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J / Educação Ainda, e porquê, as praxes? INQUÉRITO Pessoas, território e conhecimento Texto de Fernanda Rollo, secretária de Estado do Ensino Superior CAMÕES A rede do ensino de português no estrangeiro GONÇALO ROSA DA SILVA Manuel Alegre ‘Eu sou desta língua...’ PÁGINAS 6 E 7 Rui Chafes Encontro com Giacometti PÁGINAS 21 E 22 Eduardo Lourenço Tempo Perdido PÁGINAS 25 E 26 Imagem de Puro Sangue, de Luis Ospina Ano XXXVIII * Número 1253 * De 10 a 23 de outubro de 2018 * Portugal (Cont.) €3 * Quinzenário * Diretor José Carlos de Vasconcelos JORNAL DE LETRAS, ARTES E IDEIAS Vai sair um seu novo romance, ser editado na Pléiade, ter uma cátedra em Milão. Entrevista de Luís Ricardo Duarte, crítica de Norberto do Vale Cardoso PÁGINAS 11 A 13 António Lobo Antunes ‘Já mudei a literatura’ DocLisboa Retratos de um mundo em trânsito PÁGINAS 16 E 17
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António Lobo Antunes 'Já mudei a literatura' - Trust In News

Apr 24, 2023

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J/Educação Ainda, e porquê, as praxes? INQUÉRITO Pessoas, território e conhecimento Texto de Fernanda Rollo, secretária de Estado do Ensino Superior

CAMÕES A rede do ensino de português no estrangeiro

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Manuel Alegre‘Eu sou desta língua...’ PÁGINAS 6 E 7

Rui Chafes Encontro com Giacometti PÁGINAS 21 E 22

Eduardo LourençoTempo Perdido PÁGINAS 25 E 26

Imagem de Puro Sangue, de Luis Ospina

Ano XXXVIII * Número 1253 * De 10 a 23 de outubro de 2018 * Portugal (Cont.) €3 * Quinzenário * Diretor José Carlos de Vasconcelos

JORNAL DE LETRAS,

ARTES E IDEIAS

Vai sair um seu novo romance, ser editado na Pléiade, ter uma cátedra em Milão. Entrevista de Luís Ricardo Duarte, crítica de Norberto do Vale Cardoso PÁGINAS 11 A 13

António Lobo Antunes‘Já mudei a literatura’

DocLisboa Retratos de um mundo em trânsito PÁGINAS 16 E 17

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Jjornaldeletras.pt * a de outubro de

Quel amour! Museu Berardo Uma obra de Kiki Smith e outra de William Kentridge marcam duas entradas para dois percursos possíveis pela exposição Quel amour!, que se inaugura a 10, no

Museu Coleção Berardo, no CCB. E são mais de 150 obras, pintura, escultura, desenho, vídeo, fotografia, performance, algumas criadas especialmente, de 68 artistas de vários países e gerações, que aborda o amor na sua

multiplicidade, nas expressões do feminino e do masculino, mas também na perspetiva de casais de artistas. Entre outros, Helena Almeida, Francis Bacon, Louise Bourgeois, Sophie Calle, Lourdes Castro, Marc Chagall, David Hockney, Paula Rego. Até 27 de fevereiro.

Artur Santos Silva, Eduardo Marçal Grilo, Elisa Ferreira, Guilherme d’Oliveira Martins, Jaime Gama, Javier Rioyo, José Carlos de Vasconcelos, Luís Braga de Cruz, Nelida Piñon, Ramón Máiz e Santos Juliá são algumas das personalidades presentes no seminário Repensar Ibéria, que se realiza na Casa de Mateus, em Vila Real, de a . Duplas de conferencistas, de Espanha e Portugal, mas também do outro lado do Atlântico, vão debater as principais questões que marcam o relaciona-mento entre os dois países. É um espaço de diálogo que tentará definir o lugar da Ibéria no mundo, como sugere ao JL Teresa Albuquerque, da direção da Fundação da Casa de Mateus, vice-presidente do seu Instituto Internacional e, com Ramón Villares, coordenadora deste seminário.

JL: Repensar Ibéria é continuar uma tradição com novos horizontes?Teresa Albuquerque: Sim, porque o mundo vai mudando. Esta ini-ciativa surge na sequência de outras reflexões que a Casa de Mateus tem promovido sobre a sociedade portuguesa, a primeira realizada há precisamente anos. Repensar Portugal é necessariamente repensar a Península Ibérica e também a Europa. É nesse campo que nos situamos.

Daí também a amplitude de temas abordados, da política à ciência, passando pela educação e pela cultura?Exatamente. O seminário responde ao que hoje se entende por complexidade. Zygmunt Bauman dizia que não há soluções parciais para o nosso tempo. E não queremos correr esse risco. Sabendo que é tão difícil isolar temas, quanto interpretá-los em conjunto, queremos enfatizar inter-ligações e dependências. Pensar a democracia é indissociável de uma reflexão sobre a governança, a cooperação ou as políticas públicas nas diferentes suas áreas.

E no âmbito ibérico, ainda podemos falar em países de costas voltadas? Esse é o discurso do passado que queremos (e acho que conseguimos) ultrapassar. Mas isso não exclui o muito caminho que temos pela frente para nos conhecermos ainda melhor. É por isso que dizemos, na apresentação do seminário, ser hoje mais necessário do que nunca recuperar espaços de diálogo, desligados de qualquer celebração ou comemoração histórica, para afrontar de modo conjunto um debate sobre os desafios que os dois estados ibéricos têm na época presente e no futuro imediato, quer nas suas relações mútuas quer de forma mais alargada no conjunto da União Europeia e mesmo no seio das comuni-dades ibero-americanas.

Também se abordará a questão da Catalunha? Sim, claro, nomeadamente a partir de um questionamento da ideia de estado nação no século XXI. Mas não será uma análise circunscrita. Esse não é um problema exclusivo da Península Ibérica, é possível encontrá--lo em outros pontos da Europa. Deve ser entendido à luz da construção da União Europeia e dos seus bloqueios.

Este é apenas uma das muitas iniciativas da Casa de Mateus. Como se define a sua programação?Em várias linhas. Há uma atenção especial à música barroca, valori-zando a investigação e a divulgação de nomes menos conhecidos. Outra que, mais ligada à história da Casa, se dedica aos estudos camonianos. Com a Universidade de Tras-os-Montes e Alto Douro centramo-nos em temas atuais. No programa Eco-Mateus trabalhos na área da inovação e da ecologia. E os seminários, como este Repensar Ibéria, afiguram-se como a linha mais política. Acima de tudo conciliamos uma programa-ção de continuidade e a atenção aos novos contextos sociais.J

Teresa Albuquerque O lugar da Ibéria

no mundo

MÚSICA E CIÊNCIAPELA OML

“Ciência e Arte na Composição Musical”, conferência do Maestro Pedro Amaral, seguida de Sinfonia N.º 9 em Mi Menor, Do Novo Mundo, de Dvořák, com interpretação da Orquestra Metropolitana de Lisboa, no Centro de Artes e Espetáculos de Portalegre, amanhã, quinta-feira, 11, às 18. E, no Auditório do Instituto Politécnico de Beja, sexta-feira, 12 de outubro, às 14. Também no âmbito do ciclo Ciência e Música, da OML, a conferência "Destino e livre arbítrio na música e na ciência do século XIX", por Carlos Fiolhais, seguida da Sinfonia N.º 5, de Tchaikovsky, interpretada pela Orquestra Académica Metropolitana, no Instituto Politécnico de Tomar, dia 16, às 15.

BRAGA BLUES

Doug Macleod é um dos cabeças-de-cartaz do Braga Blues, que decorre, de 11 a 19, no Theatro Circo e outros espaços da cidade minhota. O guitarrista atua no dia 19, a seguir à cantora sueca Ida Bang. Antes, a 18, outra estrela americana, Boo Boo Davis, na mais fina tradição do Mississipi. O festival começa no dia 11, com um duelo de baterias entre Nuno Guedes e Rui Rodrigues. Dia 13, os lisboetas Lil'l Twister. E, no dia seguinte, um mo-mento muito especial com Budha Guedes a convidar Rui Veloso para uma conversa sobre blues. Budha sobe ao placo, mais tarde, a 17, com Ida Bang. Antes, a 16, o Small Trio, que vem do porto; e a 'prata da casa', com o Nuno Andrade Blues Drive.

CLOSE-UPEM FAMALICÃO

Close-up – Observatório de Cinema de Famalicão, de 13 a 20 de outubro, com cerca de 40 sessões de cinema contemporâneo, comentados por realizadores, jornalistas, programadores e académi-cos. Entre outros, passam Os amantes Crucificados, de Kenji Mizoguchi, comen-tado por Cláudia Varejão; Cabaret Maxime, de Bruno de Almeida, comentado por Bruno de Almeida e Manuel João Vieira; O Intendente Sacho, de Kenji Mizoguchi, comentado por Carlos Natálio; Ramiro, de Manuel Mozos e A Terra e o Homem, de Manuel Guimarães, co-mentados por Tiago Baptista; ou Western, de Valeska Grisebach, comentado por Vasco Câmara.

BIOGRAFIA DE JOLY BRAGA SANTOS

O livro Joly Braga Santos, Uma Vida e uma Obra, coordenado pelo também compositor e maestro Álvaro Cassuto e editado pela Caminho, é apresentado hoje, 10, às 18 e 30, no Auditório da Biblioteca Nacional, em Lisboa. É igualmente lançado um novo CD da Naxos, com obras orquestrais de Joly, como o Concerto para Piano, todas elas em primeira gravação mundial e algumas nunca an-tes interpretadas. Na sessão, com entrada livre, passará ainda um documentário rea-lizado por Adriano Nazareth, filmado durante as sessões de gravação do CD. Ambas as edições são publicadas no ano em que se assinala o 30º ani-versário da morte do músico (1924-1988).

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* J a de outubro de * jornaldeletras.pt

O JL lança amanhã, quinta-fei-ra, , no stand da APEL na Feira do Livro de Frankfurt, uma edi-ção extra em alemão, um projeto desenvolvido com a Embaixada de Portugal na Alemanha e o Instituto Camões de Berlim. O número, de páginas, inclui artigos sobre o romance e a poesia portugueses, autobiografias de vencedores do Prémio Camões, artigos biográficos, textos sobre jornalismo e literatura, apresen-tação de livros e uma antologia de poesia, bem como apresentações institucionais e retratos de divul-gadores das literaturas de língua portuguesa na Alemanha.

Com posterior distribuição em universidades, livrarias, editoras e agentes do país, esta edição especial insere-se numa nova campanha de promoção da Literatura e da Língua Portuguesa que se desenvolverá até à Feira do Livro de Leipzig de , que terá Portugal como país convidado. Até lá, estão previstas mais edi-ções, sempre em março, na Feira de Leipzig, e em outubro, na Feira de Frankfurt. “A língua portu-guesa é hoje uma das línguas eu-ropeias que mais cresce”, afirma, neste número, o Embaixador de Portugal na Alemanha, João Mira Gomes. “É nesta perspetiva que a Embaixada e o Camões Berlim têm vindo a desenvolver o seu tra-balho de diplomacia cultural, que inclui a promoção do Livro e da Literatura, em colaboração com o Ministério da Cultura.”

A adida cultural Ana Patrícia Severino sublinha, por seu

Edição em alemão do JL na Feira de Frankfurt

turno, o papel que a Literatura tem ocupado no plano cultural desenvolvido pelo Camões Berlim, que também dirige, e as muitas oportunidades que se abrem para a Língua Portuguesas nos próxi-mos anos. “Recebemos a proposta para ser País Convidado de Honra em , na sequência do trabalho que tem vindo a ser feito: Portugal está, desde , representado na Feira do Livro de Leipzig com um stand e uma delegação de autores, são asseguradas leituras com autores na Feira do Livro de Frankfurt, foi criada uma Bolsa de Residência Literária que este ano terá a sua terceira edição, são organizadas, anualmente, visitas de editores de língua alemã a Lisboa, iniciativa agora alargada a editores de outros países, e, como

resultado desse trabalho, temos assistido, mais recentemente, à publicação de livros de autores portugueses ainda inéditos na Alemanha.”

Em nota de apresentação, José Carlos de Vasconcelos, diretor do JL, recorda outras edições feitas com e sobre a Alemanha. E afirma: “É uma satisfação e uma honra para o JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, publicar esta edição em alemão, na fideli-dade aos seus objetivos de sem-pre, em particular o de contribuir para a valorização e a difusão da literatura e da cultura portugue-sas, bem assim da nossa língua, hoje língua comum de oito países, e de mais de milhões de pessoas, em todos os continentes. Na fidelidade a tais objetivos e em coerência também com o seu percurso ao longo de anos, sem uma só vez ter faltado, como quinzenário primeiro, semanário depois, e de novo quinzenário, que continua a ser - jornal de criação, de cultura e de pensa-mento único em português.”

Esta edição extra também terá uma edição em pdf portugue-sa, disponível no site do JL, em www.jornaldeletras.pt. E alguns dos textos sobre os principais rostos da divulgação das lite-raturas de língua portuguesa na Alemanha, nomeadamente editores, tradutores e outros agentes culturais, serão publica-dos na edição corrente do nosso jornal, a começar pelo perfil de Teo Mesquita, um pioneiro em Frankfurt (ver pp. ). J

Capa da edição alemã do JL

O CineEco, festival de cinema ambiental de Seia, já vai na sua .ª edição, insistindo em levar um cinema com preocupações ecológicas ao coração da Serra da Estrela. Este ano, contudo, acrescenta-se outro importante acontecimento. É que em simultâneo como o festival, que decorre de a de outubro, ocorre o primeiro Fórum Mundial de Cinema Ambiental, que irá contar com a par-ticipação de diretores de festivais de cinema ambiental de todo o mundo, além dos realizadores, que acompa-nham os seus filmes no festival. Será o palco ideal para delinear estratégias em comum e unir esforços em prol de um cinema com causas. O festival propriamente dito, conta com dezenas de filmes portugueses e estrangeiros, entre curtas e longas, contando com competições específicas para a língua por-tuguesa e regional. Entre outros, destacam-se Ponto sem Retorno, de Noel Dockstader and Quinn Kanaly; Muito além da Fordlândia, de Marcos Colón; A Árvore, André Gil Mata; ou Nove meses de inverno e três meses de inferno, João Pedro Marnoto.

CineEco, Cinema e ambiente em Seia

Maria Teresa Hortapremiada em Itália

Maria Teresa Horta foi distinguida com o prémio Ciampi Valigie Rosse , que contempla a tradução para italiano de Minha Senhora de Mim. O prémio, atribuído anualmente, tem duas modalidades, uma dedicada à publicação de plaquetas inéditas de poetas italianos, visando a constituição de uma coleção que faça o “mapeamento” da poesia contemporânea italiana; a outra atribuída a autores internacionais destacados nunca traduzidos em Itália. Este ano, a escolha foi proposta por Federico Bertolazzi que destacou a poetisa, cuja obra tem sempre “servido a lúcida aspiração à independência individual e coletiva, através de uma poesia admirável que sempre soube dizer o que era urgente e necessário nunca cedendo ao medo e às ameaças”, em nome da “qualidade artística" e de uma “integridade exemplar”. A entrega do prémio será a de dezembro, em Livorno, altura em que será exibida uma entrevista-vídeo com a autora.

As livrarias estão em crise grave. E os livreiros, os au-tênticos livreiros, são cada vez menos – pode-se dizer mesmo que vão progressivamente desaparecendo. Agora morreu, aos anos, o que decerto poderia ser consi-derado, apesar de há duas décadas afastado do ativo, o mais representativo e emblemático de todos: Fernando

Fernandes. Foi no domingo, de setembro, na sua cidade do Porto, na qual há exatamente anos fundou, com três outros jovens que gosta-vam de livros, empenhados na cultura e na luta pela democracia (Vitor Alegria, José Augusto Seabra e Carlos Porto), a famosa Divulgação. Que, dez anos mais tarde, e por isso há exatamente meio século, deu lugar à Livraria Leitura, criada por ele com o editor José Carvalho Branco, a qual continuou o trabalho e a ação, manteve a chama da Divulgação – ambas tendo o Fernando Fernandes (FF) à sua frente, como livreiro exemplar e referência fundamental. Em o FF decidiu deixar o seu 'dia-a-dia' e já no princípio deste ano, em outras mãos, a Leitura encerraria, por falência da empresa proprietária.

O admirável contributo de FF para a difusão e o conhecimento dos bons livros, em todas as áreas, para a formação cultural e cívica de tanta gente de tantas gerações, que teve nele alguém capaz e sempre disposto a, com gosto e competência, aconselhar uma leitura adequada a este ou aquele objetivo, a encontrar/arranjar este ou aquele livro menos acessível (ou, no tempo da ditadura, "proibido"), esse seu contributo e papel foi, felizmente, reconhecido e distinguido. Mormente pelo Porto, que lhe deu a medalha de ouro da cidade, pelo Presidente Jorge Sampaio, que o condecorou - e por aqueles que beneficiaram da sua ação, pelos seus amigos e admirado-res. Que em particular o testemunharam num muito significativo volume sobre ele e em sua honra, organizado pelo 'histórico' editor, e também seu

colega livreiro, José da Cruz Santos, sempre com um generoso sentido da homenagem justa.

O volume, se não assinalou aquela sua "saída" formal do ativo, em , pelo menos foi lançado ou relançado' por essa altura e fui o seu apresentador (ou um dos apresentadores?) numa sessão na Cooperativa Árvore, no Porto. Contra o costume, para o efeito escrevi um texto, nunca publicado,

e, mais raro ainda, por acaso encontrei-o, permitindo-me agora recordar e citar um seu trecho, que na circunstância ganha se não atualidade pelo menos significado:

"O Fernando Fernandes (...) tem os livros no coração e na inteligência: não foi, não é e não será capaz de se separar deles, nem da notável ação ao seu e ao nosso serviço. Pode deixar de ser gerente de uma empresa proprie-tária de livrarias, ou de uma loja onde se vendem livros, pode deixar de ter uma grande permanência nesses espaços, pode até chegar um dia em que razões que todos esperamos nunca se verifiquem o impeçam de qualquer tipo de atividade relacionada com o ramo, como se costuma dizer. Ainda assim ele continuaria, continuará, um homem dos livros, continuaria, continuará, livreiro – como continua a ser poeta quem é poeta, mesmo que a certa altura não escreva mais versos. Aliás, ser livreiro, ou melhor: ser livreiro como ele o foi e continua a ser, é a sua forma de ser poeta. Por isso hoje aqui de novo o homenageamos e lhe manifestamos a nossa gratidão".

AS PRAXES Com o início do ano letivo voltam a numerosas escolas, a quase todas do Ensino Superior, e transbordam para a rua, praxes fora do tempo, da inteligência e às vezes mesmo da "decência". Algumas chegam a ser violentas, e já tiveram consequências muito graves, a maioria delas são sobretudo imbecis. O que em geral mete mais impressão e suscita mais preocupação é o tipo de mentalidade, a flagrante falta de gosto, humor, imaginação, cultura, que refletem. Em estudantes universitá-rios!... Nesta edição fazemos um inquérito a propósito e por mim, se tiver oportunidade, voltarei ao tema. J

A morte de um livreiro,a morte de um símbolo

Fernando Fernandes tinha os livros no coração e na inteligência

JOSÉ CARLOS DE VASCONCELOS

COMENTÁRIO

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J * jornaldeletras.pt * a de outubro de

Helena Almeida (-)Uma obra original para o seu tempo

Sempre quis fazer uma “arte total”, como adiantava ao JL, por altura da sua exposição "Pés no chão, cabeça no ar", no Centro Cultural de Belém. E para ela não importavam as disci-plinas, nem os limites. Trabalhou a pintura, o desenho, a instalação, o vídeo, a performance e sobretudo a fotografia. Helena Almeida, um dos nomes fundamentais da arte portu-guesa do séc. XX, morreu no passado dia de setembro. Tinha anos.

Ao longo de décadas de um percurso “único”, fez do seu corpo tela e o seu trabalho singular é pio-neiro no contexto da arte europeia. Mesmo “universal”, segundo a curadora Isabel Carlos que com ela trabalhou em várias exposições. Em seu entender, Tudo na sua obra são “emoções em estado fotográfico”, sublinhando a “força brutal”, que vem da “auto-representação”, que fez como ninguém.

Helena Almeida nasceu em Lisboa, em . Filha do escul-tor Leopoldo Almeida, autor do conjunto escultórico do Padrão dos Descobrimentos, teve berço artístico, cresceu “rodeada de arte”. Ficava horas a ver os livros de arte do pai, no atelier que mais tarde se-ria o seu. Também banda desenha-da, de que gostava muito. Não é de estranhar que tivesse seguido o ca-

minho das artes. Desenhava desde muito criança, era o seu “recreio”, como dizia, e deixava-a “feliz”.

Fez o curso de Pintura da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Com uma bolsa da Fundação Gulbenkian, demandou Paris, “onde tudo se passava”, em , e passou o tempo nos museus, a ver exposições, cinema ou concertos. Três anos mais tarde, faria a sua primeira exposição individual, na Bucholz.

Após um domínio da abstração, nos trabalhos iniciais, a pintura começou a “soltar-se”, e a artis-ta a “vestir a tela”, que se tornou “antropomórfica”. “Comecei a fazer desenhos em que a linha se corpo-rizava, passava a fio de crina, saía da tela e depois voltava a entrar”, recordava na referida entrevista ao JL. Iniciava o ‘jogo ilusório ‘en-tre pintura e desenho, o plano do espectador e do artista, a represen-tação do corpo feminino, problemá-ticas fulcrais no seu trabalho.

Nos anos , surgiam algumas das suas séries mais vibrantes como Tela habitada. Centrar-se-ia depois na fotografia. “Pedi ao Artur [Rosa] para me fotografar e depois desenhei sobre o resultado. A partir daí nunca mais larguei a fotogra-fia”, acrescentava. E, a certa altura,

deixou a pintura, por uma grande “insatisfação”, como explicava numa palavra. E era daquelas que não gostam de explicar a sua arte. Continuou, porém, apresentar-se como pintora.

No trabalho fotográfico, contava com a parceria criativa do mari-do, o arquiteto Artur Rosa, que a fotografava, seguindo o rigoroso desenho que traçava. “Faço sempre desenhos das situações que quero

fotografar. Aliás, a partir da década de , passo a usar o vídeo para ex-perimentar, porque um gesto pode ser muito enganador: uma mão mais para o lado é já outra coisa”, subli-nhava. “Então, ensaio primeiro com a câmara [...]. Eu quero a fotografia tosca, expressiva, como registo de uma vivência, de uma ação”.

Uma relação abordada na re-cente exposição O outro casal, no Museu Árpád Szens/Vieira da Silva.

Como recorda a diretora do museu, Marina Bairrão Ruivo. “Helena Almeida teve um papel fundamen-tal no panorama da arte contem-porânea portuguesa com uma obra extremamente original e multi-facetada”, sublinha. “A Fundação Árpád Szenes - Vieira da Silva apresentou a sua última exposição que se centrou nos registos em que aparece com o marido, Artur Rosa. Foi uma grande emoção receber o casal com uma exposição de obras que revelam a cumplicidade dos dois”.

Helena Almeida está represen-tada em muitas coleções nacionais e internacionais e expôs regular-mente no país e no estrangeiro. Uma mostra da sua obra está até de no-vembro, na Tate Modern, Londres. "A minha obra é o meu corpo, o meu corpo é a minha obra" foi a sua última grande exposição antológica, em Serralves, em . Representou Portugal duas vezes na Bienal de Veneza, em e , e esteve representada na Bienal de Sidney, em . “A sua obra lida com as mais importantes linguagens con-temporâneas, desde o minimalismo ao conceptualismo, passando pela performance e fotografia, sempre de um modo profundamente pessoal e original”, salienta também, por seu lado, Isabel Carlos.

Quando lhe perguntaram o que gostaria que ficasse da sua obra, numa entrevista ao Expresso, Helena Almeida respondeu simples-mente: “Qualquer coisa de original para a arte do meu tempo”. E espe-cificou qualquer coisa, mesmo que “pequena”. Mas é grande o legado da sua obra para a arte de todos os tempos.J MLN

Helena Almeida ‘A tela habitada’

A sua primeira preocupação foi contactar os professores das universidades, portugueses e brasileiros, tradutores e agentes, como Ray-Güde Mertin. E foi um “passo importante”, em seu entender, a criação da Associação de Lusitanistas alemã. “Tive sorte e muitas ajudas”. Mais do que os seus créditos, faz questão de enumerar, quase um a um, os que o “ajuda-ram” no seu percurso, como um gesto de reconhecimento, sempre no seu tom sereno e afável, um temperamento que não terá sido alheio ao sucesso da pequena livra-ria que se tornou uma verdadeira lança portuguesa na Alemanha.

Teo Ferrer de Mesquita nasceu na Beira, em Moçambique, em . Para “fugir à guerra colo-nial”, aos anos, demandaria à Alemanha para estudar, no início dos anos , a conselho dos pais. Em Darmstadt estudou engenha-ria eletrotécnica e nesse ramo começou a sua vida profissional, em Frankfurt, para onde se mudou. “Aos poucos” foi-se envolvendo no mundo dos livros.

O seu conhecimento da língua alemã foi-lhe útil para acompa-nhar os editores portugueses que iam à Feira do Livro de Frankfurt. Recorda o primeiro, Lyon de

Teo MesquitaPioneiro em Frankfurt

Não falta, reconhece, quem se interrogue como se pode viver da Língua Portuguesa na Alemanha. Mas Teo Mesquita tem a resposta na ponta da língua: Trabalho, trabalho, trabalho”. E não só pode responder com conhecimento de causa, como ele próprio é a resposta. Ao longo de quase quatro décadas, Teo Ferrer de Mesquita fez da sua pequena livraria portuguesa, a TFM, iniciais do seu nome, no bairro de Bockenheim, em Frankfurt, um importante centro de difusão da cultura lusófona.

Abriu portas a de maio de e respondia a um repto que lhe foi feito quando, em , a convite da Feira de Frankfurt, foi a Portugal numa ação de promoção da literatura alemã. Esteve lá quatro meses, em Lisboa, Coimbra e Porto. Alguém lhe disse então: Teo, estás a fazer o con-trário. O que devias era levar o livro português para a Alemanha”. Tomou a sugestão à letra.

Castro, o fundador da Europa-América, que lá chegou com “uma malinha cheia dos livros”. De tudo o que organizou e promoveu, re-corda o “memorável” colóquio que, nos anos , juntou António Lobo Antunes, José Cardoso Pires e José Saramago.

Outro passo que deu, a partir de certa altura, foi alargar a livraria a autores de outros países lusófonos. “Tenho a impressão que nos pri-meiros anos tínhamos mais autores brasileiros na nossa livraria de Frankfurt do que havia nas livrarias portuguesas”, diz. “E importava muitos livros de Moçambique e de Angola. Foi muito importante”.

Entretanto, em , Teo Mesquita reformou-se e pas-sou a sua livraria a Petra Noack, que trabalhou anos com ele e agora, à sua maneira, continua o seu legado. Em a TFM recebeu o Prémio «Deutscher Buchhandlungspreis» que distin-gue livrarias independentes alemãs cuja programação reflete uma diversidade literária e cultural. Confessa que já tem saudades: “Foram muitos anos e gostei muito de ter feito o que fiz”. Lá continua, ainda com o seu nome, a TFM, pois a nova proprietária quis mantê-lo. J MARIA LEONOR NUNESTeo Mesquista Com Petra Noack, hoje à frente da livraria com o seu nome

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J a de outubro de * jornaldeletras.pt *

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THOMAZDE MELLO

BREYNEREsta é a vida de um homem notável. Aristocrata e um «príncipe do espírito», comoo apelidou Reinaldo dosSantos, foi médico da casareal e clínico das prostitutasde Lisboa, as quais sempredefendeu. A sua integridadegranjeou-lhe amizadesimprováveis, de empregadosa doentes, de opositores políticos a representantes de outros credos.

Testemunha atenta do mundo, Thomaz de Mello Breyner manteve um diário pormenorizado que testemunhou cinquenta anos marcantes para a história de Portugal: o fim da Monarquia, as convulsões da Primeira República e a ascensão do Estado Novo. A sua biografia, da autoria de Margarida de Magalhães Ramalho, é uma edição da Imprensa Nacional.

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J * jornaldeletras.pt * a de outubro de

do Mundo dentro das palavras. Os poetas precisam de quem os saiba ler assim. Devo-lhe a sábia argúcia com que, pela primeira vez, alguém falou de “a face dupla”. (...)

"VIVI SEMPRE A UM RITMO DE ESCRITA E DE AÇÃO"Vivi sempre a um certo ritmo. Um ritmo de escrita e de ação. E se o ritmo é uma visão do mundo, como escreveu Octávio Paz no seu O Arco e a Lira, ambos estiveram sempre ligados em mim a um grande sentido de urgência. Sempre que ouvia dizer que a paciência é revolucionária, eu retorquia que revolucionária só a impaciência.

