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UNIVERSIDADE DO NORTE CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DISCIPLINA: FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO MANUEL DO CARMO DA SILVA CAMPOS(Org.) CIPRIANO LUCKESI RENATO NUNES TELMA BASTOS DE BARROS JOSTEIN GAARDER NICOLA ABBAGNANO MARIA DE LOURDES RIBEIRO MARGARITA VICTORIA RODRÍGUEZ LUCIANO LEMPEK LINHARES REGINA MARIA ZANATA RUTH IZUMÍ SETUGUTI DIOGO MARIA DE MATOS POLÓNIO http://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia E-mail: [email protected] ;[email protected] fone: 92.99778124 e 92.93080695
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apostila filosofia da educacao 2013

Dec 30, 2022

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Jecer Silva
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Page 1: apostila filosofia da educacao 2013

UNIVERSIDADE DO NORTECURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIADISCIPLINA: FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

MANUEL DO CARMO DA SILVA CAMPOS(Org.)CIPRIANO LUCKESIRENATO NUNES

TELMA BASTOS DE BARROSJOSTEIN GAARDERNICOLA ABBAGNANO

MARIA DE LOURDES RIBEIROMARGARITA VICTORIA RODRÍGUEZ

LUCIANO LEMPEK LINHARESREGINA MARIA ZANATARUTH IZUMÍ SETUGUTI

DIOGO MARIA DE MATOS POLÓNIOhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia

E-mail: [email protected] ;[email protected] fone: 92.99778124 e 92.93080695

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MANAUS/ AM - 2013

CONTEÚDO

1ª PARTE: OS FUNDAMENTOS FILOSOFICOS DA EDUCAÇÃO

INTRODUÇÃO

1. O SURGIMENTO DA FILOSOFIA E OS FILÓSOFOS ORIGINAIS1.1. Os Mitos1.2. Os Filósofos Originais e a Dessacralização da

Natureza1.3. Diálogo entre a Mitologia Indígena e o Pensamento

dos Filósofos da Natureza

2. OS MESTRES DO PENSAMENTO NA ANTIGUIDADE GREGA E ADESSACRALIZAÇÃO DA POSIÇÃO DO SER HUMANO NA SOCIEDADE

2.1. O Ser Humano no centro das questões e não mais osDeuses

2.2. Os sofistas2.3. Sócrates2.4. Platão2.5. Aristóteles2.6. O Helenismo e os Círculos Culturais

3. Os Mestres do Pensamento na Idade Média Ocidental3.1. Agostinho3.2. Tomás de Aquino

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4. O RENASCIMENTO

5. OS MESTRES DO PENSAMENTO NA MODERNIDADE OCIDENTAL

5.1. René Descartes5.2. Spinoza5.3. Locke5.4. Hume5.5. Berkeley5.6. O Iluminismo5.7. Kant5.8. O Romantismo5.9. Hegel

6. OS MESTRES DO PENSAMENTO NA CONTEMPORANEIDADE OCIDENTAL

6.1. Kierkegaard6.2. Marx6.3. Darwin6.4. Freud6.5. Piaget6.6. O Existencialismo7. A RELAÇÃO ENTRE MORAL, ÉTICA E EDUCAÇÃO.

7.1. Ética e Moral: Inter-relação Feliz entre Humanos eSeres Vivos

7.2. Ética e Educação

2ª PARTE: FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

. FILOSOFIA

. A FILOSOFIA O FILOSOFAR E A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

. ÉTICA E CULTURA

. EDUCAÇÃO E FILOSOFIA : CONCEPÇÕES DE HOMEM

. ÉTICA E EDUCAÇÃO DIMENSÃO AXIOLÓGICA CONSTITUTIVA DAFILOSOFIA DA EDUCAÇÃO. EDUCAÇÃO E SOCIEDADE: AS RELAÇÕES DE TRABALHO. EDUCAÇÃO EPISTEMOLOGIA E A CRISE DOS PARADÍGMAS

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. EPISTEMOLOGIA DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

. FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: RAÍZES HISTÓRICAS

. PAULO FREIRE: POR UMA EDUCAÇÃO LIBERTADORA E HUMANISTA

. TENDÊNCIA LIBERTADORA DE PAULO FREIRE E LIBERTÁRIA NAPERSPECTIVA DE BAKUNIN. DERMEVAL SAVIANE: NOTAS PARA UMA RELEITURA DA PEDAGOGIAHISTÓRICO CRÍTICA

1. O SURGIMENTO DA FILOSOFIA E OS FILÓSOFOS ORIGINAIS

A problemática instigante sobre a natureza, o ser humano, a

educação1 e tudo que o cerca não é privilégio da1 A Pedagogia é a ciência oudisciplina cujo objetivo é areflexão, ordenação, a

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filosofia no século VI a.C. e daciência a partir do século XIX d. C., vale lembrar que se as pesquisasantropológicas tem razão, oraciocinar mitológico e religioso

sistematização e a crítica doprocesso educativo.A palavraPedagogia tem origem na Gréciaantiga, paidós (criança) e agogé(condução).Atualmente, denomina-sepedagogo o profissional cuja formaçãoé a Pedagogia, que no Brasil é umagraduação da categoria Licenciaturaou Gestão Escolar (administraçãoescolar, orientação pedagógica ecoordenação educacional). Devido asua abrangência, a Pedagogia englobadiversas disciplinas, que podem serreunidas em três grupos básicos:Disciplinas filosóficas, Disciplinascientíficas e Disciplinas técnico-pedagógicas. A Pedagogia é a ciênciaou disciplina cujo objetivo é a

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não só explica o modo de produzircultura entre os povos, como tambémde dar sentido à própria existênciahumana nas dimensões naturais etranscendentais. É o que se percebe

reflexão, ordenação, asistematização e a crítica doprocesso educativo.A palavraPedagogia tem origem na Gréciaantiga, paidós (criança) e agogé(condução).Atualmente, denomina-sepedagogo o profissional cuja formaçãoé a Pedagogia, que no Brasil é umagraduação da categoria Licenciaturaou Gestão Escolar (administraçãoescolar, orientação pedagógica ecoordenação educacional). Devido asua abrangência, a Pedagogia englobadiversas disciplinas, que podem serreunidas em três grupos básicos:Disciplinas filosóficas, Disciplinascientíficas e Disciplinas técnico-pedagógicas. Inicialmente, a palavra

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desde os funerais do homo neanderthal,que viveu entre 200 a 30 mil anosatrás e do homo sapiens, há mais decem mil anos, que não só produziu,mas socializou sua cultura. E na

paidéia (de paidos - criança)significava simplesmente "criação demeninos". Mas, como veremos, estesignificado inicial da palavra estámuito longe do elevado sentido quemais tarde adquiriu. O termo tambémsignifica a própria culturaconstruída a partir da educação. Erao ideal que os gregos cultivavam domundo, para si e para sua juventude.Uma vez que o governo próprio eramuito valorizado pelos gregos, aPaidéia combinava ethos (hábitos) queo fizessem ser digno e bom tantocomo governado quanto comogovernante. O objetivo não eraensinar ofícios, mas sim treinar aliberdade e nobreza. Paidéia também

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história das religiões politeístas emonoteístas. Além do mais com ainvenção da escrita pelos sumérioshá aproximadamente 6 mil anos antesde Cristo estabelece-se a

pode ser encarada como o legadodeixado de uma geração para outra nasociedade. Um pedagogo - um escravo,na época - conduzia o jovem, com sualanterna ilumina(dor)a, até aoscentros ou assembléias, ondeocorriam as discussões que envolviampensamentos críticos, criativos,resgates de cultura, valorização daexperiência dos anciãos etc. Supõe-se que, no processo sócio-histórico,esse mesmo pedagogo libertou-se,talvez de tanto dialogar nosacompanhamentos do jovem até asassembléias, tornando-se umpersonagem da paidéia, e seuconsuma(dor). Mas, se até então oobjectivo fundamental da educação

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possibilidade da instalação dospilares da História que vai ocorrercom Heródoto, além dasistematização dos mitos por Homeroe Hesíodo já ocorrida. Tudo isso

era a formação aristocrática dohomem individual como Kalos agathos("Belo e Bom"), a partir do século Va. C., exige-se algo mais daeducação. Para além de formar ohomem, a educação deve ainda formaro cidadão. A antiga educação,baseada na ginástica, na música e nagramática deixa de ser suficiente. Éentão que o ideal educativo gregoaparece como paidéia, formação geralque tem por tarefa construir o homemcomo homem e como cidadão. Platãodefine paidéia da seguinte forma"(...) a essência de toda averdadeira educação ou paidéia é aque dá ao homem o desejo e a ânsiade se tornar um cidadão perfeito e o

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aprimora o surgimento do pensamentofilosófico na velha Grécia. E assimpela primeira vez na história dahumanidade surge uma reflexãobaseada na observação racional

ensina a mandar e a obedecer, tendoa justiça como fundamento" (cit. inJaeger, 1995: 147). Do significadooriginal da palavra paidéia comocriação de meninos, o conceitoalarga-se para, no século IV a.C.,adquirir a forma cristalizada edefinitiva com que foi consagradocomo ideal educativo da Gréciaclássica. Como diz Jaeger (1995), osgregos deram o nome de paidéia a"todas as formas e criaçõesespirituais e ao tesouro completo dasua tradição, tal como nós odesignamos por Bildung ou pela palavralatina, cultura." Daí que, paratraduzir o termo paidéia "não sepossa evitar o emprego de expressões

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dispensando, de certa forma, acontribuição da mitologia, sobre aconstituição e as mudanças queocorrem na natureza com Tales deMileto e sobre a posição do ser

modernas como civilização, tradição,literatura, ou educação; nenhumadelas coincidindo, porém, com o queos gregos entendiam por paidéia.Cada um daqueles termos se limita aexprimir um aspecto daquele conceitoglobal. Para abranger o campo totaldo conceito grego, teríamos deempregá-los todos de uma só vez."(Jaeger, 1995: 1). Na suaabrangência, o conceito de paideianão designa unicamente a técnicaprópria para, desde cedo, preparar acriança para a vida adulta. Aampliação do conceito fez com queele passasse também a designar oresultado do processo educativo quese prolonga por toda vida, muito

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humano na sociedade a partir deSócrates.1.1. OS MITOS 

 Os mitos surgiram da necessidade dohomem justificar fenômenos como opara além dos anos escolares. Apaidéia, vem por isso a significar"cultura entendida no sentidoperfectivo que a palavra tem hojeentre nós: o estado de um espíritoplenamente desenvolvido, tendodesabrochado todas as suasvirtualidades, o do homem tornadoverdadeiramente homem" (Marrou,1966: 158). Mortimer Adler - umfilósofo norte-americano - tenta,com sua produção científica,resgatar a paidéia hoje, na nossacontemporaneidade. Ele destaca aimportância de ler, estudar eapreender as idéias dos grandespensadores, e a vida toda lutou porisso

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crescimento das plantas, as chuvas,os trovões, etc. Tudo que ocorriaaqui na Terra estava intimamenteligado ao que acontecia no mundo dosdeuses. Dessa maneira, secas,epidemias e outras coisas ruins eramreflexos de que as forças do maltriunfavam sobre as do bem e oinverso ocorria quando havia farturae riqueza (GAARDER, 1995).

Por volta de 700 a.C. Homero eHesíodo registraram por escrito boaparte da mitologia grega. Isso foiimportante, pois agora era possívelquestioná-la. Xenófanes foi umfilósofo crítico em relação aos

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedagogia).

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mitos pelo fato de seusrepresentantes terem sido criados àimagem e semelhança das pessoas(GAARDER, 1995).

1.2. OS FILÓSOFOS ORIGINAIS E ADESSACRALIZAÇÃO DA NATUREZA

A tentativa e a possibilidade delevantar questões sobre adessacralização da natureza é o quefazem os filósofos da natureza seinteressando pelos processosnaturais.

Eles partiram dopressuposto de quesempre existiu algumacoisa e, vendo astransformações queocorriam no meioambiente, indagavam-secomo aquilo era

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possível. Então,acreditavam que haviauma substância básicaque subjazia a todasessas transformações.

Esses filósofos tambémtentaram descobrir leiseternas a partir daobservação dos fatos,desconsiderando asexplanações mitológicas.Assim, a filosofia selibertava da religião eos primeiros indícios deuma forma científica depensar começavam aaparecer (GAARDER,1995).

Apresenta-se a seguir alguns deles:

Os Filósofos de Mileto

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Tales (625 – 547 a.C.) natural daÁsia Menor, hoje Turquia “achava quea água era um elemento defundamental importância. Dela tudose originava e a ela tudo retornava”(ABBAGNANO, 1968).

Anaximandro (609/610 a.C. - c. 547a.C.) “geógrafo, matemático,astrônomo e político, acreditava queo princípio de tudo é uma coisachamada ápeiron, que é algoinfinito, tanto no sentidoquantitativo (externa eespacialmente), quanto no sentidoqualitativo (internamente). Esse a-peiron é algo insurgido (não surgiununca, embora exista) e imortal”(ABBAGNANO, 1968). Anaxímenes (c. 550-526 a.C.) paraele “o ar era a substância básica detodas as coisas. A água seria acondensação do ar e o fogo, o ar

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rarefeito”. Imaginava “que secomprimisse mais ainda à água, estase tornaria terra. Foi o primeiro aafirmar que a luz da Lua éproveniente do Sol, dizia que tudoprovém do Ar e retorna ao Ar”(ABBAGNANO, 1968).

Vele dizer que para os filósofos danatureza,

a arché (Aρχή; origem),seria um princípio quedeveria estar presenteem todos os momentos daexistência de todas ascoisas; no início, nodesenvolvimento e no fimde tudo. Princípio peloqual tudo vem a ser.Segundo Rudini Sampaio,“A fonte ou origem, fozou termo último, epermanente sustento (ou

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substância) de todas ascoisas”. Assim, é aorigem, mas não comoalgo que ficou nopassado e sim comoaquilo que, aqui eagora, dá origem a tudo,perene e permanentemente(http://pt.wikipedia.org/wiki;GAARDER, 1995).

Pitágoras natural de Samos – ilhagrega no Mar Egeu (571 a.C. e 570a.C. 497 a. C. ou 496 a.C.) para opitagorismo, “a essência, que é oprincípio fundamental que formatodas as coisas é o número. Ospitagóricos não distinguem forma,lei, e substância, considerando onúmero o elo entre estes elementos.Para esta escola existiam quatroelementos: terra, água, ar efogo((ABBAGNANO, 1968).

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Parmênides de Eléia (cerca de 530a.C. - 460 a.C.) hoje Vélia, Itália.Para ele “nada podia vir do nada enada que existisse poderia setransformar em outra coisa. Eraextremamente racionalista e nãoconfiava nos sentidos. Nãoacreditava nem quando via, emborasoubesse que a natureza setransformava. Seu pensamento estáexposto em um poema filosóficointitulado Sobre a Natureza, divididoem duas partes distintas: uma quetrata do caminho da verdade (alétheia)e outra que trata do caminho daopinião (dóxa), ou seja, daquilo ondenão há nenhuma certeza”(http://pt.wikipedia.org/wiki;ABBAGNANO, 1968).

Heráclito de Éfeso (datasaproximadas: 540 a.C. - 470 a.C. emÉfeso, na Jônia). É considerado o"pai da dialética". Problematiza a

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questão do devir (mudança). Para ele“a principal característica danatureza eram suas constantestransformações. O ponto de partidadessas transformações era o fogo.Então “ele confiava nos sentidos”.Acreditava “que o mundo estavaimpregnado de constantes opostos:guerra e paz, saúde e doença, bemmal e que reconhecia haver umaespécie de razão universal dirigentede todos os fenômenos naturais”(ABBAGNANO, 1968).

Empédocles (Agrigento 483 a.C. -Peloponeso 430 a. C), vem acabar como impasse e fez uma “síntese do modode pensar de Heráclito e Parmênidese com isso chegou a uma evolução dopensamento”.

Era filósofo era médico,legislador, professor,místico além de profeta,

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foi defensor dademocracia e sustentavaa idéia de que o mundoseria constituído porquatro princípios: água,ar, fogo e terra. Tudoseria uma determinadamistura desses quatroelementos, em maior oumenor grau, e seriam oque de imutável eindestrutível existiriano mundo. Assim, tudoexistente era produto dajunção disso, emproporções diferentes.Achava também que o amore a disputa eram duasforças que atuavam nanatureza. O amor une e adisputa separa as coisas(http://pt.wikipedia.org/wiki;GAARDER, 1995)

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Anaxágoras (c.500-428 a.C.), foi oprimeiro filósofo de Atenas. Paraele

As coisas eramconstituídas porpequenas partículasinvisíveis a olho nu.Estas podiam se dividir,mas mesmo na pequenaparte existia o todo.Ele denominava estaspartes minúsculas desementes ou germens, queAristóteles denominou dehomeomerias. Tambémimaginou uma forçasuperior, ainteligência,responsável pela criaçãodas coisas. Nous, termofilosófico grego que nãopossui uma transcrição

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direta para a línguaportuguesa, e quesignifica atividade dointelecto ou da razão emoposição aos sentidosmateriais. Muitosautores atribuem comosinônimo à Nous ostermos "Inteligência" ou"Pensamento".Interessava-se porastronomia, explicou quea Lua não possuía luzprópria e como surgiramos eclipses (GAARDER,1995). 

 Demócrito (c. 460-370 a.C.) éconsiderado o “último filósofo danatureza”.

Ele imaginou aconstituição das coisaspor partículas

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indivisíveis,minúsculas, eternas eimutáveis e as chamou deátomos. Estes, a seuver, possuíam váriosformatos, sediferenciavam entre si epodiam serreaproveitados. Porexemplo, quando umanimal morresse seusátomos participariam daconstituição de outroscorpos. Demócrito foi umfilósofo que valorizou arazão e as coisasmateriais. Nãoacreditava Achava tambémque sua teoria atômicaexplicava nossaspercepções sensoriais eque a consciência e aalma também se

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constituíam de átomos.Ele não cria numa almaimortal (GAARDER).

Demócrito não acreditava naimortalidade da alma, uma vez queela era constituída pelos átomos daalma, quando a pessoa morria essesátomos se desintegravam voltandopara a natureza e assim a almadeixava de existir.

Podemos concluir que “os filósofosnaturais eram, sobretudopesquisadores naturais. Eles ocupam,portanto, um lugar muito importantena história da ciência” (GAARDER,1995).

1.3. DIÁLOGO ENTRE A MITOLOGIA

INDÍGENA E O PENSAMENTO DOS

FILÓSOFOS DA NATUREZA

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Gilmar de Boa Vista2 e Manuel doCarmo da Silva Campos3

Introdução

Com o intuito de querer conhecermelhor a mitologia dos dessanas tem-se a intenção, neste trabalho, deressaltar a maneira que os dessanascompreendem o cosmo. A partir destacompreensão pretende-se relacionaralguns aspectos que também se fazpresente nas explicações pré-socrática do Universo. Existemdiversas interpretações acerca doMito. Mas é importante frisar que asdefinições variam conforme arealidade e a cultura. A mitologiaé, sem dúvida, uma tentativa deexplicar o inexplicável. Por isso éconsiderada sagrada e de valormilenar.

2 Acadêmico de Filosofia Faculdade Salesiana Dom Bosco – Manaus/Am.3 Prof. Dr. Escola Normal Superior – UEA/Manaus/ Am.

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Este trabalho não tem a pretensãode tecer críticas acerca do mito etampouco tem o objetivo de esgotartodo o conteúdo. Porém tem-se oatrevimento de mostrar a sabedoriado Mito e sua apreensão a partir docontexto em que foi criado. O Mitoestá no centro da vida do povoindígena, pois é através dele que secompreende o surgimento da vidahumana, animal e vegetal. Tentarentender o Universo implicaencontrar-se no mundo em que situa.Em outros termos é a necessidade dedar sentido à própria existência.

Marcos Frederico Kruger fascinadopela leitura do Mito cosmogônico dosdessanas lançou a obra “Amazônia: mitoe literatura” como resultado de seuencantamento e de suas pesquisas. Éa partir desta leitura, os mitos dosdessanas, que pretendemos elaborar oquadro comparativo. Como sabemos os

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povos indígenas, assim como os pré-socráticos, expressam a sabedoria deseu povo através de Mito. Por isso,antes de abordar o tema proposto,“Quadro comparativo entre amitologia indígena com o pensamentopré-socrático”, faz-se necessárioapresentar a nossa compreensão deMito.

Abordagem sobre a compreensãomitológica

“Todo povo desenvolve certasidéias sobre a vida e o mundo,desdobra certas concepções sobre aalma, sobre a origem do mundo apartir do caos, sobre os cicloscósmicos e a unidade do Universo,etc.” (BORNHEIM, 1998: 08). O mito éuma maneira de pensar sobre arealidade, ou melhor, de tentarcompreender a complexidade do todo.

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Muitos são os conceitos de mitoque se tem. Pois, como se sabe omito pode ser entendido comomeramente uma lenda, uma fábula, umafantasia da mente humana, entreoutros. O nosso olhar sobre o mito,“como processo da realidade”(ARANHA, 2003: 72) não recebe taisconotações, pelo contrário, é tidocomo verdade. Na sociedade hodierna,dita globalizada, apodera-se domito, muita das vezes, como meraexpressão de fantasia, lendas quenão passam de mentiras.

Olhando desta maneira para omito, ele deixa de ser mito. Portrás de uma “simples história”mitológica contém uma complexarealidade. O mito não é simplesmenteuma história, uma memória dopassado. O mito é uma fonteinesgotável de vida. Ele traz emsuas entranhas o espírito de um povo

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que vive e que busca entender o chãoem que pisa, implicando todo ocontexto social, cultural, político,econômico e religioso. Todos estesfatores e a realidade sobrenaturalestão impressos nesta sabedoria: omito. Portanto, é de fundamentalimportância considerar as múltiplasriquezas de um mito: ter presentetodo o conjunto, o alicerce quepossibilitou sua criação. Pois, “amemória transporta o poeta aocoração dos acontecimentos antigos,em seu tempo” (VERNANT, 1973: 74).

O mito na perspectiva dapsicologia analítica yunguianarecebe uma forma autônoma depensamento e de organizaçãocognitiva do mundo. Enquantoexpressão misteriosa da vida, o mitoé entendido como aquilo que tende aevidenciar, na linguagem cifrada deseus simbolismos, aquilo que o homem

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enquanto tal espera (PIERI, 2002:326). Já no ponto de vista daantropologia o mito é um relatoanônimo que é parte de um corpo detradições oralmente transmitidasentre os vários membros de umacomunidade específica (idem).

Partindo da ótica da sociologia omito é caracterizado como umajustificação retrospectiva doselementos fundamentais queconstituem a cultura de um grupo.Cumpre uma função sui generisintimamente ligada à natureza datradição, à continuidade da cultura,à relação entre maturidade ejuventude e à atitude humana emrelação ao passado (ABBAGNANO, 2003:674).

Na filosofia o mito recebeuvárias interpretações. Na Gréciaantiga o mito era a expressão da

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verdade. Os deuses tinham grandespoderes, de salvar e de condenar,sobre os homens na polis. O leitorpode conferir as histórias dosdeuses nas literaturas clássicas dosgregos, como: Édipo Rei, Ilíada,Medéia, Antígona, entre outras.

Com Platão o mito, enquantocriação humana, não possuía um fundode verdade. Segundo ele o mundoverdadeiro se encontra na dimensãointeligível. Na dimensão sensível,concreta, as coisas não passam desombras, um reflexo do mundo Ideal.Partindo deste pressuposto a artehumana consiste na mimese, uma cópiada cópia do mundo verdadeiro. Mesmoassim Platão não consegue escapartotalmente do mundo mitológico. Natentativa de explicar sua teoriausou recursos propriamente do mito.A alegoria da caverna é um exemplo,a parábola do navio (ambos se

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encontram na obra “A República”, dePlatão) é outro exemplo. Portanto omito é um “status de sabedoria” (IVInc. Cont. de Teologia Índia, 2003:25).

Para Aristóteles o mito éinferior à razão: o Logos. O Logos éuma forma de superação do mito.Porém Aristóteles não se atentou deque o mito, também, é inerente àpalavra, assim como o Logos. Destemodo o mesmo valor de verdade que seatribui ao Logos deve-se atribuir aomito. Contudo em momento algum omito foi superado. Ele sempreescapou em situações em que a razãonão foi eficaz para explicar arealidade enquanto tal.

Na sociedade moderna se fala devários mitos que não tem sentido deverdade, como: o mito da moda, omito do desenvolvimento, etc. Estes

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tipos de mitos não deixam de sermitomania. Mas não é neste sentidoque se pretende olhar o mito, nestetrabalho. A intenção é abordar umarealidade mitológica que é umaverdade de uma outra verdade. “É ohomem que se compromete com todas asforças do seu espírito para entendero mundo exterior e interior”(LAUDATO, 2004: 109).

O drama da antropogênese

O drama da antropogênese dos dessanascompreende o quarto capítulo daprimeira parte da obra de Kruger(2005). Este capítulo gira em tornoda cosmovisão dos dessanas. Primeiroé precisa entender como estáconstituído o cosmo para depoistentar explicar a origem dahumanidade. A explicação do Universo(o mundo dos dessanas) expressada

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por esse autor se desdobra daseguinte forma:

... eles (os dessanas)conceberam a estrutura doUniverso criado por YebáBuró: Portanto o mundoficou dividido em graus, emandares sobrepostos comodisse antes. O quarto daAvó do Mundo ficou debaixode todos esses graus: é oprimeiro quarto ou “Quartode Quartzo Branco”(Uhtãbohotaribu). O segundoquarto, acima do primeiro,chama-se “Quarto de PedrasVelhas” (Uhtãbuhuribu). Nãose sabe exatamente o quenele existe. O terceiroandar chama-se “Quarto deTabatinga Amarela”(Bahsibohotaribu). É nestenível que vivemos nós,

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assim como toda ahumanidade. O quarto andarchama-se “Firmamento” ou“Andar dos Brincos do Sol”(Abepõtaribu). É este grauque os Antigos chamavam“Nível dos Santos” ou,ainda, “Nível dosDemiurgos” (2005, p. 73-74).

De acordo com a análise de Kruger(2005) este mito está embasado nosfatores culturais deste povo. Poiseles moravam nas cachoeiras do rioNegro, onde havia bastante quartzo,lugar bonito e rico. Por issohabitava lá a Avó do Mundo. OUniverso estava dividido “em camadaspor inspiração por inspiração doninho de um inseto”: caba (idem, p.73). Portanto este método derelacionar algo, próprio da cultura,facilita uma melhor compreensão de

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algo que é totalmente abstrato, masque faz parte da existência do serhumano.

Para que os povos dessanasexistissem foi preciso que Yebá Buródesse a ordem ao terceiro trovão devir até a camada da Tabatinga. Casoo trovão descesse como de fato eleé, queimaria toda a humanidade. Paraque este desastre não ocorresse oterceiro trovão se transformou emuma grande jibóia, segundo a vontadede Yebá Buró, e veio por águatrazendo os enfeites (conteúdosinvisíveis) que se transformariam nahumanidade. Assim originaram-se ospovos dessanas e outros.

Os elementos da natureza sãofatores integrantes e inseparáveisda compreensão de mundo deste povo.A água, que possibilitou a grandecobra navegar, para Tales de Mileto,

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é o “elemento primordial de todas ascoisas” (BORNHEIM, 1998, p.22). Mas,para os dessanas, era um elemento danatureza que fazia parte da vida e,segundo o mito, era também umcaminho que contribuiu para originara humanidade. A terra é o chão ondeos dessanas situam – vale ressaltarque em muitas tribos indígenas doAmazonas têm a terra como uma mãe,pois ela lhes dá o sustento. Maspara o pré-socrático Xenófanes aterra é o princípio de tudo (idem,p.30), foi dela que o ser humanooriginou.

Um outro fato relevante damitologia dos dessanas é apossibilidade do devir, “todas ascoisas estão em movimento”(Heráclito). A transformação dotrovão para cobra e dos enfeitespara pessoas evidencia a metamorfoseda realidade. E neste processo de

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mudança está presente o fogo(trovão) que corresponde àexistência mais um elemento danatureza que, também, está presenteno pensamento dos pré-socráticos,pois como diz Heráclito “o fogo égerador do processo cósmico” (idem,p.35).

Este modelo proposto pelos pré-socráticos de tentar entender oUniverso é, de certa forma, umadesconstrução de uma compreensão demundo que já existia naquele tempo:o mundo de Homero.

O mundo de Homero ordenava-se por uma distribuição dosdomínios e funções entregrandes deuses: a Zeus cabea luz brilhante do céu(aither); e a Hades, asombra brumosa (era); aPosidão, o elemento

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líquido; a todos os três emcomum, Gaia, a terra, ondevivem com os homens todasas criaturas mortais queresultam da mistura. Ocosmos dos jôniosorganizava-se por umadivisão das províncias, dasestações, entre forçaselementares que se opõem,equilibram-se, ou secombinam (VERNANT, 1977,p.75).

Esta concepção estrutural domundo era um aspecto da cultura dospensadores pré-socráticos. Por issomesmo, quando eles elaboraram suasteorias acerca do cosmo nãoconseguiram desprender-se damitologia daquele tempo. A água(Tales) era representada peloPosidão (representava o elementolíquido); o fogo (Heráclito), pelo

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Zeus que brilhava, assim diante.Este aspecto natural de imprimir nacompreensão do inexplicável elementoda própria cultura está intimamenteligado à visão de mundo dos povosdessanas.

Como o leitor pôde perceberexistem vários fatores em comumentre os dessanas e os pré-socráticos, em relação a cosmovisão.Os indígenas em pleno mundoglobalizado, tecnologicamenteavançado, e os pré-socráticos de umacivilização, no ponto de vista doshistoriadores, primitiva. Umadistância de milhares de anos e umamemória eterna. Por isso o nossoatrevimento de tentar estabelecer umdiálogo entre estes dois povos detempos diferentes e ricos emsabedorias.

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Assim, se analisar os pré-socráticos individualmente, tem-seuma fragmentação do Universo, masdialogando com todos eles terá umconjunto de conceito que possibilitaa compreensão da complexa realidade.Do mesmo modo acontece com o povodessana. É preciso olhar atotalidade, os elementos danatureza, os aspectos culturais, oespaço em que vivem e a habilidadeabstracional deste povo. A realidadepara os dessanas e para os pré-socráticos teve sua origem natotalidade.

Referências

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ABBAGNANO, Nicola. Dicionáriojunguiano. Trad. de Ivo Storniolo.

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ARANHA, Maria Lucia Arruda.Filosofando. São Paulo: Melhoramentos,20003.

BORNHEIM, Gerd A. (org.). Osfilósofos pré-socráticos. 9ª ed. SãoPaulo: Cultrix, 1998.

LAUDATO, Luis. Yanomami pey keyo: ocaminho yanomami. Brasília: Universa,1998.

______________A liberdade defilosofar em Antônio Rosmani.Manaus: EDUA; FSDB, 2004.

PIERI, Paolo Francesco. Dicionáriode Filosofia. Trad. De IvoneCastilho Benedetti, 4 ª ed. SãoPaulo: Martins Fontes, 2003.

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...e Tonantzin veio morar conosco: IVEncontro Continental de Teologia Índia. Vol.II, B

VERNANT, Jean-Pierre. Mito epensamento entre os gregos:estudos depsicologias histórica. Trad. de HaiganuchSarian, São Paulo: Universidade deSão Paulo, 1973.

____________________As origens dopensamento grego. Trad. de ÍsisBorges B. da Fonseca. 2ª ed. Rio deJaneiro – São Paulo: DIFEL,1977.elém: CIMI; AELAPI, 2003

2. OS MESTRES DO PENSAMENTO NAANTIGUIDADE GREGA E ADESSACRALIZAÇÃO DA POSIÇÃO DO SERHUMANO NA SOCIEDADE

Vale ressaltar que

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 Uma das característicasdos antigos gregos era ofato de eles seremfatalistas, isto é,acreditar que tudo quevai acontecer já estápré-destinado”, também,pelos deuses. “Paraeles, as doenças eramvistas como um castigo”dos deuses. “Achavamtambém que os deusespodiam curar as pessoas,bastando para isso quelhes fosse feito osacrifício apropriado(GAARDER, 1995).

2.1. O SER HUMANO NO CENTRO DASQUESTÕES E NÃO MAIS OS DEUSES

Atenas capital do Império Grego,“por volta de 450 a.C., transformou-se no centro cultural do mundo

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grego. A partir dessa época, afilosofia tomou um novo rumo”. Apósos Filósofos da Natureza, “o centrode interesse em Atenas se deslocoupara o homem e para sua posição nasociedade” (GAARDER, 1995). SegundoGaarder (1995, p.77-78)

Em Atenas desenvolvia-sepouco a pouco umademocracia comassembleias populares etribunais. Umpressuposto para ademocracia era o fato deque as pessoas recebiameducação suficiente parapoder participar dosprocessos democráticos.Em nossos dias, podemosver o quanto uma jovemdemocracia precisa de umpovo esclarecido. Entreos atenienses era

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particularmenteimportante dominar aarte de bem falar, aretórica.

Não demorou para que umgrupo de mestres efilósofos itinerantes,vindos das colôniasgregas, se concentrasseem Atenas. Eles seautodenominavam sofistas,eram pessoas estudadas,versadas em determinadoassunto, e ganhavam avida em Atenas ensinandoos cidadãos.

Os sofistas tinham umimportante elementocomum com os filósofosnaturais: eles tambémviam com olhos muitocríticos a mitologia

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tradicional. Ao mesmotempo, porém, ossofistas simplesmenterejeitavam tudo o queconsideravam especulaçãofilosóficadesnecessária. Paraeles, ainda que houvesserespostas para muitasquestões filosóficas,ninguém jamais seriacapaz de encontrarrespostas realmenteseguras e definitivaspara os mistérios danatureza e do universo.Este ponto de vista éconhecido na filosofiacomo ceticismo.

Mas ainda que nãopossamos encontrar umaresposta para todos os

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mistérios da naturezasabemos que somospessoas e que precisamosaprender a conviver umascom as outras. Ossofistas resolveram,então, dedicar-se àquestão do homem e deseu lugar na sociedade.

“O homem é a medida detodas as coisas”, disseo sofista Protágoras (c.487-420 a.C.). Com istoele queria dizer que ocerto e o errado, o beme o mal sempre tinham deser avaliados em relaçãoàs necessidades dohomem. Quando perguntadose acreditava nos deusesgregos, Protágorasdizia: “Dos deuses nada

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posso dizer de concreto[…], pois nesseparticular são muitas ascoisas que ocultam osaber: a obscuridade doassunto e a brevidade davida humana”. Chamamosde agnóstico aquele quenão é capaz de afirmarcategoricamente seexiste ou não um Deus.

Via de regra, ossofistas eram homens quetinham feito longasviagens e, por issomesmo, tinham conhecidodiferentes sistemas degoverno. Usos, costumese leis das cidades-estados podiam variarenormemente. Sob estepano de fundo, ossofistas iniciaram em

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Atenas uma discussãosobre o que seria naturale o que seria criado pelasociedade. Com isto, elescriaram na cidade-estadode Atenas as bases parauma crítica social.

... Foram inflamadas asdiscussões que ossofistas incitaram nasociedade de Atenasquando afirmaram que nãohavia normas absolutaspara o certo e o errado.Ao contrário deles,Sócrates tentou mostrarque algumas normas sãorealmente absolutas e devalidade universal.

2.2. OS SOFISTAS

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http://www.mundodosfilosofos.com.br/

sofistas.htm4

Após as grandes vitórias gregas,atenienses, contra o império persa,houve um triunfo político dademocracia, como acontece todas asvezes que o povo sente, de repente,a sua força. E visto que o domíniopessoal, em tal regime, depende dacapacidade de conquistar o povo pelapersuasão, compreende-se aimportância que, em situaçãosemelhante, devia ter a oratória e,por conseguinte, os mestres deeloqüência. Os sofistas, sequiososde conquistar fama e riqueza nomundo, tornaram-se mestres deeloqüência, de retórica, ensinandoaos homens ávidos de poder políticoa maneira de conseguí-lo.Diversamente dos filósofos gregos em4 Apresenta-se a transcrição do conteúdo de http://www.mundodosfilosofos.com.br/sofistas.htm>acesso dia 22.01.2010.

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geral, o ensinamento dos sofistasnão era ideal, desinteressado, massobejamente retribuído. O conteúdodesse ensino abraçava todo o saber,a cultura, uma enciclopédia, nãopara si mesma, mas como meio parafins práticos e empíricos e,portanto, superficial.

A época de ouro da sofística foi -pode-se dizer - a segunda metade doséculo V a.C. O centro foi Atenas, aAtenas de Péricles, capitaldemocrática de um grande impériomarítimo e cultural. Os sofistasmaiores foram quatro. Os menoresforam uma plêiade, continuando atédepois de Sócrates, embora semimportância filosófica.

Protágoras foi o maior de todos,chefe de escola e teórico dasofística.

Moral, Direito e Religião

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Em coerência com o ceticismoteórico, destruidor da ciência, asofística sustenta o relativismoprático, destruidor da moral. Como éverdadeiro o que tal ao sentido,assim é bem o que satisfaz aosentimento, ao impulso, à paixão decada um em cada momento. Aosensualismo, ao empirismognosiológicos correspondem ohedonismo e o utilitarismo ético: oúnico bem é o prazer, a única regrade conduta é o interesse particular.Górgias declara plena indiferençapara com todo moralismo: ensina elea seus discípulos unicamente a artede vencer os adversários; que acausa seja justa ou não, não lheinteressa. A moral, portanto, - comonorma universal de conduta - éconcebida pelos sofistas não comolei racional do agir humano, isto é,como a lei que potencia

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profundamente a natureza humana, mascomo um empecilho que incomoda ohomem.

Desta maneira, os sofistasestabelecem uma oposição especialentre natureza e lei, quer política,quer moral, considerando a lei comofruto arbitrário, interessado,mortificador, uma pura convenção, eentendendo por natureza, não anatureza humana racional, mas anatureza humana sensível, animal,instintiva. E tentam criticar avaidade desta lei, na verdade tãomutável conforme os tempos e oslugares, bem como a sua utilidadecomumente celebrada: não é verdade -dizem - que a submissão à lei torneos homens felizes, pois grandesmalvados, mediante graves crimes,têm freqüentemente conseguido grandeêxito no mundo e, aliás, aexperiência ensina que para triunfar

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no mundo, não é mister justiça eretidão, mas prudência e habilidade.

Então a realização da humanidadeperfeita, segundo o ideal dossofistas, não está na ação ética eascética, no domínio de si mesmo, najustiça para com os outros, mas noengrandecimento ilimitado da própriapersonalidade, no prazer e nodomínio violento dos homens. Essedomínio violento é necessário parapossuir e gozar os bens terrenos,visto estes bens serem limitados eambicionados por outros homens. Éesta, aliás, a única forma de vidasocial possível num mundo em queestão em jogo unicamente forçasbrutas, materiais. Seria, portanto,um prejuízo a igualdade moral entreos fortes e os fracos, pois averdadeira justiça conforme ànatureza material, exige que o

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forte, o poderoso, oprima o fraco emseu proveito.

Quanto ao direito e à religião, aposição da sofística é extremistatambém, naturalmente, como nagnosiologia e na moral. A sofísticamove uma justa crítica, contra odireito positivo, muitas vezesarbitrário, contingente, tirânico,em nome do direito natural. Mas estedireito natural - bem como a moralnatural - segundo os sofistas, não éo direito fundado sobre a naturezaracional do homem, e sim sobre a suanatureza animal, instintiva,passional. Então, o direito naturalé o direito do mais poderoso, poisem uma sociedade em que estão emjogo apenas forças brutas, a força ea violência podem ser o únicoelemento organizador, o únicosistema jurídico admissível.

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A respeito da religião e dadivindade, os sofistas não sótrilham a mesma senda dos filósofosracionalistas gregos do períodoprecedente e posterior, mas - deharmonia com o ceticismo deles -chegam até o extremo, até o ateísmo,pelo menos praticamente. Ossofistas, pois, servem-se dainjustiça e do muito mal que existeno mundo, para negar que o mundoseja governado por uma providênciadivina.

Protágoras de Abdera

Protágoras nasceu em Abdera - pátriade Demócrito , cuja escola conheceu- pelo ano 480. Viajou por toda aGrécia, ensinando na sua cidadenatal, na Magna Grécia, eespecialmente em Atenas, onde tevegrande êxito, sobretudo entre osjovens, e foi honrado e procurado

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por Péricles e Eurípedes. Acusado deateísmo, teve de fugir de Atenas,onde foi processado e condenado porimpiedade, e a sua obra sobre osdeuses foi queimada em praçapública. Refugiou-se então naSicília, onde morreu com setentaanos (410 a.C.), dos quais, quarentadedicados à sua profissão. Dosprincípios de Heráclito e dasvariações da sensação, conforme asdisposições subjetivas dos órgãos,inferiu Protágoras a relatividade doconhecimento. Esta doutrinaenunciou-a com a célebre fórmula; ohomem é a medida de todas as coisas.Esta máxima significava maisexatamente que de cada homemindividualmente considerado dependemas coisas, não na sua realidadefísica, mas na sua forma conhecida.Subjetivismo, relativismo esensualismo são as notas

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características do seu sistema deceticismo parcial. Platão deu o nomede Protágoras a um dos seusdiálogos, e a um outro o de Górgias.

Górgias de Leôncio

Górgias nasceu em Abdera, naSicília, em 480-375 a.C -correlacionado com Empédocles -representa a maior expressão práticada sofística, mediante o ensinamentoda retórica; teoricamente, porém,foi um filósofo ocasional,exagerador dos artifícios dadialética eleática. Em 427 foiembaixador de sua pátria em Atenas,para pedir auxílio contra ossiracusanos. Ensinou na Sicília, emAtenas, em outras cidades da Grécia,até estabelecer-se em Larissa naTessália, onde teria morrido com 109anos de idade. Menos profundo,porém, mais eloqüente que

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Protágoras, partiu dos princípios daescola eleata e concluiu também pelaabsoluta impossibilidade do saber. Éautor duma obra intitulada  "Do nãoser", na qual desenvolve as trêsteses:

Nada existe; se alguma coisa existisse não apoderíamos conhecer; se a conhecêssemos não apoderíamos manifestar aos outros. A provade cada uma destas proposições e umenredo de sofismas, sutis uns,outros pueris.

No Górgias de Platão, Górgiasdeclara que a sua arte produz apersuasão que nos move a crer semsaber, e não a persuasão que nosinstrui sobre as razões intrínsecasdo objeto em questão. Em suma, émais ou menos o que acontece com ojornalismo moderno. Para remediareste extremo individualismo, negadordos valores teoréticos e morais,

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Protágoras recorre à convençãoestatal, social, que deveriaestabelecer o que é verdadeiro e oque é bem!

2.3. SÓCRATES (em grego antigo:Σωκράτης, transl. Sōkrátēs; 469–399a.C

Esse filósofo “talvez seja apersonagem mais enigmática de toda ahistória da filosofia”. Sabe-se que“ele não escreveu uma única linha e,não obstante, está entre os quemaior influência exerceu sobre opensamento europeu. Seu fim trágicotalvez seja o que o tornou famosoaté mesmo entre os que conhecempouco de filosofia ... O que seconhece sobre ‘a vida de Sócrates’,provém, “através de Platão, seudiscípulo e também um dos maioresfilósofos da história”(GAARDER,1995).

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Note a discussão sobre o ProjetoFilosófico de Sócrates naperspectiva de Gaarder (1995, p. 78-74).

Sócrates foicontemporâneo dossofistas. Como eles,Sócrates também seocupava das pessoas e davida das pessoas, e nãodos problemas dosfilósofos naturais.Alguns séculos maistarde, um filósoforomano – Cícero – disseque Sócrates haviatrazido a filosofia docéu para a terra,transformado cidades ecasas em sua morada elevado às pessoas arefletir sobre a vida e

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os costumes, sobre o beme o mal.

Sócrates seautodenominava filósofo, nosentido mais verdadeiroda palavra. Um“filósofo” é, naverdade, um “amante dasabedoria”, alguém cujoobjetivo é chegar àsabedoria.

Um filósofo sabe muitobem que, no fundo, elesabe muito pouco,justamente por isto elevive tentando chegar aoverdadeiro conhecimento.Sócrates foi uma dessasraras pessoas. Ele sabiamuito bem que nada sabiasobre a vida e o mundo.

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E agora é que vem o maisimportante: o fato desaber tão pouco não odeixava em paz.

Um filósofo, portanto, éuma pessoa que reconheceque há muita coisa alémdo que ele pode entendere vive atormentado poristo. Desse ponto devista, ele é maisinteligente do que todosque vivem sevangloriando de seuspretensos conhecimentos.Mais inteligente éaquele que sabe que nãosabe. O próprio Sócratesdizia que a única coisaque sabia era que nãosabia de nada. Alémdisso, é tão perigoso

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fazer uma declaraçãodessas assimpublicamente que elapode lhe custar à vida.Os que questionam sãosempre os maisperigosos. Responder nãoé perigoso. Uma únicapergunta pode ser maisexplosiva do que milrespostas.

Como uma criança corajosa, veja ocaso “das roupas novas doImperador”, “Sócrates ousou mostraràs pessoas que elas sabiam muitopouco” (GAARDER, 1995).

Para ser mais preciso: ahumanidade está diantede questões importantes,para as quais não éfácil encontrar umaresposta adequada. E

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então se abrem duaspossibilidades: podemossimplesmente enganar anós mesmos e ao resto domundo como sesoubéssemos de tudo oque vale a pena saber,ou então podemossimplesmente fechar osolhos para essasquestões importantes edesistir para sempre deir em frente. Istodivide a humanidade emduas partes. De um modogeral, as pessoas ouacham que estão cem porcento certas, ou entãose mostram indiferentes(GAARDER, 1995, p. 84)

Parafraseando o filósofo Gaarder(1995, p. 82-84) “Sócrates era comoum curinga: nem cem por cento

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seguro, nem indiferente. Ele sabiaapenas que nada sabia, e isto oatormentava. Então se tornoufilósofo, isto é, alguém que nãodesiste, que busca incansavelmentechegar ao conhecimento”.

Vemos que “para Sócrates eraimportante encontrar um alicerceseguro para os nossosconhecimentos”. Este “alicerceestava na razão humana. E porqueacreditava muito na razão humana,Sócrates foi também um racionalistaconvicto” (GAARDER, 1995).

O Conhecimento do que é certo levaao agir correto: e o “ser sendosocrático” (ABBAGNANO, 1968).

Como já disse com Gaarder (1995, p.81-84).

Sócrates acreditavaouvir uma voz divina

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dentro de si, e esta“consciência” lhe diziao que era certo. Paraele, quem sabe o que ébom acaba fazendo o bem.Sócrates acreditava queo conhecimento do que écerto leva ao agircorreto. E só quem faz oque é certo – assimdizia Sócrates – pode setransformar num homem deverdade. Quando agimoserroneamente, istoacontece porque nãosabemos como fazermelhor. Por isso é tãoimportante ampliarnossos conhecimentos.Sócrates estavapreocupado justamente emencontrar definiçõesclaras e válidas

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universalmente para oque é certo e o que éerrado. Contrariamenteaos sofistas, eleacreditava que acapacidade de distinguirentre o certo e o erradoestava na razão, e nãona sociedade.

Sócrates achavaimpossível alguém serfeliz se agisse contrasuas própriasconvicções. E aquele quesabe como se tornar umapessoa feliz certamentetentará fazê-lo. Porisso é que faz a coisacerta aquele que sabe oque é certo. Poisninguém deseja serinfeliz, não é mesmo?

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Será que vocêconseguiria ser feliz setivesse que viverrepetindo coisas que láno fundo do seu coraçãovocê não acha certas? Hámuitas pessoas quementem o tempo todo,roubam e caluniam.Muitas bem, elas sabemperfeitamente que istonão é certo – ou justo,se você preferir. Vocêacha que isto as deixafeliz? Sócrates achavaque não.

Mas no meu entender quando Sócratesnos diz que naturalmente como a mãe(educando) dá a luz à criança(conhecimento teórico e sua prática– ética e moral) assitida pela

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parteira (filósofo), faz entenderque a natureza humana com toda suapotencialidade está para aconcretização da humanizaçãodinamizada pela razão. Então o serhumano é capaz de saber o certo nãosó teoricamente, mas concretamente,é o ser sendo. Para Sócrates nãobasta só saber que sabe o que écerto, é necessário práticar o certo(GAARDER, 1968). Ex. Embora sabendoo caminho pelo mapa para chegar aBoa Vista/RR, mas se não faço opercurso, não sei concretamente.Pratico os atos desumanos por quenão sei o que são atos humanos. Vejaque esse saber é sempre relativo e épautado pelo “só sei que nada sei”.Está em constante aprendizagem erenovação.

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2.4. PLATÃO DE ATENAS (428/ 27 –347a.C.)

Jostein Gaarder5

Filósofo grego, discípulo deSócrates, fundador da Academia emestre de Aristóteles. Acredita-seque seu nome verdadeiro tenha sidoArístocles; Platão era um apelidoque, provavelmente, fazia referênciaà sua caracteristica física, talcomo o porte atlético ou os ombroslargos, ou ainda a sua amplacapacidade intelectual de tratar dediferentes temas. Πλάτος (plátos) emgrego significa amplitude, dimensão,largura.

O Eternamente Verdadeiro EternamenteBelo e Eternamente Bom.

No início deste nosso curso defilosofia, eu lhe disse que o5 Apresenta-se a transcrição desse autor na obra o Mundo de Sofia. Romance de História da Filosofia. São Paulo: Cia das Letras, 1995, p.93-109.

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interessante é perguntar peloprojeto de determinado filósofo.Nesse sentido, o que será que Platãoqueria investigar?

Para resumir em poucas palavras:Platão interessava-se pela relaçãoentre aquilo que, de um lado, éeterno e imutável, e aquilo que, deoutro, “flui”. (Exatamente como ospré-socráticos, portanto!).

Dissemos que os sofistas e o próprioSócrates haviam se afastado dasquestões da filosofia natural e seinteressado mais pelo homem e pelasociedade. E isto está absolutamentecerto. Mas também Sócrates e ossofistas ocupavam-se de certa formacom a relação entre aquilo que, deum lado, é eterno e imutável, eaquilo que, de outro, “flui”. Etocavam neste ponto quando setratava da moral do homem e dos ideais

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ou virtudes da sociedade. De modomuito geral, os sofistas achavam quea questão sobre o que era certo eerrado modificava-se de cidade-estado para cidade-estado e degeração para geração. Para eles,portanto, essa questão de certo ouerrado era “algo que fluía”.Sócrates não podia aceitar isto. Eleacreditava em regras ou normaseternas, que governavam o agir doshomens. Se usarmos apenas a nossarazão – dizia ele -, poderemosreconhecer todas essas normasimutáveis, pois a razão humana éprecisamente algo eterno e imutável.

Platão se interessava tanto pelo queé eterno e imutável na naturezaquanto pelo que é eterno e imutávelna moral e na sociedade. Para eletratavam-se, em ambos os casos, deuma mesma coisa. Ele tentavaentender uma “realidade” que fosse

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eterna e imutável. E, para serfranco, é para isto que os filósofosexistem. Eles não estão preocupadosem eleger a mulher mais bonita doano, ou os tomates mais baratos dofim de feira. (E exatamente por issonem sempre são vistos com bonsolhos!) Os filósofos não seinteressam muito por essas coisasefêmeras e cotidianas. Eles tentammostrar o que é “eternamenteverdadeiro”, “eternamente belo” e“eternamente bom”.

Com isto podemos ter uma vaga ideiados contornos do projeto filosóficode Platão. A partir de agora vamostratar de um ponto de cada vez.Vamos tentar entender um raciocínioextraordinário, que deixou marcasprofundas em toda a filosofiaeuropéia surgida depois.

O Mundo das Idéias

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Empédocles e Demócrito já tinham noschamado a atenção para o fato deque, apesar de todos os fenômenos danatureza “fluírem”, havia “algo” quenunca se modificava (as “quatroraízes” ou os “átomos”). Platãotambém se dedicou a este problema,mas de forma completamentediferente.

Platão achava que tudo o que podemostocar e sentir na natureza “flui”.Não existe, portanto, um elementobásico que não se desintegre.Absolutamente tudo o que pertence ao“mundo dos sentidos” é feito de ummaterial sujeito à corrosão do tempo.Ao mesmo tempo, tudo é formado apartir de uma forma eterna eimutável.

Por que todos os cavalos são iguais.Talvez você ache que eles não sãoiguais. Mas existe algo que é comum

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a todos os cavalos; algo que garanteque nós jamais teremos problemaspara reconhecer um cavalo.Naturalmente, o “exemplar” isoladodo cavalo, este sim “flui”, “passa”.Ele envelhece e fica manco, depoisadoece e morre. Mas a verdadeira“forma do cavalo” é eterna eimutável.

Para Platão, este aspecto eterno eimutável não é, portanto, um“elemento básico” físico. Eternos eimutáveis são os modelos espirituaisou abstratos, a partir dos quaistodos os fenômenos são formados.

Eu explico melhor: os pré-socráticostinham oferecido uma explicaçãomuito plausível para astransformações da natureza, sem terde pressupor que algo efetivamente“se transformava”. Eles achavam queno ciclo da natureza havia

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partículas mínimas, eternas econstantes, que não sedesintegravam. Muito bem, Sofia! Eudisse muito bem! Só que eles nãotinham uma explicação aceitável decomo estas partículas mínimas, queum dia tinham se juntado para formarum cavalo, se juntavam novamentequatrocentos ou quinhentos anos maistarde para formar outro cavalo,novinho em folha! Ou um elefante, ouum crocodilo. O que Platão querdizer é que os átomos de Demócritonunca podem se juntar para formar um“crocofante” ou um “eledilo”. E foiisto, precisamente, que colocou emmarcha suas reflexões filosóficas.

Se você já entendeu o que estoudizendo, pode pular este parágrafo.Caso não tenha entendido, vou tentarser mais claro: digamos que vocêpegue uma caixa cheia de peças deLego e construa um cavalo. Depois

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você desmancha o que fez e recolocaas peças de volta na caixa. Você nãopode esperar obter outro cavaloapenas chacoalhando a caixa depeças. Afinal, como é que as peçasde Lego podem produzir um cavalo porsi mesmas? Não… você é que tem quemontar o cavalo novamente. E se vocêconseguir, isto significa que na suacabeça você tem uma imagem do queseja um cavalo. O cavalo de Lego foiformado, portanto, a partir de umaimagem padrão que permaneceinalterada de cavalo para cavalo.

