APOL 1 Bruno Madureira A percepção em estudos epidemiológicos da diferente evolução da doença renal crônica (DRC) entre afro-americanos (AF) e outros grupos étnicos estimulou a busca de diferenças genéticas que justificassem a prevalência maior de DRC e pior evolução desta neste grupo de pacientes. Os pacientes AF tem prevalência 3,5 a 5 vezes maior de DRC quando comparada a pacientes de descendência europeia, sendo a prevalência de 8% e 2-3%, entre AF e caucasianos, respectivamente. Nos Estados Unidos, os AF tem o dobro de chance de evoluir com DRC mesmo quando equiparados quanto à fatores de risco e variáveis socioeconômicas. No cromossomo 22, o gene MYH9 codifica a apolipoproteina 1 com seis variantes, cujos alelos G1 e G2 estāo correlacionados à pior desfecho renal. O alelo G1 compreende duas variações de depleções (p.S342G:1284M) e a variante G2 é a depleção de 6 pares com remoção de 2 aminoácidos (N388Y389). Estes alelos estão em cromossomos opostos e por sua proximidade não houve recombinação durante a evolução. Ambos os alelos são recessivos, desta forma as variantes de alto risco incluem ambos os alelos, seja em homozigose ou heterozigose composta. A presença de dois destes alelos, mesmo que sem homozigose, é responsável pelo aumento do risco de DRC. A homozigose de G1 causa maior risco e pior prognóstico, inclusive com início mais precoce de terapia renal substitutiva. A homozigose deste gene gera aumento do risco de DRC no paciente hipertenso de 7 a 10 vezes, 10 a 17 vezes risco maior de glomeruloesclerose segmentar e focal e risco 29 vezes maior de nefropatia relacionada ao HIV. Com a descoberta do gene que codifica a APOL1, seu impacto no desfecho renal, e sua alta penetrância na população AF, pesquisadores buscaram a base evolutiva que gerou a alta prevalência deste gene nesta população. Foi desvendado que o princípio evolutivo que gerou esta prevalência foi a proteção que mesmo que 01 alelo confere contra o Trypanossoma brucei rhodesienses, causador da chamada doença do sono, endêmica na África no passado, cujo resistência causada pela mutação trouxe benefícios evolutivos.
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APOL 1 Bruno Madureira
A percepção em estudos epidemiológicos da diferente evolução da doença renal
crônica (DRC) entre afro-americanos (AF) e outros grupos étnicos estimulou a busca de
diferenças genéticas que justificassem a prevalência maior de DRC e pior evolução desta neste
grupo de pacientes. Os pacientes AF tem prevalência 3,5 a 5 vezes maior de DRC quando
comparada a pacientes de descendência europeia, sendo a prevalência de 8% e 2-3%, entre
AF e caucasianos, respectivamente. Nos Estados Unidos, os AF tem o dobro de chance de
evoluir com DRC mesmo quando equiparados quanto à fatores de risco e variáveis
socioeconômicas.
No cromossomo 22, o gene MYH9 codifica a apolipoproteina 1 com seis variantes,
cujos alelos G1 e G2 estāo correlacionados à pior desfecho renal. O alelo G1 compreende duas
variações de depleções (p.S342G:1284M) e a variante G2 é a depleção de 6 pares com
remoção de 2 aminoácidos (N388Y389). Estes alelos estão em cromossomos opostos e por
sua proximidade não houve recombinação durante a evolução. Ambos os alelos são
recessivos, desta forma as variantes de alto risco incluem ambos os alelos, seja em
homozigose ou heterozigose composta.
A presença de dois destes alelos, mesmo que sem homozigose, é responsável pelo
aumento do risco de DRC. A homozigose de G1 causa maior risco e pior prognóstico, inclusive
com início mais precoce de terapia renal substitutiva. A homozigose deste gene gera aumento
do risco de DRC no paciente hipertenso de 7 a 10 vezes, 10 a 17 vezes risco maior de
glomeruloesclerose segmentar e focal e risco 29 vezes maior de nefropatia relacionada ao
HIV.
Com a descoberta do gene que codifica a APOL1, seu impacto no desfecho renal, e sua
alta penetrância na população AF, pesquisadores buscaram a base evolutiva que gerou a alta
prevalência deste gene nesta população. Foi desvendado que o princípio evolutivo que gerou
esta prevalência foi a proteção que mesmo que 01 alelo confere contra o Trypanossoma
brucei rhodesienses, causador da chamada doença do sono, endêmica na África no passado,
cujo resistência causada pela mutação trouxe benefícios evolutivos.
