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APÊNDICE 1
LUZ, Abdon. (Capitão QAO – Infantaria, da Reserva Remunerada). Entrevista concedida em
sua residência, em Curitiba-PR, em 14 Jan 2011.
Duração da Entrevista: 02 h, 31 min, 44 seg.
Transcrição: 47 Páginas.
EGR: [O nome do senhor completo seu Abdon?]
AL: “Abdon Luz”
[O nascimento e o local?]
AL: “Eu nasci no dia 15 de março de 1935, em São Joaquim, Santa Catarina.”
[Data de praça do senhor]
AL: “É...7 de fevereiro de 1954”
EGR: [A profissão que seu pai e sua mãe exerciam]
AL: “Meu pai era....marceneiro; minha mãe era do lar, mas, posteriormente, depois que eu
consegui tirar eles do local onde nós morávamos, onde nós nascemos também, né, ela fez cur-
so de professora, passou.. – professora de corte e costura, né – passou e começou a dar aula, e
olha.... passou a ter uma vida diferente...muito boa.
EGR: [O senhor tem qual escolaridade e em quais anos o Senhor concluiu?]
AL: “Hein!? Eu tenho o segundo grau completo.
EGR: [O senhor concluiu em que ano?]
AL: “Ah!!! Eu, faz tempo que nem me lembro mais...
EGR: [O senhor já era militar?]
AL: “Já...eu...eu estudei alguns anos como militar. É. Eu...eu concluí aqui no Paraná, né.
Quando tinha ainda...uma escola lá na.. lá onde é o canal 12, onde tinha uma escola só pra
moças, depois, aceitaram rapazes, né..., e eu fui estudar lá, e lá eu terminei lá o 4º ano primá-
rio, aí tinha que fazer o 2º grau, e só tinha no Estadual, vim 'pro' Estadual e lá fiz os 3 anos
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restantes.
EGR: [O senhor já era sargento..?]
AL: “Já!! Já era sargento desde, eu sou sargento desde 56, é...
EGR: [O senhor fez o curso de sargento em...?]
AL: “Eu fiz o curso de sargento...Desde que eu entrei na tropa eu já comecei a fazer curso,
né...inicialmente nos 3 primeiros meses eu saí cabo e depois eu comecei a fazer curso, e
eu...passava [pausa] mas...no início eu tive uma pequena dificuldade com um oficial lá que
me... perseguia, né, e não me deixavam promover; naquela época, de 56 até perto da Revolu-
ção, se não me engano, ali, as promoções eram feitas dentro do quartel, não é...dentro das va-
gas existentes na unidade... e como essas vagas existentes lá, os próprios comandantes e ofici-
ais lá, é que davam o parecer, né, eu tive um cidadão lá, né, um capitão de engenharia – por-
que eu comecei na Engenharia, né – comecei na Engenharia, como soldado, mas eu exercia a
função de burocrata, naquela época, né, você deve saber,...burocrata...então eu servi em Lajes,
no 2º Btl. Rodoviário. Fiquei dois anos e meio ali, né, e...olha, repeti o curso, era bem classi-
ficado, chegava um outro cara na frente e eles não me davam conceito para promover outro
cara, e... Aí, um [inaudível] dia, tinha lá o coronel Edson Giordano de Medeiros, que já é fale-
cido...era o nosso S3, eu cheguei e disse: Coronel, eu aqui acho que vou embora, porque,
promoção aqui pra mim vem, estou esperando, tem a vaga, e quando menos espero eles pro-
movem um recruta no meu lugar, eu disse pra ele assim, está havendo uma perseguição sobre
mim. Ele disse assim, olha, eu vou embora para Curitiba, lá pro QG, você aceita ser transferi-
do para qualquer local? Eu digo, aceito... desde que saia com promoção eu aceito. Dali 15 dias
veio a minha promoção, não é... pra o 23 RI em Blumenau. E me fui, E eu, já em setembro,
né, eu fui promovido em agosto, não me lembro bem o dia, se foi no dia 29 ou 30 de agosto, e
em setembro eu já desfilei como 3º sargento [risos..], naquela ocasião. Foi a maneira que eu
tive de sair de lá para poder...senão eu ia ficar, e talvez eu nem tivesse ficado no Exército,
porque a perseguição desse fulano era..., né...”
EGR: [O senhor fez então o curso de sargento na tropa]
AL: “Na tropa, fiz na tropa. Bom, o “burocrata”, você sabe, depois de uns anos, o burocrata,
eles acabaram com essa QM, não é, então opinaram, determinaram que o pessoal burocrata
escolhesse uma arma para requalificar. E eu como gostei muito de Infantaria, e já vivia mes-
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mo na Infantaria, né, eu optei por Infantaria, né! E fui aceito, e fui, depois, daí foi a primeira
turma da ESA, eu estava lá, fazendo o curso novamente, de Infantaria. Nessa época foi, acho
que se não me engano esse curso foi 70, por aí, ou 71, que eu fiz esse curso, o 1º curso do
pessoal que optou pela QM nova. Mais tarde, eles começaram, devido ao grande número, a
dar a fazer esse curso na tropa também, mas eu não, eu fui pra escola mesmo, eu fiz lá na
ESA. Como burocrata eu fiz em Deodoro, no Rio, na Escola de Instrução Especializada, fi-
quei 6 meses lá fazendo o CAS, lá naquele tempo, eu fiz lá também. E depois eu acabei fa-
zendo também, na ESA, o curso de Infantaria.”
EGR: [Fez dois cursos de sargentos, então]
AL: “Eu fiz dois cursos, praticamente dois. Mais do que dois, porque na tropa eu fiz vários,
né. Aqueles cursos que agente faz na tropa, né. Estava lá frequentando a aula, e fazia as pro-
vas, e depois fora desses cursos, a escola, a Escola de Instrução Especializada, e depois na
ESA. Depois [inaudível] que a coisa acalmou mais, eu só tive então que seguir a carreira, con-
forme o, eu tinha que seguir, conforme estava programado para nós.”
EGR: [O senhor chegou a fazer o CAS como burocrata?]
AL: “Cheguei...Eu fiz o curso de sargento na tropa e depois fui fazer o CAS já na EsIE. Esses
seis meses que eu passei na EsIE era o CAS, curso de aperfeiçoamento. E esse da Infantaria,
ele não era o CAS, foi um curso de sargento, como se fosse um sargento novo, só que agente
já foi graduado pra lá né.
EGR: [O senhor já era 2º sargento?]
AL: “Já era 2º sargento, 2º sargento quase saindo 1º. Bom... tudo bem, né...Agente sem-
pre...vem falar o pessoal: 'Ah, você veio da ESA!!' Como é que era a coisa lá...Eu fui lá ver
como era a coisa lá na ESA, né.
EGR: [E como é que era lá na ESA?]
AL: “Era 'brabo', tem que estudar, viu, tem muitas...pelo menos no meu tempo foi assim
né...muito campo também...Mas eu sempre gostei, né, pra mim não teve muita dificuldade
não.
EGR: [O senhor foi promovido em quais anos, a 3º sargento, a 2º sargento?]
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AL: “É difícil recordar assim...[Incompreensível]
EGR: [Não lembra?]
AL: “Bom, 3º sargento, eu disse pra você, que foi no finalzinho do mês de agosto, não é...[DE
50 E..?] De...Do mês de agosto de 50 e, quanto?....[pausa] 56, né, para 57. Dali para cá eu não
me lembro mais as datas exatas, né... Mas se você quiser, se for necessário, eu tenho que pe-
gar o meu...”
EGR: [Suas alterações?]
AL: “As minhas alterações pra poder ver, que eu não me lembro de cabeça. É... nem a de ofi-
cial eu me lembro direito...Porque eu tô com 25 anos já na reserva
EGR: [Está com 25 anos na reserva já!!??]
AL: “Com 25 anos na vagabundagem, porque...”
EGR: [Nada, que é isso, o Senhor está merecendo, o descanso do guerreiro]
AL: “Eu já me desliguei completamente, é claro que agente gosta, né, agente sempre tem
aquela vocação, né...para ser militar, e foi isso que nos levou a ser militar na época né...
Quando eu vim pro quartel eu estava, bem empregado, vamos dizer, estava,,, eu trabalhava
num banco, e depois...quando chegou a vez da convocação, eu fui pro quartel e cheguei lá, e
estava lá a minha incorporação, prevista, né, pra mim incorporar no dia 7 de fevereiro, e foi
exatamente o que aconteceu. Aí eu deixei a [incompreensível] de banco pra lá, né...digo, bom,
agora vou me dedicar aqui, né, já que sempre queria ser militar...porque, eu não sei se você
sabe, você... talvez até seja interessante pra você, naquela ocasião, um cara fardado era um
cara que tinha assim um conceito, um prestígio, viu, sem igual, viu. Agente via uma autorida-
de, principalmente na minha cidade, que era uma cidadezinha do interior, chegava uma auto-
ridade, aquilo pra nós era um...uma coisa assim como um “Deus”, havia assim, aquela manei-
ra de [incompreensível] assim por ele, aquele homem chegar até aquele ponto, que maravi-
lha!, o respeito que agente nutria por essa autoridade...viu, por um sargento, por um soldado,
até de polícia, agente nutria aquele respeito, e aquela...era uma coisa muito boa naquela ocasi-
ão viu [pausa]. Aí depois que eu...bom, também você é militar, então eu...antes saia, andava, e
eu digo, agora, bom, então eu vou continuar na minha vida de militar também, que onde eu
chegava, eu chegava fardado, 3º sargento, agente com aquela...vaidade, né, de ser sargento,
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olhando as 3 estrelinhas do lado ali, passando na rua, solteiro, né, na [incompreensível] namo-
rando com as meninas e as meninas se intere...'pô esse cara aí, vou casar com um 3º sargento,
e tinha muita pretensão. E assim agente foi lutando e vivendo. E aí depois mais tarde eu casei
lá em Blumenau mesmo, né. Naquele tempo agente não podia casar porque era proibido, tinha
que ficar 5 anos como sargento para casar e pra vestir, pra usar traje civil. Tinha que andar
sempre fardado, por isso que [incompreensível], agente andava na rua fardado, né, ficava
sempre exposto, né, sempre exposto à população. Aí eu casei...é, conversei com minha noiva,
né, digo, olha, não posso casar oficialmente, disse pra ela assim, [inaudível], passamos a viver
juntos, né, casados religiosamente, e depois de lá, em 59, por aí assim, mais ou menos, depois
que eu voltei da EsIE, eu pedi transferência para Curitiba porque eu digo, eu quero estudar,
né. Nesse tempo... nesse período que eu estava em Blumenau, eu e mais um sargento
Freygang, que está ai, agora também já está... está muito velho ele, e tinha um outro sargen-
to.... que eu não encontrei mais com ele, fomos a Santa Catarina com o Governador, e funda-
mos um curso noturno, pra que nós pudéssemos estudar, O governador autorizou o curso, foi
o primeiro curso noturno que surgiu em Blumenau, né, pela nossa... graduação, não sei, pela
nossa dedicação, não é, pelo nosso interesse de fazer as coisas para estudar. E fomos estudar,
não é....todos nós lá...E todos nós, também fomos para frente. Aí o governador depois sancio-
nou, e ficou definitivo, e esses cursos noturnos daquela época em diante, se expandiram à noi-
te que só você vendo porque uma cidade como Blumenau, era uma cidade de trabalhadores,
né, durante o dia inteiro, não estudavam porque não tinham tempo. Então quando surgiu esse
curso noturno, minha nossa Senhora, ali, uma vaga era preciso pedir para entrar numa fila de
oportunidade. Aí hoje a maior parte do pessoal. Depois eu vim pra estudar e aqui entrei no
instituto de educação, agora eu lembrei, não é, que era só pra mulheres, né, mas foi autorizada
a aceitar matrícula de rapazes naquele ano. Então, tinha feito só até o 3º Ano primário, se não
me engano, né, fui pra lá, fiz o 4º Ano, né, primário, e daí eu digo assim, agora eu falei, é o 2º
Grau. Naquele tempo era complementar, o 5º Ano complementar, acho que você nem conhece
[incompreensível].”
EGR: [Não era o admissão ainda não!!?]
AL: “Não...Tinha o 3º, 4º e 5º ano complementar, depois você só ia pro 2º Grau. Aí eu fui, e o
governo mandou que nós fôssemos transferidos, não é, com matrícula assegurada pro Colégio
Estadual do Paraná, que era um colégio também muito concorrido. E fomos para lá todos nós.
E lá nós terminamos o 2º Grau completo. Depois eu prestei um vestibular pra Odontologia,
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né. Mas não fui feliz porque na parte de química eu levei ferro. Na parte de química caiu lá
uma dissertação, né, sobre hidrogênio que eu não desenvolvi direito. Depois mais tarde que
agente vê que o negócio era simples, mas, naquela ocasião, eu não tinha nem noção. Porque o
estudo no quartel, na época da “Revolução” e pra cá um pouco ainda, era assim, muito baixo
o nível de cultura dos sargentos. Tem sargentos...eu servi com sargentos em Salvador, que ele
era analfabeto...”
EGR: [Como sargento?]
AL: “Como sargento. Mas o cara era de uma estatura grande, né; pô, em Blumenau, o nosso
cozinheiro lá, também, ele sabia mal assinar o nome, não sabia assinar o nome. Por que que
foi promovido a sargento? Porque ele era intendente, né, sabia cozinhar, e tinha uma força de
levantar cem, cento e cinquenta quilos no braço. Você entendeu? Você veja bem o nível, né,
intelectual do nosso pessoal naquela ocasião, era muito baixo. Mas, era um ambiente muito
bom, gostoso pra todos nós né... E quem tinha interesse, se esforçava como um [incompreen-
sível], foi meu caso e de muitos outros, né. Estudar a noite e até depois mais tarde, fazer fa-
culdade, se formar e depois cair fora né... Não queria ficar mais porque era tratado como...,
um sargento era uma sub-raça como costumava dizer, né”
EGR: [E era assim mesmo que funcionava?]
AL: “Era, era assim que funcionava. Os oficiais tratavam você assim como um cara analfabe-
to praticamente, né... Os oficiais eram a elite né...bom... tinha que ser também ne. Então não
havia assim, um entrosamento como hoje há, de oficiais e sargentos, né...Porque as vezes vo-
cê chegar para um sargento, você vai ver, ele é muito mais graduado do que você oficial, né,
que só fez a escola lá, da AMAN, né. Então não tem mais, hoje, o sargento hoje já é um cara...
Você mesmo que tá aí, é professor, tá fazendo um curso aí de pós-graduação, naquele tempo
nem se falava nisso. Quando eu cheguei aqui, e fui pra Intendência, aqui em Curitiba, lá na
Intendência, e lá nós nos reunimos com uma turminha de sargento também que eram, nós
éramos interessados em estudar, não é. Aí, o Valmor, tinham outros lá também, e a noite
nós...Eu fiquei praticamente 12 anos depois que eu casei. Aqui. Quer dizer, chegava em casa,
via a mulher, jantava, ia pra escola, voltava a uma hora da manhã. Meia-Noite, onze e meia,
uma hora da manhã. E assim foi por quase esses 12 anos, ne. Até que depois eu, aí eu tomei
uma decisão de só me dedicar, porque tinha a missão de fazer Medicina também, e fazer
Odontologia, e estava me preparando para aquilo mesmo, mas a complicação: mulher, filha,
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tenho uma filha, né. E depois, serviço. Falta de entendimento no quartel. No quartel agente
pedia pra sair, um hum! Não dava permissão, não podia sair do serviço ali. Um colega, que
tirasse pra você? Oh!! Só... Não, dificilmente ficava lá pra você. Trocava mas era muito difí-
cil, só quando fosse bastante amigo.”
EGR: [Era difícil alguém trocar, tirar pro senhor?]
AL: “Era, era difícil. Aí todo mundo tinha compromissos. É aquilo que eu te falei, cada um
corria atrás.”
EGR: [Mas para tirar serviços pro senhor, cobravam?]
AL: “Cobravam sim, porque naquela ocasião também, o nosso vencimento era muito bai-
xo...mais baixo do que o da Polícia. E eu mesmo trabalhei fora do quartel, como vendedor,
né...para ganhar uma...alguma coisa a mais, para compensar, para complementar o que eu pre-
cisava em casa. Trabalhei como vendedor de bolsas, vendedor de livros, trabalhei como ven-
dedor de consórcio, naquele tempo não podia funcionar consórcios, mas havia os consórcios
clandestinos, e eu trabalhava com eles e vendia carros através de consórcios, e ali ganhava
uma comissãozinha...Então, agente se virou até que veio a época da Revolução, aí a Revolu-
ção revisou os nossos salários todos, né... atualizou os nossos salários, e as coisas então me-
lhoraram muito. Agente não precisou mais de subterfúgio para aumentar....para dar uma assis-
tência à família, de lá pra cá.”
EGR: [O senhor acha que a revolução, ela vendo a situação dos sargentos é que ela tentou
amenizar, ou o senhor não vê relação com a revolução em si e melhoria do salário?]
AL: “Tem, tem relação. Tem porque não era só nós que reclamava salário, os oficiais também.
Capitão, tenente, tudo isso, nós tínhamos lá capitão professores, que davam aula à noite...na
faculdade...davam aula nas escolas também. Pra você ver, havia uma defasagem bastante
grande, não só para o praça, para os oficiais também. E quando a Revolução assumiu, veio ali
depois um estudo sobre os nossos salários e veio pra nós um aumento mais ou menos digno
pra época, atualizado, e tudo. Foi o que nós começamos a usar, até hoje nós temos esse au-
mento, não é, graças à época que é a Revolução. Ela fez também justiça, não fez outra coisa
não. Porque os oficiais generais que dirigiam, que eram o cabeça daquela Revolução, também
passaram por esse processo. Um general ganhava uma ninharia, poxa vida. Um general que
estuda o tempo todo, desde o começo de sua vida, em escola superior e tudo, ganhava pouco
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mais de um coronel da polícia, dependendo, às vezes, até nem, até menos de um coronel da
polícia. Quer dizer, o cara tava também, como se diz, o cara tava também chateado com essa
situação, né, de não quererem nos pagar, nos dar um aumento, e quando nos davam um au-
mento, às vezes era preciso um oficial chegar na frente do Presidente e dizer assim 'não, o se-
nhor vai dar um aumento, ou então o senhor vai sair do banco, né'... [risos]. Né, porque tinha
que ser meio forçado a coisa. Era difícil, era um aumentozinho mixuruca que às vezes não
valia... Mas agente aceitava porque, agente não podia dizer que não, né era [incompreensível].
O que mais que você deseja saber aí, você pode perguntar, que se eu tiver alguma coisa pra te
falar...Bom...tá...Eu servi no CPOR, também, 5 anos. Nesse CPOR que eu te falei, que nós os
sargentos eram amigos e um ajudava o outro a fazer o [incompreensível]. [NO 23 RI?]
“Não!!! Aqui em Curitiba, no CPOR lá onde é agora o Shopping... Estação, Cidade, ou me-
lhor, Curitiba... Ali tinha o CPOR, tinha a Cavalaria e tinha a Intendência, também, ali atrás.
Então nós ajudávamos...Quando eu fui pra ESA fazer o curso e que voltei, o Backmann ele
estava tendo dificuldades para frequentar as aulas de medicina dele.”
EGR: [Ele era sargento?]
AL: “Sargento. Ele já estava quase no fim e estava tendo muita, estava fazendo muito plantão,
tinha que frequentar muito o hospital, né, aquela coisa toda né. Então ele tava tendo um pouco
de dificuldade. E aí, ele veio e disse assim pra mim: 'Abdon', ele até escreveu lá prá... ele dis-
se assim: 'eu tô tendo dificuldade, quando você voltar você troca comigo, eu vou pra, pra o teu
lugar aí em cima, aqui na administração, pra mim poder estudar, senão eu vou acabar perden-
do o meu curso.' Eu digo assim 'claro Backmann, assim, fala aí com o coronel...o coronel...o
capitão, não é, aí do curso, acerte com ele, já pode fazer a transação e quando eu chegar eu já
vou lá direto pro curso de Infantaria, né'. E foi o que aconteceu, e ele terminou o curso depois,
aquele ano, já estava quase terminando, terminou o curso depois, e no ano seguinte...”
EGR: [Isso foi em 50 e...??]
AL: “Não, foi setenta e...um pra 72. Foi na década de 70 nessa ocasião. Outro também, que
saiu veterinário e foi embora pro norte do Paraná, em Santo Antônio da Platina, o Bornan-
cim[??], que eu te falei também, foi pro norte do Paraná...O Backmann, ele saiu daqui foi pra
um hospital lá em Santa Catarina, ele foi pra lá, né. Eu nunca mais vi ele também não é. Foi
pra lá...Aqui em Curitiba tem...tem....tem um companheiro nosso, também, que ele é médico
de criança, também, um moreno... que serviu com agente também. Então, a nossa função lá no
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CPOR – é até um dos motivos que andaram fechando, foi por esse motivo...foi porque diz-se
que o pessoal do CPOR era um pessoal que não dava atenção ao Exér...à Força..., só tava tra-
tando de..de se intelectualizar, de estudar...e depois saiu fora. Uma [incompreensível] que le-
vavam naquela ocasião, né.”
EGR: [Não tinha perseguição por parte dos oficiais não?]
AL: “Lá no CPOR não. Lá não. Mas em outras unidades o pessoal, às vezes... Perse-
guiam...mas não tinham muita força também não, porque agente fazia as coisas entre nós de
uma maneira que eles não tinham como... -'você tira serviço pra mim hoje? Tiro, mas amanhã
eu tô de serviço, você pode tirar o serviço pra mim? Eu... te pago, eu te dou 50 prata, 50 pau,
poxa, 50 pau agente pegava pra tirar um serviço [incompreensível] Ou então trocava: '-eu tô
de serviço no domingo'; - 'então domingo eu vou vim tirar pra você'. Tirava um serviço do dia
de semana por um dia de domingo, e assim agente fazia. Agente chegava lá e falava: 'Oh, fu-
lano, nós trocamos de serviço... quando agente fazia troca entre um e outro, não havia pro-
blema nenhum, o que não acontecia era agente falar com o comandante lá, pra poder trocar o
serviço da gente...Aí...isso eles não faziam.
EGR: [Eles não autorizavam a troca]
AL: “Não autorizavam a troca, então havia essa dificuldade... Mas aí, depois de 72, eu fui
embora pro 20 BIB aqui, né, eu vim pro 20 BIB, e era uma unidade naquela ocasião, o 20
BIB, que tinha um prestígio muito ruim. Era um prestígio de oficiais carrascos, perseguidores
de sargento, não é...é, unidade que tirava a tranquilidade do pessoal, enfim, péssimo, porque
ninguém queria servir no 20 BIB. Um medo quando estavam aqui, e quem estava de fora
também, falava de 20 BIB eles se viravam de uma maneira de outra pra fazerem trocas, para
não servirem no 20 BIB. E me classificaram lá e eu fui, né...'Vou! Fazer o que!?' Disse assim,
quem faz a unidade não é o medo. Nós vamos lutar pra fazer alguma coisa para resolver o
problema desse prestígio que está tendo lá na unidade, lá no 20 BIB. E logo depois que eu
cheguei lá, dali um tempo, agente fazendo aquele contato com todos os sargentos, o problema
da troca de serviço continuava também...Aí eu fui eleito...eu já tinha um certo carisma, né, prá
liderar as coisas...e esse carisma foi que me fez pagar uns pecados lá atrás, né...[risos]”
EGR: [Ah, é?! Depois eu queria que o senhor falasse isso aí também]
AL: “E daí, então, o que que aconteceu... como presidente do grêmio, comecei a reunir o pes-
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soal, não é, e ali houve uma mudança de comando. Saía um comandante e chegava um outro
comandante. Aí eu peguei o pessoal lá, e disse -“Olha...nós estamos em vias de receber um
novo comandante...nós não podemos continuar com essa nossa situação aqui dentro, de medo,
de ojeriza de oficial, não é...de ter que preferir oficial a metros de distância do que nem se
aproximar... Para se falar com oficial, era na posição de sentido, pô!!! Era naquela posição,
assim, incômoda, né, com medo de ser... retaliado ali na hora. Ou de ser punido. Era '-Sim se-
nhor, não senhor, licença pra me retirar, aquela coisa toda.' Eu digo, então nós vamos fazer um
jantar. Ôô!! A turma me pichou. '-Tu é um puxa saco de oficial! ' Não sei o que é que tem,
aquela coisa toda! Eu digo, meu amigo, eu digo assim: 'oficiais e sargentos estão na mesma
caserna, estão no mesmo caminho, na mesma estrada, eu disse pra ele assim. Apenas as fun-
ções que cada um tem é que divergem, é que diferenciam a nós, disse pra ele assim. Nós va-
mos ter é que nos acostumar em fazer com que eles se acostumem também conosco a convi-
verem juntos... em harmonia!, disse pra ele assim. Não pode continuar com esse negócio de tá
punindo sargento, prendendo sargento, enfim, isto nós temos que acabar com aqui dentro. '-É
porque você é muito puxa saco, e não se o que é que tem...'. - Não, mas eu não sou puxa saco
assim não, estou querendo fazer uma coisa pra nós arrumar essa nossa vida, eu acho que isso
aqui agora é o começo, né. E deu certo...Fizemos um almoço lá no Santa Felicidade,
né....Convidei todos os sargentos, com suas famílias, todos os sargentos e familiares, todos os
oficiais e familiares. Eu fui ao comandante, né, dizer a ele que estávamos... tínhamos feito um
jantar para nos despedir do nosso comandante, que está saindo, e receber o outro comandante,
e recebê-los... Com respeito, né, o novo chefe que vai nos comandar dois anos adiante. E ele
me disse depois que passou em Brasília antes de assumir e a turma lá disse assim, que era pra
ele vir aí e baixar o pau na turma aí. Que a turma merecia baixar o pau, tinha que prender...
disse pra mim isso, né. Porque depois disso eu tinha mais liberdade com ele, e ele me disse –
'eu passei em Brasília, verifiquei ficha de um por um de todos vocês que estão aqui. 'Já vinha
com a cabeça feita, disse pra mim assim. Mas sabe, Abdon, disse ele assim, o que eu vi aqui
não foi o que eles me disseram não.' Do jantar, daquela coisa toda, né. 'Digo, o que eu vi aqui
não foi aquilo.' E eu disse: 'Não comandante, o quartel aqui tem um péssimo, tem um conceito
muito ruim em todo o Brasil, disse pra ele assim. Ninguém quer vir servir nesse quartel aqui.
Isto aqui é o inferno pra todo mundo. Por causa disso, por causa das perseguições, da falta de
entendimento entre oficiais e sargentos.' Disse pra ele assim. 'E o meu objetivo é justamente
aproximar... Nós temos que nos respeitar, e isso é o que é importante. Mas temos que ser ami-
gos também, porque na hora que agente tiver num campo de batalha, na hora que agente tiver
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na frente de fogo ou qualquer outra atividade, nós temos que estar em comunicação um com o
outro, não podemos temer ninguém, temos que estar ajudando um ao outro, não interessa a
quem. A função, depois, é patriotismo. Nós somos todos da mesma arma, infantes; nós temos
que viver em um clima de paz.' E aí, então, ele disse assim pra mim: 'Abdon, vamos fazer o
seguinte: já que você fez esse jantar agora (depois que ele assumiu né), assim, eu vou fazer
um jantar agora pra receber toda a família militar aqui dentro do quartel. Eu mando fazer um
jantar' e disse assim: 'você convida todos os sargentos e oficiais, como você fez, né, no anteri-
or'. E foi todo mundo pra dentro do quartel, com suas famílias né. E aquilo começou a dar um
ânimo, a dar um...um aspecto de mais liberdade, né, de mais entendimento. E eu disse pro
pessoal: 'E vocês, deixem de serem bobos viu, esses que vivem me chamando de puxa saco,'
disse pra ele assim, 'esses caras deviam muito bem dar graças a Deus, porque são os primeiros
na lista dos... retaliados', disse pra ele assim. Tem que andar direitinho. Então, faça as coisas
direitinho. Respeite o oficial, converse com ele, sem ter medo, né. Na hora do esporte, trate
com o mesmo respeito um ao outro, fale. Não tenham receio, não é. E lá fora também, pode
falar, seu tenente, seu fulano, e assim por diante, não é. Não há razão nenhuma para ficar com
medo e nem retaliar. Daquele dia em diante, não houve mais prisão, não houve mais cadeia,
não houve mais punição. Dali a pouco, os sargentos entenderam e viram, né, que realmente
houve uma mudança muito [incompreensível]”
EGR: [Mas era comum sargento ser preso, ser punido?]
AL: “Ah! Qualquer coisinha, qualquer troço, qualquer alteração que desse, ele era punido. E
mandavam pra cá só aqueles caras mesmo que eram casca grossa e ruins, né... que gostavam
de fazer bagunça, e mandavam pra cá, justamente para ser enquadrado, né, entrar nos eixos.
Então aqui é uma unidade...Mas eu, felizmente, consegui. Eu institui também, dentro da As-
sociação Médica, né, que hoje tem aí, que é a Unimed, naquele tempo a Unimed não existia,
então os médicos que abriram a Unimed, eu fui com eles, conversamos, e nós dávamos assis-
tência médica, porque a nossa assistência médica era muito ruim né, pra dar pro nosso pesso-
al, pra nossa família militar, não tinham assistência. Aí começamos dar, então foi lá...fazer a
consulta, tratar os dentes. No fim do mês, o que agente arrecadava de contribuição do pessoal
pra ajudar, era bem inferior do que a Associação tinha que pagar, né, para aqueles médicos. E
depois surgiu a Unimed também não é, e assim por diante. Mas... o quartel passou a ter uma
vida de tranquilidade e eu fiquei lá 7 anos e eu só saí, porque eu saí oficial de lá, porque uma
unidade muito boa né. E aí veio outros comandantes também, que assumiram, continuou da
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mesma forma, aquela descontração, no jogo de futebol, né, aquela brincadeira toda com ofici-
al e sargento. Havia, houve um entrosamento, né.”
EGR: [Como é que era antes, ali no jogo de futebol?]
AL: “É... não se jogava futebol com oficial. Sargento, sargento, oficial, oficial. Quando era
pra fazer um jogo com oficial, puta, aquilo tinha que fazer uma seção pra decidir se fazia ou
não fazia, pra evitar justamente esses problemas, né. Mas..., voltou ao normal. E hoje eu me
sinto, quando eu entro lá dentro naquele quartel, que olho lá e me sinto feliz, e digo, muita
gente, meus colegas, que estão, que estiveram aqui, né, que naquela ocasião me picharam e
tudo né, sabem do trabalho que...mas não abrem a boca por questão de vaidade, 'não, fulano,
isso aqui melhorou muito quando o Abdon assumiu o grêmio'. Tanto foi verdade, quando veio
a eleição, depois, né, para agente poder ficar, não sei se um ano ou dois anos né, no grêmio,
eu perdi essa eleição, porque eu não fui correr atrás de ninguém. Eu digo, né, cada um vote
conforme sua consciência né. Acho que ainda nutriam sobre mim alguma, algum ressentimen-
to, como puxa saco, essas coisas assim, que você conhece de caserna, né. E hoje o quartel
quando se chega lá, todo mundo quer servir, no 20 BIB, pode perguntar, diz-se assim 'ah! Eu
quero o 20 BIB, é uma ótima unidade. Acabou, apagamos aquele conceito que ele tinha, de
unidade péssima e ruim. Por nós mesmos, justamente por agente ter esse entrosamento. E todo
mês, depois que o coronel fez esse jantar lá, todo mês havia um jantar. Um mês era a Associa-
ção que pagava, outro mês era o coronel quem fazia. Ou lá fora, ou dentro do quartel também.
Né, agente fazia. Então nós, durante todo tempo desse comando lá, do coronel Válter da Costa
Reis, nós tínhamos festa fim de mês. Lá entrava a família do militar lá dentro, as crianças iam
brincar lá, corria lá dentro, passava o dia lá brincando, as mulheres entravam lá em tudo, iam
lá pra cantina. Tinham liberdade como se estivesse dentro de casa. Então [incompreensível]
agente costumava fazer lá fora, no Pinheirão, noutra casa assim, um pouco mais, era mais so-
fisticado o ambiente, pra levar o pessoal. Tinham mulheres ali que nunca tinham entrado den-
tro de um restaurante, meu Deus, né, foi pela primeira vez, dentro de um restaurante. Tinham
esposas de militares ali que nunca sequer um dia foram num jantar dançante, agente levou es-
se pessoal, olha vamos dançar lá, jantar e dançar, fazer a festa. E saiu. Bom, ali do 20 BIB,
com minha saída de lá, eu encerrei meu currículo, né, mas felizmente eu me saí bem, graças a
Deus, e consegui transformar...quer dizer, consegui fazer a cabeça dos meus companheiros,
né, a... porque todos nós, sem exceção, foi quem promovemos essa harmonia, né. Cada um se
conscientizou, né, que nós como militar, como sargento, apenas as funções é que eram dife-
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rentes. Não há nada diferente além disso. A cultura dele é uma...nós temos ...sargentos...Tinha
sargento ali, eu tinha sargento ali que era odontólogo, trabalhava lá fora no consultório dele, e
nós oferecemos para ele trabalhar lá dentro do quartel para nós, para...para o grêmio, e ele dis-
se: '-Não Abdon, eu venho, mas eu quero ter a regalia de oficial odontólogo.' Tu acha que os
oficiais deram? Não deram. Não deixaram ele trabalhar dentro do quartel...como ofici...como
odontólogo, né porque ele queria ter a regalia, ele queria trabalhar o meio-expediente, né, en-
trar lá, ficar lá dentro trabalhando, e quando terminar o meio-expediente..[incompreensível] ir
embora. Então ele queria ter essa regalia e eles não deram pra ele essa liberdade, né. -'Não,
tem que ficar e trabalhar até às 5 horas da tarde!'. Eu digo 'não, então eu não vou trabalhar',
disse ele assim. -'Porque se for pra trabalhar desse jeito, qual é a compensação que eu tenho,
né, como um oficial? Em odontologia, né, formado, e chega um oficial da escola aí, chega
aqui faz meio-expediente, vai embora, e pronto, e eu não. Eu faço o mesmo serviço que ele
faz e tenho que permanecer à tarde aí...toda no quartel. Então eu não vou.' Não aceitou. Essas
coisas existiram, acho que ainda existem hoje talvez, acho que ainda devem existir, né. Toca-
mos o barco. Ah! Você falou que queria saber da época da Revolução, não é!?
EGR: [O senhor falou que o senhor pagou alguns pecados por causa da liderança que o senhor
tinha!]
AL: “Sim, da liderança que agente fazia dentro dos quartéis, né. É, naquela ocasião, como eu
te falei no início, nós queríamos estudar, né. Era muito difícil... o pessoal não pensava em es-
tudar. Aqueles que se...queriam estudar, justamente, lideraram, saiam à frente, como foi o nos-
so caso, né... E... por agente falar um pouco demais com o pessoal, dentro do quartel, eu não
sei quem, ou o motivo, mas, um ou outro na hora em que houve a Revolução, todo mundo foi
chamado pra...né...depor perante uma junta lá, que fizeram nos quartéis, em todos os quartéis,
pra saber qual é a condição do sargento, né, porque falavam muito que os sargentos iriam
formar uma tropa, né, e ir de encontro aos oficiais.”
EGR: [Se falava isso no quartel?]
AL: “Falava...E lá no meu...ali na Intendência, onde eu servi, eu fiquei sabendo depois, que
quando agente se reunia lá com o pessoal lá os sargentos, às vezes tava em bolinho, os oficiais
corriam tudo pra uns pontos estratégicos, lá, armados, e ficavam lá à espreita, esperan-
do...esperando essa... explosão, não é, de guerrilha, né. Quer dizer, os camaradas iam declarar,
iam prender o comandante, assumir a unidade, iam marchar em direção a não sei o
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quê...falavam assim, né, para tomar essa coisa aí, essa coisa que estava acontecendo. Mas essa
coisa que estava acontecendo era exatamente a mesma coisa que a Revolução tomou. Era a
repatriação do nosso povo não é!? Naquela ocasião, o comunismo estava quase sendo implan-
tado, só não foi implantado porque o Exército meteu a mão, senão... hoje nós estávamos pa-
gando os mesmos pecados que … ali Cuba tá sofrendo. Porque nós andamos na beirinha, não
demorou muito, e muita gente ainda hoje fala: -'Ah!! A ditadura militar'. Eu digo, no meu mo-
do, no meu ponto de entender, que não foi ditadura. Foi a libertação do país do escrava...do
regime comunista. É o que foi a Revolução, foi a libertação do país desse regime comunista
que na época tava se implantando. Tinha gente muito importante, como a Dilma, também, a
Dilma também matou soldado, é assassina, ladrona, e tá aí agora por cima. Só que as condi-
ções hoje são um pouco diferentes, mas antes, o que é que faziam os militares? Ficavam de
boca fechada porque, depois que os militares passaram a política pros civis, né, o que é que se
viu fazer? Não fizeram mais nada. Só faziam agitação, começaram a roubar...do povo, não é.
Não fizeram mais um quilômetro de estada asfaltada. E o que é que fez a Revolução? A Revo-
lução fez alguns milhares de quilômetros de estrada asfaltada, abriu até a Transamazônica, né.
Só não chegou a Cucuí não sei porque, eu não me lembro..., não é. Fez a Itaipu, né. A Itaipu
eu ouvi alguém tá falando que ela foi feita justamente para evitar um combate entre o Brasil, o
Paraguai, evitar a Tríplice Aliança, aquela coisa toda né, naquela ocasião. Evitar este combate,
porque os nossos soldados, os nossos oficiais e sargentos que serviam em Foz do Iguaçu fazi-
am a guarda daquela fronteira e viviam de vez em quando se atirando, né, constantemente,
faziam guerra de um lado e do outro e com bala real, pô. Tavam brigando. Chegava lá, aquele
barco que era no meio do rio, e chegava lá, tava do lado de cá. Os paraguaios queriam que o
rio inteiro fosse deles. Aí o pessoal chegava lá e botava o barco no lugar certo, e dava aquela
briga toda, né. Então pra evitar uma guerra nesse sentido, resolveu-se fazer a Itaipu no meio
daquele rio e dividir. E o Brasil ainda financiou o Paraguai. Ele não gastou um tostão pra ter o
direito da metade daquilo lá. E hoje ele vende pra gente o excesso de energia, que nós usamos
muito né, e ainda assim mesmo exigem uma majoração quando o contrato deles ia até agora
2020, ne, como foi feito naquela época. E foi o Lula lá agora encher, encher os bolso dele,
aumentar e tudo, '-Não, vocês merecem'. Mas ele não sabe da história, como é que foi, por
isso ele faz tudo isso aí. Eles não gastaram um tostão. O que se criou naquela ocasião tam-
bém? Logo que a Revolução começou? Criou-se o Banco Nacional da Habitação, você já ou-
viu falar?”
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EGR: [BNH?]
AL: “É..BNH. Olha., a construção foi tanta nesse país, que você não encontrava mais uma
criatura desempregada...nesse Brasil. Eu mesmo quis fazer uma casa também, pra mim, tive
que esperar 1 ano! Os operários...os pedreiros que construíam a casa, porque tinha que entrar
na fila...! não existia mais assim, era tamanha a falta de mão de obra. [incompreensível] foi
feita tanta casa, tanta casa, pra todo lugar que você andava era um sufoco de construção. É as
indústrias de cimento, de cal, enfim, de ferro, pô tiveram um desenvolvimento fabuloso, toda
a indústria do país inteiro. Depois o consumo começou também a aumentar, né. Houve um
progresso muito grande.”
EGR: [O senhor teve a 1ª casa... o senhor era o quê, 3º sargento?]
AL: “3º sargento. Fiz aqui em Curitiba, quando cheguei aqui, em 1960, né, ali 61, 62 por aí
assim, mais ou menos. Eu fiz essa casa ali no Guabirotuba, ainda. Ela tá lá a casinha, ainda.
Eu arrumei um empréstimo na Caixa Econômica. Prestígio da época de um coronel que nós
tínhamos lá dentro do quartel, porque naquela época a indústria, os bancos, todos já estavam
até aqui com esse problema do comunismo, neste país. Era um desrespeito, roubalheira, inva-
sões....era estudante lá, da UNE lá querendo se promover, fazendo arruaça, sem saber o que
estava fazendo da vida. Então o mercado de um modo geral, e o povo pedia: '-O Exército tem
que tomar a frente, senão nós vamos cair nas mãos do comunismo!!.' O pessoal pedia, né. E
aí, agente então, conseguiu esse financiamento pra fazer essa casa, com muito trabalho, mas
fiz, né. Passei a morar nela. Assim que eu acabei de fazer a casa, porque eu morei ali, eu fi-
quei uns dois anos, estudava À noite também ainda. Saía de casa, chegava do quartel, e do
quartel às vezes agente ia direto pra escola, aí depois chegava em casa. Dali uns tempos, em
64 veio a Revolução, o pessoal daqui de Curitiba foi até a divisa dali entre o Rio e São Paulo,
e de Minas Gerais pra cá veio uma outra força também, né, que era força contrária, queriam
afogar a nossa força, a força do sul. Eles queriam afogar, queriam...Mas quando chegou ali na
divisa...lá na divisa do Rio, lá, de um lado estava a nossa tropa e do outro estava as tropas que
vieram de Minas Gerais, o pessoal que era governista, né, a favor do governo. Aí nós disse-
mos assim: '-Mas por quê que nós temos que brigar como irmãos? Por causa dessa turma de
políticos, né, que querem se promover, e fazem as coisas sem pensar?' Aí o nosso comandante
da tropa, né, que, se não me engano era o meu comandante ou do CPOR, nessa ocasião, que
foi comandando essa tropa. Foi lá e pegou e mandou um mensageiro do outro lado do rio,
com a bandeirinha branca, né. Porque se passasse pra lá e não levasse a bandeirinha branca,
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entrava no chumbo. Aí chegou lá, bateu a bandeirinha branca, e aí falou pro comandante, o
nosso comandante, o coronel Adir, quer falar com o comandante da tropa. E aí entraram em
acordo. '-Disse assim: por quê é que nós temos que nos matar? Nós temos aqui do lado de cá
pais de família que tem a mulher do lado de lá e filhos do lado de lá. Tem pais de família do
lado de lá tem que matar...Por quê que nós temos que matar pessoas...nossos irmãos, para de-
fender o interesse político desses...políticos corruptos?' Aí disse ele assim: '-Você tem razão,
disse ele assim. [Incompreensível] vamos unir a força. Vamos unir a nossa força, disse ele as-
sim. E vamos voltar a Brasília, e eu vou tomar o governo...Foi quando aconteceu...Vamos
chegar lá e vamos tomar o governo. Vamos depor aquele presidente corrupto, assim nós aca-
bamos com isso. Foi o que aconteceu depois. A nossa tropa voltou, a tropa deles voltou tam-
bém. E aí entrou, foi no dia 31 de março, se não me engano. Era o General Castelo Branco,
que era o comandante que estava por trás de tudo isso, né, assumiu. Assumiu e já em segui-
da...e aí começou a bagunça, aí fora, né, do pessoal que não queria. E o Exército, e as Forças
Armadas começou a correr todo o país pra poder afogar essa coisa toda. E aconteceram mui-
tas mortes... havia muitas prisões também. Pessoas que viviam fazendo fofoca, o Exército
prendia. Tinha que prender mesmo, não é...tava fazendo agitação dentro do país.”
EGR: [Mesmo militares também?]
AL: “Mesmo militares. E dessa ocasião, foi que eu também fui enquadrado, porque nas res-
postas que nós tivemos lá de que nós éramos do “Grupo dos 11” né. Esse Grupo dos 11 era o
grupo que iria liderar a revolta contra os oficiais. Nós íamos fazer uma...uma tropa para ir
contra o governo federal né.”
EGR: [Isso ali no 20 BIB?]
AL: “Lá na subsistência lá. E tinha oficiais também. Tinha oficiais também que nos apoiavam.
Até um deles depois também foi pra rua. Mandaram ele embora, um homem muito bom, um
oficial. Mandaram ele embora, porque ele apoiava...mas não era essa a intenção. A intenção
era agente manter o Brasil livre de... comunismo, dessa esculhambação. Botar em ordem, or-
ganizar. Mas não tinha nada disso, não. Tudo aquilo era...Você sabe como é sargento, né,
quando se reúne, né, é festa daqui, é festa de lá, cada um diz uma coisa aqui diz uma coisa ali.
Diz uma besteira aqui, diz uma besteira ali. E naquela ocasião ninguém tinha experiência ne-
nhuma, falavam besteiras de tudo e quanto é jeito e isso veio a prejudicar muita gente.”
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EGR: [Esse Grupo dos Onze quem era?]
AL: “Ah eu não sei o nome de todos eles não.”
EGR: [Mas eram sargentos!?]
AL: “Eram sargentos. A maior parte deles foram expulsos, né. O Valmor hoje é industrial aí, é
quem comanda o aeroporto Afonso Pena, é um homem do comércio aí. Era um deles. Nós te-
mos um outro que era advogado, que foi embora pra Cuiabá, que era a terra dele, foi mandado
embora. Ele saiu chorando dizendo assim: 'eu adoro ser militar.' Agente tinha verdadeira pai-
xão por ser militar, por isso agente fazia tudo isso, né. Agente era patriota ao extremo, né. Por
que agente, não, nós temos que lutar pela nossa pátria. Quando ele foi embora pra Cuiabá,
chegando em Cuiabá...como aqui, naquela ocasião começou os tais cursinhos pra vestibular,
que não existiam antes, ele chegou e montou um cursinho lá também. E deu certo. Com esse
cursinho ele botou outro cursinho, comprou uma fazenda com mais ou menos quase 2 mil
bois, botou o pessoal lá pra cuidar. Aí apareceu uma outra fazenda lá, ele comprou uma outra
fazenda, quase do tamanho daquela lá, né. E aí um dia eu me encontrei com ele em...na praia
lá em Santa Catarina, ele disse assim: '-Abdon, eu saí daqui chorando, e chorei ainda por um
bom tempo, por ter ido embora [incompreensível], mas hoje, disse assim, se tivesse uma outra
Revolução, eu iria fazer a mesma coisa. Porque olha, tô aqui agora, vou ficar 3 meses aqui na
praia, mas não me incomodo com nada. O meu pessoal faz tudo pra mim. Se eu quiser di-
nheiro é só eu pegar o telefone e ó fulano, me põe tantos mil reais aí, tantos milhões aí na mi-
nha conta, na mesma hora, daí a meia hora o dinheiro tá cá na minha conta. Eu tenho dinheiro
que eu até nem mais sei, disse ele assim. E todo esse pessoal que eram dessa época se saíram
bem. Só um que não se saiu bem, o Teixeirinha, que ele era também agitador mesmo, né, de-
pois ele ficou doente. Mas mesmo assim, ele depois que saiu do quartel estudou, se formou,
formou-se em direito, e trabalhou inclusive com o Requião, no governo do estado. Depois de-
sapareceu do mapa não fiquei mais sabendo dele. Quer dizer, todo mundo saiu bem. Eu é que
fiquei no quartel, é que fiquei um sargentão, e vim pra cá depois como oficial [risos] me apo-
sentei, né. Talvez se tivesse tido esforço, talvez tivesse tomado alguma atitude, porque tinha
muito campo naquela ocasião, pra gente desenvolver, né.”
EGR: [O senhor sofreu alguma sindicância? O senhor falou que tiveram algumas perguntas...]
AL: “Não, tinha...teve sindicância, até inclusive eu tive preso. Eu e o Valmor tivemos preso,
eu o Valmor e o Teixeira tivermos presos lá no Boqueirão, durante 4 dias nós tivemos presos.
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Porque não sei quem disse lá que nós estávamos liderando e ….e íamos formar uma tropa,
não sei o que é que tem aí, né, pra combater os militares, aquela coisa toda.”
EGR: [Pra combater os militares?...]
AL: “É, pra combater os militares que eram contra o governo, né.... que era a favor do gover-
no né. Só que era essa a ideia deles também. Foi feito depois. Falavam que nós éramos comu-
nistas dentro do quartel. Mas foi aquilo que eu te falei: a turma era tão baixa intelectualmente,
que quando se, se... tinha um pouco de cultura, um pouquinho, que sobressaíam, era alvo de,
era objeto de olho grande de todo mundo. De crítica inclusive, até. É que a turma depois fica-
va chateada com aquilo, mas também dizia, né, é besteira, né. Aí fui transferido pra Salvador.
Fiquei dois anos lá, eu e esse capitão também, que era oficial e que era nosso companheiro
também e agente ia lá conversar com ele, e disseram que agente ia pegar tropa, e se reunir
com o quartel dele, e ia lidera uma...uma guerra aqui, interna. Não era ninguém, nunca teve
ideia nenhuma de pegar contra...tudo o que nós queríamos era paz...amor, não é. Nós quería-
mos era que as coisas funcionassem tudo direitinho...sem aquela vagabundagem a qual nós
éramos contra. Aquilo, aquela vagabundagem que existia lá no Rio de Janeiro. Aí nos outros
locais também...mesmo aqui em Curitiba que às vezes surgia um ponto aqui e outro ali, as ve-
zes né.”
EGR: [Acontecia o que?]
AL: “Ali esses caras que roubavam, arrebentavam loja, massacravam, espoliavam, faziam al-
gazarra na rua, fazia aquelas coisas todas. Tudo coisa de jovem, né. Mas né.. [pausa] e infe-
lizmente depois...da Revolução, não é. Aí o governo foi obrigado a lançar o Ato 5, né, número
5, porque havia muita, muita morte, muito roubo, desse pessoal que ainda queria implantar o
Comunismo no Brasil. Aí deixaram, deixaram de aparecer aqui o Fidel Castro, o Che Guevara
aquela coisa, a turma toda, né. Você sabe que nós tivemos um capitão que ele era também co-
munista, né!? Ele saiu pra pegar a Companhia dele todinha, e pegou todo o armamento e foi
pra...né”
EGR: [Carlos Lamarca?]
AL: “Carlos Lamarca. Um cara fabuloso, né. Saiu e foi, só que depois acharam a testa dele
com uma bala bem no meio da testa dele né. Encontraram ele [incompreensível] não ficou pra
contar história.”
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EGR: [Esse capitão que o senhor falou, ele foi mandado embora por quê? Ele foi investiga-
do?]
AL: “ÉÉ... ele foi investigado...mas ele era oficial de Intendência, né, um capitão de intendên-
cia, né. E ele disse pro nosso pessoal que a hora que agente precisasse de um apoio né, de fu-
gir de algum cerco, alguma coisa, tentando [incompreensível], podia [incompreensível] que
ele nos dava o apoio. Foi esse...[risos] o mal dele, que era apoiar os sargentos guerrilheiros ali
de um quartel de intendência, nem de infantaria não era. Você vê que ideia , ne.”
EGR: [Mas tinha alguma organização esse Grupo dos Onze?]
AL: “Não tinha nada rapaz, tudo era só conversa...só conversa....o que agente queria lá era
justamente o que toda a revolução fez, manter a ordem nesse país. Nós criticávamos essa va-
gabundagem do Rio ...criticavam até os militares às vezes por não tomarem uma atitude, por-
que onde é que já se viu, poxa vida. Quem é que manda nesse país, se não forem os militares
agora, porque os militares naquela ocasião tinham um prestígio, um conceito muito alto de-
pois da...,... porque a... a Desde 59, que começou esse movimento, com esse governador do
Rio Grande do Sul, né, que vivia pulando o muro, foi que começou toda essa agitação. Políti-
co...que fez essa agitação, e o que é essa agitação? O João Goulart foi pra lá depois, também,
por causa dele lá, com o governador e, não sei o que ele quis fazer, eu sei, [incompreensível]
não deu certo, e aí teve que abandonar. O Exército chegou, e botou pra fora e disse 'você vai
ficar preso'. Mas quando ele viu que ia ficar preso, já se mandou e foi pro Paraguai, Uruguai,
morreu lá, não voltou mais.
EGR: [O senhor sabe que dizem que a Revolução aconteceu um pouco foi por conta de uma
rebelião dos sargentos que teve lá em Brasília...]
AL: “Também.”
EGR: [Será que havia medo de os sargentos tomarem o poder?]
AL: “Tava relacionado com aquilo tudo... de Brasília, tinha o pessoal da Marinha, eu só não
ouvi falar...da Aeronáutica eu não me lembro de ter...mas da Marinha era bastante...o pessoa
era bastante 'quente', como se diz né. Então havia muito estas [incompreensível] eles temiam
muito os sargentos. Oficial temeu demais a força dos...mesmo porque o sargento, no quartel,
ele comanda tudo! Não sei se você já observou! Se não houver o sargento dentro do quartel, a
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Instituição não vai pra frente, a administração não vai pra frente, ninguém vai pra frente, por-
que os oficiais não fazem isso...Nunca fizeram e não fazem! Eles só sabem é ficar lá, no cargo
de chefia, ali, né, dando orientação, técnicas, e nada mais.”
EGR: [Na época do senhor era assim?]
AL: “É... na minha época nós já tínhamos força, porque a instrução quem dava era o....'porque
o sargento fulano de tal é um ótimo...comandante de pelotão' ou 'sargento fulano de tal é um
ótimo instrutor de educação física' , 'o sargento fulano de tal é um ótimo instrutor de ordem
unida', 'o sargento fulano de tal dá uma instrução de....de...de guerra, de...enfim, o problema
de guerra, maravilhosa!... dá uma aula que o pessoal fica ligado na aula que ele dá.' Quer di-
zer, agente tinha isso aí. Aí o pessoal começou a levantar, começou a estudar, começou a se
melhorar, né. E começou a aparecer. E depois com essas revoltas todas de sargentos da Mari-
nha, de Brasília também né, que quase deu guerra, né....Aí todo mundo ficou com medo nos-
so, que [risos] também. Disse assim: 'olha, os sargentos tão aqui, estão se reunindo, essa coisa
toda'. O chefe da nossa organização, que eu nem sei quem era, porque, não tinha organização
assim, porque era um por um, né. Que era [incompreensível], mas agente de vez em quando
sabia ne, que o pessoal de lá entrava em contato com o pessoal daqui, falavam, aquela coisa
toda. Sempre tinha alguma coisinha. Mas nunca no sentido de querer ir contra a pátria, né.
Isso aí não. Isso aí nunca houve um pensamento ir contra a própria pátria.”
EGR: [O pessoal da 2ª Seção... tinha sargentos que trabalhavam na 2ª Seção ?]
AL: “Tinha, tinha vários sargentos que trabalhavam lá.”
EGR: [Existia um certo medo?]
AL: “Não falavam nada!. Não falavam nada pra nós! Agora de nós pra eles lá eles falavam.
Muitos, muitos, muitos, falavam às vezes até erradamente.”
EGR: [Fofoca também?]
AL: “É...[incompreensível] a maneira conforme agente interpretava as coisas, né, e daí o ofi-
cial também já, você sabe como é que é essas fofocas, elas vão criando perna, criando perna,
no fim formam um saco de coisas né. Não tem outra, não tem outra função. Da mesma forma
quando veio a Revolução, quando o troço estourou mesmo, nós ficamos felizes da vida. E fo-
mos, fomos punidos porque daí fomos levados à expulsão, fomos levados para, para os bancos
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de réus. Fomos presos. Né porque nós éramos, nós éramos favoráveis, não é. Não, não éramos
favoráveis. Não, ninguém. Coronel que chegava...'-Coronel, ninguém aqui tá com essa ideia
de querer lutar contra a pátria, disse pra ele assim. Ninguém. O que vocês fizeram era o nosso
[incompreensível] ideal, e isso, isso aí foi mal entendido de vocês, disse pra ele assim.' E foi
mesmo não é. Mas prejudicou muita gente! Muita gente, foi pra rua que não devia ir! E pas-
sou mal, e passou até fome depois né. Por causa desse processo...”
EGR: [Uma pergunta direcionada para a carreira do senhor. Como era a cobrança dos oficiais
em relação aos sargentos? Cobranças de tudo: cobrança do sargento ser disciplinado, a co-
brança do sargento ser disciplinador em relação ao soldado... essa cobrança mudou duran-
te...?]
AL: “Não, melhorou completamente, né. Mudou. Havia um respeito já depois. Mais tarde,
quando eu saí oficial, o sargento já era respeitado. Só aquele que era mau elemento mesmo,
né. Que vivia no boteco enchendo a cara de cachaça, fazendo bagunça, mesmo assim eles
eram tratados com bondade como dizia a nossa, a nossa arma, né. Com bondade, mas mudou
bastante. Não havia mais aquela coisa de querer punir o cara só porque uma noite encheu a
cara de cachaça ou então foi na zona quebrou tudo lá. Não, isso não, não aconteceu mais. É,
eu acho que o relacionamento cada vez ficou melhor e eu acho que hoje também, o relacio-
namento deve estar muito bom entre oficiais e sargentos. Pelo menos do que eu vejo quando
eu vou no 20 BIB lá, com o pessoal, né. Aqueles oficiais daquela época quando serviam co-
migo, vêm conversar com agente ali, né. Não tem aquela pompa, né, de oficial. E eu até me
surpreendi ultimamente agora lá no mês passado, que o general, o general de 4 estrelas, lá do
norte do país, general Salvador, que até esteve lá neste país que teve o terremoto lá, né!”
EGR: [No Haiti!?]
AL: “Veio fazer uma visita aqui em ...veio fazer uma visita pelo convite dos oficiais daquela
época, né, que se formaram com ele. A última turma dele. E eu fui convidado também para
comparecer lá, porque eu servi com ele quase 5 anos, 4 anos e pouco. Eu cheguei...falei 'Ah, o
cara deve estar com o peito largo deste tamanho...' Que simplicidade de pessoa, cara!!! Porra!
Que humildade! Conversando com todos nós assim, né, aquele jeitão dele. Até na hora da
apresentação, na hora que ele chegou, que o comandante do 20 BIB foi apresentar, ele botou a
mão no ombro do comandante e disse assim: '-Parabéns, você é um ótimo comandante, você
tá comandando muito bem a sua unidade, viu!'. Quer dizer: ele não tem. Ele não tinha mais
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aquela vaidade que muitos oficiais naquela ocasião nutriam né, aquele orgulho de ser oficial,
de ser isso de ser aquilo. Ah, e hoje, nós temos sargentos também aqui que fazem...eu não te-
nho mais contato com ele, mas eu acho que deve continuar... o que...desde que é autorizado
também a usar paisano dentro do quartel e tudo, né, essa coisa também eu acho que aproxi-
mou mais ainda dos oficiais. Todo mundo entrava do quartel paisano e saía paisano. Ninguém
mais sabia quem era sargento, quem era cabo quem era oficial.”
EGR: [Isso começou quando? O pessoal começar a ser autorizado a usar o paisano?]
AL: “Não sei, essa parte que fizeram aí foi devido a retaliação desse governo aí do Fernando
Henrique, né. O Fernando Henrique no governo dele, no primeiro governo dele, ele começou
a fazer retaliação dentro do Exército. Porque ele também foi um dos perseguidos, como ele
diz, né, pela Revolução. E aí ele diz que foi o Exército que foi o responsável por tudo aquilo,
não é. Devia dar graças a Deus, por poder ficar 20 anos lá na França, não sei aonde, dando
aula em faculdade e tudo! Ainda vem pra ficar querendo perseguir o … os sargentos, né, o
Exército. E aí depois de lá pra cá, começou a cortar verba... e sem dinheiro não se faz nada...aí
o comando não tinha dinheiro para comprar alimentação, nem roupa pro pessoal, mandaram
reduzir o efetivo e reduzir o expediente também. Ah! Muita gente que nunca tinha visto isso
ficou contente no começo, feliz da vida: '-Pô meio expediente!! que maravilha, que maravi-
lha!! Eu já tava na reserva..[incompreensível]”
EGR: [E como era o tratamento dos sargentos em relação aos soldados?]
AL: “O soldado era tratado com bondade, e com respeito. Toda vida foi assim. E os soldados
tinham veneração por determinados sargentos. Éramos amigos deles, éramos o homem de
confiança dele, era o homem que... qualquer coisa que houvesse falava com ele, pra tirar dú-
vidas, né. Os sargentos e os soldados é uma ligação que toda vida existiu e vai continuar exis-
tindo e nunca vai acabar. E é justamente a força maior do Exército está ali, sargento soldado.
Enquanto tiver sargento soldado existe Exército. Se tirar esses dois elementos acaba o Exérci-
to. Por isso que nosso Exército está fracassado agora, porque não tem soldados lá dentro. Sol-
dado é para ficar, como no meu tempo, de manhã fazendo ordem unida, instrução de sala,
campo, campo de tiro, não é, marchas por aí afora né, acampando tantos dias na serra, tantos
dias aqui, tantos dias lá, e assim por diante, né. Saindo pra fazer suas instruções, né. O sargen-
to ali na frente do seu pelotão. O cabo na frente do seu grupinho e assim por diante. né. Todo
mundo seguindo aquele mesmo raciocínio. Oficial de dia é pra fazer assim, o sargento tam-
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bém transmitia, o cabo transmitia, e o pessoal tudo executava. Sem nenhum... um ou outro, às
vezes, '-Ah! Sargento é muito ruim pra mim, ele é um cara muito ruim!! Mas às vezes o sol-
dadinho também era safado, né...Porque soldado é danado, né, você sabe que é, mas às vezes
tem que...tem que comandar um soldado com uma certa imposição, né. Senão ele não nos
obedece... não obedece. Se você não comandar ele... Eu hoje passo na rua, vem o soldado da-
quele tempo e vem me abraçar!! Me chama de sargento ainda, '-Ah! Sargento! Como é que tá
você ?', e coisa, não é. Aí eu digo, -'Mas de onde eu te conheço?' - ´Ah! Eu servi lá no 20.
Lembra que eu era lá da Intendência! Não sei o que é que tem... naquele pavilhão lá...' E as-
sim por diante, contando. Digo: 'Ah! Agora tô lembrado muito de você; agente se lembra de-
pois... que fica gravado, reabre a memória. Muita gente...Até um preto, um rapazinho preto
aqui, que eu vou pra academia todo dia, né, eu saio de manhã e ele vem de lá pra cá. Ah, ele
não passa sem me dar um bom dia. E hoje, um cara, ainda passou por mim, me cumprimentou
e tudo, e eu nem vi de onde ele era...esse é um dos tantos que me conhecem...'-Ô sargento,
como é que vai você !?? tudo bem, e tal, aquela coisa toda.' né. Então, o sargento também era
bem.. tratava o soldado.. gostava muito do sargento. E na ordem unida também, todo mundo
preferia ter ordem unida com o sargento tal. '- Ah! Eu gosto do sargento tal, eu gosto da ordem
unida que ele dá, eu gosto da instrução que ele dá.”
EGR: [ O senhor já chegou a ver alguma vez alguma expulsão, aquela cerimônia de expulsão]
AL: “Muitas... Muitas. Muitas de soldados”
EGR: [E como é que era essa cerimônia?]
AL: “Ah, é triste, é triste. Às vezes, não é. Você põe a tropa em forma, depois leva o soldado
ali, o que vai ser expulso, né, com a guarda né. Ali na hora você troca a roupa dele, quer dizer,
tira a roupa militar e já vai com a roupa paisana ali por baixo. A tropa faz meia volta [pausa] e
tocam lá, e ele desaparece e depois ninguém mais vê ele. Ia pra polícia, levavam ele pra polí-
cia, exatamente. Aí a polícia vem lá pega ele põe dentro do camburão e levava embora. Quan-
do tinha algum problema, que a justiça tinha que resolver, levava pra cadeia já, né. E quando
não tem, leva ele pra delegacia né, é fichado como mau elemento. E depois vai embora e de-
saparece.”
EGR: [Chegava a rasgar a roupa dele também, não? Ou só tirava?]
AL: “Não, não. Nos quartéis que eu servi, nunca chegaram a rasgar a roupa deles não. Só tira-
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vam. Respeito...com delicadeza, né. Sem nenhuma brutalidade, sem nada. Ele ficava paisano,
só. Ele já ia paisano, já estava preparado para aquilo. Dali depois a única coisa
é...[incompreensível] porque naquela ali o pessoal chorava pelo companheiro, meia-volta né,
virava as costas e vai embora. Aquela corneta tocando....aquela música fúnebre, né. E o cara
vai embora, né...Poxa vida...”
EGR: [Isso era só soldado que era expulso assim?]
AL: “É, que eu vi foi só soldado. É houve sargento expulso também, [incompreensível], mas
aí os sargentos não tinham essa cerimônia não. Sargentos eles expulsavam, é, eles chegavam
lá, pegavam todas as coisas dele e caía fora né.”
EGR: [O senhor teve algum militar, algum oficial ou algum sargento que o senhor se espe-
lhasse? O senhor, lá no início da carreira do senhor, pensou, não, eu quero ser um militar des-
se jeito]
AL: “Ah! Que eu espelhasse propriamente não, né. Eu sempre gostei de andar bem... bem tra-
jado, com a roupinha com vinco, sapato brilhando, né. Cabelo cortado. Sempre eu anda-
va...mas eu admirava, sabe. Admirei um companheiro aqui no 20 BIB, que era o sargento Sa-
les [?] da época. Sales [?]. Esse cara foi um máximo. A roupa dele, todo dia era mudada. A
mulher dele devia ter um trabalho danado pra poder vestir esse homem. Vinco, gomada, sapa-
to brilhando, cabelinho cortado, na pinta, quer dizer, ele, naquela pompa, né, que ele era muito
vaidoso, muito orgulhoso. Então, agente achava aquilo interessante, né, a maneira com que
ele se apresentava. Então todo mundo sabia, né, 'o Sales se veste muito bem, o Sales...a roupa
do Sales não tem ninguém que possa botar um defeito sequer. É uma perfeição.”
EGR: [E em termos de competência profissional, o senhor se espelhou em alguém assim?]
AL: “Não, nunca procurei...modelos, pra mim poder...nunca procurei modelo. Eu procurei
fazer as coisas certas, né. Eu imaginava alguma coisa, que eu tinha que fazer. Eu conversava
com meus superiores, né, do que eu estava fazendo, e às vezes recebia alguma ajuda, orienta-
ção, naquele sentido. E eu então executava aquela... '-não, eu vou fazer como fulano'. Não isso
nunca me passou pela cabeça.”
EGR: [O senhor falou do pessoal que às vezes entregava, fazia fofoca...existia muitos indiví-
duos que entregavam os companheiros?]
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AL: “Existia muitos. Muitos não, mas tinha sempre alguns.”
EGR: [Aquele pessoal desleixado que não gostava de trabalhar...?]
AL: “Tinha alguns também.”
EGR: [E eram punidos esse pessoal que não gostava de trabalhar?]
AL: “Geralmente eles faziam fofoca, e as vezes o pobre do fofocado as vezes sofria uma pu-
nição, por uma fofoca de um companheiro, as vezes né. E o companheiro ficava na escuridão,
quer dizer, ninguém ficava sabendo quem ele era. Agente sabia lá, né com os sargentos, mas
ninguém podia provar nada nem fazer nada contra ele, né. Agente sabia que ele era então ti-
nha muito cuidado com pessoas assim. Agente evitava muito contato com eles.”
EGR: [E o pessoal que às vezes se esquivava de alguma missão? Existia sargentos assim?]
AL: “Existia isso também. Sempre existiu né.”
EGR: [Existiam aqueles cursos que os oficiais e os sargentos faziam, que davam brevê?]
AL: “Paraquedismo, é...”
EGR: [Isso. Paraquedismo ...era um tipo de curso respeitado?]
AL: “Também, era, era, a turma respeitava sim; os próprios sargentos respeitavam sim, dizen-
do: 'oh! O sargento fulano de tal é PQD, cara! É... o cara é faixa preta, quer dizer, o cara é
PQD. Então ele tinha um certo...um prestígio por essa razão, né,, por esse motivo. Até os ofi-
ciais respeitavam.”
EGR: [Respeitavam os sargentos que tinham o brevê?]
AL: “Respeitavam o sargento que tinha o brevê também, de paraquedismo, e de qualquer ou-
tra, ou de uma outra … guerra na selva!, por exemplo, né. Sem dúvida nenhuma, era muito
convocado também para a instrução. Também era mais convocado para as instruções. '-
Qualquer coisinha chama fulano aí que tem guerra na selva chama ele aí pra trabalhar com
agente...”
EGR: [Tinha alguma instrução voltada para os sargentos?]
AL: “Tinha, tinha, toda semana, ou todo mês, eu não me lembro mais, agente recebia instru-
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ção na sala lá.”
EGR: [Que tipo de instrução era?]
AL: “Era mais moral, eu acho. Não era técnica. Quando tinha um armamento novo, ai então
agente tinha uma aula sobre aquele armamento. Fora dali era mais moral, eu até posso dizer
pra você que seria uma maneira de aproximar o pessoal num convívio bem mais harmonioso,
né. Eram boas as instruções. Sem dúvida nenhuma que eram boas...Tinha aquela instrução: “-
Ó, fulano andou fazendo algumas coisas aí, né, e não ficou bem, agente passou a mão por ci-
ma mas gostaríamos que não fizesse mais isso ne. Orientação, e educava a pessoa. A pessoa
depois começava a ver que realmente tinha cometido alguma besteira, né. E, naquele momen-
to, ali, de advertência, naquele momento de mostrar... naquele momento ali, que ele ia peran-
te seus próprios companheiros, fazia com que ele se remodelasse, né, se reformasse, naquele
sentido. E muitos deles se tornaram exemplo, né.”
EGR: [Os próprios colegas quando o companheiro às vezes caía no erro ou cometiam alguma
transgressão, os próprios colegas chamavam à atenção desse companheiro?]
AL: “Sim, chamava e ajudavam para que ele não fosse alvo de punição lá dentro né. Porque
sabiam que uma punição são 10 anos para você resgatar ela, né.”
EGR: [Ajudava em que sentido, o senhor fala?]
AL: “[Pausa longa] Conversando com ele, dando conselho, que é o termo certo, para ele agir
diferente, não fazer mais isso. Não se misturar mais com pessoas de botequim, né, essas coi-
sas, e assim por diante, né. Não se misturar mais com maus elementos, cuidar mais da família.
Dar mais atenção ao serviço, né. Se ele deu uma ralada lá em uma das instruções e assim por
diante. Então a turma chamava ele né. Então agente...[ele] não podia dizer nada porque tava
errado.”
EGR: [Mas havia alguma intercessão em relação... Às vezes o praça mais antigo ia interceder
pelo companheiro mais moderno junto ao comandante?]
AL: “Ah, tinha! [incompreensível] '-Comandante, ele é um bom elemento. Ele só cometeu
esse erro, mas não merece ser punido. É um pai de família, tem filhos. Isso é uma coisa que
agente conversando com ele, conseguimos....né'. E o comandante decidia, quase sempre deci-
dia...Agora, se ele repetisse de novo, aí ninguém mais intercedia por ele. Aí ele tinha que as-
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sumir, né. E aí às vezes reincidia mesmo né, reincidia e ia parar no xilindró. Era punido, né.”
EGR: [Quando o senhor era sargento novinho, existia aquela figura do subtenente mais antigo
do quartel, o qual existia um respeito por ele ?]
AL: “Claro! Ah, o respeito era de um modo geral pelo superior, sempre. Pelo subtenente tam-
bém, embora agente tivesse uma amizade, entrava lá na reserva dele, como se diz. Sentava lá
pra tomar um cafezinho, batia papo, não é. Mas sempre tinha aquele respeito por ser uma pes-
soa...não só por ser subtenente, mas por ser mais idoso também, né, mais velho, tudo, né.
Respeitava sim bastante. É, o respeito dentro do quartel é uma coisa que agente não pode
questionar, né. Foi uma coisa que sempre primou todos os nossos companheiros, era o respei-
to. Sem dúvida nenhuma que é. Agora, quando a pessoa não prestava, a turma também não
vivia pichando, a turma também não dava muita corda pra ele não.”
EGR: [Tinha algum subtenente que o senhor conheceu que tivesse um espírito de liderança?]
AL: “Subtenente? [pausa] Não! Subtenente, assim, nesse sentido.... Eu fui subtenente tam-
bém, né. Mas eu nunca levei meu pessoal, lá...a minha liderança era apenas na amizade por
fora da minha seção: lá no campo de futebol, ali no campo de vôlei, lá na, lá embaixo no
campo, lá na área pra tomar um cafezinho, bater papo, contar história. Então, agente influen-
cia dessa forma. Mas eu não.., assim, que influenciasse mesmo..? provavelmente influencie
pelo exemplo que agente deixa. Sempre uma pessoa líder tem que viver...de uma maneira di-
ferente pra deixar o exemplo, porque se ele cometer alguma besteira como líder, tá ralado...aí
ele tá ralado pela própria turma toda, né.”
EGR: [Mas era comum o subtenente mais antigo interceder junto ao comandante em relação
ao mais moderno..?]
AL: “Nem sempre... o Subtenentes ia interceder. Muitas vezes o subtenente, porque às vezes
estava ali na espera de sair oficial, né, não queria fazer nada diferente que viesse prejudicar a
sua promoção. Então Às vezes se esquivava de ir em apoio do seu subordinado, do seu com-
panheiro subordinado. Geralmente quem ia mais mesmo eram só os companheiros mesmo.
Até mais novo às vezes, né, chegava lá e falava: '-Ó comandante, desculpe eu estar falando
com o senhor, eu sei que não mereço ser ouvido pelo que eu quero dizer, mas comandante,
[também não digo que tava errado né] o que tá sendo feito pelo nosso...fulano de tal...isso as-
sim, assim, é um erro, não é...é um erro no meu modo de entender. Porque esse é uma pessoa
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assim, assado. E aí, então, o comandante ouvia aquilo, e era verdade e dizia não, ele tá certo
não é. Aí chamava o cara lá, dava aquelas famosas 'mijadas' que agente chama né. E dizia, '-
Não vou te punir porque um companheiro seu veio aqui interceder por você, mas não repita!
Da próxima vez não há mais intercessão.'”
EGR: [Desde que o senhor entrou no exército os subtenentes saem oficial, ou não?]
AL: “Nem todos! Nem todos. Muitos deixaram de ser oficial. E muitos deixaram de ser oficial
justamente por essa maneira de querer se enturmar com a turma de sargento malandro, né, e se
despreocupava do seu serviço dentro das unidades. Na minha ocasião, o subtenente era o
guarda de todo o armamento do quartel, praticamente. Aquela metralhadora ponto 50, ponto
30, bolseiro, revólveres ponto 45, assim por diante, espadas, ficava tudo ali, era tudo o subte-
nente. Eram a carga dele. E as vezes acontecia que uma daquelas armas desaparecia...q o pró-
prio soldado que trabalhava... Até que agente descobria. O comandante, então punia o ST, por
ter relaxado com a atenção naquele momento, em não ter...tinha que praticamente ter...de vez
em quando conferindo caixa por caixa pra ver o que que tava acontecendo. E aí muitas vezes
chegavam lá, como aqui no 20 aconteceu, de um foi... de um subtenente [pausa seguida de um
aspirar nasal duplo, indicando insegurança, logo em seguida em tom de voz mais baixo] que
gostava de beber também, então desapareceu uma arma e a arma foi ser vítima de um crime
que um soldado que pegou a arma matou um taxista por causa de 20 reais. Aí descobriram a
arma, foi até onde é que era, foram lá no...perguntaram: '-Cadê a arma, perguntaram, - Ah, ela
estava aí... '. E foi punido e mandaram ele pedir as constas. -'Se você não pedir as contas nós
vamos te expulsar!'. Iam expulsar ele. Mas aí ele pediu as contas e foi embora para casa, co-
mo subtenente. E chorando né.”
EGR: [Mas ele tinha já tempo...]
AL: “Tinha, ele já estava saindo oficial já. Saindo oficial.”
EGR: [Que ano foi isso?]
AL: “Ah, foi um pouco antes de ele sair oficial que aconteceu isso aí lá. Um pouco antes?
[pausa, dúvida] Ou um pouco depois, eu não me lembro bem direitinho se já tinha saído. Não
eu acho que foi depo...foi depois de 80 que, foi em 80 que aconteceu isso aí. Eu não me lem-
bro bem direitinho. Ele já faleceu agora, pouco tempo ele...ele faleceu né.”
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EGR: [E como é que era a comida no rancho?]
AL: “Ah! A comida do rancho era boa. Boa. Ninguém podia se queixar não. Os nossos cozi-
nheiros, agentes estava lá sempre em contato com eles, né. Cozinhavam muito bem naqueles
fogões...tinha também um cozinheiro civil que trabalhavam lá também, na cozinha. Funcioná-
rios.”
EGR: [Funcionário civil?]
AL: “Tinha também, na cozinha, também. Às vezes um ou dois cozinheiros lá, que eles con-
tratavam pra trabalhar na cozinha. E o Soldadesca que ia pra lá também que já tinha experiên-
cia na cozinha. Depois era formado ali mesmo pelos próprios sargentos, né. Ensinavam eles
pra cozinhar. A soldadesca lá engordava pra danar, ele comia à beça. E agente, também. Os
sargentos também tinham bastante...e a comida também não era ruim, era boa também. Não
podíamos queixar não.”
EGR: [A comida era diferente? A comida dos oficiais dos sargentos e dos cabos e soldados]
AL: “É, acredito que sim, porque os oficiais agente nunca entrava lá em cima pra ver, né.
Existia uma diferença porque tinha algumas coisas que eles compravam pros oficiais que eles
não compravam pra nós. Então lá em cima tinha uma diferença sim. Mas não era muito, muito
grande também não.”
EGR: [O que tinha no almoço, por exemplo?]
AL: “É, arroz, feijão, salada, frutas, chá, né, o chá mate era, era o complemento, né. E...é, o
que mais que botavam lá!!? Frutas, né, de sobremesa. Cafezinho depois.”
EGR: [Carne, também?]
AL: “É. Sempre tinha carne, arroz, macarrão. De vez em quando, eles faziam cada dia um tipo
de cardápio. Era diferente, nunca era a mesma no outro dia, de um dia pro outro. Às vezes ha-
via uma mudançazinha de um dia pro outro. Segunda-feira é isso, toda segunda-feira é aquilo.
Já sabia, era o mesmo cardápio.”
EGR: [Era comum os sargentos lerem o Noticiário do Exército?]
AL: “Nós líamos, eu inclusive lia muito. O Noticiário do Exército, desde que criaram, desde
que surgiu, quando ele chegava nas unidades, óó, todo mundo queria ler, todo mundo queria
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ler. Aquilo ali ia pro nosso cassino, ia pro cassino dos oficiais. Nós tínhamos lá, nas próprias
unidades também, o Noticiário do Exército. Agente lia aquilo tranquilamente. Muito, era mui-
to gostoso, era muito bom, tinha muita coisa ali. Então agente lia, companheiros que agente
nunca tinha visto às vezes aparecia ali, agente ficava sabendo. Foi bom aquele Noticiário do
Exército. Não sei se ainda existe.”
EGR: [Tem!]
AL: “Existe ainda né!”
EGR: [Tem sim. Revista Verde Oliva também, já tinha???]
AL: “Não. A Verde Oliva ainda não...que eu me lembre não.
EGR: [Mas todo mundo lia o Noticiário do Exército e achava gostoso!?]
AL: “Lia, era muito bom. Era novidade pra começar, né. Nunca existiu antes um documento
assim pra todo mundo tomar conhecimento não é. E que era um documento oficial do Exérci-
to, não é. O Noticiário do Exército que vinha ali, às vezes uma transferência, uma promoção,
estava constando ali e você já não... não tinha nem vindo a promoção e você já tava sabendo
que ia ser promovido.”
EGR: [E como eram os alojamentos dos sargentos? Eram beliches?]
AL: “Não. Sargentos tinham cama. Eram alojamentos como enfermaria. Várias camas, né.
