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PUBLICADO PELO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS JURDICAS, UFPB
- PRIMA FACIE, 2009
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Estado versus Sociedade Civil: o processo de transio para a
democracia na Paraba (1975-1979)1 State versus Civil Society: the
process of transition to democracy in Paraba, Brazil
(1975-1979)
Paulo Giovani Antonino Nunes Professor do Departamento de
Histria da Universidade
Federal da Paraba. Na mesma universidade, docente do Programa de
Ps-Graduao em Histria.
1. Introduo
A transio brasileira para a democracia
foi bastante longa. Comeou no final de 1973,
com a deciso do presidente militar, general
Ernesto Geisel2, e outros militares que se identificavam com o
antigo Presidente
Castelo Branco, entre eles, o general Golbery do Couto e Silva,
de dar incio
1 Uma verso parcial dos resultados desta pesquisa foi comunicada
no XIII Encontro Estadual da Anpuh-PB, intitulado Histria e
Historiografia: entre o nacional e o regional, realizado no ano de
2008 na cidade de Guarabira, Paraba, Brasil, tendo figurado nos
anais do referido Encontro sob o ttulo: "Estado e Sociedade Civil
na Paraba na poca da transio para a democracia (1974-1979)". Ali,
contudo, se inclura outras contribuies advindas de um projeto de
iniciao cientfica registrado no CNPq/UFPB, feitas pelas orientandas
Talita H. C. Nascimento e Suelly Cinthia C. Santos. 2 A tese,
inicialmente levantada pelo brasilianista Stepan (1988, p.10), de
que a liberalizao comeou dentro do aparelho de Estado e foi
estimulada imediatamente por algumas das instituies da prpria
situao poltica autoritria, hoje aceita pela maioria dos analistas
da transio brasileira para a democracia iniciada no incio do
governo Geisel. Lamounier (1988, p.
RESUMO: No Estado da Paraba, devido algumas de suas
caractersticas, tais como: atraso econmico, cultura poltica
oligrquica e autoritria, a sociedade considerada frgil. No entanto,
isto no impede que em determinadas conjunturas ela possa ter uma
atuao contestadora da ordem vigente. Este artigo pretende analisar
a atuao poltica, social e cultural da sociedade civil brasileira e
em especial na paraibana Igreja, partidos polticos, sindicatos,
associaes de classe, movimentos sociais, etc. na poca da transio
para a democracia no Brasil, com objetivo de verificar a importncia
da mesma para a redemocratizao do pas. Tambm iremos observar a
forma como o Estado, a nvel federal, estadual e municipal reage ao
desempenho da sociedade civil no territrio brasileiro e
especificamente no paraibano. Palavras-chaves: Estado; Sociedade
Civil; Democracia.
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liberalizao gradual do regime, e s terminou definitivamente,
apesar do governo
civil do Presidente Jos Sarney (1985-1989), em 19893, com a
realizao da primeira
eleio presidencial direta, depois de trs dcadas. Segundo
Keck:
[...] to notvel quanto a durao da transio foi a tentativa de os
militares manterem o controle sobre a situao durante grande parte
do processo, bem como o desejo demonstrado pelas foras polticas
mais importantes no campo democrtico de no precipitar uma ruptura
decisiva com o regime autoritrio (KECK, 1991, p. 11).
A poltica de distenso, promovida pelo governo Geisel, foi um
programa
de medidas liberalizantes, cuidadosamente controladas, e
definido no contexto do
slogan oficial de continuidade sem imobilidade. A continuidade
era vista no
sentido de que se deveria manter fiel s linhas mestras do modelo
econmico de
131) tambm afirma que no faltam evidncias de que os passos
iniciais da abertura foram deliberados. Ele destaca os seguintes
fatos que apontavam nesta direo: a presena de Armando Falco no
Ministrio da Justia; indicaes de que seria suspensa a censura
prvia; o apelo de Geisel imaginao criadora, durante seu discurso de
posse, manifestando a esperana de que fossem encontradas solues que
tornassem gradualmente desnecessrias as intervenes revolucionrias,
baseadas em Atos Institucionais; e, no campo da legislao eleitoral,
a chamada Lei Etelvino Lins, de 1974, um dos poucos projetos de
iniciativa parlamentar estimulados pelo Executivo, que garantia o
acesso igual e gratuito dos partidos polticos ao rdio e televiso,
durante as futuras campanhas. Seguindo a mesma linha de raciocnio,
Cava (1988, p. 238) afirma: Hoje em dia, quase todos concordam que
a poltica de distenso teve origem nos prprios meios militares,
visando primeiramente, se no de modo exclusivo, controlar uma ao
minoritria da linha dura dentro das Foras Armadas. [...] Em nenhum
momento essa poltica, ou as modificaes subseqentes que sofreu,
pretendeu de fato devolver o poder Executivo do governo ao controle
civil antes de meados da dcada de 90. Numa palavra, a distenso
(que, depois de 1978, passou a ser chamada de abertura [...] era na
verdade uma poltica estimulada pelo faccionalismo interno dos
militares e que visava assegurar de maneira mais habilidosa o
controle militar a longo prazo. 3 A transio, como veremos, ter
vrias fases, uma primeira, denominada de distenso, durante o
governo do General Geisel, onde praticamente toda a iniciativa
parte do governo que tem um controle parcial do processo. Durante o
governo do General Figueiredo, foi denominada de abertura. Nesta
fase, pela prpria dinmica do processo, o governo comeou a perder o
controle da situao, com o surgimento dos novos movimentos sociais,
principalmente, o movimento sindical. Contudo, o governo s perde a
iniciativa do processo com o advento das eleies diretas para
governadores de Estado em 1982. Com a eleio indireta, via Colgio
Eleitoral, do civil oposicionista, Tancredo Neves, para Presidente
da Repblica, em 1984, pode-se dizer que a ditadura acabou, pois
houve alternncia de poder e no governo de Jos Sarney, substituto de
Tancredo Neves, que morreu, antes mesmo de assumir o cargo, foi
convocada uma Assemblia Nacional Constituinte. Todavia, mesmo com o
fim da ditadura militar e o incio do governo civil, o processo de
redemocratizao s se completou definitivamente com a promulgao da
nova Constituio, em 1988, e a realizao das eleies diretas para
Presidente da Repblica, em 1989.
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desenvolvimento adotado e aos preceitos tericos da Doutrina de
Segurana
Nacional4, preservando, assim, os principais aspectos do aparato
repressivo.
Quanto tese da sem imobilidade referia-se ao plano governamental
de
reformas que pretendia ser um passo frente na liberalizao
progressiva, para
uma volta democracia.
De acordo com Alves, o governo pretendia fazer a distenso em
estgios
bem planejados, e na seguinte ordem: suspenso parcial da censura
prvia;
negociaes com a oposio para o estabelecimento dos parmetros de
tratamento
dos direitos humanos; reformas eleitorais, para elevar o nvel de
representao
poltica; revogao das medidas mais coercitivas, inclusive o Ato
Institucional no 5.
Para ela: A meta global da poltica de distenso era concluir a
institucionalizao
do Estado de Segurana Nacional e criar uma representao poltica
mais flexvel,
de modo a baixar os nveis de dissenso e tenso que haviam tornado
muito forte
as presses (ALVES, 1989, p. 186).
