores na compreensão e escolha dos métodos de aprendizagem,
considerando seus diferentes fins. Essa sistematização consiste na combinatória de dois
componentes do processo de aprendizagem, que são:
● Tipo do problema/caso; que pode ser a resolução de um problema/caso
real (com informações e solução prévia, ou não), um problema/caso
simulado completo ou um problema/caso simulado parcial.
● Forma/grau de atuação na relação estudantes-professor: que pode ter o
professor introduzindo as informações para a atividade de aprendizagem, o
estudante iniciando com a atividade de aprendizagem, ou a condição
compartilhada por ambos, com a mescla de informações/atividade e
interação aluno/professor.
41
A escolha dessa combinação, ou seja, o planejamento de uma atividade baseada
na ABP já é, para o professor, a resolução de um primeiro problema, posto que avalia e decide
qual variável será aplicada, em vista de seus objetivos. Contudo, Barrows (1986) ainda
adverte que o talento e a habilidade do professor, bem como custos e viabilidade na
implementação das metodologias ativas devem ser considerados.
Esgotarmos a identificação das variantes da ABP seria quase impossível, pois
segundo Barrows (1986), “as possibilidades de permutações e combinações das variadas
formas da ABP são infinitas” (p. 483). Mesmo ciente dessa consideração, trazemos no
presente trabalho algumas características e particularidades das variáveis da ABP mais
frequentemente encontradas na literatura:
● Aprendizagem Baseada em Casos (ABC), do Case-Based Learning - CBL:
Goodenough (1994) descreve que o estudo por meio de casos abrange uma
vasta gama de análise de problemas, contudo possui alguns elementos-
chave comuns, como o de se basearem em fatos reais, ou construções
razoavelmente realistas. Esses casos (a maioria sem solução óbvia ou
clara) trazem uma história com questões que devem ser resolvidas, nas
quais o aluno se envolve por meio de personagens reais. Ou seja, um bom
caso apresenta um problema instigante e promove a empatia com os
personagens centrais. Ainda afirma que “a importância da questão
convincente e o personagem empático refletem o fato de que casos
geralmente se concentram na interseção entre a dinâmica organizacional
ou situacional e percepção individual, julgamento e ação.” (p. 1)
● Aprendizagem Baseada em Projetos, ou Aprendizagem por Projetos – APP
(Project-Based Learning – PBL). Para Farias, Martin e Cristo (2015), a
APP envolve a execução de um projeto, via conhecimentos variados e que
origina um produto final. O currículo deve estar bem articulado com as
práticas, para os trabalhos em grupos nas disciplinas, que por sua vez
proporcionam ao aluno enfrentar problemas e compartilhar o aprendizado.
Segundo Farias et. al., “o principal objetivo desta estratégia é a
investigação, e o produto do projeto funciona como um fator de
motivação.” (p. 148)
● Aprendizagem Baseada em Equipes (ABE), do Team-Based Learning –
TBL. Segundo Bollela, Senger, Tourinho e Amaral (2014), foi
42
desenvolvida para cursos de administração nos anos 70, por Larry
Michaelsen, direcionada para grandes classes de estudantes. Procura criar
oportunidades e obter os benefícios do trabalho em pequenas equipes de
aprendizagem no mesmo espaço físico, pois não requer múltiplas salas
especialmente preparadas. Estimula o aluno ao estudo prévio (evocado no
momento da resolução do problema), que aprendem sobre trabalho
colaborativo na medida em que as sessões acontecem. Tem sua
fundamentação teórica baseada no construtivismo, em que o professor se
torna um facilitador para a aprendizagem, em um ambiente despido de
autoritarismo e que privilegia a igualdade. Caracteriza-se por considerar a
“interação entre os alunos, o que contempla as habilidades de
comunicação e trabalho colaborativo em equipes, que será necessária ao
futuro profissional e responde às diretrizes curriculares nacionais
brasileiras.” (p. 294)
Dentre as inúmeras variantes, Pinheiro e Arantes (2018) comentam em um
trabalho voltado para a Educação Básica, que o Aprendizado Baseada em Problemas e
Projetos assume uma perspectiva metodológica voltada para o aluno, e o motiva a aumentar a
sua atividade, e a focar no trabalho colaborativo e cooperativo através da resolução de
problemas em grupos. As autoras igualmente afirmam que a disposição em equipes leva a
uma organização metodológica mais refinada para a construção de um relatório final.
Em recente artigo apresentado na Conferência Internacional PBL 2018, Peter
Rillero et. al. (2018) apontam que “não há melhor momento do que agora para a
implementação da Aprendizagem Baseada em Problemas, em larga escala, na educação
Básica, (...) e que essa metodologia se alinha a visão de que um resultado poderoso da
educação é a capacidade das pessoas de reconhecer e resolver problemas.
Quanto à ABP na educação Básica brasileira, Queiroz e Cabral (2016) afirmam
que tem se destacado a aplicação da variante da Aprendizagem Baseada em Estudo de Casos,
especialmente no ensino de Ciências. Essa difusão se intensifica a partir do início dos anos
2000, principalmente por meio de trabalhos publicados pelo Grupo de Pesquisa em Ensino de
Química do Instituto de Química de São Carlos (GPEQSC), da Universidade de São Paulo.
Queiroz e Cabral (2016) organizaram uma obra, com princípios interessantes ao
trabalho aqui apresentado, que consiste numa coletânea de dez Estudos de Casos
43
investigativos, de autoria de professores de Ensino Básico, matriculados num curso de
Especialização em Educação em Ciências. Para as organizadoras, esse método:
- enfatiza o aprendizado autodirigido, centrado no aluno;
- tem o potencial para fomentar uma abordagem interdisciplinar, e;
- privilegia a vivência e a interação dos professores com metodologias ativas.
Segundo as organizadoras da obra mencionada, a coletânea mostra possíveis
soluções para os problemas abordados, propostas para aplicação em sala de aula, e indicação
de conhecimentos, habilidades e atitudes que podem nesse contexto, ser contempladas.
Com esse histórico, situamos a ABP temporal e espacialmente, e no próximo
tópico, traremos as características do desenvolvimento dessa metodologia, seus princípios e
procedimentos no processo de ensino/aprendizagem.
1.1.3. O método; princípios, pré-requisitos e estratégias
A Aprendizagem Baseada em Problemas é uma metodologia que se apresenta
com algumas vertentes, e para Deelman e Hoeberigs (2009), trata-se de “um conceito que
contém diversas formas de se criar oportunidades de aprendizagens para os alunos.” (p. 100)
Na época em que a Universidade de Maastricht entrou em atividade e adotou a
metodologia da Aprendizagem Baseada em Problemas, as dinâmicas de desenvolvimento dos
programas, propostos pelos docentes, apoiaram-se nos passos dos “Sete Saltos” (SCHMIDT,
1983), como vemos no Quadro 1.1:
Quadro 1.1: Os “Sete Saltos”
1. Esclarecer frases e conceitos confusos na formulação do problema.
2. Definir o problema: descrever exatamente que fenômenos devem ser explicados e entendidos.
3. Chuva de ideias (Brainstorming): usar conhecimentos prévios e senso comum próprios. Tentar
formular o máximo possível de explicações.
4. Detalhar as explicações propostas: tentar construir uma “teoria” pessoal, coerente e detalhada dos
processos subjacentes aos fenômenos.
5. Propor temas para a aprendizagem autodirigida.
6. Procurar preencher as lacunas do próprio conhecimento por meio do estudo individual.
7. Compartilhar as próprias conclusões com o grupo e procurar integrar os conhecimentos
adquiridos em uma explicação adequada dos fenômenos. Comprovar se sabe o suficiente. Avaliar
44
o processo de aquisição de conhecimentos.
Fonte: Deelman e Hoeberigs (2009)
Segundo Deelman e Hoeberigs (2009), a flexibilidade da ABP permitiu que ela se
desdobrasse em algumas variações. Essa particularidade favoreceu adaptações de acordo, por
exemplo, com o nível educacional e o desenvolvimento cognitivo do aluno.
Queiroz e Cabral (2016, p. 12) destacam dois pilares da ABP, interessantes a este
trabalho:
- a aproximação dos alunos a problemas reais, de modo que venham adquirir
conhecimento científico e tecnológico sobre a temática em questão e a desenvolver o
pensamento crítico e a habilidade de resolver problemas, e;
- a realização de atividades em grupos pequenos de alunos e a atuação dos
professores como guias ou facilitadores do processo.
Outra característica interessante de conduta, orientada pela ABP, é que a produção
dos relatórios geralmente solicitados ao final das dinâmicas, segundo Araújo e Arantes
(2009), “asseguram um aprendizado mais profundo sobre os temas investigados e, melhoram
as habilidades dos estudantes no registro de documentos e na análise das informações” (p.
