“PACTUAÇÃO DO MONTANTE DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS ATRAVÉS DA CLÁUSULA PENAL” THÉO ASSUAR GRAGNANO RA: 442.707-9 Turma 329 I Fone: 5579-9980 E-mail: [email protected] São Paulo 2004
“PACTUAÇÃO DO MONTANTE DE INDENIZAÇÃO POR DANOSMORAIS ATRAVÉS DA CLÁUSULA PENAL”
THÉO ASSUAR GRAGNANORA: 442.707-9Turma 329 I
Fone: 5579-9980E-mail: [email protected]
São Paulo2004
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THÉO ASSUAR GRAGNANO
Monografia apresentada à BancaExaminadora do Centro Universitário dasFaculdades Metropolitanas Unidas, comoexigência parcial para obtenção do título deBacharel em Direito sob a orientação doProfessor MANUEL NABAIS DA FURRIELA.
São Paulo2004
III
BANCA EXAMINADORA:
Professor Orientador : Manuel Nabais da Furriela.
Professor Argüidor :________________________.
Professor Argüidor :________________________.
IV
Ofereço a meu pai, EDGARD GRAGNANO, as horas
despendidas e o esforço empreendido na
elaboração deste modesto trabalho, como pálida
retribuição ao privilégio que me tem propiciado: o
de ser um aprendiz das Ciências Jurídicas.
V
Agradeço ao Professor MANUEL NABAIS DA
FURRIELA, pela prontidão com que sempre me
atendeu; e à minha RENATA, por tudo.
VI
SINOPSE
O presente trabalho versa sobre a aplicabilidade da cláusula penal na
hipótese em que o inadimplemento da obrigação à qual encontra-se atrelada
provoque, em desfavor do credor, danos de natureza moral; trata-se, pois, de
situação excepcional, em que a inexecução obrigacional provoca, também, danos
de natureza extrapatrimonial. O que se busca desvendar, especificamente, é a
eficácia e alcance, nestas circunstâncias, do disposto na primeira parte do
parágrafo único do artigo 416 do Código Civil; é dizer: poderá o credor pleitear o
valor estipulado a título de cláusula penal acrescido da indenização por danos
morais?
Em busca de responder a essa indagação, procedemos o estudo
pormenorizado da cláusula penal, bem como dos danos morais, dos direitos da
personalidade e das perdas e danos, sendo certo que esses últimos institutos
somente foram analisados na medida em que se relacionavam com o objeto deste
trabalho.
Examinados os institutos jurídicos acima mencionados, vimos confirmado
sistemática e axiologicamente, o que enuncia textualmente o dispositivo constante
na primeira alínea do parágrafo único do artigo 416 do Código Civil, concluindo-se,
pois, pela impossibilidade de pleitear-se a cláusula penal cumulativamente com a
indenização por danos morais.
VII
SUMÁRIO
1. Introdução 1.
2. Delineamento do tema. Desdobramentos necessários 2.
3. A cláusula penal 3.3.1. Conceito 3.3.2. Natureza jurídica 6.3.3. Finalidade 8.3.4. Espécies 14.3.4.1. A mora 15.3.4.2. O inadimplemento absoluto 17.3.4.3. Voltando às espécies de cláusula penal 19.3.4.3.1. A cláusula penal compensatória 20.3.4.3.2. A cláusula penal moratória 23.3.4.3.3. Críticas à classificação da cláusula penal em moratória e compensatória 25.3.5. Limites da cláusula penal 28.3.6. A redução do montante estabelecido a título de cláusula penal 29.3.7. A possibilidade de majoração da cláusula penal 34.
4. Proposição do problema 36.4.1. Os danos morais e os direitos da personalidade 40.4.2. Os danos morais enquanto instrumento de tutela dos direitos da
personalidade e a indisponibilidade dos direitos da personalidade 48.
5. As perdas e danos 52.
6. Considerações finais 58.
7. Bibliografia 66.
VIII
1.Introdução.
O presente tema foi escolhido de forma simplista e despretensiosa;
decorreu, em verdade, de uma dúvida que inquitou-me o espírito, a respeito do
alcance da cláusula penal, dúvida essa suscitada imediatamente após a leitura da
primeira parte do parágrafo único do artigo 416 do Código Civil, vazado nos
seguintes termos: “Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não
pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado
(...)”.
É que ao ler este dispositivo, que não se pode dizer inovador do instituto
jurídico da cláusula penal, indaguei a mim mesmo: E se advier, do inadimplemento
contratual, dano moral ao credor da obrigação? Não poderá ele exigir a respectiva
reparação mais a cláusula penal? A exigência da cláusula penal obstaculizaria a
exigência da indenização por danos morais? Estaria a reparação dos danos
morais compreendida na pré-avaliação das perdas e danos materializada na
cláusula penal?
Ante esta dúvida, que fez com que me parecesse interessante o tema, e
na iminência de ver exaurir-se o prazo para protocolização do projeto de
monografia, sem maiores reflexões ou, sequer, pesquisas perfunctórias acerca do
assunto, adotei-o como objeto da dissertação a ser apresentada à UniFMU para
conclusão do curso de Direito.
Ao iniciar o estudo para o desenvolvimento deste pequeno trabalho,
porém, surpreendi-me com a dificuldade com que se me apresentou o tema. É que
para o deslinde daquela dúvida transformada em tema de monografia fazia-se
necessário proceder o estudo de um emaranhado de institutos jurídicos distintos.
IX
Frente esta dificuldade inicial, considerei a hipótese de alterar o tema,
porém já estava muitíssimo engajado para dele abdicar, restando-me, destarte,
debruçar-me sobre o mesmo com humildade e bem ciente de minhas limitações,
para tentar desincumbir-me desta pretensiosa tarefa que eu mesmo, talvez
irrefletidamente, tive a satisfação de colocar-me.
Procedi, então, estudo minucioso da cláusula penal, especialmente nos
aspectos que mais interessavam ao presente tema; posteriormente, vi-me
impelido a analisar algumas particularidades do dano moral, o que levou-me,
ainda, a uma terceira apreciação, também parcial, dos direitos da personalidade,
em vista da sua íntima relação com os danos morais.
Após dissecar a cláusula penal, e analisar alguns aspectos dos direitos da
personalidade e do dano moral, estes últimos somente naquilo que com este
trabalho se relacionavam, ainda pareceu-me assaz difícil concluir definitiva e
categoricamente sobre a hipótese entabulada no presente trabalho.
Não obstante, o estudo que empreendi, além de propiciar-me a
formulação de algumas considerações acerca do presente tema, levou-me a
afirmar, salvo juízo mais douto, que encontram-se efetivamente abrangidos pela
cláusula penal os danos morais decorrentes do inadimplemento obrigacional, isto
é: não tem o credor a faculdade de pleitear o montante estabelecido a título de
cláusula penal, mais a reparação pelos danos morais advindos do inadimplemento
obrigacional.
De qualquer sorte, desculpando-me por não ter feito melhor, externo
minhas sinceras pretensões de que este tão pequeno trabalho provoque o
interesse dos mais doutos.
Por fim, dentre os muitos benefícios que me advieram do presente estudo,
cumpre-me apontar o maior deles que foi, indubitavelmente, o de mostrar-me a
X
imensidão das letras jurídicas e, conseguintemente, o árduo, longo e honroso
caminho que se deve percorrer para conhecê-las minimamente.
2. Delineamento do tema. Desdobramentos necessários.
O presente estudo tem como escopo verificar se a exigência, pelo credor,
de cláusula penal, devidamente pactuada para garantir o cumprimento de
determinada obrigação, afasta a possibilidade de cobrança, em separado, de
danos morais decorrentes do mesmo inadimplemento contratual que possibilitou a
exigência da stipulatio poenae.
Em outras palavras, buscaremos constatar o efetivo alcance da cláusula
penal, especialmente na hipótese do inadimplemento da obrigação por ela
garantida gerar, para o credor, danos morais. Isto é: Estará a exigibilidade da
indenização por danos morais decorrentes de inadimplemento contratual
obstaculizada pela cláusula penal? Pode-se pleitear a cláusula penal juntamente
com os danos morais?
Para que tenham sentido as indagações acima formuladas, é necessário
que na situação hipotética não se tenha estabelecido, juntamente com a cláusula
penal, a possibilidade de pleitear-se os danos suplementares eventualmente
decorrentes do inadimplemento obrigacional, faculdade concedida às partes pelo
próprio parágrafo único do artigo 416 do Código Civil.
XI
Pois bem. Para responder aos questionamentos acima articulados, far-se-
á necessário proceder a análise de diversos institutos jurídicos distintos, que com
o tema se relacionam. Com efeito, insta perscrutar, além da cláusula penal e sua
finalidade, o dano moral, as perdas e danos, as conseqüências da inexecução das
obrigações, e os direitos da personalidade, estes últimos devido à íntima relação
que possuem com os danos morais, conforme se esclarecerá mais adiante.
Não é demais salientar, outrossim, que os assuntos mencionados acima
não serão, por óbvio, integralmente analisados e desvendados no presente
trabalho, mas tão-somente na parte em que relacionam-se ao nosso tema, sendo
sua abordagem, portanto, restrita e acidental.
3. A Cláusula Penal.
3.1. Conceito.
A cláusula penal ou stipulatio poenae encontra-se disciplinada nos artigos
408 a 416 do Código Civil, no Livro das Obrigações, Título IV (Do Inadimplemento
das Obrigações).
Seu conceito não é expressamente definido pelo nosso Código, todavia,
conjugando-se as disposições nele destinadas à cláusula penal, não constitui
tarefa árdua desvenda-lo.
XII
Destarte, analisando-se os artigos 408 e 409 do Código Civil, podemos
defini-la, inicialmente, como o pacto acessório, destinado a garantir o cumprimento
de determinada obrigação, através do qual compromete-se o devedor a arcar com
quantia preestabelecida, na hipótese de inadimplemento da obligatio.
Sem prejuízo do que acabamos de afirmar, vale mencionar a definição
conferida pelo Código Napoleônico, no artigo 1.226, ao instituto em análise:
“A cláusula penal é aquela pela qual uma pessoa, para
assegurar a execução de uma convenção, se compromete a
dar alguma coisa, em caso de inexecução”.1
Diversos autores brasileiros empreenderam-se em definir um conceito
para a cláusula penal, parecendo-nos mais completo o propalado por RUBENS
LIMONGI FRANÇA, em sua monografia sobre a matéria, vazado nos seguintes
termos: “É um instituto anexo aos contratos, dos quais é um pacto acessório, cuja
finalidade é garantir, em benefício do credor, através do estabelecimento de uma
pena, o fiel e o exato cumprimento da obrigação principal”2.
Vale mencionar, outrossim, a lição de TITO FULGÊNCIO, esta que se nos
afigura neutra em relação à discussão sobre as finalidades da cláusula penal,
discussão essa de que trataremos mais adiante. Preleciona o referido mestre:
1 Apud Silvio Rodrigues, Direito Civil, Volume 2, 2000, Saraiva, página 82.2 Teoria e Prática Da Cláusula Penal, 1988, Saraiva, página 6.
XIII
“Cláusula penal é aquela em que se estabelece uma prestação para o caso de
inexecução da obrigação” 3.
3.2. Natureza jurídica da cláusula penal.
A natureza jurídica da cláusula penal é de pacto acessório, dependendo
sua sorte da obrigação principal cujo cumprimento visa garantir, accessorium
sequitur principale.
Tal característica denota-se dos dispositivos legais que a disciplinam,
especialmente do artigo 409 do Código Civil, que encontra-se redigido nos
seguintes termos:
“Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a
obrigação principal, ou em ato posterior, pode referir-se à
inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula
especial ou simplesmente à mora”.
