ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 15/12/2017 Centro de Estudos COMBATE À CORRUPÇÃO NA SAÚDE 43ª PALESTRA DO PROJETO HORIZONTES DO CONHECIMENTO INCORPORAÇÃO TECNOLÓGICA E DE RECURSOS HUMANOS NO COMBATE À CORRUPÇÃO NA SAÚDE DES. NEY WIEDEMANN NETO – Bom dia a todos. Vamos dar início à 42ª reunião do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça, no Projeto Horizontes do Conhecimento. O nosso convidado de hoje é o Dr. Alberto Kaemmerer, que vai nos brindar com uma palestra sobre a sua experiência na gestão da Saúde, com foco na administração hospitalar. Também hoje, simultaneamente, estamos celebrando o lançamento de mais um livro publicado, em formato digital, pelo Centro de Estudos do Tribunal de Justiça. O livro é de autoria do nosso convidado palestrante, o Dr. Alberto. 1
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APELAÇÃO CÍVEL Nº - tjrs.jus.br · Web viewINCORPORAÇÃO TECNOLÓGICA E DE RECURSOS HUMANOS NO COMBATE À CORRUPÇÃO NA SAÚDE. DES. NEY WIEDEMANN NETO – Bom dia a todos.
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ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 15/12/2017
Centro de Estudos
COMBATE À CORRUPÇÃO NA SAÚDE
43ª PALESTRA DO PROJETO HORIZONTES DO CONHECIMENTO
INCORPORAÇÃO TECNOLÓGICA E DE RECURSOS HUMANOS NO COMBATE À CORRUPÇÃO NA SAÚDE
DES. NEY WIEDEMANN NETO – Bom dia a todos.
Vamos dar início à 42ª reunião do Centro de Estudos do
Tribunal de Justiça, no Projeto Horizontes do Conhecimento. O nosso
convidado de hoje é o Dr. Alberto Kaemmerer, que vai nos brindar com uma
palestra sobre a sua experiência na gestão da Saúde, com foco na
administração hospitalar.
Também hoje, simultaneamente, estamos celebrando o
lançamento de mais um livro publicado, em formato digital, pelo Centro de
Estudos do Tribunal de Justiça. O livro é de autoria do nosso convidado
palestrante, o Dr. Alberto.
Foi distribuída previamente, por ocasião da recepção, uma
impressão aos senhores, na qual podem perceber o link que se encontra
naquele círculo. É o endereço eletrônico que abre o e-book no formato PDF.
Ao lado direito, podem perceber também a página do Centro de Estudos, no
site do Tribunal de Justiça na internet. Ali aparecem vários campos. Um dos
campos assinalado com uma flecha em vermelho dá acesso aos e-books, às
publicações digitais do Centro de Estudos.
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Em cima, em Projetos, em Projeto Horizontes do
Conhecimento, publicamos todas as palestras que o Centro de Estudos
realiza. Muitas vezes disponibilizamos o arquivo de áudio, em formato MP3,
além do texto, em formato Word, com a degravação da palestra. Depois de
algum tempo, os senhores terão acesso à palestra degravada e ao livro que
ora se lança. Inclusive essa impressão disponibilizada aos senhores poderá
servir também para que o Dr. Alberto possa, ao final da palestra, lançar o seu
autógrafo com dedicatória àqueles amigos que assim o desejarem.
Quero saudar a presença de todos os senhores que aqui se
encontram. É uma celebração para nós, Dr. Alberto, porque estamos entre
muitos rostos conhecidos e amigos, tanto do Poder Judiciário – Colegas
Juízes, Desembargadores – como Membros do Ministério Público, advogados,
médicos e profissionais de outras áreas.
O Dr. Alberto e eu, durante muito tempo, participamos do
Fórum Latino-Americano de Defesa do Consumidor, liderado pelo Dr.
Alcebíades Santini, que aqui se encontra. Foi ali justamente que tive o
privilégio de conhecer o Dr. Alberto. Participávamos das reuniões desse fórum
que se ocupou de fazer investigações a respeito de fraudes, de corrupção na
área da Saúde, tanto da Saúde Suplementar como da Saúde Pública, do SUS,
envolvendo, naquela época, questões relativas às órteses e próteses
ortopédicas, quando se revelou a existência de uma organização que ficou
conhecida como a Máfia das Órteses e Próteses. Esse grupo de trabalho
produziu muitas provas, muitas evidências que foram entregues à imprensa, à
Polícia e ao Ministério Público. Isso gerou reportagens, matérias que foram
veiculadas no programa Fantástico, em outros programas de televisão, jornais
e revistas. Também deu início à abertura de investigações – as CPIs – no
Senado, na Câmara dos Deputados, assim como no Rio Grande do Sul, na
nossa Assembleia Legislativa.
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O Dr. Alberto, o Des. João Barcelos, que aqui se encontra, e
eu tivemos a oportunidade de sermos ouvidos na Câmara dos Deputados
como testemunhas, explicando toda essa situação. Por esses esforços, com a
liderança do Dr. Alcebíades Santini, essas situações foram, de certa maneira,
mitigadas. Elas diminuíram, foram equacionadas.
Mas, às vezes, essas questões acabam se revelando em
outras áreas, em outros aspectos. Elas mudam de endereço. Há também
investigações envolvendo aspectos sobre as próteses, os stents cardíacos, de
cérebro, os medicamentos oncológicos, a malversação dos recursos públicos
ou superfaturamentos, muitas questões que não foram totalmente resolvidas.
Foi resolvida temporariamente a questão das órteses e próteses ortopédicas,
mas os problemas requerem uma vigilância e uma atenção permanentes.
Nas suas manifestações nos nossos grupos de trabalho, o Dr.
Alberto sempre falava da responsabilidade, da importância da gestão
hospitalar, do Diretor Médico. Há dois tipos de Diretores no hospital: o Diretor
Técnico e o Diretor Médico, que tem uma grande responsabilidade na
vigilância do que é deferido e do que é indeferido nos procedimentos que se
realizam no hospital. Inclusive o Conselho Regional de Medicina de São
Paulo, por volta de 2015, publicou uma resolução determinando a
responsabilização solidária do Diretor Médico do hospital, por ser o
responsável por autorizar os procedimentos, quando houvesse alguma
malversação.
Na CPI da Câmara dos Deputados, no relatório final, as
conclusões recomendaram que o modelo de resolução do Conselho Regional
de Medicina de São Paulo fosse adotado, pelo Conselho Federal de Medicina
e pelos Conselhos Regionais de todo o Brasil, como um exemplo a ser
seguido, destacando a importância do papel do Diretor Médico dos hospitais e
a sua responsabilização solidária por algo que aconteça nos estabelecimentos
hospitalares.
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Agradeço ao Dr. Alberto a honra que me deferiu de apresentar
esse livro que o Tribunal ora lança. Vou destacar pequenos trechos das três
páginas que redigi a respeito do autor do livro, o nosso palestrante: “É médico
especialista em cirurgia torácica […]. Titular do Colégio Brasileiro de
Cirurgiões. Mestre e doutor em Ciências Pneumológicas pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Professor Universitário. Gestor em Saúde.
Cidadão Honorário de Porto Alegre. Atualmente gestor do Hospital São
Vicente de Paulo de Passo Fundo. […] Iniciou como Diretor de Ensino,
Pesquisa e Tecnologia e atualmente exerce as funções de Superintendente
Médico e de Pós-Graduação do HSVP e de Diretor Executivo do Instituto do
Câncer dessa instituição. […] graduado em Medicina pela Universidade de
Passo Fundo há 42 anos. […] No Hospital São Vicente de Paulo, situado no
segundo polo médico do Estado e terceiro da região Sul do Brasil, decorridos
pouco mais de dois anos, o Dr. Alberto já logrou construir quatro institutos
médicos, deu velocidade à pesquisa institucional, acadêmica e clínica,
implantou os protocolos clínicos, implantou uma série de processos decisórios
e estabeleceu uma dura, porém ética e transparente relação com a indústria
fornecedora de insumos para o hospital. Agora, chegou o momento da
prestação de contas à comunidade, não só de Passo Fundo, mas de uma
extensa região que ultrapassa os dois milhões de habitantes”.