O sistema poltico que se pretendia desenvolver foi definido pelo
Presidente
Geisel como democracia relativa ou democracia forte. Nele, o
Estado disporia,
pela Constituio, de salvaguardas e poderes repressivos de
emergncia para
suspender os direitos individuais e governar por decreto sempre
que surgisse
alguma ameaa direta de contestao organizada ao regime. Todavia,
as
instituies polticas de representao seriam dotadas de
flexibilidade para
permitir uma participao restrita no processo decisrio. Enfim,
diz Alves:
Era um programa atento advertncia do General Golbery de que a
represso ilimitada, na busca de uma segurana absoluta, levaria em
ltima anlise debilitao da segurana nacional pretendida. A teoria da
distenso e as polticas derivadas dessa anlise
4 Sobre as origens, desenvolvimento e conceitos bsicos da
Doutrina de Segurana Nacional e Desenvolvimento formulada pelas
Foras Armadas brasileiras e a tentativa de sua institucionalizao
aps o golpe militar de 1964. (Ver ALVES, 1989).
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constituam uma derradeira busca de legitimao do Estado.
Tentava-se negociar e incorporar algumas das principais exigncias
da oposio de elite, num esforo de ampliao da base de sustentao do
Estado. Simultaneamente, garantia-se o controle da sociedade civil
pela aplicao seletiva do poder coercitivo (ALVES, 1989, p.
186).
Dando prosseguimento poltica de distenso iniciada no governo
Geisel,
o seu substituto Joo Batista de Figueiredo adotou a poltica de
abertura. O seu
governo ampliou a poltica de liberalizao, porm permaneceu dentro
dos
parmetros da democracia forte estabelecida por Geisel. Tanto a
poltica de
distenso com a de abertura compreendia uma srie de fases de
liberalizao,
planejadas e controladas pelos estrategistas polticos do Regime
Militar. Foi aberto
um espao poltico suficiente para conter a oposio de elite, na
esperana de se
obter maior estabilidade e apoio ao Regime, ao mesmo tempo, que
era limitada a
participao de setores da populao que pudessem fazer uma oposio
de carter
classista ao regime. Dessa forma, grupos ligados aos movimentos
sociais de
trabalhadores e camponeses enfrentaram represso, enquanto grupos
que no
eram considerados suficientemente organizados para configurar
antagonismo ou
presso puderam reorganizar-se e participar das decises
governamentais (ALVES,
1989, p. 225).
Este trabalho pretende analisar a atuao poltica, social e
cultural da
sociedade civil paraibana Igreja, partidos polticos, sindicatos,
associaes de
classe, movimentos sociais, etc. na poca da transio para a
democracia no
Brasil, com o objetivo de verificar a importncia da mesma para
a
redemocratizao do pas. Tambm iremos observar a forma como o
Estado, a
nvel federal, estadual e municipal reage ao desempenho da
sociedade civil no
territrio paraibano.
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1. O Estado e a sociedade civil no processo de transio no
Brasil
At o final dos anos de 1960, a Igreja Catlica no Brasil no se
ops ao
regime militar implantado em 1964, pelo contrrio, chegou at a
apoi-lo. Segundo
Cava, dois fatos marcaram a mudana dessa poltica: primeiro,
quando em 1970, a
Pontifcia Comisso de Justia e Paz do Vaticano e, posteriormente,
o prprio Papa
Paulo VI denunciaram a tortura no Brasil. No ano seguinte, Dom
Paulo Evaristo
Arns, recm nomeado Arcebispo de So Paulo, condenou publicamente
a tortura
de funcionrios da Igreja nas prises do Segundo Exrcito, em So
Paulo. Assim,
no incio dos anos de 1970, a Igreja Catlica brasileira viu-se
liderando uma
campanha mundial contra a tortura no Brasil. O segundo fato
aconteceu no final de
1979, na data do vigsimo quinto aniversrio da Declarao Universal
dos Direitos
Humanos das Naes Unidas, quando as Igrejas crists do Brasil (
exceo das
pentecostais) lanaram por todo o pas uma campanha pelos direitos
humanos.
Dessa forma, segundo Ralph Della Cava:
Fora dado o primeiro passo coletivo no sentido de negar
legitimidade ao regime. Mais ainda, na ausncia de associaes
voluntrias viveis e de partidos polticos, as Igrejas de um modo
geral e, em particular, a Igreja Catlica, j ento se haviam
transformado na mais proeminente fora de oposio ao domnio militar.
No caso da Igreja Catlica, excetuando-se os prprios militares,
nenhuma outra instituio dispunha, como ela, de uma rede de quadros
espalhados por toda nao, de um sistema de comunicaes (ainda que
somente de porta em porta) que funcionasse apesar da censura e, ao
contrrio dos militares, de uma organizao em escala mundial com a
qual pudesse contar em termos de apoio e na qual pudesse confiar
para dispor de uma audincia internacional (DELLA CAVA, 1988, p.
237).
Aps o culto ecumnico realizado na Catedral de So Paulo, por
ocasio da
morte, sob tortura, nas dependncias do Segundo Exrcito, do
jornalista Vladimir
Herzog, a Igreja se viu moralmente autorizada a agir por delegao
em nome da
sociedade civil. A Comisso de Justia e Paz da Arquidiocese de So
Paulo passou
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a dividir com a OAB a tarefa da campanha contra a tortura,
convertendo-se numa
fora da sociedade civil de mbito nacional (DELLA CAVA, 1988, p.
240).
Segundo Cava, trs fatores ajudaram para essa nova postura da
Igreja
Catlica: primeiro, uma nova hegemonia que comeou a se formar
dentro da
referida instituio de setores progressistas, vinculados s causas
populares;
segundo, a legitimao, por parte da CNBB, desse processo que
comeara a se
desenvolver e, por ltimo, a emergncia dos novos movimentos
sociais seculares
no meio das classes populares, principalmente, nas periferias de
So Paulo, a partir
de 1973, onde a Igreja teve uma participao direta (DELLA CAVA,
1988, p. 243).
Alves (1989, p. 201) considera que, em termos polticos, o
aspecto mais
marcante da atuao da Igreja Catlica, no perodo de transio, foi
sua capacidade
de articular a poltica formal e a poltica de base. No terreno da
poltica
formal, a atuao desta deu-se atravs da Conferncia Nacional dos
Bispos
(CNBB). Na poltica de base, atravs das vrias pastorais criadas
pela Igreja, tais
como: a da Terra, a do Mundo do Trabalho, a dos Direitos
Humanos, etc. Esse tipo
de organizao permitiu Igreja implantar uma ampla rede de grupos
locais,
arregimentando milhares de pessoas para trabalhar numa
determinada rea.
Assim, por exemplo, a Pastoral dos Direitos Humanos atuou em
todas as
comunidades de base criadas pela Arquidiocese de So Paulo e
disseminadas pelos
grupos locais em parquias, associaes de moradores e fbricas.
Estas
organizaes de base foram fonte de influncia social e poltica da
Igreja e tinha
um sistema de comunicao oral eficiente, comunicando
rapidamente
Arquidiocese a priso de militantes polticos para que a Igreja
pudesse agir em sua
defesa.