106).
Araújo e Arantes (2009) relatam que adotando os princípios comuns à maioria das
propostas de aprendizagens baseada em problemas, a EACH reúne grupos que seguem
trabalhando do seguinte modo:
● Identificando problemas na realidade científica e cotidiana.
● Discutindo um problema particular.
● Utilizando seus próprios conhecimentos e experiências, com o auxílio de
professores e outros meios, na busca de respostas para o problema abordado.
● Levantando uma série de hipóteses que podem explicar e resolver o problema.
● Procurando investigar as hipóteses apontadas e apontar possíveis respostas e/ou
soluções.
● No final do processo, preparando um relatório acadêmico contendo reflexões
teóricas e análises sobre o problema estudado e socializando os resultados do
projeto desenvolvido com o coletivo da classe.
45
Araújo e Arantes (2009) defendem que não existe uma única maneira de organizar
o funcionamento das aulas calcadas na ABP, ou seja, admite-se flexibilidade considerável na
sua estruturação. Contudo, existem três momentos essenciais que devem ser respeitados: (i)
aproximação ao tema, elaboração de um problema e sua análise; (ii) desenvolvimento de
ações que levam à resolução de problemas, e; (iii) socialização dos conhecimentos produzidos
e produção de relatório. (p. 111)
Quanto ao princípio do desenvolvimento de atividades em grupos, o formato da
avaliação é algo a se pensar. Nos moldes como os cursos da USP Leste a conduz, há uma
preocupação tanto com a aprendizagem dos conteúdos como também com a formação dos
estudantes em relação às competências de convívio social, para a organização com o tempo
utilizado nas atividades, elaboração dos procedimentos de comunicação e, aquisição de
autoconhecimento e senso de responsabilidade social.
Deste modo, temos um modo de avaliar diferenciado, que considera:
- a produção de relatórios parciais e finais, que são socializados no coletivo da
sala (avaliados pelos colegas e professores);
- a autoavaliação dos alunos (voltada para sua participação, respeito ao grupo,
responsabilidade e desempenho no desenvolvimento das suas funções), e;
- o desempenho dos integrantes dos grupos, em relação aos mesmos critérios
anteriormente listados.
Assim, a ABP, e suas variantes, constituem-se em um conjunto de métodos que
estimulam o aluno a traçar a construção do conhecimento via seu próprio raciocínio e
habilidades de organização e direcionamento, assumindo assim, uma postura mais autônoma.
E no entendimento de Deelman e Hoeberigs (2009), “a aprendizagem é a construção de novos
conhecimentos sobre a base de conhecimentos atuais.” (p. 82)
Mas qual a importância da autonomia neste tipo de aprendizagem e em relação à
sociedade?
Rué (2009) defende a ideia de que um fator a se considerar é o modelo social
atual, intitulado por ele como a “sociedade do conhecimento”. Nela, a democracia caminha, e
requer cidadãos capazes de refletir sobre si mesmos, sobre o meio ambiente e a tomada de
atitudes. E complementa citando dois fenômenos da modernidade tecnológica que remetem
diretamente à educação e a uma formação mais autônoma; os cursos on-line, ou de educação à
46
distância (EAD), e particularmente interessantes a esse trabalho, os ilimitados conteúdos,
informações e descobertas disponíveis na web.
Para Rué (2009), não é fácil o alcançar dessa autonomia, por parte dos alunos,
num cenário onde predomina um ensino de transmissão de informações. Para que o aluno
descubra seus pontos fortes,
[...] há de se assumir uma visão dos discentes e suas possibilidades, ao
contrário do que se observa hoje, de maneira generalizada. Trata-se de
considerar o ensino um entorno específico criado pelos professores para que
os alunos pensem e se percebam no processo de apropriação do
conhecimento e em seu próprio desenvolvimento como aprendizes. Daí a
crescente influência de estratégias metodológicas baseadas em projetos, em
casos ou em problemas. (p.159)
Deste modo, ao professor é dado um novo posicionamento que, de início, não lhe
parece confortável, e que exige dele uma compreensão maior do processo evolutivo
educacional e uma postura de mediação. Quanto aos direcionamentos da ABP e a função do
professor, Enemark e Kjaersdam (2009) explicam que,
“Tirar o foco do ensino e colocá-lo na aprendizagem modifica o papel do
docente, que passa de transmissor do conhecimento a facilitador do processo
de aprendizagem... Em geral, o professor desce do púlpito e abre mão do
papel de líder para atuar como orientador, lado a lado com os alunos.” (p.
34)
Sabemos, também pelas pesquisas de Rué (2009), que a autonomia, na
aprendizagem, é uma competência passível de desenvolvimento. Ele destaca um estudo
recente, realizado na Universidade McGuill, no Canadá, no qual estudantes foram
entrevistados em relação a algumas práticas de aprendizagens nas quais, segundo eles, ocorre
o estímulo e o aperfeiçoamento da autonomia. No Quadro 1.2 temos as atividades
interessantes a esse processo de aprendizagem, segundo os estudantes entrevistados.
Quadro 1.2: Atividades de aprendizagem, baseadas em Kirk, Bélisle e McAlpine (2003), que estimulam a
autonomia do aluno.
● Escrever, fazer trabalhos e resumos;
● Apresentações orais e escritas para os colegas;
● Trabalho colaborativo em equipe;
● Pesquisar, compreender, investigar algum aspecto de um tema;
● Desenvolver e comprometer-se com projetos, e;
● Ler textos, artigos direta e indiretamente relacionados.
47
Fonte: Rué (2009)
Na opinião dos estudantes (RUÉ, 2009), as atividades que mais favorecem a
aprendizagem autônoma são: (i) tomar para si a responsabilidade de estudar, o que requer um
forte comprometimento pessoal; (ii) trabalho e reflexão pessoal, como ler, informar-se,
elaborar resumos escritos, e; (iii) interação e socialização do conhecimento, apresentações,
troca com os colegas, etc.
Decker e Bouhuijs (2009) defendem uma sistematização das instruções de aulas
apoiadas na ABP. Eles afirmam que a questão inicial, ou o “problema (tido como poderoso
instrumento didático), com base nos quais o processo de aprendizagem deverá ser iniciado”,
pode ser previamente identificado, analisado e selecionado pelo professor que planeja o
cronograma. Digamos que, quanto ao problema, ou questão a se pesquisar, estes são um
gatilho motivador da aprendizagem, pois a ABP possui uma flexibilidade na organização de
suas etapas, e permite que esse fator gerador possa ser adaptado, por exemplo, aos conteúdos
curriculares interessantes a determinado nível escolar. Ou seja, é permitido um foco, uma
orientação a um tema ou assunto a ser desenvolvido pelo aluno.
Apresentamos, neste tópico, informações da metodologia da ABP que dará,
juntamente com as informações sobre as Geociências, o suporte para as análises e discussões.
1.2. Geociências ou Ciências da Terra
A presente pesquisa sobre a metodologia da ABP se desenvolveu via aulas com
conteúdos geocientíficos. Elaboramos uma breve descrição das particularidades das
Geociências, fundamentada em estudiosos da área, para que o leitor tenha elementos que
facilitem a sua compreensão, seus pormenores e elo com as metodologias ativas.
Destaca-se, igualmente, as circunstâncias dessa ciência no Ensino Básico
brasileiro, sua representatividade, importância e relação com a forma de construção de
conhecimento denominada Pensamento Sistêmico.
1.2.1. As Geociências e suas características
O entendimento do Sistema Terra pode ocorrer via a interação de suas várias
esferas, no espaço e no tempo, o que propicia uma compreensão dos diferentes processos e
ciclos, de maneira tanto particular como global.
As Geociências apresentam características interpretativas (de investigação de
pistas), históricas (por considerar os fatos no tempo geológico e espaço), e interdisciplinares
48
(ao utilizar-se dos saberes de várias áreas e disciplinas). Deste modo, acreditamos ser uma boa
área do conhecimento para o desenvolvimento da ABP.
Segundo Frodeman (2001), as Geociências trazem um olhar holístico e englobam
não somente as dinâmicas das esferas sólidas do planeta, como também as interações
envolvendo as fluidas (a hidrosfera, a atmosfera, a biosfera) além da noosfera (transformada
pela devastadora raça humana, na Era Antropogênica – tema de atual discussão na
comunidade científica - principalmente nos últimos 200 anos, com vestígios dos mais
variados resíduos de ação poluidora). Para esse autor, trata-se de uma ciência do tipo sintética,
no sentido de que une aparatos, recursos, e uma série de técnicas lógicas na solução dos seus
problemas.