Você não chegou a uma conclusãosemelhante sobre os cinqüenta bolosiguais? “Meu nome é Platão, e eugostaria de propor quatro tarefaspara você. Primeiro, gostaria quevocê refletisse sobre como umpadeiro consegue assar cinqüentabolos exatamente iguais”(GAARDER,2000, p.92). Vamos imaginar agora

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que você caia do espaço na Terra enunca tenha visto uma padaria. Entãovocê passa pela vitrine muitoconvidativa de uma padaria e vêemsobre um tabuleiro cinqüenta broasexatamente iguais, todas em forma deanõezinhos. Suponho que, nessascondições, você vá coçar a cabeça ese perguntar como todas aquelasbroas podem ser iguais. E é bempossível que você perceba que umanãozinho está sem um braço, o outroperdeu um pedaço da cabeça e umterceiro tem uma barriga maior que ados outros. Contudo, depois depensar bem, você chega à conclusãode que todas as broas em forma deanãozinho têm um denominador comum.Embora nenhum deles sejaabsolutamente perfeito, vocêsuspeita que eles devam ter umaorigem comum. E chega à conclusão deque todos foram assados na mesma

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fôrma.

Isto desperta o desejo de ver estafôrma, pois fica claro que ela deveser indescritivelmente mais perfeitae, de certa forma, mais bonita doque uma de suas frágeis eimperfeitas cópias.

Se você resolveu esta questãosozinha, então você conseguiuresolver um problema filosóficoexatamente da mesma maneira quePlatão. Como a maioria dosfilósofos, ele também “caiu doespaço na Terra”, por assim dizer.“Ele foi lá para a pontinha dosfinos pêlos do coelho... Quanto aocoelhinho branco, talvez seja melhorcompará-lo com todo o universo. Nós,que vivemos aqui, somos os bichinhosmicroscópicos que vivem na base dospêlos do coelho. Mas os filósofos

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tentam subir da base para a pontados finos pêlos, a fim de poderolhar bem dentro dos olhos do grandemágico”. Platão ficou admirado com asemelhança entre todos os fenômenosda natureza e chegou, portanto, àconclusão de que “por cima” ou “portrás” de tudo o que vemos à nossavolta há um número limitado deformas. A estas formas Platão deu onome de idéias. Por trás de todos oscavalos, porcos e homens existem a“idéia cavalo”, a “idéia porco” e a“idéia homem”. E é por causa distoque a citada padaria pode fazerbroas em forma de porquinhos ou decavalos, além de anõezinhos. Poisuma padaria que se preze geralmentetem mais que uma fôrma. Só que umaúnica fôrma é suficiente para todoum tipo de broa (GAARDER, 2000, 26).

Conclusão: Platão acreditava numarealidade autônoma por trás do

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“mundo dos sentidos”. A estarealidade ele deu o nome de mundo dasidéias. Nele estão as “imagenspadrão”, as imagens primordiais, eternase imutáveis, que encontramos nanatureza. Esta notável concepção échamada por nós de a teoria das idéias dePlatão.

O Verdadeiro Conhecimento

Mas talvez você esteja seperguntando se Platão estavarealmente falando sério. Será queele acreditava mesmo que taisfenômenos pudessem existir numarealidade totalmente diferente?

Certamente ele não pensouliteralmente desta forma durantetoda a sua vida, mas a leitura dealguns de seus diálogos deixa claroque é assim que ele quer serentendido. Vamos tentar acompanharsua linha de argumentação.

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Como dissemos, um filósofo tentaentender algo que é eterno eimutável. Teria pouco sentido, porexemplo, escrever todo um tratado defilosofia sobre a existência dedeterminada bolha de sabão. Emprimeiro lugar, porque se teriapouca chance de examiná-lacuidadosamente antes que eladesaparecesse. Em segundo, porquedificilmente se conseguiria venderum tratado filosófico sobre algo queninguém viu e que existiu por apenasalguns segundos.

Platão achava que tudo o que vemosao nosso redor na natureza, tudo oque podemos tocar pode ser comparadoa uma bolha de sabão. Pois nada doque existe no mundo dos sentidos éduradouro. Você concorda que todasas pessoas e todos os animais maiscedo ou mais tarde morrem edesaparecem, não é mesmo? Até um

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bloco de mármore aos poucos vai sedesfazendo e se desintegrando. (AAcrópole de hoje não passa deruínas. Uma coisa escandalosa, sevocê quer saber a minha opinião. Masa vida é essa…) Platão é da opiniãode que nunca podemos chegar aconhecer verdadeiramente algo que setransforma. Sobre as coisas do mundodos sentidos, coisas tangíveis,portanto, não podemos ter senãoopiniões incertas. E só podemos chegara ter um conhecimento seguro daquiloque reconhecemos com a razão.

Retornando ao exemplo da broa emforma de anãozinho, pode muito bemacontecer de alguma coisa dar erradoenquanto o padeiro está fazendo amassa, ou então enquanto a broa estácrescendo ou assando, de tal modoque, no fim, não seja possível dizerque formato aquela broa tem. Masdepois de eu ter visto vinte, trinta

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broas em forma de anãozinho, poismais imperfeitas que elas sejam,posso ter uma idéia clara do formatoque possui a fôrma em que elas foramassadas. E posso chegar a estaconclusão mesmo sem nunca ter vistoa fôrma. Aliás, nada garante queseria melhor ver a fôrma com ospróprios olhos, isto porque nemsempre podemos confiar em nossossentidos. A faculdade de visão podevariar de pessoa para pessoa. Deoutra parte, podemos confiar no quea razão nos diz, pois a razão é amesma para todas as pessoas.

Se você está numa sala de aula comtrinta alunos e o professor perguntaqual a cor mais bonita do arco-íris,certamente ele ouvirá muitasrespostas diferentes. Mas se eleperguntar quanto é três vezes oito,a classe inteira deve chegar aomesmo resultado. É que neste caso é

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a razão quem julga; e a razão é, decerta forma, o extremo oposto deachar e sentir. Podemos dizer que arazão é eterna e universal,justamente porque ela só semanifesta sobre dados que sãoeternos e universais.

Platão interessou-se muito pormatemática, exatamente porque osdados matemáticos nunca se alteram.Por isso podemos chegar a umconhecimento seguro no que dizrespeito à matemática. Mas vamos darum exemplo: imagine que vocêencontre na floresta uma pinharedonda. Talvez você diga que “acha”a pinha perfeitamente redonda, maspode ser que [sua amiga] Joanaafirme que a pinha está um poucoamassada de um lado. (E aí vocêscomeçam a discutir!) Só que não dápara vocês chegarem a umconhecimento seguro sobre aquilo que

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vêem. Por outro lado, vocês sabemque a soma dos ângulos de um círculoé exatamente 360°. Neste caso,porém, vocês estão falando de umcírculo ideal, que não existe nanatureza, mas que vocês conseguemvisualizar perfeitamente com os“olhos de dentro”. (Vocês estãofalando sobre o formato oculto dafôrma, e não sobre uma broaespecífica, casual, que está sobre amesa da cozinha.)

Para resumir brevemente: não podemoster senão opiniões incertas sobretudo o que sentimos ou percebemossensorialmente. Mas podemos chegar a umconhecimento seguro sobre aquilo quereconhecemos com nossa razão. A somados ângulos de um triângulo é 180°.E será assim por toda a eternidade.Da mesma forma, a “idéia” de que umcavalo terá sempre quatro patascontinuará válida, ainda que todos

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os cavalos do mundo dos sentidosfiquem mancos de uma perna.

Uma Alma Imortal

Vimos que, para Platão, a realidadese dividia em duas partes.

A primeira parte é o mundo dossentidos, do qual não podemos tersenão um conhecimento aproximado ouimperfeito, já que para tantofazemos uso de nossos cinco(aproximados e imperfeitos)sentidos. Nesse mundo dos sentidos,tudo “flui” e, conseqüentemente,nada é perene. Nada é no mundo dossentidos; nele, as coisassimplesmente surgem e desaparecem.

A outra parte é o mundo das idéias, doqual podemos chegar a ter umconhecimento seguro, se para tantofizermos uso de nossa razão. Estemundo das idéias não pode, portanto,

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ser conhecido através dos sentidos.Em compensação, as idéias (ouformas) são eternas e imutáveis.

Para Platão, portanto, o homemtambém é um ser dual. Temos um corpo,que “flui” e que estáindissoluvelmente ligado ao mundodos sentidos, compartilhando domesmo destino de todas as outrascoisas presentes neste mundo (porexemplo, uma bolha de sabão). Todosos nossos sentidos estão ligados aeste corpo e, conseqüentemente, nãosão inteiramente confiáveis. Mastambém possuímos uma alma imortal,que é a morada da razão. Ejustamente porque a alma não ématerial, ela pode ter acesso aomundo das idéias.

Platão também achava que a alma jáexistia antes de vir habitar nossocorpo. E ela existia no mundo das

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idéias. (Ela ficava junto com asfôrmas de bolo lá no alto daprateleira.) Entretanto, no momentomesmo em que a alma passa a habitaro corpo humano, ela se esquece dasidéias perfeitas. E então tem inícioum processo extraordinário: quandoas pessoas entram em contato com asformas da natureza, aos poucos umavaga lembrança vai emergindo dentrode sua alma. O homem vê um cavalo,mas um cavalo imperfeito (ou umabroa em forma de cavalinho!). E istoé suficiente para despertar na suaalma a vaga lembrança do cavaloideal que ela conheceu um dia nomundo das idéias. Ao mesmo tempo emque ocorre isto desperta no homem umanseio de retornar à verdadeiramorada da alma. Platão chamava esteanseio, esta saudade, de Eros, quesignifica amor. A alma experimenta,portanto, um “anseio amoroso” de

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retornar à sua verdadeira morada. Apartir de então, ela passa aperceber o corpo e tudo o que ésensorial como imperfeito esupérfluo. Nas asas do amor, a almadeseja voar “de volta para casa”,para o mundo das idéias. [Veja naBíblia, em Lc 15.11-32, a parábolado filho pródigo.] Ela quer selibertar do cárcere do corpo.

Devo dizer sem demora que Platãodescreve aqui o desenrolar ideal deuma vida, pois é claro que nem todasas pessoas liberam suas almas paraque elas possam empreender umajornada de volta ao mundo dasidéias. A maioria das pessoas apega-se aos “reflexos” das idéias nomundo dos sentidos. Elas vêem umcavalo, e outro, e depois outro. Masnão conseguem ver aquilo de que ocavalo é apenas uma imitaçãogrosseira. (Elas entram na cozinha e

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“atacam” as broas, sem se perguntarde onde elas surgiram.) O que Platãodescreve é o caminho percorrido pelofilósofo. Podemos considerar suafilosofia a descrição da atividadede um filósofo.

Quando você vê uma sombra, na mesmahora você pensa que alguma coisadeve estar projetando esta sombra.Por exemplo, pode acontecer de vocêver a sombra de um animal. Talvez ade um cavalo, mas você não está bemcerta. Então você se vira e vê oanimal verdadeiro, que,naturalmente, é muito mais bonito ede contornos mais nítidos do que aimprecisa sombra. É POR ISSO QUEPLATÃO CONSIDERA TODOS OS FENÔMENOSDA NATUREZA MEROS REFLEXOS DASFORMAS ETERNAS, OU IDÉIAS. Só que amaioria das pessoas está satisfeitacom sua vida em meio a essesreflexos sombreados. Elas acreditam

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que as sombras são tudo o queexiste, e por isso não as vêem comosombras. Com isto, esquecem-setambém da imortalidade de suasalmas.

Deixando para trás as trevas daCaverna

Platão nos conta uma parábola queilustra bem esta reflexão. Nós aconhecemos por alegoria da caverna. Voucontá-la com minhas própriaspalavras.

Imagine um grupo de pessoas quehabitam o interior de uma cavernasubterrânea. Elas estão de costaspara a entrada da caverna eacorrentadas no pescoço e nos pés,de sorte que tudo o que vêem é aparede da caverna. Atrás delasergue-se um muro alto e por trásdesse muro passam figuras de formashumanas sustentando outras figuras

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que se elevam para além da borda domuro. Como há uma fogueira queimandoatrás dessas figuras, elas projetamsombras bruxuleantes na parede dacaverna. Assim, a única coisa que aspessoas da caverna podem ver é este“teatro de sombras”. E como essaspessoas estão ali desde que nasceramelas acham que as sombras que vêemsão as únicas coisas que existe.

Imagine agora que um desseshabitantes da caverna consiga selibertar daquela prisão.Primeiramente ele se pergunta deonde vêm aquelas sombras projetadasna parede da caverna. Depoisconsegue se libertar dos grilhõesque o prendem. O que você acha queacontece quando ele se vira para asfiguras que se elevam para além daborda do muro? Primeiro, a luz é tãointensa que ele não consegueenxergar nada. Depois, a precisão

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dos contornos das figuras, de queele até então só vira as sombras,ofusca a sua visão. Se ele conseguirescalar o muro e passar pelo fogopara poder sair da caverna, terámais dificuldade ainda para enxergardevido à abundância de luz. Masdepois de esfregar os olhos, eleverá como tudo é bonito. Pelaprimeira vez verá cores e contornosprecisos; verá animais e flores deverdade, de que as figuras na parededa caverna não passavam de imitaçõesbaratas. Suponhamos, então, que elecomece a se perguntar de onde vêm osanimais e as flores. Ele vê o Solbrilhando no céu e entende que o Soldá vida às flores e aos animais danatureza, assim como também eragraças ao fogo da caverna que elepodia ver as sombras refletidas naparede.

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Agora, o feliz habitante dascavernas pode andar livremente pelanatureza, desfrutando da liberdadeque acabara de conquistar. Mas asoutras pessoas que ainda continuamlá dentro da caverna não lhe saem dacabeça. E por isso ele decidevoltar. Assim que chega lá, eletenta explicar aos outros que assombras na parede não passam detrêmulas imitações da realidade. Masninguém acredita nele. As pessoasapontam para a parede da caverna edizem que aquilo que vêem é tudo oque existe. Por fim, acabam matando-o.

O que Platão nos mostra com estaalegoria da caverna é o caminho queo filósofo percorre das noçõesimprecisas para as idéias reais queestão por trás dos fenômenos danatureza. Na certa Platão tambémestava pensando em Sócrates, que

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tinha sido morto pelos “habitantesda caverna” por ter colocado emdúvida as noções a que eles estavamhabituados e por querer lhes mostraro caminho do verdadeiroconhecimento. Desta forma, aalegoria da caverna é uma imagem dacoragem e da responsabilidadepedagógica do filósofo.

Platão defende o ponto de vista deque a relação entre as trevas dacaverna e a natureza fora delacorresponde à relação entre asformas da natureza e o mundo dasidéias. Ele não acha a natureza emsi sombria e triste, mas acha simque ela é sombria e triste em relaçãoà clareza das idéias. A foto de umabela jovem não é sombria e triste.Ao contrário. Só que não deixa deser uma foto.

O Estado dos Filósofos

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Platão dividiu o corpo humano emtrês partes: cabeça (razão),peito(vontade) e baixo-ventre(desejo ou prazer) e achava quequando elas agiam como um todotinha-se o homem íntegro, queatingiu a temperança. Imaginava umEstado-modelo dirigido por filosófose o constituía como o ser humanoonde a cabeça seria os governantes;o peito (defesa), os sentinelas; e obaixo-ventre, os trabalhadores. Eraextremamente racionalista e cria quetanto homens quanto mulherespossuíam capacidade de governar,desde que estas tivessem a mesmaformação daqueles.

Método Dialético de Platão (http://www.filoinfo.bem-

vindo.net/plotinus/node/746)6

6 Aapresenta-se a transcrição do conteúdo de http://www.filoinfo.bem-vindo.net/plotinus/node/746> acesso em 22.01.2010.

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Assim, a matemática é uma ciência damedida que nos colocou na via dointeligível. Mas será ela a únicaciência da medida? Será ela a ciênciada medida? Já no Protágoras (356 e),Platão notava que se devêssemosescolher para a nossa salvação entre opar e o ímpar, necessitaríamos de outraciência da medida que não aquela quenos permite definir o par e o ímpar,necessitaríamos de uma ciência damedida que nos permitisse medir o par eo ímpar em função da nossa salvação.Uma tal ciência da medida seria umaciência da Justa Medida capaz decondenar tanto o excesso como odefeito. Mas é sobretudo no Político(283 c e seg.) que a distinção épormenorizada (Cf. Rodier, Etudes dephilosophie grecque, Paris — p. 37: Lesmathématiques et la dialetique dans lesystème de Platon). Platão distingue aíduas ciências da medida (metretike). A

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matemática, por um lado, que estuda asrelações recíprocas — esta arte damedida possui apenas relações degrandeza, dá-nos apenas medidasrelativas—; a dialética, por outro, quetrata das relações em função da justamedida (pros to metrion) A matemática,de fato, apreende algo do ser, mas issofaz-se como num sonho (oromen osoneirot tousi menrpei to on, Rep., VII,533 c), pois parte de hipóteses, ouseja, não de suposições, mas deproposições de base, que não justifica;a partir dessas proposições de baseencaminha-se para uma conclusão(teleute, Rep., VI, 510 b — Heidegger,Qu'appelle-t-on penser? Paris, 1959, p.188) mas não regressa ao seu princípio(arche). A dialética, pelo contrário,não procede em direcção a umaconclusão, é antes «a única que,rejeitando sucessivamente todas ashipóteses, se ergue até ao próprio

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princípio de modo a assegurarsolidamente as suas conclusões, a únicada qual é verdade dizer que retirapouco a pouco o olho da alma da lamagrosseira em que estava enterrado, e oeleva ao alto tendo ao seu serviço eutilizando para tal as artes queenumeramos» (Rep., VII, 533 cd). Adialética trata da geração no sentidoda essência (genesis eis ousian, Fil.,26 d, cf. Pol., 283 d). Zeller faznotar que esta expressão é estranhapois não existe nem devir nem geraçãonas ideias; mas, como muito justamentefaz notar Rodier (Etudes de philosophiegrecque), também não existe essência nomundo sensível; se Platão fala de umageração no sentido da essência, éporque qualquer geração tem por fim aideia, a essência, ou seja, o Bem; nabase de qualquer devir está umafinalidade que a dialética tem aresponsabilidade de descobrir.

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Deste modo, o dialéctico é não só«aquele que atinge o conhecimento daessência de cada coisa» (Rep., VII, 534b), mas é ainda aquele que, chegado aocoroamento e ao cume de todas as outrasciências, já não vê as coisas e osseres como posicionados uns ao lado dosoutros, ou mesmo uns contra os outros,mas possui antes, de todas as coisas,uma visão sinóptica graças à qual tudolhe surge à luz de uma unidade que nãoé mais que a do Bem. Assim, «aquele queé capaz de uma visão de conjunto é umdialético; os outros não o são» (o mengar synoptikos dialektikos o de me ou,Rep., VII, 537 c).

Esta dialética compreende dois momentos(cf. Rep., VI, 511 b, e Fedro, 265 d):

a) Uma dialética ascendente (synagoge)que se eleva de ideia em ideia até aonão hipotético, até à Ideia de todas asideias, ou seja, o Bem, que ultrapassa

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em majestade e em poder a própriaessência e que se mantém portanto paraalém dela (epekeina tes ousias presbeiakai dynamei Rep., VI, 509 &). Adialética ascendente vai portanto domúltiplo ao uno, de modo a descobrir oprincípio de cada coisa, e depois oprincípio dos princípios; é ela queSócrates usa nos diálogos morais.

5) Uma dialética descendente(diairesis) que procura desenvolver,através do poder da razão, asdiferentes consequências desseprincípio não hipotético sobre o qualtudo repousa, e reconstruir deste modoa série das ideias sem recorrer àexperiência. Platão compara destamaneira o dialético com um cortador detalho capaz de dissecar um corpo pelassuas articulações naturais (Fedro, 265e). A dialética descendente é aquela

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que podemos encontrar aplicada naRepública e no Timeu.

Compreende-se assim o que quer dizerSócrates quando confessa a Fedro: «Épor isso, Fedro, que estou quanto a mimmuito apaixonado: por essas divisões(diaireseon) e essas ligações(synagogon), tendo em vista ser capazde falar e de pensar. Para além disso,se julgo ver noutra pessoa uma aptidãopara dirigir o olhar na direção de umaunidade e que seja a unidade natural deuma multiplicidade, esse homem,persegui-lo-ei» (Fedro, 266 b).

2.5. ARISTÓTELES DE ESTAGIRA (384a.C. – 322 a.C.)

Jostein Gaarder7

7 Apresenta-se a transcrição desse autor na obra o Mundo de Sofia. Romance de História da Filosofia. São Paulo: Cia das Letras, 1995, p.120-

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Filósofo e Cientista

É provável que fiquemosimpressionados com a teoria dasidéias, de Platão. Podemos fazercríticas à teoria de Platão, estasmesmas críticas já foram feitas porAristóteles (384-322 a.C.). Durantevinte anos ele foi aluno da Academiade Platão.

Aristóteles não nasceu em Atenas.Ele era natural da Macedônia e veiopara a Academia quando Platão tinhasessenta e um anos. Seu pai era ummédico de renome; um cientista danatureza, portanto. Este pano defundo já diz alguma coisa sobre oprojeto filosófico de Aristóteles.Seu maior interesse estavajustamente na natureza viva. Ele nãofoi apenas o último grande filósofogrego; foi também o primeiro grandebiólogo da Europa.205.

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Exagerando um pouco, podemos dizerque Platão estava tão mergulhado nasformas eternas, no mundo das“ideias”, que quase não registrou asmudanças da natureza. Aristóteles,ao contrário, interessava-sejustamente pelas mudanças, poraquilo que hoje chamamos deprocessos naturais.

Exagerando mais ainda, podemos dizerque Platão se apartou do mundo dossentidos e que só percebia muitosuperficialmente tudo aquilo quevemos ao nosso redor. (É que elequeria escapar da caverna paraespiar o eterno mundo das idéias!)Aristóteles fez exatamente ocontrário: ele saiu ao encontro danatureza e estudou peixes e rãs,anêmonas e papoulas.

Você bem poderia dizer que enquantoPlatão usou apenas sua razão,

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Aristóteles – ao contrário – usoutambém seus sentidos.

Mas há nítidas diferenças entreeles, até mesmo na forma deescrever. Enquanto Platão era poetae criador de mitos, os escritos deAristóteles são sóbrios epormenorizados como os verbetes deuma enciclopédia. Em compensação,muito do que ele escreveu estavabaseado em estudos naturaisrealizados com extrema diligência.

Registros da Antigüidade dão contade não menos que cento e setentatítulos assinados por Aristóteles.Destes, quarenta e sete chegaram aténossos dias. Não se tratava delivros completos. A maior parte dosescritos de Aristóteles compõe-se deapontamentos feitos para suas aulas.Também na época de Aristóteles, a

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filosofia era essencialmente umaatividade oral.

A importância de Aristóteles para acultura européia está também no fatode ele ter criado uma linguagemtécnica usada ainda hoje pelas maisdiversas ciências. Ele foi o grandesistematizador, o homem que fundou eordenou as várias ciências.

Como Aristóteles escreveu sobretodas as ciências, vou me limitar atratar aqui sobre algumas das áreasmais importantes.

E como me detive tanto em Platão,quero falar a você primeiramentesobre os argumentos de Aristótelescontra a teoria das idéias dePlatão. Na seqüência, veremos comoele formulou sua própria filosofianatural. Afinal, Aristóteles resumiuo que os filósofos naturais haviamdito antes dele. Veremos também como

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ele tenta colocar em ordem nossosconceitos e funda a lógica comociência. Por fim, vou falar um poucosobre a visão que Aristóteles tinhado homem e da sociedade.

As Idéias não são Inatas

Assim como os filósofos que oantecederam, Platão também queriaencontrar algo de eterno e deimutável em meio a todas asmudanças. Foi assim que ele chegouàs idéias perfeitas, que estão acimado mundo sensorial. Além disso,Platão considerava essas idéias maisreais do que os próprios fenômenosda natureza. Primeiro vinha a idéia“cavalo” e depois todos os cavalosdo mundo dos sentidos, trotando comosombras projetadas sobre a parede deuma caverna. A idéia “galinha”vinha, portanto, antes da galinha edo ovo.

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Aristóteles achava que Platão tinhavirado tudo de cabeça para baixo.Ele concordava com seu mestre em queo exemplar isolado do cavalo “flui”,passa, e que nenhum cavalo vive parasempre. Ele também concordava que,em si, a forma do cavalo era eternae imutável. Mas a “idéia” cavalo nãopassava para ele de um conceitocriado pelos homens e para oshomens, depois de eles terem vistocerto número de cavalos. A “idéia”ou a “forma” cavalo não existia,portanto, antes da experiênciavivida. Para Aristóteles, a “forma”cavalo consiste nas característicasdo cavalo, ou seja, naquilo quechamaríamos de espécie.

Vou explicar melhor: Aristótelesentendia por “forma” aquilo quetodos os cavalos têm em comum. Eaqui a imagem da fôrma de fazerbroas perde a sua validade, pois as

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fôrmas de fazer broas existemindependentemente de cada broa emparticular. Aristóteles nãoacreditava que houvesse na naturezaum armário, por assim dizer, comfôrmas desse tipo. Para ele, as“formas” estavam dentro das própriascoisas; as “formas” das coisas eramsuas características próprias.

Aristóteles também não concordavacom Platão no que se refere ao fatode a “idéia” galinha vir antes dagalinha propriamente dita. Aquiloque Aristóteles chama de a “forma”galinha está em todas as galinhas esão as características quedistinguem as galinhas. Por exemplo,o fato de elas botarem ovos. Assim,a galinha em si e a “forma” galinhasão duas coisas tão inseparáveisquanto o corpo e a alma.

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Com isto resumimos a essência dascríticas de Aristóteles à teoria dasidéias de Platão. Mas você deveatentar bem para o fato de estarmosfalando de uma dramática mudança depensamento. Para Platão, o graumáximo de realidade está em pensarmoscom a razão. Para Aristóteles, aocontrário, era evidente que o graumáximo de realidade está empercebermos ou sentirmos com ossentidos. Platão considera tudo oque vemos ao nosso redor na naturezamero reflexos de algo que existe nomundo das idéias e, por conseguinte,também na alma humana. Aristótelesachava exatamente o contrário: o queexiste na alma humana nada mais é doque reflexos dos objetos danatureza. Para Aristóteles, Platãofoi prisioneiro de uma visão míticado mundo, que confundia as idéiasdos homens com a realidade do mundo.

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Aristóteles nos chama a atenção parao fato de que não existe nada naconsciência que já não tenha sidoexperimentado antes pelos sentidos.Platão poderia ter dito que nãoexiste nada na natureza que nãotivesse existido antes no mundo dasidéias. Aristóteles achava que,desta forma, Platão estavaduplicando o número de coisas. Eletinha explicado o exemplar isoladodo cavalo fazendo referência à“idéia” cavalo. Mas que tipo deexplicação é esta, Sofia? Querodizer, de onde saiu a “idéiacavalo”? Será que, nessa linha deraciocínio, não poderia existirainda um terceiro cavalo, de que a“idéia” cavalo não fosse senão umaimitação?

Aristóteles achava que todas asnossas idéias e pensamentos tinhamentrado em nossa consciência através

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do que víamos e ouvíamos. Mas nóstambém temos uma razão inata. Temosuma capacidade inata de ordenar emdiferentes grupos e classes todas asnossas impressões sensoriais. Éassim que surgem conceitos como osde “pedra”, “planta”, “animal” e“homem”. É assim que surgem osconceitos de “cavalo”, “lagosta” e“canarinho”.

Aristóteles não negava que o homemtivesse uma razão inata. Muito pelocontrário: para ele, a razão eraprecisamente a característica maisimportante do homem. Só que nossarazão permanece “vazia” enquanto nãopercebemos nada. Uma pessoa,portanto, não possui “idéias”inatas.

As Formas são as Características dasCoisas

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Após ter marcado bem a sua posiçãoem relação à teoria das idéias dePlatão, Aristóteles constatou que arealidade consiste em várias coisasisoladas, que representam umaunidade de forma e substância. A“substância” é o material de que acoisa se compõe, ao passo que a“forma” é a característica peculiarda coisa.

Uma galinha bate as asas na suafrente, Sofia. A “forma” da galinhaé precisamente o bater de asas, ocacarejar e a postura de ovos.Assim, as “formas” da galinha são ascaracterísticas próprias da espécie.Em outras palavras, a “forma” dagalinha é aquilo que ela faz. Quandoa galinha morre – e, portanto, parade cacarejar -, a “forma” da galinhatambém deixa de existir. A únicacoisa que resta é a “substância” da

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galinha. Mas aquilo não é mais umagalinha.

Como já disse, Aristóteles seinteressava pelas mudanças danatureza. A substância sempreencerra a possibilidade de vir aadquirir determinada forma. Podemosdizer que a substância se esforçapor concretizar uma possibilidadeque lhe é inerente. Assim, paraAristóteles, toda mudança observadana natureza é uma transformação,ocorrida na substância, de umapossibilidade para uma realidade.

Sim, sim, Sofia… vou explicarmelhor. E vou tentar fazê-locontando a você uma históriaengraçada. Era uma vez um escultorque vivia debruçado sobre um grandebloco de granito. Todos os dias eledava umas batidinhas naquela pedraamorfa. Um dia, um jovem veio

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visitá-lo. – O que você estáprocurando? – perguntou o jovem. –Espere e verá – respondeu oescultor. Depois de alguns dias ojovem voltou e o escultor tinha“tirado da pedra” um belo cavalo.Surpreso, o jovem ficou um longotempo parado diante do cavalo, atéque perguntou ao escultor: - Como éque você sabia que ele estava ládentro?

Sim, como é que ele sabia? De certaforma, o escultor tinha visto aforma do cavalo no bloco de granito,pois precisamente este bloco degranito encerrava a possibilidade dese transformar num cavalo.Aristóteles achava que todas ascoisas da natureza encerram apossibilidade de concretizardeterminada forma.

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Vamos voltar ao ovo e à galinha. Umovo de galinha encerra apossibilidade de se transformar numagalinha. Isto não significa quetodos os ovos de galinha chegam a setransformar em galinhas; afinal,muitos deles acabam na mesa do caféda manhã como ovos fritos, mexidosou como omelete, sem que a formainerente ao ovo chegue a seconcretizar. Do mesmo modo, porém,também é claro que um ovo de galinhajamais irá se transformar num ganso.Esta possibilidade não é inerente aoovo de galinha. A forma de umacoisa, portanto, diz tanto sobre assuas possibilidades quanto sobresuas limitações.

Quando Aristóteles fala de “forma” e“substância”, ele não está pensandoapenas em organismos vivos. Assimcomo a “forma” de uma galinha écacarejar, bater as asas e pôr ovos,

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a “forma” de uma pedra é voltar aochão quando atirada para o alto.Assim como a galinha não pode deixarde cacarejar, também a pedra nãoconsegue deixar de cair no chão. Éclaro que você pode apanhar umapedra e jogá-la bem para o alto, mascomo é da natureza da pedra voltar acair no chão, você não vai conseguirjogá-la na Lua. (Tome cuidado aofazer este experimento, pois a pedrapode se vingar. Ela pode querervoltar para a Terra o maisrapidamente possível, e pobredaquele que estiver no seu caminho!)

A Causa Final, ou da Finalidade.

Antes de deixarmos de lado o fato deque todas as coisas vivas e mortastêm uma forma que diz alguma coisasobre as possibilidades dessascoisas, devo acrescentar ainda queAristóteles tinha uma notável visão

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das relações de causa e efeito nanatureza.

No nosso dia-a-dia, quando falamosdas “causas” disso ou daquilo,referimo-nos a como as coisasacontecem. A vidraça se quebra,porque Peter atirou uma pedra. Umsapato passa a existir porque umsapateiro costurou alguns pedaços decouro. Mas Aristóteles acreditavaque na natureza havia diferentestipos de causas. É importante saber,sobretudo, o que ele entendia poraquilo que chamou de causa da finalidade.

No caso da janela quebrada, tambémseria pertinente perguntar por quePeter atirou a pedra. Estamosperguntando, portanto, que intençãoele tinha, que objetivo eleperseguia. Também não há dúvida deque a intenção ou a finalidadedesempenham um papel importante no

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caso da manufatura do sapato. MasAristóteles também partia de talcausa da finalidade para explicaralguns processos vivos da natureza.Vamos citar apenas um exemplo.

Por que chove? Na certa vocêaprendeu na escola que chove porqueo vapor d’água esfria nas nuvens econdensa na forma de gotas de chuvaque, por causa da força dagravidade, caem no chão. Aristótelestambém teria acenado com a cabeça emsinal de concordância. Mas ele teriaacrescentado que, até agora, você sócitou três causas. A “causasubstancial” ou causa material, que é ofato de o vapor d’água em questão(as nuvens) estar ali bem na hora emque o ar esfriou; a “causa atuante”ou causa eficiente, que é o fato de ovapor d’água esfriar, e a causa formal,que é o fato de ser inerente à“forma” ou à natureza da água cair

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no chão. Se você não tivesse ditomais nada, Aristóteles teriaacrescentado que chove porque asplantas e os animais precisam daágua da chuva para crescer. É istoque ele chama de a causa final, ou dafinalidade. Como você pode ver derepente Aristóteles atribuiu àsgotas de chuva uma espécie de tarefavital, um “propósito”.

Nós provavelmente inverteríamos ascoisas e diríamos que as plantascrescem porque há umidade. Você estávendo a diferença? Aristótelesacreditava que por trás de tudo nanatureza havia um propósito, umafinalidade. Chove para que asplantas cresçam e as laranjas e asuvas possam crescer e servir dealimento aos homens.

Hoje em dia a ciência não pensa maisassim. Dizemos que os alimentos e a

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água são condições para que homens eanimais possam existir. Sem essascondições nós não existiríamos. Masnão é intenção das laranjas ou da águanos alimentar.

No que se refere à sua teoria dascausas, podemos nos sentir tentado aafirmar que Aristóteles se enganou.Mas não vamos nos apressar demais.Muitas pessoas acreditam que Deuscriou o mundo para que homens eanimais possam nele viver. Desteponto de vista, podemos naturalmenteafirmar que a água corre nos riosporque homens e animais precisam deágua para viver. Só que neste casoestamos falando do propósito ou daintenção de Deus. Não que as gotas dechuva ou a água dos rios gostem denós e queiram nos proteger.

Lógica

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A diferença entre “forma” e“substância” também é muitoimportante quando Aristótelesdescreve como o homem reconhece ascoisas do mundo.

Quando reconhecemos as coisas, nósas ordenamos em diferentes grupos oucategorias. Por exemplo, vejo umcavalo hoje, outro amanhã e outrodepois de amanhã. Os cavalos não sãoexatamente iguais, mas há alguma coisaque é comum a todos os cavalos. Eesta coisa que é comum a todos oscavalos é a “forma” do cavalo. Tudoo que é distintivo ou individualpertence à “substância” do cavalo.

E assim vamos nós pelo mundo,colocando as coisas em gavetasdiferentes. Colocamos vacas nocurral, cavalos no estábulo, porcosno chiqueiro e galinhas nogalinheiro. O mesmo acontece quando

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Joana limpa o seu quarto. Ela colocaos livros na estante, os cadernos namochila e as revistas na gaveta daescrivaninha. As roupas sãocuidadosamente dobradas: peçasíntimas são colocadas numa gaveta,malhas de lã em outra e meias emoutra. Veja que fazemos o mesmo nasnossas cabeças: estabelecemos adiferença entre coisas que sãofeitas de pedra, coisas de algodão ecoisas de borracha. Distinguimoscoisas vivas de coisas mortas, e“plantas” de “animais” e de “sereshumanos”.

Aristóteles queria, portanto,arrumar o quarto da jovem natureza.Ele tentou mostrar que todas ascoisas na natureza pertenciam adiferentes grupos e subgrupos.(Hermes é um ser vivo. Ou melhor, umanimal. Ou melhor, um animalvertebrado. Ou melhor, um mamífero.

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Ou melhor, um cachorro. Ou melhor,um labrador. Ou melhor, um labradormacho).

Vá até o seu quarto, pegue qualquerobjeto que estiver no chão. Qualquerum, não importa. Você verá que oobjeto que você pegou está inseridonuma ordem superior. Quandoencontramos uma coisa que nãoconseguimos classificar, levamos umverdadeiro choque. Por exemplo, sevocê se depara com uma pequena coisae não sabe dizer ao certo se estacoisa pertence ao reino animal,vegetal ou mineral, acho que vocênão ousaria tocá-la.

Reino animal, vegetal ou mineral.Foi isto o que eu disse. Estoupensando naquele jogo de salão emque um pobre coitado é mandado parafora da sala enquanto os outrosficam pensando no que o pobre

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coitado terá de adivinhar quandovoltar. Os outros decidem pensar emMons, o gato do vizinho que nessahora está no jardim. Então o pobrecoitado entra de novo na sala ecomeça a adivinhar. Os outros sópodem responder com “sim” e “não”.Se o pobre coitado for um bomaristotélico – e neste caso nãoseria um pobre coitado -, o diálogoentre ele e os demais bem quepoderia ser este: É concreto? (Sim!)Pertence ao reino mineral? (Não!) Évivo? (Sim!) Pertence ao reinovegetal? (Não!) É um animal? (Sim!)É um pássaro? (Não!) É um mamífero?(Sim!) Isto é tudo sobre o bicho?(Sim!) É um gato? (Sim!) É Mons?(Siiiimm! Risadas…).

Foi Aristóteles, portanto, queminventou esta brincadeira. Éatribuída a Platão a honra de terinventado o “esconde-esconde”; e a

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Demócrito, a honra de ter inventadoas pedrinhas de Lego.

Aristóteles foi um organizador, umhomem extremamente meticuloso, quequeria pôr ordem nos conceitos doshomens. De fato, ele também fundou aciência da lógica, e estabeleceu umasérie de normas rígidas para queconclusões ou provas pudessem serconsideradas logicamente válidas.Vamos ver um exemplo: constata-seprimeiramente que “todas ascriaturas vivas são mortais”(primeira premissa), e depoisconstato que “Hermes é uma criaturaviva” (segunda premissa), entãoposso tirar a elegante conclusão deque “Hermes é mortal”.

O exemplo nos mostra que a lógica deAristóteles trata da relação entreconceitos; neste caso, “criaturaviva” e “mortal”. Mesmo que tenhamos

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que concordar com Aristóteles em quea conclusão tirada é cem por centocorreta, temos de admitir que elenão nos diz nada de novo. Afinal decontas, nós já sabíamos que Hermes é“mortal”. (Ele é um cachorro, etodos os cachorros são “criaturasvivas” e, portanto, “mortais” poroposição às pedras da montanha), jásabíamos disso. Mas nem sempre arelação entre grupos ou coisas nosparece tão evidente. De vez emquando pode ser necessário pôr certaordem em nossos conceitos.

Vou citar apenas um exemplo: seráque realmente é verdade que umfilhotinho de rato, minúsculo, podemamar tal como um carneiro ou umporco? Isto parece muito estranho,mas vamos raciocinar um pouco: ratosnão botam ovos (onde é que já se viuum ovo de rato?). Isto significa queseus filhotes são criaturas que já

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nascem vivas, exatamente como osporcos e os carneiros. Chamamos demamíferos os animais que dão à luzfilhotes vivos, e os mamíferos sãoanimais que mamam o leite de suasmães. Chegamos, assim, aondequeríamos. A resposta já estavadentro de nós, só que precisávamosprimeiro pensar um pouco. Na pressatínhamos nos esquecido de que osratos realmente mamam o leite desuas mães. Talvez isto se deva aofato de nós nunca termos visto umratinho mamando. E isto, por suavez, se explica pelo fato de que osratos têm um pouco de vergonha doshomens quando estão amamentando seusfilhotes.

A Escada da Natureza

No seu projeto de “colocar ordem” navida, Aristóteles chama a atençãoprimeiramente para o fato de que

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tudo o que ocorre na natureza podeser dividido em dois gruposprincipais. De um lado, temos ascoisas inanimadas tais como pedras,gotas de água e torrões de terra.Essas coisas não encerram em si umapotencialidade de transformação.Segundo Aristóteles, elas só podemse transformar sob a ação de agentesexternos. De outro lado, temos ascriaturas vivas, que possuem dentro de siuma potencialidade de transformação.

Para Aristóteles, a naturezaprogride paulatinamente das coisasinanimadas para as criaturas vivas.Ao reino das coisas inanimadassegue-se primeiramente o reino dasplantas, que, “em relação ao reino dascoisas inanimadas, parece quaseanimado, e em relação ao reino dosanimais parece quase inanimado”.Finalmente, Aristóteles divide oreino das criaturas vivas em dois

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subgrupos, o dos animais e o dohomem.

Não podemos deixar de reconhecer queesta divisão, apesar da nítidainsegurança em relação às plantas, éclara e simples. Há uma grandediferença entre as coisas vivas e asnão vivas. Também entre as plantas eos animais existe uma enormediferença; por exemplo, entre umarosa e um cavalo. E também querodizer que há uma grande diferençaentre um cavalo e um homem. Mas ondeestão exatamente essas diferenças?Será que você é capaz de meresponder?

Quando Aristóteles divide osfenômenos da natureza em diferentesgrupos, ele parte dascaracterísticas das coisas; melhordizendo, daquilo que elas são capazesou daquilo que elas fazem.

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Tudo o que vive (plantas, animais epessoas) tem a capacidade de sealimentar, crescer e se multiplicar.Os animais e os homens têm, alémdisso, a capacidade de perceber omundo que os cerca e de se locomoverna natureza. E todas as pessoas têmsomado a tudo isto, a capacidade depensar – ou melhor, a capacidade deordenar suas impressões sensoriaisem diferentes grupos e classes.

Desta forma, não existem na naturezadivisões realmente estanques.Podemos perceber uma transiçãogradual de vegetais simples paraplantas mais complexas, de animaissimples para animais mais complexos.Bem no alto desta “escada” está ohomem, que, para Aristóteles, vive aplenitude da vida da natureza. Ohomem cresce e se alimentam como asplantas, têm sentimentos ecapacidade de locomoção como os

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animais, mas possui além de tudoisto uma característica muitoespecial, que só ele tem: acapacidade de pensar racionalmente.

Por isso, o homem possui umacentelha da razão divina. Issomesmo… eu disse “divina”. Em algumaspassagens, Aristóteles explica quedeve haver um Deus que colocou emmarcha todos os movimentos danatureza. E, assim, Deus passa aassumir o cume absoluto da escada danatureza.

Para Aristóteles, os movimentos dasestrelas e dos planetas comandavamos movimentos aqui na Terra. Masdevia haver alguma coisa que faziaos corpos celestes se movimentarem.Esta coisa Aristóteles chamava de oprimeiro impulsor, ou Deus. Esteprimeiro impulsor não se movimenta,mas é a causa primordial de todos os

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movimentos dos corpos celestes e,por conseqüência, dos movimentos nanatureza.

Ética

Para Aristóteles, a “forma” do homemse define por ele possuir tanto uma“alma vegetal” quanto uma “almaanimal” e uma “alma racional”. EAristóteles pergunta: como o homemdeve viver? Do que o homem precisapara viver uma boa vida?

Posso responder resumidamente: ohomem só é feliz se puderdesenvolver e utilizar todas as suascapacidades e possibilidades.

Aristóteles acreditava em trêsformas de felicidade: a primeiraforma de felicidade é uma vida deprazeres e satisfações. A segundaforma de felicidade é uma vida comocidadão livre, responsável. E a

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terceira forma de felicidade é avida como pesquisador e filósofo.

Aristóteles sublinha o fato de que épreciso integrar essas três formas afim de que o homem possa levar umavida realmente feliz. Ele recusa,portanto, toda e qualquer decisãounilateral. Se Aristóteles vivessehoje, talvez ele dissesse que a vidade uma pessoa que só cultiva o corpoé tão unilateral – e, portanto tãolacunosa – quanto à vida de outraque só usa a cabeça. Ambos osextremos são expressões de um modoerrado de viver a vida.

Também no que concerne às virtudes,Aristóteles chama a atenção para um“meio-termo de ouro”. Não devemosser nem covardes, nem audaciosos,mas corajosos. (Coragem de menossignifica covardia e coragem demaissignifica audácia.) Também não

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devemos ser nem avarentos, nemextravagantes, mas generosos.(Generosidade de menos é avareza egenerosidade demais éextravagância.)

O mesmo vale para a alimentação.Comer de menos é perigoso, mas comerdemais também o é. A ética de Platãoe de Aristóteles lembra a ciênciamédica grega: só através doequilíbrio e da moderação é quepodemos nos tornar pessoas felizesou “harmônicas”.

Política

A visão de sociedade de Aristótelestambém expressa essa necessidade demoderação, esse abandono do exagero.Ele chama o homem de um “serpolítico”. Aristóteles acha que sema sociedade ao nosso redor não somospessoas no verdadeiro sentido dotermo. Nesse contexto, a família e a

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cidade satisfazem nossasnecessidades vitais primárias, comoa comida e o calor, o casamento e acriação de filhos. Mas a forma maiselevada do convívio humano, paraAristóteles, só pode ser o Estado.

E aqui surge a pergunta de como oEstado deve ser organizado. (Vocêainda se lembra do Estado dosfilósofos de Platão?) Aristótelescita diversas boas formas de Estado.Uma delas é a monarquia, ou seja,aquela em que há um único chefe deEstado. Mas para que esta forma deEstado seja boa, ela não podedegenerar em “tirania”, na qual oúnico soberano comanda e dirige oEstado em proveito próprio. Outraboa forma de Estado é a aristocracia.Aqui, um grupo maior ou menor desoberanos governa o Estado. Estaforma de Estado deve cuidar para nãoacabar virando o governo de uns

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poucos, que dirigem o Estado em prolde seus próprios interesses. Seriamais ou menos o que chamaríamos hojede “oligarquia”. Uma terceira boaforma de Estado é a democracia. Mastambém esta forma de Estado tem oseu lado negativo. Uma democraciapode facilmente desvirtuar e setransformar no chamado domínio daplebe. (Ainda que o tirano Hitlernão tivesse se tornado o chefe deEstado da Alemanha, uma multidão depequenos nazistas teria conseguidoinstituir um terrível “domínio daplebe”.)

A Visão da Mulher

Para concluir, precisamos dizeralguma coisa sobre a visão queAristóteles tinha da mulher.Infelizmente, ela não era tãoanimadora quanto a de Platão.Fundamentalmente, Aristóteles achava

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que faltava alguma coisa à mulher.Para ele, a mulher era “um homemincompleto”. Na reprodução, a mulheré passiva e receptora, enquanto ohomem é ativo e produtivo. Por estarazão é que – segundo Aristóteles –o filho do casal herdava apenas ascaracterísticas do pai. Aristótelesacreditava que todas ascaracterísticas da criança jáestavam presentes no sêmen do pai.Para ele, a mulher era apenas o soloque acolhia e fazia germinar asemente que vinha do “semeador”, ouseja, do homem. Para colocarmos acoisa em termos verdadeiramentearistotélicos: o homem dá a “forma”;a mulher, a “substância”.

É surpreendente e mesmo lamentávelque um homem como Aristóteles, tãointeligente para tantos assuntos,pudesse se enganar desse jeito noque se refere à relação entre os

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sexos. Mas isto nos mostra duascoisas: primeiro que Aristóteles nãodeve ter tido muita experiênciaprática na vida com mulheres ecrianças; em segundo lugar, que umasérie de coisas pode dar erradoquando são apenas os homens quereinam supremos na filosofia e naciência.

A visão distorcida que Aristótelestinha da mulher surtiu efeitosparticularmente danosos, pois foiela – e não a visão de Platão – quepredominou durante toda a IdadeMédia. Desta forma, a Igreja herdouuma visão da mulher para a qual nãohá qualquer fundamento na Bíblia.Afinal de contas, Jesus certamentenão foi um inimigo das mulheres!

2.6. O HELENISMO E OS CÍRCULOSCULTURAIS

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Jostein Gaarder8

  O final do séc. IV a.C. até porvolta de 400 d.C. marcou um longoperíodo que é conhecido porhelenismo, ou seja, a predominânciada cultura grega nos três grandesreinos helênicos: Macedônia, Síria eEgito. Alexandre foi uma figuraimportante nesta época, pois eleconseguiu a derradeira e decisivavitória sobre os persas e tambémuniu o Egito e todo o Oriente, até aÍndia, à civilização grega. A partirde 50 a.C. Roma, que tinha sidoprovíncia da cultura grega, assumiuo predomínio militar e começou operíodo romano também conhecido comofinal da Antigüidade.

O helenismo foi marcado pelorompimento de fronteiras entrepaíses e culturas. Quanto à religião8 Apresenta-se a transcrição desse autor na obra o Mundo de Sofia. Romance de História da Filosofia. São Paulo: Cia das Letras, 1995, p.138-181.

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houve uma espécie de sincretismo; naciência, a mistura de diferentesexperiências culturais; e afilosofia dos pré-socráticos e deSócrates, Platão e Aristótelesserviu como fonte de inspiração paradiferentes correntes filosóficas asquais veremos algumas agora.

A filosofia cínica foi fundada emAtenas por Antístenes (discípulo deSócrates) por volta de 400 a.C.Os cínicos diziam que a felicidadepodia ser alcançada por todos, poisela não consistia em luxúria, poderpolítico ou boa saúde e sim em selibertar disto tudo. Achavam que aspessoas não deviam se preocupar como sofrimento (próprio ou alheio) nemcom a morte. O principalrepresentante desta correntefilosófica foi Diógenes (discípulode Antístenes).

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A filosofia estóica surgiu em Atenaspor volta de 300 a.C. e seu fundadorfoi Zenão, originário da ilha deChipre. Os estóicos consideravam aspessoas como parte de uma mesmarazão universal e isto levou à idéiade um direito universalmente válido,inclusive para os escravos. Erammonistas (negavam a oposição entreespírito e matéria) e cosmopolitas.Interessavam-se pela convivência emsociedade, por política eacreditavam que os processosnaturais (morte, por exemplo) eramregidos pelas leis da natureza e porisso o homem deveria aceitar deudestino. O imperador romano MarcoAurélio (121-180), o filósofo epolítico Cícero (106-43 a.C.) eSêneca (4 a.C.-65 d.C.) foram algunsque seguiram o estoicismo.

Aristipo foi aluno de Sócrates. Eledesenvolveu uma filosofia cujo

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objetivo era obter para a vida,através dos sentidos, o máximopossível de satisfação afastandotoda e qualquer forma de sofrimento.Por volta de 300 a.C. Epicuro (341-270 a.C.) fundou em Atenas a escolados epicureus que desenvolveu maisainda a ética do prazer de Aristipoe a combinou com a teoria atômica deDemócrito. Epicuro ensinava que oresultado prazeroso de uma açãodevia ser ponderado, por causa dosefeitos colaterais. Achava tambémque o prazer em longo prazopossibilitava mais satisfação aohomem. Ele utilizava a teoria deDemócrito contra a religião esuperstição. Os epicureus quase nãose interessavam pela política esociedade e sua palavra de ordem era"Viver o momento".

O neoplatonismo foi a maisimportante corrente filosófica da

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Antigüidade. Ela foi inspirada emPlatão. O neoplatônico maisimportante foi Plotino (c. 205-270).Ele via o mundo como algo divididoentre dois pólos: numa extremidadeestava a luz divina, Uno ou Deus. Naoutra reinavam as trevas absolutas.A seu ver, a luz do Uno iluminava aalma, ao passo que a matéria era astrevas. O neoplatonismo exerceuforte influência sobre a teologiacristã.

Uma experiência mística significaexperimentar a sensação de fundirsua alma com Deus. É que o "eu" queconhecemos não é nosso "eu"verdadeiro e os místicos procuravamconhecer um "eu" maior que podepossuir várias denominações: Deus,espírito cósmico, universo, etc. Noentanto, para chegar a esse estadode plenitude, é preciso passar porum caminho de purificação e

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iluminação através de uma vidasimples. Encontram-se tendênciasmísticas nas maiorias religiões domundo. Na mística ocidental(judaísmo, cristianismo eislamismo), o místico diz que seuencontro é com um Deus pessoal. Naoriental (hinduísmo, budismo ereligião chinesa) o que se afirma éque há uma fusão total com deus, queé o espírito cósmico. É importantenotar que essas correntes místicasjá existiam muito antes de Platão eque pessoas de nossa época têmrelatado experiências místicas comouma forma de experimentar o mundosob a perspectiva da eternidade.

 

 Dois Círculos Culturais

 A denominação indo-européia é dadaa todos os países e culturas nosquais são faladas as línguas indo-

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européias. Os indo-europeusprimitivos viveram há mais ou menosquatro mil anos nas proximidades domar Negro e Cáspio. De lá, espalhou-se por diversos lugares: Irã, Índia,Grécia, Itália, Espanha, Inglaterra,França, Escandinávia, Leste Europeue Rússia, formando o círculocultural indo-europeu. Dentre outrascoisas, pode-se dizer que suacultura era marcada pelo politeísmo,a visão era o principal sentido paraeles e acreditavam que a históriaera cíclica. As duas grandesreligiões orientais – hinduísmo ebudismo – são de origem indo-européia. O mesmo vale para afilosofia grega. Nessas religiões,enfatiza-se a presença de Deus emtudo (panteísmo). Outro pontoimportante é a crença de que o homempode chegar a uma unidade com Deuspor meio do conhecimento religioso.

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No Oriente, a passividade e a vidareclusa são vistas como ideaisreligiosos e em muitas culturasindo-européias acredita-se nametempsicose ou transmigração daalma.

Os semitas pertencem a um círculocultural completamente diferente,com uma língua completamentediferente também. Eles sãooriginários da península da arábia etambém se expandiram para extensas ediferentes partes do mundo. As trêsreligiões ocidentais – judaísmo, ocristianismo e o islamismo – têmbase semita. De modo geral, o que sepode dizer dos semitas é que erammonoteístas, possuíam uma visãolinear da história, a audiçãodesempenhava papel preponderante eproibiam a representação pictórica.Quanto à história, é interessantesaber que, para eles, ela começou

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com a criação do mundo por Deus eEste tinha o poder de intervir emseu curso. Em relação às imagens,ainda são proibidas no judaísmo e noislamismo, mas no cristianismo sãopermitidas devido à influência domundo greco-romano.

Agora vamos examinar o pano de fundojudeu do cristianismo. A história éa seguinte: houve a criação do mundoe a rebelião do homem contra Deus(Adão e Eva) e a partir de então, amorte passou a existir na Terra. Adesobediência do homem a Deusatravessa toda a história contada naBíblia. No Gênesis há a menção dopacto feito entre Deus e Abraão eseus descendentes que exigia aobediência rigorosa aos mandamentosde Deus. Esse pacto foi mais tarderenovado com a entrega das Tábuas daLei a Moisés no monte Sinai. Naquelaépoca, os israelitas viviam havia

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muito tempo como escravos no Egito,mas foram libertados e levados devolta a Israel onde se formou doisreinos – Israel (ao Norte) e Judá(ao Sul) – que foram assolados porguerras, e por todos os séculos quese seguiram até o nascimento deJesus Cristo, os judeus continuaramsob dominação estrangeira. O povojudeu não entendia o motivo de tantadesgraça e atribuía isso ao castigode Deus sobre Israel devido à suadesobediência. Então começaram asurgir profecias sobre o Juízo Finale também sobre a vinda de um"príncipe da paz" que iria restauraro antigo reino de Davi e assegurarao povo um futuro feliz. Essemessias viria para restituir aIsrael a sua grandeza e fundar um"Reino de Deus".