Soldado é que era beliche naquele pavilhão grandão, né. Tinha lá 50, 100 beliches lá pro sol-
dado. E tinha pro oficial de dia, pro sargento de dia, pro adjunto, tudo, né, alojamentos, tam-
bém.”
EGR: [Alojamentos separados...?]
AL: “Oficial era separado. Adjunto e comandante da guarda eram juntos.”
EGR: [O senhor falou que na Revolução o senhor foi inquirido, foi preso, não é. O senhor
chegou a ver algum sargento, algum cabo ou soldado, ou mesmo oficial, entrando na Justiça
contra o Exército?]
AL: “Não.”
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EGR: [Ou entrando na Justiça contra o comandante!?]
AL: “Também não. Que eu me lembre, nunca presenciei.”
EGR: [Nunca ouviu casos de alguém!??]
AL: “Não. O que eu sei é que aqueles sargentos que eram expulsos, a mulher ganhava. Até
fiquei surpreso com isso, né. A mulher ganhava uma pensão. Justamente para não deixar que
ele ...passar fome, né. Saiu do quartel ia fazer o que? Então, aí é que eu fiquei surpreso. O
Exército faz isso!!? Tá muito bom! Expulsava sargento, mas pelo menos a mulher tem uma
pensão, né. Ela! A pensão é dela! Pra alimentação da família.”
EGR: [Existia alguma procura pelos políticos? Havia algum sargento, cabo soldado ou oficial
que procurasse algum político pra tentar uma transferência, pra tentar cancelar uma puni-
ção!?]
AL: “Não. Eu também não tenho conhecimento”.
EGR: [Isso principalmente durante a revolução: teve alguma história de planos para invadir os
quartéis para roubar armamento pelo movimento comunista? As próprias instruções falavam
alguma coisa nesse teor? -'Olha, o pessoal comunista, o pessoal da guerrilha tá planejando en-
trar nos quartéis pra roubar os fuzis...']
AL: “Bom, não. Isso nós tínhamos praticamente todo o tempo, de prontidão. Qualquer comen-
tário nesse sentido, todas as unidades entravam de prontidão nos quartéis. Quando agente per-
cebia que algum guerrilheiro, algum civil queria fazer invasão desse tipo, né. E depois [in-
compreensível] logo em seguida desmantelava isso aí tudo né. Prendia...e assim por diante
esses caras que iam fazer esse movimento. Pelo menos foi o que eu sei dessa época, né. Muita
coisa foi muito escondido, e acredito que, até agora, esse governo do Fernando Henrique
mandou queimar todo o Serviço Secreto do Exército, não é. Foi justamente para esconder a
sujeira deles, né. Que eles tinham lá, porque tava tudo registrado ali. Aí não faltava nada. To-
do mundo que tinha problema com a nação tava, tava visivelmente sacrificada ali né.”
EGR: [Tava fichado!?]
AL: “Tava fichado.” E eles também como tinham muito, não é. Mandaram queimar todos
aqueles arquivos lá, pra não ficar aparecendo mal, ali, né.”
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EGR: [Era muito comum se ver oficiais, sargentos, cabos ou soldados lendo livro? Livro civil,
livro que não fosse livro do quartel?]
AL: “Dentro do quartel não. Dentro do quartel eu não via não. Agora fora do quartel eu acre-
dito que tinha, né. Eu pelo menos tinha meus livros de estudo, que eu vivia estudando, sempre
à noite, né. Sábado e domingo então, ficava em casa o tempo todo, botando as lições, botando
a matéria em dia. Mas, livros de história, romance... Revista agente gostava muito de ver.”
EGR: [No quartel, quando estava de serviço..?]
AL: “Você lia a revista, botava lá na mesa, ficava umas 5, 6 revista, né. Cada um pegava uma
revista daquela, lendo, né. Agora, livros assim mesmo, né. Era falta também, de... de ...de cul-
tura, né. Não traz o hábito de a pessoa ler, né, a falta de cultura. Quando a pessoa tem o hábito
de ter é porque ele tem um pouquinho mais de cultura, né, na sua vida.”
EGR: [Isso lá no cassino..?]
AL: “É, no quartel, em qualquer lugar que tivesse, no cassino de sargentos, cassino de ofici-
ais...tinha revista, mas livros mesmo, não tinha.”
EGR: [O senhor se lembra mais ou menos de quanto ganhava um 3º sargento, em termos de
salário mínimo?]
AL: “[Pausa] Não tenho ideia agora...” Eu si que dava mal para agente...antes da Revolução,
dava mal pra gente levar algum alimento pra dentro de casa, pra mulher. E até pra atender um
médico, às vezes, com a filha doente, agente procurava o médico e pedia pra ele que no fim
do mês ia levar aquele pagamento. Infelizmente agente tirava o dinheiro para pagar o médico
e ficava sem o dinheiro para comprar o leite pras crianças, né. Porque era péssimo, o salário
era muito baixo, não tinha... não era só pros...era pra todo mundo né. Pra todo mundo era mui-
to baixo. E se fazia campanha pra melhorar. Militar não se pode fazer greve. Então não podia
fazer greve, então essas coisas iam ficando, ficando, ficando, né. Aí que a Revolução depois,
né. Colocou tudo isso no seu devido lugar...e fez justiça.”
EGR: [Aumentou um pouco o...]
AL: “Aumentou. E aumentou bastante. O aumento da Revolução foi uma coisa que...o pesso-
al”
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EGR: [Foi o que? Quase dobrou?]
AL: “Ah! Acho que até mais do que isso, mais que dobrou. Oficiais também que andavam
com a mão nas calças, puderam tirar a chuteira no pé, viu. É que tinha oficial também que era
militar por vocação, como agente também. Não era pelo salário não. Era vocação, porque gos-
tava de ser militar, como eu gostei e outros também gostavam, né. O salário agente se virava,
como eu disse pra você. Agente saía fazer negócios fora. Saía. Tinha oficial lá que adminis-
trava firmas civis.”
EGR: [Isso era comum?]
AL: “Não, não era comum, mas .... olha, tinha o coronel Varela, esse que foi meu comandante
no curso de Infantaria no CPOR. Esse cara era fabuloso também. Já era paraquedista, né, e
tinha uma pompa, um destaque, um respeito, né, dentro do quartel, coisa fabulosa. E quando
ele saiu coronel, que ele estava no estado-maior, era comum ele passar naqueles carros pretos
lá na frente, com aquela pompa dele e tudo, viu, duro, e estava passando...coronel...daqui a
pouco ele pega e entra com o requerimento pedindo a conta dele do quartel. O general falou
assim, disse: '-pô, mas porque você vai sair, se você parece tá próximo de sair general, pô.' E
ele diz assim: '- não quero mais não. Depois foi para Tubarão, né, arrumou lá um pessoal lá
que tinha mineração, tinha minas de...minerais aqui do Norte do país, né. E ele foi...e foi dado
para ele a gerência daquilo lá para ele tomar conta. E dinheiro, tinha avião pra ir pra lá e pra
cá, e tudo né. Um cara daquele tamanho, tinha uma capacidade fabulosa. Pediu as contas e foi
administrar a firma de mineração lá do Nordeste, atualmente. Que ele participou também, ló-
gico, né. Deu participação, porque senão ele não iria jogar isso fora assim. Depois de coronel,
quase saindo general! Pediu as contas e foi trabalhar no mercado civil. Assim, quando a pes-
soa tem capacidade aparece. Muitos sargentos nossos saíram. Foram trabalhar na Petrobrás,
por exemplo, né. E hoje, que foram pra Petrobrás, e lá ó!! subiram de cargo, subiram. Tive-
mos cabos, também, que saíram do serviço militar, pediram licença e foram trabalhar de guar-
da rodoviário. Quando eu vi ele pela primeira vez ele já era capitão dos guardas rodoviários
[risos]. Você ver o nível, né, do pessoal de fora, e o pessoal lá dentro também, que se manti-
nha ativo, estudando. Alcançou, né. Ele foi aí pro norte do Paraná, passou por aqui pra nos
visitar, 3 estrelinhas em cima: capitão...federal, não é. Rodoviário, é da Polícia Rodoviária.
Pô! Muitos oficiais saíram daqui também e foram ser polícia!!!! Polícia civil no norte do país,
porque lá pagavam melhor.”
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EGR: [Oficial de carreira? Oficial de AMAN?]
AL: “Oficial de carreira...oficial de AMAN. Saíam ia ser polícia lá, no norte do país. Por que?
Por causa do nível de salário da época.”
EGR: [Na época não tinha concurso público não, ne?]
AL: “Não se ouvia falar, eu pelo menos não ouvia falar, era tudo feito ali na base do 'pistolão'
como se diz.”
EGR: [Inclusive, para se fazer a ESA, na época, era prova?]
AL: “Prova! A ESA agente tinha que fazer o vestibularzinho. [risos] E não era fácil. O vesti-
bularzinho da ESA não era fácil. Quem passava na ESA eram pessoas assim de uma certa cul-
tura bem adiantada.”
EGR: [Tinha que ter o quê?, qual...]
AL: “Bom, no mínimo, no mínimo tinha que ter a 4ª série completinha e conhecer bem a parte
de matemática e de física, tinha que conhecer bem essas duas áreas. Eu fiz prova nesse senti-
do... eu fui inspetor de prova, da prova da ESA, eu vi as provas, né...do pessoal. A matemática
era puxadinha tudo ne. História e Geografia não, né. Mas matemática e Português, a pessoa
tem que ter conhecimento. Então, a prova da ESA quem passava! Então a prova da ESA não
era só passar, agente tinha que passar bem... porque o número de alunos da ESA, por exem-
plo, eram 600, dos vários cursos, e tinha milhões dentro do Brasil inteiro pra ir pra lá pra
ESA. É como um vestibulando hoje em dia! Você na Faculdade aqui, que você vai lá, 150,
200 vagas, chega lá 3000 candidatos. Tem que ser bom pra passar. Ou tinha que ter conheci-
mento ou então ia na sorte mesmo.”
EGR: [O senhor fez a prova da ESA em 55, 56?]
AL: “Não, eu fiz a prova da ESA em 70.”
EGR: [Ah, o senhor fez a ESA em 70, né]
AL: “Não, eu fui pra ESA em 70, né. Eu fui pra ESA eu já era 2° sargento já.” A EsIE que eu
fiz em 59, fiz em 59 a EsIE. Quando eu voltei do Rio pra Blumenau em 59, até o final do ano
é que eu consegui uma transferência para Curitiba. E vim embora justamente para começar o
ano matriculado numa escola.
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EGR: [O senhor prestou prova para ir para EsIE, pro rio?]
AL: “Sim, claro!”
EGR: [É a mesma prova da ESA ou diferente?]
AL: “Bom, não sei bem se é diferente, mas é um vestibular entre todos os sargentos. Só que
não era no meio civil. Era entre todos os sargentos que queriam fazer a ESA, fazer o CAS, e
se inscreviam, e tinha o que... Acho que tinha mais de 3.000, 4.000 sargentos mais ou menos,
pra fazer o CAS. E os primeiros é que conseguiam classificação. Eu passei se não me engano
em 59, uma coisa assim, quinquagésimo nono lugar. Agora pra ESA não, pra ESA já não foi
necessário fazer porque nós fomos rematriculados, né. Fomos matriculados automaticamente
porque nós fomos feitos uma modificação nos quadros do pessoal das QM, né. Então fomos lá
novamente como alunos, como alunos, como alunos mesmo, por isso que nós não fizemos
prova. Fizemos tudo novamente. Sabia ou não sabia. Ah, mexer com ponto 50, com morteiro,
nós já sabia fazer tudo aquilo. Nós fomos lá né. A única coisa que nós não tínhamos feito ain-
da era atirar com o canhão 106 da época, né. Naquela época tinha Canhão 106. Atirei também
com obuseiro, né, na parte da Artilharia também. Tivemos, né. Fizemos aqueles tiros de arti-
lharia bonitos, lá, aqueles iluminativos, lá. Um tiro daqueles naquela ocasião custava 400 pau.
Mas também eles atiravam lá em cima, quando caía era um sol. Aquilo lá se iluminava tudo
né. Bonito, né.”
EGR: [O senhor tem saudade da vida da ativa?]
AL: “Às vezes dá. Sonho às vezes. Ultimamente até tenho sonhado mais, antes eu não sonha-
va, mas agora de vez em quando eu sonho. Sonho que estou com companheiros, estou em al-
gum lugar, às vezes ajudando um companheiro que precisa. Já sonhei algumas, poucas vezes
mas tenho sonhado. Que não tenho mais me preocupado, procurado. Porque não adianta!
Agente tem que aceitar sim, a situação. Você não pode querer ir de encontro àquilo que acon-
tece com você na vida. Você tem que aceitar as situações. E a vida, ela nos leva pra um lado,
devagar e sempre, ne. Mesmo que você não queira voltar, você não volta, não é? Não adiante.
Então você tem que acompanhar ela também. Pra poder sobreviver com tranquilidade, com
felicidade, com paz, com harmonia. Isso não é só na vida militar, não, na vida civil também.
Principalmente na vida civil chega numa certa idade, tem que saber viver em casa, tem que
saber viver com filho, neto, conforme agente tem aí, né. E...com a mulher principalmente, né.
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Chega um período que agente não sente mais aquelas mesmas aspirações de quando você é
jovem, o mesmo entusiasmo. Tudo por causa do hormônio masculino, que acaba, né. Vai
acabando, né.”
EGR: [Nesses mais de 30 anos de carreira que o senhor deve ter passado por muitas, ou pre-
senciado muitas histórias, histórias tristes, histórias felizes, histórias que o senhor julgou jus-
tas, histórias que o senhor julgou injustas...]
AL: “Agora eu não me lembro bem assim, pra te falar, né. Eu não me lembro bem: '-Fulano
não merecia isso! Não merecia aquilo, né!' Mas eu não me lembro bem assim, mais pra te fa-
lar do assunto, né. Pode ser. Porque eu fui um cara que eu vivi a minha vida pra vida militar.
Chegava cedo eu ia cedo pro quartel, entrava em forma, ia pro meu trabalho. Saía naquela ho-
rinha pra educação física ali, bater uma bolinha com os companheiros, ali. O bate papo na
hora do almoço, depois de almoçar. Volta pro serviço de novo, 5 horas sai. Não fico na rua
vaga...não, ia pra casa! A minha bolsa, pegar o material e ia pro colégio. E quando não ia pro
colégio, ficava em casa com a família, com filha, né, e tudo. Não saia. Então, não tive.... Ago-
ra... '-Ah, fulano tá hospitalizado em tal lugar...' Tinha um companheiro nosso que de vez em
quando ia pro hospital. '-O que aconteceu? - Ah! Acho que ele andou enchendo a cara!' Como
se dizia assim. Encheu a cara, chegou em casa e deu o maior rebu lá com a família, né. E Le-
varam ele pro hospício e ele tá lá. [risos] E ficou louco. Mas daqui a pouco ele volta de novo,
[incompreensível] agente...e ninguém mais vê ele daquele jeito. [incompreensível]”
EGR: [O senhor falou aí que o senhor saía de casa ia pro trabalho, entrava em forma, ia traba-
lhar na seção...como era a rotina, mais esmiuçada...o expediente começava que horas?]
AL: “Às 7 horas, né, e 5 horas, 5 e meia da tarde terminava. Quando não tinha instrução,
quando não tinha acampamento, quando não tinha nada! Que quando agente ia pra campo não
tinha mais esse horário. Ia direto.”
EGR: [E Educação Física que horas eram?]
AL: “Educação Física, 10 horas, 10 e meia educação física, 30 minutos de educação física.
Depois esporte. E eu no NPOR, quando eu fui monitor, lá no NPOR do 20, depois de meia-
hora, agente pegava o pessoal botava em forma e fazia uma corrida de 10 quilômetros. Agente
fazia o teste de 'Cooper' que são os 3.200 metros em 12 minutos e depois saía do quartel cor-
rendo. Às vezes agente chegava no quartel era meio dia e meia quase, uma hora. Porque o
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companheiro que não aguentava, ficava pra trás, então agente esperava ele, pra trazer junto,
pra voltar dentro do quartel. Isso era 3 vezes por semana, agente fazia esse tipo de educação
física. É, segunda, quarte e sexta. Chegava, tomava um banho e ia pro rancho comer. Às vezes
[incompreensível] e já entrava em forma outra vez. Entrava em forma, o comandante chegava
ali, dispensava o pessoal e cada um ia pra sua seção.”
EGR: O senhor serviu em quais unidades?]
AL: “Eu servi no 2º Batalhão Rodoviário, servi no 23 RI em Blumenau, aqui em Curitiba eu
servi na Intendência, né, no QG, no CPOR, né, no Colégio Militar, agora no final da minha
carreira, agora fiquei 5 anos no Colégio Militar, já como oficial, né. E servi também em Gua-
rapuava, na Artilharia de Costa. Servi na Artilharia de Costa em Salvador,152 mm, aqueles
monstros daqueles canhões lá. Servi lá 2 anos. E depois as escolas, ESA, EsIE. E o 20 BIB
também, que foi onde eu fiquei mais tempo, 7 anos.”
EGR: [O senhor quando servia no QG onde ele era? Na era na praça Rui Barbosa ainda?]
AL: “Não, o QG não era ali. O QG ficava ali no Passeio Público, na rua Carlos Cavalcante.
Ali onde é o museu do município, onde é a guarda civil, a guarda azul, a guarda municipal,
ali era o QG naquela época. Do lado de cima era o QG e embaixo era o Estabelecimento de
Finanças, né. Eu era burocrata naquela ocasião, eu é que fazia a folha de pagamento lá do pes-
soal da Subsistência, eu trabalhava na Tesouraria, e quando vinha aquelas leis que toda hora
tavam mudando, por causa justamente do desequilíbrio financeiro que existia, né, a inflação
era demais, né. Todo mês vinha umas coisas diferentes pra funcionário, vinha uma diferença-
zinha pros sargentos. E tinha que ficar fazendo folhas, e tinha que fazer folha complementar.
Porque essa folha foi por tal verba. Faz aquela folha. Aquela folha foi por tal verba. Então vo-
cê tinha que ter conhecimen... E eu, sinceramente, não é, me dediquei àquilo ali e até cheguei
a dar aula pro comandante, do chefe do finanças, né. Porque ele chegava lá e determinava fa-
zer alguma coisa, e aquela coisa ia pro Rio de Janeiro, na época né, e voltava tudo de novo,
que tava errado. E a minha não voltava. Então ele queria saber... Eu digo: '-Ó comandante...
eu nem sabia que ele era o chefe do..., o capitão Xavier é quem chamou a atenção, me apeli-
daram de Marechal por causa disso, né. Porque eu quis dar uma aula pra ele de administração
militar. Eu ensinei a fazer: -' Ó, quando acontecer isso, o senhor [incompreensível] de tropa,
né, o senhor faça assim, assim, assim assado. Porque o 'Finanças' nos solta aqui umas instru-
ções que são furadas, porque agente sabe que não vai dar certo, disse pra ele assim.”
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EGR: [O senhor falou isso pro chefe do “Finanças”?]
AL: “Falei, ora, [risos] que são furadas, não dá certo! Eu sei que não dá certo. Tanto que eu já
faço assim, mando pra ele. Às vezes ele quer me devolver, mas. Até me devolve pra eu fazer
pelo método dele. Ela vai e volta de novo! Então eu tenho que fazer pelo método que eu fiz.
Aí, depois daquele dia em diante que ele conversou comigo, aí o capitão Xavier me apelidou
de ...de Marechal. E nunca mais...depois daquele dia nunca mais houve problema com....de
volta dos...dos balancetes, né. Elas eram feitas...às vezes até perguntavam, né, porque vinham
aquela legislação enorme, então agente lia e estudava e '- Ah, coronel! Isso aqui tem que se
feito assim, assim. Isso aqui não dá certo! Tem que ser feito assim, assim.' Então, se fazia as-
sim, e era tranquilo. Nunca mais voltava. Era assim a vida. Coisas que se passou e agente nem
se lembra mais, mas agente se destacava um pouco também, nesse sentido, né, porque tinha
capacidade! De fazer, né, e de fazer bem feito, com critério as coisas.”
EGR: [O senhor passou pelas duas experiências, né? O senhor foi burocrata no início, depois
o senhor foi pra Infantaria?]
AL: “Eu dentro do quartel cheguei a até fazer fogão a gás. Fiz fogão a gás. Usando aqueles
fogão de gasolina, que não funcionavam direito aquilo, e de vez em quando dava uma explo-
dida aquele troço. Só que o gás, o fogão a gás, que aqui em Curitiba era muito frio, agente ia
pro campo e conforme o gelo ele custava mais a passar o gás naquelas mangueiras né, às ve-
zes nas passagens do gás ali. Então eu tinha que estar aquecendo. O pessoal que tava lá cozi-
nhando não queria saber de outro tipo de fogão. E eu falei com o comandante, '-Coronel, es-
tou idealizando fazer isso, assim, assim. Eu tenho um dinheiro aí de reserva, vou comprar o
que precisa, vou fazer esses fogões e vamos colocar ele em prática. Isso ficou funcionando no
20 BIB por algum tempo, né. Até que um dia um General bunda mole por aí viu que acha que
as coisas dentro do Exército tem que ser daquele jeito e não pode mudar, né. Não pode mudar.
Ele mandou os fogões voltarem tudo outra vez na sua origem, né à gasolina. Usava a mesma
aparelhagem só botava o gás de diferente, né. Funcionava que era uma maravilha! E que fogo,
rapaz!! chegava lá no campo lá...[faz um som onomatopeico, representando o fogo se acen-
dendo com rapidez e vigor]. Num instantinho tinha comida feita, tinha tudo. E era bem mais
econômico, gastava-se bem menos do que a gasolina.”
EGR: [O senhor era o chefe do Rancho na época?]
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AL: “Na ocasião eu era subtenente. Então eu ia pro campo com meu pessoal e era eu que le-
vava barraca, todo aquele troço; eu que alojava o pessoal no campo, né. Então montava o
acampamento em tal lugar. '-Nós vamos fazer o acampamento em tal posição. ' Chegava lá,
escolhia o terreno, armava as barracas de cozinha. Armava as barracas dos oficiais e dos sar-
gentos, tudo, né. E botava...sei lá...o refeitório, tudo também, né, com mesas, tudo direitinho
lá. Água, latrina, enfim, tudo aquilo que precisa. E então, agente tinha vivência nesse ponto,
né, nessa situação. E eu digo, ah!, vou fazer com gás, pô. O gás bem mais barato. E depois
chegou o general e mandou tirar de novo. Disse que num caso de guerra... não sei o que... Mas
o Brasil nunca vai precisar saber de guerra. O Brasil é um país que nunca vai se meter em
guerra. E hoje muito menos ainda, com a tecnologia que existe hoje, não tem mais condição
de se fazer guerra como antigamente. Peito a peito assim, né. Frente a frente como se dizia na
Infantaria. O inimigo não tá mais na nossa frente não. Tá nas nossas costas. [pausa] Mas como
1º sargento eu fui ajudante geral também. Fui ajudante geral algum tempo também, lá no 20
BIB. Fui ajudante lá com o capitão [incompreensível] E aconteceu um caso interessante tam-
bém, uma historinha que você quer, né. Em Lages, quando eu fui soldado, eu recebi instrução
de um cabo que chamava Ademar. Morenão, viu. Meio gago. O cabo Ademar. Então agente
quando era recruta faz cada besteira deste tamanho, né. E ele chegava dando pontapé na gen-
te: -'Junta os casco aí, seu animal!! Junta os casco aí seu animal!' Depois que eu fui embora lá
de Lages, né, sargento e tudo, nós nos desencontramos, ele foi embora pro Rio Grande do Sul.
ele era cabo e foi promovido a sargento e foi pra lá. Lá no RS parece que aconteceu alguma
coisa, parece que ele apagou um cara lá e sofreu um processo por causa disso, do crime que
ele cometeu e aí não foi mais promovido, ficou 2º sargento. E daí quando tava lá na Ajudância
Geral, ele foi classificado no 20º BIB. Ele era parece que de...Material...de Moto, essas coisas
assim. Material Bélico, não me lembro mais, parece que era de Moto. Ele chegou lá, né, com
aquele jeitão gago dele. Aí, foi se apresentar lá. O capitão falou só assim, apresente-se lá pro
Ajudante, o Ajudante Geral. Ele chegou lá e começou: [imitando gagueira] '-Com licença!
Senhor 1º S.G.! CCCabo Adeemmarrr Nascimento, Sargento Ademar...Não!!!' Aí parou. '-
Não, não pode ser!!' Aí eu [me perguntei] o que aconteceu com esse cara? O capitão ficou
olhando assim. '-Não, não pode ser!!! pra você eeeu me apresentando? Não tem perigo! Não
me apresento pro meu recruta!!' [risos] Aí que eu fiquei sabendo que ele era o cara, o cabo
que me deu instrução lá em Lajes, não é, e que agora como 2º sargento foi lá se apresentar pra
mim. [risos] É um amigão e tanto, viu! É, ele bebia muito também, né. Faleceu ainda há pou-
co tempo. [risos em meio à fala] Então essa história ficou lá dentro do quartel lá por muito
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tempo, o pessoal gozando conosco, né. Me perguntaram, você não se aproveitou? Mas eu não
tive coragem também de dizer pra ele '-Ó, você tem que se apresentar como...' Ah, não então
eu saí e abracei ele e tudo direitinho né...porque amizade né. Eu digo ah, um amigo desse, faz
tempo!! e eu não reconhecia, mas ele me reconheceu. '-Não... [dizia ele assim] de jeito ne-
nhum que eu vou me apresentar pra você!! ('-Cola os casco aí, seu maldito!!!) é Daí.. [incom-
preensível] Ele assim, o Cabo, o Cabo Ademar, da época. Mas era assim mesmo.”
EGR: [Ele era 2º e o senhor era 1º...?]
AL: “É. Ele não saiu promovido mais né, senão... porque naquela época eles promoviam bas-
tante gente, né. Era mais rápida a promoção. Por causa do crime que ele cometeu lá. Mas foi
gozado! Passamos uma boa temporada lá gozando um da cara do outro, né. '- Até você foi re-
cruta do sargento Ademar, e tal e coisa, né. Pra você ver como é que é a vida, né. Agente cor-
re, quando se encontra às vezes, né, mas e porque? Eu andei sempre de uma maneira...graças
a deus bem, né, com...com respeito, enfim, fazendo as coisas que eram mais corretas, mais
certas. Cuidando direitinho das minhas atividades e daqui a pouco as coisas surgiram também,
né. Eu fui promovido e passei um pouco dele. Ele só não foi promovido porque ele cometeu
um ato, com as bebedeiras dele né, que acabou matando cara lá no Rio Grande do Sul. Eu não
sei se chegou a se preso ou não. Se tivesse sido preso teria sido expulso, né. Mas não foi, en-
tão é porque não chegou a ser preso não. Só respondeu processo e foi transferido.”
EGR: [Os 3º sargentos chamavam os 2º de senhor? No Rancho tinha uma mesa pra 1º sargen-
to e subtenentes?]
AL: “Chamava! Na hora do serviço sim. Tinha. Havia essa diferença sim. '-Sargento, o senhor
.... Sargento fulano!!...
EGR: [Isso antes da Revolução e depois da Revolução?]
AL: “Não, eu não sei eu acho que foi sempre, viu. Acho que esse tratamento...hoje é que eu
acho que não tem mais disso, viu, mas até antes de eu sair do 20 BIB ali, antes de 1980, exis-
tia essa ...esse respeito. Porque é um respeito que agente tem. É aquilo que eu sempre falei pra
eles. Nós temos que distinguir as nossas funções de cada um. O respeito não é só porque você
está fazendo as coisas obrigado!! você pode também questionar...com oficial, com quem quer
que for. Mas tenente, assim, assim, o que o ser tá mandando não vai dar certo. O que nós va-
mos fazer não vai dar certo! Tem que questionar! E antes ninguém questionava. E antes nin-
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guém questionava! Fazia o troço de qualquer maneira né, e às vezes se machucava.”
EGR: [Não tinha questionamento?]
AL: “Não tinha, agora começa.... na fase que eu te falei ali, né, que eu conversei com o coro-
nel … melhorar o padrão... e que o coronel disse assim: '-Não. Não é o que eu vejo aqui não.
Inclusive vou fazer um oficio lá pra DGP, parece que é, Diretoria Geral do Pessoal, dizendo
que o que eu vi aqui não é o que está escrito lá nos arquivos deles, dos sargentos, da unidade.
A unidade aqui está muito boa e é uma unidade que trata muito bem.. e acho que ele andou
fazendo isso aí, depois, né, um documento reservado dizendo que naquele período dele a uni-
dade já não teve mais contestação com ninguém. Falava em 20 BIB todo mundo queria servir.
Ah, eu quero ir pro 20 BIB eu quero ir pro 20 BIB!! Ah! mas...há poucos dias falava em 20
BIB pagavam pra trocar e muita gente trocou pra não ir pro 20 BIB, porque temia....tinha me-
do de ir pro 20 BIB, por causa da fama dele né. Era uma fama nacional.”
EGR: [Mas como escapulir de ser transferido?]
AL: “Mudando. É, podia trocar. Às vezes a pessoa...Eu, muitas vezes, saí daqui de Curitiba,
fui ao Rio para consegui uma modificação de transferência, ou...nesse sentido...Daí do Rio,
tinha que ir até Porto Alegre, que era meu escalão imediato, né. Do Rio ia até Porto Alegre, e
depois voltava pra cá. Chegava aqui, e não conseguia nada, e digo, '-Poxa vida, isso é malan-
dragem, né. Agente se esforça tanto pra ver se consegue alguma coisa!' E eles não resolvem o
problema da gente! Aí, eu digo, ora, daqui pra frente o que acontecer, o que me ofertarem eu
vou aceitar e eu vou fazer bem feito e acabou. E aí acabei não dando mais esse problema.
Nunca mais sofri, desde que aceitei as coisas como elas... aceitei e parti a fazer bem feito. A
única coisa que eu...depois quando saí oficial, fui classificado em Amazonas, né, Manaus, e
um colega aqui de Guarapuava, eu não queria ir pra Manaus e ele foi classificado aqui em
Guarapuava, um daqui de Curitiba. Aí depois ele veio conversar comigo e eu disse, não, per-
feitamente, trocamos: você não quer ir pra Guarapuava, eu vou para Guarapuava e você vai
pra Manaus. Fomos no QG, fizemos a proposta, o General endossou e eu fui pra Guarapuava e
ele foi pra Manaus.”
EGR: [Não precisou mandar pra Brasília?]
AL: “Não... falamos aqui no QG e o QG mesmo se comunicou com Brasília e informou que
por interesses pessoais houve uma troca assim, assim, assado, e eles publicaram no Diário
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Oficial. E ele foi pra Manaus, ficou lá um ano só né, e eu fiquei 4 anos aqui em Guarapuava.”
EGR: [Aí de Guarapuava o senhor veio para...]
AL: “Pro Colégio Militar. No Colégio Militar eu fiquei 5 anos no Colégio Militar.”
EGR: [O senhor participa de clubes militares? Se encontra com amigos?]
AL: “Me encontro com amigos sim, mas eu não quis mais frequentar clubes militares. Parei!
eu... no Clube dos subtenentes e sargentos, de vez em quando tem um baile, eles me convi-
dam eu vou. Não sou assim daqueles de pagar mensalidades. Frequentei o Círculo Militar,
também, por um tempo. Peguei, saí não quis pagar mais também. Não havia...quando a minha
filha ainda era solteira eu ainda levava ela lá, tinha um baile, uma coisa ou outra, né, ia lá no
Círculo Militar. Aí um pouco mais eu vi que eu estava botando dinheiro fora. E não tá pra jo-
gar dinheiro fora. Ainda mais que as coisas andavam meio apertadas, né. Peguei e saí. E hoje,
nem mesmo, nós tempos aqui a Associação do Pessoal da Reserva, aqui perto, ali a ASMIR, já
me convidaram pra mim ir pra lá, eu digo ah, não. O que é que tem!?? Eu fico em casa no
meu computador. Eu fiz curso de piloto civil, né! Voo.
EGR: [O senhor fez curso de piloto civil?]
AL: “Fiz pela internet, fiz pelo “Flight Simulator”. Um curso que eu comprei. Comprei e
trouxe um piloto, que era piloto novo, pra ele me dar umas aulas aí, e ele me ensinou. Me deu
algumas aulas aí, aprendi a voar, agora voo. Faço voo virtual, né. Com toda as técnicas, com
todos os preparos. Todos os aviões que eu preciso, tão no meu computador. Eu fico uma hora,
duas horas voando ali. Essa é a minha diversão. E fora isso agora o Inglês também, que eu
vou me divertir um pouco. Não quero ficar parado não. Não dá pra ficar parado não. A cabeça
tem que estar sempre ativa senão você começa a perder...fosfato, né. Começa a perder cére-
bro. E eu digo pra mim assim, agora eu comecei a pegar o inglês e notei que as coisas come-
çaram a dar uma levantadinha, né, na cabeça. Senão tu começa a ficar parado.”
EGR: [ Os colegas que o senhor conhece da idade do senhor, ou os colegas mais novos até,
algum deles adotou essa medida de estudar?]
AL: “Que eu saiba não. Quer dizer, se conformaram em ficar em casa com a mulher. Muitos
deles até já morreram por esse motivo, por causa da inação né, pela falta de atividade. Eu não,
eu não parei de fazer exercícios. Desde que sou 3º sargento eu nunca parei de fazer exercícios.
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Eu vou pra academia segunda e terça, quinta e sexta, levanto cedo, caminho até lá, 35 minutos
de caminhada. Faço uma hora e meia de musculação. Alongamento, depois volto pra casa ca-
minhando, faço mais 40 minutos andando, que de lá pra cá tem um morrinho. Chego aqui,
tomo o meu banho. Almoço, dou uma descansadinha. Às vezes tiro uma soneca, né. Quando
dá. Quando não dá eu vou pro computador inventar alguma coisa. Vou ler as mensagens que o
pessoal manda pra gente. Então eu começo ler, tem mensagens muito bonitas né, na internet.
Muito bonitas!”
EGR: [O senhor navega na Internet tranquilamente..?]
AL: “É, eu fico... não sou aqueles de navegar assim, né. Tem uma mulherada que também de
vez em quando manda uns troço ai, que eu nem respondo, porque, pomba.... não dá pô. Sou
casado, eu tenho compromisso. E é só pra dar complicação. E mesmo que desse, daqui a pou-
co ela marca um encontro eu não vou, e aí fica chato. Então eu nem respondo, viu. O clube
tal, não sei o que é que tem aí, né. Me preocupo mais com a parte instrutiva mesmo. Ou eu
estou voando, quando não estou voando eu estou estudando inglês. As vezes boto um filme lá
pra ver. Eu me ligo também numas palestras que fazem fora, porque eu sou espírita. Já há
muito tempo. Estudo espiritismo já há muitos anos. Então, de vez em quando eu entro naquela
Estação do Espiritismo Internacional, né. Pra ver o pessoal falar ali, sobre a doutrina, os fe-
nômenos. Tu não é espírita , você não conhece nada né? Porque é um estudo muito aprofun-
dado, muito científico, né. Médiuns em São Paulo, né, que falam sobre o problema do cérebro
da pessoa, né. falam sobre a hipófise, epífise, etc. Então eu fico ali escutando aquelas coisas e
aprendendo. Meditação também, tenho um disquinho de meditação. De vez em quando eu co-
loco ele lá, pra mim começar a ver as coisas, né. Mais no ambiente virtual do que físico, né.
Então às vezes eu me desdobro um pouquinho, porque eu saio, pra entender o universo, como
é que funciona. É tudo muito bonito, né. Muito grande, não tem tamanho. E agente fica um
bom tempo aprendendo assim. Leio toda noite. Leio muito, já li muito livro. Toda noite que eu
deito agora minha mulher, essa é a minha 2ª mulher que eu tenho agora, né. 8 anos que estou
casado com ela. Desde o dia que ela veio comigo, ela aprendeu a ir pra doutrina comigo e
aprendeu a ler também. Toda noite eu chego lá, eu viro pra um lado ela vira pro outro, [in-
compreensível] o travesseiro pra trás, eu pego um livro ela pega outro, e vamos ler. Agente lê
mais ou menos uma hora, mais ou menos. Agora ela ta lendo muito pouco, mas eu chego a ler
uma hora uma hora e meia. Antigamente agente quase passava a noite, mas eu digo assim, não
dá também pra passar muito tempo, tem que ir devagarzinho. E depois os livros que eu leio
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agora são um pouco mais de estudo do que de romance né. Antes eu lia muito romance tam-
bém, muito bom. Porque o romance você quer ver o fim né. Então você vai e vai...[risos]
Quando você vê, é meia-noite, duas, três horas da manhã...”
EGR: [Para tentar fechar nossa conversa...]
AL: “É uma descontração que agente tem...[risos] Eu fui me lembrar de umas coisas que nem
mais me passava pela cabeça..”
EGR: [Como que o ser vê o exército hoje de uma maneira geral e se na percepção do senhor,
hoje é diferente da época do senhor... E em quê é diferente?]
AL: “Olha eu não sei. O Exército de hoje não me entra na cabeça. Porque pra mim, no meu
tempo, era expediente integral, sem privilégios. Esses privilégios que hoje eles têm. 3º sargen-
to pra sair com paisano tinha que ficar 5 anos usando a farda. Pra casar tinha que ficar 5 anos
sem mulher, ou então ficar com a mulher no ombro. E assim por diante. E hoje não, hoje o
cara saiu sargento, ele já sai paisano ali na frente. O recruta entra pro quartel, no dia seguinte
tá indo pra casa já, não precisa ficar...como no meu tempo 30 ou 40 dias direto sem sair de
casa[quis dizer “quartel”] às Vezes chorava: '-Aii! Não conta nada a minha mãe!!' Aquela coi-
sa toda! Mas era o processo de educação do pessoal, né. Que se fazia naquela ocasião.
É...trabalho também...havia assim, havia assim pelo pessoal assim aquela dedicação, não é. E
hoje agente não vê. Eu não vejo dedicação. Eu vejo um sargento hoje na rua assim, eu tenho
impressão de que ele não é um sargento. Ele não tem as características, aquela pompa, aquela
vaidade de um sargento. Naquele tempo agente conhecia um sargento na rua só pela maneira
de caminhar, de usar o corte do cabelo, de se vestir. Agente dizia assim, esse cara era militar!
Não dava outra. Era militar. E hoje cê não vê. Eu entro lá no quartel eu vejo o pessoal lá, ti-
rando serviço, é tudo diferente. A guarda é a mesma coisa, aquilo não muda nunca, né. Por-
que, não sei se você notou uma coisa: no quartel se você colocar em um dia de festa, um
guarda num determinado ponto, só naquele dia!, no dia seguinte você vai lá ele tá lá, o guarda.
No outro dia você vai lá ele tá lá. Daqui a pouco, passam anos e aquele guarda tá ali. E nin-
guém sabe porque que aquele guarda foi colocado ali e qual é a função dele ali, porque não
tem. Até que chega um cara de peito: '- Mas não precisa estar esse troço ali, vamos eliminar
este posto.' Se não, ninguém, tem a capacidade de chegar e dizer assim: '-Fulano, aquilo lá
não há mais necessidade, foi feito só pro dia tal...pra segurança. Não sei se você já notou. En-
tão, o quartel é assim mesmo. Agora fizeram esse problema de meio-expediente, é de soldado
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comer em casa. Agora eu não sei quando é que vai acabar isso não. Pra mim não é o Exército.
O meu Exército está, está se acabando, viu. Tá, né. Pra mim o Exército tá...se não vier um
comandante, se não vier um cara lá que reaja, que ative novamente o governo para dar verbas
pro Exército, eu não sei até quando este Exército....Nós não temos nem condição de lutar con-
tra o Paraguai. Não temos!! A nossa prepara... até podemos fazer umas lutas e enfrentar uma
tropa assim...podemos, mas nós não temos mais garantia de entrar e nós vamos lutar e nós
vamos lutar por muito tempo. Não temos. Não tem soldado, pô!! como é que vamos fazer uma
guerra sem soldado? Não tem mais. E a hora que esse pessoal de fora aí, argentino, não sei
quem mais, quiser entrar, aqui dentro, vai entrar e vai tomar esse país. E daí, quem é que vai
dizer contra? Ninguém. Então o nosso Exército hoje ele tá... o Fernando Henrique é o respon-
sável por isso. Começou a desmoralizar o Exército, queria até acabar com o Exército. Não
sabendo que a segurança dele dependia do Exército, né. Acho que ele viu isso depois e aí ele
deixou que o Exército ficasse mais. Transformou o Exército nessa coisa que aí está. No meu
tempo não tinha unidades que fizessem meio-expediente. Era tudo integral. Algumas unidades
que faziam expediente por exemplo, 4ª Feira à tarde não tinha expediente. Então, agente que-
ria servir nessas unidades porque na 4ª Feira à tarde tava liberado e queria...”
EGR: [Quais unidades?]
AL: “Finanças, por exemplo, era uma. CS...aquela do Serviço Militar, CSM também fazia ex-
pediente assim, nesse sentido. [incompreensível] todo mundo tava trabalhando lá, porque de
vez em quando, no meio da semana, tinha meio-expediente pra ir pra casa. E agente ralava de
cabo a rabo! Não tinha...”
EGR: [Chegava a ter expediente aos Sábados?]
AL: “Chegou! Ihhh! Principalmente quando chegava uma autoridade... naquele tempo uma
autoridade era visto como se fosse um Deus...Ainda mais no interior, aonde agente quase não
vê um general, não vê um senador, não é. Não vê as vezes um coronel, uma coisa assim, né,
de uma outra unidade. Chefe não sei do quê, né. Então todo mundo queria ver esse...esse ge-
neral. E o quartel!? Um mês antes, já começava a fazer a faxina!! você deve saber disso aí
também, até ainda acho que hoje fazem assim. O pessoal fazendo faxina. Olha, agente traba-
lhava como uns doido viu, pro homem chegar ali e ficar uma hora dentro do quartel e ir embo-
ra!. E pra gente ver. Então aquilo, agente admirava o fulano: '-Pô, esse cara deve ter uma ca-
pacidade!! deve ter estudado muito! Poxa, pra chegar a esse ponto!!' Agente endeusava a cria-
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tura. E hoje você não endeusa mais porque você olha pro cara assim. A cultura dele não anda
muito longe da tua não. Tem aqueles que se destacam! Tem. Mas não são todos também, né.
A maioria já não tá levando muito a sério.”
EGR: [O senhor acha então que mudou por conta de a cultura ter ...]
AL: “Por causa da política, né!”
EGR: [Mas o senhor falou de os militares inferiores não endeusarem mais os generais. Por
que a cultura se equilibrou?]
AL: “Ah!! Melhorou muito!! Ah!! Hoje a cultura do soldado, do cabo, do sargento!?? Ih!!
Não dá nem pra se comparar com aquela época. Hoje um sargento pra ser sargento tem que
ter, no mínimo!, o 4º Ano Primário porque se não ele não sai sargento. Primeiro porque ele vai
passar por uma prova pra fazer aquilo ali. Pelo menos é o que eu acho, né. Quando eu saí do
quartel era assim ainda, aí. O cara tinha que ter no mínimo, né. E depois tinham aqueles que
estudavam né, que faziam...fizeram 2º Grau, faziam Faculdade...Uns faziam História, outros
faziam Geografia, outros faziam não sei o que é que tem. Sempre faziam alguma coi-
sa...Administração, né, Economia. Tinha um sargento, nós tínhamos um sargento Economista.
Lá no Colégio Militar tinha um sargento que era Economista! A capacidade do homem né.
Uma capacidade!”
EGR: [Isso agora já mais recente!!?]
AL: “É, quando eu tava no Colégio Militar agora! Eu saí em 80 e ... 6, pra casa né, 86. 86?
Acho que foi 86.Não! 80, 84, 89. Foi nessa faixa, por aí assim. Entre 86 pra cá, até 90 mais ou
menos. Esse sargento ele era formado em Economia já bastante tempo. Era professor até nu-
ma faculdade. Ia dar aula. Tinha as aulinhas dele lá na Faculdade, em Economia. Tinha um
monte!! então, a cultura dos sargentos foi bastante! O pessoal se esforçou, né, pra melhorar. E
agente falava mesmo: '-Vai lá estudar um pouquinho cara. Vai ficar a vida inteira aí puxando a
carroça?! Vai ficar a vida inteira carregando....puxando a carroça aí? Vai estudar um pouqui-
nho pra você melhorar na vida? Seja alguma coisa na vida! Agente fazia isso com o pessoal,
né. Dava essas chacoalhada assim, pra pessoa acordar e partia pra estudar, né. Eu, eu ia
ser...eu queria ser médico...[pausado] cirurgião, ia ser um cirurgião... Até eu já tava frequen-
tando sala de... de cirurgia. Tinha um médico na família. Fazia a cirurgia e dizia: '- Abdon,
vou fazer uma cirurgia!! Então eu ia pra lá. Estudava anatomia no corpo...vivo!. Depois co-
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meçou esse negócio de transferência daqui, transferência de lá, encrenca daqui, encrenca de
lá.. eu desisti a tanta coisa, disse: Vou me dedicar só a vida militar e não vou querer melhorar
muito não que não vai adiantar muito não. Eu comecei, vou cuidar da família, das minhas ati-
vidades militares, vou me dedicar ao Exército e acabou! Não tive mais essa, essa luta pra ser
formado... pra ir pra Faculdade. Não dava, né... O expediente ,,, não me deixasse estudar! Lá
no CPOR tinha porque tinha meio-expediente né. E os que tinham expediente integral tam-
bém...eram poucos né. Saíam, né, Aquela época, no serviço podia sair... e assim por diante.
Mas na tropa não...”
EGR: [Depois que o senhor foi pro 20 BIB, aí a situação mudou?]
AL: “Mudou, porque agente pegou várias atividades, lá também, né. Eu sempre estava ali na
sargenteação, sempre estava na Ajudância Geral, na subtenência, né. E olha, subtenente tem
que ter braço, viu. Carregar dois caminhões de bugigangas pra ir pro campo pra instrução.
Roupa, comida, pedido de alimentação, fogão, gás, combustível. Pô! Previsão! Era trabalhoso.
E quando o comandante ia pro acampamento dizia assim: nós vamos sair daqui 2 horas, né.
Nós vamos fazer um acampamento assim inopinado, você não pode ir embora. Prepara teus
bagulho aí pra nós ir embora. '-E quantos homens vão?' '- Ah, vai a cia inteira. Tem o pessoal,
né, o material tudo que agente botava. Pegava dois caminhões ali, botava na área do rancho e
botava. Na área do subtenente também. Era uma [incompreensível] e tudo. É... agente chega-
va em casa, chegava exausto! Não tinha. Depois, [incompreensível] numa Faculdade! 15 dias
fora assim! Você não chega a terminar uma faculdade não. Perde mais, e no fim você é desli-
gado até do curso por falta de frequência né. Não dá. Eu peguei e fiz: Ah!!! Vou deixar de
querer ser...médico, como queria sempre, né. De ser dentista, porque eu fiz vestibular e levei
ferro...Depois não tentei mais. Não fui mais fazer vestibular.”
FIM DA ENTREVISTA:
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APÊNDICE 2
BARRILES, Adão Valter. (Tenente QAO – Cavalaria, da Reserva Remunerada). Entrevista
concedida em sua residência, em Curitiba-PR, em 14 Jan 2011.
Duração da Entrevista: 02 h, 19 min, 32 seg.
Transcrição: 40 Páginas.
EGR: [O nome do senhor completo senhor Adão?]
AVB: “Adão Valter Barriles”
EGR: [O senhor nasceu quando e incorporou quando?]
AVB: “Eu nasci em 23 do 3 de 45 e incorporei em 13 de janeiro de meia quatro”
EGR: [O senhor nasceu em Curitiba mesmo?]
AVB: “Não. Santa Rosa, Rio Grande do Sul.”
EGR: [O senhor incorporou como soldado? ]
AVB: “Como soldado”
EGR: [Como foi a história da incorporação do senhor?]
AVB: “Aí como soldado, teve a incorporação, teve a quarentena, né. Quarentena rigorosa.
Terminada a quarentena, durante essa quarentena, agente fez concurso pro curso de cabo. Ai
fui classificado. Terminada a quarentena, dali uns 15 dias, começou o curso de cabo. Aí,
quando chegou o 31 de março, nós já tava uns 20, 20 e poucos dias no curso de cabo, e aí co-
mo estourou a Revolução, houve aquele movimento grande, né, aí suspenderam o curso de
cabo. Aí eu já vim como eu estava no curso de cabo, eu já vim pro meu esquadrão, que era
cavalaria lá, por isso era esquadrão, eu já vim pro meu esquadrão como, na função de 3º sar-
gento, porque não tinha, os efetivos eram muito reduzidos naquela época, antes da Revolução.
Os pelotões de fuzileiros eles tinham no máximo um 3º sargento ou um 2º Sargento. O restan-
te era um cabo, dois cabos, e assim iam tocando né. Então como eu era do pelotão de petre-
chos leves do esquadrão de fuzileiro, e eu tinha o meu comandante de pelotão era um 3º Sar-
gento ainda. Logo já depois que estourou a Revolução ele saiu 2º Sargento. Aí eu já vim como
[fazendo as funções de sargento] 3º Sargento, começamos a receber instrução no pelotão, me-
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xer com, formar os grupos, fazer tiros dentro da seção de metralhadora, seção de morteiro e
da peça de canhão, que compõem um pelotão de petrechos leves de um esquadrão de fuzilei-
ros. E eu era comandante da seção de metralhadora, como 3º Sargento, função de 3º Sargen-
to.”
EGR: [Mas era cabo ainda?]
AVB: “Era Soldado!”
EGR: [Ah! O senhor era soldado ainda?]
AVB: “Soldado, tinha 20 dias de curso só (risos). Aí eu voltei pro esquadrão na função de 3º
Sargento. Aí fizemos, preparava, fizemos os treinamentos, cada um dentro das suas funções
né, seção de metralhadora, seção de morteiro e peça de canhão, já pronto para...se precisar
entrar em ação, já dentro, cada um dentro da sua função, né. E aí , no período dessa Revolu-
ção, nós ficamos 60 dias de prontidão! 60 dias. Eu morava a 12 km da cidade, porque eu sou
do interior, né, da agricultura, eu era da colônia. Então, não aparecia em casa..., passou um
mês...meus pais mandaram minha irmã lá no quartel pra ver o que é que estava havendo. Por-
que é que eu não ia pra casa, né. Não fui. Ai eu expliquei né. Passando esses 60 dias, né, de
prontidão, assim, sempre andando nas hora de instrução. Sempre dentro do seu pelotão e sem-
pre dentro da sua função. E fora de hora de instrução, sempre preparado, com armamento tudo
junto. Dormia nos alojamentos com armamento, com munição, com tudo.”
EGR: [Já era o FAL?]
AVB: “Não, não. Era o fuzil 1908, fuzil de 5 tiros de repetição. Era o fuzil Mauser 1908. e
tinha o fuzil metralhador, que era o FM, famoso FM, né. Tanto ele, na seção de metralhadora
ele tinha um reparo, e no grupo de combate ele era sem reparo, apoiado no bipé. Então agente
dormia com armamento ao lado e munição. Tinham noites que éramos acordados uma hora,
duas horas da madrugada, embarcava nas viaturas, elas ficavam todas alinhadas, né, prontas
pra sair. Chegava a hora, acordava, todo mundo já com o armamento, tudo pronto, todo mun-
do embarcava nas viaturas, e saía. Amanhecia fora, tinha incursão fora da cidade. E retornava
no outro dia, 9, 10, meio dia. Mas sempre naquele treinamento, né, de embarcar e sair, embar-
car e sair. E estar pronto para a qualquer momento entrar em ação.”
EGR: [Quem era o inimigo, suposto inimigo na época?]
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AVB: “O suposto inimigo era aquele movimento que existia do...do Grupo dos 11. porque es-
se movimento do Grupo dos 11 existiu nessa fase mais ou menos 6 meses antes da Revolução.
Ali com aquele negócio do Jango assumir, o Brizola tava em alta. O Brizola tava metido já,
com o Rio, já candidato a Governador do Rio de Janeiro. Aí o Brizola era cunhado do Jango,
tava com... havia um interesse grande de ele assumir o governo no lugar do Jango. E o Brizola
que criou esse Grupo dos 11. esse Grupo dos 11 era formado por gente comum assim do inte-
rior. Inclusive eu tinha um...um primo casado com uma prima minha lá, que ele era assim sem
noção, era um caboclo, um caboclo chucro como se diz, né. E ele era um componente do Gru-
po dos 11. E esse Grupo dos 11 marcavam reuniões em Porto Alegre. Então eles reuniam em
Santa Rosa para pegar o trem, e embarcavam. Duzentas, trezentas pessoas e se deslocavam de
Santa Rosa para Porto Alegre pra uma reunião lá. Lá eles acertavam, porque era uma espécie
dum grupo pra entrar...assim, entrar em combate pra tomar o poder né. Esse era...tava minado
lá no Rio Grande do Sul, nessa parte aí do Brizola.”
EGR: [A influência do Brizola era grande...]
AVB: “A influência muito grande. E o Exército, o Governo foi vendo isso. O Exército foi to-
mando ação, foi vendo. Aí existia no Rio Grande do Sul facções militares que tinham total
apoio ao Brizola. Inclusive quando estourou a Revolução tinha gente que foi presa dentro do
quartel porque estava do lado do Brizola. E aí, aí o pessoal então foi treinado para qualquer
uma eventualidade. Caso houvesse uma ação, numa parte, num grupo, um município, ou vá-
rios municípios que se reunissem para fazer uma ação, agente tinha que estar pronto para de-
fender. Porque houve várias prisões, mas numa região lá, na fronteira com a Argentina, existi-
am grupos, existiam depósitos de alimentos. Alimentos até fornecidos, comprados dos Esta-
dos Unidos. Porque os Estados Unidos eram, apoiavam as Forças Armadas inclusive, mas es-
sa ração parece que era enviada para doação e desviada para alimentar, caso houvesse... Foi
achado depósito no mato, lá próximo com a fronteira com a Argentina. Depósito desses ali-
mentos.”
EGR: [Seria pra alimentar o lado do Brizola?...ou...]
AVB: “O lado do Brizola. Eu não sei como é que chegava nas mãos dele isso, não sei como
era feito. Sei que tinham lugares, vários depósitos foram encontrados desses alimentos. Onde
foi preso gente. Foi preso inclusive um elemento lá que era muito revoltado, que veio pro Re-
gimento preso e dentro de uma semana se enforcou.”
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EGR: [Civil ou militar?]
AVB: “Civil. Dentro de uma semana ele se enforcou. Arrumou um cordão de calção, uma
coisa assim, e conseguiu se enforcar. Porque ele era muito revoltado, não aceitava que...”
EGR: [Isso já depois da Revolução?]
AVB: “Já depois da Revolução. E aí agente saía nessas incursões e saía também em incursões
pra prender alguma pessoa, nos municípios ali da região do alto Uruguai, divisa com a Argen-
tina. As pessoas que eram para ser presas, eram presas, trazidas para Santa Rosa, direitinho,
tudo com....sem maltratar, sem nada, apenas um...foi aumentado lá, arrumado umas peças pra
fazer prisões, né. As pessoas eram guarnecidas na porta da prisão por 2, 3 guardas né, porta
fechada, 2, 3 guardas. Quando ia ser chamado para interrogá-lo, vinha outra guarda especial
para levá-lo até a sala do interrogatório. E isso aí demorou, durou praticamente todo o resto
do ano de meia quatro. Nessas prisões, ouvi, ouvia, como é que se diz, abria o inquérito, né,
indiciava. Aí conforme o caso soltava né. Se precisasse ia chamar de novo. Se recomendava
que não saísse do local, não fugisse. Então havia aquelas pessoas que não tinham muito en-
volvimento, não tinham...q criavam um impacto maior assim, né, então elas comprometiam
em não sair do local, ne, se precisasse chamar. Agora sim, os revoltados, sim, sofreram. Mas
nunca lá, como contam, lá na minha cidade nunca houve agressão em ninguém. O pessoal era
ouvido, tranquilamente, devolvido, voltava lá pra cela dele lá, sem problema nenhum. Não
era, digamos assim, castigado. Não tinha não. Lá não existia isso. Se houve em algum ou ou-
tro lugar, mas pelo que eu sei, lá no Rio Grande do Sul, não se sabia de nada disso aí. Só o
único caso foi o enforcamento. E ele estava preso isolado porque ele era muito agressivo. Ele
não podia ficar junto com os outros porque ele batia em todo mundo (risos).”
EGR: [Nesse meio algum militar chegou a ser preso também?]
AVB: “Não. Da minha unidade não. Mas houve lá no Rio Grande do Sul algumas prisões. Da
minha unidade não houve nenhum militar preso. Tinha adeptos, se tivesse, se teve algum
adepto, mas... morreu ali, daí. Viu que o troço mudou de figura.”
EGR: [Não se manifestava mais?]
AVB: “Não se manifestava.”
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EGR: [Quem eram, soldado, sargento, oficial..?]
AVB: “Normalmente era sargento. Sargento. Normalmente algum sargento, 3º, 2º. Uns 3 ou 4
lá que eram gente que costumava acreditar no Brizola, né. Mas não houve prisão de ninguém
na unidade porque não houve uma constatação de que o cara estava revoltado pelo que acon-
teceu, né. Mas teve outras unidades lá no Rio Grande do Sul que houve prisão. E aí seguiu. E
terminou o ano de meia quatro agitado pra caramba, aí veio meia cinco. Muitas... muitas bar-
reiras na jurisdição do Regimento, até fora dela. Eu chegava, eu passava às vezes até 15 dias
fora, numa barreira. Normalmente um entroncamento de estradas, né. Estradas que davam
acesso pra Argentina, pra divisa com a Argentina. Estradas que saíam pra outros municípios.
Passava até 15 dias com barreira num cruzamento desses. Parando todo mundo, revistando
quem desconfiava, né. Chegava no Regimento, passava dois dias, dava o tempo de mandar
lavar roupa, já tinha outra saída pra outro lado. Nossa, eu paguei...o ano de meia quatro e meia
cinco eu passei praticamente fora do quartel. Sempre um grupo comigo. É que eu trabalhava
sempre certo, né. Comigo nunca aconteceu nenhum incidente, de ter que disparar uma arma,
por susto. Soldado lá, comum fuzil metralhadora, apontando e disparando. Não. Nunca teve
incidente. Revistava-se. Tinha arma, tirava. Anotava o nome. Relacionava aquele pessoal to-
do, depois mandava o relatório pro Regimento. Era observado pelo pessoal do S/2 né. E..
sempre tranquilo...Alguns incide..., algumas barreiras com pessoas assim, mais agitadas tinha
alguma escaramuça, né, de ter que ir lá uma outra equipe para prender, trazer alguém preso.
Mas é só fogo de palha, né. Desentendimento ali não... porque ali a população ali em noventa
e cinco...em quarenta e cinco [quis dizer sessenta e cinco] já tava mais ou menos consciente.
O pessoal reclamava: 'poxa, eu viajei de Porto Alegre pra Uruguaiana, passei em 5 barreiras!
Pra quê tanto, né!?' (risos). Eu não sei, não é, cada um... Isso é uma estratégia. Apenas se
identificar e não complicar, e não ter problema que passa e vai embora, né. Até meus irmãos
reclamavam, né. Que tinham dois que viajavam, 'poxa, eu tô cansado de passar em barreira!'
(risos). Eu digo, mas é isso mesmo! A ordem é essa vamos passar... é só não ter problema, não
andar armado, não ter complicação nenhuma, não é? Aí, e assim, o civil a única coisa que
mais reclamavam eram essas barreiras, né, porque tinham demais.”
EGR: [O senhor era soldado ainda nessa época?]
AVB: “Eu já era cabo, porque daí, quando terminou aqueles 60 dias de prontidão, reiniciou o
curso de cabo. Aí fizemos o curso de cabo e em 11 de julho eu saí cabo. No mesmo ano que
eu incorporei. Saí cabo e aí chegou no final do ano.... E durante esse tempo que eu fui cabo,
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eu recebi uma missão no meu esquadrão, quando eu podia atender. Tinha um problema de via-
tura, nós tínhamos muitas viaturas de transporte de pessoal, porque era Regimento de Cavala-
ria Motorizada. E essa, a nossa garagem tinha uma complicação muito grande de troca de
pneu duma viatura pra outra, dum esquadrão pro outro. E o sargento que era encarregado da
garagem, ele bebia muito. Bebia muito e ia pra zona do meretrício (risos). Casado com famí-
lia, mas bebia ia pra zona do meretrício, voltava 9 horas da manhã pro expediente. E ai o co-
mandante do esquadrão, que era um capitão já antigo, saindo major, pediu pra mim, como ca-
bo, e disse assim 'Olha, Barriles, eu vou te botar na garagem, no lugar do sargento lá, (eu não
me lembro o nome dele agora, meu Deus!), e você vai me organizar aqueles pneus das viatu-
ras. Você faz o acerto tudo, pega lanternas com o subtenente, pega o pessoal que tu precisar, e
confira pneu por pneu, números, e confira com a ficha da viatura. Vamos trocar tudo, tanto na
subunidade, como nas outras subunidades. Aí eu peguei e fui fazer, trabalhar, o tempo que ti-
nha trabalhava naquilo. Pegava uma lanterna, pegava giz, deitava lá debaixo da viatura, com
outro soldado. Pagava uma missão pra dois, três lá, deitava debaixo da viatura achava o nú-
mero do pneu. Passava o giz, pneu velho, né. Passava o giz pra poder ler, anotava tudo direiti-
nho, via o que não era da viatura, o que não era do esquadrão. Passava para outra viatura, pra
outro esquadrão. Até achar. Ali eu acertei tudo. Tudo de volta, trouxe pneu, mandei pneu de
volta. Fiz um relatório, entreguei pro comandante do esquadrão. Ali ele [pausa] olhou pra
mim assim e disse: 'Pô, Barriles! Você fez um serviço que vinha me preocupando. Isso aí, o
comandante me cobrava e eu não... não tinha quem fizesse, porque o Andrade, o Andrade não
fazia nada disso, não tinha como. Disse 'olhal, aí perguntou pra mim, você quer engajar no
final do ano?' Eu digo, olha eu pretendo. Sempre quis ser....seguir a carreira do Exército. 'En-
tão, aqui no Esquadrão tem uma vaga pra engajamento, e essa é tua. Eu vou, estou saindo ma-
jor, estou indo pro S/4, mas no fim do ano na hora do engajamento você me lembra lá, que é
contigo'. Aí me segurou a vaga.”
EGR: [A QM do senhor era Mat Bel?]
AVB: “Não, não! Não era material bélico, eu era de cavalaria mesmo. Era combatente, cava-
lariano combatente. Não tinha nada a ver com material bélico, só que quem era de material
bélico não fazia isso (risos). E aí, poxa. Ficou contente. Foi o primeiro comandante de subu-
nidade que entregou pro comandante do Regimento com tudo certo, com viatura, pneu.... Ga-
nhou um elogio do comandante do Regimento. Ficou... E eu fiquei [incompreensível]. Ele
ainda conhecia um irmão meu de Santa Maria, que servia no Parque Regional de Santa Maria,
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né. Também, trabalhou com ele. Ele elogiou muito ele: 'ô, um cara legal!' Então eu já fiquei
ali garantido, com a vaga pra engajar. Eu engajei e fiquei né. E eu precisava, porque os meus
pais, meus pais eram do interior, e tinham pouca terra, e então, eles não tinham, assim, uma
renda, né. Então eu, quando eu saí cabo eu melhorei. Quando eu engajei, eu melhorei, mais do
que dobrei, né. Então eu ajudava eles. Sempre ajudei eles. Até, até eles falecerem, eu já com
29 anos, 30 quase.”
EGR: [O senhor trabalhou na lavoura até quantos anos?]
AVB: “Eu trabalhei na lavoura até (pausa) 14 anos. Aí, quando eu terminei o primário lá na
colônia, o meu irmão foi eleito prefeito de Horizontina, da...da...da terra da Gisele Bündchen.
E meu irmão foi eleito prefeito de Horizontina. O 2º prefeito, era um município novo, eman-
cipado.1 E o 1º prefeito foi Jorge Logemann, que era dono da Schneider Logemann e Cia, fa-
bricante de colheitadeira que tinha em Horizontina. Que hoje é John Deere, né, americana que
comprou ela, John Deere. Aquelas máquinas verdes que se vê aí. E aí, o meu irmão foi o 2º
prefeito. Ele foi eleito e como eu precisava estudar, ele me levou pra Horizontina. Pra estudar
lá, fazer o... na época tinha o Admissão, pra 5ª Série né. Fazia dois meses, daí fazia o concurso
de Admissão pra passar pra 5ª Série. E eu fui, aí fiz esse Admissão. Nós matriculou na 5ª Sé-
rie, no início de março, né. E lá aí, eu comecei a estudar e trabalhar. Ele me arrumou um tra-
balho numa (pausa) numa marcenaria. Trabalhei nessa marcenaria um ano e estudando, fa-
zendo a 5ª Série. Aí quando chegava no final do ano eu pedi embora, disse, ora quero ir pra
casa agora passar as férias. Então saía da marcenaria e passava todas as férias em casa. Quan-
do estava pra reiniciar o ano voltava, mas no 2º ano eu fui trabalhar nesta firma do Jorge Lo-
gemann, que era a fábrica de colheitadeira. Trabalhei um ano lá. Aí terminado o 2º ano, pras
férias, eu saí de novo. Voltei, no 3º ano, fui trabalhar noutra fábrica que existia lá, que fabri-
cava umas máquinas menores, de colocar o material pra debulhar, a soja ou milho, tudo pela
boca, assim, manualmente né, mas ligada num motor, né. E aí eu trabalhei mais um ano nesta
firma. E quando terminou o ano, também, voltei pras férias. No 4º ano, já no 4º ano de man-
dato do meu irmão, ele me arrumou um trabalho na prefeitura. Só que não dentro da prefeitu-
ra. Ele me arrumou um trabalho como diarista. Junto com aquela turma do pesado, de plantar
grama em praça, de mexer com terra, de fazer linhas telefônicas pro interior. Erguer poste, fio.
Nós fazia rede de telefone de até 12 fios. Poste de madeira...era um trabalho pesado. E eu ia
1 [Seu irmão Pedro Paulo Barrilles foi o 2º prefeito de Horizontina, de Janeiro de 1960 a Dezembro de
1963. Disponível: http://www.horizontina.com/exprefeitos.php; Acesso em: 03 de Abril de 2011]
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trabalhar no interior. Chegava do interior de caminhão, não é. Chegava sempre sete e meia,
oito horas. Chegava, eu tava morando com uma irmã minha que morava em Horizontina tam-
bém. Chegava, tomava um banho, e rapidamente saía correndo. A primeira aula, a primeira e a
metade da outra eu perdia sempre. Pois chegava atrasado. Aí, terminou a 4ª série lá, né. E
chegou a época de servir. Inclusive, pra servir, eu como era morador do município de Santa
Rosa, morava dentro do município, mas no interior. Aí, um amigo meu de Horizontina, que
estudava comigo, sabia que eu vinha pra Santa Rosa pra me alistar, naquele último ano, disse
'olha eu vou junto com você'. Darci Gelzer [?] era o nome dele: 'eu vou junto com você e vou
me alistar'. Aí pegamos o ônibus, fomos pra Santa Rosa, ficamos lá no quartel. Cheguei lá, e
ele foi atendido primeiro. Aí ele caiu na...eu também não sabia disso. Ele caiu na asneira de
perguntar: 'onde é que você reside?'. 'Ah, eu moro em Horizontina!'. Ai o cara: 'Não, então
você não pode se alistar aqui. Eu tenho que te alistar em Horizontina porque aí então você vai
servir em Itaqui, São Borja. Aqui é só da jurisdição de Santa Rosa.' Santa Rosa e alguns mu-
nicípios mais próximos, ali. Aí ele ficou assim. Bom, é minha vez, né. Ele disse: 'onde é que
tu mora?' 'Eu moro lá na cabeceira do Lajeado Paulino, assim, assim.' Aí, 'mas mora mesmo?'
- 'Sim, moro mesmo!' Aí nem conversei mais com ele né! (risos) Senão ele vai dizer assim,
não, eles estão estudando [incompreensível].”
EGR: [Quem fez a entrevista era um sargento?]
AVB: “Era um sargento, um sargento. “Ah, então tá. Você pode ficar, mas ele não pode!' Aí
eu botei lá como voluntário, né. Era voluntário pra servir, né. Aí não teve dúvida. Terminou o
ano eu pedi as contas lá. O meu irmão também estava lá entregando a prefeitura, né. Eu voltei
pra casa e em 13 de janeiro eu incorporei. E o meu irmão se mudou pra Porto Alegre.”
EGR: [A incorporação foi dia 13 de janeiro...]
AVB: “É. Dia 13 de janeiro de meia quatro. Era sempre no início do ano. Naquela época; an-
tes da Revolução. Depois foi mudando um pouco. Mais tarde, né. E aí, e assim que eu fiquei
né. Mas eu tinha como comprovar, porque eu era natural dali né. Mas o outro caiu na asneira
de dizer, 'não, moro em Horizontina'. Aí não pode servir.”
EGR: [O senhor foi cabo até quando?]
AVB: “Aí eu fui cabo até 31 de... de maio de meia sete. Em meia quatro eu já tentei a ESA. O
concurso. Mas é muito... não tive nem tempo de olhar nada, porque não sobrava tempo pra
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nada! Fiz o concurso pra saber como é que era. Disse, meu Deus! Meia cinco eu fiz o concur-
so da ESA de novo. Fiz o concurso da ESA e fiz o concurso do... da ESA, da ESA sim, porque
era um concurso geral mas não era só pra ESA [pausa] era pra funcionar cursos em Unida-
des... do Exército. Designar Unidades porque a ESA não ia comportar o número de candidatos
que eram pra fazer aquele ano, né. Aí, eu fiz o concurso no final de meia cinco. Aí na metade
de meia meia, um pouco anos da metade, me chamaram. Fui fazer o curso. Em Santa Rosa
nós fomos entre doze, pra São Gabriel. São Gabriel é uma Unidade idêntica a nossa. Era o 3º
Regimento de Cavalaria Motorizado. Fizemos o curso lá de 6 meses, fim do ano aprovação, e
no dia 31 de maio fui promovido. Fui promovido a terceiro.”
EGR: [O senhor fez o curso..]
AVB: “Curso de sargento.”
EGR: [Aí ele durou 6 meses; mas o término do curso não garantia a promoção?]
AVB: “Garantia. É que havia datas de promoção estabelecidas.”
EGR: [O senhor terminava o curso e ficava esperando a promoção?]
AVB: “E ficava esperando a promoção. AS promoções de 3ºsargento eram tudo em 31 de
maio.”
EGR: [Não tinha uma cerimônia de formatura, com entrega de divisas ?]
AVB: “Tinha, mas dentro da unidade. Uma entrega na hora da formatura normal, né.”
EGR: [Mas no término do curso..?]
AVB: “Não! No término do curso, tinha simplesmente o encerramento do curso. Com aprova-
ção. Até eu sei que minha nota foi 7... 7 e 60. era um curso bem puxado, né. Saí dentro da
média de...de mais ou menos...em trinta e...cinco, que nós fizemos, acho que eu fui o décimo
segundo.”
EGR: [O senhor fez Cavalaria..?]
AVB: “Cavalaria. Cavaleiro combatente. Terceiro sargento cavaleiro combatente. E havia.
Eles desmembravam as unidades, assim. Cada um dentro da sua arma. Teve outros cursos lá
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no Rio Grande do Sul, cada um em sua arma. Porque o efetivo de pessoal era muito pequeno.
Muito apertado. A partir de então, daquele ano, é que começou ao efetivo ser completado. Aí
aparecia dois sargentos num pelotão, mas um tenente era muito difícil. Era muito difícil ter
um tenente pra comandar um pelotão. Era um pelotão que tinha. A maioria era sargento que
comandava. E aí a Academia acho que começou também a aumentar o número de cadetes, né.
Pra aumentar o número de oficiais, não é. Era deficiente! Muito deficiente.”
EGR: [Na tropa, pelo que o senhor diz, o sargento é quem fazia tudo?]
AVB: “O sargento era quem fazia tudo! Eu cheguei, inclusive, a desempenhar a função de
comandante de pelotão como 3º sargento, e sacar a diferença2. Cheguei...existia essa possibi-
lidade. Só que antes de mim existia um sargento mais antigo, ele antes de mim, mesmo não
comandando o pelotão ele sacava pra ele. E eu comandando o pelotão, mas não recebia. Mas
aí chegou, quando chegou a minha vez, durou uns 6 meses mais ou menos. Que eu recebia a
diferença de 2º Tenente. Então, não demorou muito cortaram essa diferença, né. Começou a
aumentar muito a despesa. Sim! Porque, ia dar numa unidade, uma enormidade. Era subtenen-
te na função de comandante de esquadrão, era primeiro sargento na função de subtenente! Era
uma cadeia, né. Sempre faltava muita gente. E naquela época, a aposentadoria era com 25
anos! Até... Aí em 65, eu acho, que o Castelo Branco cortou. O Presidente Castelo Branco
cortou. Mas era com 25 anos. Eu vi um 1º Sargento da subunidade que eu incorporei, que in-
clusive era meu xará, Adão, ele foi pra reserva com 25 anos. E com uma promoção (pausa)
uma promoção com divisa, com insígnia, e uma promoção para efeito de vencimentos. Duas
promoções. Ele saiu subtenente e como subtenente, foi promovido a 2º tenente para efeito de
vencimentos. Eram duas. Pois já. Quando assumiu o Castelo Branco já caiu pra uma. Aquela
promoção com insígnia caiu, caiu já. Só levava a de vencimento. Bom, aí seguiu-se o... mais
ou menos de meia quatro até meia oito, meia nove, sempre aquelas barreiras, aquelas perse-
guição ao Brizola, porque o Brizola tinha fugido pro Uruguai, dizia e corria o boato lá que o
Brizola ia entrar pela Argentina. Então os portos ali da Argentina, tinham vários portos, né. Se
permitia a passagem ali, normal, com carro em algum lugar, porque tinha balsa, né. Então
agente policiava aquelas fronteiras ali. 10 dias, 15 dias. Ia pra lá. Às vezes, o meu grupo,
quando eu ia com meu grupo, chovia de soldado voluntário pra ir junto porque eu sempre tra-
tei bem o pessoal. Não deixei passar fome, porque tinha gente que passou fome. Porque o
2 [à época, o desempenho de funções superiores garantia um soldo relativo ao posto ou graduação corres-
pondente àquela função; o seja, ganhou como 2º Tenente]
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mantimento que levava, às vezes pra uma semana, tinha que ficar mais 3, 5 ou 10 dias. E aí
custava chegar. E aí o cara lá. Eu comprava, eu comprei alimentos, dos agricultores, do meu
bolso. Comprava o frango, comprava ovos, comprava pão. Sempre pra não deixar faltar.
Comprava carne. Então sempre, quando eu chegava...se eu chegasse assim, na frente da subu-
nidade e dissesse: 'olha eu quero 10 voluntários aí pra ir comigo pra barreira!' Chovia!! cerca-
vam. Porque sabiam que não iam passar mal, né. Agente tinha aquela vida de colônia, conhe-
cia tudo como é que era. Então, chegava, tinha lugares, casas, que eu chegava e eles diziam,
'não, não vou te cobrar!' o cara ia lá, pegava 3, 4 frangos, mandava limpar e dizia, 'mais tarde
passa aqui, já leva eles limpos!' E dava pra gente! Então o pessoal era muito bom! O pessoal
da agricul...do interior, é muito bom! E eu sempre queria pagar né. E às vezes eu até fazia dí-
vida pra quando fosse pegar dinheiro no Esquadrão, né, justificava; então eu pegava dinheiro
pra pagar quando eu não tinha.”
EGR: [Mas o Esquadrão pagava pro senhor de novo?]
AVB: “Pagava. Quando comprovava o troço pagava, sem problema.”
EGR: [Mas como o senhor comprovava? Tinha alguma notinha?]
AVB: “Ah! Sempre. Às vezes até de testemunha dos outros componentes. Até por testemunha.
'Ó, faltou...' O subtenente sabia que faltava, né, não tinha como levar às vezes, muito longe... e
sabia que eu não mentia. Então, eu falava: 'é isso..' e eles davam. Mandavam voltar lá pra pa-
gar, ou eu ia lá pra pagar.”
EGR: [E, no quartel, senhor Adão? Como era a rotina, como era a convivência dos oficiais,
sargentos, soldados?]
AVB: “A convivência era assim (pausa) como é que eu vou dizer...dentro da hierarquia e da
disciplina, mas sem perseguição. Sem... a Cavalaria tem uma fama de um pessoal 'buenacho',
como se diz, né. Se entendem muito bem... Um relacionamento bom dentro da unidade. Então
era uma beleza. Era uma família, uma família. Um precisava de alguma coisa, o outro cedia. A
convivência era muito boa. E num caso assim, de alguma perseguição de um oficial, e que se
sentisse ofendido, podia ir reclamar ao seu superior imediato, e era levado à frente. 'ôpa, va-
mos ver o que é que...' Às vezes acontecia né, de um oficial se indispor com um sargento, com
um cabo, e querer perseguir, mas aí era só levar adiante e por baixo dos panos, resolvido o
problema... Mas é! A convivência muito boa, o ambiente praticamente familiar, assim dentro
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da unidade. Nós não tínhamos assim, briga, perseguição, ameaça, dizendo: 'fulano, eu te dou
um tiro!' Ambiente bom! Pra mim, dentro da vida militar, a única coisa, a pior coisa que eu fui
encontrar quando eu fiz uma besteira quando eu vim pra esse Colégio Militar aí.3 Eu trabalha-
va... eu era comandante de pelotão, 2º sargento já, saindo 1º já, tinha 3 sargento no pelotão, da
ESA, vindo da ESA, eu pegava o QTS no início da semana, botava lá e digo, 'olha, vocês es-
colham as instruções que vocês querem dar aqui, o que sobrar é meu!' Aí eles pegavam quase
tudo, sobrava alguma coisa mais difícil, umas instruções mais complicadas, assim, de (pausa),
me fugiu agora... assim, da própria disciplina...a diferença da democracia para comunismo,
essas coisas todas. Então sobrava 4 ou 5 pra semana toda, o resto eles pegavam. E eu só
acompanhava, né. Acompanhava, assistia algumas pra ver se tava tudo bem. Mas era sargento
da ESA, tudo bem formado, né. E então, eu saí de uma situação dessa, tão boa assim; escala
de PE, como 2º Sargento, com 15 na escala. 2 serviços por mês, no máximo! De PE. Eu mo-
rava na Vila Militar, a PE tirava serviço na vila. Estava em casa praticamente. E vim pra esse
Colégio aqui. Cheguei aqui numa fogueira desgraçada! Faltando monitor pra tudo! Escala de
5! Peguei um internato com cento e cinquenta e poucos internos! Tudo boca brava...tinha gen-
te do Mato Grosso, tinha gente do interior aí. E uma bagunça, um troco fora de série! 5 na es-
cala! Tirava dois serviços por semana! Até três. Porque...era folga 24 horas, aliás, 48 horas!
Não tirava com 24 porque não podia.”
EGR: [Nisso o senhor já era 2º sargento?]