Frodeman (2001) finaliza um de seus textos dizendo que,
[...] acredito que as Ciências da Terra, ignoradas por muito tempo pelas
humanidades e tratadas pela sociedade como uma simples fonte de matéria
prima para o desenvolvimento industrial, estão hoje a passar da periferia
para o centro da consciencialização e do debate público. Esta mudança
torna-se inevitável ao entrarmos numa era de limites ecológicos e
geológicos. (p. 41)
A natureza de raciocínio das Ciências da Terra estimula o desenvolvimento do
Pensamento Sistêmico, de reflexões conexas, e a aproximação às metodologias ativas, pelo
fato de trabalhar com a observação de pistas, levantamento de hipóteses e busca do
entendimento de fenômenos no tempo e espaço.
Após esta breve caracterização das Ciências da Terra, apresentamos a seguir um
cenário histórico das Geociências na Educação Básica brasileira.
1.2.2. Panorama histórico do ensino das Geociências no Nível Fundamental
A representatividade dos conteúdos geocientíficos, no Ensino Básico brasileiro,
passou por oscilações nos últimos 50 anos, apresentando episódios de diminuição e aumento
de participação no currículo escolar.
Paschoale e colegas (1981) retrataram uma síntese histórica dessa alternância,
paralelamente às modificações e adequações que ocorreram com os cursos das Licenciaturas
em Ciências. Complementamos essa exposição com as contribuições de Compiani e Cunha
(1992), baseadas em portarias curriculares, leis e livros didáticos adotados no Estado de São
Paulo, e traçando um panorama detalhado do ensino das Geociências no Brasil.
49
Dos estudos de Compiani e Cunha (1992) extraímos, igualmente, informações da
proporção dos conteúdos geocientíficos (em comparação com os de Biologia, Física e
Química) que eram desenvolvidos, especificamente, na disciplina de Ciências do Ensino
Fundamental II.
A historicidade e a demanda pelo desenvolvimento econômico e industrial na
década de 50 influenciaram de forma direta os caminhos tomados pela educação. Nesta época,
segundo Compiani e Cunha (1992), a Geologia tinha um lugar de destaque no curso Colegial
(atual Ensino Médio), com um considerável currículo escolar, e tópicos voltados para o
desenvolvimento de metas econômicas do país.
Já o conhecimento geológico disponibilizado aos alunos do curso Ginasial (atual
6º ao 9º ano do Ensino Fundamental) era predominantemente apresentado nas disciplinas
denominadas Geografia Física e Ciências Físicas e Naturais. O licenciado em História Natural
era o profissional responsável por essa segunda disciplina (no Ginásio), e apesar da sua
formação com considerável carga de caráter geocientífico, a parcela de tópicos e temas
abordados no curso Ginasial era modesta.
Na primeira metade da década de 60, em meio ao golpe militar, a opressão às
manifestações de críticas ao governo e estímulo a formação de mão-de-obra qualificada
ditavam as tendências das políticas públicas educacionais.
O curso superior de História Natural, no final dos anos 50 e início dos 60, foi
desaparecendo gradativamente e substituído pelas novas graduações em Geologia (que
formava Bacharéis) e Biologia (formando, também, Licenciados), e com essa mudança, os
conteúdos geocientíficos foram perdendo ainda mais o seu espaço no currículo do ensino
Ginasial.
Os licenciados em Biologia, juntamente com os dos cursos de Química e Física,
compunham agora os professores habilitados a ministrar a disciplina de Ciências, no Ginásio,
e a carga horária geocientífica desse primeiro profissional era absolutamente reduzida em sua
formação acadêmica, ao se comparar com a do curso de História Natural. Contudo, cabia
também ao professor de Geografia permear alguns assuntos das Geociências nesse nível
educacional básico.
Compiani e Cunha (1992) apontam que, nessa época, havia uma supremacia dos
conteúdos das Biociências, e que as Geociências compreendiam somente a quinta parte dos
assuntos e temas tratados na disciplina de Ciências.
50
Na década de 70, a Lei 5692/71 reformulou a educação brasileira. O antigo Ensino
Primário (atual 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental) une-se ao ginasial, formando o 1º Grau
(sequência de oito séries), e especificamente aos conteúdos, o Guia Curricular do Estado de
São Paulo de 1975 traz um sensível acréscimo de assuntos geocientíficos na disciplina de
Ciências.
Por outro lado, o professor de Ciências das quatro últimas séries dessa nova
organização passa a ser formado em “licenciaturas de curta duração” que, comparando-se sua
carga de Geociências à dos cursos de licenciaturas em Biologia, Química e Física, esta se
apresenta extremamente limitada. Deste modo, o ensino de conteúdos geocientíficos sofre
prejuízos no, então, 1º Grau.
Paschoale e colegas (1981) concluem que, nessas três décadas:
- a Geologia (ou Geociências) nunca contou com uma disciplina própria nos
níveis de escolaridade básica;
- a Geologia foi progressivamente sendo retirada dos conteúdos programáticos das
diversas disciplinas de Ciências e Geografia, e;
- diminuiu, com o decorrer dos anos, a carga horária de Geologia nas diversas
licenciaturas correspondentes (p. 159).
A partir dos anos 80, a disciplina de Ciências traz, no Estado de São Paulo, os
conteúdos temáticos com um currículo em espiral, sob perspectivas interdisciplinares
(abordando Física, Química, Biologia e Geociências), e a legislação mais flexível permite que
estados e municípios elaborem seus próprios programas curriculares.
A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo sugere uma Proposta Curricular
de Ciências e Programa de Saúde (SÃO PAULO, 1988), com o “ambiente” como tema
principal. Traz orientações básicas para o trabalho do professor em sala de aula, e com uma
abordagem interdisciplinar a proposta focaliza na Matéria, na Terra como planeta, na Energia
e nos Seres Vivos. Dentre os seus objetivos, há o de propiciar condições aos alunos para,
[...] o desenvolvimento da capacidade de observação, o conceito de vida e
noções de espaço, tempo e causalidade (interação), e suas transformações
resultantes da ação integrada de determinantes físicos, químicos, biológicos,
geológicos, tecnológicos, sociais, econômicos e culturais (p. 18).
Após os anos 90, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), o Currículo
Oficial do Estado de São Paulo, e mais recentemente a Base Nacional Comum Curricular
51
(BNCC), ditam as diretrizes, princípios e conteúdos teórico-metodológicos das diversas
disciplinas do ensino Fundamental, permitindo, também, um considerável grau de liberdade
de atuação e flexibilidade de escolha, por parte dos professores.
Vale mencionar, no momento, o grande peso que os livros didáticos possuem na
orientação e seleção dos conteúdos curriculares a serem desenvolvidos, mas essa importante
discussão é longa, e não é intenção, neste trabalho, focar essa vertente.
Compiani e Cunha (1992) trazem algumas considerações do histórico dessas
últimas décadas, em relação aos conteúdos das Geociências. Observaram que ocorreu uma
retirada dos conteúdos geológicos do 2º Grau (atual Ensino Médio), mas o mesmo não
ocorreu no nível educacional inferior (atual Ensino Fundamental). E concluem relatando que
“foi notória a ênfase na quantidade de tópicos de Astronomia em relação aos demais assuntos
geocientíficos, o que pode evidenciar reflexos da revitalização do ensino de Ciências nos
EUA, em função da corrida espacial da época.” (p. 348)
Outra consideração de Compiani e Cunha (1992) é que ao longo das décadas
examinadas, observou-se que as Geociências mantiveram a mesma posição (terceira) em
relação à quantidade de tópicos de conteúdo nos diferentes ramos da disciplina de Ciências
(Biologia, Física, Geociências e Química), contudo, na década de 80, ocorreram acréscimos
qualitativos aos assuntos.
Finalizamos esse apanhado com uma observação da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), da versão de abril de 2017, apresentada ao Conselho Nacional de
Educação (CNE); das três Unidades Temáticas da Área de Ciências para o Ensino
Fundamenta, ou seja, “Matéria e Energia”, “Vida e Evolução”, e “Terra e Universo”, temos
que as duas últimas permitem relações mais explícitas com os conteúdos das Geociências.
Acreditamos que essa característica da BNCC de organização em Unidades Temáticas
constitua em um facilitador para a abordagem de assuntos geocientíficos, com diferentes
graus de aprofundamento, nos subsequentes anos finais desse nível educacional.
Apresentado esse panorama do ensino e participação dos temas geocientíficos nos
anos finais do Ensino Fundamental, traremos a seguir, relatos sobre a importância da
construção desses conhecimentos nos tempos atuais.
52
1.2.3. Importância do ensino das Geociências no “novo milênio”
Temos claro que os indivíduos devem concluir a escola Básica com as habilidades
e aptidões necessárias para exercer a cidadania, e agir em favor da preservação do planeta e da
vida. E o ensino das Geociências se faz fundamental, no que diz respeito ao entendimento dos
fenômenos do Sistema Terra, no tempo geológico e no espaço.