 No contexto de toda essaefervescência nasceu Jesus Cristo.

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Naquela época, o povo imaginava omessias como um líder político,militar e religioso. Outros,duzentos anos antes do nascimento deJesus, diziam que o messias seria olibertador de todo o mundo. MasJesus apareceu com pregaçõesdiferentes das que vigoravam eadmitia publicamente não ser umcomandante militar ou político. Emais, dizia que o Reino de Deus erao amor ao próximo e aos inimigos.Ele não considerava indignoconversar com prostitutas,funcionários corruptos e inimigospolíticos do povo e achava que estesseriam vistos por Deus como pessoasjustas bastando para isso que sevoltassem para Ele e Lhe pedisseperdão. Jesus acreditava que nósmesmos não podíamos nos redimir denossos pecados e que nenhuma pessoaera reta aos olhos de Deus. Ele foi

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um ser humano extraordinário. Soubeusar de forma genial a língua de seutempo e deu a conceitos antigos umsentido novo, extremamente ampliado.Tudo isto acrescentado a suamensagem radical de redenção doshomens ameaçava tantos interesses eposições de poder que ele acabousendo crucificado. Para ocristianismo, Jesus foi o únicohomem justo que viveu e o único quesofreu e morreu por todos os homens.

Alguns dias depois da crucificação eenterro de Jesus, começaram a surgirboatos sobre sua ressurreição. Pode-se dizer que a Igreja cristã começounaquela manhã de Páscoa. Paulodisse: "Pois se Cristo nãoressuscitou, então todo nosso sermãoé vão; é vã toda a vossa crença". Apartir de então todas as pessoaspodiam ter esperança na"ressurreição da carne". Os

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primeiros cristãos começaram aespalhar a "boa-nova" da redençãopela fé em Cristo. Poucos anosdepois da morte de Jesus, o fariseuPaulo se converteu ao cristianismo esuas viagens missionárias pelo mundogreco-romano transformaram ocristianismo numa religiãouniversal. Quando esteve em Atenas,ele fez um discurso do Areópago quefalava do Deus que os ateniensesdesconheciam e isso provocou umchoque entre a filosofia grega e adoutrina da redenção cristã. Apesarde tudo, Paulo encontrou nessacultura um sólido apoio, ao chamaratenção para o fato de que a buscapor Deus estava dentro de todos oshomens. Em Atos dos Apóstolos estáescrito que depois de seu discurso,foi vítima de zombaria por parte dealgumas pessoas, quando estas oouviram dizer que Cristo havia

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ressuscitado dos mortos. Mas tambémhouve os que se interessaram peloassunto. Depois, Paulo prosseguiu emsua tarefa missionária e passadasalgumas décadas da morte de Cristojá existiam comunidades cristãs emtodas as cidades gregas e romanasmais importantes.

Paulo não foi importante para ocristianismo apenas por suaspregações missionárias. Dentro dascomunidades cristãs, sua influênciaera muito grande, pois as pessoastambém queriam uma orientaçãoespiritual. Pelo fato de ocristianismo não ser a únicareligião nova daquela época, aIgreja precisava definir claramentea doutrina cristã, a fim deestabelecer seus limites em relaçãoàs demais religiões e evitar umacisão interna. Surgiram assim asprimeiras profissões de fé, os

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primeiros credos que resumiam osprincípios ou os dogmas cristãosmais importantes como o que diziaque Jesus havia sido Deus e homem aomesmo tempo e de forma plena e querealmente tinha padecido na cruz.

3. OS MESTRES DO PENSAMENTO NA IDADEMÉDIA OCIDENTAL

Foi na Idade Média que se formou umaunidade cultural cristã sólida.Havia uma contradição entre Deus erazão. Essa problemática foi tratadapor dois importantes filósofos destaépoca: Santo Agostinho e Santo Tomásde Aquino. O primeiro dividiu omundo entre bem e mal, mesclou suaconcepção filosófica com a de Platãoe a do cristianismo ("cristianizouPlatão"); achava que o mal era aausência de Deus e que a "boavontade era obra de Deus". O segundofoi o filósofo quem "cristianizou

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Aristóteles". Atribui-se-lhe omérito de ter conseguido fazer umasíntese da fé e do conhecimento.Achava que existiam dois caminhospara se chegar a Deus: a revelaçãocristã e a razão e os sentidos.Acreditava que Deus havia serevelado ao homem através da Bíbliae da razão (GAARDER, 1995).

3.1. SANTO AGOSTINHO

http://pt.wikipedia.org/wiki/Santo_agostinho9

Aurélio Agostinho (em latim: AureliusAugustinus), Agostinho de Hipona,[1]ou Santo Agostinho[2] (Tagaste, 13de novembro de 354 — Hipona, 28 deagosto de 430), foi um bispo,escritor, teólogo, filósofo, padre eDoutor da Igreja Católica.

9 Apresenta-se a transcrição do conteúdo de http://pt.wikipedia.org/wiki/Santo_agostinho>acesso dia 22.01.2010.

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Agostinho é uma das figuras maisimportantes no desenvolvimento docristianismo no Ocidente. Agostinhofoi muito influenciado peloneoplatonismo de Plotino.[3] Eleaprofundou o conceito de pecadooriginal dos padres anteriores e,quando o Império Romano do Ocidentecomeçou a se desintegrar,desenvolveu o conceito de Igrejacomo a cidade espiritual de Deus (emum livro de mesmo nome), distinta dacidade material

do homem.[4] Seu pensamentoinfluenciou profundamente a visão dohomem medieval. A igreja seidentificou com o conceito de"Cidade de Deus" de Agostinho, etambém a comunidade que era devotade Deus.[5]

Agostinho nasceu na cidade deTagaste,[6] província de Souk Ahras,

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Argélia, e sua mãe, católica, sechamava Mônica. Foi educado no Norteda África e resistiu aos pedidos damãe para se tornar cristão. Vivendocomo um intelectual pagão, ele tomouuma concubina e se tornou ummaniqueísta. Posteriormente seconverteu para a Igreja Católica, setornou um bispo, e se opôs àsheresias, como a crença que aspessoas possuem a habilidade deescolher fazer um bem tão forte quepoderia merecer a salvação semreceber a ajuda divina(pelagianismo).

Na Igreja Católica Romana, e naIgreja Anglicana, é um santo, e umimportante doutor da Igreja, e opatrono da ordem religiosaagostinha; seu memorial é celebradono dia 28 de agosto. Muitosprotestantes, especialmentecalvinistas, o consideram como um

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dos pais teólogos da ReformaProtestante ensinando a salvação e agraça divina. Na Igreja OrtodoxaOriental ele é louvado, e seu diafestivo é celebrado em 15 de junho,apesar de uma minoria ser da opiniãoque ele é um herege, principalmentepor causa de suas mensagens sobre oque se tornou conhecido como acláusula filioque.[7] Entre osortodoxos é chamado de "AgostinhoAbençoado", ou "Santo Agostinho oAbençoado".[8]

Biografia

Agostinho nasceu na cidade deTagaste, província de Souk Ahras, naépoca uma província romana no nortede África, na atual Argélia, filhode pai pagão, Patrício e mãecatólica, Santa Mônica. Foi educadono norte de África e resistiu aos

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ensinamentos de sua mãe para setornar cristão.Agostinho era de ascendênciaberbere. Com 11 anos de idade, foienviado para a escola em Madaura,uma pequena cidade da Numídia. Láele tornou-se familiarizado com aliteratura latina, bem como práticase crenças pagãs. Em 369 e 370, elepermaneceu em casa.Durante esse período ele leu odiálogo Hortensius de Cícero (hojeperdido), que deixou uma impressãoduradoura sobre ele e despertou-lheo interesse pela filosofia e passoua ser um seguidor do maniqueísmo.Com 17 anos, graças à generosidadede um concidadão, chamado Romaniano,o pai de Agostinho pode enviá-lopara Cartago para continuar suaeducação na retórica. Vivendo comoum pagão intelectual, ele tomou umaconcubina; numa tenra idade, ele

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desenvolveu uma relação estável comuma mulher jovem em Cartago, com aqual teve um filho, Adeodato.Durante os anos 373 e 374, Agostinhoensinou gramática em Tagaste. No anoseguinte, mudou-se para Cartago afim de ocupar o cargo de professorda cadeira municipal de retórica, epermanecerá lá durante os próximosnove anos.Desiludido pelo comportamentoindisciplinado dos alunos emCartago, em 383, mudou-se paraestabelecer uma escola em Roma, ondeele acreditava que os melhores emais brilhantes retóricos ensinaram.No entanto, Agostinho ficoudesapontado com as escolas romanas,que ele encontrou apática. Quandochegou o momento para os seus alunospara pagar os seus honorários elessimplesmente fugiram.

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Amigos maniqueístas apresentaram-lheo prefeito da cidade de Roma,Symmachus, que tinha sido solicitadoa fornecer um professor de retóricaimperial para o tribunal provincialem Milão. Agostinho ganhou o empregoe ocupou o cargo no final de 384.

Conversão

Enquanto ele estava em Milão,Agostinho mudou de vida. Ainda emCartago, começou a abandonar omaniqueísmo, em parte devido a umdecepcionante encontro com um chefeexpoente da teologia maniqueísta,Fausto.Em Roma, ele relata tercompletamente se afastado domaniqueísmo, e abraçou o movimentocético da Academia Neoplatónica. Suamãe insistia para que ele setornasse cristão e também seuspróprios estudos sobre o

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Neoplatonismo também foram levando-oneste sentido, e seu amigo Simplicianusinstou-o dessa forma também. Mas foia oratória do bispo de Milão,Ambrósio, que teve mais influênciasobre a conversão de Agostinho.A mãe de Agostinho havia-o seguidopara Milão e insistiu para queabandonasse a relação com a mulhercom quem vivia ilegalmente eprocurasse outra para casar,conforme as leis do mundo e adoutrina cristã. A amada foi mandadade volta para a África e Agostinhodeveria esperar dois anos paracontrair casamento legal; mas logoligou-se a uma concubina.No verão de 386, após ter lido umrelato da vida de Santo António doDeserto, de Santo Atanásio deAlexandria, que muito inspirou-lhe,Agostinho sofreu uma profunda crisepessoal. Decidiu se converter ao

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cristianismo católico, abandonar asua carreira na retórica, encerrarsua posição no ensino em Milão,desistir de qualquer idéia decasamento, e dedicar-se inteiramentea servir a Deus e às práticas dosacerdócio.A chave para esta transformação foià voz de uma criança invisível, queouviu enquanto estava em seu jardimem Milão, que cantava repetidamente,"Tolle, lege"; "tolle, lege" ("toma e lê";"toma e ler"). Ele tomou o texto daepístola de Paulo aos romanos, eabriu ao acaso em 13:13-14, onde lê-se: "Não caminheis em glutonerias eembriaguez, nem em desonestidades edissoluções, nem em contendas e rixas, masrevesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureisa satisfação da carne com seus apetites".[9]Ele narra em detalhes sua jornadaespiritual em sua famosa Confissões(Confessions), que se tornou um

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clássico tanto da teologia cristãquanto da literatura mundial.Ambrosio batizou Agostinho,juntamente com seu filho, Adeodato,na Vigília da Páscoa, em 387, emMilão, e logo depois, em 388 eleretornou à África. Em seu caminho devolta à África sua mãe morreu, elogo após também seu filho,deixando-o sozinho, sem família.

Bispo

Após o regresso ao Norte da África,vendeu seu patrimônio e deu odinheiro aos pobres. A única coisacom que ele ficou foi a casa dafamília, que se converteu em umafundação monástica para si e umgrupo de amigos.Em 391, ele foi ordenado sacerdoteem Hipona (atual Annaba, naArgélia). Em 396, foi eleito bispocoadjutor de Hipona (auxiliar, com o

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direito de sucessão depois da mortedo bispo corrente) e pouco depoisbispo principal. Ele permaneceunessa posição em Hipona até suamorte em 430.Ele deixou o seu mosteiro, mascontinuou a levar uma vida monásticana residência episcopal. Ele deixouuma regra (latim, regulamentos) paraseu mosteiro que o levou serdesignado o "santo padroeiro doclero regular", isto é, sacerdotesque vivem por uma regra monástica.Sua vida foi registrada pelaprimeira vez por seu amigo SãoPossídio, bispo de Calama, no seuSancti Augustini Vita. Descreveu-o comohomem de poderoso intelecto e umenérgico orador, que em muitasoportunidades defendeu a fé católicacontra todos os detratores.Possídio também descreveu traçospessoais de Agostinho com detalhe,

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desenhando um retrato de um homemque comia com parcimónia, trabalhouincansavelmente, desprezandofofocas, rejeitadando as tentaçõesda carne, e que exerceu a prudênciana gestão financeira conforme suaposição e autoridade de bispo.Sua vida não é tranquila: missadiária, prega até duas vezes ao dia,dá catequese, administra benstemporais, resolve questões dejustiça (cerca, muro, dívidas,brigas de família…), atende aospobres e orfãos, etc.Pouco antes da morte de Agostinho, aÁfrica romana foi invadida pelosvândalos, uma tribo guerreira comsimpatias com o arianismo. Poucodepois de Hipona ser cercada pelosbárbaros Agostinho adoeceu; Possídiorelata que ele gastou seus últimosdias em oração e penitência, pedindopara que os Salmos penitenciais de

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Davi fossem pendurados em sua paredepara que ele pudesse ler. Poucotempo após sua morte, os vândaloslevantaram o cerco de Hipona, masnão muito tempo depois eles voltarame queimaram a cidade. Elesdestruíram tudo, mas a catedral deAgostinho e a biblioteca ficaraminalteradas.Agostinho foi canonizado porreconhecimento popular e reconhecidocomo um Doutor da Igreja. O seu diaé 28 de agosto, o dia no qual elesupostamente morreu. Ele éconsiderado o santo padroeiro doscervejeiros, impressores, teólogos ede um grande número de cidades edioceses.

Obras

Agostinho foi um autor prolífico emmuitos géneros - tratadosfilosóficos, teológicos, comentários

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de escritos da Bíblia, além desermões e cartas.Dele restaram algumas centenas decartas (Epistulae) e de sermões(Sermones) considerados autênticos.Além disso, deixou 113 obrasescritas.Santo Agostinho é chamado de o Doutorda Graça, por sua compreensão sobre otema.

Textos autobiográficos:

As suas Confissões (Confesiones),escritas entre os anos 397-398, sãogeralmente consideradas como aprimeira autobiografia. Agostinhodescreve sua vida desde suaconcepção até à sua então relaçãocom Deus, e termina com um longodiscurso sobre o livro do Génesis,no qual ele demonstra comointerpretar as Escrituras. Aconsciência psicológica e auto-

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revelação da obra ainda impressionamleitores.No fim da sua vida, Agostinhorevisitou os seus trabalhosanteriores por ordem cronológica esugeriu que teria falado de formadiferente numa obra intituladaRetratações, que nos daria uma imagemconsiderável do desenvolvimento deum escritor e os seus pensamentosfinais.

Filosóficos:

Diálogos: Solilóquios (Soliloquiorum libriduo), etc..Contra acadêmicos (Contra academicos,em que combate o cepticismo).Disciplinarum libri (é uma vastaenciclopédia com o fim de mostrarcomo se pode e se deve ascender aDeus a partir das coisas materiais.Não está acabada).

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Apologéticos: Da vida religiosalivro I (De vera religione liber I),etc..

A Cidade de Deus (iniciado c. de413, terminado 426, uma de suasobras capitais, nela nos oferece umasíntese de seu pensamentofilosófico, teológico e político). ODe civitate Dei libri XXII.

Dogmáticos:

Entre 399-422, escreveu A Trindade,uma das principais obras que apoia acrença na Santíssima Trindade deDeus. O De Trinitate libri XV.Enquirídio (Enchiridion, ad Laurentium o Defide, spe et caritate liber I, é um manual deteologia segundo o esquema das trêsvirtudes teológicas. Contém umaexplicação do Credo, da Oracão doPadre Nosso e dos Preceitos Moraisda Igreja Católica).

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Da fé e do credo livro I (De fide etsímbolo liber I), etc..

Morais e pastorais:

Contra mendacium, Da Catequese dos nãoinstruídos livro I (De catechizandisrudibus liber I), Da continência livro I(De continentia liber I), Da paciêncialivro I (De patientia liber I), etc..

Monásticos:

Regula ad servos - a mais antiga dasregras monásticas do ocidente.

Exegéticos:

A Sagrada Escritura teve um papeldecisivo para Agostinho. Se podedestacar:Da Doutrina Cristã livro IV (Dedoctrina christiana libri IV (é uma síntesedogmática que servirá de modelo paraas Sententiae os pensadores da IdadeMédia), De Genesi ad litteram libri XII, Da

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harmonia dos evangelhistas livro IV(De consensu Evangelistarum libri IV, (foramescritos em resposta aos queacusavam os evangelistas decontradizer-se e de haver atribuídofalsamente a Cristo a divinidade),etc..

Tratados:

Tratados sobre o Evangelho de João(In Iohannis evangelium tractatus), Asenarrações, ou exposições, dosSalmos (Enarrationes in Psalmos), etc.

Polémicos:

Muitas de suas obras tem caráterpolêmico por causa dos conflitos queele enfrentou. Isso levou SãoPosídio a classificá-las conforme osadversários combatidos: pagãos,astrológos, judeus, maniqueus,priscilianistas, donatistas,pelagianos, arianos e apolinaristas.

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De natura boni liber I, Psalmus contra partemDonati, De peccatorum meritis et remissione etde baptismo parvolorum ad Marcellium libri III(de 412, primeira teología bíblicada redencão, do pecado original e danecessidade do batismo), De gratia etlibero arbitrio liber I (de 426, em quedemonstra a necessidade da graça, daexistência do livre arbitrío), Dehaeresibus, etc..

Pensamento

O Problema do MalEm seu livro 'O Livre-arbítrio',Santo Agostinho tenta provar deforma filosófica de que Deus não é ocriador do mal. Pois, para ele,tornava-se inconcebível o fato deque um ser tão bom, pudesse tercriado o mal.A concepção que Agostinho tem domal, esta baseada na teoriaplatônica, assim o mal não é um ser,

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mas sim a ausência de um outro ser,o bem. O mal é aquilo que "sobraria"quando não existe mais a presença dobem. Deus seria a completapersonificação deste bem, portantonão poderia ter criado o mal.No diálogo com seu amigo Evódio,Agostinho tenta explicar-lhe de quea origem do mal esta no Livre-Arbítrio concedido por Deus. Deus emsua perfeição, quis criar um ser quepudesse ser autônomo e assimescolher o bem de forma voluntária.O homem, então, é o único ser quepossuiria as faculdades da vontade,da liberdade e do conhecimento. Poresta forma ele é capaz de entenderos sentidos existentes em si mesmo ena natureza. Ele é um ser capacitadoa escolher entre algo bom(proveniente da vontade de Deus) ealgo mal (a prevalência da vontadedas paixões humanas).

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Entretanto, por ter em si mesmo acarga do pecado original de Adão eEva, estaria constantementetendenciado a escolher praticar umaação que satisfizesse suas paixões(a ausência de Deus em sua vida).Deus, portanto, não é o autor domal, mas é autor do livre-arbítrio,que concede aos homens a liberdadede exercer o mal, ou melhor, de nãopraticar o bem.

Influência como pensador e teólogo

Na história do pensamento ocidental,sendo muito influenciado peloplatonismo e neoplatonismo,particularmente por Plotino,Agostinho foi importante para o"baptismo" do pensamento grego e asua entrada na tradição cristã e,posteriormente, na tradiçãointelectual europeia. Tambémimportantes foram os seus adiantados

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e influentes escritos sobre avontade humana, um tópico central naética, que se tornaram um foco parafilósofos posteriores, como ArthurSchopenhauer e Friedrich Nietzsche,mas ainda encontrando eco na obra deAlbert Camus e Hannah Arendt (ambosos filósofos escreveram teses sobreAgostinho).É largamente devido à influência deAgostinho que o cristianismoocidental concorda com a doutrina dopecado original. Os teólogoscatólicos geralmente concordam com acrença de Agostinho de que Deusexiste fora do tempo e no "presenteeterno"; o tempo só existe dentro douniverso criado.O pensamento de Agostinho foi tambémbasilar na orientação da visão dohomem medieval sobre a relação entrea fé cristã e o estudo da natureza.Ele reconhecia a importância do

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conhecimento, mas entendia que a féem Cristo vinha restaurar a condiçãodecaída da razão humana, sendoportanto mais importante. Agostinhoafirmava que a interpretação dasEscrituras deveria ser feita deacordo com os conhecimentosdisponíveis, em cada época, sobre omundo natural. Escritos como suainterpretação do livro bíblico doGênesis, como o que chamaríamos hojede um "texto alegórico", iriaminfluenciar fortemente a Igrejamedieval, que teria uma visão maisinterpretativa e menos literal dostextos sagrados.Tomás de Aquino tomou muito deAgostinho para criar sua própriasíntese do pensamento filosóficogrego e do cristão. Dois teólogosposteriores que admitiram influênciaespecial de Agostinho foram JoãoCalvino e Cornelius Otto Jansenius.

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Notas e referências

1. ↑ Wells, J.. Longman PronunciationDictionary. 2.ed. New York: Longman, 2000.

2. ↑ The American Heritage College Dictionary. Boston: HoughtonMifflin Company, 1997. pp. 91.

3. ↑ Cross, Frank L.; Livingstone, Elizabeth. The OxfordDictionary of the Christian Church. Oxford Oxfordshire: OxfordUniversity Press, 2005.

4. ↑ Durant, Will. Caesar and Christ: a History of Roman Civilization andof Christianity from Their Beginnings to A.D. 325. New York: MJFBooks, 1992.

5. ↑ Wilken, Robert L.. The Spirit of Early Christian Thought. NewHaven: Yale University Press, 2003. pp. 291.

6. ↑ Thagaste na Catholic Encyclopedia. 7. ↑ Archimandrite [now Archbishop] Chrysostomos. "Book

Review: The Place of Blessed Augustine in the OrthodoxChurch". Orthodox Tradition II: 40–43. Página visitada em 28 de junhode 2007.

8. ↑ "'Abençoado', aqui, não significa que ele é menos queum santo, porém é um título concedido a ele como sinalde respeito." "Blessed Augustine of Hippo: His Place inthe Orthodox Church: A Corrective Compilation". OrthodoxTradition XIV: 33–35. Página visitada em 28 de junho de 2007.

9. ↑ Citação tal como traduzida nas Confissões, edição NovaCultural 1999, Coleção Os pensadores, p. 223,apresentada na bibliografia. Os grifos não constam nestatradução.

Bibliografia

AGOSTINHO DE HIPONA. Confissões. Trad. J. Oliveira Santose A. Ambrósio de Pina. São Paulo: Nova Cultural, 1999.416 p. (Coleção Os pensadores). Original latim. ISBN 85-13-00848-6.

BESEN, José Artulino. Agostinho e os Pais do Ocidente.Disponível em:

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<http://www.pime.org.br/missaojovem/mjhistdaigpais2.htm>. Acesso em: 21 maio 2009.

DILMAN, Ilham. Free will: an historical and philosophicalintroduction. Florence, KY, USA: Routledge, 1999.

LUCENA, Elisa. O problema do mal em Agostinho. Disponível em:<http://www.ufpel.edu.br/ich/filosofiamedieval/pdf/monografia_elisa.pdf>. Acesso em: 9 maio 2009.

MORAES NETO, Felipe José de; SIMÕES, Adelson Cheibel. Olivre-arbítrio e a relação com o Criador, no Livro III, da obra O Livre-Arbítriode Santo.

3.2. SÃO TOMÁS

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Ordem_dos_Pregadores)10

São Tomás de Aquino OP (Roccasecca, 1225 — Fossanova, 7 demarço 1274) foi um padre dominicano, teólogo, distintoexpoente da escolástica, proclamado santo e cognominado DoctorCommunis ou Doctor Angelicus pela Igreja Católica.

Biografia

Tomás de Aquino que foi chamado o mais sábio dos santos e omais santo dos sábios, nasceu em família nobre em 1225 nocastelo de Roccasecca, perto da cidade de Aquino, no reino deNápoles, Itália. Com apenas cinco anos seu pai, conde deLandulfo d'Aquino, o internou no mosteiro de Monte Cassinoonde recebeu a educação, a sua família esperava que viesse aser monge beneditino e tinha a esperança de um dia vir a sero abade daquele mosteiro.Aos 19 anos fugiu de casa para, contra o desejo dos pais, sejuntar aos dominicanos mendicantes, entrando na Ordem fundadapor São Domingos de Gusmão. Estudou filosofia em Nápoles edepois em Paris, onde se dedicou ao ensino e ao estudo de

10 Apresenta-se a transcrição do conteúdo de http://pt.wikipedia.org/wiki/Ordem_dos_Pregadores>acessodia 22.01.2010.

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questões filosóficas e teológicas. Estudou teologia emColônia e em Paris se tornou discípulo de Santo Alberto Magnoque o "descobriu" e se impressionou com a sua inteligência.Por este tempo foi apelidado de "boi mudo". Dele disse SantoAlberto Magno: "Quando este boi mugir, o mundo inteiro ouviráo seu mugido."Foi mestre na Universidade de Paris no reinado de Luís IX deFrança morrendo, com 49 anos, na Abadia de Fossanova, quandose dirigia para Lião a fim de participar do Concílio de Lião,a pedido do Papa.

Filosofia

Seu maior mérito foi a síntese do cristianismo com a visãoaristotélica do mundo, introduzindo o aristotelismo, sendoredescoberto na Idade Média, na Escolástica anterior,compaginou um e outro, de forma a obter uma sólida basefilosófica para a teologia e retificando o materialismo deAristóteles. Em suas duas "Summae", sistematizou oconhecimento teológico e filosófico de sua época : são elas a"Summa Theologiae", a "Summa Contra Gentiles".A partir dele, a Igreja tem uma Teologia (fundada narevelação) e uma Filosofia (baseada no exercício da razãohumana) que se fundem numa síntese definitiva: fé e razão,unidas em sua orientação comum rumo a Deus. Sustentou que afilosofia não pode ser substituída pela teologia e que ambasnão se opõem. Afirmou que não pode haver contradição entre fée razão.Explica que toda a criação é boa, tudo o que existe é bom,por participar do ser de Deus, o mal é a ausência de umaperfeição devida e a essência do mal é a privação ou ausênciado bem.Além da sua Teologia e da Filosofia, desenvolveu também umaTeoria do conhecimento e uma Antropologia, deixou tambémescrito conselhos políticos: Do governo do Príncipe, ao rei de Chipre,que se contrapõe, do ponto de vista da ética, ao "O Príncipe"de Nicolau Maquiavel.Com o uso da razão é possível demonstrar a existência deDeus, para isto propõe as 5 vias de demonstração:Primeira via

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Primeiro Motor Imóvel: Tudo o que se move é movido poralguém, é impossível uma cadeia infinita de motoresprovocando o movimento dos movidos, pois do contrárionunca se chegaria ao movimento presente, logo há que terum primeiro motor que deu início ao movimento existentee que por ninguém foi movido.

Segunda via Causa Primeira: Decorre da relação "causa-e-efeito" quese observa nas coisas criadas. É necessário que haja umacausa primeira que por ninguém tenha sido causada, poisa todo efeito é atribuída uma causa, do contrário nãohaveria nenhum efeito pois cada causa pediria uma outranuma sequência infinita.

Terceira via Ser Necessário: Existem seres que podem ser ou não ser(contingentes), mas nem todos os seres podem serdesnecessários se não o mundo não existiria, logo épreciso que haja um ser que fundamente a existência dosseres contingentes e que não tenha a sua existênciafundada em nenhum outro ser.

Quarta via Ser Perfeito: Verifica-se que há graus de perfeição nosseres, uns são mais perfeitos que outros, qualquergraduação pressupõe um parâmetro máximo, logo deveexistir um ser que tenha este padrão máximo de perfeiçãoe que é a Causa da Perfeição dos demais seres.

Quinta via Inteligência Ordenadora: Existe uma ordem no universoque é facilmente verificada, ora toda ordem é fruto deuma inteligência, não se chega à ordem pelo acaso e nempelo caos, logo há um ser inteligente que dispôs ouniverso na forma ordenada.

A verdade

"A verdade é definida como a conformidade da coisa com ainteligência”. Tomás de Aquino concluiu que a descoberta daverdade ia além do que é visível. Antigos filósofosacreditavam que era verdade somente o que poderia ser visto.Aquino já questiona que a verdade era todas as coisas porque

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todas são reais, visíveis ou invisíveis, exemplificando: umapedra que está no fundo do oceano não deixa de ser uma pedrareal e verdadeira só porque não pode ser vista. Aquinoconcorda e aprimora Agostinho quando diz que “A verdade é omeio pelo qual se manifesta aquilo que é”. A verdade está nascoisas e no intelecto e ambas convergem junto com o ser. O“não-ser” não pode ser verdade até o intelecto o tornarconhecida, ou seja, isso é apreendido através da razão.Aquino chega a conclusão que só se pode conhecer a verdade sevocê conhece o que é o ser.A verdade é uma virtude como diz Aristóteles, porém o bem éposterior a verdade. Isso porque a verdade está mais próximodo ser, mais intimamente e o que o sujeito ser do bem dependedo intelecto, “racionalmente a verdade é anterior”.Exemplificando: o intelecto apreende o ser em si; depois, adefinição do ser, por último a apetência do ser. Ou seja,primeiramente a noção do ser; depois, a construção daverdade, por fim, o bem.Sobre a eternidade da verdade ele, Tomás, discorda em partescom Agostinho. Para Agostinho a verdade é definitiva.Imutável. Já para Aquino, a verdade é a conseqüência de fatoscausados no passado. Então na supressão desses fatos àverdade deixa de existir. O exemplo que Tomás de Aquino trazé o seguinte: A frase “Sócrates está sentado” é a verdade.Seja por uma matéria, uma observação ou analise, mas ele estásentado. Ao se levantar, ficando de pé, ele deixa de estarsentado. Alterando a verdade para a segunda opção, mudando aprimeira. Contudo, ambos concordam que na verdade divina averdade por não ter sido criada, já que Deus sempre existiu,não pode ser desfeita no passado e então é imutável.

Ética

Segundo São Tomás de Aquino, a ética consiste em agir deacordo com a natureza racional. Todo o homem é dotado delivre-arbítrio, orientado pela consciência e tem umacapacidade inata de captar, intuitivamente, os ditames daordem moral. O primeiro postulado da ordem moral é: faz o bem eevita o mal.

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Há uma Lei Divina, revelada por Deus aos homens, que consistenos Dez Mandamentos.Há uma Lei Eterna, que é o plano racional de Deus que ordenatodo o universo e uma Lei Natural, que é conceituada como aparticipação da Lei Eterna na criatura racional, ou seja,aquilo que o homem é levado a fazer pela sua naturezaracional.A Lei Positiva é a lei feita pelo homem, de modo a possibilitaruma vida em sociedade. Esta subordina-se à Lei Natural, nãopodendo contrariá-la sob pena de se tornar uma lei injusta; nãohá a obrigação de obedecer à lei injusta - (Este é ofundamento objectivo e racional da verdadeira objecção deconsciência).A Justiça consiste na disposição constante da vontade em dara cada um o que é seu - suum cuique tribuere - e classifica-secomo Comutativa, Distributiva e Legal, conforme se faça entreiguais, do soberano para os súbditos e destes para comaquele, respectivamente.

Concepção de ser humano

Partindo de um conceito aristotélico, Aquino desenvolveu umaconcepção hilemórfica do ser humano, definindo o ser humanocomo uma unidade formada por dois elementos distintos: amatéria primeira (potencialidade) e a forma substancial (oprincípio realizador). Esses dois princípios se unem narealidade do corpo e da alma no ser humano. Ninguém podeexistir na ausência desses dois elementos.[1]A concepção hilemórfica é coerente com a crença segundo aqual Jesus Cristo, como salvador de toda a humanidade, é aomesmo tempo plenamente humano e plenamente divino. Seu podersalvador está diretamente relacionado com a unidade, no homemou na mulher, do corpo e da alma. Para Aquino, o conceitohilemórfico do homem implica a hominização posterior, que eleprofessava firmemente. Uma vez que corpo e alma se unem paraformar um ser humano, não pode existir alma humana em corpoque ainda não é plenamente humano.[2]O feto em desenvolvimento não tem a forma substancial dapessoa humana. São Tomás aceitou a ideia aristotélica de queprimeiro o feto é dotado de uma alma vegetativa, depois, de

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uma alma animal, em seguida, quando o corpo já sedesenvolveu, de uma alma racional. Cada uma dessas “almas” éintegrada à alma que a sucede até que ocorra, enfim, a uniãodefinitiva alma-corpo.[3]Conforme as próprias palavras do Doutor Angélico:

Em latim: “Anima igitur vegetabilis, quae primo inest, cumembryo vivit vita plantae, corrumpitur, et succedit animaperfectior, quae est nutritiva et sensitiva simul, et tuncembryo vivit vita animalis; hac autem corrupta, succeditanima rationalis ab extrinseco immissa (...) cum animauniatur corpori ut forma, non unitur nisi corpori cuius estproprie actus. Est autem anima actus corporis organici”.[4]Em inglês: “The vegetative soul therefore, which is first inthe embryo, while it lives the life of a plant, is destroyed,and there succeeds a more perfect soul, which is at onenutrient and sentient, and for that time the embryo lives thelife of an animal: upon the destruction of this, theresucceeds the rational soul, infused from without (...) Forsince the soul is united with the body as a form, it is onlyunited with that body of which it is properly theactualisation. Now the soul is the actualisation of anorganised body”. [5] Em português: “A alma vegetativa, quevem primeiro, quando o embrião vive como uma planta,corrompe-se e é sucedida por uma alma mais perfeita, que é aomesmo tempo nutritiva e sensitiva, quando o embrião vive umavida animal; quando ela se corrompe, é sucedida pela almaracional induzida do exterior (...) Já que a alma se une aocorpo como sua forma, ela não se une a um corpo que não sejaaquele do qual ela é propriamente o ato. A alma é agora o atode um corpo orgânico”.

Referências

1. ↑ Sancti Thomae de Aquino, Summa contra Gentiles, Caput89. Disponível emhttp://www.corpusthomisticum.org/scg2056.html#25404Acesso em 5 de novembro de 2009.

2. ↑ Sancti Thomae de Aquino, Summa contra Gentiles, Caput89. Disponível em

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http://www.corpusthomisticum.org/scg2056.html#25404Acesso em 5 de novembro de 2009.

3. ↑ Sancti Thomae de Aquino, Summa contra Gentiles, Caput89. Disponível emhttp://www.corpusthomisticum.org/scg2056.html#25404Acesso em 5 de novembro de 2009.

4. ↑ Sancti Thomae de Aquino, Summa contra Gentiles, Caput89. Disponível emhttp://www.corpusthomisticum.org/scg2056.html#25404Acesso em 5 de novembro de 2009.

5. ↑ Saint Thomas Aquinas, Of God and His Creatures. AnAnnotated Translation (With some Abridgement) of theSumma Contra Gentiles by Joseph Rickaby, Book II,Chapters 88-89. Disponível emhttp://www2.nd.edu/Departments/Maritain/etext/gc2_88.htmAcesso em 5 de novembro de 2009.

4. O RENASCIMENTO E O BARROCO

Josten Gaard11

Entende-se por Renascimento um período de apogeu cultural quefez nascer de novo a arte e a cultura da Antigüidade. Nesteperíodo, o homem voltou a ocupar o centro de todas as coisas(antropocentrismo) ao contrário do que ocorria na Idade Média(teocentrismo). Por isso fala-se do humanismo dorenascimento. A Igreja aos poucos foi perdendo seu poder emonopólio no que se refere à transmissão do conhecimento. Amoda naquela época era tornar o ser humano algo grandioso evalioso. O humanismo do renascimento foi muito marcado peloindividualismo. A nova visão do homem centrava-se nointeresse pela anatomia e nas representações dos nus humanos.O homem, a partir desta concepção, não existia apenas paraservir a Deus, mas a ele próprio. Vale ressaltar que noRenascimento desenvolveu-se um novo método científico – oprincípio vigente era o da investigação da natureza mediantea observação e a experimentação – método empírico.11 Apresenta-se a transcrição desse autor na obra o Mundo de Sofia. Romance de História da Filosofia. São Paulo: Cia das Letras, 1995, p.206-251.

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A designação barroco tem sua origem numa palavra quesignifica "pérola irregular." Na arte do barroco houve avalorização das formas opulentas, cheias de contrastes. Emmuitos aspectos, o barroco foi marcado pela vaidade e pelairracionalidade. Do ponto de vista político, o séc. XVII foiuma época de contrastes: de um lado guerras e de outro osurgimento de potências na Europa como a França. No aspectosocial, a principal característica foi as diferenças declasses. A arquitetura trazia formas sobrecarregadas deornamentos que ocultavam as linhas da estrutura. Um correlatodisso na política seriam os assassinatos, as intrigas e asconspirações. Dentre os principais representantes desta épocadestacam-se: William Shakespeare, o poeta dramático espanhol,Calderón de la Barca e Ludvig Holdberg (já trazia traços doIluminismo).

5.MESTRES DO PENSAMENTO NA MODERNIDADE12

Josten Gaarder13

5.1. RENÉ DESCARTES

 René Descartes nasceu em La Haye en Touraine, 31 de março de1596 — Estocolmo, 11 de fevereiro de 1650, Ele foi uma pessoaque se dedicou muito a viagens pela Europa e pode-se dizerque foi o fundador da filosofia dos novos tempos e o primeirogrande construtor de um sistema filosófico que foi seguidopor Spinoza e Leibniz, Locke e Berkeley, Hume e Kant. Sistemafilosófico é uma filosofia de base cujo objetivo é encontrarrespostas para as questões filosóficas mais importantes. Uma

12 A Idade Moderna é um período específico da História do Ocidente. Destaca-sedas demais por ter sido um período de transição por excelência. Tradicionalmente aceita-se oinício estabelecido pelos historiadores franceses, em 29 de maio de 1453 quando

ocorreu a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos, e o términocom a Revolução Francesa, em 14 de julho de 1789.(http://pt.wikipedia.org/wiki/Idade_Moderna).

13 Apresenta-se a transcrição desse autor na obra o Mundo de Sofia. Romance de História da Filosofia. São Paulo: Cia das Letras, 1995, p.252-396.

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coisa que ocupou a atenção de Descartes foi a relação, entrecorpo e alma. Sua obra mais importante é Discurso do método,onde explica, entre outras coisas, que não se deve considerarnada como verdadeiro. Ele queria aplicar o método matemáticoà reflexão da filosofia e provar as verdades filosóficas comose prova um princípio de matemática, ou seja, empregando arazão. Em seu raciocínio, Descartes objetiva chegar a umconhecimento seguro sobre a natureza da vida e afirma quepara tanto deve-se partir da dúvida. Ele achava importantedescartar primeiro todo o conhecimento constituído antesdele, para só então começar a trabalhar em seu projetofilosófico. Achava também que não devíamos confiar em nossossentidos. Era, portanto, racionalista. Uma das conclusões aque chegou foi a de que a única coisa sobre a qual se podiater certeza era a de que duvidava de tudo. Acreditava naexistência de Deus como algo tão evidente quanto o fato deque alguém que pensa era um ser, um Eu presente. Achava que ohomem era um ser dual: tanto pensa como ocupa lugar noespaço. Descartes morreu aos 54 anos, mas mesmo após suamorte continuou a ser uma figura de grande importância para afilosofia. Ele foi um homem à frente de seu tempo.

5.2. SPINOZA

Baruch Spinoza nasceu em 24 de Novembro de 1632 em Amsterdã,Países Baixos, morreu num domingo, 21 de fevereiro de 1677,foi um filósofo holandês que recebeu influências deDescartes. Ele pertencia à comunidade judaica de Amsterdã,mas foi excomungado por heresia. Contestava o fato de quecada palavra da Bíblia fosse inspirada por Deus e dizia quequando a lemos temos que fazê-lo com uma postura crítica. Comessa forma de pensar, foi sendo isolado por todos, até porsua família. Seu sustento provinha do polimento de lentes eisso tem um significado simbólico, pois a tarefa de umfilósofo é justamente ajudar as pessoas a ver a vida de ummodo novo. Em sua filosofia é fundamental enxergar as coisassobre a perspectiva da eternidade.

Spinoza era panteísta, ou seja, achava que Deus estavapresente em tudo que existia. Em relação à ética, ele a

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entendia como a doutrina de como deve-se viver para ter umaboa vida. Também era racionalista e pretendeu mostrar que avida do homem é governada pelas leis da natureza. Achava queo homem tinha que se libertar de seus sentimentos e sensaçõespara só então encontrar a paz e ser feliz. Ele era monista(acreditava somente numa natureza material, física). Spinozaconsiderava Deus, ou as leis da natureza, a causa interna detudo o que acontecia. Ele tinha uma visão determinista. Eledefendeu de forma enérgica a liberdade de expressão e atolerância religiosa.

5.3. LOCKE

 Locke,nasceu a 29 de agosto de 1632 Wrington, Somerset,Inglaterra e morreu em 28 de outubro de 1704 em Essex,Inglaterra foi um filósofo da experiência ou empírico. Antes,porém, falaram do racionalismo e de seus principaisrepresentantes no séc. XVII que foram o francês Descartes, oholandês Spinoza e o alemão Leibniz. Um empírico deriva todoo seu conhecimento daquilo que lhe dizem os sentidos. Aformulação clássica de uma postura empírica vem deAristóteles. Locke repetiu as palavras deste filósofo, mas odestinatário de sua crítica foi Descartes. John Locke foi oprimeiro filósofo empírico inglês. Seu livro mais importantechama-se Um ensaio sobre o entendimento humano. Nele, Locke tentavaexplicar duas questões: em primeiro lugar, de onde o homemretirava seus pensamentos e suas noções; em segundo, sepodíamos confiar no que nossos sentidos nos dizem.

Locke acreditava que todos os nossos pensamentos e nossasnoções nada mais eram do que um reflexo daquilo que um dia jásentimos ou percebemos através de nossos sentidos. Antes desentirmos qualquer coisa nossa mente era como uma tábularasa, uma lousa vazia. Ele estabeleceu a diferença entreaquilo que se chama de qualidades sensoriais primárias esecundárias. Por qualidades sensoriais primárias Lockeentendia a extensão, peso, forma, movimento e número dascoisas. As secundárias eram as que não reproduziam ascaracterísticas verdadeiras das coisas e sim o efeito queessas características exteriores exerciam sobre os nossos

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sentidos. Locke chamou a atenção para o conhecimentointuitivo ou demonstrativo. Ele acreditava que certasdiretrizes éticas valiam para todos e que era inerente àrazão humana saber da existência de um Deus.

5.4. HUME

 David Hume viveu de 1711 a 1776. Sua filosofia é consideradaaté hoje como a mais importante filosofia empírica. Eleachava que lhe cabia a tarefa de eliminar todos os conceitosobscuros e os raciocínios intricados criados até então. Humequeria retornar à forma original pela qual o homemexperimentava o mundo. Constatou que o homem possuíaimpressões de um lado, e idéias, de outro e atentou para ofato de que tanto uma quanto outra poderiam ser ou simples oucomplexas. Ele se preocupou com o fato de às vezes formarmosidéias e noções complexas, para as quais não hácorrespondentes complexos na realidade material. Era dessaforma que surgiam as concepções falsas sobre as coisas. Eleestudou cada noção, cada idéia, a fim de verificar se suacomposição encontrava correlato na realidade. Ele achava queuma noção complexa precisava ser decomposta em noçõesmenores. Era assim que pretendia

 chegar a um método científico de análise das idéias dohomem. No âmbito da ética e da moral, Hume se opôs aopensamento racionalista. Os racionalistas consideravam umaqualidade inata da razão humana o fato de ela poderdistinguir entre o certo e o errado. Hume, porém, nãoacreditava que a razão determinasse as ações e pensamentos deuma pessoa.

5.5. BERKELEY

 George Berkeley (1685-1753) foi um bispo irlandês. Ele criaque a filosofia e a ciência de seu tempo constituíam umaameaça para a visão cristã do mundo. Além disso, achava que omaterialismo, cada vez mais consistente e difundido, colocavaem risco a crença cristã de que Deus criou e mantém vivo tudoexistente na natureza. Ao mesmo tempo, porém, Berkeley foi um

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dos mais coerentes representantes do empirismo. Ele dizia quetudo que existia era só o que percebíamos e que aquilo quepercebíamos não era matéria ou substância. Acreditava tambémque todas as idéias tinham uma causa fora da consciência, masque esta causa não era de natureza material e sim de naturezaespiritual. Segundo Berkeley, portanto, a alma podia ser acausa das próprias idéias, mas só outra vontade, só outroespírito podia ser a causa das idéias que formavam o mundomaterial. Ele dizia que tudo vinha do espírito "onipotentepor meio do qual tudo existia". Afirmava que tudo que víamose sentíamos era um efeito da força de Deus, pois Ele estavapresente no fundo de nossa consciência e era a causa de todaa multiplicidade de idéias e sensações a que estávamosconstantemente sujeitos. Este espírito, no qual tudo existiaera o Deus cristão.

 5.6. O ILUMINISMO

 O iluminismo foi um movimento que caracterizou o pensamentoeuropeu do século XVIII, baseado na crença do poder da razãoe do progresso, na liberdade de pensamento e na emancipaçãopolítica. Muitos dos filósofos do iluminismo francês tinhamvisitado a Inglaterra, que em certo sentido era mais liberaldo que a França. A ciência natural inglesa encantou essesfilósofos franceses. De volta a sua pátria, a França, elescomeçaram pouco a pouco a se rebelar contra o autoritarismovigente e não tardou muito a se voltarem também contra opoder da Igreja, do rei e da aristocracia. Eles começaram areimplantar o racionalismo em sua revolução. A maioria dosfilósofos do Iluminismo tinha uma crença inabalável na razãohumana. A nova ciência natural deixava claro que tudo nanatureza era racional. De certa forma, os filósofosiluministas consideravam sua tarefa criar um alicerce para amoral, a ética e a religião que estivesse em sintonia com arazão imutável do homem. Todos esses fatores contribuírampara a formação do pensamento do iluminismo francês. Osfilósofos desta época diziam que só quando a razão e oconhecimento se difundissem era que a humanidade fariagrandes progressos. A natureza para eles era quase a mesmacoisa que a razão e por isso enfatizavam um retorno de homem

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a ela. Falavam também que a religião deveria estar emconsonância com a razão natural do homem. O iluminismo foi oalicerce para a Revolução Francesa de 1789.

5.7. KANT

 Immanuel Kant nasceu em Königsberg, uma cidade da PrússiaOriental, em 1724. Ele conheceu muitos filósofosracionalistas e empíricos. Achava que tanto os sentidosquanto a razão eram muito importantes para a experiência domundo e concordava com Hume e com os empíricos quanto ao fatode que todos os conhecimentos deviam-se às impressões dossentidos. Mas, e nesse ponto ele concordava com osracionalistas, a razão também continha pressupostosimportantes para o modo como o mundo era percebido. Kantexplicava que o espaço e o tempo pertenciam à condição humanasendo propriedade da consciência, e não atributos do mundofísico. Ele afirmava que a consciência se adaptava às coisase vice-versa acreditava que a lei da causalidade era oelemento componente da razão humana e que era eterna eabsoluta, simplesmente porque a razão humana considerava tudoo que acontecia dentro de uma relação de causa e efeito. Eleatentou para o fato de haver limites bem claros para o que ohomem podia saber e achava que o ser humano jamais poderiachegar a um conhecimento seguro a respeito da existência deDeus, de que o universo era ou não infinito, etc. Outropensamento de Kant era o de que a razão operava fora doslimites daquilo que os seres humanos poderiam compreender.Existiam dois elementos que contribuíam para o conhecimentodo mundo: a experiência e a razão. Achava que o material parao conhecimento era dado através dos sentidos que se adaptava,por assim dizer, às características da razão.

5.8. O ROMANTISMO

 O Romantismo começou na Alemanha, em fins do século XVIII,como uma reação à parcialidade do culto à razão apregoadopelo iluminismo e durou até meados do século passado. Suaspalavras de ordem eram: sentimento, imaginação, experiência eanseio. No Romantismo, o indivíduo encontrava caminho livre

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para fazer sua interpretação e professava uma glorificaçãoquase irrestrita do "eu". Os românticos acreditavam que só aarte era capaz de aproximar alguém do indizível. Algunslevaram essa reflexão às últimas conseqüências e chegaram acomparar o artista com Deus. Costumava-se dizer que o artistapossuía uma espécie de imaginação criadora do mundo e em seuêxtase artístico seria capaz de experimentar um estado em queas fronteiras entre sonho e realidade desapareceriam. Osromânticos sentiam-se atraídos pela noite, pelo crepúsculo,por antigas ruínas e pelo sobrenatural. Interessavam-se muitopelo que se chama de lado oculto da vida: o obscuro, omisterioso, o místico. O Romantismo foi, sobretudo umfenômeno urbano. Precisamente na primeira metade do séculopassado, a cultura urbana vivia um período de apogeu emmuitas regiões da Europa. Dizia-se que, para o artista aociosidade era o ideal e a indolência, a primeira virtude doromântico e que era seu dever viver a vida, ou imaginar-sedistante dela. Uma das características mais importantes desteperíodo era o amor pela natureza e por sua mística. ORomantismo também foi uma reação à visão do mundo mecanicistado iluminismo. Isto significa que a natureza voltou a servista como um todo, como uma unidade. Devido ao fato de oRomantismo ter trazido consigo uma reorientação em tantossetores, costuma-se distingui-lo de duas formas: RomantismoUniversal e o Nacional. No primeiro, os românticos sepreocupavam com a natureza, a alma do mundo e com o gênioartístico. No segundo, eles interessavam-se, sobretudo pelahistória do povo, sua língua e também pela cultura popular.

 5.9. HEGEL

 Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em 1770, em Stuttgart.Ele reuniu e desenvolveu quase todos os pensamentos surgidosentre os românticos. Hegel também empregou o conceitoespírito do mundo, mas lhe atribuiu um sentido diferente dode outros românticos. Quando falava de espírito ou razão domundo, ele estava se referindo à soma de todas asmanifestações humanas. Ele dizia que a verdade erabasicamente subjetiva e contestava a possibilidade de haveruma verdade acima ou além da razão humana. Achava também que

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as bases do conhecimento mudavam de geração para geração e,por conseqüência, não existiam verdades eternas. Ele diziaque a razão era algo dinâmico e que fora do processohistórico não existia qualquer critério capaz de decidirsobre o que era mais verdadeiro e o que era mais racional.Acreditava que quando se refletia sobre o conceito de "ser"não tinha como deixar de lado a reflexão da noção oposta, ouseja, o "não ser" e que a tensão entre esses dois conceitosera resolvida pela ideia de transformar-se. Hegel atribuiuuma importância enorme àquilo que chamou de forças objetivas:a família e o Estado. Ele achava que o indivíduo era a parteorgânica de uma comunidade e que a razão ou o espírito domundo só se tornavam possíveis na interação das pessoas edizia também que o Estado era mais que o cidadão isolado emais que a soma de todos os cidadãos. Hegel achava impossíveldesligar-se da sociedade por assim dizer. Para ele, quem davaas costas à sociedade na qual vivia e preferia encontrar-se asi mesmo era um louco. Ele falava que não era o indivíduo queencontrava a si mesmo, mas o espírito do mundo e tentoumostrar que este retorna a si em três estágios: em primeirolugar, o espírito do mundo se conscientiza de si mesmo noindivíduo (chama-se de razão subjetiva); depois, atinge umnível mais elevado de consciência na família, na sociedade eno Estado, (chama-se de razão objetiva); e enfim atinge aforma mais elevada de autoconhecimento na razão absoluta. Eesta razão absoluta era a arte, a religião e a filosofia,sendo esta última a mais elevada da razão. Só na filosofiaera que o espírito do mundo se encontraria. Desse ponto devista, a filosofia podia ser considerada o espelho doespírito do mundo.

6. MESTRES DO PENSAMENTO NA CONTEMPORANEIDADE14

14 A Idade Contemporânea iniciou-se no século XIX, a filosofia se deu na valorizaçãoda ciência e extensão do método cientifico a outras disciplinas, apresentando as seguintescaracterísticas positivistas como completo desprezo por tudo o que estiver além daexperiência sensível e concreta, supervalorização das ciências (que tiveram grande impulsona época do surgimento dessa corrente) como modelo supremo do saber e preocupação exclusivade estudar apenas aquilo que pode ser útil para o homem. Os homens confirmar suas idéiascomparando-as com a realidade concreta, com a experiência sensível. Abandona-se aconsideração das causas e dos porquês dos fenômenos e passam-se a analisar os processos, asleis segundo as quais ocorrem esses fenômenos.Quanto a política e à organização social, afase positiva da humanidade é aquela em que o poder passa às mãos dos industriais, que

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Josten Gaard15

6.1. KIERKEGAARD

 Kierkegaard nasceu em Copenhague em 1813. Ele se opôsintensamente aos pensamentos de Hegel, o próximo filósofo aser estudado, e disse que a filosofia da unidade dosromânticos e o historicismo de Hegel tinham tirado doindivíduo a responsabilidade pela sua própria vida. ParaKierkegaard, mais importante do que a busca de uma verdadeera a busca por verdades que são importantes para a vida decada indivíduo. Ele dizia também que a verdade era subjetivanão no sentido de que era totalmente indiferente o quepensamos ou aquilo em que acreditamos, mas que as verdadesrealmente importantes eram pessoais. Kierkegaard achava quehavia três possibilidades diferentes de existência e asdenominou de estágio estético,  estágio ético e estágioreligioso. Quem vive no estágio estético vive o momento evisa sempre o prazer. O estágio ético é marcado pelaseriedade e por decisões consistentes, tomadas segundopadrões morais. Quem vive no estágio religioso prefere a féao prazer estético e aos mandamentos da razão. ParaKierkegaard, o estágio religioso era o cristianismo.

6.2. MARX

Karl Heinrich Marx (Tréveris, 5 de maio de 1818 — Londres, 14de março de 1883 )foi um filósofo materialista e seupensamento tinha um objetivo prático e político. Foi tambémum historiador, sociólogo e economista. Ele achava que eramas condições materiais de vida numa sociedade quedeterminavam o pensamento e a consciência e que tais

utilizam o conhecimento dos sábios, técnicos e cientistas. Neste período começam também asinvestigações psicológicas sobre o mecanismo do raciocínio e da memória, separando apsicologia e a sociologia da filosofia e tornando-se ciências independentes, início daformação às ciências humanas(http://temposdeluz.sites.uol.com.br/educacao/idade_contemporanea.html ).

