Faculdade de Direito da UCPObservaes preliminares
A parte geral do Direito das Obrigaes foi durante muitos anos
leccionada na Faculdade de Direito da Universidade Catlica numa
disciplina anual. Com a reforma preparatria da implementao do
sistema de Bolonha, foi dividida em duas disciplinas semestrais: a
primeira simplesmente designada Direito das Obrigaes e a segunda
Cumprimento e No Cumprimento das Obrigaes.
Os programas das duas disciplinas so elaborados de forma a
assegurar que no seu conjunto sejam leccionadas todas as matrias
fundamentais da parte geral do Direito das Obrigaes. Este programa
corresponde primeira destas duas disciplinas.
Alteraes legislativas
Chama-se a ateno para as alteraes legislativas dos anos 2007 e
2008 com maior relevncia para as matrias em estudo: Lei n 24/2007,
de 18 de Julho Define direitos dos utentes nas vias rodovirias
classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerrios
principais e itinerrios complementares Decreto-Lei n 291/2007, de
21 de Agosto Novo regime do seguro de responsabilidade civil
obrigatrio por acidentes de viao Lei n 67/2007, de 31 de Dezembro
Novo regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e
demais entidades pblicas
Decreto-Lei n 116/2008, de 4 de Julho Novas medidas de
simplificao de forma e formalidades de actos e processos jurdicos,
destacando-se a alterao dos seguintes preceitos do Cdigo Civil:
arts. 410, 413, 578, 660, 714, 875, 930. 947, 1143, 1232, 1239,
1250, 1419, 1422-A e 2126
Decreto-Lei n 252/2007, de 23 de Outubro Reviso da Tabela
Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e adopo da
primeira Tabela Nacional para Avaliao de Incapacidades Permanentes
em Direito Civil
Portaria n 377/2008, de 26 de Maio Regime de apresentao de
proposta razovel de indemnizao do dano corporal das vtimas de
acidentes de viao
PROGRAMA Introduo
1. 2.
Conceito de obrigao Consideraes a respeito do conceito tcnico de
obrigao. Em particular o carcter relativo dos direitos de crdito e
a tese da eficcia externa das obrigaes
DIOGO CASQUEIRO
1
3. 4. 5. 6.
Relevncia do interesse do credor como fim da obrigao. Proteco
secundria do interesse do devedor Princpios fundamentais do direito
das obrigaes. A boa f Confronto entre o direito das obrigaes os
outros ramos civilsticos Modalidades das obrigaes quanto ao vnculo.
As obrigaes naturais
Fontes das obrigaes
I Contratos 1. 2. 3. Aspectos gerais Relaes contratuais de facto
Princpios fundamentais do regime dos contratos 3.1. Princpio da
liberdade contratual 3.1.1. 3.1.2. Liberdade de celebrao dos
contratos Liberdade de fixao do contedo dos contratos
3.1.3. Tutela do consumidor: breve referncia importncia desta
tutela; [remisso para oestudo do regime das Clusulas Contratuais
Gerais] 3.2. Princpio do consensualismo 3.2.1. 3.2.2. Contratos
consensuais e contratos solenes ou formais Contratos com eficcia
real. A clusula de reserva de propriedade
3.3. Princpio da boa f. A responsabilidade pr-contratual
[remisso] 3.4. Princpio da fora vinculativa 3.4.1. Desvios ao
princpio da estabilidade dos contratos A) Resoluo, revogao e
denncia dos contratos B) Resoluo ou modificao dos contratos por
alterao das circunstncias
a) Teorias da clusula rebus sic stantibus, da impreviso,
dapressuposio e da base do negcio b) Soluo do direito portugus
3.4.2. Desvios ao princpio da relatividade dos contratos A)
Contrato a favor de terceiro B) Contrato para pessoa a nomear 3.5.
Eficcia ulterior dos contratos. A responsabilidade ps-contratual 4.
5. 6. Classificaes dos contratos [remisso] Contratos mistos
Contrato-promessa 6.1. Noo 6.2. Disciplina jurdica 6.3. Disposies
respeitantes forma e substncia 6.4. Efeitos da promessa. Atribuio
de eficcia real
DIOGO CASQUEIRO
2
Faculdade de Direito da UCP6.5. No cumprimento do
contrato-promessa 6.5.1. 6.5.2. 7. Execuo especfica Resoluo do
contrato
6.6. Outras violaes do contrato-promessa. A falta de
legitimidade Pacto de preferncia 7.1. Noo 7.2. Requisitos de forma
e de substncia 7.3. Exerccio do direito de preferncia 7.4.
Preferncia legal 7.5. Eficcia real do pacto de preferncia 7.6.
Violao da preferncia. Consequncias II Negcios unilaterais
1. 2.
Noo e sua admissibilidade como fonte de obrigaes Modalidades
2.1. Promessa de cumprimento e reconhecimento de dvida 2.2.
Promessa pblica 2.3. Concurso pblico
III Gesto de negcios
1. 2. 3. 4.
Noo e enquadramento geral do instituto Requisitos Institutos
afins Relaes entre o gestor e o dono do negcio 4.1. Obrigaes do
gestor 4.2. Obrigaes do dono do negcio 4.3. Apreciao da culpa do
gestor
5. 6.
Aprovao e ratificao da gesto Gesto de negcios representativa e
no representativa
IV Enriquecimento sem causa
1.
Noo e pressupostos 1.1. Requisitos positivos 1.2. Requisitos
negativos
2. 3. 4.
Hipteses especiais de enriquecimento sem causa Obrigao derivada
do enriquecimento sem causa. Diferentes solues Prescrio
DIOGO CASQUEIRO
3
V Responsabilidade civil
1. 2. 3.
Noo. Responsabilidade civil e responsabilidade penal Evoluo
histrica da responsabilidade civil e seus problemas actuais
Responsabilidade civil obrigacional e responsabilidade civil
extra-obrigacional 3.1. Assento da matria no Cdigo Civil 3.2.
Concurso das duas formas de responsabilidade
4. 5.
Ilcito intencional e ilcito meramente culposo Responsabilidade
por factos ilcitos 5.1. Facto. Aces e omisses 5.2. Ilicitude 5.2.1.
Formas de ilicitude 5.2.2. Causas de excluso da ilicitude 5.3.
Imputao do facto ao agente. A culpa 5.3.1. 5.3.2. 5.3.3. 5.3.4.
5.4. Dano 5.4.1. 5.4.2. 5.5.1. 5.5.2. Noo e espcies de dano
Ressarcibilidade dos danos no patrimoniais Teoria da causalidade
adequada Problema da causa virtual ou hipottica Imputabilidade Dolo
e mera culpa Prova e presunes de culpa Pluralidade de
responsveis
5.5. Nexo de causalidade entre o facto e o dano
5.6. Prescrio 6. Responsabilidade pelo risco 6.1. Formulao do
problema 6.2. Casos de responsabilidade pelo risco 6.2.1. 6.2.2.
6.2.3. 6.2.4. Responsabilidade do comitente Responsabilidade do
Estado e outras entidades pblicas [remisso] Danos causados por
animais Acidentes causados por veculos A) Pessoas responsveis B)
Beneficirios da responsabilidade C) Causas de excluso da
responsabilidade D) Coliso de veculos E) Danos indemnizveis F)
Limites de responsabilidade G) Pluralidade de responsveis 6.2.5.
Danos causados por instalaes de energia elctrica ou gs
DIOGO CASQUEIRO
4
Faculdade de Direito da UCP6.2.6. 7. 8. Casos de
responsabilidade objectiva no regulados no Cdigo Civil. Em especial
a responsabilidade civil do produtor Responsabilidade por factos
lcitos Obrigao de indemnizao 8.1. Danos compreendidos na indemnizao
8.2. Principais doutrinas 8.2.1. 8.2.2. 8.2.3. 8.2.4. 8.3.1. 8.3.2.
Doutrina da equivalncia das condies Doutrinas selectivas Doutrina
da causalidade adequada Problema da causa virtual ou hipottica
Formas de indemnizao Clculo da indemnizao. A teoria da diferena e
suas excepes
8.3. Formas e clculo de indemnizao
8.4. Concausalidade. Culpa do lesado
BIBLIOGRAFIA (OBRAS GERAIS)
Manual de referncia
M. J. ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigaes, 11 edio, Almedina,
Coimbra, 2008
Outras obras de carcter geral
I. GALVO TELLES , Direito das Obrigaes, 7 edio, Coimbra Editora,
Coimbra, 1991 (com sucessivas reimpresses) J. M. ANTUNES VARELA,
Das Obrigaes em geral, Vol. I, 10 edio, Almedina, Coimbra, 2000
(com sucessivas reimpresses) L. MENEZES LEITO, Direito das
Obrigaes, Vol. I, 7 edio, Almedina, Coimbra, 2008
DIOGO CASQUEIRO
5
Introduo1. Conceito de Obrigao1Conceito de Obrigao em sentido
lato Dentro do conceito de obrigao em sentido lato podemos incluir
inmeras realidades. O termo engloba as situaes que se caracterizam
pelo facto de uma ou vrias pessoas se encontrarem adstritas a uma
determinada conduta. frequentemente usado para indicar o elemento
passivo de qualquer relao jurdica. Neste sentido englobar:
1. Dever jurdico Representa o correlato dos direitos
subjectivos2, propriamente ditos.So o lado passivo dos direitos
subjectivos. Consiste na necessidade de observao de determinada
conduta, imposta pela ordem jurdica a uma ou diversas pessoas para
tutela de um interesse de outrem e cujo cumprimento se garante
atravs de meios coercivos adequados. Podem os direitos subjectivos
ser relativos (oponveis a apenas sujeitos determinados ideia de
barricada que protege numa frente mas no nas outras. Ex: direitos
de crdito) ou absolutos (oponveis erga omnes ideia de uma esfera
que protege em todas as direces. Ex: direitos reais). H, de igual
forma, dentro dos deveres jurdicos, que distinguir entre:
a) Dever jurdico especial ou particular; b) Dever jurdico geral
ou universal; 2. Estado de sujeio Corresponde ao direito
potestativo. Direito potestativo , como jnoutro lugar se referiu, o
poder ou faculdade de, por mera declarao de vontade, produzir,
inelutavelmente, efeitos jurdicos na esfera jurdica de outrem acto
unilateral. O estado de sujeio corresponder a uma situao inelutvel
de suportar na esfera jurdica prpria as consequncias do exerccio de
um direito dessa natureza. Ex: situao do mandatrio quanto revogao
do mandato, a servido legal de passagem (art. 1550). Ao contrrio do
que sucede com o dever jurdico, o titular passivo da relao nada tem
a fazer para a satisfao do referido interesse, assim como lhe
impossvel impedi-la: o direito potestativo exerce-se por mero acto
de vontade do seu titular;
3. nus jurdico3 a necessidade de adoptar certa conduta para a
obteno ouconservao de uma vantagem prpria. O acto a que o nus se
refere no imposto como um dever.
1
ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigaes, 11 ed., rev. e act., Edies
Almedina, 2008, pp. 65 e ss.; ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em
Geral, vol. I, 10 ed., ver. e act., Edies Almedina, 2008, pp. 51 a
64. 2 Antunes Varela define Direito subjectivo como o poder
conferido pela ordem jurdica a certa pessoa de exigir determinado
comportamento de outrem, como meio de satisfao de um interesse
prprio ou alheio. 3 Antunes Varela afirma que distinto do modo que
, pelo contrrio, um verdadeiro dever jurdico. O modo funciona como
uma limitao ou restrio da liberalidade, e no como um correspectivo
ou contraprestao da atribuio patrimonial proveniente da outra
parte.
DIOGO CASQUEIRO
6
Faculdade de Direito da UCPTutela-se um interesse do onerado.