Atualmente, a compreensão dos processos terrestres é de ampla relevância social,
e o entendimento das relações humanas com a dinâmica da Terra precisa fazer parte
intensamente, do currículo escolar. No Brasil, as Geociências não participam da grade
curricular da educação Básica como disciplina regular, mas a sua abordagem é proposta no
Ensino Fundamental II (como visto neste capítulo) compondo a disciplina de Ciências (que
abrange, além das Geociências, a Física, a Química, a Biologia e a Astronomia).
No nosso ensino Básico, há orientações bastante claras quanto à abordagem e
tratamento dos temas geocientíficos, em prol de uma formação de acordo com a demanda dos
tempos atuais. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (BRASIL, 1996)
estabelece como uma de suas metas a educação para o exercício da cidadania.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - PCNEM
(BRASIL, 2002), o tema Geociências é tido como importante e útil à vida cidadã, no que se
refere à compreensão não somente dos fenômenos naturais e suas consequências, como
também das ações humanas, em relação ao planeta. E que deve ser tratado de forma
interdisciplinar, pela sua própria natureza epistemológica, sem perder de vista sua
complexidade.
A BNCC (2017) traz como alguns dos objetos de conhecimento para os Anos
Finais do Ensino Fundamental, a estrutura e movimentos da Terra, os fenômenos naturais
(vulcões, terremotos e tsunamis) e suas relações com o modelo da tectônica de placas, os
impactos ambientais, composição e características atmosféricas, clima e deriva continental.
Mas por quais outros motivos um indivíduo deve ser conhecedor das
Geociências? Qual a relação desses saberes com a vivência na sociedade moderna?
Paschoale e colegas (1981) argumentam a favor de conteúdos de Geociências na
educação pré-universitária principalmente pela sua caracterização como uma área básica de
conhecimento científico, ou seja: i) pela complexidade do seu objeto de estudo; ii) pelos seus
métodos peculiares de abordagem desse objeto, particularmente relacionados ao tempo
geológico (como referencial); iii) pela sua relação com as outras áreas de investigação e
53
consequente contribuição que lhes proporciona, e; iv) pelo seu relacionamento direto ou
indireto com especializações profissionais existentes.
Pedrinaci et al. (2013) acreditam que as Geociências responderão a muitas
perguntas da sociedade do século XXI, e que se trata de um campo de investigação em plena
ebulição. Frisam que entender o funcionamento do nosso planeta deve ser um objetivo básico
do ensino obrigatório, e enfocam que a Terra dinâmica é o nosso lugar, que dela extraímos os
recursos que permite a nossa existência e a dos demais organismos vivos. Em um trabalho que
enfatizam a importância do ensino das Geociências ainda na escola secundária, Pedrinaci e
colegas (2013, p. 118) elencam os conhecimentos básicos que um estudante deveria ter ao
término desse nível educacional, ou seja, uma pessoa com razoável compreensão das
Geociências deve:
- ter uma visão de como funciona o sistema Terra e saber utilizar esse
conhecimento básico para explicar, por exemplo, a distribuição de vulcões e terremotos, ou as
características mais gerais do relevo, além de entender algumas das causas que podem geram
mudanças globais;
- dispor de certa perspectiva temporal sobre as profundas mudanças que afetaram
o nosso planeta no passado e os organismos que nele habitaram, de modo a favorecer uma
melhor interpretação do presente;
- compreender algumas das principais interações entre a humanidade e o planeta,
as condições de riscos que podem afetá-las, dependência para a obtenção de recursos naturais,
e a necessidade da promoção desse uso de forma sustentável;
- ser capaz de buscar e selecionar informações relevantes sobre alguns dos
processos que afetam a Terra, formular perguntas pertinentes, e avaliar se determinadas pistas
permitem ou não conclusões, e;
- saber utilizar os princípios e procedimentos elementares dessa área, e avaliar a
importância da construção de conhecimentos científicos sobre a Terra.
Erik Klemetti (2016), professor de Geociências na Universidade de Denison
(Ohio), em seu artigo relata sobre a deficiência em Geociências que os alunos do ensino
secundário chegam à universidade, e da necessidade de saberes dessa ciência, principalmente
ao se considerar a época na qual vivemos e uma eventual atuação social consciente desses
indivíduos. E justifica a magnitude de noções dessa área ao afirmar que;
54
“A ciência está ao seu redor, e compreender sobre o planeta no qual você irá
provavelmente passar o resto de sua vida, é muito importante. Você tomará
decisões todos os dias das quais a Geologia relacionou-se em algum lugar ao
longo do tempo, por isso, se você é desconhecedor dessas ideias, poderá não
decidir de forma correta.” (p. 1)
Klemetti (2016) lista nove “assuntos” que permitem a compreensão mínima do
funcionamento do Sistema Terra, da sua relação com a vida passada, presente e futura e,
principalmente, possibilita aos indivíduos a tomada de decisões conscientes e lógicas. São
eles:
● O tempo, no sentido de profundidade, de longa escala. Trata de medidas de
difícil compreensão humana (milhares e milhões de anos), o que permitem
imaginar prospecções de eventos passados e futuros;
● O espaço, desde a escala macro, quando se pensa no surgimento e evolução de
um continente, até a escala micro, ao imaginar algo abaixo da capacidade
natural da visão humana;
● A observação, desde imagens estáticas, como as dobras de uma cadeia de
montanhas, até processos dinâmicos, como deslizamentos de terra e erupções
vulcânicas. Ou seja, a imagem apresenta a pista e permite inferências;
● O pensar globalmente, no sentido de vislumbrar o todo, o Sistema Terra com as
suas esferas em interação, envolvendo complexos processos e fenômenos em
funcionamento sincronizado;
● A ida ao campo, considerada uma das melhores formas de entender o mundo.
Nas Geociências você vai ao campo para fazer observações, coletar amostras,
pensar sobre os processos e construir conhecimentos;
● O clima, pensando numa visão promissora e utilitária à sociedade, na qual as
Geociências permitem que olhemos para as variações climáticas há milhões e
milhões de anos, concomitantemente ao clima atual, ou seja, tanto a longo
como a curto prazo;
● Os riscos, no sentido de orientar para áreas de ocupações sociais mais seguras e
entender melhor alguns fenômenos naturais – terremotos, deslizamentos de
terra, tsunamis, erupções - que consistem em fatores de perigo a vida humana;
● Os recursos, para o entendimento do nosso entorno, que está repleto de
elementos e recursos da Terra, e compreensão da sua origem, utilidade e
impacto na extração, e;
● E a habilidade de síntese, considerada pelo autor como o principal argumento
para se pensar mais na Geologia/Geociências, pois se a pretensão é de,
realmente, entender os processos terrestres, há de se desenvolver essa
55
habilidade de “cruzar informações e relacioná-las”, de forma a se pensar
sistematicamente nesses fenômenos, em suas causas, etapas e conseqüências.
Klemetti (2016), igualmente a Frodeman (2001), nos levam a entender que a
natureza do pensamento das Geociências pode ser usada como modelo de raciocínio para a
resolução de problemas neste e no próximo século, assim como para necessidades presentes,
de riscos e consumo de recursos.
Picanço e Mesquita15 (2018, no prelo), em recente artigo que trata do conceito do
Tempo Geológico, comentam que essa definição é uma das mais importantes contribuições
das ciências da natureza para a cultura humana, e que seu estabelecimento foi muito
significativo para a compreensão da História da Terra tal como a conhecemos hoje.
Ressaltam, ainda, que o Tempo Geológico é um conceito muito recente, e que seu
aparecimento nas discussões científicas se deu em meados do século XVII, tendo o debate se
estendido até meados do século XX.
Da mesma forma como Pedrinaci et. al. (2013), Klemetti (2016) e Picanço e
Mesquita (2018, no prelo) mencionam a importância de um entendimento temporal e espacial
dos fenômenos naturais, Cervato e Frodeman (2012) afirmam que a noção do Tempo
Geológico é central para as Geociências e que esse conhecimento não pode se limitar somente
à comunidade científica, pois as mudanças na compreensão do tempo e do espaço afetam
todos os aspectos das nossas vidas.
Entretanto, Cervato e Frodeman (2012) identificam três principais obstáculos para
os estudantes compreenderem o sentido do Tempo Geológico: i) envolve escalas e eventos
distantes da experiência humana; ii) trabalha com números e grandezas demasiadamente
grandes, de difícil raciocínio para alunos acostumados às máquinas de calcular, e; iii) sofre
interferências de crenças religiosas no entendimento da idade da Terra.