Em certas noites, apetecia-me, como a Garcia Lorca, discutir com a Lua. Era a inquietação. Ou o duende. Ou talvez os sons negros de que fala-va um cantador de flamenco amigo do Poeta. Havia no ar um apelo e demasiados chamamentos. Sinais de mudança. Uma guitarra inconcreta. Uma música da língua a que procu-rava dar forma. Mesmo sem ainda conhecer o ABC de Ezra Pound, eu

É com uma certa aflição que me apresento hoje perante vós. Grato e comovido. O grau de doutor honoris causa pela Universidade de Lisboa representa para mim uma honra de grande significado. Mas deixa-me em grande desassossego porque me obriga a ser mais do que eu próprio. E é, ao mesmo tempo, um reconforto moral para quem, por circunstâncias históricas conhecidas, bem cedo na vida se viu privado de universidade e de país. De certo modo é um regresso à universidade, não à de origem, de que fui obrigado a exilar-me, mas à antiquíssima Universidade de Lisboa, a que peço licença para, a partir de agora, sem esquecer a de raiz, consi-derar também a minha.

É um privilégio ser apresenta-do pela profª Paula Morão, grande referência da Faculdade de Letras de Lisboa, da crítica textual e das relações entre a literatura e as artes. Personalidade multifacetada e de grande determinação intelectual e cívica, há nela uma paixão que se desdobra em várias: a Universidade, o gosto de ensinar, os seus alunos, a literatura. É um privilégio ser lido por ela e, sobretudo, ser interpretado e compreendido pela sua inteligência crítica. Figura cimeira da nossa vida universitária e literária, tem a auto-ridade natural do saber e do talento. Além da sua conhecida frontalidade, que é um dom cada vez mais raro

Sei que era preciso coragem para escrever sobre mim no tempo da censura, como fez Urbano Tavares Rodrigues, que foi o primeiro a dar notícia de Praça da Canção, no jornal República. Mas também foi preci-so outro tipo de coragem para me ler sem complexos nem inibições, depois do de Abril, em tempo de novos sectarismos e classificações redutoras. Paula Morão não se deixou impressionar. Outros, felizmente, também não. Para só citar dois nomes incontornáveis, devo a Eduardo Lourenço o prefácio que marcou um

virar de página e assinalou a nostalgia da epopeia nos meus primeiros livros; e devo a Vítor Aguiar e Silva uma leitura que abriu novos horizontes e deixou um texto incomparável sobre Senhora das Tempestades. Paula Morão restituiu-me uma visão da minha es-crita toda, poesia, prosa, arte poética. Ela vê o que está escondido e, como diria Alexandre Blok, ouve a música

lia os trovadores e os cancioneiros e aqueles versos cantavam dentro de mim. Ou então Camões. E começava a escrever e caminhar ao ritmo da incomparável linguagem poética que ele fundou e cujos sonetos, na opinião de Eugénio de Andrade, são ainda o livro mais atual da poesia portuguesa.

E também Rilke e Hölderlin, graças a Paulo Quintela, que foi um dos meus mestres. Tudo se mis-turava nessas leituras caóticas: os portugueses, antigos e modernos, desde os cancioneiros a Cesariny. E ainda Lorca, Éluard, François Villon, até à fundamental desco-berta de Homero, Vergílio, Dante, Petrarca e Shakespeare. Para já não falar da revolução que foi ler os poetas brasileiros, que traziam a língua sem gravata e em mangas de camisa. Tudo isto se passava, como é óbvio, à margem do estudo de Direito. Um dia o reitor Braga da Cruz veio pe-dir-me para eu ligar mais ao curso. - Ligo imenso, magnifico reitor, mas não tenho tempo.

E não tinha. Era a natação, o teatro (CITAC e TEUC), o jornal A Briosa, a Vértice, os amores, a poesia, a política e o movimento estudantil, que viria a ser um elo de ligação entre as três universi-dades do país. E ainda as vindas a Lisboa, por causa do decreto-lei ., com que o ministro da Educação Leite Pinto visava aniqui-lar a autonomia das Associações de Estudantes. Vínhamos de Coimbra reunir na Faculdade de Direito com os lideres da época. Foi o início de um novo período histórico do mo-vimento estudantil. Acusava-se o ministro de querer integrar as asso-ciações na Mocidade Portuguesa.

AS LUTAS ESTUDANTIS E A GUERRA COLONIALEm Coimbra, subia-se de tom e acrescentava-se que até se preten-dia acabar com a equipa de futebol da Académica. Levantamento na Academia e na cidade. Grande manifestação de rua e o decreto acabou por ficar na gaveta. António Sérgio, sempre atento, publicou um opúsculo em que alertava Coimbra para os riscos do isolacio-nismo. Ninguém devia fechar-se em si mesmo. Era hora de aber-tura e solidariedade entre todas as Academias.

Foi com esse espírito que mais tarde viemos a Lisboa celebrar o Dia do Estudante. Houve um comí-cio no Pavilhão dos Desportos e à noite jantámos na cantina universi-tária cercados pela polícia. Recordo estes episódios, porque eles ligam à Universidade de Lisboa o estudante de Coimbra que então eu era.

Com o começo da guerra colo-nial o ritmo da História, da vida, e também da morte, acelerou. É difí-cil explicar aos jovens de hoje o que significou para a minha e outras gerações. Carreiras interrompidas, vidas destruídas e mutiladas, o di-lema de ir à guerra ou emigrar. Os milhares que foram para a Europa. Os milhares que partiram para

Manuel Alegre‘Eu sou desta Língua– e daquela madrugada que e é preciso não deixar anoitecer’

Manuel Alegre na sua intervenção na Aula Magna da Universidade de Lisboa

O grau de doutor honoris causa pela Universidade de Lisboa foi outorgado a Manuel Alegre no passado dia 2, na Aula Magna da reitoria, com a presença dos Presidentes da República e da Assembleia da República, primeiro-ministro, reitor, muitas outras ‘individualidades’, e sobretudo professores, estudantes, escritores, amigos do distinguido, cujo elogio foi feito por Paula Morão, enquanto Diogo Dória disse e Cristina Branco cantou poemas seus. O JL dado o interesse literário e cívico da intervenção do poeta, publica aqui quase na íntegra - com exceção das referências protocolares e pequenos passos assinalados - o seu texto

O sentido do poema é o próprio poema. Mas ninguém está fora da história. Muitas vezes me perguntam porque é que, sendo poeta, eu me envolvi na política. E eu respondo: por isso mesmo

O RISO DOS OUTROS, exposição

de Pedro Proença, inaugura no Centro

de Arte e Cultura da Fundação Eugénio

de Almeida, em Évora, dia 13, às 18.

ARY, O POETA DAS CANÇÕES,

espetáculo de Joaquim Lourenço,

assinalando os 80 anos do autor de

Desfolhada. Próximos concertos no

Auditório Carlos do Carmo, Lagoa, dia

20; e Cine-Teatro Capitólio, Lisboa, dia

27.

NUNCA DANCEI NUM CORETO, livro de crónicas de Maria Filomena

Mónica, lançamento, com apresentação

de Clara Ferreira Alves, no Auditório

da Faculdade de Farmácia, em Lisboa,

amanhã, quinta-feira, dia 11, às 18 e 30.

ANA SEARA, Camila Menino,

Edward d’Abreu, Miguel Jesus, Samuel

Pascoal e Tiago Derriça são os compo-

sitores selecionados para integrar os

programas de compositores residentes

do Festival CriaSons. Deverão compor

uma nova obra que será apresentada,

em estreia mundial, no 2º Festival

CriaSons, com interpretação ao vivo a

cargo de diversos solistas, do Quarteto

Lopes-Graça e da Camerata Vocal e

Instrumental Musicamera.

PAULA SILVA, Ana Tostões, Nuno

Sampaio, João Pardal Monteiro, José

António Bandeirinha, João Paulo

Martins, José Manuel Pedreirinho são al-

guns dos participantes do Encontro co-

memorativo dos 70 anos do I Congresso

Nacional de Arquitetura, a realizar no

próximo dia 11 de outubro, quinta-feira,

no Forte de Sacavém.

EDGAR PÊRA E F.J. OSSANG vão

estar à conversa na livraria Ler Devagar,

em Lisboa, hoje, quarta-feira dia 10 de

outubro, às 20, a propósito da estreia

em Portugal do filme 9 Dedos, do reali-

zador francês. O filme passa em conjun-

to com a curta Como Fernando Pessoa

Salvou Portugal, de Eugéne Green.

CAOS E RITMO, DE JOSÉ GIL,

apresentado na Universidade Católica

do Porto, por Nuno Crespo e Nuno

Faria, amanhã, quinta-feira, dia 11, às 18.

HOTEL IMPÉRIO, de Ivo M.

Ferreira, estreia mundial no Festival

Pingyao Crouching Tiger Hidden Dragon,

que decorre na China, de 11 a 20 deste

mês.

ABERTURA DE ATELIÊS DE ARTISTAS em Lisboa, de 12 a14, com

56 espaços de criadores de portas

abertas aos visitantes, na 9ª edição da

iniciativa, promovida pela Associação

Castelo d’If.

BRUNO PACHECO, exposição

Vaivem inaugura-se a 11, na galeria

Quadrum, Lisboa. Curadoria Bruno

Marchand.

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* J a de outubro de * jornaldeletras.pt

África. Eu fui. Estive na guerra. Ouvi o assobio da bala. Escrevi os primeiros poemas sobre a guerra. E atrevi-me a dizer logo no primei-ro livro: "Meu poema rimou com minha vida".

Aprendi que cada um de nós tem várias vidas, vários eus, vários outros. Uma espécie de intima heteronímia. É talvez o sentido do célebre verso de Rimbaud: Je est un autre. Hoje quando me revejo na guerra, na cadeia, no exílio, ou a passar clandestinamente frontei-ras, tenho a sensação de ter sido um outro ou outros. Mas fiel àquele que, aos anos, tinha escrito: "Meu poema rimou com minha vida". Ouso pensar que essa coin-cidência entre vida cívica e escrita é, porventura, um dos motivos da tão honrosa distinção por parte da Universidade de Lisboa.

Não apenas pelos dois primeiros livros, Praça da Canção e O Canto e as Armas, que foram, como se sabe, apreendidos, e circularam em cópias datilografadas e manus-critas, assim como as canções e recitais a que deram origem. Foi um contexto especial, talvez irrepetí-vel, o que explica que José Carlos de Vasconcelos tenha intitulado o seu prefácio à edição dos anos de Praça da Canção: "Quando a Poesia faz e se faz História".

O 25 DE ABRIL, A POLÍTICA E A POESIAPassada essa época, a intervenção cívica na vida democrática norma-lizada nem sempre foi estimulante, embora tenha muito orgulho em ter sido deputado constituinte, redator do preâmbulo da Constituição e de ter dado o meu contributo para a consolidação da Democracia. Nunca abandonei a convicção de que, pela palavra poética, pode sempre criar-se, como dizia Teixeira de Pascoaes, a terra do outro mundo.E também nunca deixei de ter, embo-ra peça desculpa de me repetir, uma visão poética de Portugal, uma visão integradora, em que se misturam poemas, batalhas, revoluções.

Quando voltei do exílio, o fun-cionário que me fez o passaporte atribuiu-me, sem me perguntar, a profissão de poeta. Foi uma homenagem bonita. Gostaria, no entanto, de lembrar que também escrevi romances, alguns com de-zenas de edições, contos, ensaios. Ao contrário de Fernando Pessoa, não coloco a prosa acima da poesia, nem penso que se possa reduzi-la a “poesia rimada e ritmada”. Mas também não vejo a poesia como saudade da prosa. Uma e outra são escrita, cada uma com o seu tempo e a sua toada.

Eu sei que o sentido do poema é o próprio poema. Mas ninguém está fora da história. Ninguém foge a um outro sentido que tem a marca do seu tempo. Muitas vezes me perguntam porque é que, sendo poeta, eu me envolvi na política. E eu respondo: por isso mesmo.

Embora tenha sido, por diversas razões, uma figura publica co-nhecida, como escritor fui sempre

um solitário. Nunca pertenci a nenhuma corrente, a nenhum café literário, a nenhum grupo. O que tem os seus custos. Mas escrever, para mim, foi sempre um estado de graça. Mesmo nas situações mais difíceis, guerra, prisão, exílio e o irremediável de muitas despedidas e muitas mortes.

Em cada poeta está toda a his-tória da poesia e, de certo modo, de todas as línguas, a começar pela Epopeia de Gilgamesh, a primeira grande interrogação que um poeta gravou na pedra sobre o sentido ou o sem sentido de um destino que continua a não ser revelado. Todos somos herdeiros desse poeta des-conhecido. E também de Homero e da Odisseia que é, por excelência, a metáfora da errância do Homem e da busca de uma Ítaca perdida que só existe dentro de si mesmo.

"REABILITAR A FORÇA LIBERTADORA DA PALAVRA"Vivemos um período em que a única certeza é a incerteza. A História acelerou outra vez. Mas em sentido contrário. Parafraseando Milan Kundera, o esquecimento está outra vez a vencer a memória. O populis-mo é o novo fantasma que ameaça a Europa e o Mundo. Nasceu da hege-monia cultural do poder financeiro globalizado. Ressuscitou de velhos preconceitos e novas capitulações.

Creio que é num tempo assim que os poetas, escritores e filóso-fos são mais precisos. Para sacu-dir a anomia, como fez Antero de Quental. E escrever Sol, como Ramos Rosa. Para proclamar que os Estados não podem ser aprisiona-dos pela mão invisível do mercado e por interesses que se sobrepõem ao interesse geral. Para chamar a atenção dos distraídos, como fize-ram Miguel Torga e Natália Correia, quando vieram avisar que o Tratado de Maaschtricht significava a vitória do neoliberalismo sobre o modelo social europeu.

Há uma crise de convicções e é preciso reforçar na Europa e no Mundo os valores da democracia e da coesão social para combater o racismo, a xenofobia e o renascer da linguagem e dos tiques do fascismo que, em certos países, já contami-nam o poder. Por isso me congratu-lo com a excepção boa que Portugal é hoje e aplaudo a posição e as palavras do Presidente da República nas Nações Unidas. A presença das mais altas figuras do Estado é um reconforto e um estímulo para quem acredita que as nossa principais forças são a língua, a História e a cultura.

A pequena ou grande revolução que a escrita pode fazer é reabilitar a força libertadora da palavra. E só por ela se pode reconquistar a per-dida beleza da palavra do homem. É por isso que os clássicos não podem ser retirados do ensino público.

Quando estava no exílio, lia muitas vezes um pequeno texto de Mallarmé, que vou tentar traduzir: Fechei o livro e os olhos, e procuro a pátria. Diante de mim ergue-se a

aparição do poeta sábio que me a indica (fim de citação).

Não sou capaz de otimismo beato. Procuro sempre a aparição do poeta sábio. O meu optimismo está na flor do verde pinho do rei D. Diniz; no Sol é grande de Sá de Miranda; no Auto das Barcas de Gil Vicente, nas Crónicas de Fernão Lopes, cresce com toda a obra de Camões e vem por aí fora até ao Frei Luís de Sousa de Garrett, aos Sonetos de Antero, às virgens que passam ao sol poente de António Nobre, ao Sentimento de um Ocidental de Cesáreo Verde, ao só, incessante, um som de flauta chora do incomparável Camilo Pessanha, a Fernando Pessoa ele próprio e os heterónimos, ao nunca descrer do chão duro e ruim de Miguel Torga, ao não vou por aí de José Régio, às palavras mordidas uma a uma de Eugénio de Andrade, à pequena luz bruxuleante de Jorge de Sena, ao porque os outros se ca-lam mas tu não de Sophia, e ao entre nós e as palavras o nosso dever falar de Mário Cesariny.

"SOU DESTA LÍNGUA E DESTES POETAS"Sou desta língua e destes poetas e é a eles que me dirijo para que me indiquem e, ás vezes, me restituam a Pátria. Sou deste nosso dever falar quando os outros se calam. E daquela madrugada que todos esperámos e é preciso não deixar anoitecer. Sou desta herança poéti-ca, ética e cívica.

Sou desta língua que foi ao mar, descobriu outras línguas e, transfor-mando-as, a si mesma se transfor-mou. Una e diversa, dela nasceram a grande literatura brasileira e também a angolana, caboverdeana, moçambicana e de todos os países que falam e escrevem o português. O português que foi língua de múlti-plas tiranias e várias resistências, língua de opressão e de libertação, e também aquela em que novas nações proclamaram a sua indepen-dência.

Há dois revisionismos que é pre-ciso ter a coragem cultural de com-bater: o primeiro é o que pretende negar a grandeza das navegações portuguesas que deram origem à primeira globalização da História; o outro é o que tenta redimir o colo-nialismo e branquear a ditadura e a guerra colonial.

Lembro, neste momento, os que lutaram pela liberdade, deram tudo e nunca pediram paga, como Sophia disse de Salgueiro Maia. Lembro-os com respeito, e penso no grande herói de Homero, que não é Ulisses, e muito menos Aquiles, mas Heitor, o que travou até ao fim um combate desigual pela sua cidade de Troia e é o único vencido eternamente vencedor. (...)

Já não aspiro, como Mallarmé, a escrever o Livro que seja o duplo do Universo. Mas espero merecer a honra que me concederam e con-tinuar a rimar o meu poema com a minha vida.J

Escrever, para mim, foi sempre um estado de graça. Mesmo nas situações mais difíceis, guerra, prisão, exílio e o irremediável de muitas despedidas e muitas mortes

Vivemos um período em que a única certeza é a incerteza. A História acelerou outra vez. Mas em sentido contrário. O esquecimento está outra vez a vencer a memória. É num tempo assim que os poetas, escritores e filósofos são mais precisos

“O Presidente da República, o reitor e (à esqª) a presidente do conselho geral da UL, e Paula Morão na cerimónia do doutoramento honoris causa de Manuel Alegre

Vem por este meio o Centro de Neurociências e Biologia ao abrigo do Decreto n.º 57/2016, de 29 de agosto, alterado pela lei 57/2017, publicitar a abertura de posições para investigador doutorado (m/f).Local de trabalho: Centro de Neurociências e Biologia Celular, Pólo 1, Rua Larga, Edifício da Faculdade de Medicina.A remuneração mensal a atribuir é a prevista nível 33 da tabela remuneratória única, aprovada pela Portaria n.º 1553-C/2008, 31 de dezembro, sendo de 2.128,34 Euros ilíquidos.Os candidatos apresentam os seus requerimentos e documentos comprovativos, por carta registada dirigida ao Presidente do Júri indicando a referencia do anuncio para a morada: Centro de Neurociências e Biologia Celular, Departamento de Recursos Humanos, Rua Larga, FMUC, 1.º Piso, Universidade de Coimbra, 3004-504 Coimbra, Portugal.

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=104539• http://www.eracareers.pt/opportunities/index.aspx?task=global&jobId

=104541• http://www.eracareers.pt/opportunities/index.aspx?task=global&jobId

=104568• http://www.eracareers.pt/opportunities/index.aspx?task=global&jobId

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J * jornaldeletras.pt * a de outubro de

Congresso Internacional em Coimbra‘Honesto estudo’, não institucionalização

A sessão de abertura do Congresso, quando falava o seu coordenador

que vale é que isto é como ser Miss Universo; dura um ano e depois acaba”. Mas alguém (quem agora narra o episódio) retorquiu: “Não é assim; depois desse ano, a Miss Universo continua bonita”. Estamos aqui porque a resposta fazia sentido.

Relativizemos, entretanto. O Prémio Nobel da Literatura não é condição suficiente para que um escritor e uma literatura ganhem dimensão de fenómeno durável e apreciável, do ponto de vista da crítica e da história literária. É bem sabido que o Nobel cometeu equívocos, por ação e por omissão. Logo o primeiro, em : quem se lembra hoje do poeta francês Sully Prudhomme? Mas lembramo-nos

de Marcel Proust, de James Joyce e de Jorge Luis Borges, que nunca receberam o Nobel. E também de Machado de Assis – que ainda publicava em tempo do Nobel – e de Fernando Pessoa, que estava certo de que seria galardoado. Por fim: o que faz Winston Churchill na lista do Nobel? Não falo de Bob Dylan porque a mim não me chocou a sua nobelização; incomoda-me, isso sim, que este ano, por razões exte-riores à literatura, não haja Prémio Nobel.

O que hoje e durante três dias aqui nos traz não é apenas uma efeméride. Ela é certamente im-portante, mas não é tudo. O que aqui nos reúne é o dever de, como

estudiosos de JS e do seu tempo li-terário, acrescentarmos mais saber àquele que já detemos. Ouve-se e lê-se, com alguma frequência, um discurso de displicente descaso, re-lativamente à leitura, à investigação e mesmo à divulgação da literatura e dos seus escritores, tal como acontecem no mundo académico. Quando esse trabalho se processa no círculo fechado de uma acade-mia fixada na contemplação do seu umbigo, o descaso é merecido; não queremos que aqui isso aconteça.

Como coordenador deste congresso, posso afirmar que tudo fizemos para que ele seja o que deve ser, mesmo por força da etimologia do termo congresso: reunião, encontro, aproximação, debate e reflexão conjunta. Numa só expressão, vinda de outro escritor: honesto estudo. Com base nele, JS será o mesmo, mas será tam-bém outro, quando este congresso terminar. Ficaremos a devê-lo a quantos aqui nos trazem o tal honesto estudo, em mais de sete dezenas de intervenções, perante os participantes que acorreram a esta reunião científica. Que todos sejam bem-vindos e que fecundo seja o seu trabalho.

Não será só por ele que JS se verá institucionalizado ou integrado no cânone da literatura portuguesa. Para um escritor que por várias vezes contestou os poderes estabe-lecidos, a institucionalização não seria, por certo, coisa desejável. Assim acontece com os grandes es-critores e devemos respeitar o que nessa atitude existe de independên-cia e de apelo à liberdade de cria-ção. Por esse lado, José Saramago não foi consensual e ainda bem, porque assim pertence à família de Camões e do Padre António Vieira, de Garrett e de Eça de Queirós, só para referir nomes que o autor do Memorial do Convento expressa-mente admirou. J

Abrir um congresso sobre um escritor com um seu texto lido por um jovem estudante é certamen-te coisa pouco usual. O gesto tem significados que quero realçar. Primeiro: estamos aqui por causa dos textos que o escritor José Saramago (JS) nos legou. Segundo, são os leitores que fazem de qual-quer escritor aquilo que ele foi, é e será; sem eles, a literatura ficará letra morta. Terceiro, um jovem estudante, porque o é, traz consigo uma mensagem virada para o futuro da literatura. Além disso, este e os demais estudantes que aqui estarão connosco vêm de uma escola pro-fissional, um ramo de formação que o escritor José Saramago conheceu, quando fez o seu escasso trajeto académico, na Escola Industrial Afonso Domingues. Por falta de meios, lembra Saramago na sua autobiografia, “a única alternativa que se apresentava seria entrar para uma escola de ensino profissional, e assim se fez: durante cinco anos aprendi o ofício de serralheiro mecânico.”

Foi talvez por isso que, num dos discursos de Estocolmo, em de dezembro de , JS lembrou o que antes dissera: “Não nasci para isto, mas isto foi-me dado”. Hoje sabemos que sim, JS tinha nascido para isto, ou seja para o Prémio Nobel da Literatura; além disso, isto não lhe foi dado, foi conquistado, num largo trajeto pessoal, cultu-ral, literário e cívico que já estava em movimento quando o jovem nascido na Azinhaga do Ribatejo, numa família de camponeses sem terra, estudava para ser serralheiro mecânico.

A de outubro de , exa-tamente há anos, contados dia por dia, foi isto que se soube: o antigo estudante de uma escola

profissional havia sido galardoado com o Prémio Nobel da Literatura. Abeirava-se dos anos de idade e, aparentemente, chegara tarde à fama. O que se passou depois disso e mesmo muito do que antes aconteceu é sabido. Digo apenas que o Saramago Prémio Nobel foi um admirável embaixador da literatura e da língua portuguesas: correu mundo, deu centenas de entrevistas, dialogou com leitores em vários continentes, participou em colóquios, foi mais traduzido do que antes fora (e não fora pouco…), viu textos seus chegarem a públicos de cinema, de teatro, de ópera e de banda desenhada. Um dia, numa daquelas correrias, desabafou: “O

José Saramago, anos do Nobel da Literatura

Termina hoje, 10, em Coimbra, o Congresso Internacional que assinala e ‘celebra’ as duas décadas de atribuição do famoso prémio ao autor de O ano da morte de Ricardo Reis, a que nos referimos na nossa última edição, em grande parte dedicada ao escritor e à ‘efeméride’. O encontro, com cerca de 300 participantes e mais de 70 comunicações, começou a 8, com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e decorre á hora do fecho desta edição. Publicamos aqui

a intervenção inicial do coordenador do Congresso, Carlos Reis, e a seguir a crónica de Anabela Mota Ribeiro sobre as iniciativas que em Lanzarote e na Azinhaga igualmente assinalaram a data - ambas com a participação do chefe do Governo

português, António Costa, e a primeira também com a do espanhol, Pedro Sánchez

CARLOS REIS

Page 9: António Lobo Antunes 'Já mudei a literatura' - Trust In News

* J a de outubro de * jornaldeletras.pt

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ética, quando exercida, como é desejável, sobre o concreto social, é talvez a menos abstrata de todas as coisas: presença calada e rigo-rosa, ainda que variável no tempo e no espaço, aí está, com o seu olhar fixo, a pedir-nos contas”.

É domingo de manhã e esta-mos na Azinhaga, terra de onde esta árvore, que Saramago foi, é, sempre disse que havia brota-do. Neste “estamos” inclui-se António Costa, Pilar del Río, Violante e Ana Saramago Matos, presidentes de câmara e presi-dentes de junta de freguesia do Ribatejo, individualidades (como se diz nos discursos para arrumar a questão), povo amado (entenda--se aqui: gente da terra, senhoras antigas que nunca sonharam dar um beijinho ao primeiro-minis-tro, no encontro da rua das Forças Armadas com a rua Catarina Eufémia, velhos amigos que abraçam efusivamente a filha do escritor), leitoras, leitores, a Ana da tshirt com a frase supra-cita-da e outras pessoas da terra que leram e cantaram, os muitos que foram à festa.

Celebram-se os anos da atribuição do Prémio Nobel da Literatura a José Saramago. O pré-mio que nos fez levantar a todos em alegria, de orgulho. Estamos aqui porque “nós somos muito mais da terra onde nascemos, e onde fomos criados, do que imagi-namos”, e José Saramago, Zezito,

Aquela tshirt que diz assim: “Há esperanças que é loucura ter. Pois eu digo-te que se não fossem essas eu já teria desistido da vida”. Que há nesta frase, com fumos quixotescos, além da óbvia exortação à vida? Eu sublinhei a palavra “esperanças”, talvez porque escrevo no domingo, de outubro, dia de eleições, e a cabeça vai da Azinhaga ao Brasil num instante. Acompanha esse movimento um cheirinho de alecrim, lá estão carentes, guar-dámos algumas sementes. Não sei que palavras diria José Saramago na antecâmara de um eventual desastre, as palavras exatas. Tenho a presunção de adivinhar que seriam palavras de luta, de resistência. Nem sei, à hora a que escrevo, encerradas as urnas, contagem a decorrer, da espes-sura do problema. Pode ser que este sonho negro se desvaneça sem danos irremediáveis. Porque

Da Azinhaga a LanzaroteO que cabe numa vida

Na Casa de Lanzarote Pilar del Rio mostra aos chefes de Governo de Portugal e de Espanha o escritório em que José Saramago escrevia

é daqui. Sabemos da Azinhaga por causa dele, sabemos dos seus avós por causa dele, sabemos da margem do rio, de um certo lagarto verde que no seu imaginá-rio se associa à perda da inocên-cia. Efabulamos percorrendo os seus passos de criança pequena, como havíamos feito na leitura d’ As Pequenas Memórias, mas agora vemos uma nespereira, um marmeleiro, limoeiros, figueiras, oliveiras, o rio poluído e invadido por jacintos, algumas pessoas na margem oposta à do campo de trigo na sua vida de todos os dias, destroços, o rio parado como me-táfora da infância dentro de cada um de nós, o chilreio dos pássa-ros, cavalos, um cheiro a bosta, o perfume intenso da hortelã.

Outra tshirt: “A vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver”. Nesta vida breve, Saramago passou do rapaz que andou descalço e comprou os primeiros livros já adulto, com dinheiro emprestado, a escritor consagrado que recebe das mãos do rei da Suécia o mais importante prémio literário do mundo. Dir-se-ia que viveu muito mais do que seria conjeturável, que distância assombrosa per-correu... E, no entanto, há sempre pelo menos outro tanto que não somos capazes de abarcar. Que outras vidas poderia viver ainda? Além das vidas que viveu e das vidas/personagens que criou

ANABELA MOTA RIBEIRO

há esperanças que é loucura não ter, são essas que não podemos dispensar. São o supremo privilé-gio e o oxigénio que nos sustenta. Uma exorbitação e o concreto.