Outra entidade que desempenhou importante papel na luta contra
a
ditadura foi a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). De acordo
com Alves (1989,
p. 209), as atividades da OAB na esfera judiciria foram
importantes para ajudar a
neutralizar elementos da cultura do medo: a defesa dos presos
polticos combatia
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tanto o isolamento quanto descrena; e as campanhas educativas
de
esclarecimentos promovidas pela entidade eram eficazes
instrumentos contra o
silncio at ento imposto. Para a referida autora, os advogados
aderiram
oposio ao Regime Militar por dois motivos: primeiro, este criou
uma estrutura
paralela de leis extraordinrias outorgadas e revogadas por
decretos do Executivo,
que coexistia com o corpo tradicional de leis legitimadas pela
Constituio. Esta
dupla estrutura dificultava o trabalho profissional dos
advogados. Segundo, os
advogados que defendiam presos polticos ou investigavam as
atividades do
aparato repressivo tornavam-se constantemente alvos da represso.
Diante desta
situao, os advogados utilizaram sua entidade profissional para
pressionar o
governo federal e for-lo a restabelecer o estado de direito e
revogar a estrutura
paralela.
Alves considera que a atuao da OAB foi particularmente
importante, no
estabelecimento dos limites entre o quadro jurdico legtimo o das
leis
promulgadas pelo Congresso de acordo com a Constituio e o
sistema jurdico
paralelo e ilegtimo o das leis de exceo impostas pelo Executivo
a partir de 1964
sem a aprovao do Congresso; na defesa dos direitos humanos e na
exigncia da
revogao da legislao repressiva; e no esclarecimento da opinio
pblica sobre
questes legais e direitos pblicos e civis. Mas, para a referida
autora, em termos
polticos, a contribuio mais importante da OAB foi
provavelmente:
[...] o questionamento da legitimidade da estrutura legal do
Estado de Segurana Nacional. A Ordem e alguns respeitados juristas
estabeleceram uma distino entre o estado de Direito definido como
sistema regido por legtimas estruturas legais e o estado de exceo
caracterizado como de estruturas legais ilegtimas. As definies e a
insistncia nessa distino negava ao Estado de Segurana Nacional a
legitimao que buscara com sua constante preocupao em baixar
decretos-leis, atos institucionais (ALVES, 1989, p. 211).
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A Associao Brasileira de Imprensa (ABI) tambm teve um papel
importante na luta contra a ditadura militar instalada em 1964
no Brasil,
principalmente na luta contra a censura prvia aos rgos de
imprensa. Nos
primeiros anos do regime militar, quando a censura prvia
imprensa ainda no
havia sido instalada, o papel da ABI limitou-se coordenao das
atividades dos
jornalistas, defesa dos profissionais ameaados e promoo de
debates
educativos, conferncias e sesses de estudo. Contudo, aps a
promulgao do AI-
5, a imprensa passou a sofrer a censura prvia e outras formas de
controle. Diante
dessa nova conjuntura, a ABI alm de d prosseguimento a sua atuao
educativa,
deu cobertura organizao de comisses e grupos de combate
censura
imprensa e a outras atividades culturais de modo geral. Assim, a
partir de 1969,
tornou-se cada vez mais ativa como frum para manifestao de
recusa aos
controles impostos opinio e ao pensamento, coordenando
atividades de grupos
de oposio que defendiam a liberdade de expresso, canalizando-as
para o
terreno da poltica formal, de modo a exercer presso direta sobre
o Estado.
Alm das atividades desenvolvidas pela ABI, a prpria imprensa
desenvolveu formas alternativas de resistncia censura prvia.
Esta reao
assumiu duas formas: o surgimento de semanrios ou tabloides
alternativos de
oposio, que criticavam mais livremente as polticas econmicas e
repressivas do
governo; e a articulao de campanhas simblicas de resistncia
censura, que
consistia na publicao indireta ou disfarada de informaes, para
leitura nas
entrelinhas, e, de forma direta, na veiculao de comprovaes da
censura. Vrias
tcnicas foram utilizadas pelos rgos de imprensa para mostrar a
dureza da
censura no pas: um espao era deixado em branco para ficar claro
que houve veto,
se estampava poemas, receitas culinrias, fotografias de animais
enjaulados no
lugar dos textos censurados, etc (ALVES, 1989, p. 215 e segs.).
Segundo a referida
autora, a fuso exercida pelas atividades da ABI e a campanha
simblica dos
principais jornais obrigaram o governo do Presidente Geisel a
eliminar a censura
prvia grande imprensa, em 1975, e, em 1978 imprensa
alternativa.
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Com a suspenso da censura prvia, a imprensa passou a exercer um
papel
importante no processo de liberalizao do regime, veiculando
crticas ao modelo
econmico adotado pelo Regime Militar, denunciando corrupo no
governo,
dando abertura s denncias de tortura a presos polticos e
exigindo investigao e
o fim da violncia. Para Alves:
Os setores da elite da oposio (a CNBB, a OAB, a ABI e os grupos
organizados no MDB) desempenharam papel decisivo em ambos os
governos, de Geisel e de Figueiredo. Eles ampliaram o espao
poltico, enfrentando o Estado a partir de suas posies de autoridade
na sociedade civil e questionando a legitimidade que o Estado de
Segurana Nacional tentava assumir. Estes setores tambm lograram
bloquear as tentativas de reinstaurar medidas coercitivas (ALVES,
1989, p. 226).
A partir de meados da dcada de 1970, com a liberalizao parcial
do
regime e a revogao do AI-5, abriu-se a possibilidade legal para
o surgimento de
um movimento popular configurado na aliana entre as comunidades
de base
ligadas Igreja, os grupos associativos seculares e um novo
movimento sindical,
do campo e das reas urbanas. A partir do governo Figueiredo,
este movimento
viria desempenhar um papel importante no processo poltico e na
oposio ao
regime militar. Segundo Mainwaring:
Seria enganoso atribuir peso significativo aos movimentos
populares no incio da abertura. Alis, a debilidade dos movimentos
populares, e no sua fora, foi um fator importante na criao de
confiana dentro do regime, para que ele pudesse se liberalizar sem
temer efeitos adversos. E especialmente nas reas rurais, a
abordagem do regime aos movimentos populares permaneceu repressiva
at 1978.
Entretanto, a abertura permitiu mais espao para os movimentos
populares, os quais usaram esse espao para colocar novos itens na
agenda poltica (MAINWARING, 1988, p. 306).
Lamounier tambm concorda com a tese de Mainwaring. Para ele:
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A importncia dos movimentos da chamada sociedade civil
movimentos estudantis, religiosos, de associaes profissionais,
finalmente sindicais no foi tanto a de forar o incio da abertura,
mas sim a de ir aos poucos criando constrangimentos no formais,
porm eficazes, ao exerccio ditatorial do poder (LAMOUNIER, 1988, p.
124).
Estes movimentos de base eram de dois tipos: os movimentos
seculares e os
vinculados Igreja Catlica. As organizaes de base seculares eram
associaes
cvicas, independentes do Estado em financiamento e administrao.