Ex: nus de deduzir contestao e de impugnar 4 - no direito
processual. Exigncia de registo para oponibilidade de certos factos
a terceiros 5 - no direito civil substantivo; 4. Antunes Varela
fala ainda em direitos-deveres (poderes funcionais) situaes em
que
o direito conferido no interesse, no do titular ou no apenas do
titular, mas tambm de outra(s) pessoa(s) e que s so legitimamente
exercidos quando se mantenham fiis funo a que se encontram
adstritos. Distinguem-se dos direitos subjectivos patrimoniais
porque o titular no livre no seu exerccio. Conceito de Obrigao em
Sentido Estrito ou Tcnico-Jurdico Quando a palavra obrigao adquire
um significado predominantemente estrito ou tcnico, designa as
relaes obrigacionais ou creditrias. Para se chegar ao conceito que
aqui se aborda partamos da anlise de dois preceitos importantes: os
art. 397 e 398/2. Art. 397 - Obrigao o vnculo jurdico por virtude
do qual uma pessoa fica adstrita para com outra realizao de uma
prestao. A prestao que aqui se refere deve ser entendida como uma
conduta. E esta conduta, como explicita o art. 398/1, pode
consubstanciar-se numa actuao positiva ou numa omisso (non facere).
Mas estas prestaes negativas, como afirma Antunes Varela, sero
nulas se contrariarem a ordem pblica ou se implicarem uma limitao
liberdade das pessoas contrria lei. Faz este preceito um apelo ao
princpio da autonomia privada, que regra no Direito das Obrigaes
(art. 405), em oposio ao princpio da tipicidade que impera nos
Direitos Reais e que raro nas Obrigaes. Os limites legais que so
referidos so os genericamente consagrados nos art. 280 e ss. Art.
398/2 a prestao no necessita de ter um valor pecunirio 6, mas deve
corresponder a um interesse do credor, digno de proteco legal.
Comecemos pelo interesse do credor, legalmente tutelado. Da leitura
do preceito, resulta que no so admissveis prestaes que visem
satisfazer um mero capricho do credor e para excluir, por outro, as
prestaes que, no merecem a tutela especfica do Direito, mas de
ordens como a moral, a religiosa, a do trato social
4 5
C.P.C., art. 486, 490 e 505. Depois de uma evoluo do conceito de
terceiro, entende-se como segue: Terceiros, para efeitos de
registo, so aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos
incompatveis entre si. 6 ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigaes, 11
ed., rev. e act., Edies Almedina, 2008, pp. 101 a 105.
DIOGO CASQUEIRO
7
O que o art. vem estatuir que temos de encontrar a margem das
prestaes que, no tendo valor pecunirio, meream tutela jurdica.
Quanto patrimonialidade da prestao ou ao seu valor pecunirio, a
doutrina tradicional considerava que esta era um elemento do
conceito de obrigao. Mas a patrimonialidade tem um duplo
sentido:
1. Alude-se exigncia de que a prestao debitria revista
necessariamente naturezaeconmica, que se mostre susceptvel de
avaliao pecuniria. Este requisito est hoje afastado. Se o interesse
do credor for atendvel, lcita a constituio de uma obrigao sem
contedo econmico. Desde que a execuo especfica ou real pode
abranger as coisas com simples valor estimativo (cartas), nenhuma
razo h para que a lei no sancione as obrigaes cuja prestao carea de
valor pecunirio; 2. A patrimonialidade da obrigao significa, por
outro lado, que o inadimplemento s confere ao credor a
possibilidade de agir contra o patrimnio do devedor e no contra a
sua pessoa (art. 601 e 817). Exemplo disto a proibio da priso por
dvidas. O que se tem vindo a verificar que j no ser exacto falar em
patrimonialidade da obrigao no primeiro sentido, embora a maior
parte dos vnculos obrigacionais revistam essa natureza. Mas j esta
caracterstica ser pertinente na sua segunda acepo em caso de
inadimplemento, quem responde sero os bens do devedor e no a sua
pessoa. Da conjugao dos dois preceitos, dir-se- obrigao o vnculo
jurdico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra
realizao de uma prestao, que deve corresponder a um interesse do
credor, digno de proteco legal. Do ponto de vista activo, o
instituto definir-se- como o vnculo jurdico merc o qual uma ou mais
pessoas podem exigir ou pretender, de outra ou outras, uma prestao.
Nas obrigaes civis pode exigi-la. Nas naturais, apenas a pode
pretender. J verificmos que existem deveres jurdicos especiais ou
particulares e gerais ou universais. A obrigao em sentido estrito
pertence esfera dos primeiros. Os deveres universais ou gerais tm
como correlato os direitos absolutos. As obrigaes em sentido tcnico
so, ento, aqueles deveres que tm no lado activo um direito de
crdito. Como afirma, e bem, Antunes Varela, o dever jurdico no se
confunde com o lado passivo das obrigaes que sempre um dever de
prestar. Ao dever jurdico podem-se contrapor os direitos pblicos,
direitos de crdito, direitos reais, direitos de personalidade,
direitos conjugais e os direitos de pais e filhos. , pois, uma
categoria bem mais ampla que os deveres de prestao correspondentes
s obrigaes. Enquanto que as obrigaes abarcam apenas os deveres
especficos ou particulares, o dever jurdico abrange estes e ainda
os deveres genricos ou universais.
DIOGO CASQUEIRO
8
Faculdade de Direito da UCPDireito das Obrigaes = Direitos de
crdito
Anverso e reverso da mesma medalha Credor e devedor. As obrigaes
no autnomas 7 Um grande contingente das obrigaes em sentido tcnico
nasce, sem que haja entre as partes qualquer vnculo prvio. Outras,
como as que resultam da prtica de um facto ilcito, pressupem j um
vnculo jurdico preexistente mas um vnculo de carcter genrico. s
obrigaes que num vnculo jurdico preexistente ou que pressupem, na
sua constituio, um simples vnculo de carcter genrico tem a doutrina
dado o nome de obrigaes autnomas. Nunca se duvidou de que as
obrigaes autnomas esto sujeitas s disposies legais que fixam a
disciplina geral das obrigaes. Mas j se discute frequentes vezes na
doutrina se esto igualmente subordinadas ao mesmo regime, e se
devem ser includas no conceito geral das relaes de crdito, as
numerosssimas obrigaes em sentido tcnico que, estando integradas em
relaes de tipo diferente, pressupem a existncia de um vnculo
jurdico especial entre as partes. Nestes casos a obrigao carece de
autonomia, porque pressupe a existncia prvia entre as partes de um
vnculo especial de outra natureza. E por isso se pode perguntar se
ela deve ou no ser incorporada no conceito estrito de obrigao.
Desde que a disciplina leal das obrigaes em geral considera
deliberadamente as relaes creditrias na sua natureza intrnseca,
abstraindo do fenmeno vital (fonte) de onde elas emergem, a
resposta no pode, em princpio, deixar de ser afirmativa. Dado o
regime geral das obrigaes prescindir do nexo que as prende sua
fonte, fica aberto o espao para uma ampla zona de problemas comuns,
com anlogos conflitos de interesses, requerendo em princpio as
mesmas solues, entre as obrigaes autnomas e as obrigaes no autnomas
ou dependentes. No so feitas aluses a este requisito da autonomia
na definio legal do art. 397. Assim, em rigor, parece no poder
considerar-se como obrigaes seno os vnculos jurdicos autnomos.
Contudo, em princpio, em tudo o que no estiver especialmente
regulado, so aplicveis a estas obrigaes no autnomas as disposies
que regulam as obrigaes propriamente ditas, e, por isso, se
englobam neste artigo, num mesmo conceito, os dois tipos de
obrigaes. Reserva: o regime geral das obrigaes no pode deixar de
considerar-se sujeito aos desvios impostos pela natureza especial
dos vnculos que precedem as obrigaes no autnomas. Exemplo desses
desvios o do abandono liberatrio (art. 1411/1) o proprietrio de
coisa liberta-se da obrigao que sobre ele recai na qualidade de
titular de um direito real, mediante a renncia unilateral ao seu
direito em benefcio do credor8.7 8
ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em Geral, vol. I, 10 ed., ver. e
act., Edies Almedina, 2008, pp. 69 a 72. Ver ainda art. 2012,
2008/1 e 2, 2070 e 2071.
DIOGO CASQUEIRO
9
2. Consideraes a respeito do conceito tcnico de obrigao. Em
particular, o carcter relativo dos direitos de crdito e a tese da
eficcia externa das obrigaes9.O problema da relao obrigacional como
um todo e como um processo, ou Relaes obrigacionais simples e
complexas Se tomarmos a relao obrigacional como una ou simples ento
significa que h um s crdito e a respectiva dvida. Compreende o
direito subjectivo atribudo a uma pessoa e o dever jurdico ou
estado de sujeio correspondente que recai sobre a outra. Dir-se-
mltipla ou complexa quando representa um conjunto de vnculos
emergentes do mesmo facto jurdico; quando abrange o conjunto de
direitos e deveres ou estados de sujeio nascidos do mesmo facto
jurdico. Sigamos a exposio do Professor Antunes Varela. Se tomarmos
em considerao o mais bsico dos contratos, que a compra e venda,
verificamos que a relao jurdica obrigacional dele nascida j uma
relao (obrigao) mltipla ou complexa. E maior ser a complexidade
quando a esses dois direitos e deveres, outros direitos e deveres
correlativos se venham enxertar na relao constituda entre vendedor
e comprador. Facilmente se v que a distino entre a relao
obrigacional complexa e as obrigaes simples que podem ser isoladas
dentro dela, torna-se sobretudo evidente nas relaes obrigacionais
duradouras, como o contrato de locao. s duas ou mais obrigaes que
se constituem inter partes no momento da perfeio do contrato
acrescem ainda as que se vo constituindo entre elas medida que a
relao contratual se desenvolve no tempo. A ideia de que a obrigao,
na sua acepo mais ampla, compreende todos os poderes e deveres que
se vo constituindo no seio da relao levou LARENZ a lanar a concepo
de obrigao como uma estrutura ou processo. A obrigao ser uma relao
no s complexa, mas essencialmente mutvel no tempo e orientada para
determinado fim. Por outro lado, enquanto as obrigaes simples se
extinguem com o cumprimento ou qualquer outra causa de sua extino,
a relao obrigacional complexa pode ainda cessar por qualquer das
causa que extinguem directamente o facto jurdico donde ela emerge.
Mas mesmo as obrigaes unas, tem salientado a doutrina recente, tm
complexidade. Assim entendida, reflecte-se no vnculo obrigacional
em geral e traduz-se na srie de deveres, secundrios e acessrios de
conduta que gravitam muitas vezes em torno da prestao principal.
Retomando agora a lio de Almeida Costa, numa compreenso
globalizante da obrigao, temos, ao lado dos deveres de prestao
tanto principais como acessrios , os deveres laterais, alm de
direitos potestativos, sujeies, nus jurdicos, expectativas jurdicas
Todos estes elementos se coligam em ateno a uma identidade de fim e
constituem o contedo de uma relao de carcter unitrio e funcional: a
relao obrigacional complexa. Assim encarada, como um processo ou
sistema ou organismo, ficamos com uma mais rigorosa compreenso do
instituto.9
ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigaes, 11 ed., rev. e act., Edies
Almedina, 2008, pp. 73 a 80, 91 a 101; ANTUNES VARELA, Das Obrigaes
em Geral, vol. I, 10 ed., ver. e act., Edies Almedina, 2008, pp. 64
a 68.