Note-se que na primeira parte do dispositivo acima transcrito fala-se em
estipulação, da cláusula penal, em ato conjunto ou posterior ao estabelecimento
3 Apud Rubens França Limongi, obra citada, página 6.
XIV
da obrigação, de modo que salta aos olhos a acessoriedade do instituto em
análise, estando a sua existência e validade, portanto, diretamente vinculada à
existência e validade da obrigação principal.
Obviamente, se acessória é a cláusula penal, não se poderia estabelecê-
la anteriormente à existência de uma obrigação, dita principal, razão pela qual
determina o dispositivo legal acima transcrito que somente se poderá estipulá-la
em conjunto ou em ato posterior. Seria desnecessário dizer que este “ato
posterior”, de que trata a lei, deve preceder, logicamente, o eventual
inadimplemento obrigacional, isto é, não se há falar na estipulação de cláusula
penal posteriormente a verificação do inadimplemento da obrigação, pois tal seria,
parafraseando CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, como “pôr fechadura em porta
arrombada” 4.
De rigor, portanto, ante o caráter acessório da cláusula penal, a conclusão
de que a invalidade da obrigação principal a qual se vincula uma stpulatio poenae
implica na completa insubsistência desta última ou, no dizer de WASHINGTON DE
BARROS MONTEIRO: “o vício da primeira propaga-se irremediavelmente à segunda.
Nada poderá evitar essa contaminação, inexorável e fatal” 5.
Ainda como corolário do caráter acessório da cláusula penal, vale registrar
que a sua nulidade não contaminará a obrigação principal, que subsistirá indene,
4 Instituições de Direito Civil, Volume II, 1995, Forense, página 102.5 Curso de Direito Civil. Direito das Obrigações – 1º parte, 1995, Saraiva, página 208.
XV
já que a sua sorte não depende da sorte daquela, e sim o inverso, conforme
salientado.
O Código Civil de 1916, além de trazer dispositivo cuja redação era
idêntica à primeira parte do artigo 409 do Código Civil de 2002, acima reproduzido
(seu artigo 916), enunciava expressamente, em outro dispositivo, o caráter
acessório da cláusula penal, nos seguintes termos: Art. 922. “A nulidade da
obrigação importa a da cláusula penal”. Não bastasse, registrava o referido
Código, ainda, no dispositivo seguinte (art. 923): “Resolvida a obrigação, não
tendo culpa o devedor, resolve-se a cláusula penal”.
Pecava o Código anterior, notoriamente, neste aspecto, por excesso de
cautela. Daí WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO dizer, em comentário ao artigo 922
acima transcrito, que “tão lógico se afigura o princípio, sua verdade se revela de
tão grande evidência, que dispensável seria a presença de dois textos a respeito
em nossa legislação” 6 (o autor refere-se ao texto do artigo 153 do Código Civil de
1916 que dispõe, em sua segunda parte que “a nulidade da obrigação principal
implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação
principal”).
3.3. Finalidade da cláusula penal.
6 Obra citada, página 208.
XVI
Indica a doutrina, ou grande parte dela, duas funções para a cláusula
penal, a de reforço da obrigação e a de pré-estabelecimento das perdas e danos
que eventualmente decorram da inexecução ou execução imperfeita da obrigação
a qual se vincula.
De fato, meditando acerca da aplicabilidade da cláusula penal, isto é, da
oportunidade que enseja a sua exigibilidade e respectivas circunstâncias, entrevê-
se, sem maiores dificuldades, as duas finalidades mencionadas.
Entende-se, com efeito, que destina-se a cláusula penal a reforçar a
obrigação à qual se vincula, porquanto o devedor se esforçará para adimpli-la
aprazadamente e na forma estabelecida, ciente de que a sua inexecução poderá
acarretar-lhe maior ônus. Vale dizer, funciona a cláusula penal, nessa
circunstância, como um garante da obrigação. Esta função da cláusula penal
parece-nos inegável.
Relativamente à outra função apontada (de predeterminação das perdas e
danos), explicamo-la melhor. É que o inadimplemento de uma obrigação causa,
para o seu credor, no mais das vezes, algum prejuízo e, como é sabido, o remédio
ordinário que lhe confere a lei para que se veja ressarcido dos danos
experimentados é a cobrança judicial das perdas e danos (artigo 389 do Código
Civil), sendo certo que para utilizar-se desta via, incumbir-lhe-á a prova do prejuízo
sofrido, sem a qual não se verá ressarcido.
XVII
Diversamente, na hipótese de ter sido estabelecida cláusula penal para o
descumprimento da obrigação, poderá o credor, para exigir do devedor o
montante acordado a título de cláusula penal, simplesmente demonstrar, em juízo,
a inexecução da obrigação, ficando, destarte, dispensado da prova do dano - por
vezes difícil - e da morosidade inerente a procedimentos desse jaez7.
Isso porque as partes, através da cláusula penal, deixam expresso um
montante determinado, com o qual deverá arcar o devedor da obrigação, furtando-
se, assim, o credor, como já apontado, à dificuldade da prova do dano e sua
liquidação.
Discute-se na doutrina acerca de qual das duas funções acima atribuídas
à cláusula penal (reforço da obrigação e ressarcimento) seja a principal ou
preponderante.
É certo que se adotássemos como critério a utilidade, não teríamos
dificuldade em asseverar que sobrepõe-se à função de reforço da obligatio a de
pré-estabelecimento das perdas e danos. Em nosso favor, poderíamos
argumentar com o fato de que já está a lei a responsabilizar o patrimônio do
devedor pelas obrigações que contraiu e, inclusive, por eventuais perdas e danos
decorrentes de seu inadimplemento, sendo de secundária utilidade, portanto,
reforçar um vínculo já garantido pelo ordenamento jurídico, sendo de maior
utilidade afastar a necessidade de prova e liquidação dos danos. Todavia, não é
7 Nesse sentido, Silvio Rodrigues, obra citada, página 84.
XVIII
somente a utilidade que se deve levar em conta na fixação da função de
determinado instituto jurídico, fazendo-se necessário analisar, também, aquilo que
se prende à sua essência, isto é, a característica sem a qual não subsiste.
A propósito do que acabemos de comentar, distingue BEVILÁQUA entre fim
e utilidade da cláusula penal, apontando como utilidade a avaliação prévia das
perdas e danos, e como finalidade o reforço da obrigação8.
SILVIO RODRIGUES, por sua vez, após reconhecer a dupla função da
cláusula penal, sustenta ser a mais importante a de servir como cálculo
predeterminado das perdas e danos, ressaltando, inclusive, ser tal função a que
se prende à sua origem histórica9.
No que toca à origem histórica da cláusula penal, trazida como justificação
por SILVIO RODRIGUES, observamos, de fato, a presença desta finalidade no estudo
sobre Direito Romano privado de P. Jörs e W. Kunkel que, ao tratarem da cláusula
penal, manifestam-se nos seguintes termos:
“Em lugar do ressarcimento dos danos por descumprimentode uma obrigação, e muitas vezes junto com ele, se podiaestabelecer por acordo das partes uma pena a pagar pelodevedor (....) Para o credor tinha a vantagem de lhe exoneraro encargo de provar os danos que o descumprimentoproduzia, prova muitas vezes bastante difícil, e podia exigir a
8 Apud Rubens Limongi França, obra citada, página 154.9 Obra citada, página 84.
XIX
soma pactuada em lugar de pena, sem nenhum requisito” 10
(grifei).
Outrossim, aponta-nos RUBENS LIMONGI FRANÇA, citanto SAVIGNY,
BERTOLINI e BICCOCCA, que possuía a cláusula penal, no Direito Romano, tríplice
finalidade: “(a) Reforçar o vínculo de outra obrigação; b) Estimular o cumprimento
dessa obrigação, com a ameaça de uma pena; e, proporcionar ao credor a pré-
avaliação das perdas e danos” 11.
De todo modo, entendemos, data vênia, insuficiente o argumento da
origem histórica da cláusula penal, suscitado por SILVIO RODRIGUES, para justificar
a preponderância ou essencialidade da finalidade de predeterminação das perdas
e danos. Tal assertiva, é bom que se esclareça, não visa afastar definitivamente a
possibilidade de ser tal função a principal do adjeto penal, mas somente objetiva
rejeitá-la sob o argumento da origem histórica, até porque, não bastasse o quanto
asseverado por LIMONGI FRANÇA, há que se considerar o contexto atual, e não
somente a origem do instituto, para fixação de sua função essencial.
Opinião diversa da sustentada por SILVIO RODRIGUES é proclamada por
CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, que entende ser a principal função do adjeto penal o
reforço da obligatio, tendo em vista que, por vezes, não há correspondência entre
o valor da cláusula penal e o valor do dano, embora logo após esta assertiva
pondere este notável civilista:
10 Apud Rubens Limongi França, obra citada, páginas 15 - 16.11 Obra citada, páginas 18 - 19.
XX
“Hoje não mais vigora tão acendrado tom polêmico. E, sealguns dão preponderância ao significativo preestimativo dosprejuízos e secundário ao punitivo (cita, nesse sentido, TITOFULGÊNCIO, Do Direito das Obrigações, nº391; e GIORGI,Obligazione, IV, ns. 448 e segs.), e outros, como TRABUCCHIno lugar citado (Istituzioni di Diritto Civile, nº266), realçam opapel de reforçamento sobre o indenizatório, os juristas maismodernos suetentam (sic) que ela os reúne a ambos sendoao mesmo tempo a liquidação antecipada das perdas edanos e a punição pelo descumprimento (cita os irmãosMazeud)” 12(Os parênteses e o grifo são meus).
É de se levar em conta, também, a lição do mestre baiano ORLANDO
GOMES que, apoiando-se em HENRI DE PAGE, somente admite a existência da
função de reforço da cláusula penal acidentalmente. Preleciona o mencionado
jurista:
“A cláusula penal é o pacto acessório pelo qual as partesfixam, de antemão, o valor das perdas e danos que poracaso se verifiquem em conseqüência da inexecuçãoculposa da obrigação. Esta é, verdadeiramente, sua função.Insiste-se em lhe atribuir o papel de meio de constranger odevedor a cumprir a obrigação, por sua força intimidativa.Mas, demonstrou convincentemente HENRI DE PAGE, esseefeito da cláusula penal é acidental. A melhor prova de quenão atua essencialmente como meio de coerção encontra-seno fato de que, por vezes, sua função é diminuir o montanteda indenização que seria devida numa liquidação de perdase danos efetuada de acordo com as regras comuns que apresidem. Ademais, o valor estipulado pelas partes, para oeventual ressarcimento, pode ser reduzido pelo juiz, emalgumas situações, e não se permite que exceda o daobrigação principal. Com estas restrições e outras jáestabelecidas na lei, a cláusula penal perde o efeito deintimidação que a maioria proclama“ 13 (grifei).
12 Obra citada, página 101.13 Apud Rubens Limongi França, obra citada, página 156.
XXI
RUBENS LIMONGI FRANÇA, por seu turno, autor de uma da poucas
monografias nacionais sobre a cláusula penal, após citar as diversas opiniões de
autores pátrios e estrangeiros, elogia a corrente eclética que se instalou no Brasil
a reconhecer dupla função à cláusula penal. Pondera, contudo, este autor, que tal
corrente eclética se mostrara defeituosa, porquanto em verdade possui a cláusula
penal tríplice finalidade, e não dúplice, servindo como reforço, pré-avaliação dos
danos e pena.
Sustenta, ainda, o referido autor, a simultaneidade da incidência das três
finalidades referidas, nos atos jurídicos em que é a cláusula penal estabelecida.
Eis a lição do renomado monografista:
“Não constitui apenas reforço da obrigação, nem somentepré-avaliação dos danos, nem, ainda que excepcionalmente,tão-só uma pena. Reveste-se conjuntamente dessas trêsfeições. É reforço, porque efetivamente assume o caráter degarantia da obrigação principal. É pré-avaliação dos danosporque o seu pagamento é compulsório, independentementede prova de prejuízo da inexecução ou da execuçãoinadequada. E ainda mesmo que não haja prejuízo, opagamento não deixa de ser devido. E, finalmente, é pena,na acepção lata do termo (mas nem por isso menos técnica),porque significa uma punição, infligida àquele que transgridea ordem contratual e, via de conseqüência, a própria ordemjurídica” 14.