Que outra hipótese temos, afinal? Recupero uma frase de Saramago que dá consistência às suas esperanças, aos seus sonhos, que não nos permite virar a cara: “A

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Gonçalo AmorimJuventudes inquietas no D. Maria II

MARIA LEONOR NUNES

O Teatro Experimental do Porto (TEP) vem a Lisboa para apresen-tar a sua Trilogia da Juventude, um “olhar” sobre o Portugal do séc. XX, de a , na Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II (TNDMII). É uma “viagem” pelas “juventudes inquietas”, que mar-caram a História recente do país, como diz ao JL o encenador e ator Gonçalo Amorim, diretor artístico do TEP.

Construídos a partir de um elenco de jovens atores, são três espetáculos que recuperam três momentos-chave, os anos , e , respetivamente, O Grande Tratado de Encenação, de a , A Tecedeira que lia Zola, a e , e Maioria Absoluta, de a . Todos encenados por Gonçalo Amorim, que assina os textos, em parceria com Rui Pina Coelho (autor do primeiro), em resultado de um processo de “escrita para a cena”, numa criação coletiva em que participaram, entre outros atores, Carlos Malvarez, Catarina Gomes ou Eduardo Breda.

É a primeira vez que a trilogia é apresentada em conjunto e em maratona de representações, num contínuo, a , às 16h, , e ,h. Em novembro, no Porto, no Teatro Municipal do Campo Alegre, a Maratona TEP será a , antece-dendo a estreia, no mês seguinte, no Teatro Nacional S. João (TNSJ) de Verdade ou Consequência, a nova criação da companhia. Uma “es-pécie de epílogo” do ciclo dedicado às juventudes, focado na geração atual, os jovens do séc. XXI, para, adianta ainda o diretor do TEP, “refletir sobre a sustentabilidade, as políticas ambientais, o pós-hu-mano ou como os seres humanos estão em conjunto e vão construir o futuro”.

Jornal de Letras: Trilogia da Juventude é um olhar retrospetivo sobre a História recente de Portugal?Gonçalo Amorim: Claro que estamos a falar de Portugal que, aliás, costuma ser uma persona-gem de muitos dos espetáculos que fazemos. Trata-se de olhar o país de várias óticas. Na Trilogia, olhamos através das juventudes que estavam mais inquietas nas décadas de , e .

Saltaram a geração dos anos , muito importante pela sua luta contra a ditadura, nomeadamente nas crises académicas de e ?

A geração dos anos foi influen-ciada pela dos anos , pelo Maio de , pela guerra colonial, assim como a dos anos o foi pela Segunda Guerra, pelas mudan-ças que se operaram na Europa. Realmente, os anos , e foram muito importantes e ricos de acontecimentos, mas a nossa tentativa é olharmos para outras narrativas internas. Antes do de Abril não era fácil que essa inquietação das juventudes fosse pública, pelo que os dois primeiros espetáculos se passam dentro de um sótão. Só no último, esse sótão explode. O Grande Tratado de Encenação parte de uma obra de António Pedro. Porquê?É um pós-ensaio do TEP, em que três jovens pensam sobre o teatro a partir do ensaio Pequeno Tratado de Encenação, e das influências de António Pedro, que foi um introdutor do teatro mo-derno no país, e das suas influên-cias, de Pirandello a Stanislavski. É um grupo que está a querer saltar os Pirenéus, para lá dos fascismos. Eles estavam a viver o pós-guerra com a urgência de que Portugal iria mudar. E a muscu-lar-se para a democracia, que, na perspetiva da juventude dos anos , era uma questão de tempo. Só que foi muito tempo.Sim, não aconteceu. E em A Tecedeira que lia Zola, nos anos , partimos da chamada Implantação, realizada por alguns movimentos maoístas, em que os seus quadros não só estavam na clandestinidade, como se ten-

tavam colocar nas fábricas para doutrinar os operários e iniciar uma espécie de revolução popu-lar por dentro. Eram uns jovens letrados que andavam com umas malas com livros, Sartre, Marx, Zola, e que muitas vezes faziam alfabetização, um ato muito re-volucionário na altura. Isso teve muita expressão em França, nos Estados Unidos. E nós metemos um grupo de implantados no Vale do Ave. Olhando para trás, vemos que havia um forte lado de sonho, como é próprio da juventude, que tem uma grande força para lutar e resistir, e é muitas vezes um motor da História, outras instrumentali-zada pela sua energia. Em Maioria Absoluta refletiram sobre uma realidade mais próxima…Sim, alguns atores trouxeram coleções de jornais, têm memórias desses anos , em que o nosso sótão tornou-se praça. Era uma época de grandes contradições, em que se falava do fim da História e de que já não havia revoluções a fazer e uma geração que se ia refugiando no rock e na poesia, nos amores e nas drogas. Ao mesmo tempo, fizeram-se as últimas grandes manifestações estudantis, como a luta contra as propinas. Foi quando o tatcherismo chegou a Portugal.

Em que sentido?Com a ideia que tudo se paga. Na educação, isso teve uma imensa força, porque depois da revolu-ção, democratizou-se de facto a saúde, o ensino e houve uma evolução incrível e muito rápida para um país que esteve tanto

tempo estagnado. Hoje, olhando a nossa sociedade, vemos que houve um retrocesso. E acho que os jovens dos anos , que esti-veram na guerra das propinas, como eu ou o Rui Pina Coelho, sentiram intuitivamente que a mudança era simbólica, como se as propinas fossem uma facada na escola democrática pública, também enquanto espaço de pensamento e liberdade.

Como construíram os espetáculos?São ficções, embora partam de muita recolha documental. A partir de uma ideia prévia, houve uma indagação e fomos cons-truindo os textos com base nas improvisações e longas conversas com os atores, que são co-autores dos espetáculos. O Grande Tratado é paradigmático do processo de criação desta trilogia.

Por que razão?Por ser uma longa conversa numa noite, entre três jovens, a Tecedeira tem uma narrativa que se impõe de uma maneira mais forte, com uma vertente mais documental, enquanto a Maioria, mais punk, é uma espécie de concerto performativo, poético. Tentamos também aproximar-mo-nos dos estilos teatrais de cada época. Por outro lado, há qualquer coisa de genealógico: porque os meus avós estiveram na fundação do TEP, os meus pais na implantação no Vale do Ave e eu, que estive na luta das propinas, agora estou a encenar estas peças e a falar com os jovens atores. Há uma passagem de testemunho, numa tentativa de perceber as inquietações deste elenco e da juventude hoje.

Foi para perceber o presente que mergulharam no passado?Sim, para tentar sentir qual o viço da juventude hoje e perceber como se relacionava com essas gerações mais inquietas. E o que percebemos é que todas estavam a experimentar espaços de felici-dade, de utopias, de amizade, de amor. Esta trilogia foi uma espé-cie de elevador do tempo, em que andámos para baixo e para cima. E nas outras juventudes, desco-brimos também a nossa. A ideia foi sempre não fazer um exercício nostálgico, mas antes de reflexão no sentido de percebermos quem somos. E com muito respeito por estas histórias. Sem endeusar ninguém, o que quisemos foi pôr essas gerações a dialogar connos-co. J

O grande tratado de encenação Uma das três peças que o TEP traz a Lisboa

Na Casa de Saramago, uma jangada ibérica onde proliferaram os sonhos, o escritor foi feliz

(nutro carinho particular por Blimunda).

Na véspera, sábado, foi quando esta viagem começou. Começou pelo fim, em Lanzarote, que não é a sua terra, pero es terra sua. Foi na casa da ilha canária que o escritor faleceu, em . Foi aí que António Costa e Pedro Sánchez se encon-traram pela primeira vez desde que são responsáveis máximos pela governação de Portugal e Espanha. Os discursos foram na biblioteca do escritor, antes houve visita à Casa conduzida por Pilar, o grupo era numeroso, o que a fez parecer pequena, antes de tudo foi a visita à casa do artista lanzarotenho César Manrique, um deslumbre. Na Casa de Saramago, uma jangada ibérica onde proliferaram os sonhos e as possibilidades e onde compôs as obras posteriores a , o escri-tor foi feliz. Vemos o seu escritório mantido tal qual. O lugar do copo de água. A almofada aos pés onde se aninhava o cão. As fotografias de todos os lugares. O desenho do avô a despedir-se das árvores de que falou Pedro Sánchez no seu discurso. Memorabilia. O computador obsole-to que guardava um caderno diário, justamente do ano da atribuição do Nobel, esquecido numa intermitên-cia do tempo. Pilar descobriu-o há meses, por acidente, e temo-lo para celebrar esta data redonda. O Último Caderno de Lanzarote, posto à venda a de outubro.

Quando me lerem, o dia terá passado, o livro já estará disponí-vel nas livrarias, Marcelo Rebelo de Sousa terá feito a abertura ofi-cial do Congresso Internacional dedicado ao escritor, em Coimbra.

Escrevo em Coimbra, penso novamente no Brasil. Quando me lerem, já se saberá o que resulta desta noite ameaçada. É entre essa sombra e a reverberação da felicidade de há anos que vou andar. Para me acompanhar, e porque preciso de esperan-ças, escolhi estas palavras de felicitação de Susan Sontag, entre tantas outras coligidas no livro de Ricardo Viel Um País Leventado em Alegria: “Meu queridíssi-mo José! Finalmente os suecos fizeram o que deveriam – preci-samente quando pensávamos o pior deles, depois de demasiados prémios irrisórios. Tu és o meu candidato há anos (e eles sabem isso)... Sendo assim, a notícia deu-me muita felicidade – por ti, pela literatura. Abraço-vos com força, a ti e a Pilar”. J

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J a de outubro de * jornaldeletras.pt *

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Grande notícia francesa em setembro: vai integrar o seletivo e prestigiado catálogo da Bibliothèque de la Pléiade. Distinções italianas em outubro: Prémio Bottari Lattes Grinzane e inauguração oficial de uma cátedra na Universidade de Milão. Homenagem mexicana em novembro, na Feira do Livro de Guadalajara, onde Portugal é país tema. E muitas traduções para os meses seguintes, nomeadamente para chinês e árabe. O reconhecimento intencional continua, em vagas constantes e sucessivas, dando ainda mais força ao continuum de que é feito a sua obra, com novos títulos todos os anos. O JL antecipa o próximo romance, A Última Porta Antes da Noite, uma edição da D. Quixote nas livrarias a , entrevista o escritor na sua nova casa, em Campolide, Lisboa, de onde se vê o Tejo e Sintra, e publica em primeira mão a crítica ao livro

António Lobo AntunesAntes que anoiteça

É um escritório em forma de espe-lho. À volta da mesa onde António Lobo Antunes (ALA) trabalha todos os dias, estantes cheias de livros seus. Em várias edições portuguesas, de diferentes anos, e em inúmeras traduções, que não param de crescer. Falta o romance mais recente, A Última Porta Antes da Noite, que chega às livrarias para a semana. O sobressalto é imedia-to. E justificado: ainda não tinha visto um exemplar. Abre, folheia, contempla a capa, cheira o miolo. "Bom papel", diz (Coral Book Ivory de gramas, para os interessa-dos), citando de seguida o poema de David Mourão Ferreira: "Quem foi que à tua pele conferiu esse pa-pel/ de mais que tua pele ser pele da minha pele". "Ficou bonito", acrescenta com visível entusiasmo.

O romance terá também uma edição em capa dura, que decerto passará a ocupar uma qualquer estante do escritório. O olhar do autor, no entanto, mal se ergue da mesa e do papel, quando escreve, ou do livro, quando lê. "Todos os dias a mesma rotina", diz-nos, recordando a disciplina a que há muito se dedica. Escreve das sete ao meio dia, das à hora de jantar e depois até à meia-noite. Agora, até os passeios são menos frequen-tes. Mudou de casa há dois anos, do Conde Redondo para Campolide, zonas lisboetas totalmente diferen-tes. Sente falta da agitação da rua,

das personagens e da vida a passar. "Aqui é tudo muito deserto", de-sabafa. "No outro dia fui almoçar a Carnide. Emocionou-me lembrar a infância em Benfica, o dia-a-dia de um bairro, a familiaridade".

Não se queixa da vista, porém. Não fosse a sua má relação com Fernando Pessoa ("às vezes dá vontade de desmontar o mito...") e poderia apresentar-se do tama-nho do que vê. De um lado, o Tejo e mais além. Do outro, Sintra e o que a ultrapassa. Paisagem infinita, então, como a sua dedicação à Literatura.

Na sala de estar do duplex, novas e incontáveis estantes

completam o retrato de uma existência em papel. Nas paredes, obras de amigos, em particular de Júlio Pomar, que o captou várias vezes, mais em espírito do que em fisicalidade. Alguns autores destacam-se: os grandes clássicos, sobretudo os da literatura francesa, inglesa e russa. Algumas edições da Bibliothèque de la Pléiade, que passará a publicar a sua obra em França. Mas a isso já lá vamos. Este texto só se demora porque a conversa também tarda em começar. Antes, ALA faz questão de regressar a alguns tópicos que têm sido constantes nas últimas entrevistas. "Mais três romances e

acabou", afirma, como o fizera em outras ocasiões. O plano, desta vez, é para levar a sério, garante. Sai agora A Última Porta Antes da Noite, que reforça a já notada presença da morte como grande tema dos romances recentes. À editora já entregou o manuscrito do próxi-mo, A Outra Margem do Mar, uma narrativa passada em Portugal que o ocupará, em aturada revisão, nos próximos tempos. Em projeto tem a conclusão da trilogia das pedras, iniciada em Comissão das Lágrimas e continuada com Até Que As Pedras Se Tornem Mais Leves Que A Água, ambos em torno da Guerra Colonial, núcleo temático e central da sua obra. "Depois regresso a um romance passado em Portugal e acabou", reforça. "Acho que chega. Já mudei a literatura. Fica a obra feita."

É essa mesma obra completa que a editora Gallimard anunciou que vai publicar, na sua presti-giada e seletiva Bibliothèque de la Pléiade. Fundada em por Jacques Schiffrin, esta coleção de livros de capa dura e papel bíblia tem-se afirmado como uma espé-cie de panteão da grande literatura, reunindo autores de indiscutível qualidade, com lugar de desta-que no atual cânone literário. Na subjetividade que todas as questões literárias comportam, há quem compare (é o caso do próprio ALA) ser nela editado a receber o Prémio Nobel. E apenas escritores rece-beram esta honra em vida, embora a publicação de todos os romances possa alongar-se por muitos anos, nomeadamente numa obra tão extensa como a de Lobo Antunes ( romances e cinco volumes de crónicas). "Foi uma notícia que me encheu de alegria", diz. Não sabe quais os próximos passos, nem os prazos, supõe até que talvez seja necessário voltar a traduzir alguns títulos, apesar de hoje estar muito contente com o atual tradutor, Dominique Nedellec, cujo tra-balho já foi galardoado. Mas o sonho de juventude fica cumprido. “Sempre houve muitas tentativas de imitação, sobretudo em Itália e nos EUA, mas ninguém conseguiu disputar-lhe o estatuto. A Pléiade é especial”, diz a propósito desta notícia. "Ninguém pode dizer nada, nem ter certezas sobre o futuro, mas dá-me pelo menos a garantia de que a minha obra tem condições para continuar a ser lida."

E não faltam ecos da leitura da sua obra em Portugal e no estran-geiro. Aliás, em várias ocasiões Lobo Antunes faz questão de sublinhar que o seu prestígio veio de fora para dentro. "Aqui levei muita porrada", lembra, recor-dando os primeiros lançamentos. "Mas depois vieram as traduções, as críticas e os prémios, na Europa e nos Estados Unidos da América. Com isso, tudo mudou. Hoje pare-ce o contrário: ninguém se atreve a criticar-me".

A surgirem críticas, talvez não seja ainda em relação a este romance. Sem repetições, com

Preciso de uma história ou de um esboço. Mas depois o que me interessa é a prosa, o português

De início escrevia com uma angústia enorme. Hoje posso dizer que sei o que estou a fazer, mesmo quando hesito

António Lobo Antunes Ninguém pode ter certezas sobre o futuro, mas [a edição na Pléiade] dá-me pelo menos a garantia de que a minha obra tem condições para continuar a ser lida

LUÍS RICARDO DUARTE

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J * ANTÓNIO LOBO ANTUNES jornaldeletras.pt * a de outubro de

D.R

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certas pesquisas literárias aden-sadas e num belíssimo contraste entre violência e ternura, A Última Porta Antes da Noite é efetivamente um grande romance, ao nível do melhor que nos tem dado desde a sua estreia, em , com Memória de Elefante e Os Cus de Judas (ver, a seguir, a crítica de Norberto do Vale Cardoso).

De vários cantos do mundo também continuam a chegar novos prémios e homenagens. Ainda este mês, ALA vai a Itália receber o Prémio Bottari Lattes Grinzane , atribuído pelo conjunto da obra, e para presidir à inauguração oficial da cátedra que a Universidade de Milão lhe dedicou. Em novembro, estará em destaque no México, com duas homenagens, na capital e depois na Feira do Livro de Guadalajara, onde Portugal é o país convidado. Antes que a sua escrita definitivamente anoiteça, há muito para celebrar.

UM CRIME E UM CABIDEHá uma ínfima ressonância do real em A Última Porta Antes da Noite. E por coincidências que ninguém prevê, pode até dizer-se que este novo romance de ALA tem uma inesperada atualidade. Quem está atento às notícias tem sido surpreendido por vários assassí-nios seguidos de profanação do corpo. Ao escritor, por razões que não sabe ou não quer explicar, chamou-lhe a atenção o caso ainda mais macabro do empresário de Braga cujo corpo, já sem vida, foi dissolvido em ácido sulfúrico. O processo, ainda em tribunal, envolve um grupo de seis pessoas acusadas de vários crimes. Em A Última Porta Antes da Noite são apenas cinco, mas outras seme-lhanças reforçam a ligação, como as relações entre mandante e exe-cutantes ou alguns perfis sociais.

Não é, contudo, uma recons-tituição, nem isso se esperava do autor. E se tarda em reconhecer a ligação aos factos, no fim escla-rece. "Sabia da notícia coisinhas pequenas, depois fiquei à espera se teria ou não alguma influência em mim", diz. "Mas esses aconte-cimentos são secundários no livro. A história em si não me interessa, nem como leitor. É o cabide onde se pendura a prosa", diz, sem mais acrescentar sobre o livro.

Profanar um corpo é certa-mente um dos crimes mais vio-lentos, sobretudo pela dimensão simbólica. Um crime depois do outro. Daí a dúvida: não lhe inte-ressará como metáfora? A mesma pergunta poderia ter sido feita a propósito do romance anterior, Até Que as Pedras se Tornem Mais Leves Que a Água, desfiado a partir da matança de um porco (e da morte de um pai às mãos do filho). O escritor é rápido e pe-rentório a responder: "Não. Claro que preciso de uma história ou de um esboço. Mas depois o que me interessa é a prosa, o português". Disso não temos dúvidas. Como só os grandes escritores alcançam,

ALA tem uma prosa imediata-mente reconhecível como sua e dificilmente copiável por mão alheia. Enche-se de cambiantes e detalhes semânticos e sintáticos, que não poucas vezes rompem convenções. "Alguns tradutores já me disseram: nunca vou ganhar um prémio porque não respeito a gramática", lembra, com um sor-riso. "Temos uma língua espan-tosa, dúctil e com tantas possibi-lidades", descreve. "Infelizmente, é muito mal explorada hoje em dia". Desse potencial, gosta de dar como exemplo os diminutivos, a que muitos prestam pouca aten-ção. "A vida, a vidinha", decla-

rasgava, escrevia e rasgava. Era a crença em mim que me fazia tra-balhar. Se não for assim, não vale a pena", afirma.

A sua alma, está visto, não é pequena, o que não o livrou de muitas dúvidas. "De início escre-via com uma angústia enorme. Hoje posso dizer que sei o que estou a fazer, mesmo quando hesito. E também posso abrir um livro meu, como fiz recentemente com A Ordem Natural das Coisas, e dizer: isto é bom, isto é um grande romance".

Nos últimos anos tem escrito com a urgência de quem atra-vessou os corredores da doença. "Cancro é uma palavra muito difícil de pronunciar", diz, quase em sussurro. "E eu tive três". O primeiro em , os outros em . Hoje, define a sua vida como uma corda presa a dois traumas. O da Guerra Colonial, onde cumpriu várias missões em Angola, e o da doença. "Aprendi muito sobre a vida na guerra e no hospital", garante. E se aos soldados que com ele estiveram em África costuma apelidar de príncipes ("quem diz que são pessoas humildes não sabe do que fala"), às pessoas que passam por um cancro atribui es-tatuto ainda maior. "O lugar onde senti mais orgulho em ser pessoa foi o Serviço de Oncologia do Hospital de Santa Maria", lembra. "A elegância dos doentes transfor-ma-os em reis."

E é assim que António Lobo Antunes desfaz a teoria, apresenta-da há poucas linhas, de a sua ficção se erguer sem heróis. "Os portugue-ses são extraordinários", afiança. "A coragem que demonstram é de uma beleza sem paralelo. E a beleza, como se sabe, é a forma suprema da elegância". A eles, afinal, dedica a sua prosa. Dos seus romances gos-tava que se dissesse o que o escritor francês ¨éophile Gautier disse, no Museu do Prado, das Meninas de Velázquez. Depois de ter ficado muitas horas parado em profunda contemplação, perguntou: onde está o quadro? "É a melhor crítica que se pode fazer a uma obra de arte. Isto não é um livro, é a vida", remata.

"Definitivamente inacabados" os seus livros, portanto, a cada novo título mais próximos do que nunca se alcança. A vida toda, antes que anoiteça e desague na ténue memória dos dias comuns. Uma obra que, para o seu au-tor, também é a justificação de toda uma vida. "Uma dia, a atriz francesa Sarah Bernard cruzou-se com um fã antes de um espetá-culo. Excitado, perguntou-lhe: é mesmo a Sarah Bernard? Ela respondeu: vou ser esta noite", evoca inesperadamente, para de-pois concluir. "Não sei fazer mais nada. Só quando estou a escrever posso valer alguma coisa. E mes-mo assim ninguém me vê". Sinta, então, quem lê, perdido neste labirinto de vozes, personagens e fragmentos de vidas que desafiam o tempo.J

de facto, que os seus romances brilham e se revelam. Fluxo de consciência, verdade íntima? Mais do que isso. "A fala das pes-soas que não têm ou a quem não foi dado voz", sugere. Também porque, como defendia Mallarmé, "um romance não se faz com ideias". O que lhe interessa é a materialidade do pensamento e das sensações.

Esse entendimento da narra-tiva sobressai em A Última Porta Antes da Noite, que reforça a ideia de haver uma tensão constan-te entre as personagens e o seu discurso. Não há propriamente heróis nos romances de ALA. Este

Não sei fazer mais nada. Só quando estou a escrever posso valer alguma coisa. E mesmo assim ninguém me vê

O romance é violento? Para mim, está cheio de amor

António Lobo Antunes Na Guerra Colonial, um dos ‘traumas’ da sua vida e escrita

não é exceção. E no entanto as personagens superam-se atra-vés das suas pulsões, obsessões e confissões. Revelam-se maiores do que a prosa. Grotescas e belas, vis e sublimes, comuns e únicas, em retratos inesquecíveis de uma portugalidade silenciada e invisí-vel. Terminada a leitura, é impos-sível perceber no que estivemos mergulhados. "O romance é vio-lento?", questiona-se o escritor. "Para mim, está cheio de amor". A resposta já a usou noutros livros. Violência e amor: portas de uma mesma noite.

ENTRE PRÍNCIPES E REISPassou-se há muito tempo, era Lobo Antunes ainda jovem. O pai, João Lobo Antunes, prof. da Faculdade de Medicina de Lisboa e neuro-patologista no Miguel Bombarda, antes de sair de casa para o Hospital entrou-lhe no quarto para abrir as janelas e deixar entrar a primeira luz da manhã. "Veio assistir ao acordar de um génio?", perguntou-lhe espontaneamente o filho, que recorda o episódio entre sorrisos. "Era homem pouco dado a graças, mas não disse nada. Ficou a olhar para mim e depois saiu". Ao correr da vida, não terá desafiado poucas vezes o pai. Ainda jovem, dizia-

-lhe a propósito de prémios e dis-tinções. "O Nobel não me interessa para nada, prefiro a Plêiade". E se respeitou o conselho paterno ao seguir Medicina, nunca deixou a escrita para segundo plano. Quando teve de escolher, optou pelo ofício que mais o define. "Já não conseguia trabalhar no hos-pital o dia todo e escrever até às três da madrugada. Assim que foi possível, com os prémios e as tra-duções, não tive dúvidas", conta.

Os elogios alargam-se à mãe, Maria Almeida Lima. "Quantas pessoas leram o Proust todo três vezes?", pergunta em tom de desafio. "Tive muita sorte com

a minha família e isso deve ter irritado muitos críticos, talvez menos bonitos, inteligentes e bem nascidos". Ainda do pai guarda uma das suas últimas frases, dita quando o irmão, Miguel Lobo Antunes, lhe perguntou o que gostaria de deixar aos filhos. "Ele, que era um anatomopatologia do sistema nervoso central, um homem que não tinha propria-mente uma imaginação criadora, disse-nos esta coisa inesquecível: o amor das coisas belas."

A esse legado dedica-se com uma persistência admirável e inspiradora. E sempre em liber-dade total. Quando deu a ler o manuscrito do que viria a ser o seu primeiro romance, Memória de Elefante, recebeu de dois amigos críticas completamente opostas. "Um disse que cortava a primeira parte. O outro, a segunda". Está bom de ver que se tivesse seguido os dois conselhos não haveria livro. Trilhou, por isso, o seu caminho, talvez contra tudo e contra todos, numa indomável desobediên-cia literária e faustoso gosto por provocar, bem patente nas muitas entrevistas que foi dando ao correr dos anos (também nesta). "Aos anos já pensava que era o melhor escritor do mundo, embora só escrevesse porcarias. Escrevia e

ma. "São tantas as variantes e as gradações..."

Mais importante se revela o que poderíamos descrever como a ordem natural da fala (e da escri-ta), que situa entre o popular e o literário. Também aqui sucedem--se os exemplos. "Olhai, porém vede", de Fernão Lopes. "Tenho a impressão de que há uma dor aqui no quarto mas não sei se sou eu que a tenho", de um romance de Dickens. Ou a resposta que uma mulher de avançada idade, com o sofrimento esculpido no rosto, deu ao seu pai, que lhe pergun-tou como fazia a lida do dia: "É tudo a poder de lágrimas e ais". Ou ainda aquela outra mulher alentejana que ao vê-lo a escrever lhe perguntou se estaria a "olhar para dentro". Para o escritor, a conclusão é óbvia: "Não há quem não tenha génio". Haja engenho e arte e a obra nasce.

"Nunca seria capaz de escrever por dentro como Stendhal", diz Lobo Antunes. Mas não é auto-crítica. É de Eça de Queirós que se trata, um dos muitos autores desfeitos pela máquina tritura-dora do seu discurso. "Aos anos gostava muito dele, sabia páginas de cor, mas quando comecei a escrever mais a sério a minha admiração diminuiu". Neste caso, a distância (mais do que a crítica) é compreensível. Se tivéssemos de situar Lobo Antunes no mapa da literatura nacional (num exercício académico e circunscrito a uma fronteira) certamente aparecia nos antípodas do autor de O Crime do Padre Amaro e seus descenden-tes. É por dentro das personagens,

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J ANTÓNIO LOBO ANTUNES * a de outubro de * jornaldeletras.pt

A Última Porta Antes da Noite A mais simples complexidadeNORBERTO DO VALE CARDOSO

“[…] inventamos o que foi para dar sentido ao que é”

(A Última Porta Antes da Noite, p. )

1Num pentagrama de perso-nagens deveras ambicioso, A Última Porta Antes da Noite,

novo romance de António Lobo Antunes, encontra no homicídio de um homem o seu núcleo cen-tral. Capturado numa garagem e transportado numa furgoneta, o corpo do “homem” é coloca-do num bidão e dissolvido em ácido sulfúrico para que dele não reste qualquer vestígio. A defesa do grupo assenta numa ideia, “sem cadáver não há crime” (p. 41), pressuposto que elimina-ria qualquer pista conducente aos envolvidos: o “cobrador do bilhar”, o “segundo cobrador”, o “ervanário”, o “irmão do doutor” e o próprio “doutor”, mandatário do homicídio e representante do poder – como se confirma através de vários dados, tais como o seu “cavalo de bronze”, a constante sensação de impunidade (p. 308) ou a insegurança e timidez do seu irmão, que é mero “eco” do pró-prio doutor (pp. 230 e 350).

.. Faça-se aqui, antes de avançar-mos, um alerta ao leitor, pois este, munido de um contexto referencial, tido por si como certo, deve (re)considerar que o mesmo pouco importará no processo de leitura, pois, tal como é dito no romance, a “força” com que se inventa leva a que as coisas que não existiam passem a existir (cf. p. ), sendo, inclusive, essas mesmas coisas in-ventadas que dão plausibilidade ao que as coisas efetivamente são. Está assim dado o mote para a estética antuniana, onde verdade e ficção não são mais do que dois modos de aceder a uma literatura que se indaga sobre o mundo, refazendo-o em constante volubilidade (distor-ção, transfiguração ou reiteração de personagens, frases, eventos e sonhos, por exemplo).