Em muitos países europeus e sul-americanos como Portugal, Espanha, França e
Venezuela, as Geociências fazem parte da grade curricular, como disciplina regular na escola
inicial e intermediária. No Brasil, atentando-se para o ensino de Ciências no nível
Fundamental, e para a BNCC, as Geociências aparecem melhor representadas nas duas
últimas Unidades Temáticas, listadas abaixo:
● Matéria e Energia;
15 Artigo gentilmente cedido pelos autores, e ainda não publicado, que trata da discussão que antecedeu o
surgimento do Tempo Geológico, além do termo Antropoceno. Esse debate não é novo, mas vive um momento
de intensidade na comunidade científica.
56
● Vida e Evolução, e;
● Terra e Universo.
As Unidades Temáticas orientam para os principais assuntos a serem trabalhados
por crianças e adolescentes ao longo de nove anos dessa escolaridade, e trazem temas que
permitem, também, relações interdisciplinares (ponto característico das Geociências).
Expostas as características, a situação do ensino e importância dos temas
geocientíficos com foco no nível Fundamental, segue no próximo tópico algumas correlações
a respeito do desenvolvimento de um tipo de raciocínio conhecido como Pensamento
Sistêmico.
1.2.4. Relações com o desenvolvimento do Pensamento Sistêmico
O Pensamento Sistêmico consiste numa forma de raciocínio de alta ordem de
complexidade, e interessante nos contextos integradores. Sugere a percepção das partes de um
fenômeno ou processo, e suas inter-relações, com a finalidade da assimilação e compreensão
de uma sincronia do todo.
Por se tratar de um modo de construção do conhecimento com considerável
sofisticação, muitas vezes é tido como incompreensível aos estudantes dos níveis iniciais de
ensino.
Um estudo de Assaraf e Orion (2010), sobre o desenvolvimento de habilidades via
Pensamento Sistêmico, debate se alunos do ensino Fundamental I podem lidar com sistemas
complexos. Com uma metodologia baseada em perguntas, detectaram que a maioria dos
estudantes apresentou progressos significativos na capacidade de analisar processos, via
reconhecimento de interligações entre seus componentes. Os autores concluíram que mesmo
sendo um raciocínio de elevada complexidade, o Pensamento Sistêmico pode ser
desenvolvido até certo ponto, nesse nível educacional. Ou seja, os estudantes dessa faixa
etária alcançaram as habilidades primordiais para esse tipo de raciocínio.
A forma de compreensão e aprendizagem de temas geocientíficos se assimila em
algumas etapas, ao modo de desenvolver o Pensamento Sistêmico. Ambos apresentam o
movimento de, inicialmente, visualização do processo a ser compreendido. Em seguida o
fenômeno a ser estudado é “desmembrado em etapas ou partes”, que também necessitam de
entendimento. E finalmente, essas partes compreendidas se relacionam de uma forma que o
todo se reconstitua numa compreensão mais plausível.
57
O favorecimento dos temas curriculares geocientíficos em possibilitar o estímulo
ao processo de desenvolvimento do Pensamento Sistêmico consiste em uma das justificativas
da escolha das Geociências, para a elaboração das aulas apoiadas na metodologia da ABP.
Em um estudo bastante similar ao anteriormente citado, Kali, Orion e Eylon
(2003) também perceberam uma melhora significativa na aquisição e desenvolvimento do
Pensamento Sistêmico em crianças na faixa etária equivalente ao início do ensino
Fundamental II. E concluíram que o entendimento dos alunos evoluiu de uma visão estática
de processos naturais, para uma percepção cíclica do todo, melhorando consideravelmente as
suas capacidades de construir sequências de fenômenos naturais.
Kali e colegas (2003), tendo em vista a importância de se entender as dinâmicas
entre as diversas esferas do Sistema Terra, consideraram o conteúdo curricular “Ciclo das
Rochas” e desenvolveram atividades correlacionadas que estimularam a conexão dos
fenômenos e etapas envolvidas nesse processo, provendo assim o aperfeiçoamento de uma
forma de pensar mais sistematizada e sintetizada.
Para Frodeman (2001), as Ciências da Terra formam uma área que pode ser
compreendida e alicerçada com base nos fundamentos do círculo hermenêutico de
Heidegger16, que defende que o entendimento é fundamentalmente circular. Nessa relação, ao
tentarmos compreender um fenômeno, o significado das suas partes é entendido em termos
das suas relações com o todo, enquanto que a nossa concepção do todo é construída a partir
do entendimento das suas partes. Ele diz que esse processo de raciocínio se dá em todas as
condições, ou seja, o todo, a um determinado nível de análise, transforma-se em partes num
outro nível de análise. E conclui ao afirmar que:
“A compreensão mergulha nesta espiral porque revemos a concepção do
todo pelo novo significado sugerido pelas partes e o entendimento das partes
pelo novo entendimento do todo.” (p. 48)
Ao se pensar na complexidade das dinâmicas do Sistema Terra, e considerando o
fato de que o Pensamento Sistêmico é um processo cujo aluno aprende a desenvolver, nada
mais viável do que estimular esse aprendizado com alguns princípios adaptados da ABP,
utilizando os conteúdos curriculares geocientíficos sugeridos pelos documentos educacionais.
16 O círculo hermenêutico de Heidegger também pode ser formulado mediante as relações entre a parte e o
todo: tentamos estabelecer a leitura do texto como um todo e para isso recorremos a leituras de suas
expressões parciais. Mas como estamos lidando com significado e com atribuição de sentido, em que as
expressões fazem ou não sentido apenas em relação a outras, a leitura das expressões parciais depende da
leitura das outras e, em última análise, da leitura do todo (O círculo hermenêutico; que problema é este?
Tempo Social; revista de sociologia da USP, v. 26, n. 2, nov. 2014)
58
Finalizamos esse levantamento com a ideia de que a complexidade das dinâmicas
do Sistema Terra nos induz a considerar a totalidade dos processos, onde este “pensar o todo”
é passível de aprendizado. E utilizar os princípios da ABP e do PS nos fornecem ferramentas
para trabalhar com esta complexidade.
59
CAPÍTULO 2: CONTEXTO E PREPARO DA INTERVENÇÃO ESCOLAR
Retratamos, aqui, como ocorreram os primeiros contatos com a coordenação,
professores e alunos da escola na qual a dinâmica foi desenvolvida, até a finalização do
preparo do Plano de Aprendizagem para o respectivo desenvolvimento. O trajeto perpassa por
reuniões de um grupo de estudos, na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas, nas quais surgiram oportunidades de desenvolvimento e execução de um conjunto
de aulas, apoiadas em adaptações de uma metodologia ativa, junto aos alunos do Ensino
Fundamental.
Descrevemos também, particularidades do espaço físico, da origem e relação da
Unidade Escolar com a comunidade onde se encontra inserida. Detalhamos o perfil do
professor da disciplina de Ciências, da turma envolvida na dinâmica, da coleção didática
adotada pela escola, e de seus conteúdos programáticos com enfoque nas Geociências que, em
momentos específicos, relacionaram-se com os desdobramentos desta pesquisa.
Finalizamos este capítulo com informações da elaboração do Plano de
Aprendizagem, da sua relação com a metodologia da ABP, e com os conteúdos
geocientíficos.
2.1. Expectativa do desenvolvimento das aulas com base nos estudos teóricos
Iniciemos com as relações estabelecidas nos primeiros contatos com os
educadores da escola envolvida, e com os desdobramentos deste momento em diante.
Durante a revisão bibliográfica e levantamento teórico deste trabalho, surgiu a
oportunidade de acompanhar as reuniões preparatórias de um projeto de pesquisa, que se
sucederia no contato com os alunos de escolas estaduais. Em um desses encontros, houve uma
abertura para que o corpo escolar de educadores e coordenadores se apresentassem, e com ela
a ocasião de uma intervenção em sala de aula – local relevante para pesquisas na área de
Ensino.
Conversei, precisamente com a coordenadora e o professor titular de Ciências de
uma das Unidades Escolares envolvidas, sobre minhas intenções em desenvolver um estudo
sobre aprendizagem ativa com alunos do Ensino Fundamental II, embasado na tendência da
metodologia da Aprendizagem Baseada em Problemas, e dentro de conteúdos curriculares
com enfoque geocientífico. De imediato, tanto a coordenação como o professor de Ciências
60
mostraram se extremamente receptivos e interessados em colaborar com a presente pesquisa,
na qual propunha o desenvolvimento e execução de um plano de aulas, para deslindar as
vantagens e limites desses métodos de ensino/aprendizagem até então adotados mais
tradicionalmente no ensino superior. E desse momento em diante, desencadeou-se o início dos
preparativos para a intervenção escolar.