14 Obra citada, página 156.
XXII
Ao nosso ver, presente encontra-se, na cláusula penal,
incontestavelmente, as duas funções que lhe aponta a maioria da doutrina, de
reforço e de predeterminação das perdas e danos, parecendo-nos difícil apontar
uma função preponderante. No que se refere à terceira função, de pena, apontada
por LIMONGI FRANÇA, embora não seja impossível vislumbrá-la, consideramos
tratar-se de efeito acidental, decorrente da função de reforço.
3.4. Espécies de cláusula penal.
A cláusula penal, além de possuir finalidade dupla, consoante acabamos
de tratar, subsiste em duas espécies; com efeito, ela pode ser moratória ou
compensatória. A primeira delas é estabelecida para a hipótese de execução
imperfeita da obrigação, isto é, execução fora do prazo, forma e local acordados,
ou seja, aplica-se aos casos em que se verificar a mora no cumprimento da
obrigação; ao passo que a segunda, compensatória, é pactuada para a hipótese
de operar-se o inadimplemento absoluto da obrigação.
Esta classificação da cláusula penal, em moratória e compensatória, é a
adotada por grande parte da doutrina pátria, embora não seja a única, conforme
apontaremos mais adiante.
Para ideal compreensão dos conceitos das duas espécies de cláusula
penal aludidas, mister se faz o perfeito entendimento do que seja mora e
inadimplemento absoluto, razão pela qual efetuaremos uma pequena digressão,
XXIII
visando elucidar tais aspectos, fixando-os com a necessária precisão para, então,
volver ao estudo da cláusula penal compensatória e moratória.
3.4.1. A mora.
Estabelece o artigo 394 do Código Civil:
“Considera-se em mora o devedor que não efetuar o
pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo,
lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer”.
Com efeito, por mora entende-se a inobservância no cumprimento da
obrigação, no que se refere ao lugar, forma e tempo avençados, sem, contudo,
que tal inobservância afete a possibilidade de cumprimento da obrigação, que
deverá sempre subsistir, sem o que não se pode falar em mora.
É curial para que se possa falar em mora, vale repetir, a existência da
possibilidade de cumprimento da obrigação. E esse quer-nos parecer o principal
aspecto a ser destacado em vista do propósito desta conceituação.
Vale salientar que não pretendemos, de forma alguma, a fixação de um
conceito geral e sólido do que seja mora, pois, como já nos advertia CARVALHO DE
MENDONÇA:
XXIV
“Não é simples, como parece, a determinação exata doconceito de mora; e esta dificuldade mais se acentua quandose considera que ela, conquanto regulada por normaspositivadas, é, na sua realização jurídica, influenciada emgrande parte pela equidade; e, ordinariamente, é mais umaquestão de fato que de direito” 15.
Nota-se, realmente, que muito importa a apreciação fática para que se
possa asseverar tratar-se ou não de mora. Ainda a propósito, anota RICCI: “O
decidir sobre a existência ou inexistência da mora importa juízo de fato e de
apreciação” 16.
Se não pretendemos fixar um conceito exato de mora, menos ainda
tencionamos aprofundar demasiadamente o seu estudo, o que seria, aliás,
despropositado, ante o fim que buscamos com o presente trabalho.
É que somente almejamos fornecer elementos que possibilitem a
identificação da mora, a fim de distingui-la do inadimplemento absoluto, sobre o
qual logo adiante teceremos alguns comentários.
Desta forma, tendo em vista o quanto apontamos acerca da mora, resta-
nos dizer, somente, que para sua caracterização, faz-se mister a presença de
15 Apud Agostinho Alvim, Da Inexecução Das Obrigações E Suas Conseqüências, 1980, Saraiva, página 10.16 Apud Agostinho Alvim, obra citada, página 10.
XXV
culpa17 (Artigo 396 do Código Civil). Nesse sentido já se manifestara AGOSTINHO
ALVIM: “A melhor doutrina é a que exige a culpa como elementar da mora” 18.
3.4.2. O inadimplemento absoluto.
O inadimplemento absoluto verifica-se quando a obrigação deixou de ser
cumprida em sua totalidade. Para apurar a sua ocorrência, deve o analista
vislumbrar a relação jurídica sob a ótica do credor. Isto é, se o devedor deixou de
cumprir a obrigação avençada e não mais se afigura possível ou útil para o credor
recebê-la, aí podemos falar em inadimplemento absoluto. A impossibilidade de
receber é do credor!
O professor LUIZ ANTÔNIO SCAVONE JÚNIOR, ao tratar do assunto, traz o
exemplo da contratação entre uma noiva e uma costureira, através da qual esta se
compromete a entregar um vestido àquela, em determinado prazo, que se
encerra, obviamente, antes da cerimônia do casamento. No exemplo, a costureira
atrasa a entrega do vestido, ultrapassando a data da cerimônia, de modo que não
há mais utilidade por parte do credor (noiva) em receber o objeto da prestação
(vestido), verificando-se, conseguintemente, o inadimplemento absoluto19.
17 Discute-se sobre a necessidade do elemento culpa para caracterizar a mora do credor, todavia, nãopenetraremos nesta polêmica, pois desbordaria os estritos limites, já delineados, do presente trabalho. Sobre oassunto, Agostinho Alvim, obra citada.18 Obra citada, página 14.
19 Obrigações – Abordagem Didática, 2000, Juarez de Oliveira, página 151.
XXVI
O inadimplemento absoluto pode ser classificado, ainda, em total ou
parcial. O total traduz-se no exemplo acima formulado, em que a obrigação foi
integralmente descumprida e não mais subsiste possibilidade de cumprimento. No
parcial, igualmente, não há mais possibilidade de cumprimento da obrigação
(utilidade para o credor), todavia, nesta hipótese, o negócio jurídico é complexo,
compreendendo vários objetos, de sorte que sendo um deles entregue e não os
demais, pode-se falar em inadimplemento absoluto parcial20.
AGOSTINHO ALVIM, após destinar diversas páginas à conceituação de mora
e inadimplemento absoluto, propõe-se a elaborar “a fórmula exata para distinção
entre mora e inadimplemento absoluto” e, com notável proficiência, ao nosso ver
desincumbiu-se bem da tarefa a que se propôs, com o seguinte enunciado, não
menos preciso do que simples: “Portanto, o inadimplemento absoluto é
precisamente a impossibilidade de receber; e, a mora, a persistência dessa
possibilidade” 21(grifei).
3.4.3. Voltando às espécies de cláusula penal.
20 Quem faz a distinção é Agostinho Alvim, obra citada, página 7.21 Obra citada, páginas 43 e 44.
XXVII
Como dizíamos, grande parte da doutrina aponta duas espécies de
cláusula penal, a moratória e a compensatória, incidindo esta quando verificado o
inadimplemento absoluto de determinada obrigação, e aquela na hipótese de
operar-se o seu cumprimento defeituoso.
O Artigo 409 do Código Civil menciona a possibilidade de estipulação de
cláusula penal em 3 (três) situações. Dispõe o referido artigo: “A cláusula penal
estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à
inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou
simplesmente à mora” (grifei).
Com efeito, é possível o estabelecimento de cláusula penal (i) para
hipótese de inexecução completa da obrigação; (ii) em segurança de alguma
cláusula especial, ou (iii) para os casos de mora. Deste modo, pode-se dizer que,
assentados os conceitos de mora e inadimplemento absoluto, a primeira espécie
de cláusula penal é propriamente compensatória, e as duas últimas moratórias22.
Nos dispositivos seguintes ao citado artigo 409, o Código Civil estabelece
diferentes regras para a cláusula penal, conforme seja ela moratória ou
compensatória. Tratemos das duas disciplinas aplicáveis às espécies de adjeto
penal na ordem em que delas trata o Código Civil.
22 Nesse sentido é o magistério de Silvio Rodrigues (obra citada, páginas 90/91).
XXVIII
3.4.3.1. A cláusula penal compensatória.
Pois bem. Dispõe o artigo 410 do Código Civil, verbis: “Quando estipular-
se a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta
converter-se-á em alternativa a benefício do credor ”.
Consoante já apontado, diz-se que a cláusula penal é compensatória
quando avençada para o inadimplemento absoluto da obrigação, sendo certo que
a razão de ser de tal denominação (compensatória), deve-se justamente ao fato
de tal cláusula tornar-se uma alternativa para compensar o credor do não
desempenho da obrigação principal.
Acerca do dispositivo em análise (Art. 410 do Código Civil), acima
reproduzido, há diversidade de opiniões e entendimentos. Com efeito, ao analisar
o artigo correspondente no Código Civil de 1916 (Artigo 918, de idêntica redação),
CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA manifesta-se no sentido de que a “alternativa” a qual
se refere a lei abre para o credor duas opções, quais sejam: a de pleitear o
cumprimento da obrigação, ou exigir a cláusula penal. Externa-se, o festejado
civilista, nos seguintes termos:
“Quando a penalidade é compensatória, o inadimplementoda obrigação opera como condição que abre ao credor umaalternativa e lhe oferece dois objetos em solução: ou ocumprimento da obrigação, que pode pedir por via da açãocorrespondente ao título, ou a pena convencional, que tem afinalidade de compensá-lo dos danos sofridos” 23.
XXIX
No mesmo sentido é o entendimento de WASHINGTON DE BARROS
MONTEIRO, ao afirmar que:
“Na hipótese da letra a, isto é, quando estipulada para o casode total inadimplemento da obrigação, a cláusula penalconverter-se-á em alternativa a benefício do credor (art.918).Por outras palavras, no caso de total inexecução daobrigação, o credor opta livremente entre a exigência dapena e o cumprimento da obrigação” 24 (grifei).
Compreensão diversa, acerca desse mesmo dispositivo, possui SILVIO
RODRIGUES que, após anotar o fato de seu entendimento ser minoritário,
acrescentando aos autores cujas opiniões foram acima transcritas SERPA LOPES e
CLÓVIS BEVILÁQUA, leciona que:
“Ocorrendo inadimplemento, sobra ao credor uma alternativa;com efeito, pode ele recorrer ao procedimento ordinário epleitear as perdas e danos, nos termos do artigo 1.056 doCódigo Civil (Art. 389 do Código Civil de 2002), os quaisserão calculados em juízo; ou, se preferir evitar as canseirase delongas de uma execução judicial, demandar somente aimportância da multa, que corresponde, como disse, àsperdas e danos estipulados anteriormente pelas partes, e àforfait”25 (inseri parênteses).
De fato, o artigo 410 (918 do Código Civil de 1916) fala em “total
inadimplemento da obrigação”, aplicando-se, portanto, às hipóteses de
inadimplemento absoluto; e fala, principalmente, em “alternativa a benefício do
credor”. Ora, ante os conceitos que delineamos acima sobre inadimplemento
23Obra citada, página 111.24 Obra citada, página 201.25 Obra citada, página 84.
XXX
absoluto, compreendendo-o como a hipótese em que não mais seja possível o
cumprimento da obrigação em decorrência da perda de sua utilidade para o
credor, como se pode falar em “alternativa” para o credor (pleitear o cumprimento
da obrigação ou da cláusula penal), se não mais lhe é útil o cumprimento da
obrigação principal?
O entendimento esposado pelos mestres WASHINGTON DE BARROS
MONTEIRO e CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, quanto a este particular, não nos
parece correto, data vênia, porquanto se assim fosse, isto é, se a estipulação de
uma cláusula penal para total inadimplemento da obrigação somente facultasse ao
credor, verificado o total inadimplemento, a possibilidade de exigi-la, extinguindo o
direito de pleitear as perdas e danos, não haveria, de fato, uma alternativa a seu
benefício, já que não mais lhe é possível exigir o cumprimento da obrigação
principal. A não ser que se interprete o texto legal no sentido de que é a cláusula
penal uma alternativa ao inadimplemento, o que não nos parece razoável, pois
que o inadimplemento tem como alternativa ordinária as perdas e danos, de tal
arte que a cláusula penal somente pode ser uma alternativa às perdas e danos.