Estas
organizaes tinham nomes variados: associaes de moradores de
bairros,
sociedades ou associaes de amigos de bairros, associaes de
moradores de
favela ou associaes comunitrias. Elas objetivavam mobilizar a
populao para
atividades de presso poltica, privilegiando a mobilizao da
comunidade para
obteno de melhorias no bairro (ALVES, 1989, p. 225-226). Segundo
esta autora:
Durante o perodo do Estado de Segurana Nacional, as associaes de
moradores e favelados tm desempenhado papel decisivo na organizao
dos pobres. A partir de suas organizaes locais, a populao aprendeu
a coordenar campanhas mais amplas, de nvel estadual ou nacional,
para pressionar o governo (ALVES, 1989, p. 229).
Quanto aos movimentos de base vinculados Igreja Catlica, alm da
parte
canalizada institucionalmente pelas organizaes da CNBB e das
diferentes
pastorais, surgiram as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)5.
Elas so pequenos
grupos de fiis organizados junto a uma parquia urbana ou rural e
tm
geralmente origem no trabalho de agentes pastorais, animadores
de comunidades
ou diconos, padres e membros de ordens religiosas. Segundo
Alves:
A importncia poltica e social das CEBs est em sua capacidade de
despertar a conscincia crtica da condio de opresso e estimular o
respeito prprio, a esperana e, em conseqncia, uma efetiva
5 Sobre as origens e a histria das CEBS, ver Camargo (1982, p.
59-81) e Beto (1981).
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ao pela mudana. O papel conscientizador das CEBs tem contribudo
para o significativo fortalecimento dos movimentos populares de
base. Elas desempenham duas importantes funes no movimento social
global: estimulam a efetiva organizao e inspiram profundo
compromisso com a participao democrtica interna, valorizando cada
ser humano e ativando seu potencial como agente de mudana histrica.
Desse modo, as comunidades de base tm sido verdadeiras escolas de
semeadura da participao democrtica (ALVES, 1989, p. 235-236).
Em meados de 1978, um novo personagem entra em cena, os
trabalhadores
urbanos - que estavam afastados da cena poltica desde a represso
s greves de
Osasco e Contagem em 1968 - com a greve da indstria
automobilstica do ABC,
cinturo industrial de So Paulo, liderada pelo presidente do
Sindicato dos
Metalrgicos de So Bernardo, Lus Incio Lula da Silva.
O movimento sindical brasileiro parecia adormecido no incio dos
anos
70, aps toda represso que se abateu sobre ele, desde o golpe
militar de 1964.
Todavia, no interior das fbricas, havia pequenas mobilizaes por
melhores
condies de trabalho, reajustes salariais, etc., que levavam
realizao de aes
do tipo operao tartaruga, a greves de algumas horas, recusa de
fazer horas-
extras e atos de ativismo no visveis para a sociedade como um
todo, mas que
serviram para manter a identidade dos trabalhadores enquanto
grupo social.
A partir da distenso, lenta, gradual e segura, de Geisel, em
1974, a
conjuntura tornou-se mais favorvel para o movimento sindical e,
a partir da,
foram surgindo fatos que levaram reorganizao do movimento
sindical
brasileiro, como a campanha de reposio salarial realizada pelo
Sindicato dos
Metalrgicos do ABC, a partir da descoberta da falsificao do
ndice da inflao
para o ano de 19736. Esta campanha, apesar de no ter sido
vitoriosa, serviu para
6 O DIEESE descobriu que o governo publicou um ndice
inflacionrio menor do que o realmente havido, com o objetivo de
conceder uma menor reposio salarial aos trabalhadores. Esta fraude
foi depois confirmada pelo Banco Mundial e publicada na imprensa em
1977, o que desencadeou uma campanha pela reposio do que os
trabalhadores tinham perdido na poca.
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que os trabalhadores percebessem que o sindicato era alguma
coisa alm de um
servio de assistncia social. Serviu, tambm, para que o sindicato
percebesse a
importncia da mobilizao dos trabalhadores, j que as lutas
anteriores tendiam a
ser encaminhadas por meios jurdicos, sem a participao dos
trabalhadores, e a
luta pela reposio salarial ajudou a atrair amplos setores da
sociedade para o
movimento.
Outro fato marcante foi realizao do V Congresso da
Confederao
Nacional dos Trabalhadores na Indstria (CNTI), no Rio de
Janeiro, em 1978. Neste
encontro, um grupo de sindicalistas dos sindicatos oficiais,
entre os quais se
encontrava Lula, na poca, presidente do Sindicato dos
Metalrgicos do ABC,
ops-se cpula da CNTI, considerada vinculada aos interesses dos
patres e do
governo, formando um grupo de oposio. Estes sindicalistas
passaram a ser
denominados desde ento, de sindicalistas autnticos (KECK, 1988,
p. 325 e
segs.). Segundo Rodrigues, deste grupo:
[...] faziam parte, de um lado, a nova gerao de diretores de
sindicatos
[...] que nesse momento poderiam ser classificados tambm
como
independentes e, de outro lado, os sindicalistas com
vinculao
partidria, basicamente com o PCB [...]. Em funo da reunio da
CNTI,
quando os dois grupos se aproximaram na crtica aos dirigentes
dessa
entidade e na defesa de uma postura mais militante do
sindicalismo surgiu
um organismo de coordenao, a Intersindical7 de existncia
efmera
(RODRIGUES, 1991, p. 15-16).
Outro fato considerado significativo foi a realizao do IX
Congresso de
Trabalhadores nas Indstrias Metalrgicas e de Material Eltrico do
Estado de So
Paulo, em janeiro de 1979. Nele se colocou a criao de uma
Central nica dos
7 A Intersindical, apesar das divergncias entre os sindicalistas
combativos, liderados por Lula, e os reformistas, liderados pelos
partidos comunistas, se manteve at os momentos que antecederam a
criao da CUT, em 1983, quando no mais foi possvel manter a unidade
entre estas correntes.
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Trabalhadores como um dos objetivos a ser alcanado pelos
trabalhadores e
tambm se defendeu a criao de um Partido dos Trabalhadores8.
A partir da segunda metade dos anos de 1970, o movimento
estudantil, que
foi duramente reprimido a partir de 1968 e teve suas organizaes
representativas
autnomas proibidas de funcionar, volta a ter uma atuao pblica e
uma
influncia importante na luta contra a ditadura devido sua
visibilidade. Segundo
Marcondes:
Caberia ao movimento estudantil, o ME, a honra de ser o primeiro
a botar a cara para bater. Literalmente.
Primeiro, foram as manifestaes dentro do campus. Contra
diretores de faculdades autoritrios, contra a poltica educacional
do governo, por melhorias nos restaurantes universitrios [...]. At
chegar as reivindicaes mais politizadas, como passeatas pela
libertao dos presos polticos. Eram chamadas cada vez mais frequente
assembleias gerais universitrias, que uniam estudantes das diversas
faculdades, tornando palpvel a reconstruo do Diretrio Central
(MARCONDES, 1997, p. 7).
Em 1977, um protesto sobre questes acadmicas prolonga-se
para
manifestaes antigovernamentais. Apesar da represso, na maioria
das
manifestaes tentativa de greve na UNB e priso de 850 estudantes,
que pediam
o restabelecimento da democracia num encontro nacional de
estudantes em Belo
Horizonte a polcia mostrava hesitao. Segundo Skidmore, Pela
primeira vez
desde 1968, os ativistas sentiram que poderiam enfrentar o
aparelho de segurana (1988,
p.43).