AVB: “1º, já cheguei, logo que cheguei aqui eu saí 1º. E passei um bom tempo nessa porcaria
aí! Pelo amor de Deus! Me incomodando pra caramba! AH! Fiz a pior viagem! Deveria ter
ficado na tropa lá até... lá eu ia sair promovido normalmente, eu iria sair QAO e já não entra-
va de serviço. Ali saía QAO tirava serviço! Continuava tirando! E assim foi! Então, foi a pior
troca. Mas a vida em si na tropa foi uma coisa que deixou boas recordações. Nós éramos, as-
sim, muito unidos e, do Exército eu só levo coisas boas. Vim pegar pedreira, pereba, aqui nes-
se Colégio. Porque tinha um coronel aí que Deus o livre! Era um cara, ele era subdiretor
quando eu cheguei.”
EGR: [Mas ele era...]
AVB: “Ele era um cara que pedia dinheiro pra todo mundo, mas como eu não tinha dinheiro,
tinha dois filhos em aula, não sobrava, né. Eu não emprestava, não emprestei dinheiro, e isso
3 Refere-se ao CMC.
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gerava perseguição.”
EGR: [Ah! Ele pedia emprestado o dinheiro?]
AVB: “Pra construir casa na praia (risos). É! Era fogo!”
EGR: [Mas na tropa então, não tinha diferença entre os oficiais, os sargentos?]
AVB: “Não! Era uma amizade....A única diferença era reunião de oficial quando era reunião
de oficial, quando era reunião de sargento, de sargento, ou era reunião de sargento e dos ofici-
ais. E cassino, cassino de um, cassino de outro né. Mas o resto se convivia muito bem dentro
do Regimento! Nossa! Uma beleza!”
EGR: [Não tinha ninguém nariz em pé, não...]
AVB: “Teve alguns... Teve um comandante, antes de eu vim pra cá que foi preso. Quer dizer,
foi bem antes, ele foi preso em meia dois. Ele foi comandante do Regimento em meia dois, e
aí ele foi preso por um 1º tenente, porque ele tava... surgiu um desentendimento lá com o ne-
gócio de Brizola! E coisa. Houve a tal de Legalidade, né, uns dois anos antes da Revolução, e
eu não sei o que é que houve. Não entendi muito bem qual foi o desentendimento lá. Eu sei
que o Bretas foi querer apoiar...o Brizola, e uns tenente novo que tinham lá, liderados por um
1º tenente, prenderam ele. E ele foi levado pro III Exército.”
EGR: [Ele era coronel?]
AVB: “Tenente Coronel. Aí depois ele voltou, já em meia sete,...meia meia, ele voltou, pra
comandar a Unidade, e aí que, aí ele quis tirar a desforra, né. Quis se...se vingar da unidade
pelo ocorrido com ele. E um monte de coisas! Criou botas de borracha...e capa de chuvas....
Botas de borracha e capa de chuva para a formatura! Com chuva! O dia que estivesse choven-
do, tinha formatura geral com botas de borracha e capa de chuva! E essas coisas assim, vivia
perseguindo o pessoal... Até ocorreu um caso, um caso muito inte... um caso muito engraçado.
Tinha um...um tio da Xuxa, Meneghel... O pai, o pai da Xuxa Meneghel era... trabalhava no
S/3, né, quando eu incorporei.”
EGR: [Ele era militar?]
AVB: “É, o pai da Xuxa, o Luís Meneghel era.”
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EGR: [Ele era o quê?]
AVB: “Ele era 1º Sargento. Ele trabalhava na S/3. Ele era o imediato lá do S/3, né. Ele man-
dava praticamente na seção ali e tudo. E o último, o irmão mais novo dele, incorporou em
meia meia. E foi servir no meu esquadrão. E eu era cabo. Ainda era cabo. Aí, em meia meia
teve uma Copa, né. Então, o coronel Bretas proibiu que ninguém ligasse rádio, pra assistir jo-
go, de tarde. E os jogos naquela época eram à tarde, né. Naquela época coincidia com a tarde
lá. E esse irmão da Xuxa, esse tio da Xuxa, que estava servindo comigo, se reuniu com um
amigo meu que já tinha saído 3º Sargento, fez curso um ano antes que eu. E eles controlavam
a munição do paiol, assim. Recebiam, conferiam o que estava estragado. Trabalhavam direto
com o responsável do paiol. Munição vencida, tiravam, né. Muito enferrujada, né. Tinha mui-
to 7 milímetro, da II Guerra, ainda. E tinha uma peça lá num pavilhão, onde eles juntavam
esses cartuchos e desmontavam cartuchos pra tirar a pólvora, né. E aí, tá, sei que tinha um jo-
go À tarde, né, e esse sargento chamou esse tio da Xuxa pra ajudar ele, né. E aí se fecharam lá
no pelotão, com uma porta grande assim. Fecharam a porta por dentro, ligaram o rádio e fica-
ram lá. Brincando lá, fazendo rastilho de pólvora, jogando fogo e escutando o jogo , né. Ai de
repente, quando viram alguém mexendo na porta. Sacudia a porta. Aí o tio da Xuxa: “Ô! Aqui
ninguém pode entrar pô! Aqui nós tamo trabalhando. Quem é que tá mexendo aí? O coronel
Bretas falava assim: 'É o coronel Bretas!' [risos]. Aí os cara abriu assim, tava tudo cheio de
fumaça! [risos]. O coronel: 'Quê que cês tão fazendo aí? E esse rádio ligado aí!? Eu não proi-
bi!? ' - 'Ah! Nós tamos desmontando munição.' - E queimando pólvora, é!? [risos]. 'Imedia-
ta...Os dois já pra cadeia!' [risos] O sargento foi preso por 10 dias e o soldado, que era o tio da
Xuxa, por 6 dias. [risos] 3º sargento recém promovido. 10 dias de prisão [risos]. Aquela foi
pra acabar! [risos]. E [pausa] então tinha esses casos, não é!? O Regimento então tinha que
aguentar ele, com tudo que ele pedia, com tudo que ele cobrava! Cobrava dos oficiais, os ofi-
ciais não. Nem, não se via bolinho de oficial conversando. Nem sargento, né! Todo mundo
tinha que tá andando pra lá e pra cá. Aí, passou o período dele, e quando eu tava próximo de
eu vir pra cá, chegou um coronel (pausa curta) doente! Esse era doente da cabeça. Aí, chegou
lá, assumiu. Sempre sério e quieto. Foi morar na casa do comandante. Exigia que a PE fosse
lá, passava. Chamava o comandante da PE. Mandava chamar o comandante da PE, o coman-
dante da PE ia lá se apresentava. Eu me apresentei pra ele umas duas ou 3 vezes. E ele não.
Inclusive um dia ele não gostou de mim, mandou me punir. Mas aí já tava o troço...o troço já
tava assim, um movimento de oficiais não é. Comunicando o III Exército o que tava ocorren-
do com ele lá, que o coronel não tava...com boa sanidade mental né.”
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EGR: [Mas o que ele fazia?]
AVB: “Ah! Ele exigia um monte de coisa. Exigiu que todos os oficiais e sargentos compras-
sem bota e culote! Coisa de hipo, né! Que nós não usava. Então, queria formatura de oficiais e
sargentos de bota e culote. Em Santa Rosa não tinha ninguém que fazia bota de cavalaria! Um
cano... aquilo é uma bota especial, né! Tem que ser sapataria especial pra fazer. É uma bota
que ajusta o cano assim. E culote, nem alfaiate tinha. Culote é um tipo, uma bombacha aqui é
larga, e afina na perna, porque vai dentro da bota, né. Exigiu, deu um prazo, e aí, aí os oficiais
aceleraram mais a saída dele. Disse, 'Ah, o cara exigiu e deu um prazo aí, e não temos onde
mandar fazer, porque aqui perto ninguém entende disso. Não tem costureira que faça culote,
não tem sapateiro que faça bota do tipo cavalaria, né. Tinha que pedir pra Santiago, são Borja,
não sei. Não, Santiago, Itaqui. Ficava muito caro, né, pra nós. Aí começaram a ver, não sei.
Foi um [pausa] foi um coronel...um coronel, um major e me parece que um Capitão, foram lá
conversaram com ele...levaram uma junta médica. Eu sei que fizeram um teste nele lá e afas-
taram ele do comando. Realmente baixou. Botaram ele pra reserva. Não tinha como! Ele era
ruim da cabeça! Estava muito bem assim. As vezes estava conversando com um oficial, de-
pois 'Ah! Eu vou te prender!' [risos] “Foi o meu caso, porque eu fui me apresentar pra ele co-
mo comandante da PE, né, e ele achou que eu cheguei meio displicente pra me apresentar pra
ele. Cheguei normal, né! Cheguei, me apresentei! Aí ele mandou o S/1, lá: 'Ó Puna o sargento
lá porque ele é displicente', né. Ele queria que chegasse correndo...pshiiiu [ruído onomatopai-
co simbolizando velocidade], alto!, meia esquerda volver! e me apresentasse pra ele! Eu che-
guei caminhando! [risos] “Mas é fogo! Tem dessas coisas? Tem, né!”
EGR: [Mas esse da capa de chuva e da bota de borracha é outro, ou é o mesmo?]
AVB: “Não! Esse foi outro. O anterior. Esse outro aí não durou nem seis meses! Esse, esse
comandou dois anos a unidade. Dois anos nós aguentamos. Cantídio Bretas Filho4, filha, filho
da escritora Cora Coralina.”
EGR: [Filho da Cora Coralina?]
AVB: “Nascido lá em Goiás”5.
4 Cel R1 encontrado no site do DGP
5 Filho de Cora Coralina, pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto com Cantídio Tolentino Bretas, mas
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EGR: [Esse Bretas é o da bota de borracha e da capa de chuva!?]
AVB: “Esse, esse mesmo. Esse que foi preso lá também, pelos tenentes.”
EGR: [Foi preso pelos tenentes porque ele apoiava o Brizola?]
AVB: “Eu não sei, porque naquela época o pessoal contava muito por cima, assim, né, eu
também não entrei em detalhes, né. Eu sei que ele como comandante da unidade ele queria se
rebelar lá com...um problema lá com o Brizola. Não queria aceitar a ordem da Divisão de Ca-
valaria lá de Santiago, que era a DC. E aí os tenentes se reuniram, e o primeiro tenente mais
antigo deu ordem de prisão (risos). Aí ele foi preso e foi pra Santiago. Foi pra 1ª Divisão de
Cavalaria. Não sei o que é que fizeram dele não! Foi pra onde? Depois voltou pra comandar a
unidade! Isso aconteceu em meia dois e ele voltou em meia meia. [pausa] E, assim, eu acho
que o espírito de tropa... da Revolução...era uma coisa muito cobrado! Os oficiais cobravam
dos sargentos! Sargentos eram pra cobrar dos soldados. Tudo tinha que ser muito rigoroso, né.
Existia, como é que eu vou dizer, existia mais hierarquia naquela época. Mais hierarquia. Não
tinha esse negócio de, digamos assim, como hoje em dia tem, alguns oficiais aí que querem só
dar ordem pro sargento trabalhar, e... Não! Todo mundo trabalhava junto. Pegava junto! A
única coisa lá que eu fazia, eu fui instrutor de tiro por anos! Chegava hora de fazer tiro com o
Esquadrão, tinham os oficiais R2 que iam, o comandante do Esquadrão não podia ir e dizia:
'Barriles, você é que vai comandar o tiro!' porque ele sabia que eu era muito rigoroso na segu-
rança. Então eu comandava o tiro. Tava lá um 2º tenente, um 1º tenente R2! Mas era eu que
comandava o tiro. E falar em tiro, o 1º tiro que eu fui fazer, 20 dias depois de incorporado, 30
dias. Era distância de 30 metros, 5 tiros, tinha assim. [Chegou seu filho que trabalha na Petro-
brás e ele disse: “Esse é o petroleiro! Disse que não vai faltar combustível!”] Eu botei 5 tiros
na mosca. Aí eu botei 5 tiros na mosca. O 1º tiro! Mas o comandante de pelotão, 2º sargento já
saindo 1º, antigão, Wilson Mota Codinotti6, só faltou me carregar no colo! (risos) Mas ficou, o
cara ficou, 'Puxa!' É porque havia aquele negócio, né! Quem fizesse o melhor tiro é porque o
instrutor era melhor, não é! Aí ele chegou no Esquadrão de volta, 'Ó, o Barriles lá botou 5 ti-
ros no buraco! Eu tinha um...costumado caçar né! Tinha um irmão que já tinha sido sargento
também, né. Que era sargento! E quando vinha pra casa, agente tinha uma espingarda, né! E
ele me ensinou a caçar com espingarda, né. Então eu caçava codorna, pomba, essas coisas,
lebre. E eu era mais ou menos bom no tiro. E eu assimilei bem a instrução que o sargento deu
na verdade nasceu em Jaboticabal, interior de SP, junto com seus 5 irmãos.
6 Atualmente 1º Ten R1. Fonte: Página do DGP.
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né. Porque era aquele negócio certinho, assim, perto da mosca. Me deram um fuzil bom. Fo-
ram 5 tiros na mosca. Até quando eu cheguei lá pra ver, no alvo , né. Não tinha furo nenhum.
Os outros era tudo um ali outro aqui. Eu cheguei e custei acreditar (risos).”
EGR: [O senhor achou que não tinha acertado nenhum!?]
AVB: “Tava tudo na mosca, num raio de 1 centímetro, mais ou menos (risos).”
EGR: [Falando da vida no quartel, como era a comida?]
AVB: “A comida boa. Mesmo a do soldado. Melhorou muito a partir da Revolução. Melho-
rou! Porque antes da Revolução, as primeiras comidas que nós tivemos, era feia a coisa!”
EGR: [Tinha o quê?]
AVB: “Era aquele feijão e arroz, com uma folha de salada, uma mandioca cozida, e uma carne
cozida. Geralmente carne cozida. Carne sempre tinha um pedaço! Era carne num molho, as-
sim, cozida, e feijão e arroz e uma mandioca, e uma salada, as vezes um tomatezinho, alface.
Mas era bem racionada! E antes da Revolução, quem queria desarranchar, desarranchava e
ganhava uma diferençazinha a mais. Mas não comia no quartel, mesmo de serviço tinha que
trazer uma marmita de casa! Antes da Revolução! Então, eu só via aquilo, os outros fazerem,
né. Via, no meu esquadrão, sargento de dia esquentando marmita. Perguntava porque, e ele
dizia 'não, eu estou desarranchado...' Então existia o desarranchamento. Aí, depois da Revolu-
ção, logo depois, cortou tudo isso aí. Cortou, o pessoal tinha arranchado! Mas quem arrancha-
va tinha que fazer o “reverte”, né. Tinha que marcar. Era bem controlado a marcação, mas
comida, em princípio, todo mundo tinha direito!”
EGR: [Mas era meio que obrigatório comer, ou não?]
AVB: “Não. Só quem marcava o reverte tinha que comparecer! Mas quem não marcava!”
EGR: [Mas não ganhava a diferença?]
AVB: “Não ganhava a diferença! Mas a diferença era muito pouca, a diferença era mínima,
não era muita coisa não. Assim falava o pessoal, né! Porque eu não entendia direito né. Era
soldado novo! Mas eu sempre era curioso pra saber dessas coisas! Então Às vezes vinha o ca-
bo lá que tava de sargento de dia né, trazia lá a marmita dele esquentava. Esquentava lá no
rancho às vezes. E comia, só que tava desarranchado.”
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EGR: [Tinha cabo que tirava sargento de dia também?]
AVB: “A maioria dos sargentos de dia era cabo. A maioria.”
EGR: [Quem tirava oficial de dia era tenente!?]
AVB: “Oficial de dia, sempre tenente! E nunca QAO. Nas unidades, nunca QAO. QAO era
dispensado.”
EGR: [Mas tinha QAO na época em que o senhor serviu!?]
AVB: “Tinha QAO. Poucos mais tinham. Era muito difícil, mas tinha. E QAO não tirava ser-
viço. Então, tirava só tenentes. Capitão não tira serviço, né. Então era só tenente. Ficava às
vezes, um subtenente nas funções de oficial de dia. Mas é por falta de... quebrava a escala, né.
Então, entrava um pra...um, dois, três, né. Mas ocorreu isso. Um subtenente tirar, ficar na fun-
ção de oficial de dia, por não haver oficial pra escalar, dentro dos prazos, né. Eu sei que a es-
cala de oficial, de início, sempre foi curta, né. Depois foi aumentando, veio os R2, aquela coi-
sa toda mais tarde, então aí tinha à vontade. Aí tinha até oficial de carreira que tivesse na fun-
ção de comandante de esquadrão, caía fora da escala. E dessas funções assim, antigamente,
com essa mudança, aí, com a Revolução, foi melhorando a comida. A verba foi chegando pras
unidades comprarem. Inclusive teve épocas que era bem servido. Que os cassinos eram muito
bem servidos! Lá, no dia que não tivesse expediente à tarde, no almoço tinha vinho, tinha cer-
veja! Quando havia uma competição de unidade, uma competição regional de unidade, era
uma festa! Mas uma festa! Era bem regado a vinho, cerveja, churrasco! Comida boa! De pri-
meira! Era um pessoal, recepcionava muito bem os convidados e a unidade toda participava
daquilo! E tinha, inclusive, promoção de jantares fora do quartel. Em clubes, em churrascari-
as.”
EGR: [Mas financiado pelo quartel?]
AVB: “Sim, tudo pago pelo quartel! É que a verba chegou daí, né. Com o Governo Militar,
chegou a verba. Tinha verba pra tudo! Melhorou inclusive viaturas. Tinha muita viatura indis-
ponível por falta de peças, por falta de manutenção. Depois foi tudo botado nos eixos. Apare-
ceu a verba pra fazer as coisas né. Que antes não era destinado. Antes da Revolução era mui-
to... muito.... eu sei porque o subtenente do meu esquadrão sempre comentava, dizia 'poxa,
agora quando precisa de uma verba, se pede tem. Mas antes era uma tristeza! Tinha que pagar
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do bolso, dizia ele assim, pra fazer alguma coisa.”
EGR: [E pagava do bolso mesmo?]
AVB: “É alguém pagava quando precisava alguma coisa, né. O pessoal às vezes desembolsa-
va quando precisava de alguma coisa. E na..., depois da Revolução, se você gastasse alguma
coisa e comprovasse, você recebia.”
EGR: [O senhor ficou em Santa Rosa durante quanto tempo?]
AVB: “Eu fiquei de meia quatro a setenta e oito!”
EGR: [E aí de lá..?]
AVB: “De lá eu vim pro Colégio Militar.”7
EGR: [E aí encerrou a carreira aqui?]
AVB: “Encerrei a carreira no DRAM, em Palmeira8. Daí, eu fiquei dez anos no Colégio, de
setenta e oito a oitenta e oito, quando fechou. Fechou o Colégio Militar por ordem do Minis-
tro Leônidas Pires Gonçalves. Fechou, foi uma briga, uma luta dura, mas o cara não, o Leôni-
das não abaixou a bola. E foi, entramos até na Justiça, juntamos dinheiro pra entrar na Justiça
pra não fechar, né. Veio uma série de liminares lá. O juiz trazendo liminar. Eu era o Brigada
do Colégio, na época. Eu sei que o comandante não queria nem me enxergar, porque eu levei
duas juízas lá, pra entregar liminar pra ele (risos). Mas ele pegava a liminar, passava e ligava
pro Leônidas em Brasília, e o Leônidas, 'Não! Caga e anda pra eles!' (risos). Não, não esquen-
ta a cabeça! O Colégio, o fechamento continua. E aí, foi terrível! Não conseguimos! Eu fazia
de tudo, como Brigada lá. Tudo que os oficiais queriam fazer lá, lista..lista...lista! Nós dava
apoio. Mas foi indo assim, não teve jeito. Aí quando chegou a época de carregar o material,
veio um comboio do Rio de Janeiro. Esse comboio veio. Quando souberam que ele veio, veio
outra liminar pra impedir de carregar o material.”
EGR: [Mas ele iria pra onde esse material?]
AVB: “Esse material foi tudo pro Rio de Janeiro. Foi tudo levado para lá e de lá distribuído,
7 Refere-se ao Colégio Militar de Curitiba
8 Refere-se ao Depósito Regional de Armamento da 5ª Região, transformado na década de 90 na 2ª Cia do 5º
BSup.
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não sei pra onde. Foi uma devassa! Porque do jeito que foi carregado, já começaram estragan-
do tudo, não é. Porque foi a seguinte: veio a liminar, aí as viaturas ficaram tudo lá no Parque9
esperando. Aí passou...passou...passou. Aí o que é que o Leônidas mandou fazer? Pra carregar
as coisas do Colégio? Marcou uma noite, dez horas da noite, pra todo mundo vir carregar. E o
comboio, pra ninguém ver, pra Justiça não intervir, o comboio entrou de noite, estacionou ali
na frente do Colégio. Desceu o pessoal que veio do Parque, pra carregar, e o pessoal que era
do Colégio, e começaram a jogar pra dentro da viatura. Carregaram de noite e saíram de noite,
de madrugada. Aí, depois de carregado, saíram, foram lá pro Parque, abasteceram, pra irem
embora pro Rio de Janeiro, foi embora! Eu não fui. Porque eu fui convocado, eu era obrigado.
Eu fui convocado pra eu ir ajudar, né. Fui convocado, e eu não fui. Essa hora eu não vou! (ri-
sos) Mas foi assim, foi, foi meio a toque de caixa, né.”
EGR: [Aí esse pessoal que servia no Colégio Militar...?]
AVB: “É. Foi tudo distribuído, tudo distribuído por aí, né. Eu, em princípio, que era pra ir pro
5º BLog, que era ali no centro ainda (atualmente é onde encontra-se o Shopping Curitiba),
mas aí tinha um conhecido de Santa Rosa em Brasília, o Kanitz10
. Eu consegui o telefone de-
le, liguei pra ele e digo: 'olha! Eu não quero ir pro 5º BLog! Dá um jeito aí, Kanitz – eu era
subtenente – dá um jeito aí porque eu não quero ir pro 5º BLog! Porque tinha uma má fama
ali no 5º BLog! Nossa!!”
EGR: [De quê?]
AVB: “De caxiagem, de coisa esculhambada que tinha. Troço de material. Eu ia assumir um
troço de material que eu nunca tinha visto, nem. Era uma coisa de... eu ia assumir um troço lá,
um pepino! Falta de coisa e não sei o quê! E o BLog preparando para ir já pro Pinheirinho. Aí
o Kanitz ligou lá e conseguiu me botar no Parque.”
EGR: [Isso foi oitenta e oito ou oitenta e nove?]
AVB: “Oitenta e oito. Oitenta e nove nós já iniciamos nas novas unidades.”
EGR: [O senhor foi pro Parque..?]
AVB: “Pro Parque!”
9 PqRMnt/5, no bairro do Bacacheri, em Curitiba-PR.
10 Hoje Cap QAO R1. Fonte: Página do DGP.
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EGR: [Aí no Parque o senhor ficou um tempo?]
AVB: “Fiquei 89, 90 e início de 91 eu saí 2º Tenente. Aí fui transferido pra Palmeira. Tinha
um cara, o coronel Nakamura11
lá na DMov12
. Eu liguei pra ele e pedi que me transferisse pa-
ra unidades que tivessem Colégio Militar. Porto Alegre no caso. Ai ele tentou mas não conse-
guiu: 'Ah! Vou te botar aí pra perto! Vou te botar numa unidade! Me jogou em Palmeira. Em
Palmeira, aí eu fui pra lá, passei 91 todo. E lá começou a se agravar meu problema de saúde,
que eu tinha problema renal. Eu tinha a artéria renal do rim direito, eu nasci com ela trancada,
chama de estenose. É dobrada. Não passava sangue. E isso aí me perturbou a pressão muito,
muito cedo! Eu já, sempre tive problema de pressão. Daí eu fui pra lá pro...pro...DR... [talvez
quisesse dizer DRAM] lá pra Palmeira. Fiquei...deixei a família aqui e fui sozinho. Lá eu mo-
rava na unidade e tem um poço artesiano que abastece a uni...um poço que abastece o quartel.
E é um poço de água salobra. Bem salobra. E eu tomava aquela água e aquilo me foi minando,
minando, foi me atrapalhando a pressão que aquilo...Passei noventa e um assim, início de no-
venta e... é, final de 91 eu já baixei ao hospital! Fui pra UTI do Hospital São Vicente. Fiquei
na UTI 3 dias. Saí da UTI por conta. Porque eles não me davam o medicamento antigo que eu
tomava. Eles só trocavam o medicamento e não me... [incompreensível]. Começou a dar ta-
quicardia, começou um monte de coisas. Aí eu saí da UTI por conta, voltei pro Hospital Mili-
tar, dei alta e procurei outro médico. Daí aí que ele foi mandar fazer uma ecografia especiali-
zada, dos grandes vasos, de rim. E descobriu o rim atrofiado, desse tamaninho! Sem função, e
só me prejudicando! O Dr Marcos Gomes, lá do Hospital Militar! Médico civil! Me tirou o
rim, e aí a pressão ficou controlada! Com remédio mas controlada. Porque antes, com o remé-
dio, era quase incontrolável! Aí como ele me tirou esse rim, eu tinha um ano de promoção. Aí
ele perguntou pra mim: te falta muito tempo? Ele disse: eu vou te botar pra Reserva! Ai eu
falei pra ele: 'Mas Doutor, botar pra Reserva por motivo de saúde, não tem... eu me falta 6
meses pra eu completar meu tempo, porque eu tenho 28 anos e duas licenças [Licença Especi-
al ou comumente chamada LE, que era uma licença com vencimento por um período de 6 me-
ses que todo militar tinha direito a cada 10 anos de serviço. Caso o militar preferisse não go-
zar este tempo em casa, contava em dobro para ir para a reserva. Vigorou até 2000]. aí ele dis-
se assim: 'Então, de cara eu vou te dar 90 dias de LTS [Licença para Tratamento de Saúde].
11
Cel R1 HAZIME NAKAUMA, foi para a Reserva em 1999, segundo a página do DGP.
12 Diretoria de Movimentações: órgão que era responsável pelas movimentações do pessoal, hoje o órgão mudou
seu nome para DCEM: Diretoria de Cadastros e Movimentações
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Depois tu se apresenta, eu te dou mais 30! Eu digo, nem precisa dar mais 30 porque eu tenho
duas férias não gozadas. Então, eu me apresento! Entro em férias uma. Entro em férias outra.
Completo o tempo e vou pra Reserva! Mas ele não queria que eu ficasse na ativa! - 'Tu não
pode te incomodar! Tu vai ficar na ativa não se sabe agora por quanto tempo! Vai trabalhar,
vão te dar uma função aí de muita responsabilidade, preocupação! E você não pode! Então vá
pra Reserva! Termine teu..., complete teu tempo e vá!' Aí eu fiz isso né! Ganhei! Ganhei em
saúde né! Em 92 eu tirei esse rim, estou vivo até hoje, né!”
EGR: [Se não fosse a cirurgia...]
AVB: “Ah, não! Não tinha passado, não tinha passado! Duma hora pra outra explodia, né! Ou
um AVC, ou qualquer problema.”
EGR: [O senhor então, tinha 28 anos de serviço quando foi promovido?]
AVB: “Ah! Eu tinha 27 quando fui promovido.”
EGR: [Os tempos de promoção o senhor lembra? O senhor foi promovido de 3º a 2º com
quanto tempo?]
AVB: “De 3º a 2º com 9 anos. Mais ou menos de 8 para 9 anos.”
EGR: [E de 2º para 1º?]
AVB: “De 2º pra 1º, 7 anos parece! 6, 7 anos!”
EGR: [ De 1º para Sub..?]
AVB: “Uns 6 anos por aí. Entre 5 e 6.”
EGR: [Aí de Sub para 2º...?]
AVB: “De Sub pra 2º, foram, deixa eu ver... de 88 para noventa e... aí foram 4 anos.”
EGR: [O senhor ficou 9 anos como 3º sargento...]
AVB: “É. 9 anos! E tava dentro da minha turma pra sair. Só quem saiu primeiro foi quem pe-
gou Marechal Hermes, né 13
que saíam na minha frente. Mas eu saía mais ou menos junto com
13 [Medalha Marechal Hermes, concedida aos 1º colocados de cada turma de formação, em cada Arma
Quadro ou Serviço. São os mais antigos da turma e os primeiros colocados na lista de espera para as promoções
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a turma geral. O grosso da turma.”
EGR: [A turma do senhor são quantos sargentos de Cavalaria?]
AVB: “Na minha turma, 37 no Curso de Sargentos em São Gabriel, e no CAS na ESA eram
38. Inclusive o ano que eu fiz o CAS, eu fiz o CAS em 70, naquela época existia o concurso
pro CAS. E existia o problema o seguinte: quem não tivesse CAS, não completava os 10 anos.
Não completava os 10 anos.”
EGR: [O CAS então era feito como 3º sargento?]
AVB: “Como 3º Sargento. Então, quem não tivesse o CAS não completava os 10 anos, não
pegava estabilidade. E aí foi o que eu me preocupei, né. Mas a seleção do CAS era tão difícil
que tinha muitos sargentos marcando passo, sargento até indo embora. Porque não completava
o tempo né. Eu disse, 'poxa, vou ter que parar, vou ter que recapitular o meu 1º grau e o 1º ano
do 2º grau que mais ou menos entra, entrava junto. E vou ter dar uma recapitulada. Aí reuni-
mos uma turma lá, pegamos professor, tivemos algumas aulas de recapitulação ali na sede dos
subtenentes e sargentos. Fizemos o concurso e passamos! Em Santa Rosa passamos 3.”
EGR: [O senhor fez o 2º grau já como sargento!?
AVB: “Já como sargento! Isso faltando metade das aulas.!!! (risos). Porque não podia, não
tinha como, não tinha frequência. Eu vinha de uma barreira, ficava dois, três dias, já estava
escalado pra outra. E serviço no quartel!! Mas o 2º Grau, assim, foi metade mais ou menos,
passando.... tendo nota pra promoção [promoção de uma série para outra na escola] porque
tendo tempo pra estudar...tempo pra estudar pro 2º Grau não me sobrava, porque as fichas de
instrução de cada instrução tinha que ter uma ficha de instrução. E eu tinha no meu pelotão
um cabo praticamente analfabeto.”
EGR: [Era muito comum isso acontecer?]
AVB: “Era muito comum porque tinha aquelas praças antigas ainda que tinha! Cabo, soldado
no critério de Antiguidade. Este é um critério valorativo que acompanha o sargento por toda sua vida militar. O
curso de aperfeiçoamento também concede essa medalha aos primeiros colocados e é uma maneira daqueles que
não se dedicaram tanto na Escola de Formação de tentarem conseguir uma melhor colocação em sua turma. Mas
para a promoção há outro critério, que é o de Merecimento. Este depende das avaliações e conceitos realizados já
no ambiente do exercício profissional e depende sobremaneira da subjetividade do avaliador e do avaliado. Por-
tanto, é fluido e variável de acordo com o lugar em que se serve, de acordo com a função exercida, com a capa-
cidade relacional do avaliador e do avaliado]
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que às vezes foi ordenança de coronel, e que conseguiu uma brecha para ficar até ser promo-
vido cabo! E eu tinha um cabo desses, que, muito trabalhador. Era o Cabo que. Depois até al-
guns desses saíram Sargentos QE! Mas esse era um Cabo QE antes de Sargento. E ele não....
em matéria de escrita não tinha. Copiar uma ficha de instrução ou outra, não como, ele errava
tudo! E os planos de seção tinham que estar tudo controlado, no final de semana! Tinha que
estar tudo de acordo pra levar pro comandante da subunidade, e depois o comandante da su-
bunidade levar pro S/3 no completar a semana, né. Então, eu quando não estava na instrução,
ou tinha função no pelotão, eu tava fazendo plano de seção. E levava pra casa à noite, ou
quando estava de serviço, varava a noite fazendo plano de seção. Não sobrava muito tempo
pra estudar! Ia no colégio aquele tempo lá, anotava lá, fazia o que podia, marcava, assinalava
no livro, em algum livro. Mas não tinha tempo de... não sobrava tempo nem pra ler. Então,
falava pros professores, minha vida é assim, é muito corrido. Tô dando o que eu tenho né!”
EGR: [Como era o grau de instrução dos sargentos na época?]
AVB: “A maioria era primeiro grau, né. A maioria!
EGR: [tinha alguém que estudava?]
AVB:”Segundo grau. No máximo 2º grau. Aí depois, com a Revolução. Depois de uns 2, 3, 4,
5 anos da Revolução, o pessoal começou a estudar mais. Alguns faziam faculdade né. Facul-
dade que tinha em Santa Rosa. Economia, e não sei quê... Eu não lembro qual era a outra lá,
mas não era uma coisa que o pessoal gostava muito. Aí Direito só tinha em Santo Ângelo, ti-
nha que viajar 60 quilômetros pra ir e voltar, né. E aí fomos fazendo, o pessoal foi se interes-
sando, fazer o vestibular e começando a estudar! Mas isso, da unidade assim, tirava 6, 7 no
máximo. E daqueles que tinham tempo né. Muitos casados né.”
EGR: [Era o pessoal mais antigo ou tinha 3º sargento tambèm?]
AVB: “Não...era o pessoal mais novo, digamos assim, que.. tudo gente depois da Revolução,
incorporado no Exército. Praticamente depois da Revolução.”
EGR: [Então era o pessoal mais moderno]
AVB: “O pessoal mais antigo não....já tava saindo 1º Sargento, subtenente, não estudavam
não. Muitos não, não tinham mais. E eu, eu era muito por falta de tempo, né. Porque sempre...
Depois no final aí que eu folguei, que tinha esses 3 sargentos no pelotão. Mas isso dois anos
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já, quando eu já tava pretendendo sair de lá. Aí, eu digo, bom... Mas o CAS, houve um pro-
blema....esse CAS que eu fiz em meia nove, que eu fiz o concurso. Isto foi uma prova muito,
mas muito pesada! Porque na ESA são 4 armas. Só teve 102 aprovados em Infantaria, e 37 na
Cavalaria. Não, não funcionou Engenharia e nem a Artilharia, por falta de candidatos. Menos
de 15 não funcionava.”
EGR: [As Comunicações não tinham ainda não?]
AVB: “As Comunicações ainda não. Depois é que foi implantada. Criada a Arma de Comuni-
cações. E então, só funcionou naquele semestre, no segundo semestre de, do ano de 70 só com
Cavalaria e Infantaria. E no semestre anterior ao meu, no mesmo ano de 70, no primeiro se-
mestre, funcionou o CAS pra sargentos que perderam a QM. Que tinham, que perderam a
QM. Daí foram reconvocados para fazer o CAS.”
EGR: [Mas quem perdeu a QM nessa época?]
AVB: “A extinção dos Burocratas. Burocratas e mais umas duas ou três aí, que então esse pes-
soal foi chamado para refazer o CAS. Isso foi no ano de 70, primeiro semestre. E já no segun-
do semestre, foi a última turma concursado! Que deu só duas, que deu só Cavalaria e Infanta-
ria. E a partir de 71 acabaram com a prova do CAS. Aí botaram compulsória. Era obrigado a
fazer, com promessa de que não completaria os dez anos.”
EGR: [Mas sem precisar fazer provas daí?]
AVB: “É, esse outro o sujeito fazia uma provinha na unidade, né! Vinha uma matéria pra es-
tudar e aí... mas era um troço leve, né!”
EGR: [Não era tão cobrado como era antes?]
AVB: “Não! Tanto era que agente tava no nosso curso do CAS, e veio um major da Direto....
de Brasília, da Diretoria de Formação e Aperfeiçoamento, veio no início do CAS e nos reuniu
lá no auditório da ESA, e falou: 'Olha, infelizmente essa prova, essa última prova aí foi muito
dura, eu reconheço! Reconhecemos lá que foi muito dura, por isso foram poucos aprovados,
porque na Infantaria aprovava duzentos e poucos, né. Aprovou só cento e dois e na Cavalaria
37. e não houve Engenharia nem Artilharia por falta de aprovados suficientes para funcionar o
curso.”
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EGR: [Mas ele falou porque a mão foi tão pesada assim]
AVB: “Não, pois é. Ele só disse isso e não sei porque né. Minha última prova de fogo ainda
bem que eu consegui passar nessa. A prova muito com pegadinha de Faustão, como diz o ou-
tro né. A prova de muito cálculo, nossa! Se você não tivesse dado uma recapitulada, você dan-
çava! Muita armadilha nas questões. Ele mesmo veio me falar, né. Olha, foi pesado, eu falei
com ele.”
EGR: [Tinha nessa época algum comentário no quartel sobre o período anterior à Revolução,
onde os sargentos se rebelaram? Quando na Marinha houve a revolta dos marinheiros. O se-
nhor viu comentar alguma coisa?]
AVB: “Eu lembro! Mas para aqui não. La pra nossa unidade lá, morreu tudo com a Revolu-
ção! Os gaúchos eram muito brizolistas. Costumavam escutar as baboseiras do Brizola na rá-
dio, né. Era rádio. Todo mundo costumava escutar. Mas quanto a essa revolta ninguém falou
mais nada! E ninguém quis apoiar também, né. Ninguém se manifestou em apoiar.”
EGR: [O Brizola falava alguma coisa sobre o Exército se revoltar?]
AVB: “Não diretamente! Mas sim, tomada do poder. Ele insistia muito na tomada do poder. O
Brizola tinha ideia comunista mesmo! Era comunista! Era o que ele queria, igual o Hugo
Chavez tá fazendo. Era o mesmo que ele queria. Era ser um Hugo Chávez. Porque ele tinha
aquela influência do Fidel Castro, que se deu bem lá em Cuba, aquela coisa toda. Com a Uni-
ão Soviética. Então, tava bem embalado, viu. O Fidel Castro incendiou esses revolucionários
aí que tinha, né. Tipo o Hugo Chávez. Ele seria um Hugo Chávez, mais ou menos. Mas o Bri-
zola queria o Comunismo! A ideia dele era essa! Eu sei porque o meu irmão falava isso: 'O
Brizola tem ideia comunista!' Ele era simpatizante do Brizola. Ele andou em Porto Alegre um
tempo. O Brizola foi engraxate! No tempo que era estudante em Porto Alegre. No tempo de 2º
Grau, era engraxate. Depois quando ele foi fazer a faculdade, aí ele abandonou. Não sei quem
é que apoiou ele lá. Eu falo, porque ele foi pobre também, né. Mas ele cresceu com essa ideia
de Comunismo. Tinha sede de poder absoluto!”
EGR: [E o seu irmão...o seu irmão falava do Brizola.?]
AVB: “O meu irmão falava do Brizola. Ele não era muito afim, mas ele era do..., ele foi pre-
feito pelo PTB, que era o partido do Brizola! PTB, mas um PTB mais getulista, né. Porque o
PTB pegou mesmo no Brasil, no Rio Grande do Sul, pelo finado Getúlio. Daí, o Brizola é que
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quis crescer na sombra do finado Getúlio, e inverter a coisa né. E se escorar no cunhado Jan-
go, né. Tava meio chove não molha, e o Brizola quis tomar...tomar peito disso aí. Mas o Bri-
zola tinha ideia de comunista! Isso aí sem duvida nenhuma!”
EGR: [O seu irmão era prefeito pelo PTB, né? O pessoal do quartel sabia disso? Que o senhor
tinha um irmão que era político?]
AVB: “Eu acho que sabia! Não sei! Bom, deve ter sabido porque o pessoal....o pai da Xuxa e
o vô da Xuxa eram tudo do PTB. O vô da Xuxa era vereador em Santa Rosa vários anos pelo
PTB! O meu pai era cabo eleitoral dele lá no interior lá na lavoura. Era cabo eleitoral do vô da
Xuxa. Seu Eduardo Meneghel.14
então, tudo era PTB naquela época. Era maioria lá no Rio
Grande do Sul.”
EGR: [O pai da Xuxa era político também?]
AVB: “Era vereador! Foi vereador por vários anos em Santa Rosa. Morava, tinha uma chácara
5 quilômetros distantes da casa do meu pai, né. Mais ou menos 5 quilômetros perto. E morava
em Santa Rosa também. E tinha o filho dele que era o Luiz Meneghel que era o pai da Xuxa,
né. Que tava no Exército. Mas que foi logo que estourou a Revolução foi pro Rio de Janeiro,
né. Mas a turma lá era tudo mais ou menos PTB nessa época.”
EGR: [O pai da Xuxa era sargento, e foi pro Rio?]
AVB: “Era 1º Sargento quando eu incorporei. E foi pro Rio. Ele foi mais pro Rio porque ele
gostava muito de praia! O pai d Xuxa quando chegava as férias, ele tinha uma Kombi, ele pe-
gava toda a família e ia lá pra Capão da Canoa lá no Rio Grande do Sul! Gostava muito de
praia, né! O Rio de Janeiro, a atração pra ele foi a praia, né!”
EGR: [Xuxa era nascida nessa época já?]
AVB: “Já era nascida sim. Conheci a Xuxa assim.... [mostra o tamanho dela, pondo uma mão
diante da outra] Ela ia na piscina lá do Regimento, ela era assim brancona! E a família dela
toda. O pai dela ia lá em casa, buscar fruta, falar em política e coisa... O vô dela, o vô dela! A
dona Carola também, muito amiga da esposa do meu irmão mais velho, esse que foi prefeito.
Muito amiga. Eram amigos íntimos, assim, de se visitarem né. Então, convivia com essa tur-
14 Participou da 5ª Legislatura da Câmara de Santa Rosa, de 1960 a 1963. Disponível em:
http://www.camarasantarosa.rs.gov.br/index.php?i=legislatura&id=68
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ma lá, mas ninguém falava em ideia comunista. Ideia comunista. Ideia comunista quem criou
foi o Brizola. Inclusive o Brizola, quando criou esse “Grupo dos Onze”, ele procurou gente
que não tinha influência. procurou agricultores com promessa: 'Não! Agora nós vamos ter ter-
ra! Eu vou dar terra, pra vocês!' Pegou gente assim, quase analfabeto, para ser componente do
“Grupo dos Onze.”
EGR: [Mas eram onze pessoas?]
AVB: “Onze homens! Sendo que um cara com maior liderança era o chefe, né! Sempre tem
um mais líder né! Era o chefe! Então agente descobriu isso quando estourou o troço, não é!
Isso aí, sabia daquelas reuniões e coisa, mas não sabia nada de...Ouvi! Ouvia falar que fulano
ia se encontrar com sicrano em Porto Alegre, de trem, né!”
EGR: [E tinha militar envolvido nesse Grupo dos Onze?]
AVB: “Não! Militar agente não conhece porque nessa época eu ainda não era militar. Eu era
civil. Mas eu sei que o meu irmão não topava muito o Brizola, em meia dois deu umas esca-
ramuças, o Brizola quis botar a Brigada Militar contra o Exército lá no Rio Grande do Sul, o
meu irmão não apoiou ele. Eu sei que o Brizola instalou no Palácio lá, até no telhado, para
atirar contra os aviões [risos]. O meu irmão era político, mas era um político sério mesmo,
cara! Tanto é que ele não me botou no último ano na prefeitura, pra ninguém falar!! '-Ó! Fula-
no tá botando parente lá pra trabalhar dentro!' E ele me botou como diarista, lá dentro! Daí
você podia botar qualquer um! [risos].
EGR: [Nessa época, e mesmo depois, se conversava sobre o perigo do comunismo, e dos co-
munistas invadirem o quartel pra roubar armamento?]
AVB: “Sim, no quartel tudo, era muito observado isso aí, e instruído o soldado! Soldado tinha
ciência! No serviço, assim! Era muito controlado! Tudo era com senha e contrassenha. Nin-
guém se aproximava sem dizer a senha e responder a contra senha. Era tudo muito bem! Nos-
sa! O serviço, praticamente, de comandante da guarda, você não dormia!
EGR: [Era preocupação?]
AVB: “Era preocupação. O Cabo era chamado pra render a guarda, o comandante da guarda já
ficava de olho! Observava! Ficava acordado ali no posto, né. Ajudava dar recomendação para
quem entrava. Nós estava bem preparado! Pra não ser surpreendido! Porque já com aquela...o
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problema que houve antes, o problema com a Intentona Comunista, que houve antes, né. Em
trinta e cinco. Então era observado, era para ficar atento porque já havia uma incursão.”
EGR: [E o pessoal lembrava?]
AVB: “Lembrava dessa Intentona, lembrava, inclusive o nome dos falecidos!”
EGR: [Tinham solenidades, então, lembrando de 35?]
AVB: “Sempre, sempre tinha solenidades!”
EGR: [Depois de 64?]
AVB: “Sim! Principalmente depois de 64! porque antes eu não tinha oportunidade de
...Porque eu sou da Revolução. A Revolução que reavivou essa coisa, né! Pra despertar, pro
militar saber que pode ocorrer a qualquer momento uma coisa. Depois com aquele problema
lá do Araguaia, né. Problema também daquele capitão, como é..? Do...”
EGR: [Lamarca?]
AVB: “É! O Lamarca! Então cada vez mais atendia uma coisa! Sempre tinha uma tentativa.
Uma incursão, alguma coisa! O problema do Araguaia, lá, que hoje tá todo mundo se 'fres-
queando' aí. Lá teve como o general falou mesmo!: 'Tem que acabar! Botar uma pedra, porque
isso foi tudo gente que foi, teve aquela ideia de querer mudar, mas.... mas pra quê mudar?
Mudar pra que, pra comunismo? O comunismo já não vinha dando certo em todo lugar! Mas
então... revolucionar o que? Esse pessoal que foi lá no Araguaia! Esse deputado Genoíno, que
inclusive agora vai ser assessor do ministro da defesa. Agora parece que vai ser nomeado as-
sessor do ministro da defesa. Esse era um guerrilheiro! Sabe como é que ele... ele entregou a
turma, lá! Pegaram ele, ele foi pego, e não quis falar. Pegaram ele, botaram ele no helicóptero,
amarraram ele pelos pés, e o helicóptero decolou. Disse, 'bom, agora ou você fala ou vamos
cortar a corda aqui. Aí ele entregou a turma, com o acampamento. É! O bicho é! Aquilo ali é
guerrilheiro nato! Tá lá! [risos]”
EGR: [Então se tinha um certo receio do Comunismo, nessa época, né?]
AVB: “Sim, sim, sem dúvida! O povo lá do Rio Grande do Sul, quem se dizia comunista, é
porque não entendia o comunismo! Não entendia, não sabia. Porque o Brizola, essa turma do
Grupo dos Onze, prometia mundos e fundos: 'Ó! Você vai ser um prefeito, você vai ser um
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delegado, você vai ser... então o cara se empolgava, né. O cara analfabeto às vezes! Minha
nossa! Já pensou eu ser prefeito, um delegado, sei lá o que, um vereador!! Então, e se empol-
gavam! Por desconhecimento a maioria! Por que quem... poucos tinham aquela ideologia de
comunismo mesmo, né! O pessoal lá é trabalhador, né. Agente trabalha.”
EGR: [Como era a postura do Exército ao que se falava sobre o Comunismo? Por exemplo,
Noticiário do Exército, revista Verde Oliva que noticiava]
AVB: “A Verde Oliva noticiava alguma coisa sim, mas a maioria era por meio de instrução.
Instrução para oficiais e sargentos, né. E instrução pra tropa.”
EGR: [Tinha instrução só pra oficiais e sargentos?]
AVB: “Tinha instrução de oficiais e sargentos, tinha instrução só de oficiais, e outra só de sar-
gentos.”
EGR: [E quem dava a instrução?]
AVB: “Geralmente um oficial.”
EGR: [Falava sobre o Comunismo, o que era o Comunismo?]
AVB: “Falava sobre o andamento da situação do comunismo, tentando tirar....esclarecer o que
seria, né, como é que seria. Que a vida militar de um comunista, não era igual à vida militar
de um democra...de uma democracia. O militar no comunismo vão receber aquilo que eles
dão, não é. Não tem aquela, não tem aqueles concursos que pode progredir, né. Fica mais ou
menos embaçado naquilo que eles decidem lá, a chefia. E que não é um caminho certo, né.
Porque todo mundo...pregando a liberdade de expressão e a liberdade de ação, né. De ter, de
fazer o que bem entende, de fazer o que gosta, o que interessa, né. Mas sempre era baseado
nisso, né. Nós tínhamos muitas instruções de oficiais e sargentos, e de oficiais e dos sargentos.
Sempre havia bons esclarecimentos.”
EGR: [O senhor falou de liberdade de expressão. Podia-se falar qualquer coisa no quartel?]
AVB: “Não ofendendo militar! Não ofender militar, né! A princípio, não ofendendo militar...
e nem o governo! Não desrespeitar as insígnias, né. Muito respeito com a bandeira brasileira.
Não difamar, não usar em qualquer situação. Muito respeito. Símbolo nacional era em primei-
ro lugar e...e a democracia.”
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EGR: [O senhor falou em insígnia. Se tinha, na época do senhor, algum oficial ou algum sar-
gento que tivesse algum curso, que usasse brevê?]
AVB: “Tinha paraquedista e tinha.... geralmente era paraquedista. Curso militar né. Outros eu
nem me lembro naquela época, né. Oficiais tinham algumas insígnias diferentes, mas não.
Nem me lembro mais o que que era. Nem prestava atenção [risos]”
EGR: [E esse pessoal era distinguido no quartel, o pessoal olhava com respeito?]
AVB: “O pessoal olhava com respeito, né. Pelo curso que fez. Quem tinha um brevê, alguma
coisa assim era respeitado. Usava nas solenidades, né.”
EGR: [Tinha uma certa admiração?]
AVB: “Tinha uma admiração. É um sinal de que a pessoa lutou pra aquilo, né. Teve vontade,
se especializou. O que era muito incentivado quem gostaria de fazer um curso que melhorasse
a carreira militar, podia fazer não tinha problema nenhum.”
EGR: [O senhor chegou a querer fazer algum curso?]
AVB: “Não fiz, porque eu não tive tempo. Porque daí eu casei, e não podia sair de Santa Ro-
sa. Não gostaria de sair, porque eu era novo e tinha que cuidar dos meus pais. Então eu não.
Até quando eu fiz o curso de sargento eu já, quando eu terminei o curso eu já vim pra unida-
de, praticamente garantido porque eu era muito bem conceituado na unidade. Devido ao traba-
lho! Devido ao trabalho na instrução e... na instrução, tiro, essas coisas eu tinha...Eu...teve
uma época que o pessoal lá dizia que eu era o melhor instrutor do Regimento. Então, correu
esse boato né. Então, eu procurava dar uma instrução muito bem feita. Meu pelotão incorpo-
rava, dava baixa sabendo que se precisasse voltar, ser convocado pra alguma coisa, podia vol-
tar porque tinha como agir![risos] Inclusive eu era muito solicitado quando tinha que fazer
uma apresentação pra general. Imagina que dentro do esquadrão, tinha controle de distúrbios
civis, quando tinha apresentação pra general, não era o comandante do esquadrão, nem um
outro oficial que iria fazer a apresentação. Era eu! Com todo o esquadrão! 4 pelotões, trocan-
do de formação, trocando de posição de arma! Adotando formações -tinha um pátio enorme
de formaturas, né – agente fazia evoluções ali pra tudo quanto é lado. Era eu que ia comandar!
Que eu tinha, comandava em boa voz, bom tom, e com certeza. Eu não deixava o soldado fi-
car em dúvida no comando. Os tenentes R/2 lá não conseguiam fazer isso. Maioria era R/2. E
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o próprio comandante do esquadrão não tinha aquele treinamento que eu tinha, porque eu
treinava! Então mandavam eu. De chegar assim, no final da apresentação e apresentar pro ge-
neral a tropa e receber um elogio. Elogios por instrução, acompanhado do comandante da
unidade, instrução em acampamento que ele ia [incompreensível], isso eu recebi vários! Sem-
pre que tinha uma instrução pra dar no acampamento, do meu esquadrão, que o comandante
vinha assistir, com o S/3, essas coisas, às vezes uma noturna, ou as vezes uma diurna, era eu o
escalado para ir pra lá, pra dar instrução. É! Eu me dedicava eu não me dediquei no Exército a
trabalhos de burocracia! Não, não ia na burocracia, mas na instrução eu tava sempre, ninguém
me tirava porque ali eu dominava.”
EGR: [O senhor ficou na tropa durante quanto tempo?]
AVB: “Até vir pra cá. Até setenta e oito. Passei o meu pelotão para um 1º Tenente da Acade-
mia!”
EGR: [Aí o senhor veio pra cá e caiu na burocracia?]
AVB: “Caí na armadilha aqui. Era monitor de aluno! Aí mudou o troço, porque comandar sol-
dado é uma coisa, comandar aluno... Aqui eu tive ameaça de comandante, de punição. Tive
aluno aí filho de coronel lá do QG que era um lixo e eu passei a pegar no pé dele e ele se
queixou pra mãe dele, e a mãe dele pro pai dele, e o pai dele veio pra cima do comandante. E
o comandante mandou numa reunião de sargento uma advertência para mim, por um major lá.
Uma advertência que eu tava perseguindo filho de oficial, não sei o que. Não é perseguição,
pois se o aluno tinha que cumprir certas coisas, eu não vou passar a mão na cabeça de um pra
encobrir... eu tinha alunos muito bons, excelentes alunos filhos de coronel do próprio colégio,
que eram mais um brinco! Tinham dois gêmeos ali que eram filhos do coronel Itacir, que um
tirava dez outro tirava nove e nove. Eram super inteligentes e estudiosos, e obedientes! Tu não
tinha nem que chamar a atenção deles nunca. Em compensação tinha filhos de outro oficiais,
do QG, ou de outras unidades que queriam se aproveitar da situação, né.”
EGR: [Se aproveitar em que sentido?]
AVB: “No sentido de relaxar, né. De não usar o uniforme direito, de não entregar a caderneta,
de não se preocupar com nada. Aí eu começo a pegar no pé, fui ameaçado uma vez e outra vez
levei uma advertência. Mas eu falei pro comandante do... é meu jeito de trabalhar, trabalhei
sempre assim na tropa e não vou passar a mão na cabeça de aluno relapso! [risos] E filho de
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sargento também, né! Me indispus com alguns aí, de outras unidades. Mas cobrava por saber,
porque ele é filho de militar e que em casa ninguém cobrava! Então eu tentava fazer e o troço
ficava meio chato pra mim porque o cara dizia que eu tô pegando no pé dele, né! [risos].”
EGR: [Aí no Colégio Militar o senhor não chegou a trabalhar em seção?]
AVB: “Eu trabalhei na Ajudância. Fui Brigada. Fazia escala de serviço, despachava lá com o
comandante quando o S/1 não tava né. Tudo ali, eu tinha bons auxiliares lá, tinha o Augusto
que era 1º sargento. Tinha uma funcionária que entendia de tudo! Eu não era muito de admi-
nistração né. Mas fui pegando, fazia rádios, fazia coisa, e escala de serviço. Tanto é que quan-
do eu entrei na Ajudância tinha umas épocas aí que o subdiretor trancava troca de serviço
que.... mas aí quando eu entrei peguei um subdiretor muito bom, um cara 100%. eu peguei a
escala de serviço e deixei livre para quem... eu fazia escala de serviço com 4, 5 dias de ante-
cedência; e deixava lá o rascunho e avisava lá a turma: '-Olha, se alguém precisar trocar um
serviço e quiser, e eu não estiver lá, pode chegar lá, pode falar com a funcionária, a Sicléia,
que ela troca pra vocês lá. Ou vocês mesmos trocam, riscam o nome que está e botam o nome
em cima que depois eu passo a limpo pra depois ir pro boletim, né. Então deixei, eu liberei
aquele troço de ter que andar, ir lá: '- Posso trocar o serviço?' e tal.”
EGR: [Tinha que pedir pro Subdiretor?]
AVB: “É. Aí deixei. Perguntei, 'Ó coronel – coronel Espirito Santo, de Porto Alegre, um cara
bom demais! – coronel, troca de serviço, deixa comigo aqui, ou...? ' '- Ó! Faz o que tu quiser.
Só em algum caso muito especial aí...' Aí tinha um dentista lá que era ...sargento.”
EGR: [Sargento dentista?]
AVB: “É. E ele, ele fez, se formou em Odontologia e trabalhava na enfermaria. E tinham dois
dentistas, um major e um coronel, não queriam nada com nada! Então ele pegou e começou a
trabalhar lá. Botavam ele trabalhar. Então o Masseto15
o Massetto, ele procurava se especiali-
zar. Aí ele tinha uns encontros de dentistas, em São Paulo, não sei aonde. Aí ele tinha que pe-
dir desconto em férias pra ir né, num Congresso de dentista, aí. Aí eu cheguei pro Coronel Es-
pírito Santo, disse: '-Coronel! O Massetto é nosso dentista aí. Trabalha lá na enfermaria. Ele
15 Hoje 2º Ten R/1 NELSO MASSETTO. Sua qualificação militar enquanto sargento era Saúde. Graduou-se em
Odontologia em 1982 na FOA, hoje UniFOA – Centro Universitário de Volta Redonda-RJ. Fontes: Livro de
Ex-alunos da FOA/UniFOA: Disponível em: http://www.foa.org.br/egresso/download/livro.pdf; Acesso em
22 Abr 11; Sítio do Departamento Geral do Pessoal do Exército, consulta por nome: Disponível em:
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formado, mas ele tá se especializando. Vai em tudo que é congresso aí, ele se interessa. Agora
ele tem que pedir desconto em férias pra ir. Agora é uma coisa que, se ele vai se especializar, é
melhor pra nós, quanto mais especialidade ele tem. O senhor...Eu não vou dar desconto em
férias pra ele, eu vou dar!! aí ele disse assim: '-Não! Manda fazer a parte, mas segura ela.
Manda fazer a parte do desconto em férias, mas segura ela. Se ele for e voltar tudo bem, aca-
bou! Só se der um problema na viagem, um acidente, aí tem que publicar.”
EGR: [Ficou a dispensa de boca?]
AVB: “Ficou de boca [risos]. Então, procurar facilitar, né, porque... Se ele atendia todo mundo
lá com uma...e ele é bom dentista! Trabalha ali no Uberaba. Excelente dentista, o Massetto! E
então, pra que arrebentar toda as férias dele pra estar se especializando pro nosso bem, né.
EGR: [O senhor quando era sargento mais moderno, existia aquela figura do subtenente mais
antigo que chegava a interceder pelos praças?]
AVB: “Na Cavalaria sim! Aqui não! Aqui no Colégio eu não vi esse troço! Aqui no Colégio
você podia chegar...oficiais, professores que vinham trabalhar aí, gente boa todos. Podia che-
gar neles, perguntar alguma coisa. Defender alguma coisa que eles iam. Mas na tropa, na tro-
pa, lá na Cavalaria, sempre tinha, de início tinham um pouco de receio, depois foram mais se
soltando né. Inclusive de reunir o subtenente, o sargenteante se for o caso, e mais algum outro
sargento, e defender um sargento que estava sendo ameaçado, ou alguma coisa. Por eles co-
nhecerem o procedimento dele e às vezes era uma ameaça que não, ou um problema que não
queria expor, né. E contar pro comandante! Resolvia logo esse problema. Mas sempre na ami-
zade, né. Também o cara tinha que merecer não é. O pessoal fazia, eram muito unidos os sar-
gentos! Pra defender uma coisa que se via que podia estar pendendo para um lado de não en-
tendimento, ou porque não conheciam a causa ou por perseguição, né!”
EGR: [Mas aqui no Colégio Militar nem tanto?]
AVB: “Aqui no Colégio Militar não tinha muito esse espírito de chegar e resolver, mas tinham
oficiais que se podia chegar e falar com ele que ele ia...É, comandante de companhia, coman-
dante de Corpo de Alunos. Oficiais que fossem ligados aos alunos ali. Não tinha problema!
Tinha, tinha sargento ali que eram solteiros e que chegava de noite no trago e Às vezes criava
algum problema com a guarda e não sei o que lá. Eles sempre defendiam [risos]. Mas era boa
http://www.dgp.eb.mil.br/almq1/cons_nome2.asp; Acesso em 22 Abr 11.
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gente né!”
EGR: [Na época do senhor na Cavalaria, tinha muita punição?]
AVB: “Pra sargento muito pouco! Muito pouco! Esse caso do Andrade lá, que era o coman-
dante da garagem, que não queria nada com nada né. Esse cara foi botado pra rua depois. Não
teve condições. Foi mandado! A família ficou amparada, mas ele... E alguns outros assim, não
tenho lembrança de coisa grave, de ter interferido na vida militar do cara. Alguma punição
pequena, mas não que o pessoal... Depois da Revolução eu acho que eles ficaram muito cons-
cientes, não tinha levantes... antes da Revolução, falavam que tinham levantes, umas coisas
assim. Era, jogavam oficial contra sargento, não sei o que. Mas depois da Revolução, não.
Depois da Revolução, pode-se dizer que a Hierarquia e a Disciplina foram cumpridas! Eram
cumpridas! Cada um, como dizia um subtenente lá, era um polacão velho, antigo, falava meio
errado assim: '-Vocês tem que saber o seguinte: que aqui no quartel, manda quem pode, bede-
ce quem persiga!!' [risos] Um polacão [risos]. Um polaco que foi embora, foi embora como
subtenente, mas num desespero porque a compulsória pegou ele e ele queria sair oficial. Vivia
falando na carta patente dele, que ele queria botar a carta patente num quadro, não sei o que. E
coitado, foi embora porque a compulsória pegou e ele não saiu. Trabalhador, polaco muito
trabalhador. Muito correto! Mas..[risos]”
EGR: [O senhor falou de sargentos punidos. o senhor já viu alguma vez algum sargento, al-
gum cabo ou soldado entrar na justiça contra o Exército ou contra o Comandante?]
AVB: “Não. Na justiça, nunca! Envolvendo justiça, não ouvi nem um caso.”
EGR: [Então era incomum?]
AVB: “Muito incomum! O problema era resolvido antes de entrar na justiça. Se for o caso
uma comissão se reunia e, vamos resolver o problema! Vamos transferir o fulano, vamos fazer
uma coisa. Vamos dar uma solução, né. Mas envolvendo justiça eu não soube nem um caso!
Nunca!”
EGR: [O senhor se lembra mais ou menos quantos salários o senhor ganhava como 3º sargen-
to?]
AVB: “Como 3º sargento, em matéria de salário acho que 4, 5, por aí.”
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EGR: [O senhor comprou o 1º carro do senhor e a primeira moto quando?]
AVB: “A 1ª Lambretta eu comprei em meia oito. Meu irmão comprou em Porto Alegre, o meu
outro irmão. Não aquele que era prefeito. Morava em Porto Alegre e comprou uma Lambretta
lá, inclusive o ano da Lambretta era meia quatro. E levou pra Santa Rosa lá onde eu servia.
Foi de Lambretta. Levou lá e me ensinou, me deu as primeiras...nunca tinha andado né. Aí,
comecei a levar os primeiros tombos né [risos]. Fui aprendendo e.. [risos]. Mas aprendi logo
né! Não teve mais...Mas foi uma mão na roda que eu morando 12 quilômetros fora da cidade
assim. A partir daí eu pude dar mais assistência pros pais, né. Que meus pais..., eu sempre fa-
zia o seguinte: fim de semana, eu quando não tirava o serviço, as vezes trocava, eu comprava
sempre uma carne, uma costela, e uma alcatra, e levava um isopor com gelo. Comprava umas
bebidas e ia pra casa dos pais fazer churrasco nos finais de semana. Sempre. Sempre no sába-
do ou no domingo. Sempre ia lá dar uma mão pra eles. Isso é uma coisa que eu posso dizer,
estou com a alma lavada, porque eu cuidei deles até o fim, né.”
EGR: [Eles falecerem quando?]
AVB: “A minha mãe em setenta e três. E o pai, uma semana antes de eu vir pra cá. Quando já
tava transferido, já tava tudo pronto, eu tive que pedir o luto por lá. Suspender a apresentação
aqui.”
EGR: [o senhor comprou a casa do senhor aqui?]
AVB: “Aqui. Nunca tinha tido imóvel antes. Comprei aqui. As propriedades dos meus pais lá,
depois que eles faleceram, ficou uma irmã lá morando. Aí quando eu vim pra cá, fizeram
questão de vender lá também. Aí venderam, esse meu irmão que foi prefeito, morava em Por-
to Alegre, providenciou a venda. Pegou e dividiu a cota pra cada um e deu uma cota maior pra
ela, que ela ia mudar pra Caçapava do Sul e tinha que comprar uma casa pra ela, e aí, tudo
bem.”
EGR: [Qual era a graduação do senhor quando o senhor comprou a casa?]
AVB: “Aqui, 1º Sargento. Tive que pedir um reforço de renda lá na tesouraria, né. Aumentar
minha renda pra eu poder financiar esse imóvel. Eu comprei esse imóvel em 83, financiado
em 17 anos. Dando como entrada na época uns seiscentos e cinquenta mil, que era né, eu acho
correspondendo hoje a uns seis mil e pouco, seis mil e quinhentos uma coisa assim, dando
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como entrada e assumindo 17 parcelas16
com uma prestação em torno de 30% do que eu ga-
nhava. Aí, era foi comprado por um plano da Caixa [Caixa Econômica Federal], que tinha. O
plano de...de... como é que era? Reajustado pela tabela Price, acho. Mas aí em 83 houve uma
crise de imóveis. E essa crise de imóveis foi muito grande! Subiram muito! O meu primeiro
reajuste passou pra 35, 36 por cento. Aí eu continuei pagando e o 2º reajuste já foi pra 40 e
poucos por cento do que eu ganhava. Aí passou 2, 3 anos, lá no Colégio, iniciamos um mo-
vimento lá, quem tinha casa, né, pra mudar o plano lá na Caixa, por equivalência salarial. Aí,
a Caixa mudou pra equivalência salarial. Mas fiquei pagando assim mesmo, uma prestação
meio alta, em torno de 35% do que ganhava. Eu aguentei, a mulher queria vender. O vizinho
aqui do lado, que era da Petrobrás, ganhava mais do que eu, não pagou, não aguentou. Tinha 3
filhos, a mulher gastava muito, não pagou o imóvel! Morou dois anos, a Caixa tirou dele. E eu
aguentei aqui. A mulher queria vender, mas eu digo eu não vou vender! Se me acontecer al-
guma coisa, a única coisa que eu deixo pra vocês, pô! O que é que nós vamos fazer? Vamos
segurar as pontas! Aperta daqui, aperta dali. Depois aí com a equivalência salarial, a prestação
foi encolhendo, encolhendo, encolhendo, até que fiquei pagando os últimos 3 anos quase uma
coisa muito pequena.”
EGR: [O senhor tem saudade na sua vida na ativa?]
AVB: “Na ativa, tenho. Não do sofrimento daqui do Colégio! Mas lá da vida militar lá do Rio
Grande do Sul, eu tenho! Daquelas saídas, daqueles exercícios, daquelas manobras! Ia na
Coudelaria do Rincão, lá em São Borja! Eu vivia no mato! No campo! Lá não tem mato! É
campo! É! Era bom, viu! A vida militar lá na tropa, pra mim era muito bom. Agora, na unida-
de do jeito que era o Colégio Militar aqui, só nos últimos anos! Aí, sim! Aí quando eu saí Sub,
aí, então! Foi um mar de rosas, como diz o outro.”
EGR: [Ficou mais tranquilo?]
AVB: “Mais tranquilo!”
EGR: [No pensamento do senhor, hoje o Exército mudou da época em que o senhor serviu?]
AVB: “Eu notei muitas mudanças! Muitas mudanças no comportamento, por exemplo, hoje
em dia você sai do quartel sem cobertura, se faz continência sem cobertura. Usa manga arre-
gaçada. Tem mais liberdade pras coisas, pra sair. Pode sair fardado com uniforme de instru-
16
Quis dizer, 17 anos.
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ção, em qualquer lugar! Não tem aquelas restrições. Um tempo atrás, eu sou do tempo do
Exército que não podia, o cabelo era o corte “zero” e a cada 10 dias!”
EGR: [Mesmo o sargento?]
AVB: “Mesmo o sargento, mesmo o 3º Sargento! A instrução, os cursos, o pessoal chegava
com um pedaço de papel sulfite e passava na tua barba. Se enroscasse, caneta! Trajar civil,
nem pensar! Nem pensar! Da PE recolher 5, 10 soldados numa viatura na rua, porque estava
trajando civil.”
EGR: [Só podia ficar dentro de casa civil?]
AVB: “Só dentro de casa! Se obtivesse permissão pra trajar civil, tinha que citar a rua, horá-
rio, por onde ia passar, onde é que ia, e horário que ia e horário que voltava.”
EGR: [Mesmo os sargentos também?]
AVB: “Não, não! Como cabo! Os sargentos, depois, já tinha melhorado pros sargentos! Mas
antes também era pro 3º Sargento. E então era rigoroso. O meu curso de sargentos em São
Gabriel era uma perseguição tremenda! Tinha o 9º RC que perseguia o 3º RCM. Então princi-
palmente o curso de sargentos. Você não podia. Tinha um lugar na rua, se tinha que ir numa
casa, você tinha que olhar muito bem antes de sair paisano, do outro lado da rua, porque se a
PE pegasse, ainda mais se fosse do curso de sargento, já tava fichado, como diz o outro lá. E
era uma coisa besta! Perseguição! Eu digo, o americano, o nosso Exército serviu... o nosso
Exército seguia mais ou menos o modelo americano, os costumes. O americano já tinha abo-
lido isso há muitos anos! E aqui tava encravado! Não tinha jeito! Continência sem cobertura
era um...como é que se diz, era uma infração. E, era uma coisa besta assim, que podia ter sido
abolido muito mais cedo não é! Principalmente esse problema de farda e... problema assim de
uso de cobertura, não é! De estar andando dentro do quartel, mesmo dentro do quartel sem
cobertura, né. Isso aí já podia ter sido abolido, porque os americanos já faziam isso! Há muito
tempo! E nós aqui ficava ainda seguindo isso aí. E o problema da farda, né. Ter que sair com
aquela farda! Antigamente era horrível! A túnica! Túnica de brim! Tipo um couro de... aquilo
tinha que ser engomado. Agente ficava que era um couro! Algumas até meio esbranquiçadas
de tanta goma! E aquela túnica bem ajeitada, e tudo. Tinha que tá bem enquadrado. O cinto
bem na cintura. Um cinto de couro com a fivela. Então ficava muito... mesmo fardado, encon-
trado na rua pela PE, levava uma observada dos pés a cabeça, pra ver se tava tudo em ordem.
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Não tava em ordem, botava pra viatura! [risos] Era demais, viu!”
EGR: [Com relação ao aspecto disciplinar, o que tem a ver com o senhor falou, da PE pegar
na rua?]
AVB: “O aspecto disciplinar agora é bem outra coisa. A PE só vai intervir se houver um con-
flito na rua! Um envolvimento num acidente, ou numa briga ou qualquer outra coisa aí. Só se
for chamada! Mas a PE não anda patrulhando. Antigamente, a PE antigamente patrulhava a
noite inteira!”
EGR: [O senhor acha que essas mudanças vieram pra piorar ou pra melhorar?]
AVB: “Não, vieram pra melhorar! Pra deixar o militar mais à vontade, né! Porque não é es-
cravo! Antigamente era uma espécie de escravidão! Aqueles costumes, não precisava tudo is-
so, não é! Isso até gerava polêmica às vezes, gerava descontentamento! Gerava até mais puni-
ção por causa disso. Porque o cara ficava bravo, muitas vezes, porque uma coisinha de nada...
e assim tinha comandante da PE que não deixava passar nada, né! Pegava um soldado numa
casa de prostituição, meretrício? Ah! Preso na hora! Pô! Não podia...? [risos] Demais isso!
Então, isso gerava mais brigas, mais problema. Hoje em dia como tá tudo livre, tá liberado
essa parte de civil, cada um vai onde quer, quando não tá sendo observado é mais consciente,
né! Mas...disciplina imposta assim, na base da força, é difícil! É que nem imposto! Ninguém
gosta! [risos] O que é imposto... [risos]”
EGR: [O senhor acha então que hoje as pessoas são mais conscientes?]
AVB: “É! Hoje em dia por exemplo você pode dizer aquela frase assim: 'É fácil a missão de
comandar homens livres. Basta indicar-lhes o caminho do dever!'17
E não andar impondo o
dever, né! Hoje dá pra pronunciar essa frase!”
EGR: [Essa frase é atribuída ao Osório..]
AVB: “E olha que os caras entenderam mal, viu! Porque ninguém era livre não! [risos]Não!
Era, era no cabresto! Eles interpretaram mal! [risos] Hoje em dia pode dizer mesmo! Hoje em
dia você instrui, diz, ó! Faça isso, isso, assim, assim! Não tem dado problema com soldado!
Não tem dado! De vez em quando uma bebedeira aí, mas... quando a coisa é imposta à base
da força, aí é difícil! Aí, dava muito mais problema! Ah! Tinha um subcomandante, Humberto
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Façanha da Costa. Era um gauchão lá de Santiago! Daqueles bigodudo, tipo Lima Duarte, as-
sim. O índio, o índio atirava, onde ele olhava ele botava a bala. Meu Deus! Atirava com um
quarenta e cinco que era uma coisa de louco! Podia botar uma caixa de fósforos a 30 metros
que ele acertava. [risos] E então todo mundo já tinha medo dele por causa disso. E aí ele era o
subcomandante. Tinha o soldado, o soldado lá dava alteração, ia ser ouvido, chamado, né. En-
trava nas partes aquela coisa toda! O S/1 selecionava e chamava pra passar pelo subcoman-
dante. Ele tinha 3 caixas de fósforo. Uma com três palitos, uma com cinco e outra com dez.
Aí, ele chegava, e costumava chamar o soldado assim: 'Õ nego! O que é que tu fez?' aí o sol-
dado tentava se explicar, ele lia ali na parte o que é que tinha, né! Aí ele dizia 'olha nêgo!' pe-
gava aquelas três caixas de fósforo, botava assim, embaralhava, e dizia: 'Olha nêgo! Você me-
rece uma cadeia! Agora, os dias você é quem vai escolher! [risos] Verdade! 'Os dias você é
quem vai escolher'. O cara tirava três palitos, não podia vibrar [risos] se vibrasse, pegava cin-
co [risos]. O cara pegava 3 palitos, ficava quieto, né. Ficava quieto, tentava rir [risos]. Engo-
lia...[risos] mas se pegava dez...[risos]. Esse era de lascar, viu [ risos]. Não era um cara mal,
viu! Era um gauchão assim daqueles durão mesmo! Mas com os soldados que davam altera-
ção ele era... e sargento também, ele fazia isso! [risos]. 'Nêgo! É você quem vai escolher seus
dias!' [risos].”
EGR: [Como é que era o nome disso, era a Hora do Pato, né!? Já tinha esse nome?]
AVB: “Era a Hora do Pato... já, já tinha. Eu sei que o sargenteante falava na formatura da tar-
de lá: 'Ó, o pessoal da hora do pato lá! E lia a relação lá, 'olha, tal hora no gabinete do subco-
mandante!'”
EGR: [aí era com o Subcomandante, não era com o Comandante de Companhia?]
AVB: “O Comandante de Companhia recebia o papel com os chamados do Esquadrão dele,
né! Mas mandava lá pro subcomandante.”
FIM DA ENTREVISTA:
17 Aforismo reputado ao Marechal José Luiz Osório, patrono da Cavalaria do Exército.
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APÊNDICE 3
MOREIRA, Adeir José. (2º Ten QAO – Infantaria, da Reserva Remunerada). Entrevista
concedida em sua residência, em Curitiba-PR, em 18 Jan 2011.
Duração da Entrevista: 01 h, 42 min, 24 seg
Transcrição: 31 Páginas.
EGR: [Então, senhor Adeir: o nome completo do senhor?]
AJM: “Adeir José Moreira.”
EGR: [O senhor nasceu aonde?]
AJM: “Eu nasci em Conselheiro Pena, Minas Gerais. Fica mais próximo do Espírito Santo
ali.”
EGR: [Quando ?]
AJM: “Isso foi no dia 22 de fevereiro de 1960.”
EGR: [A profissão do pai do senhor e da mãe do senhor?]
AJM: “O meu pai é lavrador e minha mãe, do lar.”
EGR: [Como é que o senhor foi parar no Exército?]
AJM: “Bom! Você vê, né! Eu morava na... como você vê eu sou nascido em Minas, mas em
67 nós viemos pro Paraná, né! Criamos aí no interior! E depois, em 77 meu irmão veio aí
servir aqui, né. Aí, através de ele servir, ele não ficou. Ele voltou, mas me ficou na memória.
Eu tinha vontade de vir! Mas eu sabia a dificuldade. A localidade onde nós morávamos, pra
recrutar o pessoal era difícil, né. Mas com a graça de Deus, eu fui selecionado no meio de
muitos na colônia lá, né! Eu creio que já foi uma graça de Deus e eu vim parar em Curitiba, e
consequentemente no 20 BIB ali, né.”
EGR: [Qual cidade o senhor morava?]
AJM: “Eu morava no município de Umuarama, mas morávamos numa fazenda. Fomos criado
na roça. Meu pai é lavrador, né! Fomos criado na roça, eu no meu caso até os 18 ano. Deixei a
minha enxadinha pendurada no galpão lá e vim para Curitiba, com a malinha ali, me
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apresentei no 20 BIB pra servir. E isso no início de 79.”
EGR: [O senhor tinha qual escolaridade naquela época?]
AJM: “Bom, você vê! Naquela época, eu – agora já não incorpora mais – eu incorporei só
com o primário! Só tinha o primário. Morava no interior, não tinha condições de estudar! A
escola mais próxima era 25 quilômetros, né! Não tinha como você vim e voltar e não tinha
meio de transporte pra chegar até a escola. Se fosse agora já não incorporaria, né! [risos] Só
com aquele primarinho antigo, aquela 4ª Série, né! Também foi um dos motivos da
dificuldade inicial para que eu pudesse me graduar. Pelo fato do estudo que eu não tinha no
momento. Tive que correr atrás de estudar! Foi o que aconteceu comigo! Né! Então quando eu
incorporei, no mesmo ano foi organizado o pessoal pra fazer o curso de cabo, aí eu não fui
selecionado porque eu não tinha o grau de escolaridade na época né. Aí o comandante da
companhia falou: 'não! Vamos ver os voluntários aí, pra fazer! Independente, já que
incorporou, pelo menos o curso de cabo dá pra fazer! Aí eu fui voluntário, aí fui fazer a prova
inicial, lá... e passei! [risos] Com a graça de Deus! Mesmo com a minha 4ª Série eu passei, né!
Numa turma de vários, lá. Depois fomos matriculados em 120. depois concluímos com 41.
desses 41 eu fui o 28º. Não ia ser o 'zero um' nunca porque o meu grau era...tinha muita gente
com 2º grau já ali, mas mesmo assim eu ainda consegui uma classificação de vigésimo oitavo
né. Numa turma de quarenta, de quarenta e um. Aí foi aonde eu comecei a fixar, né. Eu já
tinha o curso de cabo. Só que não tinha vaga de promoção naquela época, vaga de cabo. Só
tinha vaga pra motorista de blindado. Aí eu...aí veio a minha dificuldade novamente. Meu
Deus! Fazer motorista de blindado pra ficar mais...ficaria 6 anos... na época, o soldado normal
era 4 anos; o motorista de blindado era 6 anos. E eu já comecei a … já era o 2º ano meu,
moramos em república, o pessoal já que tinha um grau de estudo maior já pensando na ESA,
então. Nós moramos em república com 4, com 5 cabos. Dos 5, 4 passou na ESA e um passou
na Escola Técnica aqui, e fez comunicações, entendeu!? Dos 5, 4 passou na ESA. Então,
todos olhando um pro outro no mesmo objetivo, né. E eu com meu grau de escolaridade bem
menor do que o deles, os outros todos tinham o 2º Grau, e eu fui correr atrás de conseguir
habilitação pra fazer o concurso, né. Aí eu tive que correr atrás. Aí fui pra escola, fiz 2 anos o
supletivo. Fiz o ...seria o fundamental agora, né. Né, na época era o 1º colegial, né. Aí,
terminei. Era o suficiente pra concursar. Falei, meu Deus! Agora já tô com 4... 4 anos já, né.