15 Apresenta-se a transcrição desse autor na obra o Mundo de Sofia. Romance de História da Filosofia. São Paulo: Cia das Letras, 1995, p.397-475.

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condições eram decisivas também para a evolução da história.Nesse sentido, Marx dizia que não eram os pressupostosespirituais numa sociedade que levavam a modificaçõesmateriais, mas exatamente o oposto: as condições materiaisdeterminavam, em última instância, também as condiçõesespirituais. Além disso, achava que as forças econômicas eramas principais responsáveis pela mudança em todos os outrossetores e, conseqüentemente, pelos rumos do curso dahistória. Para Marx, as condições materiais sustentavam todosos pensamentos e idéias de uma sociedade sendo esta compostapor três camadas: embaixo de tudo estavam as condiçõesnaturais de produção que compreendiam os recursos naturais; apróxima camada era formada pelas forças de produção de umasociedade, que não era só a força de trabalho do própriohomem, mas também os tipos de equipamentos, ferramentas emáquinas, os chamados meios de produção; a terceira trata dasrelações de posse e da divisão do trabalho, chamada derelações de produção de uma sociedade. Para ele, o modo deprodução determinava se relações políticas e ideológicaspodiam existir. Marx falava que toda a história era ahistória das lutas de classes. Pensava a respeito do trabalhohumano falando que quando o homem labutava, ele interferia nanatureza e deixava nela suas marcas e vice-versa. Marx foiquem deu grande impulso ao comunismo. Ele atacava fortementeo sistema capitalista que vigorava em todo mundo e achava queseu modo de produção era contraditório. Para ele, ocapitalismo era um sistema econômico autodestrutivo,sobretudo porque lhe faltava um controle racional. Eleconsiderava o capitalismo progressivo, isto é, algo queaponta para o futuro, mas só porque via nele um estágio acaminho do comunismo.

 Segundo Marx, quando o capitalismo caísse e o proletariadotomasse o poder, haveria o surgimento de uma nova sociedadede classes, na qual o proletariado subjugaria à força aburguesia. Esta fase de transição Marx chamou de ditadura doproletariado. Depois disso a ditadura do proletariado darialugar a uma sociedade sem classes, o comunismo e esta seriauma sociedade na qual os meios de produção pertenceriam a

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todos. Em tal estágio, cada um trabalharia de acordo com suacapacidade e ganharia de acordo com suas necessidades.

6.3. DARWIN

Charles Robert Darwin FRS (Shrewsbury, 12 de Fevereiro de1809 — Downe, Kent, 19 de Abril de 1882)foi um cientista que,mais do que qualquer outro em tempos mais modernos,questionou e colocou em dúvida a visão bíblica sobre o lugardo homem na criação. Ele achava que precisava se libertar dadoutrina cristã sobre o surgimento do homem e dos animais,vigente em sua época. Em um de seus livros publicados, Origemdas espécies, defendeu duas teorias ou idéias principais: emprimeiro lugar dizia que todas as espécies de plantas eanimais existentes descendiam de formas mais primitivas, queviveram em tempos passados. Ele pressupôs, portanto, umaevolução biológica. Em segundo, Darwin explicou que estaevolução se devia à seleção natural. Um dos argumentospropostos por ele para a evolução biológica era o fato deexistir depósitos de fósseis estratificados em diferentesformações rochosas. Outro argumento era a distribuiçãogeográfica das espécies vivas (ele havia visto com seuspróprios olhos que as diferentes espécies de animais de umaregião distinguiam-se umas das outras por detalhes mínimos).Darwin não acreditava que as espécies eram imutáveis, só quelhe faltava uma explicação convincente para o modo como seprocessava a evolução. O que ele tinha era um argumento paraa suposição de que todos os animais da Terra possuíam umancestral comum: a evolução dos embriões dos mamíferos, mascontinuava sem explicar como se processava a evolução para asdiferentes espécies. Enfim chegou a uma conclusão: aresponsável era a seleção natural na luta pela vida, ou seja,quem melhor se adaptava ao meio ambiente, sobrevivia e podiagarantir a continuidade de sua espécie. "As constantesvariações entre indivíduos de uma mesma espécie e as elevadastaxas de nascimento constituem a matéria-prima para aevolução da vida na Terra. A seleção natural na luta pelasobrevivência é o mecanismo, a força propulsora que está portrás desta evolução. A seleção natural é responsável pela

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sobrevivência dos mais fortes, ou dos que melhor se adaptamao seu meio".

6.4. FREUD

 Sigmund Freud nasceu em  Příbor, 6 de maio de 1856 e morreuem Londres, 23 de setembro de 1939, estudou medicina naUniversidade de Viena. Ele achava que sempre havia uma tensãoentre o homem e o seu meio. Para ser mais exato, um conflitoentre o próprio homem e aquilo que o seu meio exigia dele.Ele descobriu o universo dos impulsos que regiam a vida doser humano. Com freqüência, impulsos irracionais determinavamos pensamentos, os sonhos e as ações das pessoas. Taisimpulsos irracionais eram capazes de trazer à luz instintos enecessidades que estavam profundamente enraizados no interiordos indivíduos. Freud chegara a conclusão da existência deuma sexualidade infantil por meio de sua prática comopsicoterapeuta. Ele também constatou que muitas formas dedistúrbios psíquicos eram devido a conflitos ocorridos nainfância. Após um longo período de experiência com pacientes,concluiu que a consciência seria mais ou menos como a pontade um iceberg que se elevava para além da superfície da água.Sob a superfície ou sob o limiar da consciência, estava osubconsciente ou inconsciente. A expressão inconscientesignificava, para Freud, tudo o que reprimimos.

6.5. JEAN PIAGET (1896-1980)

(http://temposdeluz.sites.uol.com.br/educacao/idade_contemporanea.html)16

Psicólogo, suíço, ganhou renome mundial com seus estudossobre os processos de construção do pensamento nas crianças.Ele e seus colaboradores publicaram mais de trinta volumes aesse respeito. Piaget recebeu o grau de doutor em ciênciasnaturais em 1918. A partir de 1921, passou a estudar

16 Apresenta-se a transcrição do conteúdo de http://temposdeluz.sites.uol.com.br/educacao/idade_contemporanea.html>acesso dia 22.01.2010.

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psicologia da criança no Instituto Jean-Jacques Rousseau, emGenebra. Tornou-se professor de psicologia na Universidade deGenebra em 1955 fundou o Centro de Estudos e EpistemologiaGenética.

Segundo Piaget, a criança passa por três períodos dedesenvolvimento mental. Durante o estágio preparatório, dos 2aos 7 anos de idade, a criança desenvolve certas habilidades,como a linguagem e o desenho. No segundo estágio, dos 7 aos11 anos, a criança começa a pensar logicamente. O período deoperações formais estende-se dos 11 aos 15 anos, quando acriança começa a lidar com abstrações e raciocinar comrealismo acerca do futuro.De acordo com Piaget, o papel daação é fundamental pois a característica essencial dopensamento lógico é ser operatório, ou seja, prolongar a açãointeriorizando-a.

A crítica de Piaget à escola tradicional é ácida. Segundoele, os sistemas educacionais objetivam mais acomodar queformar inteligências inventivas e críticas.  O conhecimentonão é algo estagnado ele é dinâmico, está sempre sendoconstruído.Nesta dinâmica, de estar sempre construindo erenovando, a religião tem grande importância sobre asociedade, pois nela constrói significados essenciais para avida e para a morte.

No decorrer do tempo a vida e a morte têm significados,sentidos diferentes, de acordo com os pensamentos filosóficosda época. Hoje, a vida e a morte são analisadas na esperançade enfrentar riscos da modernização, exigindo astransformações, subjetivas e coletivas.

A interligação dos diferentes tipos de conhecimentopossibilita a iniciação da busca do sentido da vida, dandoassim a tarefa de construção do humano, em direcionar a cadadia, um sentido novo de viver.

Como fazer desses conhecimentos um instrumento para essabusca?

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6.6. O EXISTENCIALISMO 

O existencialismo tem como ponto de partida única eexclusivamente o homem. Vale ressaltar que todos os filósofosexistencialistas eram cristãos.Um de seus principaisrepresentantes foi Jean-Paul Charles Aymard Sartre (Paris, 21de Junho de 1905 — Paris, 15 de Abril de 1980) foi umfilósofo francês, escritor e crítico, conhecido representantedo existencialismo. Acreditava que os intelectuais têm dedesempenhar um papel ativo na sociedade. Era um artistamilitante, e apoiou causas políticas de esquerda com a suavida e a sua obra (GAARDER, 1995, p. 485).

Repeliu as distinções e as funções oficiais e, por estesmotivos, se recusou a receber o Prémio Nobel de Literatura de1964. Sua filosofia dizia que no caso humano (e só no casohumano) a existência precede a essência, pois o homemprimeiro existe, depois se define, enquanto todas as outrascoisas são o que são, sem se definir, e por isso sem ter uma"essência" posterior à existência. Ele ainda fez umcomentário sobre a revolução tecnológica por que o mundopassava.

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2ª PARTE: FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

FILOSOFIA

http://www.netsaber.com.br/resumos/ver_resumo_c_2344.html

(LUCKESI, C.)

I - Significado da Filosofia

Filosofia é um corpo de conhecimento, constituído a partir de

um esforço que o ser humano vem fazendo de compreender o seu

mundo e dar-lhe um sentido, um significado compreensivo.

Corpo de conhecimentos, em Filosofia, significa um conjunto

coerente e organizado de entendimentos sobre a realidade.

Conhecimentos estes que expressam o entendimento que se tem

do mundo, a partir de desejos, anseios e aspirações.

Assim, podemos dizer que, a filosofia cria o ideário que

norteia a vida humana em todos os seus momentos e em todos os

seus processos.

Neste sentido, a filosofia é uma força, é o sustentáculo de

um modo de agir. É uma arma na luta pela vida e pela

emancipação humana.

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Em síntese, a filosofia é uma forma de conhecimento que,

interpretando o mundo, cria uma concepção coerente e

sistêmica que possibilita uma forma de ação efetiva. Esta

forma de compreender o mundo tanto é condicionada pelo meio

histórico, como também é seu condicionante. Ao mesmo tempo,

pois, é uma interpretação do mundo e é uma força de ação.

II - Aplicações da Filosofia da Educação

A educação dentro de uma sociedade não se manifesta como um

fim em si mesma, mas sim como um instrumento de manutenção ou

transformação social. Assim sendo, ela necessita de

pressupostos, de conceitos que fundamentem e orientem os seus

caminhos.

A Filosofia fornece à educação uma reflexão sobre a sociedade

na qual está situada, sobre o educando, o educador e para

onde esses elementos podem caminhar.

O educando, quem é, o que deve ser, qual o seu papel no

mundo; o educador, quem é, qual o seu papel no mundo; a

sociedade, o que é, o que pretende; qual deve ser a

finalidade da ação pedagógica. Esses são alguns problemas que

exigem a reflexão filosófica.

A Filosofia propõe questionar, a interpretação do mundo que

temos, e procura buscar novos sentidos e novas interpretações

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de acordo com os novos anseios que possam ser detectados no

seio da vida humana.

III - Educação como transformação da sociedade

Não há uma pedagogia que esteja isenta de pressupostosfilosóficos. É possível compreender a educação dentro da sociedade, comseus determinantes e condicionantes, mas com a possibilidadede trabalhar pela sua democratização. Para tanto, importa interpretar a educação como uma instânciadialética, que serve a um projeto, a um modelo, a um ideal desociedade. Ela trabalha para realizar esse projeto naprática. Assim, se o projeto for conservador, medeia aconservação, contudo se o projeto for transformador, medeia atransformação; se o projeto for autoritário, medeia arealização do autoritarismo; se o projeto for democrático,medeia a realização da democracia. ? Do ponto de vistaprático trata-se de retomar vigorosamente a luta contra aseletividade, a discriminação e o rebaixamento do ensino dascamadas populares. Lutar contra a marginalidade, através daescola, significa engajar-se no esforço para garantir aostrabalhadores um ensino da melhor qualidade possível nascondições históricas atuais. O papel de uma teoria crítica daeducação é dar substância concreta a essa bandeira de luta,de modo a evitar que ela seja apropriada e articulada com osinteresses dominantes? ( in Saviani) A educação como transformadora da sociedade recusa-se tantoao otimismo ilusório, quanto ao pessimismo imobilizador. Porisso, propõe-se compreender a educação dentro de seuscondicionantes e agir estrategicamente para a suatransformação. Propõe-se desvendar e utilizar as própriascontradições da sociedade, para trabalhar criticamente pelasua transformação. Quando não pensamos, somos pensados e dirigidos por outros. IV - Os Sujeitos do Processo Educativo

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4.1. - O Ser Humano

O ser humano emerge no seu modo de ser dentro de um conjuntode relações sociais. São as ações, reações, os modos de agir, as condutasnormatizadas , as censuras, as convivências sadias ouneuróticas, as relações de trabalho, de consumo etc. queconstituem prática, social e historicamente o ser humano. O ser humano é prático, pois é através da ação que modifica oambiente, tornando-o satisfatório às suas necessidades; eenquanto transforma a realidade, constrói a si mesmo no seiodas relações sociais determinadas. O ser humano é social na medida em que vive e sobrevivesocialmente. A sua prática é dimensionada por suas relaçõescom os outros. O ser humano é histórico uma vez que suas características nãosão fixas nem eternas, mas determinadas pelo tempo, que passaa ser constitutivo de si mesmo. Em síntese, o ser humano é ativo, vive determinada relaçãosocial de produção, num determinado momento do tempo. Comoconsequência disso, cada ser humano é propriamente o conjuntodas relações sociais que vivem, de forma prática, social ehistórica. O ser humano se torna propriamente humano na medida em que,conjuntamente com outros seres humanos, pela ação, modifica omundo externo conforme suas necessidades ao mesmo tempo,constrói-se a si mesmo. Assim, enquanto ele humaniza a natureza pelo seu trabalho,humaniza-se a si mesmo. Educador e educando , como seres individuais e sociais aomesmo tempo, constituídos na trama contraditória deconsciência crítica e alienação interagem no processoeducativo. Eles são sujeitos da história na medida em que aconstroem ao lado de outros seres humanos, num contextosocialmente definido.

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A FILOSOFIA , O FILOSOFAR E A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Prof. Renato Nunes17

http://www.unisc.br/cursos/graduacao/filosofia/docs/filosofiaEfilosofar.doc

A sociedade moderna, salvo alguns redutos muitoespecíficos – as academias, marginalizou a Filosofia e ofilosofar. As situações do cotidiano, da vida, os problemas,a educação, a economia, a política... não têm recorrido àFilosofia para seu diagnóstico. O que se percebe, pelocontrário, é uma incessante luta para desqualificá-la18. Asociedade pragmática, consumista e tecnocrata criou a escolatecnicista e autoritária que baniu a filosofia doscurrículos, expurgando-a das escolas. A ordem, hoje, éproduzir uma massa passiva, homens sem consciência, mão-de-obra dócil à implantação e solidificação de um modo deprodução mais preocupado com o capital do que com o próprioser humano.

Karl Jaspers, filósofo contemporâneo (1965), assimcaracterizou os tempos atuais a respeito da anti-filosofia:

Um instinto vital, ignorado de si mesmo, odeiaa filosofia. Ela é perigosa. Se eu acompreendesse, teria de alterar minha vida.Adquiriria outro estado de espírito, veria ascoisas à uma claridade insólita, teria derever meus juízos. Melhor é não pensarfilosoficamente. Muitos políticos vêemfacilitado seu nefasto trabalho pela ausênciada filosofia. Massas e funcionários são mais

17 - Professor do Departamento de Ciências Humanas da UNISC. Mestre em Filosofia.18 - Destaca-se, contudo, a tímida iniciativa na Lei de Diretrizes ebases da Educação nacional (LDB 9394/96), que indica seu retorno aoscurrículos do Ensino Médio, desde que os estabelecimentos de ensinodisponham de pessoal qualificado para ministrá-la. Esta lei não garanteseu retorno, apenas o faculta.

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fáceis de manipular quando não pensam, mas tãosomente usam de uma consciência de rebanho. Épreciso que os homens não se tornem sensatos.Mais vale, portanto, que a filosofia sejavista como algo entediante. Oxaládasaparecessem as cátedras de filosofia.Quanto mais vaidades se ensine, menos oshomens estarão arriscados a se tocarem pelaluz da filosofia. Assim, a filosofia se vêrodeada de inimigos, a maioria dos quais nãotem consciência desta condição. Aautocomplascência burguesa, osconvencionalismos, o hábito de considerar obem estar material como razão suficiente davida, o hábito de só apreciar a ciência emfunção de sua utilidade técnica, o ilimitadodesejo de poder, a bonomia dos políticos, ofanatismo das ideologias, a aspiração a umnome literário... tudo isso proclama a anti-filosofia19

O interesse em promover o gosto pela filosofia, a partirdesta constatação de Jaspers, é praticamente nulo. Parareverter este quadro é necessário mais do que simplesmenterever os juízos sobre os quais a consciência é postulada, énecessário rever as relações de poder, as imposições damentalidade autoritária da classe dominante, e, mais do queisso, bem preparar os acadêmicos dos cursos universitários.No caso específico da disciplina de Filosofia da Educação,acreditamos que ela tem uma contribuição significativa nesteprocesso, pois faz-se presente em todos os Cursos deLicenciatura das Universidades.

De fato os homens não estão habituados a pensar, arefletir filosoficamente. Mas o que significa reflexão? Apalavra é oriunda do verbo latino “reflectere”, que significavoltar atrás. É, pois, um re-pensar, ou ainda, um pensamentoconsciente de si mesmo, capaz de avaliar, de verificar, deanalisar. Refletir é o ato de retomar, reconsiderar os dadosdisponíveis, revisar, vasculhar numa busca constante designificado. É examinar devidamente, prestar atenção,19 - JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 1971. p. 138.

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analisar com cuidado. Neste sentido, toda reflexão épensamento, mas nem todo pensamento é reflexão.

Para que uma reflexão seja, de fato, filosófica, deveser radical, rigorosa e de conjunto.20 Radical porque asituação a ser investigada deve ser posta em termos radicais,ou seja, investigada desde suas raízes, desde seusfundamentos. Deve ser uma reflexão feita em profundidade.Rigorosa, porque não pode ser uma reflexão feita de qualquerjeito, dispersa, fragmentada, ametódica. Para ser filosóficatal reflexão deve ser desenvolvida seguindo um rigordeterminado, colocando-se em questão as conclusões dasabedoria popular e as generalizações apresentadas pelaciência. E deve também ser de conjunto, ou seja, no sentidode que não pode ser parcial, tendenciosa, mas sim relacionadacom os demais aspectos do contexto em que está inserida.Estes aspectos (radicalidade, rigorosidade e de conjunto) nãopodem ser concebidos de forma estanque ou separada, e simcompreendidos como uma permanente interação social.

Para o professor Antoniazzi21

A

função crítica da filosofia não é a pretensão.Pelo contrário, ela é antes de tudoreconhecimento de sua pobreza, de suanegatividade, de sua dependência, de suasituação à margem (e não ao centro) da cidadeou da cultura. A filosofia não pretende trazernovos conhecimentos, novo saber, não acrescentaalgo às ciências, nem à arte ou à religião

Entende-se, por esta passagem, que a filosofia deve serum conjunto de conhecimentos que tem por função primeira re-pensar, discutir e analisar a arte, a política, a religião,as ciências,... Ela deve compreender no conceito seu tempo ea sociedade em que vive. Mas para tanto ela deve pressupor,

20 - SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciênciafilosófica. 10. ed. São Paulo: Cortez, 1991. 21 - ANTONIAZZI, Alberto. Para que serve a filosofia no ensinosuperior? Veredas, São Paulo, 1983/1984. p. 08.

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de algum modo, uma crise da sociedade, uma cisão interna, umadivisão, uma insatisfação com o imediato, com o óbvio. Afilosofia se constitui no movimento que se recusa a aceitar arealidade imediata para transformá-la numa realidade pensada,compreendida no conceito.22

Definir a tarefa da filosofia simplesmente como “pensaro seu tempo”, pode induzir ao equívoco de pôr a etiquetafamosa da filosofia sobre qualquer reflexão acerca de objetose fenômenos da época. Não podemos, como bem nos alertou ojovem Marx23 em 1842, transformar a filosofia em “reportagemjornalística”. Mas para que isso não ocorra devemos ofereceras condições para que alunos e professores investiguem defato, obedecendo o método próprio da filosofia. E para isso,é mister incentivá-los à pesquisa, ao ensino e à extensão,conforme suas peculiaridades. E esta é também uma daspretensões deste projeto: criar as condições necessárias paraque professores e alunos de filosofia da educação possammelhor desenvolver suas tarefas.

Já para o professor Pegoraro24

na prática, há três modos de se fazerfilosofia: primeiro, a filosofia comoaprendizagem dos grandes sistemas, que sãotransmitidos fielmente pelos mestres eprontamente repetidos pelos discipulos;segundo, a filosofia como busca econtemplação de metas transcendentes,aqui, ela será apenas um puro exercício damente, auxiliado pelos textos dos grandesmestres; e terceiro, a filosofia encaradacomo busca de sentido ou análise da

22 - Sobre esta caracterização convém analisar o texto do professorHenrique C. de Lima Vaz: Filosofia no Brasil hoje. Em Cadernos SEAF, nº.1, agosto de 1978, p. 7-16. 23 - Para outras informações a este propósito, cf. Rüdiger BUBNER.Ermeneutica e critica dell’ideologia. Brescia:Quiriniana, 1979. p. 216.24 - PEGORARO, Olinto Antonio. Crise do ensino superior, ausência daFilosofia? Veredas, São Paulo, 1983/1984. p. 23.

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experiência humana vivida no processohistórico.

Percebemos, a partir desta análise de Pegoraro, que oprimeiro modo de filosofar é o apresentado pelos compêndiosde História da Filosofia e pelos tratados filosóficos, queprocuram transmitir didaticamente as principais teses de umsistema; o segundo é o da crítica das posturas clássicas,apresentada pelos pensadores mais lúcidos de uma determinadaépoca, falta-lhes, contudo, a elaboração de novos conceitos àluz do fervilhar cultural do presente; e o terceiro é o daapresentação das inúmeras dimensões a que o ser humano ésolicitado a enfrentar em seu cotidiano. O que importa,entretanto, é que independente do modo de se fazer filosofia,a cada instante somos solicitados e desafiados por novosproblemas e situações. A filosofia visa descobrir, nestesproblemas e situações, uma finalidade: a realização humanapessoal e social no tempo. Esta deve ser a busca concreta dofilósofo. Ao mesmo tempo, cabe-lhe a tarefa da denúncia dosentraves ideológicos, políticos, e culturais que desviam aspessoas do movimento da justiça, da liberdade e dasociabilidade humanas. O modo de fazer filosofia nunca podese dar por completo, nunca pode dogmatizar-se, isso porqueele é histórico e deve acompanhar o movimento e a emergênciade novas situações culturais e históricas. Esta forma defilosofar não é trabalho para um mestre solitário, mas exigea participação de muitos estudiosos, atentos ao caminhar dasciências e da experiência sócio-cultural da comunidade. É porisso que a pesquisa e a biblioteca se constituem em ummomento privilegiado do filosofar.

Heidegger25 ao referir-se à filosofia, por sua vez, assimse expressa:

os pensadores gregos, Platão eAristóteles, chamaram a atenção para ofato de que a filosofia, e o filosofar,

25 - HEIDEGGER, M. O que é isto – a filosofia? São Paulo:AbrilCultural, 1973. p. 219. (Col. Pensadores).

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fazem parte de uma dimensão do homem, quedesignamos de dis-posição. (...) Seriamuito superficial, e, sobretudo umaatitude mental pouco grega, sequiséssemos pensar que Platão eAristóteles apenas constatam que oespanto é a causa do filosofar. Se estafosse a opinião deles, então diriam: umbelo dia os homens se espantaram, asaber, sobre o ente e o fato de ele ser ede que ele seja. Impelidos por esteespanto, começaram eles a filosofar.

O que Heidegger está a dizer, nesta célebre passagem , éque o espanto, a origem do filosofar, ao menos para osfilósofos gregos, sempre está na base de todo processoinvestigativo. É ele, o espanto, a admiração, que nosprovocam à busca, à conquista, à investigação. Sem esteselementos não existe filosofia. O aluno das disciplinas defilosofia da educação deve ser incentivado a admirar-se (nosentido grego do termo), a buscar, a conquistar. E, mais doque isto, a manter sempre viva esta admiração, pois somenteassim poderá, cada vez mais, alcançar metas novas. Mas paraque isto se torne verdade ele deve, desde já, sentir em seusprofessores esta mesma admiração, esta mesma preocupação emdesenvolver um pensamento filosófico sério e moderno. Eledeve ter material (biblioteca) suficiente para “matar” suacuriosidade, sua admiração, seu espanto diante dasdescobertas que o curso lhe proporciona.

O filosofar é uma tarefa pessoal porque para cada homemse constitui na forma suprema de se relacionar, na suaconsciência, consigo mesmo. Por ela, o homem busca dar-seconta da totalidade de sua experiência pessoal, no espaço eno tempo, pois

é a vida que suscita o perguntarfilosófico. O homem deve compreender avida, mas existem muitas situações em quenão o consegue. Minha vida, entretanto, éminha e não posso passar ao lado como se

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ela não me dissesse respeito... O legítimofilosofar é a tentativa de responderpessoalmente a um perguntar pessoal. Nestesentido, o autêntico e legítimo filosofarprecisa ser original per se: trata-se deum assunto pessoal, um perguntar eresponder do próprio homem26

Na escola fenomenológica, o ponto de partida dafilosofia é a vivência; já na escola marxista, como jáaludido, são as condições sociais que instigam o sujeito asair de seu comodismo, de sua situação dada de imanência, ebuscar a transcendência, nem que seja a transcendênciaimediata de sua atual situação de dominado. Em cada qualdestas escolas faz-se presente, cada uma a seu modo, apostura crítica do filosofar, como queria Saviani, daconsciência humana fundada na liberdade. Esta liberdade é acondição de desimplicação dos comprometimentos ético-políticos que se manifestam na vivência, também de força deinserção do homem em determinadas condições sociais. Assim,não há ponto de partida para a reflexão filosófica quedesconsidere liminarmente as opções ético-políticas préviasem que se está. Não é possível para filosofia dissociarprimitivamente teoria e prática e pretender ser teoria e nãoprática. Sobre isso, Marx expressou-se da seguinte forma:

toda vida social é essencialmente prática.Todos os mistérios que conduzem a teoria aomisticismo encontram sua solução racional naprática humana e na compreensão destaprática.27

Isto posto sobre a filosofia, convém analisarmos suarelação com a educação, objeto deste projeto.

Cada povo tem um processo de educação pelo qualtransmite a cultura, seja de maneira informal ou por meio de26 - LUIJPEN, W. Introdução à fenomenologia existencial. SãoPaulo:EPU/EDUS, 1973. p. 17.27 - MARX, Karl. Ad Feuerbach. Oeuvres. Paris:Gallimard, 1982. p.1033. (oitava tese).

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instituições como a escola. No entanto, nem sempre o homemreflete especificamente e de maneira rigorosa sobre o ato deeducar. Muitas vezes a educação é dada de maneira espontânea,a partir do senso comum, repetindo-se costumes transmitidosde geração para geração.

A teoria, contudo, é necessária para que se supere oespontaneísmo, permitindo que a ação educacional se tornemais coerente e eficaz. Aliás, é bom lembrar que segundo oconceito de práxis, a teoria não se separa da prática, que éo seu fundamento. Isso significa que ela não se desliga darealidade, mas nasce do contexto social, econômico e políticoem que vai atuar. Quanto mais rigorosa for, mais intencionalserá a prática.

Se a filosofia é uma reflexão radical, rigorosa e deconjunto que se faz a partir dos problemas propostos pelonosso existir, é inevitável que entre esses problemas estejamos que se referem à educação. Portanto, cabe ao filósofoacompanhar reflexiva e criticamente a ação pedagógica, demodo a promover a passagem “de uma educação assistemática( guiada pelo senso comum) para uma educação sistematizada(alçada ao nível da consciência filosófica)”.28

A partir da análise do contexto vivido, o filósofoindaga a respeito do homem que se quer formar, quais osvalores emergentes que se contrapõem a outros, já decadentes,e quais os pressupostos do conhecimento subjacentes aosmétodos e procedimentos utilizados. Como se vê, destacamos aíos três aspectos: antropológico, axiológico eepistemológico.

Cabe à filosofia, entre outras coisas, examinar aconcepção de homem que orienta a ação pedagógica, para quenão se eduque a partir da noção abstrata de “criança em si”,de “homem em si”. Da mesma forma, não há como definirobjetivos educacionais se não temos claros os valores que

28 - SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo:Cortez, 1980. p. 54.

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orientam nossa ação. O filósofo deve avaliar os currículos,as técnicas e os métodos a fim de julgar se são adequados ounão aos fins propostos sem cair no tecnicismo, riscoinevitável sempre que os meios são supervalorizados e sedesconhecem as bases teóricas do agir.

Diante do avanço das ciências humanas, alguém talvezargumente que a filosofia da educação terá seu campo bastanterestringido. Embora sejam importantíssimas as conquistas dapsicologia e da sociologia, e delas muito tem se aproveitadoa pedagogia, a filosofia tem ainda tarefas bastantesespecíficas, que não podem ser desprezadas.

Além das análises antropológicas e epistemológicasacima referidas, a filosofia tem a função deinterdisciplinaridade, pela qual estabelece a ligação entreas diversas ciências e técnicas que auxiliam a pedagogia. Porexemplo, é a análise filosófica que permite refletir arespeito do risco que representam os “ismos”, ou seja, apreponderância de uma determinada ciência na análise dosfenômenos pedagógicos ( o psicologismo, o sociologismo, oeconomicismo, etc.).

Tendo sempre presente o questionamento sobre o que é aeducação, a filosofia não permite que a pedagogia se tornedogmática nem que a educação se transforme em adestramento ouqualquer outro tipo de pseudo-educação.

É necessário que a formação do pedagogo esteja voltadanão só para o preparo técnico-científico, mas também para apolitização e a fundamentação filosófica de sua atividade.

Como reflexão filosófica, a filosofia da educaçãodesenvolve sua tríplice tarefa: fundamentalmente comoreflexão antropológica, epistemológica e axiológica.

Sua tarefa é buscar o sentido mais profundo do própriosujeito da educação, ou seja, de construir a imagem do homemem sua situação de sujeito/educando. Como tal torna-se uma

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antropologia filosófica, buscando integrar as contribuiçõesdas ciências humanas.

Nessa tarefa, ela é, pois, reflexão eminentementeantropológica e, como tal, torna-se alicerce das demaistarefas que lhe couberem. Só que não basta dizer que cabe àfilosofia da educação construir a imagem do homem que sepropõe a educar. É que essa formulação pode nos induzir àidéia, tradicional em nossa cultura filosófica, de sedesenhar uma essência do homem, seja a partir da metafísicaclássica, seja a partir da própria ciência positiva.

Conforme vimos, a tradição filosófica ocidental, tantoatravés de sua perspectiva essencialista (metafísica) comode sua perspectiva positivista (ciência positiva), acabouconstruindo, por um lado, uma imagem universal e abstrata danatureza humana e, por outro, uma imagem do homem comosimples prolongamento da natureza biológica.

Nos dois casos, a filosofia da educação perde seu pontode apoio, pois não fica adequadamente sustentada a condiçãobásica da existência humana, que é sua profunda e radicalhistoricidade. É que o sentido da existência do homem só podeser apreendido em suas mediações históricas e sociaisconcretas. A imagem que a filosofia deve construir do homemsó será consistente se baseada nestas condições reais daexistência.

Assim, os sujeitos humanos envolvidos na esferaeducacional, sujeitos que se educam e que buscam educar, nãopodem ser reduzidos a modelos abstratamente concebidos de umanatureza humana, modelo universal idealizado, nem a umamáquina natural, prolongamento orgânico da naturezabiológica. Deste modo, só uma antropologia filosófica é capazde apreender o homem existindo sobre mediações histórico-sociais, sendo visto como um ser eminentemente histórico-social. Aqui se fará concreta e efetiva a colaboração entre afilosofia da educação e as ciências humanas da educação.

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Mas, de um segundo ponto de vista, considerando que aeducação é fundamentalmente uma prática social, a filosofiada educação vai ainda contribuir para a sua compreensão eefetivação, mediante uma reflexão voltada para os valores quea sustentam e para os fins que a norteiam. A reflexãofilosófica se faz, então, reflexão axiológica, pesquisando adimensão valorativa da consciência e a expressão do agirhumano relacionado com os valores.

Também quanto a este aspecto, a tradição filosóficaocidental, coerente com seus pressupostos, tendeu a ver comofim último da educação a realização de uma perfeição dosindivíduos como plena atualização de uma essência modelar,ou, ainda, entendeu esta perfeição como plenitude de expansãoe desenvolvimento de sua natureza biológica.

Hoje, a filosofia da educação busca desenvolver suareflexão levando em conta os fundamentos antropológicos daexistência humana tal como se manifestam em mediaçõeshistórico-sociais, dimensão esta que qualifica e especifica acondição humana.

A filosofia tem ainda uma terceira tarefa: a tarefaepistemológica. Cabe-lhe instaurar uma discussão sobrequestões que envolvam os processos de produção,sistematização e transmissão do conhecimento presentes noprocesso específico da educação.

Essa questão é importante para a filosofia da educaçãoporque a educação pressupõe também mediações subjetivas, istoé, ela pressupõe a intervenção da subjetividade de todosaqueles que se encontram envolvidos por ela. Em cada um dosmomentos da atividade educativa está necessariamente presenteuma inevitável dose de subjetividade, que impregna todo oprocesso. A atividade da consciência é uma mediaçãonecessária às atividades da educação.

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Nesse seu momento epistemológico, a filosofia daeducação investe no esclarecimento das relações entre aprodução do conhecimento e o processo da educação.

A construção de um sistema de saber no âmbito daeducação, o estatuto científico da própria educação, anatureza interdisciplinar do conhecimento educacional, bemcomo o processo de ideologização presente na teoria e naprática da educação,são, entre outros, os campos da indagaçãoepistemológica da filosofia da educação.

Tendo em vista o significado intrínseco da filosofia daeducação, é possível entender a exigência de sua presença nocurrículo dos cursos de preparação de educadores e anecessidade de sua atuação permanente na prática doprofissional da educação. Sua presença nos currículos doscursos de preparação de educadores não se justifica porcritérios de erudição ou academicismo. Ao contrário, trata-sede uma exigência do próprio amadurecimento humano doeducador.

A reflexão filosófica, desenvolvida no âmbito teórico dafilosofia da educação, deverá propiciar ao futuroprofissional da àrea de educação as condições de explicaçãodo projeto educacional a ser desenvolvido por nossa sociedadena busca de seu destino e de sua civilização.

Com efeito, cabe à filosofia da educação explicar eexplorar o significado da condição humana no mundo. Ela devecolocar para o educador a questão antropológica a serinstaurada nas coordenadas histórico-sociais da existênciaconcreta dos homens.

O profissional da educação não poderá entender suatarefa e nem realizá-la, dando sua contribuição histórica aodesenvolvimento do projeto de sua sociedade, se não tiver porbase uma visão da totalidade do humano.

À filosofia da educação cabe, então, colaborar para queessa visão seja construída com coerência e “sistematicidade”,

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no decorrer do processo de sua formação e sustentada duranteo processo de sua atuação prática no social.

À luz do que dissemos, podemos concluir que é tríplice oobjetivo da educação do educador: ela deve dar formaçãocientífica, política e filosófica. E à Filosofia daeducação, como àrea de reflexão, cabe a tarefa pedagógica deresponder pela sua formação filosófica.

Por formação técnico-científica devemos entender odomínio dos conhecimentos científicos relacionados com arealidade educacional. Domínio qualificado e competente quepermita ao educador ter uma visão objetiva dessa realidade,superando todas as formas ingênuas e superficiais dos dadosque constituem a educação em sua fenomenalidade. Por isso, oscursos de preparação dos profissionais da educação, comoquaisquer outros cursos de formação profissional, não podemperder de vista essa exigência dos procedimentos rigorosos daciência na construção do conhecimento do objeto educacional.

Esse embasamento científico servirá de lastro para odomínio das técnicas instrumentais do trabalho a serdesenvolvido. A educação é uma prática de intervenção sociale, como tal, exige instrumentos, metodologias específicas,que possam torná-la eficaz na consecução de seus objetivos.As técnicas atuam como mediações para fins visados, devendoser cientificamente fundadas, superadas as formasespontaneístas ou intuicionistas de agir.

Além dessa qualificação técnico-científica, o educadorprecisa de uma formação política, isto é, a apropriação e odesenvolvimento de uma consciência social e sensibilidade àscondições especificamente políticas, não só de sua atividade,mas de todo o tecido social no qual desenvolverá sua açãopedagógica. Trata-se da competência de compreender e deagir coerentemente com essa compreensão. Educação só temsentido no âmbito de um projeto político mais amplo.

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Finalmente, ao educador impõe-se uma formaçãofilosófica, ou seja, a sensibilidade de que sua açãoeducacional depende ainda de sua inserção num projetoantropológico. Com isso se quer dizer que a educação só ganhasentido pleno a partir de uma visão de totalidade, quearticula o destino das pessoas ao de toda a comunidade.

Em síntese, dadas as características específicas daeducação, a preparação do profissional dessa área devegarantir-lhe, com solidez e competência, um rigoroso domíniodos conteúdos científicos e de habilidades técnicas, umaconsistente percepção das relações situacionais dos homens euma abrangente sensibilidade às condições antropológicas desua existência

Referências bibliográficas:

1 - ALVES, R. Filosofia da ciência. 15. Ed. SãoPaulo:Brasiliense, 1992.

2 - ANDERSON, P. A crise da crise do marxismo. 2.ed. SãoPaulo:Brasiliense, 1985.

3 - ANTONIAZZI, A . Para que serve a filosofia no ensinosuperior? Veredas, São Paulo, 1983/1984.

4 - ARANHA, M. L. A . Filosofia da Educação. 2.ed. SãoPaulo:Moderna, 1996.

5 - ARANHA, M.L.de A . ; MARTINS, M.H.P. Filosofando. SãoPaulo:Moderna, 1992.

6 - ARANHA, M.L.de A .; MARTINS, M.H.P. Temas de filosofia.São Paulo:Moderna, 1992.

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Page 222: apostila filosofia da educacao 2013

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ÉTICA E CULTURA

Manuel do Carmo da Silva Campos*

* Filósofo e Teólogo – Graduado em Filosofia pela Faculdade SãoBento do Rio de Janeiro; Graduado em Teologia pela Pontifícia

Page 225: apostila filosofia da educacao 2013

A cultura no perfil da moral vem constituir “um eixo

axiológico fundamental de convivência social”. A Ética tendo

como objeto específico o comportamento humano vai se

relacionar com outras ciências, entre elas a Antropologia, a

sociologia, que estudam, também, as relações humanas e

sociais sob diversos ângulos. É nesta que se pretende

trabalhar a temática proposta. Pois as “relações, as

instituições e organizações sociais não existem sem os

indivíduos” (VASQUEZ, 2003).

Entendendo que o significado e a função da cultura podem

e devem ser abordados a partir de diversas teorias

interpretativas da realidade como a dos culturalistas e de

outras aproximações mais renovadas como a estruturalista de

Lévis – Strauss, funcionalista de Parsons, da sociologia do

conhecimento de Manneim, da teoria crítica da sociedade da

Escola de Frankfurt, da exposição sócio – genética de Berger

e Juckmann e da explicação psico – analítica de Kanfmann e de

outros (VIDAL, 2005), a discussão ora pretendida vai se

limitar, num primeiro momento, na constatação de certas

perspectivas gerais.

Universidade Católica do Rio de Janeiro; Mestrado em Teologia, iniciadona Academia Afonsiana da Universidade Lateranense e Gregoriana – Roma econcluído na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro;Doutorado em Teologia Moral pela Pontifícia Faculdade de Teologia NossaSenhora da Assunção – PUC/São Paulo.

Page 226: apostila filosofia da educacao 2013

1. SIGNIFICADO E FUNÇÃO DA CULTURA NA PERSPECTIVA DA ÉTICA

1.1.“Aproximações parciais” do fenômeno da cultura

10. Na perspectiva aristotélica a cultura vem evocar a

“imagem do homem ‘distinto’, tal homem distingue-se dos

outros “é a continuação do ideal de ‘Paidéia’ grega e da

‘humanitas’ latinas”. Tal conceito divide os homens

“nasce da diferença e conduz a uma diferenciação

contínua. “A cultura nesse sentido é sinal e instrumento

de opressão humana”. Na sociedade romana a “cultura era

‘privilégio’ do cidadão livre (‘cives romanus’ =

civilização)”; assim o “escravo não tinha direito à

cultura; o estrangeiro era ‘bárbaro’ = rude ou inculto”

(VIDAL, 2005).

11. Para a “concepção ocidentalizada”, a cultura

aparece como “privilégio ocidental (descendência Greco –

Romana)”, devido a isso “não se levam muito em conta as

culturas orientais”. Tal concepção vai “chamar os povos

primitivos de ‘não civilizados’ ou povos ‘ em estado

natural’”. Essa ocidentalização da cultura trouxe

bastantes inconvenientes para a expansão do cristianismo

(VIDAL, 2005).

Page 227: apostila filosofia da educacao 2013

12. “Concepção na escala do ‘ter’”, freqüentemente “se

insere a cultura” na escala do “ter”. “Homem culto é

aquele que possui diversos conhecimentos. Contudo, a

cultura pertence ao ‘ser’ do homem: é aqui que ela deve

encontrar o seu significado” (VIDAL, 2005).

7.3. “Cultura: realidade antropológica”, tal

perspectiva essencial e universal evidencia a distinção

ontológica do ser humano das coisas e dos animais.

É próprio do ser humano o não chegar a um nívelverdadeiro humano senão mediante a cultura, istoé, cultivando os bens e os valores naturais.Sempre, pois que se trata de vida humana,natureza e cultura acham-se unidasestreitissimamente (GS apud VIDAL, 2005).

Segundo Vidal (2005, p. ), a cultura como realidade antropológica

se expressa dos seguintes modos:

- Humanização. Cultura é a mesma coisa que‘fazer’ o homem. O homem é uma realidadedinâmica; é um projeto vai se fazendo. Ahumanização: essa é a suprema meta do homem e dahumanidade.- Desnaturalização. O homem não só é natureza,mas também história. Por isso mesmo o homem, temque se humanizar, libertando-se da ‘natureza’enquanto realidade mítica, pré – humana.- Libertação. Acultura-se se insere na liberdadedo homem. ‘Culturalização’ é a mesma coisa que‘libertação’. A cultura não teria nenhum sentidose não fosse instrumento de libertação humana.- Solidariedade. Não pode existir nenhumacomunidade sem cultura, mas tampouco pode existiruma cultura sem referência à comunidade.

Page 228: apostila filosofia da educacao 2013

Essa formatação cultural faz entender a cultura como

obra do ser humano que “chega a sê-lo de verdade

mediante ela, ao mesmo tempo em que se distingue assim

das coisas e dos animais”. Dá-se assim o rompimento do

“conceito classista de cultura”. Ela “não é privilégio

de uns poucos; não é uma forma de alienação do homem”. E

jamais a “cultura poderá ser considerada como produto de

uma estrutura de riqueza e ociosidade”. Endende-se

assim, que “a atividade ‘construtora’ do homem é um

elemento essencial da cultura” (VIDAL, 2005).

Note, que paralelamente ao “conceito de natureza” surge

o “conceito de cultura”. De maneira que o conceito de

natureza separado do de homem se perde, como também fica

impossível falar corretamente do homem separado da

natureza. Natureza e humanidade caminham juntas se se

quer fazer entender junto aos seres humanos de hoje

(VIDAL, 2005). Urge na atualidade que a natureza e a

cultura dinamizem a evidência vital das relações de

interdependência com toda a biodiversidade.

1.3. “Onipresença da Cultura na vida humana”. Nesta

dimensão percebe-se que “cultura são todas as atividades e

criações humanas”, seja “no âmbito dos bens econômicos,

dos bens do espírito e da vida humana”. Integra-se,

também, aqui os descobrimentos científicos, a filosofia, a

Page 229: apostila filosofia da educacao 2013

estética, a moral, a religião, “realidades que demarcam a

história dos povos e que constituem o patrimônio da

humanidade” (VIDAL, 2005, p. 386).

Nesse sentido amplo veja a definição de cultura segundo

Ladriele, 1978 apud VIDAL, 2005).

O conjunto das instituições consideradas por suavez em seu aspecto funcional e em aspectonormativo, nos quais se expressa certa totalidadesocial, e que representa, para os indivíduos quepertencem a essa totalidade, o marco obrigatórioque forma sua personalidade, prescreve suaspossibilidades, e de algum modo, troca de antemãoo esquema de vida no qual poderá se inserir suaexistência concreta, pela qual poderá alcançaruma forma efetiva. A Cultura deste ponto devista, é a própria sociedade, tomada em suarealidade objetiva, enquanto impõe certo sentidode vida aos indivíduos que formam parte dela.

Nessa dimensão a cultura se evidencia como o “ambiente

necessitado e necessitante da vida humana” (VIDAL, 2005).

1. “Cultura: atividade e estrutura”. A cultura é um

processo humano que pode ser observado em três

momento: A “exteriorização”, que é a “projeção do

homem sobre a realidade para transformá-la e

‘humanizá-la’”; a “objetivação, o momento em que o

grupo assume coletivamente uma idéia, uma invenção,

uma norma de conduta, dando-lhe assim uma validade

objetiva”; a “interiorização”, esta evidencia o

Page 230: apostila filosofia da educacao 2013

momento em que o “indivíduo inter-nalisa os conteúdos

da cultura, seguindo assim a ‘socialização’ e a

incorporação ao grupo” (VIDAL, 2005).

Tal processo faz ver que a “cultura pertence ao mundo da

atividade humana: é luta (execução) do homem (no duplo

sentido de genitivo subjetivo e genitivo objetivo): o homem a

faz e ela faz o homem”. A “cultura é atividade e estrutura”

porque ela “é o encontro entre liberdade e determinismo,

entre originalidade e tradição, entre passado e presente”.

Nesse processo se dá a constituição dialética da cultura

(estruturalismo) e analética (VIDAL, 2005; DUSSEL, 2000).

1.5.“Cultura e as culturas”, aqui se ressaltam a pluralidade

de culturas. “A cultura humana apresenta necessariamente um

aspecto histórico e social, e a palavra cultura assume com

freqüência um sentido sociológico e etnológico. Neste sentido

fala-se de diversidade de cultura (GS, 53 apud VIDAL, 2005).

Essa pluralidade cultural segundo Vidal (2005, p. 387ss.)

apresenta o seguinte desenho”:

“Realidade histórica e sociológica”, aqui se vê a

“maneira particular como o homem de uma determinada

comunidade humana experimenta e expressa seu ser no

mundo, isto é, a relação consigo mesmo, com a natureza,

com o outro e com o sagrado” PGT02S

Page 231: apostila filosofia da educacao 2013

A “forma peculiar” de como cada cultura se expressa, nos

seus componentes sociais, na utilização deles e na

técnica com que são feitos; “o regime da terra; o regime

matrimonial e familiar; as instituições sociais e

políticas”.

A “cultura é um meio histórico no qual o homem de cada

nação ou tempo se insere e do qual recebe os valores

para promover a civilização humana”.

POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES ENTRE ÉTICA E CULTURA

No estudo ético – moral se percebe que os “agentes morais”

são pessoas concretas que vivem em sociedade, numa devida

comunidade. A moralidade de seus atos se dá a partir das

relações com as demais pessoas, tais relações estão

permeadas de aspectos subjetivos, internos, psíquicos,

constituídos de “motivos, impulsos, atividade da

consciência que se propõe fins, soluciona meios, escolhe

diversas alternativas, formula juizos de aprovação ou de

desaprovação (VASQUEZ, 2003)”.

Na relação de contribuição entre a ética e as ciências que

estudam, peculiarmente, a cultura, como a Antropologia

Social e a Sociologia, estas estudam o comportamento do

ser humano enquanto ser social “sob o ponto de vista de

Page 232: apostila filosofia da educacao 2013

determinadas relações; as estruturas nas quais se integram

estas relações, as formas de organização e de relação dos

indivíduos concretos dentro delas” (VASQUEZ, 2003).

O estudo antropológico das sociedades primitivas ou

desaparecidas, também interessa para a moral enquanto “no

estudo dessas comunidades, entra também a análise de seu

comportamento moral”, embora não seja esse o papel da

antropologia. Além do mais “seus dados e conclusões

assumem grande importância no exame das origens, fonte e

natureza da moral”. Nesse estudo os antropólogos têm

constatado “relações entre a estrutura social de uma

comunidade e o código moral que os rege, demonstrando

assim que as normas que hoje, de acordo com o nosso código

moral atual, parecem em certos casos imorais – como a de

não respeitar a vida dos anciãos e dos prisioneiros –

correspondem a certas formas de vida social” (VASQUEZ,

2003; NALINI, 1999).

Essa contribuição vem advertir certas pretensões de

determinados teóricos da moral “que desconhecendo a

relação entre esta e as condições sociais concretas,

procuram elevar ao plano do absoluto certos princípios e

certas normas que correspondem a uma função concreta de

vida social” (VASQUEZ, 2003).

Page 233: apostila filosofia da educacao 2013

A constatação da existência da diversidade de morais, no

tempo, no espaço, nas sociedades inseridas no processo

histórico definido, nas “sociedades desaparecidas, que

precederam as sociedades históricas”, é necessário para

que a ética como teoria da moral tenha presente um

comportamento que varia e se diversifica no tempo”

(VASQUEZ, 2003).

Muito significativo ainda nessa colaboração das ciências

para com a moral, pois o antropólogo “de um lado, e o

historiador, do outro, colocam diante” dos olhos do

moralista e da sociedade “a relatividade das morais, seu

caráter mutável, sua mudança e sucessão de acordo com a

mudança e sucessão das sociedades concretas” (VASQUEZ,

2003; NALINI, 1999).

A moral faz lembrar, mesmo diante das elucidações

científicas, “que no passado moral da humanidade haja

somente um amontoado de receitas, nem que tudo aquilo que,

em outros tempos, foi moralmente vital, se extinga por

completo, ao desaparecer a vida social que condicionava

determinada moral” (VASQUEZ, 2003; VIDAL, 2005;SILVA

CAMPOS, 2008).

Há de se convir que os dados e as conclusões

antropológicas e históricas

Page 234: apostila filosofia da educacao 2013

Contribuem para que a ética se afaste de umaconcepção absolutista ou supra histórica damoral, mas ao mesmo tempo, lhe impõe anecessidade de abordar o problema de se, atravésdesta diversidade e sucessão de morais efetivasexistentes também, ao lado de seus aspectoshistóricos e relativos, outros que perduram,sobrevivem ou se enriquecem, elevando-se a umnível moral superior (VASQUEZ, 2003).

Há de se observar que a cultura é o resultado de tudo que

o homem produz para construir sua existência, hoje não

mais na perspectiva do etnocentrismo, mas na dinâmica do

relativismo. A ética faz entender nessa relação com a

cultura que a existência humana acontece, como já foi dito

ao longo deste texto, na comunidade, num espaço

geográfico, numa dimensão simbólica antropológica, no ethos

enquanto eta (e) significando morada, a qual deve ser

cuidada, respeitada e conservada no dinamismo cultural. Ao

mesmo tempo em que cada povo constrói sua existência a

partir de seus valores, o ethos enquanto EPSILON (E -

significando valores), do conjunto dos meios ordenados ao

fim (bem – auto – realização), costumes e valores

dignificando o ser humano no seu habitat particular, mas

que está ligado ao universal. Assim morada que não é

conservada para o ser humano e para toda biodiversidade, e

os valores e costumes que não respeitam a diversidade

cultural e todo tipo de forma de vida, devem ser revistos

pela cultura e pela ética (SILVA CAMPOS, 2008).

Page 235: apostila filosofia da educacao 2013

Bom seria que as moradas, os países, a cultura, os

costumes fossem sempre dinamizados para o bem de todos e

em proporção da vida humana e biodiversa. Só assim ética e

cultura permaneceriam intimamente relacionadas.

ARRUDA ARANHA, M. L. Filosofia da Educação. São Paulo: Ed.Moderna, 1996.

LADRIELE, J. El Reto de la Racionalidade. Salamanca, 1978.

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Ed. Revista dos Tribunais, 1999.

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EDUCAÇÃO E FILOSOFIA: CONCEPÇÕES DE HOMEM29

Manuel do Carmo da Silva

Campos*

29 O texto é uma síntese de ARANHA, Maria Lúcia Arruda. Filosofia da Educação, 2009.

* Filósofo e Teólogo – Graduado em Filosofia pela Faculdade SãoBento do Rio de Janeiro; Graduado em Teologia pela Pontifícia

Page 236: apostila filosofia da educacao 2013

O debate em torno das concepções de homem está inter-

relacionado com várias dimensões do conhecimento. Num

primeiro, momento a própria temática remete ao debate

antropológico.

A pergunta filosófica, retomada por Antônio Gramsci na obra

Concepção Dialética da História, 1986, “quem é o homem?”,

trata de um problema antropológico, um questionamento

filosófico a respeito do conceito que o homem faz de si

mesmo.

1. A questão antropológica e a primeira que se coloca em

qualquer situação vivida pelo homem, mesmo que ele próprio

não tome consciência disso porque todas as nossas concepções

de mundo e todas as nossas formas de agir partem de uma idéia

de homem que a elas se encontra subjacente.

Assim é relevante na prática educativa que se tenha

claramente tematizada a questão antropológica, para que a

atuação do mestre seja intencional e não se faça apenas de

forma empírica.

Não deixa de ser interessante observar as diversas teorias

pedagógicas, buscando compreender o conceito de homem que

anima suas diretrizes. Vamos dar alguns exemplos. A Educação

Universidade Católica do Rio de Janeiro; Mestrado em Teologia, iniciado na Academia Afonsiana da Universidade Lateranense e Gregoriana – Roma e concluído na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; Doutorado em Teologia Moral pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção – São Paulo.

Page 237: apostila filosofia da educacao 2013

Tradicional valoriza a transmissão da cultura geral e a

realização intelectual do homem. Para cumprir esse projeto,

centra a atividade escolar na figura do mestre, transmissor

do conhecimento. Já na proposta da Escola Nova o ensino se

volta para a existência, para a vida, para a atividade do

aluno, passando este a ser o centro do processo.