No sentido da divulgação dos resultados dessa gestão como
um modelo, como um exemplo, é importante que essas práticas fiquem
documentadas, fiquem registradas, para que possa ser replicado aquilo que é
bom, aquilo que é útil.
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Muitas vezes fazemos uma palestra em um círculo muito
restrito, e isso não se multiplica. Por essa razão, falei ao Dr. Alberto, quando o
convidei para a palestra, que talvez a publicação de um artigo que refletisse
esse conteúdo fosse útil, fosse importante para divulgação de uma experiência
bem-sucedida de gestão hospitalar. O Dr. Alberto, inicialmente, aceitou o
convite para redigir um artigo. Depois ele me surpreendeu, porque o artigo deu
frutos: transformou-se em um livro com 139 páginas.
Dr. Alberto, até coloquei na apresentação que, como sendo
alguém a quem missão dada é missão cumprida, ele aceitou o convite, o
desafio da palestra e do artigo, e transformou o artigo em um livro. Isso mostra
o perfil da sua personalidade.
Para encerrar, explico que o Dr. Alberto fará a sua
apresentação e depois vamos colocar a palavra à disposição para alguma
pergunta, alguma manifestação dos nossos convidados. Ao final, o Dr. Alberto
lançará um autógrafo àqueles que assim o desejarem. Essa é a dinâmica do
nosso evento.
Queria apenas registrar, Dr. Alberto, que não ignoramos que
aqueles que se expõem, usando a gíria popular, aqueles que dão a cara a
tapa, aqueles que aceitam os desafios, às vezes, colhem tempestades,
colhem adversidades por contrariar interesses. Pensando nisso, estava me
lembrando de um senhor, aqui de Porto Alegre, Presidente do Conselho
Regional de Medicina do Rio Grande do Sul, que foi assassinado. Foi morto,
porque contrariou interesses. Ele enfrentou situações adversas sobre o
exercício da Medicina.
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Claro que esse não será o seu destino, Dr. Alberto, de
maneira alguma! Mencionei isso apenas para revelar como às vezes é mais
cômodo não fazer nada, mas que não ignoramos que aqueles que fazem,
aqueles que enfrentam, que contrariam interesses e que combatem a
corrupção realmente se expõem. São essas as pessoas, Dr. Alberto, que
ficam para a História e que fazem a diferença. Não é por outra razão que o
senhor é Cidadão Honorário de Porto Alegre.
Com essas considerações iniciais, agradecendo a presença
de todos esses rostos amigos e familiares que reconheço na plateia, passo a
palavra ao Dr. Alberto.
DR. ALBERTO KAEMMERER – Muito bom dia a todos. Tenho
hoje um dia pelo qual jamais esperaria. Não trabalhamos visando ter um dia
como hoje, porque isso seria quase que um motivo de internação por
megalomania aguda.
Quero fazer uma saudação a todas as pessoas que vieram
aqui, sejam do mundo médico, sejam do mundo jurídico, sejam pessoas
comuns da sociedade, como sou, porque esse trabalho que o Dr. Ney acabou
de descrever, ainda que resumidamente, nasceu de uma ideia simples, como
também é simples o Dr. Santini, na ocasião Coordenador do Fórum Latino-
Americano de Defesa do Consumidor. Esse trabalho que fizemos foi em
homenagem à classe médica que, contaminada pelo caráter contagioso da
mediocridade de alguns, foi toda colocada em um saco de gatos, como se
todos fossem iguais.
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Estou vendo que o Dr. Lucchese escreveu um trechinho
naquele livro do Dr. Antonio Pires, O Caráter Contagioso da Mediocridade – é
um livro que todo o mundo deveria ler. Estamos mergulhados hoje nesse
contágio, que é mais ou menos como as infecções mais graves que ocorrem
no organismo humano. Não sei se passou algum momento pior do que este na
sociedade brasileira, mas a verdade é que, quando as distorções chegam a
esse ponto e quando a corrupção toma conta do país como tomou hoje, o
mais triste de tudo é que todos são nivelados por baixo.
Fazendo ou não ilícitos, acabamos perdendo a autoestima.
Não perdi a minha e não tenho medo desse negócio de cara feia, porque
estou acostumado. Aos 13 anos, quando comecei a trabalhar, levei fechado o
primeiro envelope com salário e o entreguei para a minha mãe. Não tenho
medo desse negócio.
Outra coisa que digo, um pouco em tom de brincadeira, para
quem quer se candidatar a diretor médico de hospital: “Se a pele for da finura
do prepúcio do rouxinol, é melhor não se meter”. Temos que ter um couro
grosso, sem perder a sensibilidade, para enfrentar essas coisas, munidos
única e exclusivamente daquelas ferramentas que temos por formação e por
legislação.
Chegamos a um ponto hoje em que determinados grupos
médicos dentro dos hospitais nos impedem de fazer coisas que são em
benefício da instituição. Somos afrontados diariamente, e muito se dobram. O
corporativismo é uma realidade, não só na classe médica, mas é também uma
realidade no Poder Judiciário. Nem vou falar do Legislativo, porque quero ver
se não falo em político aqui.
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Temos condições, as pessoas que estão aqui têm condições
plenas de reverter este momento. Aqui estão os principais Diretores dos
grandes hospitais de Porto Alegre, aqui estão as figuras do Poder Judiciário
que decidem. Temos condições de reverter isso, porque não adianta fazer
cadeia, legislação, regulamentos e tal, porque o Brasil está configurado hoje,
montado hoje para ser uma fábrica de ladrões, 24 horas por dia. De alguma
maneira, isso é uma questão cultural.
Vocês podem ler aquele artigo que fala sobre o “bolsinho do
Imperador”. Está no livro isso, era uma prática que permitia que ele usasse
dinheiro público à vontade. O Prof. Paulo Brossard de Souza Pinto dizia que a
sociedade brasileira tem, para com a corrupção, um grau de solidariedade
fantástico. Sabia-se que o “bolsinho do Imperador” funcionava, mas ninguém
tomava, naquela época, nenhuma providência.
Ao se olhar a cultura dos países nórdicos, vê-se que é o
oposto pelo vértice. Depois não sabemos por que a Finlândia, a Noruega, a
Islândia têm, até hoje, os melhores índices. Bom, mas isso não se cria da
noite para o dia, isso se cria em séculos. Estamos começando hoje – eu, o Dr.
Ney, vocês todos – uma tarefa cujo fim não vamos ver.
Depois que nasceram os meus netos, fiquei pensando no
seguinte: o que vai ser deixado para essa gente, que herança? Existe
diferença entre deixar herança e deixar legado: os melhores homens deixam
um legado; os piores, apenas herança – que é uma coisa que se esboroa, se
vai.
Dr. Ney, quero fazer um agradecimento especial ao senhor.
Acho que recebi do Tribunal um tratamento muito superior ao que merecia e
mereço. Gostaria de dizer ao senhor que, desde 2002, luto contra essa
gentalha toda meio sozinho, aliás, até contra os interesses dos homens
responsáveis pelos caixas dos hospitais.