Com 4 anos. Vou fazer o seguinte: eu não vou estudar mais e vou só pro concurso. Isso foi em
oitenta e três. Aí eu fui pro concurso em 83. passei em toda a prova, mas me faltou 2 décimo
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pra classificação. Aí no outro ano... eu já comecei estudar em outubro. Eu sabia que era o
último ano. Isso em 83. 82 eu fiz o primeiro, né. Mas ai em 83 eu repeti.”
EGR: [Já na época a idade limite eram 23?]
AJM: “Já com 23, mas na matrícula o limite eu podia fazer com 24, naquele ano. Então era
meu último cartucho. Então eu voltei a não estudar o ensino médio e fui pro concurso
novamente. Então eu cheguei no cursinho. Eu já comecei a estudar em outubro. O cursinho
começava em fevereiro. Eu falei meu Deus! Eu tenho que passar esse ano! [risos] não posso
reprovar! Aí eu comecei a estudar em outubro. Pra você ver! Eu fiz a prova era em julho, as
provas era julho. Prova a semana inteira. Aí eu só descansei em agosto, setembro e outubro.
Eu reuni todo o material que eu tinha, e ainda mais o que eu tinha comprado no Rio de
Janeiro, e fui pra... pro concurso novamente. Aí, graças a Deus... naquele ano passou só eu do
20 BIB. Uns 250 fizeram a prova ali, eu passei sozinho. E eu creio que dos 53 mil candidatos
do Brasil, que foi na época, mais ou menos eu devo ter ficado entre os 300, 400. de 821 vagas
que tinha na época, entendeu. Aí foi onde eu fui pra ESA, em oitenta e quatro. Aí, eu
terminando o curso da ESA, em 84, aqui em Curitiba, no 20 BIB, que eu fiz Infantaria né, não
tinha vaga. Eu fui classificado no 13, em 85. fiquei 3 anos e meio no 13. no meio de 88 eu
tornei voltar pro 20 BIB. Consegui o retorno pro 20 BIB. Aí fiquei no 20 BIB. Aí fui
promovido a 2º, isso em 89. Aí em 90 eu fui fazer o CAS, já no 2º semestre. Chegando do
CAS fui para o Pelopes, que eu era da 3ª Companhia. Fiquei no Pelopes, aí no final do 2º... ou
seja, ou seja em 91 já vim pegar sargenteação da 2ª Companhia, né. Isso relacionado à função
minha.”
EGR: [O senhor fez o CAS no CIASUL?]
AJM: “Não. Fiz o CAS no 17º lá em Cruz Alta, era quase 6 meses na época. Agora é um
período menor, né.”
EGR: [Ainda não era CIASUL não?]
AJM: “Não. Lá não era o EASA não. Não, ainda era o 17º BI, que foi depois pra fronteira
agora. Foi dividido e ele pegou a fronteira, agora eu não tô lembrado agora qual local que ele
ficou na fronteira... me fugiu da minha mente, aí.”
EGR: [Mas todos os sargentos da época faziam o CAS lá em Cruz Alta?]
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AJM: “Faziam, no meu tempo, faziam em quase todo o Brasil. Tinha Belém, tinha Santa
Maria, tinha uma porção de...principalmente das outras armas, cada um tinha suas localidades,
né. Pra nós de Infantaria tinha outros lugares também. Aqui em baixo no sul, só tinha Santa
Maria e...na região sul nossa aqui, só tinha Santa Maria e Cruz Alta, na época. Aí depois que
passou centralizado ali, né. O batalhão foi pra fronteira e aí foi aberta uma escola lá, né.”
EGR: [Mas a designação pra fazer o curso em determinado lugar era o senhor que escolhia ou
já vinha lá de Brasília?]
AJM: “O local pra fazer?”
EGR: [É!. Que o senhor tinha Santa Maria e Cruz Alta, né?]
AJM: “É. Só tinha Santa Maria e Cruz Alta. É no CAS, ficou Santa Maria ficou com o pessoal
mais do sul, mesmo ali do Rio Grande do Sul. Santa Catarina, Paraná e parte do Mato Grosso,
aí ficou em Cruz Alta. Inclusive tinha gente de Coxim, né, aqui que é do Mato Grosso. De
Coxim, fazendo o curso com nós lá em Cruz Alta, antes do batalhão passar. Aí, eu chegando
de lá, o batalhão naquela época houve uma mudança em termos, nas instruções. Aí que o
adjunto tinha que ser um cara com CAS. E eu era o mais moderno dos 3. que nós fomos em 3
né. Um da turma de oito dois, tinha outro da turma de oito três e eu fazendo... um terço da
turma de oito quatro estava fazendo com o restante do pessoal que não tinha feito ainda né.
Então, eu já fiz a primeira leva do CAS com essas turmas passadas, né. Aí, chegando de lá, eu
era o mais moderno. E consequentemente eu fiquei 6 meses na 3ª Companhia, na função de
adjunto do Pelopes. Aí, passando isso aí, eu era o 2º mais antigo do batalhão. Eu era o 2º mais
antigo que não tava na função de sargenteante, né. Porque os dois já estavam na função de
sargenteante. Aí eu vim pegar a sargenteação da 2ª companhia. Fiquei dois anos de
encarregado de material. Naquela época não tinha muita pessoa antiga como tem agora, né.
Então, eu mesmo como 2º, já tinha carga. E aí fui transferido pra Humaitá, no Amazonas. Isso
no ano de oitenta e cinco pra oitenta e seis18
. Aí fiquei dois anos na Amazônia, lá em Humaitá,
né. O 54 BIS. E terminando lá, eu voltei a ser classificado. Primeiramente eu fui classificado
no 13. mas eu consegui manobrar aí. Trocaram lá e eu caí no 20 BIB. Eu queria voltar pro 20
BIB que eu queria colocar minhas meninas no Colégio Militar. Aí voltando pro 20 BIB, isso
no início de oitenta... de noventa e oito. ,no meio de 97 eu já fui promovido a 1º. Era uma
habilitação pra pegar um cargo... na época o 1º mais antigo, saindo...fora a função de
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subtenente, só tinha eu. Eu assumi a função de Brigada do batalhão, né. Era o Reinert19
na
época, né. Ele ficou dois anos de Brigada, depois assumiu a carga na 1ª companhia. E eu fui
pra ser o Brigada do batalhão. Isso no início de 98. aí fiquei 5 anos de brigada, né. Trabalhei 5
anos de Brigada e fui nomeado pro NPOR. Isso em 2003. fiquei 4 anos, mas.. era pra ser
nomeado 4 anos no NPOR. Mas no último ano, por um motivo alheio À minha vontade, eu
voltei a ser o Brigada e o Brigada foi pra minha função no NPOR. Mas foi um probleminha
que teve aí, e eu vim pra essa função. Aí terminando ali, o 2006, eu fui exonerado do NPOR,
né. E fui classificado lá no 4º BAVEx, lá em Manaus. A qual fiquei praticamente um ano e
meio lá. Fui promovido. A minha família não se adaptou muito bem, eu não... com 11 meses
elas vieram embora.”
EGR: [Mas o senhor pediu pra Manaus ou o senhor foi transferido à revelia?]
AJM: “Não. Fui exonerado e classificado lá.”
EGR: [Sem direito à escolha?]
AJM: “Não. Eu fiz 12 opções. Pedi 12 capitais. Pedi 6 no nordeste e seis no norte, né. Aí eu
caí na 3ª opção, que era Manaus. A minha 1ª opção era Boa Vista, e eu caí na 3ª. Mas tem
certos males que vêm pra bem. Eu caí na 3ª. Porque Manaus tem colégio né. Depois eu fiquei
lembrando: como é que Deus é bom! Muitas vezes, tá escrito, que o pensamento dele não é o
meu pensamento, é ou não é!? Então. Você vê! Você quer fazer uma coisa e Ele te direciona a
outra, né. Porque agente não é perfeito. Então, foi isso que aconteceu. Minha família não se
adaptou. Eu consegui uma transferência delas pra cá no final do ano. Até o general ligou lá no
batalhão: 'O que é que tá acontecendo com o Adeir, aí?' - Não, o Adeir tá com problema de
família, aí. A família dele tá querendo voltar! - Ah! É isso, é!?' O general lá no Rio de Janeiro,
lá na... esqueci o órgão agora, aqui. Me fugiu da memória. Aí ele assinou a transferência lá do
Colégio, da minha filha, pra aqui. A minha esposa veio embora e aí já ficou a dificuldade. [É
O DEPA?] “Não, é o … É o DEPA, mas tem outro órgão lá. Que é superior e que define
aqui.20
me fugiu a memória, depois eu lembro. Aí, minha família veio e eu fiquei pra lá,
porque eu tinha que esperar pelo menos a promoção. Quando eu fui pra lá, ficou certo que eu
18
Quis referir-se aos anos de 1995 para 1996. 19
MOYSES JOÃO REINERT JÚNIOR, atualmente 1º Ten QAO, ainda na ativa, turma de formação 1984,
mesma turma do depoente, oriundo de Infantaria. 20
O órgão que se refere o depoente é o DEP – Departamento de Ensino e Pesquisa, o qual a DEPA – Diretoria de
Ensino Preparatório e Assistencial é subordinada.
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saindo minha promoção, conforme a situação... Eu já tinha tempo...2 anos já passando de
tempo pra ir embora, né. Aí, é claro. E não tinha saído essa lei ainda, de 2 pra primeiro e 3 pra
capitão. Até o Lobo falou pra mim, colega meu da minha turma: -'Olha! Tá mudando alguma
coisa aí. Mas nisso eu já tava me preparando pra voltar, né! Mas a minha família tava aqui, e
não tinha o meio de transporte. Nenhuma dirige. A minha esposa já estava, assim, meio
estressada de ficar sozinha. E com as filhas aqui né. Aí eu falei, não. Eu acho que o meu
propósito, veio pra mim. Na promoção eu defini o que eu ia fazer. Eu tô vendo que a minha
definição é pedir as contas. Aí eu pedi as contas e vim embora. E eu vim pra casa. E o meu
tempo de quartel se resumiu nessas coisas. Se eu tivesse saído promovido aqui, quem sabe eu
estaria na ativa ainda, esperando pra sair capitão, né. Mas no finalzinho da minha carreira eu
fiquei no contrapé, praticamente. [risos] eu fiquei tanto tempo no 20 BIB e na hora da minha
promoção eu tava longe e sozinho. Aí pesou mais o atendimento à família. Aí, eu vim pra
atender a família aqui.”
EGR: [O senhor ficou morando no quartel esse período?]
AJM: “É! Nesse período eu fiquei morando no quartel. Até eu esperar o tempo da minha
promoção e eu voltar pra cá. Então, foi isso que resumiu a minha carreira militar!”
EGR: [O senhor ia falar que aconteceram alguns ‘probleminhas’, no 20 BIB. o senhor se sente
confortável pra falar a respeito? Se não se sentir, não tem problema.]
AJM: “Não! Ali no 20 BIB eu graças a Deus eu tive uma amizade muito grande, eu tenho uma
amizade muito grande com todos ali. Mas você sabe que ser militar é como se fosse também
uma empresa, é ou não é? Tem gente que às vezes está junto com você, está do lado. Mas nós
sabemos que tem muitas pessoas que às vezes, por algum motivo ou outro... como diz, agente
não consegue agradar a todos, né. Mas de todas as funções que eu passei ali, eu tive um
probleminha em duas funções, né, com meus chefes. E como eu falei, por um motivo alheio À
minha vontade eu fui nomeado no NPOR e vim pra ser o brigada porque não tava dando certo
ali, né. Uma pessoa me chamou e falou: Adeir, queria trazer fulano de cá.' - Pode trazer, que
eu vou pra função dele! Na hora, entendeu!? Então, troquei assim sem mais sem menos. O
pessoal gostou que eu fosse, porque eu já tinha ficado 5 anos com eles lá né. Eles conheciam a
pessoa, ficou contente. E todo mundo sabia que o problema não estava comigo. Sem entrar
em detalhes, isso era melhor pra mim. Pra eles foi bom e pra mim também foi bom porque
você trabalhar num ambiente favorável, sempre é um privilégio você trabalhar num ambiente
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favorável. E então, graças a Deus eu não trabalhei em função nenhuma – tirando esse impasse
aí – que o pessoal não gostasse. E então sempre fui, assim, chamado pras funções e sempre fui
bem aceito com os comandantes. Muitas vezes até mesmo eu de brigada ali, os comandante, o
subcomandante, muitas vezes ficavam preocupados se ia chegar alguém mais antigo do que
eu porque não queria me tirar da função. E muitas vezes eu queria sair da função aí chegava
um outro subcomandante e dizia: 'Não! Você vai ficar aí. O pessoal dava a notícia: 'Ó! Acho
que o Adeir vai sair! - Não! Negativo, chama o Adeir aí! Não Adeir, tu vai ficar mais um ano
comigo, aí! 'Entendeu!? O subcomandante. [risos] aí eu fui, porque no 3º ano eu já tava...
[risos] porque ali de Brigada você sabe como é, né! Ali pesa um pouquinho porque ali no 20
BIB, a nossa seção dava 32 ali. O brigada ele fecha junto com o setor de pagamento e mais a
secretaria. Então, o expediente do setor do pagamento, o expediente da secretaria e a parte
interna do S/1, os expedientes ficam sobre a responsabilidade do Brigada, ligando com o S/1.
Mas ali, os expedientes ficam tudo com o Brigada! Pelo menos no 20 o sistema era esse. Em
algum Brigada em outro batalhão, talvez tivesse assim uma outra divisão, não é. Então, mas
foi muito bom e eu creio que foi o tempo em que eu aprendi mais, na minha vida, foi quando
eu fiquei de Brigada! Porque daí eu trabalhava com todo o batalhão! Eu sabia o sistema do
batalhão todo, como é que funcionava! Principalmente na parte de pessoal, né. Então eu
aprendi muito ali. Praticamente ali na primeira Seção, eu fiquei 6 anos, não é, conhecendo
bem as funções de cada um e isso me facilitou bastante. No 2º ano em diante eu consegui
dominar... no 1º né, mas no 2º ano em diante eu consegui dominar ali bem o que eu fazia,
porque o principal do profissional, é você saber o que você vai fazer! Primeira coisa que você
chega, você vê como é que é quando recebe a função, né. Não sei qual a tua função lá!? Eu
acho que a primeira coisa é você tirar tudo o que o outro tem pra passar pra você! E você
buscar saber o que é que você faz. Depois que você sabe tudo o que você faz, você tem que
ter tempo pra ajudar o outro, é ou não é!? Às vezes. Mas tem muitas pessoas que às vezes tem
dificuldade porque não quer aprender. Mas você tem que aprender! Você tem que chegar... se
a função é complicada, porque às vezes existem umas carteiras meio pesadas, né. Mas você
tem que chegar logo de cara e tentar pegar... ou seja, aprender o que você já vai realmente
fazer. Inclusive o coronel, quando eu cheguei, eu tava com 6 meses só de 1º, eu falei:
'Coronel! Eu nunca...eu só trabalhei de sargenteante aqui e eu falei, eu vou ter dificuldade pra
ser um Brigada! Assim, saí de... eu trabalhava numa função lá do... de auxiliar só da 1ª Seção.
Agora Brigada vai ser um pouco... 'Fique tranquilo eu fui 5 anos de S/1. Não fica preocupado
em querer aprender tudo em uma noite não. Aí eu fiquei mais à vontade né. Então, fique
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tranquilo. Conforme as coisas forem acontecendo, se precisar de alguma coisa, aí você vem
falar comigo. Assim eu trabalhei 3 anos com ele, como subcomandante. Porque o Brigada ele
liga com o S/1, ele liga com o subcomandante e com o comandante. E você faz...você mantém
contato com esses três, é ou não é. Agente pensa que você fica só ali, não. Às vezes o S/1 não,
você atende o subcomandante e o comandante! Pra alguns assuntos que às vezes é mais
específico, eles não têm condições de saber muitas coisas que estão acontecendo que vêm
direto pra nossa mão! Então vai ter que atender ele. Muitas vezes agente vai lá no PC do
comandante tirando alguma dúvida junto com o S/1 porque você é que está por dentro do
documento, né. Mas é o correto, né. Porque eles na função de chefia, eles não tá no nosso
meio, não tá ali com a documentação nossa. Mas agente com toda a boa vontade, graças a
Deus! Nunca tive problema com nenhum S/1, e sempre trabalhando bem. Eu creio que
durante meu tempo de 6 anos ali, eu passei por 8 S/1, acho que uns 4 subcomandante e uns 4
comandantes, né. Ali durante esses seis anos. Então foi essa a função que praticamente mais
me marcou. A sargenteação também me marcou muito. O Pelopes também, na parte
operacional. Agente naquela época com o vigor físico muito bom! Eu creio que deu, assim,
pra gente aprender bastante. No Pelopes, eu trabalhava de adjunto então eu ficava muito com
o comandante. Então na área de instrução ali, me trouxe um conhecimento bom, assim.
Agente trabalhar junto. Meus 3 auxiliares, que eram os 3 comandantes de GC. Só um era um
temporário, mas era muito bom. Um temporário realmente que muitas vezes me surpreendia
pelo jeito de ele fazer pela vontade de trabalhar e realmente ajudou muito. Então foi
momentos bons que eu tive. Assim, momento que me desagradou foi mais no finalzinho de
carreira aí. Você esperar de uma pessoa, depois você vê uma falsidade, né. Ali, aí você
perceber isso, te tira realmente... Às vezes você confia, né. Agente se dispõe todo e às vezes
ali, aproveitam um pouquinho da bondade da gente e acaba nos traindo como aconteceu, né.
Mas no geral, com tudo, eu creio que se tivesse que voltar a fazer eu faria tudo de novo! Eu
saí do Exército, realmente agradecido a Deus por tudo que eu passei, né. E pelas bondades
que ele fez! Você vê aí, eu... Lá no início lá, se eu fosse contar como é que eu cheguei a fazer
o curso de motorista, como é que eu cheguei a fazer o curso de blindado, eu creio que foi até
um milagre, né. Porque eu não sabia nem pegar a chave pra ignição. E eu entrar junto com os
motoristas ali, pra sair. E fazer o curso com eles ali. Ter a habilidade pra aprender rapidinho
pra dirigir. Porque tinha que fazer o curso de motorista pra fazer o curso de blindado. E eu
sem saber nada! Eu tava, com 2 meses, habilitado, com carteira C pronto pra fazer o curso de
Blindados! Então eu creio que tudo foi... tinha 36 aluno, tinha 23 vagas, né. Só tinha 23 vagas,
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aí eu fui o 5º daí pra promoção de cabo. Ali eu creio que foi tudo da mão de Deus. E eu sem
estudo né! Aí é claro que na sequência eu já tava estudando e me preparando para fazer a
ESA. Mas é isso aí. Então voltando aí, a essa parte, e de acrescentar alguma coisa que você
precisa né. O quartel na minha época mais remota e agora. Então, naquela época eu creio, que
muitas coisas mudaram. Entra ano, sai ano, essa mudança ela foi gradativa. Não houve uma
mudança repentina não. Então, quando eu incorporei, naquela época era um pouquinho mais
pesado, não é. Então, muitos tinham medo às vezes de vir pra incorporar, porque a dificuldade
era maior. E em muitas... assim, em termos de sugação, o pessoal castigava um pouquinho
mais. E existia, assim, uma distância maior entre os graduados e os soldados, e os graduados e
os oficiais. Então, ficava assim mais separado. Soldado, ali. Tudo dentro do seu círculo. Era
levado muito a sério nesse sentido. Como existe o círculo de cabos e soldados. E tem o dos
subtenentes e sargentos. E depois vem o dos oficiais. Mas tudo um pouco mais distante. E
hoje em dia não. Hoje em dia agente já vê tudo mais próximo.”
EGR: [Existia no rancho mesas pra subtenentes, pra 1º, pra 2º, mesa pra 3º?]
AJM: “Não, não. Não tinha não. Eu digo dentro do círculo. Sargentos com subtenentes
ficavam mais na dele ali. Soldados com cabos ficavam mais na deles ali, e os oficiais mais na
deles ali. Então nesses 3 círculos aí praticamente ficavam um pouquinho mais distantes.
Agora não. Agora, principalmente eu trabalhando num batalhão onde tinha muito oficial. Que
o Batalhão de Aviação a maioria são pilotos, é ou não é. Tem muito oficial. Então, eles são
mais unidos. Trabalham juntos, porque tem que trabalhar junto com os mecânico, né. Mas tem
acontecido também nos batalhões, assim, essa aproximação ela aumentou. Então, hoje em dia
eu creio que a união, assim, do pessoal, existe mais uma coesão nos trabalhos, entendeu? Eu
creio que tudo isso facilitou e deu mais liberdade pra você trabalhar. Da outra vez, lá mais
para trás, você às vezes tinha alguma dificuldade de você chegar até o teu superior. E hoje em
dia não. Hoje em dia ficou mais fácil pra você chegar, entendeu!?”
EGR: [Se tinha um receio de você chegar?]
AJM: “Tinha. Se tinha um respeito ali, muito rigoroso mesmo, né. Então, quando você recebia
uma missão e voltava lá pra dar essa missão, era rigorosa. Era cobrado realmente. Hoje em dia
se cobra também, mas com mais flexibilidade, né. E então, hoje em dia, eu creio que, o
Exército em si, continua com o mesmo sistema, mas mais, assim, um povo com a mente mais
aberta, acompanhando a evolução, é ou não é? Que vem acontecendo. Então, o Exército ele se
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modernizou bastante também e tinha que fazer isso. Não podia ser diferente. Para que
acompanhasse a ciência, né, que veio desenvolvendo. E o Exército também vem
acompanhando isso aí. Eu creio até na parte tática, na estratégia, e pra treinamento e tudo isso
aí, também, vem evoluindo, vem se modernizando tanto na parte pessoal na maneira de
trabalhar, quanto na parte de material necessário que precisa realmente. Eu creio que vem com
o tempo buscando, habilitando, ou às vezes... um armamento que não tem, mas já assim...um
material para que seja estudado e às vezes, mesmo não tendo material mas você já vem se
capacitando, já vem, já tem aula pra isso. Quando chegar o material você já está mais em
condições. Então, tem coisa que agente, que nós estamos fazendo aqui, como o coronel
passou pra nós, alguma coisa que está sendo fabricada e exportada que agente nem vê. Então
tem muita coisa que eu aprendi isso aí. Muito material que agente, assim às vezes tem visto
mas que não tem com nós. Você sabe que tem muito material exportado que agente, nós não
temos na tropa, aqui né. Então às vezes agente fica pensando que parece que tá do mesmo
jeito, não tá. Então tem muito, tem muita tecnologia usada na parte aí, né. Que tá mandando
pra fora e nós não tamo usando aqui porque não, nesse momento nós estamos graças a Deus
vivendo aqui em paz e eu creio que se houver alguma coisa vai ter tempo suficiente – eu creio
eu, porque isso aí não acontece da noite pro dia – vai ter tempo suficiente pra que você
realmente se habilite para que seja usado este material. Então, voltando a esse aí. Então houve
e deu pra perceber as mudanças. O nosso pessoal vem acompanhando na parte... na
tecnologia. Então, isso aí não poderia ser diferente, né. Se não o Exército ficaria ali. Mas é
claro que, você olhando assim friamente, você vê que muitas coisas permanecem.”
EGR: [O que, por exemplo, que hoje é igual na época em que o senhor incorporou?]
AJM: “Eu acho que... a hierarquia e a disciplina não mudam! Independente se você tá mais
ligado ou mais, assim, próximo – como eu te falei que o pessoal tão mais próximos um do
outro – isso não mudou não. Mas tem muitas coisas assim, parecido! O sistema em si, em
termos de trabalho, é ou não é. Porque já uma coisa que é do Exército, que da... se você olhar
assim, parece que não mudou nada. Então você tem a sua incorporação, tem as suas fases de
básica, né, a fase de adestramento. Então, tudo isso aí, se você... são coisas que às vezes foi
aprimorado, mas que existe uma... como é que eu posso dizer...o trabalho em si, praticamente
é o mesmo, você está entendendo? Quer dizer, o padrão é praticamente isso aí, com algumas
melhorias, mas, o padrão é esse aí. Pra você ver que não mudou, entendeu! Isso é uma
coisa...você vê que desde o passado até agora o sistema ainda mantém. Não houve uma
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mudança porque na parte tática e na parte técnica, isso aí são coisas que já foram implantadas
no Exército e que ela ainda permanece até hoje o sistema desse trabalho, e a parte, assim,
técnica e tática de trabalhar.”
EGR: [O senhor falou que a hierarquia e a disciplina ainda permanecem, mas o senhor vê
alguma transformação que foi ruim para o Exército nesse aspecto de aproximação? Houve
uma perda em relação à hierarquia e à disciplina, com essa maior aproximação?]
AJM: “Não! Acho que não houve perda não! Eu acho que... eu olhando assim, realmente, o
pessoal, naquela época eu sentia, assim, essa diferença, porque eu acho que tudo isso tá
correlacionado à época, né. Então, naquele tempo, o pessoal tinha sua maneira de pensar. Mas
aí com a evolução da tecnologia, não é, o Exército também absorvendo, e viu que se
aproximasse um do outro era melhor, entendeu!? Porque existia, consequentemente, a parte de
comunicação, porque, você vê que tudo... Você veja, a comunicação é algo importante! E com
essas diferenças, muita coisa, essa parte da comunicação deixa de existir! E às vezes alguma
comunicação que seria importante não chegaria até lá. E com essa aproximação, as
comunicações ela vai funcionar mais, entendeu!? E com essa aproximação, também, vai
existir uma preparação mais de substituir. Porque tá mais perto. Na hora de substituir um ou
outro, tudo vai ficar mais fácil porque muitas coisas você já vai tá sabendo, entendeu? Essa
aproximação mais aí, eu acho que ela foi mais benéfica, do que se permanecesse do jeito que
tava. Com essa aproximação aí, o Exército ganhou. Você pode perceber que hoje agente olha,
desde o mais alto ao mais pequeno, essa ligação ela tá bem mais aproximada e você se
comunica mais e facilita pra todos, no trabalho em si. Eu acho que essa evolução foi boa. Não
houve perda não. Eu acho que essa evolução sem dúvida que foi um ganho! Eu creio que
todos ganharam! Porque fica fácil. Porque naquela época agente via muitas pessoas que
vinham da Academia, o cara não tinha o conhecimento que um 2ºSgt tinha. Então ficava
difícil. As vezes ele não queria dar o braço a torcer e ele ficava na dele, o outro ficava na dele.
Hoje não! Hoje o Tenente chega...o Aspirante chega da Academia, já tem um relacionamento
maior com o pessoal, já é mais aberto. Já tem a mente mais aberta pra trabalhar com o
pelotão. Aí o pessoal sabe que ele tá mais próximo dele, ajuda mais ele. Naquela época era
muito afastado, você ficava assim, às vezes não tomava a direção de você falar com ele, tentar
ajudar, explicar. Aí ficava na dele... não vou dizer que ele não tinha o conhecimento. Ele não
tinha a prática de um 2º sargento com seus 10 anos de serviço. E ele não tinha essa prática.
Existia, sim, uma dificuldade. Hoje em dia não. Hoje em dia já chegam, né, da Academia.
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Com esse contato mais aproximado, facilita pra ele. Facilita pra pessoa que tá trabalhando.
Tem o maior prazer de trabalhar junto com ele. E aí, eu creio que foi algo importantíssimo, o
que está acontecendo agora, no momento.”
EGR: [O oficial aceitava algum tipo de ajuda?]
AJM: “Olha! Agente sabe que toda regra tem as suas exceções, né. Tinham uns que eram
meio categóricos: não... achavam que eram os donos da verdade. Mas tinha muita gente boa!
No meu tempo tinha gente que era amiga, que fazia praticamente quase o mesmo papel como
agora né. Eu tô falando que existia muita distância, mas tinha muita gente que buscava... já
tinham uma mente aberta. Já tinham uma formação...de família, eu creio, às vezes. Tinham
uns que eram mais rigoroso, na maneira, no grupo familiar. De várias maneira agente vê
dentro da nossa sociedade, tem muitas pessoas ainda que tão lá atrás. Eu creio que naquela
época tinham muitas pessoas que estavam lá atrás, mas tinham outras também que já estavam
avançadas. E eram as pessoas que muitas vezes já praticavam isso que está sendo praticado
agora. Então não foi totalmente separado! Já existia um grupo que aceitava, que buscava se
relacionar pra facilitar o trabalho dele. Já tinham uma mente mais aberta. Sempre existiu!
Você pode ver que sempre existiu pessoas... mesmo lá no tempo primitivo sempre teve
alguém que já tinha a mente mais aberta. Que já trabalhava, já facilitava, então. Não vou falar
da Bíblia, aqui. Tinham uns personagens que já pensavam lá na frente! E tinham outros, não.
Era assim, ó! (cobre a parte lateral dos olhos com as mãos, como se fossem antolhos em um
cavalo). Isso acontecia desde lá e eu creio que [pausa longa]…”
EGR: [Continuando a falar do tratamento entre os oficiais e os praças, mas trazendo para a
parte da vontade de crescer, era comum os sargentos da época do senhor estudarem, quererem
fazer faculdade, ou até mesmo quererem prestar outros concursos?]
AJM: “Naquela época já tinha, só que hoje é mais, sem dúvida!”
EGR: [Era mais raro?]
AJM: “Era mais raro, mas sempre teve! Existia uma dificuldade. Então, o sargento, naquela
época, para ele fazer uma faculdade ele tinha que... realmente era mais difícil. Ele tinha que
cumprir realmente a obrigação dele como os outros também têm que cumprir a obrigação, né.
Mas tinham mais coisas que impediam ele fazer o trabalho dele. E eu creio que pela, talvez
pela estrutura que tinha na época. Hoje em dia nós estamos com uma estrutura um pouquinho
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melhor, assim, em todas as categorias, a estrutura tá um pouquinho melhor. Naquela época era
mais restrito as quantidades de... você vê, eu como 2º sargento fiquei de encarregado de
material. Não tinha pessoa antiga. Hoje em dia você chega no batalhão, tá cheio de gente
antiga, sobrando pelo ladrão! Tem muita gente na função de subtenente. Tem subtenente
sobrando! Tem muita gente na função de 1º, tem 1º sobrando, 2º, e assim sucessivamente. E
naquela época não. Então naquela época era mais... tinha pessoas que às vezes tinha que fazer
função de 1º, né. 2º tinha que fazer função de 1º. Eu como 2º estava na função de subtenente,
entendeu. Mas é claro que tudo isso aí, relacionado ao trabalho, não é. Mas sobre a busca do
crescimento, o pessoal era mais concentrado no trabalho em si. Eu sou um exemplo desse.
Sempre me concentrei mais no trabalho e não busquei, assim, por fora. Eu achava que a
minha vida era a militar, então eu dediquei a minha vida pra militar. Então tinham muitos que
dedicava realmente, e um ou outro já pensava em fazer faculdade, já experimentando ali, às
vezes, que não tava ali sentindo muito bem, e então prestaria um concurso e partiria. Só que
agora, em termos de pessoas fazendo faculdade o índice é bem maior!”
EGR: [Existia algum tipo de perseguição em relação a quem queria estudar, quem queria fazer
outros cursos?]
AJM: “Eu via muitos reclamarem, que às vezes os chefes olhavam com má...assim...não era
de bom agrado não é. Eu creio eu, assim, achava que a pessoa pra fazer faculdade, às vezes
ele tinha que trocar um serviço [incompreensível]. E às vezes essas trocas, né, às vezes não
eram muito aceitas essas trocas. Então, parecia que existia uma perseguição. Uma
pressãozinha sempre houve, né, pra não...pra que a pessoa... Mas eu creio que isso dificultou
muita gente. Isso eu não posso negar que houve, apesar de eu não ter feito, mas muitos
reclamavam disso aí. Eu ficava meio indignado, achando... a pessoa quer fazer. Você tem a
liberdade de fazer isso aí. Então, o cara não pode tirar a liberdade, é ou não é? Vai fazer à
noite. Só que Às vezes tinha que trocar, porque tinha pouca gente, então tinha que trocar com
outro. Aí, às vezes trocava muito e conforme o curso que você fosse fazer. Odontologia,
principalmente é um curso que tinha muita aula de dia! Então como é que você tinha que
deixar... “Ah, você pode me cobrir na seção aqui de dia e ir lá fazer o curso? Você pode ver
que odontologia agente vê muito de dia né. Então, às vezes não tinha condições de fazer de
dia. Mas às vezes, mesmo fazendo à noite, tinha coisas que tinham de fazer de dia. Aí, quando
tinha cara que cursava um curso desses que às vezes tinha que mudar o período ou... amanhã
você precisa fazer isso... então eu creio que dificultava... e as pessoas ficavam desesperados
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pra trocar. E as pessoas sofriam pra fazer isso aí. Hoje em dia não. Eu creio que os cursos têm
os seus horários e está até mais fácil! Às vezes até pra manobrar no trabalho. Então, até os
próprios comandantes estão vendo isso aí já com uma outra...inclusive apoiando, né.
Apoiando para que a pessoa realmente faça, né. Então, não tá tendo mais essa perseguição que
houve no passado.”
EGR: [O senhor tem uma desconfiança de o porquê mudou essa posição em relação a quem
quer estudar? A quem quer buscar alguma coisa no mundo civil?]
AJM: “Eu acho que é pelo crescimento que teve. Algumas mudanças que houve. Você vê que
o QCO, no caso que aí o sargento poderia sair oficial. Então, consequentemente, ele não
poderia cursar o QCO sem ter o curso superior, é ou não é. Então, se ele podia fazer o
QCO...quem vai fazer o QCO é o civil, é o sargento, não é!? Não é o tenente que vai fazer o
QCO! Então, consequentemente, pra ele fazer, pra ele alcançar, pra ele querer fazer o QCO,
ele tem que tá habilitado. Então, você vê! Já faz um bom tempo que isso aconteceu, desde
1990 praticamente. Acho que na década de 90 que começou o QCO. Consequentemente só
podia fazer quem tinha o 3º Grau! E então a partir daí, dessa daí, pra cá, já houve uma grande
mudança, porque a pessoa pra concorrer já tinha que fazer o 3º Grau. Isso já foi um dos
motivos das pessoas ao invés de não apoiar, ao contrário. Tinha de apoiar porque era...era...
era regulamentar! Veio lá de cima, é ou não é. Eu creio que se houvesse uma reclamação de
baixo que tava impedindo o cara fazer e o cara, ele poderia sair oficial, então o bicho ia pegar,
é ou não é? Então, aí tudo mundo abriu a guarda. Aí consequentemente foi aí que tudo mundo
houve...a partir deste momento que teve a total liberdade pra você ter... ou seja, teve liberdade
e apoio pra você fazer outros cursos. Eu acho que o foco principal foi nessa área ai, no meu
entender.”
EGR: [Na área do QCO?]
AJM: “Do QCO, é. Eu creio que a partir dali...”
EGR: [Pegando o gancho com relação a estudar, a procurar aqui no mundo civil uma
realização, mas em outro sentido, na época do senhor era comum entrar na justiça contra o
Exército? Existia isso de o sargento, o tenente, o soldado entrar na justiça ou contra o
comandante ou contra a instituição?]
AJM: “Não. O... o... o … o público interno, que é o efetivo, né. O público interno, se tinha
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que entrar na justiça, era muito raro. Mas sempre existiu. Você vê que dentro do trabalho,
numa empresa, sempre vai existir. Mas com muito pouca frequência. Agora tá sendo mais, é
ou não é!? Então você vê que [incompreensível] negócio do FUSEX, dos 28 por cento, muita
gente tem entrado com mais frequência. Aí o que tem lá mais pra trás, entrado contra o
exercito, ou entrou conta o comandante, eram pessoas que davam baixa. Às vezes por motivos
de saúde. Então pessoas que achavam que tinham o direito de ficar. E que ele realmente
ficava... não tava em boas condições de ser...de dar baixa, e foi excluído, e foi podendo prover
os seus próprios meios. E às vezes não poderia, entendeu!? Então, muita gente naquela época,
assim, entrava na justiça. O pessoal que sabia e achava que tava sendo lesado e não poderia
dar baixa e sair do jeito que ele tá, né, por um acidente. A maioria era mais parte de acidente,
né. As pessoas entravam pra sair... então isso aí existiu muito naquela época, mas... Interno, o
público interno era pouco, mas quem saía muitos entravam. Muitos não! Eu creio que a
maioria que saía e que achava que estava sendo lesada, e não poderia dar baixa por motivo
ali...eles entravam na justiça. Tinha muita gente que entrava na justiça. E hoje continua. Eu
creio que esse sistema da pessoa praticamente, às vezes... você dá parte de acidente, começa o
seu trabalho, depois chega numa época que ele vai chegar numa situação, ou ele agrega né...
ele agregando ele vai ter que ser reformado. Então, isso aí não mudou ainda, ele sendo
agregado. E muitas vezes quando chegava no limite máximo dele ali, era feito um laudo ali, o
médico alegava que ele poderia prover seus próprios meios, e, consequentemente, em si, não
poderia. Quando o médico dava o laudo...aí o comandante tinha todo o apoio porque tem que
obedecer o laudo médico. Se o médico ali deu o laudo que ele poderia, ia ser licenciado e,
consequentemente o que faz? Ele é licenciado...depois ele corre atrás da justiça. Depois ele
vai correr na justiça pra ver se ele consegue reverter, é ou não é!? Aí, se o médico deu... isso
aí eu aprendi muito, porque eu de Brigada ali, tinha muito processo, porque eu via tudo ali.
Passava tudo na minha mão. Te digo de cadeira isso aí. Ainda mais a parte de punição, justiça!
Conselho de justiça. Então isso aí, apesar de eu não estar na carteira, mas eu acompanhava.”
EGR: [O senhor falou de punição. Tinha muita punição na época?]
AJM: “Desde o início, teve bastante punição. Agora tem menos. Mas existia bastante punição,
o pessoal era bem rigoroso mesmo na punição. Muita gente era excluída. Então, eu creio que
na época passada se excluía bastantes pessoas. É porque na época era tudo mais rigoroso.
Agora, é claro, também existe, mas agora mudou um pouquinho mais o sistema, porque
naquela época o comandante de companhia poderia dar uma prisão. E agora o comandante de
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companhia não pode dar mais prisão. Quem dá prisão é só o comandante. Então nesse fato de
comandante, de centralizar mais nele, então consequentemente diminuiu um pouquinho as
exclusões. Diminuiu porque o coronel já é um pouquinho mais maleável: 'não, vamos dar uma
chance', é ou não é? O comandante não! Já dava uma punição pra ele, depois dava uma
cadeia, mais um é insuficiente, ele caía no mal. Se quisesse licenciar ele a bem da disciplina,
poderia. O coronel pode licenciar. Inclusive ele pode licenciar mesmo sem o cara tá no mal,
não sei se você sabia disso. Mesmo sem o cara tá no mal ele pode licenciar por...ele joga
naquele item lá: 'pra evitar o mal maior', entendeu. Ele se resguarda, ele é resguardado nesse
artigo aí, entendeu!? Então, se ele ver que o cara é problemático mesmo, então não precisa
punir ele, e ficar punido e esperar dar uma outra vacilada pra ele ir pro BI e ir pro mal, não. É
claro que... aí na sequência normal, o cara sendo.. ai no sujeito, depois de.... ele pode ficar...
você não tem como ir mais pra baixo né. Ai consequentemente, é feito um processo dele e
licenciado. Agora não! Agora existe o direito de defesa. Então, isso aí facilitou um pouquinho
mais, porque daí ficou um pouquinho mais difícil. Então você passar por um processo até
chegar a punição. Então isso aí deu um pouquinho mais de segurança pro ofendido, né. Que
está sendo punido. Você vai ter mais tempo de recorrer. Você vai ter os dias úteis. E naquela
época não tinha. Era só o cara olhar pra tua cara, ou o capitão, se o cara faltar com a verdade,
já era uma punição de prisão. Prendia o cara! Mais uma vez que prendesse ele, dentro de um
ano, ele já ia pro comportamento mau! Duas prisões, e ele já podia ser...duas prisões e ele já ia
pro insuficiente. Mais uma besteirinha, caía no mau! E já podia ir embora.”
EGR: [O senhor acha que isso veio pra melhorar a instituição ou piorou em termos de
disciplina?]
AJM: Não! Essa mudança foi pra melhor! Foi pra melhor porque daí você vai ter mais tempo
pra julgar. Você vai ser mais justo no que você está fazendo. Porque daí vem o processo.
Chega esse processo na 1ª Seção ele vai ser estudado com o comandante. O comandante vai
estudar o processo! Se ele quiser rever e mandar pra companhia, ele pode fazer! Então, vamos
supor no caso, a punição não passou não diretamente pro comandante de companhia, mas sim
só o coronel é que pode realmente definir. Mas quando na época você queria excluir um
elemento, então você mandava a parte da companhia pra exclusão, e o cara era excluído!
Então, o comandante de companhia [incompreensível]. O cara não gostava do soldado, ou o
soldado era realmente malvado. Você sabe que o comandante de companhia é um cara novo,
né. Então, ele não acochambrava muito não! Pra uns né. Direto. Agora não! Agora vai até o
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coronel. Agora eu creio que isso aí foi bom porque a saída desse pessoal ela sai sendo mais
justa, né. Eu creio isso facilitou, daí. Eu acho que foi um...uma coisa que eles criaram, essa
portaria aí, foi pra facilitar, porque tinha que ser mais coerente com essa exclusão.”
EGR: [Tinha muita arbitrariedade, muita punição arbitrária? Pois o senhor falou que o
comandante de companhia olhava para a cara do soldado e dizia: 'você está punido...']
AJM: “Não, eu falei de olhar pra cara dele, talvez eu exagerei um pouquinho no jeito de falar.
Não é só de olhar pra ele não. É porque ele podia punir o cara por pouca coisa. Qualquer
deslize, ele poderia enquadrar o cara. E ele poderia enquadrar, mas com esse sistema aí. Mas é
claro que na companhia tem o comandante de companhia e o sargenteante. Os dois
trabalhando juntos. Quem faz as partes e quem acompanha o comandante de companhia nas
funções é o sargenteante. E muitas vezes ele tem os seus oficiais nos pelotões que são
consultados, né. Já existia isso já, na época. Então antes de ele excluir um soldado ele pensava
bem. Então, sempre existiram pessoas que, às vezes até queriam excluir o soldado, mas o
soldado estava no comportamento suficiente e não dava pra excluir. Tinha que estar no
comportamento insuficiente. Aí o soldado caprichava. Só que não engajava, só que pelo
menos não saía excluído com o certificado de isenção.”
EGR: [Tinha o esquema do Pernoite também, né!] Como era? O comandante de companhia
chegava para o soldado que às vezes tinha cometido alguma falta e o colocava no pernoite
simplesmente? Como era?]
AJM: “O pernoite era o mais brando, né, das punições ali. Só que o pernoite era para tirada da
liberdade da pessoa. Então, o pernoite não entraria como se fosse dois pernoites equivalem a
tal coisa... não! Às vezes o cara pegava 5 dias de pernoite...era a liberdade. Porque o
comandante de companhia, no RDE, ele fala que os praças...como é que é a palavra certa que
está no RDE?... que ele pode suspender...q ele poderia suspender a liberdade e o cara tinha
que ficar no quartel. Então, ele tinha essa autonomia, entendeu!? Mas isso aí, claro que nunca
houve. Mas o soldado volta e meia, é claro que era o mais brando que o soldado dava algum
deslize, não queria dar um detimento pra ele, aí dava como pernoite! Aí no pernoite ele
poderia sair durante o dia, tudo. Só que a partir das 9 horas ele tinha que estar no quartel e
permanecer no quartel. Então ele tinha que pernoitar no quartel. Mas ele não ficava... ia pra
instrução normal, poderia ir pra rua, tudo mais. Só que a partir da hora do pernoite, que agente
reúne ali o pessoal, ele tinha que estar ali para apresentar, para ser apresentado. E vinha pra
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companhia e tinha que pernoitar na companhia. [Pausa longa]”
EGR: [O que mais o senhor tem pra contar pra gente, de antes e de agora recente?]
AJM: “Então, naquela época, como eu falei, na parte de ser mais rigoroso... nos trabalhos em
si. Mas eu creio que tudo teve o seu motivo pelo qual. Então, nós sabemos que uma geração
ela vem se desenvolvendo no tempo. E naquele tempo eu creio que tinha realmente, que o
pessoal entenderia mais naquela época, nas cobranças, em tudo aquilo que fazia, nos cursos. E
agente tinha menos recursos pra trabalhar. Na parte de... era tudo mais difícil né. Era tudo na
maquininha, através do, pra tirar o Xerox ali, e tudo. Hoje em dia a tecnologia já facilita
bastante! Então, eu creio que tudo isso dificultou um pouco a pessoa naquela época. Então,
você...como era tudo mais manual, você via as pessoas assim mais... Hoje em dia, pela
tecnologia, um computador faz o trabalho de muitos. Havia uma união muito boa do pessoal.
Porque você dependia um do outro, da outra pessoa. Existia uma dependência maior. E hoje
em dia eu creio que existe uma independência maior, correlacionado ao fato. Havia coisa
passada que você precisava mais, que hoje em dia você tem com mais facilidade...tendo em
vista mudança na tecnologia. Então eu creio que no passado você tava mais junto ali, porque
tinha que fazer umas coisas e você precisava mais das pessoas. Eu creio que a união em si era
maior. Hoje em dia você vê que é tudo mais liberal e você não tem, em termos de amizade, o
pessoal tinha mais amizade do que hoje. Eu sinto isso aí. Pela facilidade que tem, ou às vezes
pela ciência que tem hoje em dia, que vem trocando e acontece no Exército, tá acontecendo na
vida fora e no Exército também está acontecendo, né. Apesar de manter praticamente o
mesmo efetivo. Por isso que muitas vezes agora você olhando, por que é que tem tanto aqui,
tanto ali, por esse fato dessas mudanças, né. Mas no passado agente sentia com mais
dificuldade porque tinha menos meio pra você fazer. Então você tinha mais mão de obra. E
hoje em dia, com a tecnologia, eu creio que mudou muito. Facilitou mais o trabalho e
consequentemente facilitou pra todos, né. Mas uma coisa que não mudou praticamente é a
missão do Exército, né. Isso não mudou. Continua na Constituição o dever do Exército na
segurança. Então isso aí é uma coisa que não mudou. Continua lá atrás, e continua sendo uma
Força, se preciso for – como aconteceu lá no Rio de Janeiro, não é, recentemente. Então o
Exército tava ali na frente pra atender aquilo ali. Nós sabemos que o Exército é formado pra
guerra e ali praticamente ele tava auxiliando os trabalhos que estavam ali. Eu creio que
mostrando mais presença de força, que eu creio que é o objetivo principal da Marinha ali. E
nessa presença de força, consequentemente, eles vendo os militares ali... O único jeito pra
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fazer tinha que ser aquilo ali. Muitas vezes eu pensei comigo: olha pra resolver o problema do
Rio de Janeiro, tem que colocar força ali e ir até o fim. Eu falei: se eu fosse um Comandante
ou se eu fosse um Presidente da República, eu fazia o cerco da favela. Fechava todo o cerco
da favela. No nosso combate tem o 'fazer o cerco', né. Fazia o cerco ali e você ia entrando.
Ninguém saía da favela. Você tinha que fazer um cerco. Ninguém sai da favela. Fechava a
favela. Com efetivo bem grande fechava a favela. Ninguém sai. E você ia vasculhando ali.
Tem família boa. Tinha muita família boa ali. Mas cê perguntava se ele queria sair dali, ele
não queria. Ele era coberto pelos chefões ali. Então, se eu for embora pra lá, será, tem certeza
que eles vão me dar comida? Aqui eu tô comendo, entendeu!? A pessoa não ia. E nós sabemos
que pra nós ter êxito num trabalho desses, o que é que nós temos que ter? O apoio da
população! A população sabe tudo o que tem ali dentro! Mas não conta porque fica com medo
de ser exterminado, é ou não é? Ele fica com medo. Nós também ficamos com medo. Nós
sabemos que existe muitas coisas e nós também ficamos no nosso cantinho. E lá tava tudo
centralizado ali, é ou não é? Então começou a diminuir liberdade do pessoal? Mas porque que
o cara não entregava? Por que às vezes é um parente dele, não é!? Porque que o outro não
entregava? Também. É difícil porque não existe... Quando existe o apoio da população,
quando eles viram que a madeira tava gemendo realmente ali, quando eles viram que a Força
tava fazendo a sua... que eles vieram... que eles souberam que a informação ia facilitar o
trabalho deles, que a pressão ia continuar enquanto não houvesse uma entrega total ali, aí
começou a aparecer! Independente se o cara era parente ou não, ele queria ela livrar dele, é ou
não é? Aí todo mundo queria livrar dele! Aí foi o pessoal, direta ou indiretamente a população
foi pressionada para dar informação. Foi aonde que ocorreram todas aquelas informações ali.
Descobria coisa que tava lá que cê nunca ia descobrir. Então eu sempre pensei assim, de fazer
um cerco. Tem que achar, uai! Faz o cerco, não sai ninguém. Você vai na minúcia ali, é ou não
é? Vai encontrar o cara você já vai com as coisas superiores pra você abordar e fazer. Pois já
tinha resolvido esse problema há muito tempo. Eu pensava assim mais pra trás, às vezes. Eu
ficava olhando isso aí e pensava: meu Deus! Se eu fosse um Presidente ou um Governador, aí
eu tinha autonomia, né, eu ia convocar – porque o governador pode convocar a Força, né – eu
ia pedir pro Presidente e convocar a Força. Para o que acontecia no Rio de Janeiro. Eu tinha
feito isso há muito tempo! Mas aí existe os paralelos, né. Uma demagogia aí, ou coisa
parecido, nesse sentido, que às vezes o cara ele é freado porque fulano de tal também está
envolvido e aí fica essas coisas que dificultam muito o trabalho, não é. Eu não vou entrar
muito em detalhes não que senão eu vou...[risos] Às vezes um trabalho que você vai ter que
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expor aí, vão dizer, o Adeir é sanguinário...[risos].”
EGR: [O senhor incorporou ainda estava no período militar, né!?]
AJM: “Estava no período militar. Até 85. Eu fiquei 6 anos no Período Militar.”
EGR: [Depois que o período militar acabou, entrou o Sarney...]
AJM: “Morreu o Tancredo!”
EGR: [O Tancredo era pra assumir, o Sarney entrou, o senhor percebeu alguma mudança na
rotina do Exército? Ou no que os comandantes falavam, ou no que saía nos Noticiários do
Exército? O senhor lia os Noticiários do Exército?]
AJM: “No início, não houve muita mudança! Eu creio que... houve mudanças sem dúvida.
Mas não muita mudança. Porque, a partir do momento que entrou um governo civil, eu creio
que ele teve dificuldade pra manter a sua relação. Pelo fato de conhecimento. Porque daí ele
seria o chefe das Forças Armadas! Você assim do nada! Você tá com o pessoal civil aqui.
Agora eu sou o Chefe das Forças Armadas! É claro que ele não tava habilitado ali, pra saber
como é que tudo funcionaria. Porque era o Chefe do EMFA que era cabeça que ligava com
ele. Que ligava com o Presidente. Então, come essa ligação... É claro! Muitos sabiam ou
procuravam saber, mas houve um choque ali, com o Presidente, ali. Eu creio que foi uma
dificuldade um pouco nessa parte, lá em cima! Pra acertar! Mas com o decorrer do tempo as
coisas foram mais. Eu creio que, a partir do momento que entrou nosso comando civil, houve
uma...distanciou um pouquinho o Exército da cúpula, né. Distanciou e, principalmente quando
criou o Ministério da Defesa, não faz muito tempo, que criou o Ministério da Defesa. Esse
Ministério da Defesa ele foi criado, porque... eu creio que o civil, ele viu: não, nós, já que
estamos no comando, vamos colocar todo o ministério também civil, né. Vamos tirar toda a
parte militar. Então, o Presidente, praticamente, apesar de ser o Chefe das Forças Armadas,
mas existe ali o Seu Ministro da Defesa que tudo chega nele! Tudo vai convergir nele ali e a
partir dele tudo vai pro Presidente né. As nomeações, as promoções de generais, eu creio que
passa pelo presidente da República...eu creio não, né. Isso é até óbvio! Existe a tua cadeia de
comando, que chega até o final e é encaminhado pro Ministro da Defesa e ele apresenta a
listagem de promoções etc., que eles têm que fazer, né. Mas aí, então, eu creio que pra
facilitar ele. Pra não entrar muito em detalhe, eu creio que ele criou esse ministério. Que foi
com propósito, no meu entendimento. Foi um propósito nesse sentido. Porque, vamos supor,
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no caso. Existem tanto o Ministério da Educação, não sei o quê, não sei o quê. E ele
diretamente com as Forças Armadas. Então, se for o caso ali, ele estaria diretamente... se ele
colocasse um intermediário, ia facilitar o trabalho dele. Então isso aí foi um alvo do anterior,
né. Do Fernando Henrique. Eu creio que ele fez isso aí porque ele não gostava das Forças
Armadas, porque ele foi exilado! Acho que não foi por isso aí não. Ele fez isso aí pra facilitar,
realmente, o trabalho dele, creio eu. O entender dele. Porque daí não precisava
muito...relacionado com as Forças Armadas, porque ele teria uma pessoa que faria essa parte
pra ele. E foi um entendimento também, porque foi mais um...mais uma vaguinha né. Mais
um cargo público. Mas a finalidade eu creio que foi boa. E pro Exército eu creio que também
foi bom! Tem pessoas que às vezes achou que não foi bom ter um intermediário. Que fosse
direto lá. Mas eu creio que não pela nossa cúpula, né. Se você falasse direto com o
comandante, com o Presidente da República, talvez seria melhor né. Se ele tiver uma ligação
boa. E eu creio que o ministro ele não vai fazer nada que desabone porque ele vai estar ali
com a cúpula ali, com condições de dar uma pronta resposta em tudo aquilo que eles precisam
né. E faz parte da formação dos nossos comandantes. De ter essa ligação pra ele e voltar essas
informações pra todo o público interno. O que está acontecendo. Às vezes até facilitou. No
início eu entendi que seria mais um cargo público. Mas eu acho, depois, fui voltando atrás.
Fui pensando...então eu creio que foi viável que houvesse essa... Eu creio. Na minha
percepção. Talvez os comandantes que queriam falar direto com o Presidente, para eles era
melhor. Os contatos até, consequentemente, até em termos de força seria melhor. Você tá
falando aqui diretamente com presidente. Então aqui você tá falando com um que se...com
uma pessoa realmente que queira o bem das Forças Armadas, ele vai dificultar o trabalho!
Mas o que tem até agora, eu creio que não tá havendo em cima. Que tão deixando de fazer ou
coisa parecida. Eu não tô vendo, nessa parte aí eu não tô vendo. Eu creio que ele tem atendido
bem os pedido do pessoal. Não tenho visto noticiário dizendo que ele deixou a desejar muitas
coisas que foram pedidas. Com toda ênfase que deveria dar certo. Porque as Forças Armadas é
do Presidente da República. Quanto mais ela tiver preparada. Quanto mais ela tiver subsídio,
né, pra que ela possa desenvolver o trabalho dela, é melhor. Sem dúvida! Ele ia tá colocando
em risco a segurança nacional. Quem que faz a segurança nacional? As Forças Armadas! É ou
não é? Ela vai sempre existir nesse sentido aí. Então, independe se vai existir um
intermediário ou não. Eles sabem que as Forças Armadas precisam de um apoio do chefe das
Forças Armadas, que é o próprio Presidente, pra que ele possa fazer, realmente, um trabalho
bem feito! Se você não tem apoio, consequentemente como você vai apresentar um trabalho
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bom se você não tem apoio? Mas agente sabe que, na realidade, muitas vezes, falta alguma
coisa, é ou não é. Às vezes, a carência sempre houve, é ou não é. Desde o Governo Militar,
sempre houve carência, às vezes, de falta de alguma coisa, pra que nós pudéssemos fazer um
trabalho bem feito, isso já existia antes. Mas tudo isso eu creio que é porque nós tamos
vivendo num tempo de paz. As coisas tão tudo tranquilas. Transportamos o que precisa
transportar. Se houver alguma intervenção vai ser parada a exportação e você vai fazer só pra
dentro. Uma coisa que você sabe né, que para a exportação se tiver algum conflito, né. E você
vai trabalhar em cima disso aí. E vai completar a parte do material que só tá na teoria [risos].
E nós precisamos do material. Eu creio como nós tamos com o tempo. Mas o exército vem
trabalhando. Vem fazendo suas coisas com afinidade. Buscando realmente se aprimorar na
parte. Buscando acompanhar na parte de tecnologia, acompanhando os outros países ali. O
desenvolvimento nosso, do Brasil. Eu creio que tudo isso aí nós não estamos sofrendo
realmente...está atrasado. Não tá atrasado. Porque tem o chefe ali que tá ligado direto. Não
pode deixar atrasar, tem que manter. Eu creio, na minha visão, se tiver atrasando, mas não
pode atrasar. Tem que manter, porque na hora que precisar você está com o... Essa diplomacia
aí. Tem que tá bem alerta, acompanhando, vendo o que está acontecendo lá fora, para que
você saiba. Eu tenho certeza que está sendo feito. Aqui agente não vê porque cada um tá na
sua, né.”
EGR: [Mudando um pouquinho do foco. Indo para as relações interpessoais e as relações
entre os círculos. O senhor havia me falado que na época era mais duro e hoje é mais flexível.
E essa dureza, o senhor falou que havia alguma 'sugação'. Que tipo de sugação era essa? As
pessoas que eram sugadas achavam normal? Eram sugadas por quem? Pelos oficiais? Pelos
sargentos? Pelos soldados antigos?]
AJM: “Ali, quando agente incorporava, até o próprio soldado antigo castigava um pouquinho
agente né. Mas eu olhando à luz do que era feito na época, em termos de sugado, mas era
sugado se o cara errava, entendeu? Era uma sugação que agente falava assim, mas branda.
Não comprometia. E quando o cara era mais cobrado, era mais sugado com o erro dele ali,
entendeu? Então. Não existia assim muito. Cada um sabia se ele errasse seria castigado
entendeu. Então, essa sugação era mais para chamar a atenção nesse sentido. Pra você manter
a disciplina.”
EGR: [Era sugação física? Exercício físico?]
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AJM: “Às vezes era um castigo físico! Mas não que a pessoa não conseguisse fazer. 'Paga 10
flexões!' Pô! O soldado pagar 10 flexões é mole, mole! É ou não é!? 'Paga 5 cangurus, 10
cangurus!' Mas quando pegava o soldado que já estava um pouquinho cansado ele não
deixava o cara, como diz o outro, à exaustão. Então, era muito cobrado. Eu mesmo inclusive,
no curso, paguei muito. Nós pagamos muito! Mas isso aí chamava a atenção de nós. Eu tava
olhando agora em termos de nossa família. Você vê. A minha mãe foi muito rigorosa com nós,
entendeu. O meu pai era tranquilo. O meu pai que praticamente me levou ali, olha. Se ela
falasse: 'não vai!', não vai! Se você fosse apanhava! É ou não é!? Não poderia ir! Ela não
ficava prometendo: 'Ah, meu filho! Se você fizer isso eu vou te bater!' Ela não prometia não!
Ela falava assim: 'Não é pra fazer!' Se fizesse, apanhava! Não tô, assim, no Exército, ninguém
apanhava não! Mas, eu creio que era, um pouco cobrado, mas dentro do limite que poderia
fazer! Aí é claro, que no decorrer do tempo, muitas pessoas, às vezes, exageravam o que
faziam. Mas quando existia a pressão existia mais coesão dentro do pelotão. O pelotão fazia
com mais afinidade, fazia com mais coragem, com mais...desenvolvia mais. Você pode ver.
Quando existe uma pressão, mas não que seja, assim, uma pressão pra denegrir a imagem da
pessoa, mas uma pressão para que tal coisa aconteça, pra fazer, pra estimular, uma pressão pra
estimular. É como se fosse uma exortação, pra estimular o cara a fazer. É como se fosse um
ensinamento. É diferente! É diferente uma sugação pra você fazer só pra sacanear; e você
fazer uma sugação pra estimular, é ou não é. Muitas vezes você fazia uma sugação pra
estimular. Muitas vezes você era pressionado, você... pra estimular você fazer. Senão cê fica
na corda, é ou não é. Então você leva uma chacoalhada... Você vê muitos pais de família, às
vezes achava que era rigoroso! Não! Ele estimulava o filho pra... né! Então eu vejo, na nossa
família nós fomos muito muito pressionados. Mas graças a Deus, nenhum ficou preguiçoso,
cada um... não teve muito estudo. Mas também não teve preguiça pra trabalhar! Todo mundo
trabalhou! Tem uma união muito grande. Às vezes até meu irmão fala: 'Adeir, eu sou meio
bobo assim de tanto apanhar!' É. Porque nós apanhava mesmo entendeu! [risos] Aí eu falei:
'João, isso aí foi a maior riqueza nossa! Nós apanhamos, mas não tem um maconheiro dentro
da nossa família. Não tem um preguiçoso. Não tem um ladrão. Não tem nada. Às vezes, se
nós fosse criado com muita... poderia fazer tudo, um criava. né. Poderia ter saído do caminho.
E nós não saímos graças a Deus! E nós somos assim e agradeçamos nossos pais pelas coisas
que fizemos na época e deixamos de fazer. E naquela época existia, porque praticamente eu
tava na minha fase dos 18 anos. Eu dei uma continuidade do que eu tava em casa, é ou não é.
É claro, eu com 18 anos eu não apanhava. Eu fui pressionado pela minha mãe até os 12, 13,
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mais ou menos. Lá pelos 12 anos, 13. falava: 'Aldeir, não é pra jogar bola com o pessoal de lá
não. Aí com o pessoal de lá eu não ia. Às vezes dava uma escapadinha, ia pra lá. Voltava, ah!
Podia saber que apanhava! Então, nós agradecemos ela por isso aí. A pressão, ela nos
estimulou a nós ter essa visão, entendeu! Então, eu não tinha preguiça. Então, eu quando
incorporei mesmo, você tá vendo aqui minha estatura física, eu era um pouquinho mais forte,
mas tinha muito cara grandão que não tinha... porque agente vindo da roça agente é rústico, é
ou não é. Agente carregava uma mochilinha dessas, era fichinha. Então, quantas vezes nas
marchas de 16 quilômetros o pessoal que não tinha muito preparo... quantas vezes agente não
passava o dia inteiro no algodão, passando veneno pra lá e pra cá! Então, você tinha uma
estrutura assim, rústica! E isso me facilitou no início pra mim. A minha parte rústica na parte
que tinha que ser rústico né. Então o cara mandava eu pagar 10 flexão era moleza pra mim.
Essas coisas eu nem reclamava! Porque se fosse reclamar pro tenente, pagava de novo! Então
eu nem reclamava, eu tava tranquilo nessa parte aí, nessas fases aí, entendeu! Aí tinham
muitos que sofriam porque, às vezes, o cara não tava preparado. Essa parte aí pra mim, não
teve nada. Na ESA mesmo, na IBC ali, 7 noites sem dormir! Meu Deus do céu! Quando
chegou na 5ª noite eu tava zonzo! Sem dormir, naquela IBC lá. 7 noites! Chegamos no
quartel, ficamos até meio bobo, entendeu. Acho que demorou uma semana pra você voltar ao
normal. Então, até ali... A partir dali já veio diminuindo. Então... mas eu creio que tudo teve a
sua finalidade. Mostrava que existia finalidade fazer aquilo ali. Que era para o bem dele
mesmo. E às vezes, muitas vezes você chama a atenção do teu filho, você dá uma
castigadinha nele, você sabe que é para o bem dele! É ou não é? Então, eu creio que não
houve... Existia algum exagero, como sempre! Houve! Você na parte da Polícia, muitas vezes.
O cara usa da sua autoridade pra... né... Existia uma vez ou outra, mas era reunido, era
chamada a atenção. Eu participei muitas vezes ali, com sargento, via. O comandante chamava,
e falava: 'Oh! Não quero que você faça isso! Isso aí tá muito forte!' Então, era tudo
controlado. Eu creio que...eu não vi, assim... Eu acho... houve exagero? Houve! Por alguma
parte. Mas você não consegue atingir 100%, é u não é? Mesmo com a liberdade de poder dar
aquela sugadinha. Mas eu não... Eu da minha parte não posso ser isento de sugar porque eu
era daqueles que sugava fazendo junto [risos]. Às vezes estava dando educação física, aí o
pessoal... eu sabendo que só tinha que fazer no início do ano com o recruta 2.400, é ou não é?
Porque não podia passar, porque o recruta não aguentava mesmo! 'Não sargento! Vamos fazer
mais! Vamos fazer mais umas duas voltas no batalhão! Os cara queriam fazer, né! E eu corria
na frente, eu corria bem! Aí eu corria na frente com eles! Corria puxando, mantendo a
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passada, né. Aí tinha aquele cara empolgado que era corredorzinho também, bom, e que
queria passar na minha frente! Aí eu na 2ª volta, já fechado os 2.400. aí eles queriam passar na
minha frente! Aí eu parei e tudo, mandei respirar, aquilo que agente faz, né. 'Não sargento!
Vamos fazer mais duas voltas!' Não, tudo bem então! Vamos fazer duas voltas, mas vamos
fazer uma flexãozinha primeiro aqui! Tá bom! Quando nós terminarmos a flexão, nós vamos
fazer mais duas voltas! Tá! Tranquilo? Atenção, então vamos lá! Um, dois! Abaixava pra
flexão né. Abaixava pra flexão e ia: abaixo, acima! Um! Abaixo, acima! Dois! Abaixo, acima!
Três! Conclusão: eu fazia 120 flexão [risos]. Quando eu cheguei nos 30 já foi caindo [risos].
Quando eu cheguei nos 35 já tinha pouco que levantava! Quando eu cheguei nos 40 já não
levantava mais ninguém, entendeu? [risos] Aí eu cheguei nos 40 ali... então minha sugação
era assim. Eles pediam pra... Aí eu falei assim: ' vocês quer dar mais duas voltas? Então
vamos fazer flexão primeiro. Aí eu levantei, eu fui até 60, sozinho. Aí eu digo: abaixo, acima!
Não ia mais. O cara tentava subir. Não ia mais. Abaixo, acima! Quanto eu cheguei nos 50
mais ou menos, aí eu vi que ninguém levantava, aí eu falava: 'Ó! Cês tão me sugando hein! Eu
tô fazendo sozinho!' [risos] Aí eu levantava: 'Quem quer dar mais 2 voltas?' [risos] Ninguém
queria dar mais 2 voltas! [risos] Então eu levava assim, eles gostavam. Às vezes era uma
coisa que ficava, é ou não é. Você fazia uma sugação assim. No sentido que eu tava dando
uma instrução que eu sabia que não podia passar de 2.400. Nós tava com o plano semanal de
instrução, lá, o QTS, de instrução semanal. E tava lá que naquele dia eu tava responsável, que
eu tinha... era 2.400 só. Aí eu falei: 'não sou bobo! Vou dar mais que 2.400, cai um soldado
desse aí!' Agente sabe! Eu já era antigão! Já era segundão antigão já! Aí eles... eu falava:
'alguém quer dar mais uma volta?' Ó sargento! Agora não dá não! [risos] 'Atenção! Fora de
forma marche! Sentido, vão tomar banho! [risos] É ou não é? Então... Mas existia sugação.
Alguns exageravam. Não tinham a mesma consciência que agente tinha, né! Mas eu creio que
foi tudo no... até hoje em dia acontece uma ou outra. Mesmo sabendo que não pode! Você vê
que volta e meia dá uns probleminhas! Mas eu creio que tá dentro do conforme, aí. Eu creio
que os pais não precisam ter medo que o filho vai sofrer lá. Que tem muita gente boa! Nós
formamos a União Cristã, em 2000, com o Coronel Paulo Roberto, da minha reli...da minha
Igreja. Então, ali nós palestramos bastante! Falamos muito com o pessoal! Eu não sei se tá
dando continuidade lá ainda. Então, às vezes eu fui chamado na Companhia pra dar uma
palestra na Companhia. Às vezes um comandante me chamou: 'Adeir, eu quero que você dê
uma palestra...(ele era da CCAP) eu quero que você dê uma palestra pra minha companhia!
Essas palestras que cê tá dando aí. Esse trabalho que cê faz aí!' Aí ele falou: 'Vou trazer todo
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mundo!' Ele trouxe até os cachorro! Inclusive ele era do canil e ele trouxe o cachorro dele
[risos]. Por isso que eu tô brincando aqui, que ele trouxe até os cachorros! Porque ele era
chefe do canil. Aí trouxe todo mundo! Os médicos, que ele era da CCAp, né. Tá os médicos,
tá os tenentes, ali, tudo ali. E eu sem nada ali. Só fui com os [incompreensível] falar com eles
ali. Aí eu falei com eles ali, uns 30 minuto mais ou menos ali. Dando assim, uma orientação,
praticamente, uma orientação, né. Da vida, tudo. Nós sabemos que nós somos parceiros, tal!
Então, eu fui só na minha experiência, ali com eles ali. Aí eu achava engraçado que o médico
ficava olhando pra mim assim. O médico tinha muito mais conhecimento do que eu, assim,
das coisa né! Mas eu falando relacionado em termos da vida da gente em si. A vida pessoal.
Entrei mais na vida pessoal, né. Então eu dei uma lição de vida pessoal, de vida familiar.
Falei: 'Ó! Eu creio que vai ter pessoa aqui que vai ter a sua família. Às vezes você tem
deixado a sua mãe aborrecida. Que ali tava cheio de soldado também, pessoa novinha ali.' Aí
eu falei: 'eu vou fazer uma pergunta aqui: eu sei que tem, muitos de vocês aí, principalmente
soldado, faz quanto tempo... vocês muitas vezes, cês tem aborrecido a tua mãe. Às vezes
vocês saem de casa, não tem nem comunicado a mãe. A mãe que te criou ali, deu aquele leite
materno pra você. E hoje em dia você não dá uma mínima pra mãe. Eu quero fazer uma
pergunta pra você, mas não precisa responder não. Vou só fazer a pergunta! Faz quanto tempo
que você não dá um abraço na tua mãe? Entendeu? Essa era a pergunta: faz quanto tempo que
você não dá um abraço na tua mãe. Você vê teu pai ali às vezes, sem condições. E você às
vezes tem condições de ajudar ele. Eu fui pobre, fui criado no mato ali, entendeu. Mas eu
tenho o maior prazer... O meu pai sempre ali, apoiou ali, nós junto ali. Nós tinha o desejo de
fazer o trabalho ali, porque sabia que o nosso trabalho ajudava o nosso pai. Não tinha
condições de criar 6 filho na roça, sem roça, sem nada. Eu trazia a minha experiência pra eles
ali, né. E vocês tem tudo aqui, assim, assim, assim. E vocês não dá valor, entendeu!? Aí cai na
prostituição, cai não sei no que! E tal, e tal, dando uma lição de moral, entendeu, ali, pra eles
ali. Aí, quando terminava, assim, olhava assim, ó, a lágrima descia ali, a lágrima descia lá, a
lágrima descia do sargento ali, o sargento ali se comovia, entendeu! Então, o comandante
gostava. Você pode ver que quando você mexe na família, quando você mexe na intimidade
da pessoa, por mais malvado que ele seja, o cara tem coração, cara! O coração dele ali, de
pedra, com a palavra bem colocada, ele transforma aquele coração de pedra. Ele volta a ter
um coração de carne. Aí, ele vai se sensibilizar, entendeu! Então ele gostava que eu
palestrasse, que eu fazia isso ai, entendeu! Às vezes ele levava até um tenente lá comigo
[incompreensível] mas ele gostava que eu fazia essa parte, entendeu! Já tava acostumado já!
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Não precisava de papiro nenhum [risos]. Só na experiência, entendeu! Ali você se comovia!
Eu fiz uma vez isso aí. Me chamou a atenção. Faltava... não sei se eu vou poder falar isso aí...
às vezes até sai fora do que você quer.”
EGR: [Pode, por favor!]
AJM: “Mas só pra você saber. Então quando eu comecei a palestrar ali. Sabe como que eu
comecei!? Eu senti no meu coração de passar pro recruta, pra passar pra ele ali, pra enfrentar
o primeiro campo ali, que é Boina, né. Eu tava de Brigada. Ali o coronel não era assim
muito... Aí eu fiquei pensando, rapaz! Falei meu Deus! O recruta vai sexta-feira pra boina,
quinta-feira. Quando chegou na quarta-feira eu fiquei pensando de ir lá falar com o coronel.
Aí veio na minha mente. Eu vou lá falar com o coronel!”
EGR: [O recruta ia sair na sexta-feira pra ir pro campo?]
AJM: “Ia na sexta-feira pra ir pra Boina. Aí eu falei: 'Zé! Zé era o motorista do coronel. Zé, vê
se o coronel tá no PC dele? 'Ó, sargento! Ele não tá no PC não. Mas assim que ele chegar eu
comunico o senhor! Aí quando ele chegou, ele falou, ó... Um pouquinho que o coronel já tava.
Aí ele falou: pode ir lá falar com ele. Cheguei lá e falei: 'Coronel! Eu senti, no meu coração,
de dar uma palestra pra esses recruta hoje à tarde. No último tempo do expediente, eu queria
conversar com os recrutas, que amanhã eles vão pra boina. Eu queria passar umas
experiências pra eles. 'Não Adeir! Pode!' Eu era o Brigada, né. Trabalhava de Brigada. Ele me
deu o maior apoio. 'Só que cê fala pro S/1 pra ligar pros comandantes de companhia pra trazer
os soldados aqui 4 horas. Das 4 até 4:45, que é pra descer pras companhias e 15 pras 5 fazer a
leitura na Companhia.' Falei: '-Não. 30 minuto, Coronel! 30 minuto eu mato essa palestra.
Todos os comandantes de companhia mandou todos os recrutas ali. Não coube na sala do S3.
Não sei se você já foi na sala do S/3 lá no 20 BIB, a sala de instrução. Então, tinha cara que
ficou encostado na parede assim, e lá lotado, lá. Encheu aquela sala de instrução. Do Batalhão
tinha mais ou menos uns 300 recrutas. Passando de 300. tava todos os recrutas do Batalhão.
Aí eu comecei a falar. 'É o seguinte: eu trouxe vocês aqui, eu não quero tomar teu tempo,
entendeu. O motivo é esse. Aí eu expliquei: 'vocês tão chegando aqui... aí eu expliquei pra
eles. Muitas pessoas vêm aqui achando... difícil, tal. Com medo. Aí eu falei pra eles
praticamente tudo o que eles iam passar no campo. Você vai pensar que o cara tá te
sacaneando! Não ta não. Tudo que você vai fazer, vai ter finalidade. Então, você pode
perceber. Você vai preparando o espírito deles sabendo que você vai pra lá e os cara iam
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apertar ele lá, na Operação Boina. Aí, também, dentre dessa eu comecei a mexer na
intimidade deles, ali. Eu sabia que existia até maconheiro ali. Falei: 'Aqui tem ladrão! Falei
pra eles. Aqui no meio de vocês tem ladrão, aqui. Infiltrado aqui. Aqui no meio de vocês, tem
cara que fuma maconha! Tem cara que usa cocaína aqui dentro. No meio de 300 de vocês.
Fiquei só observando. Aí falei ali, dei umas prensada! Umas indireta ali, sabendo que tinha
mesmo, é ou não é. Difícil uma incorporação que não tem. Então não é mérito nenhum meu,
que agente sabe que tem. Mas eu fui verdadeiro com eles ali. Eu falei: Tem cara assim, assim,
assim, e vai ficar na surdina. Mas se for pego. Você pode ficar tranquilo que você vai embora!
Se você mexer no armário do outro...! Aí eu fui na área da disciplina. Isso aí foi bom pra
disciplina do Batalhão! Se você mexer no armário, você vai embora, entendeu!? E lá no
campo você vai sentir isso ai. Você vai sentir que você precisa um do outro. Você vai sentir
dificuldade pra passar na pista de corda. Aí eu falei um relato do sofrimento deles lá. Aí, eu
entrei na parte familiar. Eu falei: 'Ó! Aqui tem... você veio da sua casa. E deixou a tua família!
Com toda a confiança de estar aqui. A tua família tá lá, tá confiante que nós estamos
realmente fazendo um trabalho bom pra você! O trabalho vai ser melhor! Mas vai depender de
você! Precisamos depender de cada um de vocês! Cada um tem que ter os seus méritos! Faça
o seu trabalho corretamente, então, lá ninguém vai sacanear. Se o cara forçar um pouquinho
pra fazer uma coisa ou outra, sugar um pouquinho, mas tem finalidade. Você às vezes vai
errar, ele vai te chamar a atenção, e vai mandar você pagar uns canguru! Aí já fica preparado.
Aí, tal, tal, tal.' Nessa palestra também, que foi a inicial minha, foi aonde eu falei: 'Olha! Uma
coisa que eu quero falar pra você! Olha, não sei se todos vocês têm seu pai, têm sua
mãe...Mas você sabe que o pai e a mãe são pessoas que... primeiro nós temos que ter o nosso
Deus! Mas o pai e a mãe, é alvo importantíssimo na nossa vida. Mas hoje em dia, muitos não
dão valor o pai e a mãe. Quantas vezes a mãe tá ali chorando ou fazendo a oração pro teu filho
ali, entendeu, intercedendo por ele e ele não tá nem aí. Ele não fala a hora que ele vai sair.
Não fala a hora que chega. E quando chega quer ter a comidinha pronta ali, entendeu. Não
trata bem a mãe. E ela que te trouxe ali no berço, te acolheu durante o tempo que você iniciou.
Te amamentou. Agora que você tá crescido, acha que você é dono do seu próprio nariz. Você
pode fazer o que você... você pode falar o que você pode falar! Você não pode falar o que
você pensa não! Você tem que ter doutrina! Aqui você vai sentir isso aí. Por isso que muitas
vezes alguns vão sofrer porque acha que você pode fazer! Aqui você não tá lá em casa não!
Que você sai, abandona! Não tá não! Aqui você vai ser tratado conforme a maneira que você
vai portar-se aqui. Aí, eu falando da mãe eu falei o seguinte: eu sei que muitos dão trabalho
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pra sua mãe. Mas eu também sei que muitos amam a sua mãe. Muitos que... eu olho aqui pra
vocês aqui, ó. Eu percebo que muitos de vocês têm uma integridade muito grande com a
família. Pessoas que gostam do pai e da mãe. Pessoas que valorizam. Mas tem muitos aqui
que não valorizam a mãe. Entendeu! Aí eu fiz essa pergunta: 'Faz quanto... não me
responde...não me responde... Faz quanto tempo que você não dá um abraço na tua mãe? Você
vai sair de casa, você dá aquele abraço na tua mãe? Você chega e fala: Ó minha mãe, a
senhora tá viva! A senhora tá aqui. Quantas vez você fez isso aí? Você só tem dado trabalho
pra tua mãe. Você chega bêbado, você chega drogado na tua casa. Muitas vezes a tua mãe tá
ali, orando, esperando você com seu pratinho... dando aquilo que é importante pra você e você
não tem valorizado! Aí eu olhei, assim, Everton! A lágrima descendo ali. A lágrima descendo
aqui. A lágrima descendo lá. O pessoal deu um tempinho assim. Eu só observando eles. Tinha
cara que fazia só assim: [repete o som resfolegado de um choro escondido e abafado] [risos].
