UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA BIOFÍSICA CELULAR MANUAL PRÁTICO Contração da célula muscular estriada Bioenergética Difusão Bioeletrogêne se Transporte através de membranas biológicas Potencial de membrana Potencial de repouso (célula em repouso) Potencial de ação Propagação do sinal para o interior da célula (célula em ação) Propagação do sinal de célula a célula Junção neuro- muscular Sinapse 2
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA
BIOFÍSICA CELULARMANUAL PRÁTICO
Contração da célula muscular
estriada
Bioenergética
Difusão Bioeletrogênese
Transporte através de
membranas biológicas
Potencial de membrana
Potencial de repouso (célula
em repouso)Potencial de ação
Propagação do sinal para o
interior da célula (célula em ação)
Propagação do sinal de célula a
célula
Junção neuro-muscular Sinapse
Acoplamento excitação-
contração da celular muscular
estriada
Contração da célula muscular
estriada
1o Ano Médico
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CURSO DE BIOFÍSICA CELULAR
Dentre os vários fenômenos biológicos que poderiam ser escolhidos para
ensinarmos o enfoque biofísico, optamos pelo processo de contração muscular, que
basicamente se resume na transformação de energia química em mecânica em função
de uma sinalização à nível da membrana plasmática da célula muscular. Veremos que
o detalhamento anatômico/histológico até o nível molecular não será suficiente para
explicarmos o processo integralmente, e um entendimento mais profundo exigirá a
aplicação de conceitos biofísicos, tais como os da bioenergética (que independem da
estrutura) que envolvem as leis que regem as trocas energéticas, determinando o
transporte de solutos e solventes através da membrana celular nas quais se baseia a
sinalização celular. Associados ao entendimento destes conceitos introduziremos a
estratégia da "caixa preta" através do estudo prático de tipos de transporte existente em
epitélio abdominal de anfíbios. esta estratégia didática terá a finalidade de introduzir o
aluno ao raciocínio científico, de certo modo análogo ao raciocínio necessário para a
proposição correta de um tratamento clínico frente a uma determinada situação
patológica. Finalmente, discutiremos os fenômenos elétricos decorrentes da migração
de solutos iônicos, gerando ondas elétricas na membrana das células excitáveis (nervo
e músculo), responsáveis pelo disparo do processo contrátil.
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ATIVIDADES DESENVOLVIDAS DURANTE O CURSO
1. Aulas Teóricas (AT): são aulas expositivas, com duração aproximada de 2 horas, em
que se faz a apresentação de tópico, sem a intenção de esgotar o assunto.
2. Seminários (S): São atividades baseadas no estudo prévio de um texto.
Desenvolvidas em grupo ou individualmente, durante 6 horas, são destinadas a tirar as
dúvidas adquiridas com a leitura do texto indicado, a resolver exercícios e problemas, e
a discutir aquilo que os alunos aprenderam com a leitura do texto.
A partir desta apostila, o curso de Biofísica Celular será ministrado pelos seguintes
professores:
Antonio de Miranda
Clóvis R. Nakaie (Chefe da Disciplina de Físico-Química)
Eneida de Gusmão Silva Barone
Eduardo Maffud Cilli
Sang Won Han
Teresa Feres de Oliveira
Viviane Louise Andrée Novailhetas (Chefe da Disciplina de Biofísica)
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ÍNDICE
CONTRAÇÃO MUSCULAR
1. Estrutura macroscópica e microscópica do músculo estriado 002
1.1 Sarcolema 0021.2 Miofibrilas, filamentos de actina e miosina, sarcômero, bandas e zonas 002
6.1 Túbulos T 0246.2 Papel do íon cálcio na contração, muscular 0246.3 Papel da troponina-tropomiosina na contração muscular 024
7. Fontes de energia para a contração muscular 027
8. Bibliografia 029
9. Questionário de contração muscular 030
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BIOENERGÉTICA
I. Introdução 032
II. Histórico 033
III. Definições 033
1. Sistema, fronteira e arredores 0332. Energia, calor e trabalho 0333. Tipos de Sistema 0344. Estado de um sistema 034Propriedades intensivas e extensivas 0354.1 Estado de equilíbrio 0354.2 Estado Padrão 036
5. Processos 036
5.1 Definição 0365.2 Tipos de processos 0365.2.1 Processo isotérmico 0365.2.2 Processo isobárico 0365.2.3 Processo Isocórico 0365.2.4 Processo reversível ou quase estático 0365.2.5 Processo cíclico 0375.2.6 Processo irreversível, natural 037
IV. Lei Zero da Termodinâmica 038
V. Primeiro Princípio da Termodinâmica 040
1. Conceituação 0402. Entalpia 0443. Interpretação molecular da energia interna e entalpia 045
VI. Segundo Princípio da Termodinâmica 049
1. Entropia 0492. Energia Livre 052
2.1. Conceito 0522.2. Energia livre e constante de equilíbrio (Keq) 0532.3. Potencial químico 0552.3.1 Potencial Químico e Trabalho Químico 0562.3.2 Potencial Elétrico e Trabalho Elétrico 0572.3.3 Potencial Eletroquímico e Trabalho Eletroquímico 057
VII. Trocas energéticas e a vida 058
1. Acoplamento de transformações 058
2. Estado de fluxo constante 063
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VIII. Conclusão 064
IX. Bibliografia 065
X. Questionário de Bioenergética 066
DIFUSÃO EM MEMBRANAS ARTIFICIAIS
I. Difusão de soluto 072
1. Introdução e objetivos 0722. Difusão em sistema contínuo 0733. Difusão através de uma membrana 075
3.1. Lei de Fick 0763.2. Coeficiente de permeabilidade 0783.3. Fluxos unidirecionais 078
4. Resumo e conclusões 080
II. Fluxo de água (osmose) 081
1. Introdução 0812. Pressão osmótica 0813. Osmolaridade de uma solução 0844. Comparação entre osmolaridade e tonicidade de uma solução 084
III. Bibliografia 086
IV. Parte Experimental 087
A. Difusão de substâncias através de uma membrana artificial 087
I. Introdução 087
B. Introdução gerais para uso do fotômetro 088
C. Construção da curva padrão de permanganato de potássio 089
D. Difusão de permanganato de potássio através de membrana de celofane 091
V. Questionário de difusão 094
MEMBRANAS BIOLOGICAS
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1. Introdução e objetivos 000
2. Bases energéticas para a estruturação de unidades funcionais 0002.1 Tipos de ligações químicas 0002.2 Água 0002.3 Energética das interações biológicas 000
3. Composição e estruturação de membranas celulares 0003.1 Lipídeos 0003.2 Proteínas 0003.3 Modelo do mosaico fluido 000
4. Transporte através de membranas 0004.1 Transporte passivo simples 0004.2 Transporte passivo mediado 0004 3 Transporte ativo 000
5. Bioeletrogênese 0005.1 Membrana permeável a um único íon 0005.2 Membrana permeável a todos os íons 000
5.2.1 Condição de equilíbrio (Equação de Nernst) 0005.2.2 Condição estacionária (Equação de Goldman) 000
5.3 Equilíbrio de Donnan 000
6. Potencial de Repouso 000
7. Bibliografia 000
Questionário - Transporte através de membranas 000
Transporte através de membranas biológicas - informações adicionais 000
Demonstração experimental 000
A. Potenciais bioelétricos em pele abdominal de anfíbio 0001. Noções de eletricidade 0002. Objetivo 0003. Composição das soluções de Ringer 0004. Montagem Experimental 0005. Interpretação dos dados 0006. Resumo das informações obtidas 0007. Modelo do transporte iônico em epitélio abdominal de anfíbio 000
B. Segunda aula (Estudo quantitativo do transporte iônico) 0001. Efeito da concentração de sódio do lado externo da pele 0002. Efeito da concentração de potássio do lado interno da pele 000
Observações Finais 000
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CONTRAÇÃO MUSCULAR
1. Identificar os componentes da maquinária contrátil de um músculo.
2. Entender a origem da geração de força no músculo.
3. Descrever a Ultra-estrutura de um sarcômero.
4. Descrever a estrutura molecular dos miofilamentos.
5. Enumerar a teoria dos filamentos deslizantes para a contração muscular.
6. Descrever a sequência de eventos relacionados com o acoplamento excitação-
contração no músculo.
7. Distinguir contração isotônica de isométrica.
8. Identificar as fontes de energia para a contração muscular.
9. Explicar o papel do ATP e do Ca2+ sobre a interação da actina com a miosina.
10. Entender a rigidez cadavérica.
Conexões com outras disciplinas: Fisiologia, Histologia, Farmacologia, Bioquímica,
Neurofisiologia, Neurologia etc.
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CONTRAÇÃO MUSCULAR
A característica fundamental do músculo é a de transformar a energia química,
proveniente da hidrólise do ATP, em energia mecânica, a contração. Para a realização
desta tarefa, os músculos estriados, tanto esqueléticos como cardíacos, apresentam um
sistema altamente organizado de miofibrilas. Já os músculos lisos formam um sistema
bem heterogêneo, com grande diversidade morfológica e funcional, dependendo do tipo
o de estudar o mecanismo de contração da musculatura esquelética estriada.
1. Estrutura macroscópica e microscópica do músculo estriado
O músculo esquelético é constituído de numerosas fibras alongadas, sendo cada
fibra muscular correspondente a uma célula de 10 cm ou mais de comprimento. Cada
fibra é multinucleada, com os núcleos localizados na periferia.
A célula muscular contém, além da maquinaria bioquímica característica de
qualquer célula, miofilamentos orientados longitudinalmente em relação a ela, e dois
sistemas de membranas, transversal e longitudinal, que participam do ciclo excitação-
contração-relaxamento dos filamentos. Tais elementos serão discutidos a seguir.
1.1 Sarcolema
É a membrana celular da fibra muscular. Consiste de uma membrana celular
verdadeira (membrana plasmática) e de uma fina camada de material polissacarídeo.
Na camada mais externa do sarcolema estão também presentes as fibras colágenas.
Nas extremidades das fibras, as camadas superficiais do sarcolema se fundem com as
fibras tendinosas que, por sua vez, formam os tendões musculares que se inserem nos
ossos.
Os tendões não apresentam por si só atividade contrátil. As forças geradas pelas
fibras musculares são transmitidas pelos tendões aos ossos, possibilitando o
movimento
1.2. Miofibrilas, filamentos de actina e de miosina, sarcômero, bandas e zonas
Cada fibra muscular (célula muscular) é constituída de centenas a milhares de
miofibrilas (Figura 1). Cada miofibrila apresenta 1 a 2 mM de diâmetro, e comprimento
igual ao da fibra muscular a que pertence.
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À microscopia ótica, cada miofibrila apresenta uma série de bandas transversais
claras e escuras que se alternam regularmente ao longo da mesma, dando uma
aparência em estrias. Daí estes músculos serem denominados estriados (Figuras 1 e
2).
As bandas claras foram denominadas Bandas I (isotrópicas, por permitirem a
passagem da luz em todas as direções) e as bandas escuras denominadas bandas A
(anisotrópicas, por apresentarem diferentes índices de refração com a direção),
indicando que a fibra muscular apresenta uma certa orientação molecular (Figura 1).
Quando a fibra muscular encontra-se em repouso, a banda A possui cerca de 1,5
mm de comprimento e a banda I ao redor de 0,8 mm. Na parte central da banda A,
observa-se uma zona mais clara, denominada zona H, e no meio da banda I, observa-
se uma linha mais escura, denominada linha Z. Denomina-se sarcômero à região
delimitada por duas linhas Z. Tal região corresponde à unidade contrátil, repetitiva, da
célula muscular, com um tamanho variando entre 1,5 a 3,5 mm (Figura 1).
Um único sarcômero contém cerca de 1000 filamentos grossos e ao redor de
2000 filamentos finos. No comprimento de repouso (2,3 mm), os filamentos grossos e
finos estão sobrepostos em cerca de 1/3 de seus comprimentos. O comprimento do
sarcômero durante a contração máxima atinge cerca de 1,5 mm, isto é, um
encurtamento ao redor de 30%.
2. Ultra-estrutura do músculo estriado
2.1. Filamentos
À microscopia eletrônica, cada miofibrila é constituída por dois tipos de
filamentos: filamentos grossos, com cerca de 12 nm de diâmetro e 1,5 mm de
comprimento, dispostos na região central do sarcômero, e filamentos finos, com
aproximadamente 8 nm de diâmetro e 1 mm de comprimento, que se inserem nas linhas
Z, dirigindo-se para a região central do sarcômero onde se entremeiam aos filamentos
grossos (Figuras 1 e 2).
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Figura 1. Esquema da estrutura macroscópica e microscópica do músculo estriado
esquelético.
Cada tipo de miofilamento se associa a outros filamentos do mesmo tipo, e os
dois conjuntos se sobrepõem parcialmente, de modo que a banda A, densa,
corresponde à região de sobreposição dos filamentos finos e grossos. Na banda I
encontram-se apenas filamentos finos, enquanto que na zona H encontram-se apenas
filamentos grossos. Observa-se ainda na banda A, com exceção da zona H, uma
conexão entre os filamentos finos e grossos através de pontes (Figura 1).
Secções transversais do músculo estriado em diferentes níveis do sarcômero
mostram uma extraordinária organização dos filamentos. Na região da banda A, o
arranjo é hexagonal (Figura 2), com os filamentos grossos ocupando o centro dos
hexágonos constituídos pelos filamentos finos; como cada filamento fino é envolvido por
três filamentos grossos, conclui-se que a relação do número total de filamentos finos
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para grossos é de 2:1. Cortes transversais na zona H mostram apenas filamentos
grossos e na banda I aparecem apenas os finos, em disposição hexagonal (Figura 2).
2.2. Sarcoplasma
É o meio onde as miofibrilas estão suspensas no interior da célula muscular. O
líquido do sarcoplasma contém baixa concentração de cálcio, grandes quantidades de
potássio, magnésio, fosfato, enzimas, e um grande número de mitocôndrias que se
localizam entre e paralelamente às miofibrilas.
2.3. Sistema de membranas
Antes ainda do advento da microscopia eletrônica, observou-se que a célula
muscular possui dois sistemas de membrana, um deles disposto perpendicularmente
aos miofilamentos (túbulos transversos) e o outro disposto paralelamente aos mesmos
(sistema longitudinal), ambos ocupando cerca de 15% do volume celular total.
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Figura 2. Representação esquemática de cortes transversais em diferentes níveis da miofibrila (A); Músculo estriado esquelético visto à microscopia ótica (B); Linha Z, constituída por moléculas de a-actina (C).
2.3.1. Túbulos transversos (túbulos T)
São invaginações do sarcolema na altura das linhas Z (Figuras 3 e 4). Estes
canalículos distribuem-se para o interior da célula de modo a passar
perpendicularmente às miofibrilas e são extensões do espaço extracelular para dentro
das fibras musculares, mantendo os sarcômeros situados em diferentes níveis em
contato direto com o líquido extracelular. O sistema é exclusivo do músculo esquelético
e cardíaco e mantém os sarcômeros de cada miofibrila alinhados ao sarcômero de
outra miofibrila.
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Figura 3. Representação esquemática do túbulo transverso (TT) e do retículo
sarcoplasmático longitudinal, com as cisternas laterais a cada lado do túbulo T
formando a tríade.
· Representa moléculas de ferritina16m, demonstrando que o TT está em contato com
o meio extracelular.
2.3.2. Retículo sarcoplasmático
É constituído de canalículos orientados longitudinalmente, que ocupam toda a
extensão do sarcômero. Em suas extremidades estes canalículos formam estruturas
bulbosas denominadas cisternas, que estão em íntima conexão com os túbulos
transversos, formando as tríades. O retículo sarcoplasmático está envolvido na
captação e liberação de íons cálcio.
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Figura 4. Estrutura tridimensional dos túbulos transversos e do retículo
sarcoplasmático.
2.3.3. Tríade
Como citado anteriormente, a cada lado do túbulo T observam-se estruturas
bulbosas denominadas sacos laterais ou cisternas, que são contínuas ao retículo
sarcoplasmático. Cada cisterna entra em contato com cerca de 30% do túbulo T,
através de projeções dispostas regularmente no espaço que separa estas duas
estruturas. Tais projeções são denominadas pés-juncionais e são importantes na
transmissão de sinais do túbulo T para o retículo sarcoplasmático (Figuras 3 e 4).
Denomina-se tríade ao conjunto formado por duas cisternas do retículo sarcoplasmático
e um túbulo T.
3. Características Moleculares dos Miofilamentos
A principal proteína constituinte do filamento grosso é a miosina, enquanto o
filamento fino é constituído de três proteínas: actina, tropomiosina e troponina.
3.1. Miosina
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A microscopia eletrônica da miosina isolada em solução de alta força iônica (KCl
0,6 M) mostra uma molécula alongada com cerca de 0,15 a 0,16mm de comprimento,
constituída de uma porção filamentosa, denominada cauda e outra globular, a cabeça.
Seu peso molecular é da ordem de 470.000 e ela é constituída de duas cadeias
polipeptídicas principais e quatro "cadeias leves", que se encontram ligadas não
covalentemente às partes globulares da molécula (Figura 5).
Cada cadeia polipeptídica possui peso molecular de 200.000, e na região da
cauda as duas cadeias se enrolam entre si numa estrutura chamada dupla hélice. Em
uma das extremidades as cadeias se separam e se enrolam sobre si mesmas,
constituindo as regiões globulares (ou cabeças).
O papel das cadeias leves da cabeça da miosina ainda não está bem
estabelecido, mas há sugestões de que elas possam desempenhar um papel
estabilizador da conformação tridimensional das regiões globulares e também um papel
regulatório durante a contração.
A molécula de miosina apresenta pontos particulares de suscetibilidade ao
tratamento com enzimas proteolíticas. Assim, pela ação da tripsina, a molécula é
rompida em dois fragmentos, denominados meromiosina leve (MML) e pesada (MMP)
(Figura 5). Com tratamento mais prolongado pela tripsina, a MMP é quebrada nos
subfragmentos S-1 e S-2 . O fragmento S-1 corresponde às partes globulares isoladas,
enquanto que o subfragmento S-2 corresponde à parte filamentosa. O tratamento por
papaína separa o subfragmento S-1 do restante da molécula de miosina. Acredita-se
que os pontos de maior flexibilidade da molécula de miosina localizem-se na junção
entre a MML e a MMP e entre o S-1 e S-2 (Figura 5).
A molécula de miosina apresenta, portanto, duas regiões que são
morfologicamente e funcionalmente distintas. A cauda desempenha um papel estrutural,
formando o arcabouço do filamento grosso. A cabeça, por sua vez, é capaz de se ligar
aos filamentos finos e é a sede do processo de transdução de energia química em
mecânica, base do processo contrátil. Portanto, encontramos em cada cabeça um sítio
de interação com a actina e outro sítio de ligação e hidrólise do ATP, esta última uma
reação fornecedora de energia (exergônica) essencial para a movimentação das
pontes.
Diminuindo-se a força iônica do meio a valores fisiológicos, as moléculas de
miosina se agregam, formando filamentos de aspecto muito semelhante a dos
filamentos grossos observados em cortes ou em homogenizados de músculos. Tais
filamentos apresentam projeções típicas, espaçadas em toda a sua extensão, exceto na
parte central (denominada zona careca). Nos sarcômeros, as zonas carecas estão
localizadas na altura da zona H.
Acompanhando-se o processo de polimerização das moléculas de miosina à
microscopia eletrônica, observa-se que as moléculas de miosina se agregam
inicialmente cauda a cauda, seguida de uma agregação lado a lado. Desta maneira,
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300 a 400 moléculas de miosina formam um filamento bipolar, não apresentando
cabeças na região central do filamento (isto explica o fato de o filamento de miosina ser
capaz de puxar o filamento fino em direção ao centro do sarcômero no processo de
contração muscular).
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Figura 5. Representação esquemática da molécula de miosina com os fragmentos obtidos após a ação de enzimas proteolíticas (A); Pontos de maior flexibilidade da molécula de miosina (B); Agregação das moléculas de miosina na formação do filamento grosso (C).
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Observando-se a superfície do filamento grosso, nota-se que a cada plano do
mesmo encontram-se 3 pares de cabeça de miosina, dispostos simetricamente
formando tripletes com um ângulo de 120° entre eles.
Tomando-se um dado triplete como referência (triplete 1, Figura 6), o triplete
seguinte (triplete 2, Figura 6) está deslocado por um ângulo de 40° e uma distância de
14,3 nm em relação ao primeiro e assim sucessivamente. A distância entre dois pares
de cabeças projetados para o mesmo lado é de 43 nm (3 x 14,3 nm) havendo, portanto,
9 projeções neste intervalo. Como cada filamento de miosina é envolvido por 6
filamentos de actina, cada triplete está interagindo com apenas 3 dos 6 filamentos finos
circundantes (Figuras 7 e 8).
Figura 6. Representação esquemática das moléculas de miosina agregadas ao
filamento grosso, formando os tripletes.
Além da miosina, o filamento grosso possui duas outras proteínas. A Proteína C
é uma molécula alongada, e está enrolada ao redor das caudas de miosina de modo a
manter o feixe de moléculas de miosina intacto. A Proteína M está localizada na linha M
no centro da zona H, postulando-se uma função similar à da proteína C.
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Figura 7. Disposição das pontes entre os miofilamentos. O filamento grosso central
emite pontes para os filamentos finos circundantes.
Figura 8. Representação esquemática dos filamentos finos e grossos: as cabeças são
projetadas para ambos os lados, em direção às linhas Z, enquanto que as caudas estão
voltadas para a zona H.
3.2. Actina
É a principal proteína constituinte do filamento fino, sendo solúvel em água ou
em solução de força iônica baixa. Nestas condições ela é chamada G-actina (G de
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globular) sendo uma molécula quase esférica, com um diâmetro de 5,5 nm.
Aumentando-se a força iônica de soluções de G-actina no sentido da força iônica
fisiológica, a actina se polimeriza, formando a F-actina (F de filamentosa). Para que a
polimerização ocorra é necessária a presença de íons cálcio e ATP no meio.
A F-actina assim obtida apresenta à microscopia eletrônica um aspecto
semelhante aos filamentos finos obtidos diretamente de homogeneizados de músculos.
Verificamos assim que, na força iônica vigente no interior da célula (aproximadamente
0,15M), tanto a actina como a miosina encontram-se na forma agregada e insolúvel.
No filamento fino, que possui 1 mm de comprimento, as moléculas de actina
estão arranjadas em 2 filamentos de F-actina, enrolados entre si como dois colares de
contas, formando uma dupla hélice. Cada molécula de actina ocupa 5,5 nm da cadeia
(cordão), de modo que para a distância que separa duas cabeças de miosina
consecutivas (14,3 nm), encontramos 2,6 moléculas de actina (Figura 9).