2 Posto isto, podemos voltar à omissão do corpo, que exige uma reconstituição (asse-

melhando-se ao ofício da escrita, conforme o exemplo: “onde a gente preparava a nossa história acerca da história do homem”, p. 328) de toda a narrativa, onde, ao longo dos vinte e cinco capítulos que constituem o livro (porventura

tantos quantos os anos de prisão em caso de provada a culpabilidade dos suspeitos), cada personagem irá conduzindo o leitor a outras narrativas (microcosmos, percurso e/ ou obsessões de cada indivíduo), como se de um labirinto se tratasse (note-se a mutação da ordem ca-pitular, com vozes alternadas nos primeiros quinze capítulos, mas díspar nos dez capítulos finais, li-gando-se a uma eventual prisão do “cobrador do bilhar” e do “irmão do doutor”, que assim se silenciam, cf. capítulo 17). Deste modo, o corpo ausente indicia a rasura da identidade do h(H)omem, muito em particular se pensarmos que a eliminação do corpo reforça o sucedido noutros romances de Lobo Antunes, como em Os Cus de Judas ou Explicação dos Pássaros, mas com principal relevo em Fado Alexandrino, onde um grupo de cinco homens assassina um dos elementos, articulando-se ao su-cedido em A Última Porta Antes da Noite (sublinhe-se a associação ao pentagrama enquanto símbolo da perfeição, ainda que gorada, o que não deixa de ser uma marca cons-tante nos romances antunianos).

3A contrastar com a dissolução do cadáver, encontramos ao longo do livro um reforço do

elemento “corporal”, mormente quando nos atemos nas “raparigas do secundário”, que não crescem, dentre elas se destacando pre-cisamente a irmã do “homem” dissolvido. Estas raparigas talvez possam – na subjetividade que a toda a análise literária subjaz – lem-brar aqueloutras “em flor” de Marcel Proust (referimo-nos ao segundo volume de À La Recherche Du Temps Perdu: À l’ombre des jeunes filles en fleurs). Contudo, em Lobo Antunes as entidades femininas serão apenas botões (não atingindo a maturação das flores), ou seja, as raparigas serão apenas flores potenciais, assim se es-tancando o fluir do tempo (atente-se à descrição das raparigas: “o peito liso ainda”, p. 110; “dois relevozitos no peito”, p. 137). Deste modo, já não se trata da busca de um tempo perdido, como em Proust, porque a cristalização do tempo implica, em consonância, que o mesmo não tenha chegado a perder-se. Assim, o romance de Lobo Antunes escreve para impedir o tempo escreva, pois este, quando escreve, anuncia algo “pior do que a morte”, que só pode traduzir-se na solidão, “não porque os outros nos abandonam, porque somos nós quem se vai embora da gente” (p. 100).

Este laborioso manusear dos elementos temporais faz par-te da estratégia delineada por Lobo Antunes para a sua poética. Trata-se, nessa linha, da capa-cidade que a linguagem tem de nos remeter – como diria George Steiner, num ensaio publicado em (O Castelo do Barba Azul) – para Eurídice, ou seja, “para trás”, para onde só poderemos ca-minhar, como a irmã do homem, “em bicos de pés” (exigência de uma leitura minuciosa, mesmo que tudo seja cada vez mais mó-vel, propositadamente desconexo ou manifestamente impossível, contudo passível de suceder em interioridade, ou seja, a nível sen-sitivo, onírico ou memorial).

4Mas se este corpo presente é a imagem da perenidade de um tempo mítico (a adoles-

cência, que antecede as perdas que a idade madura comporta, como se pode constatar na frase: “se eu pudesse voltar ao secundário, passar a vida a limpo”, p. 244), outro se nos revela seu antagonista. Referimo-nos à mutação final do doutor, que começa a sentir que o seu corpo é um peso (p. 441) do qual necessita de se libertar, acabando por regressar com as “cegonhas” a Paris, nelas se meta-morfoseando (leia-se a mutação: “pescoços e os bicos que subiam

num círculo largo acima da cidade, um deles transportando qualquer coisa parecida com uma espécie de criatura, uma espécie de pessoa, uma espécie de mim”, p. 453). Este epílogo, deveras enigmático (modo fantástico que quebra certos limites considerados inerentes ao real, e que se apresenta o mais credível possível), reenvia à centralidade dos pássaros no universo ficcional de Lobo Antunes. As andorinhas, os cisnes, as cegonhas e, acima de tudo, as “todavias” (sublinhe-se a extensão semântica), movem-se em círculos, renovando-se, como sucede com as histórias pessoais de cada uma das personagens (inclusive quando falamos da personagem diluída, pois esta só fala através das outras, pedindo clemência para a filha).

5Voltando ao já mencionado ensaio de Steiner, abrir a “última porta do castelo”

pode conduzir “a realidades que estão para além da capacidade do entendimento e controlo huma-no.” Deste modo, de entre as já mencionadas ausência, presença ou mutação do corpo, vinga-rá, afinal, o corpo do texto, onde ganham assentimento: 5.1. As questões prosódicas, fónicas e rítmicas, por exemplo: “caco ou morto, nós todos cacos ou mor-tos salvo o meu padrasto intacto,

Novo romance ‘Um laborioso manusear dos elementos temporais’

mais cota também mas intacto” (p. 46, sublinhados nossos); 5.2. As unidades lexicais de sentido: as “socas da mãe”, que se ligam às “soqueiras” usadas para espancar o homem; a máscara do dentista, que lembra ao segundo cobrador as “máscarascaraças” que haviam usado na captura do homem (pp. 278 e 423, respetivamente, subli-nhados nossos); 5.3. A “tessitura cultural”, a par das infrações e disrupções linguísticas: supressão de aspas, itálicos e hífens; con-cordâncias invertidas a nível da sintaxe; pontuação ao ritmo da fala; empréstimos externos em aportuguesamento progressivo; ou frases intercaladas: “o ervanário, triunfal/ – Eu não disse que sem corpo, não façam mal à minha, não havia, filha, crime?” (p. 190).

6Assim, o idiolecto antuniano, como corpo presente, assenta cada vez mais numa escri-

ta depurada, sem citações nem referências, abdicando da suces-são e profusão de elementos que caracterizaram a obra deste autor numa primeira fase. Se com isso os últimos livros de Lobo Antunes podem parecer menos elaborados, devemos sublinhar que tal não passa de um efeito premeditado, pois a escrita atual, mais ciosa que nunca, tende a surgir aos nossos olhos sem o grau de complexidade que a ela subjaz (mil e duzentas páginas manuscritas, corrigidas e reduzi-das a pouco mais de quatrocentas e cinquenta). O trabalho criativo e as sucessivas correções, anteriores ao corpus final, não são nem deverão ser visíveis ao leitor, porque este não deve olhar para o texto como quem encontra um corpo-delito com os seus vestígios materiais ou periciais (na crónica “Tocar lira antes de morrer”, de 19 abril de 2018, o autor diz-nos que é imperioso que o leitor “não se aperceba do sangue que o autor suou”, nem “das infinitas emendas” ou “hesitações”). A depu-ração, como trabalho moroso, que só se pode alcançar com persistência e sofrimento, deixa-nos assim perante uma espécie de “peito liso”, sendo esta a lisura que o texto antuniano tanto enceta, esperando que ao leitor tudo surja em fluidez. No fundo, António Lobo Antunes (em alusão a um texto incluído no Quinto Livro de Crónicas, p. ), parece lembrar que “Devemos fazer tudo o mais simplesmente possível mas não mais simples-mente do que isso.” Eis a simples complexidade (porque simplici-dade tão-só aparente) de A Última Porta Antes da Noite.J

ou mor-

› António Lobo AntunesA ÚLTIMA PORTA ANTES DA NOITED.Quixote, 456pp., 20,90euros

TIA

GO

MIR

AN

DA

Page 14: António Lobo Antunes 'Já mudei a literatura' - Trust In News

J * LIVROS jornaldeletras.pt * a de outubro de

BANDA DESENHADAJoão Ramalho Santos

CRÓNICA DE POESIAFernando Guimarães

O tema do amor percorre a poesia universal. E, na literatura de cada país, desenvolve-se ao longo do tempo. Em torno do seu imaginário aparece todo um conjunto de ima-gens que conduz ao conhecimento, à comunicação entre os seres, ao pudor ou ao erotismo, à própria morte.

O último livro publicado por Manuel Alegre, intitulado Todos os Livros são de Amor, não deixa de o confirmar. Nele se faz uma alargada recolha de poemas provenientes de obras suas anteriores, às quais se soma um outro conjunto de poemas inéditos. Esta poesia dir-se-ia que fica a oscilar entre um duplo espaço verbal que se desenvolve através de uma linguagem que tende para a epopeia – ou o canto - e uma outra que tende para o lirismo – ou a emo-ção. Não é bem de dois géneros lite-rários que se trata… São, antes, cargas ou direções expressivas que por vezes se cruzam. Neste novo livro, a emoção pode mesmo defluir para a canção, se dermos a esta palavra o sentido que desde o Cancioneiro Geral – lembremos o poema “Senhora partem tão tristes…” – veio a ganhar uma amorável e límpida expressão. É o que acontece nesta poesia de Manuel Alegre que principia por esta quintilha: “Senhora não vás ao rio/ não vás ao rio não deixes/ que te dis-

pa o vento frio/ e te mordam negros peixes/ Senhora não vás ao rio.”

Mas o que aqui se revela como algo de lúdico pode derivar, como acontece num outro poema também inédito, para uma expressividade que é já a da emoção. Ela torna-se, pelas suas variações rítmicas, num canto que não é o da epopeia, mas o da in-terioridade. É mediante esta labilida-de, esta oscilação entre as “inflexões épicas e líricas”, como já notou Vasco Graça Moura num texto transcrito no livro, que a canção se converte em canto, palavra esta que vai tão significativamente aparecer no fim de um poema de que se transcreve esta passagem: “As palavras que não te disse estão aqui/ caladas há tanto tempo não se calam/ trago-as em mim e sem falar te falam/ estão den-tro do silêncio e cantam para ti”/ […] Palavras que te digo sem dizê-las/ palavras onde pulsam várias vidas/ e são a escrita mesmo se escondidas/ e são o canto mesmo sem escrevê-las”.

Manuel Alegre reuniu aqui um conjunto de belos poemas de amor e, com eles, se evoca ou invoca nomes como os de Hamlet e Ofélia, Ulisses e Penélope, Soror Mariana, Pedro e Inês de Castro, a Violante camonia-na, a Laura de Petrarca… Por vezes o tempo destas personae confunde-se com aquele que é vivido por quem

enuncia: “Todos os dias pergunto por Penélope”. E isto porque a presença de um autor num poema é apenas a de uma enunciação. E se a poesia em “eu” ou referida ao “tu”, isto é, na primeira ou na segunda pessoa, tantas vezes acontece nos poemas de amor, nem por isso deixa de nos con-duzir àquele rio das palavras (ao “rio das vogais” se referiu o poeta) que cria em cada verso o que é sempre o lugar único da poesia.

Num encaminhamento verbal diferente, um outro poeta, José Carlos Soares, acaba de publicar um livro intitulado Carmel Blue em que há qualquer coisa de impronun-ciável. Com esta palavra termina

precisamente um poema deste livro: “Perdendo/ posso encontrar// o modo de abrir/ a terra// onde sepultar o silêncio// unida que foi a busca/ ao impronunciável”. Aqui os poemas são breves, cada verso é pouco extenso, o número de estrofes raro ultrapassa os três versos. De um outro poema isolamos esta passagem: “Deixar molhadas/ no campo das palavras/ como um ramo de mansas/ cicatrizes”. Entreabre-se, assim, uma visão disfórica que correspon-de a algo que se vai desvanecendo através das palavras do poema que “assomam repentinas/ mordendo na sombr / a mão ao escrevê-las”. É, afinal “a língua/ da língua sem palavras”.

Há, com efeito nesta poesia um compromisso com o silêncio. Ele filtra ou reduz a emoção, as vivên-cias, a própria memória. Daí um evanescente sentido de perda ou es-quecimento, de íntimo e emocionado receio (“medo e coração/ acesos”), de contemplação que em si mesma se apaga (“os dias cavando/ um lugar para enterrar-se. E lá fora// lá fora, as grandes tílias// os grandes pláta-nos”). Por isso nesta poesia, os gran-des símbolos ou as grandes imagens estão ausentes. Se eles se deixam entrever é para logo serem rasurados: “o que está/ é a ausência, um deus

A pronúncia amorosa e o impronunciável

Uma expressividade que é já a da emoção [em Manuel Alegre]. Ela torna-se, pelas suas variações rítmicas, num canto que não é o da epopeia, mas o da interioridade

› Manuel Alegre TODOS OS POEMAS SÃO DE AMOR D. Quixote, 134 págs.

› José Carlos SoaresCAMEL BLUEAverno, 180 págs

› Gonçalo Salvado DENUDATARVJ Editores, 186 págs.

deixado/ sem a última página”.Podemos dizer que a leitura

deste livro confronta-nos com uma expressão que deflui quase apagada-mente, de um modo quase inau-dível, mas que acaba por nos tocar

Vivemos num mundo multicul-tural que se vai tornando global; ou num mundo globalizado no qual o multiculturalismo assume contornos locais, entre a normalidade, o trágico e o turístico? Seja como for é necessá-rio conviver com a diferença, se bem que pareça sempre haver, em cada contexto específico, “diferenças mais diferentes do que outras”. Algo que também se tem de refletir do universo dos super-heróis, e um dos exemplos mais interessantes, relevante para lá da banda desenhada, é a nova “Ms. Marvel” (G. Floy Studio).

Americana de New Jersey, a premiada argumentista G. Willow

Wilson cresceu numa família ateia, e foi um período de descoberta sobre as diversas religiões a conduzi-la, já em adulta, ao Islão, ao qual se converteu, tendo vivido um período no Egito e adotado o “hijab”. E é na sua comu-nidade norte-americana de origem que a adolescente filha de imigrantes paquistaneses Kamala Khan, se vai transformar na nova “Ms. Marvel”, equilibrando a vontade de inserção com o valor de tradições, mesmo quando estas parecem repressivas. E, sobretudo, mostrando com os seus retratos do dia a dia que a “cultura mu-çulmana” é tão variada como qualquer outra, e não se reduz a arquétipos. Ou

que estes também têm as suas nuances, de afirmação a refúgio num contexto onde a aceitação não é total, apesar de

todas as referências culturais comuns, sobretudo para a geração que cresce nos EUA. Apesar da premissa estar nos

antípodas de outras personagens, esta é também uma história sobre dominar os “poderes” que se obtêm quando se passa da adolescência para a idade adulta, e de conjugar a vida para fora de casa com a vida familiar, uma tradi-ção que vem da Marvel dos anos , com o “Homem-Aranha” criado por Stan Lee e pelo recentemente falecido Steve Ditko.

Destinado a um público que se identifique com a realidade da prota-gonista, “Ms. Marvel” enquadra-se no tom da chamada literatura “YA” (“young adult”) na qual pontificam contemporaneamente muitas autoras (de S.E. Hinton a J.K. Rowling). É um rótulo como qualquer outro, mas, trabalhando uma mescla inteligente de banal e extraordinário, o traço na fronteira entre o realismo e a carica-tura do canadiano Adrian Alphona (“Runaways”) é aqui fundamental, ao não deixar a história resvalar, nem para o dramatismo (onde tem mais dificuldades), nem para a leveza.

É certo que, neste primeiro vo-lume, o contorcionismo da prota-gonista para acomodar as diferentes realidades que compõem o seu mundo subitamente em mutação é bastan-

Muçulmana

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J LIVROS * a de outubro de * jornaldeletras.pt

OS DIAS DA PROSAMiguel Real

ou ficar próxima de nós, pois está, como se insinua no poema que se segue, tecida na sua própria sombra: “Dobrou o poema/ em quatro e um eco/ assentia com espanto. Sorriu// dirigindo-se à margem/ intacta, essa/ em curva inacabada. Novo/ poema// no coração doía, temor/ e tanto recordar/ das mãos tecendo/ a maior sombra.”

Gonçalo Salvado, num livro, Denudata, de excelente apresentação gráfica com desenhos de Francisco Simões e fotografias de Manuel Magalhães, e acompanhado por tex-tos introdutórios do poeta brasileiro Carlos Nejar e da crítica de arte Maria João Fernandes, prossegue uma obra poética onde ganha corpo uma poesia que incide sobre o tema do amor. Daí um lirismo que, neste livro, procura uma concisão que de certo modo se aproxima da claridade de um destino que se diria carnal e que encontra na citação que faz de um poeta espanhol da geração de , Pedro Salinas, a sua melhor expressão: “um corpo é o destino de outro corpo”. Essa con-tenção acompanha todos os poemas que escreveu, os quais geralmente são formados por dois ou três versos, espraiando-se, todavia, por um ima-ginário que procura de certo modo ir ao encontro do que seria a tradição de um erotismo literário que tanto podia vir da Arte de Amar de Ovídio como de algumas passagens bíblicas, como é o caso do Cântico dos Cânticos. Daí a recorrência de imagens como as da pele, das jóias, do vinho ou dos bagos de uva, do “sol nascente”, dos frutos, do lume, de “uma árvore/ florida/ sempre”. E é desta imagem arbórea que provêm estes versos: “Sou como um tronco forte/ ante a tempestade e o infortúnio./ Mas vergo/ ao sopro do teu hálito/ como o mais débil arbusto”.J

›Argumento de G. Willow Wilson, desenhos de Adrian Alphona. MS MARVEL 1: FORA DO NORMAL. G. Floy Studio. 120 pp., 13 Euros.

te mais interessante do que as suas aventuras como o novo (e ainda pouco hábil) paladino de Jersey City. Mas é um começo promissor para uma ideia tão original como necessária. Será “Ms. Marvel” capaz de captar um público potencialmente relevan-te que poderá não conseguir olhar para além dos super-heróis, que são, na verdade, o que menos importa aqui? Por exemplo, leitoras ou todos os interessados no lidar simultâneo de diferentes diferenças? Seja como for, esta é uma série estimulante, que consegue provocar com a sua busca de uma normalidade que não se sabe qual seja, em circunstâncias que nunca serão normais. Bem-vindos ao mundo real.J

› Rui LageO INVISÍVELGradiva, 282 pp., 17 euros.

Este princípio de outono assistiu à publicação de dois romances de estreia de evidente qualidade literária, mesmo de excelente qualidade: O Invisível, de Rui Lage, poeta conhecido, Prémio Agustina Bessa-Luís , e Os Fios, de Sandra Catarino, autora até agora totalmente desconhecida. Analisemos o primeiro, mais tarde focar-nos-emos no segundo.

O Invisível explora um Fernando Pessoa [FP] totalmente original, dotado de uma “visão etérica

como faculdade [de conhecimento] suplementar, sexto sentido interdito ao vulgo” (p. ), que lhe permite aceder a um mundo “invisível” – daí o título. Ainda imberbe, habitando a região de Durban na África do Sul, FP sofre, nas florestas de Kwazulu-Natal, pela mão de Sindisiwe ou Sindi, sua ama negra, criada da família Rosa (pp. – ) no casarão de Ridge Road, a interiorização da religião mágica e pagã dos Zulus, e, como um neófito numa cerimónia iniciática, bebe a “poção amarga”, tendo “pela primeira vez um vislumbre dos invisíveis” (p. ), mistérios afros que “os colonos brancos reprimiam por bárbaros e idólatras” (p. ).

Já em Lisboa, adulto, desenvolvendo esta capacidade, FP junta-se a Augusto Ferreira Gomes (autor de Quinto Império, , prefácio de Pessoa, e de No Claro / Escuro das Profecias ido de ajuda do padre Amadeu da Horta, da aldeia de Cova do Sapo, na serra do Alvão, entre o Minho e Trás-os-Montes, informando que à noite o povoado se enche de “uivos lancinantes” e de monstruosos seres doutro mundo, deixando “sepul-turas violentadas no cemitério” (p. ). Os aldeões, “privados do sono nocturno e do sono reparador” (p. ) vivem exaustos e aterrorizados. Pessoa hesita em responder positivamente ao pároco da Cova do Sapo quando, à porta do café Nicola, se sentiu tomado por sensações estranhas, “a consciência foi-lhe sugada para regiões obscuras”, vomitou, desmaiou no passeio e depressa retornou ao seu estado normal – FP pensa que “teria finalmente experimentado um episódio da visão astral há muito perseguida, o que pressupunha uma dissociação temporária entre o corpo físico e o corpo etéreo que com este coincide” (p. ). Decide aceitar e partir para o Alvão, deixando a vida turbulento dos Restauradores (o Maxim’s, a amante Hanni, trazida para Portugal pelo “mago” Crowley, o Raul Leal de Sodoma Divinizada, as caves da Maçonaria, que davam aces-so “a túneis subterrâneos” que desembocavam na Quinta da Regaleira em Sintra, p. ).

Viajados da cosmopolita Lisboa para o rústico Alvão, a descrição dos camponeses (p. ) é absolutamente magnífica, operando um claro con-traste entre urbano e rural, ainda possível na segunda década do século XX, inclusive com o desconhecimento por parte dos aldeãos de quem fora Camões (p. ). É a descrição de um Portugal quase pré-histórico, no mínimo medieval, prosseguida nas pp. a : “Ele [FP] sabia desde o primeiro momento que se iria comover com aquele povo jurado à força braçal, com as vidas nunca melho-radas do berço à sepultura, encaroçadas nos trabalhos e nos dias, a rodar em ciclos ancestrais, a escutar a respiração das pedras, o vagido dos estábulos, o escurecer do fruto, o germi-nar e definhar da vegetação. Povo só à superfície cristianizado porque secretamente devotado a génios silvestres, tutores da natureza que a Igreja procurava sequestrar para mascarar de santos” (p. -).

Através de Joaquim Raposo, um rude camponês, e do padre Amadeu da Horta, Ferreira Gomes e FP são informados do que tem sucedido nas noites na povoação: luzes estranhas a cintilarem no breu (“luzes ominosas, como labaredas dan-çantes e coloridas” – p. ), estrondos nas paredes, esgara-

vatar nas portas, guinchos de “coisa matada”, ossos de gente na soleira da porta, “a presença de uma entidade do outro lado da porta e o grito de gelar o sangue” (idem) … Raposo está convencido que é coisa do Demo, até suspeita de quem o chamou, confirmado pela alcoviteira Lurdes, teria sido a bruxa Palmira, bode expiatório de Cova do Sapo. Padre Amadeu benzeu as casas e os caminhos, aplicou o preceituário cristão para estas ocasiões, mas nada resultava. Como em O Crime da Aldeia Velha (), de Bernardo Santareno, o pároco é o único membro da aldeia a defender Palmira, acusada e atacada pela totalidade da comunidade. Porém, a motivação e as razões de ambos são totalmente diferentes.

Dispostos os dados, o leitor descobrirá um Pessoa desconhecido de si próprio. O que verdadeiramente acontecia nas noites tormentosas da Cova do Sapo? Ferreira Gomes e FP solucionarão o mistério? Seria Palmira uma bruxa ou penaria o tormento de um pecado maior do que ela, isolando-se? Por que os sortilégios cristãos do padre Amadeu não resultam contra as forças do “outro mundo”? Como reage FP face a estes singularíssimos acontecimentos esotéricos? Terá que invocar a sua iniciação nos ocultos segredos da tradição primitiva africana? O leitor responderá, não nos atrevemos a tirar-lhe o prazer da leitura de tão de-leitosas quanto assombrosas páginas, reveladoras de um Fernando Pessoa totalmente desconhecido.

Ignoramos o valor de Rui Lage como poeta, aliás fortemente elogiado pelos críticos. Porém, não hesitamos classificar este seu pri-meiro romance como excelente – excelente o léxico, fruto da investigação sobre um tema dificílimo, mostrando, pelo uso de termos e conceitos, que o domina amplamente; excelente o ritmo da escrita, com sucessivas paragens de suspen-se; excelente a coesão narrativa entre as diversas partes; excelente o classicismo da voz narrativa; excelente o desenho das duas personagens principais e o de uma comunidade de camponeses no princípio do século XX. Enfim, lamentamos, por questões pessoais, que não tenha sido explorada a figura de Raul Leal, que aparece por duas vezes sem desempenhar papel importante – ele que inspiraria, talvez, a personagem mais exótica do século XX em Portugal e, num romance, os dois, Pessoa e Raul Leal, tornar-se-iam duas autênticas bombas estéticas.J

Rui LageUm Pessoa desconhecido de si próprio

Rui Lage Um primeiro romance “excelente”

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* Jjornaldeletras.pt * a de outubro de

Uma sessão competitiva feita apenas de estreias mundiais ou internacionais, a maior retrospetiva europeia de Luis Ospina, um dos mais importantes documentaristas da América Latina, ante-estreias de obras alguns de outros dos mais conceituados documentalistas do mundo e uma competição nacional heterogénea cheia de grandes regressos. O DocLisboa, que decorre de a , tem uma programação de se lhe tirar o chapéu. O JL ‘mostra’ como vai ser e quais os destaques

DocLisboaRetratos de um mundo em trânsito

Um festival só tem verdadeira pertinência quando o meio em que se insere o reconhece". As palavras são de Cíntia Gil, a diretora do DocLisboa, e serve de preâmbulo para revelar a importância dada aos filmes portugueses por um festival de ampla projeção no mundo. E se assim é, por aí começamos, pois este ano a Competição Nacional é particularmente forte. A começar por Terra Franca, filme que marca o regresso de Leonor Teles após ter ganho o Urso de Ouro de Berlim. Sem o estilo punk de Balada de um Batráquio, mas mantendo a sua acutilância, Terra Franca retrata a vida solitária de um pescador junto ao rio Tejo. Salomé Lamas também está de regresso ao documentário, com Extinção, deslocando-se para territórios de fronteira, no rescaldo da desagregação da União Soviética. Concretamente, leva-nos à Transnístria, território atualmente pertencente à Moldávia, mas que se autoproclama independente. O filme aborda questões relacionadas com a identidade, com toda a sobriedade e aprumo estético de uma realizadora oriunda das artes plásticas.

Renata Sancho, por seu lado, lança um olhar sobre a Avenida Almirante Reis, um dos principais eixos da cidade de Lisboa, através dos tempos. Fala da sua construção, da sua arquitetura, das histórias e da História que por ali passaram. Lisboa também é olhada por Paulo Abreu, mas numa perspetiva mais atual. Em Allis Ubbo, o realizador observa, com ironia, as modificações na

cidade, nos últimos anos, fruto do boom turístico.

A luso-nipónica Aya Koretzky volta a 'falar' sobre o seu pai, de que tinha contado a história em Yama No Anata - Para Além das Montanhas (). Em A Volta ao Mundo quando tinhas Anos, parte de um álbum de fotografias da viagem que o pai fez, à volta do mundo, a partir do Japão, nos anos .

Nathalie Mansoux e Miguel Moraes Cabral, em Il sogno mio d’amore, filmaram durante dois anos o conservatório de música de Lisboa. A premiada realizadora Filipa César também está de volta,

desta vez com a companhia de Louis Henderson, para Sunstone, uma curta sobre as lentes Fresnel, tecnologia inventada no século XIX, muito usada nos faróis e navegação marítima.

Antecâmara, uma média metragem de Jorge Cramez, foi 'promovida' à competição internacional, um filme que reflete sobre o próprio ato de filmar. Passa na mesma sessão de Brisseau – rue Marcadet, de Laurent Achard, uma 'invasão pacífica' do mundo do realizador.

A Competição Internacional é espelho de um mundo em trânsito, com muitos realizadores

premiado no DocLisboa, está atualmente refugiado no Líbano. A organização do festival tem a esperança que os trâmites burocráticos se resolvam ainda a tempo de o ter presente no festival. O filme conta a história da sua tentativa de regressar a Aleppo para concluir a sua longa-metragem, tendo sido bloqueado pela polícia libanesa.

Da competição fazem parte muitos outros bons filmes, como Komodo Dragons, de Michał Borczuch; Les Grands squelettes, de Philippe Ramos; ou Odyssey, de Sabine Groenewegen (uma coprodução com Portugal).

Destaque

Da esq.ª para a dt.ª e de cima para baixo: Puro Sangue, de Luis Ospina; Terra Franca, de Leonor Teles; The Waldheim Waltz, de Ruth Beckerman; Fotbal infinit, Corneliu Porumboiu

MANUEL HALPERN

a encontrar os objetos do seu cinema em territórios exteriores. É o caso do suíço Sebastian Weber, que em �e Guest retrata um agricultor polaco. O americano Ian Soroka que viaja até à floresta eslovena, em Greetings From Free Forests. O espanhol Ilan Serruya que nos leva até ao distante arquipélago das Ilhas Reunião. Ou a argentina Franca González, que filma Miró em Las huellas del olvido, no vizinho Equador.