Aí surtiu o efeito. Aí foi aonde que eu comecei a dar essas palestras. Veio na minha mente
assim: 'meu Deus! Quanto tempo nós perdemos de falar com o recruta! Se o coronel tivesse
aqui, ele não é bobo! Ele sabe que isso que eu tô falando aqui é bom pra disciplina do
Batalhão! É ou não é! Vai ajudar muito o Batalhão! Na disciplina. Isso vai ajudar muito o
Batalhão! Aí, o S/3 assistiu um pouquinho lá atrás. Ele ficou lá um pouquinho. Uma pessoa
muito boa esse S/3! Aí eu terminei ali, 'peço desculpas pra vocês! Eu já passei do horário. Já é
quase 5 horas e vocês tinham que tá 15 pras 5. Vocês me desculpem. Aí eu encerrei a palestra.
Mas recebi uma salva de palmas daqueles 300 homens sentados ali. [repete o som das palmas]
Mas aquilo estrondou a sala do S/3 e eu fiquei, olha, eu fiquei assim, ó... [faz um largo sorriso
reconstituindo o momento]. Eu fiquei assim e eu agradeci a Deus! Falei: essas palmas não é
pra mim não! Essas palmas são pra Deus. Se Ele me orientou pra falar com o soldado. Mas
todo mundo me aplaudiu ali. Falei: meu Deus do céu! Que coisa boa! Eu falei: perdi muito
tempo ali já. Porque eu já era 1º ali já, né. Mas daí pra frente agente abriu a coisa ali, né. E
nós vamos ajudar um pouquinho esse pessoal. E eu tenho certeza. Aí eu levei pro Coronel, a
estrutura que nós temos. Com o subcomandante. Foi onde que lá fizemos a União Cristã e
começamos, muitas vezes, a palestrar quem quisesse chamar agente ia lá. Dar uma palestra,
dar uma orientação na área cristã pra todo mundo ali. Eu não ia entrar em religião. Era uma
orientação. Aí colocamos como orientação cristã, porque tinha coisa ali, independente de
vínculo de igreja. Então, foi uma coisa que eu acho que eu fiz de bem. A partir daí foi uns 10
anos, praticamente, ainda! Isso foi em noventa e oito, noventa e nove. E a partir daí, até o
final. Até no BAvEx eu reuni o soldado lá e dei uma palestra pra eles lá. Aí não parei mais.
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Todo ano eu dava uma palestra pra eles.”
EGR: [E o senhor sempre teve acesso ao comandante? O comandante permitia, autorizava?]
AJM: “Autorizava. Eu lembro que um comandante uma vez eu fui falar com ele, falar com
ele: Coronel, eu queria aí no período de Adestramento, a partir de agosto, que o senhor me
desse uma oportunidade. Porque na hora do almoço tá difícil, o soldado numa correria de
almoço. Você não consegue reunir eles cedo no nosso culto ali. Só tem ido o pessoal que tem
mais disponível, no nosso encontro ali. Mas eu queria fazer pelo menos uma vez por mês,
com o soldado. Mas eu queria fazer durante o expediente, porque não tem outro horário. Eu
fiz um planejamento aqui, eu tenho fulano de tal que vai trabalhar comigo, nós somos em 4 a
equipe. São pessoas idôneas que têm conhecimento! Assim, assim, expliquei pra ele. Um
projeto assim, sem papel, só na mente ali. Aí eu falei, eu queria... isso foi no mês de... mês de
abril. Aí eu falei pra ele que eu queria depois de agosto, que já é período de Adestramento,
que aí já é mais fácil, né, já tá mais tranquilo o Batalhão. Aí eu fazia isso aí até o final do ano.
Uma ou duas. Mas uma já tá bom. Se eu conseguir dar uma palestra na hora do expediente pra
todos eles. Se o antigo quiser participar também...pode participar. Mas pelo menos o recruta,
se eu pudesse dar essa palestra. Aí ele falou: agosto? Por que não começa agora já em maio?
Pode falar com o S/3, pode colocar no QTS, entendeu, o período pra você. O período vai tá no
QTS na sala do S/3, na sala de instrução.”
EGR: [Isso lá no BAvEx ou aqui?]
AJM: “Aqui no 20 BIB. Aí eu fiz, ó. Fiz a palestra em maio. Ainda no finalzinho eu fiz mais
uma, fiz em junho. Quando foi em julho, talvez você não lembra. Licenciamento de todos os
recrutas no dia 31 de julho.”
EGR: [2002, não foi isso?]
AJM: “Foi dois mil e...dois, dois mil e um, dois mil e dois. Nessa faixa aí. Foi todo o recruta
embora. Se eu fosse fazer só partir de agosto, o q é que ia acontecer? Você vê como é que
Deus é! É ou não é! Eu fiz pelo menos umas 3 boa pra eles ali. Aí eu... não ficou um. Naquele
ano não engajou um. Foi todo mundo, 100% embora. Eu acho que é isso aí, Everton. Se você
tiver alguma outra pergunta. Essa aqui não foi parte de pergunta. Eu acrescentei pra você
algumas coisas que me chamou a atenção. Eu acrescentei, eu achei que foi viável pra você
saber que agente não ficou só na instrução ali. Que agente na área social tentou buscar um
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pouquinho, ajudar um pouquinho a partir do momento que agente teve liberdade pra...quando
eu tava junto com o comando, começou a aparecer essas ideias comigo e eu aproveitei, daí.”
FIM DA ENTREVISTA
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APÊNDICE 4
OLIVEIRA, Adão Batista de. (Subtenente de Cavalaria, da Reserva Remunerada). Entrevista
concedida em sua residência, em Curitiba-PR, em 18 Fev 2011.
Duração da Entrevista: 01 h, 04 min, 41 seg.
Transcrição: 21 Páginas.
EGR: [Senhor Adão, o nome do senhor completo, a data de nascimento e onde o senhor nas-
ceu]
ABDO: “Adão Batista de Oliveira, nasci em 5 de setembro de 47, em Varginha, Minas Ge-
rais.”
EGR: [Minas Gerais?]
ABDO: “É. Terra do ET. [Risos].”
EGR: [E o senhor incorporou quando e onde senhor Adão?]
ABDO: “Eu incorporei em meia meia na ESA. Incorporei lá como soldado. Incorporei, fiquei
um tempo como recruta, depois fiquei muito tempo como soldado engajado. Fiz curso de ca-
bo. E depois, nessa época, tinha muito sargento sem CAS e a ESA fechou o CFS pra ficar
dando CAS pros sargentos. E eu fui fazer curso no Rio, depois, no 3º RCC, lá em Realengo.”
21
EGR: [O senhor fez curso de sargento no 3º RCC?]
ABDO: “No Rio de Janeiro.”
EGR: [Mas o senhor fez um concurso? Uma prova?]
ABDO: “Ah, fiz! Fiz uma prova normal da ESA, só que o curso não funcionava lá. Funciona-
va no 3º RCC, no Rio de Janeiro.”
EGR: [Tinham outros quartéis, que eram escolas, também, espalhados?]
ABDO: “Tinham. Tinham outros quartéis também. E de lá eu fiz o curso lá. Fui servir no 4º
Esquadrão em Juiz de Fora. Fiquei um tempo lá. Depois eu fui pra Amambai, no Mato Gros-
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so. E depois eu vim pra cá pra Curitiba. E fiquei aí, estou aí... Fui fazer o CAS em São Borja.
Voltei pra cá. Era do 5º Esquadrão aqui. Depois eu fui pro... antes de fazer o CAS eu fui à dis-
posição da 15ª CSM, lá no centro. E, tem até um conto engraçado aí (risos). Eu tinha um co-
mandante, e o cara era do E2 da época. E o pessoal morria de medo dele, sabe. E eu não tinha
medo... ora medo! E um dia eu dei uma bronca nele no meio de todo mundo, sabe. Ele fez uns
negócio lá na reunião, lá. Eu falei: ‘péra ai! O Exército que eu conheço trabalha com coisa
escrita! Abre uma sindicância, major, e pune o responsável!’ Porque ele ficou falando, ‘não,
não sei o que, alguém falou!’. Aí, então, ele ficou assim meio comigo, e depois mandou me
chamar lá no PC dele. Parece brincadeira, né! (risos) Aí ele mandou me chamar lá. Eu cheguei
lá e cresci, né. ‘Não mas o senhor tá dividindo os sargentos aí. Um não fala com outro, outro
não fala com outro. Tão tudo de mal. Então, não pode. Isso aí não, desculpa! – Não, mas cê é
muito novo cê não entende! – Falei, entendo! Sou novo mas não sou criança!’. Tá. E nisso aí
eu servi com um coronel lá em Juiz de Fora, e ele então foi pra Brasília. Eu trabalhava com
ele quando eu era Enfermeiro Veterinário, na ESA. Fiquei tempo lá.”
EGR: [Como soldado?]
ABDO: “Como soldado e cabo! Aí ele pegou e me ligou no Gabinete desse major aqui. E eu
estava lá, certo! Daí, o cara se identificou lá: ’coronel Pauluci, quero falar com o sargento
Oliveira. Aí, porra, o cara ficou branco! Esse major. O cara ficou branco! Aí eu atendi. E ele
falou: ‘Poxa, eu tô te esperando aqui pra ver...’ Aí eu falei: ‘Ô coronel, eu 3º sargento caindo
em Brasília, vou cair num RCC, RCG desse aí, depois eu não saio mais!’ Ele disse: ‘Pô, ocê
não confia?’ Agente é amigo, certo. Aí eu falei, ‘não, confio! Mas o meu filho quer ir pro Co-
légio Militar, é bom. E aqui eu tô muito bem aqui. Aqui tá muito bom! O Esquadrão é bom,
que não sei o que..’ Aí, terminou a conversa, despedimos. Quando terminou, ele falou: ‘Bom,
você é bem relacionado, né!’ Disse assim o major. Aí eu senti a fraqueza dele, né. Aí eu falei:
‘sou. Se o senhor tiver algum problema aqui que agente pode resolver, o senhor fala comigo
que eu falo com uns amigos meus lá em Brasília, e agente resolve isso aí.’ (risos) Partir da-
quele dia eu era tratado como rei. (risos) Até gasolina no posto eu pegava! (risos).”
EGR: [Virou peixe?!]
ABDO: “Mas nossa mãe! Aí, surgiu um problema lá na tesouraria, de pensionista da 15ª
CSM, né. E então ele foi me perguntar quem que agente deve mandar. Tinha um cabo à dispo-
21 Hoje o quartel localiza-se em Ponta Grossa-PR.
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sição lá. ‘Quem que agente deve mandar pra lá, Oliveira?’ Eu falei: ‘Eu’. Ele falou: ‘Então
vai!’ (risos) Eu deixei o que eu tava fazendo, bati meu ofício, ele assinou e eu fui embora.”
EGR: [Isso era onde?]
ABDO: “Na CSM”
EGR: [Mas o senhor servia onde?]
ABDO: “Servia aqui no 5º Esquadrão. Aqui no GACap tinha um outro quartel dentro!”
EGR: [Tinha um quartel de Cavalaria aqui dentro do GACAp?]
ABDO: “Tinha, dentro do GACap.”
EGR: [Mas ele foi para onde depois?]
ABDO: “Ele foi pra Castro. Isso foi em 80. Para ser franco, foi em março de 80. É que eu
cheguei aqui em fevereiro. Um mês depois, tivemos esse atrito aí. Aí março de 80 eu fui pra...
Aí eu fiquei CSM, fiquei lá até 83. Depois que eu fui fazer o CAS, aí eu voltei pro Esqua-
drão.”
EGR: [O CAS da Cavalaria era em São Borja?]
ABDO: “Em São Borja. Voltei pro Esquadrão, e aí depois eu fui pro Colégio Militar. Fui ser
monitor lá.”
EGR: [Antes de ele ser extinto, né!?]
ABDO: “Antes de ele sair daqui. Ainda demorou, ele foi pra Castro acho que em 86, 88 por
aí. Não recordo a data correta. Aí depois eu voltei pra CSM e fiquei [incompreensível] a
CSM, depois... Aí eu fui pra reserva, voltei a vampirar na CSM mesmo. Aí depois, eles corta-
ram a vaga lá. E aí eu fui lá pra SIP. Eu fiquei lá 3 anos. Aí cortaram também as vagas, dimi-
nuíram né. Eu acho que nem tá nomeando mais. É, os vampiros não... Então, essa foi a...”
EGR: [O senhor serviu em 66, e o senhor foi soldado até quando?]
ABDO: “Eu fui soldado até 71. 71 que eu fui promovido a cabo.”
EGR: [E aí ficou como cabo até quando?]
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ABDO: “Até 74.”
EGR: [Aí o senhor passou na ESA?]
ABDO: “Aí eu passei na ESA, vamos dizer assim, e fui fazer o curso de sargentos.”
EGR: [O senhor tinha quantos anos quando o senhor foi pra ESA?]
ABDO: “Eu sou de 47. Fui pra lá em 74. 23 anos.”
EGR: [Como era o tratamento entre os oficiais e os sargentos, entre os sargentos e os solda-
dos?]
ABDO: “É. Era ríspido, sabe. Tinha esse problema pós-revolução, não é. Então era um des-
confiando do outro. Mas no fundo não tinha nada! É que inventavam umas coisas lá, mas não
tinha nada.”
EGR: [Mas inventavam o que?]
ABDO: “Ficavam lá, ‘ô, fulano tá assim, fulano tá assado, tá de rolo aí, não sei mais o que é
que tem’. Mas não tinha nada, não tinha nada! Nêgo criava, para criar aquele clima, suspen-
se.”
EGR: [Rolo, o senhor fala assim, como? Com política, com comunistas?]
ABDO: “Exatamente! Mas ninguém sabia! Brasileiro não sabia o que é que era comunista,
rapaz, sinceramente (risos). Ele não sabia! Aonde fizeram besteira! Não sabia o que que era
comunismo! A verdade é essa. Então, ficou isso aí, esse rolo. Ah, me disse... o fulano falou!
Aquilo era uma.... Eu tirava de letra porque vinham em cima de mim e não armava. Que eu
sabia, não tocava a boca e não pedia silêncio não. Eu tocava a boca, tá. Até tem um fato, agen-
te comentava. Eu e o Aranda. O Aranda era um amigo meu, está na reserva já. E agente tam-
bém... ele bocudo igual eu, né. Agente comentava as coisas. Saía na Veja. Aí, já o outro chefe
– esse aí já era na segunda etapa – mandou chamar agente lá: ‘Ó! Ocês não pode tá falando
isso aí, dentro do quartel!’ Falei: ‘Péra aí, major! Então não tá escrito na Veja! Qualquer vaga-
bundo olha aquilo lá na banquinha! Compra a Veja, fica sabendo! E nós aqui não podemos
saber!?’ Conclusão: Aí ele mandou assinar a Veja pra nós! (risos) Pro cassino dos sargentos!
(risos) Tá na Veja, rapaz! Então veja as coisas! Os cara leigo, né. Não sabia das coisa. ‘Não
pode tá falando essas coisas não! – Ora não pode! Tá na Veja!”
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EGR: [Tinha diferença entre oficiais, sargentos?]
ABDO: “Tinha, tinha. Grande! Enorme!”
EGR: [E o clima no quartel?]
ABDO: “Era horrível! A verdade é essa! O clima horrível.”
EGR: [O pessoal comentava o porquê disso?]
ABDO: “Esse que era o problema. Não comentava o porquê. E mantinha o pessoal, vamos
dizer assim, alheio à situação geral. Escondiam as coisas da gente lá dentro. Então, agente fi-
cava sabendo por rádio, ouvia muito rádio. Lia revistas jornal, né. Aí cê ficava por dentro da-
quilo ali.”
EGR: [Pelo que o senhor está falando, o pessoal tentava esconder...]
ABDO: “Tentava! Coisa, coisa besta!”
EGR: [Mas no jornal, no rádio se ouvia!?]
ABDO: “Ouvia! Eu chegava lá no outro dia lá eu comentava lá. ‘Ó, isso e isso aquilo. Então,
aí que um dia... O Aranda também comentava. E o Aranda também é igual eu, não sabe falar
baixo né. E aí foi parar no ouvido do major, ele chamou agente lá, os dois juntos. Ele disso:
‘olha, ocês, eu tô sabendo aí que ocês tão comentando as coisas aí.’ Eu disse, ‘uai, major! Tá
na Veja! Ora, uai. Só ir na banquinha e comprar! Mas no fundo no fundo não tinha nada de...
do que falavam. Comunista, comunista. Os cara nem sabia o que é que era. Não teve ninguém.
Os caras trabalhavam o dia inteiro. Ninguém se envolvia com política, tá. E os elementos lá
achavam que tinha nego envolvido com política, e não sei o que. Mas não tinha nada a ver.”
EGR: [Voltando um pouquinho lá para trás. O senhor serviu na ESA, em 66, né? Como era o
tratamento dos oficiais e sargentos com os soldados?]
ABDO: “Olha! O tratamento lá na ESA era bem dividido. Os oficiais, inclusive, lá. Os sargen-
tos. Os cabos e soldados não tinham acesso nem à vida dos sargentos. Não tinha. Não tinha a
liberdade que hoje tem, né. Os soldados brincam, conversa. Até a formação dos soldados era
diferente. Ele já vinha com uma formação diferente de casa. Já vinha diferente.”
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EGR: [Diferente como?]
ABDO: “Bom, hoje, os soldados já têm um certo nível. Já pode conversar com ele, trocar
ideia. E naquela época não. Já não incorporava os cara com 2º Grau. Não tinha, né. Incorpo-
rava o cara de 1º Grau e olhe lá.”
EGR: [O senhor serviu com alguém que fosse analfabeto mesmo? Que não soubesse ler, es-
crever?]
ABDO: “Servi, servi.”
EGR: [Mas era maioria ou minoria?]
ABDO: “Não, não! Uma minoria! Eu mesmo eu fui fazer o 1º Grau, eu fiz no antigo, na época
tinha, ‘Uma Dureza’ (risos). O nome do supletivo. Tem uma apostila, estudei sozinho. Eu pe-
dia ajuda dos alunos. Na época tinha o curso, o CFS, né. Eu tinha muito acesso com os alunos.
Então às vezes quando eu deparava com um problema, lá, então eu pedia. Eu pensava, os ca-
ras são bons. Eu pedia: me ensina isso aqui, que eu não sei! E eles falavam, não, é assim, as-
sim. Eu peguei Matemática com facilidade. Tenho facilidade com Matemática até hoje. E as-
sim foi. Muita gente... tinha a escolinha Regimental.”
EGR: [Na ESA tinha a escolinha também?]
ABDO: “Tinha a escolinha Regimental.”
EGR: [O senhor não chegou a fazer...?]
ABDO: “Não. Eu já era alfabetizado, né. Quando eu incorporei, eu tinha o 3º Ano Primário.
Então eu já era ‘informatizado’... escolarizado.”
EGR: [O senhor morava na zona rural ou na zona urbana?]
ABDO: “Eu morava na zona rural antes de ir pro quartel.”
EGR: [O pai e a mãe do senhor eram trabalhadores rurais?]
ABDO: “Eram trabalhadores rurais, toda a família.”
EGR: [Eles ficaram lá durante toda a vida deles, ou saíram depois?]
ABDO: “Não. Antes desse período, minha mãe faleceu. Depois o meu pai foi pra cidade.
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Montou um boteco lá numa vila. Meu pai era de uma cabeça muito boa. O cara vivo, que não
tinha tamanho, sabe. Ele sentiu que...tá até hoje a firma lá que.... Ele montou uma firma, uma
indústria num bairro lá e falou: ‘aqui ainda vai crescer! E vai dar dinheiro!’ E não deu outra.
Foi lá, fez uma casa, construiu um bar e não deu outra. Ganhou dinheiro! Até hoje agente
olha. O velhinho tinha uma noção das coisas, sensacional!”
EGR: [Aí o senhor foi pra ESA... Como é que o senhor visualizou que a carreira militar seria
boa pro senhor?]
ABDO: “Olha! Pô! Eu trabalhava na roça! Aí eu vou lá pro quartel. É até... Tudo por acaso.
Eu briguei com o coman... com o ... Quando nós estava esperando o pessoal da ESA, que foi
em Varginha pra fazer exame na gente, aquela comissão, agente formou um racha na rua. Fe-
chamos o trânsito (risos). Eu era o líder! Aí chegou lá o Capitão Façanha. Não esqueço o no-
me dele. Inclusive ele era daqui de Curitiba. Aí ele chegou assim: ‘Ô, Zé! Vamos parar com
essa bola aí!!’ Aí eu falei: ‘Eu não chamo Zé não!!’ (risos) Porra! Aí ele falou pro médico (ri-
sos): ‘Eu quero esse piá de merda lá!’ Nem me fizeram exame! (risos) Nem me fizeram exa-
me! (risos) Aí eu cheguei lá, incorporei. Instrução normal, normal, normal. Aí, aconteceu o
fato do... da época de fazer a seleção pro curso de cabo. Um amigo meu deu meu número. Aí
no dia que chegou, me chamaram pra fazer. Eu, ‘Oh!, não dei meu número!, eu falei. Não, não
dei o meu número ai. O sargento Molina, o sargenteante, já me deu uma bronca: ‘Cê tá pen-
sando o que? O seu número não tá aqui? Você vai fazer a prova sim!’”
EGR: [Mas o senhor não queria?]
ABDO: “Não queria! Pô, olha, com 3º Ano! Mas olha só, quando tem que acontecer! Fui fa-
zer a prova. E tinha um soldado lá, que era o carpinteiro, era o dodói do comandante da ESA!
Ele também fez a prova. Só que ele tirou 18 pontos na prova e eu tirei 23. Então pra por ele,
me matricularam também. E outra leva de analfabeto, a verdade foi essa! É, e outra leva! Por
causa do peixinho do comandante, que fazia os... armarinhos, as coisas na casa do comandan-
te. Incorporou ele que tirou...18 ou 16. Eu tirei 23, então me puseram no Curso de Cabo. Eu
falei, pô. Então já que tá nisso aí... Aí veio a época de fazer o engajamento. Eu tinha até em-
prego numa loja. Mas pô, eu como soldado antigo eu ia ganhar muito mais do que empregado
da loja. Ainda tinha alimentação, moradia. Falei, pô, vou ficar por aqui! E aí fui ficando. Aí
que eu comecei a estudar pra mim passar na prova do CFS, né.”
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EGR: [Aí o senhor fez a prova...?]
ABDO: “Aí eu fiz a prova. Deu até brincadeira também (risos). Viemos fazer a prova em Pou-
so Alegre. Todo mundo. Eu nem trouxe livro! Falei, bom, já estudei demais. Tinha um ele-
mento da banda, um cabo. Aí quando agente saía da prova ele falou: ‘Oliveira, você passou
nisso aí, hein!’ Eu falei, Ramon. E pior que eu tô acertando tudo, cara! É, você sabe. Saí da
prova, acertei isso aqui, isso aqui, tá... Aí vai. Aí quando chegou o Rádio né, dizendo que eu
tinha passado, teve elemento lá, cabo já estabilizado, chegou até a vender a casa pra ir embo-
ra, porque... Chegou! Teve elemento lá, o Severino, vendeu a casa. ‘Pô, se o Oliveira analfa-
beto, se passou então todos nós passamos. Só passou eu e mais um soldado, naquele ano. (ri-
sos) Saíram QE depois (risos). Só passamos nós dois. Eu e um soldado.”
EGR: [Na época, o cabo estabilizado ainda podia fazer a ESA...?]
ABDO: “Naquele ano podia fazer.”
EGR: [Não tinha limite de idade não?]
ABDO: “Naquele ano podia fazer. Quer dizer, eu era já inclusive casado também.”
EGR: [Ah o senhor era casado?]
ABDO: “Casado!”
EGR: [E era dividido? Metade das vagas para militar, e metade das vagas para civil? Como é
que era?]
ABDO: “Olha, tinha um percentual, agora eu não recordo. Tinha um percentualzinho sim,
coisa pequena. Igual (pausa). Na Cavalaria não teve.”
EGR: [Não teve?]
ABDO: “Não! Só... (interrupção por uma forte tosse) militar.”
EGR: [Ah, foi só militar?]
ABDO: “Foi. Não teve civil não.”
EGR: [O senhor foi fazer o curso já em setenta e...]
ABDO: “E quatro.”
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EGR: [E como é que foi o curso?]
ABDO: “Foi tranquilo. Foi tranquilo.”
EGR: [Muita ralação não?]
ABDO: “Não, não, não! Não tinha muita ralação não. Pelo contrário. O 3º RCC é um Regi-
mento de Carros de Combate, né. Então, tinha dia que não tinha instrução, porque, se tinha
instrutor, não tinha local pra dar instrução. Outro dia não tinha local pra dar instrução e não
tinha instrutor. Mas sempre eles davam matéria pra gente, né. Pra gente estudar. E ia levan-
do.”
EGR: [Isso foi um ano de curso, né?]
ABDO: “Seis meses! Seis meses! Eu ainda falava que era o curso supletivo! Os cara não gos-
tava não! (risos).”
EGR: [Mas o curso normal na ESA era 6 meses também?]
ABDO: “10 meses! 10 meses!”
EGR: [Mas até aquele ano tinha curso na ESA?]
ABDO: “Tinha. Até 72 o curso era na ESA. Só que aí, depois, que foi feito, dividido. Na épo-
ca teve curso até aqui. Não recordo qual unidade aqui, teve curso.
EGR: [Aí na ESA passou a ter só o CAS?]
ABDO: “Só o CAS!”
EGR: [Isso ficou até quando, o senhor sabe?]
ABDO: “Ficou uns 4 anos. Tinha muito sargento sem o CAS!
EGR: [Mas não era obrigatório também não, era? Pra seguir a carreira?]
ABDO: “Não, não era obrigatório, mas o pessoal queria fazer né. Já tá ali dentro mesmo. Por
que não fazer? E tinha muita gente que não quis fazer. Outros que não passavam! Iam fazer o
CAS e não passavam. Tinha um grande numero de reprovados! Tinha Topografia lá, que nego
queria ver o diabo. E é a coisa mais fácil. Eu, como aprendi Matemática sozinho, eu tinha uma
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facilidade com Matemática. E a Topografia é a Matemática! Coisa simples, uma formulazi-
nha, que é isso?”
EGR: [Mas o camarada que não fizesse o CAS ele...]
ABDO: “Ele saía no máximo 2º Sargento e acabou!”
EGR: [Ah é? Não era promovido, então?]
ABDO: “Não! Só ia até 2º Sargento.”
EGR: [Mas muita gente não queria fazer?]
ABDO: “É, não queria fazer, porque o cara já achava que não passava mesmo, e chegou até
não ir. Mas, burrice da pessoa, né. Não tinha, sei lá. Não tinha mistério nenhum.”
EGR: [Mas a prova era difícil?]
ABDO: “Não! Não era difícil, difícil, difícil! Era um... igual, na época, era 1º Grau, não é.
Uma provinha ali de 1º Grau. E tem uma época lá, que nem prova pra ir fazer o CAS fazia. O
cara já era compulsado!”
EGR: [O senhor fez a ESA, o senhor fez o curso e foi para onde mesmo?]
ABDO: “Fui pra Juiz de Fora. No 4º Esquadrão de Cavalaria Mecanizada.”
EGR: [E como era lá?]
ABDO: “Era bom!”
EGR: [E o relacionamento com os oficiais?]
ABDO: “Já era muito melhor! Embora... O quadro era pequeno né. E tinha os oficiais ali, to-
dos estudavam.”
EGR: [Estudavam?]
ABDO: “É! Por isso que era bom! Todos estudavam! Um fazia Engenharia, outro fazia isso,
outro fazia aquilo. Teve um elemento que foi meu instrutor no curso de sargento, no Rio. De-
pois foi servir em Juiz de Fora e foi fazer Engenharia na Universidade Federal! Então, o rela-
cionamento era bom! Cabeça!”
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EGR: [E tinha algum sargento que estudava também?]
ABDO: “Tinha! Tinha sargento que estudava também. Eu estudava, fazendo o 2º Grau. E ou-
tros também estudavam. Um fato interessante, que eu nunca andava fardado, não é.”
EGR: [Mas era obrigatório, não era?]
ABDO: “Não, teve uma época que não.”
EGR: [O sargento não era não?]
ABDO: “Não. Aí eu ia pro colégio, estudando, normal, normal, normal. Eu nunca que eu des-
filava num 7 de setembro! Um belo dia eu fui obrigado a ir desfilar no 7 de setembro! Isso um
7 de setembro, no final de semana. Quando eu cheguei da aula na 2ª Feira, tinha um quepe
desenhado no quadro negro. E estava escrito assim: ‘olha o chapéu do Adão!’ (risos) Rapaz!
Muita gente deixou de falar comigo! Porque ali em Juiz de Fora era reduto dos subversivos!
Muita gente! Inclusive tinha um filho de um ex-reitor da Universidade. Esse reitor chegou a
estar preso. E ele estudava comigo. Mas eu nunca falei que... eu falava que era funcionário da
Receita Federal. Aí, complicou não é. E eu nunca falei que era milico. Mas eu não falei não
foi por... simplesmente por não falar! Deixa! Aí quando chegou lá, tava lá o chapéu do Adão!”
EGR: [O senhor estava no 2º Grau?]
ABDO: “Eu tava fazendo o 2º Grau. O chapéu do Adão. Aí que nego ficou ‘nossa, mas esse
cara aí é um dedo duro, é do S/2, e não sei o que... Ah, teve elemento, foi até perguntar, nosso
colega. Eu falei, não!! Não tenho nada a ver com isso rapaz! Vocês que façam a bagunça de
vocês, se quiserem fazer! E não faziam nada também! Não faziam nada! A verdade é essa!
Eles não faziam nada!! Os caras.... discordavam, né. Porque essa (pausa) Ditadura, que eles
falam, é coisa que colocavam na cabeça de estudantes. Estudante é massa fácil de manejar.
Então, era Ditadura! Mas não tinha nada! Os cara... não tinha nada!”
EGR: [Então, o pessoal ficou sem conversar com o senhor pelo fato de saber que o senhor era
militar?]
ABDO: “É. Quando soube que era militar, deixaram mesmo de falar. É incrível, né. Até pro-
fessor! Até professor. Tinha um professor lá que agente tinha até uma certa amizade, né, e ele
depois... Chegava na lata, e ainda falava: ‘Não! Com você eu não falo! Não converso!’ Eu le-
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vava na esportiva e falava: 'ora, professor, não posso fazer nada!'”
EGR: [Isso aconteceu com alguns colegas, também, ou só com o senhor?]
ABDO: “Aconteceu! Aqueles que falavam que era militar, não. Mas igual eu, tinha mais um
outro, mais um outro, o Marco lá do Mato Grosso, também não saia fardado, não andava far-
dado e não... agente estudava no mesmo colégio. Ele também foi cortado.”
EGR: [E dali de Juiz de Fora o senhor foi pra Amambai?]
ABDO: “Fui pra Amambai”
EGR: [Já era Guarnição Especial?]
ABDO: “Já! Guarnição Especial. Excelente quartel!”
EGR: [O senhor ganhou algum dinheiro pela transferência?]
ABDO: “Ganha. Ganha ajuda de custo. Na época ganhei... Na época, ajuda de custo era valor
de um soldo. Então ganhei 4 soldos.”
EGR: [Isso valia a pena na época?]
ABDO: “Ajudava. E agente ficava lá. Eu fui o sargento que ficou menor tempo lá. Agente fi-
cava um ano e meio, depois agente podia pedir pra onde você quisesse.”
EGR: [E ia mesmo?]
ABDO: “Ia. Igual eu vim pra cá. Não tinha vaga, tiraram um elemento daqui, jogaram ele em
Ponta Grossa, pra abrir a vaga aqui, que eu tinha pedido.”
EGR: [Aqui o senhor caiu no 5º Esquadrão, né?]
ABDO: “Eu vim pro 5º Esquadrão.”
EGR: [E funcionava o 5º Esquadrão junto com o...]
ABDO: “Com o GACAp. Dentro do GACAp.”
EGR: [E ali, como era a rotina do quartel?]
ABDO: “Normal. Não era igual a rotina lá de Juiz de Fora, (pausa) porque, lá, igual eu te fa-
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lei, todo mudo estudava! Então, tinha outra cabeça, né. E aqui, não. O pessoal não era muito
chegado a colégio não (risos). Olha! Puta que pariu! Não recordo quem estudava ali! Acho
que naquela época ninguém estudava! Não recordo. Nem... Só dois oficiais R/2 que estuda-
vam. Concluíram o curso, tá. Um, hoje é dono de uma loja de ótica aí. O Toniolo. O outro fez
Administração de Empresa, também. Um R/2. Foi trabalhar numa empresa lá no Espírito San-
to. Até eu lembro que cheguei. Eu tinha amizade com ele ali. Eu cheguei lá na mesa dele. Ele
lendo uma carta que tinha recebido de convite e comentando lá, com esse Toniolo. Eu falei:
‘Tenente, o senhor está sendo convidado! A hora que vencer seu tempo aqui e que o senhor
for embora, o senhor vai correr atrás de emprego! O senhor não vai achar serviço aí não. O
senhor está sendo convidado! Larga essa farda aí e vai embora, agora! Até hoje ele me agra-
dece. ‘Oliveira’. Mas é, uai. O senhor está sendo convidado! Convidado é uma coisa! E de-
pois ir pedir emprego é outra! É diferente. Foi trabalhar numa companhia lá de transporte. Tá!
E depois montou a companhia dele. O cara tá rico lá. Já aposentou. Tá rico. Mas ele me agra-
decia. ‘Você me falou uma coisa que tava faltando alguém me falar!’ E o outro terminou o
curso dele aí, e foi trabalhar numa firma aí. Mas o cara era fora de série! Pô, o cara! Ele traba-
lhava vendendo máquina fotográfica aqui numa loja, né. Ele vendia numa loja... Essa loja era
grande. Tinha em Florianópolis, interior. Ele tinha acesso, ele descobriu naquela época, não
tinha Internet que temos agora, ele descobriu o estoque da loja. Chegava gente lá na loja dele
pra comprar, não tinha ali, ele já vendia lá de Florianópolis, por exemplo. Só ligava pro cara:
“Ah, tá, tem aí? Me manda!’ ‘Não, já tô vendendo’. Foi vendendo e o cara enriqueceu! Depois
montou a loja dele e hoje tem até filial aí. Mas cabeça. O cara é cabeça, né. Sabe, dinâmico.”
EGR: [Ele era oficial temporário?]
ABDO: “Temporário! Mas esse terminou o tempo dele. Depois também, eu sempre questio-
nava, porque eles falavam: ‘Não. Porque eles vão efetivar!’ Aí eu falei, ‘Ih! Vai efetivar?’ Até
hoje...(risos). Quantos anos já. Se o objetivo... do oficial temporário é ter uma reserva jovem!
Então não vão efetivar temporário nunca! Ponha isso na cabeça! E até hoje não efetivou.”
EGR: [Isso era na época dos 9 anos?]
ABDO: “Isso, isso, isso!”
EGR: [Saía capitão, ainda né]
ABDO: “Isso, exatamente. Nove anos. Igual o Avanço ficou acho que os 9 anos.”
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EGR: [O senhor tinha uma relação de amizade com eles?]
ABDO: “Tinha!”
EGR: [E com os oficiais de carreira, também?]
ABDO: “Não! Tinha pouquinho. Tinha uns dois elementos. Não tinha muita ligação com o
pessoal da AMAN não.”
EGR: [Por que será?]
ABDO: “Ah, eu não sei. Eles não gostavam de mim, porque eu só ia na boa, né. Chegava ali,
pô! Eu me dava bem com os mais antigos. E os chefes, os chefes... Até teve um dia lá, que o
tenente chegou com uma parte pra punir um soldado, que não aprendeu a desmontar a MAG.
E eu era o sargenteante, né. O Brigada, o sargento Brigada. Eu esqueci o nome dele. Nome de
general ele. Eu falei: ‘Tenente! Isso aí tem duas conexões aí. – O que? Ou o soldado é burro,
burro, burro, então libera ele que o cara tem o QI muito abaixo, ou a instrução foi mal dada.
Eu ainda vou pela 2ª hipótese. Que, porra, não aprender a desmontar uma MAG, é uma lásti-
ma. Só que ele ficou assim olhando, olhando, pensou bem. Falou: Oliveira, eu acho que cê
tem razão!’ Pegou a parte e ele mesmo rasgou. Eu falei, olha tenente. Se vc tem sargento... se
não tem, deixa esse garoto comigo uma hora, um dia aí, umas duas horas que ele vai aprender.
Aí foram e ensinaram o cara. O garoto chegava na instrução, o garoto muito humilde. Ficava
apavorado! Falei, não deixa o cara à vontade! Mostra ele e saía de perto. Os caras chegaram e
falaram, desmontou. Agora vou sair, cê monta! Dali a pouco, tá aqui, tá pronto. Até um sar-
gento [incompreensível], falou: ‘Pô, Oliveira! Aprendeu de uma hora pra outra?’ Eu falei:
não. Isso aí é porque vocês deixavam o cara apavorado. Ficava nervoso.”
EGR: [Com a presença?]
ABDO: “Exatamente, com a presença. E nego, ‘É, não sei o que, que não sei, vai pra cadeia,
que não sei o que. Pô, o cara ficou maluco, né. Louco. Um outro caso, também, que teve tam-
bém, comigo ali foi interessante. Tinha um garoto lá, ele tava faltando o... faltava toda sema-
na, dois, três dias. Vinha, cumpria punição, ia pra casa. Eu parei e falei: ‘Péra ai, o que é que
tá acontecendo? Eu fui e chamei ele. Falei: quê que tá acontecendo com você? Você vai ser
expulso desse jeito, uai! Quê que tá acontecendo? Ele falou: ‘Ó sargento, eu vou abrir o jogo
com o senhor. Meus pais são velhos doentes. O pai não tem salário, a mãe não tem salário’
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(ele era mecânico, um excelente mecânico!) ‘Eu falei, ora eu vou pra lá. (Ele era do interior
aqui.) Consertar uns carros, ganhar um dinheirinho, pra tratar do meu pai, da minha mãe. Dis-
se assim. E eu ,’puta merda’! Mas já vinha outra punição e eu fui falar com o subcomandante
lá. Um cara legal pra chuchu. Um cara cabeça, sabe! Capitão, é coronel agora, tá na reserva já,
Rosaldo. Aí ele era capitão. Eu falei, capitão, sabe o que tá acontecendo com esse garoto? Ele
disse, não sei! Acontece o seguinte: quando ele foi incorporar ele é arrimo de família. E ele
falou pro pessoal da comissão aí que tinha esse problema, que tratava do pai e da mãe! Agora,
o que é que acontece. Ele veio pro quartel, os velhinho ficam lá passando fome, ele tem que
fugir daqui, ir lá. Ele conserta carro lá na cidadezinha dele, pra ganhar uns trocadinhos pra dar
pro pai e a mãe comer. Mas é mesmo? Eu digo, bom. Assim ele me contou. Abre uma sin...
isso era quase final do ano. Abre uma sindicância pra isso ai, capitão. Se isso é verdade mes-
mo. Ele falou pra mim e é isso que tem que fazer. O capitão fez. Mandou, pediu até um Dele-
gado do Serviço Militar que tinha lá na cidade verificar. Verificou e era verdade! Licenciaram
o cara.”
EGR: [Mas ele falou que era arrimo lá na incorporação e o pessoal nem aí pra ele?]
ABDO: “Nem aí pra ele. E na época nego fazia besteira! Nego fazia cada uma! Cada uma que
eu vou te contar! Incorporava assim, ao bel prazer! Igual era comigo! O capitão falou pro mé-
dico lá: ‘Eu quero esse piá de merda lá!’ Nem me fizeram exame. Na inspeção de saúde nem...
E me incorporaram. E isso acontecia muito, muito, tá.”
EGR: [O senhor ficou aqui no 5º Esquadrão durante o resto da vida militar?]
ABDO: “Praticamente. Não... eu fiquei um tempo aqui. Aí fui pra CSM, fiquei 3 anos lá, né.
3, 4 anos. Aí fui fazer o CAS. Voltei do CAS fiquei mais uns dois anos aqui. Aí eu fui pro Co-
légio Militar. Do Colégio Militar, fui pra CSM de novo! E lá eu fiquei até ir pra Reserva. Aí
abriu essa vaga de vampirar, né! Que é o nome dado aí. Aí me convidaram e eu fui. Até fiquei
lá uns 3 anos. Aí, cortaram a vaga. Aí depois eu fui lá pra SIP.”
EGR: [Nesse período que o senhor estava na CSM, a atividade do senhor era o que? Era na
parte administrativa?]
ABDO: “Eu sempre trabalhei na parte administrativa! Foi incrível. Sempre, sempre, sempre.
Logo cedo, inclusive na ESA ainda. Eu fiz um curso de datilografia, já com objetivo o seguin-
te. Na época os soldados que tinham um curso de datilografia ocupavam a vaga de cabo dati-
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lógrafo, e ganhava como cabo. Eu fiz o cursinho com 3 meses.”
EGR: [Cursinho fora?]
ABDO: “Cursinho fora! E aí fiquei ganhando como cabo muito tempo. Até sair cabo mesmo.
Uns 4 anos ou mais. É, eu sempre fui, até gostava da tropa. Eu gostava! Ir pra um acampa-
mento! Eu sempre gostei, mas olha. Sempre na burocracia. E me dei bem também na... a bu-
rocracia militar é muito fácil. Não tem mistério nenhum aquilo ali. Eu me dei bem! [Nesse
momento, a esposa faz uma observação, dizendo que ele havia permanecido muito tempo na
tropa, pois sempre ia em acampamento. O depoente diz:] “Pois é, ah sim. Mas eu levava toda
a papelada da Seção e trabalhava lá no acampamento. Outro fato pitoresco (risos). Rapaz!
Agora, já depois de sargento. SE tinha que fazer o famoso PPCM, né, Processo de Prestação
de Conta Mensal.”
EGR: [Isso aqui já no 5º Esquadrão]
ABDO: “Isso, no 5º Esquadrão. Eu falei com o Tenente, o tesoureiro. Eu falei, tenente, eu vou
pro campo, como é que vai fazer isso aí? Aí ele falou: ‘Não, o major quer que você vá!’ Eu
vou fazer o PPCM lá? ‘É leva tudo e faz!!!!’ Não sei o que, eu sei que caiu um temporal em
Santa Catarina. Agente tava em 4 Barras, né. Caiu um temporal. Caiu lona, caiu barraca. Pô,
rapaz, molhou documento. Mas o PPCM virou um lixo! (risos) Foi mandar o PPCM pra cima,
veio um rádio, perguntando o porquê (risos). Aí eu só de fora escutando né (risos). Chegaram
em falar até em me punir! Chegaram, o major chegou em falar em me punir. O Major Ferraz.
Aí eu falei só pro tenente: olha é melhor me passar à disposição, me manda embora, porque se
eu for punido, esses PPCM aqui, eu que fazia, sabia das mutreta né. Eu falei, isso aqui, vamo
ter uma inspeção aí, e eu vou abri a boca. O que não vai preso aqui sou eu, que não mexo com
dinheiro. Aí o tenente: ‘Nossa, Oliveira, isso aí vai dar uma confusão! Aí, eu fui lá no GACAp
e vi os PPCM de lá. Os elementos tiravam lá uma nota na lavanderia, de lavagem de roupa,
suponhamos, tiravam dos soldados, e não era previsto, suponhamos de, na época, que seria
hoje, de vinte e cinco mil reais, o Esquadrão tirava por mês oitenta mil! E era frio. O chefe
dividia dinheiro com o cara da lavanderia. E um dia o cara da lavanderia, eu atrasei de mandar
pro banco, a nota de transferir o dinheiro da conta do quartel pra ele. Ele foi lá bravo comigo,
o dono da lavanderia. Aí eu fechei a porta e falei, senta aí. Que é que tá acontecendo? Aí eu
disse pra ele assim: pode abrir a boca! Já tô, já senti, só quero... Que isso aqui não tá certo.
Que eu fui no GACAp, vi o que eles tiram lá. O Esquadrão tem um quinto do efetivo. Tira
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isso todo mês. Tá. E vamos ter uma inspeção aqui, vamos abrir a boca. Aí o cara, nossa senho-
ra, já falou com o major também. Mas ficou naquilo ali, e eu querendo sair. Aí, quando veio a
primeira mensagem, não... Assim que teve a inspeção, aí chegou a mensagem do Colégio Mi-
litar me convidando pra...Foi pra diversos lugares, e ele não dava minha saída. Foi dali uma
semana, eu tava transferido. Uma semana (risos). Mas eu não tenho mágoa do quartel não.
Não tive, tá. Tive bons chefes. Então não tenho, nunca tive mágoa não. E assim foi a vida do
cavalariano (risos).”
EGR: [O senhor ficou na ativa até que ano?]
ABDO: “Até 95.”
EGR: [O senhor sentiu algum tipo de mudança desde quando o senhor incorporou até 95?]
ABDO: “Ah, senti. Senti muita mudança!”
EGR: [O senhor poderia falar um pouquinho dessas mudanças pra gente?]
ABDO: “Igual eu tô te dizendo, o tratamento entre as pessoas, entende. O dia a dia do quartel
houve mudanças. Então, mudou muito. Agente quando incorporou agente nem falava com
sargento, nem nada! Soldado não falava. Só recebia ordem e ficava por isso. Agora não! Ago-
ra, soldado é amigo de sargento, e assim sucessivamente.”
EGR: [Em 95 o senhor foi pra reserva e aí voltou como PTTC22
? Em que ano mais ou me-
nos?]
ABDO: “Em 96 eu já voltei. Pra CSM23
. Depois, acabou a vaga lá. Eu fiquei mais um ano e
pouco parado. Aí eu fui pra SIP24
. Até... fiquei lá até 2002. Muito bom também. Muito bom o
pessoal ali. Uma equipe bem entrosada.”
EGR: [Antes como era a ligação das unidades com a sociedade civil?]
ABDO: “Depende das unidades. A CSM tinha uma relação ampla, né. Porque tinham os dele-
gados que moram no interior, né. Então, é o elo de ligação do serviço militar, que começa lá
22
Prestação de Trabalho por Tempo Certo: é o militar aposentado que retorna para a Força, para realizar traba-
lhos administrativos. 23
Circunscrição do Serviço Militar, no caso em questão, o depoente se refere à 15ª CSM, localizada no bairro do
Boqueirão, em Curitiba-PR. 24
Seção de Inativos e Pensionistas, no caso em questão o depoente refere-se à SIP/5, localizada nas dependên-
cias do 27º Batalhão Logístico, no bairro do Bacacheri, em Curitiba-PR.
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no interior. Então, os delegados estão ali, que fazem a Relações Pública entre os quartéis, e a
Prefeitura.”
EGR: [E no Esquadrão, em Amambai, como era?]
ABDO: “Não. Já era fechado. Mais fechado. O Esquadrão não tinha ligação nenhuma com o
civil.”
EGR: [O senhor estava falando da década de 70, que o pessoal falava muito do Comunismo,
quem era comunista. Havia alguma ameaça por parte de quem era acusado de comunista, de
entrar na Justiça para evitar esse tipo de fofoca?]
ABDO: “Ah, teve! Teve muitos casos. Eram taxados, né...E o cara entrou na justiça. Teve mi-
litar que foi expulso. Fato pitoresco. Fui conhecer ele lá na SIP. Fiz até uma amizade com ele.
O elemento era Cadete na AMAN. Foi expulso! Porra, ficou 20 anos na justiça ou mais, uns
30 anos. Ganhou tudo! Saiu agora, tá ganhando vencimento de general. Recebeu uma bolada!
Tudo, tudo, tudo, tudo!”
EGR: [Ele era cadete e foi expulso, mas acusado de quê?]
ABDO: “Bom, aí eu não entrei no mérito. Eu até tinha facilidade de falar com ele, porque ele
ia lá na SIP e falava comigo. Não falava nem como coronel. Ele falava, não, eu trato aqui com
o Oliveira, eu me dou bem com ele. Aí também a coisa, eu não perguntava não. É a regalia do
elemento, né. Mas ele e outros. Teve outros. Recebeu tudo. Esse cara, o Valmor Weiss, que é o
dono da frota aérea aí, não é. Esse cara era sargento. Ele é dono agora de uma rede de taxi aé-
reo. Ele era sargento.E foi expulso na época. Valmor Weiss25
. Tá aí um cara bacana pra chu-
chu. Ele ia lá e falava, ‘Os papa leões!’ Que papa leão, rapaz. Você foi é muito vivo.”
25
Projeto de lei ordinária 06.00020.2004, de 03 de maior de 2004 da Câmara Municipal de Curitiba, indica o
cidadão, nascido em Rio do Sul-SC, Valmor Weiss como cidadão honorário da cidade. No ato menciona-se que:
“A vida de Valmor Weiss tem particularidades que devem ser ressaltadas, em particular por ter participado de
importante momento da vida institucional de nosso país, fato este que será abordado em tópico próprio desta
síntese. Foi jornalista do jornal "Última Hora" de 1959 a 1964, o que lhe custou não só a sua expulsão do Exérci-
to Brasileiro, no ano de 1964, mas também a prisão por mais de um ano, em razão de ter-se posicionado contra o
golpe militar (...) Politicamente, notabilizou-se na luta pela democracia no episódio do movimento militar de 31
de março de 1964. Na hora do golpe, Valmor Weiss estava de prontidão no quartel da 5ª Companhia de Subsis-
tência, em Curitiba, onde era 3º sargento e rebelou-se em defesa da Constituição e do Presidente da República.
Para ele, "a revolução não existiu. O que existiu foi um golpe militar que tomou o poder central". Aquilo foi
quartelada" Disponível em:
http://domino.cmc.pr.gov.br/prop2000.nsf/375e962013dfe0e4052569ba005c75ac/56f0d5c8ce205a8c03256e8900
660af3?OpenDocument; Acesso em: 16 Jul 2011.]
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EGR: [Papa leões?]
ABDO: “É, papa criancinhas, né. Ele era comunista. Era tido como comunista. Um cara traba-
lhador, rapaz. Só porque ele tinha dinheiro. Que no Exército tinha esse problema.”
EGR: [Ah é? ]
ABDO: “O cara que tinha dinheiro, agora não muito recente, um cara aqui em Santa Catarina
(pausa) Tenente Sanção! Ele é dono de uma ilha. Ele ganhou uma ilha ali em Santa Catarina.
Ele tem dinheiro, a esposa é empresária na área de minério. Até ele tem...um cara de alta. Aí,
o prefeito ali de Joinville, me parece. Ia um elemento comandar Joinville, ali. Aí o prefeito
falou com ele: Ô Sanção! Vamos fazer uma recepção? Dá pra gente fazer uma recepção lá, pro
fulano, o coronel vem comandar aí, não sei o que, não sei o que, lá na tua ilha? E esse Sanção
gosta. Ele é milico e gosta de milico! E gosta! ‘Não, tranquilo!’ Emprestou barco...”
EGR: [Ele era sargento?]
ABDO: “Ele era sargento. Nisso aí eu acho que ele já era subtenente. 15 dias depois, chama-
ram ele no quartel! Querendo saber onde que ele arrumou dinheiro pra aquilo ali, que ele ti-
nha!”
EGR: [Isso foi que ano?]
ABDO: “Isso foi agora já em...oitenta e oito, por aí, oitenta e cinco, oitenta e oito! Chamaram
ele no quartel pra investigar.”
EGR: [O senhor Valmor Weiss foi a mesma coisa?]
ABDO: “É. Ele tinha dinheiro. É de família... No entanto, depois montou uma empresa de Ta-
xi Aéreo. Então, o elemento que tinha dinheiro, na época, no quartel, ele era mal visto. Era
mal visto. O cara que tinha dinheiro, uma vida social elevada, ele era mal visto.”
EGR: [Isso os oficiais também, ou só os sargentos?]
ABDO: “Todos! Os sargentos, os oficiais. Tudo. O cara que tinha, o cara que conseguia trocar
de carrinho, naquela época que era difícil trocar de carro todo ano, nego ficava de olho nele. E
essa do Sanção. Deu a ilha lá pra fazer uma festa, e depois foi interrogado (risos).”
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138
EGR: [Se justificar, não é!?]
ABDO: “O caso dele dá filme, né. E é um cara trabalhador. Sabe. Porque existe o detalhe. O
elemento que trabalha, trabalha, trabalha, ele consegue as coisas!! Tinha lá no Colégio Militar
mesmo um rapaz que trabalhava comigo, o cara batalhava, batalhava. Tinha taxi. Trabalhava
de taxi à noite. Pra juntar dinheiro. Guardar um dinheirinho. E guardou! Certo, mas nego fica-
va de olho nele! ‘Nossa, o Guido de carro zero! Não sei o que, não sei o que!’ Aí, eu até um
dia falei: ‘Pô! Só trabalhar igual ele que você vai ter carro zero também. Vocês não trabalham
quer ter? Os caras ficavam ‘P’ da vida comigo! (risos).”
EGR: [Era comum o pessoal trabalhar fora do expediente?]
ABDO: “Não, não era não! O cara era perseguido, a verdade é essa! Nego procurava travar,
trabalhar fora do expediente. Mas tinha elemento que dava aula. Tinha elemento, tinha um
elemento muito bom lá no Colégio Militar. Ainda bem que ele passou na Universidade lá em
Ponta Grossa, pra dar aula lá. E depois foi fazer curso no exterior! O Xavier.26
Era tenente já.
Mas um cara muito competente!”
EGR: [Ele já era tenente QAO e saiu pra dar aula?]
ABDO: “Saiu pra dar aula na universidade. Ele foi fazer curso depois em Portugal. E voltou.
Agora eu acho que já se aposentou também. Igual o meu filho. Meu filho ele fez, ele fez o
mestrado, ele fez História ali na Federal. Depois fez o mestrado. Depois fez o doutorado em
Antropologia. E agora dá aula lá em Toledo, na Universidade lá. Mas também é batalhador!
Vem dar palestra aqui. Sai de lá, vem dar palestra aqui27
.”
EGR: [Ele era militar também, ou não?]
ABDO: “Não. Só estudou a vida toda. Se arrumou também na vida depois dos 24, 25 anos. Só
26
Trata-se do Prof. Dr. Milton Xavier Brollo, falecido no dia 07 de outubro de 2011. Lecionava na UEPG desde
20 Fev de 1988. Doutor em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade Nova (FE-UNL), de
Lisboa (Portugal), Bacharel em Ciências Econômicas pela UFPR – Universidade Federal do Paraná (1979,
Especialização em Teoria Econômica (1980). O Jornal da Manhã, de Ponta Grossa diz ainda que: Milton
Brollo serviu como subtenente na Companhia de Comando da 5ª Região Militar e 5ª Divisão de Exército, em
Curitiba. Ministrou a disciplina “Técnicas Comerciais”, no Colégio Militar de Curitiba (1986). Ele nasceu em
Sananduva (RS), em 21 de abril de 1945. Disponível em:
http://www.jmnews.com.br/noticias/ponta%20grossa/1,13218,07,10,presidente-da-fauepg-morre-em-
casa.shtml; Acesso em: 10 Out 11. 27
Trata-se do Prof. Dr. Allan de Paula Oliveira, docente do curso de Ciências Sociais da UNIOESTE, Campus de
Toledo-PR. Disponível em:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do;jsessionid=4DB02B2C83FB22E6A99217944379EB8
F.node5; Acesso em: 15 Set 11.
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estudou. Não perdeu tempo. Agora ele tá pensando em fazer um estágio em... em Portugal,
bem? Ou na Espanha?” (Sua esposa, que presencia essa parte da entrevista, responde: ‘Em
Portugal’.) “É! Talvez ele vá pra lá agora em Abril.” (Sua esposa arremata que ele vai real-
mente participar de um congresso primeiro, para ver como é. Um congresso sobre esporte. Ela
me pergunta o que estou estudando. Ela fala com orgulho que seu filho fez Doutorado em Flo-
rianópolis. Em Antropologia. Pergunta-me se eu estou fazendo em História e se eu peguei a
“parte militar”. Continua dizendo que havia pegado a parte da igreja. Reclama que os estudos
acerca da Igreja, particularmente no seu aspecto do envolvimento político, fez com que seu
filho se afastasse da religião: “Se aprofundou muito na Igreja Católica! Hoje, pra ele, ele não
tem religião. Pra ele todas as religiões são certas. E eu sou muito católica, né. Queria que ele
fosse seguir o mesmo caminho, né!”).
FIM DA ENTREVISTA
OBS: A entrevista encerrou-se com o desligar do gravador. Porém, algumas considerações
feitas pela Senhora Teresa, esposa do Senhor Adão, em off, foram interessantes. Ela afirmou
que nunca gostou de frequentar o ambiente militar, com suas atividades sociais de confrater-
nização, justamente por conta da grande divisão que existe, segundo ela, em relação às espo-
sas dos oficiais com as esposas dos não oficiais, dos sargentos. Ela disse também que isso re-
fletiria, no hospital militar. Fez um comentário incisivo de que, palavras dela, se ela estiver na
fila durante 10 horas, se chegar alguma mulher de algum coronel, esta é atendida primeiro que
ela. É interessante esse adendo pra podermos entender como funciona o pensamento dela em
relação ao mundo hierarquizado do quartel. E pra entendermos como funciona o quartel, pois
essa é uma leitura relativamente distanciada, não naturalizada, da forte hierarquização e dis-
tanciamento que há entre os grupos chamados círculos hierárquicos. Conclui-se que a socie-
dade militar tende a reproduzir esse ambiente hierarquizado, interno, funcional para os outros
ambientes que lhes são tangentes. Que é o caso do Hospital Militar, que não deveria ter essa
distinção, segundo a Senhora Teresa, pelo menos durante o atendimento. Bem como no ambi-
ente de sociabilidade, nos almoços de confraternização. Ela até mencionou o nome “Família
Militar”. É interessante porque ela tem uma estranheza da prática do cotidiano hierarquizado e
essa prática, segundo ficou entendido, nas palavras da Senhora Teresa, não condiz com o no-
me que ela deu. Ou seja, o quartel, pelo menos na prática, não sendo uma família, como afir-
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mam os discursos oficiais, nem os discursos do senso comum.
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APÊNDICE 5
ANÔNIMO 1 (1º sargento de Manutenção de Comunicações, da ativa do Exército28
). Entre-
vista concedida em Curitiba-PR, em 18 Fev 2011.29
Duração da Entrevista: 02 h, 53 min, 20 seg.
Transcrição: 40 Páginas.
ANON1: “Nascimento, profissão do pai e da mãe, data de praça. Nascimento, Santa Maria,
Rio Grande do Sul, 20 de setembro de 1970. Meu pai era agricultor, pequeno agricultor, né. E
a minha mãe, enquanto meu pai era vivo ela era dona de casa. Aí, meu pai morreu, eu tinha
dois anos. Eles vieram pra cidade e ele morreu. Ele já tava meio doente e tal. Morreu. Aí, a
partir dali, a minha mãe teve que se virar né. Aí aqui entra uma história que muito tempo de-
pois agente ficou sabendo. A minha mãe, na verdade, ela é semianalfabeta, né. Assim, tipo,
sabe mal e porcamente algumas letras né. Escrever nome dela mesmo é... dedão, né. Não alfa-
betizada. E na época em que meu pai morreu, isso foi em 1972, ela, foi aberto inventário do
meu pai. Meu pai era pequeno agricultor, mas ele tinha bastante terra, né. Bastante não. Que
daria pra nós na família. Então, o meu pai morreu e aí foi aberto o inventário. E a minha mãe
seria detentora de metade dos bens, né. Que é a meação que cabia a ela como casada, esposa
legítima. Aí o que é que foi feito. Agente era menor. Eu, minha irmã, meus outros dois irmãos,
somos em 4. A minha irmã mais velha tinha 8 para 9 anos. Aí, vinha na sequencia, tinha outra
com 7, meu irmão com 5, 4, e eu com 2 anos de idade. Eu sou o mais novo e minha irmã mais
velha, com 6 ou 7 anos eu não lembro de cabeça. São 6 anos. São 6 anos entre o mais velho e
o mais novo. Aí foi aberto inventário. A minha mãe confiou na palavra lá dos parentes do meu
pai. Porque o meu pai casou duas vezes. Então, nós tínhamos... ele casou uma vez. Aí a mu-
lher dele morreu. E ele casou com minha mãe. Então, do primeiro matrimônio, ele tinha filhos
e netos e cunhados, etc. toda uma família que é o primeiro matrimônio. E essa família não
aceitava muito bem o fato de ele ter casado de novo, quando ele casou com minha mãe.”
[Pausa solicitada pelo depoente]
28
Entrevista concedida sob condição de anonimato. 29
A partir da solicitação do depoente, fora-lhe disponibilizado previamente um pequeno roteiro para a entrevista.
O Depoente seguiu, em grande parte, o roteiro, por isso houve poucas intervenções do entrevistador durante a
abordagem. Porém, o entrevistador buscou “explorar” algumas questões não dispostas no roteiro, mas mencio-
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“Aí no inventário, ela conta, que um compadre dela, eu não lembro exatamente quem, falou o
seguinte: ‘olha, metade das coisas dele vão ficar pra você e o restante vai... ’Contou pra minha
mãe o que na verdade tinha que ter acontecido. E ela assinou o documento. Assinou que eu
digo é...dedo né. Aí ela pegou uma casa, a casa onde agente morava, mais 4 terrenos que fo-
ram dados pra nós lá. E passou. Muito tempo depois, aí eu já tava no quartel, eu já tava eu
acho que no 3º ano de sargento, um amigo meu solicitou que eu fosse avalista dele, fiador de-
le numa locação de imóvel. Aí eu fui ver que eu tinha um terreno, e a minha mãe tinha a casa
né. Então ficou estabelecido que a casa era da minha mãe. E os terrenos, um pra cada irmão,
né. Aí, eu descobri que na verdade os terrenos não tinham escritura, não tinha nada. Que a ca-
sa tinha ficado no nome meu e dos meus irmãos. E que a minha mãe não tinha herdado abso-
lutamente nada. Aí agente foi ver o desarquivamento do processo, e agente viu que ela tinha
assinado um documento abrindo mão da meação. Aí que que eles fizeram, desse valor que era
pra ser da minha mãe, eles compraram a casa, colocaram no nosso nome, e os terrenos, que
não tinham escritura, não tinham nada. Então, da parte da minha mãe, eles compraram a casa
e a minha mãe achou que era dela né. Então, para efeito de inventário, nós recebemos a nossa
parte, que foi a casa e os terrenos e a minha mãe... Aí, já tinham passado vinte e tantos anos.
1972 a 95, acho, 94, 95. Daí pra reabrir tudo de novo. Já tinha... dois ou três já tinham morri-
do. Aí, agente optou pra não esquentar a cabeça. Então, assim, foi o que ocasionou, na verda-
de, aquela situação da dificuldade financeira, principalmente na parte da adolescência, né. A
minha mãe ficou viúva. Nós tínhamos a casa pra morar. E os terrenos, na verdade, não tinha
né. Porque eram terrenos afastados. Hoje ele tá num local razoável, né. Mas na época era num
local muito ruim né. E aí a minha mãe teve que se virar né. 4 filhos. A minha irmã mais velha
tinha 8 anos. E, vindo na sequência, eu era o mais novo, né. E trabalhou de tudo né. Trabalhou
de balconista, de limpeza, telefonista, tudo que tu puder imaginar, exceto prostituição, né. Ela
sempre fala que ela trabalhou em tudo o que ela podia trabalhar, e se ela fosse outra ela teria
se prostituído, porque era muito mais fácil né. (risos) Outras mulheres que ela conhecia ga-
nharam bem mais dinheiro que ela, né. Então foi mais ou menos isso aí. Nessa fase da adoles-
cência, aí, o reflexo foi menor, né. Porque eu era o mais novo então quando eu tava em época
da escola, e tal, os meus irmãos já trabalhavam, e tal. Então o reflexo foi menor. Mas os meus
irmãos sentiram mais o reflexo. Origem, todos estudaram na escola municipal. Estudei até a 5ª
Série numa escola municipal, e aí até a 8ª eu estudei numa escola particular, mas que ela tinha
bolsa de estudo, né. Então, era uma escola particular que era de padres, né. E eles mantinham
nadas en passant pelo entrevistado.
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um esquema de estudo. Então eu estudei com bolsa até a 8ª. E em 1984 eu fiz uma prova pra
entrar na Rede Ferroviária Federal, na época, né. Aí eu fiquei em 85, 86 e 87. É o tempo que
hoje eu utilizo como averbado, como carta de alforria aí, pra ir embora daqui a 2 anos de 10
meses. Então, ali foi um período de 3 anos e... 3 anos e 28 dias, mais específico. Aí, eu conse-
guia trabalhar, né. Conseguia trabalhar. Estudava à noite. Na verdade eu parei de estudar, né.
Porque era puxado então estudei até o 1º Ano do 2º Grau e parei. Tanto que quando eu entrei
no quartel eu tinha o 1º Ano do 2º Grau. Isso já em 1989. Aí eu fiquei até o início de 88... Aí
eu saí dali, consegui emprego na metalúrgica e essa metalúrgica foi na verdade a coisa que me
incentivou pra entrar no quartel. Porque lá trabalhava das 7 as 7, né. Das 7 horas da manhã às
7 horas da noite. Eu tinha 10 minutos de intervalo de manhã, 10 minutos de intervalo no perí-
odo da tarde, 1 hora de intervalo do almoço. E era trabalho de operário mesmo, né. Tem uma
história até que eu conto (risos). Aquela história me marcou bastante. Porque eu era da Rede
Ferroviária Federal, né. Pô, serviço público. Então, na Rede, assim, eu era aluno e depois eu
era estagiário. Então era assim. Começava 7 horas. Era o horário previsto. 7 e meia o pessoal
chegava, aí tomava um café, trocava de roupa, começava a trabalhar 8, 8 e pouco. Aí meio
dia, terminava o expediente da manhã meio dia. Só que dava 11, 11 e meia o pessoal desliga-
va as máquinas, e tal. Eu vim com esse ritmo da Rede Ferroviária, né. Aí na 1ª semana que fui
contratado, tinha um camarada, o nome dele era Santini o nome dele. E era uma metalúrgica
que trabalhava com fábricas de surdinas, fazia escapamento de carro. E ele distribuía pra todo
o estado do Rio Grande do Sul. Aí, eu beleza né cara, deu 15 pra meio dia eu desliguei o tor-
no, fechei tudo e tal. Entrei no banheiro e fui lavar a mão. Tô lá lavando a mão no banheiro aí
entra o supervisor, né. ‘Que cê tá fazendo?’ Resposta mais óbvia, né (risos) Tô lavando a mão,
falei pra ele. ‘Que tu tá lavando a mão eu já vi, né. Mas eu tô querendo saber porque tu tá la-
vando a mão agora.’ Eu disse pra ele: ‘Ah, já são quase meio dia né. Daqui a pouco eu vou
embora.’ Rapaz! Eu levei, eu acho, que uma das maiores mijadas da minha vida! ‘Que o horá-
rio’... Aí, ele começou, né... ‘que o horário tem que ser cumprido, que é um absurdo parar, que
ali é uma empresa séria, que tem produção, é isso, e tal.’ Então, era um ritmo assim. Hora ex-
tra, agente fazia. Se o horário de sair era 7 horas, então, chegava 6 e meia, 15 para as 17 ele
informava pra você que tinha que fazer hora extra. ‘Ó, cê vai ter que fazer hora extra hoje,
porque agente tem um montão de cano de descarga aí pra entregar e eu tô precisando de você.
Aí, agente dava um jeito ainda, num telefone público. Daqueles telefones com ficha ainda, né.
Aí agente ligava pra casa de um amigo. Porque em casa não tinha telefone, não tinha celular,
não tinha nada. Aí, avisava pra minha mãe. Aí lá pelas 8 e meia, 9 horas agente ia pra casa. Aí,
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qual era a opção? Além disso, na minha cidade, tinha comércio, a Universidade Federal, que
seriam os estudantes e os funcionários da Universidade Federal, e o quartel. Que eram 13 uni-
dades. Na época eram 13 quartéis. Porque, na época, Santa Maria era a 2ª maior guarnição.
Rio de Janeiro era a 1ª, Santa Maria era a 2ª. Então, tinham 13 quartéis. Tinha quartel lá de
Infantaria, Cavalaria, Comunicações, Parque30
, BLog31
, além disso, tinha Polícia Militar, Ae-
ronáutica. Só não tem Marinha. O resto tem tudo. Aí eu fui... pô! Vou ter que optar por uma
coisa melhor, né. Entre trabalhar...”
EGR: [E o salário que você recebia lá na metalúrgica?]
ANON1: “Ah! Era um pouquinho mais que o salário mínimo, né. Na época da Rede Ferroviá-
ria, o pessoal remunerava bem. Eu costumo dizer que eu sou azarado, né. Pra onde eu vou o
negócio vai em queda né. Eu entrei na Rede Ferroviária, quando eu entrei na Rede Ferroviá-
ria, era assim, ó: era top de linha, né. 84, 85, né. Então, quando eu entrei na Rede Ferroviária,
os meus amigos, eles tinham Passat Pointer, Opala, os Fusca, Brasília. Então, era assim, top
de linha, né. Aí, na sequencia começou a onda de privatização, que depois veio a ALL32
, né. E
o transporte ferroviário começou a cair muito. Então, começou a perder a finalidade, né. E aí,
consequência veio aquele Plano de Demissão Voluntária, o PDV, e o pessoal começou a ir
embora, né. E logo na sequencia privatizou. Foi e acabou com tudo né. Mas eu cheguei a pe-
gar a época da Rede Ferroviária, no auge. Aí, saindo dali, qual era a opção, quartel, né. Que
também estava no auge, né. Então, quartel era... na minha cidade era assim, camarada que era
militar era top de linha, né. Ele conseguia ter um carro bom, ele conseguia transferência. Ele
conseguia um padrão de vida que tu não conseguia no comércio, né. Trabalhava menos e ga-
nhava mais. Essa era a realidade. Aí, o que é que eu fiz. Eu tinha um colega meu. Um amigo
de infância, quase um irmão, né. Eu tenho até mais afinidade com ele do que com o meu ir-
mão, né. Aí agente montou um grupo de estudo. Eu ele e outro colega, que depois, este ficou
pouco tempo. Então, nós dois começamos a estudar, né. Peguei ali o finalzinho de 1988 e en-
trando no quartel em 1989”
EGR: [Como soldado?]
ANON1: “Como soldado. Como recruta. E ele era um ano mais novo. Então, ele estudou co-
mo civil e eu estudei como militar. No 1º ano, né. Em 1989. Aí no 1º ano eu não consegui pas-
30
Parque Regional de Manutenção/3. 31
4º Batalhão Logístico.
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145
sar, porque era ano de recruta, né. Aí no 2º ano, em 1990, eu fiz a prova e passei. E ele não
fez. Porque ele teve um acidente. Na verdade não foi um acidente. Eles se meteram numa bri-
ga lá. E ele quebrou a perna. Teve que parar com o cursinho, não ia dar pra ele fazer a prova
física. Então ele suspendeu. Depois ele acabou indo pra Polícia Militar, né. Lá no Rio Grande
do Sul chama de Brigada Militar. Ele é sargento da Brigada Militar também, né. Aí vem a par-
te já entrando no quartel, né. 1989. O quê que eu lembro assim, da época. Foi ali a entrada do
Collor, né. Ali tinha um medo assim, enorme, do barbudo, né. Que era o Lula. Então, era a
eleição de 89, agente teve que ficar de prontidão. Os quartéis em prontidão. E era um clima
meio estranho, né. Todo mundo falando, ‘nossa, o Lula pode ganhar, não sei o que!’. Eu lem-
bro que quando o Collor entrou foi um alívio, porque o Lula não ganhou, né. Bom de quartel
assim, de tratamento, era bem diferente. O regime era mais rígido, né. Fardamento agente
usava a farda verde. Tinha que tá engomada, né. Agente queimava o coturno com vela, parafi-
na. Tinha, eu tinha uma lavadeira, né. Que tinha que ter um padrão legal. No meu primeiro
ano de soldado, aí vem o nível do soldado. Eu falei aqui antes, que eu entrei no quartel com o
1º Ano do 2º Grau. Quem tinha a 8ª Série do 1º Grau, nível soldado, era rei, né. Porque o nível
de escolaridade era... Eu me lembro que tinha um cabo lá, o Tarso, ele tinha a 3ª Série. Ele era
cabo. Os cabos estabilizados, jurunas, tudo cachaceiro! Teve um ou dois lá que morreram de
cirrose. Tinha o Homero que era um sargento QE. O Homero tinha perdido um dedo já numa
máquina, por causa da pinga. Eu me lembro que ele tinha um vidrinho, né. Um vidrinho não,
uma garrafinha daquelas da Coca-Cola, aquela Coca-Cola pequenininha, retornável, no armá-
rio. Então ele ia lá e pum! Dava um gole e trabalhava. No campo era normal, né. A galera le-
vava conhaque, cachaça, né. O próprio subtenente pagava, na hora da refeição, uma cachaça
pro cara tomar, não é.
EGR: [Isso todo mundo sabendo, os oficiais também tomavam?]
ANON1: “Os oficiais, todo mundo! Era meio que padrão. Subtenente levava como um mate-
rial de acampamento. Ele levava o arroz, o feijão, tal, e a cachaça. Tinha que ter cachaça. En-
tão, uma das coisas que me beneficiou muito no quartel foi a deserção de um cabo. Que é que
aconteceu! Esse cabo ele era Ajudante de Ordem, e aí o soldado. Eram dois né. Era um solda-
do, que era o soldado corneteiro, né. Que era o Castro. Ele desertou e precisava de um Aju-
dante de Ordem, né. Aí, eles saíram procurando no quartel. Bem na época eu tinha feito a pro-
va do CFC, né. Como eu estava estudando pro CFS, eu gabaritei a prova de Português e errei
32
América Latina Logística.
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acho que 1 em Matemática, né. Que era aquela (risos), Português e Matemática ali era o pré-
CFC, né. Então eles faziam uma provinha ali só pra ver se o cara era alfabetizado, né. Era di-
visão com vírgula... E eu tava estudando pro CFS então tava num nível bom. Peguei a prova,
dei risada, né (risos) pô, tá de sacanagem com isso aqui, né. Aí eu gabaritei uma prova e errei
acho que 1 questão, não me lembro exato. Aí, nossa, cara! Tem um cara aí que...e como eles
tavam procurando um Ajudante de Ordem, eles foram atrás de mim, né. E eu gostava de, do
quartel, né. Do ritmo do quartel, né. Que como eu queria fazer escola, então eu tava vibrando,
né. Eu andava, eu tinha um preparo físico bem melhor que hoje, né. Eu fazia musculação, cor-
ria, a farda sempre gabarito, né, vincada. Eu tinha sempre 4 ou 5 fardas lá coturno e tal. Aí
bateu o olho. Beleza! Aí eles me puxaram pra ajudante de ordem. Aí ali eu tive assim, eu tive
oportunidade de estudar, né. Porque Ajudante de Ordem era intocável, né. Éramos em dois. E
agente só atendia o Subcomandante e o Comandante, né. Eu até tinha um foto lá em casa que
eu falava que tinha tirado na época que era recruta ainda, botando o pezão na mesa do coronel
e com o telefone. E o cara foi lá e tirou a foto, né (risos). Foi esse ano recruta como Ajudante
de Ordem, e depois no outro ano eu já passei e fui pro Rio de Janeiro, fui pra Escola. Aí entra
as histórias, né. Teve várias histórias assim, que dava pra ver o tratamento que era dado para o
militar na época, né. Uma delas aconteceu comigo. E uma outra aconteceu com um Cabo es-
tabilizado. A minha foi a seguinte. Nós fomos pro campo, agente foi pro campo. E eu tava,
tinha feito a prova do CFC e tava fazendo o campo do CFC. Foi no meu ano de recruta, né.
Agente falando aqui dá um atropelo. Mas no meu ano de recruta eu passei na prova do CFC.
Fiz uma média boa. E comecei a fazer o curso. Como eu também tinha o curso da Rede Fer-
roviária, eu era um bom soldado pra BLog, eu era do BLog lá. Então eu era da antiga Com-
panhia de Material Bélico. Que hoje é a Manutenção, na época era a Material Bélico. Era a
Manutenção, a Intendência, a CCAp33
e a Saúde. Material Bélico hoje é a Manutenção, a In-
tendência hoje é a Suprimento, e a CCAP é a antiga Companhia de Comando e Apoio. Então,
eu era da Manutenção trabalhando no torno. Eu era pra trabalhar no torno. Então eu ia fazer
uma QM 09-51 e eles iam me colocar trabalhando no torno porque eu tinha a formação da
Rede Ferroviária Federal. Era pra ser isso, né. Só que depois eu acabei indo pra ajudante de
ordem. Eu fui pro CFC, aí na história que eu falei que os cara tomava cachaça direto... No úl-
timo dia do campo, penúltimo na verdade, né, porque no último nós vínhamos pra casa, né.
Então, no penúltimo dia de campo, o sargento de dia reuniu o pessoal e disse: Ó, hoje agente
vai ter aquele ataque simulado, ne. Então, distribuiu munição, agente tinha que fazer defesa da
33
Companhia de Comando e Apoio.
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área e tal. E aí, tinha patrulha inimiga, fazia emboscada, prendia os cara e tal. Dava porrada!
Era mais ou menos isso que acontecia! Aí o CFC ficou incumbido da parte de defesa da área.
E mais alguns soldados antigos, né. Entregaram a munição de festim. Aí foi feita aquela brin-
cadeira ali, né, à noite. No outro dia de manhã, o sargento de dia reuniu o pessoal e falou, Ó,
hoje agente vai ter uma alvorada festiva, né. Agente vai acordar todo mundo, né. Então, a mu-
nição que sobrou, de festim, agente vai acordar o pessoal. Aí, teve um iluminado que tinha
tomado todas. Ainda tava meio bêbado, de manhã cedo. Tomava a noite toda. Levantou o sol-
dado Weber, ainda me lembro até hoje, soldado Weber, era o soldado dois dezoito Weber, me
lembro até hoje, que agente é que deu porrada nele no alojamento, né. (risos) Era soldado an-
tigo. Quê que ele fez? Pegou a munição e saiu fazer alvorada. Só que ele entrou na barraca do
comandante de companhia, né. Ele entrou e [faz sons onomatopeicos de tiros]. Esse cara era
tenente na época, né. O Marcos Santos. Depois eu encontrei com ele, ele era Tenente Coronel,
comandante da Base Logística, lá em Boa Vista. Já, isso em 1998, 99, acho. Ele era Tenente
Coronel. 99 ou 2000, não lembro. Que ele era Tenente antigo em 1989, né. 99 ou 2000, foi
nessa época aí. Que ele era Tenente Coronel ou Major, não me lembro. Não vou entrar em de-
talhes, mas ele era lá da Base Logística. Aí o que aconteceu. Pô, o cara saiu P da vida, né.
Imagina. Entraram na barraca do cara e deram tiro! Aí ele mandou reunir toda a companhia e
perguntou quem tinha atirado, né. Aí, soldado, tudo meio encagaçado, né. A maioria do pesso-
al falou que não tinha tirado e tal. Aí, o quê que ele fez? Como era recente, ele foi no cano do
fuzil, né. Aqueles que ele pegou com o cano do fuzil quente ele já mandou sair de forma e aí
veio o pessoal que foi dedurando, né. Tá, o fulano atirou, e tal, tal, tal. Aí, nessa brincadeira
eu entrei, né. Só que nós tínhamos autorização, né. Nós tínhamos feito o que foi estabelecido
pelo sargento. Aí ele reuniu todo mundo e o pessoal falou: ‘Não, o sargento autorizou!’ e tal.