Caso fragmentos S-1 da molécula de miosina sejam adicionados a uma solução
contendo filamentos de actina puros, eles espontaneamente se ligarão de modo estável
na razão de um fragmento S-1 para uma molécula de actina. A dissociação deste
complexo requer ATP, que se liga ao fragmento S-1 na razão de 1:1.
3.3. Tropomiosina
É uma proteína filamentosa, com peso molecular de 70.000 e é constituída por
duas cadeias polipeptídicas diferentes, enroladas entre si, formando uma dupla hélice
de aproximadamente 40 nm de comprimento. As moléculas de tropomiosina são
capazes de se unirem pelas extremidades, formando um filamento.
Cada filamento fino, por sua vez, possui dois filamentos de tropomiosina que se
enrolam ao redor da espiral dupla formadas pelos monômeros de actina ocupando os
sulcos entre estes últimos. Cada molécula de tropomiosina se estende por sete
monômeros de actina.
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Figura 9. Representação esquemática da estrutura do filamento fino.
3.4. Troponina
É uma proteína com peso molecular de 76.000, formada por três subunidades
globulares, unidas entre si por ligações não covalentes.
a) Troponina T (TnT): é a maior das subunidades, com peso molecular de 37.000,
capaz de se ligar à tropomiosina e à TnC. Sua função é a de unir o restante da
molécula de troponina ao filamento fino ou, mais especificamente, à tropomiosina.
b) Troponina I (TnI) (troponina inibidora): tem peso molecular de 20.800 e é capaz de se
ligar à TnC e à F-actina. Sua principal função é a de fortalecer a ligação tropomiosina-
actina, fixando a tropomiosina numa posição adequada, de modo a impedir a interação
miosina-actina na ausência de cálcio (Figura 9).
c)Troponina C (TnC): é a menor subunidade (peso molecular de 18.000) e apresenta
em sua estrutura sítios de alta afinidade pelos íons cálcio, sendo a combinação destes
íons com a troponina C o gatilho que inicia a contração muscular
No filamento fino, as moléculas de troponina estão encaixadas na tropomiosina
através da TnT. Cada complexo aparece periodicamente a cada 38,5 nm de modo que
grande parte dos monômeros de actina não estão em contato com a troponina.
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4. Interações da miosina com a actina e o ATP
Estudos bioquímicos com as proteínas isoladas em solução permitiram o
desenvolvimento de um modelo cinético de interação da miosina com a actina e o ATP
(modelo de Stein e cols., 1979). Posteriormente iremos correlacionar as reações
bioquímicas com a sequência de eventos que ocorrem na cabeça da miosina em
condições fisiológicas.
A sequência de reações envolvidas na hidrólise do ATP pela miosina ou pela
actomiosina em solução é dada pelo seguinte esquema:
A actina não possui atividade ATPásica, ela sozinha não hidrolisa o ATP. A
miosina (M) por sua vez é capaz de hidrolisar o ATP mas, na ausência de actina (A), a
liberação dos produtos da hidrólise ocorre muito lentamente como se pode notar pela
flecha pontilhada na primeira linha do esquema. A actina aumenta a atividade enzimática da miosina acelerando a liberação do Pi (A.M.ADP.PiII ® A.M.ADP). Em um
ciclo de hidrólise do ATP a miosina passa por dois estados que correspondem a uma
conformação de baixa afinidade e outra de alta afinidade de ligação com a actina. Os
eventos que marcam a transição entre um e outro estado são a ligação do ATP (que
acarreta a mudança do estado de alta afinidade para o de baixa afinidade) e a liberação
do Pi (que provoca a transição do estado de baixa afinidade para o de alta afinidade)
O estado de baixa afinidade é caracterizado por: a) baixa afinidade das cabeças
da miosina pela actina, b) equilíbrio rápido de associação e dissociação entre a actina e
a miosina.
O estado de alta afinidade é caracterizado por a) uma afinidade muito maior das
cabeças de miosina pela actina, b) uma velocidade de dissociação entre a actina e a
miosina muito menor do que no estado de baixa afinidade.
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5. Mecanismo molecular da contração muscular
5.1. Tipos de contração
O processo de contração consiste no acoplamento de uma reação química
(hidrólise do ATP) a um mecanismo capaz de gerar tensão e liberar calor, ou então
capaz de sofrer encurtamento, produzindo calor e trabalho. Podemos observar,
portanto, dois tipos de contração:
5.1.1. Contração isométrica
Ocorre contração isométrica do músculo quando não se observa o encurtamento
do mesmo ao ser estimulado. Este tipo de contração é obtido quando se coloca uma
carga (ou peso) acima daquela que o músculo é capaz de movimentar. Nestas
condições, o músculo gera tensão , mas seu comprimento permanece constante.
Durante uma contração isométrica, a maioria da energia proveniente da hidrólise do
ATP é transformada em calor e tensão e o músculo não realiza trabalho. As contrações
isométricas constam, em geral, do enrijecimento de um conjunto de músculos contra um
objeto imóvel (uma parede, uma barra, etc.). No organismo, por exemplo, os músculos
posturais desenvolvem tensão atuando contra a gravidade.
5.1.2. Contração isotônica
Ocorre contração isotônica do músculo, quando seu comprimento diminui ao ser
estimulado, permanecendo praticamente constante a tensão. O músculo realiza
trabalho ao deslocar uma carga ou peso (trabalho = carga x distância percorrida).
Durante a contração isotônica, grande parte da energia proveniente da hidrólise é
liberada na forma de calor.
Fisiologicamente, a resposta muscular envolve a combinação das contrações
isotônica e isométrica. Suponha que se deseje elevar um peso de 3 Kg acima da
cabeça. Inicialmente, será necessário o desenvolvimento de uma contração isotônica
pelos músculos do braço, levando-o à posição desejada. Posteriormente, para a
manutenção desta posição, será necessário o desenvolvimento de contração isométrica
dos músculos que irão manter fixa a articulação do cotovelo.
5.2. Mecanismo da contração por deslizamento (contração isotônica)
30
A Figura 10 ilustra o mecanismo básico da contração muscular, onde está
representado o sarcômero em repouso e em dois níveis de contração isotônica. No
estado contraído, observa-se a aproximação das linhas Z e a diminuição da banda I e
zona H (que até podem desaparecer, conforme o grau de contração). A dimensão da
banda A e o comprimento dos filamentos finos e grossos permanecem constantes.
O estímulo determina inicialmente a contração de um sarcômero. Este puxa os
demais na sua direção (já que a disposição dos sarcômeros no músculo é em série),
resultando no encurtamento do músculo como um todo.
Tais observações levaram Huxley a formular a teoria dos filamentos deslizantes,
onde o encurtamento do músculo decorre do deslizamento dos filamentos finos entre os
grossos. Os filamentos grossos funcionam como ponto de apoio para os finos.
A participação da cabeça da miosina neste processo foi demonstrada pelo
movimento das cabeças durante o processo contrátil e pela observação de que no
músculo em repouso elas se encontram orientadas em um ângulo de 90° em relação ao
filamento fino, enquanto que no músculo contraído elas se encontram em um ângulo de
45°.Portanto, a base para a contração é a formação de pontes transversais entre os
filamentos grossos e finos, através da interação da cabeça da miosina com uma
determinada região do monômero de actina (sítio de interação). Cada filamento grosso
tem possibilidade de interagir com 6 filamentos finos circundantes e, por sua vez, cada
filamento fino, com 3 grossos (arranjo hexagonal).
Figura 10. Mecanismo básico da contração muscular pela teoria dos filamentos
deslizantes.
31
Existe uma certa correlação entre as etapas bioquímicas e as conformações
assumidas pela cabeça de miosina. Assim, foi proposto por Eisenberg e Greene (1980)
o seguinte Modelo para um ciclo completo de movimentação das pontes transversais:
Figura 11. Diagrama ilustrando o ciclo de eventos químicos e mecânicos que ocorrem a
nível da cabeça da miosina durante o processo contrátil.
Comecemos a análise do ciclo pelo canto superior esquerdo, com as cabeças da
miosina na conformação de 90° que corresponde à de baixa afinidade pela actina.
Existe um equilíbrio rápido entre a miosina ligada com a actina e a miosina livre (como
no estudo anterior cinético com as proteínas em solução). A hidrólise de ATP e o passo
limitante ocorrem nesta conformação de 90°. O próximo passo é a transição da
conformação de 90° para 45°, onde ocorre a liberação do Pi , e a miosina passa a ter
alta afinidade pela actina. Esta transição se dá em duas etapas diferindo do
comportamento das proteínas em solução. No caso da solução não existe restrição à
mudança de conformação da cabeça da miosina, e ela pode assumir uma conformação
estável de 45°. No caso do músculo, a estrutura restringe esta mudança gerando uma
força positiva, representada no esquema por uma flecha curva, que vai induzir o
deslocamento ou deslizamento do filamento de actina, com a realização de trabalho.
Em seguida há a liberação do ADP e a entrada do ATP quando, como visto nos ensaios
bioquímicos, a miosina tenderia a assumir a conformação de 90°, com baixa afinidade
pela actina. No músculo, porém, novamente vamos encontrar esta transição em duas
fases resultando no relaxamento do músculo. A primeira, com uma força negativa,
tenderia a reverter o deslocamento, uma vez que a miosina continua ligada à actina. No
entanto, isto não acontece porque a velocidade com que o complexo miosina.ATP se
desliga da actina é muito grande, possibilitando assim a conformação de 90° da cabeça
da miosina sem que haja qualquer deslocamento do filamento de actina.
32
Se o fornecimento de ATP ao músculo não for adequado, as pontes transversais
permanecem na conformação de 45° que corresponde ao estado típico de rigidez
observado após a morte (rigor mortis). Maiores detalhes do balanço energético
envolvido nestas transições serão vistos na aula de aplicações da bioenergética, onde
este modelo será analisado novamente do ponto de vista de diferenças de energia livre
entre os complexos.
Se a teoria dos filamentos deslizantes estiver correta, a previsão mais óbvia que
dela pode ser tirada é que a quantidade de força gerada pelo músculo tem que ser
proporcional ao nível de sobreposição entre os filamentos finos e grossos.
A Figura 12 mostra a relação entre o comprimento do sarcômero e a tensão
desenvolvida pela fibra muscular em contração. Nesta Figura também estão
representados os diferentes graus de superposição dos filamentos de actina e miosina
para diferentes comprimentos do sarcômero, pré-fixados e, portanto, em contração
isométrica.
33
Figura 12. Curva comprimento-tensão em fibra muscular isolada.
Como previsto pela teoria do deslizamento, a tensão desenvolvida pelo músculo
depende basicamente do número de pontes estabelecidas entre os filamentos grossos
e finos. No ponto E do gráfico (situação de estiramento) a tensão desenvolvida é nula
e , nesta situação, o filamento de actina foi afastado até o extremo do filamento de
miosina, não existindo pontes entre os filamentos grossos e finos. No ponto C, que
corresponde ao comprimento de repouso do sarcômero, observa-se que a tensão
34
desenvolvida pelo músculo é máxima, e o número de pontes formadas também é
máximo. Os pontos A, B e D são situações onde há queda de tensão explicada pela
diminuição do número de pontes estabelecidas.
Esta experiência mostra que a contração é máxima quando há uma máxima
sobreposição entre as pontes da miosina e os filamentos finos de actina, comprovando
a idéia de que quanto maior for o número de pontes formadas maior será a força de
contração.
6. Acoplamento excitação-contração
A excitação elétrica precede a contração mecânica. A fase de subida do
potencial de ação precede em 2 ms o início dos fenômenos mecânicos. Durante este
período ocorrem uma série de processos intermediários que dão por resultado a
transmissão de um sinal elétrico da superfície da membrana até os miofilamentos no
interior da fibra. Este conjunto de processos recebe o nome de acoplamento excitação-
contração.
Descreveremos o acoplamento excitação-contração a partir do impulso nervoso.
A despolarização que o caracteriza, atravessando a junção neuro-muscular, atinge a
membrana da fibra muscular e pelos túbulos transversos pode penetrar profundamente
na massa muscular. Daí distribui-se rapidamente de maneira uniforme para regiões
adjacentes às cisternas terminais do retículo sarcoplasmático longitudinal, provocando a
liberação do cálcio estocado na cisterna para o sarcoplasma (Figura 13). O cálcio
liberado é translocado para a troponina localizada no filamento fino, permitindo que a
miosina se ligue ao sítio da actina. O complexo actomiosina assim formado hidrolisa o
ATP, iniciando-se desta maneira a contração. Ao final da despolarização, o cálcio é
reacumulado pelo retículo sarcoplasmático longitudinal, utilizando a energia proveniente
do ATP. Então, a diminuição da concentração de cálcio ao nível da troponina desliga a
maquinaria contrátil e o músculo relaxa.
O mecanismo pelo qual o túbulo transverso comunica o seu sinal para as
cisternas do retículo sarcoplasmático ainda não está completamente claro. A hipótese
mais aceita atualmente está esquematizada na Figura 13: Na membrana dos túbulos T
existem muitas unidades de uma proteína intrínseca denominada receptor de
dihidropiridina (DHP), moléculas que agem como sensores de voltagem. Na
membranas das cisternas laterais, por sua vez, existem proteínas chamadas receptores
de rianodina (pés-juncionais), que constituem canais pelos quais os íons cálcio são
liberados e estão em íntima conexão com os receptores de DHP. Quando a
despolarização atinge a membrana dos túbulos T, os receptores de DHP sofrem uma
alteração conformacional que provoca a abertura dos canais de cálcio. Estes íons, que
no retículo sarcoplasmático se encontram ligados a uma proteína chamada
35
calsequestrina, difundem-se para o sarcoplasma até que, com a cessação do estímulo
despolarizante, os canais sejam novamente fechados.
Figura 13. Sequência de eventos no acoplamento excitação-contração
6.1. Túbulos T
Como eles estão em contato com o espaço extracelular e são contínuos com a
superfície da membrana, a sua função é propagar a despolarização da superfície da
membrana até o centro da fibra de modo que as miofibrilas mais internas possam
contrair-se mais rapidamente.
36
6.2. Papel do íon cálcio na contração muscular
Há inúmeras evidências experimentais de que as membranas do retículo
sarcoplasmático ligam cálcio com alta afinidade. Há um sistema de enzimas ligado à
membrana do retículo sarcoplasmático capaz de hidrolisar ATP. A energia proveniente
desta reação de hidrólise é utilizada para bombear ativamente cálcio do sarcoplasma
para o interior do retículo sarcoplasmático sendo que, na célula muscular em repouso, a
concentração de cálcio no sarcoplasma é baixa (10-7 M) graças à atuação desta bomba.
A onda despolarizante (estímulo), chegando ao nível das cisternas, provoca um
aumento na permeabilidade da membrana destas ao íon cálcio. Consequentemente, há
um aumento no fluxo deste íon para o sarcoplasma, elevando a sua concentração para
cerca de 10-5 M e iniciando o processo contrátil. A bomba de cálcio, embora continue
retirando cálcio do sarcoplasma, não consegue contrabalançar o grande fluxo passivo
deste íon. Cessada a estimulação, este excesso de cálcio no sarcoplasma se extingue
com o tempo (a bomba de cálcio continua funcionando normalmente) e a concentração
citoplasmática do íon volta a ser baixa (10-7 M).
6.3. Papel da troponina-tropomiosina na contração muscular
O papel do cálcio como fator regulador da contração foi confirmado quando foi
feito um estudo da hidrólise de ATP em preparações de músculos estriados de
vertebrados contendo apenas os filamentos grossos e finos, ATP , Mg2+ e
concentrações variáveis de cálcio. Havia necessidade de uma concentração crítica de
cálcio para que aquela hidrólise se desencadeasse. O processo está ligado à presença
de tropomiosina e troponina nos filamentos finos pois, uma vez que estas são
removidas, a hidrólise de ATP passa a ser cálcio independente, ocorrendo
indefinidamente enquanto houver substrato. Estes resultados indicam que a regulação
da contração a nível molecular é feita pela tropomiosina, complexo troponina e íons
cálcio.
No músculo em repouso, em que a concentração de cálcio ao nível dos
filamentos é baixa, o complexo troponina-tropomiosina atua como um inibidor da
interação entre a actina e a miosina. Quando a concentração de cálcio aumenta, este
se liga à troponina e o complexo passa a não mais inibir a interação actina-miosina e o
músculo pode contrair.
A regulação da contração está relacionada a modificações que ocorrem no
filamento fino pela interação de algumas de suas proteínas com íons cálcio, provocando
a exposição dos sítios de interação da actina com a cabeça da miosina. Identificou-se,
37
no complexo troponina, a subunidade TnC, tendo esta alta afinidade pelo cálcio e
desenvolvendo alterações conformacionais quando interage com aquele íon.
Durante a contração muscular, o filamento de tropomiosina é deslocado mais
para dentro do sulco formado pela dupla hélice de monômeros de actina, expondo os
sítios de interação da actina com o complexo miosina-ATP. Esta situação pode ser
visualizada na Figura 14. Na ausência de cálcio, a subunidade TnT da troponina está
ligada à tropomiosina e a TnI à actina (estado desligado da actina com a miosina).
Quando o cálcio sai da cisterna para o sarcoplasma, ele se liga à subunidade
TnC e, em consequência, ocorre uma modificação em sua estrutura que a faz interagir
fortemente com a TnT e com a TnI (estado ligado da actina). Com isso, o filamento de
tropomiosina rola mais para dentro do sulco entre os monômeros de actina liberando o
sítio de interação dos mesmos com a miosina.
Figura 14. Corte transversal do filamento fino na célula em repouso e durante a
contração muscular.
38
Figura 15. Esquema dos eventos do processo de contração muscular, indicando o
estados de baixa e alta afinidade da cabeça de miosina pela actina e o papel dos íons
cálcio.
39
7. Fontes de energia para a contração muscular
A contração depende da energia fornecida pelo ATP. Grande parte desta energia
é utilizada para ativar o mecanismo de contração, mas pequenas quantidades de ATP
são também necessárias para o bombeamento de cálcio do sarcoplasma para o retículo
sarcoplasmático.
O ATP é decomposto em ADP + Pi e é, em segundos, refosforilado a ATP
novamente. Há várias maneiras de produzir esta refosforilação. A primeira via de
regeneração do ATP é direta e corresponde a uma reação de transfosforilação
catalisada pela mioquinase, enzima específica das células musculares.
mioquinase2 ADP ¾¾¾¾¾¾® AMP + ATP
A segunda fonte de energia é a fosfocreatina (PCr) que é encontrada no músculo
em quantidades pequenas, apesar de ter uma concentração 5 vezes maior que a de
ATP.
creatina quinaseADP + PCr ¾¾¾¾¾¾¾¾¾¾® ATP + Creatina
Por outro lado, os processos metabólicos da célula, tanto aeróbico (ciclo de
Krebs) como anaeróbico (via glicolítica)), têm papel fundamental na ressíntese de ATP.
A via oxidativa (aeróbica) produz muito mais ATP que a via anaeróbica (36 ATP contra
2 ATP). No entanto, a utilização de uma ou outra via metabólica dependerá do
fornecimento adequado de oxigênio pela circulação em função da intensidade do
exercício.Em exercícios leves, a chegada de O2 ao músculo pela circulação está
perfeitamente ajustada à demanda do músculo em atividade. Neste caso, a via
metabólica utilizada é a oxidativa, de modo que o músculo pode manter-se ativo por período prolongado. Todavia, em exercícios intensos a velocidade de chegada de O2
ao músculo não é suficiente e a via preferencial passa a ser a via glicolítica. Como a
produção de ATP por esta via é bem menor, o músculo entra rapidamente em fadiga.
40
Figura 16. Diferentes vias de regeneração do ATP utilizado na contração muscular.
Figura. 1. Conversão do piruvato a lactato, numa célula eletroquímica de modo que o
trabalho elétrico possa ser executado pelo sistema. Nestas condições, as reações serão
realizadas junto às placas de platina (que não sofre oxirredução).
B: NADH + H+ ® 2H+ + NAD+ + 2e-
e, no lado do piruvato-lactato:
A: 2e- + 2H+ + piruvato ® lactato
Piruvato + NADH + H+ ® lactato + NAD+
Figura. 2. Conversão de piruvato em lactato em solução aquosa de modo que nenhum
trabalho é executado pelo sistema.
54
Analisando estes dados, constatamos:
a) que o calor e o trabalho envolvidos nas transformações dependem da natureza do
processo.
b) que a diferença q - w* é a mesma nos três processos.
*Nota: a convenção para os sinais de q e w, adotados por nós, é a seguinte:
a) calor absorvido pelo sistema é positivo (processo endotérmico).
perdido pelo sistema é negativo (processo exotérmico).
b) trabalho: realizado pelo sistema é positivo.
recebido dos arredores pelo sistema é negativo.
Se analisarmos outros sistemas, iremos verificar que sempre o trabalho e o calor
trocados pelo sistema com os arredores quando este sofre uma mudança de estado
dependem do processo escolhido e a diferença q - w é invariante, dependendo somente
do estado inicial e final. Esta diferença, q - w, corresponde à variação de energia
interna, DE, do sistema, isto é:
DE = q - w (2)
Esta última afirmação não é tão óbvia quanto parece. Nela está implícito o
conceito de conservação de energia que é o primeiro princípio da Termodinâmica: "A
energia não pode ser criada ou destruída" ou "A energia do universo é constante", e a
equação (2) é a expressão matemática desta lei para uma mudança de estado. Logo, o
que se observa, em qualquer processo, é a mudança de energia de uma forma para
outra, mas nunca alteração do conteúdo total de energia. Assim, esta primeira lei da
Termodinâmica expressa o princípio de conservação de energia que é de ampla
natureza pois inclui várias formas de energia. Historicamente, este princípio reconhece
a impossibilidade de se criar energia do nada. Voltando à equação (2), observamos que
ela:
a) nos permite determinar a variação do conteúdo energético do sistema que
sofre um processo qualquer através de termos mensuráveis, que são calor e trabalho;
b) declara que a energia interna é uma função de estado pois (q - w) depende
somente dos estados inicial e final.