Mais fascinante do que tudo isto é a história por trás do filme Resurrection, de Orwa Al Mokdad. O realizador sírio, já

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J a de outubro de * jornaldeletras.pt DOCLISBOA *

A vida de Jorge Listopad, encenador, escritor, dramaturgo, poeta, professor, homem de sete ofícios, colaborador permanente do JL desde o início, checo que se tornou uma figura única da cultura portuguesa, falecido em , com anos, chega ao cinema, com o olhar original e próximo de Pedro Sena Nunes. Quatro Estações e Outono é também o regresso deste nome marcante do documentário português, revelador de um trabalho de pesquisa e edição notáveis, que nos revela simultaneamente o homem e o artista. Sena Nunes, que fora do cinema tem trabalhado em videoarte e no cruzamento de campos artísticos, confessa que Jorge Listopad foi determinante na sua formação e revela que, deste filme agora exibido, ficou tanto material de fora que admite fazer um novo documentário. Ao final de contas, não pode ser fácil falar de anos de vida em apenas uma hora e meia.

JL: Porque quis fazer um filme sobre Jorge Listopad?Pedro Sena Nunes: Jorge Listopad foi determinante na minha vida. Cursava engenharia quando o conheci. Ele levou-me a descobrir que havia uma escola superior de teatro e cinema, de que ele, aliás, era um dos diretores. Já fazia alguma fotografia, mas aquilo foi muito importante. Ao ponto de ter deixado a engenharia no último ano para ingressar em Cinema Além disso, fiz parte do Teatro da Universidade Técnica, que ele fundou e dirigiu, de onde bebi toda uma experiência extracurriular riquíssima. Ele marcou o meu olhar transdisciplinar, o modo de olhar o mundo que me rodeia. Foi a pessoa mais jovem que conheci. E esta impressão durou anos.

E o filme em si, como surgiu?Há oito ou nove anos desafiei-o a fazer o filme. E ele aceitou com a condição de ele próprio realizar uma curta metragem para dentro do próprio filme. Achei fascinante. Mas percebi que para fazer este filme era necessário uma estrutura de produção. Então contatei o Rodrigo Areias e o Bando à Parte que abraçaram o processo. E andamos à volta dele durante quatro anos. Até que me deparei com o falecimento do próprio Listopad. Mesmo antes disso ele começou a ficar mais enfraquecido e distante, e tive que fazer várias alterações no projeto. É um filme com olhos e coração. O desafio é descobrir uma figura ímpar da nossa cultura. E também na cultura europeia,

não nos esqueçamos que ele chegou a ser o decano dos encenadores europeus em atividade.

Chegou a trabalhar com ele?Sim, trabalhei várias vezes com ele na ópera e no teatro, com imagem em movimento. Isso permitiu-me que aprendesse muito sobre ele. Não era uma pessoa que dirigisse os outros, mas criava espaço para que cada um descobrisse o seu caminho. Acredito que mostrando a forma como ele influenciou o meu mundo também possa ser inspirador para outros, quer o tenham conhecido, quer não.

O material para o filme é vastíssimo. São anos de vida, com anos de produção massiva, mas muito equilibrada, como se trabalhasse numa zona de ourivesaria. O filme é uma vertigem tranquila à volta de uma vastidão de assuntos. O próprio filme é uma experiência. O exercício de trabalhar com vários arquivos, imagens de diferentes épocas. Há um trabalho de montagem, muito artesanal, à imagem de Listopad - o homem que escrevia notas em guardanapos, papéis daqui e dali, e procurava nessa escrita a sua própria definição… sinto-me próximo disso. Ele era uma pessoa que dava muita atenção ao quotidiano. Uma ideia forte, que passou a servir de mote para o nosso trabalho, é de que ele não aguentava a realidade, por isso inventou a sua própria realidade, o seu próprio cosmos, feito de pequenas peças.

O que aconteceu à curta-metragem?Quando finalmente conseguimos os apoios, ele já estava mais enfraquecido e menos disponível, não havia condições. Acabámos por criar uma curta metragem a partir de um texto dele, O Labirinto. Uma curta dentro da longa. A intenção é tornar a curta num objeto ainda mais experimental, com imagens quase impossíveis, pondo a curta em diálogo com a longa.

O filme também é um documentário sobre o documentário que está a ser feito...Assumo um papel de investigador. Não me posso esconder do lado factual, da ideia de documento e não de uma interpretação criativa da realidade, mas ter uma interpretação livre. Quis mostrar aquele lado invisível que normalmente o cinema não mostra. Até porque para mim também foi um exercício de descoberta, dado que tive acesso a materiais com que nunca tinha contactado na vida, como os arquivos da RTP Porto. J

(Re)descobrir Jorge Listopad

Quatro estações e Outono Pedro Sena Nunes parte à descoberta de Jorge Listopad (na imagem), o checo que deixou enormes marcas na cultura portuguesa

DocLisboaRetratos de um mundo em trânsito

OSPINA, MOORE, WISEMAN"Uma das funções da Cinemateca Portuguesa é apresentar realizadores que, apesar de desconhecidos do público português, valem a pena", explica José Manuel Costa, diretor da Cinemateca Portuguesa, que mais uma vez se associa ao DocLisboa. E será na Cinemateca que será apresentada esta retrospetiva de Luis Ospina, a maior jamais realizada na Europa, reveladora do trabalho variado de um dos mais interessantes realizadores da América Latina. Na cinematografia de Ospina, que começa logo no início dos anos , há uma forte inscrição local - retrata, num estilo próprio, a realidade em torno de Cali, a cidade onde nasceu na Colômbia, com retratos sociais, mas também de artistas e escritores colombianos. O realizador vai estar presente no festival para apresentar alguns dos seus filmes e conversar com o público.

Antes de tudo isto, na sessão de abertura, Waldheims Walzer, de Ruth Beckermann, um filme pessoalíssimo que olha para a Áustria através da figura de Kurt Waldheim, secretário Geral da ONU, que escondeu o seu passado nazi. E, no encerramento, uma história quase surrealista de futebol. Em Fotbal infinit, Corneliu Porumboiu, nome de referência do novo cinema romeno, regressa a Vassliu para contar a história de um homem que inventou um novo jogo, alterando as regras do futebol.

Uma das secções que chama mais público ao festival é Da Terra à Lua. Por aqui passam alguns grandes nome do cinema mundial. É o caso de Frederick Wiseman, com Monrovia, Indiana, um filme sobre uma comunidade agrícola nos Estados Unidos. Fahrenheit /, onde Michael Moore deita um olhar sarcástico e preocupado sobre a América de Trump. O longuíssimo filme de Wang Bing, Dead Souls, minutos sobre os prisioneiros abandonados no Deserto de Gobi. Um filme-diário de Angela Ricci Lucchi; a cineasta faleceu este ano e o filme foi concluído por Yervant Gianikian. Steve Srung, em O Plano, conta a frustrada experiência de um conjunto de operários alemães, que, perante a ameaça de encerramento da fábrica de armamento onde trabalhavam, começaram a desenvolver produtos ecológicos e úteis à sociedade. O filme será seguido de debate com a presença de Phil Asquith, engenheiro envolvido no plano alternativo. O italiano Stefano Savona filma um casamento em Gaza. E Talal Derki dá uma perspetiva rara de como é crescer num califado islâmico.

Da secção também fazem partes filmes portugueses. Em Pe San Ie – O Poeta de Macau, Rosa Coutinho Cabral parte em busca de Camilo Pessanha, no

Oriente. José Barahona, em Alma Clandestina, conta a história de Maria Auxiliadora Lara Barcelos, uma ativista política que lutou contra a ditadura brasileira.

RISCOS E CORISCOSRiscos é a secção onde mais se experimenta, dedica precisamente a explorar novos caminhos do cinema documental e suas fronteiras. Este ano engloba focos específicos sobre dois realizadores, com presença habitual no festival: o canadiano Mike Hoolboom, e o francês Jean-François Stévenin, mais conhecido com ator (entre outros de Godard), mas que aqui é apresentado como um cineasta subversivo, com apenas três obras. A secção também integra Objetos entre Nós, de Júlio Alves, a partir da coleção de objetos de José Bragança de Miranda. O filme passa numa sessão conjunta com Uma voz Humana, de Rossellini, e será seguido de um debate, com a presença do próprio Bragança de Miranda.

O Heartbeat é uma das secções mais populares do festival, apostando no cruzamento do cinema com outras artes, sobretudo a música. É neste contexto que é exibido Quatro Estações e Outono, de Pedro Sena Nunes (ver caixa) e muitas mais obras. Destacam-se �e Blues Brothers, de John Landis, em jeito de homenagem a Aretha Franlyn. Blue Note Records: Beyond the Notes, onde Sophie Huber procura a história e a essência da lendária editora de jazz. Depeche Mode: , de David Dawkins, Chris Hegedus,

D. A. Pennebaker, sobre a carismática banda britânica. Deux, trois fois Branco, à la rencontre d’un producteur de légendes, de Boris Nicot, sobre o produtor Paulo Branco. Ou Vadio – I Am not a Poet, de Stefan Lechner, um retrato sobre um fadista amador em Lisboa.

A secção Verdes Anos, dedicada a filmes de escola, que tem dado ótimos frutos, este ano tem uma secção especial, onde passa Onde o Verão vai (Episódios da Juventude), de David Pinheiro Vicente, em conjunto com os primeiros filmes de Gabriel Abrantes e Miguel Gomes.

Em Cinema de Urgência, filmes atuantes e atuais, entre outros destaca-se Operações de Garantia da Lei e da Ordem, de Julia Murat, sobre os diferentes discursos mediáticos em torno das manifestações de e no Brasil.

Do DocLisboa também fazem parte workshops, um sem número de atividades paralelas, o Arché- Laboratório de apoio a produções e o Doc Kids, dedicado aos mais novos, a funcionar em articulação com a Cinemateca Júnior. O mundo leva-nos ao DocLisboa e o Doclisboa leva-nos ao mundo.J

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J * FILMES jornaldeletras.pt * a de outubro de

António FerreiraPara sempre Pedro e Inês

MANUEL HALPERN

É a mais bela história de amor do imaginário português, uma espécie de Amor e Julieta em versão lusa (que historicamente lhe antecede) com uma carga extra de dramatis-mo. A lenda histórica de D. Inês de Castro, aquela que foi rainha depois de morta, tem agora uma nova versão no cinema. António Ferreira, o realizador, não foi beber diretamente às fontes históricas e lendárias, mas antes ao livro A Trança de Inês, de Rosa Lobato Faria, em que a história de D. Pedro e D. Inês é contada em três tempos diferentes: passado, pre-sente e futuro. Pedro e Inês, o filme que agora se estreia, é uma produção grande, à escala do cinema português (um milhão de euros de orçamento), com Diogo Amaral e Joana de Verona nos principais papéis, prova cabal da universalidade e intemporalidade das grandes histórias de amor.

Pedro e Inês é a terceira longa de António Ferreira, nascido em Coimbra, onde a lenda de Inês ganha especial presença. O realizador destacou-se, no final dos anos , com a curta Respirar (debaixo d'água) que recebeu importantes prémios. Seguiram-se longas como Esquece Tudo o que te Disse e Embargo, esta última a partir de um conto de José Saramago. Montou a sua própria produtora, a Persona Non Grata e há sete anos que vive no Brasil. E diz que de fora se vê melhor.

JL: Até que ponto o livro de Rosa Lobato serviu o filme?António Ferreira: A estrutura é fiel ao livro. Um indivíduo, internado no hospital psiquiátrico, sob o efeito de drogas, recorda três vidas diferentes. Mais de por cento da voz off é tirada diretamente do livro. O tom e a poesia são da Rosa. O que mais alterei foi em termos de eventos, sobretudo nos quadros do presente e do futuro. Embora o espírito esteja sempre lá.

Que eventos foram alterados?Segundo o livro, no quadro do pre-sente, era o pai que mandava matar a Inês e eu achei que isso não fazia sentido nos dias de hoje. No qua-dro futuro alterei bastante. O livro também falava de uma sociedade fascista motivada por questões eco-lógicas, mas eu dei-lhe um contexto diferente, deslocando a ação de numa sociedade urbana para uma comuni-dade rural.

Um dos pontos de interesse no filme é que, independentemente do contexto da época, as três histórias contadas não são exatamente iguais...

Não quis contar exatamente a mesma história três vezes. A minha ideia é que os acontecimentos se fossem influenciando uns aos outros nas diferentes épocas. Não quis tratar o tempo de uma forma linear, mas sim de forma poética, em que não há um antes e um depois, está tudo a acontecer ao mesmo tempo e tudo se influencia. Isto embora haja princípio, meio e fim em todas as histórias. E tive a preocupação que as histórias fizessem sentido na época em que decorrem. A questão da des-cendência, da gravidez, do sangue, estão sempre lá, mas com roupagens diferentes e adaptadas às respetivas épocas, senão o espetador não se iria relacionar com o filme.

O que o cativou na história de Pedro e Inês?Sendo de Coimbra, estou cercado por esta história… ao ponto de se tornar possível ficar um pouco farto. Contudo, um dia a minha prima passou-me o livro, dizendo que dava um bom filme. Pareceu-me uma abordagem fresca e inovadora. Temos aquela ideia da Rosa Lobato Faria das telenovelas e do festival da canção, mas o livro está muito bem escri-to, cheio de ironia, com uma carga poética muito forte e uma aborda-gem nova. Foi uma oportunidade de reinventar o tema.

Contudo é um filme caro... Imagino que tenha sido de produção complicada...Foi uma primeira obra do ICA. Aliás, foi a primeira vez que recebi

um subsídio. Mas com um filme de época, rebenta-se logo o orçamento. Tivemos que ser engenhosos. Em pri-meiro lugar, filmámos em Coimbra e, sendo eu daqui, conseguimos ter acesso a décors espetaculares. Tudo foi feito num regime socialista em que todos ganhavam o mesmo, sem estrelas. E depois foi necessária uma boa preparação. Por exemplo, na Quinta das Lágrimas, filmámos o Hospital, mas também cenas da idade média. Um milhão de euros é um orçamento muito modesto para um filme deste, o segredo esteve na otimização dos recursos.

Já em Embargo fez uma longa com o orçamento para uma curta... É especialista em esticar orçamentos...Sim, mas queria ver se acabava com isto. Não quero voltar a discutir se o menu de rodagem inclui sobremesa e café. É duro fazer um filme nestas condições, com uma equipa muito menor do que aquela que necessitava. Espero que este filme abra portas e

acabe com essa coisa do low budget. Sei que nunca vai haver muito dinheiro. E esta é a primeira vez que recebo o apoio do ICA para um filme. É a minha maior produção.

Como foi escolhido o elenco?Os atores para mim são ponto central. Não faço planificações nem story boards. No início do dia não sei onde vou pôr a câmara nem quantos planos vou fazer. Conto com os atores. Se não tiver essa confiança, vai tudo para água abaixo. Trabalhei com a Patrícia Vasconcelos, com um casting aberto, dos aos anos. Vimos, sem exagero, atores. Aos poucos foi afunilando até à escolha final. A única exce-ção foi a Custódia Galego, já sabia que queria trabalhar com ela. Os outros são atores que não conhecia de lado nenhum. O Diogo Amaral apareceu entre os miúdos da escola de teatro. Impressionou-me logo. Quando cheguei a casa fui pesquisar na Internet e descobri que ele era

o príncipe da Floribela. A Jona de Verona, claro que já conhecia o seu trabalho.

O filme vive muito da montagem do argumento... Como foi intercalar e equilibrar as três histórias?Estou com o projeto desde . Na altura encontrei-me com a Rosa e estudei a questão do mito. Andámos esse anos todos a tentar financiar o filme. Deve ter passado por dez concursos do ICA. Conseguimos um apoio para a escrita de argumento e um "média" para desenvolvimento. Em , soube que tinha o apoio e rescrevi tudo. A ideia foi partir do passado, com todas aquelas lendas, para construir a história do futuro. E que as três histórias funcionas-sem como uma história só. Foi um trabalho de reescrita muito longo, estive um ano e meio em volta do argumento.

No passado, há essa preocupação em de ser fiel à História?De não provocar a indignação dos historiadores [risos]. Li as crónicas, escritas anos após o falecimento. Todo o mito criado à volta é maté-ria de cinema. É factual que ele a desenterrou e levou-a até Alcobaça. Mas não que a tenha coroado rainha depois de morta e obrigado todos a beijar-lhe a mão. Mas a lenda nunca poderia ficar de fora do filme...

E no presente, foi difícil tornar tudo credível?Havia a obrigatoriedade da morte de Inês. Só que não fazia sentido ser assassinada pelo pai. Cheguei a pen-sar usar o incesto como pretexto (até filmámos a cena), mas desistimos da ideia. A questão da humilhação é o suficiente. Aliás, grande parte dos crimes de sangue que se cometem em Portugal, hoje em dia, são passionais.

E o futuro?Não tinha dinheiro para fazer um futuro tecnológico, tipo Blade Runner. Comecei a ler sobre o Fascismos Ecológico, que é uma coisa com tendência a crescer nos dias de hoje. Isto de alguma forma já existe, até em Portugal. Visitei uma comunidade ao pé de Castelo Branco que seguem alguns daqueles princípios. Dei com o documentário Children of the Sun, de Ran Tal, sobre uma comunida-de Kibbutz, em Israel, de onde tirei algumas ideias, como a de as crianças dormiam em camaratas, logo a partir dos três meses, para libertar a mulher.

E agora? Já está a preparar um novo filme?Estou a trabalhar em dois projetos. Um mais pensado no Brasil, inspirado no momento atual de ultra violência e divisão profunda da sociedade. Chama-se Fé Cega Faca Amuada e fala de um corretor imobiliário, honesto e pacato, que motivado pela crise, começa a desocupar prédios ilegalmente ocupados à base da por-rada para conseguir fazer negócios. E, para Portugal, Olá, do Outro lado, falar das 'bolhas' sociais, de como nos tornámos incapazes de tolerar e entender aquilo que é diferente.J

Joana de Verona e Diogo Amaral, em Pedro e Inês (em cima); António Ferreira, na rodagem do filme

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J educação

O Ensino Superior tem estado uma vez mais na ordem do dia e algumas opções a ele atinentes mereceram críticas, por exemplo, do reitor da Universidade de Lisboa, A. Cruz Serra, aquando da abertura do ano letivo, marcada pela última lição, como prof. catedrático da sua Faculdade de Direito, do Presidente da República,

Marcelo Rebelo de Sousa. Neste artigo a secretária de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior trata de alguns aspetos em pauta e sublinha a necessidade de fazer mais, não obstante o “progresso incrível

e de inquestionável reconhecimento no plano nacional e internacional em matéria de educação e de formação académica”

MARIA FERNANDA ROLLO

e construir uma sociedade mais justa, solidária e comprometida com o planeta que habita.

Portugal, neste tempo de democracia, sublinhe-se com

matéria de educação e de formação académica. Os números, a qualidade e o reflexo dessa formação, o investimento público e privado

Surge, de forma cada vez mais ampliada e generalizada, a evocação da relevância do investimento no ensino superior e no conhecimento, em geral, como fatores de aprofundamento da democracia e de promoção do bem-estar coletivo. Ressalta ainda, de forma cada vez mais expressiva, entre nós e numa escala bem maior, a escassez e a crescente necessidade de recursos humanos qualificados e ajustados aos desafios da sociedade e da economia.

O facto suscita ainda maior apreensão e atenção dos diversos atores para a indispensabilidade de criar o contexto e as condições necessárias à formação desses recursos humanos, o que deverá ser feito em harmonia com os propósitos de coesão social e territorial, procurando combater assimetrias instaladas

Portugal é um dos países em que as oportunidades de acesso estão mais desequilibradas em favor das famílias cujos pais têm formação superior

envolvido, incluindo o esforço das famílias, falam por si, são expressivos e amplamente valorizados.

Sabemos, porém, que a

A equação necessária Pessoas, território e conhecimento

veemência, tem conhecido um progresso verdadeiramente incrível e de inquestionável reconhecimento no plano nacional e internacional em

Maria Fernanda Rollo

Nº 1253 * Ano XXXVIII * 10 a 23 de outubro de 2018 * Diretor José Carlos de Vasconcelos

Ana Maria BettencourtComo promover e sustentar a inovação Inquietações Pedagógicas p. 7

InquéritoPraxes, ainda e porquê?... As respostas de sete escritores e professores p. 3 a 5

Abandono escolar, analfabetismo e população com ensino superior. Fonte: Unidade de Missão para a Valorização do Interior. «Programa Nacional para a Coesão Territorial». Governo de Portugal, 2016

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Jjornaldeletras.pt * a de outubro de * educação ENSINO SUPERIOR

percentagem de acesso ao ensino superior em Portugal é significativamente baixa quando comparada com a realidade internacional e com as necessidades reais do país, como evidenciam os indicadores de qualificação da população portuguesa. Apenas um em cada três jovens de anos frequenta o ensino superior e apenas % da população portuguesa entre os e os anos tem formação superior (), comparando com a média da OCDE de %. E, no entanto, as vantagens são inequívocas, desde logo aumentando na ordem dos % a probabilidade em matéria de empregabilidade.

Não obstante o caminho percorrido, compreendendo uma clara aposta e prosseguindo o propósito da efetiva democratização do acesso ao ensino superior, Portugal é um dos países em que as oportunidades de acesso estão mais desequilibradas em favor das famílias cujos pais têm formação superior. Dito de forma clara, persiste a reprodução social sobre as oportunidades de recurso ao ensino superior, isto é, a origem social dos estudantes (capital económico e cultural; rendimentos económicos familiares; capital escolar/formativo dos pais). Certamente as oportunidades de educação são muito condicionadas ou propiciadas pelo enquadramento familiar, tanto ao nível socioeconómico como do nível de formação. É ainda evidente como o baixo estatuto educacional dos pais pode influenciar o desempenho escolar dos filhos, e a predisposição destes para o prosseguimento de estudos de nível superior, circunstâncias que potenciam a exclusão social e o incremento das desigualdades ao longo das gerações.

Mais, essa desigualdade, acontece em fortíssima cumplicidade com a igualmente intensa e enraizada assimetria territorial, evocando indicadores vários. Vejamos. Os mapas são expressivos, ilustrando cruamente os números e as tendências que representam. A perda demográfica, a diminuição e o envelhecimento da população residente em Portugal... Mesmo num cenário não pessimista, perspetiva-se uma perda na ordem dos , milhões de pessoas, em pouco mais de meio século. Certo que também se prevê que poderemos viver melhor, com mais qualidade de vida; mas seremos muito menos. Atente-se, nas diversas dimensões, a irregularidade da sua distribuição no território, a litoralização, a urbanização,

salientando o peso muito acentuado de Lisboa e Porto.

No plano do conhecimento, o crescimento foi muitíssimo relevante e significativo ao longo do passado meio século. Educação para todos, e muitos mais com formação superior. Movimentos positivos, acompanhando a estruturação e consolidação de uma rede de instituições de ensino superior e um sistema científico diversificado na sua configuração institucional e disciplinar, ampla e generalizadamente reconhecido, e aplaudido internacionalmente em muitas das suas expressões. Mas, veja-se a distribuição, a quantidade de recursos envolvidos, e o seu respetivo peso. O acréscimo significativo do número de doutorados e investimento em ciência, matizado pela comparabilidade com os países a cujo grupo pertencemos, na Europa e fora dela.

É cada vez mais aclamado o papel vital e determinante das instituições de ensino superior, como catalisadores, elementos de dinamização e renovação, construtores ativos e singulares de coesão social e territorial, somando à sua atividade formativa, científica e tecnológica. A rede de IES públicas tem desempenhado esse papel e a sua contribuição tem sido decisiva no percurso dos territórios em que se inscrevem. Embora pontuando

o território nacional, note-se que mais de metade das instituições de ensino superior se situam nas regiões Norte e Lisboa e a esmagadora maioria dos alunos estão concentrados nessa parte contida. Parte, diga-se, coincidente com a presença esmagadora do tecido empresarial. Adicione-se a leitura da distribuição da população ativa, e tantos outros indicadores, nomeadamente em matéria de rendimento, ocupando preferencialmente as mesmas manchas do território.

O movimento dos estudantes de ensino superior acompanha. Uma vez mais o mapa é bem ilustrativo.

Duas notas adicionais, pela relevância no plano da formação. A primeira, relativa à distribuição dos alunos no ensino secundário e a prossecução de estudos superiores, apontando a tendência para atingir cerca de metade alunos no ensino científico-humanístico e outro tanto em ensino profissional e artístico. A segunda, recordando, que, entre todos, só um terço prossegue estudos e adquire competências no ensino superior, que esse terço vem, na ordem dos %, da via científico-humanística e que do ensino profissional pouco mais que % continuam a estudar no superior. Claro que o terço está profundamente associado ao contexto social, cultural, económico, que integra sendo

muitíssimo condicionado pelo nível de formação e o quadro territorial que o contextualiza.

Em suma, quanto à equação pessoas, território e conhecimento, a formulação atual é mesmo preocupante, para evitar adjetivos mais dramáticos, mas porventura realistas. Cruze-se o comportamento demográfico, observando-o à escala regional, a distribuição da riqueza e do conhecimento no mesmo território...

Daí a urgência e a recorrência do propósito, no sentido do alargamento da base social de acesso ao ensino superior, plasmada no enunciado político do presente, decorrente da evidência essencial e básica: dois terços dos jovens portugueses têm sido mantidos à margem da possibilidade de imaginar ou almejar prosseguir estudos de

Taxa de desemprego por nível de escolaridade (2015-2017). Fonte: INE

Dois terços dos jovens portugueses têm sido mantidos à margem da possibilidade de prosseguir estudos de nível superior onde poderão adquirir competências para enfrentar, integrar e realizar-se na sociedade do futuro

No período até 2025, metade de todos os postos de trabalho deverão exigir qualificações de alto nível. E existem já penúrias de competências a esse nível

de formação e de atividade profissional.

O tal mundo em mudança acelerada que habitamos, a sua sustentabilidade e íntima associação com o conhecimento, conferem ao ensino superior a prossecução de uma missão cada vez mais ampla. Confrontada com os propósitos de uma acrescida responsabilidade social e científica, é-lhe imperativamente cometida a responsabilidade de dar resposta à procura de pessoas altamente qualificadas e socialmente empenhadas que é, não só, cada vez maior como se encontra em evolução. No período até , metade de todos os postos de trabalho deverão exigir qualificações de alto nível. E existem já penúrias de competências a esse nível.

Enfim, penso que nenhum de nós está disposto a abdicar do combate pelo futuro, contemplando a formação dos seus jovens, que há muitos e demasiados anos, continuam a ficar numa parte considerável fora do sistema de formação superior, e que esse desígnio tem que ser assumido e partilhado observando a totalidade do País. Crescem as vozes na defesa da coesão social e territorial, e somam-se os que querem, e devem, fazer parte deste propósito. Ainda bem! Será de contar com todos, incluindo os que no passado não se empenharam na criação de condições nesse sentido, nomeadamente construindo caminho para os milhares e milhares de jovens prosseguirem estudos e que fazem agora eco do propósito do alargamento da base social que ingressa no ensino superior. Todos seremos necessários em prol dessa mesma cruzada.

Quanto ao desafio, com certeza dos mais complexos e decisivos que temos pela frente, não se esgota em Portugal e tenderá a intensificar-se, em contexto de forte competição, à escala internacional, pela captação de talentos e recursos humanos com os mais diversos perfis de qualificação. É de tal monta e importância que não permite desvios nem distrações, só podendo ser superado com a participação de todos e se responsavelmente assumido por todos, devendo constituir matéria de discussão e participação pública, envolvendo as escolas, do pré-escolar ao ensino superior, as instituições científicas, as empresas, a administração local e central e todos quantos empenhados em construir um País mais solidário e próspero, comprometido com o bem-estar das pessoas e do mundo que habitam.J

Outubro de

Regiões de origem dos alunos inscritos no ensino superior (2016/17). Fonte: DGEEC

nível superior onde poderão adquirir competências, desejavelmente mais adequadas, para enfrentar, integrar e realizar-se na sociedade do futuro. Acresce a inexorabilidade e a assunção cada vez mais abrangente de que, além do mais, a formação se prolonga no sentido da aprendizagem contínua e ao longo da vida e em diálogo e colaboração cada vez mais estreita entre os ambientes

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J a de outubro de * jornaldeletras.pt INQUÉRITO educação *

Todos os anos, na reabertura do ano letivo, as praxes ganham protagonismo mediático, com o relato de práticas de humilhação a nível físico e psicológico, que em alguns casos provocaram violentos danos nos 'caloiros' - e até, eventualmente, a morte.

O JL/Educação lança o debate sobre o assunto, através de um inquérito, tentando compreender o fenómeno e sobretudo procurando sugestões de 'solução' para um problema que se afigura complexo. Ouvimos vários escritores, a maioria deles

professores no Ensino Superior, e também alguns académicos. Quisemos obter os depoimentos da Federações Académicas de Lisboa e do Porto, e da Associação Académica de Coimbra, mas não conseguimos "resposta" dos seus responsáveis...

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Praxes, ainda e porquê?...