DIOGO CASQUEIRO
10
Faculdade de Direito da UCPConcluindo e resumindo, a relao
obrigacional complexa compreende:
1. Deveres de prestao primrios ou principais so estes e os
respectivos direitos, o ncleodominante, a alma. So, pois, quem
define o tipo contratual;
2. Deveres secundrios ou acidentais de prestao podem eles
revestir duas modalidades: a. Deveres secundrios meramente
acessrios da prestao principal destinam-se apreparar o cumprimento
ou a assegurar a sua perfeita realizao. Esto dependentes da prestao
principal;
b. Deveres secundrios com prestao autnoma: i. O dever secundrio
pode ser sucedneo do dever principal de prestao (casode indemnizao
por impossibilidade culposa da prestao originria, que substitui
esta);
ii. O dever secundrio coexistente com o dever principal de
prestao (caso deindemnizao por mora ou por cumprimento defeituoso,
que acresce prestao principal);
3. Deveres laterais derivados de uma clusula contratual, de
dispositivo da lei ad hoc ou doprincpio da boa f. Estes deveres
interessam ao exacto processamento da relao obrigacional, exacta
satisfao dos interesses globais envolvidos na relao obrigacional
complexa. So agrupados em cinco categorias: a. b. c. d. e. 4.
Deveres de cuidado, previdncia e segurana; Deveres de aviso e
informao; Deveres de notificao; Deveres de cooperao; Deveres de
proteco e cuidado relativamente pessoa e patrimnio da
contraparte.
Pode haver ainda outros elementos, como sejam, direitos
potestativos, sujeies, nus jurdicos,
expectativas jurdicas, poderes e faculdades e excepes.
Consequncias da relao obrigacional ser complexa: O exemplo do caso
da casca de banana. A senhora tropeou, donde resultaram danos, e
quis processar o vendedor por responsabilidade contratual.
Contratual porque o nus da prova recai sobre o vendedor e no sobre
a senhora. Se a responsabilidade fosse extracontratual, ento o nus
da prova seria
DIOGO CASQUEIRO
11
invertido. Ora, tomando a relao obrigacional como um processo,
como complexa, possvel senhora intentar a aco por responsabilidade
contratual. Em particular, o carcter relativo dos direitos de
crdito e a tese da eficcia externa das obrigaes 10 O problema com
que aqui nos deparamos o de saber se, nos casos de inadimplemento,
se este tiver sido causado, ou para ele tiver contribudo, um
terceiro, se este pode ser directamente responsabilizado perante o
credor. Tese tradicional doutrina da relatividade A relao
obrigacional estabelece-se entre duas ou mais pessoas determinadas,
pelo menos data do cumprimento (art. 459 e 511 - promessa pblica).
Para exprimir esta sua caracterstica de vnculos particulares ou
especiais, as obrigaes so comummente integradas na categoria dos
direitos relativos. Contrapem-se-lhes os direitos absolutos ou erga
omnes, nos quais se acentua a existncia de um vnculo universal ou
geral, que liga o sujeito activo a todos os outros indivduos
(direito de propriedade). Estes tm como correlato a obrigao
negativa ou passiva universal, que se traduz no dever que impende
sobre as restantes pessoas de no perturbarem o exerccio de tais
direitos. Contrariamente, a relatividade dos direitos de crdito
significa que apenas valem inter partes. Corresponde-lhes um dever
particular ou especial, de contedo positivo. Os direitos absolutos
podem ser ofendidos por qualquer pessoa, enquanto que os de crdito
s o sero pelo(s) devedor(es). Assim, se o devedor no cumpre por
culpa de terceiro, este apenas incorre em responsabilidade
extracontratual para com o devedor e no para com o credor. Apenas
indirectamente, atravs do patrimnio do devedor, poder o credor
aproveitar da indemnizao de um terceiro que impediu ou embaraou o
cumprimento da obrigao. A relatividade pode ento ser entendida numa
dupla perspectiva. De uma perspectiva estrutural, os direitos de
crdito estruturam-se numa relao com base em pessoas de terminadas:
o credor e o devedor. Apenas aquela pessoa determinada (o credor)
tem o poder de exigir ao devedor determinada prestao. Os direitos
reais, por seu turno, no pressupem uma relao entre duas pessoas
determinadas, mas uma relao directa entre uma pessoa e uma coisa.
De uma perspectiva da eficcia, os direitos reais so oponveis erga
omnes e, nessa medida, podem ser violados por todos. J os direitos
creditcios tm eficcia inter partes, pelo que s podem ser violados
pelo devedor. Argumentos utilizados na defesa da posio tradicional
1. 2. Argumento da relatividade, porque a obrigao estabelece-se
entre pessoas determinadas; Aos direitos de crdito assiste o
princpio da liberdade contratual, no se encontrando
submetidos ao princpio da tipicidade, regentes nos direitos
reais (art. 1306). Tambm queles no assistem as garantias ligadas
aos direitos reais (publicidade social tpica que pode ser espontnea
ou organizada, derivando aquela da posse e esta do registo). Assim,
no so os direitos de crdito10
ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigaes, 11 ed., rev. e act., Edies
Almedina, 2008, pp. 91 a 101; ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em
Geral, vol. I, 10 ed., ver. e act., Edies Almedina, 2008, pp. .
DIOGO CASQUEIRO
12
Faculdade de Direito da UCPnormalmente conhecidos ou cognoscveis
nus exagerado para terceiros. Como podem ser criados os direitos de
crdito que qualquer individuo entenda e como no se pode exigir que
o terceiro conhea todo e qualquer direito de crdito, no faria
sentido responsabiliz-lo; 3. 4. Entende-se que a doutrina da
eficcia externa levaria demasiado longe a responsabilidade de O
devedor, ao contrrio do que acontece nos direitos reais e pessoais
de gozo contrato de terceiros, entravando at a actividade negocial;
locao (art. 407), pode contrair sucessivas e distintas obrigaes,
incompatveis entre si e que tendero para o incumprimento de todas
menos uma. Se o devedor se pode colocar nessa situao, ento pouco ou
nenhum sentido far em responsabilizar-se o terceiro, ainda para
mais quando os credores esto em situao de igualdade (art. 604);
5. Ao excluirmos a responsabilidade do terceiro, no estamos a
deixar o credor desprotegido.Assim, pode suceder que o devedor se
responsabilize, o que apenas no suceder se o terceiro cmplice agir
sobre o objecto da prestao ou sobre a pessoa do devedor. E mesmo
nestes casos o credor tem sempre ao seu dispor o commodum de
representao ou sub-rogao real art. 794 e 803. O que aqui se
verifica no o terceiro responder perante o credor pelo
incumprimento: o credor sub-rogar-se nos direitos que ao devedor
possam advir em virtude do facto que tornou impossvel a prestao. O
devedor pode ainda ter assumido uma obrigao especial: cumprir haja
o que houver garantia total e absoluta. Lanam ainda mo do abuso de
direito nas hipteses mais chocantes uso de uma posio jurdica de
forma manifestamente inadmissvel; 6. ainda uma soluo que vem
fortemente exaltada em inmeros preceitos da lei civil obrigacional:
art. 406/2, 413 e 421, 495/3 e 1306/1. Mas a doutrina clssica
admite a possvel responsabilidade de terceiros, o que significa o
reconhecimento da eficcia externa de determinados direitos. O seu
fundamento a emergncia de um dano da violao do direito de crdito
(art. 483). O abuso de direito constitui assim o critrio de imputao
objectiva desse dano. O que se encontra em causa reconduz-se sempre
responsabilizao, isto , atribuio do dano a uma pessoa. H pois que
saber se o critrio do abuso do direito, entendido como tal critrio
objectivo de imputao, se revela ou no adequado a proporcionar as
solues mais justas para os casos concretos. Excepes a este princpio
da relatividade:
1. Art. 413 - contrato-promessa com eficcia real11 - direito
real de aquisio; 2. Art. 421 - pacto de preferncia com eficcia
real12 direito real de aquisio;11
Requisitos: a) constar a promessa de escritura pblica, ou de
documento particular com reconhecimento da assinatura quando a lei
no exija aquela forma para o contrato prometido; b) pretenderem as
partes atribuir-lhe eficcia real (dependendo esta de declarao
expressa e de inscrio da promessa no registo); c) estarem inscritos
no registo os direitos emergentes da promessa. 12 So necessrios,
para que a preferncia tenha eficcia real, reunir trs requisitos: 1)
bens imveis ou mveis sujeitos a registo; 2) conste de escritura
pblica; 3) seja registado, nas condies previstas na legislao do
registo predial (art. 2/1, f), e art. 3, a) do C. Reg. Pred). Ver
ainda art 2235 do C. Civil. Note-se que so aplicveis as disposio do
art. 1410. Faz o 421 uma remisso para o art. 413 do C. Civil para
efeitos de harmonizao. A aco de preferncia deve ser intentada
contra o alienante e contra o adquirente. A aco assenta sobre uma
situao de inadimplemento do
DIOGO CASQUEIRO
13
3.
Art. 495;
4. Casos em que o terceiro pode responder por ter agido com
abuso de direito art. 334 - mas aquifunciona como critrio de
imputao objectiva de um dano que emerge, e no critrio mais
limitativo do instituto, apenas nos casos em que o exerccio da
posio jurdica seja manifestamente excessiva. Doutrina do efeito
externo ou eficcia externa das obrigaes Admite esta doutrina, alm
de uma eficcia interna, uma eficcia externa das obrigaes, traduzida
no dever imposto s restantes pessoas de respeitar o direito do
credor, ou seja, de no impedir ou dificultar o cumprimento da
obrigao. Alude-se, a propsito, doutrina do terceiro cmplice. A
ideia bsica a de que se considera o crdito no s tutelado em face do
devedor, mas ainda de terceiros. Estes podem, no entanto, ser
chamados a responder directamente para com o credor por haverem
lesado o direito de crdito. Ateno que esta actuao do terceiro pode
decompor-se em diversos momentos: 1. 2. 3. Actuao sobre o prprio
crdito; Actuao sobre o objecto da prestao; Actuao sobre a pessoa do
devedor.
A maioria da doutrina, que Almeida e Costa tem por certa, no
admite a teoria da eficcia externa. E na jurisprudncia, ainda h
menos dissonncia, com orientao esmagadoramente maioritria no mesmo
sentido13. Assim, a diferena entre as duas doutrinas pode ser
enunciada assim: perante um dano provocado ao credor por terceiro,
qual o critrio de imputao jurdica a adoptar? Doutrina do efeito
externo: critrio geral da causalidade adequada. Doutrina
tradicional: a acrescer quele, o critrio mais limitativo do abuso
do direito. A diferena remonta ao critrio: causalidade adequada
pura e simples, ou abuso do direito. Cabe, pois uma reflexo sobre a
existncia de um tipo de tutela organizada dos direitos de crdito
que diverso da tutela dos direitos reais ou direitos absolutos em
geral. A lei atende ligao do crdito ao patrimnio e estabelece a sua
tutela global. Esta tutela realiza-se tambm atravs dos meios gerais
do patrimnio do devedor (art. 605 e ss.). que a doutrina do efeito
externo vai, como consequncia do que defende, buscar os meios de
tutela ao sistema dos direitos reais, e aplic-los aos direitos de
crdito, o que se julga excessivo. Nota: as obrigaes, como j se
disse, so acompanhadas de patrimonialidade no sentido de que apenas
os bens do devedor respondem pelo inadimplemento. Ora a violao de
um direito absoluto temalienante. Se a aco tiver sido devidamente
registada (art. 3 do C. Reg. Pred.) a sentena favorvel ser oponvel
a terceiros. Se no, nova aco ter de se intentar contra estes. 13
Ver, entre outros, Acs. STJ 16-VI-1964, 17-VI-1969 e 25-X-1993.
DIOGO CASQUEIRO
14
Faculdade de Direito da UCPmeios de tutela mais fortes, que no
se justificariam e que poriam em causa este sentido de
patrimonialidade.