As reações bioquímicas nos sistemas biológicos, de um modo geral, apresentam
trocas de calor sem trabalho observável macroscopicamente, visto que estas trocas se
encontram envolvidas em energias de quebra e formação de ligações químicas. Isto faz
com que o aluno muitas vezes ache que a Biologia é completamente distinta, como
55
ciência, da Físico-química. Mas, se analisarmos o sarcômero, vemos que existe, neste
sistema complexo, uma hierarquia de estrutura, organizada de tal maneira que permite
uma sucessão bem precisa e definida de processos, levando-o à realização de um
trabalho mecânico (contração). A cada um destes processos pode-se aplicar o
raciocínio energético ou termodinâmico. Assim, todas as etapas envolvidas no
acoplamento excitação-contração, desde a manutenção do potencial de membrana e
propagação do estímulo (trabalho elétrico) até as mudanças de conformação de
proteínas tanto estruturais (poros do sarcolema, dos tubos T e das cisternas) como das
contráteis (miosina, troponina, etc.) (energia química) são definidas pelo Primeiro
Princípio da Termodinâmica (E = q - w). Já foi dito anteriormente que a fonte de energia
para o sarcômero é o ATP e este é realmente a principal forma de transporte de energia
química nos seres vivos (como ele é obtido você verá em Bioquímica).
Resumindo, o sarcômero é uma máquina que transforma energia química em calor e
trabalho mecânico, não sendo necessário buscarmos uma "energia vital" para explicar o
fenômeno, pois a lei da conservação da energia se aplica ao mesmo perfeitamente.
A questão da aplicabilidade do primeiro princípio aos sistemas biológicos é
antiga. Lavoisier e Laplace, em 1781, construíram um calorímetro de gelo, onde a
quantidade de calor liberada era medida pela quantidade de água proveniente do gelo
derretido. Eles confinavam uma cobaia neste calorímetro por várias horas e
determinavam a quantidade de calor liberada e a quantidade de oxigênio consumido ou CO2 produzido pelo animal. Fazendo-se depois a combustão de carvão (posteriormente
de alimento) na quantidade suficiente para produzir a mesma quantidade de CO2 que a
produzida pelas cobaias, verificaram que as quantidades de calor desprendidas eram
semelhantes. Demonstraram assim, que o carbono, ao ser oxidado, no animal ou em
um sistema qualquer, libera a mesma quantidade de energia, de acordo com o primeiro
princípio. Logo, o ser vivo não constitui um sistema criador de energia.
2. Entalpia
Esta função de estado é de interesse, uma vez que os processos biológicos
ocorrem à pressão constante. Se o processo ocorrer a pressão constante (isobárico), a quantidade de calor trocada (qp) é igual à variação de entalpia (DH), isto é:
DH = qp (3)
Ora, já vimos que DE = qp - w, logo
DE + w = qp e daí,
56
DH = DE + w
Sabemos que w = PDV onde P é a pressão a que está sujeito o sistema e DV é a
variação de volume que ocorre durante o processo. Assim, obtemos a seguinte relação:
H = E + PV (4)
A equação (4) define matematicamente a entalpia, que também é uma função de
estado. Esta é muito importante em Química e Bioquímica pois, o calor de reação, de
solução, de combustão (que são calores trocados à pressão constante) correspondem
à variação de energia, no caso DH, que acompanham estes processos.Nos processos isocóricos, w = 0 e, portanto, DE = qv, onde qv é o calor trocado
no processo a volume constante.
Os processos biológicos, de um modo geral, se dão à pressão constante, no
entanto como ocorrem em líquidos e sólidos (que são praticamente incompreensíveis)
temos DV = 0, e por isto podemos dizer que nos sistemas biológicos DE = DH.
Não é possível se ter para E e H um estado de referência, que corresponderia ao
estado à temperatura de zero absoluto (lembre-se do Terceiro Princípio. Isto quer dizer
que não é possível se determinar absolutos de E e H. Assim sendo, num processo
qualquer, só se determinam as variações de entalpia e energia interna (DH e DE). Como
estes valores variam com a temperatura, tem-se que tomar uma situação de referência
que, como já vimos, é o estado padrão. Os valores correspondentes às variações
destas funções de estado no estado padrão são representados por DE° e DH°.
3. Interpretação Molecular da Energia Interna e Entalpia
Um sistema é sempre constituído por um grande número de moléculas e átomos,
de modo que as alterações de energia envolvidas em qualquer transformação de um
sistema podem ser analisadas em termos do comportamento de seus átomos e
moléculas constituintes. Nestas condições, a energia total do sistema (E) poderia ser
interpretada como sendo o resultado da soma da energia cinética (translação, rotação,
vibração) das moléculas, da energia de ligação química dos átomos constituintes das
moléculas, da energia de ligação dos prótons e nêutrons do núcleo, da energia de
interação entre as moléculas e de mc2.
Vamos ver o que ocorre quando introduzimos uma certa quantidade de energia
num sistema e como esta se distribui pelo mesmo. Para facilitar, admitamos que o
sistema se encontra inicialmente à temperatura de 0 K. Nesta situação sabemos que a energia cinética é zero e a energia do sistema é Eo. Ao se introduzir energia a este
57
sistema, o mesmo passa a ter uma temperatura T e energia E, tendo portanto, uma variação DE = E-Eo. Para simplicidade de raciocínio, vamos usar um exemplo numérico:
- Nosso sistema é constituído por 6 partículas (N = 6).
- A energia introduzida DE é de 10 x, onde x é uma unidade arbitrária e
conveniente de energia.
- Admitamos que existam 6 microestados de energia que possam ser ocupados
com igual probabilidade por estas partículas (seriam níveis quantizados de energia
igualmente acessíveis a qualquer uma das partículas). Postulamos que a distribuição de
energia mais provável corresponde ao estado de equilíbrio e procuraremos determinar
neste nosso sistema qual é esta distribuição.
Na Figura 3 representamos 3 distribuições (configurações) das 6 partículas nos
diferentes microestados. Destas, qual seria a mais provável e, portanto, correspondente
ao estado de equilíbrio?
58
A
6 x
5 x Ï DE = (1 x 5x) + (5 x 1x) = 10x
4 x número possível de combinações: 6
3 x
2 x
1 x Ê Ë Ì Í Î
B
6 x
5 x DE = (1 x 3x) + (2 x 2x) + (3 x 1x) = 10x
4 x número possível de combinações: 60
3 x Ï2 x Í Î1 x Ê Ë Ì
C
6 x
5 x DE = (4 x 2x) + (2 x 1x) = 10x
4 x número possível de combinações: 15
3 x
2 x Ì Í Î Ï1 x Ê Ë
Figura 3. Algumas distribuições (configurações) de partículas nos microestados de
energia, sujeitas às restrições de N = 6 e DE = 10 x. O numero de combinações
possíveis foi calculado da Equação 5 (lembre-se 0! = 1).
59
Se nós marcarmos as partículas, verificamos que há somente 6 maneiras de se
distribuí-las na configuração A, 60 na B e 15 na C. O número de maneiras (W) de se dispor N partículas, sendo n1 em um microestado, n2 em outro e assim por diante é
dado por:
N!W = -------------------- (5)
n1!.n2!...ni!
Portanto, B é a configuração que apresenta o maior número de maneiras de se
rearranjarem as partículas nos diferentes níveis. Logo, B corresponde à distribuição de
energia mais provável. Assim, se introduzirmos num sistema a 0 K, a energia 10 x, ele
atingirá o equilíbrio com a distribuição de energia correspondente ao estado B.
Resumindo:
O estado mais provável é o estado de equilíbrio e a distribuição de energia mais
provável num sistema corresponde àquela que permite o maior número de
combinações das partículas nos diferentes microestados (ou níveis). Pela equação (5)
calcula-se esse número W e procura-se obter o seu valor máximo para um dado DE e
N.
Quando o valor de N é grande, tem-se:
- (xi - xo)/kT
ni/no = e (6)
que é chamada de equação de distribuição de energia de Boltzmann, onde k é a
constante de Boltzmann, no é o número de partículas no nível mais baixo de energia (energia basal), ni = número de partículas no nível i, xi e xo são as energias
correspondentes aos níveis i e o respectivamente. Da análise da distribuição de energia
em um sistema com grande número de partículas, verificamos que os conceitos não
foram obtidos analisando o comportamento de uma molécula, mas sim de uma grande
população. Logo, o que fizemos foi uma análise estatística deste sistema. Outro fato
interessante que obtivemos foi que, apesar do Primeiro Princípio não permitir dizer qual
o sentido do processo espontâneo, o sentido de uma transformação espontânea
coincide com o da obtenção do estado mais provável (que postulamos ser o estado de
equilíbrio).
Analisando o nosso exemplo, vemos que a probabilidade de um estado aumenta
com a diminuição da limitação do mesmo: quanto maior o número de níveis energéticos
60
que as partículas do sistema podem adquirir, mais provável é sua existência. Para cada
temperatura as partículas possuem uma certa energia, cujos valores estão distribuídos
segundo as curvas mostradas na Figura 4 que caracterizam a chamada distribuição de
Boltzmann (Eq. 6). Vemos que as moléculas (ou átomos) têm energias cujos valores
estão distribuídos em torno de um valor médio (por isto, no tópico anterior foi dito que a
temperatura era proporcional à energia cinética média das moléculas). À medida que se
aumenta a temperatura, as moléculas adquirem valores maiores de energia e ao
mesmo tempo observa-se aumento da dispersão dos seus valores. Em Estatística isto
corresponde a um aumento do valor médio com acréscimo do desvio padrão: as curvas
deslocam-se para valores maiores ao mesmo tempo que se alargam horizontalmente,
achatando-se na vertical.
Numa coleção de partículas, à temperatura do zero absoluto, a energia cinética
tem valor zero e a dispersão também é nula. Pela equação de Boltzmann (Eq.. 6) pode-
se observar que todas as moléculas se encontram no nível basal (xi - xo = 0 e e-0 = 1 \ ni\no = 1)
Aumentando-se a temperatura tem-se valores crescentes de energia e cada vez maior
dispersão.
Figura. 4. Distribuição de energia cinética em uma mesma coleção de moléculas a três temperaturas diferentes. E1 e E2 = energias cinéticas médias a 298 e 308 K; EA =
energia de ativação.
A partir da distribuição de Boltzmann podemos dar uma interpretação molecular
a esta conhecida regra de van't Hoff, segundo a qual a velocidade de reação dobra
61
quando se aumenta a temperatura de 10°C. Admitamos que a energia que as moléculas devem ter para reagir seja EA (ver Figura. 4). Este valor é chamado de
energia de ativação para a reação em questão e a área abaixo da curva a partir da seção EA (chuleada na Figura. 4) nos dá o número de moléculas com energia igual ou
superior à energia de ativação. Vemos que esta área para a curva correspondente a
308 K é o dobro da área correspondente para a curva 298 K. Ou seja, em 308 K o
número de moléculas com energia superior à energia de ativação é o dobro do número
de moléculas com energia suficiente para reagir a 298 K, o que vem explicar porque a
velocidade de reação dobra. A razão entre a velocidade de reação a uma dada
temperatura e a velocidade da mesma reação a uma temperatura de 10°C mais baixa é chamada de coeficiente de temperatura, designado por Q10. Este coeficiente
geralmente tem valor próximo de 2 mas isto não ocorre em todos os processos podendo o valor de Q10 ser maior ou menor que 2 e nestes casos pode fornecer
informações mais esclarecedoras a respeito dos processos em estudo: se existem
outros fatores que podem ajudar ou dificultar estas reações.
VI. SEGUNDO PRINCÍPIO DA TERMODINÂMICA
1. Entropia
O Primeiro Princípio nos possibilitou discutir o calor transferido e o trabalho
realizado no sarcômero quando se processa a reação química abaixo:
ATP + H2O ® ADP + Pi (Pi = fosfato inorgânico)
mas não permitiu dizer se o ATP se hidrolisa espontaneamente, em solução aquosa. Sabemos que deve existir um estado de equilíbrio entre H2O, ATP, ADP e Pi, mas
usando apenas esta primeira lei, não podemos dizer exatamente onde este equilíbrio se
posiciona.
Analogamente ao que ocorre num processo mecânico, podemos dizer que o
equilíbrio é apenas alcançado quando a energia do sistema é mínima. Mas numa
solução em contato com a água pura observa-se que o soluto difunde-se até que a
concentração seja igual em todo o sistema, sem no entanto, a energia total do sistema
ter-se alterado com este processo (se admitirmos que não há interação entre as
moléculas de soluto e água). Agora, se lembrarmos que o estado de equilíbrio é o
estado mais provável, concluiremos que ao se colocar a água em contato com a
62
solução, a distribuição mais provável é aquela que tem o soluto distribuído
uniformemente no sistema. Logo, a principal diferença entre o estado inicial e final
deste sistema está no número de combinações (W) nas quais as moléculas do soluto
podem se distribuir pelo volume total disponível para elas. Quanto maior o volume,
maior é o número de maneiras de se distribuir N moléculas de soluto. Assim, podemos
determinar o equilíbrio de um sistema através do grau de desordem, pois há mais
opções nas configurações desordenadas que nas ordenadas.
Resumindo, a tendência universal de todas as transformações é levar os
sistemas ao estado de equilíbrio, o que pode ser correlacionado com rearranjos das
moléculas passando de configurações ordenadas para configurações desordenadas.
Para medir este grau de desordem foi definida uma função de estado chamada Entropia
(S) que está relacionada com o número de combinações (W) conforme a equação:
S = k ln W (7)
onde k é a constante de Boltzmann. A entropia já havia sido definida por Clausius na
Termodinâmica Clássica, para máquinas térmicas, como
dqrevdS = _________ (8)
T
onde dqrev seria a quantidade infinitamente pequena de calor trocada por um sistema
com os arredores quando sofresse um processo reversível, dS é a variação infinitesimal
de entropia correspondente e T a temperatura absoluta durante esta variação. Como a
entropia é também uma função de estado, a sua variação (DS) por um processo
qualquer, em um dado sistema, pode ser calculada utilizando-se a equação (8) e um
processo reversível conveniente.
Podemos agora formular o Segundo Princípio: "Num sistema isolado, toda
transformação espontânea é aquela que se dá com aumento de entropia". E como na
Natureza todos os processos são irreversíveis, Clausius formulou o seguinte aforisma:
"A energia do universo é constante, a entropia tende para um máximo".
Na formulação deste conceito devemos enfatizar que se o sistema não for
isolado, os arredores estarão incluídos.
63
Portanto, podemos caracterizar um sistema em termos entrópicos da seguinte
maneira:
a) Sistema aberto: (biológico)
Sistema Arredor
®
DSsistema DSarredores
DSTotal = DSsistema + DSarredores
b) Sistema isolado:
Sistema
DSsistema
Arredor
DSarredores = 0
e portanto,DSTotal = DSsistema
Considerando-se um sistema aberto, sua variação de entropia, isoladamente (DSsistema), não é suficiente para definir a espontaneidade dos processos que nele
64
ocorrem. Há necessidade de se determinar também DSarredores e, às vezes, fica muito
difícil delimitar as suas vizinhanças.
Para melhor esclarecermos este aspecto, consideramos o processo de formação
do corpo humano. Percebe-se que durante o mesmo há aumento da ordem e, portanto, DSsistema < 0 (entropia diminui), concluiríamos pela não espontaneidade deste
processo. Como você explica esta aparente contradição do Segundo Princípio da
Termodinâmica? Na realidade, durante a formação do corpo, temos que considerar o DSarredores que, certamente, foi positivo o suficiente (DSarredores >> 0), permitindo que
DSTotal fique também positivo (DSTotal > 0), tornando o processo espontâneo. Portanto,
para definir a espontaneidade de um processo através da entropia, devemos determinar duas grandezas, DSsistema e DSarredor. Do ponto de vista operacional, a determinação
do DSarredor não é muito prática, devido à conceituação de arredor ser, em alguns
casos, difícil de ser estabelecida. Em vista disso, procurou-se uma nova função de
estado que dependesse de parâmetros restritos ao sistema. Esta nova função é a
chamada energia livre (G).
2. Energia livre
2.1. Conceito
A vida na terra é mantida graças a elevada entropia do Sol. Como se dá o
processo de transferência de energia do Sol para o Homem veremos mais adiante e,
para isto necessitamos definir uma outra função de estado: a energia livre (G). Esta
função é uma propriedade extensiva.
A variação de energia livre (DG) representa o máximo de trabalho que se pode
obter de um dado processo isotérmico ou isobárico, e guarda a seguinte relação com
DH e DS:
DG = DH - TDS (9)
Se o processo se der também a volume constante (o que é caso de processos
biológicos), a energia livre é dada por
DG = DE - TDS (10)
onde não existe trabalho realizado por variação de volume. Como a maioria dos
processos biológicos que nos interessam se dá a pressão e temperatura constantes, o
valor de DG dado pela equação (9) nos permite determinar a espontaneidade destes
processos.
65
A variação de energia livre recebe este nome porque ela define aquela porção da
variação total de energia (DH ou DE) que é disponível para realizar um trabalho
qualquer quando o sistema caminha para o equilíbrio (à pressão e à temperatura
constantes). Atingido este equilíbrio, a entropia do sistema + arredores aumentou ao
máximo e G do sistema atingiu o mínimo, isto é, a capacidade de realizar trabalho pelo
sistema em equilíbrio se torna zero (observe pela equação (9) ou (10), que quanto
maior o fator entrópico TDS, mais negativo será o valor de DG).
Em resumo, quando o sistema se encontrar em equilíbrio, DG = 0, e se o sistema
estiver fora do equilíbrio, o processo se dará no sentido de se atingir sempre o valor mínimo de G. Logo, como DG = Gfinal - Ginicial e Ginicial é maior que Gfinal, temos que
DG<0, e dizemos que o processo é exergônico ou espontâneo. Se determinarmos para
um processo a temperatura e pressão constantes, um valor de DG > 0 (processo
endergônico) podemos afirmar que o mesmo não é espontâneo. Vê-se, então, a
importância do parâmetro energia livre: ele nos permite definir o sentido ou a
espontaneidade da transformação de um sistema qualquer. Assim, para reação de
hidrólise de ATP, podemos finalmente dar o seu sentido:
DG = -30514 J, logo, ela é espontânea, na temperatura e pressão estudadas.
No sistema biológico, ocorrem basicamente três tipos fundamentais de
processos:
primeiro: a troca de informações entre organelas celulares, entre células, entre
célula e meio extracelular. Esta troca se dá graças aos transportes de "mensageiros",
que podem ser moléculas orgânicas (hormônios) ou inorgânicas e mesmo íons. É o
item a ser estudado no próximo capítulo.
segundo: reações bioquímicas em cadeia que constituem o metabolismo em
geral. Estes processos serão abordados pela Bioquímica.
terceiro: interações químicas que permitem a estruturação de membranas,
organelas celulares, tecidos, etc., além dos processos que ocorrem em sistemas
imunológicos (antígeno-anticorpo), e farmacológicos (droga-receptor).
Em todos estes processos é sempre possível relacionar a variação de energia
livre com alguma propriedade de estado do sistema em estudo (concentração no caso
de reações químicas ou transporte; entropia e entalpia, no caso de interações
químicas). Da análise desta variação de G, determina-se a espontaneidade do
processo, descrevendo, assim, o seu comportamento termodinâmico.
2.2. Energia livre e constante de equilíbrio (Keq)
66
A variação de energia livre associada a uma dada reação química, depende de
temperatura, pressão e da atividade (= concentração) dos componentes que dela
participam.
Aqui, também, existe o problema da definição da energia livre absoluta do
sistema e para se determinar, então, a variação da mesma no estado padrão,
necessitamos escolher um estado de referência, o qual é justamente definido para a
transformação do sistema a 25°C, 1 atm de pressão e 1 M dos componentes.
Para uma reação química, por exemplo, DG° é a variação de energia livre,
partindo-se da concentração padrão (1 M) dos reagentes e produtos e deixando-se a
reação atingir o equilíbrio, a temperatura de 25°C e 1 atm de pressão.
situação inicial A + B ® C + D(T: 25°C, 1 atm)
1M 1M 1M 1M
situação final aA + bB ® cC + dD(T: 25°C, 1 atm)
[ A ] [ B ] [ C ] [ D ]
Nestas condições, demonstra-se que DG° pode ser expresso em função da
constante de equilíbrio, através da relação:
DG° = -R.T. ln Keq (11)
onde
[C]c [D]d
Keq = ____________[A]a [B] b ...
DG° indica quanto o estado padrão está afastado do estado de equilíbrio. De
modo que DG° < 0, por exemplo, significa apenas que a reação se processará
espontaneamente do estado padrão para o estado de equilíbrio; se os reagentes e
produtos se encontram no estado inicial fora das condições padrão (i.é, pelo menos
uma das concentrações diferente de 1M) DG guarda com DG°, a seguinte relação:
DG = DG° + R.T. ln f(c) (12)
Considerando-se, por exemplo, a reação:
67
aA + bB « cC + dD [ A ] [ B ] [ C ] [ D ]
[C]c [D]d ... f(c) = _______________________ (13)
[A]a B]b
onde A, B, etc., são as concentrações dos reagentes, C e D são as concentrações dos
produtos da reação e a, b, c e d, são seus respectivos coeficientes estequiométricos no
estado inicial.
E, o processo será espontâneo no sentido que corresponder a DG < 0.
2.3. Potencial químico (µ)
Como, de um modo geral, os sistemas biológicos são sistemas abertos, isto é,
tem-se troca de massa com as vizinhanças ou de maneira mais ampla entre duas
regiões, temos que definir uma função que não dependa do tamanho (extensão) deste
sistema aberto e que possa exprimir a variação de energia útil do sistema quando
ocorre transporte de massa. Este novo parâmetro intensivo é o potencial químico (µ) e
sua variação é definida por:
dGi µi = _____ (14a), onde G = energia livre do componente i e n é o
dn número de moles
Demonstra-se que
DGi _____ = Dµi = µi1 - µi2 (14b) com
n
Gi1 Gi2
µi1= _____ e µi2 = _____
-n -n
68
onde 1 e 2 são dois diferentes pontos de um sistema ou dois estados de um mesmo sistema e µi é, portanto, a energia livre molar de um componente i deste sistema.
Demonstra-se que em qualquer processo onde ocorre transferência de massa,
uma das três possibilidades abaixo pode ocorrer, permitindo estabelecer o sentido da
µi (2) = µi (1) componente i se encontra em equilíbrio
A diferença de potencial químico de um componente i entre duas regiões (µi(2) -
µi(1)) corresponde ao trabalho máximo que o sistema pode ceder quando um mol do
componente i passa espontaneamente da região de maior para a de menor potencial
químico. Esta diferença equivale também ao trabalho mínimo que deve ser aplicado no
sistema para que um mol seja transportado em sentido contrário.
A diferença de potencial de um componente i entre duas regiões depende do
sistema considerado e dos diversos tipos de trabalhos realizados (ou recebidos) pelo
sistema durante o processo. No campo biológico, os mais importante são:
1) químico, devido a uma diferença de concentração do componente i,
2) elétrico, devido a uma diferença de potencial elétrico, e
3) devido a uma diferença de pressão hidrostática (importante no processo de
osmose).