Mário de Carvalho

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1. Se em ou alguém em Lisboa se atrevesse a sugerir a qualquer jovem

estudante de Engenharia, Direito, Letras, ou Medicina que andasse trajado de preto numa fardola de vestes eclesiais e se embrenhasse em rituais uivados mais ou menos coprófilos, seria tratado com altivo desdém. Capa e batina eram coisa de Coimbra, reminiscência de longe, e de in illo tempore. Seria mesmo desprestigiante usá-la na capital

Não existia de todo praxe em Lisboa. Ninguém pensava em vexar alguém. Os jovens que ingressavam nas universidades eram convidados para semanas de recepção, com espectáculos de cinema, teatro, colóquios, poesia e bailes. Os novos alunos (a própria designação de «caloiro» caíra em desuso) eram tratados com urbanidade e apreço, ao nível do que se considerava ser a instituição em que se encontravam e a associação de estudantes que os convocava.

Nesses tempos, a juventude estudantil ansiava por grandes transformações sociais, prezava os ideais de liberdade e batia-se por um País moderno, aberto,

Mário de CarvalhoValorizar a arte e a cultura

morais, coio de fascismos. Temporariamente escorraçado, veio a encontrar numa mocidade diversa, mais alargada, sem hábitos de leitura e de reflexão, campo estrumado para as suas desforras e recorrências.

2. Impõe-se uma política de valorização da arte e da cultura, traçada com

firmeza pelas instituições universitárias (no fundo, é o seu bom nome que é posto na lama e achincalhado). Urge a intervenção do Estado, encontrando formas democráticas de «desapimbalhar» a grande comunicação social, porque esta pardalada infantilóide, de penico na cabeça, não é capaz de ler um jornal, sequer um tablóide.

democrático. Mesmo quando, não raro, vinham de envolto com uma carga ideológica mais ou menos elaborada, esses ideais nunca deixaram de estar presentes.

O de Abril representou a vitória desse Portugal

tolerante e democrático. Mas a democracia é uma construção. Nunca está garantida de vez.

Nos refegos escondia-se o velho portugalório, agachadinho e mendigo, servil e reles, pingue de misérias

Desapimbalhar a grande comunicação social, porque esta pardalada infantilóide, de penico na cabeça, não é capaz de ler um jornal, sequer um tablóide

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Jjornaldeletras.pt * a de outubro de * educação INQUÉRITO

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Nuno CamarneiroUma forma de ‘tribalização’

1 O fenómeno das praxes académi-cas, do qual me distanciei assim que cheguei a Coimbra, parece-

-me ser mais uma forma de “triba-lização” como tantas outras que têm ganho expressão nas últimas décadas. A criação de uma identidade partilha-da, composta de símbolos, indumen-tárias, vocabulário próprio e rituais de passagem (mais ou menos violentos, mais ou menos vexatórios) não é ex-clusiva das praxes académicas e pode ser encontrada nas claques futebo-lísticas, nas juventudes partidárias, nos movimentos radicais, nos clubes de motociclismo ou nos gangues. Provavelmente sempre foi assim, mas com a urbanização da sociedade assistimos a uma metamorfose das filiações, que deixaram as aldeias, os bairros, as religiões e a família e encontraram novos estandartes.

2 Não sei se algo pode ou deva ser feito, parece haver uma tendência crescente de

construir a identidade de fora para dentro, mesmo em meios sofistica-dos e de vanguarda política e social. A identificação de acordo com o género, orientação sexual ou etnia é apenas mais uma variante desta “prateleirização” dos indivíduos. A resistência há de fazer-se como sempre se fez, através do pensamen-to crítico e do humor, da recusa em pensar com as ideias de outros.

Nuno Camarneiro

Jorge BuescuA ficção de uma tradição

1 Aquilo a que hoje se chama “praxe”, com os absurdos excessos que

se vão conhecendo, é algo degradante e que não tem qualquer razão de existir. Curiosamente, muitos dos defensores destas “praxes” invocam uma hipotética “tradição académica”. Ora tal tradição nunca existiu em Portugal (com a eventual exceção de Coimbra). Entrei na Universidade de Lisboa em e a única “praxe” que existia era uma aula fictícia, chamada justamente “aula de praxe”, dada por um aluno do quinto ano que se passava por professor, seguida de um acolhimento aos caloiros que saíam com a mão carimbada. Na minha opinião, foi o aparecimento súbito de muitas universidades privadas nos anos e ,e da consequente ânsia de construir uma identidade inexistente, que veio criar a ficção de

uma “tradição”, de capas e batinas, de trajes e supostos “costumes”… que nunca existiram. Neste momento a situação é insuportável: no Campo Grande, em frente ao meu local de trabalho, assisto às mais absurdas e humilhantes coreografias – de setembro a maio!

2 Cada Faculdade deve ter uma atenção muito especial no acolhimento

dos novos estudantes, esclarecendo-os em particular que têm o direito de se recusar a participar nessas atividades. Curiosamente muitos caloiros não o sabem; para muitos são os primeiros dias longe de casa e estão um pouco perdidos… creio também que a solução poderá passar por as próprias Faculdades organizarem atividades complementares motivadoras, dirigidas aos alunos, que os façam crescer enquanto seres humanos. A Universidade é a casa do Saber, e temos de saber criar uma atmosfera intelectualmente estimulante para lá das aulas, com agitação cultural e cívica –em colaboração com as Associações de Estudantes. Reformar as mentalidades só se pode fazer com os estudantes, nunca contra eles. Temos de saber oferecer-lhes o que eles precisam mas ainda não sabem que precisam.Jorge Buescu

Jorge Martins RosaPropor práticas alternativas

1 Há primeiro que tudo que estabelecer uma diferença. Existem algumas práticas

de "integração"» (as aspas são propositadas) aos novos alunos que apesar de envolverem algum tipo de relação de micropoder são inofensivas e se esgotam em si mesmas, como por exemplo as aulas-fantasma, e há todo esse universo de práticas, rituais e hierarquias continuadas, e que são as praxes. Que estas últimas envolvam nalguns casos humilhação física ou psicológica é apenas o lado mais extremo de algo que considero anacrónico e reprovável por si só, independentemente do grau. Diria que, como o provérbio, «o hábito faz o monge», ou neste caso o traje faz a praxe. Tenham ou não consciência disso, aqueles que os defendem – traje e praxe -- estão a aceitar um sistema hierárquico, cheio de códigos hoje em dia desprovidos de sentido mas que assim se perpetuam. E

no início e final do ano letivo, mas sim de forma recorrente. É de facto estranho; muitas formalidades desapareceram ou suavizaram-se, e inclusive o modo como se dirigem aos docentes assume por vezes uma informalidade desajustada, mas em contrapartida acolhem as praxes.

2 Nem vou falar do papel que as famílias têm nessa mudança, que são

realidades (socioeconómicas e outras) muito diversas e que escapam ao nosso controlo. Há um papel que cabe às universidades como um todo, dos órgãos de direção aos estudantes e respetivas associações. A dimensão proibitiva tem algum cabimento, mas na prática só serve para transferir as praxes para outros locais onde não pode ser exercida a autoridade das direções. O fundamental é informar e propor práticas que cumpram a função de integração de maneira abrangente e digna. Por um lado informar que se é livre de recusar ser praxado; por outro propor práticas como as que tiveram lugar neste ano e no anterior na FCSH: o ano passado mais por iniciativa de estudantes anti-praxe, este ano com um caráter mais institucional que recebeu o nome "Faz-te à NOVA", com workshops de fotografia, culinária e outros, debates e concertos. É um trabalho que poderá levar o seu tempo, mas acredito que quanto mais os alunos estiverem conscientes de que não precisaram de passar pelas praxes para se sentirem integrados, tanto mais transmitirão essa ideia aos dos anos seguintes.

que aparentemente até têm vindo a fortalecer-se, tomando como amostra a faculdade que

melhor conheço e onde era raro ver trajes nos anos e agora são comuns. E não só

Jorge Martins Rosa

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Nº 261 * 10 a 23 de outubro de 2018Suplemento da edição nº 1253, ano XXXVIII,do JL, Jor nal de Le tras, Ar tes e Ideiascom a colaboração do Camões, I.P.

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* jornaldeletras.pt * a outubro de J

Integração curricular do português Negociação com uma dezena de países

A integração da língua portuguesa nos currículos escolares de uma deze-na de países como idioma opcional está em negociação pelo governo português, através do Camões, I.P., segundo foi revelado na sessão de apresentação, em setembro passa-do, da rede de Ensino Português no Estrangeiro (EPE).

Presentemente, o ensino do

português já faz parte dos currículos do ensino básico e secundário de países, segundo a lista divulgada na sessão pelo Presidente do Camões, I.P, Luís Faro Ramos, que referiu estarem em curso negociações com uma de-zena de países, a saber, África do Sul, Argélia, Botsuana, Costa do Marfim, República Democrática Congo, Suazilândia e Zimbabué, em África,

Venezuela (onde essa integração está iminente), na América, Croácia e Turquia, na Europa, e ainda com a região de Castela e Leão, de Espanha, país onde a língua portuguesa já faz parte dos currículos das regiões da Andaluzia, Extremadura e Galiza.

Na sessão, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, que estava acompanhado pelos secretários

de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Teresa Ribeiro, e das Comunidades, José Luís Carneiro, afirmou mesmo que o executivo quer duplicar o número de países com o português como língua de opção no ensino básico e secundário. “Neste momento, o número de países em que que há português como língua estran-geira no ensino básico ou secundário é de e o nosso objetivo é duplicar esse número a breve prazo”, disse.

Santos Silva garantiu que mais de “ mil pessoas estudam português” presentemente em todo o mundo, divi-didos em mil na Língua de Herança (programa destinado às comunidades de emigrantes portugueses e originá-rios de outros países lusófonos), mais de mil no ensino superior e mil pessoas no ensino de português como língua estrangeira de opção.

Para o diplomata que preside ao Camões, a integração curricular do português no ensino público “repre-senta uma mudança de paradigma”. “Já não é só ensino do português à diáspora, estamos a falar do ensino do português aos nacionais desses países”.

A integração curricular do portu-guês, seja ele como língua estrangeira, língua segunda ou língua de herança, é uma das orientações estratégicas seguidas pelo Camões, I.P. na sua polí-tica de promoção no estrangeiro. Esta política, no dizer do seu Presidente, é executada pela rede externa do Camões I.P. em função de eixos de ação defi-nidos e tendo em conta as diferentes valências da língua portuguesa.

Cada uma das cinco valências enunciadas por Luís Faro Ramos –

língua portuguesa como língua de () comunicação internacional, () culturas, () trabalho e ‘poder de in-fluência’, () ciência e inovação e () ativo económico – multiplica-se de-pois por um conjunto de orientações entre as quais está a ‘endogeneização do ensino da língua portuguesa’ (que compreende a integração curricular e a formação de quadros, nomea-damente professores e tradutores e intérpretes), a par de muitas outras.

Entre as orientações estão as alianças com países terceiros (projetos e programas conjuntos com Espanha, Brasil e França), as empresas pro-motoras da língua portuguesa ( ao todo) e as instituições de ensino superior portuguesas, a coesão das diásporas, a produção de conheci-mento em torno da língua portugue-sa, e a valorização do conhecimento de e em língua portuguesa, mediante a certificação e a creditação.

No âmbito das medidas de ‘en-dogeneização do ensino da língua portuguesa”, o diplomata que preside ao Camões, I.P. deu conta que em a formação de professores vai abranger mil formandos, nas suas diversas modalidades – inicial ou contínua, presencial ou a distância –, mais ,% do que em .

Na sessão, Luís Faro Ramos, no âmbito das medidas para assegurar a certificação das aprendizagens de português, anunciou ainda a criação do Exame Camões Júnior, uma certificação em linha (online) para o português língua estrangeira desti-nada a um público jovem (entre os e os anos), que estará operacional muito em breve.

Espanha—‘Cultura Portugal 2018’Uma mostra de diversidade

Berhan da Costa, conselheiro cultural da Embaixada de Portugal em Madrid, e diretor da mostra. A mostra tem “um impacto concreto e faz com que Portugal e os seus artistas sejam hoje mais conhecidos em Espanha do que há alguns anos atrás”, disse na apre-sentação o embaixador de Portugal em Madrid, Francisco Ribeiro de Menezes, citado pela Lusa.

Música popular e erudita, artes plásticas, cinema, teatro, dança, litera-tura e ciências sociais são as principais áreas abrangidas pela programação. A diversidade também está presente na geografia, patente no número de cida-des espanholas que a mostra investe em : Barcelona, Sevilha, Lleida, Bilbao, Valladolid, Vigo, Segóvia, Santiago de Compostela, Pontevedra e Badajoz/Cáceres.

Se continua a haver muita músi-ca com executantes reconhecidos na programação do ‘Cultura Portugal’, a edição deste ano traz nomes de relevo noutras formas de expressão, com obras ou intervenções de Joana Vasconcelos, Helena Almeida (falecida a de setem-bro), Rui Horta, João Salaviza e Dulce Maria Cardoso, entre outros.

PESSOAÉ assim que surge integrada na pro-gramação a “magnífica exposição” retrospetiva da artista plástica Joana Vasconcelos, no Museu Guggenheim, em Bilbao, que se poderá apreciar até ao início de novembro. De Helena Almeida – uma presença repetida ao longo dos anos nas mostras portugue-sas em Espanha – se poderá visitar a exposição Dentro de mim, na Galería Helga de Alvear, em Madrid, até de novembro, em que numa seleção de peças, recentes e menos recentes, a artista plástica apresenta “uma reflexão mais íntima sobre o conceito de ‘eu’ e as emoções”, ao mesmo tempo que “insiste no movimento e na ideia de sequência, graças à introdução da pintura na imagem” fotográfica. Neste domínio das artes plásticas, destaque ainda para a dupla Musa Paradisíaca, constituída por Eduardo Guerra e Miguel Ferrão, que levará a instalação Casa Animal, ao Centro Cultural Conde Duque, em Madrid, de de outubro a de dezembro.

Na área das artes performativas, a dança teve “finalmente” o seu espaço na programação, através de duas criações

do conhecido coreógrafo e bailarino Rui Horta, apresentadas entre e de setembro, nas Naves del Matadero de Madrid, como referiu o embaixador português em Madrid, Francisco Ribeiro de Menezes, num texto de introdução ao programa da mostra. Rui Horta apresentou ainda no mesmo espaço uma instalação de vídeo e de luz.

Portugal será também o país convidado da .ª edição da Semana Internacional de Cinema de Valladolid, a partir de de outubro, tendo aí uma oportunidade para apresentar os títulos mais importantes realizados nos últimos anos pelos cineastas portugueses, através de uma seleção de cerca de obras de diferentes géneros cinematográficos: longas-metragens de ficção, curtas-me-tragens, documentários e animação.

Como não podia deixar de acon-tecer, Fernando Pessoa continua omnipresente na projeção da cultura portuguesa no exterior e, em particular, em Espanha, onde este ano foi já objeto da exposição Toda a arte é uma forma

de literatura, inaugurada em fevereiro no Museu Reina Sofia, “um sucesso inquestionável” e “uma oportunidade única e notável para dar a conhecer um número considerável de obras de autores portugueses de primeira linha contemporâneos de Pessoa: Amadeo de Souza Cardoso, Almada Negreiros, Eduardo Viana e Sarah Affonso, entre outros”, segundo o diplomata.

Agora, a peça Enigma Pessoa, de Pablo Viar, estará em cena no Teatro de La Abadía, em Madrid, a , e de no-vembro, num “espetáculo que percorre de maneira poética diversos episódios da vida real e imaginária do poeta”, cen-trando-se na “identidade múltipla” do autor português, “a partir da seleção de materiais literários e plásticos”. Pessoa, em destaque noutros momentos da pro-gramação, será igualmente o protagonis-ta do POEMAD - VIII Festival de Poesia de Madrid, no Centro Cultural Conde Duque, que encerrará [a de novembro] com um concerto de Alexander Search (um dos heterónimos Pessoa). Neste gru-

Os anos da crise já estão para trás e a mostra portuguesa em Espanha ‘Cultura Portugal’ reflete essa situa-ção, com um alargamento assinalável do número de atividades incluídas na programação no seu principal foco geo-gráfico – Madrid -, onde passam de , em , para , em , ao mesmo tempo que se projeta este ano com re-novado dinamismo na segunda cidade do país, Barcelona, pela “quantidade e qualidade dos eventos programados, boa parte deles integrados nas Fiestas de la Mercè, tendo Lisboa como cidade homenageada”.

Mas não é só pelo número de eventos ( em todo o país) que a mostra anual de cultura portuguesa em Espanha – que já vai na sua ª edição sem interrupções – se perfila. A programação – que decorre desde setembro e se prolonga até dezembro, com uma concentração de atividades este mês e em novembro – espelha a preocupação de “conseguir reunir um conjunto vasto e diversificado de eventos culturais, que pela sua quali-dade possam garantir a manutenção da boa imagem da cultura portugue-sa em Espanha”, no dizer de Pedro

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* a outubro de * jornaldeletras.ptJ

Portugal e Brasil querem introduzir ensino do português na Escola da ONU

Portugal e o Brasil estão a preparar a introdução “muito rapidamente” do ensino do portu-guês como língua extracurricular na Escola das Nações Unidas, em Nova Iorque, na sede da organi-zação mundial, através de dois docentes, um português e outro brasileiro, revelou o Presidente do Camões, I.P., Luís Faro Ramos, na apresentação, em setembro, da rede de Ensino Português no Estrangeiro (EPE).

A introdução do português como língua oficial da ONU e de outras organizações internacionais é um objetivo há muito fixado pe-los países de língua portuguesa no âmbito da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).

Luís Faro Ramos disse também que, para alcançar aquele objeti-vo, “é fundamental” a formação de tradutores e intérpretes, para a qual o Camões, I.P. contribui no âmbito de parcerias com numero-sas universidades ( em ).

O português é presentemente língua oficial ou de trabalho em mais de trinta instâncias interna-cionais. Luís Faro Ramos destacou a presença do ensino do português nas organizações internacionais africanas pela mão do Camões, I.P., cujo número passará de , em , para , em .

Portugal e Brasil estão também a equacionar uma ação conjunta no Cazaquistão, referiu ainda Luís Faro Ramos, que evocou outros projetos que Portugal desenvolve com países terceiros inseridos para a promoção da língua portuguesa no estrangeiro.

Um desses projetos é com a Espanha e, segundo Luís Faro Ramos, vai traduzir-se na reali-zação de aulas de português nas instalações do Instituto Cervantes em Pequim, supervisionadas pela Embaixada de Portugal, uma experiência que classificou como “pioneira” e descreveu como “um exemplo prático e concreto de colaboração entre o Camões e o Cervantes”. Os dois institutos, juntamente com o ISCTE, estão a desenvolver um projeto sobre o valor económico do português e do espanhol.

Outro projeto é com França e traduz-se na utilização de instala-ções da Alliance Française para dar aulas fora das escolas e das univer-sidades em diversos locais.

Na sessão, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, considerou que a promoção internacional das lín-guas “é uma das condições mais importantes para a convivência multicultural”.

po, “Salvador Sobral é Benjamin Cymbra e dá voz às canções da autoria de [Júlio] Resende, ou melhor, de Augustus Search. O guitarrista Daniel Neto assume o papel de Marvel K. A bateria e percussão ficará a cargo do talentoso baterista de jazz Joel Silva, encarnando o misterioso Mr. Tagus”. Ainda o lançamento, a de novembro na livraria ‘Ocho y Medio’, do livro Os contos que Pessoa não escreveu, uma antologia de textos de escritoras latino-americanos, com seleção e edição de Mayda Bustamante y Gabriela Guerra, que assinala os anos do nascimento do poeta.

MÚSICAO concerto de Salvador Sobral a de setembro em Madrid, no Teatro Nuevo Apolo, funcionou como uma espécie de inauguração do ‘Cultura Portugal’ em Espanha. Mas a mostra portuguesa arrancou primeiro em força em Barcelona, com um tour de force musical que levou Cuca Roseta e Camané à catedral da capital catalã

para uma noite de fados, a , seguida a do festival Portugal Alive, na Plaça Joan Coromines, em Barcelona, com Surma, Bruno Pernadas e Capicua, um dia depois de o mesmo festival ter tido uma edição madrilena no Palacio de la Prensa, com os mesmos artistas, mas sem Capicua e com os Best Youth.

No fim de semana de / de se-tembro, os barceloneses puderam assim assistir a concertos do Real Combo Lisbonense, dos luso-angolanos ¬roes & ¬e Shine e da cantora angolana Pongo, e à performance de música e representação na rua A incrível tasca móvel, no Parc de la Ciutadella. A mú-sica fez-se de novo ouvir em Barcelona no fim de semana seguinte num festival de Fado com Mísia e Kátia Guerreiro.

A programação tem ainda pela frente um outro nome da música portuguesa, Rodrigo Leão – uma presença regular na mostra em Espanha ao longo dos anos –, que se apresentará em Madrid a de novembro, com o concerto O Aniversário, que celebra os seus anos como intérprete, compositor e autor.

Em Madrid, na Fundação Juan March, concertos do Cuarteto Quiroga, uma referência da música de câmara em Espanha, que tocará a de novem-bro obras de Franz Joseph Haydn, João Pedro de Almeida Mota e José Palomino, do cravista Pierra Hentaï, com um programa de autores ibéricos dos séculos XVI a XVIII, da soprano portuguesa Ana Quintans, juntamente

com Carlos Mena, Ruth Verona e Carlos García-Bernal, também com composi-tores ibéricos dos mesmo período, dão corpo à música erudita na programa-ção da ‘Cultura Portugal ’, que compreenderá ainda um recital de polifonia ibérica dos séculos XVI a XVIII pelo Coro Gulbenkian, sob a direção de Pedro Teixeira, a de dezembro.

A música erudita tem ainda outras presenças na programação, nomea-damente em Madrid, a de outu-bro, o concerto do pianista António Mont’Alverne, que interpretará obras de Vianna da Motta, Beethoven, Villa-Lobos e Chopin, no Auditorio da Casa de América, e em Vigo, a de outubro, um ciclo de música de câmara de com-positores portugueses e brasileiros, no Centro Cultural Portugués/Camões I.P, e, a de novembro, uma homenagem a Bernardo Sasetti – �e wake of an ar-tista – pelo Iberian Roots Trio, no Teatro Municipal de Tui.

Estes dois últimos eventos, junta-mente com outros programados para esta mostra, explica que “a notável capacidade empreendedora do Centro Cultural Português de Vigo” tenha sido sublinhada pelo diretor da mostra.

Na apresentação da ‘Cultura Portugal’, Pedro Berhan da Costa, ex-plicou que, ao longo dos últimos anos, tem tentado que a mostra seja uma “mistura entre autores já conhecidos e outros menos conhecidos”. Uma aposta que tem sido mantida.

Numa curta entrevista, Pedro Berhan da Costa, conselheiro cultural da Embaixada de Portugal em Madrid, fala da progra-mação da mostra ‘Cultura Portugal ’ e do ano cultural português em Espanha- Para quem tem de organizar uma mos-tra cultural como aquela que está agora neste Outono/Inverno a ser apresentada em Espanha quais são as principais preo-cupações em termos de programação?- Para além da Embaixada, os dois Consulados-Gerais de Barcelona e Sevilha, o Centro Cultural de Vigo e outros pontos de rede espalhados por Espanha, contribuem, dentro das res-pectivas áreas territoriais de jurisdição, para a programação da Cultura Portugal.

A circunstância de a Embaixada não dispor de instalações próprias para a rea-lização de eventos culturais, obriga-nos, cada ano, a procurar espaços culturais apropriados para os eventos que quere-mos organizar.

A dotação financeira disponibilizada pelo Camões, I.P. exige desta Embaixada um esforço grande na busca de parcerias, de cada vez que pretendemos organizar um projecto mais ambicioso e exigente em meios. - Como descreve no plano da pre-sença cultural portuguesa em Espanha; o

que mudou em relação a anos anteriores?- O ano de , no plano da presença cultural portuguesa em Espanha, poderá ser descrito como um ano de consolidação e de cumprimento das expectativas altas que o ano anterior, com a nossa presença na Feira do Livro de Madrid e a magnífica exposição Vieira da Silva/Arpad Szenes – Confluências, tinha deixado.

Para uma programação cultural tão dependente de terceiros (financiadores, gestores de espaços culturais, programa-dores e organizadores de eventos) e num país, como é o caso de Espanha, tão rico em oferta cultural (tenha-se em conta, a título meramente exemplificativo, que todas as noites, em Madrid, sobem à cena cerca de obras teatrais), a imagem de consistência e credibilidade que se conseguir transmitir aos nossos interlo-cutores é absolutamente determinante na altura de propor projectos em parceria.

Numa lógica de deitar hoje uma semente à terra, para colher o fruto ama-nhã, pode-se dizer que a programação da Cultura Portugal do ano de está a beneficiar, directa ou indirectamente, do sucesso de projectos realizados em anos anteriores e irá, estou certo disso, assegurar a mais fácil concretização de projectos futuros.

2018, ano de consolidação da cultura portuguesa em Espanha

Pedro Berhan da Costa

A rede de Ensino Português no Estrangeiro em números

Na radiografia da rede existente e nas projeções apresentadas, Luís Faro Ramos indicou que o número de alunos que estudam noutros países a língua portuguesa no ensino básico e secundário com o apoio do Camões, I.P. crescerá em ,%, passando de . para mil.

Em anos (-), o número de estudantes de português e de estudos portugueses e lusófonos no ensino superior com o apoio do Camões, I.P. aumentou % (% de para ). No ensino básico, o crescimento no mesmo período de anos foi de ,% (,% de para )

Nestes graus de ensino, o corpo docente contratado ou apoiado pelo Camões, I.P. atingirá em o mi-lhar de elementos (mais do que em ), enquanto o número de docen-tes do ensino superior terá mais efetivos ( no total), de acordo com os dados divulgados. O crescimento do número de docentes no período de anos considerado foi de % e %, no ensino superior e no ensino básico e secundário, respetivamente.

Ao todo, o ensino português apoiado pelo Camões, I.P. proces-sar-se-á em em institui-ções (universidades, organizações internacionais, centros culturais, coordenações de ensino), mais

O número de alunos que frequenta aulas de língua portuguesa ou de estudos portugueses e/ou lusófo-nos no ensino superior em todo o mundo com o apoio do Camões, I.P. vai crescer % em , atingindo os ., segundo as projeções divulgadas pelo embaixador Luís Faro Ramos na apresentação em setembro passado da rede de Ensino Português no Estrangeiro (EPE), tutelada por aquele instituto.

Numa sessão a que assistiu e interveio o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, o Presidente do Camões, I.P. afirmou que a rede tem crescido “ininterrup-tamente e sustentadamente”. Indicou que, em , a rede EPE vai estar em países dos cinco continentes, mais cinco do que em , com o estabelecimento de parcerias com instituições do Azerbaijão, Camarões, Cazaquistão, Gana e Panamá.

que em . A investigação apoiada na área do português e dos estudos portugueses e lusófonos decorrerá por seu lado em cátedras e consórcios académicos (mais que em ) e o número de centros de língua portu-guesa patrocinados pelo Camões, I.P. será de (mais que em , nas universidades de Nairobi, no Quénia, e Félix Houphouët-Boigny, na Costa do Marfim.

Entre os leitorados que sur-gem em , estão os de Malabo (Guiné Equatorial), Abidjan (Costa do Marfim) e Guadalajara (México). As novas parcerias vêm de Espanha (Junta de Castela e Leão), Azerbaijão (universidades de Ada e das. Línguas), Cazaquistão (Universidade Nacional da Eurásia Leonid Gumilev Malaya e Universidade de Relações Internacionais e Idiomas do Mundo Abylaikhan), Egito (Universidade de Al-Alzahr) Camarões (ISTI; ASTI), Gana (Universidade de Acra), Colômbia (Universidade Nacional), Panamá (Universidade Tecnológica), Venezuela (universidades de Los Andes e de Carabobo).

As novas cátedras aparecem no Chile (Cátedra Fernão de Magalhães, cuja inauguração integrará as come-morações do º centenário da viagem de circum-navegação do navegador português ao serviço de Espanha), em Itália, Milão (Cátedra António Lobo Antunes, que será inaugurada com a presença do próprio escritor em meados de outubro, segundo Luís Faro Ramos) e na Alemanha, na Universidade de Gotinga, ainda sem designação.

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Ca mões, I.P. Av. da Liberdade, n.º 2701250-149 LisboaTEL. 351+213 109 100FAX. 351+213 143 987www.ins titu to-ca moes.pt [email protected] SI DEN TE Luís Faro RamosCOORDENAÇÃO Vera SousaCOLABORAÇÃO Carlos Lobato

* * jornaldeletras.pt * a outubro de J

O poeta e crítico cultural Pedro Mexia participa amanhã, de outubro, em Bruxleas, no evento de encerramento da edição de do festival Transpoesie, dedicado neste ano europeu do Património Cultural ao Dia Europeu das Línguas e da Diversidade Linguística, celebrado em de setembro passado.