8 A proposta de criao do Partido dos Trabalhadores foi levada ao
referido Congresso pelo ento deputado federal do MDB paulista,
Benedito Marclio, presidente do Sindicato dos Metalrgicos de Santo
Andr, que mantinha relaes com a organizao trotskista, Convergncia
Socialista, apesar de no fazer parte da mesma. A referida proposta
foi aprovada e passou a constar nas resolues do mesmo.
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PAULO GIOVANI ANTONINO NUNES
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No mesmo ano, os estudantes comearam a reorganizao da UNE,
com
uma srie de manifestaes e passeatas, inicialmente em So Paulo,
posteriormente
em todo pas. No dia 22 de setembro de 1977, os estudantes
realizaram na USP um
Encontro Nacional para eleger uma comisso de representantes que
se
encarregaria da reorganizao clandestina da UNE. Ao mesmo tempo,
na PUC se
realizava uma assemblia universitria programada para encobrir o
Encontro
secreto. Ao fim da assemblia, foi comunicada a realizao do
referido Encontro, e
os estudantes decidiram realizar, noite, uma comemorao aberta no
auditrio da
Universidade, mas foram duramente reprimidos pela Policia
Militar de So Paulo,
comandada pelo coronel Erasmo Dias. Bombas feriram dezesseis
estudantes,
centenas foram presos e sete enquadrados na Lei de Segurana
Nacional.
Durante esse perodo de reorganizao do movimento estudantil que
se
iniciou na USP e se espalhou por todo Brasil, as principais
tendncias que
disputavam a liderana do movimento eram as seguintes: Refazendo,
originada de
militantes da Ao Popular (AP); Liberdade e Luta (Libelu),
vinculada
Organizao Socialista Internacionalista (OSI); Caminhando, ligada
ao PC do B;
Alternativa, ligada Organizao Revolucionria Marxista Poltica
Operria
(Polop) e Organizar a Luta, ligada ao MEP.
2. A transio no Estado da Paraba
A candidatura do deputado federal Antnio Mariz, ao governo do
Estado
da Paraba em 1978, pela ARENA, foi um desafio ao sistema
implantado em 1964,
com o golpe poltico-militar, no Estado, e chegou a ter certa
repercusso a nvel
nacional. Esta candidatura foi fruto dos desentendimentos
ocorridos a partir do
chamado Acordo de Braslia. Este acordo celebrava a reconciliao
poltica entre
os ex-governadores do Estado, Joo Agripino e Ernani Styro, que
estavam
rompidos dentro da ARENA desde 1974, e procedia-se uma diviso
dos cargos em
disputa. Pelo acordo, o ento governador Ivan Bichara seria
lanado ao senado,
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pela via direta, Ernani Styro seria o senador binico e o
deputado federal Antnio
Mariz, o governador. Mas este acordo no foi aceito de forma
unnime pelos
diversos lderes polticos do Partido. Ele deixou de fora figuras
do Partido como os
senadores Domcio Gondim e Milton Cabral e o deputado federal
Wilson Braga.
Quanto aos primeiros, alegava-se que no tinham densidade
eleitoral. Com relao
a Braga, pairava contra ele a acusao de ter-se aliado,
juntamente com os
deputados federais da Paraba, Teotnio Neto e Maurcio Leite, ao
grupo de
parlamentares articulador da candidatura do General Silvio Frota
Presidncia da
Repblica.
O governador Ivan Bichara no aceitou o acordo e comeou a
trabalhar pela
candidatura do senador Milton Cabral para governador do Estado,
ao mesmo
tempo procurava inviabilizar a candidatura de Mariz. Um relatrio
tentando
relacionar o deputado Antnio Mariz com os polticos cassados pelo
regime militar
de 1964 foi enviado para o Presidente da Repblica, Joo Batista
de Figueiredo,
pela ARENA da Paraba. Conforme reproduziu Jrio Machado, o
documento traz
sobre Mariz o seguinte:
Fora de dvida que o deputado federal Antnio Mariz, pelo seu
passado de ativista e pela sua formao marxista (foi secretrio geral
da UNE) no tem condies para ajustar-se aos ideais revolucionrio de
1964, como tem demonstrado nas suas manifestaes pblicas, na sua
atuao no Congresso Nacional, nas suas amizades e nos atos
praticados nos cargos que chegou a ocupar.
No obstante ter sido poupado pela revoluo, at hoje, tem mantido
perfeita coerncia com o seu passado, jamais tendo qualquer palavra
de apoio ao movimento de 1964 ou simpatia causa revolucionria
(MACHADO, 1978, p. 45).
Bichara no conseguiu emplacar a candidatura do senador Milton
Cabral
para governador, junto aos militares, todavia conseguiu vetar a
candidatura do
deputado federal Antnio Mariz e indicar o seu Secretrio de
Educao, Tarcsio
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PAULO GIOVANI ANTONINO NUNES
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de Miranda Burity para o cargo de governador, ficando Milton
Cabral com a vaga
de candidato a senador binico. Porm, Mariz no aceitou
passivamente a sua
preterio como candidato da Arena ao governo do Estado, e, ao
retornar a
Paraba, fez um discurso na Praa Joo Pessoa, para um grande
contingente de
pessoas, criticando todo o processo de escolha e o prprio
regime.
Mariz, ao no aceitar a deciso tomada em Braslia, decidiu
registrar sua
candidatura a governador. Tinha-se dessa forma, duas
candidaturas ao governo do
Estado da Paraba, dentro da Arena. Ainda conforme Jrio Machado,
assim se
referiu um reprter da revista Isto sobre a eleio da Paraba: a
Paraba est
preparada para assistir [...] mais agitada de todas as convenes
arenistas do pas, j que
uma vitria de Mariz ter o impacto de um p-de-cabra forando a
porta do sistema. E
talvez disparando o alarme do AI-5 (Cf. MACHADO, 1978, p.
120).
Na conveno, dos 286 convencionais aptos para votar, compareceram
e
votaram 281. Tarcsio Burity teve 152 votos e Antnio Mariz 124.
Trs votaram em
branco e dois nulos. Para senador binico, Milton Cabral derrotou
o ex-
Governador Ernani Styro por 162 votos a 111. Cinco votaram em
branco e trs
nulos.
Aps sua derrota, para o governo do Estado, Mariz e outros
dissidentes da
ARENA, apoiaram Humberto Lucena, do MDB, na eleio direta para o
Senado,
que derrotou o candidato da ARENA, o ex-governador Ivan Bichara.
Assim,
segundo Rolim:
As causas da derrota da Arena, na Paraba, no esto enquadradas no
cenrio geral que caracterizou as vitrias do MDB em So Paulo, Rio de
Janeiro, Paran, Rio Grande do Sul ou Minas Gerais. Acham-se aqui
mesmo, como decorrncia do desfecho da escolha do Governador (ROLIM,
1979, p. 121).