2.3.1. Potencial Químico e Trabalho Químico
O potencial químico de um componente i do sistema é dado por:
µi = µ°i + R.T.ln Ci.
O trabalho associado com o transporte de 1 mol do componente i de uma região
1 para 2 do sistema é dado por:
Ci (2)
R.T. ln ________ Ci (1)
onde R: constante dos gases = 8,3 J/K. mol
T: temperatura absoluta (K)
69
A relação acima corresponde à diferença de energia livre do componente i
decorrente da existência de concentrações diferentes deste componente nas regiões 1
e 2.
Ci (2)
Dµi = µi2 - µi1 = R.T. ln ________
Ci (1)
De modo claro, pode-se entender que, quando:
Ci (2) > Ci (1) µ2 > µ1 processo espontâneo de 2 ® 1
Ci (2) < Ci (1) µ2 < µ1 processo espontâneo de 1 ® 2
Ci (2) = Ci (1) µ2 = µ1 processo em equilíbrio
2.3.2. Potencial Elétrico e Trabalho Elétrico
Se alguns componentes do sistema forem eletricamente carregados e se existir
neste sistema um campo elétrico, o trabalho elétrico realizado é igual a qDY, sendo q a
carga elétrica e DY a diferença de potencial elétrico entre dois pontos deste campo em
que se deslocaram estes componentes.
Assim, ao se transportar um mol de um componente i carregado, de uma região
1 para região 2 do sistema, o trabalho elétrico envolvido corresponde à energia livre
molar deste componente e é igual a
Zi.F (Y2 - Y1)
onde Zi corresponde à valência do íon e F é o número de Faraday (carga elétrica de i
mol de íons monovalentes = 96.500 Coulomb/mol) e Y1 e Y2 são os valores do
potencial elétrico nos pontos 1 e 2 deste sistema.
2.3.3. Potencial Eletroquímico e Trabalho eletroquímico
Para solutos eletricamente carregados, quando entre duas regiões 1 e 2 existem
simultaneamente diferenças de potencial elétrico e de concentração, a diferença de
70
potencial eletroquímico ou de energia livre molar do componente i será a soma
algébrica das diferenças de potencial químico e elétrico vistas anteriormente. Assim:
Ci (2)
Dµi = µi2 - µi1 = R.T. ln ________ + Zi F (Y2 - Y1)
Ci (1)
Sendo Dµi a diferença de potencial eletroquímico do componente i entre as regiões 1 e
2. Assim, como nos dois casos já vistos, Dµi corresponde ao trabalho eletroquímico
envolvido no transporte do componente i, carregado eletricamente, num sistema em
que existe além de um gradiente elétrico, um gradiente de concentração.Quando Dµi = 0, o componente i está em equilíbrio porque ambos os termos são
nulos ou porque se anulam entre si.
Nesta situação, temos:
R.T. Ci (2)
Y2 - Y1 = - _____ ln ________
Zi. F Ci (1)
Esta equação é denominada EQUAÇÃO DE NERNST. Ela dá a diferença de
potencial elétrico necessária e suficiente para equilibrar uma diferença de concentração
do componente i entre as duas regiões (potencial de equilíbrio do componente i).
A equação de Nernst também pode ser deduzida a partir da expressão que
define o potencial eletroquímico (µ)
µi = µ°i + R.T. ln Ci + Zi F.Yi
onde µ°i é o potencial químico da substância quando o sistema se encontra no estado
padrão de referência.
Aplicações ao músculo (vide referência Mountcastle)
Voltando à contração muscular que é o exemplo de processo biológico por nós
escolhido, verificaremos que os conceitos termodinâmicos são importantes na Fisiologia
muscular.
A ativação do músculo durante a contração é um processo irreversível, portanto,
ocorre aumento de entropia, por exemplo no processo de liberação de Ca2+ das
cisternas. Observa-se troca de calor com o meio externo tanto no repouso como
durante a contração. Se o músculo encurtar, haverá realização de trabalho mecânico
(FDl), elétrico e químico (troca de gases, reações metabólicas, translocação de íons,
71
liberação de ADP e Pi da cabeça da miosina, em suma, qualquer troca de material entre
músculo e o meio externo).
VII. TROCAS ENERGÉTICAS E A VIDA
1. Acoplamento de Transformações
Nós já vimos que, durante o relaxamento muscular ocorre a transferência de íons
Ca2+ do citoplasma (10-5 M) para o retículo sarcoplasmático (>> 10-5 M), caracterizando portanto, um processo endergônico (µCaret > µCacit). Como, então, nos sistemas
biológicos, ocorrem certos processos que analisados isoladamente, não são
espontâneos?
Isto só é possível se acoplarmos o processo endergônico (DG' > 0) a um
processo exergônico (DG'' < 0) adequado, de maneira que a variação de energia livre
total de ambos os processos combinados satisfaça a condição de:
DG' + DG'' = DG < 0
o processo exergônico mais extensivamente utilizado nos organismos biológicos para
se acoplar aos processos endergônicos é o da hidrólise do ATP (adenosina trifosfato),
dando ADP + Pi, com liberação de 32.000 J/mol de energia. A Figura 5 dá um esquema
geral dos acoplamentos entre a reação de hidrólise de ATP (produzido no organismo
pela queima de glicose) e os demais processos biológicos que ocorrem no homem. A
energia proveniente da glicose é transferida ao fosfato inorgânico, que se liga ao ADP
através de uma ligação de "alta energia", formando ATP.
Esta molécula de ATP pode transferir este fosfato de alta energia à creatina
formando então creatina-fosfato que é a forma de armazenamento de ligações de alta
energia, ou pode transferir, pelo acoplamento, a energia a qualquer processo biológico,
realizando qualquer trabalho celular. O que torna possível o acoplamento e
transferência de energia, e impede a quebra desacoplada das moléculas de alta
energia são as enzimas. Somente na presença de enzima apropriada, a creatina-fosfato
transfere seu fosfato de alta energia ao ADP, formando ATP. As enzimas, portanto,
permitem que as reações se dêem numa sequência útil para a vida celular.
72
73
Figura. 5. Relação entre ligação fosfato de alta energia e o trabalho celular
74
O Sol é a fonte única de energia de toda a vida na Terra. Através de reações
fotossintéticas nas plantas verdes, um pouco desta energia é armazenada na forma de
energia química nos carboidratos.
luznCO2 + nH2O ¾¾® carboidrato + nO2
Esta energia química dos carboidratos recebida pelo homem é convertida nos
seguintes usos finais:
a. formação de membranas, células, organelas e órgãos
b. manutenção de temperatura
c. movimento (trabalho muscular)
d. síntese de materiais estruturais, tais como proteínas, lipídeos, etc.
e. atividade elétrica de sistemas musculares e nervosos
f. manutenção da homeostase celular
Pouca energia livre é desperdiçada pelo organismo biológico sendo ele por isto,
um sistema bastante eficiente. Em outras palavras, a queima da glicose, por exemplo,
não se dá numa única centelha (como no pouco eficiente motor de combustão interna),
mas numa série de etapas, cada uma das quais diminui o potencial termodinâmico G,
de um degrau relativamente pequeno, que será transferido a ligações químicas de alta
energia. Um exemplo deste tipo de processo será visto em Bioquímica com o nome de
ciclo de Krebs onde se tem que a transferência de energia a cada estágio ocorre
através das ligações fosfato de alta energia. No final deste ciclo tem-se a produção de
38 ligações deste tipo. A combustão de um mol de glicose produz 2.867.480 J de
energia pela via aeróbica, e no sistema biológico, 1.207.184 J desta são convertidos em
ligações químicas de alta energia, que serão envolvidos na manutenção e no trabalho
celular. Logo a eficiência deste sistema é de 42% (!). Para você poder comparar, temos
que uma máquina térmica a vapor, ideal, tem eficiência de 21,4% (se queimasse a
mesma quantidade de glicose).
75
Das relações lógicas da Energética chega-se à seguinte sinopse:
1a Lei: define e dá propriedades de DE
2a Lei: define e dá propriedades de DS
DG, Dm e DmEnergia Livre, Potencial Químico e
Eletroquímico
¾ dependência da concentração (trabalho químico)¾ trabalho elétrico¾ como critério de espontaneidade do processo¾ energia livre padrão¾ acoplamento energético¾ ligação de alta energia
76
2. Estado de fluxo constante ("steady state")
Quando discutimos a diminuição de entropia de um ser vivo às custas do
aumento de entropia dos arredores, não foi discutido um problema que agora podemos
analisar: o sistema biológico vivo não está em equilíbrio no estado inicial e nem estará
em equilíbrio no instante da análise. Ele se encontra num estado estacionário,
denominado também de "steady state" ou estado de fluxo constante, onde a entrada e
saída de alimento, oxigênio, catabólitos e metabólitos é tal que não se observa
nenhuma alteração de sua homeostase, de sua temperatura, etc., isto é, o sistema está
sempre repondo na justa medida aquilo que perde.
Este estado assemelha-se ao equilíbrio na sua invariância com o tempo e a
diferença é que existem fluxos constantes das propriedades conservativas (massa,
energia) no sistema e consequentemente a entropia está sendo continuamente
produzida. Assim em ambos os casos tem-se concentração, densidade, etc., constantes
no sistema, mas no caso do estado de equilíbrio, não há variação de entropia total
(DStot= 0) em função do tempo, enquanto que no estado de fluxo constante, há uma
contínua produção de entropia total (DStot\t > 0) em função do tempo.
77
VIII. CONCLUSÃO
Conclui-se que DG é um conceito fundamental em Bioenergética, a partir do qual
são obtidas relações que permitem explicar os sistemas biológicos do ponto de vista
físico-químico. Quando estudamos então, um sistema qualquer devemos determinar o
DG de suas transformações para começar a descrever o seu comportamento
cientificamente. É, desta forma, possível excluir-se a "força vital" ou qualquer outra
força desconhecida ou mágica do sistema biológico.
Neste texto de Bioenergética que acabaram de ler, procuramos dar um enfoque
mais voltado especificamente para a área biológica. Inúmeros conceitos de natureza
mais físico-química da Termodinâmica (como a teoria dos gases, máquinas térmicas,
termoquímica, etc.) não foram propositadamente analisadas.
Todos os processos de estruturação, desde a membrana até células, tecidos,
organelas e o corpo como um todo, passando pela difusão de inúmeros solutos e
terminando nas reações ou interações bioquímicas imunológicas e farmacológicas de
natureza química, são, na realidade, governadas por leis simples da Termodinâmica
que acabaram de ver.
Outras análises de natureza termodinâmica serão ainda expostas em tópicos
posteriores de nosso curso. Por exemplo, para explicar termodinamicamente a
estruturação de membranas biológicas, alguns conceitos de tipos de reações e
interações químicas serão correlacionados com os de DS, DH e DG. Na geração do
potencial elétrico de membranas celulares e na sua transmissão, estarão envolvidos os
conceitos de potencial eletroquímico, de "steady state", de acoplamento de
transformações que acabamos de discutir
Enfim, voltando ao exemplo do índio que observa incrédulo um motor ligado,
citado na parte introdutória deste tópico, nosso intuito é que o aluno não se sinta na
situação deste indígena ao observar um organismo em funcionamento. Entendê-lo em
todas as suas minúcias significará poder agir corretamente, e no momento certo, frente
a repentinas fases de mau funcionamento.
78
IX. BIBLIOGRAFIA
Klotz, I. M. "Energy changes in Biochemical Reactions"
Qual destes dois antibióticos parece ter maior probabilidade de uso terapêutico?
82
16. Se num sistema em que diferentes processos estão ocorrendo temos DGTotal = 0,
significa que Dmi também é nulo?
17. Um sistema é constituído por dois compartimentos (1 e 2), com concentrações de um mesmo soluto não carregado eletricamente (C1 e C2). Sabendo-se que C1 > C2 e
que os dois compartimentos estão em contato, pergunta-se:
a) o sistema está em equilíbrio?
b) qual o compartimento de maior m?
c) como você exprime Dm em função das concentrações?
d) proponha uma situação de equilíbrio para o qual o sistema deva caminhar.
18. Dois compartimentos de paredes rígidas (1 e 2) separados por uma membrana permeável somente à cátions contém as seguintes concentrações de NaCl: C1 = 1.2 M
e C2 = 10 M. Supondo-se que o cátion esteja no equilíbrio, pergunta-se:
a) Qual é o valor da ddp (DY2-1) existente através da membrana e discuta o seu
significado.b) Impondo-se agora uma DY2-1 de + 100 mV através desta membrana, o
sistema continuará no equilíbrio? Justifique.
Qual será a redistribuição deste cátion nesta nova situação de equilíbrio?
c) E se fosse permeável somente a ânions?
Dados: T = 298K; R = 8,3 J/K.mol; F = 96500 C/mol.
19. Em uma célula animal, temos a seguinte distribuição iônica:
Sabendo-se que a diferença de potencial elétrico (DYint-ext) transmembranal nesta
célula é de -90 mV, qual destes íons está em equilíbrio eletroquímico?
Dados: R = 8,3 J/K.mol; T = 310 K; F = 96500 C/mol
Qual o sentido dos fluxos resultantes de Na+ e K+?
83
20. Por que se diz que o organismo vivo está em "Steady State" (fluxo constante) e não
em equilíbrio?
21. Qual a condição para que haja acoplamento de processos? Dê exemplos.
84
DIFUSÃO - OSMOSE
1. Identificar os fatores que governam a difusão de um soluto entre dois
compartimentos.
2. Definir fluxos unidirecional e resultante e suas respectivas unidades.
3. Discriminar grandezas escalares de vetoriais (diferença de concentração vs
gradiente de concentração).
4. Reconhecer as forças que atuam sobre um soluto.
5. Definir mobilidade de um soluto e sua respectiva unidade.
6. Entender a formula conceitual de Nernst-Planck.
7. Aplicar a lei de Fick (fórmula operacional para a determinação do fluxo de um soluto
não carregado).
8. Definir coeficiente de permeabilidade e sua respectiva unidade.
9. Definir coeficiente de difusão e sua respectiva unidade.
10. Determinar, na prática, os coeficientes de difusão e de permeabilidade (montagem
experimental, tratamento de dados, calibração de aparelhos, determinação de curva
padrão, determinação da concentração de uma solução desconhecida pelo método
fotométrico).
11. Classificar o tipo de transporte (passivo, facilitado e ativo) através dos fluxos
unidirecionais.
12. Definir o processo de osmose.
13. Definir membrana semi-permeável.
14. Aplicar a lei de van't Hoff: relacionar pressão osmótica com a concentração de
solutos impermeantes.
15. Prever o sentido espontâneo da água através da pressão osmótica.
16. Calcular a osmolaridade de uma solução.
17. Comparar soluções quanto ã osmolaridade e tonicidade.
18. Reconhecer partículas permeantes ou não em função da alteração ou não do
volume celular.
19. Definir soluções isosmóticas, hiposmóticas, hiperosmótica, isotônica, hipotônica e
hipertônica.
20. Discutir a importância da tonicidade de uma solução (pressão osmótica) do ponto
de vista fisiológico.
21. Teoria de Fotometria.
Conexões com outras disciplinas: Nefrologia, Clinica Médica, Exame Laboratorial etc.
85
DIFUSÃO EM MEMBRANAS ARTIFICIAIS
I. DIFUSÃO DE SOLUTO
1. Introdução e objetivos
Agora que você já está familiarizado com os conceitos termodinâmicos básicos,
em particular o potencial químico, podemos passar ao item seguinte que é difusão do
soluto através de membranas ou mais genericamente transporte através de
membranas. Este tópico inclui, além da difusão simples, transporte de partículas
carregadas que fornece a base para a bioeletrogênese (potencial de repouso, potencial
de ação, eletrocardiograma, etc.), transporte de água ou osmose (fisiologia renal). A
relevância deste assunto torna-se óbvia ao tentar responder a seguinte pergunta:
porque estamos e permanecemos vivos? O homem é um sistema aberto, isto é, um
sistema onde são permitidas as trocas de energia e matéria com os arredores. Assim permanecemos vivos porque respiramos: troca CO2 e O2 por difusão a nível dos
pulmões e tecidos. A vida da célula depende da troca de informações e de substâncias
entre o seu meio interior (intracelular) e o meio externo (extracelular). A membrana
biológica separa os diversos compartimentos celulares, e é passo limitante no
transporte de uma substância de um compartimento para outro. Vários são os exemplos
e os tipos de transporte através de membranas:
a. Transporte passivo ou difusão simples: ocorre por exemplo, na troca de gases
nos pulmões e a nível dos tecidos; na difusão de Ca2+ do retículo sarcoplasmático para
o sarcoplasma durante a contração muscular.
b. Transporte mediado ou facilitado: por exemplo influxo de D-glicose pelos glóbulos
vermelhos humanos, através de um sistema que envolve um carregador específico.
c. Transporte ativo: por exemplo, de Na+ e K+ através das membranas; retirada ativa
do Ca2+ do sarcoplasma para o retículo através de uma bomba de Ca2+ (relaxamento
muscular).
Neste capítulo, vamos nos restringir ao estudo do transporte passivo de um
soluto através de uma membrana artificial (de celofane). O objetivo principal é
estudar os fatores que governam a difusão de um soluto através da membrana de
celofane.
86
No tópico seguinte do curso (2° semestre) você terá a oportunidade de estudar a
difusão simples e outros tipos de transporte em uma membrana biológica (pele de
anfibio).
2. Difusão em sistema contínuo
Entende-se por sistema contínuo, um sistema no qual não existe barreira física
(membrana) entre duas regiões adjacentes do sistema. Consideremos nosso sistema
em estudo como uma solução. Sabendo-se que as moléculas estão em contínuo
movimento, temperatura-dependente (Lei Zero da Termodinâmica), é fácil imaginar que
as mesmas se movimentam ao acaso, de uma região para outra do sistema e que
possam ocorrer colisões entre as mesmas (movimento browniano).
Se as propriedades da solução forem iguais em toda sua extensão, o
deslocamento de cada partícula para qualquer direção do espaço tem a mesma
probabilidade de ocorrer.
Assim, se admitirmos as moléculas cruzando uma área limite imaginária no
interior da solução separando duas regiões, verificaremos que, um dado instante, o
número de moléculas que cruzam em um dado sentido é igual ao número de moléculas
que cruzam no sentido inverso. Consequentemente, o deslocamento resultante do
conjunto de moléculas será nulo. Todavia, se existir diferenças de concentração entre
duas regiões da solução, o movimento ao acaso de partículas determinará que, num
dado instante, um número maior de partículas atravesse o limite imaginário da região
de maior para a de menor concentração, criando assim um fluxo. Chamamos esse
fenômeno de difusão. Tomemos como exemplo a difusão de glicose através de dois
elementos de volume adjacentes e iguais de uma solução.
Figura 1. Difusão de glicose entre dois compartimentos de volumes iguais adjacentes.
87
Na situação inicial A, o compartimento 1 contém solução de glicose 20 mmol/l e o
compartimento 2 contém água pura. Em B, após um dado intervalo de tempo algumas
moléculas passam para o compartimento 2, devido ao movimento ao acaso das
moléculas de glicose no compartimento 1. Podemos então definir um fluxo unidirecional de glicose do compartimento 1 para o compartimento 2 (J12).
Conforme as moléculas de glicose vão passando para o compartimento 2,
aumenta a concentração de glicose neste último. Consequentemente, teremos agora
um aumento na probabilidade das moléculas de glicose que se encontram no
compartimento 2 de retornar ao compartimento 1. Podemos então definir outro fluxo unidirecional de glicose do compartimento 2 para o compartimento 1 (J21).
O aumento resultante na concentração de glicose no compartimento 2 é dado pela diferença entre os fluxos unidirecionais, J12 e J21, e é chamado de fluxo
resultante.
À medida que o tempo vai passando, o fluxo resultante provoca a diminuição da
concentração de glicose no compartimento 1 e aumento da mesma no compartimento
2. Em um dado momento, as concentrações de glicose dos dois compartimentos tornam-se iguais, bem como os fluxos de glicose em ambos os sentidos (J12 = J21),
tornando-se nulo o fluxo resultante. O sistema alcançou então, o equilíbrio de difusão,
não ocorrendo nenhuma alteração subseqüente na concentração de glicose nos
compartimentos. Isto está mostrado na Figura 1, na situação C, onde a concentração
de glicose nos compartimentos 1 e 2 é de 10 mmol/l.
Assim podemos observar que:
1. A difusão de moléculas sendo um processo espontâneo, sempre ocorre da região de
maior para a de menor concentração.2. No processo de difusão existem 3 fluxos, dois unidirecionais, J12 e J21 e o fluxo
resultante. O fluxo resultante determina a quantidade de material que é transferida de
uma região para outra e é dado pela equação:
J= D(C2 - C1)/(x2 - x1)
Esta equação descreve o fluxo J em condições estacionárias através de uma fatia de solução de espessura (x2 - x1), através da qual existe uma diferença de
concentração (C2 - C1). J é diretamente proporcional à diferença de concentração e
inversamente proporcional à espessura considerada, sendo D a constante de
proporcionalidade.
88
3. Difusão através de uma membrana
O sistema ilustrado na Figura. 2 é constituído por um compartimento contendo n
partículas de soluto em 1 cm3 adjacente a um cm2 de um dada membrana. Nesta
condição, a membrana é a etapa limitante para a difusão do soluto, sendo os
parâmetros que regem este fenômeno relacionados apenas com a membrana em si.
Figura 2. 1 cm3 de solução adjacente a uma membrana com área de superfície de 1
cm2.
Vamos assumir que o soluto em questão é uma partícula não carregada. O
número de partículas que atravessa a membrana na direção x por unidade de tempo é:
Ji = civi (1)
onde vi é a velocidade de cada partícula de soluto. Se v i for expresso em centímetros
por segundo e ci em moles por cm3, a unidade de Ji será de moles por cm2 por
segundo (moles cm-2.s-1). A velocidade vi é diretamente proporcional à força atuando
em cada partícula (fi) e é dada por vi = mifi. A constante de proporcionalidade mi é
definida como mobilidade e é simplesmente a velocidade por unidade de força. A
mobilidade de uma partícula em um meio depende das interações entre a partícula e o
meio que a envolve. Vários são os parâmetros que entram na determinação da
mobilidade. Quanto maior a partícula menor será a sua mobilidade. (Faça analogia com
duas esferas de pesos iguais e tamanhos diferentes caindo dentro da água. A maior
cairá mais lentamente). Quanto maior a interação da partícula com o meio, menor será
a sua mobilidade. (Faça analogia com duas esferas de tamanhos e pesos iguais, uma
caindo dentro da água, outra dentro do mel. A segunda cairá mais lentamente).Substituindo na equação 1 o valor de v1 = mifi, teremos:
89
J i= cimifi (2)
Em geral, a força pode ser definida como a variação da energia com a distância
(dE/dx). Deste modo, a força atuante sobre um mol de matéria é o gradiente de energia
livre por mol ou o gradiente do potencial químico (m) no caso das moléculas não
serem carregadas e eletroquímico, (m) no caso de se tratar de íons. Assim,
Ji = -cimi (dmi/dx) (3)
Esta é a equação de Nernst-Planck e é o ponto de partida para a descrição do fenômeno de difusão. A razão para o sinal negativo é que o fluxo J i é definido como
positivo quando o fluxo ocorre de uma região de maior potencial eletroquímico para
uma região de menor potencial eletroquímico, de tal modo que o fluxo positivo é
movido por uma diferença de potencial eletroquímico negativo(processo espontâneo).