Aí o sargento veio e falou: ‘Eu autorizei. Eu autorizei a alvorada festiva aqui embaixo, nível
cabos e soldados.’ Porque as barracas eram distantes! As barracas de cabos e soldados eram
no fundão, assim, e aqui na frente eram as barracas do comandante de companhia, barracas
dos sargentos, né. Agente ficava lá atrás, né. Aí ele não quis saber, não ouviu ninguém e [dá
uma palmada com força] pau! Qual foi a consequência? O pessoal que era do CFC foi desli-
gado. Eu fui desligado do CFC. E o pessoal que... Nós fomos desligados e punidos, né. Nós
fomos punidos. Na época saía aquela punição em Aditamento, né, que não ia pras alterações.
Então, eu não tenho nenhuma punição nas folhas de alterações, né. Mas eu tive uma punição
em aditamento. Na verdade eu tive duas (risos), porque depois eu dei uma porrada num cara
no alojamento (risos). E eu levei duas. Até foi em sequência, né. Foi em sequência, as duas
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em aditamento. Essa, do CFC. Aí, quando eu tava terminando, teve uma... Era o famoso Ge-
neral Fajardo. Fajardo foi comandante eu acho que do Comando Militar do Sul, na época. Era
o...era um demônio! Eu não cheguei a pegar muito assim, porque agente era recruta e não ti-
nha o contato, assim. Mas o pessoal antigo falou que ele era o cão chupando manga, né. Ele
era um dos generais mais Caxias que já se ouviu falar no Comando Militar do Sul, esse cara.
Aí teve uma inspeção dele, né. Ele tava no quartel com a comitiva e tal. Eu já vinha de campo
e punição, e tal! Agente tava esperando pra entrar em forma. Era finalzinho da tarde assim.
Porque ele fazia toda a Guarnição de Curitiba, Curitiba não, de Santa Maria. E o BLog era um
dos últimos, né. Porque dava prioridade pras Infantarias, né. Aí tinha o quartel de Infantaria,
Cavalaria, Artilharia. E ele passava por último e dava aquela cruzada lá no BLog. Aí, ele foi já
era finalzinho da tarde, ne. E aí o soldado, um dos soldados que eram da minha turma lá, co-
meçou a... aí eu já tava indo embora, né. Então, tava com cabelo cortado, com a farda bem
limpinha, com coturno e tal. Aí, dava o sargento de dia, ou o cabo de dia, mandava cobrir e tal
aí ele vinha e ‘pá’!! Me dava na... (o depoente dá um tapa na própria nuca, demonstrando co-
mo o colega lhe batia). Aí eu pedi pra ele: Pô, Adilson, para com isso. E tal. Aí, veio de novo!
Aí eu fiquei cuidando ele na sombra da... Agente tava perto da luz, assim. Aí, quando ele veio
de novo, eu peguei o braço dele assim, peguei e virei, dei um soco por baixo. Dei um no es-
tômago dele. E como eu falei, eu fazia musculação, então, eu era forte, né. E ele era magreli-
nho. Nossa! Quando eu soltei o braço, ele desabou, né. Aí pronto, já chamaram o cabo de dia.
O cabo de dia chamou o sargento de dia. Ele só me olhou, balançou a cabeça assim: ‘Pô, de
novo P...?!’ Meu nome de guerra era P... na época, né. ‘Pô, de novo, P? Vai renovar o contra-
to!’ Aí, foram lá, me levaram pro Tenente, tá beleza. Mais tantos dias. Aí eu fiquei punido ali.
A segunda foi, foi justa, né. Porque eu não deveria ter batido no cara, né. Mas a primeira não
foi. A primeira agente tinha recebido autorização. E o cara não quis saber. Passou a régua pu-
niu todo mundo!”
EGR: [O sargento foi punido também?]
ANON1: “Não, não, não. O sargento não. O sargento ele só foi ouvido, assim, tipo. O sargen-
to falou, o recruta falou, o sargento tem razão. Isso é regra né. Lá era assim, né. A outra histó-
ria é a do cabo. Que ele era cabo corneteiro, né. O Manoel. Ele também era outro que não to-
mava... Quem não tomava cachaça, tava errado. E ele tomava bastante, né. Volta e meia ele
chegava meio chumbado no quartel. E o coronel vinha marcando ele já de tempo, né. Então,
numa das formaturas lá, o cara só errou um toque. Só chamaram o oficial de dia, e tal. Sus-
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pendeu ali. Tiraram o cara dali. Mas até então, agente tava em forma não sabia o que é que
tinha acontecido né. Depois agente foi ver ele tinha sido preso. Ele foi preso e ficou lá durante
o dia, né. Foi preso lá e liberaram depois. Então, era uma coisa natural assim, né. A punição, a
prisão, a detenção, o pernoite, né. Não tinha nada de apresentar justificativa, não. Chamava o
cara na tal da “Hora do Pato” lá e... mais nada. Mas era só formalidade pra dizer que o cara
foi ouvido. Eu nunca vi, principalmente recruta, né. Todos os caras que iam na tal da “Hora
do Pato”, tavam punidos. Já sabiam que a “Hora do Pato” era a punição, né. Não tinha... Aí eu
consegui sair da companhia, né. Com isso de eu ir pra Ajudante de Ordem, aí clareou mais,
né. Aí eu comecei a ver um outro Exército, né. Eu comecei a conviver com os sargentos, com
os oficiais. Mas não como aquele recruta, porque aí eu era o Ajudante de Ordem. Então, par-
tia-se do princípio que o Soldado Ajudante de Ordem ele era um bom soldado, né. Ele era es-
colhido, ele era garimpado, né. Então, tinha que ter um perfil, tinha que ter escolaridade boa,
pra época, né. Não que o cara fosse um.... É a farda, o cabelo. Agente tinha que andar sempre
no padrão. E os coronéis eram aqueles coronéis casca dura. O cara, bigodão. Esse coronel,
esse primeiro que eu fui Ajudante de Ordem, o Coronel Cícero? Nossa! Cavalariano, bigode
com dois metros de comprimento (risos). Grosso, Caxias. Não tinha horário pra terminar o
expediente. Era complicado. E a contrapartida nossa era poder estudar, né. Eu me ferrava,
porque eu tinha que chegar antes dele e sair junto com ele né. Então, agente até conseguia pe-
gar carona. Dava um jeito assim de ... Porque o quartel lá era longe, né. Então eu... Na época
tinha o carro oficial, que era aqueles Opala, né. E tinha o subcomandante. Ele tinha direito. O
subcomandante eu sempre ficava com ele, né. Então, o subcomandante era gente boa. Era Te-
nente-Coronel de Mat Bel34
. Esse era gente boa. O Coronel era uma maldição, né. Então, o
que que acontece? O Coronel não falava com ninguém, né. Então, ele pegava o motorista dele
e ia pra casa. E o Subcomandante era um cara mais tranquilo. Ele então, deixava agente ir jun-
to com ele no... ele tinha um Jeep que fazia o transporte dele, né. Ele tinha uma viatura que
ficava com ele, que às vezes era um Jeep, às vezes era uma Veraneio. Então, eu pegava carona
com ele né. Pra conseguir chegar mais rápido em casa. Beleza! Dali eu fui pra Escola. Fiz a
prova, passei. Na época tinha aquela divisão, né. Que era 50% pra civil 50% pra militar. En-
tão, a média do militar era bem mais baixa. Eu passei com uma média que se eu fosse civil
não teria ido. A procura era muito grande. Isso aí é uma coisa que agente observa hoje. Até
esses dias eu tava falando aqui com o M... De 2000, que eu tô aqui em Curitiba, até hoje,
2011, eu vi um cara ser aprovado no CFS aqui. Que foi o Cabo N... que era aqui da.... Traba-
3434
No jargão militar, trata-se do Quadro de Material Bélico.
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lhava no setor de pagamento, ou na tesouraria. Um! Em dez anos. Você vê, né. Na época, pas-
sava em média 5 por ano no meu quartel. Eu não sei qual era a proporção nos outros quartéis,
né. Mas no meu quartel lá no BLog, era nessa média. No meu ano nós fomos. Um foi pra Ca-
valaria, que foi o M... Eu fui pro Rio. Teve o L... que foi pra, pro BComEx. E o El...que foi
pra Minas pra fazer Artilharia, na ESA. Então, fomos em 4. Eu, que era Soldado Antigo, o ou-
tro que era Soldado Antigo também, porque ele era praça de oito oito e eu era de oito nove. E
dois sargentos temporários. Então, passou 4 num ano. Aqui 10 anos pra passar um. Então, es-
sa mudança aí.”
[Pausa a pedido do depoente].
ANON1: “Escolaridade, o que é que você quer saber?”
EGR: [Em que época completou o 2º Grau? Já era militar?]
ANON1: “Não. O 2º Grau, eu entrei no quartel com o 1º Ano do 2º Grau. Aí, eu fiz quando eu
voltei da Escola, eu fiz o 2 anos em 1, né. O supletivão aquele, né. Então, eu fiz um semestre
a parte de Matemática, as exatas, né. E no 2º Semestre as Humanas, é isso? Humanas. Então,
eu simplifiquei ali em dois anos em um, né. Isso em 1992. Aí, curso de sargento eu fiz em 91,
no Rio de Janeiro. O Básico na EsIE e o Qualificação na EsCom, Manutenção de Comunica-
ções. Ano das promoções. Eu fui promovido 3º sargento em 91, né, o ano que eu fiz escola.
Depois eu fiz, em 97, 97 eu saí 2º. Quando eu tava saindo do Rio Grande do Sul e indo pra
fronteira eu saí 2º Sargento. Aí depois eu fiz o CAS, 2001. 2005 eu fui promovido 1º. E ao
que tudo indica, se Deus ajudar, no meio do ano aí eu devo sair Sub. OM que serviu e referi-
dos anos. Eu incorporei como soldado, em 89, no 4º BLog, Santa Maria. Aí eu fiquei até o ano
de ir pra Escola. Eu fui pro Rio. E voltei no final de 91 pro mesmo Batalhão. Aí eu fiquei lá
de 20 de dezembro de 91, me apresentei. Até 97. Aí fui desligado e me apresentei na Amazô-
nia em Janeiro de 98. Eu fiquei lá 2 anos. Era pra ter ficado 2 anos. Como eu tinha feito a
transferência de faculdade, aí eu optei pra ficar mais um, pra não perder muita coisa. Eu já
tinha perdido quando eu fui pra lá. Eu entrei na faculdade em 94. Então, eu fiz dois anos e
pouco em Santa Maria e fui transferido. Aí, lá em Boa Vista eu continuei no curso só que
sempre dava aquela grade diferente. Aí eu acabei perdendo umas matérias. Então, eu tava re-
tornando. Eu pensei: pô, vou perder mais um tempão, né. Então, o que é que eu raciocinei. Eu
tava no dilema de terminar o curso rápido numa instituição que não era de muita credibilida-
de, que era Boa Vista. Ou retornar pro Sul, que aí era Curitiba, Santa Maria que eram minhas
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opções, pra terminar numa instituição melhor. Aí eu conversei com o pessoal e eles me fala-
ram: meu amigo, ó, qual que é a tua intenção. Eu falei, eu quero fazer concurso! Pra concurso,
vale é o canudo. Se você estiver formado na Universidade de C... A....que era uma das piores,
não sei se é agora. Na época, Santa Maria e Cruz Alta são vizinhas ali. Dá 100 quilômetros.
C... A...era lixo do lixo. Se tu tiver formado em C... A... ou na Federal de Santa Maria, não
interessa! Você tem o mesmo diploma. Você tem o pré-requisito pra entrar no concurso. En-
tão, como a minha ideia era terminar a faculdade, fazer um concurso e ir embora, por isso eu
optei ficar mais um ano. Por isso que eu fiquei até... eu fiquei 98, 99, já tinha os dois anos fe-
chados, pra sair de Boa Vista. Aí eu fiquei mais um ano e não consegui terminar, porque de-
pois eu tive que voltar pra apresentar minha monografia. Aí eu vim pro CAS, em 2001, e re-
tornei final de 2001, 2002, pra fazer a monografia. Então, a minha data de formação da facul-
dade é 2002. Mas aí, voltando aqui, na verdade eu tô falando do quartel, né. 2001 eu vim pro
B... me apresentei em fevereiro de 2001. Fechei 10 anos agora. Então, a carreira toda se resu-
me a BLog de Santa Maria, Escola de Comunicações, a 1ª Brigada de Infantaria de Selva, que
é lá em Boa Vista. E aqui que é o V... , Curitiba.”
EGR: [Você fez a faculdade. estudou mais depois?]
ANON1: “Ah! E aí tem a pós-graduação que eu fiz aqui no Bacellar, parte de Direito Admi-
nistrativo, né. Isso em 2008. Eu fiquei de 2001... 2001 eu cheguei aqui, né. Só que eu cheguei
eu fui fazer o CAS voltei. Me estabeleci mesmo aqui em 2002. Aí tava naquela fase pós fa-
culdade. Então tava querendo descansar. Então, tem um camarada meu aí (risos) que dizia que
eu vivia como gato de açougueiro, né. Ficava deitado lá só descansando, né. (risos). Eu tava
cansado, né. Porque eu vinha numa batida assim, desde 1984, 85. Trabalhava de dia, estudava
à noite. Quartel. Eu fazia Inspeção Técnica. Aí fui pra fronteira. Vem, volta, viaja. Faculdade,
estuda à noite. Troca serviço! Aquela coisa natural de quem estuda à noite, né. Então, era bem
cansativo. Então eu disse, olha: vou ficar um 6 meses aí, sem fazer nada! Aí eu voltei a estu-
dar já em 2002. Ali meio do ano de 2002. Surgiu na época aquela Polícia Federal 2º Grau, né.
Aí tinham 3 camaradas aqui do quartel que queriam fazer a Polícia Federal. E eu ia fazer pro
nível superior da Polícia Federal. E agente foi estudar juntos lá no Aprovação. E ali eu entrei
no embalo de estudo de novo e no ano de 2003 eu fui convidado pra trabalhar no escritório,
lá, né. Através de processos, 28%, e FuSEx, reintegração de militares. Eu fui convidado. Aí eu
fiquei de 2003,4, 5, 6, até final de 2006, perto de 2007. Cinco anos aproximado, aí. Então,
nesse período eu não consegui estudar né. Porque aí eu saía do quartel, ia pro escritório. Final
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de semana, e tal. Então, depois que eu saí do escritório, desacelerei, resolvi voltar a fazer a
pós-graduação. Eu fiz a Pós em 2008. Então, tem esse intervalo aí entre a formação, né, do
término da Faculdade até a Pós, que foi um período aí de 5 anos e pouco, que foi o período
que eu tava no escritório. Bom, por que ir pra o quartel, para o Exército... Isso aí eu já respon-
di. Que foi aquela história lá da minha cidade. O cara trabalhava muito pra ganhar pouco. Ou
o cara ia pro quartel pra ganhar mais e trabalhar menos. Basicamente era isso.”
EGR: [E sobre o tratamento disciplinar? Como era a cobrança? No decorrer da carreira elas
mudaram? A cobrança era maior ou era menor?]
ANON1: “O tratamento disciplinar. É, a cobrança era bem mais rígido. O tratamento era mais
rígido, né. Com o soldado principalmente, né. E o tratamento do... Na verdade, no BLog lá,
tinha uma característica diferente, né. Ele tinha a... a exceção eram os sargentos que eram
bundão, que era chamado, né. Era um nível tranquilo, né. Eu mesmo como soldado. Apesar de
que eu tinha a situação que eu era Ajudante de Ordens, né. Na minha visão era tranquilo! Por-
que eu tinha um contato mais direto com o pessoal, né. Acaba sendo aquele o, o escravo da
Casa Grande, né. Então, tu tem uma confiança maior dos caras, né. Mas como sargento, agen-
te percebia isso. Eu peguei Inspeção Técnica com pessoal mais antigo, eu era 3º. Então, os 2º
sargentos, 1º sargentos eram bem tranquilos. Os oficiais também. Tem até o que é agora o
Subdiretor do Parque, aqui. Ele chegou Aspirante no mesmo ano que eu cheguei da Acade-
mi... da Escola. Ele era um cara muito tranquilo. Os outros que chegaram com ele também,
muito tranquilos. Aí, claro! Sempre chegava um ou outro que era... que destoava um pouqui-
nho, né. Mas a regra assim... o tratamento, ne! Mas em termos de disciplina, de punição, a
mão era mais pesada, ne. A punição era 10 dias de cadeia. Detenção! Não tinha Impedimento,
não tinha esses negócios. Os caras ficaram presos e detidos, direto! E como tinha o tal do Adi-
tamento, o cara saía punido no Aditamento então os caras exageravam, né. Porque não ia nada
pra ficha, não ia pras alterações, né. E não tinha o negócio de contraditório e ampla defesa.
Aplica, cumpre e acabou! Não tinha muito! Hoje tu vê! O cara traz advogado, arrola testemu-
nha, faz um... Antigamente era o fato, a punição, cumpre! Pronto, acabou. Era bem mais rígi-
da. A parte militar era muito mais cobrada também. Eu lembro que eu era soldado, né. Agente
tinha um transporte, um ônibus que fazia o transporte nosso, né. Eu tava parado e eu tirei a
boina e o Subtenente, que era do meu quartel. Ele tava chegando... eu tava parado no ponto,
né. Pra esperar o ônibus. Eu cocei a cabeça, mexi. Fiquei com a boina na palma da mão, as-
sim, né. E eu nem me liguei e não coloquei na cabeça. Quando ele chegou ele falou assim pra
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mim: ‘Soldado! Você tá recolhendo donativos?’ (risos) E ele parceirão, né cara! Ele era um
Sub gente boa! (risos) Não era daqueles Sub... Mas era assim, né. Era o cara bem tranquilo.
Mas na parte militar, ele arrochava! Então, tu tinha que saber diferenciar bem essa situação,
né. Durante o serviço, pegava aquele sargento que era tranquilo, o cara se transformava! En-
tão, agente já tinha, mais ou menos, isso, né.”
EGR: [Ah é? Era normal isso?]
ANON1: “Era normal. Agente já tinha mais ou menos isso. Claro! Tem cara que não gosta né!
Mas agente já sabia que era daquela forma, né! O cara podia ser tranquilo! Mas, assim, era
milico! Era militar! Então, era muita missão de campo. Campo tinha verba, né! Hoje não tem
verba. Eu fazia campo lá, quando tinha pouco, o BLog né. Que o BLog fazia pouco. O BLog
fazia 4 ou 5, em média, no ano. A Infantaria era um por mês, né. Eu tenho meu cunhado, que
era sargento infante, ele fazia um campo por mês. A Infantaria fazia. E lá era assim. Tinha o
campo do Básico. Tinha o campo do CFC. Aí tinha um acampamento do BLog. Tinha um
Adestramento nível Região. E tinha um Manobrão que era na região de Saican, né. Então, em
média, agente fazia 5. Nos do BLog. E era acochambrado, né. Pra Infantaria, agente não fazia
nada, né. Porque a Infantaria era um por mês. Era um troço no calendário. Era um campo por
mês. Então, o regime era bem diferente! Treinamento físico, as formaturas, né. Questão de
imobilidade, questão de treinamentos exaustivos! Pô, tinha um general, o cara ficava treinan-
do três semanas, direto! Dois treinamentos por dia. Então, era uma coisa assim bem...bem
mais rígida. O tratamento era bem... bem mais forte.
EGR: [Formatura todo dia também?]
ANON1: “Não. O BLog não. O BLog, agente fazia 3 vezes por semana. Mas na Infantaria...
Eu falo sempre assim da Infantaria, porque o quartel onde eu servia era do lado... é tipo aqui o
Parque e BLog, né. Então, na região chamada Boi Morto lá, né, que é onde fica o 4º BLog. Aí
tem uma avenida, assim. Lá no final da avenida é o Campo de Instrução. Aí depois tem o 29
BIB, do lado do 29 é o BLog. Aí, na frente do BLog, tinha o 7º, que agora é um quartel de
Cavalaria, o 1º RCC. Que o 7º foi embora pra Amazônia e ele... pra Amazônia? É, não lembro
pra onde. Aí, ali. Passou agora, na época era o 7º BIB. Aí foi construída a Engenharia, a Com-
panhia de Engenharia. E, acho que a Cia Com. Não lembro se a Cia Com foi pra lá. Da época
que eu saí de lá, eram os dois Batalhões de Infantaria, e a Engenharia. Então, agente via, né. O
BLog ali, todo mundo falava mal da gente né. Porque eles diziam que agente era acochambra-
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do, né. Porque agente não tinha aquele... Pô! Treinamento físico: a Infantaria saía para correr
todo dia. O BLog era uma vez por semana. Aí nos outros dias era treinamento livre, né. Fazia
o aquecimento, liberava e tal. Aí o pessoal, agente ia jogar um futebol. Agente saía muito pra
inspeção técnica. Inspeção Técnica, na época fazia a inspeção e a manutenção. Então, agente
ia com o caminhão. Agente ficava muito tempo fora, né. Parte de formatura não era todos os
dias, era 3 vezes por semana. A Infantaria fazia todos os dias. Acho que aí eu respondi, né.
Padronização do uniforme era bem cobrado também. Era o verde. Tinha que andar, ele tinha
que ser engomado, né.”
EGR: [Você, quando era soldado, como é que você via a figura dos sargentos e a figura dos
oficiais? Pra você era tudo igual?]
ANON1: “Não, não. Pra mim, eu tive uma experiência assim. Eu tive um primeiro período
que é aquele do Soldado Recruta... e depois como soldado Ajudante de Ordem, né. Então cê
vê a diferença de tratamento, né. Isso acontece até hoje, na verdade, né. Tipo assim, o cama-
rada, em determinadas situações, ele precisava de você, né. Então, ele te trata de forma dife-
rente, né. Tinha um capitão lá, o Capitão Lermen. Ele era o bicho. Tratava o soldado que nem
cachorro! Tinha um tenente lá, o Krueger, até espada ele enfiou num soldado, lá uma vez!
Tratava... então, soldado não gostava nem do sargento e nem do oficial. Essa era a regra. Aí,
claro! Tinha aqueles diferentes. Às vezes tu é o Cassineiro, o Ajudante de Ordem, então o tra-
tamento era diferente! Mas a regra era essa: soldado..., cabo e soldado né, ele tinha um regime
diferenciado. Era mais rígido. Então, não gostava. Tanto que, quando tinha as confraterniza-
ções de final de ano, era normal, soldado que tá dando baixa sair na porrada com sargento.
Era normal isso. Com oficial, oficial até que não tinha um... Porque o sargento, ele tinha um
contato mais direto. O oficial não. Mas o sargento? Nossa! Eu vi várias pancadarias, lá! Como
soldado e depois como sargento. O cara tomava umas cachaça e aí ele queria tirar o recalque.
Então, acontecia muito isso. Por causa desse tratamento. Então, o tratamento era rígido. Isso
considerando que o BLog não era dos piores! Em outros quartéis, as histórias eram... eu tô
falando nível BLog, né. E também, assim, dois ou três se destacavam sempre, né. Que o pes-
soal falava. Eu era 3º Sargento e tinha um 1º Sargento, um tal de Passamany. Pô! Ele era 1º
Sargento, cara! Nem os sargentos gostavam dele, né. Tinha o Flávio Abel, que era o Brigada!
Meu Deus! Era outro, também! Então, assim, ó! Tinha de 100 sargentos, 90 até que agente...
não era amigo, né. Mas também tu não tinha aquele ódio, né. E o restante era... porque o cara
apertava mesmo! Não era aquela coisa amistosa, né. Aquele troço de amiguinho e tal. Era
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quartel!”
EGR: [Tratava a antiguidade à risca!?]
ANON1: “Antiguidade à risca. Na hora do rancho, na hora do rancho fazia a fila. O sargento
entrava, procurava a antiguidade dele e puf! Entrava na fila aqui. Na fila do rancho, em todas
as situações. Era tudo o negócio da antiguidade. Era bem mais... Hoje, vai no cassino ali, o
cara entra na tua frente, ninguém dá bola, né. A maioria pelo menos. Mas lá não, lá era rígi-
do.”
EGR: [E aí já como sargento, como você passou a visualizar os próprios sargentos e os ofici-
ais?]
ANON1: “Como sargento... eu sempre fui um cara... eu sempre fiz amizade fácil. Então, eu
jogava futebol, sempre fui um cara, gostava de festa. Tomava cerveja. Organizava churrasco.
Então, nunca tive muito... Assim, ó! Foram raras as pessoas que eu tive problema. Alguns ofi-
ciais eu via ter... Tem um cara que eu cito. Ele era capitão na época. Ele era chamado de calo.
O apelido dele era calo (risos). Daí, você veja o nome, né. E que ninguém gostava dele! E eu
achava o cara nota 10. Porque ele era um cara assim. Ele cobrava, mas ele era um cara pa-
drão! Pense num cara padrão! Era um cara assim, impecável! Tu não achava nada de errado
nele. Tu podia olhar o uniforme dele. Ele tava sempre com a farda passada, o coturno limpo.
O cabelo sempre padrão. Assuntos que tu conversasse com ele, ele era milico! Depois ele foi
Diretor do Parque lá de Santa Maria, lá. Eu tive uma situação... e ele matava no peito, né. Eu
era sargento, e os caras não gostavam dele. Ele matava no peito. Se você fosse um bom mili-
tar, ele tinha moral assim, com general, com qualquer um. Ele entrava no PC do Comandante.
Todo mundo respeitava ele. Ele era Capitão. Eu sofri um acidente em Santana do Livramento.
Vindo de Santana do Livramento, pra Santa Maria. Eu namorava uma menina que morava em
Santana do Livramento. Dá 240 quilômetros de Santa Maria. Eu viajava no final de semana.
Viajava na sexta, ou às vezes no sábado de manhã, depois quando eu tava na faculdade. E vol-
tava no domingo à noite, ou segunda-feira de manhã bem cedo eu voltava. E numa dessas vi-
agens eu saí da estrada e bati meu carro. Aí, eu liguei da estrada. Porque eu fiz um contato
com o guincho. O pessoal que fica ali na rodovia. E os caras queriam me cobrar na época, aí.
Isso aí foi em noventa e... noventa e quatro, noventa e cinco. Foi noventa e cinco. 1995. E se-
ria hoje, assim, na época era 300 reais. Imagine. Isso em 95. Hoje, sei lá, 2000, 3000 reais.
Era um absurdo! Aí o quê que eu fiz. Eu liguei pro quartel, falei com um amigo meu e ele me
passou pro capitão, né. Capitão Morais, o nome dele. A verdade eu queria o guincho do quar-
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tel, né. Porque o BLog tem um guincho. Ele disse, olha, na verdade não pode liberar o guin-
cho. Tem uma ordem aí do General, que não pode liberar o guincho. Porque o guincho é de
uso exclusivo do quartel. Mas eu vou liberar porque você é um bom sargento. Pode deixar que
eu vou liberar e eu mato no peito. Tô mandando o guincho. E ele mandou o guincho, cara! Aí
o pessoal contou que ele chegou no PC... Isso aí eu não presenciei porque eu estava na estra-
da. O pessoal disse que ele chegou no PC do Comandante. Falou: Ó! Coronel, tô mandando
um guincho pra buscar um sargento nosso! Que sofreu um acidente, assim, pá, pá. Aí o coro-
nel falou: ‘Não, porque você não pode assim, não sei o quê.’ – ‘Coronel! Já fiz! O guincho já
saiu. Se der problema, eu sou o chefe da...’ ele era o chefe da 4ª Seção, né! ‘Eu sou chefe da 4ª
Seção, o senhor pode falar que eu descumpri ordem sua que eu mato no peito!’ Virou as costas
e saiu! Então, ele era assim. Então, esse cara... Pra dizer que tinha aquele oficial filho da puta,
tinha o sargento filho da puta. Tinha o sargento gente boa, tinha o oficial gente boa. Então es-
se cara era assim, ele era nesse nível. Aí tinha né cara! Tinha cara lá que não sabia fazer nada
e se achava o máximo. Eu agente cortava. Que a turma de sargentos, ela isolava mesmo né.
Agente tinha, na época da Inspeção Técnica, dependendo do oficial, o cara pedia pra sair da
Inspeção Técnica. Porque agente isolava. Agente saía pra fazer uma festa, por exemplo. Isso
aí era normal, né. Ia pra Inspeção Técnica, saía pra ir num barzinho tomar uma cerveja, né. Se
o cara fosse gente boa, agente chamava e tal. Se o cara fosse sangue ruim, agente saía e o cara
ficava sozinho no quartel (risos), no alojamento. Se o cara precisasse de um documento, agen-
te, enquanto pudesse não entregar, não entregava. Deixava ele... até que o cara... ou ele vem
pro teu lado, não é. Ou ele se explode sozinho, né. Mas a visão que agente tinha do oficial era
essa, né. Alguns, minoria, na verdade. Uma minoria era boa. Tinha oficial muito bom pra ser-
vir. Mas a grande maioria era o cara que não queria nada com nada. Oficial temporário, então,
meu Deus! Os cara cagavam geral!”
EGR: [Mas apertava?]
ANON1: “Apertava! Era assim uma regra, né. Eles queriam apertar e não queriam fazer. Era
mais ou menos isso que acontecia. Depois, à medida que eu fui ficando mais antigo, você
consegue administrar bem isso aí, né. Porque agente já tem mais argumento, né. Tu já conse-
gue... A parte da Faculdade de Direito também ajudou bastante nisso ne. Porque aí eu já tinha
conhecimento de muita coisa, né. Discutir. Aspas né. Quando era permitido, né. Trocar uma
ideia, trocar uma informação. Mas a visão geral era essa.”
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EGR: [Teve alguma mudança aí desse período de 3º sargento até agora?]
ANON1: “Mudou bastante eu acho. A mentalidade mudou, né. Antigamente era... O sargento
ele não conhecia... o sargento ele executava, né. Hoje em dia, aqui mesmo, agente passa por
situação de um documento aqui. Antigamente era assim. Oficial chegava pra você: ‘Ó! Eu
quero que você faça isso, isso e isso!’ Em regra, até o rascunho ele te dava! Ele fazia um ras-
cunho e te entregava, se fosse um documento. Ele tinha um conhecimento que o sargento não
tinha. Então, hoje a coisa já tá mais nivelada. Então agente consegue ter um acesso a certos
assuntos e até dar uma opinião, alguma coisa. Coisa que antigamente não tinha né. Lá na
Amazônia mesmo. Eu peguei capitão Guerra na Selva mesmo, que, Meu Deus do Céu. O cara
era burro que nem uma toupeira, que não aceitava a opinião de ninguém. Hoje você vê Co-
mandante de Companhia, Subcomandante, o sargento tem, não só aqui mas em vários lugares,
né. O trabalho S/1, que é o cara ali que coordena ali o S/1, o S/3. A parte jurídica. Muita gente
em área de Informática, Tesouraria. Então, existe um nivelamento que não tinha na época. En-
tão, qual era a consequência? Bom, o cara cumpria ordem, né.”
EGR: [Esse nivelamento de hoje em dia você reputa o que? Foi o esforço do sargento ou a
instituição que permitiu e incentivou...?]
ANON1: “Não! A Instituição, na verdade, ela, em termos profissionais ela te dá pouco, né.
Então, você vê. Eu tenho 40 anos de idade e não consigo fazer nada na Instituição. Nem cur-
so, esse tipo de coisa. Se eu quiser fazer uma pós-graduação, mestrado, doutorado, ela não
paga nada, não me incentiva pra estudar. Então, é esforço do militar. É a vontade de cresci-
mento do militar. De tudo que aconteceu na minha vida, a única, ou as únicas pessoas que eu
digo assim, que me ajudaram na minha formação, são dois Tenentes QAO, que agora tão na
reserva já. Pegaram posto acima, saíram posto acima, saíram como Major, na época que eu
estava em Boa Vista. Eu até cito que um deles que aquele cara não existia. O cara era um...
(risos) ele vivia em outro planeta, né. O cara era bom demais... Ele era... tem uma história que
eu conto aí, que... Eu fazia, quando eu tava na Amazônia, o expediente lá na Sexta e na Se-
gunda, era meio-expediente. Então na Sexta agente trabalhava só de manhã e na Segunda só à
tarde. Então, como eu tava estudando, eu fazia estágio. Então eu pegava normalmente na Sex-
ta à tarde e na Segunda de manhã. Quando eu não tinha aula, né. Segunda de manhã era sem-
pre. Então, era claro, né. Pô, atropelo, chegava atrasado! Aí, um dia eu tava na... eu não me
lembro se era na 1ª Vara Criminal, ou na 3ª. Era alguma coisa Crime... Então eu lembro que
agente tava na audiência, tava participando e eu não consegui sair, era estagiário, né. Aí, eu
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tinha tá uma hora, uma e meia no quartel. Eu cheguei em casa uma hora, né. Aí até tomar ba-
nho, almoçar, e tal. Quando eu tava entrando em casa, tirando o terno pra tomar banho, toca o
telefone! Aí eu atendi. Quando eu atendi o telefone, aí ele: C...? ele falava bem calmo assim
(risos). Eu falei já tô chegando, já tô chegando! Algum problema, o que foi que houve? Já tô
chegando, cheguei agora do Fórum, já tô trocando a roupa e já... ‘Calma, meu filho! Calma!’
Ele falou pra mim. ‘Cê tá muito estressado! Cê tá correndo demais! Eu tô ligando pra falar
que hoje tá muito tranquilo aqui! Não vem pro quartel. Fica em casa, descansa. Estuda, faz o
que tem que fazer. Se eu precisar de alguma coisa, eu te ligo’. E desligou o telefone. (risos)
Eu falei: esse cara não existe! (risos) Eu tive o privilégio, essa sorte, sei lá, de ter um camara-
da desses no meu caminho, né. Porque foi um cara que me ajudou muito. Tanto é que quando
eu fiz minha monografia, ali naquela dedicatória, eu coloquei o nome dele e o do outro, que
agora tá aqui em Curitiba, o Omar, que também me ajudava. Pô, encaixava horário pra sair,
fazer faculdade. Saía, fazia matéria. Então, assim, me ajudaram bastante. Mas a pessoa! A
pessoa! O Tenente fulano e o Tenente Beltrano! Porque se fosse depender da Instituição, eu
não teria absolutamente nada! Isso, em qualquer nível. Tanto nível 2º Grau, nível pós-
Graduação, nível Graduação. Ela não te dá essa possibilidade. Eu vejo aí colegas que fizeram
Faculdade comigo, que estão em Instituição tipo Caixa Econômica Federal, em outras, eles
bancam o curso. se você quiser fazer um curso de Pós-Graduação, Doutorado, Mestrado, des-
de que haja interesse pra empresa, óbvio, né. Mas ela vai lá e ó! Toma! Ela te dá o inventivo.
Então, esse nivelamento que eu falo, na verdade ele ocorreu, no meu ponto de vista, né. Ele
ocorreu por força única e exclusiva do militar, né. Muitos na verdade, com o intuito de sair da
Força, né. O meu era esse né. Eu estudei pra sair! Eu passei daquela fase ali da rebeldia, ali,
né. De querer embora, de não aguentar botar farda. Por uma série de coisas, salário baixo, de
falta de incentivo profissional, de ver camaradas incompetentes que são superiores hierárqui-
cos. Tem muito aquela coisa da Divisa ou da Estrela, né. O cara é mais antigo, mas tu vê, per-
dão da palavra, o cara é um bosta, né. E ele é o cara que comanda, né. Eu tive várias pessoas
assim, né. O cara não sabia nada! É o mais antigo! Desde a época de 3º até hoje eu vejo isso,
né. O cara que não sabe nada e manipula! O cara político. Faz o cartaz dele, né. Isso eu vou
citar um exemplo na sequência, que aconteceu com meu amigo M... Queria deixar registrado
aí, que foi um cartaz que foi feito aí. Depois eu falo. Eu vou falar essa história porque isso aí
tava no meu... desde que tu falou da entrevista, eu fui pensando naquelas situações que eu
acho corretas ou incorretas, justas ou injustas, conforme o termo que tu utilizou ali. Essa é
uma coisa assim, que eu acho extremamente injusta, né. Eu acho assim um absurdo e jamais
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eu faria isso. Quem me conhece sabe que jamais eu faria isso. Que foi feito com o M... que foi
o Subtenente A... Quando eu vim pra Seção, que eu vim trabalhar na Seção, o que se ouvia,
né. Eu nunca dei muita importância, porque na verdade eu trabalhava no outro lado, né. Eu
era pró-cidadão e ele fazia a União, né. Eu fazia o Empregado e ele fazia Patrão. Fazia pro-
cessos de Reintegração, Compensação Pecuniária, Demissão... Todo tipo de processo que o
militar move contra a União.”
EGR: [Isso quando estava no escritório!?]
ANON1: “Isso quando eu estava no escritório.”
EGR: [Você era especializado em assuntos...]
ANON1: “Assuntos militares! Eu fiz processo de Pensão Especial de Ex-Combatentes, Rein-
tegração, Reforma, 28%, FuSEx35
, Plano Bresser – esse aí não deu em nada na verdade! (ri-
sos). Compensação Pecuniária, Questão de Demissão. Teve 3 ou 4 casos. Aquele que pede
demissão antes de fechar os 5 anos, quando é oficial. O sargento eu não me lembro, porque eu
nunca fiz, na verdade. Eu fiz de oficial. Normalmente, oficial médico e oficial farmacêutico.
O pessoal do hospital lá era nosso cliente. Eles entravam e aí tinham que ficar 5 anos. E aí o
cara queria sair antes. E a briga aí era o pagamento, né. Às vezes o cara tinha 4 anos e meio já
de quartel e aí quando o cara pedia demissão, a União vinha e cobrava os 5 anos dele. Aí a
briga era essa, né. Que agente dizia que tinha que ser pago proporcional e a União diz que não
tem pagamento proporcional, mais ou menos isso. Mas enfim. Voltando ao assunto. E ele, as-
sim. Ele é o cara. Ele é o que faz tudo! Ele é o cara que gerencia o Jurídico, que gerencia a
Secretaria, que gerencia não sei o quê... Quando eu vim pra função dele... Até teve uma situa-
ção (risos) que o Capitão falou pra mim. O Capitão, não me lembro se foi o Capitão D.... Ca-
pitão D... falou pra mim na época: ‘Ó! Vai lá, senta no colo do subtenente e aprende com ele!
Aprende com ele! Porque ele é o cara! Ele sabe fazer tudo aqui dentro, ele faz tudo aqui den-
tro e ele é o cara!’ Eu fiquei na minha. Vim pra receber a função dele né. Cheguei na Secreta-
ria, eu perguntava pra ele: ‘Ô galáctico! – eu chamava ele de galáctico – cadê o documento
tal?’ aí ele sentava no computador não achava. Aí ele perguntava: Ô M..., cadê aquele docu-
mento tal que eu falei pra você?’ Aí o M... falava: ‘Não, Sub, esse aí eu fiz, tá no computador,
na pasta tal e tal!’ Aí ele passava pra mim. ‘Ah, eu preciso do arquivo. Cadê o arquivo, cadê o
arquivo?’ O M... dizia, ‘Sub, eu fiz o arquivo e ele tá em tal lugar!’ Em resumo, né. O M...
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fazia e ele levava a fama. A parte de organização. Não tinha. Por que? O M... não conseguia
dar conta! O M... tinha tudo pra se preocupar e ele só fazia o Lobby, né. Ah, uma coisa que
aconteceu de... Eu sou um cara sistemático, né. Você pode me dar um modelo, que eu vou ve-
rificar se tem alguma coisa pra fazer diferente. Alguma coisa a mais pra acrescentar. Alguma
coisa que possa tirar. Então, começou a bater pra nós aqui acidente em serviço. Não era aci-
dente em serviço! Era acidente de militar que foi... Pô, caiu lá na rua jogando bola! Aí veio
pra nós aqui. O M... falou: ‘Esse aqui é um despacho padrão que foi bolado pelo subtenente!’
Beleza. Aí eu fui ler o despacho. Com fundamento na Portaria número tal, de 1990. Aí eu pen-
sei, acho que... nós estamos em 2008! Vamos ver essa Portaria! Aí eu fui ver a Portaria, a Por-
taria estava revogada! Isso aí é um erro gravíssimo, né! Imagine um Advogado, um Juiz, um
cara da área jurídica fundamentar uma petição, fundamentar um pedido, um arquivamento,
qualquer decisão numa portaria revogada? Aí lógico, né, eu fiz questão de mostrar pra todo
mundo. E agente foi tirando aquele mito que ele o... né. Bem depois, aí foi a coisa assim, que
eu fiquei mais indignado ainda. Agente tava ali no jurídico, chegou o Coronel S... Que o Co-
ronel S..., o M... tava ali trabalhava e tal. Aí o Coronel chegou e falou: ‘Ô C... cê tá no jurídi-
co, criaram um jurídico aqui, e tal.’ E eu respondi, é Coronel, agente tá aqui, e tal. Ficamos
conversando, o M... sentado. Daqui a pouco ele olhou pro M...: ‘Ué! Você trabalha aqui tam-
bém, M...?’ Aí, o M... ’Trabalho!’ (risos) ‘Ah! Você é da área jurídica?’ (risos) Ele perguntou
assim. Então você vê. O camarada ficou 3 anos aí, acho que 2 não sei. Não, 3 anos. Ficou todo
o comando do Coronel S... Ele fez a propaganda dele. Ele colocou pras pessoas que ele enten-
dia. E ele não fazia 10% daquilo que as pessoas achavam que ele fazia. O camarada que real-
mente fazia, ele nunca tocou no nome dele! Uma outra situação que aconteceu em relação a
ele, foi quando eu estava vindo pra trabalhar na época, na Secretaria. Depois é que foi feita a
divisão pro Jurídico. O M... pediu pra sair da Secretaria. Ele disse pro M... que já tinha con-
versado com o Capitão. ‘Não, já falei com o Capitão, já tá tudo engrenado. Estamos só espe-
rando aí pra gente decidir. Ele tinha passado essa situação pro M...Aí eu esperneei, esperneei,
não queria vir pra Secretaria, bateram o martelo que eu vinha. Aí, o que que eu falei? Eu vou
pra Secretaria, mas eu não abro mão do M... (risos). Então, eu quero que o M... fique na Se-
cretaria. Então, um dia agente estava conversando e eu toquei no assunto. Estava o Subtenen-
te, o Capitão e eu. Eu falei, ‘ó Capitão, inclusive agente tem que ver a situação do M... porque
o senhor tá querendo tirar ele da Secretaria, e eu quero que ele fique.’ O Capitão virou pra
mim: ‘Eu quero tirar o M... da Secretaria? Eu não quero tirar o M... da Secretaria. Quem falou
35
Fundo de Saúde do Exército.
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isso? ’ (risos) Daí ele ficou meio assim. ‘Não, Capitão, veja bem!’ (risos) ‘É que o M... pediu
pra conversar com o senhor e eu não tive oportunidade ainda de conversar...’, e tal. Então ele
era um cara assim. Era um tipo de pessoal que pra mim, eu detesto! Eu abomino! É um cara
assim que não vale absolutamente nada! Porque uma coisa é você ter competência e mostrar
que é competente. E a outra é você usar as pessoas! Você manipular o sistema. E na minha
interpretação foi isso que aconteceu. No período de escritório, uma das primeiras coisas que
eu aprendi, com o L... e com a A..., e com o S... também, que eram as pessoas que eu trabalhei
junto, com os três, eles diziam o seguinte, ó: ‘o camarada que é bom advogado, ele não tem
medo de concorrência! Ele não tem medo de concorrência. E isso aí vale pra tudo, né. Isso aí
ele falava em relação à Advocacia né. Mas vale pra tudo! Por que? Se ele é bom no que ele
faz, não importa que surja um outro que também sabe fazer. Ele vai superar o outro, ou o ou-
tro também vai ter espaço pra trabalhar, não importa. E o que eu via, na verdade, é que ele
tirava o camarada do circuito. Pra que ele só ficasse como sendo o bom da bola, né. Então, ele
é o cara que sabe, ele é o cara que entende.”
EGR: [Você acha que isso é comum de acontecer no quartel?]
ANON1: “Nossa! Um capitão, esse eu não vou citar o nome né (risos), porque esse é recente,
né. Mas o Capitão perguntou pra mim o que que tinha: ‘Chegou um documento, assim, assim,
assado, da Justiça. O quê que tem que fazer aqui?’ Aí eu falei, tem que fazer isso, isso, isso!
Tem que publicar em Boletim, pá, pá, pá! Beleza. Deu uns dois minutos chamou o Coronel:
‘Fulano? Como é que tá o documento, aquele que chegou da Justiça?’ – ‘Coronel, eu acabei
de orientar o sargento!’ Falou na minha frente (risos). ‘Eu acabei de orientar o sargento, ele
vai pegar o documento, vai publicar, vai fazer isso, isso, isso’. O que eu tinha falado pra ele,
ele inverteu e disse que tinha me orientado! (risos) Então, isso é uma coisa normal. Agente
tem que ter um bom jogo de cintura, na verdade. Um bom jogo de cintura. Tem oficial e tem
sargento bom! E esses, eles não se preocupam. Seguindo essa teoria aí que o cara que é bom
ele não tem medo. O oficial que é bom, o sargento que é bom, ele não se preocupa com que o
mais moderno tá falando. Porque ele sabe que ele não precisa da antiguidade pra demonstrar
que ele sabe. Ele se impõe pelo conhecimento. Ele deixa você falar, daqui a pouco ele tira...
Ele te desarma. Porque ele dá um argumento e aí você, ôpa! Aí você passa a respeitar o cara!
Ele não precisa da antiguidade! Tem muita gente assim. Eu conheço muita gente assim, tanto
nível sargento, quando nível oficial. Nível Subtenente, um cara que eu cito é o Almeida! O
Almeida, ele tem conhecimento e ele não se preocupa! Eu já tive oportunidade de trabalhar
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com ele quando ele era 2º, saindo 1º. Qualquer coisa que você precisasse, ele informava. Ele
veio pro S/1, ele foi responsável pela carteira de Cabo e Soldado. Ele passava qualquer tipo de
informação que você precisasse. Se você tivesse que discutir com ele sobre legislação, agente
discutia. Depois que tu falava, ele te dava a interpretação. E normalmente a interpretação dele
tava correta. Então, é isso que eu digo. É o camarada que se impõe porque ele tem conheci-
mento e ele não precisa usar a coisa da... Que tinha desde a época da Escola, né! Não sei se lá
na Escola de vocês era assim, mas no meu CFS era assim. O cara que não sabia nada, ele gri-
tava com todo mundo na sala! Pra inibir que o camarada perguntasse. ‘Pô, vou perguntar pra
quê? Se o cara vai me dar uma mijada!’ O cara que era bom ele abria espaço e tu podia per-
guntar o que fosse. Ele respondia tudo! Fazendo um gancho, né. É mais ou menos isso que eu
vejo. Então, hoje tem muito camarada que não sabe absolutamente nada! Ele compra a ideia,
ele pega uma ideia e vende como sendo dele. Tem muita gente assim. E têm aqueles outros
que são bons e não precisam desse tipo de argumento, dessa malandragem, vamos dizer as-
sim.”
EGR: [Quando você entrou no exército, como você visualizava o tratamento dado aos solda-
dos, tanto dos sargentos como dos oficiais?]
ANON1: “Bom, na época, todo mundo achava normal, né.”
EGR: [E como é que era?]
ANON1: “Como eu te falei. Era bem mais rígido, né. Acampamento, mesmo. Acampamento,
nego até porrada dava. Batia, batia mesmo. Era uma coisa assim, mais física. O sargento era
mais truculento, né. Hoje em dia o cara é mais polido, né. Antigamente não. O cara era trucu-
lento. Metia a mão! Era um tratamento mais...mais animal! Não era uma coisa tipo, de diálo-
go. O cara te falava duas, três vezes, cara. Daqui a pouco ele vinha, te dava um empurrão, vai
fazer e pou! Era mais ou menos isso que acontecia. E tinha um respaldo. Por que aí batia o
cara vai... Hoje se tu fizer uma coisa dessas, bater no soldado, alguma coisa assim, nossa, abre
um Inquérito Policial, bate advogado aqui. Vem Juiz, vem Promotor. Antigamente não. O Te-
nente mesmo lá que enfiou uma espada num soldado, sargento que dava porrada.”
EGR: [Não acontecia nada? Nenhuma denúncia?]
ANON1: “Não! Nunca vi! Absolutamente nada, nesse período aí de... até a década de 90, pra-
ticamente toda aí, né.”
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EGR: [Você reputa que houve mudança a partir de quando mais ou menos?]
ANON1: “Bom, a mudança... porque o militar ele demora pra saber que tem o direito, né. Ele
é assim, daqui a 20 anos ele diz: ‘Nossa!’ (risos) É bem assim. Tanto que cê vê. Ação de 28%.
A Lei que prejudicou os militares ela é de 1993! O boom de ação que teve aí foi a partir do
ano de 2001! Quem entrou cedo, entrou em 99. Ou seja, de 93 pra 99 são seis anos. Seis anos
o camarada dormiu! Não sei se por acreditar no Sistema, não sei se por medo de entrar na Jus-
tiça! Na verdade, as duas coisas né. Tem camarada que acredita que o Sistema vai pagar pra
ele aquilo ali. E outro que tem medo da represália. ‘Não, porque vai um caveirinha, lá na dire-
toria de promoção, na de transferência, etc.”
EGR: [Você acha que tem isso mesmo? Tem esse caveirinha?]
ANON1: “Olha, o pessoal que serve em Brasília disse que existe. Eu acho que existe. Eu acho
que existe.”
EGR: [O nome fica marcado lá!?]
ANON1: “Eu acho que existe. Eu acho! Infelizmente (risos) eu acho que existe. Mas cê veja.
Essa questão da denúncia, da disciplina, do advogado, do Direito, entrando nas Forças Arma-
das, eu comecei a perceber isso aí de 2000 pra frente. Tanto que tem uma discussão – isso aí
eu já fiz uma ação judicial disso também – de anulação de punição porque na época não foi
respeitado o Contraditório e a Ampla Defesa. O Regulamento Disciplinar, ele é de 2002! Aí
que foi introduzida a parte do Contraditório e Ampla Defesa. E antes disso, eu acho que foi
noventa e... acho que é 99, acho. 99 ou 2000, não lembro. Que padronizaram em Sindicância,
e tal, a questão do Contraditório e Ampla Defesa. A partir dali é que começou a ter uma preo-
cupação maior. Até tem um colega meu, que ele era lá de Boa Vista, que ele fez uma mono-
grafia de final de curso. uma monografia de Direito. Ele fez sobre isso. Sobre o Contraditório
e a Ampla Defesa no âmbito das Forças Armadas. Então, você vê. A partir de 2000 é que co-
meçou a ter uma ênfase, né, na parte do Contraditório e Ampla Defesa. E na verdade, isso aí
já existe desde 1988, né. Que na Constituição Federal ela fala que “Aos litigantes em processo
judicial e administrativo, será assegurado o Devido Processo Legal, Contraditório e Ampla
Defesa”. Aí, qual que era a discussão judicial aí? O camarada foi punido em 94. Aí não teve
Contraditório e Ampla Defesa. O que que a União, que que o Exército alega. Que isso só foi
normatizado no âmbito da Força a partir de 2000. 99 ou 2000, não lembro exato. Que foi
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quando surgiu essa primeira portaria, depois veio o Regulamento, que é de 2002. Só que isso
ai, na verdade, é história, né. Porque na Constituição Federal já estava estabelecido e como
faz parte do Livro ali, Direitos e Garantias Fundamentais do Cidadão, ele tem aplicação ime-
diata. Quem pega a Constituição Federal e lê o Artigo 5º, tem um parágrafo lá, o 1º ou 2º, não
lembro, que ele diz lá: os direitos fundamentais previstos neste artigo tem aplicação imediata.
São imprescritíveis, irrenunciáveis, não sei o quê, e tem aplicação imediata. Então, judicial-
mente, quem tá entrando, tá ganhando. Torna nulo o ato, com efeitos retroativos desde a época
lá, né. Mas eu considero que essa mudança de denúncia, preocupação maior com trote, mu-
dança de hábito com relação a pancada, a brincadeira mais violenta, ao trato com subordina-
do, etc., ela é devida a essa mudança na legislação, né. Preocupação maior que tem com o
Contraditório e a Ampla Defesa, que na década de 90 ficou dormindo. (risos) Então, o militar
só se ligou... de 1988, 2000; 12 anos depois ele, upa! Já tenho isso aqui! Isso em tudo né (ri-
sos). O militar, eu não sei se ele é acomodado ou se ele acredita muito. Eu não sei exatamente
o que..., até hoje, eu não consegui traçar um... não consegui ter um conceito formado na mi-
nha cabeça aqui, do porquê disso. Tem várias... Eu não sei te responder mesmo. Por que que o
militar demora tanto tempo se é pelo medo. Se é por acreditar. Sei lá. Não sei não.”
EGR: [E o pessoal que trabalha na 2ª Seção?]
ANON1: “Segunda Seção e PE né? É, isso aqui o pessoal levava mais a sério a 2ª Seção. Hoje
em dia o pessoal não... Eu lembro de, da época que eu era, na década de 90... E quando eu ta-
va lá em Boa Vista também. eu tive umas situações que eu lembro bem. O pessoal da 2ª Seção
era chamado de ‘Dedo Duro’, o ‘Cagoeta’36
, isso aí né. No Rio Grande do Sul, foi problema
de agiotagem. Tinha cara lá que pegava dinheiro. Na época ali do, antes do Plano Real né, que
a inflação era absurda, né. E depois do Plano Real também, né. Que aí os caras emprestavam
tipo a 10%, né. Que também era um monte de dinheiro, né. Então, teve muita gente que foi
presa e respondeu a processo por conta de investigação da 2ª Seção. Lá no quartel mesmo eu
lembro. Teve o Cabo, qual que era o nome do Cabo?... Era o M... Tinha um outro Sargento lá,
o A.C. Esse cabo, foi feito... O Grêmio, nós tínhamos o Grêmio de Subtenentes e Sargentos lá.
Esse cara era Cabo estabilizado, saindo QE, né, 3º Sargento. O Grêmio assumiu a dívida dele.
E aí o Grêmio tinha uma autorização pra desconto em contracheque né. Então, eles pagavam
os fornecedores (risos), vamos dizer assim, né, os agiotas. O cara tá pedido de morte, por em-
préstimo. Ele se enrolou todo! Tipo o que aconteceu com o S... aqui. E esse cara foi um
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exemplo. E foi a 2ª Seção que fez toda a investigação! E agente nem sonhava, né. E tava en-
volvido. E foi a 2ª Seção. 2ª Seção se preocupava com camarada que tinha outro emprego.
Que também tinha. Muita gente fazia ‘bico’, né. Mecânico. O cara que dava aula, o cara era
professor de Matemática, alguma coisa. E a 2ª Seção investigava esse tipo de coisa.”
EGR: [E esse pessoal era punido? Era chamado e avisado, olha, sai do seu emprego?]
ANON1: “Em primeiro momento, a reação foi assim: ‘Não pode, é dedicação exclusiva, e
tal!’ Só que aí (risos) o milico foi caindo, financeiramente o negócio foi na decrescente. E aí o
pessoal começou a fazer vista grossa. Porque tinham duas opções. O que acontecia. Chama-
vam o cara lá: ‘Cê tá trabalhando?’ – Tô! Eu ganho uma miséria! Eu tenho família pra susten-
tar! O que que o senhor quer que eu faça? Quer que eu saia pra roubar? Quer que eu pegue
dinheiro a juros aqui dentro e não pague? O que que o senhor quer que eu faça? Eu estou tra-
balhando.’ Aí, entre ver o cara trabalhando e ver o cara fazendo besteira: ‘Ah! Eu não vi!’ Vis-
ta grossa. Era isso que acontecia.”
EGR: [E hoje, como é? Hoje pode trabalhar?]
ANON1: “Hoje, pelo regulamento não pode. Só que esse não pode é quase que uma exceção,
porque hoje em dia todo mundo tem uma atividade né. Quem não tem uma atividade hoje são
raros. São raros. É o cara que dá aula. É o cara que tá estudando. É o cara que montou uma
lojinha, é o cara que tem um barzinho. Todo mundo tem uma atividade. O salário é baixo.
Comparar o salário que agente recebe hoje com o de 10, 15, 20 anos atrás aí, é um absurdo,
né. No final de carreira, tô no final de carreira, eu ganho 3.600, final de carreira. Isso aí dá o
quê? 500 Reais. O salário é 500. 5 vezes 6, 30; tá 7 salários. Eu ganhei 4 salários como recru-
ta, aliás, como soldado antigo. Eu ganhei 4. 3º Sargento saía da Escola com 12, 13! 13 salá-
rios! Ponha isso hoje. 13 salários seria 5 mil, 6 mil, 7 mil e pouco. Um 3º sargento! Hoje eu tô
em final de carreira com 3.600. Então, não tem outra opção, né. É a mulher que trabalha, né. É
o bico que você faz. Um trabalha com refrigeração, um trabalha com Direito, outro dá aula. O
outro tem um barzinho, o outro tem um cursinho. Todo mundo tem uma atividade! Não tem
como fugir dessa regra aí. E quem não tem, tá ferrado, né! Essa é a verdade! Ou prejudica a
família, né. Filhos. Bota o filho em escola pública! Porque pra gente ter uma... pra poder dar
uma educação melhor pros filhos, e tal, uma escola boa paga 600 reais aí. 500, 600 reais.
Quem tem dois filhos só de mensalidade paga mais de mil. Aí tem transporte, tem o aluguel,
36
Corruptela de alcaguete.
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água, luz, telefone, roupa. Não tem como.”
EGR: [Você teve alguém que você tenha se espelhado, durante a sua carreira? Alguém que
você falava: ‘eu queria ser igual esse camarada?]
ANON1: “Eu tenho um cara que, quando eu cheguei da Escola, ele foi meu Chefe de Pelotão.
Ele era Subtenente na época, Versal o nome do cara. Ele era um cara assim, pra quem chegava
da escola, ele era visto assim como muito competente, muito competente mesmo. Ele era Sub-
tenente, mas você olhava pra ele assim, pô, 2º Sargento, no máximo! Preparo físico, a mente
do cara! Saía pra tomar cerveja com a gurizada! Futebol, brincava, gostava da mulherada, né.
Ele era separado! Ia pras festas! E no quartel ele tinha uma liderança com o pessoal! E ele era
um cara amigo! Ele se ele chegasse pra você e te chamasse pra conversar contigo: ‘Everton,
vamos em tal lugar, quero trocar uma ideia contigo!’ Pode saber que ele tinha uma coisa im-
portante pra te falar. Que era do teu interesse e tal. Nunca vi ele queimar ninguém, nunca vi
ele falar mal de ninguém. Se ele tivesse alguma coisa pra falar contigo ele te falava na tua ca-
ra: ‘eu acho isso, isso’. Não fica bravo comigo, se quiser ficar bravo, pode ficar, mas é isso aí
o que eu penso. Eu acho que é assim. Então, esse cara ele ajudou na minha formação. Naquele
início ali, né. Chegando no quartel, agente observava muito ele. Conversava muito com ele.
Tinha confiança. Ele brigava. Se tivesse que brigar ele brigava. Mas ele brigava. Então esse
cara foi um, no meu início de carreira né. E depois teve outros, né. Esse que eu citei aí, que
não existe na verdade. Tenente Kleinubing37
, que é um cara assim, que... Tem uma história
assim desse Tenente, que é Tenente QAO, né. Esse era Sub, o outro é Tenente QAO, né. Eu
tinha um Soldado, Soldado chamava H... Lá em Boa Vista. Até eu brincava com ele, chamava
de Éfeso, né. H... de Éfeso. Brincava com ele, ele nem sabia o que que era. Eu também sabia
pouco, né. Negócio de Filosofia, tal. Aí, tinha um Soldado Antigo que trabalhava comigo e aí
num dia o Soldado saiu e veio esse H.... aí o Tenente veio falar comigo com aquele jeitão de-
le: ‘C...! Eu trouxe um Soldado novo, H...! Agente vai ter que ter um pouquinho de paciência
com ele. Ele é um bom menino. Falei, tudo tranquilo! Eu, pô. Gostava do Tenente. (risos) Ele
era um cara muito gente boa, né. Eu gostava dele mesmo! Aí começou. O soldado era bisonho
demais, né. Teve um dia eu mandei um documento, larguei na mão dele. Ô H... você vai lá na
Brigada... A Estação Rádio lá em Boa Vista ela era fora da Brigada, né. Ela foi criada quando
não existia a Brigada. Então o único quartel da região era o 7º BIS. Então, o Comando da
Fronteira de Roraima lá era o 7º BIS. E a Estação Rádio era dentro do 7º. Aí, foi criada a Bri-
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gada. Com isso a Estação Rádio passou a ser subordinada à Brigada, né. Tinha um General e
tal. Só que não tinha como mudar tudo, né. Transportar tudo, antena, rádio. Então, eles deixa-
ram dentro do BIS, mas subordinado à Brigada. Então, o que acontecia. Agente brincava lá
que agente trabalhava na Embaixada, né. Era território estrangeiro (risos). Então era assim:
precisava despachar um documento, tinha que ir lá na Brigada. Aí, por isso tinha o Soldado,
né. O Soldado era o estafeta nosso lá. Aí eu disse: H... pega esse documento, urgente, leva lá
na Brigada. Beleza? Aí foi. Aí, passou meia hora, 40 minutos. Nada do Soldado. Tinham umas
outras coisas pra fazer e nada do Soldado! Eu pensei, caralho, onde é que tá esse maldito, ca-
ra! Aí eu comecei a ligar, né. Pô! Ligava nos ramais: ‘viu fulano aí?’. Pensei, vou ligar na
guarda! Liguei na guarda. ‘Pô! Cês não viram o Soldado aí?’ - ‘Não, sargento, ele tá aqui,
acabou de passar, tá sentado aqui do lado aqui.’ Eu digo, filho da puta! Ele tá voando lá, né. Já
fiquei P da vida com ele. Aí eu falei com ele. ‘H... seu mocorongo! Vem pra cá agora! Já!’ Aí
ele voltou. Chegou lá e tal. Aí eu nem deixei ele falar, né: ‘Mas você é muito mocorongo! O
que que você tá fazendo lá, seu voador? Seu vagabundo!’ Soltei o verbo. Ele falou assim pra
mim: ‘Sargento, o senhor mandou eu levar o documento, e eu levei’. – ‘Sim, cara! E aí?’. –
‘Mas o senhor não falou nada que era pra eu voltar!’ (risos) Eu falei: ‘Pô! Tu tá de sacanagem,
comigo, cara!?’ (risos) – ‘Sargento, eu fiquei esperando o senhor, eu achei que o senhor ia
mandar...’ -‘ Mas como que tu vai ficar lá, cara? Era pra tu ir lá e voltar!’ – ‘Mas o senhor não
falou nada pra mim, Sargento!’ E ele tava falando sério! Não era sacanagem! Ele era bisonho
mesmo. Aí eu não discuti mais com ele. Quando o Tenente chegou eu falei, ‘Tenente, soldado
aqui, não tem lugar pra ele! É o cara mais bisonho que eu já vi na face da terra. Ele pode ser
uma excelente pessoa, mas é bisonho demais!’ Ele falou assim pra mim: ‘Eu sei! (risos) Por
isso que eu trouxe ele pra cá! (risos)’ Ele falou. ‘Porque ninguém quer o coitadinho’, ele falou
assim. – ‘Tá, mas o senhor vem trazer uma tranqueira pra cá?’ ele falou assim: - ‘Calma! Vai
lá, toma uma água, te acalma.’ Que ele fazia isso, né! (risos) Eu fui lá, voltei, sentei. Ele falou:
- ‘Vem cá, vou te explicar! Esse menino, ele teve uma infância pobre. O pai dele e a mãe dele
separaram e o quartel é a única opção dele. Aí, colocaram ele lá na Brigada, e ele tem proble-
ma! Ele não é... ele é muito distraído! Ele é uma excelente pessoa. Ele é uma excelente pes-
soa! Ele tem um coração enorme! Ele é um Soldado prestativo! Ele é uma pessoa assim, que
você não encontra em qualquer lugar! Eu conheço ele. Mas ele é muito desligado. Ele tem
problema de assimilar as coisas.’ (risos) Então, cê veja o coração do cara, né. Ele pegou o
Soldado que todo mundo escorraçava, que queriam bater, prender. E ele trouxe pra dentro da
37
Trata-se do Cap R/1 VALDEMAR KLEINÜBING, na reserva desde 2003
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Estação Rádio. Daí eu olhei pra ele, balancei a cabeça e falei assim, pra ele: ‘Tá bom, Tenen-
te, tá bom!’ (risos). eu quase enfartei algumas vezes, né. Mas ele, então ele é esse tipo de pes-
soa, né. Que não existe! Na verdade não existe. E o outro, que eu já citei, na verdade, né. Que
era o Capitão, lá. Que eu gostava muito de, da postura assim dele, tipo. Tinha algumas coisas
que eu não gostava, né. Porque na verdade ele era muito Caxias! Então tirando aquela ques-
tão, porque ele era muito milico! Mas a pessoa, a justiça que ele fazia. Eu nunca vi ele deixar
ninguém, mas ninguém, desde o Recruta, qualquer pessoa que precisasse dele. Do Recruta ao
General! Ele tinha a mesma postura! Se ele falasse não pro Soldado, ele falava não pro Gene-
ral. Se ele falasse sim pro Soldado, ele falava sim pro General. Ele tinha uma linha assim, que
ele seguia independente de quem estava no... com quem estava tratando.”
EGR: [Mas isso é comum, no Exército? No quartel?]
ANON1: “Não, não é comum. O que é comum é o tratamento diferenciado conforme a hie-
rarquia, né. Conforme o poder, conforme o... Isso aí, na verdade, não é só no quartel que exis-
te, né. Qualquer lugar é assim. Mas no quartel, infelizmente, é assim. Se o camarada é... Entre
nós, agente vê, né. Aqui mesmo eu já vi vários exemplos, né. Eu passei por isso com Sargen-
tos que já foram embora, Graças a Deus! E pedi um... Chegar no Setor Financeiro e pedir uma
diária, e alguma coisa. E o camarada falar que não pode, que não sei o quê, e te dar 10 legisla-
ções dizendo que não, que não. Aí vem um Tenente, fala com o cara e ele diz: ‘Não, Tenente!
Pode deixar, que eu vou providenciar!’ Essa é a regra, né. O camarada que ele pode te dar
mais, em troca ele tem um tratamento melhor, né. E aquele que tu vê que não tem, ah! esse aí
não pode oferecer nada em troca, então esse aí... Essa é a regra. E esse cara chamava atenção,
exatamente por isso. Porque ele não tinha moeda de troca. Não tinha moeda de troca. A moeda
de troca dele era você ser um bom profissional. Se você fosse um bom profissional, beleza!
Independente da graduação. Aí ele te cobrava funcionalmente! Ele te apertava! Apertava
mesmo! Ele cobrava e cobrava bem cobrado! Em todos os sentidos. Mas você já sabia, né.
Que você era cobrado, todos eram cobrados! E ele perseguia quem era vagabundo! Se ele ti-
vesse que punir ele punia, se ele tivesse que prender, o que ele tivesse que fazer, ele fazia. E o
trabalhador, ele tratava muito bem, né. E sempre assim. Do soldado até o camarada mais anti-
go, independente. O tratamento dele era esse.”
EGR: [Você falava que ele perseguia os vagabundos e tratava com uma certa tranquilidade
quem trabalhava. Essa é uma regra no quartel? Os vagabundos são perseguidos?]
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ANON1: “Olha, essa aí já foi regra. Mas hoje não é regra. Hoje, o vagabundo, já de muito
tempo, na verdade, que o vagabundo se dá bem, né. Essa é a verdade. Você pegar aqui no
quartel tem vários exemplos aí, de cara que não fazia absolutamente nada. Cara que não faz
nada, pessoa, ninguém quer trabalhar com ele pra não ter dor de cabeça. Essa é a verdade. En-
tão, eu me lembro que tinha um sargento, colega nosso, noventa e seis, noventa e sete, não me
lembro que ano que foi, ele não fazia absolutamente nada. E o cara, ele era Engenheiro Ele-
trônico, eu acho. Ele tinha nível superior. E o cara era extremamente inteligente. Só que não
gostava de trabalhar, né. Aí, o que acontecia. Chegava uma missão, tem o sargento fulano e o
sargento beltrano. Ah não, aquele lá não quero! Aí ele não fazia nada! Não fazia absolutamen-
te nada. As raríssimas exceções, assim, são tipo, desse capitão, que chegava e apertava o cara.
O resto, ‘não, deixa esse cara pra lá, esse cara é só pra ter dor de cabeça!’ Pega o fulano, que o
fulano desenrola. Então, era assim que acontecia. O cara que não gostava de trabalhar, ele fi-
cava na boa! E hoje é assim, também, né. Se tu observar! Tem vários militares aí que agente
conhece que bota uma prancheta debaixo do braço e sai caminhar no Batalhão. Qual que é a
função do cara? Não, o cara é o responsável por fazer a cobrança do churrasco... (risos).”
EGR: [Instrução de quadros: durante a sua carreira, você sempre teve instrução de quadros?]
ANON1: “Não! Essa coisa de instrução de quadros, eu não me lembro exatamente, mas esse
troço é recente! Quando eu tava no Rio Grande do Sul, eu não me lembro de instrução de
quadros. Na Amazônia tinha a cada 15 dias, não sei nem se era mensal, tinha uma reunião
com o General. E aí ele passava alguma informação e... Mas não era nada assim, de QTS.
Agente sabia que numa 4ª Feira X lá ia ter uma instrução. Aí eles escolhiam uma matéria X lá
pra falar, alguma coisa que estivesse gerando problema, alguma informação de Reunião de
Comando. Agora tá no QTS. Toda Terça, toda Quinta. Uma é Armamento, outra é não sei o
que. Outra é Sindicância, outra é segurança da documentação. Mas até 2000, eu não me lem-
bro disso.”
EGR: [Alguma instrução você já ouviu falar, comentar a respeito de medo de movimento co-
munista, agora mais recente, Movimento dos Sem Terra, que é pra tomar cuidado?]
ANON1: “Ah, não! Isso aí, agente tem instrução ainda sobre a tal da Intentona Comunista,
né! (risos) Acho que é isso. Isso foi aí agora recente! (risos) Foi aí, até o major S/3 lá. Dois
anos atrás, um ano. Recente. Falando sobre o Comunismo, como aconteceu lá em 35, 1935,
dos militares que foram mortos. Isso aí, desde que eu entrei no quartel! Até hoje ainda se fala
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nisso, né. Que se não fosse aqueles fatos lá, que hoje nós teríamos a situação de Comunismo.
Com Rússia, com China, com Cuba e não sei o que. E Socialismo, e mistura tudo. Então, até
hoje se fala né. E os Sem Terra e Sem Teto. Lá em Boa Vista, quando eu tava lá, era uma coisa
assim. Eles tinham uma preocupação com o pessoal Sem Terra e Sem Teto e com a Amazônia,
né. Que vinha muita gente de fora, muito médico de Cuba. Então eles diziam que ali iria ser
criada uma comunidade. Outros diziam que era americano que queria invadir a Amazônia. Diz
que era na época Cuba. China não se falava muito, não me lembro. Assim, no resumo agente
vê ate hoje a preocupação com os Sem Terra, sem teto. Com a própria Dilma, né. A Dilma,
agente vê o pessoal. O pessoal mais velho, meu Deus do céu. A Dilma é assim, o... Com o Lu-
la foi a mesma coisa. Lembra que agente tava falando ali no início, que eu te falei do Collor,
em 1989! Até a eleição do Lula foi aquele medo! Agora com a eleição da Dilma foi a mesma
coisa. Então, é comunista, é aproximação com o PCdoB! Ainda até hoje.”
EGR: [Você tem o hábito de ler os NE?]
ANON1: “Hábito de ler coisa assim, militar, eu não leio nada! NE... como é que chama aí,
essas Revistas aí? Verde Oliva, não sei mais o que. Não leio. Curso militar eu até tive oportu-
nidade de fazer, mas eu nunca quis. Hoje não tem mais, porque hoje você entra ali na relação
que você pode fazer, é um ou dois que vale a pena. Mas na época tinha. Pra minha área de
Manutenção de Com, tinha, Eletrônica. Que o pessoal fazia bastante. Que era um curso bom!
Informática, parte de microcomputador, manutenção. Que o pessoal fazia bastante. E a parte
de Eletricidade, ne. Que eram os 3 cursos mais piruados, né. Mas como eu já tinha uma ideia
de fazer a faculdade e de sair, né. Fazer um concurso e sair. Então, eu optei pelo outro lado,
né. Eu nunca quis fazer, tive até oportunidade, mas nunca quis fazer nenhum curso militar.
Achei que não era importante pra minha visão que eu tinha de futuro, que eu queria sair, e tal.
Eu achei que não era importante. Então eu não fiz.”
EGR: [Você se considera uma exceção por ter feito essa escolha ou você visualiza que mais
pessoas, mais sargentos optaram por essa escolha também? Por tentar fazer Faculdade, pra
sair, você acha que você foi exceção?]
ANON1: “Eu acho que... tá, eu acho que a maioria hoje tem essa visão pra fazer curso pra sa-
ir. Agente vê pela... É que também agente vive num quartel logístico, né. Que agente tem que
levar em conta a mentalidade. Eu não sei, não tive oportunidade de servir em quartel de arma.
Agente tem informação sobre o quartel de arma, né. Mas eu particularmente não conheço a
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sistemática de um quartel de arma. Aqui no BLog agente vê que a maioria dos sargentos eles
estão estudando pra crescer. E ele vê o crescimento lá fora. Aqui dentro ele não vai crescer.
Quando muito ele vai fazer um QCO, aí. Dependendo da área, tu ganha menos do que lá fora.
Então, tem vários casos aí de militar que passou pra Polícia Federal, pra Polícia Rodoviária
Federal, pra Justiça Estadual, Justiça Eleitoral, pra Tribunais de Justiça. Então, tem vários aí,
né. Nesses últimos anos, que eu me lembre, deve ter aí uns 10, acho né. Só aqui nesse quartel,
né. Pra Universidade Federal do Paraná. Pra Tribunal Regional Eleitoral. Tribunal de Justiça.
Tribunal de Justiça de São Paulo. Polícia Federal, já teve uns dois ou três ai. Polícia Rodoviá-
ria. Sem contar outros que sabem pra montar o seu negócio próprio, né. Militar temporário.
Militar de carreira que pede pra embora pra montar negócios. Teve o caso do Evalandro, que
pediu pra embora e montou uma locadora. O Cabo Espíndola, que trabalhou comigo ali. Saiu
antes, um pouquinho antes de terminar o tempo dele, e montou um transporte escolar. Mon-
tam distribuidora de bebida, locadora. E os que estudam e passam em concurso, né. Então, na
verdade a regra é que o camarada procura o crescimento e esse crescimento ele vê lá fora! Eu
vejo dessa forma.”
EGR: [Como era a comida do rancho quando você incorporou como soldado? Não sei se você
tinha acesso ao rancho dos sargentos..?]
ANON1: “A de oficiais, e subtenentes e sargentos, ela era bem melhor. O cardápio era mais
variado, né. Eu como soldado, acho que não mudou muito né. A comida hoje acho que se bo-
bear é até melhor que na época, né. O soldado hoje, pelo menos ele come no prato. Pelo me-
nos aqui, né. A comida é praticamente a mesma. O que diferencia ali é a carne, né. Às vezes o
cabo e soldado ali tem uma carne de panela, e o oficial e sargento tem um bife. Mas o padrão
é parecido. Agora, pra Subtenentes e Sargentos na época ali de 90, nossa! Mudou bastante!
Café da manhã, nem se fala né. Café da manhã eu lembro que agente tomava leite. O leite era
o leite de pacote, né. Agente ia lá e pegava um litro de leite. Tinha o achocolatado. Não era
Nescau, mas era um achocolatado bom, né. Tinha café. Café bom. Passado na hora, na térmica
em cima. Tinha presunto, queijo, margarina... margarina boa. Pão fresquinho. Fruta. O almoço
idem. Então, o nível caiu demais, demais de mais... O café da manhã nosso aqui é aquele leite
em pó que não se encontra em lugar nenhum, exceto em licitação. Procurar uma marca daque-
la ali você não acha. Café e o pão com margarina. Esse é o padrão universal aí. Então, se vo-
cê comparar com o que era antigamente, caiu assim de 90% né.”
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EGR: [O alojamento quando você era soldado, como era? Tinha padrão de arrumação?]
ANON1: “Tinha padrão de arrumação. O soldado, quem era laranjeira, né. Na verdade, no
início, todos tinham cama, né, o soldado recruta. E aí depois com o tempo, passou a ter só pra
laranjeira, né. No início era obrigatório, todo mundo tinha que ter a cama no alojamento. E
tinha o padrão de arrumação. A manta, cada dia na semana tinha uma dobra, né. Um dia ela
ficava na diagonal, outro dia ela ficava na parte debaixo, nos pés da cama. Outro dia você bo-
tava uma manta... não era na diagonal, ela ficava no meio da cama. Ficava no meio da cama.
Era uma manta no meio da cama, no comprido assim do colchão. E a outra no pé da cama. E o
lençol por baixo e a colcha em cima esticada. Então, tinha toda uma padronização, na roupa
de cama. E o armário era de metal. Uma porta pra cada soldado. E eles faziam inspeções, as-
sim. Às vezes por amostragem, à vezes vistoriava todo mundo pra ver se tava no padrão de
arrumação. Se o cara não guardava o coturno sujo. Porque soldado era uma maldição, né cara.
Os caras tinham (risos). tinha cara que era relaxado, né. Não só soldado! Tinha sargento lá
(risos). Teve um caso de um sargento lá, o B... que nós tivemos que botar o armário dele de-
baixo do chuveiro! Ele não tomava banho! Ele saia do voleibol, que ele gostava de jogar vo-
leibol, ele corria e tal. Chegava lá, trocava de roupa e ... Aí, a galera falou pra ele que ele tinha
que tomar banho, ele disse que não ia. Tinha um subtenente aloprado lá, chamou o que era
parceiro de porta dele, de armário: ‘Tira aí da...’ Pegaram o armário dele, ligaram o chuveiro e
buff! Deixou o armário dele debaixo d´água. Ficaram esperando. Quando ele chegou, - o cara
sargento, né – quando ele chegou, ele: ‘Pô! Cadê meu armário, cadê meu...’ Aí, o subtenente
falou pra ele assim: ‘Tá no lugar onde tu nunca vai!’ (risos). ‘Tomando banho’, falou pra ele
assim. Aí, ele foi lá, a roupa toda molhada, e tal! Aí ele passou a tomar banho, ou a usar per-
fume, não sei o que ele fez. Eu só sei que ele diminuiu o fedor, não é! (risos). Foi basicamente
isso. E aqui o quartel também, né. O nosso amigo (risos). Um amigo nosso aí, eu não vou citar
o nome (risos); ele saía do treinamento físico, cheirava a cueca, e via se tava (risos).”
EGR: [Em relação aos uniformes. Os sargentos tem acesso aos uniformes na reserva do sub-
tenente, ou tem que comprar?]
ANON1: “Não. Tem que comprar. Até um tempo atrás o BSup tava fornecendo, né. Mas me-
diante indenização. Agora nem o BSup tem mais, né. Agente tá tendo que comprar aí, na al-
faiataria, manda fazer, compra o tecido aí no Boqueirão, nos outros lugares, manda fazer. Essa
é a...”
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EGR: [Sempre foram feitas inspeções de manutenção, ou pelo comandante da unidade, ou pe-
los generais das regiões onde você serviu?]
ANON1: “Sempre, sempre! Inspeção de todo tipo, né. Inspeção de Instrução. Lá tinha instru-
ção também de manutenção, o pessoal das Diretorias, parte de fiscalização, ICFEx, contabili-
dade, essas coisas aí, né. Sempre, sempre teve.”