Apesar dos dissidentes da ARENA terem contribudo para a derrota
do
Partido nas eleies para o senado, Mello destaca que os membros
da mesma no
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tinham o perfil de contestadores do regime e aderiram dissidncia
por questes
pessoais e de disputas por espao na poltica local. Buscando
comprovar esta
afirmao, afirma que:
[...] mesmo com a radicalizao avanando, esses deputados e os
prefeitos que o acompanhavam continuaram, com raras excees, a
frequentar as Secretarias de Estado do Governo tanto antes quanto
depois do afastamento do Governador Bichara em busca de benesses,
como bolsa de estudos, subvenes, auxlios e at nomeaes, no festim de
despedida do bicharismo (MELO, 1978, p. 294).
A responsabilidade de imprimir contedo programtico
dissidncia
caber ao deputado Antnio Mariz. Este, alm de fazer crticas ao
regime no seu
discurso em praa pblica, ao ter seu nome rejeitado pela ARENA,
em outra
oportunidade, num discurso na Cmara dos Deputados, teceu crticas
mais
profundas ao regime militar. Na ocasio, ele atacou a ausncia, no
processo
poltico nacional, de liberdade e participao, a institucionalizao
dos senadores
binicos, o abandono do Nordeste, a m distribuio da renda
nacional, a funo
draconiana da lei de greve, os crditos educativos, por os mesmos
comprometerem
a gratuidade da educao, e concluiu sua interveno, defendendo um
reforma
constitucional que restitusse a democracia, como expresso da
liberdade em todas as
suas formas (MELO, 1978, p. 295).
Alm do apoio dos dissidentes da ARENA, outros fatores que
contriburam
para a vitria do MDB, na eleio para o Senado na Paraba, foram: o
recurso da
sublegenda e a estrutura partidria do MDB, pois a Paraba era um
dos poucos
estados do Nordeste onde o MDB detinha um significativo nmero de
prefeituras
e diretrios municipais na maioria das cidades (ROLIM, 1979, p.
121). O autor
citado conclui sua anlise das eleies de 1978, na Paraba, nico
estado do
Nordeste onde a oposio fez um senador, da seguinte forma: ... o
que se infere
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que a nica vitria da oposio nesta parte do Brasil foi alcanada
de braos cruzados. O
esforo maior - e decisivo ocorre nos arraias arenistas (ROLIM,
1979, p. 121).
Quanto s eleies para a Cmara Federal e a Assemblia Legislativa,
a
ARENA e o MDB mantiveram o mesmo nmero de cadeiras, houve
apenas
algumas mudanas de nomes, sem nenhuma significao do ponto de
vista poltico
e ideolgico.
Contudo, se as eleies de 1978, quanto estrutura de poder local,
no
apontaram para uma real transformao, em relao estrutura
poltico-partidria,
representaram um esgotamento do regime poltico militar,
institudo com o Golpe
de 1964. Pois:
De um lado, a ciso no interior da ARENA um indicativo de que as
foras polticas, mesmo aquelas vinculadas ao bloco de poder, j no
podiam permanecer presas a um espao poltico restrito e limitado.
Suas divergncias internas j extrapolavam os limites da convivncia
no interior de uma mesma legenda e exigiam a abertura de novos
espaos de atuao poltica. Por outro lado, a macia presena popular
que acompanhou a campanha de Mariz, dando a essa eleio ares de
disputa democrtica pelo voto do povo, tambm ilustrativa da
impossibilidade de ainda manter-se a populao afastada da vida
poltica nacional (CITTADINO, 1999, p. 127).
No campo social, neste perodo de abertura poltica, h retorno de
alguns
movimentos, principalmente de conflitos pela terra. Entre os
principais, esto os
das fazendas de Alagamar, Retirada, Mucat, Coqueirinho,
Cachorrinho,
Mumbaba e Camucim9, e um incipiente movimento sindical
combativo,
influenciado pelos acontecimentos do ABC e pelo trabalho de base
da Igreja
Catlica.
O Estado da Paraba, como outros estados brasileiros, sofreu um
processo
concentracionista da terra, que se deu de forma brutal e
violenta, com a expulso
9 Para um levantamento minucioso dos conflitos de terra da
Paraba, do final da dcada de 1970 a segunda metade da dcada de
1990, ver Emlia Moreira (1997). Aqui iremos apresentar apenas
alguns conflitos acontecidos no perodo analisado.
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de suas terras dos pequenos proprietrios e arrendatrios. Este
processo foi
garantido com o golpe militar de 1964, com a desmobilizao dos
trabalhadores
rurais e camponeses aps o massacre das Ligas Camponesas. dentro
deste
processo acelerado de concentrao de terra e do processo de
distenso poltica do
regime militar que se d a luta dos camponeses por sua permanncia
na terra.
Os camponeses da Grande Alagamar (Salomo, Urna, Mombuca, Saco,
Serra
de So Jos, Sapocaia, Cavalo Morto, Furna dos Caboclos, Teju,
Piacas, Maria de
Mulo, Caipora) ocupavam esta terra h mais de 40 anos como
arrendatrios, e
gozavam de uma certa liberdade. Segundo o Arcebispo da Paraba,
na poca,
Dom Jos Maria Pires.
Enquanto vivia, o Senhor Arnaldo Maroja dava liberdade aos
moradores de cultivarem a terra plantando lavouras de subsistncia e
criando alguns animais. O proprietrio contentava-se com o foro que
lhe era pago em dia [...].
At a morte do Senhor Maroja, essas famlias tinham uma situao
calma e tranqila, visto que podiam trabalhar, produzir e morar na
Fazenda de Alagamar sem sofrer presso. Eram respeitados seus
direitos. Agora a coisa mudou. Toda aquela tranqilidade ruiu ante a
radical mudana do sistema (ROLIM, 1979, p. 43).
Com a morte do antigo latifundirio as terras passaram para os
herdeiros
que venderam a usineiros pernambucanos, que passaram a tentar
explor-la
segundo uma nova lgica do capital. Isto transformaria os
arrendatrios em
trabalhadores assalariados, com sua resistncia iniciou-se o
conflito. Os
trabalhadores tiveram total apoio da igreja atravs do Centro de
Defesa dos
Direitos Humanos da Arquidiocese, onde o advogado deste rgo,
Wanderley
Caixe - futuro candidato a prefeito de Joo Pessoa pelo PT - foi
pea fundamental
no desenrolar do conflito, os trabalhadores tambm procuraram o
apoio do
sindicato da categoria, FETAG, CONTAG, que se incorporaram luta,
dentro de
suas condies.
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O ano de 1977 foi todo de grande tenso, inclusive com alguns
enfrentamentos diretos entre jagunos e trabalhadores. J em 1978,
a luta teve
outro encaminhamento, com a tentativa de mobilizar a opinio
pblica no sentido
de pressionar os organismos estatais, tanto a nvel federal como
estadual para
resolver o problema, mas nada de concreto foi obtido.
Segundo Rolim, em outubro de 1978, um agrupamento de camponeses
veio
at Joo Pessoa com o intuito de relatar ao Governador do Estado,
fatos violentos
ocorridos naquela zona, pedir proteo policial e insistir na tese
da desapropriao.