3.1. Lei de Fick
A fim de simplificar e obter uma forma integrada da equação de Nernst-Planck
vamos assumir que: 1) o soluto não é uma partícula carregada; falaremos então do potencial químico mi = mºi + R.T. ln ci (ver na página 55, Bioenergética); 2) a espessura
da membrana é Dx; 3) a mobilidade do soluto (mi) é constante através da membrana.
Desta maneira podemos escrever a equação (3) da seguinte forma:
Ji = R.T.mi (Dci/Dx) (4)
onde Dci representa a diferença de concentração do soluto nos 2 compartimentos
mi, mobilidade do soluto i na membrana
T, temperatura absoluta, em graus Kelvin (K),
R, constante dos gases,
Dx, espessura da membrana
O produto mi R.T. define o coeficiente de difusão, Di, do componente i na fase
da membrana, e sua unidade é: cm2.s-1.
Ji = Di (Dci/Dx) (5)
90
Notamos portanto que o fluxo de um soluto i é diretamente proporcional ao
coeficiente de difusão, à diferença de concentração entre os dois compartimentos e é
inversamente proporcional à espessura da membrana.
A espessura da membrana Dx, nem sempre é fácil de ser determinada, por isso definimos um outro coeficiente, o coeficiente de permeabilidade, Pi:
Pi = (Di/Dx) (6)
e a equação (4) fica
Ji = PiDci
ouJi = Pi (ci2 - ci1) (7)
que é a equação de Fick,
onde: Ji é o fluxo da substância i (mol. cm-2.s-1)
ci é a concentração de i (mol . cm-3)
Pi é o coeficiente de permeabilidade de i (cm.s-1)
1 e 2 referem-se aos lados da membrana.
O fluxo Ji da equação (7) é o fluxo resultante da substância i quando existe
uma diferença de concentração através da membrana em condição estacionária. Notamos que quando Dci = 0, o fluxo resultante é nulo e o sistema estará em equilíbrio,
pois a variação do potencial químico no sistema é zero:
mi1 = mºi + R.T. ln ci1
mi2 = mºi + R.T. ln ci2
mi1 - mi2 = R.T. (ln ci1 -ln ci2)
Dm = R.T. ln (ci1/ci2)
Quando ci1 = ci2, ln 1 = 0 e portanto:
Dm = 0, condição de equilíbrio
Se ci2 < ci1 então Dci < 0 e teremos um fluxo resultante de i do compartimento de
maior para o de menor potencial químico (Ji > 0), sendo portanto a difusão um processo
espontâneo.
91
3.2. Coeficiente de permeabilidade
O coeficiente de permeabilidade P tem dimensão de velocidade e indica a
facilidade com que uma determinada substância se difunde através de uma
determinada membrana.
Sua magnitude depende da temperatura, da natureza do soluto, do coeficiente
de difusão do soluto na membrana, da espessura da membrana, do coeficiente de
partição [Que é definido como a medida de solubilidade relativa de uma substância em
óleo e em água. Este parâmetro é importante em membranas biológicas] do soluto
entre a membrana e as soluções. Quanto maior a permeabilidade da membrana a um
dado soluto, mais facilmente este penetra na membrana e se difunde através dela.
No gráfico abaixo PA>PB>PC
Experimentalmente, é possível determinar-se a permeabilidade de uma
membrana a um soluto. A equação de Fick (5) é de uma reta (y = ax) e graficamente é
possível a determinação de P (ver parte prática), através do coeficiente angular da reta
obtida.
3.3. Fluxos unidirecionais
Definimos fluxo unidirecional como o número de partículas que atravessam a membrana em apenas um sentido. Por convenção, usaremos a notação Jij um fluxo
do compartimento i para o compartimento j. É evidente que o fluxo resultante J é a
soma algébrica dos 2 fluxos unidirecionais através da membrana:
J = J12 + J21
92
(Obs. J12 e J21 têm sinais contrários)
Em uma difusão simples, o fluxo de uma partícula em um sentido é sempre
proporcional à concentração do compartimento de origem do fluxo, teremos então:
J12 = P c1 (6)
e
J21 = P c2 (7)
onde P é o coeficiente de permeabilidade. Somando algebricamente as expressões (6)
e (7) teremos o fluxo resultante J (Lei de Fick):
J = P Dc
Os fluxos unidirecionais são medidos usando isótopos radioativos. Tais medidas
fornecem informações a respeito da simetria da membrana.
Em uma difusão simples através da membrana, os valores de P obtido pelas
relações acima devem ser iguais. Uma desigualdade nos valores de P calculados desta
maneira implica que devem estar ocorrendo fenômenos na membrana mais complexos
do que uma simples difusão, como por exemplo transporte ativo, difusão facilitada e outros. Por exemplo, se observarmos que c1 = c2 e que P medido no sentido de 1 para
2 é maior que no sentido contrário, resultaria em J12> J21, isto seria equivalente à
existência de um fluxo resultante de soluto sem termos um gradiente de concentração
através da membrana. Logo, este sistema deve estar utilizando energia externa para
garantir esta assimetria de membrana, cujo resultado é este transporte sem gradiente.
É muito comum se encontrar em sistemas biológicos, transportes que se dão contra
gradiente, utilizando, é lógico, energia externa ao sistema para realizarem estes
trabalhos. Estes transportes são genericamente chamados de transporte ativo e será
o próximo assunto a ser estudado.
93
4. Resumo e conclusões
A membrana é um sistema através do qual deverão fluir diferentes moléculas ou
partículas, em ambos os sentidos.
Denomina-se fluxo a quantidade de partículas que flui por unidade de área por
unidade de tempo. O valor do fluxo pode ser determinado pela equação de Fick, J =
PDc, onde P é coeficiente de permeabilidade da membrana ao soluto.
Fundamentalmente, a difusão é aquela que ocorre no sentido de uma região de
maior potencial químico (mais concentrada) para outra de menor potencial químico
(menos concentrada). Esta condição é fundamental de acordo com as leis da
termodinâmica. Desta maneira, o processo de difusão é espontâneo e se realiza as
custas das próprias energias do sistema.
Muitas propriedades dos organismos vivos estão associadas ao processo de
difusão. Entretanto, a difusão não é um processo eficiente para o transporte de
substâncias a longa distância. Assim, algumas células que têm volume celular
relativamente grande, assumiram uma forma que lhes possibilitam ter uma reduzida
razão volume/superfície.
As células musculares, por exemplo, têm freqüentemente mais de 10 cm de
comprimento, mas somente 10 a 100 mm de espessura. Desse modo, uma molécula
precisar se difundir apenas por uma curta distância e partir da superfície para alcançar
o centro da célula muscular (um exemplo típico disto seria a difusão do Ca2+ durante o
processo de contração muscular).
94
II. FLUXO DE ÁGUA (OSMOSE)
1. Introdução
A água é a substância mais abundante que se difunde através das membranas
biológicas, sendo o solvente biológico por excelência. O fluxo de água através de uma
membrana é sempre passivo, isto é, a água irá se difundir do compartimento de maior
potencial químico de água para o de menor potencial químico, de acordo com as leis da
termodinâmica e já definidas para o processo de difusão de soluto através de
membrana. Esta difusão particular de água é um processo denominado osmose. Os
processo osmóticos são fundamentais na distribuição de água entre os diversos
compartimentos do organismo e na manutenção do volume celular.
O objetivo desta aula é definir: 1) as forças responsáveis pelo fluxo de água
através de uma membrana, e 2) os conceitos de osmolaridade e tonicidade de uma
solução.
2. Pressão osmótica
Consideremos o sistema ilustrado na Figura. 1, onde o compartimento 1 contém uma solução de um soluto i a uma concentração ci1 e o compartimento 2 contém uma
solução do mesmo soluto a uma concentração maior ci2 (ci1 < ci2). A membrana que
separa os dois compartimentos é rígida, estritamente impermeável ao soluto i porém totalmente permeável a H20.
Este tipo de membrana, permeável a água e impermeável ao soluto é chamada
de membrana semi-permeável.
Partindo da situação descrita em A e deixando o sistema evoluir até atingir o
equilíbrio (situação B), notamos que:
ímembrana semi-permeável1 2 1
DPA
2
B
H2O
Soluto É Ì Soluto
H2O
Soluto É Ì Soluto
Figura. 1. Fluxo osmótico de água através de uma membrana semi-permeável.
95
1). Há um fluxo de água do compartimento 1, de maior potencial químico em H2O, para
o compartimento 2, de menor potencial.
2). Em decorrência do fluxo de água de 1 para 2, há uma elevação da coluna líquida no
capilar introduzido no compartimento 2. A pressão existente no ponto A, localizado na
interface ar-líquido do compartimento 1, é a pressão atmosférica. Por outro lado, no
ponto B, a pressão exercida neste ponto é a pressão atmosférica mais a pressão
correspondente à coluna líquida (pressão hidrostática). Existe, portanto, uma diferença
de pressão (DP) entre os dois compartimento. Esta DP ocasiona um fluxo de água do
compartimento 2 para o compartimento 1.
3). De maneira óbvia, o equilíbrio será atingido quando os fluxos de água nos dois
sentidos (de 1®2 em consequência da diferença de concentração do soluto
impermeante e de 2®1 em consequência da D P) serão iguais.
Na condição de equilíbrio, a DP necessária e suficiente que deve ser aplicada no
compartimento mais concentrado é denominada pressão osmótica da solução (p).
Por definição, pressão osmótica de uma solução é a diferença de pressão que
deve existir entre esta e seu solvente puro para que não haja fluxo de solvente através
de uma membrana semi-permeável. Seu valor é dado pela equação de van't Hoff:
DP = p = R.T.DCi (1)
onde p é expresso em unidade de pressão (no S.I.: Pascal = Pa)
1 Pa = 1 N m-2 = 1 J m-3.
R constante universal dos gases (8,3 J K-1mol-1)
T temperatura absoluta em graus Kelvin (K)
Dci diferença de concentração de soluto disperso e impermeante nos dois
compartimentos (mol/l).
A pressão osmótica é o parâmetro para se determinar o sentido do fluxo
resultante de água. O sentido da osmose é sempre da solução de menor pressão
osmótica para a de maior pressão osmótica.
96
Exemplo 1
Consideremos uma membrana semi-permeável separando 2 compartimentos
contendo água pura (lado 1) e uma solução de sacarose 0,1 M (lado 2). Calcular a
pressão osmótica desta solução (t = 25°C e R = 8.3 J/K.mol)) e indique o sentido do
fluxo resultante de água.
Pela equação de van't Hoff (1),
p = R.T.DCp = R.T. (C2 - C1) como C1 = 0
p = R.T.C2
p = 247,34 x 103 Pa
Como a pressão osmótica do compartimento 1 é menor que a do compartimento
2, o sentido do fluxo resultante de água é de 1 ®2.
Exemplo 2
Consideremos uma membrana separando as seguintes soluções:
Solução 1: 0,5 M Ca Cl2 + 1 M Sacarose
Solução 2: 3 M uréia + 1 M Glicose
A membrana só é permeável à Uréia. Calcule a pressão osmótica do sistema e
indique o sentido do fluxo resultante de água.
Aplicando a equação de van't Hoff, lembrando que o DC se refere apenas aos
O fluxo resultante de água ocorre do compartimento de menor pressão osmótica
para o de maior pressão osmótica. Portanto, neste exemplo, ele é de 2®1.
97
3. Osmolaridade de uma solução
A osmolaridade ou concentração osmótica de uma solução depende do número
total de partículas dispersas na solução, e não da natureza química do soluto. Assim,
soluções contendo 1 mol de uréia ou 1 mol de sacarose, etc. terão todas a mesma
osmolaridade. Quando o soluto adicionado for um eletrólito deve-se considerar como
partículas dispersas todos os íons que este soluto fornece em solução. Exemplos: Uma
solução de 1 M de NaCl (Na+ e Cl-) tem a mesma atividade osmótica do que 2 M de glicose, e 1 M de Na2SO4 (2 Na+ e SO42-) é equivalente a uma solução 3 M de um não
eletrólito. A unidade que expressa a osmolaridade de uma solução é osmol/litro. Desta
maneira, a osmolaridade de uma solução 1 M de glicose é de 1 osmol/l, 1M da NaCl
que contém 2 moles de partículas dispersas por litro é de 2 osmol/l.
4. Comparação entre osmolaridade e tonicidade de uma solução
Embora a osmolaridade possa ser utilizada para comparar as concentrações
osmóticas de soluções, é importante notar que tal comparação não fornece nenhuma
informação a respeito da permeabilidade da membrana ou do efeito da solução sobre o
volume celular. A osmolaridade, simplesmente relata quantas partículas osmoticamente
ativas a solução contém, mas não informa se elas podem ou não atravessar a
membrana.
Vamos comparar, por exemplo, o comportamento de hemácias quando
colocadas em 2 soluções, 0,15 M de NaCl e 0,30 M de uréia. Estas soluções tem a
mesma osmolaridade (0,30 osmol/l) e são isosmóticas entre si e em relação ao
conteúdo celular. No entanto a solução de NaCl 0,30 osmol/l não provoca alteração no
volume celular das hemácias, ao passo que a solução de uréia 0,30 osmol/l aumenta o
volume das hemácias acarretando hemólise com liberação do conteúdo celular
(particularmente da hemoglobina) para o meio extracelular. A explicação para esta
diferença reside na permeabilidade da membrana das hemácias. Ela é permeável à
uréia e não ao NaCl.
Soluções que provocam inchamento celular (aumento de volume) são chamadas
de soluções hipotônicas em relação à célula (por exemplo a solução 0.30 osmol/l de
uréia é isosmótica e hipotônica em relação às hemácias). Soluções que acarretam
diminuição do volume celular são hipertônicas em relação à célula (por exemplo uma
solução 0.40 osmol/l de NaCl em relação as hemácias). Soluções que não induzem
alteração no volume celular são isotônicas (por exemplo a solução 0,30 osmol/l de
NaCl em relação às hemácias (Figura 3)
98
Figura 3. Variação no volume celular em função da tonicidade da solução em relação à
célula.
A tonicidade de uma solução é sempre definida em relação à permeabilidade
da membrana ao soluto. Uma solução de uréia 0,3 M pode ser hipotônica para um tipo
de célula e isotônica em relação a outra, isto é, a membrana da primeira célula é
permeável à uréia e a da segunda é impermeável à esta substância.
Importância da tonicidade: para as células não terem que despender maior
energia na manutenção do seu meio interno, deve-se colocá-las em solução isotônica
quando se tratar de células isoladas ou fragmentos de tecidos, ou perfundir com
soluções isotônicas quando se tratar de órgãos isolados.
99
III. BIBLIOGRAFIA
- Giese, A. C. Cell Physiology. 3o Ed. W. B. Saunders
Company, Philadelphia, 1968
- Vander, A. J.; Sherman, J. H.; Luciano, D.S. Human Physiology:
The Mechanism of body function.. McGraw-Hill
Book Company. New York, 1970.
- Lacaz-Vieira, F. & Malnic, G. Biofísica, Guanabara Koogan, Rio de
Janeiro, 1981.
.-.Schultz, S. G. Basic principles of membrane transport. Cambridge University
Press, New York, 1980.
100
QUESTIONÁRIO DE DIFUSÃO
1. Dois compartimentos separados por uma membrana têm a seguinte composição:
Compartimento 1: glicose 0.1 M
NaCl 0,1 M
Compartimento 2: glicose 1 M
NaCl 1 M
A membrana não deixa passar o cloreto. (Dados: R = 8,3 J/K.mol e T = 298K)
Pergunta-se:
a) a glicose e o Na+ estão em equilíbrio?
b) Qual deve ser a condição de equilíbrio para cada um deles?
2. Represente o gráfico, Jres x DC e responda:
a) Qual é a relação entre Jres e DC?
b) Qual é a força responsável pelo fluxo?
3. O que é uma membrana semi-permeável e seletivamente permeável?
4. Uma membrana semi-permeável separa dois compartimento (1 e 2), contendo água
pura e solução 0,1M de glicose, respectivamente. Analise o fluxo de água, indicando o
seu sentido e a condição de equilíbrio nas 2 situações abaixo.
1 2 1 2
5. Defina osmose e pressão osmótica. Qual a condição para se ter, entre 2
compartimentos contíguos, um fluxo resultante de solvente?
101
6. a) Calcule a osmolaridade das seguintes soluções:
Solução A: NaCl 137 mMCaCl2 2 mM
sacarose 0,4 M
glicose 150 mM
Solução B: KCl 35 mMNaHCO3 0,07 M
CaCl2 15 mM
glicose 300 mM
Estas soluções foram colocadas em dois compartimentos separados por uma
membrana. (Dados: R = 8,3 J/K.mol e T = 298K)
b) Qual é o sentido do fluxo resultante de água no caso da membrana ser semi-
permeável?
c) Qual o sentido do fluxo resultante de água no caso da membrana ser
impermeável apenas à glicose.
7. Glóbulos vermelhos foram colocados nas seguintes soluções:
conc. (M) soluto alteração do volume
0.15 NaCl não mudou
0.20 NaCl murchamento
0.075 NaCl hemólise
0.30 sacarose não mudou
0.30 uréia hemólise
0.40 uréia hemólise
0.30 sacarose
+ +
0.40 uréia
a) Classifique estas soluções quanto à osmolaridade e tonicidade em relação ao
glóbulo vermelho.
b) Qual é a concentração total de partículas impermeantes na hemácia?
c) Do ponto de vista fisiológico, qual dos dois parâmetros é mais importante?
102
8. Discuta a Lei de Lambert-Beer e tente imaginar uma situação em que ela não é
obedecida.
9. Qual a sequência de experimentos (gráficos) que você faria para identificar e,
posteriormente, descobrir a concentração de uma substância que absorve na região do
visível?
10. Defina exatidão e precisão de uma medida.
103
IV. PARTE EXPERIMENTAL
A. DIFUSÃO DE SUBSTÂNCIAS ATRAVÉS DE UMA MEMBRANA ARTIFICIAL
I- Introdução
Nas próximas duas aulas serão discutidos e aplicados experimentalmente os
conceitos termodinâmicos e suas consequências já analisadas na seção anterior,
voltadas agora a um fenômeno biológico central (transporte de soluto através de uma
membrana).
A importância deste assunto pode ser facilmente captada por vocês se
imaginarem que a manutenção da vida, em todos os níveis, depende da interação do
ser que a possui com o seu meio ambiente e se levarmos isto ao nível celular, isto
implica dizer que a vida da célula depende do intercâmbio do seu citoplasma com o
meio extracelular (trocas de matéria e de energia), sendo a barreira entre estes dois
compartimentos a membrana plasmática.
Com a finalidade de simplificarmos o nosso trabalho, iniciaremos estudando os
princípios físico químicos que governam a passagem de um soluto (no caso será o
permanganato de potássio) através de uma membrana artificial (de celofane).
Estudaremos também o fluxo de um solvente em membrana seletivamente permeável à H20 (osmose) e em hemácias.
Uma vez assimilados estes conceitos básicos na membrana artificial, vocês os
aplicarão na 2a parte do curso de Físico-Química a ser dada no 2o semestre, quando
estudarão o fluxo de soluto através de uma membrana biológica.
104
B. INTRODUÇÃO GERAIS PARA USO DO FOTÔMETRO
1) Ligar o aparelho e selecionar o filtro ou o comprimento de onda
desejado.
2) Após 5 minutos de aquecimento, ajustar o zero movimentando o botão
regulador do "zero" até que a agulha do galvanômetro indique 0% na escala de
transmitância. O "zero" flutua com a variação de voltagem e durante o uso do aparelho
você deve assegurar-se sempre de que a agulha do galvanômetro indica T% = O
quando não há tubo inserido no aparelho.
3) Inserir no aparelho uma cubeta contendo apenas o solvente em que está
dissolvida a substância que se quer determinar. Esse tubo chama-se "branco" e serve
para corrigir a absorção da luz devida ao solvente. Ajusta-se o aparelho fazendo-se
com que o "branco" acuse 100% na escala de transmitância. No fotômetro "Spectra"
isto se consegue movendo o botão preto colocado na frente do instrumento; no
"Micronal" ajusta-se de modo aproximado com o botão rotulado "100% grosso" e depois
faz-se um ajuste mais exato com o botão marcado "100 fino". O ajuste com o branco
também deve ser feito sempre durante o uso do aparelho.
4) Inserir no aparelho uma cubeta (de mesma espessura que a usada para o
"branco") com a solução cuja absorbância ou transmitância se deseja saber, e fazer a
leitura no galvanômetro. Procure o instrutor que mostrará para você como se maneja e
calibra o colorímetro fotoelétrico.
105
C. CONSTRUÇÃO DA CURVA PADRÃO DE PERMANGANATO DE POTÁSSIO
(FOTOMETRIA)
Para podermos acompanhar a passagem do permanganato de potássio através
da membrana de celofane, devemos ter em mãos alguma técnica que nos permita
medir a quantidade de soluto que se difunde através da membrana num dado intervalo
de tempo.
Tratando-se de um corante, um dos métodos físico químicos mais apropriados
para isto é a Fotometria.
OBJETIVO: CONSTRUIR UMA CURVA PADRÃO DE KMNO4 QUE SERÁ UTILIZADA PARA SE
DETERMINAR CONCENTRAÇÕES DESCONHECIDAS DE SOLUÇÕES DESTA SUBSTÂNCIA (VIDE A
SEGUNDA AULA).
1. PREPARAÇÃO DE DIFERENTES SOLUÇÕES DE PERMANGANATO DE POTÁSSIO (KMNO4) DE
CONCENTRAÇÕES CONHECIDAs.