O entendimento de que pode o credor optar entre as perdas e danos e a
cláusula penal é também perfilhado por CARLOS ROBERTO GONÇALVES e LUIZ
ANTÔNIO SCAVONE JÚNIOR26.
26 Respectivamente em Direito Civil Brasileiro, volume II, 2004, Saraiva, página 384; e Obrigações –Abordagem Didática, 2000, Juarez de Oliveira, página 226.
XXXI
De qualquer sorte, em qualquer das duas posições que se adote, dúvidas
não há sobre o caráter compensatório da cláusula penal acordada para o caso de
inadimplemento absoluto, no sentido de ser um a priori das perdas e danos, bem
como divergências não há sobre a impossibilidade de cobrar a cláusula penal
compensatória cumulada com as perdas e danos.
3.4.3.2. A cláusula penal moratória.
Quanto à cláusula penal moratória, vem esta disciplinada no Artigo 411 do
Código Civil, que assim dispõe: “Quando se estipular a cláusula penal para o caso
de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o
arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho
da obrigação principal”.
A cláusula penal moratória prende-se, como já induz o nome, ao conceito
de mora. Visa, com efeito, esta espécie de adjeto penal, indenizar o credor pela
execução defeituosa da obrigação.
Desta forma, como claramente dispõe o artigo acima transcrito, na
hipótese do devedor não observar, rigorosamente, o tempo, lugar e forma
acordados, ou o disposto em cláusula determinada, facultar-se-á ao credor a
exigência da obrigação principal juntamente com a pena estipulada.
XXXII
Conveniente tecer alguns comentários acerca da cláusula penal
estabelecida para segurança de uma cláusula determinada, a fim de que dúvidas
não pairem acerca de sua natureza moratória, considerando-se o critério de
classificação que inicialmente adotamos (compensatória é a que incide com o
inadimplemento absoluto e moratória com a execução imperfeita a obrigação).
De fato, há quem atribua natureza compensatória à cláusula penal nestes
termos estabelecida27. Todavia, tal entendimento não deve prosperar.
Primeiramente, porquanto a própria lei confere idêntico tratamento a esta
modalidade de cláusula penal e àquela estabelecida para os casos de mora, de
modo que quando descumprida a cláusula determinada, pode o credor exigi-la
juntamente com a cláusula penal estabelecida, não havendo, assim, a
alternatividade que caracteriza a pena compensatória. Isto, repita-se, levando-se
em conta a conceituação de cláusula moratória e compensatória adotada pela
maior parte da doutrina.
Ademais, por mora entende-se a inadimplemento relativo, imperfeito, de
determinada obrigação, que tornar-se-á, caso não sobrevenha o inadimplemento
absoluto, um adimplemento defeituoso; e o devedor que descumpre determinada
cláusula, que não se refira à obrigação principal é, via de regra, moroso.
27 Conforme Washington de Barros Monteiro, obra citada, página 201.
XXXIII
Excepcionalmente, contudo, pode ocorrer, como aponta SILVIO
RODRIGUES28, que o descumprimento de determinada cláusula afete diretamente a
obrigação principal ou o fim contratual, frustrando a expectativa do credor, mas em
tal hipótese ocorrerá, em verdade, a meu ver, o que acima tratamos sob a rubrica
de inadimplemento absoluto parcial (item 3.4.2). Nestas hipóteses, se poderá falar
em cláusula penal compensatória estipulada para garantir determinada cláusula
contratual dotada de extrema relevância para a execução do objeto contratual.
3.4.4. Críticas à classificação da cláusula penal em moratória e
compensatória29.
LIMONGI FRANÇA aponta que “a chave para a solução de toda a
problemática da cláusula penal (...) se encontra, fundamentalmente, na
diferenciação preliminar das respectivas espécies”. Nesta ordem de idéias,
estabelece, este autor, um vasto, completo e, ao nosso ver, preciso método de
classificação da cláusula penal, e o faz a partir de oito critérios.
Conquanto pareça-nos sobremaneira interessante e eficaz toda
metodologia empregada pelo mencionado autor no estabelecimento dos diversos
critérios classificatórios da cláusula penal, os limites deste trabalho não nos
28 Obra citada, páginas 89 e 90, nota de rodapé nº 74.29 Todo este tópico foi elaborado com base no Título III “Dogmática”, páginas 115 - 166 da obra de Limongi,citada. Todos as citações apresentadas neste tópico entre aspas foram retiradas do referido texto.
XXXIV
permite traça-la por completo. Com efeito, limitaremo-nos a abordar o que
entendemos curial para o desenvolvimento deste capítulo.
Pois bem. Dentre os vários critérios utilizados por LIMONGI FRANÇA, adota
ele os da extensão e da função para classificação da matéria sob estudo. Com
base no critério da extensão, diz LIMONGI, a cláusula penal pode ser ampla (ou
genérica) e específica. “Ampla é aquela que visa garantir o credor quanto ao total
inadimplemento da obrigação. Específica é aquela que visa garantir aspectos
particulares da obrigação ou das conseqüências do inadimplemento”.
O critério da função, por sua vez, subdivide a cláusula penal em punitiva,
compensatória e liberatória (ou penitencial). “Punitiva é aquela que tem por função
estabelecer, tão-somente, UMA PENA, para o caso de inadimplemento.
Compensatória é aquela que tem por função COMPENSAR AS PERDAS E
DANOS presumidos, em virtude do inadimplemento. Liberatória, ou penitencial, é
aquela por cuja virtude, uma vez paga, o devedor se LIBERA da obrigação”.
A partir dos critérios de classificação acima apontados, passa LIMONGI
FRANÇA a justificá-los. É nesse ponto que evidencia-se a deficiência em classificar-
se as espécies de cláusula penal em compensatória e moratória. É que
“compensatória” designa a função da cláusula penal, que é compensar o credor do
total inadimplemento da obrigação avençada; e “moratória”, designa a extensão,
aplicando-se nas hipóteses em que verificar-se o descumprimento de aspectos
particulares da obrigação (tempo, lugar e forma pactuados).
XXXV
Ora, utilizou-se, a esmagadora maioria da nossa doutrina, de dois critérios
distintos para classificar a cláusula penal em moratória e compensatória. Quer isto
dizer que o fato de uma cláusula penal ser moratória (incidir quando verificado o
descumprimento de alguns aspectos da obrigação) não retira a possibilidade de
ser, concomitantemente, compensatória (visar à compensação das perdas e
danos) e vice-versa.
No caso do nosso Código Civil, a cláusula penal classificada como
moratória, que incide quando operar-se a mora no cumprimento de obrigação
principal ou determinada, e é exigível juntamente com o desempenho desta, é
claramente compensatória, isto é, destina-se a indenizar os prejuízos sofridos pelo
credor com a execução imperfeita da obrigação.
A cláusula classificada como compensatória, por sua vez, é efetivamente
compensatória, mas não é isso que a distingue da moratória, e sim o fato de
destinar-se ao inadimplemento absoluto, ao passo que aquela destina-se ao
cumprimento defeituoso. O que as diferencia, com efeito, é a extensão e não a
função, que é idêntica para as duas.
Nesta ordem de idéias, a cláusula classificada habitualmente pela doutrina
como moratória deveria ser designada como “cláusula compensatória específica”;
e a que chamam compensatória, como “cláusula compensatória ampla”.
XXXVI
Conforma já salientado, há diversos outros critérios de classificação
utilizados por LIMONGI FRANÇA, que possibilitariam uma designação ainda mais
precisa que a por nós apresentada acima, porém, a penetração em tais conceitos
desbordaria os limites deste trabalho.
De qualquer forma, não obstante seja evidente a deficiência da
classificação da cláusula penal em moratória e compensatória - e fica neste tópico
registrada a nossa crítica - continuaremos dela nos servindo, em razão de ser a
adotada pela esmagadora maioria da doutrina, que desenvolve todo o estudo da
cláusula penal a partir de tal classificação.
3.5. Limites da cláusula penal.
O artigo 412 do Código Civil limita o montante da cominação imposta a
título de cláusula penal ao valor da obrigação principal. É somente esta a limitação
ordinariamente imposta à cláusula penal, ressalvadas aquelas previstas em
legislações especiais.
Parece-nos bem ampla a esfera de disposição das partes, que somente
não podem estabelecer montante superior ao valor do objeto contratual. A
propósito de tal limitação, anota SILVIO RODRIGUES: “Como o intuito da cláusula é
indenizar danos resultantes do inadimplemento; como a indenização não deve
XXXVII
ultrapassar o montante do prejuízo; como, em tese, o prejuízo não excede o
montante da prestação sonegada, o preceito se inspira em preocupação justa” 30.
Note-se que o Estatuto Civil não impõe diferentes limites conforme a pena
seja moratória ou compensatória. Sendo certo que, na prática, as penalidades
estabelecidas àquele título possuem valor muito inferior aos pactuados a título de
cláusula compensatória, já que esta visa substituir as perdas e danos decorrentes
do inadimplemento absoluto, e aquela é exigível sem prejuízo do desempenho da
obrigação principal por parte do devedor.
3.6. A redução do montante estabelecido a título de cláusula penal.
Eis um tema que sofreu consideráveis alterações com o advento do atual
Código Civil, alterações essas, aliás, que me parecem justificar uma análise
comparativa entre Código Civil de 1916 e o atual.
Estatuía a legislação civil de 1916, em seu artigo 924: “Quando se cumprir
em parte a obrigação, poderá o juiz reduzir proporcionalmente a pena estipulada
para o caso de mora ou inadimplemento” (grifei).
30 Obra citada, página 92.
XXXVIII
O dispositivo era expresso em dizer que a cláusula penal poderia ser
reduzida proporcionalmente se parte da obrigação já houvesse sido
desempenhada, sendo ela compensatória ou moratória.
O Código Civil de 2002, por sua vez, estipula, em seu artigo 413, as
hipóteses em que deverá o juiz proceder a redução da cláusula penal. O que ora
nos interessa nesse dispositivo, é que diz ele: “se a obrigação principal tiver sido
cumprida em parte”.
Note-se que o texto atual fala em obrigação principal, no trecho
mencionado, de modo que pode levar á conclusão de somente ser passível de
redução a cláusula penal compensatória, estipulada para os casos de
inadimplemento absoluto, não sendo, por este raciocínio, a cláusula moratória
suscetível de sofrer redução.
Tal raciocínio, decorrente da primeira parte do artigo 413, não é de todo
improcedente, é, aliás, confirmado pelo restante do dispositivo que não menciona,
em momento algum, a cláusula moratória, tal qual fazia o preceito legal
correspondente na codificação anterior.
É efetivamente difícil de se vislumbrar, hipótese em que a penalidade
moratória possa reduzir-se em decorrência de se ter verificado uma “mora parcial”.
É que ou o devedor é moroso ou não o é, de todo impossível que seja
parcialmente moroso.
XXXIX
De tal arte, entendemos que a cláusula penal moratória não é passível de
redução sob este aspecto, no que utilizou melhor técnica o legislador do Código
de 2002. Todavia o é, por óbvio, quando sobrepujar o limite imposto pelo artigo
412 do Código Civil, ou outro limite previsto por alguma legislação especial
aplicável à espécie.
Mas não é só. É que o artigo supramencionado (413 do Código Civil), em
sua segunda parte, preceitua que deve o magistrado reduzir a penalidade,
também, quando esta se apresente manifestamente excessiva, tendo-se em vista
a natureza e finalidade do negócio.