3. Relevncia do interesse do credor como fim da obrigao. Proteco
secundria do interesse do devedor14.Convm focar a importncia que
assumem os interesses do credor e do devedor para o regime das
obrigaes. E, desde logo, salientar que o primeiro se sobrepe ao
segundo. O devedor, como estatui o art. 397, encontra-se adstrito a
realizar uma prestao, que integra o contedo da relao obrigacional.
Esta, no tendo um fim autnomo, dirige-se a satisfazer um interesse
do credor bem ou utilidade. , pois, o seu interesse que justifica a
obrigao. Ateno que, como j se disse, o interesse do credor tem de
ser lcito (art. 281) e digno de proteco legal (art. 398/2 e 443/1).
Verificando-se a satisfao do seu interesse, extingue-se a obrigao.
Assim, no estranha que a obrigao possa ser cumprida por terceiro
(art. 767), se extinga em consequncia de dao em cumprimento (art.
837), ou at de um facto natural ou fortuito que satisfaa o
interesse: o desaparecimento do interesse do credor extingue a
obrigao art. 398/2. De acordo com o seu interesse se apura se a
obrigao fungvel ou infungvel, podendo ou no ser cumprida por
terceiro (art. 767). O interesse do credor releva tambm para a
impossibilidade temporria ou definitiva do cumprimento (art. 792/2
e 80815) e quanto impossibilidade parcial (art. 793/2 e 802/2 16),
assim como pelo que toca averiguao do cumprimento perfeito ou
defeituoso. Releva ainda para se determinar o quantitativo da
indemnizao a cargo do devedor inadimplente (art. 562 e 566/2).
Subentendido, encontra-se um interesse do devedor em se exonerar do
vnculo. Todavia o devedor no est completamente descurado. Em
virtude do princpio favor debitoris, tomado em conta quando no
prejudique a satisfao do interesse do credor. Assim, podemos
encontrar o seu interesse tutelado em algumas situaes:
1. Obrigaes genricas e alternativas (art. 539 e 543/2) a escolha
pertence sempreao devedor na falta de estipulao contrria.
Presume-se que qualquer prestao satisfaz o interesse do credor;
2. Prestaes realizadas por terceiro quando a obrigao for
fungvel, presume-sesatisfeito o interesse do credor e, logo, nada
obsta (art. 767);
14
ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigaes, 11 ed., rev. e act., Edies
Almedina, 2008, pp. 109 a 113; ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em
Geral, vol. I, 10 ed., ver. e act., Edies Almedina, 2008, pp. 157 e
ss. 15 Art. 792/2 a impossibilidade s temporria enquanto, atenta a
finalidade da obrigao, se mantiver o interesse do credor. S , pois,
temporria, quando o cumprimento da obrigao susceptvel de mora. Art.
808 - o credor no pode, regra geral, resolver o contrato por mora
do devedor, a no ser em caso de impossibilidade culposa (art. 801).
Mesmo sendo a mora parcial, o credor pode perder o interesse na
prestao. Independente disto, o credor pode fixar um prazo razovel
ao devedor para cumprir. 16 Art. 793 - se o credor no tiver
interesse no cumprimento parcial, pode resolver o contrato.
DIOGO CASQUEIRO
15
3. Como meio de tutela e defesa contra conduta do credor caso de
mora do credor (art.813 e ss), livrar-se da obrigao mediante
consignao em depsito (art. 841) e ainda outros casos (art. 298 e
300 e ss). Uma ltima questo quanto a este ponto prende-se com saber
se existe, paralelamente ao interesse do credor, um direito a
prestar por parte do devedor. esta uma questo controvertida, com
duas posies. A posio do Direito Civil, sustentada entre ns, entre
outros, por Almeida Costa, a de que a falta de cooperao do credor
no constituir um acto ilcito sempre que esteja em causa um nus
jurdico seu17. De salientar, no entanto, que esta uma soluo de
princpio. Outra soluo pode resultar da lei, usos ou conveno. Assim,
poder decorrer da boa f (art. 762) e do contedo do negcio que o
credor tem um dever de receber a prestao ou de contribuir para o
cumprimento, como o caso do art. 816. A posio mais recente que tem
vindo a ser defendida pelos juslaboralistas. Como o trabalho
desempenha uma funo social da maior importncia, defendem estes, h
sempre um direito a prestar. E a jurisprudncia laboral tem vindo a
concorrer neste sentido, conferindo a trabalhadores impedidos de
trabalhar indemnizaes por danos no patrimoniais.
4. Princpios fundamentais do Direito das Obrigaes. A boa f18A
obrigao nasce e desenvolve-se com vista ao cumprimento. Este
processo encontra-se marcado por princpios gerais. E aqui podemos
descortinar, como fundamentais: 1. Princpio da autonomia privada ou
da autonomia da vontade consiste ela na faculdade concedida aos
particulares de auto-regulamentao dos seus interesses;
2. Princpio da boa f representa um instrumento consagrado pelo
Direito como limiteou conformao da autonomia privada clusula
sindicante. Ocupemo-nos por ora do princpio da boa f, que
fortemente imbui o Direito das Obrigaes. O Direito acolhe a boa f,
sob diversas perspectivas, como causa de excluso de culpa num acto
ilcito, ou como causa de deveres especiais de conduta. Assim,
importa um trptico normativo, dirigido s fases vitais do negcio
jurdico e da relao obrigacional: 1. 2.17
Formao, ou celebrao do contrato (art. 227); Integrao do negcio
jurdico art. 239;
Caso do empresrio cnico que contrata actor. Este tem direito a
receber honorrios, mas no a representar. O mesmo com o jogador de
futebol contratado por um clube desportivo. 18 ALMEIDA COSTA,
Direito das Obrigaes, 11 ed., rev. e act., Edies Almedina, 2008,
pp. 113 e ss.
DIOGO CASQUEIRO
16
Faculdade de Direito da UCP3. Cumprimento das obrigaes art.
762.
Muitas outras manifestaes h, de que so exemplos os art. 334,
3/1, 272 e 275/2, 437/1. Noutra diversa ordem de situaes se
encontram os art. 243/1 e 2, 612, 1294 a 1296 e 1298 e 1299, 1269 e
ss, 1647 e 1648 e 259. No grupo primeiramente apresentado, trata-se
de boa f objectiva, enquanto norma de conduta. No segundo grupo
consideramo-la em sentido subjectivo, como conscincia de se adoptar
um comportamento conforme ao Direito. Distingue-se assim entre
princpio da boa f e estado ou situao de boa f. No ltimo caso, a boa
f reconduz-se a um conceito tcnico-jurdico usado para descrever um
pressuposto de facto da sua aplicao. No primeiro caso,
diversamente, o ditame de boa f uma regra jurdica que alcana ela
prpria um alcance de principio geral de Direito.
5. Confronto entre o Direito das Obrigaes e os outros ramos
civilsticos19Seguir-se- aqui a exposio do Prof. Antunes Varela, sem
prejuzo de leitura do manual do Prof. Almeida Costa. As obrigaes e
os direitos familiares Comecemos por contrapor as obrigaes aos
direitos de famlia. O Direito da Famlia aparece a partir de normas
que regulam as relaes familiares propriamente ditas (casamento,
parentesco, afinidade e adopo), ao lado das quais aparecem as
relaes parafamiliares. As principais diferenas provm do facto de as
relaes familiares se integrarem numa instituio social (a famlia),
cujos fins exercem uma vincada influncia no seu regime jurdico. E
esta a diferena entre as obrigaes e os deveres familiares de
carcter patrimonial. J os deveres familiares de carcter pessoal
apresentam diferenas mais profundas face s obrigaes. Desde logo,
enquanto que aqueles s se conceptualizam a partir da sua funo (ou
fonte/causa), estas determinam-se a partir to-somente da sua
estrutura. Depois, so aqueles exclusivos do crculo de pessoas
ligadas pelo respectivo vnculo familiar. E enquanto que as obrigaes
so encaradas como pertencentes ao modelo do direito subjectivo, as
relaes familiares so encaradas como poderes deveres ou poderes
funcionais no so prescritos no exclusivo interesse da outra parte.
So verdadeiros deveres morais impostos tambm no interesse da pessoa
vinculada. Diferena assinalvel ainda o facto de os deveres
familiares se constiturem com intuitos duradouros enquanto que as
obrigaes tm um carcter temporrio, deixando inclumes a personalidade
do devedor. A acrescentar ainda, os direitos familiares tm uma
garantia mais frgil que os direitos de crdito, comportando a sua
violao uma no autntica sano ou, pelo menos, uma sano
imperfeita.
19
ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigaes, 11 ed., rev. e act., Edies
Almedina, 2008, pp. 124 a 134; ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em
Geral, vol. I, 10 ed., ver. e act., Edies Almedina, 2008, pp. 164 a
202.
DIOGO CASQUEIRO
17
So os direitos familiares regidos pelos princpios do numerus
clausus e da tipicidade, diferentemente dos direitos de crdito. As
obrigaes e os direitos sucessrios Os direitos sucessrios regulam a
transmisso mortis causa do patrimnio das pessoas. Autonomizam-se
ento em face da sua funo, causa ou fonte. A disciplina das obrigaes
que se integra no seu mbito encontra-se fortemente marcada pelo
facto de estas terem sempre uma fonte com caractersticas especiais;
e tambm no lhes estranha a influncia dos prprios princpios
dominantes do instituto da famlia, com o qual as sucesses
apresentam ntima conexo. Os direitos de crdito e os direitos reais
Seguir-se- aqui a lgica do Prof. Almeida Costa, uma vez mais, sem
embargo da leitura do manual do Prof. Antunes Varela. Os direitos
reais definem-se geralmente como atribuindo aos respectivos
titulares poderes directos e imediatos sobre coisas certas e
determinadas. Pontos de contacto:
1. Uns e outros podem constituir-se por efeito de um contrato
(art. 408 e 879, a));2. A ofensa de um direito real faz surgir uma
obrigao em sentido tcnico;
3. Existem direitos reais destinados a assegurar o cumprimento
das obrigaes (direitosreais de garantia); 4. Podem constituir-se
direitos reais sobre direitos de crdito (penhor art. 679 a 685 - e
o usufruto art. 1463 a 1467 - de crditos);
5. H obrigaes ligadas a direitos reais, de forma que o devedor
se autonomiza pelatitularidade do direito real (obrigaes reais ou
ambulatrias);
6. A lei permite conceder eficcia real a determinados direitos
de crdito, tornando-osoponveis erga omnes, mediante determinados
requisitos (como a inscrio no registo). Tal o caso do
contrato-promessa (art. 413) e do pacto de preferncia (art. 421),
quando observados certos requisitos de publicidade e de forma, tal
como no caso da venda a retro (art. 932). Certos autores
qualificam-nos como direitos reais de aquisio20. Contudo, no se
confundem. E, assim, podemos individualizar diferenas com
consequncias no despiciendas:
1. Os direitos reais so absolutos e de excluso. O respectivo
titular pode op-las a todasas demais pessoas. Corresponde-lhes uma
obrigao passiva universal. Inversamente, os direitos de20
Quando assim se entende, h sempre a verdadeira obrigao de
cumprir o negcio. A sua inobservncia produz efeitos prprios do
inadimplemento.