Enumere 5 tubos de ensaio de 1 a 5. Nestes tubos prepare diferentes diluições de solução de KMnO4 0,10 g/l como está indicado na tabela abaixo:
Tubo KMnO4
(ml)
H2O
destilada
(ml)
Concentração de KMnO4
(g/l)
1 1 9
2 2 8
3 3 7
4 4 6
5 5 5
Copie esta tabela em seu caderno de relatório, completando-a com os respectivos valores da concentração de KMnO4 nos diferentes tubos, que você deve calcular.
Apresente-a ao instrutor e seus resultados estiverem corretos, você passará ao passo
seguinte.
106
2. PROTOCOLO PARA CONSTRUÇÃO DA CURVA PADRÃO DE KMNO4
Com os tubos de concentrações conhecidas de KMnO4 em mãos, faça a leitura
da absorbância e da transmitância e complete a tabela abaixo:
Tubo Concentração de KMnO4
(g/l)
Absorbância Transmitância
1
2
3
4
5
107
D. DIFUSÃO DE PERMANGANATO DE POTÁSSIO ATRAVÉS DE MEMBRANA DE
CELOFANE.
Objetivo: Estudar o fenômeno de difusão de um soluto através do ajuste dos
resultados experimentais à equação de Fick e do cálculo da
permeabilidade da membrana ao soluto.
Montagem experimental:
Um pedaço de celofane deve ser colocado separando duas câmaras como
mostra a Figura. 1 (abaixo)
Figura. 1. Montagem da membrana de celofane separando dois compartimentos:
E = câmara esquerda; D = câmara direita, R = rotor responsável pela agitação da
solução na câmara esquerda, M = membrana de celofane.
No compartimento D coloca-se KMnO4 0,5 g/l (10 ml), através de uma seringa.
Verifique se não há vazamento para fora ou para a outra câmara. Se não houver,
coloque água destilada na Câmara E. Introduza neste último compartimento (E) o
agitador elétrico, ligue o motor e inicie a contagem do tempo. Aos cinco (5) minutos
retire toda a solução da Câmara E com uma seringa e recolha-a num tubo de vidro
rotulado. Lave a câmara E com um pouco de água destilada e recoloque água destilada
neste compartimento repetindo as manobras anteriores. Aguarde dez (10) minutos
desta vez. Repete-se estas operações até preencher a seguinte tabela:
108
Tabela 1
Tempo
(min)
Absorbância Concentração de KMnO4
(g/l)
5
10
15
20
Procedimento:
As soluções recolhidas com a seringa no fim destes diferentes intervalos de
tempo deverão ter suas respectivas concentrações determinadas fotometricamente.
Para isto você deverá determinar suas absorbâncias no mesmo fotômetro com o qual você, na aula passada, construiu a curva padrão de KMnO4. Através desta curva
você deverá determinar as concentrações respectivas, acabando assim de preencher a
tabela 1. Construa o gráfico da concentração da solução na câmara E em função do tempo e a partir deste determine permeabilidade da membrana do KMnO4.
109
ORIENTAÇÃO PARA DISCUSSÃO DO RELATÓRIO
1. Identifique as funções matemáticas obtidas nos gráficos T = f(Conc) e A = f(Conc).
Foram elas compatíveis com o teórico esperado?
2. Por que foi escolhido o l = 525 nm? O que aconteceria se a curva padrão fosse lida
em um outro l ?
3. Qual o valor de x(coeficiente de absorção) para o KMnO4
4. Por que agitou-se apenas o compartimento contendo água?
5. Se partíssemos de uma concentração menor de KMnO4 na experiência de difusão,
qual seria a alteração dos parâmetros J12 , J21, Jres , DC e P ?
6. O que aconteceria se a membrana fosse semi-permeável ?
110
IV. MEDIÇ Õ ES E ERROS
A Biologia, que até recentemente era uma ciência muito empírica e descritiva, tem
sofrido um grande impulso devido a aplicação dos métodos quantitativos da Física e da
Química no estudo de fenômenos biológicos. Em consequência, a descrição
quantitativa assumiu grande importância para os biologistas, e em particular para os
médicos, que devem estar bem capacitados para aquilatar o valor e as limitações dos
dados numéricos com que eles tem que se haver constantemente. Entre estes
preponderam os que representam medidas, isto é, números obtidos através de
medições.
Toda medição é acompanhada de um certo erro cuja magnitude deve ser
conhecida para que o valor da medida tenha significação.
O termo erro pode ter dois significados diferentes: 1) diferença entre um valor
medido e o valor "verdadeiro” (desvio), e 2) incerteza estimada de um experimento.
Neste caso é o valor que acompanha a media do experimento, por exemplo, 123,45 +
0,06, onde o erro tem a mesma unidade que a media (Há, ainda, o termo discrepância
que significa falta de coincidência entre duas medidas de uma grandeza, tenham sido
obtidas no mesmo experimento, pela mesma pessoa ou não).
Os erros são usualmente classificados em sistemáticos e acidentais.
Erros sistemáticos são aqueles que ocorrem por um vício constante da técnica
de medição. O uso de instrumentos com calibração errada, por exemplo, uma régua
que marca 30 cm quando deveria marcar 29,7 cm, é uma das causas possíveis de
erros sistemáticos (erro instrumental). Outras causas comuns de erros sistemáticos são
o uso de métodos de medição inadequada (erro metodológico) e vícios do observador
(erro pessoal).
Erros acidentais são devidos a causas independentes do instrumento ou da
técnica usados e que escapam ao controle do observador. Se um mesmo observador
medir cuidadosamente uma grandeza, repetindo a medição várias vezes em idênticas
condições, irá obter várias medidas ligeiramente discrepantes. Se os erros sistemáticos
forem afastados, a melhor estimativa, do valor da grandeza medida será a media
aritmética dos valores obtidos.
Os erros acidentais ocorrem de modo casual, sendo igual a probabilidade de
cometer erros para mais e para menos do valor médio.
111
Se fizermos um numero muito grande de medições da mesma grandeza e ao
representarmos graficamente, colocando em abscissas os valores encontrados e em
ordenadas a frequência com que cada valor foi obtido, teremos uma distribuição normal
de freqüências ( Fig. 1), em que a medida obtida mais vezes (com maior frequência)
será o valor médio de todas as medidas obtidas. Quanto maior numero de vezes for
feita uma medição, maior será a probabilidade de os erros positivos anularem os
negativos na obtenção da media aritmética, que merecerá maior confiança. Entretanto,
isto não significa que para se obter o valor "real" de uma magnitude basta se fazer um
numero grande de medições e calcular sua media, pois por maior que seja o numero de
medições feitas o erro sistemático porventura existente não será corrigido. A figura 1
ilustra este aspecto mostrando a distribuição de freqüências dos dados obtidos na
medição de uma grandeza.
Figura. 1. Erros sistemático e acidental.
O erro acidental é a causa da dispersão das medidas em torno de seu valor médio
e o erro sistemático é responsável pela diferença entre o valor médio encontrado
e o valor real da grandeza.
Exatidão e Precisão . Diz-se que uma medida tem grande exatidão quando em
sua obtenção houve pequeno erro sistemático. Diz-se que uma medida tem
grande Precisão quando foi obtida com pequeno erro acidental. Exatidão e
precisão são, pois, qualidades diferentes das medidas que podem ou não ocorrer
juntas.
A figura 2 permite estabelecer um paralelo entre tiros ao alvo e utilização de
112
instrumentos de medida. Em ambos casos os erros acidentais originam falta de
precisão e o erros sistemáticos originam inexatidão.
Figura. 2. Alvos atingidos por tiros disparados por diferentes atiradores utilizando armas
diferentes.
EXERCÍCIO
Complete com as palavras grande e pequena.
Figura. 3. Distribuição de frequência das medidas de uma mesma grandeza feitas com
quatro técnicas diferentes: (1) precisão e exatidão; (2) precisão e exatidão; (3) precisão
e exatidão e (4) precisão e exatidão.
Exatidão das medições. Calibração dos Instrumentos.
Antes de se usar qualquer instrumento de medição é necessário conhecer sua
exatidão, isto é, a magnitude do erro sistemático cometido nas medições obtidas com
esse instrumento. Isto se faz medindo-se uma grandeza cuja magnitude é conhecida.
Essas grandezas são chamadas de padrões e sua magnitude real é definida por
113
convenção. Por exemplo, a distância entre duas marcas em uma barra de platina
iridiada e mantida a 0°C no Instituto de Pesos e Medidas de Paris, é definida como
sendo de um metro. Este é, por definição, o comprimento real da barra entre as duas
marcas. Para conhecermos a exatidão de uma fita métrica, por exemplo, medimos com
ela o comprimento padrão e após afastado o erro acidental (realizando-se várias
medidas e tirando-se a media), determinamos a diferença entre o valor obtido e o valor
real, que nos dará o erro sistemático do instrumento. Este processo é chamado
calibração do instrumento. Uma vez conhecido o erro sistemático da fita métrica,
dizemos que ela está calibrada é sempre que a usarmos em medições poderemos
corrigir o valor das medidas efetuadas eliminando o erro sistemático .
A calibração dos instrumentos de medição é um pré-requisito essencial para sua
utilização. Nos experimentos que fará durante o curso, o aluno deverá sempre se
informar sobre como os aparelhos são calibrados para ter uma idéia da confiança
merecida pelos dados que irá obter.
114
V. FOTOMETRIA
1. Introdução
A fotometria estuda a propriedade que inúmeros compostos químicos possuem
de absorverem radiações eletromagnéticas. Como esta absorção e específica para um
determinado composto, pode-se obter rapidamente dados que poderão auxiliar no
aspecto de sua identificação. Com base em leis simples (ver adiante) que regem este
fenômeno da absorção, poderemos também obter o valor da concentração de soluções
contendo tais compostos principalmente os de interesse biológico ou químico. Maiores
detalhes da parte teórica deste fenômeno de absorção e os equipamentos utilizados
serão comentados nos tópicos seguintes.
2. Radiações eletromagnéticas - características
Usualmente uma dada espécie de radiações eletromagnéticas é caracterizada ou
pelo valor de sua energia (E) ou pelo seu comprimento de onda (l) e a relação entre
ambos e dada pela equação 1:
E = h = h c/l (1)
Onde: h = constante de Planck
= frequência da radiação
c = velocidade da luz (no vácuo)
O amplo espectro destas radiações eletromagnéticas está representado de uma
maneira sumaria na Tabela I em função da energia ou do comprimento de onda destas
radiações:
115
Tabela I. Principais tipos de radiações eletromagnéticas em função do seu valor
energético e de seu comprimento de onda.
tipos de radiações Energia (J/mol) Comprimento de onda (nm)
Raios cósmicos 1012 – 1011 10-5 - 104
Raios X 108 – 107 10-1 – 1
Ultra violeta 4.106 – 4.105 9.101 – 3.102
Visível 3.105 - 105 3.102 – 8.102
Infra vermelho 1.105 – 2.103 103 – 105
Microondas 2.102 – 4.101 5.106 – 4.107
Ondas de televisão 1 – 2.10-1 3.108 – 2.109
Ondas de radio 2.10-2 – 4.10-4 3.1010 – 7.1012
2.1 Interação da radiação com a matéria
O efeito que uma radiação eletromagnética provoca ao incidir em uma molécula
qualquer depende basicamente de sua energia. Deste modo, radiações altamente
energéticas (raios cósmicos, raios X) conseguem arrancar elétrons dos átomos
provocando principalmente o efeito da ionização molecular. Já as radiações
intermediárias (ultravioleta ou visível), quando incidem sobre uma molécula, fazem com
que alguns de seus elétrons absorvam parte desta energia incidente, passando de
estados basais para `estados com maior nível de energia (excitação eletrónica). As
radiações infravermelhos também sofrem absorções nas moléculas, mas por serem
menos energéticas que as anteriores, apenas induzem deformações nas ligações
químicas. E finalmente, as radiações mais fracas (ondas de TV, radio) somente
induzem algumas perturbações inespecíficas, dissipando-se geralmente em forma de
calor.
2.2. Espectro de absorção
Como vimos no tópico anterior, radiação ultravioleta e visível possuem a
propriedade de sofrerem absorção por algumas moléculas devido ao fenômeno da
excitação eletrônica. Esta absorção, é sempre quântica, isto é, dá-se por um salto entre
níveis de energia bem definidos, de modo que cada elétron só absorve energia quando
esta tem o valor certo para promover a sua passagem entre o seu nível basal e um dos
estados de maior energia que ele pode ocupar. E estes estados dependem da estrutura
116
molecular de modo que os elétrons de diferentes moléculas são capazes de absorver
diferentes e bem definidas quantidades de energia da radiação eletromagnética
incidente.
Por isso, quando a luz visível ou ultra violeta incide sobre certos tipos de
molécula, estas absorvem apenas a radiação com comprimentos de onda cujas
energias correspondem às transições eletrónicas permissíveis. Cada molécula,
portanto, possui um espectro de absorção de luz característico, que pode permitir a sua
identificação. Como exemplo, a figura 1 mostra o espectro de absorção de quatro
moléculas diferentes (o termo absorbância será definido posteriormente).
117
Figura. 1. Espectros de absorção da luz ultravioleta e visível por soluções aquosas da
tirosina (I), para-nitrofenol (II), hemoglobina (III) e CuSO4 (IV).
2.2. Espectrofotômetro,
Espectros como o da Fig. 1 podem ser obtidos com aparelhos do tipo
esquematizado na Fig. 2, cujos componentes principais são:
1. Fonte de luz policromática depende do comprimento de onde desejado
(lâmpada de tungstênio: luz branca para o visível; de hidrogênio: ultravioleta).
2. Espelho plano que reflete a luz sobre o colimador.
3. Colimador que reflete um feixe de raios paralelos sobre o monocromador.
4. Monocromador (pode ser um prisma ou uma grade de difração) para
dispersar, a luz.
5. Fenda que deixa passar um feixe monocromático cujo comprimento de onda
depende da posição do prisma
118
6. Luz incidente e o feixe monocromático que passou pela fenda
7. Cubeta que contem o material em estudo, que absorve a luz incidente.
8. Luz transmitida que emerge da cubeta.
9. Célula fotoelétrica que é um detetor sensível à radiação luminosa.
10. Galvanômetro que recebe um sinal elétrico da célula fotoelétrica e permite a
leitura da intensidade de luz transmitida
11. Amplificador
Figura. 2. Esquema de um espectrofotômetro.
3. Colorimetria
Por definição, colorimetria e uma parte da fotometria pelo qual pode-se obter a
concentração de soluções através da medida de suas respectivas absorções da luz em
um dado comprimento de onda (de uma dada cor). Geralmente este comprimento de
onda está no intervalo de 350 nm a 850 nm que corresponde ã faixa de luz visível.
3.1. Lei da absorção de soluções (Lambert-Beer)
Se um raio de luz monocromático atravessar a solução de uma substância capaz
de absorver energia desse comprimento de onda (l), parte da luz que incide sobre a
119
solução e absorvida e não emerge do outro lado. Chama-se transmitância (T) a razão
entre a intensidade de luz emergente I, e a intensidade da luz incidente Io:
I onde o valor de
T = - T (adimensional) (2)
Io e rotineiramente dado em (%)
Lei de Lambert - Beer . Se uma solução for atravessada por luz de comprimento de
onda absorvido pelo soluto, mas não pelo solvente, a transmitância dependerá da
concentração do soluto (c) e da espessura da solução atravessada pela luz (l). Esta
dependência e descrita quantitativamente pela lei de Lambert-Beer segundo a qual,
para um determinado comprimento de onda,
T = 10 -.c.l (3)
onde é uma constante característica do soluto em questão chamada coeficiente de
absorção ou de extinção. A equação (3), sendo exponencial, pode ser expressa na
forma linear se tomarmos o logaritmo decimal de ambos os membros:
log T = -.c.l ou -log T = .c.l
O valor -log T (colog T) é chamado absorbância (A) ou densidade ótica da solução.
A = .c.l
Portanto, para uma determinada espessura da solução (l), a absorbância é
diretamente proporcional à concentração.
3.2. Fotômetros(ou colorímetros)
Para a determinação fotométrica da concentração de soluções usaremos nas
aulas práticas aparelhos mais simples que o espectrofotômetro esquematizado na Fig.
2, onde o monocromador é substituído por filtros. Esses aparelhos (Fig. 3) são
constituídos de uma fonte luminosa, L, que emite luz branca, a qual atravessa um filtro,
F. que seleciona a luz do comprimento de onda desejado. Cada aparelho possui vários
filtros que são feitos de vidro colorido e rotulados com o valor do principal comprimento
120
de onda que eles deixam transmitir. Note-se, entretanto, que o filtro não transmite luz
monocromática mas sim um feixe de comprimentos de onda. A luz transmitida pelo filtro
passa através de uma cubeta (C), de calibre determinado, que contem a solução em
estudo, e vai incidir sobre uma célula fotoelétrica (S), que traduz a intensidade luminosa
em um sinal elétrico que e detectado por um galvanômetro, G. A escala do
galvanômetro pode ser graduada de modo a indicar a transmitância ou a absorbância
da solução colocada em C. A escala de transmitância vai de 0% (T = 0) até 100% (T =
1) [100 % de transmitância significa que toda a luz incidente é transmitida, donde I = I o e
T=I/Io =1; 30% de transmitância significa que I = (30/100).Io, donde T=I/Io = 0,3; e assim
por diante]. A escala de absorbância é graduada desde 0 (correspondendo a 100% na
escala de transmitância, pois se T = 1, A = - log 1 = 0) até correspondente a T = 0,
pois - log 0 = ).
Figura 3. Esquema de um fotômetro
4 Conclusão
A propriedade que a grande maioria dos compostos químicos possui de absorver
especificamente radiações eletromagnéticas é utilizada principalmente na fotometria
para auxiliar na identificação (pelo lmax e pelo ) e no cálculo da concentração (pela A)
de um determinado soluto em solução. Por se tratar de um método rápido e simples, é
amplamente empregado não só nas pesquisas químicas e biológicas mas também na
área medica, principalmente no setor de exames laboratoriais (determinação do teor de
glicose, hemoglobina, enzimas, etc.) importantes para o diagnóstico (e as vezes para
terapêutica) de várias patologias.
ESTRUTURA DE MEMBRANA BIOLÓGICA
121
TIPOS DE TRANSPORTE
BIOELETROGENESE
1. Descrever a estrutura e composição da membrana biológica, aplicando os conceitos de bioenergética.2. Conhecer os tipos de ligações químicas envolvidas na estruturação da membrana biológica.3. Descrever e entender as funções da membrana.4. Analisar a relação entre coeficiente de participação de um soluto em óleo/água e o seu coeficiente de permeabilidade: evidência da existência de canais.5. Descrever as características do transporte passivo simples, mediado e do transporte ativo.6. Descrever a cinética de transporte realizado por carregador: equação de Michaelis-Menten.7. Determinar graficamente Km e Jmáx.8. Analisar as condições para a gênese e manutenção de uma diferença de potencial através de uma membrana: equações de Nernst e de Goldman, Hodgkin e Katz.9. Entender o potencial de repouso de uma célula.10. Reconhecer os íons que estão em equilíbrio através da membrana celular.11. Entender a função da bomba Na+/K+.12. Descrever o equilíbrio de Donnan13. Diferenciar entre transporte ativo primário e secundário.
Conexões com outras disciplinas: Bioquímica, Fisiologia, Nefrologia, Cardiologia, etc.
122
MEMBRANA BIOLÓGICA
(ESTRUTURAÇÃO E TRANSPORTE)
1. Introdução e objetivos
A vida de qualquer ser vivo depende da sua capacidade de interação com o meio
em que vive. Se considerarmos isto a nível celular, observaremos que a vida da célula
depende da troca de informações e de substâncias entre o meio externo (extracelular
ou intersticial) e o meio interno, através da membrana. Podemos visualizar a célula
como um conjunto de compartimentos, cada qual com composição química diferente e
com capacidade de realizar conjuntos distintos de reações químicas. Cada
compartimento é, portanto, separado dos demais por uma membrana. Assim temos,
além da membrana plasmática, as membranas que envolvem cada organela celular
(mitocôndria, sistema de Golgi, núcleo, etc.). Já que, para a sua sobrevivência, a célula
necessita receber matéria prima e eliminar os produtos manufaturados (mantendo ao
mesmo tempo a constância do meio intracelular), sua unidade estrutural básica é a
membrana cuja função é a de agir como barreira à entrada e saída de substâncias.
O objetivo principal das aulas a seguir é, em primeiro lugar, analisarmos a
estruturação das membranas biológicas não somente em termos puramente de
composição química, mas também do ponto de vista bioenergético baseando-nos nos
princípios e conceitos vistos anteriormente. O entendimento mais completo de como, no
caso das membranas biológicas, diferentes moléculas orgânicas ou íons dispersos
aleatoriamente em meio aquoso tendem espontaneamente para a formação de uma
estrutura definida, servirá de modelo de raciocínio a ser extrapolado para a formação de
outras estruturas complexas como a célula, tecidos e órgãos.
Em segundo lugar pretendemos analisar alguns fenômenos físico-químicos
envolvidos no transporte de substâncias através da membrana, visualizar os fatores
que influenciam estes transportes, caracterizar os tipos de transporte existentes na
célula e, finalmente, descrever as propriedades da membrana de uma célula excitável
em repouso e em atividade.
2. Bases energéticas para a estruturação de unidades funcionais nos organismos
vivos
Um ser vivo deve ser encarado como uma entidade dinâmica permanentemente
sofrendo transformações. Se, por um lado, os constituintes orgânicos interagem na
busca de uma maior estabilidade (menor conteúdo de energia livre), por outro lado,
precisam de uma fonte externa de energia para reativar todos ou alguns destes
123
estados, estabelecendo uma sequência de transições cíclicas que no final de tudo irão
possibilitar a manutenção da vida propriamente dita (em estado de fluxo constante).
O organismo vivo é constituído predominantemente de água, moléculas
orgânicas grandes e pequenas e de íons que se complexam em diversos níveis de
A difusão passiva de determinadas substâncias como açucares e aminoácidos
através da membrana ocorre muito lentamente para suprir as necessidades da célula.
Por isto, a membrana celular possui mecanismos especiais ligados a sua estrutura, que
facilitam o movimento das mesmas através da membrana. Tal processo é chamado de
transporte mediado ou difusão facilitada. Tal transporte, assim como o transporte
passivo simples, ocorre a favor de gradiente químico (ou eletroquímico, em se tratando
de um soluto eletricamente carregado). Além disso, o transporte mediado apresenta as
seguintes propriedades:
a) Especificidade química
É a habilidade em transportar um grupo específico de substâncias químicas
(Figura 11). Nesta Figura observa-se que apesar de a diferença entre os dois
aminoácidos ser apenas na geometria da molécula, o L-aminoácido penetra bem mais
rapidamente que o D-aminoácido, indicando que tal sistema de transportadores é mais
específico para o L-aminoácido.