O gene Apol1 é membro da família de genes APOL que é composta por 6 genes
localizados no cromossomo 22, todos com ação na imunidade inata. A perda completa deste
gene na evolução dinâmica dos primatas, indica que o mesmo não tem função essencial na
fisiologia, a constatação de humanos nulo para este gene e com função renal preservada
corrobora esta suposição. Em adição a isso, tanto APOL1 quanto APOL6 sāo tóxicos para
células humanas, mostrando que sua expressão, outrora vantagem evolutiva, atualmente é
uma desvantagem genética.
A APOL1 circula ligada ao HDL, principal fonte de nutrientes do trypanossoma quando
infecta humanos, após ser endocitada pelo parasita e sofrer degradação lisossomal, em meio
ácido, que induz uma inserção irreversível da APOL1 na membrana criando um poro aniônico
e gerando lise da célula parasitária. Evolutivamente o t. b. rhodesiense criou mecanismos de
proteção ao efeito da APOL1, porém as variantes G1 e G2 produzem uma APOL1 capaz de
ultrapassar os mecanismos de proteção do parasita. A variante G1 tem maior frequência no
Oeste da África enquanto a G2, na África subsaariana. A diferente distribuição destas
variantes em populações de pouca integração indica caminhos evolutivos distintos.
A Apol1 com peso molecular de 43 kda, da família das apoliproteinas, é a única que se
liga ao HDL, é encontrada ligada às subfrações HDL3b e HDL3c com ação antioxidativa e
antiinflamatória, porém a participação da APOL1 neste efeito é desconhecido. Apesar disso,
os níveis dessas frações do HDL, assim como da própria APOL1, cuja concentração sérica varia
em torno de 0,3mg/dl em paciente sem as VAR. Nos pacientes com VAR, sua concentração
aumenta tanto por aumento da produção quanto por redução da degradação, contudo a
concentração sérica não foi relacionada com seus possíveis efeitos protetores ou a própria
toxidade, mostrando que a toxidade deve ser causada por isoforma metabolizada
endogenamente pelo próprio rim.
A toxidade do APOL1 tem sua ação na morte celular programada, autofagia e
degradação lisossomal para manter a homeostase tecidual e a qual ocorre através do
mecanismo da homologia BcL-2 3 ( BH3), corroborado pelo fato de todas as apolipoproteínas
da família APOL terem um domínio em comum com BH3 e, em estudos a depleção do domínio
comum BH3, as APOL1 e APOL6 tiveram seu efeito citotóxico inativado.
Os estudos sugerem que os eventos renais relacionados à APOL1 necessitam da
ativação de um ˜second hit˜, de provável origem imunológica/ inflamatória. A relação com a
imunidade inata, indicada pelo fato de que os genes da família APOL são induzidos por
interferon (IFN) e fator necrose tumoral alfa (TNF alfa), e sítios de ligação de fatores
associados à transcrição de IFN (IRF1 e IRF2) e o sinal transdutor ativador da transcrição 2
(STAT2) estão presentes na região promotora do gene APOL.
A APOL 1 é encontrada em diversos órgãos do nosso organismo como: pâncreas,
próstata, baço, fígado, rim, cérebro, placenta e pulmão. No rim, especificamente, está nos
podócitos, no túbulo contorcido proximal e endotélio arteriolar. Na análise de material
histopatológico de casos de Nefropatia relacionada ao HIV (HIVAN) e de GESF foi encontrada
também na camada media arteriolar. Os podócitos, quando isolados em culturas celulares,
não expressam a APOL1, demonstrando que esta é endocitada e não produzida por esta
célula. Em relação a esta células pacientes que expressam esta variante tem menor
quantidade de podócitos para a idade, e menor integridade do citoesqueleto devido menos
adesão intercelular.
Outra relação patológica que está sendo estudada do gene é sua relação com
esquizofrenia, visto que variantes do APOL1 tem sua expressão alterada em regiões chave do
cérebro em casos desta patologia.
As variantes de alto risco (VAR) são compostas por homozigose ou heterozigose
composta, enquanto a presença de apenas um alelo é considerada mutação de baixo risco e
não tem relação com piores desfechos. Os AF com as VAR tem risco maior de desenvolver:
nefrite lúpica (3 vezes maior), nefroesclerose hipertensiva (7 vezes maior), GESF (17 vezes
maior) e HIVAN (29 vezes maior). Os pacientes com VAR tiveram também perda maior da
função renal e menor resposta ao tratamento independente da glomerulopatia que os
acometia. Em relação a nefropatia diabética, os pacientes com VAR tem os mesmos desfechos
da população geral.