DIOGO CASQUEIRO
18
Faculdade de Direito da UCPcrdito so direitos relativos. Tm como
correlato um dever especial ou particular, em regra, de contedo
positivo. Desta diferena resultam diversas consequncias: a. b. Os
direitos reais podem ser ofendidos por qualquer pessoa, enquanto
que os Os direitos reais encontram-se assistidos de dois
importantes atributos:
direitos de crdito apenas pelo devedor;
i. O direito de preferncia, que consiste no facto de o direito
realsuperar todas as situaes jurdicas com o mesmo incompatveis,
posteriormente constitudas sobre a coisa em que incide e sem o
concurso da vontade do titular daquele prioridade temporal (prior
tempore potior iure);
ii. Direito de sequela, por fora do qual os titulares dos
direitos reais tma faculdade de perseguir e reivindicar a coisa seu
objecto onde quer que ela se encontre 21. Isto , o direito real
acompanha a coisa, no desaparecendo com a posse por uma pessoa que
no o titular do direito real;
c. Os direitos reais esto subordinados a restries inexistentes
nos direitos decrdito: (1) princpio numerus clausus (tipologia
taxativa) e o princpio da tipicidade (taxatividade do contedo) art.
1306 22. As obrigaes, por seu turno, esto sujeitas ao princpio do
numerus apertus e ao princpio da liberdade negocial (art. 398/1 e
405). A constituio e modificao dos direitos reais esto sujeitas a
formalidades no exigidas para os direitos de crdito;
2. Diferena quanto ao objecto: os direitos reais conferem ao seu
titular um poder directo eimediato sobre a respectiva coisa23,
enquanto que o exerccio dos direitos de crdito pressupe a existncia
e cooperao dos dois sujeitos. Aqueles so direitos sobre uma coisa.
Estes traduzem-se no simples direito a uma prestao a efectuar pelo
devedor (que pode ser um facere ou um non facere). Esta diferena
comporta tambm significativas consequncias: a. Diversamente dos
direitos de crdito, os direitos reais podem constituir-se por
usucapio. S os direitos reais de gozo so usucapiveis (art.
1287), excluindo-se assim, os direitos reais de garantia e de
aquisio. Os direitos de crdito, por seu turno, no podem nascer pelo
decurso do tempo; b. Mais discutveis so outras consequncias. A
saber:
21
O direito de preferncia pode faltar nos direitos reais (art.
751) e verificar-se nos direitos de crdito (art. 407). Pode tambm
no existir, nos reais, o direito de sequela (art. 291). 22 O
segundo princpio no , contudo, absoluto, podendo a lei permitir s
partes modelar o contedo dos direitos reais (propriedade horizontal
art. 1422/1, d) e usufruto art. 1445). 23 A doutrina mais recente e
maioritria, configura o conceito de direito real, harmonizando,
dentro dele, as contribuies de duas doutrinas. Assim, conjuga o
poder directo e imediato sobre a coisa com a obrigao passiva
universal, melhor traduzindo a essncia dos direitos reais. Vide,
ALMEIDA COSTA, ob. cit., pp. 132, nota 1.
DIOGO CASQUEIRO
19
i. Os direitos reais s versam sobre coisas certas e
determinadas, enquanto que as obrigaes podem ter por objecto a
prestao de coisas apenas determinveis. A primeira parte entra hoje
em crise pelo que toca aos direitos reais sobre as universalidades
(rebanho); ii. Apenas vale para a generalidade dos casos afirmar
que os direitos de crdito se extinguem com o seu exerccio, ao passo
que nos direitos reais o uso dos poderes conferidos aos respectivos
titulares os vivifica: se o credor de uma obrigao pura interpela o
devedor ao cumprimento, ele no a extingue. Se o proprietrio de
coisa mvel a abandona ou consome, extingue-se o direito sobre ela;
iii. Outro tanto se observe quando se evidencia que os direitos
reais constituem relaes duradouras ou perptuas, e os direitos de
crdito simples relaes transitrias ou de curta durao. Pensemos numa
servido temporria (direito real) e numa arrendamento a longo prazo
(direito de crdito). As possveis excepes no desmentem a regra. So
excepes. As funes que uns e outros desempenham so diversas: aqueles
disciplinam relaes entre pessoas e coisas; estes, entre pessoas
determinadas. Da que a lei se importe mais com a extenso no tempo
dos direitos de crdito do que dos direitos reais.
6. Modalidades das obrigaes quanto ao vnculo. As obrigaes
naturais24Segue-se aqui a exposio do Prof. Antunes Varela, sem
prejuzo, uma vez mais, de se ler o manual do Prof. Almeida Costa. A
distino a que aqui se procede, ente obrigaes civis e naturais, tem
como base o vnculo da relao jurdica obrigacional. Enquanto que nas
primeiras tem o credor um poder de exigir uma determinada conduta
(a prestao), nas segundas tem apenas a faculdade de a pretender. No
sendo a obrigao voluntariamente cumprida, diz o art. 817, tem o
credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de
executar o patrimnio do devedor. O art. 476 acrescenta que o que
foi prestado, desde que com inteno de cumprimento, pode ser
repetido, se esta no existia no momento da prestao. Assim se
recorta a juridicidade do vnculo obrigacional civil. Mas h obrigaes
com regime totalmente distinto: casos em que o devedor, no
cumprindo, no fica judicialmente sujeito exigncia de cumprimento.
Mais: nos casos de cumprimento, no pode haver repetio do indevido.
Assim se recorta o regime das obrigaes naturais, que assenta nos
art. 402 a 404. Como sabemos estar perante uma obrigao natural?
necessrio, pois, que se renam trs requisitos, dois positivos e um
negativo, que constam do art. 402: 1.24
Que a obrigao se baseie num valor moral ou social;
ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigaes, 11 ed., rev. e act., Edies
Almedina, 2008, pp. 171 a 193; ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em
Geral, vol. I, 10 ed., ver. e act., Edies Almedina, 2008, pp. 719 a
738; PIRES DE LIMA e A. VARELA, Cdigo Civil Anotado., com. aos art.
402 e ss.
DIOGO CASQUEIRO
20
Faculdade de Direito da UCP2. 3. Que o seu cumprimento
corresponda a um dever de justia; Que a prestao em causa no seja
judicialmente exigvel;
So, assim, casos intermdios entre os puros deveres de ordem
moral ou social e os deveres jurdicos. Os primeiros fundamentam
liberalidades, os ltimos consubstanciam obrigaes civis, munidas de
aco. H, assim, uma grande margem de arbtrio para os tribunais.
Exige-se um dever moral ou social, mas que se funde num dever de
justia. Quando o dever moral venha sem o dever de justia estamos
perante uma liberalidade. H, assim, que atender inteno do devedor:
se o animus donandi ento ser uma liberalidade; mas se corresponder
a um dever de justia, que funda um dever moral, ento estamos no
campo do cumprimento de uma obrigao. , pois, necessrio firmar que
nem todos os deveres morais ou sociais fundam obrigaes naturais: tm
que corresponder a uma necessidade de justia (comutativa) e no a um
sentimento de piedade, caridade, cavalheirismo Para que haja
obrigao natural, como diz Antunes Varela, necessrio que exista,
para fundamento da prestao, um dever moral ou social especfico
entre pessoas determinadas, cujo cumprimento seja imposto por uma
recta composio de interesses Subjacente est o princpio de que no s
a justia, mas tambm a certeza e segurana enformam o Direito. esta a
primeira nota caracterstica do regime das obrigaes naturais. A
segunda consta do art. 403, quando estipula que no pode ser
repetido o que for prestado espontaneamente em cumprimento de
obrigao natural. Mas resulta da sistemtica dos preceitos que a lei
pretendeu afastar mais do que apenas a irrepetibilidade da prestao.
De facto, a sistemtica destes preceitos evidencia que o acto
espontneo do devedor , em regra, equiparado ao cumprimento da
obrigao. A prestao espontaneamente efectuada, quando coberta pelo
ttulo da obrigao natural, tratada como cumprimento de um dever no
como uma liberalidade do autor. Extenso do domnio das obrigaes
naturais A orientao que vingou no C. Civil de 1966 foi a oposta do
C. de Seabra: o art. 402 consagra expressamente as obrigaes
naturais como uma figura geral do nosso Direito, o que quer dizer
que, para alm dos casos expressamente previstos na lei, poder-se-o
descortinar outros por meio de preenchimento dos trs requisitos e
aplicao do regime. Mas o C.C. consagra de forma expressa
determinados casos de obrigaes naturais:
1. Dvidas prescritas, depois de invocada a prescrio (art. 304/2)
25. Decorrido o prazoprescricional, a dvida extingue-se, desde que
invocada a prescrio. Porm, se o devedor cumprir
25
Se o devedor cumpre, depois do prazo prescricional, sem a
invocar, o seu cumprimento corresponde ao de uma obrigao civil em
mora, porque a prescrio tem de ser invocada por quem a aproveita
(art. 303).
DIOGO CASQUEIRO
21
espontaneamente, a prestao corresponde ainda a um dever de
justia, porque a extino se d por motivos de segurana e certeza do
comrcio jurdico;
2. Dvidas de jogo e aposta quando estes sejam lcitos
(entenda-se, tolerados) e no haja,sobre eles, legislao especial
(art. 1245). O carcter aleatrio do contrato, e o risco que ele lana
sobre qualquer um dos contraentes, convertem num dever de justia o
cumprimento da prestao por parte daquele a quem a lea do negcio foi
desfavorvel. Para as competies desportivas, relativamente s pessoas
que nelas tomam parte, abre a lei (art. 1246) uma excepo ao regime
de nulidade do contrato. Uma segunda excepo decorre de existir
legislao especial sobre o jogo (art. 1247) tratando-se de jogo, no
meramente tolerado, mas legalizado, ento o cumprimento da prestao
configura-se como o de uma obrigao civil; 3. Obrigaes naturais de
alimentos efectuadas a favor de certas pessoas que no tenham o
direito a exigi-los (art. 495/3) caso de parentes prximos ou do
criado que envelheceu ou se inutilizou ao servio do patro. Haver
esta obrigao quando os laos de sangue, as relaes de convvio ou os
servios prestados ao lesado imponham como um dever de justia o
encargo da sustentao, habitao e vesturio da pessoa a quem so
facultados; 4. Regime especial na relao pais/filhos (art. 1895/2)
darem parte aos filhos nos bens produzidos atravs do trabalho deles
prestado aos pais, com meios ou capital pertencentes a estes, ou
compensarem-nos por outra forma do seu trabalho. No pode ser
judicialmente exigido. Fora destes casos, o art. 402 prev ainda
outros, de onde se salientam trs: 1. Fiador que garante a dvida do
incapaz, no obstante conhecer a sua incapacidade, e ter
cumprido em seguida a obrigao (art. 632); a prestao feita
espontaneamente pelo devedor ao fiador uma obrigao natural; 2.
Devedor ter invocado a prescrio e, sem embargo disso, o fiador
haver cumprido a obrigao, por querer renunciar prescrio (art.
636/3). A prestao que o devedor efectue ao fiador posteriormente ,
nos termos do 402, uma obrigao natural; 3. Dvidas remitidas pelos
credores concordatrios.
Regime das obrigaes naturais Um dos traos mais salientes deste
regime o de que o cumprimento destas obrigaes no pode ser
judicialmente exigvel. Para alam deste ponto, quase todos os demais
aspectos so discutveis na doutrina. O primeiro destes pontos o de
saber se a irrepetibilidade da prestao funciona, logo que esta seja
efectuada espontaneamente (sem coaco nem dolo) ou se, para tal,
necessrio que o devedor tenha procedido tambm com a conscincia de
no ser judicialmente obrigado a cumprir. O art. 403 resolve o
assunto de forma explcita no primeiro sentido, que liga a no
repetio do indevido ao carcter
DIOGO CASQUEIRO
22
Faculdade de Direito da UCPespontneo da prestao e que define
como espontnea a prestao que livre de toda a coaco 26. Temos, pois,
que o cumprimento da obrigao natural , assim, compatvel com o erro
acerca da sua coercibilidade jurdica27. Isto , ainda que o devedor
tenha cumprido na suposio errnea de que o obrigao era judicialmente
exigvel, no haver lugar repetio do indevido art. 403, que funciona
como um elemento de coercibilidade no regime das obrigaes naturais.