Figura 11. Comparação entre as velocidades de passagem do L-aminoácido e do D-
aminoácido através da membrana.
b) Saturação
Na difusão simples (transporte passivo simples), o fluxo de moléculas que entra
na célula a qualquer instante é proporcional à concentração da substância no meio
141
externo (Je®i = PCe), considerando-se constante o valor da concentração no meio
intracelular (Ci).
No transporte mediado, o influxo aumenta com a concentração extracelular da
substância até um determinado ponto. Existe, portanto, uma velocidade máxima de
transporte e quando esta é atingida, dizemos que o sistema atingiu a saturação (Figura
12).
F
Figura 12. Comparação entre o transporte passivo simples e o mediado quanto à
saturação.
c) Competição
É a terceira característica do transporte mediado. Se duas moléculas A e B,
penetrando na célula pelo mesmo sistema transportador, estiverem presentes
simultaneamente no meio extracelular, disputarão entre si os sítios transportadores
disponíveis em número limitado na membrana. A presença de B diminuíra, portanto, o
ritmo de entrada de A (Figura 13).
As propriedades de especificidade, de saturação e de competição sugerem que
sítios químicos específicos da membrana são capazes de se combinar com as
moléculas transportadas (S). Chamaremos de transportadores (C) estes sítios de
ligação da membrana.
142
Figura 13. Comparação entre o transporte passivo simples e o transporte passivo
mediado quanto à competição.
O modelo da existência de transportadores procura explicar as propriedades dos
sistemas de transporte mediado em termos de deslocamento dos transportadores e dos
complexos transportador-substância a ser transportada (C-S) através da membrana.
Assim, uma molécula de transportador livre se combinaria com uma molécula da
substância a ser transportada numa das superfícies da membrana e formaria o
complexo transportador-substância. Tal complexo se deslocaria, por difusão passiva
(da região de maior para a de menor potencial químico ou eletroquímico), para a
superfície oposta onde ocorreria a dissociação da substância de seu transportador. O
transportador livre retornaria à outra superfície, recomeçando assim um novo ciclo.
143
Cinética do transporte realizado por carregador
Suponhamos que estamos estudando, no sistema abaixo, a seguinte série de
reações:
Exterior Membrana Interior
Se C Û SSi
k1 k3
® ® S + C SC C + S
k2
(S - q) (C - q) (q)
Onde:
C: concentração de carregador livre na membrana
Se: concentração da substância a ser transportada no compartimento externo (S)
Si: concentração da substância a ser transportada no compartimento interno
SC: concentração do complexo substância-carregador (q)
k: constantes de velocidade das reações
Segundo a lei da ação das massas, a velocidade de formação de um produto é
proporcional ao produto das concentrações dos reagentes. Assim temos:
v1= k1[S].[C] = k1[S-q].[C-q]
v2=k2[SC] = k2q
No equilíbrio, vamos ter v1 = v2, portanto,
k1[S-q].[C-q] = k2[q], e como S>>>>q, teremos
k1[S].[C-q] = k2[q]
k2 = [S].[C-q] = [S].[C] - [S].[q]
k1 [q] [q]
144
k2 = Km = [S].[C] -[S].[q]
k1 [q]
Km.[q] = [S].[C] - [S].[q]
Km.[q] + ([S].[q]) = [S].[C]
[q].(Km + [S]) = [S].[C]
[C] = [q].(Km + [S])
[S]
[C)]= [q].Km + [q].[S]
[S] [S]
[C] = [q].Km + [q] [C] = [q]. (Km/[S] + 1) \
[S]
[q] = [C]
Km/[S] + 1
Supondo que a reação limitante (mais lenta) seja a decomposição de CS em C e
S na superfície interna da membrana, a velocidade será diretamente proporcional a SC
= q. Assim,
v = k3 [SC] = k3[q]
v = k3 . [C]
Km + 1
[S]
Quando C estiver totalmente na forma de SC, o processo atinge a velocidade
máxima, isto é:
Vmáx = k3. [C] e então,
v = Vmáx ou v = Vmáx . [S]
Km + 1 Km + [S]
[S]
onde:
145
Km: é a constante de Michaelis-Menten e corresponde à concentração de substância
sendo transportada com velocidade correspondente à metade da velocidade máxima. A
equação acima corresponde à equação matemática
y = ax
b + x
que é a equação de uma hipérbole equilátera. Invertendo-a temos:
1 = b . 1 + 1
y a x a
Portanto, invertendo-se a expressão para a velocidade, obtemos:
1 = Km . 1 + 1
V Vmáx [S] Vmáx
Sabendo-se que existe uma relação direta entre velocidade (v) e fluxo (J), dada
pela equação J = v.c (c = concentração), podemos também escrever a equação acima
de modo similar, usando o conceito de fluxo:
1 = Km . 1 + 1
J Jmáx [S] Jmáx
4.3. Transporte ativo
Os mecanismos de transporte passivo simples (difusão simples e osmose) e
transporte passivo mediado têm uma propriedade em comum, qual seja, a de
provocarem fluxo resultante de material somente por diminuição ou dissipação da
energia livre total disponível do sistema. Todavia, a tendência ao equilíbrio não é
característica dos organismos vivos e é incompatível com a vida. Todo ser vivo deve
poder impedir, ao menos por um breve instante, esta condição energeticamente
degradada. Já que o sistema inerte tem mecanismos de transporte passivo, é evidente
que as células vivas podem manter um "steady state " somente através do fornecimento
146
de energia livre no mesmo ritmo em que a mesma é espontaneamente degradada; a
fonte para esta energia é o metabolismo bioquímico dos substratos energéticos.
Assim, ao contrário dos transportes passivos simples e passivo mediado, o
transporte ativo ocorre contra ou na ausência de gradiente químico ou eletroquímico,
com utilização de energia metabólica. É, portanto, dependente de substratos energéticos tais como a glicose, ou do metabolismo aeróbico quando O2 será
consumido, sendo que o ritmo do transporte está relacionado estequiometricamente
com o consumo de energia. Apresenta sensibilidade a venenos metabólicos que inibam
ou desacoplem as reações metabólicas, como por exemplo o DNP (dinitrofenol).
Também se dá por meio de carregadores e portanto apresenta, como o transporte
mediado, as características de especificidade química, competição e saturação.
147
Tabela 2. Principais características dos diferentes tipos de transporte
Tipo Forças Características
Gráficos Energia Inibidor
TPS a favor de gradiente
eletroquímico
Lei de Fick
P=mRTKp/Dx
dissipa a energia do
sistema-
TPM a favor de gradiente
eletroquímico
saturaçãocompetição
especificidade
dissipa a energia do
sistema-
TA contra ou na ausência de
gradiente químico ou
eletroquímico
saturaçãocompetição
especificidade
requer energia
externa ao sistema
inibidor metabóli
co
148
5. Bioeletrogênese
Até o momento, procuramos elucidar os fatores responsáveis pelo transporte de
substâncias não carregadas através de uma membrana. Todavia, é conhecida há muito
tempo a existência de fenômenos elétricos associados a vários tipos de atividades de
diagnóstico: eletrocardiograma, eletroencefalograma, eletromiograma, etc. Do ponto de
vista fisiológico, tais fenômenos têm ampla importância pelo fato de existir potenciais
bioelétricos em cada célula viva e através de muitas estruturas do tipo de membranas
epiteliais. Qual seria a origem destes potenciais? Para responder a esta pergunta
vamos analisar algumas situações que permitem o aparecimento de potencial elétrico
através de uma membrana.
5.1. Membrana permeável a um único íon
Imaginemos uma membrana separando dois compartimentos contendo
concentrações diferentes de KCl. Vamos supor, também, que a membrana seja
impermeável ao cloreto e permeável ao potássio.
A B C D
(1) (2) (1) (2) (1) (2) (1) (2)
K+
Cl-
K+
Cl-
K+
Cl-
K+
Cl-
K+
Cl-
K+
Cl-
K+
Cl-
K+
Cl-
Como o potencial químico do potássio é maior no compartimento 1 do que no
compartimento 2, ele tende a se difundir para o compartimento 2 (A). No entanto, o
potássio não é acompanhado pelo cloreto (a membrana é impermeável a esta espécie
iônica) e fica nas proximidades da membrana, tornando o compartimento 2 positivo em
relação ao compartimento 1. Desta maneira observa-se o aparecimento de duas
camadas carregadas, uma positivamente e outra negativamente, a cada lado da
membrana. Cria-se, portanto, uma diferença de potencial elétrico entre os dois
compartimentos chamada de potencial de difusão. O aparecimento do gradiente elétrico
149
entre os compartimentos 2 e 1 retarda a passagem de potássio do compartimento 1
para o 2, agindo, portanto, em sentido oposto ao gradiente de concentração (B). O
gradiente de concentração ainda consegue suplantar o efeito oposto gerado pelo
gradiente elétrico (C). Esta situação evolui até o momento em que o equilíbrio é atingido
(D), quando a difusão do potássio devido ao gradiente de concentração do
compartimento 1 para o 2 for igual à passagem de potássio do compartimento 2 para o
1 devido ao gradiente elétrico. Portanto, para o sistema atingir o equilíbrio, existe a
atuação de duas forças iguais, mas em sentidos opostos: a força devida ao gradiente de concentração favorecendo J1®2, e a força devida ao gradiente elétrico criado
favorecendo J2®1.
O potencial elétrico de equilíbrio é dado pela equação de Nernst (como já visto
anteriormente):
DY2 - 1 = - R.T ln C2 Z.F C1
Este potencial corresponde à diferença de potencial elétrico que surge através da
membrana contrabalançando exatamente a difusão deste íon provocada pelo gradiente
de concentração. Desta forma, o potencial obtido pela equação de Nernst é também
chamado de potencial de equilíbrio. Isto significa que se um íon com uma determinada
distribuição através de uma membrana tiver seu potencial calculado pela equação de
Nernst igual à diferença de potencial existente através da membrana, ele estará em
equilíbrio através da mesma. Este equilíbrio deve ter sido atingido por mecanismos
puramente passivos, ou seja, sem utilização de energia externa ao sistema (equilíbrio
eletroquímico).
A evolução temporal da diferença de potencial através da membrana será:
O valor da diferença de potencial através da membrana é um valor estável (não
se altera com o tempo) e corresponde ao valor calculado através da equação de
Nernst que é aplicada na situação de equilíbrio (Dm = 0, Jres = 0).
150
5.2. Membrana permeável a todos os íons
5.2.1. Condição de equilíbrio (Equação de Nernst)
Na verdade, as membranas biológicas são sempre permeáveis a várias espécies
iônicas. Neste caso, se a membrana estiver banhada por soluções de composições
diferentes em cada um de seus lados, a difusão dos íons a favor de seus gradientes de
concentração poderá gerar uma diferença de potencial elétrico através da membrana.
Imaginemos uma membrana separando dois compartimentos contendo cloreto de sódio
em concentrações diferentes e suponhamos que a permeabilidade da membrana seja
maior ao sódio do que ao cloreto. A difusão do sódio induz o aparecimento de uma
diferença de potencial elétrico através da membrana que se opõe à sua própria difusão
e favorece a difusão do cloreto.
A B C
(1) (2) (1) (2) (1) (2)
Na+
Cl-
Na+
Cl-
Na+
Cl-
Na+
Cl-
Na+
Cl-
Na+
Cl-
PNa+ > PCl- ® Na+
® Cl-
D 0
Na+ Cl-
® ®
D = 0
Conforme a difusão continua, os gradientes de concentração para Na+ e Cl- vão
diminuindo até que as concentrações se igualam nos dois compartimentos. Assim, no
caso de íons difusíveis para os quais a permeabilidade da membrana seja diferente (e
151
diferente de zero), observa-se o surgimento de uma diferença de potencial elétrico de
caráter transitório ou dissipativo.
No equilíbrio, a DY através da membrana será nula uma vez que o gradiente de
concentração dos íons difusíveis através da membrana também se anula. O perfil da
evolução temporal da diferença de potencial através da membrana é:
5.2.2. Condição Estacionária - (Steady State)
(Equação de Goldman, Hodgkin e Katz)
A diferença de potencial elétrico que surge através de uma membrana permeável
a todos os íons pode, sob algumas circunstâncias, ser também uma diferença de
potencial elétrico do tipo estacionário. Na condição estacionária, todavia, devemos
observar que, além de a diferença de potencial elétrico através da membrana se manter
estável, as concentrações dos íons nos compartimentos não se alteram apesar da
existência do fluxo constante de massa (reveja a definição de estado de fluxo
constante). Assim, a diferença de potencial elétrico transitória observada no item
anterior poderia ser mantida em condição estacionária desde que a membrana
pudesse, através de algum mecanismo, manter constantes as concentrações iônicas
nos dois compartimentos sem haver, portanto, dissipação dos gradientes químicos.
Nesta situação estacionária, a intensidade da DY que se estabeleceria através
da membrana dependeria das permeabilidades relativas dos ânions e cátions
permeantes, sendo dada pela equação de Goldman, Hodgkin e Katz (GHK):
Em um gráfico DY x tempo , observaríamos o aparecimento de uma DY estável e
constante através da membrana, que não corresponderia a uma DY de equilíbrio, uma
vez que o sistema não se encontraria neste estado (Dm 0, Jres 0)
5.3. Equilíbrio de Donnan
Entre a célula e o meio ambiente podemos distinguir dois compartimentos
separados por uma membrana (membrana plasmática): o meio intracelular e o meio
extracelular. Embora a membrana plasmática seja permeável a diversos íons, o meio
intracelular contém substâncias tais como proteínas, ácidos nucleicos, esteres e outras,
que em pH fisiológico têm carga resultante negativa e não conseguem atravessá-la. A
análise do comportamento de um sistema deste tipo leva ao chamado equilíbrio de
Donnan, com características diferentes do estado de equilíbrio atingido por uma
membrana permeável a um único íon ou a todos os íons, como descrito nos casos
anteriores.
Assim, este sistema, após ter alcançado o equilíbrio, encontra-se na seguinte
situação:
C+
A-
P-
Int
C+
A-
Ext
Onde:
[Ci] = concentração de cátion difusível no compartimento interno
[Ce] = concentração de cátion difusível no compartimento externo
[Ai] = concentração de ânion difusível no compartimento interno
153
[Ae] = concentração de ânion difusível no compartimento externo
[Pi] = concentração de ânion não difusível no compartimento interno
Trata-se de um sistema fechado com paredes rígidas, que apresentará as
seguintes características:
· Eletroneutralidade:
O número total de cargas negativas deve ser igual ao número de cargas
positivas em cada um dos dois compartimentos. Portanto:
Pi + Ai = Ci, no compartimento interno.
Ae = Ce, no compartimento externo.
· Equilíbrio eletroquímico de todos os íons difusíveis:
Quando o sistema atinge o equilíbrio, o potencial eletroquímico deve ser igual,
nos dois compartimentos, para cada um dos íons difusíveis (qualquer estado de
equilíbrio é sempre caracterizado por Dm=0, Jres=0) . Isto significa que a equação de
Nernst pode se aplicada para cada íon difusível do sistema. Para os cátions difusíveis
(Z=+1):
Yi - Ye = R.T ln Ce
F Ci
E para os ânions difusíveis (Z=-1):
Yi - Ye = R.T ln Ai
F Ae
Como no equilíbrio R.T ln Ce = R.T ln Ai
F Ci F Ae
Conclui-se que CiAi= CeAe
Assim, no estado de equilíbrio estabelece-se uma diferença de potencial elétrico
através da membrana, tal que o compartimento que contém o ânion não difusível é
eletronegativo em relação ao outro (polarização elétrica da membrana).
154
·Desequilíbrio Osmótico:
Esta é outra consequência do equilíbrio de Donnan. Quando ele é atingido, a
concentração iônica total (cátions e ânions) no compartimento que contém o ânion não
difusível é maior que a concentração de íons no outro compartimento. Isto origina uma
diferença de pressão osmótica entre os dois compartimentos, de sérias consequências
para a vida celular (como já visto anteriormente).
A existência de ânions intracelulares incapazes de atravessar a membrana
celular origina distribuição assimétrica dos cátions e ânions permeantes. Quando o
equilíbrio é atingido, a relação de concentrações dos íons deve obedecer a seguinte
distribuição (considerando apenas o Na+, o K+ e o Cl- dentre os íons difusíveis presentes
nos meios extra e intracelular):
[Na]e = [K]e = [Cl]i = r (razão de Donnan)
[Na]i [K]i [Cl]e
Esta distribuição, no entanto, ocorre apenas em células submetidas à inibição
metabólica prolongada. Na célula viva normal, na presença do fornecimento adequado
de ATP, tal distribuição iônica é profundamente alterada. Assim, por exemplo, a relação
de concentração interna/externa para o sódio é da ordem de 1/12, enquanto que para o
potássio é de 39/1. Esta diferença de distribuição não vai contra o princípio da
eletroneutralidade pois no interior celular as cargas positivas do K+ estão compensando
as cargas aniônicas não difusíveis através da membrana celular. A pressão osmótica
gerada por estes proteinatos não difusíveis deve então ser compensada nestas células
por algum soluto impermeante do lado extracelular que, no caso, é o Na+, que se
encontra em grande quantidade neste meio, evitando alterações danosas nos volumes
da maioria das células. O mecanismo responsável pela manutenção do íon Na+
praticamente impermeante do lado extracelular é o transporte ativo, cuja importância
será ressaltada no tópico seguinte.
6. Potencial de Repouso
Introduzindo-se um microeletrodo de vidro no interior de uma célula viva
qualquer, mede-se uma diferença de potencial entre os meios externo e o interno da
ordem de -50 mV a -100mV, o meio interno sendo negativo em relação ao meio
externo. Tal potencial é denominado potencial de repouso e ocorre em todas as células
do organismo. Qual a origem deste potencial?
Como já foi discutido anteriormente, a diferença de potencial através de uma
membrana qualquer surge de uma separação de cargas. Esta separação de cargas
ocorre quando existe um gradiente de concentração através da membrana e quando a
155
membrana apresenta coeficiente de permeabilidade diferente em relação às espécies
iônicas envolvidas. A diferença de potencial pode ser transitória (item 5.2.1.), ou estável
se o sistema for mantido em condição estacionária (item 5.2.2.) ou evoluir para uma
situação de equilíbrio (itens 5.2. e 6). Nosso sistema de estudo, a célula, consiste em
um sistema mantido em condição estacionária: o potencial através da membrana, bem
como as concentrações iônicas intracelulares, não se alteram com o tempo apesar do
fluxo constante de massa.
O meio celular é constituído por proteinatos carregados negativamente (em
decorrência do pH intracelular) e por íons tais como sódio, cloreto, potássio, hidrogênio,
magnésio, bicarbonato, fosfato e cálcio. Com exceção dos proteinatos, a membrana
plasmática é seletivamente permeável a estes íons. No entanto, os íons que podem
contribuir para a gênese do potencial através da membrana são o Na+, o K+ e o Cl-
(cujas distribuições celulares estão mostradas na tabela abaixo) por estarem presentes
nos tecidos vivos em quantidades bem maiores do que as outras espécies iônicas,
cujos fluxos resultantes podem ser desprezados.
Tabela 3. Distribuição dos íons sódio, potássio e cloreto em uma célula muscular de
mamífero, cujo potencial de repouso é de -90 mV.
Íon Concentração
intracelular
(mM)
Concentração
extracelular
(mM)
DYeq (mV)
K+ 155 4 -97
Na+ 12 145 +66
Cl- 4 117 -90
Os cálculos de Dm para cada um dos íons, através dos dados da tabela acima,
permitiriam verificar que na célula muscular em repouso ocorre um fluxo resultante de
K+ para fora da célula (efluxo) e um fluxo resultante de Na+ para dentro da célula
(influxo), enquanto que o fluxo resultante de Cl- é nulo (o Cl- encontra-se em equilíbrio
eletroquímico através da membrana). A permeabilidade da membrana é cerca de 100x
maior ao K+ do que ao Na+ e assim, admitindo-se inicialmente que não exista potencial
de membrana, para cada 100 íons potássio que saem, 1 íon sódio entra na célula.
Portanto, a separação de cargas através da membrana celular é devida primariamente
à difusão de potássio através da célula (tanto é assim, que o potencial de repouso da
célula muscular encontra-se muito próximo ao potencial de equilíbrio do K+ e muito
156
afastado, com polaridade inversa, do potencial de equilíbrio do Na+). Com o
desenvolvimento do potencial elétrico, ocorre uma diminuição gradativa do fluxo
resultante de K+ e um aumento do fluxo resultante de Na+ através da membrana. Estes
dois fluxos resultantes em sentidos opostos se igualam a partir do momento em que o
potencial elétrico atinge o valor de -90 mV, que é o potencial de repouso. Nesta
situação, não existe mais fluxo resultante de cargas positivas através da membrana; o
sistema atinge o estado estacionário, não ocorrendo alteração imediata na magnitude
do potencial. Todavia, o sistema não poderia permanecer assim por muito tempo uma
vez que continuaria ocorrendo perda de K+ e ganho de Na+ pela célula de tal modo que
a concentração intracelular de K+ diminuiria e a de Na+ aumentaria com o decorrer do
tempo. Embora estas alterações devessem ocorrer muito lentamente pelo fato de os
fluxos resultantes destes íons serem muito pequenos, a longo prazo observaría-se
diminuição do gradiente dos íons K+ e Na+, com consequente diminuição de seus
potenciais de difusão e do potencial de membrana. Entretanto, não é isto que se
verifica. A célula muscular mantém o seu potencial de repouso durante muito tempo e
as concentrações de K+ e Na+ são mantidas constantes. O potencial de repouso é
mantido graças à atuação de transporte ativo, onde um transportador específico
(bomba de Na+ e K+), utilizando energia metabólica, retira Na+ do meio intracelular e
repõe o K+ no interior da célula.
Um esquema da célula muscular em repouso poderia ser representado pela na
figura:
Figura 14. Mecanismos de transporte de íons em um modelo de célula muscular
O valor do potencial de repouso da célula muscular, portanto em condição
estacionária (reveja item 5.2.2.), pode ser previsto pela equação de Goldman, Hodgkin
e Katz (GHK):
157
Yi - Ye = R.T 2,3 log PK[K]e + PNa[Na]e + PCl[Cl]i F PK[K]i + PNa[Na]i + PCl[Cl]e
Onde: PK = 2 x 10-6 cm/s PNa = 2 x 10-8 cm/s PCl = 4 x 10-6 cm/s
Como o Cl- encontra-se em equilíbrio eletroquímico através da membrana, não
participando portanto da gênese do potencial de repouso, a equação de GHK poderia ser utilizada excluindo-se o fator a ele relacionado, sendo que o mesmo valor de Yi-Ye
seria obtido:
Yi - Ye = R.T 2,3 log PK[K]e + PNa[Na]e
F PK[K]i + PNa[Na]i
Podemos verificar através desta equação que a distribuição iônica do íon mais
permeante terá maior influência sobre o valor do potencial de repouso. Assim, torna-se
evidente que o K+, sendo mais permeante através da membrana da célula muscular,
destaca-se como o íon mais importante na gênese do potencial de repouso da mesma.