As duas teorias pedagógicas denotam expectativas diferentes

de transformação do homem naquilo que ele deve ser. Em cada

uma delas serão priorizados os valores que determinam a

escolha dos conteúdos a serem transmitidos e a maneira de

transmiti-los a partir dos objetivos propostos: que tipo de

homem se quer formar? Fica evidente que na Escola Tradicional

destaca-se o aspecto intelectual enquanto na Escola Nova não

se descuida do aspecto existencial.

Apesar das diversas teorias antropológicas, este ensaio vai

destacar apenas três enfoques possíveis ao longo da história:

o metafísico, o cientificista (ou naturalista) e o histórico

social.

2. O enfoque Metafísico – na tradição filosófica em que

predomina a abordagem metafísica – herdada dos gregos – a

unidade na multiplicidade dos seres, ou seja, a essência que

caracteriza cada coisa. Também o conceito de homem é

compreendido a partir de uma natureza imutável: a pesar de

constatadas diferenças entre os seres humanos, existiria uma

essência humana, um modelo a ser atingido à medida que se dá

o amadurecimento.

Page 238: apostila filosofia da educacao 2013

Tal concepção de natureza humana está na base das mais

antigas teorias pedagógicas – desde Platão e Aristóteles,

passando pela Idade Média e influenciando a escola

tradicional que surge ma Idade Moderna – e nela a educação é

compreendida como um processo de aperfeiçoamento em que o

indivíduo é levado a “realizar suas potencialidades”. Há um

“modelo” de homem que a criança deve alcançar, atualizando a

essência que tem em potência (Aristóteles). É assim que Kant,

no século XVIII, diz que “o fim da educação é desenvolver, em

cada indivíduo, toda a perfeição de que ele seja capaz”.

O educador polonês Suchodolski chama e essencialista essa

tendência que marca a pedagogia durante um longo período da

história da educação e ainda hoje coexiste com outras

tendências.

Os limites dessa abordagem se acham na visão parcial do

problema educacional, excessivamente centrado no interior do

indivíduo e nas formas ideais que determinam a priori o que é

o homem como deve ser a educação.

3. O Enfoque Naturalista – a partir da Idade Moderna (século

XVII), a filosofia de René Descartes, J. Locke, bem como o

desenvolvimento do método científico inaugurado por Galileu e

Newton, faz surgir uma concepção do conhecimento que até hoje

orienta nossa forma de pensar.

A ciência surge como uma forma rigorosa de conhecer que

permite perceber regularidades na natureza levando à

formulação de leis e, portanto, à previsibilidade dos

Page 239: apostila filosofia da educacao 2013

fenômenos. Por sua vez, a ciência possibilita o

desenvolvimento da tecnologia, segundo a frase profética de

Francis bacon “saber é poder”.

O rigor da nova abordagem certamente enfluenciará a busca de

comprensãoo a respeito do homem, que agora terá a preocupação

de encontrar as regularidades que marcam seu comportamento.

Na filosofia de Descartes, por exemplo, o homem é

compreendido a partir do dualismo psicológico, ou seja, é

constituído por duas substância distintas, a mente

(substância pensante) e o corpo (substância extensa). O

Corpo, por sua vez, é como uma maneira que funciona “como

instrumento universal, operando sempre da mesma maneira,

segundo suas próprias leis”.

Com o desenvolvimento das ciências, o modelo mecânico é

substituído por outros, mais elaborados, mas persiste a idéia

do corpo como às leis da natureza. Surge um campo fértil para

a concepção determinista: o homem, reduzido à dimensão

corpórea, está sujeito às forças da natureza, tornando-se

incapaz de gerir seu destino (Spinoza).

No final do século XIX e no decorrer do século XX, quando as

ciências humanas estabelecem seus métodos, nota-se forte

influência naturalista. A psicologia experimental, por

exemplo, privilegia no homem apenas a exterioridade do

comportamento, deixando a consciência “entre parêntese”, por

Page 240: apostila filosofia da educacao 2013

considerá-la inacessível aos procedimentos considerados

científicos.

O behaviorismo, ou seja, a psicologia comportamental,

influencia até hoje diversas tendências na educação,

inspirando uma metodologia que enfatiza a rigorosa

programação dos passos pra adquirir o conhecimento, bem como

as técnicas e os procedimentos pedagógicos. Skinner, um dos

representantes dessa tendência, criou a famosa “máquina de

ensinar”. Na década de 70, a tendência tecnicista é

fortemente influenciada pelo behaviorismo.

Em outras teorias pedagógicas, embora não se exerça sempre

apenas a influência behaviorista, também se nota a

participação das diversas ciências humanas experimentais na

elaboração da metodologia. O que caracteriza a tendência

naturalista é a tentativa de adequar a metodologia das

ciências humanas ao método das ciências da natureza, que se

baseia na experimentação, no controle e na generalização.

Contrapõe-se a essa tendência as teorias humanistas que

buscam a especialidade do humano, com suas dimensões

irredutíveis ao estatuto das coisas.

4. O enfoque Histórico-Social – uma significativa mudança,

caracterizada pela crítica no mecanismo newtoniano e ao

empirismo de Locke e pela primazia do sentimento sobre a

razão, se desenrolar no período do romantismo alemão (Século

XVIII).

Page 241: apostila filosofia da educacao 2013

Esses traços fundamentais da antropologia romântica já se

encontram em um significativo representante da ilustração,

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que exerceu grande

influência, revolucionando, desde então, as teorias

pedagógicas. Podemos dizer que Rousseau procedeu a uma

verdadeira “revolução copernicana” na educação ao deslocar o

centro tradicional do processo, fixado no mestre, para o

discípulo. Mais ainda, coloca o sentimento, cuja sede é o

coração ou a consciência moral, no centro de sua visão de

homem.

Mesmo sendo ainda um pensador do iluminismo, ao destacar os

dois níveis, a natureza e a sociedade, seu pensamento já se

encaminha para uma concepção de homem diferente da

tradicional.

Hegel (1770-1831) destacá-se entre os filósofos do idealismo

alemão que elaboram teoricamente a antropologia subjacente à

visão romântica. Ao desenvolver a filosofia do devir, concebe

o ser como processo, como movimento, como vir-a-ser. Com isso

privilegia a história, mudando a direção da antropologia: o

homem passa a ser pensado como se-no-tempo.

Segundo a concepção dialética de Hegel, a história não

significa uma simples justaposição de acontecimentos, mas o

presente resultado de um longo enquadramento cujo motor

interno é a contradição.

Page 242: apostila filosofia da educacao 2013

Muda, portanto, o que se entende por verdade, não mais um

fato, uma essência, uma realidade dada, mas o resultado de um

desenvolvimento do Espírito.

A concepção idealista que marca a filosofia de Hegel Oque

considera o indivíduo como participando do movimento de

manifestação do Espírito será confrontado por Marx (1818-

1883). Aproveitando de Hegel a concepção da história,

transforma o idealismo hegeliano em materialismo: o mundo

material é anterior ao espírito, e este deriva daquele.

Segundo materialismo histórico marxista, para se estudar o

homem e a sociedade é preciso partir da análise da análise do

que os homens fazem, da forma como produzem os bens materiais

necessários à vida. Só então será possível compreender como

eles pensam e como são.

Dessa forma, para Marx não há natureza humana universal (como

queriam os filósofo essencialistas). Seres práticos que são,

os homens se definem pela produção e pelo trabalho coletivo.

Assim as condições econômicas estabelecem os modelos sociais

em determinadas circunstâncias. Para isso Marx se recusa a

definir o homem de forma abstrata, buscando compreendê-lo

como homem real (concreto), sempre situado em um contexto

histórico social.

No decorrer do século XIX, outros filósofos se posicionam

contra a concepção tradicional. Kierkegaard, Stirner e

Nietzsche também se voltam para a concretude da vida humana,

enserida na realidade cotidiana.

Page 243: apostila filosofia da educacao 2013

No século XX, a fenomenologia, corrente fundada por Husserl,

tem como principais seguidores Max Scheler, Heidegger, Sartre

e Merleau-Ponty. Para Sartre, um dos filósofos mais

populares, só o homem e um “ser-para-si”, aberto à

possibilidade de construir ele próprio sua existência. Diz

que para o homem “a existência precede a essência”, o que

significa que não há no homem uma essência (como num animal

ou numa mesa), mas “o homem não é mais que o que ele faz”.

A concepção histórico-social se expressa com inúmeras

tendências. O que importa destacar, apesar das diferenças

entre elas, é a preocupação com o processo (nada é estático),

com a contradição (não há linearidade no desenvolvimento, que

resulta do embate e do conflito) e com o caráter social do

enquadramento humano (o ser do homem se faz permeado pelas

relações humanas e por isso se expressa de formas diferentes

ao longo da história).

É inevitável que tais concepções marquem de forma indelével o

ideário pedagógico contemporâneo. Abandonam-se as explicações

essencialistas e estáticas, não mais se reduzindo o homem à

dimensão de indivíduo solitário. Ele passa a ser buscado como

pessoa ou ser social e compreende-se melhor a interação entre

sujeito e sociedade, inclusive entre as forças de poder.

A partir desse aspecto exposto seja possível compreender a

importância da antropologia, o tornar-se homem, como

orientadora do trabalho pedagógico. Se considerarmos que a

história continua seu curso por meio das contradições a ela

Page 244: apostila filosofia da educacao 2013

inerente, precisamos estar prontos para rever nossas próprias

concepções de homem.

Vele lembrar que o conceito de história de família e de

criança surge na modernidade, quando a concepção burguesa de

mundo se fortalece e se difunde.

Não é nada fácil explicar porque ocorre tal alteração, tantas

são as influências a serem consideradas. Podemos, no entanto,

fazer uma primeira observação útil ao trabalho da pedagogia;

quando se fala a respeito da infância, não é possível se

referir à criança em si sem se considerar o tempo, o lugar, a

estrutura social em que ela se insere. Não existe uma

natureza infantil universal. Alias a mesma observação vale

para uma suposta família em si ou uma natureza humana

atemporal.

É bem verdade que a criança é, em qualquer lugar, biológico e

socialmente dependente dos adultos para sua sobrevivência,

mas a maneira como ela é alimentada, vestida e tratada gera,

numa determinada comunidade, uma certa expectativa a respeito

do que é “ser criança”. Sua expectativa geralmente reflete as

aspirações e repulsas dos adultos projetadas na criança,

aquilo que eles pensam que é ou esperam que ela seja. É

compreensível que essa imagem evolua historicamente, fazendo

da dependência da criança não um fato natural, mas social.

Observou-se que na Idade Média a criança participa do mundo

adulto. A criança nobre, assim que desgarra da saia da mãe,

aprende a ser pajem, depois escudeiro, preparando-se para se

Page 245: apostila filosofia da educacao 2013

tornar cavaleiro. Participa das festas dos adultos e até nos

estudos se mistura em eles. A criança do povo trabalha no

campo ou em um ofício no qual se inicia como aprendiz.

Quando as estruturas econômicas começam a mudar devido ao

aparecimento da nova classe a burguesia mudam-se as relações

entre os homens e, conseqüentemente, muda-se a expectativa em

relação à criança: muda a imagem de infância. A criança é

afastada das atividades que desempenhava, e seu papel nas

relações econômicas e sociais torna-se marginal.

Surge a imagem da fragilidade infantil, da dependência, da

impotência, do inacabamento que vai animar a construção, na

Idade Média, de uma teoria pedagógica que visa a “proteção” e

a vigilância da criança. Mas a imagem da criança que surge na

Escola Nova defende a espontaneidade, a iniciativa e a

criatividade, em oposição à pedagogia de resignação e

disciplina, e pode ser explicada pelas necessidades da

burguesia do século XIX, cujo capitalismo moderno reclama

invenção, expansão, mobilidade econômica e cooperação dos

indivíduos organizados em equipes de trabalho.

No entanto no final do século XX, esse modelo de família e de

criança já se encontra em crise. Depara-se com o impacto da

informática e dos meios de comunicação social, da comunicação

de massa e da conseqüente globalização do mundo na reflexão

sobre esse homem novo ou novo homem.

Muitos educadores se encontram perplexos diante de classes

cujos jovens eles não conseguem mais compreender. A

Page 246: apostila filosofia da educacao 2013

constatação de paradoxos surpreende e atenua tal

perplexidade. Urge novos objetivos nova sensibilidade, novos

desafios para a atuação dos educadores.

ÉTICA NA EDUCAÇÃO DIMENSÃO AXIOLÓGICA CONSTITUTIVA DAFILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Manuel do Carmo da Silva Campos*

O mundo atual tem se deparado com diversos problemas

desafiadores no campo da ética30 e da educação. Houve casos em30

* Filósofo e Teólogo – Professor/ Pesquisador da ENS/UEA, UNINORT e CNPq. - Grupo de Pesquisa: Ciência, Tecnologia, Ética, Ambientee Sociedade/ [email protected] e [email protected] - Fone: (92) 99778124 – Manaus/Am.

“No debate filosófico e ético é necessário que se esclareça afilologia do termo ethos.Se esse termo grego ethos filologicamenteentendido na sua primeira forma eta (e) significa morada (para humanos edemais seres vivos), Mãe – Natureza (Physis e Gaia), e na sua segundaforma EPSILON (E), entendida como costumes (mor-mores em latim)consagrados pela tradição cultural de um povo. Há de se perceber como osignificado de tais termos tem sido obedecido, respeitado e assimiladono cotidiano moral das culturas, na historicidade dos seres humanos e nasua relação com os demais seres vivos e seu ambiente circundante. È oque se pretende discutir. O conceito de Ética tem sua origem na palavragrega ethos, que se escreve de duas formas. A primeira forma “ eta ( aletra e em tamanho pequeno) e EPSÍLON (E em tamanho grande)”. No tocanteà primeira forma eta vem significar “ morada, o abrigo permanente sejados animais (estábulo), seja dos seres humanos (casa)”. Na dimensão da“totalidade da Mãe – Natureza (chamada de Physis, filosoficamente e Gaia,miticamente), o ser humano delimita uma porção dela e aí constrói sua

Page 247: apostila filosofia da educacao 2013

que crianças, em São Paulo, foram espancadas pela polícia e

pelo proprietário de um veículo, porque riscaram esse veículo

que estavam guardando após o não pagamento pelo trabalho. Sem

querer aprofundar tal questão, porque ela é permeada de

diversas explicações por parte da psicologia, sociologia,

psicanálise, da educação, da ética e outras ciências. Diante

desse fato sempre paira as questões filosóficas, quem é o ser

humano? Por que um adulto espanca uma criança que riscou seu

carro? Vivemos num mundo em que a filosofia demarcou os

limites da mitologia, da religião. Mas o transcendente e a

religião continuam influenciando as ações humanas; o direitomorada”, a qual está enraizada na realidade, dá ao ser humano segurançae permissão de sentir-se bem “no mundo”. Mesmo a morada não sendo dada“de antemão”, pela “natureza”, deve ser “construída pela atividadehumana: é a obra da cultura”. Se a morada continuamente deve sercuidada, retrabalhada, enfeitada e melhorada, ela (o ethos) não é “algoacabado”, mas aberto a ser sempre “feito, refeito e cuidado comoacontece com a moradia humana”. Assim fica entendido que “ethos setraduz, então, por ética. É uma realidade da ordem dos fins: viver bem,morar bem”. Se viver bem e morar bem, é cuidar da natureza da qual o serhumano delimitou sua morada e assim construiu sua cultura, fica evidenteque a “ética tem a ver com fins fundamentais (como poder morar bem), comvalores imprescindíveis (como defender a vida, especialmente doindefeso), com princípios fundadores de ações (dar de comer a quem temfome)”, com políticas públicas (BOFF, 2000, p.34-35). E finalmente comprincípios de preservação da biosfera e extrabiosfera (como não poluiras águas, o ar, não devastar as florestas, não destruir as espéciesvivas, a camada de ozônio) (SILVA CAMPOS, 1997, p.41ss.). No que dizrespeito à segunda forma de “ethos” com “EPSÍLON (a letra E em tamanhogrande)” significa “costumes, o conjunto de valores e de hábitosconsagrados pela tradição cultural de um povo”. Assim como “o conjuntosdos meios ordenados ao fim (bem / auto-realização)” traduzido por “moral(mor-mores, em latim)”, significando “os costumes e valores de umadeterminada cultura”. Os valores sendo “muitos e próprios de cadacultura”, juntamente com os “hábitos fundam várias morais” (BOFF, 2000,p., 36), pluralismos culturais (VASQUEZ, 2002, p. 133ss.). Costumes evalores dignificantes do ser humano no seu habitat”. (SILVA CAMPOS,2008, p. 21-22).

Page 248: apostila filosofia da educacao 2013

estabeleceu a lei e as constituições, regulamentando as

relações humanas e a ciência, com suas descobertas, vem

comprovando as causas e as leis dos fenômenos naturais, dos

fenômenos humanos e das questões individuais. Mesmo assim,

casos semelhantes ao acima descrito são matérias do cotidiano

de diversas regiões do primeiro e terceiro mundo, destacados

nos jornais de grandes destaques.

Na compreensão do autor deste estudo um dos caminhos para a

discussão sobre os pressupostos axiológicos31 da educação na

31 “Axiología (do grego άξιος valor, dignidade + λόγος estudo,tratado). Etimologicamente significa "Teoria do valor", "estudo do valor"ou "ciência do valor". As definições mais comuns de axiologia são asseguintes: a) ramo da filosofia que estuda os valores; b) ciência dosvalores; c) padrão dominante de valores em determinada sociedade. Rarossão aqueles que definem axiologia como "ciência dos valores". Taldefinição é descartada pelo sociólogo e filósofo Nildo Viana como sendoinsustentável, já que tal ciência não existe concretamente e nem foisistematizada intelectualmente. A definição mais comum de axiologia é queela é um ramo da Filosofia que tem por objeto o estudo dos valores. Estadefinição também é descartada por Viana, pois para este pensador, a éticajá é o ramo da filosofia que se dedica ao estudo dos valores. Uma outradefinição é fornecida por Nildo Viana, segundo a qual axiologia seria opadrão dominante de valores em determinada sociedade. Neste sentido, elecria o termo antagônico de axionomia que expressa os valores autênticosdos seres humanos, ou seja, compatíveis com a natureza humana. Diversossociólogos dedicaram-se ao estudo dos valores, mas geralmente nãoutilizaram o termo axiologia, a não ser no sentido de ser sinônimo de"valorativo"” ("http://pt.wikipedia.org/wiki/Axiologia").

Page 249: apostila filosofia da educacao 2013

perspectiva da Filosofia32 da Educação33 se dá pelo debate

entre Ética e Educação34 passando pela dimensão dos valores

(VIDAL, 2005; MÁYNEZ, 1970). No mundo dos valores o ser

humano é visto como “um ser cultural, capaz de transformar a

natureza conforme suas necessidades existenciais, por meio de

32 “Filosofia (do grego Φιλοσοφία: philos - que ama + sophia -sabedoria, « que ama a sabedoria ») é a investigação crítica e racionaldos princípios fundamentais relacionados ao mundo e ao homem. Surgiu nosséculos VII-VI a.C. nas cidades gregas situadas na Ásia Menor. Começa porser uma interpretação des-sacralizada dos mitos cosmogônicos difundidospelas religiões do tempo. Não apenas de mitos gregos, mas dos mitos detodas as religiões que influenciavam a Ásia menor..Modernamente, é adisciplina ou a área de estudos que envolve a investigação, aargumentação, a análise, discussão, formação e reflexão das ideias sobreo mundo, o Homem e o ser. Originou-se da inquietude gerada pelacuriosidade em compreender e questionar os valores e as interpretaçõesaceitas sobre a realidade dadas pelo senso comum e pela tradição”.

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia).

33 “Filosofia da educação. A filosofia analítica da educação discorresobre (...) o que tem sido dito acerca desse fenômeno da educação (porexemplo, por sociólogos da educação, psicólogos da educação, ou porqualquer pessoa que reflita sobre a educação). Não resta a menor dúvidade que uma das primeiras e mais importantes tarefas da filosofia daeducação (...) é a análise e clarificação do conceito de "educação".Fala-se muito em educação. "Educação é direito de todos", "educação éinvestimento", "a educação é o caminho do desenvolvimento", etc. Mas oque realmente será essa educação, em que tanto se fala? Será que todos osque falam sobre a educação usam o termo no mesmo sentido, com idênticosignificado? Dificilmente. É a educação transmissão de conhecimentos? É aeducação preparação para a cidadania democrática responsável? É aeducação o desenvolvimento das potencialidades do indivíduo? É a educaçãoadestramento para o exercício de uma profissão? As várias respostas, emsua maioria conflitantes, dadas a essas perguntas são indicativas daadoção de conceitos de educação diferentes, muitas vezes incompatíveis,por parte dos que se preocupam em responder a elas. Este fato, por si só,já aponta para a necessidade de uma reflexão sistemática e profunda sobreo que seja a educação, isto é, sobre o conceito de educação”. (CHAVES,Eduardo O. C. A Filosofia da Educação e a Análise de Conceitos Educacionais disponívelin: http://chaves.com.br/TEXTSELF/PHILOS/filed77-2.htm)34 “Educação engloba os processos de ensinar e aprender. É um fenômenoobservado em qualquer sociedade e nos grupos constitutivos destas,

Page 250: apostila filosofia da educacao 2013

uma ação intencional e planificada”. Na expectativa do

atendimento de suas necessidades, ele “precisa escolher os

meios e os fins da ação a partir de valores. É em função dos

valores que sentimos atração ou repulsa, desejamos ou

rejeitamos coisas, situações e pessoas” (ARRUDA ARANHA, 2002;

VIDAL, 2005; NALINI, 1999).

O Ser humano ao nascer já se depara com valores provindos do

“mundo cultural”, o qual “é um sistema de significado

estabelecido por outros”. A pessoa humana desde o berço,

passando pela constituição de sua personalidade vai

absorvendo a maneira de “como se comportar à mesa, na rua,

diante de estranhos; como, e quando falar em determinadas

circunstâncias, como andar, correr, brincar; como cobrir o

corpo e quando desnudá-lo; qual o padrão de beleza; que

responsável pela sua manutenção e perpetuação a partir da transposição,às gerações que se seguem, dos modos culturais de ser, estar e agirnecessários à convivência e ao ajustamento de um membro no seu grupo ousociedade. Enquanto processo de sociabilização, a educação é exercida nosdiversos espaços de convívio social, seja para a adequação do indivíduo àsociedade, do indivíduo ao grupo ou dos grupos à sociedade. Nessesentido, educação coincide com os conceitos de socialização eendoculturação, mas não se resume a estes. A prática educativa formal- que ocorre nos espaços escolarizados,quer sejam da Educação Infantil àPós Graduação - se dá de forma intencional e com objetivos determinados,como no caso das escolas. No caso específico da educação formal exercidana escola, pode ser definida como Educação Escolar. No caso específicoda educação exercida para a utilização dos recursos técnicos etecnológicos e dos instrumentos e ferramentas de uma determinadacomunidade, dá-se o nome de Educação Tecnológica”(http://pt.wikipedia.org/wiki/Educa%C3%A7%C3%A3o).

Page 251: apostila filosofia da educacao 2013

direitos e deveres temos”. A avaliação sobre esses

comportamentos irá sendo operacionalizada pela educação

informal, pela escola e sociedade a partir e na “medida em

que atendemos ou transgredimos” esses e outros padrões de

comportamento estabelecido culturalmente. Os níveis da

vivência humana são permeados por diversos valores, entre

eles tem-se “os econômicos, vitais, lógicos, éticos,

estéticos, religiosos”. A vida humana não existe sem os

valores (ARRUDA ARANHA, 2002; NALINI, 1999).

O “reconhecimento do universo de valores” sempre esteve

presente no pensamento do ser humano a respeito de suas

ações, tanto no mundo mítico-religioso, filosófico, quanto no

teológico cristão. Mas a “teoria dos valores ou axiologia (do

grego axios = valor)”, enquanto disciplina filosófica

específica abordando essa temática de maneira sistematizada,

surgiu só no século XIX (ARRUDA ARANHA, 2002; SCHELER apud

MÁYNEZ, 1970).

Os valores não são no sentido em que dizemos que ascoisas são. O filósofo García Morente diz: “Osvalores não são, mas valem. Uma coisa é valor eoutra coisa é ser, quando dizemos de algo quevale, não dizemos nada do seu ser, mas dizemosque não é indiferente. A não-indiferençaconstitui esta variedade ontológica que contrapõeo valor ao ser. A não-indiferença é a essência dovaler” (GARCÍA MORENTE. Fundamentos de Filosofia, p.296). Isso significa que não permanecemosindiferentes diante dos seres que constituem onosso mundo familiar, pois constantementeatribuímos a eles valores bipolarizados: bom e

Page 252: apostila filosofia da educacao 2013

mau, verdadeiro e falso, belo e feio, generoso emesquinho, sublime e ridículo, e assim por diante(ARRUDA ARANHA, 2002, p. 118).

Valores e Educação

Se ao nascermos já nos deparamos com os valores, entende-se

que eles estão constantemente na base de todas as ações do

ser humano, “é inevitável reconhecer sua importância para a

práxis educativa”. Bom seria que os valores transmitidos pela

sociedade fossem sempre evidentemente tematizados, fato esse

que nem sempre ocorre. É desafiante para os educadores

basearem sua prática educacional em “uma reflexão mais atenta

a respeito” dos valores. A perspectiva de uma educação mais

aprimorada e eficaz pressupõe a explicação, o desenvolvimento

de um trabalho reflexivo esclarecendo as bases axiológicas da

educação (ARRUDA ARANHA, 2002).

Destacando a educação moral a partir do sujeito autônomo,

pode-se entender que “a moral é o conjunto de regras e

condutas adotadas pelos indivíduos de um grupo social e tem a

finalidade de organizar as relações interpessoais segundo os

valores do bem e mal”. É práxis de cada sociedade estimular

os comportamentos que podem se adequar a elas, e “sujeita

outros a sanções de diversos tipos, desde um olhar de

reprovação até o desprezo ou a indignação” (ARRUDA ARANHA,

2002).

Page 253: apostila filosofia da educacao 2013

Como é sabido o ser humano “não nasce moral, torna-se moral”.

Aqui está o papel da educação, que através dos processos

educativos, já que a educação realizando a “interação entre

seres sociais: aprende-se moral pelo convívio humano”. Para o

educador Reboul “todo professor é professor de Moral, ainda

que o ignore” (apud ARRUDA ARANHA, 2002). Aqui está o

importante papel o que professor assume no seu trabalho

educativo com o educando. De maneira que “quanto mais

intencional for sua atuação, melhor serão os resultados”. No

“processo de conscientização de valores” se dá a “ligação

entre a escola e a vida”. A boa educação proporcionará bem

viver para as pessoas, para o educando e para toda a

sociedade. Na perspectiva da moral, “bem viver” implica a

ação virtuosa, derivada de princípios. É o “ser sendo

socrático”, ao mesmo tempo em que eu sei, racionalmente, o

que é o bem, eu o vivo na comunidade isso. (ABAGNANNO, 1969).

É antiga a discussão a respeito da possibilidadeou não de se ensinar a virtude. Recentemente,Lawrence Kohlberg, um psicólogo americanofalecido em 1987, ocupou-se amplamente com essaquestão. Implantou diversos programas voltadospara a educação moral, a partir dos quaiselaborou uma teoria sobre estágios de construçãoda moralidade. Ensinar a virtude não deve serentendido segundo a maneira tradicional econservadora de “dar lições” sobre o que éjustiça, temperança, piedade, coragem. Mais doque ensinar conteúdos de moral, a preocupação deKohlberg está em enfatizar a dimensão formal eprocessual da constituição da consciência moral.Herdeiro da epistemologia de Piaget, ele buscacriar condições para que as pessoas alcancem por

Page 254: apostila filosofia da educacao 2013

si próprias os estágios mais altos de moralidade(ARRUDA ARANHA, 2002, p. 119).

A relação entre ética e educação faz ver que “o verdadeiro

homem moral não recebe passivamente as regras do grupo, mas

aceita (ou recusa) livre e conscientemente”. A moral é

constituída pelos “aspectos social e pessoal” (VIDAL, 1980;

VIDAL, 1986), embora sendo contraditórios não queira dizer

que sejam inseparáveis. “Tornar-se moral é assumir livremente

regras que possibilitem o crescimento pessoal, entendendo-se

pessoa como alguém que se integra em um grupo”. Viver

moralmente em sociedade implica compreender a pluralidade

social, os valores conflitantes dessa sociedade, saber se

posicionar e ter liberdade de escolha, aceitando a

“divergência e o confronto de idéias” (ARRUDA ARANHA, 2002).

Vale lembrar que o elemento preponderante da “pessoa ética” é

a “afirmação do homem como uma realidade consistente por ela

mesma e como núcleo frontal de toda a realidade”. O ser

humano “é uma realidade acima da invenção ideológica”. Por

isso ele deve ser compreendido como pessoa, compreensão essa

que parte de sua realidade original como sujeito, a

subjetividade. Tal conceito de pessoa entendido como

“plasmação das valorações básicas do humano: liberdade,

dignidade, respeito, direito, etc”. Desta “compreensão do

homem como pessoa pode-se apresentar uma ética. Toda

transformação econômica e política recebem densidade ética se

Page 255: apostila filosofia da educacao 2013

partir da afirmação do valor primordial do homem como

sujeito, isto é, como pessoa” (VIDAL, 1980).

É sabido “que a educação para a liberdade começa cedo e que

cada etapa do crescimento tem características próprias.

Chegando à idade adulta, o homem estaria pronto para tornar-

se plenamente moral” realidade que nem sempre acontece de

fato. Sem dúvida que para o alcance da plenitude da vida

moral, se isso é possível, totalmente, é necessário que se

compreenda que a vida moral (VIDAL, 1980),

Acontece à medida que o homem desenvolve ainteligência e a afetividade, tornando-se capazde perceber racionalmente o mundo por meio deabstração e crítica, ao mesmo tempo em que, pelasolidariedade e pela reciprocidade, ultrapassa oegocentrismo infantil. Só então poderá revermaduramente os valores herdados e estabelecerpropostas de mudança (ARRUDA ARANHA, 2002, p.120).

Na perspectiva da educação fica evidente que o “momento por

excelência da elaboração da vida moral é a adolescência,

quando ocorrem tantas crises. Nesse estágio do

desenvolvimento humano o homem pode passar da heteronomia

para a autonomia (auto-próprio)”. As formatações legais,

constitucionais, as normas não vêm mais como imposição do

“exterior (hetero = outro, diferente)”, mas ditada pelo

próprio sujeito moral. Nessa perspectiva a liberdade é fruto

da autodeterminação. “É bom lembrar que a autonomia não se

Page 256: apostila filosofia da educacao 2013

confunde com o individualismo, porque ser moral significa ser

responsável (responder por seus atos) e capaz de

reciprocidade (toda ação é intersubjetiva)”.

A relação entre Ética e Moral, na perspectiva educacional,

não dá suporte ao espontaneismo e automatismo como meio de

aprendizagem para a vida moral. As intempéries do

individualismo e da competição dificultam que as pessoas

alcancem os níveis morais mais altos. “Como aprender a

solidariedade no ambiente do ‘salve-se quem, puder’?” (VIDAL,

1980).

Ética, Educação e Liberdade

Relacionando educação com a liberdade na perspectiva da

Ética, entende-se que “a liberdade não é algo que nos é dado,

mas uma conquista do homem ao longo de seu amadurecimento, de

modo que ele aprende a ser livre”. A relação entre ética e

educação dá suporte para o critério moral que “a educação

autêntica só pode ser a educação para a liberdade – e por meio dela

-, a fim de que não se torne adestramento ou doutrinação”

(ARRUDA ARANHA, 2002).

A discussão sobre o que é liberdade levanta interessantes

debates. “Há quem parta do princípio de que o homem não é de

fato livre, tanto são os constrangimentos a que se acha

submetido desde o nascimento, o que tornaria a liberdade uma

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ilusão”. Na concepção da Ética spinozana o ser humano só é

livre quando ele é permeado pela substância única (Deus ou

natureza), algo infinitamente maior que o humano, dessa

substância o ser humano tem apenas dois atributos a razão e a

extensão (pensamento e corporeidade), ser livre é agir

racionalmente nessa teia de dependência com a substância

única e de acordo com as leis da natureza evidenciada no

atributo extensão (SPINOZA, sd; SILVA CAMPOS, 2006).

Os behavioristas têm por pressuposto básico anegação da liberdade humana. Outros não aquestionam, mais reduzem o conceito de liberdade,tão complexo, imaginando ser ela o simples fazero que se deseja”. Se assim fosse, não teriasentido tudo o que já disseram a “respeito daconstrução da vontade da criança, resultado de umtremendo esforço ante os desejos humanos, e nãosairíamos do estágio egocêntrico que define omais externo individualismo (ARRUDA ARANHA, 2002,p. 122)35.

Será que para ter liberdade basta que a ação do sujeito

respeite os limites da liberdade alheia? Esse tipo de

proposição é uma das características da liberdade presente na

35 Behaviorismo (Behaviorism em inglês, de behaviour (RU) ou behavior(EUA): comportamento, conduta), também designado de Comportamentalismo(português europeu) ou Comportamentismo (português brasileiro), é oconjunto das teorias psicológicas (dentre elas a Análise do Comportamento, aPsicologia Objetiva) que postulam o comportamento como o mais adequado objetode estudo da Psicologia. Comportamento geralmente é definido por meio dasunidades analíticas respostas e estímulos. Historicamente, a observação edescrição do comportamento fez oposição ao uso do método de introspecção.

A finalidade da Psicologia seria, então, prever e controlar ocomportamento de todo e qualquer indivíduo.

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Behaviorismo)

Page 258: apostila filosofia da educacao 2013

sociedade. Tal perspectiva evidencia “um nível muito baixo

das relações humanas, pois não basta viver tal qual nômades,

isto é, separados uns dos outros, como se fôssemos ilhas de

arquipélago”. Esse tipo de comportamento é muito presente nas

sociedades de economia capitalista, pois estas demonstram

muito privilégio para a competição. É a evidência do “salve-

se quem puder”, a dimensão da cooperação nas relações entre

os grupos quase não acontece. A falta de acesso à educação,

ao trabalho, à saúde e em geral, às necessidades básicas está

muito presente, pois a estrutura do sistema capitalista é

seletiva proporciona sempre para os que já tem privilégios

econômicos ou para os desse grupo, os que não se dão bem, os

descartados desse processo do sistema são porque não lutaram

não se esforçaram, não são inteligentes, são preguiçosos ou

não tiveram sorte.

As controvérsias sobre a liberdade vão longe, Arruda Aranha

(2002) relembra que a reflexão sobre essa temática pode ser

debatida, também, a partir de “duas posições contraditórias:

o determinismo absoluto e a liberdade incondicional”.

Ser determinista é admitir que todo ato écausado. Segundo as teorias deterministas, ohomem à semelhança das coisas, sofreconstrangimentos externos e internos, tendoapenas a ilusão de escolher livremente. Por seucorpo físico e biológico, por estar sujeito àsleis de seu psiquismo, por viver em umadeterminada cultura, não poderia ser como de fatoé.

Page 259: apostila filosofia da educacao 2013

Em oposição, para os adeptos da concepção deliberdade incondicional o homem teria umaliberdade absoluta, podendo agir de uma forma oude outra, independentemente das forças que oconstrangem. Nesse caso, ser livre é serincausado, isto é, o ato humano não se encontradeterminado por causa alguma exterior à suavontade (ARRUDA ARANHA, 2002, p.; 122).

Na tentativa de superação da rigidez dessas duas posições

antagônicas, a autora (ARRUDA ARANHA, 2002, p.123) citada,

encaminha a abordagem a partir da visão dialética da

liberdade e do ser humano como sujeito social ativo, nessa

dimensão ela admite:

Que o homem é, sim, um ser situado e, portanto,sofre múltiplas determinações, mas, como é tambémum ser consciente, quando toma conhecimento dasituação em que se encontra inserido e dosobstáculos a ele antepostos, é capaz de agirsobre a realidade, transformando-a.Desenvolvendo-se a partir daí a possibilidade deatuação criadora e livre. Por isso é estéril qualquer discussão abstrata,puramente conceitual, a respeito da liberdade,sendo melhor colocar a questão de forma maisfecunda no campo prático da ação, ao mesmo tempoem que consideramos o homem como um sujeito social.

Por ser sujeito, o homem age de forma pessoal eautônoma; por ser social, pertence de formainextricável ao grupo no qual se insere. Issoporque o tecido social não é feito de“justaposições” de indivíduos, mas resulta de umengendramento. Nossa individualidade é construídano e pelo grupo social a que pertence, de forma quenão somos livres apesar dos outros, mas por causadeles. Daí a importância da educação.A liberdade não é, pois, uma dádiva, mas umatarefa de construção a partir da situação dada ede condições históricas concretas.

Page 260: apostila filosofia da educacao 2013

Isso vale tanto no âmbito pessoal quanto no campoda ação social, no qual o homem transforma ascondições de sua existência coletiva. A criançafaz uma lenta aprendizagem dos valorestransmitidos pela cultura, aceitando-os, numprimeiro momento, sem discussão. Mesmo quandodesobedece, não questiona o universo e a ordemestabelecida pelos adultos (...) isso se deveao fato de que a criança vive no mundo daheteronomia, no qual os valores e normas lhe sãodados por outros.

A conquista da autonomia é tarefa desafiadora. Aprende-se a

ser livre não de uma hora para outra, mas é um processo

lento, implica a superação do “egoísmo e do comodismo”, de

maneira que “a partir da adolescência o ser humano se

encontra mais próximo do exercício pleno da liberdade. No

entanto, o filósofo francês Georges Gusdorf nos faz lembrar

que ‘a liberdade adolescente é uma adolescência da

liberdade’” (ARRUDA ARANHA, 2002).

Finalmente, a relação entre ética e educação implica a

desafiante tarefa de dinamizar a liberdade como dimensão

constitutiva da pessoa, é a compreensão no nível mais

profundo, entendida como “estrutura existencial da pessoa”.

Nessa perspectiva a liberdade se apresenta como uma “tarefa.

A pessoa é livre, mas precisa fazer-se livre”. Deve “conquistar dia

por dia e minuto por minuto sua liberdade”. Essa moral da

liberdade é assim entendida pelo moralista espanhol

Page 261: apostila filosofia da educacao 2013

catedrático em Moral da Academia Afonsiana - Pontifícia

Universidade Lateranense de Roma, Marciano Vidal:

Dever de “libertação” (conquistar a liberdade“de”). A pessoa tem que viver em um contínuoprocesso de “liberdade”. A meta é conseguir umaliberdade libertada. Para libertar a liberdade épreciso transformar o próprio homem (...),transformação das raízes da liberdade (ver claro,ser dono de si mesmo, amar e entregar-se),trabalho contínuo para encontrar a liberdade(...). Primeiro âmbito onde se opera a libertaçãoda liberdade é na relação da pessoa com asociedade. A pessoa precisa libertar-se doanonimato de uma falsa integração social. (...)autonomia do indivíduo ante a coletividade, paraorientar sua própria vida. Precisamente é noâmbito social onde se encontra o primeirocontexto do aparecimento da vivência daliberdade. Segundo âmbito que se deve realizar alibertação da liberdade é o psicológico. A pessoatem que se libertar das determinações naturais eda anarquia dos impulsos para que a ação humanaemerja assim do nível da simples respostacondicionada e da anarquia da decisão peloimpulso. Terceiro âmbito da libertação encontra-se no próprio sujeito. A pessoa precisa libertar-se de si mesma. Em que sentido? Libertar donarcisismo (com seu extremo, autismo), datendência a uma autoperfeição estéril, doinfantilismo (VIDAL, 1980, p. 153-154).

A relação entre Ética e Educação pressupõe o empenho do

educador ao debater esses conhecimentos com o educando e a

sociedade, a dialética de inter-relação sujeito e sociedade.

O sujeito autônomo enquanto constituído de liberdade vivendo

na sociedade que carrega uma bagagem cultural. Essa inter-

relação não só deve proporcionar a emancipação do sujeito

individual, mas, também, social e coletivo no dizer de Paulo

Page 262: apostila filosofia da educacao 2013

Freire (FREIRE, 1976). Na perspectiva da ética ambiental essa

relação entre sujeito e sociedade implica a interdependência

com a biodiversidade na biosfera e estratosfera (SILVA

CAMPOS, 2008).

Na perspectiva da relação entre Ética e Educação o educador é

desafiado a redimensionar tais conhecimentos com o sujeito e

a sociedade, levando em conta o ser humano enquanto

constituído de liberdade implicado no transfundo de seu mundo

cultural, visando a sua emancipação social na relação de

interdependência com toda a biodiversidade. Vislumbram-se

paradigmas cada vez mais desafiadores para a Educação.

REFERÊNCIAS

ABBAGNANNO, Nicola. História da Filosofia. Vol. 1. Lisboa:Editorial Presença, 1969.

ARRUDA ARANHA, M. L. Filosofia da Educação. São Paulo: Ed.Moderna, 2002.

FREIRE, P. Ação Cultural como Prática de Liberdade. Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1976.

MÁYNEZ, Eduardo Garcia. Ética – Ética Empírica. Ética de Bens. Ética Formal.Ética Valorativa. México: Editorial Porrua, 1970.

NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional. São Paulo: Ed.Revista dos Tribunais, 1999.

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SHELER, Max. O Formalismo na Ética e a Ética Material Valorativa apudMÁYNEZ, Eduardo Garcia. Ética – Ética Empírica. Ética de Bens. Ética Formal.Ética Valorativa. México: Editorial Porrua, 1970, p. 233.

SILVA CAMPOS, M. C. A Filosofia da Educação em Baruch Spinoza. In:GHEDIN, E. Temas de Filosofia da Educação. Manaus: Valer, 2006.

SILVA CAMPOS, M. C. et. all. Ecologia Humana, Natureza e MeioAmbiente nos Povos da Amazônia: Contribuições Éticas, Morais e Culturais para oEnsino de Ciências Manaus: Uea Edições – Fapeam, 2008.

SPINOZA, Baruch. A Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras. SãoPaulo: Martin Claret, sd.

VIDAL, Marciano. Moral de Atitudes. Ética da Pessoa. Vol.II.Aparecida: Ed. Santuário, 1980.

VIDAL, Marciano. Moral de Atitudes. Moral Social. Vol. III.Aparecida: Ed. Santuário, 1986.

EDUCAÇÃO E SOCIEDADE: AS RELAÇÕES DE TRABALHO

Manuel do Carmo da Silva

Campos*

* Filósofo e Teólogo – Graduado em Filosofia pela Faculdade SãoBento do Rio de Janeiro; Graduado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; Mestrado em Teologia, iniciado na Academia Afonsiana da Universidade Lateranense e Gregoriana – Roma e concluído na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; Doutorado em Teologia Moral pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção – São Paulo.

Page 264: apostila filosofia da educacao 2013

As relações de trabalho é tema específico da moralidade

do trabalho. Discussão essa muito marcante a partir das

questões levantadas na filosofia de K. Marx (2003)

evidenciando a dignidade do trabalho. Embora tal temática já

se faça presente na literatura judaica cristã anterior a esse

filósofo.

Desde quando o ser humano sentiu a necessidade de

retirar da natureza os meios para o seu viver, denota-se a

ação laboriosa no seu cotidiano. Colher, prazerosamente, os

frutos da floresta, o caçar e o pescar são evidências dessa

primeira instância de trabalho. O trabalho é o “instrumento

imprescindível para fazer uso das coisas necessárias ou

convenientes para a subsistência e o aperfeiçoamento

progressivo” da raça humana e do seu meio ambiente

circundante cósmico. O princípio da Moral Social de que os

Bens São de Todos, requer que o trabalho possibilite ao

trabalhador a contenção das necessidades básicas para o seu

viver com dignidade, devendo gerar humanidade, criatividade e

sociedade. A contundência ética desse princípio denuncia o

sistema neoliberal que gera os desvalores do trabalho. E, ao

mesmo tempo, salientando o dever e o direito que o ente

pensante tem ao trabalho, insiste em que através dele se pode

assegurar o efetivo acesso aos bens produzidos para todos

(CAMACHO,1988, p. 326; SILVA CAMPOS, 1996).36

36 O debate, o aprofundamento e a sistematização da DestinaçãoUniversal dos Bens, foi tratado na Tese de Doutoramento do autor deste

Page 265: apostila filosofia da educacao 2013

1. A FILOSOFIA MARXIANA DO TRABALHO

Evidencia-se na filosofia de Marx, na perspectiva do

materialismo dialético, uma tensão, uma interação entre a

bases (“as relações materiais, econômicas e sociais”) e a

superestrutura de uma sociedade (“ o modo de pensar ..., suas

instituições políticas, suas leis e também sua religião,

moral, arte, filosofia e ciência”). Assim como, “as três

camadas de uma sociedade, as condições naturais de produção,

as forças” e “as relações de produção” estando nas mãos de

quem detém, hegemonicamente, o poder econômico, o capital,

conseqüentemente, ausenta a distribuição dos bens aos

trabalhadores, aos pobres dos quais foi usurpada, através do

mecanismo de exploração capitalista denominado mais valia,

toda a riqueza por eles produzida (MARX, 2003; GAARDER, 1995,

p. 420 – 421).

estudo.

Page 266: apostila filosofia da educacao 2013

A sociologia do trabalho37 tem demonstrado que quem

trabalhava na Sociedade Antiga eram os escravos, na Sociedade

medieval os servos e na Sociedade Capitalista os operários.

Marx ao analisar o trabalho humano, aspecto original em sua

filosofia, observou que o ser humano “quando ele trabalha”,

estabelece “uma relação de troca mútua, uma relação

‘dialética’ entre” ele “e a natureza”. Muito bem constatada

por Hegel. “Quando o homem altera a natureza, ele mesmo

também se altera”, ao trabalhar “interfere na natureza e

deixa nela suas marcas; mas nesse processo de trabalho também

a natureza interfere no homem e deixa marcas em sua

consciência”. A filosofia marxiana do trabalho faz ver que “o

modo como trabalhamos marca a nossa consciência, mas a nossa

consciência marca o modo como trabalhamos”. Note que “o

conhecimento do homem está intimamente relacionado ao seu

trabalho”. Hegel já havia percebido “que quem não tem um

trabalho está solto no ar”. Dessa forma fica evidente na

perspectiva hegeliana e marxiana que “o trabalho é uma coisa

37 O termo trabalho provém “da raiz latina trabs, trabis= trave oucarga que se impunha aos escravos para obrigá-los ao serviço ... Ospovos dominados pelos romanos conservaram a raiz latina associada à idéiado trabalho; escravo; “travail”, “trabajo”, “trabalho”; os povosimperiais, italianos, ou não dominados, conservaram a raiz latinaassociada às atividades nobres: “labor” em latim, que deu “lavoro” emitaliano, “labour” em inglês, e que em português aparece apenas na formamais aristocrática de labor, lavor, laborioso. É toda atividade pela qualo homem, no exercício de suas forças físicas e mentais, direta ouindiretamente, transfigura a natureza para colocá-la a seu serviço”(BASTOS D’AVILA, F. Pequena Enciclopédia de Doutrina Social da Igreja. São Paulo:Loyola, 1991, p. 431-432); A problemática do Trabalho Humano foi maisaprofundada pelo autor deste texto num artigo da Revista de CulturaTeológica nº 20 (1997): 119-128.

Page 267: apostila filosofia da educacao 2013

positiva, uma coisa que pertence à condição humana”. Ser

trabalhador é dignificante e positivo para o ser humano. Essa

filosofia supera a forma negativa do trabalho, “travail” das

sociedades anteriores (GAARDER, 1995, p. 423; MARX, 2003).

É a partir dessa visão ética e humana do trabalho que

Marx vai construir toda a sua crítica ao modo de produção

capitalista (GAARDER, 1995, p. 423 – 424) e propor pela

dimensão socialisante, tão marcante nas sociedades tribais,

politeístas e bíblicas, que as três camadas de uma sociedade,

acima mencionadas, sejam gerenciadas por todos os

trabalhadores representados pelo Estado, estabelecendo uma

sociedade igualitária, onde todos têm acesso a tudo,

especialmente ao direito ao trabalho dignificante do ser

humano (MARX, 2003).

O postulado, filosófico, econômico, social e político de

Marx ao evidenciar a desalienação do ser humano trabalhador e

resgatando a dignidade do trabalho a partir da crítica sobre

a mais-valia, vai trazer a original discussão sobre a

problemática do trabalho no âmbito filosófico, que setores da

sociedade, entre eles a Igreja, a Educação e o próprio Estado

haviam perdido. Isso provoca determinadas reações por parte

da sociedade, também do cristianismo, resultando em debates,

sistematizações, documentos, e o surgimento da Doutrina

Social da Igreja com a publicação da Encíclica Rerum Novarum

Page 268: apostila filosofia da educacao 2013

de Leão XIII em 1891, trazendo significativas reflexões sobre

o trabalho humano (LEÃO XIII, 1981).

2. O TRABALHO NA AÇÃO HUMANA

Pelo princípio da Moral Social, norteador dos demais, de

que os bens da natureza são destinados a todos, entre eles o

direito à educação, percebe-se que a ação laboriosa do ser

humano constitui uma das formas de viabilizar esses bens a

cada um e a todos. Num primeiro momento, para a contenção de

subsistência, de satisfação das necessidades acontece o

deslocamento do ser humano “para onde estão as coisas, ou das

coisas para onde” ele necessite delas. Noutro “o bem nem

sempre se apresenta em estado pronto para ser utilizado, é

necessário transformação” para se adequar à utilidade humana.

Trabalho e técnica já se consolidam nesse aspecto.38

Essa exigência ética do uso comum dos bens indica que o

trabalho deve ser humanizador. “Refletir a natureza e a

peculiaridade humanas”. Levando em conta não somente a “força

corporal, física ou instintiva, mais a inteligência,38 Na atualidade a forma primitiva do trabalho já não se dá mais. Émuito marcante o fenômeno das importações e exportações, também de mão deobra barata. Assim ocorrem as migrações em massa à busca de trabalho. Oneoliberalismo no intuito de gastar menos com essa mão-de-obra e matéria-prima, procura instalar suas multinacionais em diversas regiões doplaneta para melhor manter seus lucros. Para um aprofundamento doPrincípio da Moral Social de que os Bens são de Todos veja-se: SILVACAMPOS, M. C. O Princípio da Destinação Universal dos Bens na Doutrina Social da Igreja.Contribuição da Moral Social para o acesso dos Bens aos Pobres.Tese de doutoramento. SãoPaulo: Pontifícia Faculdade de teologia Nossa Senhora da assunção, 1996.

Page 269: apostila filosofia da educacao 2013

voluntariedade e liberdade especificativa do homem”. De forma

que o trabalho tem também a missão de conscientizar as

pessoas de sua “dignidade ontológica”. Naturalmente, o ser

humano sabe que o mundo está à sua disposição e pode usar de

sua capacidade para administrá-lo e transformá-lo em

benefício próprio e dos demais. É pelo trabalho que a espécie

humana se desenvolve e se aperfeiçoa. “Modifica... a

natureza... e a si mesma e desenvolve suas faculdades,

evitando acilosamentos e atrofias: aprende, progride e se

transcende. Sintoniza a atividade laboral com a exigência

natural, importa ao homem existencialmente: subsistir,

primeiro; e aperfeiçoar-se, depois; e complementar-se”

(CAMACHO, 1988, p.329). Isso não quer dizer que tais formas

se dêem separadamente. Sem dúvida que não podem ser

qualificadas, moralmente, como trabalho humanizador, ações

que enaltecem apenas a “matéria inerte”, nas quais os entes

humanos saem “mais aviltados e desumanizados”. A busca da

humanização do trabalho denuncia e não aceita sistemas sócio-

econômicos e tecnologias que “transformam a vida em

gigantesco automatismo despersonalizado” que converte o homem

e a mulher em “inconscientes rodinhas de mecanização, de

fabricação em série, de especialização de parafusos”, de

programadores automáticos. O mesmo vale para os trabalhos

insalubres, perigosos, indignos, forçados ou forçosos, que

atuam em detrimento da personalidade, do soma-psique do

trabalhador. Entende-se nessa mesma perspectiva humanizadora

Page 270: apostila filosofia da educacao 2013

do trabalho, como resultado positivo, que as coisas

destinadas a todos pela natureza “se tornem cada vez mais

humanas e acolhedoras”, mais “trabalhadas”, mais

aperfeiçoadas, satisfazendo as necessidades dos humanos.

Respeitando a dependência cósmica existente entre as coisas

criadas para que a natureza não seja destruída, escravizada

pela ação humana. Essa visão holística, exigência da moral,

denuncia e não aceita a degradação ambiental do planeta

(CAMACHO, 1988, p. 330; 65; 67; SILVA CAMPOS, 1996, p. 262-

270 e 323-340; GS, 67).

Outra característica determinante da atividade laboral

humana é a espiritual e criativa, evidenciada na

“personalidade inteligente, criativa e livre” do homem. Ao

deparar-se com verdadeiros “frutos do trabalho humano” se

observam que ele acrescenta à matéria-prima algo provindo do

“querer humano”, da inteligência pela racionalização, arte e

técnica humanas, a natureza inerte apresenta-se viva, útil

para a vida. Evidencia-se nessa característica, um “outro

mundo (... feito com arte, fruto da repetida atividade humana

voluntária), dentro do mundo natural virgem”. É a “plusvalia

espiritual” (CAMACHO, 1988, p. 331). João Paulo II na sua

Encíclica “Laborem Exercens” ao expor os principais elementos

de uma espiritualidade do trabalho, insiste que “o trabalho

deve ser vivido como participação na obra do Criador do

Universo; o trabalhador encontra em Cristo o autêntico homem

Page 271: apostila filosofia da educacao 2013

do trabalho; a vida de trabalho alcança seu sentido pleno

quando vivenciada através do mistério da cruz e da

ressurreição de Cristo” (VIDAL, 1993, p. 371; JOÃO PAULO II,

1991, Nº 24-27 e 68,67). A vida do Homem de Nazaré demonstra

uma personalidade madura, soma e psique interage sadiamente,

integrando as realidades humanas, divinas e cósmicas, numa

ação que é verdadeira doação e serviço em prol do ser humano

e da natureza (JOÃO PAULO II, 1981, nº. 577-647)39.