Cabe, neste momento, mencionar uma colocação de Reis (2011) que fala do papel
fundamental das intervenções em sala de aulas na melhoria da qualidade do ensino e da
aprendizagem, constituindo uma fonte de inspiração e motivação, e um forte catalisador de
mudança na escola. Contudo, algumas Unidades Escolares entendem essa interação como
sendo algo meramente inquisitivo e avaliativo. Diferentemente da nossa situação, tanto a
coordenação como o professor titular da disciplina de Ciências receberam a proposta da
dinâmica com entusiasmo e interesse nos resultados.
Não hesitante, solicitei uma visita à Unidade Escolar para conhecê-la, e uma
reunião com o professor de Ciências, para iniciarmos com uma entrevista de reconhecimento
geral sobre minúcias da sua formação, sua disciplina e seu trabalho na escola.
Na primeira entrevista (anexo 2) de caráter semiaberto, realizada com o professor
de Ciências, questionou-se, entre vários pontos, há quanto tempo lecionava e como conduzia
suas aulas. Dessa conversa extraímos dados preciosos, como detalhes do seu perfil
profissional, da escolha da coleção didática de Ciências adotada na escola, do planejamento
relacionado a esse material, e sobre o conteúdo curricular trabalhado nas séries do ensino
Fundamental II. Igualmente apareceram nas respostas informações da sequência habitual das
suas aulas, sobre as formas e funções das avaliações aplicadas, algumas características dos
alunos, além de dados históricos sobre a demanda e implantação da escola no bairro. Essas
informações participam dos próximos tópicos deste capítulo, em conjunto com as observações
e registros da presente pesquisadora.
A partir daí, outras reuniões de reconhecimento, conversas, trocas de ideias e
estudos sobre as metodologias ativas se sucederam com a coordenação, e mais
frequentemente, com o professor de Ciências. Os encontros com a coordenadora da escola
voltaram-se principalmente à apresentação do espaço físico institucional e da sua dinâmica
organizacional. A coordenadora também nos disponibilizou os modelos de autorizações a
serem seguidos, direcionadas à direção, coordenação, professor e pais dos alunos, para a
devida participação na presente pesquisa educacional.
61
Contudo, no ano em que todo o processo se desenvolveria, a greve das escolas
estaduais, que perdurou por meses, adiou um pouco essa etapa da pesquisa, sem prejuízos
para a mesma. Estabilizada a situação das paralisações que ocorreram no ano de 2015, era
chegado o momento da atuação na Unidade Escolar, junto aos alunos. A escola, o professor,
os alunos, o material didático e seus conteúdos curriculares serão caracterizados nos tópicos a
seguir.
2.1.1. A Unidade Escolar: origem, relação com a comunidade e espaço físico
Os novos rumos tomados pela presente pesquisa a conduziu para um lugar
propício ao desenvolvimento de investigações focadas no ensino/aprendizagem, ou seja, o
interior de uma escola. Trazemos, neste tópico, a história (extraída de um quadro afixado na
parede da sala da Direção, da referida Unidade Escolar) da origem e implantação da escola
envolvida na presente pesquisa.
A escola Estadual “Trinta e Um de Março”, localizada na periferia da cidade de
Campinas/SP, apresenta uma história peculiar de origem, fixação e crescimento, ligada à
comunidade na qual se inseriu.
O bairro Santa Mônica, onde a escola se localiza, foi palco de vários
acontecimentos marcantes antes de se tornar um conjunto residencial, em meados de 1964.
Antes de 64, a região era chamada de Campos dos Amarais, e não possuía nenhuma infra-
estrutura urbana (saneamento básico, transporte, asfalto, iluminação e telefone público).
Localizado vizinho à Fazenda Santa Elisa, à Escola de Cadetes e ao Ministério da Guerra, o
acesso de seus habitantes ao centro da cidade de Campinas era dificultoso.
Os moradores e párocos da região reivindicaram um grupo escolar para os filhos
dos trabalhadores e, também para os estudos dos adultos. Sem muito sucesso com a
solicitação, esses moradores, com o auxílio de alguns militares, e coordenados por um
Sargento, se organizaram na construção de uma escola, com 4 salas, banheiro e cozinha.
Inaugurada no dia 31 de março de 1969 (cinco anos após a tomada da presidência pelos
militares), recebeu o nome de Grupo Escolar “Trinta e Um de Março”.
Auxiliada com as ações das “Senhoras Rotarianas”, a escola continuou crescendo
com a verba da organização de feiras e bazares beneficentes e, entre os anos de 1969 e 1986,
o bairro igualmente sofreu melhorias, e já apresentava quatro horários de ônibus, asfalto em
quase 100% da região e um posto de saúde. E a escola acompanhou esse desenvolvimento,
contando agora com o Ensino Fundamental e Médio distribuídos nos três períodos.
62
Atualmente, mantém o funcionamento dos períodos da manhã, tarde e noite. Seu
espaço físico comporta mais de 15 amplas salas de aula, organizada com as carteiras
formando 5 ou 6 fileiras, além da mesa do professor ao canto direito da sala. Possui um
espaçoso refeitório (também utilizado para trabalhos em equipes fora do horário do lanche) e
uma biblioteca reformulada.
Há uma sala de vídeo/multimídia bem equipada (com lousa digital), cujas
carteiras são do tipo “universitárias”, e uma sala de informática, com ar condicionado e 14
máquinas em funcionamento.
Todos os locais especializados e de uso coletivo são disponibilizados para os
professores e alunos, mediante solicitação (meramente organizacional). Esse procedimento é
realizado para se evitar sobreposição de turmas no mesmo dia/horário.
E quanto à sua organização, apresenta uma coordenação envolvida e participativa
nas atividades extraclasse, além de uma direção comprometida e que zela pela relação
escola/comunidade. Esta interpretação vai ao encontro das falas dos docentes, emitidas nas
conversas durante os intervalos das aulas, nos corredores e na sala dos professores, sobre
“como aquela escola funciona bem”.
2.1.2. O perfil do professor e da turma
As particularidades a seguir apresentadas, do professor e da turma participante da
pesquisa, se fizeram de acordo com uma entrevista, as observações, anotações e convivência
da pesquisadora no ambiente escolar. E um perfil do professor e de sua atuação foi traçado,
como exposto em seguida:
- trata-se de um docente com idade próxima aos 60 anos, licenciado em Biologia,
efetivado na presente escola e responsável pela disciplina de Ciências de três nonos Anos do
Ensino Fundamental;
- na última escolha dos volumes dos livros didáticos, para o programa PNLD,
confeccionou um relatório detalhado de todas as coleções de Ciências, e o disponibilizou aos
colegas professores, para uma melhor visualização das características dos livros selecionados
pelo MEC;
63
- desenvolve a maior parte das suas aulas de forma expositiva, com a seleção dos
assuntos e temas de acordo com os critérios que elege importante e de afinidades próprias,
além de apoiar-se no livro didático adotado e orientações do “caderninho17”;
- incrementa as aulas com exercícios introducionais, e as complementa com outros
materiais (jornais e revistas), e;
- aplica suas provas bimestrais para fins de composição de uma nota para o aluno,
além da função de revisão, ao realizar a sua correção junto aos estudantes.
Quanto às características da turma envolvida na pesquisa, temos uma classe de
Nono Ano do Ensino Fundamental, com 34 alunos (20 meninos e 14 meninas) na faixa etária
de 13-14 anos, que se dispõem na sala de aula em 5 ou 6 fileiras, da forma conhecidamente
tradicional.
Os alunos dessa turma, frequentadores do período matutino (com duração de
quase 5 horas e meia/dia), possuem as suas manhãs divididas em 6 aulas com 50 minutos
cada, intercaladas com um intervalo de 20 minutos após 3 aulas. A carga horária destinada à
disciplina de Ciências era de 4 horas/aula/semana, com uma “dobradinha” as terças, seguida
de aulas únicas nas quartas e quintas.
A pesquisadora e o professor de Ciências optaram pela seleção de um dos nonos
Anos, no caso o “A”, por várias questões, que são:
- tratava-se de uma série do nível Fundamental na qual o professor de Ciências
ministraria aulas no ano do desenvolvimento da intervenção;
- apresentava aulas duplas (interessantes à pesquisa, por conta do tempo de
duração das atividades) na disciplina de Ciências, na distribuição da grade semanal;
- dentre os conteúdos curriculares que seriam tratados na citada série escolar,
encontravam-se temas com enfoque geocientífico, relevantes à presente pesquisa;
17 Termo, não oficial, utilizado pelos professores. Segundo o Governo do Estado de São Paulo, consiste num
material pedagógico exclusivo, desenvolvido por especialistas da Coordenadoria de Gestão da Educação
Básica (CGEB), que auxilia os alunos da rede estadual de ensino e no desenvolvimento de competências e
habilidades dentro das diretrizes do Currículo Oficial. Contempla conteúdos dentro das áreas do
conhecimento de Ciências Humanas, Linguagem e Códigos, e de Ciências da Natureza e Matemática. Visa
como objetivo, viabilizar o acesso ao conhecimento, auxiliando os alunos, como citado acima, na apropriação
de novas competências e habilidades.