Diversas comprovações experimentais foram feitas a respeito da importância do
potássio para o potencial de repouso devido basicamente à sua permeabilidade. Por
exemplo, foi observado que em músculo sartório de rã existe variação no potencial de
repouso quando se altera a concentração extracelular de potássio (Figura 15). Como
podemos ver no gráfico da página seguinte, quando as concentrações externas de
potássio são muito pequenas, o potencial de repouso da membrana está desviado do
potencial de equilíbrio deste íon. Todavia, o potencial de repouso da membrana
acompanha o potencial de equilíbrio do potássio quando as concentrações externas
deste íon são superiores a 10mM.
Em diversos tipos de células foi demonstrado que o potencial de repouso é
dependente das concentrações interna e externa de K+, tais como células gliais do
nervo óptico da salamandra Necturus, nervo de lula, músculo de rã e várias células
vegetais. Em nenhum caso, a alteração na concentração de Na+ externo resultou em
alterações significativas do potencial de membrana.
Assim, o principal responsável pelo aparecimento do potencial de repouso celular
é o potencial de difusão ao K+, visto que a membrana é mais permeável a este íon.
Como na célula em repouso existe uma tendência difusional passiva de saída de
potássio para o meio externo e uma entrada de Na+ para o meio intracelular, o
transporte ativo desempenha um importante papel para a manutenção do potencial de
repouso da célula uma vez que ele é responsável pela manutenção do estado
estacionário da mesma. O seu funcionamento evita alterações nas concentrações
iônicas, expelindo Na+ e captando K+ (manutenção da homeostasia celular),
158
consequentemente mantendo constante o potencial elétrico transmembranal ao redor
de -90mV.
Figura 15. Relação entre a concentração externa de potássio e a diferença do potencial
de membrana da fibra muscular de anfíbio. Admite-se constante a concentração
intracelular do íon (140mM).
Uma outra consequência importante da existência deste transporte ativo
relaciona-se com a propriedade do desequilíbrio osmótico, já estudado no equilíbrio de
Donnan. Observa-se que numa célula em repouso a presença dos proteinatos
intracelulares (impermeantes) acaba sendo compensada pela manutenção de altas
concentrações extracelulares de Na+ (como se este íon fosse "impermeante"), evitando
deste modo o desequilíbrio osmótico.
Enfim, a presença de um mecanismo de transporte ativo, embora mantido às
custas de energia externa, torna-se essencial para a versatilidade das células dos
organismos animais.
159
No tópico seguinte (Potencial de Ação) será vista a importância da manutenção
deste potencial elétrico de repouso para o fenômeno da propagação do estímulo
nervoso.
160
8. BIBLIOGRAFIA
- Fisiologia Renal- capítulo 1
G. Malnic e M. Marcondez ed. Edart, São Paulo, 1972
- Transporte através de membranas- 1a parte-capítulo 1
Fisiologia Médica- U. B. Mountcastle
ed. Guanabara- Koogan- 13a edição
- Biofísica- capítulos 4, 5 e 7
F. Lacaz-Vieira e G. Malnic
ed. Guanabara-Koogan
161
QUESTIONÁRIO DE TRANSPORTE ATRAVÉS DE MEMBRANAS
1. Recapitule os principais tipos de ligações ou interações químicas (exceto a
covalente).
2. Analise a energética da hidratação de solutos polares e apolares.
3. Qual a composição química de uma membrana celular?
4. Por que o modelo do mosaico fluido é mais aceitável no aspecto termodinâmico?
5. Recapitule o que é difusão simples e quando ela ocorre. Qual a lei que rege o fluxo
de um soluto no transporte passivo simples através da membrana?
6. Quais são os fatores que influenciam a permeabilidade? O que é coeficiente de
partição?
7. Quais são as características e as diferenças principais entre transporte passivo
simples, transporte passivo mediado e transporte ativo?
8. Analise a cinética dos transportes mediados por carregadores. Compare a sua
equação final com a equação do transporte passivo simples e prove que Km = [S]
quando v = Vmáx/2.
9. Como surge uma diferença de potencial elétrico através de uma membrana? Analise
esta questão nas seguintes situações:
a) quando a membrana é permeável a um único íon.
b) quando a membrana é permeável a todos os íons, mas apresenta coeficientes de
permeabilidade diferentes em relação aos mesmos (nas condições de equilíbrio e
estacionária).
10. Recapitule o que é potencial eletroquímico e indique quais íons encontram-se em
equilíbrio eletroquímico nas duas situações do exercício 9. Qual é o significado da
equação de Nernst?
162
11. Calcule a razão de Donnan e indique a polaridade da diferença do potencial elétrico
no equilíbrio : Compartimento 1: 5mM de NaCl e 20mM de NaPr (proteinato de sódio);
Compartimento 2 : 5mM de NaCl. [Obs: Pr - é impermeante)
12. Determine o sentido dos fluxos resultantes de Na+ e K+ através de uma célula
muscular, utilizando as informações da tabela 3 (página 35). Quais os valores de Dm para cada um destes íons?
13. O que é potencial de repouso? Determine o seu valor numa célula muscular de
mamífero, utilizando os valores das concentrações intra e extracelulares de Na+ e de K+
dados na tabela 3 (página 35) e das respectivas permeabilidades, indicadas na página
36.
14. Através de quais mecanismos a célula consegue manter o seu potencial de
repouso? Nesta situação, como estão os fluxos resultantes de Na+ e K+ ?
15. Discuta a Figura 15 em função da equação de Goldman. Qual é a importância da
permeabilidade celular no potencial de repouso?
16. Analise os fatores que impedem, na célula muscular em repouso, o
desenvolvimento para um equilíbrio do tipo Donnan.
17. Classifique os tipos de cotransporte e analise a importância do transporte ativo
secundário.
163
TRANSPORTE ATRAVÉS DE MEMBRANAS BIOLÓGICAS
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
Quando o transporte de solutos é efetuado por algum tipo de proteína
(carregadores), este transporte pode ser classificado segundo o esquema representado
na figura abaixo:
Uniporte é o transporte simples de um único soluto de um lado a outro da
membrana e, quando se tem a participação simultânea de dois solutos, temos o
chamado cotransporte. Se a passagem dos solutos for na mesma direção, é
classificado como cotransporte do tipo simporte e, se em sentidos contrários, do tipo
antiporte. Esta nomenclatura é válida para o transporte passivo mediado e para o
transporte ativo. Este último, pode ainda ser classificado em transporte ativo primário e
transporte ativo secundário.
1. Transporte ativo primário
É aquele que utiliza diretamente a energia proveniente da hidrólise de ATP.
Como exemplos, temos a bomba de Ca2+ no retículo sarcoplasmático (tipo uniporte) e a
bomba de Na+ - K+ (tipo antiporte).
2. Transporte ativo secundário
O fluxo na ausência ou contra-gradiente de uma dada espécie se dá graças ao
acoplamento com o transporte de um outro soluto (íon) que se difunde normalmente
segundo o seu gradiente eletroquímico mantido por um sistema primário de transporte
164
ativo. Este tipo de transporte funciona, portanto, sempre como um sistema de
cotransporte.
Como exemplos, temos a entrada de aminoácidos nas células e a passagem de
açucares través do epitélio intestinal impulsionados pela diferença de potencial
eletroquímico de Na+ que é mantido pela atividade da bomba de Na+- K+ (simporte).
Um outro exemplo importante de transporte ativo secundário do tipo simporte
ocorre no ramo ascendente da alça de Henle, onde a difusão do Na+ da luz para o
interstício (gradiente também mantido pela bomba de Na+ - K+) determina o transporte
de Cl- no mesmo sentido.
Ao nível da membrana da fibra cardíaca, tem-se um cotransporte do tipo
antiporte: para a entrada de 3 Na+ (a favor de um gradiente eletroquímico) para o meio
intracelular, tem-se a saída de um Ca2+ para o interstício. Uma inibição deste
cotransporte leva a um acúmulo de Ca2+ no sarcoplasma e consequente aumento de
contração cardíaca. É neste fato que se baseia a utilização de digitálicos no tratamento
de insuficiência cardíaca congestiva.
No conjunto dos processos de transporte que ocorrem nas membranas celulares,
os transportes ativos secundários contribuem para a economia de energia celular. A
célula investe ATP apenas no transporte de uma espécie química e consegue
transportar contra-gradientes (por acoplamento de processos) aminoácidos, Cl -, Ca2+,
etc.
Nota importante: Em Fisiologia, a nomenclatura mais utilizada é cotransporte para o
simporte e contra-transporte para o antiporte.
165
DEMONSTRAÇÃO EXPERIMENTAL
POTENCIAIS BIOELÉTRICOS EM PELE ABDOMINAL DE ANFÍBIO
1. Noções de Eletricidade
Como pretendemos determinar as características elétricas de pele isolada de
anfíbio, faz-se necessário recordar alguns conceitos fundamentais de eletricidade.
Toda carga elétrica (Q) gera um campo elétrico nos arredores. Assim, se
colocarmos uma carga de prova (q) em qualquer ponto deste campo, esta carga ficará
sujeita a uma força elétrica = k. Q.q/r2, onde r é a distância entre as duas cargas. Logo,
se a carga q se deslocar neste campo, temos a realização de trabalho, o que significa
que a carga q em cada ponto tem uma determinada energia potencial (capacidade de
realizar trabalho).
Podemos, então, caracterizar o campo elétrico gerado por Q pela razão energia
potencial (U)/carga de prova (q), que recebe o nome de potencial elétrico (U/q), cuja
unidade no MKS é o Volt (=Joule/Coulomb). Se cada ponto do campo tiver um potencial
diferente, entre dois pontos deste campo existirá uma diferença de potencial (DDP) que
é o trabalho realizado neste campo para transportar uma unidade de carga do ponto de
maior potencial para o de menor potencial. Se num meio condutor tivermos uma
diferença de potencial, qualquer carga colocada neste meio migrará portanto do ponto
de potencial maior para o de menor. A um fluxo de carga (uma porção de elementos
carregados migrando de maneira mais ou menos ordenada, num dado sentido, num
meio condutor, devido a uma DDP) damos o nome de corrente elétrica. Portanto,
corrente elétrica é a quantidade de carga que na unidade de tempo atravessa uma
dada secção de um meio condutor, sujeito a uma diferença de potencial, e que tem por
unidade o Ampère (=Coulomb/s). Ao fluxo de elementos carregados opõe-se uma força
de atrito característica do meio condutor, de modo que as cargas não se deslocam com
grande velocidade. No caso de um fio condutor (condutor eletrônico) em que os
elementos carregados são elétrons, a sua velocidade de deslocamento é da ordem de
1mm.s-1; numa solução salina (condutor eletrolítico) é da ordem de 2-10 mm.s -1. A esta
oposição ao movimento ordenado de cargas sujeitas a uma DDP dá-se o nome de
resistência (R), cuja unidade é o Ohm (W). Ohm verificou que, para um dado condutor,
a variação da DDP com a corrente se dá segundo o gráfico da página seguinte.
Verifica-se experimentalmente que R=r.L/S, onde L é o comprimento, S é a
secção do meio condutor e r é a resistividade, que é característica do material de que é
feito o condutor. Assim, neste gráfico, supondo-se que os condutores 1 e 2 fossem
constituídos do mesmo material, o maior valor de R encontrado para o condutor 1
166
poderia ser decorrente de um maior comprimento em relação ao condutor 2. Portanto,
para gerar a mesma intensidade de corrente, a DDP aplicada em 2 deveria ser maior do
que a DDP aplicada em 1.
Para se observar uma corrente elétrica é necessário que exista no sistema pelo
menos um percurso fechado (circuito fechado) para a passagem das cargas elétricas, e
que haja um gerador elétrico (que varia e mantém uma DDP). Chamamos de circuito
elétrico ao conjunto de todos os percursos possíveis para a corrente em um sistema e
de todos os dispositivos associados a este percurso.
Gerador elétrico é todo dispositivo capaz de fornecer energia elétrica a um
circuito a partir de energia em uma forma não elétrica. ë importante frisar que um
gerador não fornece energia às cargas do circuito que o atravessam (existe um
princípio importante em eletricidade que diz que não é possível "criar" ou "destruir"
cargas num sistema isolado).
167
Elementos de um circuito
·gerador de tensão contínua
· resistência Ôhmica
· condutor Ôhmico_____________
· "terra" (em que V=0
Gerador de tensão contínua é aquele em que a tensão em seus terminais é
constante. O sentido convencional da corrente em um circuito elétrico é do terminal
positivo para o terminal negativo do gerador.
O aparelho utilizado para se medir corrente é o amperímetro e, no caso em que
as correntes a serem medidas são da ordem de 10-6 Ampères, utiliza-se o
microamperímetro. Para medir DDP (ou tensão) utiliza-se o voltímetro e quando as
DDPs a serem medidas são da ordem de 10-3 Volts, tem-se a escala em milivolts.
2. Objetivo
O objetivo desta aula demonstrativa é o de determinar os mecanismos de
transporte iônico através da pele de anfíbio.
Os epitélios transportadores, isto é, os epitélios que têm como função principal o
transporte de substâncias (absorção ou secreção), têm muitas características em
comum em diferentes espécies animais. Assim, ao estudarmos o epitélio de anfíbio
(que absorve íons do meio externo), obtemos informações de caráter mais geral que se
aplicam também a epitélios tais como o dos túbulos renais, o de revestimento do
intestino, o da mucosa gástrica, o das glândulas salivares, etc.
168
A pele abdominal de anfíbio é constituída por duas camadas distintas: o epitélio e
a camada de tecido conjuntivo. Esta última não tem função de transporte e serve
somente de sustentação do epitélio que é a camada que nos interessa.
169
3. Composição das Soluções de Ringer
Nesta aula demonstrativa diferentes soluções salinas de Ringer-sulfato serão
utilizadas, cujas constituições são indicadas abaixo:
· Ringer Na2SO4 (RNa2SO4) ®[Na+] =115 mM
Na2SO4 57,5 mM
KHCO3 2,5 mM
CaSO2 1,0 mM
· Ringer Na2SO4 (RNa2SO4) ®[Na+] = 6,0 mM
Na2SO4 3,0 mM
KHCO3 2,5 mM
CaSO4 1,0 mM
· Ringer NaCl (RNaCl) ®[Na+] =115 mM
NaCl 115,0 mMKHCO3 2,5 mM
CaSO4 1,0 mM
· Ringer K2SO4 (RK2SO4) ®[K+] = 115 mM
K2SO4 57,5 mM
KHCO3 2,5 mM
CaSO4 1,0 mM
170
4. Montagem experimental
a) Destruir o SNC do anfíbio e retirar, com o auxílio de tesoura e pinça, um retalho da
pele abdominal de aproximadamente 25 cm2. Dessecar cuidadosamente, sem lesar a
pele.
b) Após lavar o retalho da pele com um pouco de solução Ringer, montá-la como uma
membrana separadora entre duas câmaras (ver Figura abaixo), deixando os lados
externo e interno voltadas para as câmaras E e I, respectivamente. Após verificar que a
pele não apresenta dobras e que está obliterando perfeitamente a comunicação entre
as duas câmaras, fixá-la nessa posição com o dispositivo apropriado.
E e I são os compartimentos do lados externo e interno, respectivamente, da pele de
anfíbio.
1. pontes de agar KCl (o agar é uma gelatina proveniente de algas, constituindo-se na
sustentação sólida para o condutor eletrolítico KCl).
2. eletrodos de calomelano (geram potenciais bastante estáveis e como estão dispostos
de maneira simétrica, assegura-se que qualquer DDP registrada provém da assimetria
elétrica gerada pela membrana que separa os dois compartimentos).
3. eletrodos de cobre/sulfato cúprico.
4. resistência variável.
5. gerador elétrico em oposição à DDP (DYi-e ) transepitelial.
A. amperímetro.
171
V. voltímetro (para medir a diferença de potencial transepitelial).
c) Colocar 10 ml de solução Ringer-sulfato de [Na+ ] = 115mM na câmara I e verificar se
há algum vazamento para a outra câmara ou para fora. Se não houver, colocar 10 ml
de Ringer-sulfato de [Na+ ] = 115mM também na câmara E.
d) Introduzir em cada câmara os eletrodos 2 e 3. Verificar a conexão dos eletrodos 2 ao
voltímetro e dos eletrodos 3 à caixa do microamperímetro. O eletrodo da câmara E
deverá estar ligado ao polo positivo da bateria e o da câmara I ao negativo.
A nossa montagem pode ser, então, representada pelo circuito elétrico abaixo:
onde Em é a força elemotriz gerada pelo epitélio, Rm é a resistência oferecida
pelas células da pele e Rs é a resistência oferecida pelos espaços intercelulares.
Se tentarmos medir neste circuito a corrente Im, notaremos que apenas uma
pequena porção ou nenhuma corrente passará pelo nosso instrumento de
medida (amperímetro) porque Rs é muito menor do que a resistência do nosso
aparelho. Assim, a maior parte da corrente tenderá a circular pelo ramo de Rs . A maneira de se contornar este problema está em anular a DYi-e transepitelial de
modo a não haver DDP entre os terminais de Rs. A anulação da DDP existente é
feita ligando-se no sistema um gerador com polaridade inversa à apresentada
pelo epitélio e uma resistência variável que nos permita aplicar, entre E e I, uma DDP igual e de sinal contrário à DYi-e transepitelial.
Com base nestas informações, podemos dar prosseguimento à nossa montagem
experimental:
172
e) Com Ringer-sulfato [Na+] = 115 mM em ambos os lados da pele, ligar o voltímetro e
mantendo-o ligado, ligar o microamperímetro. A caixa do microamperímetro contém
também um gerador (bateria) e resistores que correspondem às "resistências
variáveis", ligadas a ele em série. Através de dois botões (G e F), colocados à frente da
caixa, é possível variar tais resistência ligadas à bateria e consequentemente a voltagem aplicada em oposição à DYi-e transepitelial.
Utilizando os botões G e F variar a voltagem aplicada nos eletrodos de
calomelano até que o voltímetro indique zero; a corrente então indicada pelo
microamperímetro é a corrente de curto-circuito (c.c.c ou Icc).
O circuito elétrico se apresenta agora da seguinte forma:
onde A representa o amperímetro, G o gerador, R.V. a resistência variável, e Icc a corrente de curto-circuito, que passa pelo ramo superior quando VE - VI = 0.
f) Manter o microamperímetro ajustado para a passagem de Icc através da membrana e,
após 5 minutos, anotar os valores da mesma. Desligar o microamperímetro e anotar também o valor da DYi-e indicada no voltímetro. Este protocolo deverá ser repetido
durante 30 minutos, a intervalos constantes de 5 minutos.
g) Calcular a resistência da pele, empregando a lei de Ohm (R = V/I). Fazer este cálculo para cada par de leituras de DYi-e e Icc, e multiplicar o valor médio da resistência pela
área da pele para determinar a resistência de 1 cm2 da mesma (resistência específica).
h) Proceder às substituições das soluções de Ringer nas câmaras E ou I, conforme a
tabela abaixo. A cada ponto, manter o microamperímetro ligado e ajustado para a
passagem de Icc durante 3 minutos, após os quais os valores de Icc através da
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membrana devem ser medidos. Em seguida, desligar a chave de ajuste para a passagem de Icc e ler, no voltímetro, o valor da DYi-e através da membrana.
B. Segunda aula (Estudo Quantitativo do transporte iônico)
1. Efeito da concentração de sódio do lado externo da pele
a) Montar a pele de anfíbio colocando solução Ringer-sulfato com [Na+] = 115 mM nos dois lados da pele. Equilibrar por 30 minutos e medir a DYi-e e Icc.
b) Desligar o voltímetro e, com o auxílio de uma seringa, remover a solução da câmara
externa substituindo-a por 10 ml de solução Ringer-sulfato [Na+] = 3 mM. Esperar 3
minutos durante os quais o potencial deve ser mantido nulo. Fazer a leitura da Icc e então da DYi-e.
c) Da maneira descrita em (b), substituir a solução da câmara externa por outra em que [Na+] = 6 mM e fazer a leitura de Icc e DYi-e.
d) Da mesma maneira acima determinar os valores de Icc e DYi-e com concentrações
de sódio 18, 30, 60 e 115 mM.
e) Os resultados obtidos estão no quadro abaixo:
[Na+]e
(mM)
log [Na+]e 1/[Na+]e Icc (mA) DYi-e
(mV)
J (mmol/cm2.s) 1/J (cm2.s/mmol)
3 0.27 68
6 0.35 85
18 0.43 113
30 0.47 126
60 0.48 143
115 0.49 159
f) Calcular o fluxo resultante de íon sódio através da pele nos diferentes tempos da
experiência. De acordo com a lei de Faraday, cada mol de Na+ corresponde a uma
carga elétrica de 96 500 Coulombs. Como a unidade de corrente, o ampère (A),
corresponde a 1 Coulomb por segundo, a migração de 1,04 x 10 -5 (1/96 500) moles de
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Na+ por segundo corresponderá a uma corrente de 1 ampère. Sabendo-se que a Icc
corresponde à corrente gerada pela migração de Na+, calcular o fluxo de íon nos
diferentes tempos da experiência e anotar na tabela acima. (I = ZFJ)
g) Fazer um gráfico levando em abcissas o logaritmo da concentração de íon sódio na câmara externa e em ordenadas a diferença de potencial (DYi-e).
Questão 1. Houve obediência à equação de Nernst? Por que?--------------------------
2. Efeito da concentração de potássio do lado interno da pele.
a) Substituir a solução da câmara interna por Ringer-sulfato com [K+] = 3,0 mM. Esperar 3 minutos, durante os quais o potencial deve ser mantido nulo. Ler a DYi-e.
b) Da mesma maneira descrita acima, determinar as DDPs para [K+] = 6, 18, 30, 60 e
115 mM.
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c) Os resultados obtidos estão no quadro abaixo:
[K+]i (mM) log [K+]I DYi-e (mV)
3 130
6 113
18 85
30 72
60 55
115 39
d) Fazer um gráfico levando em abcissas o logaritmo da concentração de íon potássio na câmara interna e em ordenadas a DYi-e.
Questão 3. Houve obediência à equação de Nernst? Por que?---------------------------------