Perceba-se que não contenta-se a lei com a ocorrência de simples
excessividade da cláusula penal, há que ser manifesta, saltar aos olhos, ser
evidente. E somente quando assim for, deverá o magistrado reduzi-la para
patamar justo.
Notadamente, portanto, a segunda parte do aludido artigo 413 do Código
Civil, diferentemente da parte primeira, é aplicável às duas espécies de cláusula
penal, tanto a moratória quanto a compensatória. Ora, nada impede que seja a
cláusula penal moratória estabelecida em valores manifestamente excessivos,
tendo como parâmetro a natureza e finalidade do negócio, o mesmo se diga da
cláusula compensatória.
XL
A relevante alteração que nos trouxe o Código de 2002, no âmbito da
cláusula penal, foi a imposição, ao magistrado, do dever de proceder a redução da
penal compensatória quando cumprida em parte a obrigação principal, já que a
legislação de 1916 facultava ao juiz a redução nestes mesmos casos; e,
principalmente, a extensão da obrigatoriedade da redução da cláusula penal, tanto
a compensatória quanto a moratória, às hipóteses em que forem manifestamente
excessivas, levando-se em conta “a natureza e finalidade do negócio”, ainda que
não sobrepujem a limitação do artigo 412.
Se adotou o legislador melhor técnica ao excluir a cláusula penal
moratória das hipóteses de redução em razão de cumprimento parcial da
obrigação, o mesmo talvez não se possa dizer da imposição da redução, sem
ressalvas, da cláusula penal compensatória, nas hipóteses em que se houver
cumprido em parte a obrigação principal.
Não se questiona, em hipótese alguma, a equanimidade em reduzir-se o
montante da cláusula penal em razão do cumprimento parcial da obrigação
principal. O que se objeta é a obrigatoriedade do juiz em fazê-lo!
É que vezes há em que o cumprimento parcial da obrigação principal não
traz grande utilidade, quando nenhuma, para o credor. E, nestas hipóteses, não
obstante tenha o devedor desempenhado parte do que lhe cumpria, a partir da
ótica do credor (que é o beneficiário da cláusula penal) este parcial cumprimento
afigura-se indiferente, na medida em que nenhum proveito lhe trouxe. Quer isto
XLI
significar que para proceder a redução da cláusula penal, “mister considerar se a
execução parcial da obrigação, levada a efeito pelo devedor, ofereceu qualquer
vantagem ao credor. Se uma costureira ajusta a confecção de um vestido e o
deixa inacabado, a realização parcial da obrigação foi inútil ao credor, portanto,
não cabe redução da multa” 31.
De qualquer sorte, sem prejuízo da atual redação, entendemos que há
margem para denegação da redução da cláusula penal na hipótese de haver um
parcial cumprimento inútil ao credor, porquanto não deverá o dispositivo ser
interpretado somente textualmente, e sim teleológicamente, isto é, de acordo com
a sua finalidade, que é, in casu, a equanimidade contratual.
Outra discussão que se verifica na doutrina é acerca da possibilidade ou
não de as partes disporem pela não aplicação do dispositivo legal que prevê a
redução da cláusula penal na hipótese de parcial cumprimento da obrigação.
Nesta discussão, um dos argumentos mais fortes que sustentavam a tese
de ser possível tal previsão entre as partes tinha supedâneo no fato de deixar a lei
ao talante do magistrado a redução ou não da pena, sendo certo que se “tão
graves fossem as exigências públicas no sentido de proteger o devedor, não
31 Silvio Rodrigues, obra citada, página 94.
XLII
vemos como o legislador, assim entendendo, teria deixado a matéria ao inteiro
alvedrio do magistrado”32.
Nesta ordem de idéias, com a atual redação, teria o artigo 413 do Código
Civil tornado de ordem pública o seu conteúdo, furtando-lhe à disposição das
partes. Todavia, embora coerente este raciocínio, talvez não seja cabal na
refutação da tese oposta.
Nosso entendimento é pela impossibilidade de disposição pelas partes, no
sentido de afastar a incidência do referido dispositivo. Pensamos desta forma não
somente em razão do argumento acima aduzido, mas pelo fato de revelar o
dispositivo sob exame inescondível carga de imperatividade.
3.7. Majoração da cláusula penal.
Eis outro campo em que teve mérito o Código de 2002: pôr termo à
discussão acerca da possibilidade ou não do aumento dos valores estipulados a
título de cláusula penal.
Dispõe, com efeito, o artigo 416, verbis:
“Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessárioque o credor alegue prejuízo.
32 É o entendimento de Rubens Limongi França, obra citada, página 250.
XLIII
Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto nacláusula penal, não pode o credor exigir indenizaçãosuplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido,a pena vale como mínimo da indenização, competindo aocredor provar o prejuízo excedente” (grifei).
O dispositivo é claro e impassível de dúvidas: não se pode pleitear o
prejuízo que exceda o previsto a título de cláusula penal, salvo disposição em
contrário.
Diante de tal dispositivo se poderia objetar contra a tese de SILVIO
RODRIGUES, exposta no item 3.4.3.1 supra, no sentido de que ao credor não é
dado pleitear as perdas e danos ou a cláusula penal, pois já que podem as partes
dispor que a cláusula penal será o mínimo de indenização a ser paga, cumprindo
ao credor provar o excedente, não teria sentido que, à guisa de disposição das
partes, pudesse o credor optar entre as perdas e danos e a cláusula penal.
De fato, não seria a objeção de todo improcedente, porém, não vejo como
cabal este argumento, de molde a aniquilar a tese oposta que, decerto, ficou
fragilizada. É que ainda que a regra fosse a opção entre a penal e as perdas e
danos, como sustentava SILVIO RODRIGUES na vigência do Código Civil anterior,
constituiria um benefício extra a ressalva das partes (de que trata o parágrafo
único do artigo 416 do Código atual), porquanto poderia o credor cobrar desde
logo o montante acordado a título de cláusula penal, sujeitando-se, entretanto, à
prova e liquidação dos danos, a fim de demonstrar que a extensão dos mesmos
XLIV
foi superior à quantia por ele já recebida a título de cláusula penal, cobrando,
desta forma, o excedente.
Assim, sujeitar-se-ia o credor às tormentas da liquidação dos danos
somente para receber o excedente, podendo desde o início levantar o valor
correspondente à cláusula penal, que se apresentaria como incontroverso.
4. Proposição do problema.
Feitas essas considerações, parece-nos perfeitamente possível proceder
à apresentação da problemática que pretendemos enfrentar, de molde a
enquadra-la no contexto do presente trabalho, e direcionar o restante de nossa
dissertação.
Pois bem. Dissemos que a cláusula penal, entre suas funções, age como
substituto das perdas e danos, na medida em que dispensa o credor da prova e
liquidação dos danos para proceder a cobrança do valor estabelecido na
estipulatio poenae.
Apontamos, então, algumas divergências doutrinárias que não afetam
diretamente a problemática que ora apresentamos, tendo ficado assente, no curso
desta exposição, ao menos, que: (i) se o credor exigir a cláusula penal não poderá
pleitear as perdas e danos; (ii) não é possível atribuir à cláusula penal valor
superior ao da obrigação que visa garantir; (iii) tanto a cláusula penal
XLV
compensatória quanto a moratória destinam-se a indenizar o credor, pelo
inadimplemento absoluto e pela execução defeituosa da obrigação,
respectivamente; e (iv) não é possível a majoração da cláusula penal, ou a
exigência de indenização complementar (salvo disposição em contrário, conforme
exposto no item anterior).
Imaginemos, nesta ordem de idéias, a existência de determinada
obrigação, devidamente garantida por uma cláusula penal compensatória, verbi
gratia; obrigação essa que é absolutamente inadimplida. Ocorre, que a inexecução
desta obrigação gera, para o seu credor, danos morais, atinge a sua
personalidade. Poderá ele pleitear, além do valor entabulado na cláusula penal,
uma reparação pela lesão sofrida na sua personalidade?
Recapitulemos alguns dados: não visa a cláusula penal, entre outras
coisas, o pré-estabelecimento das perdas e danos eventualmente decorrentes de
inexecução obrigacional? O artigo 416 do Código Civil não estabelece, em seu
parágrafo único, que não é possível pleitear “indenização suplementar”, “ainda que
o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal”, se assim não se convencionou?
A reparação por danos morais não é uma indenização? Pleitear esta reparação
não implica em pedido de indenização suplementar?
O raciocínio conduzido nos trilhos das indagações acima formuladas leva-
nos, automaticamente, a concluir que não seria possível ao credor pleitear nada
mais além da cláusula penal. Afinal, o parágrafo único do artigo 416 é
XLVI
absolutamente claro. Todavia, parece-nos sobremaneira precipitado concluir,
prima facie, dessa forma.
Uma conclusão em um ou outro sentido reclama, primeiramente, uma
análise mais rica de alguns outros fatores que estão a envolver a questão, tais
quais o conceito de perdas e danos e a natureza dos direitos envolvidos.
Poder-se-ia objetar, inicialmente, que não é possível a ocorrência de dano
moral em decorrência de inadimplemento contratual, pois aquele estaria ligado a
um dever geral de abstenção de lesar os atributos pessoais alheios, e este a um
dever contratual.
Ora, mas não é possível que uma obrigação convencional esteja
completamente entrelaçada a um atributo da pessoa humana, de forma que o seu
inadimplemento absoluto ou a sua execução defeituosa atinjam diretamente o
credor nesses atributos? Quer-nos parecer que sim!
AGOSTINHO ALVIM, em obra editada no início da década de 1980, portanto
antes da positivação da reparabilidade do dano moral, embora não repudiasse a
idéia de serem indenizados os danos morais, entendia que em face de nosso
ordenamento jurídico não se afigurava possível tal indenização, contudo, afirmava
que se possível fosse, não haveria de se distinguir entre dano oriundo de culpa
XLVII
contratual e dano oriundo de culpa extracontratual. Vale transcrever parte de sua
lição:
“VALVERDE Y VALVERDE opina que, em matéria de danomoral, só se leva em conta o dano que se origina de culpaaquiliana, e, em nota, observa: ‘Ainda que GABBA sejadefensor da indenização por danos morais, a maior parte dosautores que o seguem partem do pressuposto de que oressarcimento do referido dano moral não tem lugar nasobrigações contratuais´. Em sentido contrário opina PLANIOL,o qual não enxerga o motivo por que se há de fazerdiferença, em assunto de dano moral, entre o que se originade delito e o que provém da infração contratual”.
E continua este notável civilista:
“Ressalvada a nossa opinião, de não ser indenizável o danomoral puro, em face de nosso direito, parece-nos sem razãoa distinção pretendida entre o dano oriundo de culpaaquiliana e o de culpa contratual. A indenizar-se o danomoral, tanto faz que a sua procedência seja violação decontrato, ou culpa extracontratual. Nesse sentido opina M. I.CARVALHO DE MENDONÇA, com bons fundamentos. E,recentemente, ALCINO DE PAULA SALAZAR”33(grifei).
Também SILVIO RODRIGUES admite a possibilidade de dano moral advindo
de responsabilidade contratual: “O problema do dano moral e da sua possibilidade
de reparação, mais raro na responsabilidade contratual que na aquiliana (...)” 34
(grifei).
33 Obra citada, páginas 239 e 240.34 Obra citada, página 281, nota de rodapé nº 348.
XLVIII
Há que se considerar que, de fato, como acenara SILVIO RODRIGUES, raro
se apresenta a possibilidade de advir dano moral da inexecução de determinada
obrigação. Mas não é impossível, tão pouco absurda esta possibilidade.
Podemos citar o mesmo caso utilizado para exemplificar o inadimplemento
absoluto (item 3.4.2.), do PROFESSOR SCAVONE, adicionando, entretanto, alguns
dados. Trata-se da costureira que não entregou à noiva o vestido encomendado,
vestido com o qual pretendia adentrar a Igreja, confeccionado com o mesmo
tecido do vestido com o qual casara-se a sua mãe, a sua avó, e a sua bisavó. O
caso envolve tradição familiar profundamente arraigada, sendo o vestido assunto
corriqueiro entre as mulheres da família. Nunca houvera um divórcio ou
separação: era, sem dúvida, “sorte” do vestido.