EGR: [Quando você comprou seu primeiro automóvel, ou sua moto, e a sua primeira casa?]
ANON1: “O automóvel foi quando eu cheguei da Escola. 92! Não era bem um automóvel, né
(risos). foi o meu primeiro veículo, né. Aí, a moto. Eu vendi o automóvel, 94. Aí eu peguei
uma moto. Passei a utilizar a moto, né, 94. E casa eu comprei depois que eu vim da fronteira,
2001. Eu comprei um apartamento. Na verdade eu peguei o apartamento financiado, né. E aí,
tá quitada né. Agente tem o dinheiro pra quitar, mas a prestação é baixa e aí agente acaba, sal-
do devedor de 6 mil e alguma coisa, né. Mas a data da primeira casa foi depois que eu voltei,
em 2001. Você se casou com quantos anos? Casei...36.”
EGR: [Vamos às histórias interessantes, que você falou que tinha separado, pra gente, então.]
ANON1: “Bom, eu tenho uma história, que aconteceu comigo, quando eu tava lá em Boa Vis-
ta. Na verdade, na maioria das histórias eu tava envolvido, né. Essa de Boa Vista foi... Eu fui
transferido pra lá e eu era 2º Sargento de Manutenção de Com, né. E eu cheguei lá tinham
subtenentes, 1º sargentos, um montão de gente mais antiga, né. E eu fui designado para Esta-
ção Rádio. Como eu falei, a Estação Rádio era o filé mignon, né. Porque ela ficava na chama-
da Embaixada, ela ficava fora da Brigada. Não tirava o serviço. O meu serviço era um sobrea-
viso, né. Eu fazia manutenção. Estragava uma antena no final de semana, eu ia lá e conserta-
va. Sexta à tarde, que não tinha expediente, ‘ó, pifou um equipamento, eu ia lá e consertava.
Então, era uma coisa assim. E não é uma coisa que acontecia que muito. Eu fui chamado pou-
cas vezes, durante os 3 anos que eu fiquei lá, eu fui chamado acho que umas 10 vezes, no má-
ximo. Então, óbvio né. Todo mundo queria. Imagine! Escala de serviço. É o mal do quartel é a
escala de serviço, né! Aí, o que aconteceu. Eu cheguei lá me apresentei. O pessoal da Estação
Rádio falou: ‘Ó, você já se apresentou aí, vem pra cá!’ Eu disse, ‘beleza, tá tranquilo’. Só vou
acertar meu lugar aqui na Companhia, só Administrativo, né. Que a subordinação técnica, e
tudo, claros, que na época a DMov transferia, era subordinado a Manaus, né. Tudo era subor-
dinado a Manaus, né. Que Manaus... o Serviço Rádio era de Manaus. Nós éramos uma Esta-
ção Rádio do Serviço Rádio de Manaus. Então, o mecânico, o Chefe da Estação Rádio, os Te-
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legrafistas. Todos eles eram subordinados a Manaus. Eu inclusive. Aí, o que aconteceu? O ca-
pitão, que era comandante de companhia e o sargenteante. Tinha um subtenente que era ami-
gos deles, né. Quando eu cheguei eles resolveram fazer o que? Botar o cidadão lá na Estação
Rádio, e me puxaram pra Companhia, por conta e risco. Eu tava lá, eles me chamaram. Houve
uma mudança lá, você vai pra Companhia. Pô, eu era moderno! Você vai ficar na companhia,
e o subtenente vai pra Estação Rádio. Beleza! Aí, eu comecei, né. Fiquei ali uns 20 dias, ou
mais. Na Companhia. Aí, eu tô lá, um belo dia chegou o Subtenente, que era lá da Estação
Rádio.”
EGR: [Esse que foi pra lá no seu lugar, ou outro?]
ANON1: “Não. Outro. Esse subtenente era Telegrafista, o que veio falar comigo. E o outro
que foi no meu lugar era Manutenção de Comunicações... Só que esse Agnaldo era mais mo-
derno do que o que foi no meu lugar. Aí, ele veio falar comigo o porquê que eu não tinha ido
pra Estação Rádio. Eu falei ‘Ué! Eu não sei Sub. Fui chamado aqui pelo Capitão e me falaram
que eu iria ficar aqui na Companhia.’ Tá bom!’ aí, ele correu atrás pra saber o que que tinha
acontecido, né. Aí ele descobriu que na verdade foi feito um acerto ali na Companhia. Sem
passar pelo General, sem passar por ninguém. Ele pegou, tinha um irmão dele que era da Ae-
ronáutica, conseguiu um voo daquele do CAM, né. Viajou. Foi até Manaus e foi direto no
Comando de Manaus. Aí, chegou um contravapor, né. Querendo saber o que que tinha aconte-
cido, né. Por que que tinham designado um subtenente quando o militar classificado foi o 2º
Sargento fulano de tal?”
EGR: [Essa designação veio de Brasília?]
ANON1: “De Brasília! Quem fazia era a DMov38
, né. A DMov classificava no claro tal. Que
era da Estação Rádio. Aí, bateu lá, General, Chefe do Estado Maior, ninguém sabia o que é
que estava acontecendo. Aí chamaram o capitão, Comandante da Companhia. Eu não estava
presente, mas dizem lá que ele levou... foi mais que uma mijada, né, foi um... Resumo da his-
tória. O que é que aconteceu? O capitão me chamou, me chamou de vagabundo, que eu não
queria trabalhar! E eu não tava sabendo de nada! Falou que eu tinha articulado, que eu... E eu
não sabia de absolutamente nada! Só fiquei sabendo depois, né. Que aí, foi o Subtenente Ag-
naldo que me contou, né, o que que tinha acontecido. Que ele foi lá em Manaus e ele deu o
pontapé inicial para toda a... Aí, no final da história, o capitão comandou a companhia 2 anos.
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E ele pegava no meu pé direto! Eu fui, não digo perseguido! Porque eu tinha muito jogo de
cintura, né. Eu era malandro, né. Eu sabia que ele queria me pegar. Ele queria era me punir
mesmo. Então, eu tive que ter muita... pra poder levar os dois anos dele lá. Essa foi uma histó-
ria que aconteceu comigo. A outra é essa que eu falei do Processo. O Processo Judicial. Dois
mil e...dois mil e quatro. Dois mil e quatro ou dois mil e cinco, não sei. O coronel que coman-
dava aqui era o coronel T..., né. E ele começou a fazer uma pressão no pessoal aí sobre quem
estava entrando na Justiça. FuSex, 28%. Aí ficava aquela briga, pode, não pode. Aí um dia ele
me chamou lá no PC, lá. Ele queria falar comigo. Eu me lembro como se fosse hoje. Ele trava
sentado atrás da mesinha ali e tal. Computador na frente dele. Aí ele começou, né. Falar que
não concordava, que entrar no Processo contra o FuSEx não podia, porque não sei o que. Fa-
lou, falou, falou. Que o atendimento era bom. Aí, quando eu ia falar ele me cortava, não dei-
xava falar. Aí ele falou acho que mais de meia hora. Aí eu pedi autorização pra falar. Tentei
argumentar. Aí, quando eu comecei a argumentar ele cortava. Aí eu tentava falar ele cortava.
Aí fomos ali até.... Aí, ele deixou eu falar. Eu falei, falei, falei. Final da história eu falei pra
ele que eu tinha entrado no processo e ele falou pra mim assim: ‘É! Eu tô olhando aqui o teu
conceito, e eu vejo que você é um bom militar, mas você pode ser prejudicado. Você pode ser
prejudicado com essa situação. Você tem bom conceito, e isso aqui pode cair!’ Bom, pra bom
entendedor, né!? Daí eu falei pra ele. ‘Não, coronel! Eu sei que o conceito pode cair. E isso aí
é um critério subjetivo, né. Quem conceitua não sou eu, né. Eu sou o conceituado. Eu queria
dizer pro senhor que eu vou permanecer com a ação. Eu vou continuar com a ação. Não indu-
zi. Ao incitei ninguém a entrar com a ação. O pessoal tá entrando porque acha que tem que
entrar. Eu entrei com o processo e eu comuniquei que entrei com o processo. Não fiz nada de
errado. Aí ele me liberou. Aí, logo depois veio uma denúncia contra ele. Que foi feita por dois
advogados. E aí veio aquela história que achavam que era eu! ‘Não, foi você, foi você!’ nesse
período ele procurou me colocar em funções pra me testar, né. Ele me botou em FOCON, ele
me botou em funções pra ver ate quanto eu suportava a pressão. Em relação à denúncia, foram
passar as informações e o advogado foi lá e disse que ele tava cerceando o direito ao acesso à
Justiça, né. Resumindo era isso. Que eles impediam que o camarada pegasse a ficha financei-
ra. Eles faziam pressão no pessoal que não era estabilizado ou que não tinha... que era Tempo-
rário, né. O pessoal Temporário, foi feita uma reunião dizendo ‘Ó! Temporário precisa de en-
gajamento! Então, veja bem, se o Comando não concorda com uma situação, ele dá o reenga-
jamento ou não. O não-estabilizado, depende também, de reengajamento e tal. E o que era es-
38
Diretoria de Movimentação.
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tabilizado, eles faziam pressão em relação a conceito, a transferência, a função que o camara-
da vai exercer. Então, pra parte jurídica, isso aí chamam bem atenção, né. As coisas que acon-
tecem ainda hoje.”
EGR: [Você acha que acontece ainda hoje? Ainda é normal isso?]
ANON1: “Acontece! Tem um colega meu que tá em Apucarana agora, ele foi mandado embo-
ra, antes de completar os 10 anos. Militar de carreira, 2º sargento da turma do sargento P... que
era daqui do Batalhão. Ele tava lá em [pausa] deixa eu ver se eu me lembro da cidade. É aqui
em Rondônia...[pausa longa]. Ah, não me lembro! É uma cidade aqui em Rondônia. Aí o que
é que aconteceu? Ele foi pra um ponto de fronteira. Lá eles recebiam gêneros. Recebiam óleo
diesel, recebia pneu, recebia comida, e tal. E ele fazia o tal do escambo, né. Pegava uma parte
que sobrava, trocava no comerciozinho local, ali. Então, as vezes faltava no ponto de fronteira
faltava um pneu pra viatura. Ele pegava lá um óleo diesel, trocava com o comerciante. Ele
não! O PEF! Todos os coman... capitão, tenente, sargento, todo mundo fazia isso! Aí, o que
aconteceu? Chegou um tenente que não bateu o santo com ele. O tenente era solteiro e esse
meu colega era solteiro, também. Aí o meu colega já tava mais tempo lá né. Saía, conhecia o
pessoal, pegava as indiazinha, lá e tal. E parece que o tenente, não sei exatamente porque fi-
cou meio melindrado com a situação, e começou a observar esse meu colega. Aí o que foi
que aconteceu!? Numa dessas ele fez uma troca de material e levou pro PEF e o tenente quis
saber o que que tava acontecendo, né. Ele nunca tinha feito essa troca. Ele participou o C...
meu colega. Dizendo que ele tava na verdade praticando crime, que não podia, essas coisas.
Quando bateu no comando lá do Batalhão, o coronel ele já... numa reunião ele falou que ia
prender! Que um sargento desse tinha que ser expulso da corporação, não sei o que, tal, tal,
tal. Aí foi aberta uma Sindicância, e na sindicância ficou provado que ele tinha feito. Esse
meu colega tinha feito. Mas que outros militares, inclusive tenentes que já era capitão. Isso
era uma coisa que vinha já de longa data, né. Tinha cara que já era major. Sargento, cabo, ca-
pitão, soldado, todo mundo! Ele não pode punir o meu colega. Só que ele não aceitou a derro-
ta, né. O comandante falou que ia punir, né. Aí que que ele fez? Quando deu 9 anos e 10 me-
ses, que o camarada tem que fazer aquele pedido ali de estabilidade por 2 meses. Ele indeferiu
o pedido e mandou ele embora. Ele tá brigando na justiça até hoje. Isso faz uns 4 anos eu
acho. Ele tá brigando até hoje pra reincluir. Aí, dano moral, tudo que vem em consequência da
ilegalidade. Né. Porque ele não tinha... militar de carreira. TAF, Tiro, promoção, nunca foi pu-
nido, nada. O conceito dele nota dez. não tinha nada que se dissesse que ele era um militar
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ruim. A conduta dele não tinha nada que desabonasse. Foi mandado embora. E outra, que aí,
pra encerra, né. Na verdade tem várias, mas se for falando agente vai ficar até amanhã de ma-
nhã, né. Que aconteceu também, aqui em Curitiba. Quando eu trabalhava no escritório, lá, que
eu fazia um bico no escritório. O militar aqui de Curitiba, ele foi transferido e a esposa dele
procurou o escritório. Aí, como a parte militar essas coisas aí quem fazia era eu, né. A advo-
gada passou pra mim. Ela tinha um menininho... era filha ou filho, não me lembro se era me-
nino. E ela contou a história que o pai era militar, foi embora, não paga pensão, não sei pra
onde ele foi. Nada. Aí, gerou uma indignação, né. Aí entrei na internet, ali pelo site do DGP.
Joguei o nome do cara, fulano de tal, tá. Tá em tal lugar. Fizemos a ação e foi juntado o do-
cumento no processo. Aí, ele pá. Se antenou que tinha alguém militar passando informação
pra mulher, né. Eu assinei a petição, eu assinei não. Eu colocava o meu nome e a advogada
assinava. Colocava lá, fulano de tal, bacharel em Direito. Aí, ele deve ter pego aquilo ali e
descobriu que eu era militar. Na audiência, agente foi na audiência e tal. Aí, veio uma sindi-
cância pra cá. Saber por que eu tava na audiência, tal, tal, tal. No final da Sindicância, a con-
clusão lá do Colégio Militar, não me lembro o lugar que ele tava lá em Manaus, é que eu tinha
desacatado o militar. Que eu tinha desacreditado superior hierárquico. que eu tinha deixado de
cumprir norma regulamentar, relativo à continência e ao tratamento. Que eu estava exercendo
ilegalmente a profissão, entre outras coisas, sabe.”
EGR: [Esse cara que tinha sido transferido e deixou a mulher ele era de qual graduação?]
ANON1: “Ele era 1º sargento. E depois ele saiu subtenente. Só que no processo, em momento
algum ele se identificou como subtenente. Ele foi promovido e manteve o status de 1º sargen-
to, porque a pensão era sobre o vencimento de 1º sargento, tá entendendo? Que inclusive
agente bateu isso na minha defesa, né. Porque veio uma FATD em cima disso e eu fiz a minha
defesa, né. Aí foram...até tenho aí minha defesa. Deram quarenta e poucas laudas. Arrolei tes-
temunhas. Juiz, Promotor. Porque ele inventou uma história assim, mirabolante. Que eu tinha
discutido com ele na audiência. Agente juntou cópia da ata. A ata da audiência não falava ab-
solutamente nada. Eu nem conversei com ele. No final da história, não aconteceu nada. Mas
foi uma história interessante porque gerou uma pressão, né. E ele se julgou injustiçado, né.
Que eu o estava apunhalando pelas costas, né. Porque um militar fornecendo informação para
uma pessoa sobre um outro militar não é. Foi mais ou menos esse o foco da Sindicância. Aí,
depois, na verdade, agente descobriu que a menina também não era muito santa! Que a meni-
na, algumas coisas que ela tinha contado pra nós era mentira. Ela disse que ele nunca tinha
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feito nada pela criança e era mentira. Ele trouxe os comprovantes de depósito. Ele depositava
o dinheiro. Ele dava assim, tipo 200 Reais, na época, né. E ele tinha deixado uma casa alugara
pra ela morar, e pagou durante um período, né. Então, no final da história, ficou no meio ter-
mo. Ele não era o santinho, mas ele também não era o capeta. Mas pra nós a história que che-
gou foi a da menina, né. A menina contou que ele fez isso, isso e isso. E agente fez o proces-
so.”
EGR: [E a história daquele camarada que fez faculdade contigo?]
ANON1: “Ah,é! Teve essa aí. Essa é importante (Risos). Eu fazia faculdade em Santa Maria e
tinha um camarada nosso. F... Nome de guerra eu não me lembro, mas ele era militar. Santa
Maria é uma cidade bem complicada. Lá, o militar ele já teve um auge e hoje ele ta meio em
descrédito, né. Questão salarial, uma série de coisas. E já vem de longa data, né. Na época que
eu tava na Faculdade já era assim. Então agente não falava que agente era militar. Principal-
mente em cursos tipo Direito. Medicina, dificilmente um militar fazia. Mas cursos mais eliti-
zados. E o curso de Direito era um curso elitizado. Na época que eu entrei pra Faculdade,
90% de quem estava lá vinha de colégio particular, o pai era Juiz, o avô era advogado, era do-
no de empresa, alguma coisa assim. E tinha dois ou três militares, um funcionário do Banco
do Brasil. Mas a massa era de pessoas bem, financeiramente. E óbvio, né. Agente tinha o
princípio de primeiro fazer com que as pessoas te conheçam né. Aí, depois que elas te conhe-
cem aí, você pode falar que você é favelado, porque ela já conhece a pessoa, né. Não é pelo
fato de você morar na favela que ela vai te desqualificar, né. Então, agente partia desse princí-
pio. Primeiro você conhecia as pessoas, a turma, e tal. E depois, com o tempo na hora certa,
você contava o que você fazia. ‘Ah sou militar!’- ‘Pô! Que legal, você é militar!?’ Então, você
já era aceito no grupo. Então, se você falasse qualquer coisa, beleza. Igual aquele do “Tropa
de Elite” lá, né. O Matias (risos). Pô! Não podia falar que era PM na Faculdade de Direito, né.
Então, tipo. Depois ele se definiu que ele era PM, né. Então era mais ou menos isso. Aí, lógi-
co! Agente saía, jogava futebol. Os caras me perguntava e eu inventava: funcionário público,
desviava o assunto e passou ali eu acho que, sei lá. Um semestre, quase dois semestres. Nin-
guém sabia o que eu fazia. E eu saía com esse camarada. Agente jogava futebol junto. Jogava
truco. Tomava cerveja! Era solteiro. Então, agente... Quinta, Sexta. Festa da Turma, churras-
co! Aquelas festas de Faculdade que tinha. Era uma turma muito legal.”
EGR: [Mas o pessoal sabia que ele era militar?]
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ANON1: “Ele? Sabiam! Que ele era capitão. E eu sabia que ele era militar. MAS isso aí que
eu tô falando é nível sargento! De não falar que é militar, é nível sargento! O oficial não! Ele
faz questão de dizer que ele é oficial, né. Mas o sargento, naquela situação não era convenien-
te eu dizer que ‘Bah, eu sou sargento!’ Não! Deixa o barco andar! Aí eu trabalha na Inspeção
Técnica, né. Eu era do BLog, trabalhava na Inspeção Técnica. Quê que aconteceu!? Esse ca-
marada ele era capitão num quartel lá de Santa Maria e eu tava no caminhão. Aí eu saí, não
me lembro se fui correr. Não me lembro o que eu fui fazer, ele me viu! Pô! Quando ele me viu
fardado, parece que ele ia ter um infarto! Ele olhou pra mim assim: ‘Ô! Você é militar?’ Aí eu
falei, ‘sou militar’ (risos). Fiz uma continência pra ele (risos). Falei, ‘Ô capitão, tudo bem,
como é que tá o senhor?’ Aí ele: Ó! Você é militar? Não sabia.’ – Sou militar, sou do quartel
aí. Faço manutenção.’ –‘ Não, você nunca falou nada. Ninguém nunca comentou nada, você é
sargento!’ Não sei o quê. E eu era 3º, né. Na época. Eu fui promovido em 97. Entrei na Facul-
dade em 95. Era 3º. 3º Sargento, né. Aí, que que aconteceu depois disso. Ele começou a mu-
dar. Não quis mais se enturmar. Agente convidava pra jogar futebol ele dizia que não podia,
porque ele tinha um compromisso, tal. Final da história, ele se afastou. Depois da divulgação
que eu era sargento. Interessante isso, né.”
EGR: [Que mais você tem pra nos dizer?]
ANON1: “Histórias!? Em relação a trato, uma história também de um Tenente. Chegou da
Academia. Ele chegou com aquela doutrina né, de que sabe tudo, e tal. E eu trabalhava com a
parte de manutenção de rádio, fazia Parecer Técnico, etc. só que eu fazia como auxiliar, né.
Fazia como auxiliar. O responsável, na verdade, é o oficial, né. Aí eu fiz um documento lá e
levei pra ele assinar. Ele riscou tudo, e era parte de Rádio, né. Então, tinha legislação pra
qualquer parafuso você tinha uma legislação, né. Uma antena tal, tinha uma legislação que
dizia quando é que pode, quando é que não pode, qual era a característica técnica dela. O Rá-
dio tal, tem que fazer isso, tal. Aí ele começou a querer mostrar que sabia. Eu falei, não, bele-
za! Eu peguei a legislação toda. Larguei na mão dele. Se o camarada sabe tudo! Então vou
deixar ele fazer. Aí, resumo da história. Ele veio falar comigo pra pedir os modelos. ‘Pô! Cê
tem um modelo?’ – ‘Ah, mas aquele modelo lá o senhor não vai usar. Tá errado, tal não sei o
que.’ – ‘Não! Deixa eu dar uma olhada!’ Aí ele passou a adotar os mesmos modelos que agen-
te sempre usou. Ali agente teve o ensinamento que ele quis mostrar um conhecimento que na
verdade ele não tinha, né. Inexperiência, e tal. Isso aí, na verdade, aconteceu com sargentos
né. Que o camarada chega meio se achando, né. E ai com o passar do tempo ele vê que tem
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pessoas mais experientes que sabem mais que ele. Ele acabou se dobrando e acabou utilizando
o nosso modelo. E aí depois tem histórias de...tipo histórias de homossexualismo... não sei se
interessa aí, né.”
EGR: [Interessa, claro!]
ANON1: “Teve duas histórias. Uma de homossexualismo e outras de prostituição, né. A de
homossexualismo, foi pego o sargento e o capitão. A mulher do sargento pegou os dois na
cama. E na época, foi um escândalo lá, né. [ONDE FOI ISSO?] “Santa Maria. Na verdade,
eles transferiram né. Fizeram aquela coisa que é a toque de caixa, né. O capitão foi
pra...Nordeste, se não me engano. E o sargento, mandaram pra Porto Alegre. Eram lá de Santa
Maria. Os dois eram de Santa Maria. O capitão era solteiro. E o sargento era casado. E eles
tinham. Eles eram amigos e tal, né. E aí, a mulher do sargento saiu pra fazer alguma coisa. Aí
voltou e pegou os dois no... Aí foi aquela né. Tentaram abafar né. Mas no âmbito da Força ali,
agente ficou sabendo do que tinha acontecido, né. Não foi pra imprensa, porque eles conse-
guiram manobrar e não saiu nada. Aí o sargento foi transferido. E o capitão foi transferido. E
o outro caso. Esse aconteceu no meu quartel. Um tenente da Academia que abandonou a mu-
lher pra pegar uma prostituta, essas prostitutas de luxo, né. Tinha uma casa, chamada Marlene,
uma casa chique, né. Pegar aqui, comparando a Curitiba, seria como a antiga Cristal. Café Pa-
ris. Que o pessoal que frequenta ali diz que é alto nível né. E realmente a mulher era... Eu co-
nheci a mulher, inclusive. Ela era muito linda. E o fato foi bem engraçado, porque... O solda-
do é uma maldição, né (risos). O soldado conhece tudo é quanto lugar, né. Prostituta, e tudo
que não presta ele conhece. E o tenente, este, tava de oficial de dia. A mulher chegou lá no
quartel de táxi. O quartel era isolado, final de semana. Aí a galera começou a rir, né cara. Sol-
dado [faz um som de sussurros] conversa daqui, conversa dali. Aí ela entrou, foi lá falou com
o tenente, pô! Salto alto, mulher linda, maravilhosa, né. Soldado abriu. Ah, essa mulher aí tra-
balha na Marlene, ali, não sei o que. Aí, agente, -‘Ah! O cara tá pegando, né!’ Mulher, né, pô!
Ela veio aí, tal. Na sequencia reunião de oficiais, e não sei mais o que. Que o tenente tava dei-
xando da mulher pra ficar com a prostituta. E realmente ele deixou da mulher pra ficar com a
prostituta. Deixou a família, deixou tudo pra ficar com a prostituta. Depois ele foi transferido.
Fiquei sabendo que foi pro Rio de Janeiro. Depois perdi o contato, nem sei pra onde ele foi.”
EGR: [Mas foi transferido por conta disso?]
ANON1: “É. Há quem diga que não né. Mas eu acho que foi porque ele era tenente. Ele che-
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gou no quartel, ele chegou ali no Batalhão e ele ficou pouco tempo. Normalmente os caras
vem e ficam até sair capitão, dali eles vão pra ESAO, né. E ele foi embora antes. O pessoal
disse que não. Mas eu acho que a realidade é que ele foi transferido por causa desse fato aí...”
EGR: [Teve reunião de oficiais por conta disso também?]
ANON1: “Teve. O pessoal que participava das reuniões diz que houve uma tentativa de retor-
nar, né. Uma tentativa de convencer ele de não fazer aquilo, de não largar a família. Mas ele
não esquentou muito a cabeça não! Foi embora com a mulher.”
FIM DA ENTREVISTA
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APÊNDICE 6
ANÔNIMO 2 (1º sargento de Manutenção de Automóveis, da ativa do Exército39
). Entrevista
concedida em Curitiba-PR, nos dias 24 e 25 Jan 2011.40
Duração da Entrevista: 03 h, 44 min, 53 seg.
Transcrição: 48 Páginas.
EGR: [Qual a profissão do seu pai?]
ANON2: “Policial. Aposentado.”
EGR: [E da sua mãe?]
ANON2: “Auxiliar Administrativo.”
EGR: [E você nasceu onde?]
ANON2: “Cidade do Rio de Janeiro. 14 de agosto, 1973.”
EGR: [Como foi a sua infância?]
ANON2: “Eu cresci na periferia do Rio de Janeiro, no bairro de Paciência. A minha residência
inicial ela foi construída num bairro novo, que estava recém-construído. E naquele bairro
houve uma invasão. Em outras palavras, veio a se tornar uma favela. Então nos meus primei-
ros 8 anos de vida, embora a minha casa tinha sido construída, tinha sido comprada, ele tinha
a ilusão, tinha a perspectiva de que aquele bairro seria organizado, que seriam construídas ou-
tras casas. E no entanto, teria uma invasão, que se tornou uma favela. Então, os meus primei-
ros 8 anos de vida eu posso dizer que eu fui criado dentro de uma favela.”
EGR: [O que você fazia na época? estudava?]
ANON2: “Então, o meu dia a dia eu, a partir dos meus 5 anos eu fui pra uma escola localizada
ali próxima. Já com 5, 6, 7 anos de idade comecei a testemunhar muita coisa de violência. Tu-
do o que o pessoal vê na televisão hoje, no Jornal Nacional, que se assusta, eu via aquilo ali
com 5, 6 anos de idade. Acho que a 1ª pessoa morta por perfuração, por tiro, se eu não me en-
39
Entrevista concedida sob condição de anonimato. 40
A partir da solicitação do depoente, fora-lhe disponibilizado previamente um pequeno roteiro para a entrevista.
O Depoente seguiu, em grande parte, o roteiro, por isso houve poucas intervenções do entrevistador durante a
abordagem. Porém, o entrevistador buscou “explorar” algumas questões não dispostas no roteiro, mas mencio-
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gano, eu vi com 6 anos de idade. Andando de bicicleta, o pessoal aglomerado lá olhando um
carro. Fui me aproximar. Foi a 1ª vez que eu vi uma pessoa morta. Então, a minha infância foi
uma infância assim meio que marcada pela violência, indiretamente. Na minha casa era tudo
muito bom, minha mãe, meu pai, meu irmão. Mas fora de casa eu testemunhei muita violên-
cia. Aí, na sequência, depois a minha mãe começou a pressionar meu pai pra gente comprar
uma nova casa, começar uma nova vida. O meu pai sempre esperava que a prefeitura fosse
fazer alguma obra pra valorizar aquele local. Asfaltar, colocar mais iluminação. Só que isso,
como foram passando os anos, não aconteceu, a minha mãe foi pressionando meu pai pra dei-
xar aquela área. Aí, com 8 anos de idade eu me mudei pra outro bairro e fui morar com meus
avós maternos. E aí, [incompreensível] era um bairro melhor, era o bairro de Santa Cruz, mas
não ficava... tinha favelas próximas, mas não ficava dentro da favela. E ali eu vivi mais uns 3
anos. Até que meu pai teve uma nova casa, que ficava dentro do quintal dos meus avós pater-
nos. E é onde meus pais vivem até hoje.”
EGR: [Nessa época você já fazia escolinha de Judô?]
ANON2: “Então, aí com 8 anos de idade...Assim que eu saí desse local onde tinha a favela,
convém até dizer que dos 5 aos 8 anos, nesse período que eu morava dentro da favela, que é
um ambiente violento, e que as crianças... isso reflete muito nas crianças. Todo tipo de brinca-
deira das crianças era ligado à violência. Ou era brincar de polícia e ladrão. Ou era brincar de
gangues rivais. E quando não era muitas vezes, as crianças lutavam, brigavam. E fazia rodi-
nha de adolescentes e até de adultos pra torcer. E eu carreguei um passado muito pesado nisso
aí. Porque eu era muito franzino e eu carreguei aquele ensinamento de casa, do meu pai, né,
que era policial. De enfrentar, não pode ter medo. Então, várias e várias vezes eu apanhava
muito na rua. Apanhava, chegava em casa não podia contar que apanhei. Então, eu guardava
aquilo pra mim. Quando agente se mudou daquele lugar, foi pra um bairrozinho assim, onde
moravam os meus avós, nesse bairro tinha mais estrutura, né. Tinha academias e eu meio in-
fluenciado pelos filmes lá de Kung-Fu, né. Que mocinho lutava com 10, com 15. e eu pedi ao
meu pai que eu queria fazer uma luta. E eu queria na verdade fazer Karatê ou Kung-Fu, que
era luta que tinha dos filmes. Mas como a academia mais perto era de Judô, e meu pai já tinha
feito Judô, na época que ele serviu na Polícia da Aeronáutica. Na verdade ele tinha pego uma
noção de Judô. E ele falou que eu entrasse na academia de Judô. Aí, eu entrei e separei. O Ju-
dô é uma luta mas ele é um esporte. E inicialmente o meu objetivo era aprender a lutar pra
nadas en passant pelo entrevistado.
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aprender a me defender na rua, rapidamente caiu por terra. Passou a ser o meu objetivo ser
faixa preta, ganhar campeonatos. E eu me desviei totalmente do meu objetivo inicial, que era
aprender a lutar pra poder brigar.”
EGR: [Você saiu do Judô? Ainda pratica? Saiu com qual graduação?]
ANON2: “Então, no Judô, eu fiz 2 anos de Judô nessa academia. Depois que nós morávamos
na casa de meus avós maternos, nós nos mudamos pro quintal da casa de meus avós paternos.
E lá nos mudamos de bairro e nessa mudança eu fiquei mais de um ano sem treinar o Judô.
Então, eu treinei Judô dos 8 aos 10 anos. Dos 10 a0s 12 anos eu parei. E voltei com os 12
anos. Já numa outra academia. E aí fiquei até sair faixa preta. Eu parei de lutar Judô, no senti-
do de competição, parei de lutar Judô eu tinha 23 anos. Mas continuei, visitava uma academia,
visitava outras. Tinha muito amigo ligado no esporte. Sempre quando eu ia num local diferen-
te. Às vezes... mais tarde eu vim a servir o Exército... por causa das transferências. Servia
num lugar, servia noutro. Então, era uma forma de eu fazer amigos. Eu já chegava...era faixa
preta, eu tinha uma facilidade de influenciar, de fazer amigos. Então o Judô era utilizado pra
isso.”
EGR: [Como foi a história de você ir pro Exército? Você tinha quantos anos? Quem te influ-
enciou? Como é que você ficou sabendo que existia o Exército?]
ANON2: “O Exército ele veio surgir bem tarde, né. Eu não tive aquela vocação de que queria
servir ao Exército! Na verdade eu fui balizado pelo meu pai pra ir pra uma Escola Técnica. Aí
chegando nessa escola técnica, nessa época, próximo ao Governo Collor ali, que tinha uma
certa recessão, uma dificuldade de arrumar emprego. Uma dificuldade também de arrumar
estágio. As firmas estavam mais demitindo do que admitindo. E um colega que tinha feito
uma prova pra sargento especialista da Aeronáutica. Ele foi aprovado e comentou num grupi-
nho lá da escola. Na época eu tava no 3º ano da Escola Técnica. Ele comentou que tinha feito
a prova de sargento especialista e que bastava ele estudar 2 anos que ele já saía, que ele tinha
emprego garantido. Que já tinha uma carreira. Que já tinha uma estabilidade. Que o salário
era muito bom. E aquilo dali mexeu com a minha cabeça e a de outros colegas também. E
agente meio que se desviou pra esse caminho aí. Eu fiz duas provas pra... eu fiz dois concur-
sos pra sargento especialista. E na sequência eu fiz uma prova pra sargento do Exército. E aí
eu fui aprovado e aí que eu fui conhecer o Exército. Na verdade, nunca foi despertado algum
interesse, como acontece muito com colegas. Que quer servir, que tem essa... Na verdade eu
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fui por uma questão assim... Um emprego que dava estabilidade. Que bastava um ano de estu-
do que já tava recebendo um salário. Eu queria me tornar independente o mais rápido possí-
vel. E ainda, tinha outro apelativo muito bom porque lá eu podia conciliar fazer os dois espor-
tes que eu gostava de fazer. Tanto do Judô quanto do Futebol. Então, lá conciliou todos esses
meus interesses.”
EGR: [Aí você foi pra escola, você escolheu qual Arma? Como era a rotina?]
ANON2: “Então, aqueles que já eram militares, que já tinham servido o Exército, a Aeronáu-
tica ou na Marinha, assim que aprovados, eles já têm uma ideia muito boa de como funciona.
Do que deve ser escolhido. Quais são os caminhos. Como eu vim de origem civil eu não co-
nhecia nada disso. Tanto é que quando eu fui aprovado, tinha sido aprovado, todos os candida-
tos tinham que se apresentar numa unidade do Exército, e no meu caso lá do Rio de Janeiro
foi na Vila Militar. E lá tinha que fazer a escolha de qual Escola era da sua preferência. Na
época era a EsAEx, que é a Escola de Administração, a EsIE e a ESA. Então, essas eram as 3
escolas maiores. Havia outras pequenas que ficavam dentro de batalhões que funcionavam,
eram batalhões escola. Mas aí eram escolas pequenas. E eu mesmo não entendi muito bem
aquilo dali. 'Bom. Eu fiz a prova pra ESA! O que que tem a ver EsIE? O que é que tem a ver
EsAEx?' Ou seja, agente tava realmente mal informado. Mas lá, já próximo ali a fazer a esco-
lha eu escolhi a EsIE por um único motivo: porque a EsIE ficava no Rio de Janeiro e eu não
precisava sair de casa pra ir pra uma escola mais longe. Então eu escolhi a escola por aproxi-
mação e não porque uma escola formava uma especialidade e outras escolas formavam outras
especialidades. Eu não tinha noção nenhuma da diferença dessas especialidades. Isso eu só
vim a conhecer já na própria escola. E fui pra EsIE e fiz o curso na EsIE e fui pra EsMB. Sen-
do que na EsIE tinhas as opções de se formar em Topografia, Manutenção de Comunicações,
Manutenção de Armamento, Manutenção de Viaturas, e Mecânico Operador. E também Esco-
la de Saúde. Quem ia pra EsIE poderia escolher qualquer uma dessas especialidades. E eu
acabei escolhendo Manutenção de Viatura porque abria um leque de servir em várias, em to-
das as unidades do Exército. Eu mesmo me senti mais vocacionado pra Topografia. Porém, a
Topografia só tinha uma área muito limitada pra servir. Além de ser um efetivo de sargentos
muito pequeno, a maioria deles estaria direcionada pra Região Norte. E não era do meu inte-
resse. Então, eu escolhi o Material Bélico Manutenção de Viaturas.”
EGR: [Como era a rotina das instruções? Tanto na EsIE quanto na EsMB? Que horas era a
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alvorada...? Tinha tempo de estudo, estudava até de madrugada...?]
ANON2: “Bom, na EsIE, logo de início agente teve aquela semana que agente chama de in-
ternato. Então no primeiro mês agente era liberado nos finais de semana, somente nos finais
de semana. Ficava de 2ª a 6ª. Ou seja nós ficamos 4 semanas de 2ª a 6ª dentro da Escola. As
instruções elas iniciavam... tinha que estar em forma 7 horas da manhã. E as instruções davam
início às 7 horas da manhã e encerravam, normalmente por volta das 21 horas, onde tinha a
ceia e agente era liberado pra dormir. Isso nas primeiras 4 semanas. Terminadas as 4 semanas,
nós éramos liberados pra ir embora todos os dias. Porém, sempre tinha alguma coisa que im-
pedia agente de ir. Sempre tinha atividade extra. Existia aquilo que o pessoal chamava de...
F.O, que é o fator observado, que podia ser tanto positivo quanto negativo. Eu nunca vi nin-
guém receber um FO positivo. Sempre era negativo que regulava lá. E esse FO negativo ele
tinha uma consequência: ou naquele dia ele não podia ir pra casa, ou ele pegava uma tarefa
que indiretamente iria impedir de ele ir pra casa, porque ele iria fazer uma faxina muito gran-
de, e alguma coisa desse tipo. Então, mas no geral, se não fosse pego com um FO negativo,
que geralmente era ou coturno mal engraxado, ou a barba mal feita, ou a cama que não foi
muito bem arrumada, ou atraso em alguma instrução, qualquer coisa desse tipo era motivo de
se ter um FO negativo e por consequência era impedido de ir pra casa.”
EGR: [Aí você se formou no final do ano e foi pra onde?]
ANON2: “Bom, saí da EsIE fui pra Escola de Material Bélico, fiz Material Bélico, fiz a parte
da Especialização lá. Em acho que próximo a novembro, já no mês de novembro se não me
engano, vinha a escolha da Unidade em que os alunos que já seriam formados sargentos se-
guiriam o seu destino. Essa escolha era feita pelas notas, era pela nota do curso. Então, pega-
vam todos os alunos daquela turma, colocava-se em ordem crescente do 1º ao último coloca.
E ali era escolhido... o 1º escolhia 1º, o 2º escolhia em 2º e assim sucessivamente.”
EGR: [A escolha da Arma também foi assim?]
ANON2: “A escolha da Arma também foi assim. Tinham aquelas opções, né: Saúde, Material
Bélico, Topografia, Manutenção de Comunicações. Pela nota do Básico, do Curso Básico, no
final de todo o Curso Básico, cerca de 3 meses. Aí tem uma avaliação, a média das provas, e
aí também é colocado do 1º ao último colocado, cada um vai escolhendo a sua arma. A dife-
rença é que né, a Arma... quando eu escolhi o curso de Material Bélico Manutenção de Viatu-
ras, tinha 100 vagas. O curso de Manutenção de Armamento, se não me falha a memória, ti-
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nham 60 vagas. Pra Saúde devia ter em torno de 80 vagas e Topografia, que era a menor de
todas, tinham 30 vagas. Enquanto... e vai sendo escolhido na medida em que vão se passando
ali os primeiros colocados. Vão escolhendo vaga naquela arma, o pessoal escolhe a arma dele.
Até que os últimos colocados acontece de não ter mais a especialidade pra escolher. E acaba
tendo... eles são compulsados, né. Eles têm que pegar obrigatoriamente aquela Arma que ain-
da tem vaga. Nesse ano a última que fechou, que compulsou, foi o mecânico de armamento. E
a 1ª a fechar foi a Saúde. Eu até poderia ter escolhido a Saúde. Mas aí entrou a parte vocacio-
nal. Eu não tinha vocação nenhuma pra essa área de saúde. Aí eu deixei passar em branco.
Normalmente escolhia Saúde o pessoal que tinha um pouco de aversão à parte mais militar,
haja vista que a especialização de Saúde ela, entre as armas, ela é vista como a mais paisana.
Tendo em vista que o profissional de Saúde, o sargento de Saúde, ele vai lidar com médicos,
que são profissionais que não foram formados na Academia Militar. Então a tendência é que o
ambiente de trabalho seja um pouco mais civil, por assim dizer. Como eu não senti nenhum
problema, nenhum tipo de receio. Eu acho que eu me adaptei bem ao que seria ali a parte mi-
litar, essa parte não me atraiu pra escolher a especialidade de Saúde. E aí eu acabei ficando
com o curso de Material Bélico, Mecânico de Viaturas.”
EGR: [Aí no final do ano, na escolha da unidade?]
ANON2: “Então., aí, no final do ano...eu sempre tive por objetivo não me afastar do Rio de
Janeiro. Já lá na escolha da Escola, lá no início, eu já escolhi a EsIE justamente pra ficar no
Rio de Janeiro. Só que esse foi o pensamento de muitos cariocas. A maior parte dos cariocas
queria fazer a EsIE, que ficava no Rio de Janeiro. E com isso no curso de Material Bélico,
Mecânico de Viaturas, que tinha cerca de... que tinham 100 vagas, e que se iniciou com 100
alunos, cerca de... mais de 60% ou alguma próxima a isso eram cariocas, que queriam perma-
necer no Rio de Janeiro. Então as vagas pro Rio de Janeiro foram disputadas a ferro e fogo
pelos cariocas. E abriram poucas vagas no Rio de Janeiro. Normalmente oscila de ano pra
ano. Como no ano anterior tinham aberto muitas vagas no Rio de Janeiro, no ano seguinte,
que foi o ano que eu fiz o curso, o ano de 93, abriram poucas vagas. Abriram, se não me falha
a memória, 11 vagas na cidade do Rio de Janeiro. Dessas 11 vagas, 5 ou 6 eram as que nós
chamávamos de boca boa. Eram... são unidades não operacionais. O restante delas, ou seja, a
metade delas eram unidades que eram pouco piruadas, ou pouco pretendidas, que eram os Ba-
talhões de Infantaria, os Grupos de Artilharia. Então, eu tinha por objetivo escolher uma vaga
na cidade do Rio de Janeiro. Mas como dos 100 eu fui o 30º colocado, e desses 30 primeiros
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colocados, posso concluir que talvez uns 15 eram cariocas, não sobrou nenhuma vaga na ci-
dade do Rio de Janeiro que me interessasse. A única vaga que sobrou no Rio de Janeiro, na
época, foi o do Batalhão de Infantaria, o do Regimento Sampaio. Tudo mundo comentava que
era uma Unidade muito ruim. Uma Unidade que tinha um histórico meio pesado. Então, todos
aconselharam... o pessoal mais antigo aconselhou que procurasse uma outra unidade, uma
unidade mais leve, assim. Uma unidade mais... menos operacional. Também poderia ter esco-
lhido a Academia Militar, que fica em Resende. Geograficamente, fica próximo a minha resi-
dência. Todo final de semana poderia estar viajando pra casa. Mas também tinha a... o pessoal
mais antigo também tinha aconselhado bastante que não era um lugar muito tranquilo de se
servir. Então, como não sobrou nenhum local no Estado do Rio de Janeiro e eu vi que eu ia ter
que escolher um local afastado, por influência de alguns amigos que estavam indo pro Nor-
deste, eu acabei escolhendo Olinda. E aí eu fui pro 7º GAC. Apesar de ser uma unidade ope-
racional, mas todos falavam que a cidade era muito boa, que era muito bom servir no Nordes-
te. E aí, fora que eu ia também com um companheiro de turma que era bastante amigo meu. E
esse colega também era carioca. E aí nós fomos, juntos, para Olinda.”
EGR: [Chegando lá como foi a apresentação? Como era a rotina do quartel? O relacionamen-
to entre os companheiros, entre os sargentos e os soldados. O relacionamento dos oficiais em
relação aos sargentos? Existia alguma diferença?]
ANON2: “Bom, chegando lá, chegou eu e mais esse colega. Nós nos apresentamos lá e aí eu
fui começar a conhecer realmente o que era ter uma vida de sargento. Porque até então eu vi-
via como aluno e o aluno ele tá... São vários alunos. Ele é como se fosse um soldado, né. Ele
não tem responsabilidade, ele não tem nada. Só precisa estudar, fazer prova. Mas ali realmen-
te eu não estava dentro de uma boiada. Eu passei a ter a vida de sargento e eu era um indiví-
duo. Minha primeira experiência que eu tive como sargento, ela foi um tanto quanto negativa.
Porque quando eu me apresentei pro meu 1º comandante, já como sargento, ele tinha, ele me
colocou um desafio que eu achei que era muito difícil, senão impossível. Como na outra se-
mana iria ter a passagem de comando, ele falou pra mim que já ia poder testar o meu trabalho,
haja vista que ia ter um desfile motorizado. Então ele falou que já ia ter uma noção do meu
trabalho com uma semana. Eu achei aquilo um pouco, um tempo muito curto pra eu assumir
toda uma garagem, onde tinham mais de 15 viaturas, e eu conhecer toda aquela rotina de ma-
neira que eu tinha numa única semana aumentar a disponibilidade das viaturas ou melho-
rar...ou influenciar positivamente no desfile das viaturas. Eu achei aquilo, vindo de um oficial
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que estava na posição de comando, eu achei que ele não viu muito bem a dimensão do traba-
lho que seria para um período de uma semana. Na minha primeira experiência eu tive a im-
pressão de que eu iria ter que fazer milagre! Bom, passado o tempo, né. Eu fui me relacionan-
do com os sargentos, com outros sargentos. O ambiente de trabalho do 7º GAC era muito
bom, mas o ambiente de trabalho no quartel ele é muito vulnerável. Às vezes o ambiente é
muito bom, mas às vezes um acontecimento, alguma coisa que não era pra acontecer e que
acaba acontecendo, muda a regra do jogo. Então eu posso dizer que nos meus primeiros anos,
2 anos foi um ambiente de trabalho muito bom. Tanto entre os sargentos, dos sargentos com
os soldados, cabos e soldados, quanto com os oficiais. Existia um ambiente de camaradagem.
Mas passado alguns anos, esse ambiente ele estava bom, mas aconteceu um fato que desequi-
librou o ambiente. Aí foi dado como é chamado o 'caça às bruxas', que é uma perseguição do
comando com alguns sargentos e até mesmo com alguns oficiais.”
EGR: [Você pode descrever esse fato pra gente?]
ANON2: “Então. Houve um caso que marcou muito. Ali foi o divisor de águas. Pode se dizer
que antes daquele dia o ambiente era muito bom. Após aquele dia, o ambiente era muito ruim.
Tinha um soldado que tinha ido pra Angola, o soldado que era do PELOPES, era motorista.
Era tido como um soldado muito bom. E esse soldado voltou de Angola meio diferente. Vol-
tou talvez mais agressivo. Talvez perturbado psicologicamente. E aí, assim que ele chegou,
como ele era da turma de 92, ele era da incorporação do ano de 92. ele voltou de Angola com
a perspectiva de que ele ia ser estabilizado. Então, ele já tinha família, já tinha esposa, já tinha
um filho ou uma filha, não me recordo. Então, ele voltou com aquela perspectiva positiva de
que ele ia ser estabilizado, que ia receber várias honras. E a coisa não aconteceu da forma com
a qual ele esperava. A orientação na unidade era de que ninguém da turma de 92 e de 93 iria
ser... iria estabilizar. Isso aí deixou ele muito frustrado. A partir dessa notícia, ele já começou a
se manifestar, se comportar bem diferente na unidade. De maneira, com umas respostas mais
agressivas. Ele era disciplinado, mas ele começou com umas respostas mais agressivas. En-
fim, até que ele, durante um exercício de campo ele ficou incumbido de ser o motorista da
viatura do pão. Essa viatura anda em horários, anda muito pela madrugada. Ela tinha que ir na
nossa unidade. Dava uma distância de em torno de 70 quilômetros da nossa unidade. Então,
ela tinha que ir na unidade bem cedo, buscar o pão e retornar pra área de acampamento. E ela
tinha que estar com esse pão lá seis horas da manhã. Seis, seis e quinze da manhã tinha que
estar com esse pão. Então, ele fazia esse trajeto pela madrugada. E numa das vezes que ele foi
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apanhar esse pão, ele chegou próximo ao horário do café da manhã e como ele tinha dirigido
no horário próximo ali às 3 da manhã, 4 da manhã, 5 da manhã, ele se deitou próximo a uma
área meio isolada lá e foi dormir. Só que todos os dias de manhã, em torno lá de 6 da manhã,
um pouco antes do café, nós fazíamos o hasteamento da bandeira, e todos tinham que estar
presente ao hasteamento. E como ele estava faltando, um tenente determinou que ele fosse
chamado e comparecesse ao hasteamento da bandeira nacional. O sargento, por sua vez, um
dos sargentos da unidade, foi lá acionar esse soldado. Eu não sei qual foram os termos ali, a
conversa, mas esse soldado se negou a ir. Que ele dirigiu a madrugada toda e que ele tinha
que dormir, que era o horário pra ele dormir. E o sargento insistiu que ele fosse. Não sei se ele
foi rude ou o soldado mesmo que foi indisciplinado. Não testemunhei essa parte. E o soldado
continuou se negando. O sargento saiu dali e levou a situação pro tenente. Que o soldado não
iria comparecer ao hasteamento da bandeira. Houve o hasteamento. O tenente, por sua vez foi
lá conversar com ele. Mas já foi lá de uma forma mais rude, de uma forma mais ameaçadora.
E o soldado, por sua vez, deu umas respostas mais rudes ao tenente. E esse tenente levou pro
capitão, que era o chefe da 3ª Seção e Planejamento, que era o chefe ali, responsável pela ins-
trução e o responsável pelo Exercício propriamente dito. O capitão, quando ficou sabendo
dessa situação, mandou chamar esse soldado e disse que o soldado, que ele era um péssimo
exemplo, que ele era um péssimo soldado, e que ele, quando voltasse para a unidade ele seria
punido disciplinarmente, provavelmente com uma prisão, por ele ter se negado a cumprir uma
ordem, que era a de entrar em forma pro hasteamento da bandeira. Esse soldado, indignado,
ele começou a chorar devido às broncas que ele tomou lá do capitão. Ele começou a chorar e
num momento de loucura ele sacou a arma, carregou e fez um ou dois disparos pro alto. A
partir dali o acampamento, todo mundo ficou num estado de alerta, porque não estava previsto
tiro naquele dia. E ainda que tivesse, o stand ficava bem afastado da área principal dali dos
alojamentos. Aí, todos nós. Todos os oficiais, sargentos saiu pra ver o que é que tinha aconte-
cido. Aí esse soldado disse que queria matar o tenente e o sargento que pressionaram ele pra
entrar em forma pra bandeira. A partir dali, esse tenente e esse sargento se afastaram da área
do acampamento, se esconderam pela mata. E esse soldado ficou caçando, literalmente esses
dois. E nesse meio tempo, todos aqueles que ele lembrava que teve algum problema com ele.
Teve algum atrito nesses últimos anos, ele também mencionou que queria matar. Então, co-
meçou na verdade um pânico geral na área de acampamento. Um corria pra um lado, outros
corriam pro outro lado. E ele fazendo disparos. E até que ele mencionou que ele também que-
ria matar o comandante, por conta de ele não ter lutado pela estabilidade dele. E por fim, co-
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mo consequência disso, o que aconteceu. Todos os oficiais e sargentos se afastaram da área
que era onde era o Posto de Comando. Onde eram os alojamentos, onde estavam funcionando
o rancho. Todos os oficiais e sargentos se afastaram daquela área. Só ficaram os cabos e sol-
dados. E ele literalmente tomou o comando. O comandante, que ficou afastado numa outra
área, havia passado uma ordem que era pra ninguém tentar intervir. Que a ideia era deixar ele
se cansar e depois alguém tentar negociar com ele, pra ver se conseguia fazer ele se entregar.
Esse soldado, horas ele falava que o Exército era muito injusto, que ele deu o sangue pelo
Exército e não foi reconhecido. E outras horas ele pegava a arma, colocava na boca e dizia
que ia se matar. Isso decorreu tudo numa manhã. No início da tarde, ele mencionou apenas os
cabos e soldados iriam fazer as refeições. Os oficiais e sargentos não fariam as refeições.”
EGR: [E isso aconteceu mesmo?]
ANON2: “Aconteceu! Os únicos que ele liberou na área do acampamento foram os cabos e
soldados. Porém, um tenente que ele tinha um carisma mais com a tropa. Esse tenente come-
çou a negociar com ele e conseguiu convencer esse soldado a deixar o pessoal fazer várias
marmitas e levar pro pessoal que estava afastado. Aí esse soldado permitiu. E ai, o tenente me
escalou que eu com um caminhão e pegasse várias marmitas e passasse por toda a área do
campo distribuindo pro pessoal.”
EGR: [O pessoal tava refugiado, fugido?!]
ANON2: “O pessoal tava todo mundo na mata. Nas oficinas onde teriam as instruções, mas na
área de comando não poderia ter ninguém. Então com o caminhão eu fui distribuindo a comi-
da pra todo esse pessoal. Isso já deveria ser 3 horas da tarde. Esse meu percurso demorou cer-
ca de uma hora e meia, uma hora e meia duas horas. Quando eu retornei, eu já me deparei
com uma outra cena. Me deparei com... tinha uma marca de sangue no local e ele havia sido
levado pra o Hospital Geral de Recife. Aí eu fiquei sabendo que houve uma orientação pra
todos os cabos e soldados deixarem aquela área, ele iria ficar sozinho lá. Não iria ficar nin-
guém naquela área. E ventilou-se a ideia de que ele atirou tentando suicídio. Num tiro no ab-
dômen. Aí ele foi socorrido para o Hospital de Recife. Nesse meio tempo, quando aconteceu
esses disparos, houve também uma orientação que todos os oficiais e sargentos entregassem a
munição. Pra não forçar ele... pra que ele não pudesse abordar qualquer oficial e sargento e
tomar munição. Então, poucos ficaram com munição. Alguns colegas ficaram com munição
de fuzil, fazendo a guarda da base onde estava o comandante. O comandante ficou protegido
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nesse local com alguns companheiros fazendo a guarda desse local. E esse soldado, uma das
atitudes dele também foi fazer disparos em viatura. Fazer disparos em viaturas militares, com
a intenção de destruir o material. O material da unidade. Percebendo aquilo, um dos colegas
teve até uma atitude muito arriscada. Ele sabendo que um dos caminhões tinha vários fuzis,
ele subiu naquele caminhão e começou a retirar esses fuzis. Esse soldado abordou esse sar-
gento. Viu que ele estava tirando... apontou a arma. A arma tava carregada destravada e com o
cão pra trás. Ou seja, o mínimo toque no gatilho a arma era disparada. E na direção desse sar-
gento. E perguntou pra esse sargento: ' porque que você está tirando esses fuzis daí.' Nessa
hora eu tava próximo, eu atrás de uma pilastra, eu falei com esse soldado: 'fulano, o que nós
estamos fazendo é pra evitar que você se comprometa ainda mais'. E aí ele falou: 'não. Mas
pode deixar tudo como tá aí. Vocês vão sair daqui e deixar tudo como tá aí.' E aí eu e esse
amigo nós nos afastamos. Bom, agora, voltado pro final da história. Quando agente chegou e
tinha marca de sangue e foi dito que ele tentou se suicidar com um disparo no abdômen, e na
sequência ele foi levado pro Hospital Geral, ficou um clima muito tenso naquela área de cam-
po. Mas mesmo assim, o exercício continuou. Mesmo assim, houve as instruções. Foram ter-
minando as instruções. E quando nós chegamos na unidade, começou o 'caça às bruxas'. Esse
sargento que tentou tirar os fuzis do caminhão, foi punido com 4 dias de cadeia.”
EGR: [Por quê?]
ANON2: “Foi dito que...eu não estava lá nesse momento porque eu saí pra fazer a distribuição
do alimento, mas quase todos os militares que estavam próximos à área de comando foram
punidos. Foi dito que havia uma ordem que era pra ninguém ficar ali, alegaram que descum-
priram essa ordem. Esse soldado também ele pegou a bolsa que tinha um material do S/3, o
Chefe da 3ª Seção. Ele pegou essa bolsa e ele jogou no fogo. Isso aí também gerou conse-
quências porque essa bolsa, um militar lá, um Cabo, ele não poderia ter deixado aquela bolsa
ali... Então, de alguma forma todos os militares que estavam ali foram punidos. Comentou-se
também que um sargento poderia ter incitado essa situação, porque o sargento que teria ido
buscar o pão com esse motorista estava passando por uma fase meio desgostosa com o Exérci-
to e talvez tenha feito um comentário que o Exército não valoriza os militares, não valoriza os
praças como deveria valorizar. E isso talvez tenha influenciado diretamente, haja vista que
esse soldado, durante esse evento, esse soldado comentou que 'esse sargento tinha razão!'.
Que esse sargento tinha razão por não, que o Exército não valoriza os praças. Isso aí deve ter
de certa forma influenciado esse soldado pra tomar essa atitude. Então, esse sargento também
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foi punido, com 4 dias de cadeia.”
EGR: [Você falou que ele estava desgostoso com o Exército. Você sabe o que aconteceu pra
ele ficar desgostoso?]
ANON2: “Esse sargento, a família da esposa dele estava com problema de saúde. O pai da
esposa dele estava com câncer. E a esposa dele estava dando assistência, e estava no Rio de
Janeiro. Com dinheiro, e assistência também por presença. E esse sargento estava tentando
uma transferência pro Rio de Janeiro custe o que custar. E ele acha que não estava tento o de-
vido... não estava tendo a atenção devida do comandante. Então, ele estava bastante desgosto-
so. E nessa viagem, o sargento que estava descontente e o soldado que estava frustrado talvez
o teor da conversa deles ali tenha sido a gota d´água pra esse soldado tomar essa atitude.”
EGR: [O acampamento acabou vocês voltaram pro quartel e teve esse 'caça às bruxas'. Mas
foi uma coisa continuada, ou quem tinha que ser punido foi punido e esqueceu-se do assun-
to?]
ANON2: “Quando nós voltamos, teve uma formatura. Nessa formatura o comandante colocou
uma versão da história de que o soldado se insubordinou, que o soldado era um mau soldado,
e que o desfecho poderia ter sido muito pior, mas o desfecho que teve foi até positivo, compa-
rado ao que poderia ter sido. E na sequência, se não me falha a memória, eu não sei se foi
aberta alguma sindicância, ou algum inquérito. Com certeza foi pra apurar as medidas desse
soldado. Mas enquanto o soldado se recuperava – ele ficou entre a vida e a morte durante qua-
se dois meses no Hospital Militar. Fez várias cirurgias porque o disparo foi ali no intestino,
então teve muita complicação nessas cirurgias. Mas, enquanto ele estava lá, no quartel, en-
quanto rolava as investigações, foi percebido aos olhos de quem estava investigando, que
houve vários procedimentos errados. E um desses procedimentos errados foi o pessoal que
não cumpriu a determinação de se afastar. Outros que não cumpriram a determinação de per-
manecer no local. Mas os próprios companheiros alegam que desconheciam qualquer tipo de
determinação.”
EGR: [A partir desse fato, o ambiente no quartel mudou?]
ANON2: “O ambiente ficou bastante pesado. Foi um ano bastante complicado. Depois que
teve vários companheiros punidos, a punição passou a ficar vulgarizada. Então a tropa... nós
começamos a achar que para ser punido bastava um mínimo erro. Então, o que seria um pe-
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queno atraso no horário de expediente, alguma missão que não era muito bem compreendida e
foi cumprida de uma forma que não era muito bem aquilo que se queria... todo mundo achava
que tudo era motivo pra punição. Então, o ambiente ficou tudo sob muita pressão. E quando
se tem muita pressão num ambiente militar, me parece que abre mais espaços pra acidentes.
Porque o soldado vai pra uma missão, ele sabe que se ele se atrasar 5 minutos ele vai ser pu-
nido. Se a viatura não estiver muito limpa ele vai ser punido. Se a viatura quebrar no meio do
caminho pode se alegar que não foi feita a manutenção e ele é punido. Então as coisas são fei-
tas de uma forma muito tensa! Isso abre muitas janelas pro acidente. E realmente foi o que
aconteceu. Houve uma sequência de acidentes muito grande. Até o comentário uma vez no
Quartel-General, teve um companheiro que comentou que ele não se surpreendia mais quando
chegava um relato de acidente, do 7º GAC lá no QG. Então, houve vários atropelamentos em
exercícios de marchas, que é um exercício simples e fácil de fazer mas acontecia acidente. Se
não me falha a memória houve um suicídio, não sei quanto tempo depois desse fato. Mas fi-
cou um ambiente entre os oficiais e os sargentos. Talvez entre alguns oficiais, mas mais entre
os oficiais e os sargentos.”
EGR: [Essa tensão refletia em que? Em desconfiança?]
ANON2: “Eu imagino que após esse acontecido, como o alvo maior da perseguição desse
soldado foi voltado para os oficiais, e alguns sargentos, mas na maioria ter voltado para os
oficiais. Ele se dirigia muito aos oficiais. Ele falava de uma maneira pejorativa sobre os ofici-
ais, dos oficiais, eu imagino que o moral dos oficiais tenha ficado um pouco abatido. Numa
das coisas que ele comentou, ele falou pra todos que estavam ali próximos, que era mais ca-
bos e soldados, ele falava: 'Cadê os oficiais? Se eu quisesse matar vocês aqui agora eu mata-
ria! Cadê os oficiais?'. Mostrando, querendo dizer que os oficiais não se preocupam com a
tropa. Então eu imagino que no término desse evento os oficiais tenham ficado um pouco com
o moral um pouco baixo. E talvez foi uma forma de mostrar poder. Eu imagino que tenha sido
em torno disso. Eu ouvi vários companheiros mais antigos comentando que seria isso e con-
cordei. E realmente começou a ser vários sargentos punidos. Isso aí refletiu na tropa porque
ficou realmente um ambiente obscuro. Mais alguns meses à frente teve a passagem de coman-
do. E veio um comandante que eu imagino que veio pra arrumar a casa. Era um comandante
muito carismático, de fácil trato. E aí esse comandante reverteu todo aquele ambiente. Em
poucos meses ele reverteu. E realmente voltou a ser o ambiente que quando eu cheguei lá eu
encontrei. Um ambiente muito bom. A experiência que eu tive disso foi que, às vezes, um fato
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isolado muda todo um ambiente de trabalho.”
EGR: [Só a troca do comandante já alterou?]
ANON2: “É. Eu imagino que só a troca do comandante já alterou todo aquele clima. Porque
foi bem poucos oficiais transferidos aquele ano, e bem poucos sargentos também. Foi prati-
camente a troca do comandante. E esse comandante ele tinha... ele era um comandante que
gostava de estar próximo da tropa. Ele era um comandante que agente chama... ele não tinha o
sangue azul, né. Ele ficava bem próximo ali. Ele conversava com qualquer militar que se en-
contrasse com ele. Ele era um comandante muito seguro. Talvez um dos melhores comandan-
tes que eu tenha visto. Ele deve ter sido nomeado para comandar o 7º GAC eu imagino que
por conta disso. Não se se foi apenas uma coincidência de ir um comandante tão competente
logo após ter todos esses eventos lá na nossa unidade.”
EGR: [A partir daí você foi transferido ou ficou por lá mesmo?]
ANON2: “Eu passei mais um ano lá. Eu fiquei, depois desse evento, que teve essa passagem
de comando, que chegou esse novo comandante, eu fiquei um ano no comando dele. Ele foi
comandar dois anos. Só fiquei um ano. E eu tinha pedido pra ser transferido. Em todo tempo
que eu fiquei no 7º GAC, eu sempre tentei voltar pro Rio de Janeiro, mas pra uma unidade
escolhida a dedo. Eu não queria voltar pra uma unidade que fosse ruim. E isso nunca se con-
cretizou. Mas passado esse ano, esse ano em que aconteceu essa fato, ficou tão desgastante, eu
fiquei tão desgastado da unidade... também não podia imaginar que o próximo comandante
poderia reverter aquele quadro...q, assim que iniciou o outro ano eu pedi transferência pra vá-
rios lugares. Eu abri bastante o leque. E no decorrer do ano eu fui vendo que não havia neces-
sidade, que realmente o quartel voltou na direção que ele estava realmente. Mas aí eu fui
transferido pra uma fronteira que agente chamava de 1ª Categoria, que é Nioaque, Mato Gros-
so do Sul. Servi 2 anos lá em Nioaque. O ambiente de trabalho lá eu julgava muito bom. Prin-
cipalmente entre os sargentos. Era um ambiente muito bom. Lá também eu fui designado pra
ser o Diretor de Esportes do Clube da cidade. Foi uma experiência muito boa porque acabou
que eu travei bastante contato com o público civil daquela cidade. Isso foi muito bom pra mim
porque como era uma fronteira de 1ª Categoria, onde os militares só passam 2 anos, toda a
amizade que eu fiz com os militares, com o tempo eu não iria deixar nenhuma raiz naquela
cidade. Porque os militares também seriam transferidos, coisa e tal. Mas eu trabalhando no
clube, onde eu tive bastante contato com o público civil daquela região, eu pude colocar uma
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raiz mais profunda na cidade. Haja vista que os civis têm origem ali e a tendência é permane-
cerem naquela cidade. Então, hoje ali, devido a essa função que eu peguei no clube, eu olho
pra cidade e posso, se um dia eu ainda voltar naquela cidade, eu tenho certeza de que eu vou
encontrar muitos amigos. Passados dois anos nessa cidade, eu fui transferido pra Curitiba, na
unidade que eu sirvo até hoje. Aqui, de todas das unidades que eu passei foi a que eu melhor
me senti. Achei aqui a unidade onde tive o melhor ambiente de trabalho. Onde o sargento,
aqui nessa unidade, diferente das unidades onde eu passei, o sargento aqui ele tem mais res-
ponsabilidades ou, de certa forma talvez, por ser uma unidade logística, cada sargento tem
uma área de responsabilidade talvez um pouco maior do que talvez uma unidade de arma
combatente. Talvez porque lá tudo é muito... tudo muito.... segue muito uma cadeia hierárqui-
ca. E tudo é muito centralizado. O sargento pede pro tenente, o tenente pede pro capitão, o
capitão tem que pedir... Já num batalhão logístico, se exige mais iniciativa dos sargentos. E
aqui eu tenho realmente encontrado, de todas as unidades em que eu passei, eu tenho visto
que aqui é a minha melhor unidade.”
EGR: [Você acha que num quartel de arma o sargento tem mais limitações pra desempenhar
suas funções por conta dessa centralização?]
ANON2: “Num quartel de Arma se ele não estiver na função da administração, se ele não es-
tiver na atividade fim... Num batalhão de infantaria, se ele estiver num pelotão, esse pelotão o
sargento, que ele é comandante de um GC, apesar de ele liderar alguns homens, de ele ter essa
responsabilidade com aquele pessoal, mas a unidade daquele Grupo ali é o Pelotão, o coman-
dante de pelotão. Cada passo que ele faz, tudo que... ele tem que se voltar pro comandante de
pelotão. Na artilharia, é a Linha de Fogo. Tem o Chefe de Peça com sua equipe. Mas tudo é
feito a comando do CLF né, ou seja, do Chefe de Linha de Fogo. O Chefe de Peça, que é um
sargento, ele não tem autoridade nenhuma pra dar um tiro, ele não tem autoridade pra fazer
nada que não seja comandar. Na Infantaria, o comandante do GC ele vai com o GC onde foi
determinado. Ele vai fazer com o GC aquilo que foi determinado, vai ficar onde foi mandado
ficar. Numa unidade logística, o sargento com a equipe dele, de manutenção, na grande maio-
ria das vezes, ele vai fazer com autorização. Mas é ele que vai dar a solução da coisa. Ele é
que vai juntar com a equipe, 'ó nós vamos fazer isso, isso'. E aí ele leva pro tenente. Por que é
uma situação de hierarquia, né. Mas ele já leva as soluções, as sugestões. E quase sempre fun-
ciona assim. Diferente de um quartel de arma que é aquilo que faz o que é mandado. Num
quartel logístico, ele se se perde um pouco. Porque o sargento ele passa a ser um profissional.
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Ele passa a ser um técnico. Então, se ele diz: 'essa viatura não tem condições de sair'. Por mais
autoridade que se tenha, mas o técnico é ele. É ele que tá dizendo. Numa unidade logística,
onde tem vários técnicos, é uma visão diferente. É um paralelo do médico. O médico..., o co-
ronel pode ser de Infantaria e ser o comandante, mas se o médico fala: 'esse soldado não tem
condições de fazer uma atividade, tem que ser respeitado um parecer de um técnico, um pare-
cer de um especialista. Nessa hora, a hierarquia se quebra um pouco. E num batalhão logísti-
co, existe a hierarquia, existe a autoridade do comandante. Mas existe o técnico. E para derru-
bar o parecer de um técnico, tem que ser o parecer de um outro técnico. É o que dá mais auto-
ridade ao sargento que é de uma QM técnica.”
EGR: [Durante o seu período de carreira você chegou a fazer algum curso?]
ANON2: “Eu fiz um curso de especialização, que é o curso de Educação Física, na Escola de
Educação Física do Exército. Fiz esse curso em consequência do Judô. Eu tinha me classifi-
cado pra um campeonato brasileiro e o subcomandante da Escola de Educação Física soube
que tinha um militar que estava disputando o campeonato brasileiro. Ele quis me conhecer e
nessa conversa ele me ofereceu uma vaga no curso de Educação Física. Eu aceitei e fiz o cur-
so. Mas o meu objetivo sempre foi voltar pra cidade do Rio de Janeiro. Não tinha muito inte-
resse em fazer o curso de Educação Física. Tinha nenhum interesse em voltar pra cidade do
Rio de Janeiro. Mas, esse curso me proporcionou 6 meses na cidade do Rio de Janeiro. Esse
foi um dos motivos talvez muito fortes que eu aceitei a fazer o curso.”
EGR: [Você estava em Olinda, na época?]
ANON2: “Estava na época em Olinda. Era o que o pessoal chama de 'laranjeira'. Morava den-
tro da unidade. O que traz um desgaste psicológico muito grande, porque por melhor que se-
jam as acomodações, o fato de se trabalhar num lugar e quando chega o término daquele ex-
pediente, todo o pessoal indo embora pra sua residência e você continuar naquele local que
você vai trabalhar, isso traz um desgaste psicológico muito grande.”
EGR: [Isso é muito comum nos quartéis?]
ANON2: “É muito comum, e tá muito ligado ao pessoal recém chegado. Principalmente os
mais novos. O pessoal que não tem família. Os sargentos solteiros. Ou os soldados que por
acaso moram em outra cidade. Ou até mesmo os oficiais que são solteiros, os aspirantes ou 2º
tenentes. Eles quando chegam numa unidade, se apresentam numa unidade que é longe de sua
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origem, que é longe da casa de seus pais, é uma forma de se abrigar. Passa um tempo ali no
alojamento, morando no alojamento. Almoçando e jantando ali na unidade. até pra poder co-
nhecer melhor a cidade e depois o pessoal junta 2, 3, ou até mesmo 4 e divide aí um imóvel,
pra aqueles que não são casados. Isso é muito comum.”
EGR: [Você foi pra escola de Educação Física, fez o curso durante 6 meses, você pode dar
aula de Educação Física?]
ANON2: “Não! O curso de Educação Física, que é chamado curso de Monitor de Educação
Física para os sargentos, diferente do curso de oficiais, que é o curso de Instrutor de Educação
Física. O curso dos oficiais, ele sim, desde que ele saia com média superior a 7, ele tá habili-
tado a dar aula de Educação Física. Haja vista que ele recebe um diploma de graduação em
Educação Física. Agora realmente eu não tenho certeza, não sei se é bacharelado ou licencia-
tura. Mas é graduação em Educação Física. Ele sai graduado em Educação Física, com diplo-
ma reconhecido pelo MEC. No caso dos sargentos, até o início dos anos 80. se não me falha a
memória, ele também funcionava nessa mesma sistemática. Ele deixou de funcionar, haja vis-
ta que estava gerando algum gasto pro Exército. Porque todo custo superior a 6 meses, o mili-
tar tem que ser transferido ele recebe toda aquela indenização de transferência. E ao término
do curso, ele por nota, semelhante ao curso de formação, ele era novamente transferido e clas-
sificado por nota. Ele era transferido pra outra cidade. E isso gerava algum gasto pro Exército.
Então, com um objetivo de realizar uma economia, o curso de sargentos passou a ser inferior
a 6 meses. Porque no curso de 6 meses, o Exército teria que arcar com 2 transferências em
menos de 1 ano. Eles pegaram o curso e colocaram 6 meses, menos 1 semana. E assim o sar-
gento que vai fazer o curso de Educação Física , ele só precisa receber uma ajuda de custo,
para aqueles que são solteiros. O que é equivalente... o que é muito próximo ao vencimento.”
EGR: [Mas a carga horária dos oficiais é bem maior?]
ANON2: “A carga horária dos oficiais é um pouco maior. Não chega a ser muito maior. É que
os oficiais tem 10 meses. E o curso de sargento tem quase 6 meses. Só que o curso dos ofici-
ais tem algumas disciplinas que anteriormente tinha no dos sargentos e foram cortadas. Essas
disciplinas foram psicologia desportiva, fisiologia, e algumas outras, essas disciplinas foram
cortadas do curso de sargentos. E foi uma das coisas que foi alegado pela perda dessa disci-
plina, o curso de subtenentes e sargentos não poderia ser equivalente... mais considerado uma
graduação. E aí, o que nós recebemos é apenas um diploma da Escola de Educação Física do
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Exército. Ela não tem nenhuma validade para a universidade.”
EGR: [Você chegou a fazer vestibular alguma vez? Teve a pretensão em estudar no meio ci-
vil?]
ANON2: “Eu depois que eu... o meu objetivo inicial não era estudar. O meu objetivo inicial
era participar do campeonato brasileiro porque eu tinha a ambição de ser campeão brasileiro
de Judô. Então, todo meu direcionamento foi pra esse objetivo. Quando eu consegui me clas-
sificar pra esse campeonato brasileiro de Judô. Eu ali vi minha meta, uma parte dela, concluí-
da. Porém, chegando no evento, no dia do campeonato, eu realmente percebi que eu não esta-
va preparado para um evento daquela grandeza. E eu me frustrei bastante. Eu saí de lá perce-
bendo que eu coloquei um objetivo muito além do que eu podia conseguir. Pelo menos com as
condições que eu tinha. E a partir dali eu perdi um pouco o foco. Eu perdi um pouco a dire-
ção. Então, a maioria dos meus amigos que chegaram comigo, que chegaram comigo no 7º
GAC, na unidade, todos foram estudar. Foram fazer faculdade. Eu fui o único que não fui.”
EGR: [Vocês chegaram em quantos?]
ANON2: “Nós chegamos em 4. 4 sargentos recém formados. 3 foram buscar a universidade e
eu fiquei de fora.”
EGR: [Tinham outros colegas que já faziam faculdade? O pessoal que já estava na unidade?]
ANON2: “Tinha outros colegas que já faziam faculdade. Do pessoal mais antigo, poucos
eram formados ou que tinham faculdade. Bem poucos. Porém, do pessoal mais novo, ou seja,
dos 3º sargentos na boa parte deles faziam faculdade. Eu diria em torno da metade.”
EGR: [Metade, então, dos 3º sargentos fazia faculdade?]
ANON2: “Fazia Faculdade. Mas como eu tinha o objetivo do campeonato brasileiro, eu não
me envolvi nessa parte de estudo. Mais tarde, quando eu frustrei, eu perdi um pouco a dire-
ção, na tentativa de arrumar um objetivo pra mim, eu me virei pro estudo e fui fazer uma fa-
culdade. Eu fiz o vestibular na época pra Universidade Federal de Pernambuco, e escolhi o
curso de Matemática. Porque eu tinha um pouco de conhecimento na área, haja vista que eu
fiz o curso de eletrônica, na Escola Técnica, e que me deu um pouco de base nessa parte de
cálculo. E como eu não tinha nenhuma base na área de humanas, em História, Geografia, isso
me limitou muito em qual o curso que eu deveria escolher, por conta do vestibular. Então, eu
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fiz o vestibular para o curso de Matemática, porque eu tinha um conhecimento suficiente na
parte de Português, na parte de Matemática, na parte de Física. E o restante ali eu ia dando ali
uma... eu me preparei ali num intensivão. Eu fui aprovado, mas não cheguei a iniciar o curso
porque duas coisas me desmotivaram. Uma: um dos colegas que já estava fazendo o curso de
Matemática tinha abandonado. Ele falou que o curso era muito difícil, o curso era muito pu-
xado, e ele não tava conseguindo conciliar as atividades do quartel com a faculdade. E o outro
motivo também que pesou bastante, é que quando eu tinha minhas férias, quando eu pegava as
férias eu me desligava de tudo e viajava pra casa sem pensar duas vezes. E qualquer tipo de
oportunidade que tivesse que viesse, eu viajava pro Rio de Janeiro. E eu percebi que se eu
fosse fazer um curso de Matemática, na Federal de Pernambuco, que era tido como muito for-
te... fora as aulas que eu já perderia normalmente com os serviços, os acampamentos, as mis-
sões que eram bastante no interior do Nordeste, com distribuição de alimento... eu percebi que
seria um outro objetivo que seria frustrado, igual o outro objetivo que eu tinha, de ser campe-
ão brasileiro. Eu projetei a minha frustração que eu tinha no Judô, também pro curso, e achei
que eu não deveria nem começar. E não iniciei o curso. No ano seguinte, um dos colegas que
tinha feito vestibular, ele fez pra História. E nós dois fomos aprovados, eu fiz pra Matemática
e ele fez pra História. Eu não iniciei nem me apresentei lá. E ele iniciou o curso de História. E
eu fiquei meio sem objetivo. Ficava no quartel sem ter o que fazer. Ia pra casa da minha na-
morada, minha atual esposa. Mas quando eu voltava, às vezes eu me deparava com esse meu
colega, à noite, ele já tinha chegado da faculdade, e estudando. Ele também era laranjeira. Ele
ficava estudando. E nos finais de semana que agente estava no sábado e domingo, na parte da
manhã e da tarde, ele ficava estudando. Aquilo foi mexendo comigo e fui vendo que realmen-
te eu estava parado no tempo. Que eu tinha que estudar sim. Aí, eu prestei vestibular para His-
tória. Na verdade o curso que eu queria era o curso de Direito. Mas eu não via nenhum... eu
olhava e também achava que eu estava colocando o meu objetivo muito difícil. E achei legal
tentar o curso de História, que tinha uma concorrência menor que o curso de Direito. Então eu
passei todo o ano, nas oportunidades que eu tinha, né. Eu comprei aquele livro. Eu sempre
achei que na Matemática, no Português eu tivesse um conhecimento que me dava um suporte.
Mas a História, a Geografia, essas disciplinas eu parti do zero. E ficava estudando quando es-
tava de serviço. Cheguei no final do ano eu fiz o vestibular novamente pra Universidade Fe-
deral de Pernambuco, só que dessa vez pro curso de História. Eu passei pra 1ª Fase. O que me
deu mais motivação pra estudar pra prova de 2ª Fase que era uma prova direcionada. Seria só
História, Geografia e Redação. Então, eu podia ter um estudo mais direcionado. Só que muito
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próximo do vestibular da 2ª Fase, eu fui designado para uma missão no interior de Pernambu-
co. Que foi a Operação Mandacaru. E eu não pude fazer a 2ª Fase do curso. Na verdade, nem
havia tempo hábil pra eu tentar ser substituído dessa missão. Porque ela aconteceu de surpre-
sa. Eu fui acionado no celular, pela unidade. Me apresentei na unidade, dali agente já ia... e o
vestibular seria 3 ou 4 dias depois. E eu fui pra essa Operação Mandacaru e lá fiquei 15 dias.