O fato de o ser humano viver em sociedade, ser “zóon

politikom” (animal político), embasa o princípio sociológico

de que “homem algum é uma ilha”. Entende-se que o trabalho

humano, além de ser necessário para ele subsistir e

desenvolver-se individual e pessoalmente, proporciona a

integração da natureza humana com seus semelhantes, “uma

sociedade com a qual e na qual satisfaça as mútuas

necessidades, comunique, procure e encontre saída e se

aperfeiçoe no extrato social correspondente”. De maneira que

o ser humano trabalhando em e para a sociedade, “estreita as

relações entre os seus semelhantes” criando vínculos de

comunicação social. Deve estar a serviço da família e da

sociedade regional, nacional e internacional. Essa busca da

dimensão do trabalho denuncia o distanciamento das atividades39 Sobre o trabalho humano veja-se: João Paulo II, “LaboremExercens”,(1981) AAS LXXIII (1981): 577-647; CALVEZ, J.Y., LaSpiritualitá Del Lavoro Encíclica “Laborem Exercens”, Civ Cat 136 (1985)II, p. 358-372; COSTA, R., Le travail et L’ encyclique “LaboremExercens”, EsprVie 92 (1982): 34-46 e 49-56; SOARES, R., O trabalhohumano à luz da Encíclica “Laborem Exercens”, REB 42 (1982): 528-550.

Page 272: apostila filosofia da educacao 2013

laboriosas desenvolvidas pelo sistema neoliberal, que

invertendo os objetivos da justiça social, de criar sociedade

mais igualitária por “formas exclusivas ou preponderante de

restrição do trabalho a objetivos egoístas, individuais ou de

classe”, vem minando a função social do trabalho (CAMACHO,

1998, p. 332). A justiça social exige que o ser humano tenha

acesso ao trabalho para que ele possa desempenhar o seu papel

de constituir-se e construir pessoa humana, sociedade. Caso

contrário tal objetivo não será alcançado; problemática que a

automação, da forma como vem se dando, não solucionará.

3. A DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHO

A observância ética de construir humanidade, conter as

necessidades do ser humano, criar sociedade, ser meio para o

acesso dos bens a todos, sendo invertida, tem provocado, ao

longo da história humana, em especial no início da

industrialização, e até os dias atuais, evidente

desvalorização do trabalho. Isso devido a concepções sócio-

econômicas estruturadas defeituosamente, provocando

deploráveis situações de exploração inaceitável pela moral. O

individualismo, decorrente da revolução burguesa,

absolutizando o direito de propriedade, vai concentrar as

riquezas com uma pequena minoria privilegiada (SMITH, 1995).

Page 273: apostila filosofia da educacao 2013

A classe trabalhadora, no início da industrialização,

migrando do campo para a cidade, tem a saúde em pouco tempo

afetado pela duração do trabalho sem limites, pela

insuficiência física. Trabalha-se de 14 a 18 horas por dia. A

lei da oferta e da procura dita o critério básico para a

remuneração e garantia do contrato de trabalho, concentrando

mão-de-obra abundante e barata para pouco emprego. O salário

a e as condições de trabalho são as piores possíveis. Há uma

perda do sentido de família no operário, pois fica difícil

encontrá-lo devido às horas de trabalho que o consome e às

distâncias de seus lares. Vivendo em estado de miséria, ele é

identificado com o pobre. Trabalha-se demais e esse labutar

não é ação contempladora das necessidades do ser humano, não

humaniza e não pode ser totalmente criadora40.

40 “A situação torna-se mais crítica com o desenvolvimento do sistemacapitalista, a partir do nascimento das fábricas, nos séculos XVII eXVIII. Os trabalhadores sofrem uma mudança radical em relação aos hábitosadquiridos nas manufaturas, nas quais a atividade era até entãopredominantemente doméstica. Com o surgimento das fábricas em que ostrabalhadores se agrupam em grandes galpões e se submetem a um ritmo detrabalho cada vez mais intenso - acentua-se a dicotomia concepção xexecução do trabalho, ou seja, o processo de separação entre aqueles queconcebem, criam, inventam o que vai ser produzido e aqueles que sãoobrigados à simples execução do trabalho. Com o desenvolvimento dosistema fabril, dá-se a agravante introdução do sistema parcelado deprodução, tornando a execução do trabalho mais mecânica e fragmentada.Essa divisão é intensificada no início do século XX, quando Henry Fordintroduziu o sistema de linha de montagem na indústria automobilística(...) O Trabalho parcelado é levado a feito por Frederick Taylor (1856-1915) que estabelece os parâmetros do método científico de racionalizaçãode produção, conhecido, daí em diante, como teylorismo (...) que visaaumentar a produtividade e economizar tempo, suprimindo gestosdesnecessários e comportamentos supérfluos no interior do processoprodutivo (...) O teylorismo pretende ser uma forma de racionalização dotrabalho porque permite melhor p´revisão e controle de todas as fases deprodução”(ARRUDA ARANHA, 1996, p. 23 - 24).

Page 274: apostila filosofia da educacao 2013

A emancipação da classe trabalhadora que, aos poucos,

vai se solidificando pela união, lutas e conquistas, no

decorrer dos últimos séculos, atualmente se apresenta

fragilizada ante as imposições degradantes do neoliberalismo,

sistema que concentra uma série de mecanismos mortíferos. O

sistema neoliberal, no intuito de concentração de capitais

por grupos privilegiados, proporciona situações degradantes

de trabalho aos trabalhadores.

Vale lembrar que o aprimoramento científico e técnico no

mundo do trabalho aperfeiçoando os meios de produção com

objetivo de melhorar as condições de trabalho para o ser

humano, nem sempre se tem traduzido em evidências práticas.

Tanto é que o trabalho na sociedade pós-moderna vai trazer

mudança antes nunca vista. Com o advento da cibernética, ou seja, a partirda revolução da informática e da generalização douso do computador, a sociedade contemporâneasofreu uma mudança que alterou significativamenteas relações de trabalho. Passou a haver apredominância do setor de serviços (terciário),envolvendo atividades tanto das áreas decomunicação e informação como comércio, finanças,educação, lazer, etc.

O cotidiano do homem se transforma passando a sermarcado pela automação em todas as esferas, detal modo que, na era da reprodução técnica, amáquina constitui o intermediário entre o homem eo mundo (ARRUDA ARANHA, p, 24).

Page 275: apostila filosofia da educacao 2013

Na corrida tecnológica depara-se com os

paradoxos, de uma lado “o mundo da opulência, da tecnologia”

de outro “grande parte do globo, relegada à mis´ria e a

fome”. E nas “camadas que conquistam privilégios a nova

organização acentua as características de individualismo, que

levam à atomização e dispersão das pessoas, desenvolvendo uma

cultura hedonista (...) e narcísica (...) (ARRUDA

ARANHA,1996, p. 25).

4. O DEVER E O DIREITO AO TRABALHO

O princípio moral, segundo o qual os bens pertencem a

todos, evidencia o dever de trabalhar para que o ser humano

adquira o que necessita para sua subsistência “e viver com

dignidade... A obrigação de trabalhar... serve também para a

expansão da personalidade”, para o exercício da justiça

social e da prática da caridade. Longe de se pensar que o

trabalho significa somente “fadiga e penitência”, mas muito

mais “alegria e dignidade...”. O trabalho “não pode ser

encarado e realizado como mero passatempo destituído da

finalidade de prestar serviço aos semelhantes”. Para ser

organizado deve servir à obtenção do necessário, ser útil e

agradável. Exigir boas condições de trabalho em ambientes

saudáveis, reduzido em parcelas de horas (36 semanais) que

possibilite bons desempenhos, evite o cansaço e os stresses. “O

trabalho cada vez mais mecanizado”, reduzido à automação nos

Page 276: apostila filosofia da educacao 2013

dias atuais, “tende a tornar-se facilmente monótono”,

individualista e isolante do indivíduo (HARING, 1961, p, 45).

Ninguém pode negar o dever que a espécie humana tem de

trabalhar. Garantia essa assegurada pelo direito natural de

que os bens são de todos. Haja vista que para ter esses bens

a seu dispor ela precisa trabalhar. Essa lei natural

desdobrada nas leis constitucionais das nações, na Declaração

Universal dos Direitos Humanos da ONU obriga ao Estado, a

sociedade e demais instituições garantir o trabalho para

todos. Essa exigência ético-moral do dever do trabalho

origina o direito ao trabalho, especialmente quando este fica

ausente da pessoa41.

No contexto atual da sociedade neoliberal, com seus

mecanismos mortíferos, grande parcela das pessoas não tem

acesso a esse direito humano. “O desemprego global atingiu

(...) seu nível mais alto desde a grande depressão da década

de 1930”. Dos 5 bilhões de habitantes do planeta, cifra

ultrapassada em 2006, aproximadamente 1 bilhão estava

desempregada em 1998. No Brasil, nesse mesmo ano, de cada 100

pessoas, 8,20% estava sem emprego (JB, 1998, p. 15)42. O

41 Para uma Teologia do trabalho veja-se: AUBERT, JEAN-MARIE. MoralSocial para nuestro tiempo. Barcelona: Herder , 1982, p. 151-165.42 Sobre a problemática do desemprego e do direito ao trabalho naperspectiva da teologia, veja-se: Revista Concílium nº180(1982 ): 10:Moral.

Page 277: apostila filosofia da educacao 2013

Estado nem sempre oferece seguras garantias de direito ao

trabalho de maneira que

Para assegurar a competitividade das empresas, otrabalho deixa de ser unicamente em tempointegral, passando a ser também em tempo parcial.Desenvolve-se o trabalho temporal: empresascontratam serviços por apenas um período e depoisdispensam. Com a terceirização, reapareceu otrabalho doméstico: pessoas que trabalham em casa,preparando produtos para empresas... O salário dostrabalhadores, em média, perde valor (LESBAUPIN,1996, p. 3).

Fica evidente que “o futuro... como promissor” ao

contrário, “adquire aspectos de decadência, redução de

possibilidade, rebaixamento de salário, condições piores de

trabalhos para a maioria. Apenas uma minoria passa a se

beneficiar das medidas que estão sendo tomadas” (LESBAUPIN,

1996, p. 3)43.

Na verdade, é dever ético que a sociedade proporcione ao

ser humano o direito ao trabalho, que ele possa “ganhar o seu

pão pelo seu trabalho, do que dar-lhe esmolas” ou tentar

amenizá-lo com medidas paliativas tipo cesta básica,

distribuição temporária de alimentos para os pobres, cartão

cidadão, frente de trabalhos em épocas de seca e outras, não

é solução definitiva para o problema. A didaque, texto do

cristianismo iniciante, já manifestava a preocupação com o

43 Sobre essa problemática veja: RIFRIN, Jeremy. O fim dos empregos. ODeclínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global do trabalho. SãoPaulo: Makton Books, 1995, p. 17; FOLHA DE SÃO PAULO, 26.11.1996; p. 2,2.

Page 278: apostila filosofia da educacao 2013

direito ao trabalho para os cristãos convertidos do

paganismo. Para Tomás de Aquino, na Idade Média, a criação de

trabalho “em grande escala é ato da virtude, de

magnificência”. O Estado deve tomar medidas preventivas

contra o desemprego protegendo a Nação no seu artesanato e

agricultura, especialmente em tempos difíceis. A falta da

Reforma Agrária em certos países subdesenvolvidos tem

provocado êxodo rural para as cidades ocasionando escalas

estridentes de desemprego na cidade e conflitos no campo

(HARING, 1961, p. 674)44. Fato esse que vem ocorrendo também

com a automação das indústrias. É interessante destacar que,

na ausência de trabalho no local de origem do trabalhador, a

Moral Social, pelo direito ao trabalho, evidencia que é

justo migrar e imigrar para encontrá-lo. Apresentam-se

estarrecedoras as migrações dos povos do terceiro mundo para

as regiões e países desenvolvidos provocados pelo

neoliberalismo. Tais países, além de colonizarem no passado

esses povos, continuam submetendo-os a uma forma de

recolonização, através de explorações, isso sem falar nos

problemas criados à presença deles em suas terras.

44 O trabalho de crianças no Brasil já estava em 1997 na faixa de 3milhões (Folha de São Paulo, 01.05.1997). No Brasil tem ocorrido inúmerosconflitos e assassinatos pela luta e conquista da terra e biodiversidade,veja a título de exemplos apenas alguns: Chico Mendes( Acre), Pe. Josimo( Tocantins), Pe. Ezequiel Ramin (Rondônia) , Ir. Cleusa ( Amazonas), Ir.Doroty (Pará), o massacre de Corumbiara e Eldorado do Carajás (Pará).Isso sem falar no término da demarcação das terras indígenas.

Page 279: apostila filosofia da educacao 2013

A Destinação Universal dos Bens, princípio ético e

moral, exige que não se pode “lucrar à custa do desemprego

dos outros”; o trabalho como mediação para aquisição dos bens

pelo trabalhador deve estar acima de qualquer interesse

econômico; “...o pluriemprego, além de denotar erros de

injustiça estrutural, fere em muitos casos, o direito que os

outros tem ao trabalho”. O Estado não pode deixar de atender

aos problemas dos desempregados, erradicando esse “mal quase

endêmico na estrutura econômica de muitos países; as

determinações jurídicas com relação à desocupação e ao

desemprego devem ser formuladas em função tanto do nível

individual quanto do bem de todo o sistema econômico” (VIDAL,

p. 1993, p. 369).

O direito de organização dos trabalhadores, entre eles

o da greve, é concebível pela ética social como forma para

assegurar e adquirir os bens quando estes estão ameaçados ou

lhes foram retidos; o sistema capitalista, hoje

neoliberalismo, é incompatível com o princípio da moral

cristã, da perspectiva de uma verdadeira ética educacional,

expressada na filosofia da educação, de que os bens são

destinados a todos, devido não só, a retenção dos bens via

propriedade privada, mas também pelo fato do trabalhador ser

considerado como mercadoria geradora de lucro, de mais valia

para o capital.

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CONCLUSÃO

. Para Marx o trabalho é integrante da ação do ser humano

com a natureza, com sigo mesmo e com a sociedade. Trabalhar

dignifica a pessoa, constitui humanização e

conseqüentemente, cidadania.

. O trabalho, sendo mediação para aquisição dos bens,

exigência do Direito Natural de que os bens são de todos

deve possibilitar e contemplar as necessidades da pessoa

humana. Ser humanizador, criativo e transcender a matéria

inerte para que ela seja coisa viva produtora de vida.

. Os desvalores do trabalho humano são provocados por ações

antiéticas provindas de sistemas estruturados em mecanismos

contrários à socialização dos bens mantendo a retenção

destes nas mãos de uma minoria privilegiada.

. O trabalho como dever insiste em que todos devem

trabalhar, papel este que o governo, a sociedade e as

instituições devem garantir, para prevenir situações

desumanas. Como direito, é condição “sine qua non” para

adquirir os bens. É para o ser humano e não o contrário.

. A moral social quer proporcionar mudanças nas estruturas

desumanizantes do trabalho. Pela ação laboriosa quer

possibilitar o acesso dos bens a todas as criaturas. Não

apenas para manter a subsistência, mas a verdadeira

existência e o progresso de todos e cada um dos membros da

Page 281: apostila filosofia da educacao 2013

comunidade humana e seu meio ambiente cósmico. Quer dialogar

com as demais ciências entre, também com a psicanálise, a

qual faz ver que nem todas as pessoas podem “abranger a

atividade humana em toda a sua amplitude... A Civilização

Humana... por um lado, inclui todo o conhecimento e

capacidade que o homem adquiriu com o fim de controlar a

força da natureza e extrair a riqueza dessa para a

satisfação das necessidades humanas; por outro, inclui todos

os regulamentos necessários para ajustar as relações dos

homens uns com os outros e, especialmente, a distribuição da

riqueza disponível...” Mas se nota na interdependência

dessas duas tendências, entre outras, que o ser humano é

“virtualmente inimigo da civilização”. Os homens sentem

“como um pesado fardo os sacrifícios que a civilização deles

espera a fim de tornar possível a vida comunitária. A

Civilização tem de ser defendida contra o indivíduo, e seus

regulamentos, instituições e ordens dirigem-se contra essa

tarefa”. Visando a não apenas “efetuar uma certa

distribuição de riquezas”, mas mantê-la distribuída.

Proteger “contra os impulsos hostis dos homens tudo o que

contribui para a conquista da natureza e a produção de

riquezas. As criações humanas são facilmente destruídas, e a

ciência e a tecnologia, que os construíram, também podem ser

utilizadas para a sua aniquilação”. Pode até se ter “a

impressão de que a Civilização é algo... imposto a uma

maioria resistente por uma minoria que compreendeu como

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obter a posse dos meios de poder de coerção (...) Essas

dificuldades não são inerentes à natureza da própria

Civilização, mas determinadas pelas imperfeições das formas

culturais” que se desenvolvem. Necessário se faz um

“reordenamento das relações humanas”, renovando “as fontes

de insatisfação para com a Civilização pela renúncia à

coerção e à repressão dos instintos, de sorte que,

imperturbados pela discórdia interna, os homens pudessem

dedicar-se à aquisição da riqueza e à fruição”. Passo

decisivo reside “no controle da natureza para o fim de

adquirir riqueza”, eliminando todos “os perigos que a

ameaçam... por meio de uma distribuição apropriada dessa

riqueza entre os homens” (FREUD, 1974, p. 15-17).

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EDUCAÇÃO, EPISTEMOLOGIA E A CRISE DOS PARADIGMAS

Por Talma Bastos de Barros Publicado 22/10/2008

Educação

Avaliação: 45

http://www.webartigos.com/articles/10401/1/Educacao-Epistemologia-e-a-Crise-dos-Paradigmas/pagina1.html

Relações entre uma teoria da educação e seu fundamento ontológicoe epistemológico.

Pode-se identificar, a partir história da filosofia, duas matrizesteóricas: a metafísica e a não-metafísica. Há uma tradição queentende ser a metafísica a filosofia primeira, aquela que dáfundamento e sustentação a todo conhecimento ocidental. Entendeque existe uma hierarquia entre os conhecimentos e que ametafísica está acima de todos os outros.

Por outro lado, há uma tradição filosófica que se denomina matrizteórica não-metafísica que rejeita tal supremacia da filosofiasobre outros conhecimentos.

A tradição ocidental acolheu os argumentos socrático-platônicos,que explicam o mundo e as relações sociais de forma universal, ouseja, as realizações da filosofia seriam perenes e válidas emqualquer contexto. Para o pensamento metafísico, não deveriaexistir lugar para mudanças, crises ou qualquer outro vocabulárioque traduzisse a idéia de provisoriedade.

45 Advogada. Docente. Escritora. Pós Graduações: Especialização em Administração dos Serviços de Saúde; Metodologia da Pesquisa Científica; Hermenêutica Científica; Direito Previdenciário; Direito Educacional; Docência Superior em Educação. Professora de Xadrez, Metodologia Científica, Hermenêutica Jurídica, orientadorae aconselhadora.

Fonte: http://www.webartigos.com/articles/10401/1/Educacao-Epistemologia-e-a-Crise-dos-Paradigmas/pagina1.html#ixzz1IbIz2kvM

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Mas, filósofos como Heráclito, cuja concepção de mundo era opostaa de Platão – metafísico por excelência –, entendia que tudo émovimento e mudança. As coisas, idéias ou valores não são: tornam-se. E como sabemos, para Platão - bem como para Parmênides – "oque é, é o que é". Mudanças referem-se à sombra, ao superficial.

São duas formas de entender o mundo. A primeira, metafísica, buscauniversais que dêem conteúdo a um projeto determinado a priori,conquistado pelo uso da razão instrumentalizado pela filosofia. Asegunda, não metafísica, responde às exigências dascircunstâncias, da contingência, da história.

Na modernidade existe constantes mudanças como algo vazio deconteúdo segundo Otávio Paz e este vazio sugere que esta paraocorrer algo.

Berman, citando Karl Marx, diz que modernidade é "fazer parte deum universo no qual tudo o que é sólido desmancha no ar". Pareceque de fato este tempo chamado de moderno tem algo com queintranqüiliza a existência humana, trazendo como experiência aambigüidade e insegurança.

O projeto da modernidade, situado em torno do século XVI, põe emquestão os valores e conceitos estabelecidos pela sociedade que,no caso, eram tidos como absolutos.

O primeiro esforço da modernidade é distinguir ciência, arte emoral em ramos específicos do conhecimento humano. Se antes, aciência e arte deveriam servir à moral, neste novo cenário issonão fazia mais sentido. Esta rejeição ao absoluto extra-humanodesencadeia uma série de eventos na história das nações e dopensamento ocidentais. Apenas para citar dois exemplos: aRevolução Francesa e o Iluminismo, com seu programa dedesencantamento do mundo, visando a substituição da imaginaçãopelo saber.

A palavra moderno foi usada no mesmo sentido que lhe atribuíramnos séculos XIX e XX, primeiramente por Jean-Jacques Rousseau.Aqui já encontramos o germe de um tempo que caminha "à beira doabismo", fruto da instabilidade provocada pela falta de tutoria deinstituições com poderes absolutos, como era a experiência de vidana Idade Média. Este projeto de autonomia leva junto de si certodesamparo, e este é a marca do novo tempo.

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Contudo, esta nova vivência não mais sob o controle dasinstituições medievais, elege outro poder que criam ser capaz deconduzir o sentido das ciências e da sociedade: a razão. E é omesmo Rousseau que irá responder à academia de Dijon a seguintepergunta referente às conquistas da sociedade diante deste novopoder racional: "o progresso das ciências e das artes contribuirápara purificar ou para corromper os nossos costumes"?

Para lhe dar resposta – do modo eloqüente que lhe mereceu o prêmioe algumas inimizades – Rousseau fez as seguintes perguntas (...):há alguma razão de peso para substituirmos o conhecimento vulgarque temos da natureza e da vida que partilhamos com os homens emulheres da nossa sociedade pelo conhecimento científico produzidopor poucos e inacessível à maioria? Contribuirá a ciência pradiminuir o fosso crescente na nossa sociedade entre o que se é e oque se aparenta ser, o saber dizer e o saber fazer, entre a teoriae a prática? Essas perguntas (...) Rousseau responde (...) com umredondo não.

Mesmo assim, a sociedade européia assiste grande desenvolvimentodas ciências. Não estando mais sob a égide da religião, o sabertomou rumo diverso do que tinha durante toda Idade Média. Tornou-se veloz, não censurado, com uma preocupação clara: controlar anatureza.

A seguir, apresentarei os principais argumentos que deramsustentação à modernidade. Inicialmente, o que chamo de sabercientífico, ou seja, o esforço da realização de um saber querespondesse às investigações da natureza. Depois, o saberfilosófico que, da mesma forma que a ciência, procura responderuniversalmente ao problema do pensamento.

O saber científico

As bases epistemológicas da modernidade foram lançadas logo em seuinício, e, de certo modo, igualmente totalitárias aos da IdadeMédia, uma vez que nega o caráter racional de outras formas deconhecimento, como o senso comum, o cultural, por serem tidos comonão sustentados por princípios epistemológicos das ciênciasnaturais. Esta forma de acesso ao conhecimento

"está consubstanciada, como crescente definição, na teoriaheliocêntrica do movimento dos planetas de Copérnico, nas leis deKepler sobre as órbitas dos planetas, nas leis de Galileu sobre aqueda dos corpos, na grande síntese de ordem cósmica de Newton e

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finalmente na consciência filosófica que lhe conferem Bacon esobretudo Descartes.

Convém observar que a mudança de referencial da ciência modernadistinta da antiga e da medieval, é que não se deseja apenasfundar uma ciência que conheça mais profundamente a realidade: suapretensão é de universalizar o saber, de modo que fosse possívelevitar qualquer forma de controle individual sobre a verdade, ouseja, prescindindo da evidência da experiência imediata, esta novaforma de ciência distancia o senso comum do saber científico,tornando-o acessível apenas a especialistas.

Mourão, ao criticar o dogmatismo assumido por determinadoscientistas, observa que a história da ciência é composta porconstantes transições de paradigmas. "A história da ciência é umasucessão de paradigmas.

O primeiro paradigma surgiu com a revolução copernicana, quepermitia o homem libertar-se do geocentrismo em que vivia. O homemdeixou de ser o centro do Universo. O segundo foi a revoluçãocartesiana, que tornou o cosmo acessível à razão. A capacidade deanálise lógica, fez com que o homem assumisse o domínio da ciênciae da técnica e se transformasse no arquiteto de idéias do mundofuturo. O terceiro foi a revolução darwiniana, que reconduziu ohomem à natureza e libertou-o do antropocentrismo. O quarto é arevolução sistêmica, que está permitindo reintegrar osconhecimentos como um todo coerente."

Estes paradigmas apontados por Mourão, expressam o conhecimento deum mundo favorecido pelas condições de estabilidade e decausalidade, de modo que é possível prever o comportamento dosfenômenos e controlá-los. é a idéia de um mundo máquina.

Isso trouxe conseqüências para as ciências sociais, que julgarampoder aplicar, na medida do possível, os mesmos princípiosepistemológicos e metodológicos das ciências naturais. Isso levaDurkheim a elaborar, por exemplo, uma teoria geral do suicídio.Ciências sociais e naturais prerrogam a capacidade de conhecer pormeio do uso adequado de seus paradigmas.

Essa extrema confiança na capacidade da razão de conhecer, prevere prover, cuja pretensão era a de oferecer melhores condições devida humana, bem expressa pelo movimento Iluminista, foi abaladadiante de episódios históricos tais como as guerras mundiais, osurgimento das doenças inimagináveis, a ganância excessiva por

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acúmulo de capital, gerando processos perversos de exclusão ealienação, instalação de regimes autoritários etc.

Isso alertou pensadores e cientistas sobre a possibilidade de quea razão não é onipotente para conduzir os destinos da sociedadehumana. Temos instalada uma crise das meta-narrativas, e de umasuspeita da capacidade da ciência em conduzir o progresso humano.Ainda temos como a resposta mais apropriada a que Rousseau deu àAcademia de Dijon: não, a ciência não conduz ao progresso dasartes e dos costumes.

Nesse sentido, vivemos um tempo de crise de paradigmas. Chega-seaté mesmo a confrontar sobre a pertinência em se falar atualmenteem paradigma, uma vez que este termo representa uma forma de ver omundo que está em processo de superação.Mourão, em seu artigoCientistas sabe-tudo são sempre reacionários, aponta para osurgimento do quinto paradigma da ciência, observando que quemacreditou em certezas produziu mais atraso do que progresso daciência.

Mourão observa que "as ideologias em geral retardam o progressodas ciências até serem revistas ou rejeitadas". Na ciência nada éabsoluto. A própria verdade é relativa. Uma hipótese ou umadescoberta não são jamais uma aquisição total do saber, mas sempreum fragmento do saber que impõe uma reorganização do saberanterior, com alteração do próprio paradigma anterior que permitiuque a ciência compreendesse e aceitasse. Diante dos avanços dasciências, pode-se falar, atualmente, em ciências da complexidade,ou seja, a explicação não mecanicista do comportamento dedeterminados fenômenos. Estas ciências propõe uma forma de visãounificada da natureza, onde faz pouco sentido a distinção entre oorgânico e o inorgânico, entre os seres vivos e matéria inerte emesmo entre o humano e não humano.

"As ciências da complexidade devem desembocar numa visão unificadada natureza. A evolução simbionômica - teoria geral da autoorganização e da dinâmica dos sistemas complexos - permitirátraçar vias possíveis de evolução das sociedades humanas emdireção ao nascimento do simbionte e do homem simbiótico. Asevoluções analítica, sistêmica e caótica se fundirão em umainterpretação racional e sensível ao mundo. Novas indústrias irãosurgir, tais como as bioindústrias e as ecoindústrias, no contextoda indústria de informação. Disciplinas irão surgir: biótica,neobiologia, macrobiologia, ciências das redes, ciências

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cognitivas e bioinformática. Estes serão os instrumentosmetodológicos e técnicos da revolução do terceiro milênio."

O saber filosófico

Do ponto de vista filosófico, podemos explicar o segundo paradigmaapontado por Mourão: "a revolução cartesiana" cuja proposta era ade tornar o cosmo acessível à razão. Foi a capacidade de análise ede lógica que fez com que o homem assumisse o domínio da ciência eda técnica e se transformasse no arquiteto de idéias do mundofuturo.

Esse desejo de domínio racional do mundo não era exclusivo aDescartes, apesar de ser sua melhor expressão. Temos, contrapondoàs suas elaborações, John Locke, denominado entre os empiristasinglês.

O racionalismo cartesiano tem suas bases em seus estudosmatemáticos. Descartes tende a ver o desconhecido como um termoignorado, mas que será necessariamente descoberto desde que, apartir do já conhecido, seja construída uma cadeia de razões que aele conduza. No seu livro Discurso do Método, aponta o preceitometodológico básico que é considerar como verdadeiro o que forevidente, ou seja, o que for intuído com clareza e precisão.

Esse preceito metodológico só é possível se for instituído aquiloque se chama de dúvida metodológica, isto é, apenas levando adúvida às últimas conseqüências, se pode, com mais garantia,chegar ao cerne da certeza. Exacerbando a dúvida, Descartes põe emcheque a objetividade do conhecimento científico. Contudo, restauma certeza diante de dúvida: se duvido, penso. Essa é a certezasubjetiva: eu penso. E se penso, por conseqüência da cadeia derazões, concluo que existo. Existo, porque penso. Surge, então, aprimeira certeza sobre um existente: penso, logo existo. "Sedeixasse de pensar, deixaria totalmente de existir", afirmaDescartes.

Portanto, o conhecimento é algo eminentemente subjetivo na medidaem que seu fundamento sustenta-se sobre a convicção racional e nãoimediata da realidade. Deste modo, institui a razão como únicoinstrumento capaz de compreender a realidade, ou melhor dizendo,de representar a realidade, uma vez que, para Descartes, conheceré representar internamente a realidade exterior, com as mesmasbases dicotômicas entre a substância (razão) e extensão (corpo).

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Por outro lado, temos John Locke com sua conhecida tábula rasa,metáfora que usa para explicar a condição humana 'a priori' para oconhecimento. Para ele, o fator primordial deste processo é que oconhecimento se dará, necessariamente, pelas experiência. Porisso, se diz que Locke é empirista, ou seja, a experiência é aúnica fonte de conhecimento, responsável pelas idéias da razão econtrolando, o tempo todo, o trabalho próprio da razão.

Subjetivistas e objetivistas, contudo, concordam no ponto de quehá separação, quase uma alienação, entre sujeito que conhece oobjeto que é conhecido.

Temos, portanto, o estabelecimento dos dois marcos que sustentam oinício do discurso filosófico da modernidade: objetivismo esubjetivismo. A partir daí, não foram poucos os esforços desolucionar este dualismo entre o mundo interior e exterior, menteem real, substância e extensão, sujeito e objeto.

Filósofos como Kant e Hegel elaboraram soluções filosóficas paraeste dilema. Kant, invertendo copernicamente a atenção que eradado ao real, tomando agora, como base, o sujeito e não mais ocosmo. Desta inversão surgem suas questões básicas sobre o pensar,o querer e o julgar. Hegel remete a razão à história, que integrasujeito e objeto no todo real, na razão absoluta, no espíritoabsoluto.

Heidegger em seu livro Ser e Tempo observa a mesma revisão por quepassam as ciências, constatando que isso faz parte do seu própriomovimento, uma vez que a profundidade de uma ciência se vê na suacapacidade de revisão de seus conceitos, submetendo-os,constantemente, à análise e críticas de seus fundamentos:

"O 'movimento' próprio das ciências se desenrola através darevisão mais ou menos radical e invisível para elas próprias dosconceitos fundamentais. O nível de uma ciência determina-se pelasua capacidade de sofrer uma crise em seus conceitos fundamentais.Nessas crises imanentes da ciência, vacila e se vê abalado orelacionamento das investigações positivas com as próprias coisasem si mesmas. Hoje em dia, surgem tendências em quase todas asdisciplinas no sentido de colocar as pesquisas em novosfundamentos."

Isso justifica seu projeto de rever os fundamentos sob os quais seconstrói o discurso filosófico, que, no seu caso, é a reorientaçãoda filosofia na busca dos fundamentos ontológicos do ser, temática

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abandonada por Sócrates e tratada como metafísica especulativa;Heidegger introduz categorias como de cotidianidade,mundanalidade, buscando maior concretude às duas discussões. O serhumano não pode ser pensado ausente do conceito de mundo e de suaexperiência de mundanalidade. O ser é ser aí (dasein), é ser-no-mundo.

"De início, é preciso encontrar-se (bem ou mal), encontrar-se aí esentir-se (de certa forma), antes mesmo de orientar; se Sein undZeit explora certos sentimentos em profundidade, como o medo e aangústia, não é para fazer existencialismo, mas para destacar,graças a estas experiências reveladoras, uma ligação ao real, maisfundamental que a relação sujeito-objeto; pelo conhecimento, nóscolocamos os objetos na nossa frente; o sentimento da situaçãoprece este frente-a-frente, impondo-nos um mundo."

A mesma discussão sobre angústia e medo colocam sob suspeita arazão cartesiana, uma vez que antes do eu penso, Heidegger indicaeu sou, e sou-no-mundo.

Nesse sentido, as discussões sobre o dualismo entre o sujeito eobjeto, mente e real, mente e corpo, como diz Searle, "o problemamente-corpo não é um problema mais real que o estômago-digestão".

Portanto, é com certa dificuldade que se sustentam assertivas quemantém a relação dualista entre sujeito-objeto como fundamentoontológico do ser humano.

O paradigma emergente

Conforme aponta Boaventura Santos, estamos em processo deconstituição de um novo paradigma social e científico, ou como eledesigna, o "paradigma de um conhecimento prudente para uma vidadecente".

"Com esta designação quero significar que a natureza da revoluçãocientífica que atravessamos é estruturalmente diferente da queocorreu no século XVI. Sendo uma revolução científica que ocorrenuma sociedade ela própria revolucionada pela ciência, o paradigmaa emergir dela não pode ser apenas um paradigma científico (oparadigma de um conhecimento prudente), tem que ser também umparadigma social (o paradigma de uma vida decente).

Temos, portanto, dois discursos de naturezas diferentes, odiscurso das ciências e o discurso filosófico; do mesmo modo,

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ambos opõem sujeito e objeto, ou seja, objetividade do discursocientífico e a subjetividade do discurso filosófico. Que soluçãopodemos apontar? Newton Aquiles von Zuben, indica a soluçãosugerida por Ricoeur:

"Não há linguagem comum que unificaria de modo eqüitativo odiscurso científico e o discurso filosófico. Ricoeur sugere que seos dialetize: 'É necessário entrar numa dialética cerrada entrecorpo-próprio e o corpo-objeto e instruir relações especiais entredescrição do cogito e a psicologia empirista clássica'. (...)Ricoeur defende diferentemente o ponto de vista do sujeito. Elenão elimina o ponto de vista objetivo e não reduz ao ponto devista da reflexão. Ao contrário, ele tenta dialetizá-los.

E em que nível se dá essa dialética? No nível hermenêutico, ouseja, no esforço de superar a distância que se interpõe entre oobjeto e o sujeito. Como ele diz, "Toda hermenêutica é assim,explícita ou implicitamente, compreensão de si mesmo através dodesvio da compreensão do outro".

Nesse sentido, dissolve-se os dualismos entre sujeito e objeto,conhecedor e conhecido, mental e real.

Paradigma emergente e a educação

E em que medida esta discussão afeta a educação?

Nesse contexto de surgimento de um paradigma emergente, asimplicações para educação são necessárias, uma vez que a educaçãotrata com conhecimento - e portanto, ciência - e com a postura doprofessor, profissional responsável (não único) pelo processoeducacional. A primeira questão que se põe é, de que modo aeducação trata o processo de construção do conhecimento? Sob queparadigma as ciências são tratadas nas cartilhas dos livrosdidáticos? Que contribuições a Escola Pública oferece para oprocesso de discussão e revisão dos paradigmas emergentes? Temos aconvicção de que estas questões têm implicações profundas sobre otrabalho pedagógico do professor. E por meio das discussões destesmodelos de ciência, pela análise, reflexão e crítica, a educaçãopoderá avançar em termos de pertinência e qualidade.

Ainda mais se tomarmos a educação como atividade social ligada aoconhecimento e à formação do indivíduo, temos que ela se pautasobre modelos, ou tais paradigmas. E aqui reside o problema: aeducação parece estar em descompasso diante dos processos de

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revisão dos modelos estabelecidos que dicotomizam sujeito eobjeto. Ela tem transitado de teoria para teoria, de prática paraprática, quase sempre de maneira dogmática. O paradigma de rupturaentre sujeito e objeto permanece. Basta ver a existência, ainda,entre aqueles que "pensam" e os que "fazem", entre os quepesquisam e os que ensinam. Ainda estamos relativamente distantesdas propostas que integram o ensino e extensão, ensino e pesquisa,graduação e pós-graduação, formação inicial e formação continuada.Parece-nos que o equívoco do senso comum, ao dizer que a "teoriana prática é outra" - reforçando o dualismo entre o racional e oreal, permeia a educação.

Retomando Heidegger, com sua crítica à filosofia clássica perdidaem discussões metafísicas especulativas, propõe uma reflexãoassentada na concretude da vida, com conceitos de cotidianidade;mundanalidade. Nesse sentido, a educação, no quadro da revisão dosparadigmas, deveria afinar-se na direção da construção de um fazerreflexivo e de uma reflexão engajada, onde o sujeito e objeto seencontram implicados no processo de formação.

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EPISTEMOLOGIA DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

A emergência de uma Ciência da Educação e o papel fundamental daFilosofia da Educação

 

DIOGO MARIA DE MATOS POLÓNIO*

http://www.ipv.pt/millenium/pce6_dmp.htm

Noção de Educação (o nascimento das Ciências da Educação)

É preciso reconhecer que reina grande desordem na terminologia eque as interferências e confusões entre ensino, educação epedagogia são numerosas e complexas. Não vamos, aqui, reflectirsobre esta problemática, mas apenas referir brevemente a evoluçãodo conceito de educação.

Assim sendo, a partir de 1690 altura em que se pode ler nodicionário de Antoine Furetiére que educar consiste em alimentarcrianças e cultivar o seu espírito quer por meio da ciência, querpelos bons costumes foram propostas centenas de definições deeducação.

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Vamos apontar apenas duas que ilustram perfeitamente que asdiferenças de estilo e de conteúdo entre elas conduzem àimpossibilidade de compreender as definições de educação sem terem conta um contexto muito mais lato do que o da simples relaçãoeducador-educando.

Para Durkheim, educação é a acção exercida pelas gerações adultassobre as que ainda não estão maduras para a vida social, tendo,por objectivo, suscitar na criança um determinado número deestados físicos, intelectuais e morais que a sociedade política,no seu conjunto, e o meio social , ao qual está particularmentedestinada, reclamam.

Já a Liga Internacional da Educação Nova considera a educação comoum conjunto de metodologias que visa favorecer o desenvolvimentotão completo quanto possível das aptidões de cada pessoa,simultaneamente como indivíduo e como membro de uma sociedaderegida pela solidariedade. Para este movimento, a educação éinseparável da evolução social, constituindo uma das forças que adeterminam.

Por volta dos anos sessenta, parece poder estabelecer-se umadistinção do seguinte tipo: enquanto que a educação se prende como campo da acção, a pedagogia encontra-se completamente voltadapara o campo da reflexão. É, no entanto, inviável a sua completaseparação, uma vez que a acção e o pensamento constituem duasfaces de um mesmo processo.

Esta última conclusão conduz a uma expressão aglutinadora dos doisconceitos que começa a espalhar-se: Ciências da Educação.

Esta denominação tem a sua génese no final do século passado,surgindo ainda de uma forma muito ténue, como um pressentimento.No entanto, os autores desta época hesitam, porque a noção deCiências de Educação não estava ainda elaborada, não apresentando,ainda, fundamentos científicos específicos.

Nos últimos decénios, a noção de educação alargou-se,estabelecendo relações com as disciplinas científicastradicionais. Tudo isto levará ao problema da autonomia dasCiências da Educação, como veremos mais adiante.

Perspectivas Epistemológicas Decorrentes da Crise da Ciência noSéculo XIX

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Assiste-se, no final do século XIX, ao estalar de uma criseinterna da ciência deflagrada pela crise da Matemática que surgecom as teorias de Frege, Russel, Hilbert e sobretudo de Goëdel,que estendem até ao infinito o problema da fundamentação daMatemática.

A Matemática surgia como um edifício sólido, bem adaptado ao real,mas cuja fundamentação lógica era impossível. De facto, segundoGoëdel "toda a proposição que exprima a consistência de um sistemaé precisamente uma das proposições impossiveis de provar nointerior desse sistema".

Assim sendo, dentro de uma mesma teoria matemática não é possívelprovar a sua não contradição utilizando os seus próprios meios.Há, então, que fazer apelo a uma teoria que se encontre a um nívelsuperior.

Esta crise interna da ciência, no entanto, não se justifica apenaspor aspectos intrínsecos à ciência (como a impossibilidade defundamentar o rigor e a objectividade do conhecimento científico,ou a aceitação dos limites deste conhecimento), mas também por umcontexto mais geral que tem a ver com o questionamento dasconsequências sociais da ciência.

Com efeito, a "ciência moderna", ao permitir conhecer as relaçõesentre os fenómenos e a sua aplicação na transformação do própriomundo, vai proporcionar um poder tecnológico cada vez maior aosseres humanos para intervirem sobre a natureza e o próprio Homem.

Assim, quanto maiores os avanços da ciência, maior a consciênciadas limitações do Homem e da dificuldade em controlar os avançosda ciência e da tecnologia. Deste modo, o Homem vê-se obrigado afazer opções de mudança, o que implica que se tenha consciênciados fundamentos teóricos e dos valores que orientam essa mudança.

Efectivamente, desde o final do século XIX , e especialmente nesteséculo, a ciência parece ter frustrado muitas das esperanças neladepositadas. Tal facto levou a uma ruptura de valores e ao iníciode uma crise que, em várias vertentes, se prolonga até ao momentoactual. É hoje mais do que evidente o choque entre a concepçãopositivista de ciência e a concepção actual, ou moderna, deciência.

De facto, à concepção, defendida durante grande parte do séculoXIX, de uma ciência considerada como um conhecimento objectivo

Page 298: apostila filosofia da educacao 2013

permitindo previsões rigorosas, fundada no princípio dodeterminismo, defendendo um modelo mecanicista, segundo o qual oUniverso é visto como uma máquina que trabalha segundo leisuniversais, e que demonstra um desejo de quantificar todas as leisda natureza (surgindo, assim, a Matemática como única linguagemcapaz de decifrar a realidade, para além de fazer a apologia daexistência de uma relação isométrica entre a máquina que é anatureza e a Matemática); opõe-se, claramente, a concepção modernade ciência que defende que esta não é mais do que uma forma deconhecimento que tende para a objectividade , uma vez que aciência ganha cada vez mais consciência de ser uma construção doespírito humano, logo, limitada e finita como este.

Segundo esta concepção, as leis científicas permanecemconjecturais, apresentando um carácter probabilístico. Defende-se,portanto, nesta concepção de ciência, que o objecto de estudo daciência não é independente do cientista e também que a distinçãoentre ciências naturais, ciências exactas e ciências humanas deixade fazer sentido.

Paralelamente à própria ciência, a educação viveu também umperíodo de crise, uma etapa de indecisão e até de contradições.Esta crise surge enquadrada no contexto de uma crise social gerale científica em particular.

Deste modo, a crise na educação está directamente relacionada comalterações profundas a que estão sujeitas as sociedades modernas:por um lado, mudanças no plano científico e tecnológico,demográfico e económico, sócio-cultural e político; e, por outro,mudanças a um nível filosófico que passam pelo emergir de uma novavisão do Homem e da sociedade.

Esta revolução científica leva ao abandono do paradigma entãovigente (positivista) e à sua substituição por um outro (vamoschamá-lo, com as devidas reservas, pós-modernista) implicando umaconversão súbita da comunidade investigadora acompanhada de umareestruturação da sua visão do mundo.

Apresentando-se como teoria do conhecimento por excelência e comoanálise privilegiada do acto de conhecer, a reflexãoepistemológica afigura-se como contributo imprescindível para arealização eficaz de um reenquadramento científico com a dimensãoque a renovação de paradigmas exige.

Page 299: apostila filosofia da educacao 2013

Ao permitir, de igual modo, uma análise da relação sujeito-objecto, a reflexão epistemológica assegura um papel decisivo naredefinição do objecto formal das Ciências da Educação.

Indefinição do Objecto Formal das Ciências da Educação

A escolha da expressão Ciências da Educação não consiste emrevestir de uma nova cobertura uma velha prática; não é nem oresultado de uma moda, nem a expressão de uma vã pretensão porparte dos professores. Trata-se, pelo contrário, de algo maisprofundo e que corresponde a uma realidade nova.

Nenhum projecto, nenhum estudo científico, poderá ser realizadosem o conhecimento da realidade a que ele se refere; isto é, semse conhecer o campo em que se pretende intervir.

As Ciências da Educação aparecem, portanto, como um conjunto deabordagens científicas de um real pedagógico. Aparentemente trata-se de um progresso; no entanto, esta passagem do singular(Pedagogia) ao plural (Ciências da Educação) não deixa de serequívoca e, como nota Avanzini, levanta sérias interrogações debase que afectam o seu estatuto epistemológico.

O carácter discutível e quase arbitrário das tentativas declassificação das Ciências da Educação são a melhor prova da faltade definição do seu estatuto.

A necessidade de cientificação tem levado o interventor pedagógicoa recorrer a conceitos e a métodos de ciências já constituidas,que poderão ter aplicação no campo específico da Educação. APsicologia, a Psico-sociologia e a Economia têm representado asprincipais ciências de recurso.

Ora, quando se analisa o fenómeno educativo sob o ângulo de outrasciências já constituidas, são, na verdade, os objectos específicosdessas ciências que são detectados. Portanto, a especificidade dofenómeno educativo fica totalmente diluída, tanto ao nível daprática como ao nível da formulação teórica.

Unidade e Diversidade das Ciências da Educação

Assim sendo, podemos falar numa diversidade de Ciências daEducação, que vão da Sociologia à Filosofia. Tal diversidadepermite pôr em dúvida a unidade, a autonomia e a especificidadedestas Ciências da Educação.

Page 300: apostila filosofia da educacao 2013

Todas estas disciplinas que, em princípio, não passam de uma partede uma disciplina mais geral (História da Educação pressupõe aexistência prévia da História , a nivel geral) têm, no entanto, emcomum, um objectivo muito preciso: o estudo das situações e dosfactos em educação.

Por outro lado, um estudo completo do fenómeno educativo devefazer apelo a todas as disciplinas susceptíveis de apreender estefenómeno em todas as suas dimensões e sob todos os seus aspectos.

É, portanto, em relação ao seu objecto que as Ciências da Educaçãovão encontrar o seu princípio de reagrupamento numa família decontornos bem definidos.

Torna-se, neste ponto, relevante a apresentação resumida de umaclarificação sobre o enquadramento multidisciplinar do objectoeducativo. Assim, por pluridisciplinaridade externa (segundoMialaret), ou multidisciplinaridade (como defende Adalberto Diasde Carvalho) entende-se o conjunto dos contributos das váriasdisciplinas no âmbito de uma pesquisa determinada, tratando-se deuma colaboração extremamente localizada e de alcance limitado: osmétodos e os objectos particulares das disciplinas implicadasconservam-se sem qualquer alteração.

Já no domínio da interdisciplinaridade existe uma coordenação maisacentuada de carácter contínuo, entre os vários investigadoresenvolvidos num determinado projecto. Como consequência, torna-senecessário proceder a adaptações nos métodos das váriasdisciplinas envolvidas, tornando-se o objectivo comum, um sub-objecto para todas elas.

A intradisciplinaridade permite identificar as particularizaçõesde que um objecto de uma determinada ciência é alvo, aquando dasua participação no estudo de um problema específico dando origema uma sub-disciplina que não chega a deter um objecto ou um métodoautónomo.

No âmbito da pluridisciplinaridade interna (mais uma vez, segundoMialaret), ou da transdisciplinaridade (no léxico de AdalbertoDias de Carvalho) procura-se já um método comum a todas asdisciplinas envolvidas no projecto, que procura satisfazer asexigências de um novo objecto. Realiza-se, afinal, a emergência deuma nova ciência, sem aniquilar as várias constituintes do mosaicofuncional que lhe dá origem.

Page 301: apostila filosofia da educacao 2013

Transdisciplinaridade da Ciência da Educação (o papel fundamentaldas ciências de reflexão)

A transdisciplinaridade da Ciência da Educação consagra a unidademultidimensional de uma construção praxiológica que, através dedistintas abordagens científicas e filosóficas, visa aconstituição e a prossecução de objectos educativos.

Esta transdisciplinaridade característica da Ciência da Educaçãoabre perspectivas de resolução para os impasses que têm assaltadoa problemática geral das relações entre a filosofia e as ciências.

Não podemos perder de vista o facto de que o caráctermultifacetado do objecto "educação" põe de parte qualquer absorçãode pendor reducionista, conduzindo a uma indagação científicamultidimensional.

À Filosofia da Educação cabe, deste modo, um papel de importânciatridimensional: em primeiro lugar, deverá pesquisarincessantemente o sentido dos conceitos de Homem e de sociedadeveiculados pelas diferentes correntes pedagógicas, impulsionando,desde logo, a reformulação crítica e, eventualmente, a superaçãodos mesmos.

Por outro lado, deve a Filosofia da Educação contribuir para a nãoideologização geral da investigação científica e para a passagemdas filosofias implícitas para a área das filosofias explicitas,ou seja, para a área das filosofias que, conscientemente, apostamna prossecução de um determinado conjunto de valores e de umadeterminada visão do mundo, com uma maior independência possívelem relação à ideologia política.

Finalmente, cabe à Filosofia da Educação assegurar a dialéticasujeito-objecto assumida pelos vários sectores da investigaçãocientífica contemporânea. Aliás, o carácter antropológico eepistemológico da Filosofia da Educação é originário dessa mesmadialéctica, ao mesmo tempo que a implementa, no âmbito domovimento da investigação-acção.

Será bom nunca esquecer que a Ciência da Educação não pode estarao serviço apenas de uma certa e determinada visão do mundo quelhe atrofie o seu objecto de estudo: os investigadores da Ciênciada Educação deverão procurar sempre racionalizar o paradigma,colocando-se em posição de constante abertura relativamente àintrodução de novos paradigmas.

Page 302: apostila filosofia da educacao 2013

A Ciência da Educação privilegiará, desta forma, o confronto entreparadigmas, sendo a unanimidade sobre o conceito de educaçãoimpossível de se concretizar, sem o recurso às ideologiasfilosóficas e científicas aliadas a ideologias políticas e éticas.

* Licenciado em Estudos Portugueses na Faculdade de Letras daUniversidade de Coimbra

Bibliografia:

Carvalho, Adalberto Dias de Epistemologia Das Ciências DaEducação; Edições Afrontamento; 2ª edição; 1988

Mialaret, Gaston As Ciências Da Educação; Moraes Editores; 2ªedição; 1980

Santos, Boaventura de Sousa Introdução A Uma Ciência Pós-Moderna; Edições Afrontamento; 2ª edição; 1989.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: RAÍZES HISTÓRICAS

ZANATTA, Regina Maria – UEM

SETOGUTI, Ruth Izumi – UEM

ResumoEste estudo busca as raízes históricas da Filosofia da Educação noBrasil a partir do início do século XX. Neste período sedelineiam, no discurso dos educadores, as primeiras preocupaçõescom a Filosofia da Educação e se completa com a inserção destadisciplina nos cursos de formação de professores. O objetivo destapesquisa é de caracterizar o estilo específico do filosofarbrasileiro no âmbito educacional que vai se constituindo tantopela tradição de um modelo filosófico, explicitado pelo pensamentode determinados autores de modelos clássicos da filosofiaocidental, quanto pelas condições históricas que vão seapresentando. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica cujaabrangência perpassa parte do período da República se encaminhandoaté a década de 1930. A seleção bibliográfica busca autores doperíodo que se preocuparam com o filosofar educacional e queexplicitaram seus pensamentos em obras e trabalhos específicos. Aescolha dos autores, no interior da especificidade filosófica, nãoprivilegia somente os que mais se destacaram no cenário nacional,

Page 303: apostila filosofia da educacao 2013

recai, sobretudo, naqueles que contribuíram para a discussãoeducacional, porém não tiveram seus nomes politicamenteconsagrados. Este aspecto da pesquisa anuncia-se como deimportância porque busca esclarecer um momento de efervescênciateóricoeducacional cujas posições, de forças distintas e muitasvezes contraditórias, ao constituir o cenário educacionalbrasileiro caracteriza, também, o seu filosofar. Os resultadosdesta pesquisa, sem ser conclusivos, apontam para a convergênciade aspectos positivos de correntes contraditórias que secaracterizam por um movimento eclético do pensar filosóficonacional.

Palavras-chave: Filosofia da Educação; Educação Brasileira;História da Filosofia da Educação.

Introdução

A busca das raízes históricas da Filosofia da Educação no

Brasil, a partir do início do século XX, não é tarefa de fácil

realização, entretanto é uma temática promissora que poderá

esclarecer aspectos fundamentais sobre a própria história da

educação. Este assunto pode mover-se por inúmeros caminhos

trazendo incomensurável contribuição a esta área.

O período em que se delineiam as primeiras preocupações com a

Filosofia da Educação data do final do século XIX e início do

século XX. Compõe-se de discussões e de um repensar sobre uma

filosofia direcionada para a educação concretizando-se na inserção

da disciplina Filosofia da Educação nos cursos de formação de

professores. Os textos produzidos neste período divulgam a

temática e deixam entrever um rico material de sentido filosófico

seja nas obras de literatura, de poética, de direito, de religião,

ou mesmo, nos assuntos políticos. Ainda considerando este período

destacam-se as preocupações econômicas e a sua vinculação com os

rumos que o país deve tomar diante das transformações

internacionais, principalmente, as da Europa, o que ocasiona na

Page 304: apostila filosofia da educacao 2013

arena nacional uma efervescência de ideias que ora confluem para

pontos que se assemelham, ora para pontos totalmente discordantes

sobre o desenvolvimento nacional. A educação, na trajetória dos

acontecimentos, se pronuncia na voz dos educadores que procuram,

também, uma forma de transformação que possa acompanhar os novos

tempos.

Na busca de conhecer as expressões e as proposições

educativas, transparentes nos discursos dos educadores, tanto na

tentativa de delinear diferentes caminhos para a educação quanto

ao desejar prosseguir no caminho que, até então, educacionalmente

estava traçado, encontra-se uma filosofia de inspiração educativa.

Analisando, pois, estas expressões que, na maioria, são de caráter

argumentativo é possível encontrar vestígios de uma filosofia de

estilo nacional ainda que mesclada às interferências

internacionais.

Assim, nesta perspectiva, o estilo do filosofar brasileiro no

âmbito educacional se caracteriza e se constitui sob a ótica de

dois segmentos: o tradicional que incorpora um modelo filosófico

influenciado pelo pensamento de determinados autores de modelos

clássicos da filosofia ocidental e o progressista que reconhece as

condições históricas que estão se apresentando e que requer uma

educação inovadora. Esta análise se anuncia como relevante uma vez

que pode dar clareza ao momento de efervescência teórico

educacional do período citado, descrevendo posições de forças

distintas e, muitas vezes, contraditórias, que constituem o

cenário educacional brasileiro e que, por sua vez, caracteriza a

primazia de um determinado filosofar.