Ora, quem há de negar, que ocorrera, in casu, uma lesão à integridade
psíquica da noiva, que momentos antes da cerimônia não sabia o que fazer
quando tomou conhecimento que sua costureira não entregaria o vestido, tendo
sido informada por uma de suas funcionárias que ela viajara a passeio e não havia
ali vestido algum para ser entregue.
Imaginemos que este contrato fosse garantido por uma cláusula penal.
Poderá a noiva exigir da costureira o valor estabelecido a título de cláusula penal
mais indenização por danos morais, ou estará esta compreendida naquela?
XLIX
Conforme prenunciado, passaremos a analisar alguns temas que nos
parecem fundamentais à elucidação, ou, ao menos, à elaboração de
considerações mais consistentes acerca deste intrincado problema.
4.1. Os danos morais e os direitos da personalidade.
Não é demais esclarecer, novamente, que os temas que ora trataremos
serão analisados parcialmente, isto é, somente na medida em que importem ao
deslinde da questão que propusemos. Por esta razão, nem remotamente
pretendemos o aprofundamento nas complexas raízes e teorias existentes nos
dois temas que intitulam este tópico.
Seria completamente imprudente, aliás, pretender analisá-los em todas as
suas dimensões na sede deste pequeno trabalho. Aliás, estes temas justificariam,
cada qual, uma monografia autônoma, de modo que é este o espírito que deve
conduzir o leitor deste capítulo: a sua correlação com o nosso tema.
Pois bem. Muitas definições do que seria o dano moral apresentam-se, ou
apresentavam-se, ligadas à questão da dor. Como exemplo, citamos novamente
AGOSTINHO ALVIM que, ante a tese de alguns autores que sustentavam a
possibilidade da pessoa jurídica sofrer dano moral, o que implicaria na separação
do conceito de dano moral da dor moral ou, ao menos, implicaria na sua não
correlação necessária, após transcrever a lição de FORMICA, segundo o qual:
L
“dano moral ou não-patrimonial é o dano causado injustamente a outrem, que não
atinja ou diminua seu patrimônio”, manifestara-se nos seguintes termos:
“É com este fundamento que muitos autores sustentam que apessoa jurídica pode sofrer dano moral, uma vez que não hácoincidência necessária entre a não-patrimonialidade e a dor,podendo existir o dano não-patrimonial, independentementeda questão da dor (...) Para nós, o dano patrimonial supõeprejuízo; e o dano moral supõe dor moral e física (...) se odano, por pressuposto, não diz respeito ao patrimônio; e sepor pressuposto, também, não pode haver dor moral nemfísica, no exemplo de De Cupis (pessoa jurídica); se assimé, não sabemos em que consistirá esse dano moral, que nemé dor, nem prejuízo”35 (inseri parênteses).
Posteriormente, consolidaram-se distinções doutrinárias e conceituais a
justificar a posição atacada por AGOSTINHO ALVIM. Com efeito, procedeu-se a
distinção entre o dano moral objetivo e o dano moral subjetivo. Este atingiria a
pessoa “em sua subjetividade, em sua intimidade psíquica, sujeita a dor e
sofrimento intransferíveis porque ligados a valores de seu ser subjetivo, que o ato
ilícito veio penosamente submeter, exigindo inequívoca reparação”, ao passo que
aquele afetaria a “dimensão moral da pessoa no meio social em que vive,
envolvendo a sua imagem”36.
O fato é que a Costituição Federal e o Código Civil não definem,
expressamente, o que seja dano moral, isto é, não o conceituam de forma nítida e
expressa, limitando-se a garantir a sua reparabilidade. Esta assertiva é somente
35 Obra citada, páginas 219 - 220.36 As definições de dano moral subjetivo e objetivo são de Miguel Reale, em Temas de Direito Positivo, RT,página 23.
LI
uma constatação não sendo, de modo algum uma crítica, até porque entendo que
não cabe ao legislador formular conceitos e definições desse jaez.
O Código Civil assegura a reparação por danos morais em seu artigo 186,
assim vazado: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito” (grifei).
Permanece a indagação: O que se deve entender por dano moral?
O projeto de lei 7124/2002, em tramitação no Senado Federal, que dispõe
sobre o dano moral e sua reparação, estabelece, em seu artigo 1º: “Constitui dano
moral, a ação ou omissão que ofenda o patrimônio moral da pessoa física ou
jurídica, e dos entes políticos, ainda que não atinja o seu conceito na coletividade”
(grifei).
Repita-se: “patrimônio moral da pessoa física ou jurídica”. O que vem a
ser “patrimônio moral”? O que o integra?
É neste ponto que se me afigura necessário o ingresso na seara dos
direitos da personalidade, porquanto sua correlação com o dano moral - vale
repetir ainda novamente, com o “patrimônio moral” - parece-me inescondível.
LII
CARLOS ALBERTO BITTAR, civilista de reconhecida autoridade em matéria de
danos morais e direitos da personalidade, apresenta o seguinte conceito do que
seriam os direitos da personalidade: “Consideram-se da personalidade os direitos
reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na
sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de
valores inatos no homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a
intelectualidade e outros tantos”37 (grifei).
O projeto de lei acima mencionado fala, conforme exaustivamente
repetido, em “patrimônio moral” que não pode, a meu ver, ser outra coisa que não
“os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesmo e em suas
projeções na sociedade”.
Nesta senda, CARLOS ROBERTO GONÇALVES, discorrendo sobre os direitos
da personalidade, define o dano moral como “a lesão a um interesse que visa a
satisfação de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da
personalidade, como a vida, a honra, o decoro, a intimidade, a imagem etc.” 38
(grifei).
Veja que este civilista estabelece uma relação indelével entre o dano
moral e os direitos da personalidade, podendo-se até mesmo extrair da assertiva
por ele formulada que verifica-se aquele no âmbito destes.
37 Os Direitos da Personalidade, 2003, Saraiva, página 1.
LIII
Outrossim, a indenizabilidade do dano moral vem garantida na
Constituição Federal em contexto distinto do estabelecido pelo Código Civil. Com
efeito, estatui a Carta Política, no inciso X, de seu artigo 5º:
“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”
(grifei).
Note-se que o texto constitucional tratou conjuntamente dos direitos da
personalidade e do dano moral, em um só inciso, mencionando os direitos da
personalidade e, posteriormente, assegurando a indenização pelo dano moral
eventualmente decorrente de sua violação. Tal fato, para o professor PAULO LUIZ
NETTO LÔBO, constitui uma “interação não ocasional, mas necessária” 39 entre
estes institutos jurídicos.
Este civilista sustenta, após traçar diversos pontos de encontro e
semelhanças entre os direitos da personalidade e os danos morais, “a inexistência
de danos morais fora dos direitos da personalidade” 40.
38 Direito Civil Brasileiro, Volume I, 2003, Saraiva, páginas 157 e 158.39 Paulo Luiz Netto Lobo, em Danos Morais e Direitos da Personalidade, artigo publicado no site mundojurídico (www.mundo jurídico.com.br).40 Artigo citado.
LIV
Preleciona o mencionado professor, da Universidade Federal de Alagoas,
que:
“Os direitos da personalidade, nas vicissitudes por quepassaram, sempre esbarraram em encontrar um mecanismoviável de tutela jurídica, quando da ocorrência da lesão. Anteos fundamentos patrimonialistas que determinaram aconcepção de direito subjetivo, nos dois últimos séculos, osdireitos da personalidade restaram alheios à dogmáticacivilística. A recepção dos danos morais foi o elo que faltava,pois constituem a sanção adequada ao descumprimento dodever absoluto de abstenção” 41 (grifei).
Ainda nesse sentido, manifesta-se ALEXANDRE FERREIRA DE ASSUMPÇÃO
ALVES, verbis:
“O dano moral está ligado diretamente aos direitos dapersonalidade, uma vez que ambos estão ligados a valoressuperiores da pessoa. A doutrina, triunfantemente, e váriosdiplomas legislativos modernos, tem reconhecido talcategoria especial de direitos subjetivos, em vista danecessidade crescente de proteger a personalidade noâmbito do direito privado” 42 (grifei).
Nesta ordem de idéias, concluindo-se pela inocorrência de danos morais
fora do âmbito dos direitos da personalidade, as definições de dano moral que
levam em consideração a dor padeceriam de precisão, porquanto não seria a dor
um efeito necessário, mas acidental, da lesão à personalidade, devendo ser
41 Artigo citado.42 A pessoa jurídica e os direitos da personalidade, dissertação de mestrado apresentada à UERJ, Renovar,páginas 118 e 119.
LV
levada em conta, talvez, somente no momento da quantificação da indenização,
mas não na caracterização do dano propriamente dita.
É perfeitamente possível, com efeito, que determinada pessoa não sinta
dor interna ao ver seu nome ou fotografia divulgada, sem sua autorização, em
revista pornográfica, por exemplo; e, nem por isso, deverá ser-lhe negada
indenização pela lesão, que efetivamente ocorreu, a um seu direito da
personalidade, no caso o nome ou a imagem.
Aliás, já a diferenciação entre moral subjetiva e objetiva, apontada linhas
atrás, tem o condão de afastar a dor como elemento necessário à caracterização
do dano moral. De fato, modernamente, a teoria que exige a dor para configuração
do dano moral encontra-se de todo superada, até porque não se afigura possível
comprovar a dor quando exclusivamente moral. A propósito, o enunciado nº 227
da súmula do Superior Tribunal de Justiça: “A pessoa jurídica pode sofrer dano
moral”.
É certo que pressupõe-se que houve a dor em muitos casos, pois seria a
ocorrência média natural em determinada circunstância, todavia, a prova efetiva
de dor afigura-se assaz difícil, além do que afastaria a possibilidade da pessoa
jurídica sofrer dano moral.
Elucidativa a lição de PAULO LUIZ NETO LÔBO nesse sentido, ao afirmar
que:
LVI
“De modo mais amplo, os direitos da personalidade oferecemum conjunto de situações definidas pelo sistema jurídico,inatas à pessoa, cuja lesão faz incidir diretamente apretensão aos danos morais, de modo objetivo e controlável,sem qualquer necessidade de recurso à existência da dor oudo prejuízo. A responsabilidade opera-se pelos simples fatoda violação (damnu in re ipsa); assim, verificada a lesão adireito da personalidade, surge a necessidade de reparaçãodo dano moral, não sendo necessária a prova do prejuízo,bastando o nexo de causalidade” 43 (grifei).
O que se buscou assentar no presente capítulo, juntamente com a opinião
dos diversos autores que evocamos, não foi a desnecessidade da dor para
caracterização do dano moral, teoria de todo superada, mas sim um passo ainda
adiante; com efeito, o que se perseguiu foi a demonstração da correlação
necessária entre os danos morais e os direitos da personalidade, ou, em outras
palavras, na apresentação da reparação por danos morais como principal
instrumento de tutela dos direitos da personalidade.
Desta forma, em se admitindo que a cláusula penal abarca a indenização
por danos morais, estar-se-á a afirmar que pactuada fora a tutela de um direito da
personalidade, isto é, conquanto não estaria o credor a transigir com um direito da
personalidade diretamente, estaria esvaziando parte da tutela que lhe confere a lei
para exercer este seu direito, ou para proteger o seu exercício.
Cumpre-nos analisar, portanto, se é este direito passível de transação.
Formalmente, repita-se, se é a cláusula penal pré-avaliação das perdas e danos, e
LVII
se não se defere ao credor pleitear indenização suplementar se assim não se
convencionou, conforme claramente dispõe o parágrafo único do artigo 416 do
Código Civil, deveríamos concluir, conforme já prenunciado, pela negativa de
indenização por danos morais a esse credor, entendendo-se que no montante
expresso na cláusula penal contemplada está a reparação pela lesão à
personalidade que era inerente ao inadimplemento obrigacional.