Então, eu perdi a 2ª Fase do vestibular. Quando eu retornei. Quando ao término dessa missão
agente retornou pra unidade só me restava de opção a Universidade Católica, que era particu-
lar e tinha uma mensalidade muito cara. Porém, um conhecido meu disse que eu como atleta
de judô eu pagaria apenas 50%, se eu conseguisse entrar na equipe. Como ingressar numa
equipe de uma universidade – haja vista que eu participava da equipe de Pernambuco – então
entrar numa equipe da universidade seria relativamente tranquilo pra mim, então, eu vi naqui-
lo ali uma oportunidade. Eu me inscrevi pro vestibular de Direito da Universidade Católica de
Pernambuco. Ali eu fiz pro curso de Direito porque se eu fizesse pra uma universidade parti-
cular, a concorrência era um pouco menor e eu conseguiria. E aí eu fui aprovado, mas na hora
de fazer a matrícula e na hora de realmente saber, de me inteirar como seria essa história da
equipe de judô, já me passaram uma história um pouco diferente. No meu 1º Ano, indepen-
dente de qualquer coisa eu teria que fazer o 1º Ano sem receber nenhum tipo de bolsa. E que
essa bolsa ela viria na medida em que eu fosse provando... que realmente eu era um atleta de
ponta, que eu iria me integrar à equipe... e que não seria me dado a bolsa no início. O curso de
Direito da Universidade Católica ele me pegaria uma boa parte do meu salário. Não me recor-
do bem mas acho que em torno de 40 a 50% do meu salário. Então, ficaria totalmente inviá-
vel. Então, eu também não fiz o curso. Não cheguei nem fazer a matrícula. Mais pra frente eu
tinha sido transferido pra Nioaque, Mato Grosso do Sul, e na sequência eu tinha sido transfe-
rido pra Curitiba. E em Curitiba também tentei fazer o vestibular. Achei uma cidade muito
forte na parte de estudo. Após passar dois anos em Nioaque. As universidades lá eram muito
distantes. A mais próxima lá era a estadual que ficava numa cidade chamada Aquidauana, que
dava em torno de 90 quilômetros. Muito afastado. E passado esses dois anos, vim pra cidade
de Curitiba. Acho a cidade de Curitiba bem estruturada pro estudo. E eu decidi por bem fazer
o curso de Filosofia. Nesse meio tempo, quando eu fui fazer o vestibular pra História, eu estu-
dando História eu fui tendo uma atração pelo curso de Filosofia. Então, o meu estudo que era
direcionado pra História, ele foi se desviando e eu fui começando a ler uns livros da área da
Filosofia. Então eu fui gostando e fui me identificando cada vez mais. Então, quando cheguei
aqui em Curitiba, eu quis fazer o curso pra Filosofia. Eu entrei num cursinho. Foi falado que o
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vestibular era mais concorrido. O pessoal de Curitiba era mais...Então eu me preparei melhor
pra esse vestibular. Eu entrei num cursinho pré-vestibular, num intensivo. Eu também fiz um
cursinho. Aos sábados eu fiz um cursinho de Espanhol, pra me dar uma base no idioma. E fui
pegando um ritmo de estudo mais forte como há muito tempo eu não tinha... há muito tempo
eu já tinha abandonado esse ritmo de estudo forte. E no cursinho, como eu sou de cor parda,
no cursinho um dos professores comentou-se que o pessoal que pudesse se inscrever na con-
corrência de cotas para os negros e os pardos, que fizesse essa inscrição porque o vestibular
seria muito mais... seria menos concorrido. E na época tinha dois tipos de cotas: para negros e
pardos e para o pessoal que estudou, não me lembro, se mais de 10 anos ou estudou a vida
toda no colégio público. Então tinha esses dois tipos de cotas. Eu poderia pegar esses dois ti-
pos de cotas porque eu estudei a vida toda num colégio público, e também sou de cor parda. E
isso era uma questão muito polêmica. Uns eram a favor, outros eram contra. Era uma situação
que vira e mexe era um motivo de discussão em sala de aula. Eu me sentiria talvez muito mais
à vontade se eu estivesse numa cidade do Rio de Janeiro ou na cidade de Salvador. Como eu
estava em Curitiba, eu olhava minha classe como um todo, eu percebia que, entre pardos e
negros, numa turma de 80, talvez tivesse uns 4 ou 5. O que seria o contrário se eu estivesse no
Rio de Janeiro ou talvez no Nordeste. E esse tema da discussão, tinha um dos professores que
pedia nossa opinião: 'o que é que vocês acham? Se é justo, se não é justo.' Eu estava realmente
inclinado a não pegar nenhuma das cotas. Eu estava inclinado a concorrer na concorrência do
vestibular sem cotas. Mas durante aquelas palestras eu fui tomando realmente uma posição
meio radical quanto a isso. Nas vezes em que foi perguntado qual era a minha opinião, eu
mencionei que eu era a favor das cotas sociais. Que deveria ter sim cota para aquelas pessoas
que não tinham condições de entrar numa universidade pública. Mais pra frente eu fui anali-
sando os fatos e fui chegando a uma nova conclusão. Que as cotas deveriam ser para quem
tivesse dinheiro! Deveria ter aqui 20 % de vagas para as pessoas da classe média ou classe
média alta ou classe alta. Mas 80% das vagas deveriam ser para aquelas pessoas que não ti-
nham condições de pagar a universidade. Deveria ser uma cota inversa. É lógico que isso aí
seria uma situação impossível. Só que no momento que eu defendia minhas opiniões eu per-
cebi que eu estava tomando partido contra a minha própria classe racial, enquanto eu era con-
tra. E realmente tivesse um pingo de sentido nesse sistema de cota racial. Porque em alguns
países, eu cito os Estados Unidos, agente olha e vê muitas autoridades negras. E no Brasil
agente não vê muito essa... Eu cito as próprias Forças Armadas. As Forças Armadas é difícil
perceber oficiais entrando no Exército, como na Marinha, negros. Então, eu acho que o obje-
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tivo do sistema de cotas foi dar uma misturada na cor das camadas mais formadoras de opini-
ão. Porque uma forma rápida de se fazer isso seria permitir o ingresso na universidade. Eu não
sei se isso... quanto é justo ou quanto é injusto. Mas seria uma forma de mudar esse cenário. E
aí eu comecei a meio que defender esse sistema. Embora eu não fosse pegar o sistema de co-
tas pra mim no vestibular. Eu comecei a defender o sistema e não tinha interesse de pegar.
Mais próximo ao vestibular eu percebi uma coisa. Eu ia entrar pra um curso de muita polêmi-
ca. Um curso de muita discussão, onde o debate é muito valorizado, incentivado. E eu pensei
por mim: se eu defendo um sistema de cota racial, por que é que eu não vou me inscrever num
sistema de cota? Será que isso pode ser visto como o fato de eu não me achar negro? 'Não,
você é pardo, então você não se considera pardo? Se você não se considera pardo, se você não
se considera negro, porque que você não ingressou no sistema de cotas?' Se você acha justo o
sistema, se você é pardo, seria uma contradição. Então eu me ingressei no sistema de cotas
com a intenção de justificar, e porque eu passei a ser a favor, nesse meio tempo. Eu fui apro-
vado. E eu imaginei que eu conseguiria ser aprovado nas minhas perspectivas. Não consegui-
ria pro curso de Direito se não fosse cotas. Mas como foi por cotas eu conseguiria pro curso
de Filosofia. E se eu tivesse tentado pro curso de Direito por cotas eu teria entrado. Mas en-
fim, o Direito já não passou a ser o meu objetivo. Passou a ser o curso de Filosofia. Aí eu fui
aprovado e graças a Deus eu fui aprovado...Isso que era a minha maior preocupação. Eu que-
ria ser aprovado no sistema de cotas mas com uma nota que mesmo que eu concorresse fora
do sistema de cotas eu pudesse ser aprovado. Porque eu queria alegar que eu entrei pro siste-
ma de cotas porque eu achava justo. Não pra eu me dar bem!”
EGR: [Uma resposta filosófica ao drama que você viveu...?]
ANON2: “Exatamente! Uma resposta àquela contradição. Não pra eu me dar bem. Porque na
verdade o sistema de cotas mais justo talvez seja cota para negros que não tivessem como pa-
gar o pré-vestibular. Porque imaginando, o filho do Pelé. Ele não precisa de cota pra entrar na
universidade. Ele paga o melhor pré-vestibular que ele quiser! Então, essa cota deveria ser pra
negros que não tivessem condições de pagar o pré... então, eu estava pagando o pré-
vestibular! Mas eu entrei por conta disso. E eu fiz uma nota que realmente para o curso de Fi-
losofia foi uma nota que me deixou... que eu entraria mesmo que não fosse por sistema de co-
tas. E com folga. Mas no momento da minha inscrição, no momento em que eu ia... houve um
acontecimento na minha vida. Próximo à época da matrícula, houve um acontecimento na mi-
nha vida que me redirecionou. Aconteceu um fato que colocou a minha vida em risco e eu fiz
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uma promessa que se a minha vida, ela , se desse tudo certo, e eu não corresse aquele risco de
morte, eu faria o curso de Teologia. Aconteceu. Eu recebi como se fosse um presente divino.
E por conta disso eu não ingressei no curso de Filosofia. E mais pra frente eu ingressei no cur-
so de Teologia. Eu fiz o curso de Teologia por 4 meses, mas como nem batizado eu era no
curso eu fui orientado que eu deveria parar o curso. Seguir primeiro, pegar uma função de li-
derança na Igreja, ser batizado, e somente aí ingressasse no curso. Que eu não poderia fazer o
curso de Teologia sem ter tido, não é o ideal, uma função. E não poderia sem ser batizado na
Igreja Evangélica.”
[Interrompido por solicitação do entrevistado]
ANON2: “Dando continuidade, eu no curso de Teologia eu fui orientado a parar o curso para
que eu pudesse pegar mais experiência na parte de liderança de uma Igreja. E o ponto funda-
mental é que eu tinha que ter sido batizado primeiro. Então, eu parei o curso. Até me envolvi
numas atividades da Igreja, mas na sequência eu já tava com o casamento marcado. Eu me
casei e acabou que eu não retornei para o curso de Teologia. Logo na sequência do casamento,
poucos meses depois a minha esposa engravidou e aí eu segui uma outra... acabei ficando com
um outro objetivo que é a paternidade. Aí, o meu filho nascendo, houve já... o meu tempo fi-
cou muito voltado pra isso. Então não teve como eu estudar, eu tentar fazer uma faculdade.
Isso aí ficou para uma próxima oportunidade. Você comprou o seu 1º carro ou sua 1ª moto e
sua 1ª casa, você tinha quantos anos e tinha qual graduação? O meu 1º carro eu comprei já no
meu 1º ano de formado. Então, em 94 quando eu cheguei na unidade, com o dinheiro da trans-
ferência do Rio para Pernambuco, eu comprei um carro. Era um Gol BX ano 82, se não me
falha a memória. 82 ou 83. e foi praticamente todo o dinheiro da transferência nesse carro.
Naquele mesmo ano, mais provavelmente no final do ano, eu troquei de carro. Eu comprei um
Passat iraquiano, ano 86. e com esse carro eu fiquei mais tempo. Aí mais pra frente, no ano de
98, aí eu troquei novamente de carro eu comprei um Kadet 94; aí eu fiquei com esse Kadet até
o ano de 2001. onde eu vendi esse meu Kadet e comprei um Astra 99. o ano dele era 99. está-
vamos em 2001. entrou um pouco da transferência que eu tinha recebido pra Nioaque. Eu ti-
nha sido transferido pra fronteira e tinha recebido uma indenização maior. Fora um dinheiro
que já tinha sido guardado. Aí eu comprei esse Astra. Mais pra frente, eu troquei por um... no
ano de 2003, quando eu já tinha sido transferido pra Curitiba, eu troquei por um Fiat Brava,
que era 2001. isso em 2003. como eu estava nesse período, eu já visualizava o casamento, aí
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no ano de 2005 eu vendi esse Fiat Brava. Comprei um carro de menor valor com a intenção já
de comprar um apartamento. Então, eu comprei um Santana, 96, que tinha um valor inferior a
esse Brava. Com o dinheiro que eu recebi na troca desse Brava, e com um empréstimo; em-
préstimo não, um consórcio que eu tinha feito pela Poupex. Eu inteirei esse dinheiro e com-
prei um apartamento. Foi meu 1º apartamento e o apartamento atual que eu tenho. Foi no ano
de 2005, onde eu fiquei com o Apartamento e o Santana. Aí mais pra frente, quando minha
esposa começou a trabalhar, a situação financeira deu uma reequilibrada, aí eu vendi o Santa-
na e comprei o Scénic. Um Scénic ano 2005, modelo 2006. “Eu comprei esse carro já era em
2009.”
EGR: [Sua 1ª casa, então, foi adquirida quando você era 2º sargento?]
ANON2: “A minha casa eu comprei na graduação de 2º sargento. Eu já era 2º sargento antigo,
depois do CAS. Já era 2º sargento antigo.”
EGR: [Desde que você entrou no Exército, a partir de 93, você notou algum tipo de mudança
em relação ao tratamento hierárquico, em relação às várias camadas hierárquicas? O sargento
em relação ao soldado, o oficial em relação ao sargento. Você notou alguma transformação
nessas relações?]
ANON2: “Bom, em 93 quando eu ingressei no curso de sargento, agente escutava muita his-
tória de que nos anos anteriores o curso era mais puxado, o curso era mais ralado. E que nós já
pegamos o curso numa época em que era mais tranquilo. Mesmo assim, como não existia a
FATD, né, que é a Ficha de Apuração de Transgressão Disciplinar, as punições eram dadas
mais...sem nenhuma formalidade. Com isso, a quantidade de punições era muito grande e às
vezes por um motivo muito supérfluo. Então, o subordinado ou aquele militar inferior na hie-
rarquia, ele tinha muito mais melindre, tinha muito mais receio. Porque ele sabia que ele po-
deria ser punido por qualquer motivo ou a qualquer hora, dependendo única e exclusivamente
da vontade do superior hierárquico. Então nos anos de 93, 94, 95, até próximo dos anos 2000,
2001, essas relações eram mais tensas. Eu acredito que eram mais tensas. Depois, quando
chegou...quando se colocou essa Ficha de Apuração de Transgressão, em que o militar, caso
ele cometesse uma transgressão, ele recebia essa ficha e ele tinha 3 dias, se não me engano,
para fazer a sua própria defesa, e depois quem ia aplicar tinha mais 2 dias para poder aplicar.
Essa formalidade, ela diminuiu muito o número de punições. Porque muitas punições, eu acho
que eram aplicadas no calor da emoção. Então, tinha uma missão. A coisa na saía a contento.
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Naquele mesmo dia o responsável pela missão não estava satisfeito, ele julgava que o negócio
não tinha sido bem feito, ele já dava a sentença: 'Tá detido 2 dias. Tá detido 4 dias.' Isso aí,
muitas vezes era feito no calor da emoção. E com essa Ficha de Transgressão, com esse For-
mulário de Apuração, ele passou a avaliar a situação às vezes 2, 3 dias depois. Já não estava
mais no calor da emoção. Isso aí acabou facilitando, favorecendo um julgamento mais acerta-
do. Com isso, as relações elas ficaram mais tranquilas, porque, é como se tirasse um pouco do
poder do pessoal que tem...o pessoal mais antigo. Tirou um pouco do poder desse pessoal. O
que eu acho positivo. Outra coisa que eu acho que modificou, e pra melhor, foi a situação no
que respeita ao trato. Se dizia que era até pior, antes do meu ingresso no Exército. Mas anti-
gamente o pessoal apelidava... e acabava expondo muito mais a pessoa do subordinado. E isso
geralmente sofria muito mais o pessoal do Efetivo Variável, os recrutas, que eram incorpora-
dos no serviço obrigatório. Esses militares muitas vezes, eram colocados numa situação que
ele ficava exposto. Com brincadeiras, às vezes alguns trotes. E um pouco talvez com castigo
físico. Isso ao longo do tempo veio diminuindo bastante. E hoje ele tá realmente proibido.
Quando eu ingressei, ele não era estimulado. Ele já estava numa condição de alerta. Mas ain-
da tinha bastante. Há quem diga que nos anos anteriores, era totalmente aberto. Mas hoje
agente vive numa situação de muito mais respeito à pessoa. O soldado que incorpora hoje ele
não incorpora simplesmente com uma numeração. Um número de um efetivo. “Tem-se, cada
vez mais, se preocupado em tratar ele como realmente um indivíduo.”
EGR: [Você acha que isso é positivo pra instituição?]
ANON2: “Então! Eu acho que isso é bastante positivo. Bastante positivo. Mesmo porque esse
soldado, às vezes, ele serve um único ano e vai embora. E ele leva essa imagem do quartel. Aí
o que acontece é que o quartel é visto por aquele pessoal mais antigo como um local em que
seja permitida tortura, ou o pessoal é tratado de forma desumana. O pessoal muito antigo ain-
da tem um pouco dessa imagem. Mas hoje as pessoas que serviram há pouco tempo, eles sa-
em com uma imagem de que o quartel é um local muito... um local que trata a pessoa de for-
ma desumana. Hoje já, as pessoas que serviram o Exército mais recentemente, já levam uma
imagem muito positiva nesse aspecto.”
EGR: [Que tipo de trote você acompanhou ou já ouviu dizer que existia, ou formas de trata-
mento desumanas, os quais você mencionou ainda há pouco?]
ANON2: “Existiam dois tipos de trote. Existia o trote que realmente visava o castigo físico, e
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tinha o trote que era muito mais voltado para uma brincadeira. Nos recrutas, recém incorpora-
dos que estavam começando a conhecer o quartel, o pessoal às vezes fazia uns trotes muito
voltados pra brincadeira. Esses trotes, talvez eu nem julgo tão errado. Eram uns trotes assim:
escondiam a chave do armário do recruta; tiravam a bandeja de dentro do armário do recruta,
que o recruta tinha o seu bandejão no armário, pra almoçar; às vezes, desarrumava a cama de-
le. Tudo pra fazer a parte da pressão psicológica. Quando ele ia abrir o armário a chave não
cabia, era outro cadeado, já tinham trocado o cadeado. Esses tipos de trotes meio que testa-
vam ali a parte psicológica do recruta. Esse tipo de trote, de certa forma, é até um pouco acei-
tável. Um tipo de trote que não seria aceitável é o que envolve o castigo físico. Mandar o ca-
marada ficar pagando flexão pra chegar no seu limite. Trotes que envolvem violência física,
né. Esse tipo de trote ele não é aceitável e o Exército... na verdade eu acho que ele tem coibi-
do os dois tipos de trotes. Não tem aceitado nenhum dos tipos de trotes. O outro tipo de trote,
o que leva à brincadeira, talvez o Exército não vê de forma imoral. Uma vez eu me lembro
que um sargento que chegou na unidade. Houve um trote, que na verdade foi uma peça de tea-
tro. Um sargento colocou uma farda de capitão e ele chegou no alojamento, no nosso aloja-
mento. Já estava tudo acertado com os colegas. Todo mundo falava que o capitão era muito
brabo, ele punia... que todo mundo tinha medo dele. E que nessa brincadeira nós alertávamos
esse sargento novo: 'Muito cuidado com esse capitão! Esse capitão é um cara brabo. Não tem
um cara brabo como esse cara aí. E o colega ele ficou ouvindo. De repente, chegou esse sar-
gento com a farda de capitão. Simbolizando esse capitão que agente tava dizendo. E esse capi-
tão chegou no alojamento, foi uma correria e esse capitão gritando: 'o que é que vocês estão
fazendo aqui, bando de vagabundos!' E esse sargento ficou pasmado com toda aquela cena.
Nesse contexto, o capitão chegou pra esse recém chegado e falou: 'Você! Já conseguiu seu
armário. E o sargento bastante assustado disse que não tinha conseguido ainda. 'Então pegue
suas coisas e você vai dormir na garagem hoje!' Aí, esse sargento foi pra garagem. Levou as
coisas dele lá pra garagem [risos] . Porém, estava próximo da hora do almoço e quando ele foi
com os outros sargentos, para almoçar com agente, ele se deparou com o capitão, né, que já
não estava mais com a farda de capitão [risos]. Estava com a roupa de sargento, já no cassino
dos sargentos. E aí ele pode ver que era uma brincadeira que foi tipo pra quebrar o gelo. En-
tão, esse tipo de trote ele ainda existe um pouco, mas entre os pares eu não considero ele co-
mo uma violência à pessoa. É claro que há controvérsias, há diversas opiniões. Uns aceitam,
outros não aceitam. Mas se for um trote assim, colocado com um pouco de bom senso, ele
acaba trazendo consequência positivas. Porque é uma forma de receber o camarada. E ele fica
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mais à vontade depois disso. De enturmar e quebrar o gelo. Mas hoje de qualquer forma, os
trotes estão sendo bastante... todos os comandos de uma forma geral tem repudiado esse tipo
de atitude.”
EGR: [Você chegou a presenciar algum tipo de violência física em relação a soldados, na or-
dem unida, às vezes o sargento chutando a canela do soldado, batendo no peito, batendo nas
costas, já aconteceu isso?]
ANON2: “Eu nunca presenciei a agressão física, no sentido de bater...isso eu nunca presenci-
ei. Eu já vi, principalmente isso acontece nos acampamentos, nos exercícios de campo, alguns
companheiros se excedendo um pouco. E esse excesso é por vezes, eu acho que vai causar...,
realmente acaba sendo uma agressão à pessoa. Nos acampamentos, existe o QTS, né, que é o
Quadro de Trabalho Semanal. Ali estão previstas todas as instruções. Vira e mexe acontecia
que, ao término das instruções, em que ali, teoricamente, o recruta estaria liberado para dor-
mir, o pessoal da instrução, por conta própria, sem o conhecimento do comando da unidade,
acaba adicionando outras instruções. Então, se o recruta estaria liberado para dormir
11h00min horas da noite, ou meia noite, que seria a última instrução, que na sequência eles
iriam cear e iam dormir. Talvez o pessoal voltado para um excesso de motivação. Porque ge-
ralmente o pessoal da instrução é o pessoal recém formado. Ou seja, o pessoal chega da... se
forma na Academia, ou na ESA, chega na unidade a primeira missão desse pessoal é ser ins-
trutor ou monitor. O que não sei se tem muita lógica, né. Talvez deveria ser o pessoal mais
antigo, que tem mais experiência. Mas como essa instrução é encarada como uma boca podre,
acaba sendo o pessoal mais novo. E esse pessoal mais novo acaba, às vezes, cometendo al-
guns erros e um deles é esse. Acabam não levando o QTS à risca, que é um documento que
ampara as instruções. Eles acabam colocando instruções adicionais por conta própria. E essas
instruções são encaixadas realmente na madrugada. Então , muitas das vezes, realmente, os
soldados já estavam liberados pra dormir e aquele grupo de instrução pega o soldado e vai
fazer montagem de armamento, desmontagem de armamento, vai rastejar na lama. Vai fazer
uma série de atividades que acaba o soldado virando a noite e não dormindo. Isso é um para-
lelo do castigo físico, um pouco de trote. Imagino que o pessoal da instrução... que eles têm
na cabeça que estavam fazendo a coisa certa. Que estavam formando um bom soldado. É co-
mo se fosse dar um up-grade no curso de soldado. Isso pode ser encarado como um trote ou
castigo físico.”
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EGR: [Isso sem o conhecimento do comando?]
ANON2: “Isso sem o conhecimento do comando.”
EGR: [Com a presença de oficiais?]
ANON2: “Com a presença dos tenentes mais novos e dos sargentos mais novos. Que nor-
malmente esse tipo de ação, seja de castigo físico, de trote, normalmente é feito pelo pessoal
recém formado. O pessoal mais antigo, tanto os sargentos quanto os oficiais, é um pessoal que
costuma não tolerar esse tipo de atitude.”
EGR: [Você vê então um excesso de zelo por parte do pessoal mais novo, querendo demons-
trar poder? Ou querendo melhor formar o soldado? Qual a sua opinião?]
ANON2: “Eu acho que um pouco de cada. Como tanto o sargento quanto o aspirante ou o 2º
tenente que acabou de sair da academia, eles passaram talvez um tempo sendo muito cobra-
dos, talvez, como eles acabaram de se formar, eles mudaram o lado da moeda. Então, eles
passaram a ser agora o pessoal que vai cobrar. E eles passaram tanto tempo sendo cobrados.
Talvez seja uma forma de tirar ali ...como se fosse tirar uma forra, né. E tem um pouco tam-
bém de mostrar poder e também é um pouco com aquela intenção de poder formar o super
soldado, já que existe um pouco daquela mentalidade que diz que soldado bom é aquele for-
mado com mais ralação. Aí, o pessoal acaba se excedendo.”
EGR: [Essa é uma mentalidade que ainda existe no Exército?]
ANON2: “É. É uma mentalidade que ainda existe. Eu acho que essa mentalidade ela só deixa-
ria de existir, na medida em que mesclasse um pouco no pessoal da instrução, um pessoal
mais antigo. Talvez seja uma forma de minimizar isso aí. Porque o pessoal mais antigo ele já
olha a coisa de outro prisma. Ele já tem uma... geralmente o pessoal mais antigo ele já quer
seguir o QTS, ele quer fazer o que está previsto. Ele quer se amparar. Tendo em vista que
agente faz alguma atividade no grupamento de instrução que não está documentada, o grupa-
mento de instrução está se expondo. Ou aquele instrutor, aquele monitor está se expondo em
responder por aquilo que ele tá fazendo. Quando ele tá seguindo esse Quadro de Trabalho
Semanal, ele tá amparado no que diz respeito à documentação. Ele tá fazendo aquilo que lhe
foi determinado. Quando ele foge dessa documentação, desse QTS, aí ele tá por sua conta e
risco. O pessoal mais antigo, normalmente, por ele já ter visto algum tipo de problema quanto
a isso, raramente ele desvia daquilo que tá previsto.”
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EGR: [Mudando um pouco do foco. Você falou na 1ª parte da entrevista o termo “sangue
azul”, quando se referia a um oficial. Qual seria esse comportamento de um oficial sangue
azul? É comum esse tipo de pessoa assim? Você já conheceu algum tipo de pessoa assim? Em
quais níveis? No nível mais baixo dos oficiais, no nível mais alto?]
ANON2: “Agente chama 'sangue azul' tanto o oficial. É claro que é mais comum na classe
dos oficiais. Mas o sangue azul pode ter em qualquer classe. O sangue azul é aquele camara-
da, o denominado sangue azul, é aquele camarada que olha o subordinado ou qualquer pessoa
que esteja numa condição hierarquicamente inferior a ele, subordinada a ele. Ele olha para
aquela pessoa como se fosse realmente um “ser” inferior. E não faz a distinção, né, entre uma
posição social inferior e uma pessoa inferior. Então, ele olha como se fosse... Então, um com-
portamento muito normal de um militar ou de um indivíduo que seja de sangue azul, nas con-
versas fica nítido aquele olhar de superioridade; normalmente ele não conversa, ele não con-
segue conversar nenhum outro tipo de assunto de caráter que não fosse exclusivamente funci-
onal; ele geralmente é uma pessoa que normalmente se sente mais à vontade ou com os pares
ou com seus superiores. É onde ele se sente mais à vontade. Se ele estiver próximo a algum
subordinado, ele tem um comportamento mais frio, mais reservado. E ele sempre vai se de-
monstrar para um subordinado. Também tem um sargento que é sangue azul. Que é aquele
sargento que no trato com o soldado ele não demonstra o menor tipo de carisma, ou ele não dá
a menor importância à vida pessoal daquele subordinado.”
EGR: [Isso é muito comum existir sargento “sangue azul”?]
ANON2: “Eu diria que não é muito comum. Mas essa é uma pergunta assim... Porque é muito
mais fácil agente identificar a pessoa que é sangue azul quando ela é superior à gente. Quando
está numa hierarquia superior. Pra gente observar um companheiro que é sangue azul é mais
difícil. Porque como ele tá dentro do nosso círculo então, esse comportamento dele não se
manifesta pra gente. Agente consegue perceber em alguns oficiais porque o comportamento
nele vai ficar nítido. Para os soldados, os cabos e soldados, eles poderiam identificar com cer-
teza os sargentos que são ‘sangue azul’. Dentro do círculo é mais complicado agente determi-
nar.”
EGR: [Lá no início da carreira você teve alguém em quem se espelhou. algum companheiro,
superior ou subordinado em quem se espelhou?]
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ANON2: “Eu tive companheiros ali que eu pude pincelar alguma coisa de cada um. Eu tive
companheiros que às vezes tinham um preparo físico muito bom, muito resistente em corridas
longas. Eu admirava aquilo, já que eu não tinha facilidade pra corridas longas, e eu admirava
ele. É uma coisa que eu fui tentar buscar pra mim. Na parte profissional, tirando a parte na
Educação Física, acho que o meu maior modelo foi um cabo. Quando eu cheguei na unidade...
na Escola... foi ventilado pra gente. Foi ensinado pra gente que agente teria que ter cuidado
com o pessoal, principalmente o cabo velho. Que se agente desse bobeira o cabo tomava o
poder da gente, que o cabo era golpista. Às vezes foi ventilado algumas informações assim.
Não por todos os instrutores, mas por alguns instrutores isso aí foi falado.”
EGR: [Sargentos que falavam isso?]
ANON2: “Eu nunca ouvi de um sargento. Sempre ouvi dos tenentes, dos instrutores. Eu acho
que também foi um reflexo do que eles ouviam na Academia. Eu imagino. Porque talvez eles
devem ouvir lá na Academia: 'Tem um sargento mais velho, tem um sargento antigo. Mas
quem tem que mandar é você. Você é que é o comandante. Você é quem tem que dar as or-
dens. Então, eles meio que repassaram isso pra gente. 'Ó! Você vai chegar, vai ter o cabo ve-
lho. Mas quem manda é você, você é o responsável!' DE certa forma, tem um pouco de senti-
do sim. Porque agente é mais novo, vai ser cobrado daquele militar mais antigo daquela se-
ção. Mas acho que houve um excesso. Porque quando eu fui pra minha unidade, eu me depa-
rei com um dos cabos mais antigos da unidade. Era o que tava respondendo pela minha seção,
que naquela época tava sem sargento. Quando eu assumi, esses ensinamentos realmente esta-
vam um pouco à flor da pele, então, eu agi talvez de forma... Inicialmente, talvez, nas primei-
ras semanas, eu tenha me comportado como um 'sangue azul' [risos]. Um pouco mais afasta-
do, um olhar meio desconfiado. Mas passadas algumas semanas, eu vi que se tratava de um
profissional de 1ª Linha. E com certeza foi ele o meu modelo. Eu vi que ele tinha muita lide-
rança com os soldados. Na nossa companhia eu percebi que às vezes o comandante de com-
panhia tinha uma autoridade muito formal, porque se não cumprisse a ordem do comandante
de companhia se podia ser punido, enfim. Ele estava revestido de um poder legal. Porém, na
companhia, a liderança dos cabos e soldados, era desse cabo. Eu sou capaz de dizer que numa
missão extremamente real eu sou capaz de dizer que o grande líder da companhia era esse ca-
bo, o chamado 'cabo veio'. Era esse 'cabo veio'. Eu às vezes ficava admirado com a autoridade
que eles tinham com os soldados. Uma ordem dele dado pra um soldado, o soldado não pen-
sava duas vezes antes de cumprir. E ele era meu braço direito. E em nenhum momento ele se
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viu contra mim. Muito pelo contrário. Ele foi muito mais do que um auxiliar. Ele foi realmen-
te um amigo. Um amigo e o meu braço direito. Tem até uma situação que me veio na lem-
brança agora. Teve um episódio que eu peguei uma missão. Fui lá pro interior do Nordeste
para distribuição de alimentos. Então, eu fiquei quase um mês afastado. 25 ou 26 dias afasta-
do da unidade. Então, nesse período, foi escalado um outro sargento pra me substituir tempo-
rariamente. Esse sargento ele era tido como 'o baba ovo' [risos] Por que isso? Ele era aquele
militar que fazia de tudo para aparecer positivamente. Em situações que nem era necessário.
Mas em tudo ele queria se destacar e que esse destaque aparecesse. Então, entre os pares, tal-
vez para quem está numa condição de superior hierárquico fique difícil de perceber, mas
quem está nos pares, já se percebe isso com mais facilidade. Então, ele queria mostrar e... en-
tão ele foi escalado para ser o chefe da minha seção. E ele sabendo que ia passar cerca de 20
ou 30 dias, talvez seria de uma ética ao assumir essa seção, que ele não fizesse nenhuma mu-
dança radical, tendo em vista que ele estava assumindo temporariamente. No entanto, ele quis
fazer umas mudanças radicais pra poder talvez mostrar competência. E as mudanças estavam
muito voltadas pra arrumação, pra faxina, pra pintura. O que funcionalmente não ia somar na-
da. Apenas na aparência. Então, quem passasse por aquela seção ia ter a aparência de que ela
estava mais bem cuidada. E esse cabo, junto com a equipe da garagem conseguiu impedir que
tudo isso acontecesse. Como se fosse um boicote. Boicotaram cada ação dele. Quando eu vol-
tei, esse cabo, o 'cabo veio, que era meu auxiliar, ele me relatou o que aconteceu e falou: 'Ó
sargento! Se o senhor quiser pintar, se o senhor quiser mudar, vai ser com o senhor aqui. Se o
senhor quiser pintar fazer todas as coisas que ele queria fazer, agente faz. Mas com ele agente
não fez porque agente viu que ele tava querendo aparecer. Então, eu também vi muita hom-
bridade e lealdade desse meu amigo que era meu auxiliar. “Então, com certeza ele foi meu
melhor modelo de liderança.”
EGR: [Ele boicotou esse outro sargento de que forma? Se negando a cumprir ou usando ar-
gumentos?]
ANON2: “Não, em momento nenhum ele entrou em uma rota de colisão com esse sargento.
Mas como agente trabalhava na garagem, tinha algumas artimanhas que era muito própria do
pessoal da garagem, e eles sabiam conduzir essa coisa. Simulava uma viatura quebrada que
tinha que consertar aquela viatura custe o que custar. Passavam pra ele que tinha uma viatura
que tinha que ser limpa, que tinha que sair pra cumprir uma missão noutro dia e ela tava suja.
E sempre criava algum tipo de barreira, de tipo de trabalho, que tinha que ter prioridade. E
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esse sargento, como ele não tinha nenhuma experiência ali no gerenciamento da garagem, ele
ia aceitando essas situações. Ele disse que talvez haveria a situação de falta de ferramentas,
então tinha que conferir as ferramentas, tinha que conferir material. E foram passando-se os
dias e nada foi feito.”
EGR: [Esse foi o seu maior exemplo de liderança, um cabo, né!]
ANON2: “Eu também cito como o maior exemplo de liderança porque ele convivia com os
cabos e soldados. Não tinha autoridade formal, de punir, e mesmo assim todos os cabos e sol-
dados seguiam ele na ponta da risca. É fácil ser um grande líder quando se tem muito poder.
Ele dá ordem, a ordem vai ser cumprida através de algum medo, algum receio. Mas na condi-
ção dele? Almoçando com o pessoal, estando no mesmo alojamento do pessoal, convivendo
no mesmo alojamento, participando das mesmas... e ainda assim ter a liderança... Ali, real-
mente, estava o exemplo de líder.”
EGR: [Você conheceu outros personagens semelhantes a esse cabo?]
ANON2: “Eu conheci assim. Esse foi um dos praças que eu conheci, né, que tinha uma lide-
rança muito grande. Eu tive um comandante de companhia que ele também tinha uma lideran-
ça muito grande na companhia. E no início eu até contestar a forma de ele comandar. Contes-
tar não pra ele mesmo, mas comigo. Eu achava que ele fazia algumas coisas que não estariam
certo no Exército. Ele tratava com muita democracia e na época eu não entendia muito bem
isso. Mas foi um dos melhores comandantes de companhia que eu tive. As nossas formaturas,
nenhuma delas eram feitas em pé. Todas elas eram feitas sentadas. Enquanto todas as outras
companhias estava todo mundo em pé, na posição de descansar, imóvel, a nossa era feita em
bancos, em que ele deslocava pra área de formatura, em que ficava todo mundo sentado, e era
como se fosse um bate papo. E isso eu achei aquilo eu achei um pouco diferente. Achei um
pouco arriscado. Outra atitude que ele fez, foi que agente tinha várias formaturas durante o
dia. Era uma formatura no início do expediente, uma formatura para a educação física, uma
formatura do início do 2º expediente, e a formatura de término do expediente. Ele suprimiu a
formatura de término de expediente. Isso no ano de 95 ou 96. aquilo dali foi uma mudança
muito radical. Como poderia ter uma companhia que pudesse suprimir uma formatura de tér-
mino de expediente? Mas ele suprimiu. E nessa formatura, que era tido como a mais impor-
tante para as outras duas companhias, que eram a das duas extremidades, a do início do expe-
diente e a do término do expediente, essa do término do expediente era onde eram lidas as es-
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calas de serviço, as atividades que tivessem no outro dia. Então, era muito arriscado não ler
essas atividades, porque o soldado podia alegar noutro dia o desconhecimento. Mas ele con-
seguiu incutir na cabeça de todos na companhia que não seria lido. Que cada um por si só les-
se a documentação, que ia ser fixada no ‘celotex’41
. E cada um por si só, meia hora antes ou
vinte minutos antes do término do expediente passasse lá pra tomar conhecimento. Eu achei
aquilo muito arriscado, mas eu vi funcionar perfeitamente. Nunca teve nenhum problema.
Dava problema nas outras companhias que liam, mas na nossa não teve mais esse problema.
Porque nas outras companhias quando era lido e ele não tava em forma ele não tinha o reflexo
de se verificar. Na nossa, ele incutiu uma consciência em cada um e cada soldado passou a ter
mais, a responder por si próprio. Nas entradas em forma da companhia, ele falou que o sar-
gento não era pra acionar ninguém no alojamento. Dado o horário cada soldado tinha que es-
tar lá. Então ficou uma companhia muito profissional. Esse capitão, uma outra coisa que me
surpreendeu muito, eu nunca tinha visto aquilo. Pra escolher os militares que iam fazer o
CFC, o Curso de Formação de Cabo, ele fez uma votação entre todos os soldados. Em que o
soldado... ele poderia até votar em si próprio, se ele quisesse, mas ele teria que indicar um ou-
tro. Então ele teria que botar dois nomes. Fez uma reunião com agente e agente também deu
nossos votos. Também, o que é que seria um militar ‘sangue azul’ numa situação dessas. Se
fosse um comandante de companhia sangue azul, ele teria escolhido e somente ele, os milita-
res a fazerem o curso de cabo. Num nível mais democrático, os comandantes de companhia
reuniam os oficiais e sargentos, e escolhiam quem ia fazer o curso de cabo. Então, ele foi o
mais democrático que eu já tinha visto. Ele colocou todos pra fazer essa escolha. Então, toda
companhia escolheu. E realmente acabou sendo escolhidos os melhores e os que mais mereci-
am porque os próprios soldados acabaram escolhendo os melhores pra fazer o curso de cabo.
Então, foi uma coisa muito positiva também. Que na época eu não entendi bem, mas passado
alguns anos eu vi que ele estava certo em todas as atitudes dele. E foi talvez uma das melhores
companhias que eu tenha servido. Uma das vezes em que eu vi o soldado com mais iniciativa.
Com mais disciplina consciente. “Onde eu vi o soldado mais envolvido com a causa da com-
panhia.”
EGR: [Isso era qual quartel?]
ANON2: “Isso foi no 7º GAC, Olinda.”
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No jargão do Exército, o quadro de feltro onde são afixados avisos e documentos importantes.
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EGR: [Pegando um gancho com aquilo que você falou sobre as instruções no acampamento.
O pessoal da instrução pegava os recrutas e dava um upgrade no QTS, nas instruções que es-
tavam previstas. Essa é uma atitude, pelo que entendi, não institucional. Uma atitude em que
os indivíduos querem fazer o algo a mais. Pegando o gancho com as atitudes desse capitão
que você mencionou ainda há pouco, ele é um indivíduo que adotou essa postura que você diz
mais democrática. Você acha, primeiro: essa postura que esse capitão adotou é comum no
exército? Foi menos comum um dia e está mais comum hoje? Essa é a primeira pergunta. A
segunda pergunta é: os indivíduos têm poder de decisão no exército, ou eles são dominados
pela estrutura da instituição? Pelos regulamentos, pelas formalidades? Como você visualiza
essa dinâmica?]
ANON 2: “Com relação aos comandantes, se é normal eles serem mais democráticos, naquela
época do caso, essas atitudes dele muito democráticas foi bastante diferente. Não era co-
mum.”
EGR: [Isso em que ano?]
ANON2: “Foi 95 e 96, os dois anos de comando dele. Não era comum. Foi quase que um
choque radical no comportamento da unidade. Mas como ele era muito competente. Ele era
visto pelos superiores hierárquicos como um oficial muito competente, talvez alguns proce-
dimentos dele tenham sido até tolerados. Mas os militares superiores a ele estavam vendo
aquele comportamento muito diferente, talvez alguns deles não estivesse vendo com bons
olhos. Mas o resultado foi fenomenal. No final de cada ano de instrução ele formou uma
companhia com um espírito de corpo muito grande. E o soldado envolvido com cada ativida-
de. Mas não era um comportamento normal. Com o passar desses anos, acho que esse com-
portamento dele vem... eu não vi até hoje um comandante de companhia que fosse tão demo-
crático assim. Isso em 95. mas de uma forma geral, de uma forma bem genérica, os coman-
dantes de companhia cada vez mais próximos a esse modelo. É que realmente eu acho que ele
estava muito à frente do tempo. Com relação ao indivíduo, se ele tem o poder assim, de deci-
são ou não. Haja vista que tudo é muito regulamentado, tudo é muito amarrado nos regula-
mentos. Eu imagino que o indivíduo, quanto mais hierarquicamente superior, ou seja, um co-
mandante de uma unidade, ele realmente consegue dar uma direção mais democrática. O sub-
comandante também tem sua esfera um pouco menor, os comandantes de companhia e os ofi-
ciais dentro da companhia. Cada um tem a capacidade de influenciar um pouco. Mas isso aí tá
ligado diretamente proporcional à posição hierárquica que ele ocupa na unidade. Às vezes um
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sargento ou um tenente, talvez pouco vai poder influenciar nesse âmbito da unidade, na parte
democrática ou não... Ele vai ter pouca influencia. Mas o comandante de companhia, O Sub-
comandante e o comandante, mesmo estando tudo amarrado, tudo documentado, essa parte
humana eles vão poder influencia bastante.”
EGR: [Inclusive o cabo como o exemplo de liderança que você deu?]
ANON2: “Com relação ao cabo, ele influenciou a mim. Mas eu acho que ele a nível unidade
ele não poderia proporcionar essa democracia para todos, porque poucos estavam debaixo de
sua asa. Era um número muito pequeno debaixo da asa dele. Já um comandante de unidade,
ele pode inclusive forçar, ele pode determinar que os relacionamentos da unidade sejam mais
democráticos. Ele pode impor. E quanto mais inferior menos vai ter essa capacidade de dire-
cionar esse comportamento.”
[Interrompido por solicitação do entrevistado]
EGR: [Você recebe instruções de quadros no quartel?]
ANON2: “Desde que eu terminei o curso de formação, eu, agente sempre vem tendo instru-
ções. Às vezes fica mais esporádica, às vezes intensifica um pouco mais. No meu 1º ano de
sargento agente tinha mais não era regular. Era uma vez por semana, às vezes agente passava
2 ou 3 semanas sem ter essa instrução. E às vezes voltava. Já no 2º ou no 3º ano em diante,
começaram a acertar um dia específico para esse tipo de instrução, que era o CTTEP. Não me
recordo realmente o que quer dizer a sigla, mas o CTTEP é a capacitação do Efetivo Profissi-
onal. Em resumo seria isso. Naquela época era destinadas todas as 5ª Feiras, no período da
tarde. Era todo voltado para essas instruções. Essas instruções tinham... eram muito mais de
caráter teórico do que prático. Mas tinha instrução de tiro, tinha a instrução de orientação, de
emprego da tropa. Tinham várias instruções que era como se fosse um lembrete de tudo o que
agente aprendeu no período de formação. E isso vem desde então... e oscila um pouco de
acordo com cada comandante. Tem comandante que valoriza mais essa instrução e acaba que
ele prevê uma quantidade de horas maior pra esse tipo de instrução. Outros comandantes que
priorizam mais a parte administrativa, acabam dando uma quantidade de horas relativamente
menor pra esse tipo de atividade. Mas tem sido comum em todas as unidades do Exército.”
EGR: [Fala-se, também, em movimento comunista, ou se falava a alguma época atrás? Prin-
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cipalmente o comunismo na política brasileira e sua influência?]
ANON2: “Normalmente esse assunto ele vem À tona normalmente em datas bem específicas.
Não me recordo a data específica, mas na Intentona Comunista. Então, só nessas datas assim
que geralmente esse assunto vem à tona, e aí são ministradas algumas palestras para que...com
o objetivo de relembrar o que aconteceu, o que o Exército fez... E outras datas também se re-
lembra... o porquê o Exército assumiu o poder em 64. Mas são dadas específicas. Me parece
que o objetivo é manter aquela chamazinha acesa. Mas eu imagino que isso já está cada vez
mais ausente nos quartéis esse tipo de assunto.”
EGR: [São dadas as instruções e no final você costuma ouvir comentários de colegas falando
alguma: 'foi isso mesmo, o Exército tinha que tomar o poder' ou 'não, o Exército não deveri-
a'... há prós e contras?]
ANON2: “Na verdade essas instruções não são muito abertas pra opiniões, pra... ela tem um
caráter de passar a informação e geralmente não se discute muito sobre o tema. Ela é aquilo
que o palestrante trouxe ali de conhecimento. E geralmente fica nisso. Mas eu vejo que entre
todos os companheiros, as opiniões são bastante variáveis a respeito desse tema. Principal-
mente a respeito do período do governo militar.”
EGR: [Surte algum efeito esse tipo de instrução?]
ANON2: “Eu imagino que não. Porque, como nós vivemos numa outra época agora, a aplica-
ção prática daquele conhecimento que agente tem ali ela se torna cada vez menos eficaz. Na
conjuntura que nós vivemos agora. É um tipo de conhecimento que não tem muita aplicação.
Pelo menos não vejo muita aplicação no nosso dia a dia.”
EGR: [No seu período básico você lembra se teve a disciplina “Guerra Revolucionária”? A
GRev? ]
ANON2: “No ano de 93 e acredito que nos anos anteriores também. Não sei se nos anos pos-
teriores também. Mas em 93, que foi o ano que eu me formei teve a instrução de Guerra Re-
volucionária. Tinha uma apostila. Era um assunto tido como um dos mais importantes do Pe-
ríodo Básico, que onde forma a mentalidade do combatente.”
EGR: [Isso em 93?]
ANON2: “Em 93.”
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EGR: [Você lê o NE, o Noticiário do Exército?]
ANON2: “Leio esporadicamente. Não aquela lida religiosa de estar procurando o NE pra ler.
Quando ele, por uma situação ou outra, ele para na minha mão, ou eu me deparo num ‘celo-
tex’ que consta ali um Noticiário do Exército, eu leio por curiosidade ali algumas informa-
ções. Ou quando eu estou fazendo alguma pesquisa sobre determinado assunto. Mas eu não
tenho o hábito de ler regularmente.”
EGR: [Quando você lê o NE você em determinadas matérias que você acha interessante, par-
ticularmente matérias que lhe interesse no aspecto profissional ou cultural, existe algum sen-
timento? Você sente motivação? Orgulho? Ou o contrário...?]
ANON2: “O NE, eu tenho a impressão de que ele visa colocar algumas coisas do nosso dia a
dia, mas que na verdade elas estão bastante modificadas, com algum intuito de passar alguma
mensagem específica. Eu não vejo no NE uma mensagem original do dia a dia da tropa. Eu
vejo muitas mensagens de interesse do comando do Exército. Quando ele quer valorizar uma
situação ou quer chamar a atenção pra um determinado fato, ele coloca às vezes aquilo como
se fosse do nosso dia a dia. Mas eu não me recordo ter lido nenhuma matéria que me causou
uma sensação muito boa ou muito ruim. Sempre achei as matérias muito superficiais.”
EGR: [Você já se reconheceu em alguma matéria? Ao ler você nunca falou: 'nossa! Essa maté-
ria é pra mim?]
ANON2: “Não. Nunca vi uma matéria que eu pudesse me identificar com ela.”
EGR: [Como é a comida do rancho hoje? E a comida dos soldados?]
ANON2: “Eu acho que a comida ai variar muito mais de acordo com a unidade do que na
verdade com o tempo. Há 10 anos, 15 anos atrás. Acho que a variação não está no tempo, está
muito de OM para OM. Ou, talvez, é claro, de comandante pra comandante. Eu vejo que
na...existem algumas unidades militares que a cozinha – e isso era o caso do 7º GAC – a cozi-
nha é separada. A unidade militar ela tinha duas cozinhas. Uma cozinha para os oficiais, com
uma equipe trabalhando para os oficiais. E tinha uma cozinha específica para os praças. Onde
funcionava o rancho dos cabos e soldados e ao lado o dos subtenentes e sargentos. Ali era bas-
tante notória a diferença da comida, principalmente dos oficiais para os sargentos, os cabos e
soldados. Entre os sargentos e os soldados também havia uma diferença, mas essa diferença
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não era tão gritante. Mas também havia um pouco de diferença. Ou seja, no cassino dos ofici-
ais, a comida era relativamente bem melhor, embora seja teoricamente os mesmos ingredien-
tes: arroz, feijão, salada, carne. O que acontecia. No cassino dos oficiais tinha esse arroz que
era feito de forma diferente. O feijão a mesma coisa. A carne era frita ou cozida de uma forma
também diferente. Talvez os melhores pedaços. A salada tinha em mais abundância. No dos
sargentos, era tudo isso num padrão um pouco inferior. E a salada em menor quantidade. Tal-
vez os últimos ali da fila nem conseguisse comer a salada, que eram os mais modernos. O dos
cabos e soldados, eu acredito que na maioria das vezes nem tinha salada. Só tinha a farofa. Só
tinha arroz, feijão, a carne e a farofa. Nas unidades em que existem uma cozinha, há uma leve
tendência de essas diferenças serem minimizadas e a comida ser de um padrão mais próximo.
Mas eu não acredito no padrão exatamente igual. Eu não acredito. Nessas 3 classes aí. Nem
que seja uma diferença muito pequena vai ter. Dos oficiais, dos subtenentes e sargentos e dos
cabos e soldados.”
EGR: [Você acha isso natural?]
ANON2: “Não! Eu não acho isso natural e nem acho justo. Talvez um senso de justiça seria
um rancho único para todos. É claro que os oficiais, por uma questão do dia a dia, por uma
questão até de hierarquia, eles vão acabar sentando na mesma mesa, se aglomerando, mas en-
tre eles. E ali nos cabos e soldados também, é natural que eles busquem sempre sentar próxi-
mo daquele companheiro de trabalho do dia a dia, e que tenha a mesma graduação, no mesmo
círculo. Mas o ideal seria uma linha de servir única. Pra todos comerem a mesma comida.”
EGR: [Quando você entrou no quartel era comum caso de militares entrarem na Justiça?]
ANON2: “Quando eu entrei, a minha data de praça é de 93. eu diria que nos meus 5 primeiros
anos de Exército, eu vi raríssimos casos de militares entrando na justiça. E quando aquele mi-
litar entrava na justiça, havia até um certo ar de afastamento dos próprios companheiros. Não
sei se direcionado pelo próprio comando. O comando meio que colocava ele como uma ove-
lha negra. Havia um certo afastamento e esse militar ficava, independente se a causa dele era
justa ou não, ele ficava um pouco meio como uma ovelha negra. Após uns 5 anos, talvez em
98, 99, isso já não ficou tão... o militar que entrava na justiça já não ficava tão marcado. Já
começou a ficar uma situação assim mais aceitável. Não pro comando! Mas entre os pares já
começou o pessoal a não fazer distinção de militar que tem causa na justiça, militar que não
tem causa na Justiça. Nos dias atuais, eu vejo que tem muito a evoluir. Principalmente por
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parte do comando. Até algumas situações, que agente tinha causa pra entrar na justiça, e o
comando falava diretamente que quem entrasse poderia receber consequências. Poderia haver
consequência com relação àquilo. Essas consequências geralmente tem a ver com transferên-
cias, né. O militar depois ele vai pleitear uma transferência e não vai conseguir. Ou vice versa.
Ele não quer ser transferido e acaba sendo transferido. Com o passar de alguns anos essa ame-
aça passou a ser velada, deixou de ser feita direta. Então o comando já alertava: 'Olha! É inte-
ressante que o pessoal não entre na justiça!' Ficava no ar. Era uma ameaça mais velada. Mas
eu acho que a cada ano que passa agente tá amadurecendo nesse aspecto.”
EGR: [Durante sua vida militar você deve ter conhecido militares muito bons e militares nem
tão bons assim. qual era o tratamento dado pelos superiores e pelos pares aos militares aves-
sos ao trabalho, se é que em algum momento eles existiram no Exército. você conheceu al-
gum?]
ANON2: “Existiam. Eu vejo assim. Em qualquer ambiente vai ter todos os tipos de profissio-
nais. Vai ter o bom profissional, o mau profissional. Vai ter o profissional honesto, o profissi-
onal desonesto. Vai ter o que é mais amigo, vai ter o que é menos companheiro. E no quartel
não é diferente. No quartel, talvez por não envolver dinheiro, ou não produzirmos dinheiro,
como é o caso de uma firma ou uma fábrica, a consequência do militar que é um mal profissi-
onal, no sentido de não trabalhar, de se esquivar de algumas missões, esse militar vai sendo...
a maior consequência é que ele vai sendo escanteado. Pelos companheiros e principalmente
pelo comando. Que ninguém quer formar uma equipe e colocar como integrante dessa equipe
esse tipo de militar. Então, a impressão que eu tenho é que ele acaba... Ele perde porque ele
tem o afastamento dos companheiros, natural. Mas por outro lado, se o objetivo dele é não
trabalhar, é não se envolver numa atividade que ele tenha responsabilidade, se esse for o obje-
tivo dele ele consegue com uma certa facilidade. Porque a maior consequência de um militar
que não quer se envolver com nada é ele ser escanteado pelos superiores. E com isso ele não
pega nenhuma atividade, ele não é designado para nenhuma atividade que realmente exerça
responsabilidade. E com isso ele consegue passar o expediente praticamente todo sem fazer
nenhum tipo de atividade. Ou talvez ele receba aquelas que tenham a menor importância.”
EGR: [Mas eles não são coagidos a trabalharem por meio do regulamento? Não são punidos?]
ANON2: “O regulamento ampara todo e qualquer comandante ou o chefe imediato que esti-
ver responsável por aquele militar diretamente. Mas, eu acho que se esse militar ele não se
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envolver na atividade ou ele não se esforçar para desenvolver uma atividade com uma certa
competência, como se fosse simulando um camarada incompetente. Talvez não seja fácil de
um enquadramento porque ele vai estar demonstrando que ele não tem capacidade pra realizar
aquela atividade. Eu acho que fica mais difícil enquadrar ele no regulamento. É muito mais
fácil enquadrar no regulamento aquele camarada que é indisciplinado. O regulamento foi mui-
to voltado pra essa área da disciplina. Não pra área da produção. Se esse militar chega atrasa-
do, anda com a farda suja, com o seu coturno mal engraxado. Ou se ele se mostra nas respos-
tas ou nas conversas com seus superiores, ele se mostra com um palavreado mais rude, não
seguindo as ordens, demonstrando má vontade no cumprimento das ordens. É mais fácil se
enquadrar. No entanto, se ele cuida bem da sua aparência. Ele cumpre os horários previstos,
ele não responde mal a nenhum superior hierárquico. Ele tá praticamente livre de todo tipo de
ação disciplinar que possa... Agora, na parte profissional, se ele recebe uma tarefa e ele não
consegue fazer a contento, ele não consegue fazer a tarefa de maneira a agradar aquele chefe
imediato, por conta da sua falta de capacidade ou pelo menos simulada, isso é um tipo de
transgressão que é mais difícil de ser enquadrada porque fica muito no campo subjetivo. En-
tão, acaba que ele não é punido e também ninguém dá uma missão pra ele que tenha uma im-
portância relevante. E são sempre procurados os mesmos militares: aqueles que procuram fa-
zer uma atividade mais próxima ali da perfeição. Então esses militares são meio que penaliza-
dos porque quase todo tipo de atividade vai cair sobre os ombros desses militares que tentam
fazê-la de uma melhor forma possível. E aquele que se esforça menos, porém... eles se esforça
menos mas ele não entra na contradição de se opor a ordens, de se negar a cumprir. Não é esse
o procedimento. Ele aceita, mas a missão sai mal cumprida por vários motivos. Falta de capa-
cidade, preguiça ou falta de empenho.”
EGR: [É muito comum ter militares assim? Você já conheceu algum?]
ANON2: “Em todas as unidades em que eu passei eu percebo companheiros desses. Mas co-
mo esses companheiros eles ficam meio, até no próprio círculo deles eles ficam isolados, por-
que ficam taxados de vagabundos, então, acaba que o pessoal conhece eles, mas não conhece
a fundo porque não tem um grau de amizade forte. Não se cria um vínculo muito forte com
essas pessoas. Então, na verdade, é difícil até dizer o porquê eles fazem aquilo, qual é o moti-
vo real porque dificilmente... E eles mesmos buscam um pouco o isolamento. Então, é difícil
determinar a verdadeira razão do porquê o militar toma esse tipo de procedimento no quartel.”
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EGR: [Você conheceu militares desse jeito só no nível dos sargentos ou em outros níveis tam-
bém?]
ANON2: “Não. Eu conheci em todos os níveis. No nível de sargento, no de cabos e soldados
e no nível de oficiais. Em todos os níveis. Em todas as unidades que eu tive eu percebi esse
tipo de profissional.”
EGR: [Você já conheceu ou já ouviu falar de alguém que tivesse recorrido a políticos, a mem-
bros da política para tentar solucionar algum problema dentro do quartel ? Em que situações,
em que caso se deram?]
ANON2: “Conheço, vi e já ouvi falar de outros casos. Particularmente nos casos em que eu
testemunhei, isso acontecia muito no Nordeste. No Nordeste é uma região que tem muitos po-
líticos, né. E alguns desses políticos tiveram uma origem meio humilde. E ai acontece muito
de cabos e soldados e sargentos... com oficiais eu nunca testemunhei. Já ouvi relatos também,
mas nunca testemunhei. No caso dos cabos e soldados e sargentos, eu testemunhei uma situa-
ção, por exemplo, de um cabo que ele não ia ser estabilizado. Ele recorreu a um político de
extrema importância no país, naquela ocasião. E teve a situação revertida. Ele foi estabilizado.
Testemunhei um sargento também que pleiteava transferência e a mãe dele vinha a conhecer a
esposa de um parlamentar. E através disso aí ele conseguiu uma transferência. Mas o Exército,
ele já deixou bem claro através até de alguns NEs, que esse procedimento não deve ser esti-
mulado. Ele deve ser evitado ao máximo. Recorrer à ajuda de pessoas influentes na sociedade,
seja do Judiciário, ou do Legislativo, para se beneficiar de algum tipo de presente nesse aspec-
to.”
EGR: [Você se recorda de algum fato político ou algum fato social que tivesse causado algum
desconforto nos quartéis? alguma preocupação, inquietação dos militares nos quartéis, nesses
anos que você está no Exército?]
ANON2: “Eu tenho duas em mente. Uma que, na época, que era o Vice-Presidente do Brasil,
ele era Vice Presidente e Ministro da Defesa, o Marcelo Alencar [Quis referir-se a José Alen-
car]. Ele tava lutando por um aumento e a cúpula das Forças Armadas estava pleiteando um
aumento para as Forças Armadas. E encabeçando essa cúpula das Forças Armadas estava o
Vice-Presidente. E acumulando esse cargo o de Ministro da Defesa, houve uma pressão muito
grande para que as Forças Armadas tivesse um aumento. Eu não me recordo a função dele,
mas o Ministro Mantega, né. Ele deu uma declaração que me marcou. Ela foi muito especula-
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da pela imprensa, mas o pouco trecho que eu vi me marcou um pouco. Ele havia dito que as
esposas dos militares deveriam trabalhar pra ajudar na renda. Particularmente o Exército ele
não deu uma resposta imediata, mas houve um descontentamento dessa afirmação do Minis-
tro. E logo depois acho que houve uma resposta, acho que pelo Círculo Militar no Rio de Ja-
neiro, houve uma resposta no sentido de dizer que os militares são transferidos com muita
frequência, o que impede das esposas terem um vínculo empregatício. Foi uma resposta dis-
creta, mas houve um mal-estar grande depois dessa declaração do Ministro. E a outra, acho
que mais recente, foi o dos Controladores de Voo, em que os Controladores de Voo envolvidos
naquele acidente do avião, o comando da Aeronáutica estava com a intenção de punir, expul-
sar ou não engajar...Estavam com o objetivo de tomar alguma medida disciplinar contra aque-
les envolvidos que deram declaração À imprensa e tudo mais. E o Presidente, na ocasião, o
Presidente do Brasil ele quis intervir e quis negociar diretamente com os controladores. Acho
que houve um mal-estar nessa ocasião também.”
EGR: [Por que ele passou por cima da autoridade do Comando da Aeronáutica?]
ANON2: “É. Eu imagino que o Comando da Aeronáutica viu como uma quebra de hierarquia
entre os sargentos travarem um contato diretamente com o Presidente da República, que é o
Comandante Supremo das Forças Armadas.”
EGR: [Ao Exército também trouxe um mal-estar?]
ANON2: “Acredito que tenha trazido um mal-estar nas 3 Forças. Para a cúpula das 3 Forças.”
EGR: [Para os sargentos não?]
ANON2: “Para os sargentos, eu acredito que não tenha causado nenhum mal-estar essa situa-
ção. Mesmo porque ali foi uma prova do Presidente de valorizar, ou de supervalorizar a fun-
ção de sargento. Haja vista que ele se interessou em fazer o contato diretamente. Então, talvez
os sargentos devessem até se sentir valorizados, por essa intenção do Presidente. Porém, nas
Forças Armadas como tudo é uma hierarquia, tudo está voltado pra hierarquia, houve um des-
contentamento na cúpula porque eles devem ter se sentido desmerecidos.”
EGR: [Você lembra quantos salários você ganhava como 3º sargento no início da carreira?]
ANON2: “Eu lembro que eu recém-formado eu ganhava em torno de 8 salários mínimos. Em
torno disso. 8 ou 9 salários mínimos, se não me falha a memória.”
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EGR: [Você se recorda de alguma história feliz ou alguma história triste, alguma história de
justiça, alguma história de injustiça que tenha lhe marcado durante esses quase 20 anos?]
ANON2: “As histórias, com certeza todo militar que tem mais de 10 anos de Exército, ele vi-
venciou muitas histórias. Eu acho que eu vou ter histórias de justiças e vou ter também histó-
rias de injustiças. As histórias são bastante variadas. Uma história que mescla um pouco de
justiça e injustiça, numa única história, eu não testemunhei. Não diretamente. Mas ela aconte-
ceu na minha Unidade. Na 1ª Unidade em que eu servi. Quando eu cheguei lá essa história ela
estava quente. Ela estava bastante quente. Vira e mexe nas conversas ela vinha à tona e não
tinha como eu não conhecer essa história com detalhe. No 7º GAC, ao lado dessa Unidade,
existia se não me engano a 3ª DL. Ela fica ao lado do 7º GAC. Ela divide muros com o 7º
GAC. Houve uma ocasião em que, de madrugada, houve uma invasão na 3ª DL. Uma invasão
pequena, talvez 2 ou 3 elemento tenham pulado o muro. Não se sabe com qual objetivo, se
para roubar armamento ou não. Mas a guarda da 3ª DL, que era um efetivo muito pequeno,
ela reagiu. Foi acionado o Plano de Defesa daquele quartel e a guarda reagiu. Como o 7º GAC
divide muros com a 3ª DL, esse Plano de Defesa foi ouvido. A sirene foi ouvida pelo pessoal
do 7º GAC. E como o comandante da guarda, essa sirene fica muito próxima à guarda, o co-
mandante da guarda ele acordou e de imediato ele pegou a guarda e ele percebendo que essa
invasão ocorreu na 3ª DL, ele pegou uma parte da guarda, um efetivo da guarda e se dirigiu
pra aquela região, da 3ª DL. Chegando lá, se não me falha a memória, eu não sei se ele che-
gou a fazer algum disparo... eu sei que ele participou mais diretamente na defesa dessa Uni-
dade, era a Unidade vizinha. Mas ele participou diretamente. Então, passados alguns minutos,
o oficial de dia quando chegou naquela área, ele tentou localizar o pessoal e percebeu que o
sargento já tinha ido com uma equipe lá pra 3ª DL. Ele achou que foi uma atitude errada do
sargento. Que o sargento deveria ter aguardado por ele pra se tomar as medidas cabíveis. En-
tão esse tenente o julgou errado e no livro do oficial de dia ele lançou que esse sargento agiu
de forma errada, extrapolando a autoridade do sargento. Que esse sargento extrapolou a sua
própria autoridade. Isso foi para o comandante. O comandante acatou essa decisão do oficial
de dia e já estava tudo acertado que esse sargento seria punido porque agiu sem autorização
do oficial de dia. A 3ª DE, ela reescreveu a sua história de uma maneira diferente. O tenente lá
escreveu que houve um reforço do 7º GAC e que... e toda essa história, do comandante da 3ª
DL, ele mandou pra Região Militar. E num curto espaço de tempo, essa história bateu na Re-
gião e voltou como um elogio àquele sargento comandante da guarda. E o sargento, então, não
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pôde ser punido. Porque ele havia recebido um elogio do Quartel General. Aí, talvez mostra
que o mesmo fato, uma mesma história, ela pode ser vista de uma maneira tão diferente, que
ela pode ser vista como justiça ou injustiça, numa mesma história.”
ANON2: EGR: [Para finalizar, como você vê o Exército hoje? Em termos de recursos huma-
nos, de relações humanas, em termos de estrutura material, em relação com o público civil,
em relação à política? Hoje é diferente de quando você incorporou quase 20 anos atrás?]
ANON2: “Quando eu incorporei, o meu objetivo era tão pequeno. O meu objetivo eu acho
que era o de quase todo jovem de 19, 20 anos. Era você estar empregado, você estar ganhando
um salário. Você ter uma perspectiva de estabilidade. E você ter as missões a serem cumpri-
das, do seu dia-dia. Talvez até por uma falta de maturidade você não se preocupa ou não con-
segue enxergar o que é que é a Unidade dentro daquela Região. O que é que é o Exército, qual
a importância do Exército. Você se limita muito naquela sua Seção. De querer cumprir a mis-
são na sua Seção. Acho que alguns anos depois, você vai ganhando uma certa maturidade e
você começa a questionar algumas coisas. Eu acho que o Exército tem um pessoal muito ca-
pacitado. Ele tem uma matéria prima humana que talvez não está sendo usado... ou melhor,
que poderia ser usado de uma forma a causar, a dar mais frutos pra sociedade. Eu acho que o
material humano do Exército ele, na sua grande maioria, ele é subempregado. Ele é voltado
pros muros do quartel, pra parte interna do quartel. E eu acho que poderia ser redirecionado aí
pra alguma atividade que pudesse contribuir mais com a sociedade. Eu não percebo muita di-
ferença dos dias que eu entrei, no início, para essa data de agora. Eu percebo que a missão é
receber o recruta. Formar o recruta. No final de um ano o recruta dá baixa. E agente fica com
aquela sensação de missão cumprida, que o recruta está pronto e que se um dia precisar ele
vai voltar e vai servir o Exército. Ele vai ser convocado e vai servir o Exército. Mas aí, me
parece que hoje eu enxergo essa atividade pra todo gasto que envolve uma instituição como o
Exército, eu percebo que essa atividade é muito limitada em prol da sociedade.”
EGR: [No seu nível de vivência, no nível de experiências pessoais, os lugares em que você
viveu e em que você serviu, você vendo o quartel em 93, 94, e você vendo o quartel de hoje, o
relacionamento dos colegas, dos pares dos superiores, em relação com a sociedade, teve al-
guma mudança? Você falou em termos mais gerais. Eu gostaria de saber do seu nível micro.
Houve algum tipo de transformação?]
ANON2: “Eu imagino que muito lentamente, muito lentamente, de alguns anos pra cá, talvez
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tenha sido mais aberto ao público. Acho que de maneira geral , acho que todos os quartéis. E
falando agora pelos os que eu passei. Eles eram muito fechados ao público. E parece que ago-
ra eles estão mais abertos ao público. Normalmente, no início, eles falavam assim do paisano
com ar mais pejorativo, né. Talvez hoje agente, talvez hoje é um pensamento que está queren-
do entrar. É que não há melhor nem pior. São segmentos diferentes. Mas ainda há um muro,
né. Acho que em todos os quartéis. Acho que ainda há um muro relativamente alto que divide
o segmento civil, né, o paisano, de todos os quartéis. E aí eu incluo também, nesse segmento
civil. Até mesmo os próprios soldados e recrutas que dão baixa. Por mais que tenha que se
colocar uma mentalidade que ele foi militar e sempre será, na prática isso não acontece. Existe
um muro que divide aí o militar e até os ex-militares dos civis.”
EGR: [Você acha então que mesmo o ex-militar ele não é tratado da forma como...]
ANON2: “Como deveria ser tratado um militar da ativa, né. Aí eu coloco um parêntese. O
soldado e o cabo que serviram por um período de 1 ano, para os recrutas que serviram 1 ano, e
também para o cabo e soldado que serviram no período aí de 6, 7 anos, quando eles retornam
à Unidade, há um tratamento ainda...Eu acho que há uma preocupação de melhorar isso, mas
eu acho que ainda há um tratamento meio frio. Da mesma forma que é tratado o civil, que
também não deveria ter esse tipo de tratamento. Já na classe dos sargentos, por ele ter servido
mais tempo, a tendência quando ele chega na Unidade faz com que ele sempre encontre al-
guém conhecido. Isso faz com que ele fique mais... com que ele seja tratado de uma forma
mais cordial. E no caso dos oficiais. No caso eu diria dos oficiais de maior patente e imagino
que recebam um tratamento extremamente cordial.”
EGR: [Tem diferença inclusive hierárquica de tratamento do camarada que já deu baixa? En-
tre o oficial, o sargento, o cabo e o soldado?]
ANON2: “Existe. Existe. Se ele pertenceu ao círculo dos cabos e soldados, mesmo aquele que
deu baixa, a tendência é ele receber um tratamento mais distante. Se ele pertenceu, no caso
dos sargentos, a tendência é ele receber um tratamento um pouquinho mais cordial, por aquele
círculo dos sargentos. No caso dos oficiais, a tendência é ele ter um tratamento ainda mais
diferenciado.”
EGR: [Você incorporou em 93. Você já presenciou, já serviu em alguma unidade que tivesse
alguma figura normalmente o praça mais antigo, o subtenente, que fosse um indivíduo com
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espírito voltado para a coletividade, que brigasse pelo subordinado? Já conheceu alguém as-
sim? Ou já ouviu falar que antes era assim?]
ANON2: “Quando eu me apresentei na minha 1ª Unidade, eu chegando lá, eu me deparei de
imediato com uma figura mais antiga no nosso círculo. Que era subtenente e logo depois ele
foi promovido a tenente e foi transferido. Mas era um subtenente... só tinha, ele era o único
subtenente da Unidade. A Unidade não tinha 1º sargento. Só tinha 3º e 2º sargentos. E tinha
esse subtenente. A figura dele era, se é que eu poderia dizer, era como se fosse a de um 2º co-
mandante. Ou do comandante dos praças. A figura dele era muito importante. Tanto é que
agente se apresentava pro comandante e depois tinha que se apresentar pra ele, no caso dos
praças. Todo o pessoal recém chegado ia se apresentar pra ele, um por um. E ele tinha uma
mescla de comandante e paizão. Qualquer coisa que acontecia, qualquer coisa. Ele, numa reu-
nião ele tinha assim uma voz mais ativa. Ele levantava, ele falava. Eu não vou dizer questio-
nava, mas ele solicitava. A solicitação dele tinha um certo peso. Que todos os praças meio que
legalizar essa autoridade dele. E ele se engajava dessa responsabilidade. né. Eu sou o praça
mais antigo, então... Já houve casos inclusive de companheiros que estavam pra ser punidos e
ele conseguir reverter essa situação, falando diretamente com o comandante. Mas, isso eu
acho que do ano de 98, se é que eu posso colocar essa mudança. Isso veio mudando aos pou-
cos. Mas eu acho que de 98 pra cá isso meio que se perdeu. Eu acho que uma coisa que con-
tribui muito pra isso também é porque causou um certo, não sei se na graduação de 1º sargen-
to e subtenente, houve um certo engarrafamento ali de... E aumentou, parece, o efetivo de sub-
tenentes. E aí meio que vulgarizou a autoridade de um subtenente mais antigo ou de um sub-
tenentes mais antigo. Ficou... e aí cada um meio que ficou voltado mais pros seus próprios
interesses, né. E sem dúvida, também, a Instituição ela meio que quebrou um pouco isso
quando ela colocou... ela começou a valorizar muito a parte de conceito para que ele pudesse
ingressar no círculo de oficiais. Para que ele pudesse ser promovido a oficial. Então, o subte-
nente mais antigo que estava ali e era como se fosse o líder dos praças, é como se ele abdicas-
se dessa autoridade, dessa responsabilidade. Para não brigar por causa nenhuma com receio
dessa briga impedir de ele sair oficial. Tendo em vista que ele podia ser mal conceituado. En-
tão, hoje eu desconheço a presença do que seria o praça mais antigo da Unidade. “Agente só
fica sabendo na época de queimar a Bandeira, porque é a única atividade mesmo que sobrou
pra ele.”
EGR: [Pelo que você está falando então, existe um certo nível de carreirismo no nível dos
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sargentos. Se for isso mesmo, isso é generalizado ou é pontual?]
ANON2: “Eu imagino que seja generalizado! Não são todos! Mas eu sou capaz de dizer que
tá uma fatia bem grande. É a maior fatia. Do militar quando ele tá, quando ele é chamado 'lo-
binho', quando ele é recém formado, ele não visualiza muito isso. Mas principalmente quando
ele chega na graduação de subtenente, eles tendem a ficar mais cordeiros, né, podemos dizer
assim. Aquele 3º sargento que era mais aloprado! Que talvez tinha aquela coragem de dizer o
que pensava, de contrariar quando ele achava que aquilo não estava certo, essa coragem ela
foi sendo podada. E aquele militar vai ficando antigo e vai ficando talvez institucionalizado. E
talvez ele vai percebendo que não adianta nadar contra a maré. E ele vai aprendendo a dizer
apenas 'sim senhor!'. E sabe também, além de ser o caminho mais fácil, ele vai ter menos dor
de cabeça. E vai talvez chegar à patente lá de oficial. De 2º tenente, 1º tenente. Ou até alguns
de capitão. Então, aquilo passa a ser o farol, né. O objetivo daquele subtenente. No entanto,
alguns que sabem que não tem condições, que não tem conceito pra sair tenente, esses subte-
nentes, por sua vez, acabam sendo os mais corajosos. Porque é como se eles não tivessem na-
da a perder. Eles acabam sendo... ainda que às vezes eles não sejam os mais antigos da Unida-
de, acabam sendo aqueles que mais tem voz ativa.”
EGR: [Você falou que o 3º sargento ele tende a ser mais... tende a falar o que pensa a respeito
de determinado assunto. você acha que disciplinarmente houve alguma mudança da sua época
de incorporação até hoje? tanto no nível de sargentos, como no nível dos oficiais, e dos solda-
dos, em termos disciplinares?]
ANON2: “Eu fico na dúvida pra dar essa resposta. Eu vejo assim. A impressão que eu tenho é
que a autoridade de cada militar, seja ele graduado ou oficial, com o passar dos anos, ela di-
minuiu. Haja vista que surgiu aquele Formulário de Transgressão Disciplinar. Com o pernoite,
agora. Antigamente se poderia colocar o militar de pernoite, o praça, e isso não, não... Então,
foram algumas ferramentas que a classe dominante dentro da Unidade tinha e ela meio que se
perdeu. Ela perdeu essas armas. Então eu posso dizer que o poder arbitrário que os mais anti-
gos, falando ali dos oficiais, tinham, ele se perdeu um pouco. E dá impressão de que os praças
de maneira geral, principalmente voltado com a classe que mais sofra com punição que é a
classe dos cabos e soldados, dá impressão que eles tenham ficado mais indisciplinados. Por-
que se ficou um pouco mais difícil de se aplicar as punições disciplinares. Então, dessa forma
eu vou achar que houve uma facilidade. Por outro lado, se agente olhar a quantidade de pes-
soas que eram punidas, a quantidade de militares que eram punidos 10, 15 anos atrás, ia se
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constatar que a punição era numa quantidade muito grande. Muito maior que na atualidade. A
conclusão que eu chego é a que aquele pessoal era mais indisciplinado do que agora! Porque
agora já tem menos punições. 15, 20 anos atrás, durante o nosso serviço, quando agente estava
de serviço na Unidade, era raro o dia em que não tinha um militar punido. Era raro esse dia.
Sempre tinha ou 1, ou 2, ou 3, ou 4, às vezes 6 punidos. Atualmente, já é o contrário. É difícil
o dia que tem um militar punido. Então, olhando por este contexto, a conclusão é a de que os
militares estão mais disciplinados. Então, eu não sei dizer exatamente se talvez a tolerância
aumentou muito e aí, essa tolerância aumentando muito, o pessoal ficou indisciplinado. Tá
mais indisciplinado, mas pela dificuldade de punir, pela dificuldade maior que ficou a puni-
ção, o nível de punição caiu. Ou se realmente os militares, antigamente, eram bem mais indis-
ciplinados [risos], de maneira que eu não tenho uma resposta exata pra essa pergunta.”
EGR: [Gostaria de deixar algum comentário final?]
ANON2: “Um comentário que eu...que seria... não no nível de Unidade, mas no nível de
Exército. Eu vejo que o Exército é uma Instituição que tem seus pontos positivos, né. O Exér-
cito ele te proporciona conhecer diversas localidades, diversas cidades. E aí, agente vê o Bra-
sil de outro foco. Não vê o Brasil apenas daquela cidade em que agente... normalmente agente
vô Brasil por aquela cidade em que agente nasceu, cresceu, envelheceu. O militar do Exército
– em outras Instituições também – mas o militar do Exército ele tem o privilégio de conhecer
alguns pontos até extremos, de culturas extremas. Então, o militar do Exército... e eu digo do
Exército porque há maior facilidade no Exército da transferência, diferente da Aeronáutica e
da Marinha, que as transferências são mais limitadas. Então o militar do Exército, ele acaba
no final dos seus 30 anos de serviço, ele acaba tendo uma dimensão do Brasil mais acertada
do que várias pessoas de outras posições. Isso é um ponto muito valioso do Exército. Outro
ponto muito valioso também, é que, devido a essas movimentações aí, nós fazemos muitos
amigos, né. E às vezes é muito gratificante quando agente olha pro Brasil, agente sabe que
agente tem amigos em quase todos os Estados. Isso é uma grande gratificação do Exército.
Esse é o ponto talvez mais forte que eu vejo do Exército.”
FIM DA ENTREVISTA