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Esse negócio se acentuou. Posso contar, porque tenho hoje
uma sentença, emitida pelo Poder Judiciário, pregada na parede, que é
superior a todos os títulos de Mestrado e Doutorado que tenho: a sentença em
que um Juiz me deu ganho de causa quando proibi um cidadão – vamos
cometer essa imprudência de chamar esse indivíduo de cidadão – que marcou
uma cirurgia de coluna com um pequeno orçamento de 740 mil reais. Mas ele
não foi pego por isso, ele foi pego porque eu revisava sistematicamente a
folha de cirurgia do dia seguinte. Essa paciente não tinha condições funcionais
cardíacas e pulmonares sequer para escovar os dentes, quanto mais para
colocar... Ele ia, provavelmente, fazer uma cirurgia do atlas ao cóccix. Ele me
processou. Hoje é o maior título que tenho, porque a maior coisa que um
homem pode ter é a qualidade dos seus inimigos: quanto mais safado, melhor.
De modo que coloquei essa sentença ao lado da minha titulação da
Universidade, porque certamente essa é a melhor coisa que já fiz: a limpeza
das instituições. Todo o mundo sabe que não adianta quando há laranja podre
no cesto, qualquer coisa que se faça não funciona.
Não estou aqui para demonstrar dotes de oratória, muito
menos de escritor, porque teria, certamente, entre vocês, adversários
poderosos. Não vou me arriscar a fazer esse tipo de competição.
Meu livro não tem nada de especial, é um livro técnico, árido.
Árido pelos assuntos de que trata, mas é de uma leitura tão simples quanto
eu. Quero mostrar que, na ausência da capacidade da coragem política de
tomar decisões, é melhor não assumirmos nada. Fiquem em casa. Quem
ainda tem mãe, que vá para baixo da saia da mãe. Eu não tenho mais. Espero
que esse texto seja uma contribuição para a Medicina, para a Justiça e, de
certa forma, uma prestação de contas para a sociedade.
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Aqui estão as pessoas das gestões de que participei no
Conselho de Cidadãos Honorários, está o Presidente do Observatório Social,
uma estrutura que pouca gente conhece. Não é uma estrutura de denuncismo,
mas uma estrutura que visa a fazer que a população entenda que ela também
precisa ter a sua participação.
Infelizmente o grau de educação da nossa população é muito
frágil. Temos que ter cuidado, do ponto de vista da expressão, para que as
pessoas entendam o que estamos querendo dizer, porque o nível de
educação e de conhecimento é sofrível no país. As pessoas não sabem se
expressar, não sabem escrever, não sabem transmitir aquilo que estão
sentindo.
Na Grécia antiga, há 2.300 anos, Aristóteles dizia que o
homem é, por natureza, um animal político, destinado a viver em sociedade.
Mas o homem é também o pior dos animais quando não há lei e não há
justiça. Isso não é um clichê, é uma realidade. Ele está destinado a viver em
sociedade, mas sem lei e sem justiça é o pior dos animais. Estamos vendo
isso agora. Nesse cenário desolador em que vivemos hoje, não adianta ficar
apenas se queixando. Não gosto muito de gente que só se queixa, sempre
chorando, choramingando pelos cantos e falando aquilo que todo o mundo
sabe, falando o óbvio.
Quando recebi o convite do Hospital São Vicente para ajudar
na gestão – estou falando ajudar na gestão, não pretendo ser o dono da
gestão –, evidentemente tive uma oposição da família e dos meus amigos
muito grande, mas explico por quê.
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Quando o Dr. Paulo Hoff foi contratado pelo Grupo D’Or, a
única coisa com que as pessoas se preocupavam era o salário dele. Ele disse
nas páginas amarelas da Veja: “Salário? O salário é uma coisa pessoal, a
gente não comenta. Não estou trocando o Sírio-Libanês pelo Grupo D’Or por
causa do salário, não preciso de mais dinheiro. Estou trocando em nome de
um projeto”. É evidente que não vou me comparar ao Dr. Paulo Hoff em
relação ao que ele é, muito menos ao que ele ganha, senão eu não estaria
aqui hoje, eu estaria passeando pelas Ilhas Gregas.
Aquela região norte do Estado, Passo Fundo, primeiro, é uma
região que tem uma população bastante superior a Porto Alegre, são dois
milhões e duzentos mil habitantes, mais ou menos. Segundo, é o segundo
polo médico do Estado e o terceiro da região Sul do Brasil. Tem um hospital
com 700 leitos atualmente, mais 40 em construção, duas unidades, duas
Faculdades de Medicina, treinando 170 médicos residentes, e um potencial de
expansão enorme, o que já não há mais aqui, por saturação de mercado e
pela qualidade das instituições que existem em Porto Alegre.
Basta vocês olharem. Aqui na minha frente está o ex-
Presidente do Hospital de Clínicas, os Diretores do Moinhos de Vento, gente
do Mãe de Deus, da Santa Casa. Aqui o mercado é apertado, e as
necessidades não são tão grandes, porque os problemas já foram, de alguma
forma, resolvidos.
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Eu adquiri um conhecimento que hoje é muito mais útil lá do
que aqui. Não estou fazendo comparação de grandezas, Dr. Amarílio, mas o
São Vicente atende hoje mais doentes do que o próprio Hospital de Clínicas.
As pessoas são pessoas iguais, elas precisam de um atendimento
diferenciado. Temos compromisso não só com a assistência pura e simples,
mas também com o ensino desse monte de gente que está se formando, para
as quais esse negócio de órtese e prótese é uma coisa absolutamente normal.
Podem falar com qualquer um desses mais moços, eles têm isso já na sua
cartilha da normalidade.
Vocês imaginem a perpetuação desse negócio, o que pode
acontecer. No nosso curso de Gestão – depois vou explicar um pouco como
funciona –, os residentes, semanalmente ou de quinze em quinze dias, se
reúnem comigo. Tenho que mostrar a eles em que lugar se encontram. Às
vezes, mesmo estando no hospital, eles não se dão conta disso. Eles não
conhecem nada dos contratos que o hospital tem com as instituições que nos
pagam. Esses dias, peguei uma solicitação da Emergência com 72 exames.
Deve ser um débil mental, porque nem há 72 quadradinhos para riscar!
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Um dos grandes problemas que temos hoje é a
desqualificação da formação médica. Lembro que, quando fui residente no
Pavilhão Pereira Filho – está aqui meu ex-chefe, meu ex-professor –, fui o
único residente R1, R2 e R3, depois sucedido pelo Dr. Felicetti. Éramos uns
burros de carga. Não havia essa história de dizer: “Isso é responsabilidade do
R1, isso é responsabilidade do R2, isso é responsabilidade do R3”. Hoje,
instalada a residência médica, já recebemos ameaça de processo por trabalho
escravo, tudo porque uma doutorinha teve que ficar uns 10 minutos a mais. De
certo, vai interromper a massagem cardíaca no meio, porque esgotou o
horário de trabalho. Eu dormia no Pavilhão Pereira Filho, no gabinete do Dr.
Camargo, porque ele, apesar de ser o chefe do serviço, era o residente maior:
não só no tamanho, mas também no compromisso. Repartíamos as
prescrições, íamos para o bloco cirúrgico e saíamos de lá sabe-se Deus a que
horas, quando terminasse o serviço. Hoje, às quatro horas da tarde, não há
mais residente trabalhando. Todos com seus automóveis, o pai e a mãe como
protetores, e o conhecimento, como diria o Prof. Raimundo, oh!
Os fundadores da Clínica Mayo sempre disseram que seriam
ultrapassados ao longo do tempo pela evolução científica, mas os pilares de
construção jamais seriam abalroados durante a existência da clínica. Hoje ela
é um exemplo e é a primeira das escolas americanas, o primeiro grupo não
universitário que está formando seus próprios médicos. As universidades
americanas estão tremendo de medo.