64
- equivale a uma série do Ensino Fundamental (Nono Ano) que segundo
documentos educacionais, apresenta-se em desenvolvimento cognitivo interessante às
pesquisas relacionadas à ABP, e;
- compõe um segmento educacional – Ensino Fundamental – que apresenta
poucos registros de pesquisas ligadas à ABP, segundo a literatura revisada.
Deste modo, e para uso nas análises e discussões, caracterizaram-se aqui a forma
como o professor conduz suas aulas, e pormenores da turma participante da dinâmica.
2.1.3. O material didático e os conteúdos curriculares geocientíficos
O Programa Nacional do Livro Didático - PNLD disponibiliza, de três em três
anos, coleções desses volumes para que as escolas públicas de todo o país escolham as de seus
interesses. Informadas as preferências, os exemplares do professor e dos alunos são
encaminhados às instituições.
Para a escolha dos volumes de Ciências que seriam utilizados nos anos de 2015,
2016 e 2017, o professor titular dessa disciplina organizou um relatório detalhado, com
informações de todas as coleções disponibilizadas pelo programa.
A coleção recebida, eleita pelos professores dessa Unidade Escolar,
particularmente pela sua característica de apresentação dos conteúdos “em espiral” (o mesmo
tema curricular aparece e se repete, nos diferentes volumes e respectivos anos, com grau de
complexidade crescente), foi a denominada “Ciências Naturais”, da Editora Saraiva, e autoria
de Olga Santana e Érika Mozena.
Concomitantemente à recomendação do governo estadual e ao planejamento anual
do professor, o volume da disciplina de Ciências, referente ao Nono Ano do Ensino
Fundamental, felizmente englobava assuntos com o enfoque do interesse da presente
pesquisa, ou seja, das Ciências da Terra. Contudo, vale ressaltar neste momento uma
informação; os volumes desse material não ficam sob os cuidados dos alunos. Eles são
mantidos em estantes, como vemos na imagem 2.1, para uso livre, dentro das dependências da
UE. Ficam acessíveis e são utilizados com frequência, mas não são disponibilizados para a
saída da escola.
65
Imagem 2.1: Estante dos livros didáticos, próxima à sala dos professores, onde ficam disponíveis as coleções
para trabalhos e consultas em sala de aula.
Fonte: Foto de autoria própria (2016).
Os temas “Origem e Evolução do Universo, da Terra e da Vida” seriam
apresentados em alguns capítulos (anexo 10), já no primeiro bimestre dessa série, e aproveitar
esse momento parecia ser crucial, de modo, também, a provocar o mínimo de alterações na
sequência e planejamento inicial do professor titular da disciplina.
Os textos desse material trazem questões que constantemente solicitam
levantamento de hipóteses e argumentações para sustentá-las, e os conteúdos, temas e
assuntos aparecem, como dito anteriormente, em formato de “espiral”, relacionando-se uns
aos outros, de modo a considerar os processos, fenômenos, o tempo e o espaço. E em muitos
dos textos aparecem os termos “acredita-se” ou “segundo a maioria dos cientistas” na
apresentação das diversas hipóteses sobre os assuntos tratados.
Segundo relatos do professor de Ciências, o planejamento anual dos professores
permite certa autonomia quanto à forma como utilizam esse recurso didático. Como já dito,
nem todos os assuntos apresentados no livro didático são contemplados, pois se priorizavam
as indicações propostas pelo “caderninho” do governo estadual, respeitando o planejamento e
as características da coleção adotada.
Tratava-se de uma coleção atípica, diferente da maioria das outras selecionadas e
disponibilizadas pelo MEC (com a tradicional distribuição dos temas, persistente há décadas),
para a escolha nas Unidades Escolares. As demais coleções analisadas pelos professores
apresentavam os conteúdos, distribuídos nos volumes, com predominância dos assuntos e
temas abaixo:
• Sexto Ano – Geociências (ar, água e solo) e Ecologia;
66
• Sétimo Ano – Zoologia e Botânica;
• Oitavo Ano – Anatomia e Fisiologia humana, e;
• Nono Ano – Introdução aos estudos da Química e Física.
Os temas geocientíficos, como descrito no capítulo inicial deste trabalho, são
essenciais na formação dos indivíduos, no que se refere à compreensão das relações entre o
ambiente/sociedade, e entendimento do Sistema Terra. Igualmente permite que os alunos
entrem em contato com o estudo e entendimento de fenômenos localizados no tempo e
espaço, além do exercício que o referido conteúdo curricular permite de estudar a evolução do
processo de ensino/aprendizagem e o desenvolvimento do Pensamento Sistêmico.
Partindo de discussões explanadas em Finco-Maidame (2011), sobre alguns temas
e assuntos que permitem extrapolar os limites das ciências biológicas e geocientíficas,
casaram-se aqui as oportunidades do desenvolvimento e estudo de estratégias significativas de
uma metodologia ativa, que cobra maior proatividade do aluno em seu processo de construção
do conhecimento, junto a conteúdos com tendências geocientíficas. Como sabido, os
conteúdos geocientíficos constituem saberes de uma área que não apresenta uma disciplina
específica no Ensino Básico brasileiro, mas que compõe a de Ciências (Ensino Fundamental),
em conjunto com a Biologia, a Química, a Física e a Astronomia.
A BNCC (2017) traz indicações de “objetos de conhecimento” (entendidos pelo
documento como conteúdos, conceitos e processos) para o Ensino Fundamental II, que
englobam a estrutura e movimentos da Terra, formação de fósseis, fenômenos naturais
relacionados à movimentação das placas tectônicas, deriva continental, impacto ambiental,
características e importância da atmosfera, clima, ideias evolucionistas, estrutura do Sistema
Solar, dentre variados temas.
Com a coincidência e proximidade dos temas de nosso interesse aos planos
originais do professor titular, iniciou-se o preparo de aulas, de acordo com atividades
embasadas na metodologia da ABP. Paralelos entre as características da escola, a forma como
as aulas são corriqueiramente conduzidas e como se sucedeu o andamento das adaptadas à
ABP junto aos conteúdos curriculares geocientíficos, serão tratados no momento das análises
e discussões.
No próximo tópico traremos informações do preparo do Plano de Aprendizagem
(anexo 9), e seu cronograma que, com o desenvolver e demandas que foram surgindo, sofreu
pequenas adaptações propositais, que também serão detalhadas e justificadas adiante.
67
2.2. O Plano de Aprendizagem, a metodologia da ABP e os conteúdos geocientíficos
A metodologia da ABP (ou PBL), como já referida, é bastante difundida no
Ensino Superior nacional e internacional, contudo Souza (2012) considera que “não há
registros do PBL no Ensino Fundamental I e nem na Educação Básica no Brasil” (p. 123).
Ainda timidamente, a literatura apresenta alguns trabalhos no nível Básico com variedades
dessa tendência metodológica, mas que ainda carece de pesquisas.
Adaptações aos princípios mais comuns da metodologia da ABP (caráter
investigativo, autonomia dos alunos, professor facilitador e relações colaborativas em grupos)
foram realizadas para a elaboração do Plano de Aprendizagem, e serão discutidas mais
adiante, no desdobramento das aulas e atividades desenvolvidas.
O Plano de Aprendizagem da presente pesquisa foi desenvolvido apoiado no
formato parcial, considerando-se os modos pelos quais a ABP se apresenta atualmente.
Apresentou, também, pontos peculiares das suas diversas variantes, caracterizando-se, deste
modo, como uma adaptação singular.
Durante a preparação do Plano de Aprendizagem e montagem do cronograma das
aulas, algumas regras da escola e da utilização de salas específicas (de informática e de vídeo)
foram consideradas e respeitadas. Houve, também, um comprometimento na disponibilização
das atividades para que o professor conseguisse um valor pontual para fins avaliativos, de
acordo com a demanda da Unidade Escolar.
Reis (2011) fala da importância de se estabelecer um calendário das observações
(ou interação, no nosso caso), e de respeitá-lo. O tempo e os dias do desenvolvimento das
atividades foi um dos pontos negociados, para que se evitasse o comprometimento do
planejamento anual do professor e do início do bimestre seguinte. Um fator positivo e já
mencionado é que o planejamento original do professor também citava conteúdos curriculares
com tendências geocientíficas, que seriam desenvolvidos já no primeiro semestre daquele
próximo ano, com as turmas dos nonos anos do nível Fundamental.