Segundo o referido autor, o governo do Estado tomou algumas
providncias, sem,
no entanto, melhorar muito a situao, j que a resoluo do problema
dependia
do Governo Federal. Quanto aos proprietrios, havia uma certa
preocupao,
devido, sobretudo, ao receio de que uma deciso favorvel aos
camponeses viesse
a funcionar como estimulo a reivindicaes semelhantes em outras
partes do
Estado, onde j existiam sinais de crise. Alm disso, acusavam os
setores da Igreja,
entre eles, o Arcebispo Dom Jos Maria Pires, de serem coniventes
e estimuladores
da subverso. Como se pode observar nesse depoimento de Carlos
Pessoa,
Presidente da Federao da Agricultura do Estado da Paraba, na CPI
da
Assemblia Legislativa da Paraba.
Minha denncia de que se o problema hoje est existindo aqui
nessas propriedades, esses problemas tm sido criados por elementos
comprometidos com a situao reinante no Pas; elementos que j
estiveram envolvidos em atos de agitao, pelos quais foram
condenados, que o caso, entre outros, do advogado Wanderley Caixe.
A situao existente, esse clima de desentendimento que ns estamos
observando nessas propriedades tm sido urdidos, ardilosamente, por
estes cidades (sic) (ROLIM, 1979, p. 44).
Na mesma linha de argumentao foi o depoimento na referida CPI
de
Waldomiro Coutinho, proprietrio na zona conflituosa:
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Existe uma liderana fora da liderana sindical dos trabalhadores
rurais, comandada pela Igreja na nossa terra e que o povo paraibano
hoje j sabe, porque as palavras so pblicas, so em recinto aberto e
no tem nada escondido. uma pregao totalmente contrria ao regime do
Pas. O direito de propriedade, existiu, existe, e eles entendem de
tirar esse direito que garantido para ns proprietrios (ROLIM, 1979,
p. 45).
Segundo Rolim, este era o quadro quando da visita do Presidente
da
Repblica, Ernesto Geisel a Paraba, no dia 7 de novembro de 1978,
com o intuito
de ajudar seus candidatos na eleio que se aproximava. Enquanto
ele se reunia
com lideranas arenistas no Palcio da Redeno, um grupo de
camponeses se
colocou em frente ao Palcio, na esperana de falar com o
presidente e entregar-lhe
um documento reivindicatrio. No foram recebidos por Geisel, mas
este
observando a movimentao, foi informado do fato pelo Governador
Dorgival
Terceiro Neto, e recomendou que o Memorial fosse recebido por um
membro de
seus auxiliares. Garantiu, ainda, que examinaria o assunto logo
que chegasse a
Braslia. Assim, s vsperas das eleies de 1978, Geisel assinou o
Decreto no
82.614, desapropriando 2.000 hectares de terras nas Fazendas
Alagamar e Piacas,
tentando como isso angariar votos para a ARENA, que estava
bastante desgastada
a nvel nacional. Tanto que, o governador Dorgival Terceiro Neto
mandou
divulgar a notcia de desapropriao, acompanhado de histrico de
sua
participao no caso, em continuidade s negociaes processadas, por
Ivan
Bichara Sobreira, antes de sair do Governo para pleitear mandato
de Senador, pela
via direta.
Em 1979 novos fatos foram incorporados: a desapropriao decretada
por
Geisel no aconteceu de fato. Foi descoberta uma jazida de
calcrio na rea, que
veio valoriza-la, alm disso, as medidas do governo Burity,
instalando um Posto
Policial na rea, com a inteno de pacificar Alagamar s fizeram
prejudicar os
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trabalhadores. Maria Cndida Gonalves reproduz a seguinte matria
do Jornal O
Norte:
Os trabalhadores rurais da fazenda Alagamar, na zona do Brejo
Paraibano, disseram ontem que o clima de intranqilidade na regio em
face da atitude suspeita dos policiais colocados na regio pela
Secretaria de Segurana para manter a ordem, os quais so vistos
freqentemente em conversas prolongadas com os chamados pistoleiros
a servio dos proprietrios (GONALVES, 1981, p. 63).
Tambm foi conseguido neste ano um maior apoio da populao
urbana,
atravs do Comit de Apoio aos Agricultores de Alagamar, composto
por
representantes do MDB-Jovem de Campina Grande, Movimento
Pr-Partido dos
Trabalhadores, Associao dos Docentes da UFPB-JP, Diretrio
Central dos
Estudantes, Igreja, Movimentos de Bairros, Pastoral Operria,
Secundaristas,
Associao do Magistrio Pblico do Estado da Paraba e algumas
pessoas
individualmente que elaboraram manifestaes de apoio e alguns
documentos
sobre o problema de Alagamar. O Presidente da Repblica, Joo
Batista Figueiredo
assinou no dia 31.10.79 um novo decreto de desapropriao, que
invalidava o
anterior assinado por seu antecessor.
Quanto questo sindical, quando, no final da dcada de 1970,
comearam
a surgir as primeiras oposies sindicais em Joo Pessoa, todos
os
sindicatos/associaes da cidade se caracterizavam por prticas
assistencialistas e
pouco mobilizadoras da categoria com exceo da ADUF/JP, fundada
em
outubro de 1978 e que j nasceu dentro do campo do sindicalismo
combativo
como podemos constatar nesta entrevista de Edvan Silva dirigente
sindical,
representante da corrente dos combativos, a Secretaria de Formao
da CUT/PB:
...ento no geral, a maioria dos sindicatos aqui eram tudo ligado
ao movimento de direita
[...] justamente tudo ligado e a trabalho (NUNES, 2000, p.
295).
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Na conjuntura de 1979, comeam a surgir de forma mais concreta
as
oposies sindicais, que iro combater este sindicalismo. O
trabalho de base
iniciou-se desde 1975, por iniciativa de militantes da Igreja
Catlica, e intensificou-
se com a criao da Pastoral Operria, no ano seguinte. As
primeiras entidades
onde as oposies ligadas ao novo sindicalismo ganharam as direes,
foram a
AMPEP e do Sindicato dos Txteis.
Na Paraba, apenas estas duas organizaes sindicais urbanas
participaram
do processo de criao do PT no Estado da Paraba, no ano de 1980,
e,
posteriormente da Central nica dos Trabalhadores (CUT), em julho
de 1984, alm
de alguns sindicatos de trabalhadores rurais e membros de
oposies sindicais. O
Congresso de Fundao da CUT/Pb foi realizado no Centro de Vivncia
da
Universidade Federal da Paraba, com a participao de 123
delegados,
representando entidades urbanas e rurais.
A Igreja Catlica vai ter uma participao importante nestes
movimentos,
tanto nos conflitos rurais como na organizao das oposies
sindicais. Ela atua
atravs de vrios organismos criados com esta finalidade, como o
Centro de Defesa
dos Direitos Humanos da Arquidiocese, que foi um dos primeiros
do gnero no pas,
coordenado pelo militante poltico ligado luta de resistncia ao
regime militar, o
advogado Wanderley Caixe, que posteriormente, em 1985, vai ser
candidato a
prefeito de Joo Pessoa pelo PT. E atravs de organismos de base
que objetivavam
a reorganizao dos movimentos populares, tais como: Ao Catlica
Rural (ACR),
Movimento de Evangelizao Rural (MER), no campo; e Pastoral da
Juventude, Pastoral
Operaria, Comunidades Eclesiais de Base, Ao Catlica Operria,
etc., na zona urbana.