No Brasil, estamos em uma situação parecida com a dos
Estados Unidos há 141 anos. Houve um ano em que, apenas em Cincinnati,
foram criadas vinte faculdades de Medicina. Os donos das faculdades de
Medicina, na época, não tinham nenhum constrangimento de dizer que era
para ganhar dinheiro mesmo. Até que veio o relatório do Prof. Flexner, que
botou ordem nas coisas. Fecharam a metade das faculdades e deram um
prazo para a outra metade se endireitar.
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Aqui estamos fazendo exatamente o contrário. Agora abriu ali
do nosso lado a Faculdade de Medicina de Erechim. Imaginem, qualquer
idiota hoje é professor. Não somos professores para ensinar fundamentos
teóricos, técnicos, até porque, de três em três anos, metade desse
conhecimento vai para o arquivo. Somos professores para ensinar conceitos,
postura, conduta. Daqui a pouco deve sair uma faculdade em Capão da
Canoa. Daí Mariluz, que fica bem perto, também vai querer, porque afinal, se
houver cem quilômetros de distância uma da outra, é suficiente para se criar.
Estamos formando um monte de asnos, porque, nas
estruturas verticais de poder, vou mostrar isso, um asno serve como chefe.
Nas horizontais, no modelo que estamos formando, é preciso que em cada
cadeira esteja sentada uma competência.
Existia um sujeito que me provocava muito no Hospital Mãe de
Deus, porque sempre havia rumores de que eu iria sair. Nos lugares onde
estou, é sempre assim: “Ele vai cair!” Tenho uma vantagem, como não sou
muito alto, Dr. Lucchese, como o senhor, se eu cair, só me arranho um pouco.
Os mais altos é que têm dificuldade. Se disserem que o Dr. Camargo vai cair,
é problema, porque vai cair de uma altura muito grande.
Recebi de um colega meu, sempre encontramos gente
especial, um bilhetinho assim: “Transplante do conhecimento”. Isso foi escrito
pelo Dr. Francis Fontan, um cirurgião que o senhor deve conhecer, pois é da
sua área, é seu amigo. Pois esse seu amigo escreveu um artigo em que ele
diz que é de suma importância que se faça o transplante do conhecimento,
porque as nações que não fizeram isso já se extinguiram e outras estão a
caminho da extinção.
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O que estamos procurando fazer é criar uma massa crítica
para que, em qualquer ponto da mesa – não só na cabeceira –, exista uma
pessoa que possa ensinar. Se passamos o dia inteiro rodeados de medíocres,
o fim do dia é uma tragédia, não se aprende nada. Transmite-se o pouco que
se sabe e não se recebe nada em troca.
Nós, médicos, temos que parar de ser vaidosos. Temos que
entender que transplantar o conhecimento é tão importante quanto
transplantar um coração, um pulmão, um rim ou um fígado. O progresso não
pode ser estabelecido pelo modismo, ele tem que ser um conceito
institucional. Um dia, esse colega me disse: “Estou vendo que tu não estás
sentado à ponta da mesa”. Como quem diz: vai cair. Eu disse: “Olha, Fulano, a
ponta da mesa é o lugar onde estou sentado”. Às vezes, precisamos
responder com um pouco de rispidez.
Tenho aqui dois censores meus, o advogado do Mãe de Deus
e outro que achei em Passo Fundo. Uma vez, o Dr. Chiapin me disse: “Não
vou deixar tu mandares a correspondência, porque ela foi escrita com raiva”.
Eu disse: “Mas o senhor é um vidente, Dr. Chiapin!” Ele está ali. Arrumei um
outro lá em Passo Fundo, depois arrumei um terceiro em Bento Gonçalves,
que me levou para uma reunião com o Prefeito e disse: “Mas não vais brigar
com Prefeito, né?” Eu disse: “Se queres, não vou lá. Ou então tu me
consegues uma focinheira. Durante a reunião, tu me pões uma focinheira, eu
fico quieto”.
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Esse negócio de varrer os problemas para baixo do tapete é o
pior tipo de atitude. A maior parte das minhas grandes amizades nasceu de
embates, porque o que tem de estar claro em um debate é a sinceridade do
propósito. A terminologia mais áspera ou menos áspera faz parte do
ingrediente da discussão. Só não podemos transmitir para o interlocutor a
ideia de que está sendo falso na discussão. Se o termo é mais ou menos
rígido em um momento, isso se corrige ao longo do tempo. A falta de
sinceridade, a falta de clareza, jamais. E cria um ambiente cada vez pior.
Sugeri que montássemos, em Passo Fundo, um modelo de
gestão completamente diferente do modelo tradicional dos hospitais. Não é
uma receita de bolo, mas um modelo que serve especialmente para os
hospitais filantrópicos e de ensino, que são os responsáveis pela formação da
grande massa de residentes no país. Temos que nos preocupar, porque o
Brasil hoje, mesmo que quisesse, não teria médicos preparados para o que o
Ministério precisa.
O sujeito é psiquiatra desde o primeiro ano. Bom, escolheu
bem a profissão, porque louco é o que não falta. De repente, no primeiro ano o
sujeito já está colocando stent na coronária. Ou, mais modernamente, fazendo
uma coluna nova ou uma prótese no quadril. É assim. Aí começavam os
negocinhos. Chegava a haver trinta, quarenta fornecedores nos hospitais, por
isso se criou esse modelo que acabou com a confiança da população no
médico.
Quando vou começar as minhas consultas hoje, a primeira
meia hora é para responder: “Doutor, será que era preciso aquele stent na
coronária? Será que o meu pai, que botou a coluna, era preciso fazer?” Eu
digo: “Para um pouquinho. A senhora veio fazer uma consulta por causa do
seu nódulo no pulmão ou para me perguntar isso?” A população não identifica
quem é o médico que está fazendo isso. Para a população ficou o seguinte: os
médicos andam fazendo tramoia.
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Não adianta, o ser humano nasce com uma dose de energia e
uma também de corrupção. Está incrustado em qualquer ser humano. Não sei
o que aconteceria se eu encontrasse, na casa de algum de vocês, um cofre
aberto com dois milhões de dólares dentro e não houvesse ninguém por perto.
Será que eu não ia pegar um pouco para mim? Não sei, não quero passar por
isso.
O trabalho que temos de fazer é o trabalho de evitar
exposição. O que aconteceria, por exemplo, se eu encontrasse a Angelina
Jolie nua em uma sala em que não houvesse ninguém junto? Podiam
acontecer várias coisas, então é melhor não se expor. Ninguém aqui, eu
entendo, é o pai ou a mãe da honestidade. O que estamos fazendo hoje, o
modelo que estamos fazendo hoje é um modelo de fechamento de porta para
exposição.
Por exemplo, não há mais nenhuma possibilidade de um
médico negociar nem um parafuso. Os institutos médicos que criamos foram
uma maneira de selecionar o corpo clínico sem ser atormentado pelos
Conselhos Regionais ou Federal, para os quais todos os médicos são iguais.
Não são. Nem um caminhão cheio de japoneses é igual. Para quem não
acredita, é só ver que nenhuma das 7 bilhões de pessoas do mundo tem uma
impressão digital igual à de outra. Se uma impressão digital não é igual à do
outro, por que a impressão cerebral vai ser igual? Não é. Há gente que é
melhor, mais comprometido, mais sério, e há gente não tem nenhum tipo de
compromisso com nada, nem consigo mesmo.
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É preciso, em primeiro lugar, fazer esse expurgo incruento.
Quando comecei a minha gestão, cometi um erro: eu cortava muitas cabeças.