Através de uma série de eventos que se realizam de setembro a outubro, o festival, organizado pela EUNIC (institutos nacionais de cultura da União Europeia) Bruxelas desde , dá a conhecer ao público da capital belga e sede

juntamente com os os autores Dóra Gabriella Sós (Hungria), Tahel Frosh (Israel), Indrek Koff (Estónia), Dimitris Lyacos (Grécia), Pivinnguaq Mørch (Gronelândia) e Catherine Wilson (Escócia).

Pedro Mexia no festival Transpoesie de Bruxelas

da União Europeia, até de ou-tubro, uma vasta gama de poemas de toda a Europa, os quais foram colocados em transportes públicos (metropolitano e autocarros), não só na sua língua original mas tam-bém nas suas traduções em francês e neerlandês.

Celebração pública única da diversidade cultural europeia e expressão artística, o festival chega a três milhões de passageiros semanais em Bruxelas e ao público em geral desta capital multicultu-ral e europeia.

Pedro Mexia estará amanhã no Instituto Balassi lendo poemas

20 anos do Nobel de Saramago na Feira do Livro de Frankfurt

Os 20 anos da atribuição do Prémio Nobel da Literatura a José Saramago vão ser assinalados hoje no stand português da Feira do Livro de Frankfurt, que decorre até 14 de outubro, neste ano em que comemora os seus 70 anos, tendo como convidado de honra a Geórgia, que se apresenta sob o lema Georgia made by Characters.Durante a feira de Frankfurt terá lugar uma leitura moderada de Com o Mar pelo Meio - correspondência inédita entre os dois nomes maiores da literatura de língua portuguesa – Jorge Amado e José Saramago.A iniciativa para assinalar aquele marco da história da literatura portuguesa insere-se no âmbito

mais alargado do projeto Portugal País Convidado na Feira do Livro de Leipzig 2021. É assim que no âmbito da feira de Frankfurt vai ser assinado amanhã, 11 de outubro, no stand português, o contrato Portugal País Convidado 2021 com a Feira do Livro de Leipzig, segundo a direção desta última feira.Durante a feira de Frankfurt, vai ser lançado o suplemento alemão revisto e atualizado do Jornal de Letras, editado, em 1997, ano em que Portugal foi país convidado na Feira do Livro de Frankfurt.

Isabela Figueiredo, vencedora da Bolsa de Residência Literária do Camões/Centro Cultural Português em Berlim participa no programa oficial da Feira do Livro de Frankfurt. Presença, ainda, do autor brasileiro João Paulo Cuenca e do autor angolano Kalaf Epalanga, numa conversa moderada pelo tradutor Michael Kegler em torno da língua portuguesa como língua oficial de 8 países.No decurso da feira, deverão ainda terão ainda lugar contactos de editores brasileiros e portugueses que estarão em Frankfurt com o objetivo de impulsionar negócios.

Exposição de fotografiaCidades Invisíveis em Sófia

Depois de Budapeste, onde esteve integrada no Festival de Fotografia daquela cidade, a exposição Cidades Invisíveis, dos fotógrafos portugueses Paulo Nozolino e José Manuel Rodri-gues, chega hoje a Sófia, onde é inaugu-rada e vai estar até 9 de novembro na Galeria Nacional, a mais importante instituição búlgara nesta área criativa.

Hoje mesmo haverá uma apresentação da exposição por um dos autores – José Manuel Rodrigues – que falará com o público sobre o seu trabalho.

A exposição, que nasceu de uma parce-ria envolvendo o Centro Português de Fotografia, e diferentes polos do Ca-mões, I.P. nesta região da Europa, se-gundo declarou Anaísa Gordino, direto-ra do Centro de Língua Portuguesa

na Bulgária (Camões-Sófia) e leitora de português nas universidades de St. Kliment Ohridski, em Sófia, e St. Cyril e St. Methodius, em Veliko Târnovo.

De acordo com a leitora, com a promoção da exposição, pretende-se «dar a conhecer a fotografia contemporânea portuguesa ao público búlgaro, estabelecer uma parceria duradoura com uma instituição de referência na Bulgária, a Galeria Nacional, e simulta-neamente, lançar pontes entre a realidade e a arte portuguesas e búlgaras, nomeada-mente no que toca à reflexão sobre o espaço urbano e o espaço rural e o lugar do ser humano na sociedade contemporânea».

O conceito da exposição é «semelhante ao de Budapeste, cruzando o simbolismo som-brio e, frequentemente, disfórico, da fotografia de Paulo Nozolino e de alguns dos seus temas mais constantes – a solidão da metrópole, o isolamento e destruição do mundo moderno – com o simbolismo expressivo de José Manuel Rodrigues, no contraste entre o temporal e o intemporal e o jogo entre o visível e o invisível».

A curadoria da exposição é da responsabilidade da fotógrafa e diretora do Festival de Fotografia de Budapeste, Szilvia Mucsi, tendo sofrido apenas algumas alterações. Em Sófia são apresentadas exclusivamente fotografias a preto e branco da Coleção Nacional de Fotografia, num total de 40 imagens.

Paulo Nozolino, Milano, Italia

iniciativa das conversas realizadas sob o chapéu do ‘Camões dá que falar’, o autor de Praça da Canção e O Canto e as Armas sustentou que, “sem dar por isso, toda a gente anda por aí a falar Camões”. “A língua que nós falamos e escrevemos – não a escrevemos nem a falamos como o Camões – é a língua que o Camões escreveu”.

Além de ter consolidado a língua portuguesa, Camões, no entender de Alegre, “fundou uma linguagem poética incomparável”, que levou Eugénio de Andrade a dizer que o livro de poesia portuguesa mais atual são os sonetos de Camões. “É difícil escrever um português daquela maneira”, considerou.

Manuel Alegre afirmou depois que se sabe muito pouco sobre a vida de Camões, de quem se perderam os manuscritos. Mas uma coisa é certa: como disse Helder de Macedo, ele é o primeiro poeta europeu que vai a ou-tros continentes e contacta com outras culturas e povos, “e isso faz parte da cultura dele”, para lá do que aprendeu em Coimbra. “Na linguagem, ele traz um novo saber e um novo ver. Ele é

Manuel Alegre no ‘Camões dá que falar’

um lusíada de Os Lusíadas”, em que ao falar dos portugueses “está a falar de si mesmo”. Os Lusíadas são aliás, no dizer de Manuel Alegre, “uma epopeia diferente de todas as outras, porque os heróis não são míticos, virtuais”. A narrativa é a viagem de Vasco da Gama, mas a história é a de Portugal, disse.

Mas há um outro lado de Camões, que nos sonetos, “mesmo quando fala de si mesmo é mais oculto e misterioso”. Para o antigo dirigente nacional do PS, “é um erro tentar fazer a biografia de Camões a partir do pró-prio Camões. Ele revela-se mais n’Os Lusíadas do que o faz na lírica”.

Insurgindo-se contra as revisões da História que se estão a fazer atual-mente, Manuel Alegre sublinhou o facto de Camões ser o autor dos “dois poemas de amor mais célebres da língua portuguesa” que são antirra-cistas – Endechas a Bárbara Cativa e Ah! minha Dinamene! Assim deixaste – dedicados a “duas mulheres que não são brancas”.

Sintetizou, lendo um trecho de Agostinho de Campos, professor universitário de Coimbra: “O poeta português viveu sempre em briga consigo próprio e com o mundo, cli-mas e homens, desterrado, pobre e até indigente. Soldado raso, mutilado de guerra, náufrago e arruinado o pouco que porventura acumulou, acusado e preso, dezassete anos vagabundo por mares e terras que nenhum poeta ocidental vira antes dele, tardiamente premiado com pensão, aliás menor do que as de outros que fizeram menos”.

Apelou depois a que se reedite o que António Sérgio escreveu sobre as ideias políticas de Luís Vaz de Camões, tanto de política externa como interna.

Manuel Alegre ligou ainda a difusão da obra do poeta seiscentista, incluin-do a sua obra lírica, após a sua morte em , à afirmação da identidade portuguesa face à ocupação espanhola.

No período de perguntas e respostas, Manuel Alegre lembrou a declaração do Presidente moçambi-cano Samora Machel, quando visitou Portugal na década de do século passado, que Camões não era só dos portugueses, era também dos moçam-bicanos.

Foi a partir do papel do poeta nacio-nal português Luís Vaz de Camões na consolidação da língua portuguesa que se desenvolveu a palestra que o escri-tor e político socialista Manuel Alegre proferiu, a de setembro, na série de conferências realizadas mensalmente na sede do Camões, I.P., em Lisboa, intituladas ‘Camões dá que falar’.

Esse foi um tema que Manuel Alegre abordou no discurso que proferiu quando recebeu, este ano, o Prémio Camões pelo conjunto da sua obra, como aliás recordou, citando-o, o Presidente do Camões, I.P., Luís Faro Ramos, ao apresentar o conferencista. “Camões consolidou, como gostava de dizer Mário Cesariny, a língua portuguesa tal como nós hoje a escrevemos e falamos. Essa é a língua que anda pelos cinco continentes, língua de diferentes identidades e culturas, em que as vogais, como já tenho dito, não têm todas a mesma cor. E em que as consoantes, como se sabe, em Portugal assobiam, na África cantam e no Brasil dançam”, afirmou em fevereiro Manuel Alegre.

Considerando “magnífica” a

Palestra de Manuel AlegreCamões, poeta antirracista

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1 Os estudantes são, na maior parte dos casos, demasiado novos para poderem ter uma

boa noção daquilo a que estão a ser sujeitos, encontram-se muitas vezes afastados de casa pela pri-meira vez, temem ser rejeitados. A adesão às praxes permite exibir o facto de se pertencer a um determinado grupo social – neste caso, o dos que acedem ao ensino superior. O ser humano, de facto, precisa de ritualizar certas coisas de maneira a mostrar o que conquistou. O problema começa quando este processo é sobre-posto por práticas que tendem para a desumanização, nas quais, para se conseguir algo que deseja, o sujeito tem de se humilhar. Depois, claro, há a pressão exer-cida sobre os que não aderem, a ideia de que serão postos de lado. Apesar disto, e uma vez que são um ritual de passagem para a vida adulta e independente, as praxes académicas parecem continuar apetecíveis para muitos estudan-tes.

2 No que diz respeito ao que é feito na rua, podemos dizer que não faz sentido, como estamos

a fazer aqui. Talvez haja, contudo, alguma coisa a fazer no imediato em relação ao que se passa dentro das universidades. A pergunta poderá ser: como instituições de ensino as universidades têm valores humanistas a defender? No caso de a resposta ser positiva, como creio, poderão ou deverão impedir a realização destas práticas dentro dos seus recintos? Para mim, a resposta é óbvia: sim.

Hugo MezenaRitual de passagem

Hugo Mezena

1 Resgatando um verso do O´Neill, penso que as praxes são uma grande «tristeza

cor de farda». É lamentável ver essa horda fardada, aos urros, por Lisboa afora, competindo com os hooligans profissionais e vencendo-os, até, na boçalidade. Nas situações de humilhação, violência e coerção, o caso deveria ser simplesmente de polícia. Vejamos: A obriga B (isto é um supor) a rastejar na relva e a comê-la, às escâncaras, em plena praça pública. Que faz o cidadão normalmente num caso destes? Chama, claro está, a polícia, indignado. No entanto, que faz se A for um estudante universitário e B um outro estudante universitário? Nada, aceita complacentemente, como se fora normal. A liberdade, justiça, igualdade e dignidade suspendem-se, ao que consta, mal um novo aluno fica sob alçada da Universidade. A resistência à praxe deve ser tida como um acto político, porque o

Rita Taborda DuarteDesta ‘tristeza cor de farda’

segregação de uns estudantes face aos restantes, nas lógicas grupo-tribais entre faculdades e cursos, na submissão obediente, cega e acrítica dos novos alunos; também no resgatar da tradi-ção (falsíssima, aliás, fruto da ignorância, de quem pensa que o mundo começou na semana passada) como ideário acríti-co; também nos lamentáveis andrajos com que se cobrem, ao marcharem pelas ruas. Quando entrei na faculdade, uma dessas

trajadas de triste figura ameaçou--me, dizendo que, se me recusas-se a ser «praxada» (como me recusei), ficaria proibida de usar o traje académico. Eu, na verdade, nem nos meus piores pesadelos de adolescente freak me consen-tiria dentro duma saia travada, com meias de lycra e sapatinhos de meio salto; mas lembro-me de pensar como é que, nos anos , vinte anos depois de Abril, alguém se poderia atrever a pensar em proibir-me de andar com os entrouxos que eu bem entendesse?

2 A praxe, independentemente dos abusos, é, no seu imo, bem mais do que uma mão

cheia de brincadeiras pacóvias e alarves por um bando de energúmenos mascarados. O seu recrudescimento é forte sintoma deste mundo de trumpalhadas e bolsadelas regurgitadas pelos discursos de extrema direita; um fascismozeco não teorizado, mas que nasce da prática, da práxis, da praxe, dos actos. Por isso deve ser levado a sério e combatido politicamente. Talvez criando em cada faculdade, como quereria José Gomes Ferreira, para Portugal, um núcleo estudantil da «crítica» e outro da «coragem de desagradar» à turbamulta. A propósito onde anda o MATA (movimento anti-tradição académica) dos dias de hoje?

fascismo (e digo-o, mesmo pe-sando a palavra) está na raiz apo-drecida da praxe, no seu caroço,

na sua definição mais íntima; está em toda a insidiosa imposição de hierarquias (entre pares!), na

Rita Taborda Duarte

1Surpreende-me a passividade das universidades e dos governantes, que preferem

esconder a cabeça na areia e fingir que não é nada com eles.Já houve praxes que levaram a mortes. Não esquecemos nem esqueceremos por exemplo o caso da praia do Meco, uma história muito mal contada e muito mal investigada, onde as perguntas fundamentais ficaram sem resposta, e a impunidade foi total, como se ninguém fosse responsável por nada.

Sinto que são muito jovens, muito inseguros, e querem ter a sensação de pertencer a um grupo, como é normal na sua idade. Mas considero inaceitáveis praxes abusivas e estúpidas, chefiadas por quem já provou, pelo número de chumbos, que não tem capacidade nem mérito para estar numa universidade,

e devia estar noutro lugar, a ganhar a vida como toda a gente. Que sejam exactamente esses a exercer sobre os caloiros um poder ilegal e acéfalo diz muito sobre o país que somos.

Os estudantes deviam ser protegidos, e as universidade têm enormes responsabilidades no que acontece. Os caloiros são

cidadãos com direitos iguais aos de todos nós, e não têm de estar sujeitos a duxes nem praxes abusivas, ou mesmo a qualquer forma de praxe, se não quiserem.

Se a lei protege até os animais, e quem os maltrata pode ter penas até dois anos de prisão, no caso de jovens humilhados e maltratados a Constituição não se aplica?

E como é possível que os jovens, por natureza rebeldes, aceitem humilhações sem se revoltarem contra elas, e contra quem lhas impõe ilegalmente?

2 Na minha opinião as universidades, os governantes e a justiça têm

o dever de agir . Por outro lado, a opinião pública e os jovens já começaram a acordar, e a exigir mudança. Afinal de contas estamos no século XXI, ou será que ainda não?

Teolinda GersãoOs estudantes deviam ser protegidos

Page 28: António Lobo Antunes 'Já mudei a literatura' - Trust In News

Jjornaldeletras.pt * a de outubro de * educação COLUNA

As escolas em 2018 são muito diferentes das escolas de há 30 ou 40 anos, como aquelas em que eu próprio fui aluno. Pelo menos, uma maioria delas. E são diferentes para melhor em termos de condições e equipamentos. Existem computadores, projetores, banda larga, bibliotecas melhor equipadas, mesmo em escolas não intervencionadas de forma sumptuosa pela Parque Escolar nos anos de maior delírio despesista. Mas ainda se está muito longe de ter uma rede escolar com uma qualidade uniforme. Ainda existe uma rede escolar a várias velocidades e não é raro que quem vive no mundo real das escolas portuguesas, e não apenas nos nichos privilegiados em que a climatização custou mais do que um pavilhão, ache perfeitamente absurdas muitas das considerações feitas por quem, de fora, não se cansa de fazer exigências despropositadas às escolas públicas.

Há quem considere que os professores quando se queixam das condições em que trabalham ou estão a exagerar ou a dramatizar ou então é porque se concentram apenas no que os rodeia, no seu microcosmos, não conseguindo ir além das fronteiras do seu território. Não é bem assim. A verdade é que, apesar de muito se falar em “escolas/salas de aula do século XXI”, boa parte do quotidiano dos alunos e professores portugueses decorre em condições que estão longe de um anunciado presente radioso. E não se trata apenas das condições físicas, dos pavilhões por construir ou remodelar para as práticas desportivas, das velhas cadeiras e mesas que pouco diferem das de outras gerações, mesmo nos grafitos, das janelas e estores por arranjar semanas a fio, por não haver verba quando se estragam, do calor no Verão alongado ou do frio no Inverno quando chega.

Trata-se muito em especial dos procedimentos que se perpetuam numa lógica que alia o voluntarismo legislativo com a obsessão do controle administrativo e burocrático, da forma como o legislador define até ao detalhe muitos aspetos da vida escolar, mas parece desconhecer as

condições concretas em que a implementação dos normativos deve acontecer. Trata-se de muitos governantes conhecerem as escolas apenas em modelo de visita vip em que toda a gente procura aparecer bem na fotografia com fato domingueiro, sorriso pronto e misérias varridas para baixo da alcatifa.

As consequências do desfasamento entre o conhecimento teórico do sistema educativo – por muitas visitas e conversas em família que se façam em auditórios pelo país – e a sua vivência diária podem tornar-se dramáticas para a qualidade do ensino, porque muitas opções são por “priorizar” (um dos termos em voga) um pretenso rigor financeiro com claro detrimento do “interesse dos alunos” tão enunciado na retórica política ou em

educativas especiais”, mas a partir desse dia deixaram de as ter para passarem a ter uma outra coisa a definir por equipas multidisciplinares constituídas só depois de arrancar o ano letivo seguinte.

Ou seja, dezenas de milhar de alunos ficaram, a ser aplicada a letra da lei, sem quaisquer medidas antes de ser feita a sua “reavaliação” e elaborados os novos “relatórios técnico-pedagógicos” (RTP) que substituem os anteriores “programas específicos individuais” (PEI). Claro que escolas e professores, em defesa dos seus alunos, acabam quase sempre por “desenrascar” as coisas e por aplicar as medidas que acham necessárias no curto prazo, mas isso – que fique claro – é feito à margem de uma lei publicada num calendário sem sentido. Ler responsáveis a afirmar que até ao final do primeiro período as reavaliações mais urgentes estarão feitas e que até final do ano lectivo tudo estará resolvido é inaceitável e revela uma enorme irresponsabilidade e desrespeito pelos alunos mais vulneráveis e suas famílias.

Aliás, se não fossem alguns encarregados de educação denunciarem algumas situações dramáticas à comunicação social tudo pareceria estar a correr sobre rodas. Mas em peças recentes do Público e do Expresso conheceram-se as incongruências de uma lei que deveria ter sido discutida e publicada, na pior das hipóteses, até ao início do º período do ano anterior ao da sua implementação. Há alunos com multideficiência ou com

transtornos no espetro do autismo a serem encaminhados para aulas regulares sem qualquer tipo de “rede”. Não admira que uma mãe me tenha enviado o testemunho que divulgou numa rede social no qual afirma que “estas situações politiqueiras, quase arrasam com a força das famílias... conseguem contornar as coisas, melhor que malabaristas de circo e depois a as famílias ficam com uma sensação de impunidade daqueles que instigam aos silêncios por acharem que não vale de nada fazer denúncias.”

Felizmente, continua dizendo que ainda acredita e que vai “lutar até onde seja preciso”. Porque não forem os encarregados de educação a tomar a liderança nestas denúncias, nada será feito, porque aos professores ninguém ao nível do poder político dá atenção, mesmo quando revelam casos de alunos como aquele “com deficiências físicas, psíquicas e transtornos de comportamento, dificuldades de aprendizagem e problemas afetivos” que “foi ‘integrado’ numa turma de º ano, que até o acolheu bem, mas com quem ele não tem grandes afinidades” pelo que “anda rua acima, rua abaixo para vir ‘assistir’ às aulas (acompanhado por um professor de Educação Inclusiva) e está a ter Inglês (que nunca teve em todo o percurso escolar)…ou Filosofia (que nem sonha o que é).”

Mas as coisas podem sempre piorar pois em outro testemunho leio que “numa turma de uma colega, uma mãe agride a auxiliar e entra pela sala ameaça,

insulta, etc… a colega aflita vai à direção [e] dizem-lhe para estar caladinha, dizendo, já conhece o bairro? Quer ter problemas? Não apresente queixa! Aguente o miúdo na sala!”

Sim… estamos num domínio ultrapassa o neorrealismo a caminho de um hiper-realismo que demonstra como o nosso sistema público de ensino consegue ultrapassar situações muito complicadas e impensáveis para quem critica as escolas públicas em tertúlias de café ou em prime-time televisivo.

Tudo isto enquanto se fala em competências para o século XXI e da necessidade dos professores se adaptarem a um novo século iniciado há quase duas décadas. Décadas marcadas por um conjunto de medidas que proletarizaram materialmente e desvalorizaram simbolicamente a docência, amputando as perspetivas de progressão de quem está na carreira ou de acesso para quem ainda não está. Ao ponto, não apenas dos cursos de acesso à docência estarem quase desertos mas muito em especial de, depois de anos em que se falou de dezenas de professores contratados sem colocação e no desemprego, agora ser quase impossível encontrar professores para substituírem aqueles que ficam de baixa médica ainda no início do ano letivo. Ainda estamos no primeiro mês de aulas e já há reservas de recrutamento em que alguns grupos disciplinares não apresentam docentes disponíveis para ocupar as vagas existentes. Algo impensável há apenas uma década, mas que se tornou possível após uma investida política concertada contra a classe docente que degradou as condições do seu exercício quotidiano e fez desistir muita gente de nela entrar.

O corpo docente está envelhecido? Claro que está e o mais grave é que não existem condições para a sua renovação. Porque não são criadas condições dignas para aposentações antecipadas, porque existem Juntas Médicas que mandam regressar às escolas pessoas com situações de saúde (incluindo problemas oncológicos não resolvidos ou casos de depressão profunda) incompatíveis com um horário completo perante turmas com a crianças ou jovens, porque quem vem substituir quem não consegue mesmo continuar já tem quase tanta idade quanto os substituídos.

É este um texto de desânimo, de desilusão, de desespero? Talvez. É certamente uma declaração de indignação e fúria contra aqueles que Carlos Fiolhais, com especial acerto. chama no seu último livro (A Ciência e os seus Inimigos, Gradiva, p. ) vendedores de “banha da cobra” na Educação.J

Educação hiper-realistaEDUCAÇÃO E MEMÓRIAPaulo Guinote

Ainda estamos no primeiro mês de aulas e já há reservas de recrutamento em que alguns grupos disciplinares não apresentam docentes disponíveis para ocupar as vagas existentes

preâmbulos de diplomas legais.Um dos casos recentes de

maior gravidade relaciona-se com as implicações do chamado “regime jurídico da inclusão escolar” que, apesar de debatido em alguns círculos de especialistas e formadores, chegou às escolas depois de terminado o período em que se definem em Conselho de Turmas as medidas de apoio, especial, especializado ou específico (sempre achei bizantina a forma como se usam estes termos como se fossem requintes terminológicos) para os alunos que tinham até de julho de (data da publicação do decreto-lei /) “necessidades

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J a de outubro de * jornaldeletras.pt PERSPETIVAS educação *

ANA MARIA BETTENCOURT

Difícil mas urgente

LINKS DAS INQUIETAÇÕES PEDAGÓGICAS

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INQUIETAÇÕES PEDAGÓGICAS

Queremos formar cidadãos capazes de lidar com o aumento exponencial do acesso à informação, com a capacidade de a utilizar numa perspetiva crítica, e de resistir aos populismos e às fake news; queremos e precisamos de uma Educação para Todos que não deixe alunos para trás por via das retenções e dos abandonos; queremos que a escola desenvolva competências exigidas cada vez mais pelo mundo do trabalho. E queremos garantir a aquisição de conhecimentos sobre os quais há poucos entendimentos.

Têm sido lançadas iniciativas legislativas que pretendem responder a este tipo de exigências, designadamente o Perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória, a Autonomia e Flexibilidade Curricular, as Aprendizagens Essenciais, os projetos visando a promoção do sucesso educativo. Estas políticas, em harmonia com as recomendações da União Europeia e da OCDE, embora recentes, situam-se numa linha de continuidade, apesar de interrompida por Nuno Crato. São propostas de mudanças, designadas como adaptativas, que deixam em aberto a sua definição no terreno, daí o papel decisivo das escolas e dos professores.

No trabalho de proximidade que tenho desenvolvido com escolas (designadamente nas periferias de Lisboa, Setúbal e nos Açores) procurei conhecer, apoiar e valorizar práticas inovadoras que pretendem dar respostas às questões colocadas anteriormente. Identificámos dilemas e dificuldades que poderão encontrar solução nos documentos agora aprovados. É designadamente o caso das práticas em que se pretende: melhorar as aprendizagens (reforçando a autonomia, a

O Ministério da Educação não o pode fazer. É inaceitável a situação de professores que fazem um trabalho extraordinário e que no final do ano letivo são “dispensados” contra a opinião deles próprios, dos alunos e da escola.

O argumento muitas vezes esgrimido de que no nosso país não somos capazes de resistir à cunha e ao compadrio não pode condicionar o futuro. Há um tabu nesta matéria que importa quebrar para bem dos alunos.

2 - A EVOLUÇÃO DA FUNÇÃO DO PROFESSOR E A SUA VALORIZAÇÃOÉ urgente encontrar caminhos para a valorização do corpo docente. Vivemos uma fase de transição em que ao professor se exige que seja simultaneamente um especialista da aprendizagem, um investigador capaz de solucionar situações de grande

Há um sentimento de mal-estar e desvalorização que resulta do facto de os professores terem de deixar, pelo menos parcialmente, práticas em que se sentiam competentes e seguros. É necessário que sintam que as mudanças não significam a negação da sua competência atual, mas sim a aquisição de outras valências profissionais decisivas e que os valorizam. A mudança exige a criação de contextos de acompanhamento, pesquisa, trabalho colaborativo, formação reflexiva e tempos comuns às equipas.

As políticas e a organização das escolas terão de ser repensadas nesta ótica.

3 - A PEDAGOGIA DAS INOVAÇÕES E A CONSTRUÇÃO DE CONSENSOSO conhecimento do trabalho das escolas é fundamental e a sua valorização pela tutela é decisiva. Não temos sabido fazê-lo. A estrutura e o funcionamento do Ministério da Educação têm pecado por cegueira relativamente às inovações.

A falta de uma pedagogia das reformas tem estado na base da instabilidade e do afastamento entre os portugueses e as políticas educativas. Em consequência as reformas deparam-se frequentemente com narrativas estereotipadas.

O debate público e político para a criação de consensos é essencial. É importante formar formadores que possam acompanhar as mudanças pedagógicas e apoiar redes de trabalho entre escolas. As instituições de formação de professores deviam ter um papel determinante nesta matéria. Impõe-se um diálogo entre as tutelas do ensino superior e da educação para garantir uma maior eficácia dos meios que temos.

Estes são caminhos a percorrer de forma simultânea e sustentável.J

*Ana Maria Bettencourt é professora e investigadora na área das Ciências da Educação. Foi deputada, presidente do Conselho Nacional de Educação e assessora do Presidente da República, Jorge Sampaio

responsabilidade e o trabalho dos alunos na escola em detrimento das aulas expositivas); diversificar instrumentos de avaliação em detrimento das aulas expositivas e dos testes; realizar projetos transdisciplinares e de intervenção.

As dificuldades na implementação das reformas não são uma especificidade nossa e têm dado origem a numerosos estudos sobre condições necessárias à mudança. Em análises de reformas nos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e países europeus (ver por exemplo em Dupriez, V. Peut-on réformer l’école ?: De Boeck, ,) são apontadas exigências que se

aplicam também à nossa realidade tais como: clareza de objetivos- que devem ser em número reduzido, públicos e lembrados em permanência; necessidade de um trabalho de motivação individual e coletiva indispensável à implicação nas mudanças o que exige tempo de trabalho dedicado à construção e participação na elaboração das propostas pelas equipas pedagógicas; reforço da capacidade de trabalho dos professores, das suas competências, o que requer apoio, valorização dos dispositivos de entreajuda, divulgação e debate dos caminhos percorridos,

sustentação de uma cultura de aprendizagem.

Face a crises inevitáveis em processos de inovação, há que relembrar sempre a importância para os alunos e para a comunidade docente das mudanças empreendidas e festejar os caminhos percorridos e os sucessos. As lideranças são decisivas, designadamente, em matéria de gestão das emoções, da criação de consensos, do apoio nos momentos difíceis e da valorização dos professores.