Considerando a relevância de abordagens metodológicas ativas apresentadas no
início do capítulo anterior, sua relação com a formação de indivíduos mais questionadores, e a
importância do tratamento de conteúdos com caráter geocientífico para o desenvolvimento de
um pensamento mais completo do Sistema Terra, optou-se por compartilhar os estudos desses
referenciais com o professor de Ciências. Após o término das atividades com os alunos,
68
haverá também a socialização desse levantamento bibliográfico e das considerações parciais
da pesquisa em andamento juntamente ao corpo docente da UE.
O Plano de Aprendizagem (anexo 9) foi elaborado mediante o estudo profundo da
tendência metodológica referencial, e coletivizado durante algumas reuniões com o professor
da disciplina, para familiarização e conformidade da proposta das aulas que seriam
desenvolvidas junto à sua turma.
Com o propósito de se estimular a iniciativa das atitudes desejadas nessa
metodologia ativa, considerou-se uma sequência de pontos norteadores aos alunos, adaptada
de Araújo e Sastre (2009), com base em elementos comuns da ABP. No Quadro 2.1, temos as
etapas relacionadas à Resolução de Problemas (RP).
Quadro 2.1: Etapas da Resolução de Problemas (RP).
Etapas do processo de resolução de problemas com base na proposta da Aprendizagem
Baseada em Problemas - ABP
• Identificação de problemas na realidade científica e cotidiana;
• Discussão de uma questão particular;
• Utilização dos próprios conhecimentos e experiências, com o auxílio de professores e outros
meios, na busca de respostas para o problema abordado;
• Levantamento de hipóteses que podem explicar e resolver a questão;
• Investigação das hipóteses apontadas e indicação das possíveis respostas e/ou soluções, e;
• Preparo de um relatório acadêmico contendo reflexões teóricas e análises sobre o problema
estudado e socialização dos resultados dos projetos desenvolvidos com o coletivo da classe.
Fonte: Adaptação de Araújo e Sastre (2009).
As etapas desse modelo acima, presente em Araújo e Sastre (2009, p. 107), e
utilizadas no Ciclo Básico dos cursos de graduação da Escola de Artes, Ciências e
Humanidades da Universidade de São Paulo, são adotadas na maioria das atividades baseadas
na ABP, e sofreram ajustes possíveis e necessários para a nossa adaptação.
O Plano de Aprendizagem traz uma breve caracterização da metodologia da ABP,
do processo de desenvolvimento do Pensamento Sistêmico, e algumas justificativas com base
nos estudos dessas formas de construção do conhecimento. Quanto aos alunos, pontua sobre o
desenvolvimento de habilidades específicas, como as sociais e de trabalhos em equipe.
69
Em relação ao papel do professor, o Plano elenca alguns benefícios à sua prática;
ele deixa de ser o centro da aprendizagem e de “portar a verdade”, percebe a necessidade de
constantes estudos e atualizações, assume uma nova posição de “condução parcial” das aulas
(inicialmente incômoda e inédita), e tem para si o papel de facilitador da construção do
conhecimento.
Sobre a posição do professor na ABP, Decker e Bouhuijs (2009) relatam que,
[...] desde seus primórdios, a ABP vem enfatizando a importância dos papéis
do professor/tutor, como aquele que estimula o aluno a encontrar as próprias
respostas por meio de discussão em grupo, leitura de livros e artigos,
consulta a especialistas, etc. (p. 194)
No Plano de Aprendizagem delimitaram-se quatro etapas gerais a se desmembrar
em um número de aulas necessárias e de acordo com o estabelecido durante a conversa com o
professor.
A primeira dessas quatro etapas consiste numa conversa inicial com os alunos, em
sala de aula, onde é apresentado o conteúdo curricular a se trabalhar naquele bimestre,
identificadas as dúvidas, realizada a “motivação” e a “chuva de ideias”, elencados os
subtemas e organizados os grupos/equipes que desenvolverão a dinâmica.
Na segunda etapa tem-se todo o desenvolvimento da dinâmica, com a
apresentação das atividades, já com os alunos agrupados nas respectivas equipes temáticas.
Também neste momento, é fornecido um roteiro com orientações para a elaboração da
questão, hipótese, pesquisa propriamente dita e confecção de um relatório.
No terceiro momento do Plano, ocorre a proposta da coletivização do
desenvolvido, de cada grupo com os demais, além de algumas perguntas individuais
relacionadas a essa diferente forma de se aprender um assunto, com formato mais livre e ao
mesmo tempo exigente de maior autonomia intelectual18, atenção e participação dos alunos.
E por fim, na quarta e última etapa do Plano, pensou-se em uma saída de campo
do tipo (papel didático) indutivo, com orientações semidirigidas, valorizando atividades que
permitam o raciocínio lógico dos alunos, ou até mesmo investigativo, que propicia ao aluno a
oportunidade de resolver/formular problemas, estruturar observações e interpretações, e agir
de forma autônoma (Compiani e Carneiro, 1993).
18 Utilizo o termo autonomia intelectual no sentido dos alunos tomarem para si atitudes de questionamento,
levantamento de hipóteses e investigação. De proatividade, iniciativa de pesquisa, busca de informações para
a construção de novos conhecimentos.
70
O Plano é finalizado com uma bibliografia básica, e informações adicionais da
organização e condução de aulas baseadas nessa metodologia, contudo deixando clara a sua
flexibilidade em sofrer adaptações.
Um cronograma de aulas com as atividades e local de execução, apresentado no
Quadro 2.2, foi montado com base no Plano de Aprendizagem. Lista as atividades propostas,
desde a reprodução do vídeo motivacional e “tempestade de ideias”, até a proposição de uma
saída de campo, caso pertinente.
Quadro 2.2.: Cronograma das atividades planejadas.
DATA/DURAÇÃO/
LOCAL ATIVIDADES
16/03 (quarta)
1 h/aula – sala de vídeo
- Vídeo/documentário (sugestão; “A Origem da Vida em Um Minuto”);
- Conversa com questões curiosas, brainstorm (tempestade de ideias);
- Fechamento nos temas dos 6 grupos e orientações para a pesquisa
(citação do roteiro);
- Formação dos grupos e distribuição dos temas, e;
- Início da elaboração da questão/pergunta sobre os respectivos temas.
17/03 (quinta)
1h/aula – sala de aula
- Organizados em grupos, apropriação das respectivas funções (líder,
redator, orador e demais membros);
- Apresentação, leitura e esclarecimento do Roteiro da Pesquisa;
- Retomada da questão principal e levantamento da(s) hipótese(s), e;
- Leitura (orador), preenchimento e entrega da FICHA PARCIAL 1.
obs.: estabelecimento, com os alunos, de um tempo estimado para cada
atividade da aula.
22/03 (terça)
2hs/aula – sala de
informática
- Pesquisa eletrônica em grupo, sobre os fenômenos, processos e fatos
referentes ao respectivo tema/questão;
- Registro individual do material pesquisado, além das fontes
bibliográficas utilizadas.
23/03 (quarta)
1h/aula – sala de aula
- Pesquisa bibliográfica (continuação) em grupo, sobre os processos,
fenômenos e fatos;
- Utilização do livro Decifrando a Terra (IBEP Nacional, 2009), além de
livros didáticos do ensino Médio e Fundamental;
- Registros individuais.
24/03 (quinta)
1h/aula – sala de aula
- Pesquisa bibliográfica (finalização) em grupo, sobre os processos,
fenômenos e fatos;
- Utilização do livro adotado pela escola (didático);
- Preenchimento da FICHA PARCIAL 2.
29/03 (terça)
2hs/aula – sala de
informática
- Pesquisa em grupo, síntese dos conteúdos investigados e considerações
finais (registros individuais).
- obs.: retomada das funções relativas a cada membro dos grupos.
30/03 (quarta)
1h/aula – sala de aula
- Fechamento dos resultados, nos grupos;
- Resgate dos pontos interessantes/relevantes ao relatório final e
preenchimento da FICHA PARCIAL 3.
31/03 (quinta)
1h/aula – sala de aula
- Complementações e considerações finais (pesquisadora e professor),
sobre eventuais dúvidas;
- Orientações para a redação do relatório final (redator) e
coletivização/socialização (apresentação dos resultados - orador).
05/04 (terça)
2hs/aula – sala de aula
- Apresentação/coletivização dos grupos à sala (até 15 minutos/cada);
- Associações/relações entre os temas.
71
07/04 (quinta)
1h/aula – sala de aula
- Entrega do relatório final;
- Considerações finais (alunos, pesquisadora e professor), em relação ao
andamento da dinâmica (metodologia ativa) e autoavaliação.