Até a que irmã Jacira me disse um dia: “Bah, Dr. Alberto, estou com o meu
cesto cheio aqui hoje. Passei pelo hospital e já recolhi meia dúzia de
cabeças”. Depois comecei a ficar um pouco mais inteligente. Quando se
transforma um idiota em mártir, comete-se o erro mais grosseiro de todos,
porque o mártir, logo em seguida, ganha uma estátua na frente do hospital e
um funcionário contratado para lustrar a estátua todos os dias. Depois eles
passam e dizem assim: “Aquilo ali foi o Dr. Alberto que fez, coitadinho”. Um
baita de um safado, mas com status.
Aprendi a criar modelos que beneficiam o mérito, na
meritocracia. Isso é o resumo dos institutos. Pegamos o que o corpo clínico
tem de melhor, não proibimos ninguém de trafegar no hospital, porém os
espaços estão fechados. “Ah, não tenho leito para internar!” Eu digo: “O
senhor vá falar com o dono do hospital, vê se ele constrói mais algum”. “Não
tem sala para operar!” “Também não tem sala para operar.” Logo a população
descobre que, dentro dos institutos, está o centro da inteligência, a massa
crítica daquele hospital, e logo eles migram para ali.
A aquisição de dispositivos médicos implantáveis não pode
ser uma operação de compra e venda feita pelo terceiro ou quarto escalão do
hospital e geralmente no porão. Sei por que gostam tanto de negociar no
porão: no porão até dá para fazer o acordo. Hoje substituímos esse
mecanismo pela incorporação de tecnologia e de recursos humanos. O Dr.
Lucchese precisa de um stent revestido? Está bem. É consenso no seu grupo
que tem que ser assim? É? Então o senhor pode deixar que o hospital faz a
aquisição.
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Estamos negociando diretamente com a indústria, não há
mais ninguém trafegando com bandeja para cima e para baixo, entrando no
centro cirúrgico. Vocês sabem que há muitos cirurgiões mãos de vaca. Em
alguns casos, os donos das empresas operam até pelo cirurgião. Parafuso
nós aprendemos a colocar ligeiro, não precisa nem se formar.
Esse mecanismo trouxe limpeza ao sistema, claridade ao
sistema. Vampiro se combate com luz. A indústria tem, inseridos no preço dos
dispositivos, 30% que correspondem a marketing. Estamos dizendo para a
indústria que marketing é eles venderem para nós, então não precisam cobrar.
Esses valores estão sendo hoje obtidos por uma negociação
toda contratual. Não passa nada sem que o nosso Diretor Jurídico resolva.
Vou dizer por que estou falando em Diretor Jurídico. Havia essa história de
dizer “Isso aí vai para o Jurídico”, como se o Jurídico fosse alguma coisa
acessória. Criamos no hospital uma Diretoria Jurídica, e nenhum projeto nasce
sem passar pela legalidade das condutas. Esse é um problema grave que
tem que ser resolvido.
Esse dinheiro que está sendo obtido por meio desse formato
estamos utilizando de duas maneiras. Uma para cobrir o rombo da matemática
cruel do Sistema Único de Saúde. O São Vicente é o hospital do Sul do Brasil
que mais atende SUS. Temos que cumprimentar os Diretores da área
administrativa. Como é que eles conseguem gerenciar 70 a 30? Trinta de
outros convênios, que são quase tão ruins quanto o SUS.
Esse dinheiro está sendo, em parte, destinado a cobrir o
rombo do Sistema Único de Saúde e, em parte, estamos utilizando para
melhorar o honorário do médico, que indiscutivelmente é um honorário vil. Mas
não dá para combater uma distorção com outra pior: “Ah, o médico, porque
ganha pouco, pode fazer negócio”. Não, não pode.
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Estamos aos poucos, dentro da nossa capacidade de fluxo de
caixa, utilizando esses valores para dizer o seguinte para o traumatologista ou
para o cirurgião cardíaco: “Melhoramos os honorários nas colocações de
marca-passo, melhoramos na cirurgia de traumato e ortopedia, mas isso é
feito por meio de um contrato que qualquer um pode examinar, não feito aí no
porão da casa”.
Esse modelo de gestão está fazendo uma seleção natural no
hospital. Estão vindo aquelas pessoas que sabem que o que estamos
pagando em honorários não é nem parecido com o que recebiam na propina,
mas elas estão livres de terem que dar uma volta até o Boqueirão, lá em
Passo Fundo – para quem conhece –, naquela caminhonetinha preta com a
letra dourada. É suficiente uma voltinha naquela caminhonete até o Boqueirão,
o sujeito volta bem diferente.
Aprendi com o Prof. Jatene a não usar slide para falar.
Quando o Prof. Jatene veio, tive a honra de hospedá-lo na minha casa, o Dr.
Lucchese é testemunha. Tínhamos duas horas e vinte para conversar e tomar
um último café. De manhã, lavei os ouvidos com álcool, limpei bem, botei um
esparadrapo na boca e deixei ele falar, porque é uma estupidez nos metermos
a conversar quando o nosso interlocutor é tão superior. Temos que parar de
ser bocudos, quando há uma autoridade maior. Cale a boca e ouça o que ela
está falando: é uma oportunidade grande de aprendizado.
Na última palestra que ele deu na Universidade Federal de
Ciências da Saúde, fui oferecer para ele se sentar. Ele estava com uma
dificuldade postural, por falta de sensibilidade nos pés, pelo diabete. Quando
servi o café da manhã, ele me perguntou: “Mas esse café aí é…” Eu disse:
“Esse café foi preparado pela sua esposa, professor”. “Mas como assim?” “Eu
liguei para ela e perguntei o que o senhor podia comer e o que o senhor não
podia comer.” Depois não falei mais, fiquei ouvindo o que ele tinha para me
dizer, que não era pouco.
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Não vou chatear vocês mais com nada, é o final da nossa
conversa, mas quero rapidamente mostrar como estamos fechando as portas
para esse modelo e o compromisso com o dito e o feito. Quem não estiver
satisfeito... Não sei, o Brasil tem sete mil hospitais, 60% são verdadeiras
espeluncas, mas que são premiadas igualmente. O dinheiro é distribuído no
Brasil igualmente para quem faz e para quem não faz: mérito não existe em
nenhum recanto da República.
Há um capítulo no livro, bastante detalhado, sobre
compliance. Muitos nem sabem pronunciar a palavra, o que significa ou para
que serve, mas ouvimos: compliance. O que é compliance? Não sabem. É um
modismo, como falei aqui. No livro está mostrado que compliance nada mais é
do que um GPS sobre o mapa de risco da instituição. Não precisam ficar se
exibindo e fazendo grandes conferências. Tenho sido procurado por muitos
advogados que querem implantar o compliance no São Vicente. Eu digo: “O
compliance já está implantado”. “Mas como? Não me consultou!” Não precisa,
porque o nosso conceito lá hoje de trabalhar é o conceito de integridade, não
o de ética. Vocês vão dizer: “Mas, opa, já substituíram...” Não, a ética é uma
parte da integridade.
Dentro de um hospital, existem vários elementos que
compõem a integridade do sistema, um deles é a ética. A ética é um conceito
meio volúvel. Um sujeito uma vez veio me dizer – melhor ouvir isso do que ser
surdo: “Tenho a minha própria ética”. Ele e mais 200 milhões de habitantes
têm a sua própria ética. Mas a integridade é mais difícil de construir, porque é
formada por um conjunto maior de elementos que fecham as portas.
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O nosso conceito não é de ética, é um conceito de
integridade. Submetemos o nosso modelo de gestão à Fundação Vicente
Falconi, um modelo construído por nós. Pedimos a bênção do Vicente Falconi,
que tem consultoria em mais de vinte países do mundo. Ele nem nos cobrou e
disse: “O senhor me empresta o modelo?” Eu digo: “Empresto. Então não
custa nada a sua consultoria”.