O ponto seguinte o do art. 404. Estabelece o preceito um princpio
de equiparao ao regime das obrigaes civis, com duas ressalvas
importantes: (1) inaplicabilidade das normas que pressupem a
realizao coactiva da prestao (normas incompatveis com a natureza
das obrigaes naturais); (2) disposies que especialmente se referem
apenas queles vnculos (disposies especiais da lei). Comecemos com
as normas incompatveis com a natureza das obrigaes naturais. A
equiparao dos dois ncleos de obrigaes pressupe o afastamento dos
preceitos relativos s doaes, que tm subjacente o animus donandi,
como sejam normas relativas forma (art. 947/2), aceitao da
liberalidade (art. 945), s indisponibilidades relativas (art. 953),
revogao (art. 969), colao (art. 2104), imputao (art. 2114), obrigao
alimentar imposta ao donatrio (art. 2011/2) e aos poderes de
disposio do tutor ou dos administradores de bens alheios (art.
1937, a)). Da regra da equiparao h que exceptuar todas as disposies
que se relacionem com a realizao coactiva da prestao. Assim so
inaplicveis: (art. 762 e ss.); As que definem a mora do devedor e
do credor, o inadimplemento, e que fixam os seus As normas que
disciplinam a imputao do cumprimento, quando haja vrias dvidas As
normas que admitem a sub-rogao no direito do credor (art. 589 e
ss.). efeitos (art. 790 e ss.); para com o mesmo credor (art. 783 e
ss.); As normas que regulam o modo, o lugar e o tempo do
cumprimento da obrigao civil
O prprio cumprimento, equiparado ao cumprimento das obrigaes
civis, pode seguir regimes diversos: assim sucede, por disposio
legal, quanto incapacidade do devedor. A mesma diferena para os
vcios da vontade que, sendo, em regra, irrelevantes para o
cumprimento da obrigao civil, visto a prestao ser devida, so
relevantes, nos termos gerais vlidos para o comum dos negcios
jurdicos, em relao ao cumprimento da obrigao natural. A necessidade
de preservar a incoercibilidade da prestao importa ainda, quanto s
prestaes peridicas, que a realizao da prestao relativa a certo
perodo no vincula o devedor ao cumprimento das prestaes
subsequentes. Se o devedor houver cumprido mediante a entrega de
coisa alheia, que o dono venha a reivindicar mais tarde, no ser ele
obrigado a sanar a nulidade do cumprimento, adquirindo a26 27
Se houver dolo do accipiens, a prestao tambm no espontnea, pois
ela captada pelo erro do declarante. Soluo paralela se encontra
estatuda no art. 304 para o caso das dvidas prescritas.
DIOGO CASQUEIRO
23
propriedade da coisa (art. 897/1 e 939), ao contrrio do que
sucede com o cumprimento da obrigao civil no nascida de doao.
Quanto compensao. Poder a obrigao ser oposta por meio de compensao
a uma obrigao civil? Parece evidente que no pode: de contrrio, o
credor natural teria forado o cumprimento da obrigao, ao arrepio da
letra e do esprito dos preceitos 402 a 404, que apenas reconhecem o
cumprimento espontneo. Se , porm, o credor da obrigao civil que
pretende compensar a obrigao natural em que se acha constitudo com
o crdito de que titular, nada impede que a compensao opere, nos
termos do art. 848, desde que re renam os requisitos de ela
depende. A soluo adapta-se perfeitamente ao art. 847, que apenas
alude exigibilidade judicial do crdito que cabe ao compensante. Dao
em cumprimento. Desde que seja feita espontaneamente, a dao em
cumprimento 28 valer como meio de extino da obrigao natural, porque
nada se ope sua validade, dentro do princpio da equiparao. Se,
porm, a coisa ou direito transmitido tiver vcios, no so de atribuir
ao credor os direitos que o credor da obrigao civil aufere ao
abrigo do art. 838. Deve tambm considerar-se vlida a dao pro
solvendo (art. 840), contanto que ela no envolva a vinculao jurdica
do prprio devedor a qualquer novo acto de prestao. Novao. A novao29
deve ter-se por excluda. A ratio legis a de manter a espontaneidade
do cumprimento, com a qual se deve considerar incompatvel qualquer
forma de coercibilidade jurdica, ainda que instituda pelo prprio
devedor30. No caso das dvidas prescritas, o argumento contrrio de o
devedor saber a divida prescrita e renuncia faculdade de a invocar,
no procede. A dvida, mesmo decorrido o prazo prescricional, no
prescreve sem ser invocada. Por isso, quando o devedor paga a dvida
prescrita, sabendo-o, mas sem invocar judicialmente o instituto,
cumpre uma obrigao civil, que nunca deixou de o ser. Constituio de
garantias. A ideia de incoercibilidade jurdica da obrigao natural
afasta ainda a possibilidade de o seu cumprimento ser assegurado
por qualquer garantia real ou pessoal, quer esta seja prestada por
terceiro, quer pelo devedor. Como este conserva sempre plena
liberdade de no cumprir, a garantia no faz sentido. No procede
contra a afirmao feita o caso da fiana destinada a garantir a
obrigao de incapazes ou a obrigao contrada com falta ou vcios da
vontade do devedor, conhecendo o fiador a causa da anulabilidade
(art. 632/1). Se a obrigao for anulada, desaparece a obrigao do
devedor para com o credor, sendo o obrigao civil, embora acessria,
do fiador, que passa para o primeiro plano; o cumprimento do fiador
que j pode gerar uma obrigao natural do devedor para com ele, mas
essa j sem qualquer garantia. Tambm no contra a irrelevncia da
garantia da obrigao natural, o facto de a lei reconhecer no art.
485 a validade da promessa de cumprimento e do reconhecimento de
dvida.
28 29
Prestao de coisa diversa da que devida, com a inteno de solver a
dvida: art. 837. Substituio da obrigao natural (antiga) por uma
nova obrigao (civil) art. 857. 30 J diferente o caso de o devedor
ter cumprido com dinheiro ou coisa fungvel emprestada por terceiro,
a quem ele pretenda sub-rogar nos direitos do credor, ou de haver
sub-rogao pelo devedor nos termos do art. 590. Nestes casos, pode a
obrigao natural, mediante sub-rogao, ser substituda por uma obrigao
civil, se essa for a inteno das partes; esse resultado no pode,
todavia, consegui-lo o credor que receba, nos termos do art. 589, a
prestao de terceiro.
DIOGO CASQUEIRO
24
Faculdade de Direito da UCPSabido que a relao fundamental
coberta pela garantia consiste numa obrigao natural no a constituio
posterior da garantia que, contra a ratio do 404, retira ao devedor
a liberdade de cumprir ou no cumprir. Passemos agora s disposies
especiais da lei. Entre as disposies especialmente aplicveis s
obrigaes naturais, avulta o preceituado pelo art. 615/2, que
concede aos credores, no mbito da impugnao pauliana, o direito de
tornarem ineficazes certos actos praticados pelo devedor em prejuzo
deles. Se o acto praticado for o cumprimento de uma obrigao j
vencida, os credores no o podero impugnar, apesar de aquele que foi
pago ficar beneficiado em prejuzo dos restantes (art. 615/2).
Tratando-se, porm, de obrigao natural, o seu cumprimento j pode ser
impugnado pelos credores. que entre o interesse do credor das
obrigaes civis e o credor natural, a lei prefere abertamente o
primeiro, sacrificando o segundo, contra a prpria vontade do
devedor. Assim como no se devem dar ao luxo de fazer liberalidades
custa dos credores, tambm no podero cumprir os simples deveres de
conscincia sem previamente se desonerarem das obrigaes legalmente
impostas. Outra disposio com relevncia a do 495/3. No caso de leso
ilcita da qual provenha a morte ou incapacidade do ofendido,
concede-se o direito de indemnizao no s queles que podiam exigir
alimentos ao lesado, como queles a quem ele os prestava no
cumprimento de uma obrigao natural (pode assumir a forma de renda
vitalcia ou temporria art. 567). Se assim for, ter-se- um caso de
converso ope legis de uma obrigao natural numa obrigao civil
peridica. Finalmente, outra nota importante a dada pelo art. 403/1,
in fine. Admite a repetio do indevido quando o devedor seja
incapaz. A incapacidade do solvens no legitima, em regra, no caso
das obrigaes civis, a repetio do indevido (art. 764/1). Como nas
obrigaes naturais a prestao no juridicamente exigvel, a
incapacidade do solvens d lugar repetio do indevido. Natureza
jurdica das obrigaes naturais
1. A obrigao natural como obrigao jurdica imperfeita. Entende a
doutrina desta tese que afaculdade concedida ao credor de reter a
prestao espontnea s poderia explicar-se mediante a existncia de um
vnculo prvio entre accipiens e solvens. Haveria assim uma obrigao
jurdica, ainda que imperfeita. Entre ns, defendida por MANUEL DE
ANDRADE;
2. A obrigao natural como pura situao de facto. Defendida por
CARNELUTTI, entende queantes do cumprimento, a obrigao natural ser
um puro quid de facto, estranho ao Direito. Situao de facto que se
converte em verdadeira obrigao jurdica perfeita, a partir do
cumprimento. O cumprimento representa, assim, a adeso do devedor ao
sacrifcio do seu interesse;
3. A obrigao natural como dever moral ou social juridicamente
relevante. Esta a concepodefendida pelos Prof. ANTUNES VARELA e
ALMEIDA COSTA. Defendem estes autores que a melhor forma de as
representar conceitualmente, numa sntese que exprima com inteira
fidelidade a sua autntica natureza, ser a de conceber as obrigaes
naturais como deveres morais ou sociais juridicamente relevantes.
Tal a concepo que se adequa melhor formula legal do art. 402. A
relevncia jurdica dos
DIOGO CASQUEIRO
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deveres morais ou sociais mostra-se logo no facto de a lei os
considerar como causa justificativa da atribuio patrimonial
efectuada pelo devedor, nos termos resultantes do art. 403.
Fontes das ObrigaesI Contratos 1. Aspectos gerais31Os contratos
constituem a principal fonte das relaes obrigacionais, pela sua
frequncia, e pela relevncia que assume, no geral, os direitos e
obrigaes deles emergentes. H, pois, grande importncia prtica e
terica no instituto. Como afirma ANTUNES VARELA, diz-se contrato o
acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declaraes de vontade
contrapostas, mas perfeitamente harmonizveis entre si, que visam
estabelecer uma composio unitria de interesses. O contrato , assim,
essencialmente, um acordo vinculativo de vontades opostas, mas
harmonizveis entre si. Para que haja contrato, em obedincia livre
determinao das partes que est na base do conceito, torna-se
indispensvel que o acordo de vontades, resultante do encontro da
proposta de uma das partes com a aceitao da outra, cubra todos os
pontos da negociao32 (art. 232). E essencial que as partes queiram
um acordo vinculativo, colocado sob a alada do Direito. No bastar
que os negociadores destacados para prepararem o contrato tenham
chegado a acordo sobre todos os pontos que interessavam sua
celebrao. ainda necessrio que haja a vontade de tornar
juridicamente vinculativo o acordo. As vontades, que integram o
acordo contratual, embora concordantes ou ajustveis entre si, tm de
ser opostas, de sinal contrrio. Se as vontades reflectem interesses
paralelos h, sim, acto colectivo ou acordo. Quando as vontades se
fundem para apurar, por sufrgio, a vontade de um rgo colegial,
tambm no h contrato, mas deliberao. O C.C. estabelece uma teoria
geral dos contratos, no obstante no fornecer uma definio da figura
art. 405 a 456. A sem encontram as suas particularidades face aos
negcios jurdicos em geral art. 217 a 294. Finalmente regula e fixa
alguns dos tipos contratuais mais frequentes e importantes art. 874
a 1250.31
ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigaes, 11 ed., rev. e act., Edies
Almedina, 2008, pp. 201 e ss; ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em
Geral, vol. I, 10 ed., ver. e act., Edies Almedina, 2008, pp. 211 e
ss. 32 Para que haja, em rigor, uma proposta contratual, preciso
que a declarao inicial da parte cubra de tal modo os pontos
essenciais da negociao, que a proposta afirmativa da outra parte
baste para encerrar o acordo vinculativo por elas visado.