Desenvolvimento

Page 305: apostila filosofia da educacao 2013

As indagações sobre a origem ou o delinear da história da

filosofia da Educação é, em si, um exercício de reflexão

filosófica educacional. Esta reflexão do filosofar no âmbito

nacional encontra nas referências sobre a influência teórica que a

fundamenta, características de modelos filosóficos ocidentais,

vinculados às suas tradições e tendências. Tendo em vista este

pressuposto básico não se pode deixar de indagar inicialmente

sobre o significado do que é a Filosofia da Educação, para tanto

se faz necessário situar a gênese histórica da filosofia. Sem

aprofundar este esclarecimento, pode-se afirmar que é no

desenvolvimento do mundo grego, no momento crítico daquela

dinâmica social quando a discussão se pronuncia e põe em foco um

movimento de renovação da cultura e da política na Pólis, é que a

filosofia se interpõe como reflexão sobre a vida dos homens. Os

discursos pronunciados a favor ou contra a democracia ou a

aristocracia, permitiam revelar a desordem intelectual e social na

expressão demagógica que era fortalecida pelos que sabiam falar

bem. Sócrates torna-se conhecido como o primeiro dos educadores

com seu método inquiridor a “maiêutica”, que no sentido comum é

chamado de parto das idéias, e se posiciona contrário aos

ensinamentos sofísticos. Os sofistas, os primeiros mestres que

exigiam pagamento pelos seus ensinamentos, afloravam para instruir

os cidadãos a se defenderem com argumentos convincentes sobre as

demandas jurídicas em processos inúmeros na Pólis. Estes mestres,

os sofistas, afirmavam-se naquele contexto como profissionais que

ensinavam o saber da oratória e da retórica, conteúdo que ganhava

status educativo e que se consolidava como forma explícita de

sobrevivência.

Este contexto, assim apresentado, em que a filosofia vai se

pronunciando como reflexão crítica sobre a vida dos cidadãos da

Page 306: apostila filosofia da educacao 2013

Polis é registrado por Aristófanes em sua sátira As Vespas. Esta

peça teatral era apresentada ao público e fazia menção aos

processos que se interpunham de cidadão para cidadão. As defesas

ou acusações pronunciadas e julgadas publicamente tinham na

argumentação e na contra argumentação as ferramentas necessárias

aos cidadãos para “vencer” o processo. Neste sentido, naquele

momento, era nas discussões, no seu desenvolvimento argumentativo

e na contra argumentação, que se encontrava o interesse e a

motivação para a reflexão filosófica. O contexto vivido por Platão

permitiu-lhe definir, por meio destas argumentações reflexivas, a

essência da filosofia como a que poderia auxiliar o homem na sua

formação. Portanto, desde a antiguidade, com os primeiros

filósofos gregos, a filosofia apresentou-se como elemento

reflexivo, crítico e argumentativo que, teoricamente e ao mesmo

tempo praticamente, permitia o encaminhamento de uma pedagogia

para o viver.

Esta maneira de refletir filosoficamente sobre o homem na sua

vida prática e sobre o mundo, perdurou até o século XVIII, em

circunstâncias e nuances que diferiam daquelas, mas com estrutura

argumentativa e retórica semelhantes. Desde então, tomando como

base a influência iluminista, em que a razão e a determinação do

homem se fortalecem é que a filosofia e a educação encontram uma

relação explícita de proximidade. E, neste mesmo século, é que a

pedagogia vai adquirindo consistência e é assumida como uma

disciplina com status de ciência. Nesta passagem, em que o

estatuto científico da pedagogia é reconhecido, definindo o seu

significado e a sua função, emergem questões pertinentes à relação

existente entre a Pedagogia, a Filosofia e a Educação. Os

questionamentos sobre esta relação, ao elucidar melhor a posição

da pedagogia, provoca seu distanciamento da filosofia. Assim, não

Page 307: apostila filosofia da educacao 2013

se pode negar que na íntima correlação existente entre as áreas:

da educação, da pedagogia e da filosofia, é que se configurou e se

confirmou a sistematização da pedagogia como ciência.

Tendo em vista este quadro, pode-se afirmar que é diante da

base histórica da modernidade que a pedagogia assume uma nova

dimensão e a filosofia se apresenta como reflexão crítica teórica

dos processos educacionais buscando esclarecer os pressupostos que

os fundamentam e se estes pressupostos estariam ou não em

consonância com as necessidades do homem, da sociedade, do mundo.

Esta mesma discussão fazia parte do cenário europeu desde o

início do século XVIII e se fortaleceu no século XIX, quando os

trabalhos de Rousseau, de Kant, de Hegel, de William James e mais

tarde de Dewey, entre outros, foram elaborados no confronto dos

pressupostos teóricos do racionalismo científico e da metafísica.

Os filósofos buscando dar um novo sentido à filosofia apresentam

em suas obras concepções sobre a sociedade, a política, a

educação, possibilitando esclarecer a correlação filosófica

inerente a estas áreas. As posições daí destacadas levariam à

busca e à produção de um sistema filosófico, como os apresentados

pelos filósofos acima citados e que no seu interior ofereciam um

encaminhamento educativo de formação para o homem moderno. Neste

entremeio, uma grande produção filosófica foi gerada nos países da

Europa que tinha como finalidade assegurar um sistema filosófico

educacional. A preocupação por um sistema filosófico tornava

inevitável a instauração de uma batalha teórica entre as correntes

da filosofia essencialista e as da existencialista. Entre sistemas

de valores metafísicos e valores científicos. Entre concepções

tradicionais e concepções modernas.

No surgimento de novas propostas de análise, de crítica e de

reflexão filosófica, Kant (1724-1804) tendo em vista o idealismo

Page 308: apostila filosofia da educacao 2013

alemão formula sua concepção colocando na base dos seus

pressupostos teóricos a constituição do homem pela educação na sua

razão prática. O conhecimento acerca do agir e do fazer humano em

relação aos seus semelhantes, era fundamental na sua obra

filosófica sobre o problema do conhecimento empírico (a

posteriori) e do conhecimento puro (a priori) em “A crítica da

razão pura” (1781) e sobre o problema da moral em “A crítica da

razão prática” (1788). As idéias de Kant, de Hegel e do

evolucionismo deslumbravam os educadores, principalmente os de

formação filosófica de inclinação católica “que passaram a desejar

uma feição mais moderna e mais adaptada ao homem moderno, e que

procuravam revesti-lo com as roupagens daquelas idéias” (ALVES,

1979). Esta maneira interpretativa retirada do conceito Kantiano,

que acomodava a fé às idéias dos tempos modernos e era aplicada à

educação foi chamada de modernismo e, ao se difundir influenciando

não só os educadores mas todo o corpo eclesiástico, teve como

resposta A Encíclica Pascendi, de 1907, definindo o modernismo

como um “amontoado de todas as heresias”. A partir da conclusão

analítica do Papa Pio X, a recomendação para refutar os erros

modernistas estava na adoção da filosofia de São Tomás. A Igreja

só admitia como verdadeira a filosofia que respeitasse o valor do

conhecimento humano sob os princípios da Metafísica, como os: da

razão suficiente, da causalidade, da finalidade e da capacidade

intelectual de se chegar à verdade certa e imutável. Estes

princípios filosóficos, considerados indispensáveis pela Igreja e

recomendados como orientação para os católicos, eram defendidos

pela filosofia de Santo Agostinho, de S. Boaventura, de Scoto e de

Suarez. O mais apreciado e indicado pela Igreja eram os

pressupostos defendidos por São Tomás de Aquino e deveriam nortear

os estudos das Universidades Católicas e dos Seminários (MOURA,

Page 309: apostila filosofia da educacao 2013

1978, p.18). Em vista disto, a filosofia kantiana defendida pelos

educadores católicos modernos passa a mesclar-se com a filosofia

tomista. Assim considerando, a retomada da tradição católica já

não se impunha com o vigor que lhe era comum, os ventos da

modernidade a sobrepujavam e já não poderiam ser desviados.

Outros pensadores manifestaram suas concepções no mesmo

século, XVIII –XIX, que repercutiram sobremaneira no século

seguinte. Fichet, por sua vez, expôs a sua tese correlacionando a

educação e a política na formação do homem e destacou o apoio que

a educação deveria necessariamente buscar na filosofia, quando nos

seus pressupostos reforçava a idéia de que um sistema filosófico

contém em si uma teoria educacional.

William James se expressava considerando que “todos possuem

uma filosofia, ou seja, o sentido mais ou menos obscuro ou lúcido

que temos do que é a vida honesta e profundamente o que significa

para cada um de nós”. Este conceito poderia ser desdobrado em

várias versões e revelar a relação íntima entre a filosofia e a

educação, a filosofia e a vida.

No interior destas discussões está, portanto, o encaminhamento

filosófico- educacional do homem que tem no modelo de um sistema

capitalista a sua atividade prática e a configuração de toda a

dinâmica das relações sociais.

Tendo em vista o cenário das discussões internacionais,

preanunciava-se nas discussões nacionais, uma reforma educacional

em que educadores assumiam posições políticas, concepções e

correntes teóricas que se alinhavam e ajustavam-se ou

distanciavam-se. Neste entremeio a Filosofia e a História da

Educação, no Brasil, nas décadas de 20 e de 30, ao afirmarem-se

nos currículos das instituições de formação docente, assumiram

dupla função: quando preservavam os fundamentos morais, apoiados

Page 310: apostila filosofia da educacao 2013

nos princípios da metafísica, da teologia cristã e quando seus

conteúdos eram remodelados pelas novas tendências, apoiados nos

princípios e preceitos científicos veiculados pela escola nova.

A dupla tarefa destas disciplinas, no interior das

instituições, sedimenta-se tendo os pressupostos filosóficos dos

pensadores antes citados, Kant, Rousseau, William James e Dewey e,

ainda, pela filosofia Tomista. Kant, influenciado por Rousseau e

por Hume, tinha seus fundamentos apoiados na conduta do homem no

seu agir e fazer como denunciantes dos problemas morais, e

anunciava a autonomia e a liberdade do homem ao alcançar o

“esclarecimento”, momento em que deixava a sua ignorância e

desvencilhava-se da necessidade da direção de outro homem e ficava

livre do seu aprisionamento à “menoridade”. Rousseau, por sua vez,

revelava na sua obra Emílio ou Da Educação, a importância de

conhecer o desenvolvimento da criança, de reconhecer a criança

como criança e de permitir a sua inserção no centro do processo

educativo. Este educador destacou com primazia, nos seus

pressupostos filosóficos, a liberdade da criança para aquisição do

conhecimento, a experimentação que era valorizada por meio dos

sentidos sobrepujando a teorização, o falar erudito ou o discurso

retórico. Ainda, acrescenta-se a influência que a filosofia de

William James exerceu nos educadores, enunciada na obra Princípios

da Psicologia, demarcando a prática educativa das décadas citadas,

ao expor seus princípios acerca do pensamento, da consciência

pessoal e do respeito ao que se caracteriza como a individualidade

do pensar. Dewey (1954), seguidor de William James, aborda uma

filosofia pragmática inspirada pelos princípios democráticos da

liberdade, pelo desenvolvimento para uma prática de vida cada vez

melhor. Estas concepções favoráveis à filosofia de uma educação

voltada para a modernidade eram entrelaçadas pelos pressupostos

Page 311: apostila filosofia da educacao 2013

que seguiam os caminhos da moral religiosa de forte influência da

filosofia Tomista.

O convívio entre concepções contraditórias, assumidas pelos

educadores integrantes do quadro do magistério no interior das

instituições, tanto se conflitavam quanto se interligavam. No

esteio dos pressupostos favoráveis e atinentes à formação do homem

moderno e de pressupostos determinados por características

tradicionais na tentativa de sua conservação, a função da

Filosofia da Educação adquiriu duplo sentido. Como disciplina

formativa, ao preservar conceitos morais, impunha de um lado, a

Filosofia metafísica inspirada nos pressupostos desenvolvidos por

Tomas de Aquino, que se pautava pelo respeito à autoridade e à

hierarquia; de outro lado, não se distanciava da Filosofia de Kant

ao valorizar o aspecto moral e que nos seus primeiros ensaios

filosóficos tinha a metafísica como objeto de estudo. Esta

filosofia, kantiana, foi, mais tarde, repudiada pela Igreja,

conforme observação anterior, no entanto, não deixou de ser

apreciada pelos católicos. Como disciplina que buscava nos

preceitos da modernidade os seus fundamentos para a formação do

homem, desenvolvia, de um lado, uma metodologia que era

recomendada pela Escola Nova e apoiava-se em uma filosofia

progressista de caráter liberal; de outro lado, buscava respaldo

nos princípios da psicologia como alicerce para o conhecimento do

desenvolvimento da aprendizagem e da experimentação como a base

prática do conteúdo. Neste caso a liberdade da criança era

fundamental como precedente da autonomia e a tornava como figura

central do processo educativo.

A Escola Nova, por um lado, atendia aos interesses políticos

da modernização, defendia uma metodologia inspirada na atualização

e na modernização do ensino. A racionalização e o cientificismo

Page 312: apostila filosofia da educacao 2013

escolar eram valorizados pelos representantes desta escola como

arautos das novas possibilidades de conquista e de desenvolvimento

para a humanidade. Os representantes deste movimento progressista

eram os pioneiros, os renovadores da educação. Esta Escola que se

dizia de base inovadora, confrontava-se, por outro lado, com o

grupo dos católicos conservadores, que lutavam contra o laicismo,

contra a irrestrita liberdade da criança. Esta luta se pronunciava

como consequência da laicização que vinha se operando com

intensidade desde o século XIX, no Ocidente. Tinha suas raízes no

humanismo do período do Renascimento e ganhou força com a

Revolução Luterana no século XVI. Estes movimentos embalados pela

nova forma de interpretação do homem como autor do seu destino,

fazia com que a Igreja perdesse a supremacia doutrinária, política

e social, exercida desde os tempos medievais (MOURA, 1978, p.24).

A luta dos educadores do grupo dos católicos se fazia frente

às ameaças da estrutura monárquica da Igreja, o que impunha forte

resistência às iniciativas democráticas, tanto no plano nacional

como no internacional. Os católicos adotaram uma postura política

para fazer valer “os princípios básicos da ordem social cristã”

como eixo orientador da Constituição política do país. As

reivindicações políticas aclamadas para serem incluídas na

Constituição se estruturavam tendo em vista: o reconhecimento

explícito do catolicismo como a religião do povo brasileiro; a

manutenção da indissolubilidade do matrimônio e reconhecimento

oficial do casamento religioso; a inserção do ensino religioso

católico nas escolas primárias e nas secundárias oficiais. Esta

luta política da Igreja pela incorporação destes princípios à

futura Constituição mobilizou nacionalmente a hierarquia católica,

principalmente, no ano de 1931, vésperas da promulgação da

Constituição brasileira (HORTA, 1994, p.99).

Page 313: apostila filosofia da educacao 2013

Este cenário político influenciava as discussões sobre a

reforma educacional, principalmente no que dizia respeito à

identificação de uma filosofia educacional. Esta batalha teórica,

ideológica, política que perpassava o campo educacional, foi aos

poucos se atenuando, à medida que os conservadores conquistaram a

possibilidade de atuação religiosa na educação, por meio de

concessões na legislação nacional. Neste mesmo sentido, o duplo

papel que a filosofia da educação enfrentava nos primórdios da sua

implantação, no currículo escolar, foi aos poucos diluindo suas

fronteiras, principalmente, a partir da década de 40, quando se

efetivou parte das reivindicações dos católicos

constitucionalmente. A partir desta garantia constitucional os

católicos assumiram posturas liberais e progressistas.

Este aspecto é evidenciado nas obras de Amoroso Lima que

defendeu uma doutrina política que valorizava o humanismo cristão.

Esta doutrina serviria para evitar os excessos do liberalismo e do

socialismo, procurando encontrar o equilíbrio entre os extremos

(CAMPOS, 1998, p.109). Esta postura não se apresentava contrária

aos fundamentos liberais, mas os articulava com os tradicionais, o

que impunha uma base harmônica social. Para tanto ao estudar e

refletir sobre a filosofia de John Dewey, antes rejeitada pelos

católicos e defendida pela oposição, Amoroso Lima produziu um

artigo sobre “Os valores na Filosofia de John Dewey”. Neste artigo

o autor afirmava que esta filosofia deveria ser considerada

naquilo que ela apresentava de positivo e valioso e não apenas na

adoção de um naturalismo (CAMPOS,1998, p.136). A oposição já não

se fazia de maneira radical, tornava-se conciliatória, aproximava

a dialética do pensamento tradicional com o liberal. Demonstrava

um esforço de síntese entre as duas posições. Neste sentido, as

formulações dos teóricos, frente ao modo de produção capitalista e

Page 314: apostila filosofia da educacao 2013

desenvolvimentista, é que se oportuniza às disciplinas da História

da Educação e da Filosofia da Educação tomarem lugar no espaço dos

cursos de formação de professores, no início do século XX, no

Brasil. Estas disciplinas foram originariamente valorizadas no

currículo como as que atribuíam à educação um caráter formativo e

foram dispostas em um só bloco denominado como Filosofia e

História da Educação. Porém, era a Filosofia que possuía a

primazia no quadro das discussões e era ela que servia de suporte

à História da Educação.

A História da Educação retirava da filosofia a sua temática,

os seus conteúdos e as suas abordagens e era considerada como uma

das especializações que a Filosofia havia criado. A função da

disciplina Filosofia e da História da Educação, no programa

curricular, consistia em dar um sentido moral à educação. Esta

moral era acolhida dos valores absolutos e transcendentais, que a

humanidade até então havia alcançado e esbarrava nos novos

conceitos que tinha sustentação nos problemas sociais gerados pelo

mundo capitalista, e que se concretizavam nos princípios liberais

inspirados por Kant, Rousseau, James. E era na definição de uma

Filosofia da Educação, mesclada por discussões entre correntes

contraditórias, que se encontrava o ponto de partida para a

concretização da finalidade da educação, ou seja, da educação do

homem moderno.

No Brasil, ao final do século XIX e início do século XX,

momento em que se discutia o rumo político-econômico da República

e a educação como ato conseqüente para o seu desenvolvimento, a

filosofia da educação passa a ter relevância acentuada como

disciplina que possibilita o pensamento crítico-reflexivo sobre os

problemas sociais e sobre os encaminhamentos educacionais, como

forma de conscientização e direção para condutas e comportamentos

Page 315: apostila filosofia da educacao 2013

que melhor se adequavam àquela sociedade. No interior das

discussões e em meio às proposições filosóficas do tomismo e do

modernismo, acentua-se o percurso da Filosofia da Educação nas

escolas de formação de professores, caracterizada pela posição que

diferentes educadores assumiam, pelo caminho da filosofia

tradicional, conservadora ou pelo caminho da filosofia moderna,

progressista e liberal. A implantação de uma reforma que se

caracterizava pela Escola Nova, era atravessada por estas

posturas. Diante deste cenário o pensamento filosófico nacional,

nas décadas posteriores, vai se compondo e adquirindo

características próprias de um estado conciliatório, de aparência

eclética ao tirar o que havia de “bom” e de “melhor” das

concepções dos pensadores que influenciavam a ordem mundial para a

concretização das características de um homem moderno.

As transformações econômicas causadas pela aceleração do modo

de produção capitalista e o crescente desenvolvimento urbano,

criaram a necessidade da expansão educacional, antes ofertada

somente às camadas sociais mais elitizadas. Os segmentos sociais

de classe média passam a requerer uma educação secundária e as

classes populares solicitam uma educação elementar para os filhos.

A Igreja, até então, controlava o ensino secundário sem preocupar-

se com o ensino primário. A expansão deste segmento educativo,

acelerava-se nas últimas décadas, atraindo a atenção da Igreja

para conquistar a introdução do ensino religioso nas escolas

públicas. Neste sentido, compreende-se que a Igreja passa a lutar

por este espaço para garantir sua influência sobre as classes

populares (HORTA, 1994, p.101 ).

Diante deste cenário nacional, as discussões que perpassavam a

Europa eram pela constituição de uma escola moderna que atendesse

às necessidades do capital. As polêmicas diziam respeito à

Page 316: apostila filosofia da educacao 2013

filosofia que deveria nortear a finalidade educativa, a formação

do homem moderno. Esta conjuntura influencia a discussão nacional

que politicamente se via atravessada por interesses diferentes. De

um lado encontrava-se a defesa do ensino religioso, ou seja, da

Filosofia tradicional que assegurava os princípios da religião

cristã entremeada pelo interesse político de expansão e de

garantia do ensino religioso na educação como portador da

segurança da moral do cidadão, afirmativa completada por Campos de

que a Igreja era uma força moral. O conceito de filosofia, no seu

aspecto tradicional, no interior da escola tinha como fim

essencial “não só instruir, mas educar, não só habilitar técnicos

senão também formar homens que, na vida doméstica, profissional e

cívica sejam cumpridores fiéis de todos os seus deveres” (HORTA,

1994, p.101). Esta política de educação deveria excluir as

influências materialistas; garantir à escola a liberdade de

ensinar a religião e que o ensino se baseasse em uma concepção

espiritualista da vida, ou seja, que adotasse uma filosofia

educacional com base na metafísica.

Ao discutir, em 1931, a ação pedagógica da Igreja para atingir

as classes mais populares na educação primária, os educadores

salientavam a sua importância para a garantia da conduta moral e

intelectual da sociedade (HORTA, 1994, p.100). A educação das

massas adquiriu importância ao prenunciar a possibilidade de

expansão do universo de ação da Igreja, e o discurso adotado

popularmente acenava para a extensão da educação, que já vinha

sendo realizada no aspecto espiritual e cultural das elites, para

outro segmento social, o popular. O sucesso desta luta política

permitiria a aproximação da Igreja ao Estado e à legislação.

De outro lado encontrava-se a defesa de uma Filosofia de

formação para a vida do homem como cidadão de uma sociedade que se

Page 317: apostila filosofia da educacao 2013

desejava moderna. Seguia a influência internacional a favor da

democracia, pressionada pelos direitos humanos, por uma política

democrática e por uma visão liberal do mundo e, ao mesmo tempo,

fortalecia sua influência na disputa por um modelo de Filosofia

que norteasse o ensino, alicerce para o futuro cidadão.

Assim, as duas concepções se interpunham no mesmo espaço, a

tradicional que estaria conservando o espírito da religião cristã,

explicitada pelos conservadores e proclamada como a religião do

povo, da grande maioria dos brasileiros e a filosofia moderna mais

condizente com os novos tempos em que a modernização do país era

uma necessidade diante do impacto econômico que vinha sofrendo ao

depender da indústria internacional. Neste sentido, a posição

filosófica para uma educação liberal, democrática, progressista,

cujos pressupostos estavam voltados para a educação do homem

moderno, se fazia presente nos países da Europa e nos E.E.U.U.

desde o início do século quando a pauta nas discussões político-

educacional era a democracia. No Brasil, esta preocupação com a

democracia não era acentuada uma vez que os interesses políticos

se manifestavam com forte repercussão na conservação dos

princípios estabelecidos pela moral cristã. Esbarrava no aspecto

moral que acompanhava a ciência da modernidade e no próprio

conceito educacional impregnado da moral tradicional. Assim, o

pensamento filosófico, durante a Primeira República, impregnado da

teologia cristã e influenciado por raízes religiosas ou

metafísicas, tinha sua coordenada teórica sob os auspícios de uma

visão predominantemente essencialista.

Neste panorama, os autores se preocupavam com o fim da

educação, ou seja, com os fundamentos filosóficos educacionais que

poderiam dar suporte para a escolarização do homem que se

pretendia moderno. A composição de uma filosofia educacional

Page 318: apostila filosofia da educacao 2013

comprometida com a modernidade, definida pelo educador liberal

Teixeira (1975, p.166) “busca auxiliar a estabelecer o mais

compreensivo método de julgar, com integridade e coerência, os

valores reais da vida atual, para o efeito de dirigi-la para uma

vida cada vez melhor e mais rica”, diferia das definições de

educadores e escritores católicos que, também, defendiam o novo

regime como Jonathas Serrano e Felício dos Santos (MOURA, 1978,

p.65). Felício dos Santos defendia a filosofia kantiana e definiu

a filosofia como sendo “a ciência que completa a unidade do saber”

afirmando que o pensar filosófico deve ser independente dos

interesses apologéticos. Apresentou a doutrina kantiana das duas

razões e da preeminência da razão prática sobre a razão pura,

afirmando a importância destas teses não só no aspecto filosófico,

mas também no religioso uma vez que o conceito de fé religiosa do

modernismo derivava do conceito da fé que Kant punha na razão

prática (MOURA, 1978, p. 71). Serrano, como adepto dos fundamentos

da Escola Nova, defendia os aspectos metodológicos da prática, da

experimentação e da inovação dos conteúdos sem deixar de

considerar os aspectos filosóficos da religião cristã. Participou

ativamente do grupo dos pioneiros, ajudou a redigir o manifesto,

mas não teve força suficiente para impedir que o laicismo e a

liberdade da criança deixassem de transparecer de forma

predominante.

Enquanto, poucos católicos se manifestavam a favor da Escola

Nova, muitos radicalizavam suas posições tais como Everaldo

Backeuser e Alceu Amoroso Lima, e outros que procuravam impedir,

pelo menos em parte, que as idéias do pedagogo e discípulo de

Dewey, Anísio Teixeira, dominassem a educação brasileira. Alceu

Amoroso Lima mais tarde reviu e reformulou sua posição a favor da

Escola Nova.

Page 319: apostila filosofia da educacao 2013

A Igreja, neste período, percebendo que suas estratégias não

predominavam sobre os ares do modernismo e que a filosofia cristã

se impregnava da filosofia liberal, publicou a nova Carta do Papa

Pio XII, reafirmando a validez “do método e da doutrina de S.

Tomás” e lastimou que:

“hoje, a filosofia, confirmada e admitida pela Igreja, sejaobjeto de desprezo da parte de alguns, a ponto de,imprudentemente, declará-la antiquada na forma racionalistado processo do pensamento. Vão espalhando que esta nossafilosofia defende erroneamente a opinião que possa existiruma metafísica verdadeira de modo absoluto, quando, pelocontrário, sustentam que as verdades, especialmente astranscendentes, não podem ser expressadas maisconvenientemente que por meio de doutrinas divergentes que secontemplam entre si, ainda que sejam em certo modo entre siopostas... objetam, ademais, que a filosofia perene não ésenão a filosofia das essências imutáveis, ao passo que umamentalidade moderna se deve interessar é pela existência decada indivíduo e da vida sempre em devir” (MOURA, 1978,p.97).

As demandas do modernismo impediam a ação da Igreja tal como

havia se apresentado no passado, a sua remodelação era inevitável

uma vez que os seus seguidores já não respondiam com tanta

convicção à filosofia correspondente. Em vista disto os discursos

sobre a reforma educacional na sua metodologia e muito da sua

filosofia foram reconsiderados pelos radicais dogmáticos.

Nesta perspectiva podemos afirmar que a Filosofia da Educação

que teve seu nascimento no Brasil ao final do século XIX, foi se

configurando com aspectos religiosos e democráticos, ou seja, com

aspectos de uma filosofia tradicional e uma filosofia

progressista, pragmática.

Conclusões

Page 320: apostila filosofia da educacao 2013

Tendo em vista a análise, anteriormente explicitada,

compreende-se que as raízes da filosofia nacional não podem ser

demonstradas sem a interferência internacional e, ao mesmo tempo

sem considerar o contexto expresso nacionalmente. A filosofia

tradicional, que procura conservar os preceitos da religião

cristã, e a filosofia progressista ou liberal, que procura

desenvolver a formação para um homem moderno, de princípios

democráticos, de responsabilidade sobre as suas ações, encontram-

se explícitas nos discursos sob pontos de vista de concepções

contraditórias.

Estas posições expostas durante o final do século XIX e início

do XX, principalmente na década de 20, apresentam-se radicalizadas

e controvertidas. No entanto, na década de 30, posterior à

promulgação da constituição atenuam-se as divergências. A

explicação deste fato transparece na luta e na conquista de parte

das reivindicações da Igreja quando da consolidação legalizada do

ensino religioso nas escolas públicas. Segmento social que

asseguraria a hegemonia da religião cristã no seio popular e, ao

mesmo tempo, a sua participação nas decisões do Estado, do qual se

encontrava afastada.

Se considerarmos a finalidade da filosofia como uma disciplina

que procura educar “os homens de um modo sensato e esclarecido”

para organização de sua própria vida e ao mesmo tempo refletir

sobre o que ela deverá ser, temos aí argumentos necessários para o

delinear de uma Filosofia da Educação ou considerar

filosoficamente a educação como de caráter formativo (KNELLER,

1970, p.12). O caráter formativo age sobremaneira na consciência,

no comportamento ou conduta que faz do indivíduo um homem desta

sociedade e está impregnado de uma transmissão cultural de

conhecimentos, de valores e de ideais. Estas manifestações não só

Page 321: apostila filosofia da educacao 2013

são encontradas na própria disciplina como estão expressas na

literatura e nos discursos de diversos segmentos sociais.

Considerando a Filosofia da Educação brasileira nas suas

raízes pode-se afirmar que ela se apresenta sob aspectos de

interferência internacional, quando os autores clássicos (de

tradição teológica ou defensores dos aspectos tradicionais) e os

autores contemporâneos contrapõem as suas concepções; e, por outro

lado, quando se apresenta sob aspectos coordenados pelo cenário

nacional, ao manifestar as contraposições e as aproximações entre

concepções tradicionais e progressistas, em momentos diferentes.

Neste cenário temos a elevação de um ecletismo que aproxima o que

é considerado de utilidade, de uma concepção e de outra, mesmo

quando opostas, como recomendado por Dewey. Este é o estilo

nacional que vai se forjando na Filosofia da Educação nas

primeiras décadas do século XX.

REFERÊNCIAS

ALVES, M. M. A Igreja e a política no Brasil. São Paulo:

Brasiliense, 1979.

CAMPOS, F. A. Tomismo no Brasil. São Paulo: Paulus, 1998.

DEWEY. Vida e educação. 4ª. ed. São Paulo : Edições Melhoramentos,

1954.

HORTA, J.S.B. O hino, o sermão e a ordem do dia: regime

autoritário e a educação no

Brasil (1930-1945). Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994.

KNELLER, George F. Introdução à Filosofia da Educação. 3ª.ed.

Zahar, 1970.

MOURA, O. As idéias católicas no Brasil: direções do pensamento

católico no Brasil no

século XX. São Paulo:Convívio, 1978.

Page 322: apostila filosofia da educacao 2013

TEIXEIRA, Anísio. Pequena introdução à Filosofia da Educação.

7ª.ed. São Paulo:

Nacional,1975.

PAULO FREIRE: POR UMA EDUCAÇÃO LIBERTADORA E HUMANISTA

LINHARES, Luciano Lempek46 – PUCPRResumo

O presente artigo tem por objetivo refletir sobre a educaçãolibertadora, humanista e ao mesmo tempo conscientizadora de PauloFreire nos Círculos de Cultura - uma proposta não escolar quepretendeu alfabetizar e, ao mesmo tempo, conscientizar/ politizaros homens pelo diálogo, algo parecido com a maiêutica socrática.Os Círculos de Cultura surgem da necessidade de se superar as maisdiversas situações de opressão que vive o oprimido. Para Freire, alibertação do oprimido, tão necessária, será possível pelaeducação. Não a educação “bancária”, em que o saber é uma doaçãodos que se julgam sábios aos que eles julgam nada saber, que visadefender os interesses do opressor, que trata os homens como seresvazios, desfigurados, dependentes; mas a educaçãoproblematizadora. A educação problematizadora, libertadora,promovida nos Círculos de Cultura por meio de perguntas erespostas (diálogo), se afirma na relação dialógica entreeducador-educando. Para Paulo Freire, o Círculo de Culturaconstituía-se numa estratégia da educação libertadora. Nele nãohaveria lugar para o professor bancário, que tudo sabe, nem paraum aluno passivo, que nada sabe. O Círculo de Cultura, portanto, éum lugar onde todos têm a palavra, onde todos lêem e escrevem omundo.É um espaço de trabalho, pesquisa, exposição de práticas,dinâmicas, vivências que possibilitam a construção coletiva doconhecimento. Nos chamados Círculos de Cultura, os analfabetosaprendiam e ensinavam a interpretar o mundo e a descodificá-lo, apartir da palavra e temas geradores de significância para a suarealidade, idéias estas presentes, principalmente, nas obras“Pedagogia do Oprimido” e “Educação como prática da Liberdade”.

Palavras-chave: Temas geradores; Educação; Círculo de Cultura;Libertação.

Introdução46 Mestre em Educação pela PUCPR.

Page 323: apostila filosofia da educacao 2013

Freire, mais que um educador, um pensador comprometido com a vida,

com a existência, pensar em como buscar a liberdade humana a qual

está presa, amarrada à consciência da classe dominante. Essa

classe não pode lutar pela libertação dos trabalhadores por que

seria propor o fim de sua hegemonia. Cabe então ao trabalhador, ao

oprimido, lutar pela sua libertação e, conseqüentemente a do

patrão, a do opressor: “Hegelianamente,diríamos: a verdade do

opressor reside na consciência do oprimido”. (FIORI in FREIRE,

1982, p. 04).

Para Freire, a libertação do homem oprimido, tão necessária a

si e ao opressor, será possível mediante uma nova concepção de

educação: a educação libertadora, aquela que vai remar na

contramão da dominação. Freire propõe abandonar a educação

bancária, a qual transforma os homens em “vasilhas”, em

“recipientes”, a serem “preenchidos” pelos que julgam educar, pois

acredita que essa educação defende os interesses do opressor, que

trata os homens como seres vazios, desfigurados, dependentes. Ao

invés disso, buscou defender uma educação dos homens por meio da

conscientização, da desalienação e da problematização.

Para Freire, uma educação popular e verdadeiramente

libertadora, se constrói a partir de uma educação

problematizadora, alicerçada em perguntas provocadoras de novas

respostas, no diálogo crítico, libertador, na tomada de

consciência de sua condição existencial.

Tal investigação Freire chamou de “universo temático”, um

conjunto de “temas geradores47” sobre os níveis de percepção da

47 Segundo Freire “esses temas se chamam geradores porque, qualquer que sejaa natureza de sua compreensão como a ação por eles provocada, contêm em si apossibilidade de desdobrar-se em outros tantos temas que, por sua vez, provocamnovas tarefas que devem ser cumpridas”. (FREIRE, 1982, p. 110).

Page 324: apostila filosofia da educacao 2013

realidade do oprimido e de sua visão de mundo sobre as relações

homens-mundo e homens-homens para uma posterior discussão de

criação e recriação.

Os Círculos de Cultura

Os temas surgem após uma pesquisa prévia do universo das

palavras faladas no meio cultural do educando. Desse meio são

extraídos os vocábulos de maior possibilidade fonêmica e carga

semântica. Essas palavras são chamadas de geradoras porque

proporcionam a formação de outras. Aprender a dizer a palavra

possibilita ao homem excluído do sistema capitalista entendê-lo,

pensá-lo, decifrá-lo, decodificá-lo.

Os temas geradores, que podem partir do mais geral para o

particular, envolvem situações-limites em que os homens se acham

“coisificados”, uma fronteira entre o ser e o ser mais de opressão

em que a consciência dos homens se encontram “imersas”. Faz parte

de uma metodologia conscientizadora que possibilita aos homens uma

forma crítica de pensarem seu mundo e de se humanizarem, pois

falta aos homens uma compreensão crítica da totalidade, captada

apenas em pedaços pela sua consciência.

Freire observou que dentro de cada sociedade existem temas

geradores a serem discutidos que se subdividem de acordo com a

época e o local. E, a sua inexistência, aparente ou oculta, “pode

significar, já, a existência de uma ‘situação-limite’ de opressão

em que os homens se encontram mais imersos que emersos” (FREIRE,

1982, p. 112). Ou pode significar ainda a existência do tema do

silêncio.

Freire aprofunda a questão afirmando que o medo da liberdade,

impresso nos oprimidos ao longo de sua via, os leva a assumir

Page 325: apostila filosofia da educacao 2013

mecanismos de defesa e, “através de racionalizações, escondem o

fundamental, enfatizam o acidental e negam a realidade concreta”

(FREIRE, 1982, p. 112). Assim, sua tendência é ficar na periferia

dos problemas evitando o confronto com o problema.

O ponto de partida freireano inicia pela busca, pela

investigação acerca do tema gerador: situações existenciais,

concretas, que se encontram “codificadas” pela realidade, para

então chegar à “descodificação”: “análise e conseqüente

reconstituição da situação vivida: reflexo, reflexão e abertura de

possibilidades concretas de ultrapassagem” (FIORI in FREIRE, 1982.

p. 05). Ou ainda uma proposta de reflexão que parte abstratamente

até o concreto, uma ida das partes ao todo, sem esquecer de uma

volta destes as partes. Tal processo levará o reconhecimento do

sujeito no objeto, ou seja, fará com que o homem perceba a sua

situação existencial concreta e a sua historicidade. O universo

que antes era fechado agora vai se abrindo a uma nova realidade.

Em todas as etapas da descodificação, estarão os homensexteriorizando sua visão de mundo, sua forma de pensá-lo, sua percepção fatalista das “situações-limites”, suapercepção estática ou dinâmica da realidade. E, nestaforma expressada de pensar o mundo fatalistamente, depensá-lo dinâmica ou estaticamente, na maneira comorealizam seu enfrentamento com o mundo, se encontramenvolvidos seus “temas geradores (FREIRE, 1982, p. 115).

Freire reafirma ainda que o tema gerador se encontra somente

pela relação homem mundo. Ele não pode ser encontrado no homem

isolado da realidade, nem tampouco na realidade separada do homem.

De modo que, para ele, “investigar o ‘tema gerador’ é investigar,

repitamos, o pensar dos homens referido à realidade, é investigar

seu atuar sobre a realidade, que é sua práxis.” (FREIRE, 1982, p.

115).

Page 326: apostila filosofia da educacao 2013

Os temas geradores, por sua vez não são necessariamente os

mesmos para todos os grupos, já que ele está ligado a uma

realidade específica e a percepção de mundo que homem daquela

época possui. É por isso que esse conjunto de temática não se

encontra prédeterminado, ele é construído e se constrói durante as

relações. Assim, para Freire, a investigação temática é construída

por meio de “um esforço comum da consciência da realidade e,

autoconsciência, que a inscreve como pondo de partida do processo

educativo, ou da ação cultural de caráter libertador”. (FREIRE,

1982, p. 117).

Por isso, os investigadores da temática significativa não são

apenas os educadores e sim os homens a serem investigados com o

seu conjunto de dúvidas, de anseios e de esperanças. Daí sairá a

base do programa educativo cuja prática está sustentada na

reciprocidade da ação.

Tanto quanto a educação, a investigação que a ela serve,tem de ser uma operação simpática, no sentidoetimológico da expressão. Isto é, tem de constituir-sena comunicação, no sentir comum uma realidade que nãopode ser vista mecanicistamente compartimentada,simplistamente bem “comportada”, mas, na complexidade deseu permanente via a ser. (FREIRE, 1982, p. 118).

Se tornam sujeitos desse processo, investigadores

profissionais e povo, uma operação simpática, dialógica e

conscientizadora.

Os temas geradores não são um programa a ser doado para o povo

ou um “roteiro de pesquisa do universo temático a partir de pontos

prefixados pelos investigadores que se julgam a si mesmos os

sujeitos exclusivos da investigação”. A investigação da temática é

a investigação do próprio pensar do povo. Investigação essa que

não pode ser feita sem o povo, como sujeito de seu pensar. Se não

Page 327: apostila filosofia da educacao 2013

fosse assim, ela estaria reduzida a esquemas rígidos, “ao fazer do

povo objeto passivo de sua ação investigadora”. (FREIRE, 1982, p.

118).

Assim,

O investigador da temática significativa que, em nome daobjetividade científica, transforma o orgânico eminorgânico, o que está sendo no que é, o vivo no morto,teme a mudança. Teme a transformação. Vê nesta, que nãonega, mas que não quer, não um anúncio de vida, mas umanúncio de morte, de deterioração. Quer conhecer amudança, não para estimulá-la, para aprofundá-la, maspara freiá-la. (FREIRE, 1982, p. 118).

Para Freire, o investigar autêntico não está marcado num

pensar, simplesmente o outro, pois, “não posso pensar pelos outros

nem para os outros, nem sem os outros”. A investigação da temática

significativa não pode ser feita sem o povo, mas com o povo. O

pensar o homem em sua situação é condição indispensável para a

conscientização e a emersão dos homens. (FREIRE, 1982, p. 119).

O ponto de partida do processo educativo freireano, o qual

está sempre renovando-se e ampliando-se, recolhe na investigação

temática um universo de “palavras geradoras” a ser devolvido em

forma de problema, não como dissertação ou narração aos homens de

quem recebeu.

Um mínimo de palavras, com a máxima polivalênciafonêmica, é o ponto de partida para a conquista douniverso vocabular. Essas palavras, oriundas do própriouniverso vocabular do alfabetizando, uma veztransfiguradas pela crítica, a ele retornam em açãotransformadora do mundo.

Assim, ao objetivar uma palavra geradora –íntegra, primeiro, é depois decomposta em seus elementossilábicos – o alfabetizando já está motivado para não sóbuscar o mecanismo de sua recomposição e da composiçãode novas palavras, mas também para escrever seupensamento. (FIORI in FREIRE, 1982, ps. 05-06).

Page 328: apostila filosofia da educacao 2013

A primeira etapa da investigação dos “temas geradores” ou da

“temática significativa” de uma determinada área inicia pelas

fontes secundárias. Essa investigação se da por meio de conversas

informais com os moradores da região sobre o objetivo de sua

presença no local durante uma reunião. Eles “dirão o porquê, e

como e o para que da investigação que pretendem realizar e que não

podem fazê-lo se não se estabelece uma relação de simpatia e

confiança mútuas”. (FREIRE, 1982, p. 121).

No caso de aceitarem a reunião, e de nesta aderirem, nãosó à investigação, mas ao processo que se segue, devemos investigadores estimular os presentes para que,dentre eles, apareçam os que queiram participardiretamente do processo de investigação como seusauxiliares. Desta forma, esta se inicia como um diálogoàs claras entre todos. (FREIRE, 1982, p. 122).

Informações sobre o modo de vida destes “voluntários” será

recolhido pelos investigadores sendo de grande contribuição para a

compreensão destes sobre aqueles. Muito mais importante, porém,

que a coleta dos dados a serem investigados, é a presença ativa da

comunidade local na investigação.

Em suas visitas, os investigadores, fixarão seu olhar crítico

na área a ser estudada buscando a sua “descodificação”, já que se

encontra “codificada”, seja por meio de sua visão crítica e

observadora, seja por meio de conversas informais com os

habitantes da área, sempre fazendo anotações de informação de

qualquer natureza, relevantes ou não, tais como: a maneira de

conversar das pessoas, a sua forma de ser e comporta-se seja num

culto ou no trabalho, expressões, linguagens, palavras.

Esta descodificação ao vivo implica, necessariamente, emque os investigadores, em sua fase, surpreendam a área emmomentos distintos. É preciso que a visitem em horas detrabalho no campo; que assistam a reuniões de algumaassociação popular, observando o procedimento de seus

Page 329: apostila filosofia da educacao 2013

participantes, a linguagem usada, as relações entrediretoria e sócios; o papel que desempenham as mulheres,os jovens. É indispensável a visitem em horas de lazer;que conversem com pessoas em suas casas, registrandomanifestações em torno das relações marido-mulher, pais-filhos; afinal, que nenhuma atividade, nesta etapa, seperca para esta compreensão primeira da área. (FREIRE,1982, p. 124).

A partir de cada uma das visitas de observação os

investigadores vão redigindo pequenos relatórios, que serão mais

tarde discutidos pela equipe. Nele serão avaliados os

investigadores profissionais e seus auxiliares, representantes do

próprio povo. Na verdade, estas reuniões, também conhecidas como

seminários avaliativos, constituem um segundo momento da

“decodificação”.

Com efeito, na medida em que, um a um, vão todos expondocomo perceberam e sentiram este ou aquele momento quemais os impressionou, no ensaio “descodificador”, cadaexposição particular, desafiando a todos comodescodificadores da mesma realidade, vai re-presentificando-lhes a realidade recémpresentificada àsua consciência intencionada a ela. Neste momento, “re-admiram” sua admiração anterior no relato da “ad-miração” dos demais. (FREIRE, 1982, p. 124).

O objeto fundamental dessa primeira etapa é estudar o nível de

percepção e o núcleo de contradição dos indivíduos da área. Essas

contradições não são mais que “situações limites”. Esse conjunto

de contradições ainda não é suficiente para a estruturação do

conteúdo programático da ação educativa. Segundo Freire “esta

visão é deles ainda, e não a dos indivíduos em face de sua

realidade”. (FREIRE, 1982, p. 126).

A fase seguinte da investigação começa quando os

investigadores, a partir dos dados que colheram, chegam à

apreensão daquele conjunto de situações-limites. Em equipe,

escolheram algumas dessas situações ou contradições para serem

Page 330: apostila filosofia da educacao 2013

codificadas. Elas têm por base o canal visual (pintadas,

fotografadas, grafadas), canal tátil, canal auditivo ou

simultaneidade de canais a fim de que sirvam de base a

investigação temática.

A primeira codificação deve, porém, representar uma situação

conhecida pelos indivíduos para que nela se reconheça, ou seja,

aspectos concretos de suas necessidades sentidas para que não

provoque o silêncio ou o indiferentismo. É importante ressaltar,

também que seu núcleo temático não deve ser demasiado explícito ou

enigmático.

Segundo Freire,Na medida em que representam situações existenciais, ascodificações devem ser simples na sua complexidade eoferecer possibilidades plurais de análises na suadescodificação, o que evita o dirigismo massificador dacodificação propagandística. As codificações não sãoslogans, são objetos cognoscíveis, desafios sobre quedeve incidir a reflexão crítica dos sujeitosdescodificadores.As codificações, de um lado, são as mediação entre o“contexto concreto ou real”, em que se dão os fatores eo “contexto teórico”, em que são analisadas; de outro,são o objeto cognoscível sobre que o educador-educando eos educando-educadores como sujeitos cognoscentes,incidem sua reflexão crítica. (FREIRE, 1982, p. 128).

A pluridade de análises no processo de descodificação das

codificações formam uma espécie de “leque temático”. Quanto mais

os sujeitos decodificadores incidem sua reflexão crítica sobre

elas, mais encontraram novos temas. Isso só é possível, repitamos,

se a codificação ou conteúdo temático for demasiado explicito ou

enigmático.

Preparadas as codificações os investigadores iniciam a

terceira fase com a descodificação do material elaborado. “Nesta,

voltam à área para inaugurar os diálogos descodificadores, nos

‘círculos de investigação temática’” ou “círculos de cultura”. Os

Page 331: apostila filosofia da educacao 2013

círculos de investigação tinham um máximo de vinte pessoas,

existindo tantos quantos fossem necessários na área estudada.

(FREIRE, 1982, p. 131).

As discussões travadas nos círculos serão gravadas para que

mais tarde pudessem ser analisadas pela equipe interdisciplinar:

investigadores, auxiliares de investigação (representantes do

povo) além de alguns participantes dos círculos de investigação.

A estas reuniões de descodificação nos “círculos deinvestigação temática”, além do investigador comocoordenador auxiliar da descodificação, assistirão maisdois especialistas – um psicólogo e um sociólogo – cujatarefa é registrar as reações mais significativas ouaparentemente pouco significativas dos sujeitosdescodificadores.No processo de descodificação, cabe ao investigador,auxiliar desta, não apenas ouvir os indivíduos, masdesafiá-los cada vez mais, problematizando, de um lado,a situação existencial codificada e, de outro, aspróprias respostas que vão dando aqueles no decorrer dodiálogo. (FREIRE, 1982, p. 132).

A citação acima de Freire, nos mostra a importância de outros

profissionais envolvidos na educação, não apenas os professores,

mas também o psicólogo e o sociólogo, para que, a partir de suas

habilidades específicas, auxiliem no processo de “descodificação”.

Pensamente bastante próximo de Illich em sua rede de

convivialidade nas quais uns ensinam os outros, trocando

conhecimentos. São pessoas que tem uma habilidade, uma certa

experiência e que a colocam em favor de uma educação de qualidade,

em favor de uma educação libertadora.

Pelo círculo, os participantes eram capazes de exteriorizar

sentimentos, opiniões de si, do mundo e dos outros, que

possivelmente não exteriorizariam em circunstâncias diferentes.

Page 332: apostila filosofia da educacao 2013

Tomemos um exemplo uma experiência relatada por Freire, também

chamada de uma situação-limite, seguida de sua codificação e

análise da descodificação:Numa das investigações realizadas em Santiago (esta,infelizmente não concluída) ao discutir um grupo deindivíduos residentes num “cortiço” (convertillo) umacena em que apareciam um homem embriagado, que caminhavapela rua e, em uma esquina, três jovens que conversavam,os participantes do círculo de investigação afirmavamque “aí apenas é produtivo e útil à nação o “borracho”que vem voltando para casa, depois do trabalho, em queganha pouco, preocupado com a família, a cujasnecessidades não pode atender. É o único trabalhador. Éum trabalhador decente como nós, que também somos“borrachos”.O interesse do investigador, o psiquiatra Patrício Lpoes(...) era estudar aspectos do alcoolismo. Provavelmente,porém, não haveria conseguido estas respostas se setivesse dirigido àqueles indivíduos com um roteiro depesquisa elaborado por ele mesmo. Talvez, ao seremperguntados diretamente, negassem, até mesmo quetomavam, vez ou outra, o seu trago. Frente, porém àcodificação de uma situação existencial, reconhecívelpor eles e em que se reconheciam, em relação dialógicaentre se e com o investigador, disseram o que realmentesentiam.Há dois aspectos importantes nas declarações desteshomens. De um lado, a relação expressa entre ganharpouco, sentirem-se explorados, com um “salário que nuncaalcança”, e se embriagarem. Embriagarem-se como umaespécie de fuga à realidade, como tentativa de superaçãode frustração do seu não atuar. Uma solução, no fundo,autodestrutiva, necrófila. De outro, a necessidade devalorizar o que bebe. Era o “único útil à nação, porquetrabalhava, enquanto os outros o que faziam era falarmal da vida alheia”. E, após a valorização do que bebe,a sua identificação com ele,como trabalhadores que também bebem. E trabalhadoresdecentes. (FREIRE, 1982, p. 133).

Com este exemplo Freire nos mostra o insucesso que teria um

educador moralista que fosse dissertar contra o alcoolismo. O

caminho que Freire traça é o da conscientização da situação, da

dialogicidade da educação. A conscientização, como vimos, é antes

de tudo para ele aquela “que prepara os homens, no plano da ação,

Page 333: apostila filosofia da educacao 2013

para a luta contra os obstáculos a sua humanização”. (FREIRE,

1982, p. 134).

Feito isso inicia a quarta fase, “quando os investigadores,

terminadas as decodificações nos círculos, dão começo ao estudo

sistemático e interdisciplinar de seus achados”. Os investigadores

a princípio ouviram todas as gravações, as descodificações, os

comentários elaborados pelo psicólogo, pelo sociólogo e

observadores feitas nos “círculos de investigação”. (FREIRE, 1982,

p. 134).

A partir daí os temas são organizados e classificados segundo

um quadro geral de ciências. Isso não significa, porém, que sejam

vistos, na futura elaboração do programa, como uma fragmentação do

conhecimento ou departamentos estanques, sem qualquer ligação

entre um e outro tema. Freire relata, apenas, a importância de uma

divisão mais específica de um tema sem abrir mão de um enfoque da

totalidade.

“Feita a delimitação temática, caberá a cada especialista,

dentro de seu campo, apresentar à equipe interdisciplinar o

projeto de ‘redução’ de seu tema”. Para freire, esse processo de

“redução” é de suma importância porque o especialista busca apenas

os núcleos fundamentais sem deixar de dar um enfoque geral no tema

em questão. (FREIRE, 1982, p. 135).

Na discussão de cada projeto específico, se vão anotandoas sugestões dos vários especialistas. Estas, ora seincorporam à “redução” em elaboração, ora constarão dospequenos ensaios escritos sobre o tema “reduzido”, orauma coisa e outra. Estes pequenos ensaios, a que sejuntam sugestões bibliográficas, são subsídios valiosospara a formação dos educadores-educandos que trabalharãonos “círculos de cultura”. (FREIRE, 1982, p. 136).

Durante a “redução” da temática significativa, não apenas o

povo pode sugerir os temas fundamentais, como também a equipe

Page 334: apostila filosofia da educacao 2013

deverá reconhecer alguns dos mais importantes que não fora

sugerido pelo povo, durante a investigação. A isto Freire chamou

de “temas dobradiça”, introdução de novos temas, uma vez que a

educação que ele propõe é dialógica. Freire complementa: “Como

tais facilitam a compreensão entre dois temas no conjunto da

unidade programática, contendo em si, as relações a serem

percebidas entre o conteúdo geral e a visão de mundo que esteja

tendo o povo”. (FREIRE, 1982, p. 136).

Por exemplo

O conceito antropológico de cultura é um destes “temasdobradiça”, que prendem a concepção geral do mundo que opovo esteja tendo ao resto do programa. Esclarece,através de sua compreensão, o papel dos homens no mundoe com o mundo, como seres da transformação e não daadaptação. (FREIRE, 1982, p. 136).

Feita a “redução”, segue a sua “codificação” para uma

posterior “descodificação”. Para a codificação é necessário

escolher o melhor canal: visual, auditivo ou tátil segundo o grupo

em questão. Construído o programa, com a temática já reduzida e

codificada, elabora-se o melhor material didático.

Sobre o assunto em questão Freire esclarece alguns pontos com

uma nota de rodapé:

Na “redução” temática, que é a operação de “cisão” dostemas enquanto totalidades, se buscam seus núcleosfundamentais, que são as suas parcialidades. Destaforma, “reduzir” um tema é cindi-lo em suas partes para,voltando-se a ele como totalidade, melhor conhecê-lo.Na “codificação” se procura re-totalizar o tema cindido,na representação de situações existenciais. Na “descodificação”, os indivíduos, cindindo acodificação como totalidade, apreendem o tema ou ostemas nela implícitos ou a ela referidos. (FREIRE, 1982,p. 137).

Page 335: apostila filosofia da educacao 2013

Freire propõe ainda que durante a elaboração do material, a

equipe possa escolher algum tema ou aspecto dele e, se possível,

gravar uma entrevista com um especialista no assunto para mostrar

aos membros da equipe. Seria uma contribuição de suma importância

para o trabalho. Assim, segundo ele, “o grupo estaria sabendo que,

após ouvir a entrevista, seria discutido o seu conteúdo, o qual

passaria a funcionar como uma codificação auditiva”. (FREIRE,

1982, p. 138).