A Procuradoria-Geral da República esteve no nosso hospital,
porque não acreditavam que o modelo pudesse ter sido implantado, pelas
dificuldades que existem de implantação desse modelo no resto do país. Aí é
que digo que entra a função do Diretor Médico. O Diretor Médico é a maior
autoridade médica da instituição. Ele tem a sua trajetória de comando
estabelecida em lei. Não usa, porque não quer ou porque tem medo dos seus
– termo que acho bonito – pares. De par não têm nada, porque o conceito de
par é o conceito do boi de canga, puxa no mesmo lado, para frente.
O Diretor não usa o mecanismo, porque não quer. As cirurgias
do meu tempo de hospital passavam pelo meu visto. Aquelas que não podiam
ser feitas não iam ser feitas. Como éramos uma instituição católica, podiam se
queixar para o bispo de plantão.
Por isso estabelecemos com o Poder Judiciário essa relação,
que hoje é conturbada na maioria dos hospitais. Precisamos diminuir o
processo de judicialização, mas não brigar com o Dr. Ney e dizer: “Aqui
mando eu”. Não, é chegar a estabelecer o limite entre o que é atribuição
médica e o que é atribuição da Justiça. Se fosse pela crítica que fiz ao Poder
Judiciário, meu livro jamais teria sido publicado por aqui, mas eles
entenderam. O Des. Barcelos, que foi comigo ao Fantástico, disse
textualmente lá: “A Justiça foi enganada, iludida por laudos fraudulentos feitos
sempre depois das seis da tarde, nas sextas-feiras”. Quer dizer, era um
sistema muito bem-montado. O indivíduo corrupto é muito ardiloso.
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COMBATE À CORRUPÇÃO NA SAÚDE
Mas, para haver o corrupto, tem que existir o corruptor. Não
participo desse negócio de achar que o paciente é muito santinho. “Ah, vou
fazer tudo pelo paciente!” Nada disso. Primeiro, a maioria dos pacientes não
cuida da sua própria saúde, achando que o Governo e nós médicos temos que
fazê-lo. Segundo, tenho documentos no meu computador – vai ser difícil eu
achar, porque sou um ser analógico, não sou digital – em que os pacientes
relatam os acordos que fizeram previamente com os médicos.
O paciente é santinho? Santinho coisa nenhuma! Muita gente
se aposentou deixando fazer só um risco na pele. Houve o lado humano
dessas cirurgias, houve cirurgias que não foram feitas. Pelo menos, não
sangrou, não teve que dar ponto, elas foram montadas só virtualmente. Esse
foi o lado bom. O dinheiro, não, o dinheiro sempre veio.
Um hospital com estrutura de ensino e de assistência tem um
compromisso bem diferente daquele que tem só assistência. Primeiro porque
ele tem que ter um corpo clínico mais robusto. Aí vem aquela história: “O Dr.
Camargo não vai ensinar ninguém a transplantar pulmão, porque daqui a
pouco vem uma técnica nova”. Mas as pessoas vão entender como ele se
comporta, qual é a sua postura diante daquele recurso terapêutico que ele
tem. A técnica não sei como ele vai fazer para ensinar, mas ela é mutável. O
que não pode ser mutável são os conceitos institucionais.
Os hospitais têm que, por meio das suas autoridades, ter o
comando da situação. Eles não podem se apequenar quando um ou outro faz
uma cara feia e usa o poder intimidatório. Por isso acho que o gestor não pode
ser médico aposentado. Tenho mais medo de médico aposentado do que o
diabo da cruz, porque o médico aposentado que vira piloto de escrivaninha e
não tem mais problemas com o raio-x, com isso ou com aquilo, não está nem
aí se falta sangue, se a estrutura do bloco funciona direito. Ele não usa mais.
Ele tem que usar, ele tem que sofrer as mesmas dificuldades para ter um
mecanismo de ação mais intenso, mais forte.
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COMBATE À CORRUPÇÃO NA SAÚDE
Rapidamente quero mostrar e encerrar. Missão, valor e visão
todos escrevem, mas ninguém sabe o que são. Pode perguntar até para o
Presidente: “Presidente, o que é uma missão?” “Pois é, não lembro.”
Escrevem missões quilométricas com coisas que não podem ser feitas. Tem
que fazer igual à Disney. A Disney tem a missão mais curta: fazer a felicidade
das pessoas. Então o pipoqueiro e o Presidente sabem a mesma coisa. Às
vezes essas coisas não chegam ao chão da fábrica e fica uma decoração
horrorosa de parede. Não há coisa pior do que parede com escrito malfeito.
Hoje, um hospital com as características do nosso tem que
zelar pela excelência da educação e do ensino e por segurança máxima na
assistência à saúde. Educação e ensino, quero lembrar, não são sinônimos.
Posso ensinar qualquer idiota a drenar um tórax, mas não o educo com isso.
Os nossos valores são comandados pela educação e não há
novidade alguma. A novidade que temos dificuldade de colocar nos valores é
a hierarquia. A tendência hoje é deixar o negócio meio frouxo: “Somos todos
iguais”. Conversa para boi dormir, proselitismo político inútil. Não somos iguais
coisíssima nenhuma, a hierarquia tem que estar completamente estabelecida.
Essa é a instituição que vamos oferecer. O senhor não concorda? Muito bem,
então paciência.
A construção do nosso modelo está amparada na
epidemiologia, na demografia, na tecnologia e na economia em Saúde. Vivo
em uma região epidemiologicamente parecida com a Europa, então não posso
construir modelos em que a parasitologia seja o carro-chefe do hospital.
Fico impressionado, porque agora, só agora, estão
começando a surgir os epidemiologistas. Na minha época, quem sabia um
pouco de epidemiologia ou entendia alguma coisa de gestão era considerado
um médico de segunda linha. Valia o sujeito que fazia a Belém–Brasília e
deixava só a aorta e a cava na barriga. Trinta minutos depois, o cara estava
na morgue, com a família chorando.
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COMBATE À CORRUPÇÃO NA SAÚDE
Por exemplo, operar pelado virou uma coisa importante, atirar
coisa dentro do bloco virou importante. Nunca tivemos compromisso com o
registro da assistência, portanto nunca tivemos possibilidade de levar adiante
o que é essencial em uma instituição como essa: a pesquisa.
Fazer pesquisa do que, se não se registra nada? As
evoluções são assim: NDN. Significa Nada Digno de Nota, nem o médico que
escreveu é digno de nota. Ou SP, que conheci como um carro em que
fazíamos os reimplantes de cachorro no Instituto de Cardiologia, com a nossa
querida Dr.ª Sirlei, que tinha um SP2. Para mim SP era aquilo, mas para os
médicos é evolução, é Sem Particularidades.
A expansão do negócio não é a expansão gerada pela
habilidade financeira dos economistas da casa. A expansão na Saúde é
garantida pelo processo permanente de aprendizagem, conhecimento e
integridade. Daí se obtém o progresso institucional, não é por que o Diretor
Financeiro é um habilidoso gestor de empréstimos bancários a juros que não
podem ser pagos nunca. Na Matemática, dois mais dois são quatro.
No foco estratégico, os hospitais, às vezes, formam residentes
para alimentar a concorrência. Formam residentes, mas os bons deixam
dentro de casa, oxigenam o corpo clínico. Uma das grandes funções da
gestão é atrair, lapidar e conservar o talento institucional. Esse foi o modelo
que montamos.
Vou explicar rapidamente um detalhe. A Superintendência
Médica de Pós-Graduação trabalha lado a lado com a Superintendência
Executiva, cada um fazendo o seu papel, porque é tradição no país, de muitos
séculos, a briga entre o administrador e o médico. Isso é de uma insensatez e
de uma burrice sem qualificação, até porque as funções são literalmente
diferentes, embora migrem para o estabelecimento das políticas institucionais.