4.2. Os danos morais enquanto instrumento de tutela dos direitos da
personalidade e a indisponibilidade dos direitos da personalidade.
Nos cabe, repita-se, analisar, se é tal direito (o direito à reparação por
danos morais) transigível, disponível, passível de negociação. Sabe-se que os
direitos da personalidade são, em regra, “intransmissíveis e irrenunciáveis, não
podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária” (grifei), é o que estabelece o
artigo 11 do Código Civil.
Mas estar-se-ia transigindo com um direito da personalidade ao estipular-
se uma cláusula penal para assegurar uma obrigação cujo descumprimento pode
afetar o transator de alguma forma?
É possível acordar uma indenização por um dano moral anteriormente à
sua ocorrência?
43 Artigo citado.
LVIII
Principiemos analisando as características dos direitos da personalidade.
A intransmissibilidade e irrenunciabilidade estatuída pelo artigo 11 do Código Civil,
supratranscrito, implicam na sua indisponibilidade; com efeito, não podem os seus
titulares renunciar ao exercício dos direitos da personalidade, bem como não
podem transmiti-los a terceiros, pois são direitos inseparáveis da pessoa
humana44.
A doutrina aponta, ainda, outras características aos direitos da
personalidade, a saber: o absolutismo, a não-limitação, a imprescritibilidade, a
vitaliciedade e a impenhorabilidade45.
Todavia, é de se questionar qual a abrangência da indisponibilidade dos
direitos da personalidade, pois é facilmente verificável faticamente a cessão de
imagem, nome, voz etc, por artistas e esportistas famosos à empresas, com
finalidade publicitária.
CARLOS ALBERTO BITTAR leciona que:
“Frente a necessidades decorrentes de sua própria condição,da posição do titular, do interesse negocial e da expansãotecnológica, certos direitos da personalidade acabaramingressando na circulação jurídica, admitindo-se ora a suadisponibilidade, exatamente para permitir a melhor fruiçãopor parte de seu titular, sem, no entanto, afetar-se os seuscaracteres intrínsecos” 46.
44 Conforme Carlos Roberto Gonçalves, obra citada Volume I, página 156.45 Conforme Carlos Roberto Gonçalves, obra citada, página 156.46 Obra citada, página 156.
LIX
Desta forma, verifica-se que a indisponibilidade dos direitos da
personalidade não é absoluta, mas sim relativa. Daí o enunciado de número 4,
aprovado na “Jornada de Direito Civil”, promovida pelo centro de estudos
judiciários do Conselho da Justiça Federal, no período de 11 a 13 de setembro de
2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado, do Superior Tribunal
de Justiça, vazado nos seguintes termos: “Art. 11: o exercício dos direitos da
personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente
nem geral” (grifei).
Vale transcrever, nesse sentido, outro trecho da lição de CARLOS ALBERTO
BITTAR, in verbis: “Assim, são disponíveis, por via contratual, certos direitos –
mediante instrumentos adequados (como os de licença, de cessão de direitos e
outros específicos) – podendo, portanto, vir a ser utilizados por terceiros e nos
termos restritos aos respectivos ajustes escritos”47.
Desta forma, poder-se-ia considerar que é admissível a limitação de um
direito da personalidade quando for necessária tal limitação à própria fruição deste
mesmo direito. Quer isto dizer que a inadmissibilidade de disposição do direito é
que, nalguns casos, consistiria em verdadeira limitação ao seu próprio exercício.
47 Obra citada, página 12.
LX
Assente, pois, ser relativo e não absoluto o caráter indisponível de alguns
direitos da personalidade, cumpre-nos analisar a reparação do dano moral
propriamente dita, especialmente com relação à sua natureza jurídica.
CARLOS ROBERTO GONÇALVES, ao tratar dos direitos da personalidade,
salienta:
“Malgrado os direitos da personalidade, em si, sejampersonalíssimos e, portanto, intransmissíveis, a pretensão oudireito de exigir a sua reparação pecuniária, em caso deofensa, transmite-se aos sucessores, nos termos do artigo943 do Código Civil. Nessa linha, já decidiu o SuperiorTribunal de Justiça, percucientemente: ‘O direito de ação pordano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores da vítima (RSTJ, 71/183)’” 48 (grifei).
De acordo com este entendimento, seria o direito à reparação por dano
moral passível de transação ou disposição, já que reconhecida a sua natureza
patrimonial?
Ainda que se entenda ser efetivamente de natureza patrimonial o direito à
reparação por dano moral, e é como nos parece - o que autorizaria a sua livre
disposição - não é exatamente o que tratamos no presente caso, já que no
momento da contratação da cláusula penal inexiste qualquer direito de ação.
48 Carlos Roberto Gonçalves, ob. citada, Volume I, páginas 156 - 157.
LXI
De qualquer sorte, é certo que quando da estipulação de uma cláusula
penal despoja-se, o credor da obrigação, do seu direito de pleitear as perdas e
danos efetivamente verificados na ocorrência do inadimplemento, a não ser que
renuncie à cláusula penal (entendimento esse, aliás, que está longe de ser
unânime).
O fato é que na maioria dos negócios jurídicos já possui, o credor, uma
estimativa dos danos que lhe podem advir da inexecução - total ou parcial - da
obrigação que lhe é devida, e com base nesta estimativa é que, presume-se,
concorda com o montante da cláusula penal que pode, aliás, ser inferior ou
superior ao dano efetivamente experimentado, o que não autoriza, por si só, a sua
redução ou majoração, conforme já tratamos alhures.
5. As perdas e danos.
O inadimplemento contratual pode causar danos materiais e morais,
conforme já assentado, sendo certo que a lei responsabiliza o inadimplente pelas
perdas e danos decorrentes do inadimplemento, seja ele total ou parcial (artigo
389 do Código Civil).
AGOSTINHO ALVIM, em obra editada anteriormente à positivação, em
nosso ordenamento jurídico, da indenizabilidade dos danos morais, registrou que:
LXII
“Dano, em sentido amplo, vem a ser a lesão a qualquer bemjurídico, e aí se inclui o dano moral. Mas, em sentido estrito,dano é, para nós, a lesão do patrimônio; e patrimônio é oconjunto de relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveisem dinheiro. Aprecia-se o dano tendo em vista a diminuiçãosofrida no patrimônio. Logo, a matéria do dano prende-se àda indenização, de modo que só interessa o estudo do danoindenizável” 49(grifei).
Note-se que Agostinho Alvim inclui, inicialmente, o dano moral no
conceito de dano e o exclui posteriormente, sob a alegação de que “a matéria do
dano prende-se à da indenização”. Suas considerações levam-nos a afirmar que
em sendo o dano moral indenizável, como o é hodiernamente, deve-se incluí-lo no
conceito de dano. E não há dúvidas de que está efetivemente incluso.
O fato é que o artigo 186 do Código Civil proclama que todo aquele que,
culposamente, causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito. O artigo 927, por seu turno, estabelece que aquele que, por ato ilícito,
causar dano a outrem fica obrigado a indenizar. Decorre o dever de indenizar,
portanto, de lesão de qualquer natureza.
Não é demais lembrar que o artigo 186 do Código Civil encontra-se inserto
na parte geral do Código Civil, de tal sorte que sua aplicabilidade estende-se a
toda parte especial do diploma legal.
49 Obra citada, páginas 171 - 172.
LXIII
Ocorre que, no livro destinado ao direito obrigacional (Livro I da Parte
Especial do Código Civil), especificamente em seu Título IV (Do inadimplemento
Das Obrigações), estabelece o Estatuto Civil: “Não cumprida a obrigação,
responde o devedor por perdas e danos (...)” (Art. 389). Posteriormente, em seu
Artigo 402, estatui: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas
e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que
razoavelmente deixou de lucrar” (grifei).
Desta forma, percebe-se a existência de dois dispositivos, ou dois
conjuntos de dispositivos, a regular a responsabilidade civil. Um geral, que
abrange toda e qualquer ação ou omissão lesiva a direito alheio; e outro especial,
destinado aos atos lesivos decorrentes de inexecução obrigacional.
É certo que as disposições destinadas ao inadimplemento obrigacional
são mais afeitas às relações contratuais, embora a estas não se destinem
exclusivamente, já que a obrigações podem decorrer de lei, de ato ilícito e das
declarações unilaterais de vontade.
Afirma, nesse sentido, SILVIO RODRIGUES: “Enquanto o artigo 159 do
Código Civil (186 do Código Civil de 2002) regula a responsabilidade delitual, o
presente dispositivo (artigo 1056 do Código Civil de 1916/artigo 389 do Código de
LXIV
2002) constitui a regra fundamental da responsabilidade contratual” 50 (inseri
parênteses).
É certo que em razão das peculiaridades que envolvem as obrigações,
achou por bem o legislador destinar normas específicas às hipóteses em que
verificar-se o seu inadimplemento, regras essas que, vale repetir, são adequadas
às relações contratuais (donde decorrem obrigações), mas não exclusivamente a
elas, já que não são os contratos a única fonte de obrigações.
Não quer isto significar, no nosso modo de entender, que não constitua
ato ilícito a inexecução obrigacional, ou que haja dois regimes jurídicos
absolutamente distintos a regular a responsabilidade por lesão a direitos, em
razão de ter ela advindo de inexecução obrigacional ou de inobservância do dever
geral de não causar dano a outrem.
Articulamos essas considerações porquanto o artigo 927 do Código Civil,
que reporta-se expressamente ao artigo 186 do mesmo diploma legal fala em
reparação, e o artigo 389 fala em perdas e danos. Este fato, a nosso ver, pode
conduzir o intérprete a equívocos que não se justificam. Senão vejamos.
A doutrina, ao tratar da inexecução das obrigações e, conseqüentemente,
do conceito de perdas e danos, o faz a partir do disposto no artigo 402, que dispõe
50 Obra citada, página 275.
LXV
que as perdas e danos abrangem o que o credor efetivamente perdeu, bem como
o que razoavelmente deixou de ganhar.
Com efeito, fala a doutrina em dano emergente e lucro cessante, como
integrantes do conceito de perdas e danos. O dano emergente, que é o que nos
interessa, seria “o efetivo prejuízo, a diminuição patrimonial sofrida pela vítima (...)
Representa, pois, a diferença entre o patrimônio que a vítima tinha antes do ato
ilícito ou do inadimplemento contratual e o que passou a ter depois” 51.
Grande parte da doutrina, ao conceituar o dano emergente, excluí o dano
moral, talvez por entender ser este incompatível com a letra da lei, especialmente
a locução “efetivamente perdeu”.
Se adotássemos tal definição (entender o dano emergente como dano
exclusivamente material), ao menos duas ilações distintas poderiam ser
vislumbradas, quais sejam: (i) nenhum dano moral oriundo (diretamente) de
inexecução obrigacional é indenizável, pois há um regime jurídico específico para
responsabilidade contratual que não abrange a sua reparação; ou (ii) o regime
jurídico contratual (ou obrigacional) somente prevê a reparação por perdas e
danos, de tal arte que eventual dano moral oriundo, ainda que diretamente, da
inexecução obrigacional deverá ser entendido como ato ilícito decorrente não da
51 Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, Volume II, 2004, Saraiva, página 374.
LXVI
sonegação da obrigação, mas do dever geral de abstenção de lesar outrem,
podendo, a sua reparação, ser exigida em separado.
A primeira conclusão é de todo improcedente, porquanto inconstitucional
(Art.5º, X, CF), já que teríamos uma violação a um direito da personalidade sem a
respectiva reparação; a segunda, de que o dano moral seria autônomo, porquanto
decorrente de um dever geral de abstenção somente poderia ser admitida através
de uma ficção jurídica, no sentido de tratar o ato único de inadimplir determinada
obrigação como se fossem duas ações distintas em face da mesma pessoa, e não
parece-me haver supedâneo para tanto em nosso ordenamento jurídico, além de
ser completamente despropositado.