A Pastoral Operria foi a principal responsvel pela organizao das
primeiras
comemoraes do 1o de maio em Joo Pessoa, durante o regime
militar.
Inicialmente, de 1976 a 1978, tais comemoraes se faziam em
ambientes fechados
e contando, sobretudo, com participantes dos grupos de
trabalhadores
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organizados pela referida Pastoral em alguns bairros da cidade.
A partir de 1979, a
Pastoral Operria se articula com oposies, sindicatos mais
combativos e
movimentos populares para fazer comemoraes pblicas.
Mas outras entidades, sem vnculo com a Igreja, tambm se faro
presentes
na luta pela reorganizao dos movimentos sindical e popular,
nesta conjuntura de
transio do regime militar. Na rea universitria, foram sendo
reorganizadas as
entidades estudantis, o que culminou com a recriao da Unio
Nacional dos
Estudantes (UNE), em 1979, em Salvador. Na Paraba as comemoraes
dos 10 anos
da morte do estudante Edson Luis consistiram num impulso
importante. No setor
docente, foi criada em 1978 a Associao Docente.
Tambm surgir neste perodo o Movimento Feminista pela Anistia
(MFA) da
Paraba, como parte de uma articulao nacional em defesa dos
presos e exilados
polticos. O referido Movimento, juntamente com a seo paraibana
do jornal O
Trabalho, se destacar pela luta de libertao dos presos de
Itamarac, onde se
encontravam alguns paraibanos. Em seguida, esse papel ser
desempenhado pelo
Comit Brasileiro de Anistia, que ser criado na Paraba no incio
de 1979. Ainda
em 1979, na esfera da luta pelos direitos da mulher, foi criado
o Centro da Mulher
de Joo Pessoa, que, em 1980 passa a se chamar Grupo Feminista
Maria Mulher.
A primeira manifestao poltica pblica, do campo da esquerda, no
Estado
da Paraba foi uma procisso organizada com o apoio da
Arquidiocese da Paraba,
em 1978, pela libertao do preso poltico Caj10, que contou
inclusive com a
participao do Arcebispo Dom Jos Maria Pires.
10 Edvaldo Nunes da Silva, conhecido como Caj, era um dos
coordenadores das Pastorais no Recife e de forma clandestina, um
dos dirigentes do Partido Comunista Revolucionrio (PCR). Foi preso
no Recife e na priso passou uns bilhetes dando orientaes a
militncia de seu Partido, esse material foi apreendido pela polcia,
expondo assim sua vinculao com o Partido clandestino.
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Concluso
De acordo com Mello no Estado da Paraba a sociedade civil no
reuniu
consistncia e autonomia para fazer face ao aparelho do Estado.
Assim, o referido
autor, partindo do reconhecimento desta situao, afirma que na
Paraba, o
processo eleitoral no transita da sociedade para o Estado, mas
sim deste para aquele, o que
significa posicionar-lhe o aparelho estatal no centro dessa
sistemtica (MELO, 2001, p.
120). Para ele, a sistemtica poltico-eleitoral paraibana
tornou-se mais agente de
estadania11do que cidadania, no sentido de que seus atores
aparecero mais como expresso
da mquina estatal que intrpretes da sociedade (MELO, 2001, p.
121).
Porm, mesmo que a supremacia do Estado sobre a sociedade civil
seja uma
das principais caractersticas da estrutura de poder na Paraba,
no significa que
esta seja algo amorfa, em todas as fases da histria paraibana.
Pois, apesar da
represso do aparato estatal, ela manifestou-se e chegou a
contestar de forma
veemente o sistema, como nos momentos que antecederam o golpe
militar de 1964.
Neste momento, no mbito da sociedade civil, se destacaram na
luta por
transformaes sociais no Estado da Paraba, entre outros, a
Associao Paraibana
de Imprensa (API), o movimento sindical, o movimento estudantil
e,
principalmente, o movimento campons, atravs das Ligas
Camponesas.
No perodo ps 1964, estes setores da sociedade civil foram
literalmente
colocados fora de embate, com a represso que se abateu sobre
eles. Mas, a partir
de meados da dcada de 1970, estes movimentos ressurgem, ainda
que de forma
dbil, incentivados pela Igreja Catlica, que tinha adotado uma
nova postura
diante do social, aps a realizao do Conclio Vaticano II, entre
os anos de 1962-
65, e a Segunda Conferncia dos Bispos da Amrica Latina, em
Medelln, na
Colmbia, em 1968, que procurou traduzir os ensinamentos do
referido Concilio
11 Carvalho define estadania como participao no atravs da
organizao de interesses, mas a partir da mquina governamental ou
contato direto com ela (apud MELLO, 1989, p. 121).
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para a realidade latino-americana. Na ocasio a Igreja fez a opo
preferencial
pelos pobres.
Na Paraba, a Igreja, a partir da posse do Arcebispo Dom Jos
Maria Pires,
em 1975, passa a ser a grande incentivadora para o ressurgimento
dos movimentos
sociais, principalmente, o movimento sindical e campons, que iro
se fortalecer,
relativamente ao perodo anterior, a partir da dcada de 1980.
Tambm voltou
cena, nesta conjuntura de abertura o movimento estudantil e
surgiu um
incipiente movimento feminista de classe mdia. Alm de que, a
Ordem dos
Advogados do Brasil, seo da Paraba (OAB-PB), que historicamente
sempre teve
uma atuao imobilista, e a Associao Paraibana de Imprensa, que
anteriormente
a 1964, j se destacara por uma postura combativa, procuraram
imprimir uma
atuao mais progressista, em defesa da restaurao do Estado de
Direito.
Estes arroubos da sociedade civil, no invalidam a tese de que no
Estado
da Paraba, ela seja frgil, principalmente, diante de um estado
controlado por uma
elite tradicional, que hegemoniza a poltica a partir do uso dos
recursos pblicos,
com prticas clientelsticas e autoritrias.
State versus Civil Society: the process of transition to
democracy in Paraba, Brazil (1975-1979) ABSTRACT: At the State of
Paraba, due to its characteristics, such as: economic delay,
oligarchic and authoritarian political culture, the society is
considered as fragile. Nevertheless, this does not keep it from, in
a certain conjuncture, having pleading action in the established
order. This article intends to analyze the political, social and
cultural action of the Brazilian civil society, especially in the
part of it from Paraba Church, political parties, syndicates, class
association, social movements, etc. at the time of the transition
to democracy in Brazil, whichs aim is to verify the importance of
it to the redemocratization of the country. It will also
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ESTADO VERSUS SOCIEDADE CIVIL: O PROCESSO DE TRANSIO PARA A
DEMOCRACIA NA PARABA (1975-1979)
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observe how the State, on federal, state and municipal level
reacts to the performance of civil society in Brazilian territory,
more specifically in Paraba. Keywords: State; Civil Society;
Democracy.
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Nota do Editor:
Submetido em 02 abr. 2010. Aprovado em 15 set. 2010.
Prima Facie, 2009, jan-jun, edio vinda a lume em novembro de
2010.
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