DIOGO CASQUEIRO
26
Faculdade de Direito da UCP 12. Relaes contratuais de
facto33
Tratamos aqui de processos extrajurdicos e, ao mesmo tempo,
salientamos o aspecto de que a atribuio de relevncia jurdica a tais
situaes resulta de uma valorao objectiva e no propriamente da
vontade negocial doa s participantes. Enquanto reconhecemos como
fundamental, para a aplicao da teoria dos contratos, o mtuo
consenso das partes, podemos apontar certas categorias de situaes
jurdicas a cuja disciplina seria aplicvel o regime daqueles, sem
que haja na sua base um acordo de declaraes de vontade dos
contraentes. Estariam estas situaes assentes em puras situaes de
facto. A primeira categoria a que se ocupa dos casos em que as
relaes entre as partes assentam sobre actos materiais reveladores
de vontade negocial, mas que no se reconduzem aos moldes
tradicionais do mtuo consenso. o caso dos transportes pblicos ou
das redes pblicas de comunicao. No se duvida da aplicao da doutrina
das relaes contratuais, embora com adaptaes, a estas situaes. Est
na sua base a ideia de que existem condutas geradoras de obrigaes
fora da emisso de declaraes de vontade que se dirijam produo de tal
efeito, antes derivadas de simples ofertas e aceitaes de facto. A
utilizao de bens ou servios massificados ocasiona, no raras vezes,
comportamentos que, pelo seu significado social tpico, produzem as
consequncias jurdicas de uma caracterizada actuao negociatria, mas
que dela se distinguem. Frisa-se que o elemento cimum a todas estas
situaes o facto de que se atende, sempre, ao seu significado social
tpico. Opera, pois, a tipicidade de determinadas condutas. A
segunda destas categorias engloba os casos em que a disciplina
contratual se aplica s relaes nascidas do simples contacto social
entre as pessoas, antes da celebrao, ou independentemente at da
celebrao de qualquer negcio jurdico. Trata-se dos casos tpicos da
culpa in contrahendo, entre os quais avulta o da responsabilidade
na formao e preparao do contrato art. 227. A terceira categoria
compreenderia as relaes jurdicas duradouras emergentes de contratos
ineficazes, porquanto a ineficcia dos contratos no impede, por seu
turno, a aplicao das normas prprias dos negcios bilaterais vlidos.
Face ao enquadramento do Direito portugus, torna-se de no difcil
compreenso a desnecessidade das segunda e terceira categorias. As
melhores solues consagrariam e poderiam ser conseguidas atravs,
respectivamente: com base nos ditames da boa f que presidem s
negociaes e formao do contrato, configurando a responsabilidade
pr-contratual (art. 227/1); e com apoio nos princpios da ineficcia
e invalidade dos negcios jurdicos, susceptveis de permitir,
excepcionalmente, a persistncia de determinados efeitos de natureza
negocial. Menos lquida e, portanto, mais aceitvel se demonstra a
figura quanto primeira categoria. ALMEIDA COSTA defende que sempre
se encontrar um espao reflexivo para a aplicao e encaixe da figura.
No entanto, ANTUNES VARELA salienta, a meu ver bem, que uma
disposio da nossa lei civil33
ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigaes, 11 ed., rev. e act., Edies
Almedina, 2008, pp. 222 e ss; ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em
Geral, vol. I, 10 ed., ver. e act., Edies Almedina, 2008, pp. 220 e
ss.
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fundamental resolve a questo: o art. 234. A lei tem o contrato
por concludo, dispensando a declarao de aceitao, desde que persista
a vontade de aceitao, o que sempre permitiria uma valorao objectiva
do significado social tpico da conduta. Recorda ainda o Professor
que a nossa lei confere uma grande amplitude s declaraes negociais,
bastando-se com um comportamento que, tomado no seu significado
social tpico, exteriorize determinada vontade art. 217/1. A aplicao
da doutrina preconizada por ALMEIDA COSTA teria como consequncia a
irrelevncia de determinadas situaes, como sejam os vcios da vontade
e da incapacidade, o que seria de todo desaconselhvel e desajustado
aos valores que o Direito pretende proteger. Acrescenta-se ainda
que, a meu ver, embora possa no cobrir todas as situaes, o nosso
legislador teve a clara inteno de ver nestas situaes verdadeiros
contratos (com a consequente subordinao ao seu regime e doutrina),
com a promulgao do Dec. Lei 446/85, de 25 de Outubro Clusulas
Contratuais Gerais.
3. Princpios fundamentais do regime dos contratosSo quatro os
grandes princpios que regem a doutrina dos contratos: Princpio da
liberdade contratual; Princpio do consensualismo; Princpio da boa
f; Princpio da fora vinculativa.
3.1. Princpio da liberdade contratual34Uma das caractersticas
que assinalmos ao direito das obrigaes foi a da autonomia privada,
que traduz a amplitude deixada aos particulares para disciplinarem
os seus interesses. Esta faculdade exprime-se aqui no princpio da
liberdade contratual. O C. Civil afirma-o com toda a clareza no
art. 405/1. Podem, pois, os particulares agir por sua prpria e
autnoma vontade. Os limites que a lei imponha constituem a excepo.
E daqui resultam vrias consequncias: os contraentes so inteiramente
livres, tanto para contratar ou no contratar, como na fixao do
contedo das relaes contratuais que estabeleam, desde que no haja
lei imperativa, ditame de ordem pblica ou bons costumes que se
oponham (art. 405); a declarao de vontade das partes no exige, via
de regra, formalidades especiais (art. 219) e pode ser expressa ou
tcita (217/1). O princpio assume ainda grande importncia quanto
interpretao e integrao dos contratos (art. 236 a 239) e quanto
aplicao das leis no tempo (art. 12/2). O princpio comporta, no seu
mximo mbito, trs aspectos. Assim a liberdade de celebrao (
iniciativa privada que pertence a deciso de realizar ou no o
contrato), a liberdade de seleco do tipo34
ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigaes, 11 ed., rev. e act., Edies
Almedina, 2008, pp. 228 e ss; ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em
Geral, vol. I, 10 ed., ver. e act., Edies Almedina, 2008, pp. 230 e
ss.
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28
Faculdade de Direito da UCPcontratual (no sentido de que cabe
vontade dos particulares a escolha do contrato a celebrar,
tipificado na lei ou no), e a liberdade de estipulao (faculdade de
os contraentes modelarem, de acordo com os seus interesses, o
contedo concreto da espcie negocial eleita). Estas duas ltimas
realidades fundem-se naquilo que se designa por liberdade de fixao
do contedo.
3.1.2 Liberdade de celebrao dos contratos35Tem este sub-princpio
duas vertentes: em princpio, a pessoa alguma pode ser imposta a
celebrao de qualquer contrato contra a sua vontade, ou aplicadas
sanes como consequncia de uma recusa de contratar; do mesmo modo
que ningum pode ser impedido de contratar, ou punido caso contrate.
Havero, contudo, certas excepes que resultam de autolimitaes ou de
heterolimitaes das partes:
1. Situaes h, caracterizadas pela obrigao ou dever jurdico de
contratar. Pode ser umaobrigao voluntariamente assumida como a que
resulta do contrato-promessa autolimitao; 2. Existem, no entanto,
hipteses em que o dever jurdico de contratar deriva
directamente
de dispositivo especial da lei. So os casos: Com as empresas
concessionrias de servios pblicos, a respeito dos utentes Sempre
que a recusa de contratar se mostre contrria aos deveres funcionais
ou Quanto ao acesso e fornecimento de bens e prestao de servios
postos
que satisfaam os requisitos legais; de estado e no ocorra
ponderosa razo justificativa dessa recusa; disposio do pblico,
incluindo a habitao, do sector pblico ou do sector privado
tratando-se de prtica discriminatria, directa ou indirecta, por
pessoa singular ou colectiva; Tambm noutros casos em que a
autoridade pblica pode decorrer devido a A restrio da liberdade de
contratar tem sido tambm sustentada com base na razes de conjuntura
ou mesmo para alm destas (ex: venda forada de bens de consumo);
situao de monoplio de direito ou de facto, mediante ora a
importncia vital dos bens e servios fornecidos, ora a aplicao dos
princpios do abuso de direito. Esta limitao, imposta como excepo ao
art. 405, s dever ter-se por vlida quando a lei explcita ou
implicitamente as estabelecer, sem violao dos princpios
constitucionais. duvidoso que as possa sufragar o preceito que
condena o abuso de direito, visto que a liberdade de contratar no
constitui um direito subjectivo, cujo exerccio seja capaz de
constituir o respectivo titular em responsabilidade civil perante
terceiros. De importncia, no entanto, o princpio da igualdade (art.
13 CRP) que parece condenar toda a recusa de contratar que envolva
carcter discriminatrio;35
ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigaes, 11 ed., rev. e act., Edies
Almedina, 2008, pp. 230 e ss; ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em
Geral, vol. I, 10 ed., ver. e act., Edies Almedina, 2008, pp. 233 e
ss.
DIOGO CASQUEIRO
29
3.
Cabem ainda os casos em que a lei impe a um dos contraentes a
renovao do contrato
ou a transmisso para terceiro da posio contratual da outra
parte. Assim sucede no contrato de locao, cujo regime sujeita o
senhorio renovao do arrendamento desde que o arrendatrio o no
denuncie. A transmisso da posio do arrendatrio pode realizar-se,
independentemente da vontade do senhorio, nos seguintes casos: (i)
quando os cnjuges, no caso de divrcio, acordem em transferir o
arrendamento destinado a habitao para o cnjuge do arrendatrio; (2)
quando, por morte do arrendatrio, o arrendamento se transfira para
o seu cnjuge ou para parentes ou afins; (3) quando o arrendamento
comercial ou industrial se transmite por morte do arrendatrio ou
por trespasse do estabelecimento; (4) quando o arrendamento para o
exerccio da profisso liberal se transmita por morte do arrendatrio
ou por cesso da posio deste. Conclui-se, pois, que a recusa de
contratar pode ser configurada, por vezes, como abuso de direito.
Que consequncias podero daqui resultar? Em matria de
responsabilidade civil, o direito reparao do prejuzo inequvoco.
Tratando-se de obrigao convencionada, nomeadamente que resulte de
contrato-promessa, existe a possibilidade da execuo especfica, nos
termos do art. 830. Poder ser este regime alargado aos restantes
casos em que haja obrigao de contratar? ALMEIDA COSTA pronuncia-se
pela resposta afirmativa, j que a restaurao natural deve prevalecer
sobre a indemnizao por equivalente (art. 566/1). Seria pois, a
execuo especfica extensvel a outros casos que no os do
contrato-promessa. De opinio contrria so os Professores PIRES DE
LIMA e ANTUNES VARELA que sustentam., na anotao 2 ao art. 830 a
aplicao restritiva da doutrina do artigo. Sustentam os autores que
na promessa de contratar h j uma declarao negocial referente ao
contrato prometido. O tribunal limita-se, pois, a tornar certo o
que era, ou foi, pretendido pelas partes, e que se contm
explicitamente no contrato. Nos outros casos em que a obrigao de
contratar resulta de disposio legal, seria necessria uma substituio
integral da vontade dos interessados, o que seria excessivo. 4.