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As políticas institucionais estabelecidas são distribuídas para
os Diretores, e eles que tratem de implementar. Funciona. A Superintendência
Médica tem, sob o seu comando, a governança clínica; a Superintendência
Executiva, a área de governança corporativa.
A governança clínica diz o que fazer, e a gestão diz como
fazer. Não vou me estender mais do que isso. Está tudo descrito para que
vocês analisem e examinem. Se servir para a instituição de vocês, serviu; se
não serviu, entendam a minha intenção. Não quero dar a receita para
ninguém.
A governança clínica situa as políticas do hospital. A gestão
diz como essas políticas vão ser implementadas. O resultado de tudo isso
aprendi com o pessoal da Clínica Mayo: a transição do cuidado. A partir daí,
vamos atender o doente da casa dele até ele voltar para casa. Esperamos que
a maioria volte, mas mesmo a morgue tem que ter gestão. Isso é uma coisa
que às vezes temos que cuidar. O indivíduo, depois de morto, também tem
direito a ser cuidado dignamente pela instituição.
Quero fazer um agradecimento especial. Não faço convite
político, não sou candidato a nada, mas está aqui hoje a excelência da
Medicina gaúcha, nos seus diversos setores. Os dirigentes hospitalares estão
aqui. Quis fazer uma homenagem a esses médicos, evitando que eles sejam
colocados em um saco de gatos comum.
Precisamos restaurar a credibilidade médica. O Conselho
Federal de Medicina está muito satisfeito, porque fomos aprovados por 26%
da população, vejam só! O primeiro colocado, 26%! Eu não teria escrito isso,
porque, no mínimo, mostra que, do ponto de vista da estatística, a fragilidade
conceitual é brutal.
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Além disso, tenho a pretensão de colaborar com o Poder
Judiciário por intermédio desses diretores. Esse processo de judicialização
precisa ser abrandado, o médico tem que restaurar o protagonismo. Esse foi
sempre motivo de crença da população. Agora inventaram essa de que tem
que submeter ao Conselho Familiar as decisões do médico. Como assim? A
autoridade médica se esboroou ao longo do tempo. De repente, o Google
sabe melhor, sempre há um sabido da família que sabe melhor e sempre há
alguém que recorre ao Poder Judiciário quando se nega, por exemplo, uma
droga que custa 300 mil reais e cuja última dose é administrada na morgue.
Houve a perda completa da autoridade e da crença no médico. O médico
perdeu o seu protagonismo.
A última coisa que eu queria dizer é que sempre entendi que
quem está em atividade pública ou política tem obrigação de prestar contas do
que está fazendo, seja preenchendo um livro de conferência ou explicando,
perante os poderes constituídos do País, o que anda fazendo com algo que
não é dele.
Bom, já estou acostumado, não mando nem na minha casa.
Esses dias, sugeri trocar um sofá de lugar e foi motivo suficiente para um
debate intenso. Tudo é debatido, agora tudo tem que ser debatido.
Dr. Ney, aproveito, ao encerrar, para agradecer muito, de
novo, a sua gentileza, salientando a sensibilidade do Santini, que se meteu
nesse negócio de Fórum Latino-Americano de Defesa do Consumidor.
Imaginem em que enroscada o senhor se meteu! Isso inclui Honduras,
Argentina, Peru, Cuba, Hugo Chávez e os seus sucessores. O senhor quer
defender a sociedade desse tipo de gente. É difícil, não é?
Agradeço a todos, ao Pedro, que montou o Observatório
Social – pouca gente sabe o que é isso –, à Maria Cecília, de quem fui Vice-
Presidente no Conselho de Cidadãos Honorários. Fui também Presidente em
outra gestão.
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A maior parte dos Cidadãos Honorários sempre trabalhou para
fazer jantares, almoços e festas. Não quero jantar com nenhum daqueles do
Conselho, para jantar tenho companhia melhor. Lá, temos que fazer projetos
de gestão, porque em tudo cabe gestão, até na nossa casa, onde justamente
ela falha. Esse mau costume levamos para fora.
Muito obrigado.
DES. NEY WIEDEMANN NETO – Vou entregar o microfone à
Alessandra. A pessoa que quiser fazer uma manifestação apenas levante o
braço para que lhe seja entregue o microfone sem fio.
DR. ALBERTO KAEMMERER – Eu só queria, pois esqueci e
não posso cometer esse tipo de erro, destacar a presença do Dr. Jair Soares e
da nossa ex-Governadora Yeda Crusius. Eles não vieram aqui por serem
políticos.
A Prof.ª Yeda conheci quando era Professora de Economia da
Universidade Federal. Não tenho nenhum constrangimento de dizer que foi a
única pessoa por quem saí com uma bandeirinha na rua, buscando voto, e
não me arrependo. Uma pessoa do porte dela nem deveria estar aqui. Veio
por uma questão de amizade pessoal, não há nenhum motivo político nisso.
O ex-Governador Jair Soares foi a pessoa que me deu o
primeiro emprego, no famoso INAMPS. Só não consegui ter duas faixas no
INAMPS, na época era a galinha dos ovos de ouro. Meus professores que
tinham duas faixas no INAMPS não queriam nem doente privado, tamanho era
o ganho. Isso não consegui do Presidente, fiquei só na faixa 1.
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DES. NEY WIEDEMANN NETO – Antes de passar a palavra
ao auditório, vejo aqui o Santini, que está inscrito. Queria apenas fazer um
comentário – embora não tenha aqui a função de debatedor – sobre a palestra
do Dr. Alberto.
Primeiro, quero agradecer, Dr. Alberto, o senhor foi muito feliz
na sua palestra, conseguiu expressar uma síntese do resultado da sua gestão.
Justamente por isso eu queria aqui fazer uma ponderação. O que importa é
deixarmos o legado, como o senhor falou, de algo que possa ser perpetuado
como um modelo de gestão.
Não podemos conceber que as instituições dependam
exclusivamente da integridade daquele gestor que temporariamente ocupa um
cargo. Há alternância do poder, os mandatos se sucedem. Se o sucesso da
instituição dependesse exclusivamente das virtudes pessoais, a cada dois
anos, quatro anos, teríamos bons ou maus momentos.
As instituições precisam ter planejamento. Na linguagem da
moderna gestão, isso é justamente chamado de planejamento estratégico.
Esses slides estão no livro, esses fluxogramas. Esse planejamento estratégico
prevê a definição de missão, visão, valores, objetivos, metas e protocolos.
Esses protocolos, inclusive com a chancela do Diretor Jurídico, definem como
as coisas se realizam.
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O próprio Poder Judiciário também tem o seu Planejamento
Estratégico Plurianual. Inclusive foi aprovado aqui. Este é o local do Tribunal
onde se reúne o Órgão Especial, composto por 25 Desembargadores – o
Presidente e mais 24 Desembargadores – que periodicamente aprovam o
Planejamento Estratégico e as suas revisões, as suas atualizações que
vinculam uma gestão à outra, para que não aconteça de, saindo um
Presidente de Tribunal a cada dois anos e assumindo outro, as coisas virem
do avesso, sejam descontinuadas. Hoje há um Superintendente, um Diretor
Médico com um perfil, mas que não aconteça que, quando um dia o Dr.
Alberto passar o bastão, tudo termine, tudo se acabe e mude.
É importante a continuidade do modelo íntegro de gestão pelo
planejamento e pela vinculação aos protocolos. Esse é um legado, Dr. Alberto.
Por isso eu lhe cumprimento.
DR. ALCEBÍADES SANTINI – Bom dia a todos. Por respeito,
vou falar de pé a esse público seleto, mas vou colocar a minha posição, até
porque fui citado, mas muito mais para agradecer, reconhecer e ratificar essa
provocação proativa do nosso palestrante, o Dr. Alberto. Quero agradecer e
cumprimentar o Dr. Ney, como condutor deste evento, pela pertinência e
inteligência do tema e do palestrante.