O estudo AASK, caso controle, que avaliou pacientes hipertensos mostrou que
pacientes com os 2 alelos tiveram quase 2 vezes mais chance de evoluírem para nefropatia
hipertensiva com DRC terminal, com razão de chance de 1,88. A heterozigose com apenas 01
dos alelos de risco não trouxe incremento no risco destes pacientes. Este estudo demonstrou
também que a presença de APOL1 não trouxe diferença no controle pressórico ou na
proteinúria, nāo sendo estes fatores os responsáveis pelo pior desfecho. Neste estudo a
presença de 2 alelos de MYH9, mas sem a presença de APOL1 teve redução de risco com odds
ratio 0,73.
Outro estudo que avaliou o impacto da presença deste gene na população, o estudo
CRICS, comparou pacientes com e sem diabetes mellitus, demonstrou que o risco maior de
DRC dos pacientes AF não pode ser exclusivamente atribuído à APOL1. Mostrou que os
pacientes AF tiveram o risco de DRC aumentado mesmo na ausência da mutação, porém a
prevalência de DRC foi ainda maior na presença da mutação, nos diabéticos sendo 5,8%
caucasianos, 9,5% em afrodescendentes sem a mutação e 13,7% em AF com a mutação, e
nos não diabéticos 2,1% caucasianos, 4,4% e 7,5% em AF sem e com mutação,
respectivamente. No grupo de diabéticos a proteinúria foi maior na presença da mutação,
neste mesmo grupo o risco de evolução para DRC terminal foi o dobro em AF sem a mutação
e quatro vezes maior no grupo AF com mutação em comparação a caucasianos.
Na população mundial, a mutação G2 é mais antiga na evolução e sua prevalência
chega a 10% na população AF. A mutação G1, que é mais recente evolutivamente, é mais rara,
estando presente em menos de 1%. Em alguns países da África, de onde se originou a
mutação, a penetrância de um dos alelos chega a 45%. Já no Brasil, devido à grande
miscigenação que ocorreu no processo de colonização, essa mutação é quase ausente na
nossa população.
Bras. J. Nephol. 2018; 40 (4): 388-402.
Quando avaliados os doadores de rim, existem relatos de aumento do risco de
hipertensão e DRC em doadores AF comparados com não doadores. Um estudo que avaliou
geneticamente doadores AF demostrou que aqueles que expressavam as VAR tinham taxa de
filtração glomerular (TFG) menor pré e pós doação e queda mais rápida da TFG após a doação
quando comparada com pacientes sem mutações, porém este declínio mais acentuado não
foi relevante para sobrevida ou desfecho renal, portanto a presença de VAR não é
contraindicação à doação renal.
GESF COLAPSANTE
A glomeruloesclerose segmentar e focal colapsante (GESFc), que nos primeiros relatos
nos anos 70 foi chamada de GESF maligna, e também chamada de glomerulopatia colapsante,
atualmente classificada como uma das variantes histológicas da glomeruloesclerose
segmentar e focal (GESF), contudo devido a sua fisiopatologia, evolução e prognóstico
diferentes de todas as outras variantes de GESF provavelmente será reclassificada como outra
entidade em breve.
Apesar dos primeiros relatos serem da década de 70, foi nos anos 80-90 em razão da
epidemia do vírus HIV e a evolução de alguns paciente para uma nefropatia proteinúrica com
rápida evolução para doença renal crônica estágio terminal e resposta pobre ao tratamento,
cujo o achado histológico era GESFc. Em razão da relação fisiopatológica com esta infecção
viral, o número de casos nesta época cresceu exponencialmente, inclusive recebendo o nome
de Nefropatia associado ao HIV, da sigla em inglês HIVAN.
A GESFc, cujo achado histopatológico de encolhimento e colapso abrupto da
membrana basal com hipertrofia e hiperplasia do epitélio visceral, é definida por estes
achados, segundo a classificação de Genebra de GESF, mesmo que em apenas um glomérulo.
Estudos de revisão de biópsias renais demonstraram a GESFc como sendo a mais rara das
variantes da GESF, e presente 1 a 3,5% das biopsias de GESF, porém esta porcentagem vem
crescendo ao longo dos anos.
Na literatura, esta patologia foi relacionada a insultos infeciosos como: HIV, parvovírus
B19, CMV, tuberculose e leishmaniose; a eventos imunológicos: síndrome de ativação
macrofágica, microangiopatia trombótica, doença Still, vasculites; a malignidades: mieloma
múltiplo e leucemia monoblástica, a alterações genéticas: anemia falciforme e polimorfismos
do gene APOL1, além de medicações: pamidronato e interferon. As causas de GESF colapsante