Poderemos ainda conceber limitaes liberdade de contratar quanto
proibio de contratar com certas pessoas e em certos locais (art.
876, 579, 953, 2192 e 2198). Noutros casos, a lei no probe mas
dificulta, exigindo, nomeadamente, o consentimento ou a aprovao de
terceiros, inclusive de uma autoridade pblica (art. 877, 1682).
3.1.2. Liberdade de fixao do contedo dos contratos36Reconhece-se
aos contraentes a faculdade de fixarem livremente o contedo do
contrato. A liberdade de modelao do contedo do contrato desdobra-se
sucessivamente: a) na possibilidade de celebrar qualquer contrato
tpico ou nominado previsto na lei; b) na faculdade de aditar a
qualquer desses contratos as clusulas que melhor servirem os
interesses das partes (contratos mistos); c) na possibilidade de se
realizar contratos distintos dos que a lei prev e regula (contratos
atpicos).
36
ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigaes, 11 ed., rev. e act., Edies
Almedina, 2008, pp. 240 e ss; ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em
Geral, vol. I, 10 ed., ver. e act., Edies Almedina, 2008, pp. 246 e
ss.
DIOGO CASQUEIRO
30
Faculdade de Direito da UCPTambm esta regra est sujeita a
algumas limitaes. Afastado o liberalismo econmico puro e
ultrapassada a relutncia do Estado em intervir no comrcio privado,
tem-se multiplicado o intervencionismo com o aumento dessas
limitaes principalmente em contratos onde, ao lado dos interesses
privados, afloram interesses colectivos que fazem surgir a
necessidade de acautelar legtimas expectativas de terceiros. Estas
limitaes, que se encontram englobadas na introduo do art. 405
(dentro dos limites da lei), visam prosseguir determinados
objectivos: a correco na aco das partes, o garantir da justia
comutativa, a proteco da parte considerada socialmente mais fraca,
e o preservar certos valores como a moral pblica e os bons
costumes. Estas limitaes abrangem, em primeiro lugar, os requisitos
dos art. 280 a 284, quanto ao objecto do negcio jurdico, e do art.
398/2 (que afirma que a prestao no tem de ter carcter pecunirio,
mas deve corresponder a interesse do credor, digno de proteco
legal). E abrangem as disposies que probem a celebrao de contratos
com certo contedo. Artigos relevantes sero os 809 e 800/2, 942,
946/1 e 2028/2, e 1618/2 e 1852. Cumpre mencionar os contratos
normativos e os contratos colectivos, cujo contedo se impe em
determinadas circunstncias, como um padro que os contraentes so
obrigados a observar nos seus contratos individuais convenes
colectivas de trabalho, por exemplo. Cabe, por ltimo, referir as
normas imperativas que se reflectem no contedo dos contratos: umas
aplicveis a todos, outras privativas de certos contratos em
especial. Entre as primeiras temos as relativas aos negcios formais
(art. 220, 875, 947, 1029), onde avulta o princpio da boa f, pelo
qual se deve pautar a conduta das partes, tanto no cumprimento como
no exerccio do direito correspondente (art. 762/2). Entre as
segundas temos, a ttulo de exemplo, os art. 1250, 1240, 929, 898,
908, 912/1 e 1146.
3.1.3. Tutela do consumidor: breve referncia importncia desta
tutela: [remisso para o estudo do regime das Clusulas Contratuais
Gerais] 37Ao lado das figuras contratuais de tipo clssico, tm
surgido modernamente novas categorias contratuais, que se
individualizam pelas particularidades do seu modo formativo e pela
maior ou menor debilitao do aspecto voluntarista. Diz-se contrato
de adeso aquele em que um dos contraentes, no tendo a menor
participao na preparao e redaco das respectivas clusulas, se limita
a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao
pblico interessado. Cest prendre ou laisser Como caractersticas
comuns tm a) a37
ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigaes, 11 ed., rev. e act., Edies
Almedina, 2008, pp. 242 e ss; ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em
Geral, vol. I, 10 ed., ver. e act., Edies Almedina, 2008, pp. 251 e
ss.
DIOGO CASQUEIRO
31
superioridade econmica de um dos contraentes, que o coloca em
condies de ditar as clusulas do contrato ao outro; b) a
unilateralidade das clusulas, concebidas especialmente no interesse
da parte mais poderosa; c) a invariabilidade do texto negocial, que
coloca a parte mais fraca perante o dilema de pegar ou largar.
Resultam da experincia contempornea de todos os dias frequentes
negcios que se caracterizam pelo facto de as respectivas clusulas
serem de antemo e unilateralmente predispostas por um dos
contraentes. A realidade a atender a da prvia formulao em abstracto
das clusulas contratuais e a da sucessiva formao das relaes
jurdicas concretas naquelas baseadas. O fenmeno produz-se em
mltiplos domnios, como sejam o dos seguros portanto, negociaes no
mbito dos fornecimentos massificados. O trao comum consiste na
referida superao do processo contratual clssico. Os clientes
subordinam-se a clusulas previamente fixadas. Estas traduzem uma
iniciativa prpria da parte ofertante, mas podem no o ser. E podem
ou no encontrar-se submetidas a aprovao ou homologao de autoridade
pblica. Os sucessivos clientes apenas podem decidir contratar ou
no, sem que nenhuma influncia prtica exeram sobre o contedo do
negcio. Ou se aceitam as clusulas ou fica-se privado do bem ou
servio pretendido. Daqui podem as empresas retirar vantagens que
signifiquem restries, despesas e encargos irrazoveis ou abusivos
para os particulares. Discute-se, pois, a eficcia jurdica desta
forma de contratao. At que ponto releva a falta de um preciso
conhecimento de todas e cada uma das clusulas preestabelecidas, a
que o aceitante adere, de forma expressa ou tcita? Uma efectiva e
inteira percepo das clusulas pelo aderente afasta as questes de
justia comutativa, merc a desigualdade das partes e do processo
formativo do contrato? Portanto, ao lado da tutela da vontade pe-se
o problema da fiscalizao do contedo das clusulas do contrato. No
Direito portugus, existia o caminho de fazer apelo s virtudes de
determinadas disposies (art. 232, 253 e 259) ao lado de outras
regras genricas, como a boa f, a ordem pblica e bons costumes, a
disciplina dos negcios usurrios, o critrio dos juzos de equidade e
os limites da disciplina convencional da responsabilidade civil.
Entretanto, o Conselho da Europa recomendou aos Estados a criao de
instrumentos legislativos eficazes para proteco dos consumidores e
estabeleceu directrizes concretas. nessa linha que promulgado o
Dec. Lei n 446/85, de 25 de Outubro. Houve neste diploma a
preocupao de evitar um reformismo abstracto, traduzido em normas
que esquecessem a realidade portuguesa. Breve sntese do regime
jurdico vigente. Este assunto j foi tratado e exposto noutro lugar.
Para a se remete38.38
DIOGO CASQUEIRO, Teoria Geral do Negcio Jurdico, pp. 83 e
ss.
DIOGO CASQUEIRO
32
Faculdade de Direito da UCP 3.2. Princpio do Consensualismo
3.2.1. Contratos consensuais e contratos solenes ou formais39Impera
este princpio, de acordo com o qual basta o acordo de vontades para
a perfeio do contrato. A regra da consensualidade encontra-se
mencionada no art. 217 e no art. 219. A meno, na parte final deste
ltimo artigo, a salvo quando a lei o exigir torna claro que no um
princpio absoluto. Pode-se exigir, para determinado contrato a
observncia de uma determinada forma ou formalidades. A inobservncia
da forma legal estatuda tem como consequncia que a declarao
negocial nula, desde que no haja sano diversa especialmente
prevista (art. 220). Todavia, admite-se substituio do documento
imposto por outro com fora probatria superior (art. 364/1).
Torna-se claro que os requisitos de forma possuem uma natureza ad
substantiam e no apenas ad probationem. Se a forma representa
simples meio de prova da declarao j o negcio no nulo, visto ser
possvel a sua supresso por confisso expressa (art. 364/2). Ao lado
da forma pode a lei determinar a publicidade para que certos actos
se tornem oponveis a terceiros ou, mesmo, produzam efeitos entre as
partes caso do registo. Mas tambm os contraentes tm a faculdade de
estipular uma forma especial para as declaraes negociais. Na
hiptese de forma convencional, presume-se que as partes apenas por
ela se quiseram vincular (art. 223). So consensuais os negcios que
se celebram pelo simples acordo de vontades. Dizem-se solenes ou
formais sempre que, para a sua concluso, a lei imponha no s o
consenso de vontades, mas ainda o preenchimento de formalidades
determinadas. Por vezes alude-se a contratos consensuais como
contraposto de contratos reais, que so aqueles em que se requer,
alm das declaraes de vontade das partes, sujeitas ou no a forma, a
entrega de uma certa coisa, como requisito constitutivo e no fase
executria ou de cumprimento do negcio. So exemplos o penhor (art.
669), o comodato (art. 1129), o mtuo (art. 1142), o depsito (art.
1185), a parceria pecuria e a doao de coisa mvel no reduzida a
escrito.
3.2.2. Contratos com eficcia real. A clusula de reserva de
propriedade40A nossa lei civil concebe uma noo ampla de contrato.
Assim, este no se limita a constituir, modificar ou extinguir
relaes de obrigao. Dele podem nascer direitos reais contratos reais
ou com eficcia real. Um contrato pode, inclusivamente, ter, quanto
aos efeitos, uma dupla natureza, como sucede na compra e venda
(art. 879).
39 40
ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigaes, 11 ed., rev. e act., Edies
Almedina, 2008, pp. 282 e ss. ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigaes,
11 ed., rev. e act., Edies Almedina, 2008, pp. 288 e ss; ANTUNES
VARELA, Das Obrigaes em Geral, vol. I, 10 ed., ver. e act., Edies
Almedina, 2008, pp. 300 e ss.
DIOGO CASQUEIRO
33
A estes contratos com eficcia real se refere o art. 408/1. De
acordo com este preceito, os contratos que implicam a constituio ou
transmisso de direitos reais sobre coisas certas e determinadas
produzem, em regra, por si mesmos, esse efeito contratos reais
quoad effectum. No sucede assim no caso do direito alemo que exige,
para a transferncia do domnio sobre a coisa, alm do contrato de
alienao, um acordo posterior que sirva de base inscrio do direito
no registo, quando se trate de imveis, ou a entrega da coisa ou
acto equivalente, quando seja mvel a coisa transmitida. So, como
salienta ANTUNES VARELA, trs as diferenas entre os regimes da
eficcia real e da eficcia meramente obrigacional dos contratos de
alienao ou onerao de coisa determinada: 1. Na soluo germnica, o
contrato de alienao, no dispensando um acto posterior de
transmisso da posse e de transferncia do domnio, merc da sua
eficcia meramente obrigacional, torna o adquirente um simples
credor da transferncia da coisa, com todas as contingncias prprias
do carcter relativo dos direitos de crdito. A tal situao de
precariedade no est sujeito o direito do adquirente, nos sistemas
de raiz napolenica; 2. No sistema da translao imediata, o risco do
perecimento da coisa passa a corre por conta do adquirente, antes
mesmo do alienante efectuar a entrega (art. 408/1 e 796/2), ao invs
do que sucede com a outra orientao. Se a coisa, por qualquer
circunstncia, s depois da concluso do contrato, se transferir para
o adquirente, somente a partir deste momento posterior o risco
passa a correr por conta dele; 3. A nulidade ou anulao do contrato
de alienao tem como consequncia, no nosso regime, a restaurao do
domnio na titularidade do alienante (limitao do art. 291), ao
contrrio do que suce