Em 2012, lançamos um comitê para tratar do assunto órtese e
prótese. Aliás, faço um desafio a todos. Parece que fingimos muitas coisas.
Por que a sociedade não pode ser mais sincera, mais íntegra, como uma
criança, que é pura, autêntica? Temos que conviver com vários cenários de
hipocrisia nesta sociedade. Essa coragem, Dr. Alberto, e essa postura proativa
têm que ser permanentes. Pensar e agir e respeitar e tratar dignamente têm
que ser de todos. Temos que sair da zona de conforto.
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Para quem não me conhece, sou aposentado pelo Ministério
da Justiça. Comecei a trabalhar na lavoura aos sete anos de idade. Comecei
ganhando salário-mínimo na Tanac. Não existe risco de faltar emprego para a
pessoa que agregar duas coisas: ser íntegra e querer trabalhar. Não existe.
Eu queria fazer um reconhecimento. Em 2012, tivemos um
fórum latino, um fórum de defesa do consumidor, com programa na TVE, com
70 atores, trabalhando na conciliação, na mediação, encontrando saídas, sem
achar culpados. Não gasta inteligência, criatividade e experiência em culpado.
Gasta em soluções. Aí esse trabalho estritamente voluntário.
Tínhamos, e temos lá, uma palestra mensal que sempre reúne
fornecedores e consumidores. Digo sempre a minha máxima: na relação de
consumo, há bandido e mocinho dos dois lados. Como o Dr. Alberto apontou,
existe tanto consumidor como fornecedor que não desempenha dignamente
sua função.
Eu queria fazer o reconhecimento de talvez umas trinta
entidades. O Poder Judiciário, tanto a Justiça comum quanto a Justiça Federal
estavam lá, as duas Defensorias, os dois Ministérios Públicos, o PROCON
estadual, a ANS, todas as operadoras, UNIMED, Polícia Federal, etc. Nós
evoluíamos. Casa cheia em todas as reuniões. Para ter sucesso numa
agregação de um desafio coletivo, tenha foco, tenha objetividade e tenha
avanço. Fazíamos uma ata, que depois serviu, talvez, para muita CPI.
O Dr. Alberto disse que, naquele ano, foi a melhor coisa que
aconteceu na vida dele, porque ele estava lutando por um eco, por uma
resposta nessa área desde 2002. Dr. Alberto, apesar de sempre termos prós e
contras, principalmente quando temos uma postura íntegra e corajosa, tenho
certeza de que o senhor deixou uma marca, não por ter aparecido no
Fantástico, como muitos daqui apareceram, por causa da CPI, mas por ter
deixado esse legado na sociedade.
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COMBATE À CORRUPÇÃO NA SAÚDE
Vejo que é tão fácil provocar e agir de forma coletiva. Em
2015, em pleno janeiro, tínhamos um conflito de interesses no Estado do Rio
Grande do Sul, um conflito sobre a ampliação ou não do Aeroporto Salgado
Filho. Em janeiro, colocamos 40 entidades, 60 pessoas; em fevereiro,
colocamos 70 entidades, 90 pessoas; e o Eliseu Padilha – na época, Ministro
– mudou de opinião. Hoje só temos concessão por causa de um comitê pró-
ampliação do Aeroporto Salgado Filho.
Estou agora na AGERGS, na vaga do consumidor. Vou
apenas trazer esse dado para encerrar, para dizer como podemos deixar um
legado para a sociedade muito melhor do que herança.
A AGERGS atua na área de energia elétrica, na área de
saneamento, transporte, etc. Temos um trabalho convivendo com as
comunidades, discutindo alguns assuntos de interesse da comunidade.
Alguém em Cachoeirinha nos abordou: “O que a gente faz com o gato?” – o
famoso gato da água e da energia elétrica. Aí fomos verificar que há um
prejuízo no Brasil, pelo famoso gato em energia, de nove bilhões ao ano e, na
área de saneamento de água, oito bilhões ao ano. E ninguém faz nada. Aí
falei: “Vamos fazer alguma coisa”. Alguns Conselheiros disseram: “Não, isso
não é competência da AGERGS”.
Vou traduzir da seguinte forma, a AGERGS, por convênio com
a ANEEL, representa e fiscaliza energia elétrica. Há uma ocupação debaixo
de uma rede de alta tensão, cai um fio e morre uma pessoa. A manchete
principal no dia seguinte é: a AGERGS fiscaliza e não faz nada. Criamos um
comitê com todos os atores, inclusive o Poder Judiciário, a PGE, a inteligência
do Ministério Público, a inteligência da Brigada Militar, a inteligência da Polícia
Civil, tecnologia, etc. Estamos na quinta reunião, lançamos um projeto piloto
em Guaíba, vai atingir a FAMURS junto.
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ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 15/12/2017
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COMBATE À CORRUPÇÃO NA SAÚDE
É bom dizer o seguinte: por que existe o gato, por que existem
ocupações irregulares? Por duas vertentes. O que mais me chama a atenção,
primeiro, facção criminosa, que ocupa área pública ou privada e vende os
terrenos. Aí usa da boa-fé do consumidor. Segundo, mais espantoso, Prefeitos
que usam isso, políticos que usam isso como troca de votos. Tivemos o caso
de Roriz, em Brasília, onde morei dez anos, e temos casos aqui. A pessoa
incentiva a ocupação, e ninguém faz nada.
Esse comitê começa determinando ao Poder Executivo e ao
Legislativo que tenha uma política habitacional para a população do Município.
Segundo, cria uma rede de inteligência e de atuação, prevenindo o dono da
área vulnerável para que não haja ocupação irregular. Em 24 horas,
integrando todos os atores, comprometidos, sem disputa de beleza, tu
consegues desmistificar isso.
Para finalizar, eu me estendi, mas acho importante multiplicar
essa energia, esse legado que todos temos que deixar aqui. Não temos a
sociedade que gostaríamos de ter. Para termos essa sociedade e
construirmos um Brasil que queremos, uma Porto Alegre que queremos ou um
Rio Grande que queremos, saiam da zona de conforto. Façam uma
autoanálise do que estão fazendo pelo coletivo. Sejam mais solidários e
menos egoístas. Pensem e ajam coletivamente.
Muito obrigado.
PLATEIA – Meu bom-dia. Serei muito breve. Não posso deixar
de homenagear, de agradecer muito o convite, agradecer ao Dr. Kaemmerer
por esse senso de responsabilidade social, de ética. Atrevo-me a dizer que
temos alguma coisa em comum, essa questão da integridade, do incentivo às
pessoas a participarem.
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ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 15/12/2017
Centro de Estudos
COMBATE À CORRUPÇÃO NA SAÚDE
O direito de votar nos impõe, já dizia Rousseau, o dever de
nos instruirmos a respeito dos negócios públicos e acompanharmos a
Administração Pública. Quando criamos o Observatório Social de Porto
Alegre, era o sexto no Estado. Hoje são quinze. Em três anos, mais dez.
Então quinze cidadãos dos principais Municípios já despertaram para essa
necessidade de acompanhar.
Quero agradecer ao Dr. Alberto Kaemmerer por estar
disponível ao Observatório, que acompanha a gestão pública
preventivamente, proativamente, avisando o Município quando há alguma
desconformidade, para que seja corrigida antes que seja necessário mandá-la
ao Tribunal de Contas.
O grupo que atua na área médica de aquisições e licitações,
sempre que tem alguma dificuldade especialmente na aquisição de material
cirúrgico-hospitalar, recorre ao homem ocupado, com a agenda sempre cheia,
mas sempre disponível. Quero fazer esse agradecimento.