É que, consoante já salientamos alhures, a possibilidade de ocorrência de
um dano moral oriundo de inexecução obrigacional pressupõe que a obrigação
devida esteja diretamente vinculada a um direito da personalidade; é dizer: o seu
descumprimento implicará, inexoravelmente, em lesão direita à personalidade do
credor. Ainda em outras palavras, na hipótese que buscamos enquadrar o modo
de inexecução obrigacional não influencia na existência da lesão à personalidade,
não há, conseguintemente, uma ação ou omissão subjacente, necessária à
caracterização da lesão, mas tão-somente o inadimplemento, puro e simples.
Neste contexto, entendemos, com a devida vênia, que as perdas e danos
incluem, também, os danos morais. Não se afigura sobremaneira difícil comprovar
LXVII
esta assertiva. Isto porque o Código Civil “ora usa a expressão dano, ora prejuízo,
ora perdas e danos” 52.
De fato, se analisarmos o disposto no artigo 12 do Código Civil,
encontraremos o seguinte texto: “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão,
a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras
sanções previstas em lei” (grifei).
Ora, a reparação de lesão a direito da personalidade, no mais das vezes,
conforme exposto anteriormente, não se limita ao dano material experimentado
pela vítima. Não obstante, utiliza o Código Civil a expressão perdas e danos. Seria
um completo dislate sustentar que o artigo 12, supramencionado, somente garante
àquele que teve sua personalidade lesada os danos materiais decorrentes desta
lesão, tal interpretação, além de inconstitucional, estaria na contramão do próprio
Código Civil, que garante expressamente a reparação por dano exclusivamente
moral (art. 186).
O fato é que o Código Civil emprega as expressões perdas e danos,
prejuízo e dano indistintamente, não sendo possível outra interpretação. Se há um
dano, seja ele decorrente de inadimplemento obrigacional, seja decorrente de ato
ilícito, deve o causador ser responsabilizado pela reparação (desde que não haja
nenhuma excludente de responsabilidade), deve indenizar, e esta indenização
52 Carlos Roberto Gonçalves, Teoria Geral das Obrigações citada, página 373.
LXVIII
medir-se-á “pela extensão do dano” (art. 944 do Código Civil), e dano é “a lesão a
qualquer bem jurídico” tutelado pelo ordenamento jurídico.
6. Considerações finais.
As considerações articuladas ao longo deste trabalho, fruto da análise dos
diferentes institutos jurídicos atuantes na hipótese por nós aventada, destinaram-
se a verificar a existência, ou não, de algum óbice à aplicação ordinária das regras
da cláusula penal quando envolvida, na espécie, a existência de dano moral.
É certo, vale dizer, que o direito subjetivo à reparação do dano moral “é
interpretado de acordo com os ditames constitucionais, pois a responsabilidade
pela violação do direito da personalidade não permanece exclusivamente no nível
civil” 53.
Com efeito, não parece haver mais dúvidas, hodiernamente, de que os
princípios constitucionais irradiam-se por todos os campos do Direito, tornando-se
comuns, inclusive, designações como Direito Civil Constitucional, Direito de
Família Constitucional e até mesmo Direito Penal Constitucional.
Nesta sistemática, qualquer análise deve ser levada a efeito a partir da
Constituição Federal.
53 Carlos Roberto Gonçalves, obra citada, Volume I, página 161.
LXIX
Obtempere-se, outrossim, que no centro do tema que buscamos
desenvolver, temos, é certo, um instituto jurídico tipicamente pertencente ao
Direito Civil; um instituto jurídico completamente afeito às regras do direito privado,
cuja origem remonta, aliás, ao Direito Romano.
Não menos certo, porém, é que os demais institutos jurídicos envolvidos
na proposição em análise (o dano moral e, ao menos indiretamente, os direitos da
personalidade) são de natureza preponderantemente constitucional; são direitos
de moderna positivação e somente recentemente tratados, e de forma tímida, vale
dizer, no Código Civil.
Nesse sentido, aliás, é o magistério de CARLOS ROBERTO GONÇALVES,
apoiado no incansável mestre MIGUEL REALE, acerca dos direitos da
personalidade:
“Malgrado o avanço que representa a disciplina dos referidosdireitos (da personalidade) em capítulo próprio, o novoCódigo mostrou-se tímido a respeito de assunto de tamanharelevância, dando-lhe reduzido desenvolvimento, preferindonão correr o risco de enumerá-los taxativamente e optandopelo enunciado de poucas normas dotadas de rigor eclareza, cujos objetivos permitirão os naturaisdesenvolvimentos da doutrina e da jurisprudência” 54 (grifei).
Sistematicamente, portanto, o que se está a apreciar, em última análise, é
a compatibilidade do tradicional instituto da cláusula penal com a moderna
54Carlos Roberto Gonçalves, ob. citada, página 159.
LXX
proteção conferida aos direitos da personalidade - através, inclusive, da
positivação da reparabilidade dos danos morais - em determinada circunstância
fática que esteja a envolver, ao menos aparentemente, a aplicabilidade desses
institutos.
Há que se verificar, conseguintemente, a partir dos princípios civis e
constitucionais que norteiam e garantem a proteção aos direitos da personalidade,
sobretudo através do direito a indenização por danos morais, se é consentâneo à
nova ordem civil-constitucional interpretar-se literalmente o no parágrafo único do
artigo 416 do Código Civil, estendendo a sua eficácia a ponto de albergar,
também, eventuais danos morais decorrentes de inexecução obrigacional
garantida por cláusula penal.
Firmes neste propósito é que procedemos o presente estudo, analisando
as propriedades da cláusula penal e a natureza dos direitos envolvidos na
questão.
A primeira ilação que, convencido estou, pode-se formular com base no
que dissemos linhas atrás, é que não somente a interpretação literal do parágrafo
único do artigo 416 do Código Civil inviabiliza (supondo-se que não haja ressalva
contratual) a cobrança conjunta da cláusula penal e dos danos morais advindos
da inexecução obrigacional; mas também a interpretação sistemática do Estatuto
Civil nos leva a proferir a mesma assertiva, conforme restou demonstrado no
decorrer da presente dissertação, em especial do quanto exposto no item 5 supra.
LXXI
É que ao proceder o estudo das perdas e danos constatamos que sua
significação deve abranger os danos morais, de tal sorte que não haveria sentido
em entender-se que aquele que mediante uma só conduta (ação ou omissão),
consistente na sonegação da prestação a que se obrigou, estivesse a cometer
“duas ações” contra o mesmo credor, estando uma delas sujeita ao dito regime
contratual e a outra submetida à responsabilidade delitual.
Não se esta a afirmar aqui, é bom que se diga, que não se afigura
possível que o devedor provoque ao credor, não obstante o liame contratual,
prejuízos decorrentes de culpa extracontratual. É evidente que é possível. A
hipótese que buscamos enquadrar, entrementes, vale repetir, é aquela em que
decorre o dano moral, ipso facto, da sonegação da prestação, ou seja, de culpa
contratual.
É te todo evidente, repise-se ainda uma vez, que “se há outros prejuízos
decorrentes de culpa extracontratual, o ressarcimento pode ser pleiteado
independentemente” 55. O que não admitimos é que o tão só fato de haver um
dano moral, uma lesão à personalidade, implique em dizer-se que houve
responsabilidade extracontratual.
55 Carlos Roberto Gonçalves, obra citada, Volume II, página 385.
LXXII
Ora, se a obrigação, conforme já exaustivamente explicitado, encontra-se
diretamente ligada a um direito da personalidade, a ponto de implicar, a sua mera
sonegação, em lesão à personalidade do credor, não se há falar, de modo algum,
em responsabilidade extracontratual, não havendo, aliás, supedâneo legal para
tanto. A responsabilidade, neste caso, é contratual.
Vencida esta primeira etapa, qual seja, a interpretação sistemática do
Código Civil, que acabara por confirmar o amplo alcance da regra estampada no
parágrafo único do artigo 416 do Código Civil, conforme, aliás, prenuncia seu
próprio texto, passamos a perscrutar, no decorrer deste trabalho, a natureza dos
direitos envolvidos na hipótese estudada, bem como os princípios a eles inerentes,
mormente os emanantes da Constituição Federal.
Nessa linha, verificamos que os direitos da personalidade são
parcialmente indisponíveis, bem como que não estão diretamente envolvidos na
hipótese aventada no presente trabalho, sendo certo que eventual aplicação do
disposto no parágrafo único do artigo 416 do Código Civil - em havendo danos
morais provenientes da inexecução obrigacional - não implicaria em limitação ao
exercício a tais direitos.
Ademais, apontou-se, no decorrer desta exposição, que o direito à
reparação por danos morais, não obstante oriundo de lesão a direitos
indisponíveis (ou parcialmente indisponíveis), possui natureza patrimonial, ou seja,
trata-se de direito disponível.
LXXIII
Com efeito, não vislumbramos, na hipótese em estudo, a existência de
direito indisponível capaz de comprometer ou afastar a solução legal ordinária
conferida pelo Código Civil, no que se refere à incidência da cláusula penal.
De outra banda, também não se constata, na aplicação do parágrafo único
do artigo 416 do Código Civil, ofensa a princípio ou dispositivo do nosso Texto
Maior.
O princípio maior, emanante da Carta Magna, é o da dignidade da pessoa
humana, apontado como fundamento da República no artigo 1º, inciso III do texto
Constitucional. Para a mantença deste fundamento da República, conferiu a
Constituição Federal, em seu artigo 5º, direitos e garantias a todos os indivíduos;
dentre tais direitos, encontram-se: a inviolabilidade da intimidade, da vida privada,
da honra e da imagem das pessoas, assegurando-se, quando de sua violação, a
indenização pelos danos, inclusive morais, eventualmente decorrentes (artigo 5º,
X da Constituição Federal).
Nessa perspectiva, sendo certo que o montante previamente estipulado a
título de cláusula penal fora livremente estabelecida com objetivo de compensar -
indenizar - o credor das perdas e danos decorrentes da inexecução obrigacional,
não logramos perceber - não conseguimos efetivamente identificar – desrespeito a
um dos princípios e garantias constitucionais acima apontados, mormente tendo-
se em conta que nenhum direito indisponível fora objeto de transação.
LXXIV
Acrescente-se, ainda, que em se aplicando o entendimento sustentado no
item 3.4.3.1. deste trabalho, poderá o credor, entendendo ser o valor estipulado na
cláusula penal insuficiente para compensar o prejuízo (material e moral) sofrido
pelo inadimplemento obrigacional, abdicar de exigi-la e pleitear, em face do
devedor inadimplente, os danos morais e materiais que puder comprovar ter
suportado. Sem falar na faculdade, deferida pelo próprio parágrafo único do artigo
416, de pleitear-se indenização suplementar, se assim se houver convencionado.
Entendemos, portanto, que o fato, por si só, de decorrer danos morais do
inadimplemento de obrigação garantida por cláusula penal, não é suficiente para
mitigar o preceito estatuído pela primeira parte do parágrafo único do artigo 416 do
Código Civil, no sentido de deferir-se ao credor o direito de pleitear o montante
entabulado na cláusula penal acrescido dos danos morais (salvo expressa
disposição contratual, como autoriza o parágrafo único do artigo 416 do Código
Civil).
Firmamos, pois, o nosso entendimento, no sentido de não afastar-se a
regra de que “a cláusula penal corresponde aos prejuízos pelo inadimplemento
integral da obrigação”56 nas circunstâncias que analisamos, ressalvado juízo mais
acertado.
56 STJ - Resp 162.909 - PR - Relator Waldemar Zveiter - DJU – 10.08.1998.
LXXV
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