Após realizado o debate, a equipe formularia um relatório para

ser entregue ao especialista sobre como o povo reagiu as suas

palavras. Assim oportunizaria uma troca de experiências entre a

realidade do povo e o conhecimento acadêmico de homens

intelectuais.

Freire sugere ainda que os temas poderiam ser propostos ao

povo por meio de pequenas dramatizações sem nenhuma resposta

elaborada. A dramatização funcionaria como uma espécie de

codificação de uma realidade existencial, seguida de uma

discussão/decodificação.

Outra proposta dentro de uma educação libertadora e não

“bancária” seria a leitura seguida da discussão de artigos de

revista, de jornais, de capítulos de livros, como sugere Celestin

FREINET(1977), começando sempre por trechos.

Preparado todo esse material a que se juntariam pré-livros sobre toda esta temática, estará a equipe deeducadores apta a devolvê-lo ao povo, sistematizada eampliada. Temática que, sendo dele, volta agora a ele,como problemas a serem decifrados, jamais como conteúdosa serem depositados. (FREIRE, 1982, p. 139).

Dessa forma o povo não se sentiria estranho ao programa, pois

dele saiu e a ele vai retornar.

Page 336: apostila filosofia da educacao 2013

Essas ideias, como já relatamos, foram colocadas em prática

nos chamados “Círculos de Cultura” – uma proposta não escolar que

pretendeu alfabetizar e ao mesmo tempo conscientizar os homens.

Como, porém, ajudar os homens a inserirem-se se analfabetos?

Freire responde:

A resposta nos parecia estar:a) num método ativo, dialogal, crítico e critizador;b) na modificação do conteúdo programático da educação;c) no uso de técnicas como a da Redução e da Codificação.Somente um método ativo, dialogal, participante, poderiafazê-lo. (FREIRE, 2001, p. 115).

Considerações Finais

Para Paulo Freire, o Círculo de Cultura constituía-se numa

estratégia da educação libertadora. Nele não haveria lugar para: o

professor bancário que tudo sabe, as aulas discursivas, o aluno

passivo que nada sabe, a escola tradicional ou os programas

alienados. Em seu lugar haveria: o coordenador de debates, o

diálogo, o participante de grupo e finalmente programação

compacta, reduzida e sobre tudo codificada em unidades de

aprendizagem por meio do debate, do aclaramento de situações

ocultas para com os oprimidos.

A programação desses debates nos era oferecida pelospróprios grupos, através de entrevistas que mantínhamoscom eles e de que resultava a enumeração de problemasque gostariam de debater. “Nacionalismo”, “Remessa delucros para o estrangeiro”, “Evolução política doBrasil”, “Desenvolvimento”, “Analfabetismo”, “Voto doAnalfabeto”, “Democracia”, entre outros, temas que serepetiam, de grupo a grupo. (FREIRE, 2001, p. 111).

Esses temas, junto com alguns outros, eram esquematizados e,

com ajuda visual, apresentados ao grupo em forma de diálogo.

Page 337: apostila filosofia da educacao 2013

Freire pensava a alfabetização do homem brasileiro, nesses

Círculos de Cultura, afastando qualquer hipótese mecânica. Sua

educação estava sempre voltada à tomada de consciência da

realidade, a emersão, a promoção da criticidade, a democratização

da cultura. Nesse processo o homem não é tido como um ser passivo,

paciente.

A educação freireana pensa a prática pedagógica como ato de

criação, capaz de desenvolver outros atos criadores. Desenvolve a

impaciência, a vivacidade, a procura, a invenção e a reinvenção de

conceitos e significados.

O Círculo de Cultura era um lugar onde todos tinham a palavra,

onde todos liam e escreviam o mundo. Era um espaço de trabalho,

pesquisa, exposição de práticas, dinâmicas, vivências que

possibilitam a construção coletiva do conhecimento.

No círculo de cultura, a rigor, não se ensina, aprende-se em “reciprocidade de consciências”; não há professor,há um coordenador, que tem por função dar as informaçõessolicitadas pelos respectivos participantes e propiciarcondições favoráveis a dinâmica do grupo, reduzindo aomínimo sua intervenção direta no curso do diálogo.(FIORI in FREIRE, 1982, p. 06).

No círculo, aprendia-se a pensar o mundo e a julgá-lo, pois

escreviam livremente, sem

cópias de palavras vazias ou mortas mais constituídas de sentido,

de valor, de consciência.

O método de Paulo Freire não ensina a repetir palavras,não se restringe a desenvolver a capacidade de pensá-lassegundo as exigências lógicas do discurso abstrato;simplesmente coloca o alfabetizando em condições depoder re-existenciar criticamente as palavras de seumundo, para, na oportunidade devida, saber e poderdizer a sua palavra. (FIORI in FREIRE, 1982, p. 07).

Page 338: apostila filosofia da educacao 2013

Fiori refletindo sobre a importância da palavra em nossa

cultura, a partir do pensamento freireano, assim escreveu: “com a

palavra, o homem se faz homem. Ao dizer a sua palavra, pois, o

homem assume conscientemente sua essencial condição humana”. A

palavra é entendida por Freire como palavra e ação. (FIORI in

FREIRE, 1982, p. 07).

Fiori citando uma mulher simples do povo, num círculo de

cultura, assim resumiu o método de Paulo Freire: “gosto de

discutir sobre isto porque vivo assim. Enquanto vivo, porém, não

vejo. Agora sim, observo como vivo”. (FIORI in FREIRE, 1982, p.

08).

Freire, buscava então, com os círculos de cultura, resgatar a

importância da consciência, essa capacidade que o homem tem de

distanciar-se das coisas para fazê-las presente e melhor analisar,

a elas e ao mundo.

O círculo de cultura – no método Paulo Freire – re-vivea vida em profundidade crítica. A consciência emerge domundo vivido, objetiva-o, problematiza-o, compreende-ocomo projeto humano. Em diálogo circular,intersubjetivando-se mais e mais, vai assumindo,criticamente, o dinamismo de sua subjetividade criadora.Todos juntos, em círculo, e em colaboração, re-elaboramo mundo e, ao reconstruílo, apercebem-se de que, emboraconstruído também por eles, esse mundo não éverdadeiramente para eles. Humanizado por eles, essemundo não os humaniza. As mãos que o fazem, não são asque o dominam. Destinado a libera-los como sujeitos,escraviza-os como objetos. (FIORI in FREIRE, 1982, p.12).

Assim, o Círculo de Cultura visava promover o processo de

aprendizagem da leitura e da escrita e se realiza no interior do

debate sobre questões centrais do cotidiano como trabalho,

cidadania, alimentação, saúde, organização das pessoas, liberdade,

Page 339: apostila filosofia da educacao 2013

felicidade, valores éticos, política, oprimido, economia, direitos

sociais, religiosidade, cultura, entre outros.

O importante na educação libertadora, para Freire, é que os

homens se “sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar,

sua própria visão de mundo, manifestada implícita ou

explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros”.

(FREIRE, 1982, p. 141).

Enfim,

O método de Paulo Freire é, fundamentalmente, um métodode cultura popular: conscientiza e politiza. Não absorveo político no pedagógico, mas também não põe inimizadeentre educação e política. Distingue-as, sim, mas naunidade do mesmo movimento em que o homem se historicizae busca reencontrar-se, isto é, busca ser livre. Não temingenuidade de supor que a educação, só ela, decidirádos rumos da história, mas tem, contudo, a coragemsuficiente para afirmar que a educação verdadeiraconscientiza as contradições do mundo humano, sejamestruturais, superestruturais ou inter-estruturais,contradições que impelem o homem a ir adiante. Ascontradições conscientizadas não lhe dão mais descanso,tornam insuportável a acomodação. (FIORI in FREIRE,1982, p. 15).

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se

completam. 26 ed. São Paulo: Cortez, 1991.

_____________. À sombra desta mangueira. 2.. ed. São Paulo: Olho

d'Água, 1995. 120 p.

_____________. Educação como prática da liberdade. 25. ed. São

Paulo: Paz e Terra, 2001. 158 p.

_____________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à

prática educativa. 30. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004. 148

p. (Coleção leitura )

Page 340: apostila filosofia da educacao 2013

_____________. Pedagogia da esperança: um reencontro com a

pedagogia do oprimido. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

245 p.

_____________. Pedagogia do oprimido. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz

e Terra, 1982.

FREIRE´S AND ILLICH´S. Conscientization and Deschooling.

Philadelphia: The

Westminster Pres, 1976.

FREIRE, Paulo & ILLICH, Ivan. Dialogo: análisis crítico de la

“desescolarización” y “concientización” en la coyuntura actual del

sistema educativo. Buenos Aires: Ediciones Busqueda, 1975.

MAYO, Peter. Gramsci, Freire e a educação de adultos. Porto

Alegre: Artmed, 2004.

MESQUIDA, Peri. O Diálogo de Illich e Freire em Torno da Educação

para uma Nova Sociedade. In Contrapontos, Revista do Programa de

Pós-Graduação em Educação da Univali: Itajaí, Dezembro de 2007.

TENDÊNCIA LIBERTADORA DE PAULO FREIRE E TENDÊNCIA LIBERTÁRIA NA

PERSPECTIVA DE BAKUNIN

Manuel do Carmo da Silva Campos48

1. TENDENCIA LIBERTADORA DE PAULO FREIRE

48 Teólogo e Filósofo – Doutor em Teologia Moral pela Pontifícia Faculdadede Teologia Nossa Senhora da Assunção/ PUC - São Paulo; Mestre em Teologia pelaPontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (estudos de Mestradoiniciados na Academia Afonsina – Pontifícia Universidade Lateranense ePontifícia Universidade Gregoriana – Roma). Bacharel em Teologia pelaPontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e graduado em Filosofia pelaFaculdade São Bento do Rio de Janeiro. Professor de Graduação e Mestrado daEscola Normal Superior da Universidade do Estado do Amazonas, Líder do Grupo dePesquisa Ciência, Ética,Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade para o Ensino deCiências na Amazônia – UEA/CNPQ – e-mail: [email protected] – fone:92.99778124.

Page 341: apostila filosofia da educacao 2013

“Criar o que não existe ainda deve ser a pretensão de todo

sujeito que está vivo”

A abordagem sobre A Pedagogia Libertadora de Paulo pressupõe

uma breve colocação biográfica sobre esse autor.

A Tendência Libertadora de Paulo Freire faz parte da Pedagogia

Progressista, tal termo é tomado de George Snayders, no seu livro

publicado com o título Pedagogia Progressista (Coimbra: Almedina,

1974). Na perspectiva desta apresentação esse termo quer designar

as “tendências que partindo de uma análise crítica das realidades

sociais, sustentam implicitamente as finalidades sócio-políticas

da educação” (LUCKESI, 1994). Abre-se para o debate de até que

ponto a Pedagogia Progressista se institucionaliza na sociedade

capitalista. Tal pedagogia vislumbra-se, então, como “instrumento

de luta” dos educadores e demais membros da sociedade juntamente

com as demais práticas sociais (LUCKESI, 1994; FREIRE, 2004).

A Tendência Libertadora contrapõe o autoritarismo prezando a

experiência vivida nas relações educativas entre os seres humanos,

formatando assim o ideal da autogestão pedagógica. Dessa forma

valoriza a “aprendizagem grupal” a partir das práticas

democráticas em assembléias, discussões, votações e demais,

substituindo os conteúdos de ensino da pedagogia tradicional por

eixos temáticos. Tal modalidade é traduzida na educação popular

“não formal” que só tem sentido na prática social junto ao povo

(LUCKESI, 1994).

Não é muito pertinente na Tendência Libertadora o uso do termo

ensino escolar devido a atuação proposta que se evidencia pela

dimensão “não-formal”. De maneira que o papel da escola é

proporcionar o engajamento dos professores e educadores junto às

práticas sociais da comunidade, isso não impede que esses mesmo

Page 342: apostila filosofia da educacao 2013

professores dinamizem suas práticas em sala de aula

democraticamente no formato dessa tendência (FREIRE, 2004).

Nessa perspectivas fica evidente que ao se falar de “educação

em geral” entende-se como uma atividade que inclui “professores e

alunos, mediatizados pela realidade que apreendem e da qual

atingem um nível de consciência dessa mesma realidade” e na qual

atuam transformando a sociedade (LUCKESI, 1994, FREIRE, 2004).

A Tendência Libertadora na sua dimensão crítica vai

“questionar concretamente a realidade das relações do homem com a

natureza e com os outros homens” vislumbrando a transformação

dessa realidade (FREIRE, 1976; LUCKESI, 1994).

A pedagogia freiriana preza pelos temas geradores como já foi

dito, os quais são extraídos dos problemas vividos e enfrentados

pelos educandos. “Os grupos envolvidos na ação pedagógica em si

próprio, ainda que de forma rudimentar, dos conteúdos necessários

dos quais se parte”. Note o importante não é transmitir “conteúdos

específicos”, mas a “nova forma de relação” a partir da

“experiência vivida”. Embora não dispensando a leitura de textos

que colaborem e fundamentem as práticas sociais, “estes deverão

ser redigidos pelos próprios educandos com a orientação do

educador” (FREIRE, 1976; LUCKESI, 1994).

Na perspectiva da Tendência Libertadora freiriana a educação

evidencia um caráter essencialmente político, devido isso nem

sempre sua prática pode ser concretizada em “termos sistemáticos,

nas instituições oficiais, antes da transformação da sociedade”.

Haja vista que sua atuação ocorra “mais ao nível da educação

extra-escolar”. Isso não quer dizer que os pressupostos dessa

tendência não tenham sido adotados e aplicados por numerosos

professores (FREIRE, 1979; LUCKESI, 1994).

Page 343: apostila filosofia da educacao 2013

Vale lembrar que a metodologia de ensino de Paulo Freire faz

ver que Para ser um ato de conhecimento o processo dealfabetização de adultos demanda, entre educadores eeducandos, uma relação de autêntico diálogo; aquele umque os sujeitos do ato de conhecer se encontrammediatizados pelo objeto a ser conhecido (...) “Odiálogo engaja ativamente a ambos os sujeitos do ato deconhecer: educador – educando e educando – educador(FREIRE, 1976 apud LUCKESI, 1994, p. 65)”.

Fica evidente nessa metodologia que a “forma de trabalho

educativo é o ‘grupo de discussão’. A autogestão da aprendizagem,

a definição, e a dinâmica das atividades passam pelo grupo de

discussão. A ação do professor se dinamiza como animador descendo

ao nível do aluno, ajustando-se “às suas características e ao

desenvolvimento próprio de cada grupo”. Caminhando junto e

intervindo “o mínimo indispensável”, mas não deve deixar de

prestar informações sistematizadas quando o grupo necessitar

(FREIRE, 1976, LUCKESI, 1994).

Os passos da aprendizagem na ótica de Paulo Freire são

observados a partir da compreensão do vivido na dimensão de

“codificação-decodificação, e problematização da situação”, isso

possibilitará aos “educandos um esforço de compreensão do vivido”

possibilitando aos mesmos à obtenção de um nível crítico de

conhecimento de sua realidade circundante na troca de “experiência

em torno de sua prática social”. Tal dimensão vai dispensar a

prática educativa da educação bancária e domesticadora. Sem dúvida

que esses passos da educação freiriana admite a “avaliação da

prática vivenciada entre educandor-educandos no processo de grupo

e, às vezes, a auto-avaliação feita em termos de compromissos

assumido com a prática social” (FREIRE, 1976, LUCKESI, 1994).

Page 344: apostila filosofia da educacao 2013

O ponto de partida na relação professor aluno é o diálogo,

educador e educando são sujeitos do ato de conhecimento, a relação

então é horizontal. A total identificação com o povo não só dá

consistência nessa relação, mas formata o critério de bom

relacionamento da mesma. Note que o autoritarismo, a autoridade na

perspectiva tradicional é eliminada, pois os mesmos podem

inviabilizar o “trabalho de conscientização, de ‘aproximação de

consciência’”. Não é que o professor possa se ausentar do grupo ou

da turma, como a não-diretividade de Rogers, mas “que permanece

vigilante para assegurar ao grupo um espaço humano para ‘dizer sua

palavra’ para se exprimir sem se neutralizar”. (FREIRE, 2004,

LUCKESI, 1994).

Há de se considerar que o pressuposto de aprendizagem do

trabalho educacional de Paulo Freire pressupõe como força

motivadora à “educação problematizadora como correlata da educação

libertadora”, a qual se ocorre a partir da “codificação de uma

situação-problema, da qual se toma distância para analisá-la

criticamente”. Pelo exercício da abstração procura-se alcançar

através de “representações da realidade concreta, a razão de ser

dos fatos” (FREIRE, 2004; LUCKESI, 1994).

A pedagogia freiriana não quer acumular, depositar conteúdos

por imposição autoritária aos educandos, mas quer proporcionar ao

educando a partir de evidências práticas que “aprender é um ato de

conhecimento da realidade concreta, isto é da situação real

vivida” pr ele, e “só tem sentido se resulta de uma aproximação

crítica dessa realidade”. De maneira que a aprendizagem provém do

‘nível crítico de conhecimento, ao qual se chega pelo processo de

compreensão, reflexão e crítica”( FREIRE, 1976, LUCKESI, 1994). “O

que o educando transfere, em termos de conhecimento, é o que foi

Page 345: apostila filosofia da educacao 2013

incorporado como resposta às situações de opressão – ou seja, seu

engajamento na militância política” (LUCKESI, 1974, p. 66).

Concluindo, ressalta-se que a Tendência Libertadora de Paulo

Freire manifesta-se na prática escolar desde a impulsão com seu

autor, o qual aplicou suas idéias pessoalmente em diversos países,

desde o Chile até a África, como também na Suíça e em outros

países. No Brasil exerceu grande influência nos movimentos

populares, sindicatos, Igreja, especialmente deu grande

contribuição para o desenvolvimento da Teologia da Libertação a

partir da Educação Popular. “Embora as formulações teóricas esteja

direcionadas à Educação de Adultos ou à Educação Popular em geral,

muitos professores vêm tentando colocá-la em prática em todos os

graus de ensino formal” ( LUCKESI, 1974, p. 66).

Numa visão libertadora, não mais “bancária” da educação, o seu

conteúdo programático já não envolve finalidades impostas ao povo,

mas pelo contrário, nasce dele, em diálogo com os educadores,

reflete seus anseios e esperanças. O importante da educação

libertadora e não “bancária” é que, em qualquer dos casos, os

homens se sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar,

sua própria visão do mundo que manifesta implícita ou

explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros,

pois esta visão da educação parte da convicção de que não pode

sequer presentear o seu programa, mas tem que buscá-lo

dialogicamente com o povo, é que se inscreve como uma introdução à

pedagogia do oprimido, cuja à elaboração ele deve participar

(FREIRE, 2004).

É muito expressiva a quantidade de publicações deixada por

esse grande educador, a título de ilustração veja (http//pt.

www.wikipedia.org/wiki/Paulo_freire – acesso em 13.03.2008):

Page 346: apostila filosofia da educacao 2013

3.2 TENDÊNCIA LIBERTÁRIA NA PERSPECTIVA DE BAKUNIN

No tocante à Tendência Libertária, que reúne defensores da

autogestão da educação. Ela caracteriza-se

Por abordar a questão pedagógica diante de umaperspectiva baseada na liberdade e igualdade eliminandoas relações autoritárias presentes no modelo educacionaltradicional. Os anarquistas sempre se preocuparam com aeducação e tentaram desenvolver um outro tipo deformação pedagógica em oposição à formação educacionalgerida pelo Estado ou pela Igreja(http//pt.www.wikipedia.or/wiki/pedagogia libertaria –acesso dia 14/03/2008; LUCKESI, 1994).

Não é possível debater a Tendência Libertária sem relacioná-la

com o anarquismo termo derivado

da raiz grega αναρχία — an (não, sem) e archê(governador) — e que designa um termo amplo que abrangedesde teorias políticas a movimentos sociais que advogama abolição do capitalismo e do Estado enquantoautoridade imposta e detentora do monopólio do uso daforça. Exemplificando, Anarquismo é a teoria libertáriabaseada na ausência do Estado. De um modo geral,anarquistas são contra qualquer tipo de ordemhierárquica que não seja livremente aceita, defendendotipos de organizações horizontais e libertárias((http//pt.www.wikipedia.or/wiki/anarquismo – acesso dia14/03/2008; LUCKESI, 1994).

Vale ressaltar que não é possível abordar a referida tendência

sem deixar de lembrar o que foi ocomunismo libertário ou anarco-

comunismo

o qual foi a vertente do comunismo adotada pelatradição teórica de alguns autores anarquistas. Numregime comunista libertário, a propriedade privada e oEstado seriam abolidos e a sociedade seria organizadaatravés de federações de trabalhadores que gerenciariama produção e todas as esferas de decisão por meio dademocracia direta. O dinheiro seria abolido, e valeria amáxima "de cada um de acordo com suas capacidades, acada um de acordo com suasnecessidades".(http//pt.www.wikipedia.or/wiki/comunismolibertário – acesso dia 14/03/2008; LUCKESI, 1994).

Page 347: apostila filosofia da educacao 2013

A denominação comunismo libertário tem sua origem a partir

Da cisão da primeira Associação Internacional deTrabalhadores (AIT) entre socialistas autoritários, tendênciaencabeçada por Karl Marx, e socialistas libertários, cujo maiorexpoente era Bakunin. No entanto, ambas as denominaçõesforam inventadas pelo grupo de Bakunin, sem que osmarxistas jamais aceitassem o rótulo de "autoritários".O Comunismo Libertário foi inicialmente formulado pelaseção italiana da Associação Internacional dosTrabalhadores, por Carlo Cafiero, Errico Malatesta,Andrea Costa e outros ex-republicanos Mazzinistas. Emrespeito a Mikhail Bakunin, eles não revelaramexplicitamente sua discordância com o anarquismomutualista de Pierre-Joseph Proudhon até a morte deBakunin. Enquanto Proudhon era a favor da propriedadeindividual sobre o produto do próprio trabalho, saláriose um mercado de trocas, os comunistas libertários seopuseram à propriedade individual do produto do trabalhoe se colocaram a favor da abolição dos salários e dovalor de troca. Cafiero explica em Anarchie et Communismeque a propriedade privada derivada do trabalho leva àacumulação desigual do capital, e, portanto a condiçõessociais distintas, o que seria indesejável. JosephDejacque criticou Proudhon diretamente, afirmando que"não é ao produto do seu trabalho que a/o trabalhador(a)tem direito, mas à satisfação de suas necessidades,sejam de que natureza forem." Em 1876, na Conferência daFederação Italiana da AIT em Florença (que na verdadefoi realizada numa floresta fora da cidade, por causa darepressão policial), eles declararam os princípios docomunismo libertário, começando com:"A FederaçãoItaliana considera a propriedade coletiva dos produtosdo trabalho como o complemento necessário ao programacoletivista, o auxílio de todos para a satisfação dasnecessidades de cada um sendo a única regra de produçãoe consumo, o que corresponde ao princípio dasolidariedade”.Piotr Kropotkin, durante esta época, mudou o foco dapropaganda anarquista, que até então era primordialmentea crítica ao sistema capitalista, e passou a escreversobre a possível sociedade futura em mais detalhe do queo anteriormente feito por Proudhon e Bakunin. Ele adotouentão o termo comunismo libertário para referir-se aessa sociedade, onde a propriedade privada estariaabolida, e o Estado seria substituído por associaçõeslivres de trabalhadores.(http//pt.www.wikipedia.or/wiki/comunismo libertário –acesso dia 14/03/2008;http//pt.www.wikipedia.or/wiki/comunismo libertário –acesso dia 14/03/2008; LUCKESI, 1994).

Page 348: apostila filosofia da educacao 2013

Após esse resgate filológico e histórico da Tendência

Libertária tentar-se-á debater a relação dessa tendência com a

educação, também, escolar. Quanto ao papel da escola a “idéia

básica é introduzir modificações institucionais”, provindas das

camadas e “níveis subalternos” baseados na participação grupal, a

“escola instituirá mecanismos institucionais de mudança

(assembléias, conselhos, eleições, reuniões, associações), de

maneira que o “aluno uma vez atuando nas instituições ‘externas’

leve para lá tudo que aprendeu. Outra maneira de atuação dessa

tendência “é – aproveitando a margem de liberdade do sistema –

cria grupo de pessoas com princípios educativos autogestionários

(associações, grupos informais, escolas autogestionárias)”.

Evidencia-se nessa dinâmica um caráter expressamente político, “à

medida que se afirma o indivíduo como produto do social e que o

desenvolvimento individual somente se realiza no coletivo”. De

maneira que a “autogestão é o conteúdo e o método; resume tanto o

objetivo pedagógico quanto o político”. Por outro lado a

tendência acima referida formata uma “forma de resistência contra

a burocracia como instrumento da ação dominadora do estado, que

tudo controla (professores, programas, provas), retirando a

autonomia (LOBROT apud LUCKESI, 1994).

Na perspectiva da Tendência Libertária os conteúdos estão

relacionados às necessidades e interesses manifestados pelo grupo

e que “não são, necessária nem indispensavelmente, as ,matérias de

estudo”. As matérias colocadas à disposição do aluno são

dimensionadas como “ um instrumento a mais”, haja vista que o

importante é o conhecimento resultante “das experiências vividas

pelo grupo”, sublinhando a “vivência de mecanismos de participação

crítica”. O conhecimento aqui entendido “não é a investigação

Page 349: apostila filosofia da educacao 2013

cognitiva do real, para extrair dele um sistema de representações

mentais, mas a descoberta de respostas às necessidades e às

exigências da vida social” (LUCKESI, 1994; MACHADO, 2008).

Evidenciando melhor o método de ensino na Tendência Libertária

compreende-se que é na “vivência grupal, na forma de autogestão,

que os alunos buscarão encontrar as bases mais satisfatórias de

sua própria ‘instituição’, a partir de suas iniciativa e sem

qualquer tipo de poder. Disponibiliza-se para os alunos tudo que

for possível: (...)“o conjunto da vida, as atividades e a

organização do trabalho no interior da escola (menos a elaboração

dos programas e a decisão dos exames que não dependem nem dos

docentes, nem dos alunos)”. Assim o interesse pedagógico para os

alunos depende de “suas necessidades ou das do grupo” (LUCKESI,

1994; LIBÂNIO, 1995).

Há de convir que “o progresso da autonomia, excluída qualquer

direção de fora do grupo, se dará num ‘crescendo’, que flui do

seguinte nodo”:

Primeiramente a oportunidade de contatos, abertura,relações informais entre os alunos. Em seguida, o grupocomeça a se organizar, de modo que todos possamparticipar de decisões, cooperativas, assembléias, istoé, diversas formas de participação e expressão pelapalavra; quem quiser fazer outra coisa, ou entra emacordo com o grupo, ou se retira. No terceiro momento ogrupo de organiza de forma mais efetiva e, finalmente,no quarto momento, parte para a execução do trabalho(LUCKESI, 1974, p. 67-68; veja ainda: LIBÂNIO, 1995).

A relação professor - aluno na perspectiva da Tendência

Libertária, embora haja desigualdade e diferença, o professor se

põe a serviço dos alunos não impondo suas concepções e idéias, não

transforma seus educando em mero objeto. O educador não é nada

mais que um orientador, um catalisador que se mistura ao grupo

Page 350: apostila filosofia da educacao 2013

para “uma reflexão comum”. Nesse dinamismo acorre uma mudança de

paradigma na relação prodfessor-aluno, no “sentido de não –

diretividade, isto é”, considerar desde o início a ineficácia e a

nocividade de todos os métodos à base de obrigação e ameaça”

(LUCKESI, 1994; MACHADO,2008).

Na verdade na Tendência Libertadora cabe ao professor a função

de “conselheiro, de instrutor – monitor” à disposição do grupo.

Tais papéis jamais podem ser vistos como o de “modelo, pois a

Pedagogia Libertária recusa qualquer forma de poder ou

autoridade”.

Se os alunos são livres frente ao professor, também esteo é em relação aos alunos (ele pode, por exemplo,recusar-se a responder uma pergunta, permanecendo emsilêncio). Entretanto, essa liberdade de decisão tem umsentido bastante claro: se um aluno resolve nãoparticipar, o faz porque não se sente integrado, mas ogrupo tem responsabilidade sobre este fato e vai secolocar a questão; quanto o professor se cala diante deuma pergunta, seu silêncio tem um significado educativoque pode, por exemplo, ser uma ajuda para que o grupoassuma a resposta ou a situação criada (LUCKESI, 1994,p. 68).

Entende-se que as formas burocráticas das instituições

existentes na sociedade com seus traços de impessoalidade

“comprometem o crescimento pessoal”. A força motora da

aprendizagem informal na Tendência Libertária está na “via

grupal”, negando “toda forma de repressão”, na perspectiva de

“favorecer o desenvolvimento de pessoas mais livres”. Motiva-se

para o interesse do crescimento dentro da vivência grupal, “supõe-

se que o grupo devolva a cada um de sues membros a satisfação de

suas aspirações e necessidades”. De maneira que só “o vivido, o

experimentado é incorporado e utilizável nas situações novas”. O

que vai criterializar a “relevância do saber sistematizado é seu

Page 351: apostila filosofia da educacao 2013

possível uso prático” (LUCKESI, 1994; LIBÂNIO, 19956; MACHADO,

2008).

Concluindo esta discussão sobre a Tendência Libertária vale

ressaltar alguns frutos operacionalizados na nação brasileira.No Brasil, a pedagogia libertária, assim como em outrospaíses onde a tradição anarquista mantinha sua força,produziu muitos frutos, especificamente no final doséculo XIX. Podemos destacar a atuação de algunsmilitantes em especial e de algumas iniciativas emparticular.A Universidade Popular de Cultura Racionalista eCientífica criada por Florentino de Carvalho em 15 dejunho de 1915, empregou os métodos pedagógicos deFrancisco Ferrer y Guardia, ilustre pedagogo espanhol efora uma das experiências pedagógicas entre as inúmerasiniciativas no campo da educação construídas pelosanarquistas.Podemos citar também como contribuição importante, afundação em 1913 da Escola Moderna nº2 em São Paulo,pelo anarquista Adelino Tavares de Pinho.(http//pt.www.wikipedia.or/wiki/pedagogia libertaria –acesso dia 14/03/2008; LIBÂNIO, 1995).

Ressalta-se que “dentro deste universo pedagógico libertário”,

destacam-se “filósofos, pedagogos ou psicólogos, que não pertencem

a priori ao movimento anarquista”, mmas deram notável e fundamental

contribuição “para o avanço e prática das experiências libertárias

na educação.Não podem deixar de ser lembrados os autores:

Francisco Ferrer y Guardia, A. S. Neill, Ivan Ilich, Paul Robin,

Nildo Viana, Janusz Korczak, João Madeira, Silvio Gallo, Michel

Foucault (http//pt.www.wikipedia.or/wiki/pedagogia libertaria –

acesso dia 14/03/2008).

REFERNCIAS

FREIRE, P. Ação Cultural como Prática de Liberdade. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1976.FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido, 39.Ed.Rio de Janeiro: Paz e Terra,2004.

Page 352: apostila filosofia da educacao 2013

FREIRE, P. Pedagogia: diálogo e conflito. São Paulo: Editora Cortez, 1995.Libânio, J. C. Democratização da Escola Pública. São Paulo: Loyola, 1995.MACHADO, W. R. Pedagogia Libertária: Projeto e utopia educacional na SociedadeCapitalista in: http://www.urutagua.uem.br/010/machado.htm - acesso14/03/2008).SNAYDERS, G. Pedagogia Progressista. Coimbra: Almedina, 1974

(http//pt.www.wikipedia.or/wiki/pedagogia libertaria – acesso dia

14/03/2008).

DERMEVAL SAVIANI: Notas para uma releitura da Pedagogia Histórico-Crítica

Maria de Lourdes RibeiroMargarita Victoria Rodríguez49

Resumo

Este artigo tem como objetivo apresentar o pensamento e asidéias de um autor consagrado no Brasil. A partir de suas idéiasa educação brasileira deve ser analisada sob dois diferentesprismas: antes e depois de Dermeval Saviani, tendo em vista oalcance da pedagogia histórico-crítica proposta por esseeducador: um marco na educação brasileira. Além de sua atuaçãoinstitucional como acadêmico, pesquisador e escritor, Savianitem se apresentado como um analista e crítico das políticaseducacionais brasileiras demonstrando profunda identificação coma causa educacional e persistência na defesa sistemática daescola pública e da ação pedagógica como instrumentos delibertação dos oprimidos. Com espírito de mestre e com opensamento multiplicador, Saviani sempre ocupou o seu tempo como ensino, articulando de forma harmoniosa ensino e pesquisa.Isso faz com que um grande número de estudiosos desperte ointeresse pela análise e reflexões que esse educador faz daeducação. Nessa esteira, sem a intenção de esgotar o assunto ouapresentar algo novo, pretendemos refletir sobre as açõeseducativas de Dermeval Saviani, trazendo à lembrança a proposta

49 UNIUBE / MG

Page 353: apostila filosofia da educacao 2013

desse educador que não só repensou a educação como um caminhopara a libertação dos oprimidos, como contextualizou essaproposta.

Palavras-chaves: Pedagogia histórico crítica; Filosofia da

Educação; Ideias Pedagógicas.

Dermeval Saviani: vida e obra

Nasceu em Santo Antônio de Posse –SP, em 03/02/44 (de direito,

pois de fato nasceu em 25/12/43). Filho de trabalhadores e neto de

imigrantes italianos. Concluiu o Curso primário, em 1954, em São

Paulo e em 1959, o Curso ginasial no Seminário Nossa Senhora da

Conceição, em Cuiabá.

Estudou no Seminário maior de Aparecida, em SP, onde concluiu

em 1962 o Curso Colegial.Nesta época, devido à renúncia de Jânio

Quadros em 1961 e com a mudança da forma de governo (de

parlamentarismo para presidencialismo) ocorreram várias mudanças

na sociedade que influenciaram também a Igreja, que neste contexto

estava preocupada com a transformação da estrutura social. Era o

período da Igreja Popular, que buscava a aproximação do povo com a

religião. Saviani fez parte do movimento JOC - juventude Operária

Católica se envolvendo com todas essas transformações que estavam

acontecendo.

Continuou os estudos de Filosofia na Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras de São Bento da PUC/SP, que era um reduto de

estudantes burgueses. Trabalhava, nesta época, no Banco

Bandeirantes e concluiu seu curso de Filosofia, em 1966, tendo

vivenciado profundas mudanças na sociedade, causadas pelo Golpe

Militar em 1964.

Page 354: apostila filosofia da educacao 2013

Deixou o Banco e foi lecionar Filosofia em escola pública. Por

volta de 1966 passou a trabalhar em um órgão da Secretaria de

Educação de São Paulo. Em 1967 atuou como professor do Curso de

Pedagogia da PUC/SP e ajudou a criar os Cursos de Mestrado e

Doutorado em Filosofia da Educação nessa Instituição. Em 1970 foi

lecionar na recém criada Universidade Federal de São Carlos onde

ajudou a implantar, em 1976 o Mestrado em Educação, em convênio

com a Fundação Carlos Chagas.

Concluiu em 1971 o Doutorado, na área de Ciências Humanas:

Filosofia da Educação, na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras

de São Bento, da PUC/SP. Em 1978 retornou como professor da PUC/SP

e ajudou a criar o Doutorado em Educação nesta Instituição.

Em 1979 ajudou a criar a ANDE – Associação Nacional de

Educação. Foi o fundador da ANPED e do CEDES.

Em 1986 concluiu a Livre Docência na área de Ciências Humanas:

História da Educação na Faculdade de Educação da UNICAMP.

Em 1988 participou da elaboração de um anteprojeto da LDB -

Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Em 1988 coordenou o

programa de pós-graduação da UNICAMP.

Já participou de cerca de 80 bancas de Mestrado e Doutorado e

teve mais de 60 orientandos, que defenderam teses de Mestrado e

Doutorado. Atualmente é professor na UNICAMP e também está

envolvido com diversos projetos educacionais e de pesquisa.

Em seu trajeto estudantil passou por mudanças que transitaram

da iniciação educacional em seminários à rebeldia acadêmica,

durante a formação superior e mesmo assim, Saviani não vê

contradições entre esses dois momentos que possam interferir

negativamente em sua formação e em sua obra, e sobre isso assim se

expressa<!--[if !supportFootnotes]-->[1]<!--[endif]--> [1] :

Page 355: apostila filosofia da educacao 2013

na verdade, as condições sociais econômicas e culturaispelas quais passei em minha infância e adolescência integramo processo que me permitiu o meu amadurecimento social,político e intelectual, traduzido numa percepção crítica dasituação de meu país e na conseqüente exigência de exprimirteoricamente a compreensão atingida e atuar como educador,em consonância com a teoria que venho construindo.

Dermeval Saviani sempre defendeu de forma sistemática e

intransigente a escola pública e preocupou –se com o alcance

político da ação pedagógica enquanto estratégia de construção da

contra-ideologia, sem, no entanto confundir esta ação com uma ação

propriamente política.

Sua atividade intelectual, sempre a serviço da contra

ideologia, destina-se a explicitar valores necessários à

libertação dos oprimidos. Esse caráter de solidária militância é

um traço fundamental que marca sua obra.

Os acontecimentos políticos e os eventos históricos que

constituem a história da sociedade brasileira e que direta ou

indiretamente marcaram a educação nacional sempre estiveram

presentes no pensamento de Saviani, que em todas as obras

preocupou-se em analisar a prática educacional inserida num

processo político-social, mas sempre com uma visão de organicidade

do pensar sobre a ação e sob uma perspectiva de globalidade.

Outra peculiaridade da obra de Saviani é a sua produção

escrita que tem como característica grande quantidade de textos

elaborados com um objetivo pedagógico, enquanto resposta à sua

atuação como professor em sala de aula e sua interação com os

alunos.

A elaboração destes textos peda’gógicos com objetivos de

responder a uma situação específica dos problemas da educação

brasileira, cujos conteúdos, por tratar de questões fundamentais

da educação, suscitou condições de criação de uma obra que

Page 356: apostila filosofia da educacao 2013

transcende os limites de seus objetivos, tornando os mais

abrangentes e válidos como objetivos gerais e de suma importância

para o estudo e contextualização da educação brasileira.

Os temas tratados por Saviani desde suas primeiras obras,

continuam atuais e sempre servem para muitos cursos de formação de

professores e também para o grande número de estudiosos, muitos

deles seus discípulos, que se pautam em suas referências de

reflexões para a construção de seus aprendizados.

Dermeval Saviani empenhou-se desde a década de 70 em traduzir

sua compreensão da educação numa linguagem clara isenta de

erudição ou rebuscamento, dando um exemplo de notável trabalho

intelectual. No entanto, grande parte de sua obra está sob forma

de artigos que estão sendo elaborados com um esforço coletivo e de

uma maneira condensada. Elaboração esta que segundo Ribeiro,

(1994, p. 32):

... deveria encontrar condições cada vez melhores, de vir aser discutida rigorosa e serenamente, a fim de que fossemevitadas adesões ou refutações apressadas e assim seevitariam adesões e críticas de leitores que imaginam ter oautor afirmado algo que não afirmou e isso eles perceberiamse o próprio autor continuasse com sua elaboração.

Cunha (1994, p. 61) considera que, apesar do sucesso editorial

já alcançado, o livro de Saviani ainda não foi escrito, e Ribeiro

(1994, p. 35) acredita que deste esforço coletivo para elaboração

da obra de Saviani obviamente, o próprio autor deveria participar,

trazendo a público um ou mais livros do porte de um clássico, uma

obra de maturidade.

Ambos reconhecem que o autor carece de tempo para este fim uma

vez que os cargos acadêmico-administrativos que ocupa não lhe

possibilita aplicar um maior tempo neste tipo de atividade.

Page 357: apostila filosofia da educacao 2013

A necessidade de articular teoria e prática levou Saviani a

buscar alternativas, traduzidas ou expressas na concepção que ele

denominou de Pedagogia Histórico-Crítica.

A Pedagogia Histórico-Crítica foi sendo tecida, segundo

Libâneo (1991, p.31), “na linha das sugestões das teorias

marxistas que não se satisfazendo com as teorias crítico-

reprodutivistas postulam a possibilidade de uma teoria crítica da

educação que capte criticamente a escola como instrumento

coadjuvante no projeto de transformação social”.

A base da formulação da Pedagogia Hstórico-Crítica é a

tentativa de superar tanto os limites das pedagogias não críticas

como também os das teorias crítico-reprodutivistas e o empenho em

analisar e compreender a questão educacional a partir do

desenvolvimento histórico-objetivo. Tem, portanto, sua concepção

pressuposta no materialismo histórico. De acordo com Saviani

(1991, p. 75) a pedagogia histórico-crítica “procurava reter o caráter

crítico de articulação com as condicionantes sociais que a visão reprodutivista possui,

vinculado, porém à dimensão histórica que o reprodutivismo perde de vista”.

Em 1978, em um seminário sobre Educação Brasileira, em

Campinas, as preocupações com os desdobramentos das teorias

crítico-reprodutivistas foram discutidas mais claramente. Tornou-

se evidente nestas discussões o caráter mecanicista, não

dialético, ahistórico da concepção crítico-reprodutivista.

Percebeu-se então a necessidade de análise do problema educacional

que resultasse em orientações pedagógicas e favorecesse a criação

de alternativas para solucionar os problemas e não apenas apontá-

los e criticá-los. Os esforços deixaram de ser isolados e nas

discussões coletivas em 1979 configurou-se mais claramente a

concepção histórico-crítica. Saviani enquanto coordenador da

primeira turma de doutorado da PUC / São Paulo e mais onze alunos

Page 358: apostila filosofia da educacao 2013

buscaram uma formulação teórica para superar os limites das

teorias crítico-reprodutivistas, com a apresentação de uma

proposta pedagógica articulada com os interesses populares de

transformação da sociedade.

Saviani considera que a nomenclatura de Pedagogia Histórico-

Crítica pode ser considerada como sinônimo de Pedagogia Dialética,

pois tem como objetivo a busca de um pensamento crítico dialético

para a educação. No entanto preferiu denominá-la de Pedagogia

Histórico-Crítica não só para estimular a curiosidade dos leitores

e criar oportunidades de debater o tema, mas também para evitar

uma interpretação idealista da dialética ou mesmo a visão errônea

da palavra dialética, considerando o conceito pessoal que cada

leitor tem desta palavra.

A expressão Pedagogia Histórico-Crítica é utilizada segundo

Saviani (1991, p. 95) para traduzir a passagem da visão crítico

mecanicista, crítico - a – histórica para uma visão crítica

dialética, ou seja, histórico crítica da educação. O sentido

básico da expressão Pedagogia Histórico Crítica é a articulação de

uma proposta pedagógica que tenha o compromisso não apenas de

manter a sociedade, mas de transformá-la a partir da compreensão

dos condicionantes sociais e da visão que a sociedade exerce

determinação sobre a educação e esta reciprocamente interfere

sobre a sociedade contribuindo para a sua transformação.

O método

O método preconizado por Saviani situa-se além dos métodos

tradicionais e novos e, conforme esse autor, “deriva de uma concepção

que articula educação e sociedade, e parte da constatação de que a sociedade em que

vivemos é dividida em classes com interesses opostos”. Ao invés de passos,

Saviani preferiu falar de momentos que caracterizam esse método,

Page 359: apostila filosofia da educacao 2013

sendo que esses momentos devem ser articulados em um movimento

único, cuja duração de cada um deles deve variar de acordo com as

situações específicas que envolvem a prática pedagógica. O

primeiro momento ou o ponto de partida do ensino é a prática

social que é comum a professores e alunos embora do ponto de vista

pedagógico professores e alunos possam apresentar diferentes

níveis de conhecimento e experiência desta prática social. O

segundo momento é a problematização e tem como objetivo

identificar que questões precisam ser resolvidas dentro da prática

social e que conhecimentos é preciso dominar para resolver estes

problemas. O terceiro momento é a instrumentalização, ou seja,

apropriação dos instrumentos teóricos e práticos necessários à

solução dos problemas identificados, que depende da transmissão

dos conhecimentos do professor para que essa apropriação aconteça

já que esses instrumentos são produzidos socialmente e preservados

historicamente. O quarto momento é a catarse que é a efetiva

incorporação dos instrumentos culturais e a forma elaborada de

entender a transformação social. O quinto e ultimo momento é a

prática social definida agora como ponto de chegada em que os

alunos atingem uma compreensão que supostamente já se encontrava o

professor no ponto de partida. A prática social neste sentido é

alterada qualitativamente pela mediação da ação pedagógica.

Diante dessa transformação Saviani (1985, p. 76) se refere à

educação como sendo “uma atividade que supõe uma heterogeneidade real e uma

homogeneidade possível; uma desigualdade no ponto de partida e uma igualdade no

ponto de chegada”.

A partir das considerações e das idéias dominantes nos meioseducacionais de que a Pedagogia Nova prevalecia sobre aTradicional por ser aquela cheia de virtudes e está cheia devícios Saviani tentou justificar a teoria da Pedagogia HistóricoCrítica forçando a argumentação para o outro lado, ou seja, para o

Page 360: apostila filosofia da educacao 2013

lado da Pedagogia Tradicional. Utilizou para este fim a “Teoria deCurvatura da Vara”, que foi anteriormente enunciada por Lênin parase defender quando foi criticado por assumir posições extremistase radicais. Segundo esta teoria citada por Saviani (1985 p, 41)quando uma vara está torta, não basta colocá-la na posição corretapara endireitá-la. É preciso curvá-la para o lado oposto.

Saviani considera que a Pedagogia Nova é extremista ao criticara Pedagogia Tradicional e que há uma inversão de valores no sensocomum ao definir a Pedagogia Tradicional como cheia de vícios enenhuma virtude.

Ao analisar as contradições evidenciadas pela Escola NovaSaviani tentou por meio de três teses desmitificar o caráterprogressista que essa corrente de pensamento, já convertida emsenso comum, pregava para a prática pedagógica. Visava com estasteses contestar a forma dominante de se conceber a educação ejustificar uma teoria crítica da educação (não reprodutivista) quepermitisse compreender a prática pedagógica brasileira evisualizar os aspectos sobre os quais uma teoria efetivamentecrítica deveria centrar-se.

Estas três teses consideradas por Saviani como indicações paradesvelar a verdade historicamente contextualizada demonstram afalsidade daquilo que é considerado verdadeiro e vice–versa. Aprimeira tese afirma o caráter revolucionário da PedagogiaTradicional e caráter reacionário da Pedagogia Nova. Trata-se deuma tese filosófico-histórica. A Segunda afirma o carátercientífico do método Tradicional e o caráter pseudocientífico dosmétodos Novos, portanto uma tese pedagógico-metodológica. Aterceira tese, especificamente política, preocupa-se em demonstrarque quando menos se falou em democracia no interior da escola,mais ela esteve articulada com a construção de uma ordemdemocrática; e quando mais se falou em democracia no interior daescola, menos ela foi democrática.

Com essas teses Saviani tentou mostrar que pela tendênciadominante, a vara estava torta para o lado da Pedagogia Nova e queera necessário esboçar uma teoria crítica da educação, cujaperspectiva pedagógica correspondesse aos interesses da classetrabalhadora. Proposta que abrisse espaços para as forçaspopulares e para que a escola fosse uma instituição quepossibilitasse o acesso ao saber elaborado, objetivo, produzidohistoricamente e que conduzisse professores e alunos a uma prática

Page 361: apostila filosofia da educacao 2013

social que vislumbrasse o consenso no ponto de chegada e que fossecapaz de produzir transformações em favor de uma sociedadeigualitária.

Com a apresentação da Pedagogia Histórico-Crítica Savianialmeja encontrar o ponto correto da vara, ou seja, o ponto que nãoestá curvo para o lado da Pedagogia Nova, mas que também não estácurvo para o lado da Pedagogia Tradicional. Está justamente nasteorias e métodos que valorizem e fundamentem a prática educativa,no sentido de favorecer as transformações sociais.Para que uma teoria histórico-crítica da educação possa se

constituir em pedagogia histórico-crítica, ela precisa assumir um

posicionamento sobre o que é educação e o que significa educar

seres humanos. Segundo Saviani, (1991, p.103):A Pedagogia Crítica implica a clareza dos determinantessociais da educação, a compreensão do grau em que ascontradições da sociedade marcam a educação e,consequentemente como é preciso se posicionar diante dessascontradições e desenreda a educação das visões ambíguas,para perceber claramente qual é a direção que cabe imprimira questão educacional.

Partindo da concepção de natureza humana proposta por Marx e

Engels de que o homem necessita produzir continuamente sua

existência e é pelo trabalho que ele age sobre a natureza

adaptando-a às suas necessidades, Saviani define a educação como

um processo de trabalho não material (diferente do trabalho

material que visa a produção de bens materiais para subsistência),

no qual o produto não se separa do ato de produção. O trabalho

educativo é “o ato de produzir direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular,

a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto de homens”

(Saviani, 1991, p 21).

A produção intencional da humanidade implica a produção de idéias,

conceitos valores, hábitos, atitudes, conhecimentos, ou seja, a

produção do saber ou a forma pela qual o homem apreende o mundo e

é humanizado. Conforme Saviani (1991, p. 21) “O que não é garantido pela

Page 362: apostila filosofia da educacao 2013

natureza deve ser produzido historicamente pelos homens”.Assim o saber

objetivo é considerado matéria prima para a atividade educativa e

deve ter primazia sobre o mundo da natureza, ou seja, sobre o

saber natural, espontâneo.

Apoiado em Gramsci, Saviani (1991, p. 103) define a escola

como “uma instituição cujo papel consiste na socialização do saber

elaborado, e não do saber espontâneo, do saber sistematizado e não

do saber fragmentado, da cultura erudita e não da cultura

popular”.

O projeto pedagógico resultante da pedagogia Histórico Crítica

é pautado nessas reflexões sobre o conceito de educação e de

escola e a tarefa a que se propõe essa Pedagogia em relação a

educação escolar de acordo com Saviani (1991, p. 16,17) implica:a)identificação das formas mais desenvolvidas em que seexpressa o saber objetivo produzido historicamente,reconhecendo as condições de sua produção e compreendendo assuas principais manifestações bem como as tendências atuaisde transformação;b)conversão do saber objetivo em saber escolar de modo atorná-lo assimilável pelos alunos no espaço e tempoescolares;c)provimento dos meios necessários para que os alunos nãoapenas assimilem o saber objetivo enquanto resultado, masapreendam o processo de sua produção bem como as tendênciasde sua transformação.

O grande mérito de Saviani, a despeito de ser profundo

conhecedor da obra de autores, como Marx, Engels, Gramsci, dentre

outros, está em não repetir simplesmente as idéias desses grandes

mestres, mas incorporá-las às suas reflexões, a partir de uma

análise crítica e contextualizada das circunstâncias histórico-

culturais em que cada um desses autores viveu.

E é isso que lhe dá uma autonomia de pensamento e uma coerênciacom o método que propõe para implantar sua proposta pedagógica.

Segundo Oliveira (1994, p. 108, 110).

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... não é o estudo de algum autor que lhe move a dedicar-sea determinados temas educacionais, mas é o enfrentamento dosproblemas da educação brasileira que tem dirigido a sua idaaos autores, numa constante busca de aprofundamento da suafundamentação teórica.

… Ao estudar Marx, Gramsci, Kosik, Suchodolski, Snyders,Vieira Pinto, etc. Saviani não justapõe as idéias dessesautores às suas, mas retira deles os elementos queenriquecem sua reflexão e a forma de realizá-la,reelaborando-os tendo em vista sua opção por determinadosvalores.

Saviani considera que o método é essencial ao processopedagógico, mas ele por si só não se garante e nem garante umaalteração qualitativa da compreensão da prática social. Énecessário que os agentes sociais, responsáveis pela mediação daação pedagógica, sejam agentes sociais ativos, reais, uma vez queeles também são elementos objetivos da prática social. É nessesentido que Saviani (1985, p 77) valoriza e conceitua a educaçãocomo “uma atividade mediadora no seio da prática social global”. Mediação quedeve servir de critério para se aferir o grau de democratização nointerior das escolas, considerando que a natureza da práticapedagógica supõe uma desigualdade real e uma igualdade possível.Nessa ótica, há que se perceber que Saviani vislumbra no professorum agente social ativo, comprometido politicamente com astransformações da sociedade.

Considerações Finais:

Dermeval Saviani tem seu nome consagrado entre os pensadoresque, comprometidos com a luta pela democracia, dedica oudedicaram parte de suas vidas em prol da educação, poisconsideram-na como um instrumento de mudança social etransformação da realidade.

Tem sido, também, objeto de críticas, o que é compreensível emum espaço acadêmico, com uma multiplicidade de leitores queconseguiu ao longo dos anos dedicados à causa educacional.Contudo, sabemos que as críticas são reações ao pluralismo causadopela diversidade no plano teórico ou prático e pela própriahistoricidade na qual uma tendência se fundamenta e estabeleceseus critérios de verdade.

Não podemos negar, todavia, que consagrado ou criticado,

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Saviani é uma personalidade marcante na educação brasileira e apedagogia histórico-crítica significa um avanço na construçãocoletiva de uma sociedade democrática, na medida em que centra aspreocupações na educação escolar e no saber objetivo, universalque justifica a própria existência da escola.

Não é por acaso que esse educador, desde o início dos anos 70,vem se sobressaindo como mestre e estudioso das questõeseducacionais brasileiras e que as posições que defende em debates,seminários ou em publicações estão presentes em um vasto materialdedicado à formação de professores em todo o Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CUNHA, Luiz Antônio. A atuação de Dermeval Saviani na educação

brasileira: um depoimento. In: SILVA JÚNIOR, Celestino Alves da.

(org.) Dermeval Saviani e a educação brasileira. O Simpósio de

Marília São Paulo: Cortez, 1994.

LIBÂNEO, José Carlos. A Didática e as Tendências Pedagógicas. In

CONHOLATO, M. Conceição et al. (orgs). A Didática e a Escola de 1°

grau. São Paulo: Fundação para o Desenvolvimento da Educação,

1991.

OLIVEIRA, Betty A. de. Fundamentação marxista do pensamento de

Dermeval Saviani. In SILVA JÚNIOR, Celestino Alves da. .(org.)

Dermeval Saviani e a educação brasileira. O Simpósio de Marília.

São Paulo: Cortez, 1994.

RIBEIRO, Maria Luisa Santos. Depoimento relativo a minha

experiência pessoal com Saviani. In: SILVA JÚNIOR, Celestino Alves

da. (org.) Dermeval Saviani e a educação brasileira. O Simpósio de

Marília. São Paulo: Cortez, 1994.

SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 8a. ed. São Paulo,

Cortez/Autores Associados, 1985.

____.Pedagogia histórico-crítica: Primeiras aproximações. 2. ed.

São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1991.