Relativamente ao momento que vivemos em Portugal parece-me de destacar, entre várias, três condições indispensáveis à sustentabilidade e bom êxito das mudanças:

1- A ESTABILIDADE DAS EQUIPAS EDUCATIVASA inovação deve assentar em projetos definidos em cooperação com equipas educativas que os materializam. Esta condição encontra obstáculo de peso na instabilidade docente que se vive em parte nas escolas portuguesas, decorrente do modo como são colocados os professores. Defendo que deveria ser possível as escolas terem um papel ativo na escolha dos seus professores em função das suas competências e dos seus projetos.

Como promover e sustentar a inovação?Malquerida, muito debatida neste início de ano letivo, a inovação no campo da educação é considerada, cada vez mais, como inadiável. As dificuldades de implementação das mu-

danças educativas têm sido objeto de múltiplos estudos que as ajudam a compreender, que permitem identificar os principais obstáculos e que apontam para percursos e processos que

lhes asseguram sucesso e sustentabilidade.É com base em alguns desses estudos e na

análise de práticas educativas que acompanhou, que escreve Ana Maria Bettencourt.

As lideranças são decisivas em matéria de gestão das emoções, da criação de consensos, do apoio nos momentos difíceis e da valorização dos professores

“complexidade decorrentes da evolução da população escolar e das exigências que a sociedade atual coloca à educação.

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J * educação jornaldeletras.pt * a de outubro de

› ‹ As escolas públicas que tenho

frequentado dão primazia às competências cognitivas, com enfoque na preparação para os testes e exames. Mas o meu com-promisso ético com a educação leva-me mais longe ao ajudar muitos alunos a desenhar os seus projetos de vida, potencializando a sua criatividade e imaginação, recorrendo às suas memórias/ histórias de vida.

As escolas têm procurado combater a indisciplina e a falta de envolvimento dos alunos nas atividades atacando os "sintomas", ignorando-se muitas vezes os "recados" por detrás dos com-portamentos. Contrariando esta tendência, procuro pelas causas, interpretando as atitudes dos alu-nos como uma forma de dizerem o que gostam ou não de aprender, o que faz sentido para as suas vidas, ainda que seja disfuncional, pois, enquanto estiverem "prisioneiros" de um paradigma de instrução obsoleto, não poderão responder de forma íntegra, mas, sim, farão espelho com uma sociedade emo-cionalmente danificada.

Quando cheguei, como professora, à escola de Ovar, em 2004/2005, era mais difícil dar aulas com métodos do século passado. Com as oficinas de escrita criativa, dispositivo que surge no meu percurso por força da minha vocação literária, implementei na EB 2/3 António Dias Simões, em 2010/2011, durante uma licença sabática, um projeto didático de-signado Oficina de formação para a escrita de ficção, para desenvol-ver com 26 alunos (dos 11 aos 16 anos), além do ensino da língua e literatura, novas ferramentas para os ajudar a lidar com o emocional, o mental e o espiritual de forma holística e apoiada na terapia Gestalt. Para suplantar a escolari-zação com imaginação e criativi-dade, dei-lhes a possibilidade de terem acesso à sua vocação literá-ria natural e de recuperar o gosto por aprender, através do “método” que designo por educura, isto é, educar e, ao mesmo tempo, curar. O processo teve também o envol-vimento dos pais.

Em 2011, apresentei à comuni-dade o livro Escritas de vida, histó-rias da escola. Na roda gigante que

A minha história de vida Rosa Maria Oliveira

¶Rosa Maria Oliveira, anos, nasceu em Santa Maria da Feira, vive em Aveiro e é professora do º ciclo e do secundário na Escola José Macedo

Fragateiro, sede do Agrupamento de Escolas de Ovar. Publicou vários

livros, mormente de poesia, e foi um dos

dez finalistas do Global Teacher Prize Portugal,

. Em outubro, dará a conhecer os seus projetos no ensino na conferência

internacional “Expressões da Lusofonia”, na

Universidade de York, Toronto, Canadá

de certo modo, tirando-os da zona de conforto, permitindo trabalhar emoções, valores, relações inter-pessoais, aspetos de cooperação e de organização no trabalho. Na verdade, a mensagem passou por estes jovens e para a comunidade através de três extraordinárias lições de vida – uma lição de sobrevivência, uma lição de auto-consciência e uma lição de amor incondicional.

A quarta lição é aquela que se vive agora na minha escola (e possivelmente em muitas outras) - estamos finalmente a entender que realmente não existe certo ou errado. Começamos a ter uma per-ceção completamente diferente. Sentimos como se tivéssemos sido empurrados para algo que não escolhemos, até vermos que somos capazes de fazer funcionar uma educação integral, tendo opor-tunidades e insights que nunca vimos antes. Tenho observado à minha volta como os professores querem voltar a aprender a sonhar e a criar com os seus alunos.

Em 2018/2019, tendo como par-ceiros o Museu Júlio Dinis/Câmara Municipal de Ovar/ Associação de Pais, o projeto "Narrativas de vida" - oficina de escrita criativa e de ficção propõe o tema Histórias da minha família, como estratégia de aprendizagem integral/ holística/ inclusiva, no sentido de envolver os alunos do pré-escolar ao se-cundário a vivenciar o contar das suas histórias familiares, criando (sempre) um clima favorável para serem capazes de comunicar de várias formas com professores, colegas, pais e comunidade, sobre a sua perceção de família, qual a repercussão desta vivência na vida escolar, os desafios que enfrentam (enfrentaram) face a mudanças de perceção e ampliação do conceito de família e à ressignificação de vínculos, crenças, valores e rituais.

A ideia é, por um lado, incenti-var os professores, como mentores ou facilitadores, a descobrirem com os alunos formas de cone-xão das suas histórias de famí-lia com as histórias da escola, percecionando como as histórias individuais podem dar sentido ao que fazem e ao que são e como influenciam as histórias de um coletivo. Por outro lado, promo-ve-se a aproximação dos pais à escola, através da participação na pesquisa inicial com os filhos, nas palestras, tertúlias e no evento final para a apresentação dos pro-dutos de caráter cultural, literário e artístico.

Querer é poder. O meu ca-minho, que se fez solitário, é agora mais solidário, vivendo da esperança de que mais professores e agentes da educação começarão a entender que não podemos pro-telar a verdade sobre quem somos nem sobre a nossa psique cole-tiva que continuará a processar a implacável cascata de mudanças, trazendo incerteza, mas também boas surpresas.J

“Ensinar é um exercício de imor-talidade. De alguma forma conti-nuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O profes-sor, assim, não morre jamais”.

Rubem Alves

Fiz-me professora de português e francês aos 33 anos. Aos 18, com o 7.º ano do liceu antigo, feito em Ovar, fui trabalhar para uma fábrica de calçado, situada no concelho de Santa Maria da Fei-ra, como escriturária, adiando os estudos superiores para depois de casar e de nascer a primeira filha. Aos 25, a viver em Aveiro, senti o chamamento de voltar à escola para me preparar para os exames de acesso à universidade com o propósito de ser profes-sora. Não podendo conciliar os estudos com o emprego, despe-di-me.

Durante o curso, para equili-brar as finanças do lar, dei aulas de português e línguas estran-geiras aos jovens do meu bairro, em casa e nos bosques, inspirada na escola de Summerhill, que conheci através do livro Liber-dade sem excesso (1967) de A. S. Neil - que li durante as viagens de comboio a caminho da fábrica (o mesmo trajeto que faço agora, mas para a Escola).

Nessa época, dei atenção também ao meu sonho de adoles-cente: ser escritora. Comecei pela poesia, encarando-a “forte-mente interpelativa”, de “pendor dialógico com potencialidades de universalização”, segundo o prof. Carlos Reis, no prefácio ao meu livro Da vida e do Acaso (1990). A licenciatura e, depois, o mestrado em Estudos Portugueses pela Uni-versidade de Aveiro deram-me as bases científicas da arte de ensi-nar, enriquecida pela minha outra vocação: a da escrita literária.

Este casamento de vocações baseado na consciência do coração é fundamental para a minha missão na escola. Dar aulas pelo amor à educação - aos alunos que me são confiados todos os anos - impede-me de cair na rotina académica. Os alunos são muito sensíveis à energia da criativi-dade, aos sentimentos autênticos e à pertinência das metodologias em sala de aula. Um professor - que traga ideias novas, como, por exemplo, recordar-lhes que são criativos desde que nascem, apoiando os seus interesses de forma incondicional, sem nunca desistir deles, sobretudo num contexto do ensino estereotipado - tem de fazer diferença na vida da escola.

escrevi com a ajuda destes alunos e que relata fielmente a constru-ção do projeto. Na sequência, uma professora do Ensino de Portu-guês no Estrangeiro que assistiu à apresentação deste trabalho por nove alunos, na Universidade de Aveiro, convidou-nos a ir à Ale-manha para o partilhar com pro-fessores e alunos de descendência portuguesa a frequentar escolas alemãs. Esta viagem ocorreu em 2012.

A partir de então, na escola, passei a ter alunos que "outros professores não querem", com-preendendo que me estava a ser dada a oportunidade de superar grandes desafios. Estes passam por ajudar os alunos a lidar com os seus problemas – risco de abandono escolar, exclusão social, instabilidade emocional, desin-teresse pela vida da escola, entre outros -, comprometendo-os com a escola, a família e a comunidade. Numa abordagem inclusiva e inte-gradora, ensino na verdade muito mais do que português (e francês). Nas aulas ou nas sessões de oficina de escrita não obrigatórias, os alunos têm voz para comunicarem o que sentem sobre si próprios e com relação aos outros e à família, do que gostam ou não gostam na escola, podendo fazê-lo de várias formas – dando entrevistas, escrevendo no diário de turma, nos cadernos da vida, no jornal da escola, fazendo rodas de conversa, vídeos, apresentações multimé-dia, projetos, fotografia e organi-zação de eventos.

Todos os anos, o projeto acres-centa diferentes abordagens para contemplar as reais necessidades e evolução dos alunos. Foi o caso das "Narrativas de Vida", no ano passado, com uma turma do 12.º de um curso profissional com fraca literacia emocional/baixas expectativas escolares e pro-fissionais. A partir dos diálogos nas aulas de português ao dar a “Mensagem” de Fernando Pessoa, surge o insight para organizar eventos esclarecedores na escola, baseados em histórias de vida de pessoas/convidadas, que tivessem pelo menos um livro publicado. Foi importante aguçar a curio-sidade intelectual destes jovens, visando um ensino humanista e,

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J a de outubro de * jornaldeletras.pt *

70 PARTICIPANTES | 16 PAÍSES | 5 CONTINENTES REPRESENTADOS70 PARTICIPANTES | 16 PAÍSES | 5 CONTINENTES REPRESENTADOS

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algarve

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Jjornaldeletras.pt * a de outubro de * FILMES, ESPETÁCULOS

CINEMAManuel Halpern

por Londres, colocando o melhor da intriga episcopal, do tempo dos Borgia, ao lado de acontecimentos históricos marcantes, sobretudo a Revolução Francesa. Lisboa é apenas uma miragem, remotamente referida na história de um rapaz de origem misteriosa. Esta amplitude de espaço, rumo ao centro nevrálgico da Europa, expande o raio de interesse da intriga camiliana, ganhando argumentos para conquistar, apenas pela trama, uma audiência europeia mais ampla. Afinal, estamos perante um filme em que Napoleão Bonaparte é perso-nagem. Uma grande produção, sem sombra de dúvidas, com todos os condimentos de filme de época cosi-dos a dedo, sem defraudar ninguém e as grandes emoções diretamente im-portadas de uma literatura romanes-ca, trágica, fervilhante e apaixonada.

Primeiro mérito, diga-se, é de Carlos Saboga. O experiente argumen-tista português - já tinha adaptado obras de Camilo como Mistérios de Lisboa (de Ruiz) e Um Amor de Perdição (de Mário Barroso) - faz uma remon-tagem notável deste longo romance do escritor, alterando a sequência nar-rativa, adensando a áurea de mistério sugerida na obra, ao serviço de uma lógica cinematográfica. Em Camilo há uma condensação dos pontos essen-ciais da narrativa nos primeiros capítu-los. Saboga, apercebendo-se disso, dá uma estrutura diferente ao argumento, transformando-o numa obra cine-

O Caderno NegroA arte da intriga camiliana Manoel de Oliveira sabia disso e

Raúl Ruiz também. Há em Camilo Castelo Branco um alto potencial cinematográfico através da explo-ração da sua intriga romanesca e sentido dramático. A chilena Valeria Sarmiento, editora de imagem de Ruiz em Os Mistérios de Lisboa, e que acabou por dar seguimento e assinar a realização de As Linhas de Wellington, projeto iniciado por Ruiz (não concluído devido à sua morte), também se deixou fascinar e em-brenhar por esse universo camiliano - que não é aquele mais erudito de Amor de Perdição ou A Queda do Anjo - mas antes uma certa intriga folheti-nista, em jeito de romance histórico. O Caderno Negro é uma adaptação livre de O Livro Negro do Padre Dinis, romance que não costuma ser trazido para o primeiro plano. Funciona

como uma prequela de Os Mistérios de Lisboa, mas num contexto ra-dicalmente oposto. Ou seja, a ação

afasta-se do território português, situando-se num eixo entre Roma e Paris, com uma breve passagem

matograficamente empolgante, tanto ou mais do que Os Mistérios de Lisboa. Valeria Sarmiento filma a época com segurança e método, levando-nos a acreditar em personagens que nos são distantes, criando uma lógica interna própria, que demonstra um amplo domínio do imaginário camiliano.

O filme, maioritariamente falado em francês, faz-nos acreditar nessa fantasia trágica, tão típica de Camilo, de amores exacerbados, últimos desejo no leito da morte, donzelas ofendidas, infidelidades mal camufla-das, mistérios insondáveis, amantes foragidos, filhos de pais incógnitos… Apaixonante.

Em Valeria Sarmiento identifica-se, como é natural, o estilo de Raúl Ruiz. Há uma localização na época profun-díssima bem alicerçada, sem aquela tentativa comum de extrapolar para-lelismos para os nossos dias. O desafio aqui é mais entrar num mundo ausen-te, amoroso, lendário e falso, de uma passado já remoto, cheio de promessas de honra, mas também altas traições e uma hipocrisia dominante. Um mundo de contrastes, com códigos próprios, um fortíssimo imaginário, montado de forma a dar-nos a sensação de que efe-tivamente podemos espreitar através da ranhura de uma porta do tempo.J

› O CADERNO NEGRODe Valeria Sarmiento, com Lou de Laâge, Stanislas Merhar, Niels Schneider, David Caraco e Joana Ribeiro, 113 min

Lou de Laâge, em O Caderno Negro Valeria Sarmiento adapta novamente Camilo Castelo Branco

TEATROHelena Simões

JOR

GE

GO

ALV

ES

O Vento num Violino (), do premiado dramaturgo argentino Cláudio Tolcachir (), é a peça que os Artistas Unidos escolheram para inaugurar esta temporada. Como quase sempre, em paralelo, surge editada pe-las edições Cotovia – coleção Livrinhos de Teatro. O autor já tinha sido tradu-zido e editado na mesma coleção, no fim do ano passado, justamente com duas peças que se debruçavam sobre o tema das (dis)funções da família na sociedade contemporânea: A Omissão da Família Coleman () e O Terceiro Corpo (). Nesta terceira incursão aprofundou as relações entre mães e filhos, e estudou o seu funcionamento no contexto de famílias não tradicio-nalmente constituídas.

Com encenação do próprio Claudio Tolcachir, O Vento num Violino estreou no Festival de Outono, em Paris, em , e continuou em digressão pela Europa antes de chegar a Buenos Aires e ao Teatro Timbre que Tolcachir também dirige, e que se apresentou em Portugal, em , a convite do Festival de Almada. O sucesso do espetáculo repetiu o das peças anteriores, nesta

trilogia de intrincadas ligações fami-liares, justamente pelo seu realismo trágico-cómico e pela capacidade tea-tral de tratar a disrupção nas relações familiares contemporâneas.

Com uma linguagem crua, diálogos abertos à desmedida do ritmo e do dis-curso, pontuados pelo absurdo, e sem moralismos ou convencionalismos, Tolcachir constrói uma ficção teatral, respaldada por uma sólida dramatur-gia, que nos devolve a complexidade do mundo em que vivemos e a tenaz e persistente busca do ser humano pela felicidade.

Os Artistas Unidos, numa ence-nação coletiva, apropriaram-se com saber e naturalidade desta consistente escrita para palco, e ergueram com justeza personagens, violentas, frágeis, desorientadas, desamparadas, contra-ditórias, em busca de preencher o vazio existencial.

Toda a intimidade presente na escrita dessa constelação familiar surge inscrita, desde logo, na disposição cenográfica, a desenhar potenciais zonas de atuação que correspondem aos espaços onde habitam os “pares”

desta história: mãe/filho, senhora/ empregada, médico/paciente, mãe/filha, namorada/namorada; tudo sem paredes, porque as emoções passam, em vasos comunicantes, para todos os espaços, no que se constitui como um espaço significativo da claustrofobia que assola as personagens condenadas a encontrarem um modus vivendi.

Isabel Muñoz Cardoso é Mecha, um desempenho dominador de graça e virtuosismo da mãe controlado-ra, cruel e superprotetora de Darío, o filho toxicodependente e falhado a que o jovem Pedro Baptista con-cede verosimilhança e naturalidade na sua incapacidade de viver. Pedro Carraca confere violência e desespero a Santiago, atípico médico psicanalista do jovem Dario, tanto na contracena com o jovem como com Mecha por quem é manipulado. Andreia Bento surge irrepreensível ao representar a empregada Dora a resignar-se tanto aos constrangimentos financeiros a que a sua classe social a sujeitam como à incompreensão de sustentar uma filha lésbica. Dependente financeiramente da sua volúvel patroa e afetivamente da

Se, neste espetáculo, por vezes, foi difícil manter o equilíbrio estilístico de representação entre o trágico e o cómico, o facto é que Tolcachir usa a comicidade inerente às peripécias que constrói para tornar popular e alargar uma reflexão que poderia ficar enclau-surada em discussões abstratas.J

O VENTO NUM VIOLINO de Claudio Tolcachir, Tradução Antónia Terrinha e Rita Bueno Maia, Com Andreia Bento, Isabel Muñoz Cardoso, Margarida Correia, Pedro Baptista, Pedro Carraca e Sara Inês Gigante Cenografia e Figurinos Rita Lopes Alves, Luz Pedro Domingos. Produção Artistas Unidos.

Teatro da Politécnica, terça e quarta às h, quinta e sexta às h, sábado às h e às h. - Até de outubro.

À procura da felicidade

O Vento num Violino de Claudio Tolcachir, pelos Artistas Unidos no Teatro da Politécnica

sua filha problemática, usa a convicção na imutabilidade dos estatutos para se tornar no elemento mais estável do drama. Sara Inês Gigante e Margarida Correia, no par amoroso Celeste e Lena, apresentam à vez o bárbaro e o poético da desmedida luta para constituírem família; protagonizam porventura as cenas mais difíceis do espetáculo, con-seguindo manter coerência dramática inclusive na cena de violação do can-didato a pai (Darío). O círculo fecha-se assim, por intermédio da criança que irá nascer, e que vai constituir o polo catalisador de vida e de esperança, da necessidade de pertença e de ser feliz de todo o ser humano, qualquer que seja o seu género, credo, etnia ou situação emocional/familiar.

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J a de outubro de * jornaldeletras.pt ENTREVISTA *

Rui Chafes‘Encontro’ com Giacometti em Paris

MARIA LEONOR NUNES

“Quando se vê uma escultura de Giacometti”, afirmava Rui Chafes (RC), na conversa com Catherine David, João Fernandes e Pedro Costa, do catálogo de Fora, em Serralves, , “vê-se ali uma cidade inteira em cada dedada que ele deixa no barro. Não é apenas um pedaço de bronze: é tudo o que cada gesto traz consigo, essa é que é a ambição para mim, a devoção à escultura”.

E à curadora Sara Antónia Matos, em 2015, em Sob a Pele, o escultor asseverava que, no século XX, o ar-tista que mais lhe interessa é Alberto Giacometti (AG). “Só ele conseguiu continuar, de forma válida, a tradição europeia da verticalidade, abrindo furos na linguagem e apresentando apenas o vazio, a casca (tal como o fez Samuel Beckett, na literatura)”, disse . “É o único artista moderno cuja obra, quando a vejo ao vivo, me comove realmente, me emociona”. Face a face estão agora as obras dos dois escultores em Gris, Vide, Cris, uma exposição patente no Centro Cultural Gulbenkian de Paris, até de dezembro. Um “encontro” fora do tempo com curadoria de Helena de Freitas.

Rui Chafes (1966) apresenta seis novas esculturas, especialmen-te criadas para a exposição, e uma já existente - três suspensas, duas atravessáveis, uma de parede e uma outra feita a partir de uma obra de Alberto Giacometti (1901-1966), de quem se mostram 11 esculturas, duas inéditas, e quatro desenhos. “Traba-lhei as minhas esculturas numa ideia de contraponto entre luz e escuridão, entre interior e exterior, entre corpo e não-corpo”, adianta Chafes ao JL. “Mas, sobretudo, quero que as pessoas possam ver o trabalho de Alberto Gia-cometti como nunca foi visto antes”.

São universos distintos: “bronze, cinza e rugoso” em AG, “ferro, negro e liso” em RC, como faz ainda notar Helena de Freitas num texto, de que junto publicamos um fragmento, do catálogo da exposição, que tem um glossário de duas dezenas de palavras, determinantes na obra de RC e onde se poderá encontrar uma “ressonância” de AG. Isto apesar das diferenças também ao nível dos processos de realização, com Gia-cometti “a trabalhar d’aprés nature, corpo a corpo com os seus modelos, moldando, subtraindo, corrigindo”, enquanto RC não modela, constrói” e “quando as suas esculturas partem para construção na oficina, não têm

retorno”. Em comum a ambos, a palavra, a escrita.

Gris, Vide, Cris retoma, aliás, palavras de um verso do escultor francês e é, como sublinha a curadora, uma exposição que se pode “conjugar na declinação do verbo ver”. “Ver o invisível”: “Giacometti numa exaspe-rada desmaterialização, Rui Chafes, desafiando o ferro até aos limites da

imponderabilidade”. E acrescenta: “A tensão criada pelas obras dos dois escultores encontra-se numa lâmina, entre a ascensão e a queda. Sem se desviar da natureza da sua própria pesquisa, Rui Chafes permite uma aproximação única à obra de Giaco-metti, uma experiência sensível onde se impõem o silêncio e a solidão”.

Também em Paris, RC está, há al-guns meses, representado na coleção e na exposição do Centro Pompidou, com duas esculturas, "Carne Invisível" e "Carne Misteriosa".

Jornal de Letras: O que essencial-mente diz Alberto Giacometti à sua escultura? Rui Chafes: Diz-me que não se pode desistir nunca de tentar a possibili-dade de construir uma escultura que faça sentido no mundo.

Rui Chafes

“Ver o invisível, ver o essencial. Ou seja, sem interposições nem ruídos de materiais estranhos a esse olhar. Esse imperativo foi determinante para que Rui Chafes encontrasse, dentro da tradição da sua escultura, um modelo fora de qualquer solução museográfica habitual. Em nenhuma das esculturas de Giacometti presentes, somos perturbados pelos vidros (e pelos reflexos das cloches) com que usualmente se protegem as obras desta natureza e, também por isso, esta é uma exposição diferente. A relação é directa e sem intermediação, para permitir aquele que será o primeiro olhar, Au delà des yeux, título de uma das esculturas de Chafes, em exposição.

Esta relação directa e vibrante estabelece-se a dois níveis, entre os artistas por um lado, entre os artistas e o público, por outro. Para poder ver um conjunto de esculturas de Giacometti, algumas das mais frágeis e pequenas, o visitante é conduzido a entrar e percorrer um espaço delimitado por placas de ferro, pintado de um negro baço, e onde só o desenho de alguns orifícios e traços de luz o poderá orientar. Deste modo enfrenta-rá, desamparado e sozinho o escuro e o desconhecido, até ao ponto de chegada. Aspira-se a uma visão pura,

a um olhar sem qualquer possibilidade de distracção, objectivo para o qual contribuem os pequenos orifícios, que do ponto de vista óptico podem funcionar como lentes auxiliares de focagem. Esta é a experiência de um percurso que não poderá ser colectivo, ao contrário do que é habitual. O lugar para onde entramos, espaço de passagem, é ainda um não-objecto, um espaço do corpo que assim faz parte de um todo. E é na violência desse vazio e em solidão que o encontro se faz, na fusão de todas as forças.

Algumas das obras de Chafes têm uma escala que lhes permite serem habitadas, e só nessa condição cumprem o seu destino. Cito como exemplo já recuado no tempo, em 2000, uma escultura apresentada no Parque de Sintra, no âmbito de uma intervenção muito vasta, Frieza tremenda (dia perfeito para nascer), na forma de um túnel, à escala humana, dirigida e enter-rada na terra, como uma ponte ou uma passagem para o invisível. Ou mais recentemente em 2007, em Roma, no espaço colado ao presídio da cidade, o cárcere Regina Coeli, onde instalou um longo percurso fechado, de obscuridade, ritmado com entradas de luz, chama-do Onde estou.

Na obra Au delà des yeux (e em Lumière) podemos ver as figuras de Giacometti com a proximidade má-xima, mas sem qualquer possibilidade de contacto, ao inverso das esculturas de Chafes, que podemos tocar, e por onde devemos entrar.”J HELENA DE FREITAS

Ver o invisível

"Um dos desafios mais estimulantes e exigentes que já me foram colocados", diz o escultor ao JL sobre a sua exposição no Centro Cultural Gulbenkian na capital francesa, com novas peças em diálogo com o grande escultor italiano, “um dos cânones da Modernidade”, de que também estão patentes ao público 11 esculturas e quatro desenhos

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Jjornaldeletras.pt * a de outubro de * ENTREVISTA, TEATRO

MARIA LEONOR NUNES

Peter Kleinert Encontro lúdico com Brecht em Almada

Peter Kleinert A atualidade de Brecht em Almada

Mas ao político junta sempre o lú-dico, porque para Kleinert fazer teatro é sobretudo “contar histórias”. Como se poderá ver em A Boa Alma de Sé-

Sem o tomar como um modelo, nem se deixar “intimidar” por um “clássi-co”, fugindo a dogmas e clichés, é um Brecht “divertido” que Peter Kleinert procura apresentar em A Boa Alma de Sé-Chuão, o novo espetáculo da com-panhia de Teatro de Almada (CTA). Porque é preciso “tirar o pó” às peças brechtianas e revê-las e representá--las “à luz dos dias de hoje”, como afirma ao JL o encenador alemão.

O “humor, a poesia, a música, as possibilidades” que oferece aos atores e também o modo como procura “explicar o mundo” são o que mais lhe interessa em Brecht, que considera “um elo entre a tradição e a moderni-dade”. E em A Boa Alma de Sé-Chuão, peça que agora encena para a CTA, encontra precisamente todas essas ca-racterísticas do universo brechtiano e ainda “atualidade”. Sobretudo a pen-sar na presente Europa, na crise dos refugiados e nas questões éticas que se impõem nos tempos que correm.

Peter Kleinert nasceu em Berlim, licenciou-se em filosofia e iniciou o seu percurso teatral na antiga República Democrática Alemã, como drama-turgista e encenador. Foi codiretor do Teatro Nacional Alemão e, nos anos , principiou uma carreira pedagógica, lecionando na Escola Ernst Busch, onde é diretor do departamento de encenação há mais de anos. Desde tem encenado, com regularidade, na Schaubühne de Berlim. E já dirigiu espetáculos em vários países.

Em Portugal tinha anteriormente trabalhado com a CTA em , com ou-tro texto de Brecht, A Exceção e a Regra. Dois anos antes, encenou alguns excer-tos de A Mãe, para uma apresentação na Festa do Avante!, com alguns atores da companhia, então Grupo de Campolide. E guardou para sempre na memória a cena em que Canto e Castro, no papel de professor, ensinava a ler os trabalhado-res, e as mil pessoas que enchiam a tenda fizeram o mais intenso silêncio. Um momento “único”, que o fez “perceber como o teatro pode, de uma forma muito direta, ser um ato político”.

Chuão, no palco do Teatro Municipal Joaquim Benite (TMJB), a partir de . Em palco, vão estar sete atores - Beatriz Godinho, Érica Rodrigues, Inês

Garrido, João Tempera, Miguel Raposo, Pedro Melo Alves, Rita Cabaço, a pro-tagonista (ver caixa), e Tomás Alves. Ao vivo, uma banda vai dar o tom a canções e momentos musicais. Até de novembro, em Almada.

Jornal de Letras: O que determinou a sua escolha de A Boa Alma de Sé-Chuão?Peter Kleinert: Esta peça foi poucas vezes encenada em Portugal e, devo confessar, a título pessoal, que a aprecio pela sua natureza completa, pela sua versatilidade. Combina estilos narrativos épicos e melodramáticos, em que os atores se dirigem direta-mente ao público, com monólogos clássicos, muitas canções e outros momentos musicais. Nela se entre-cruza o fantástico e o real, a comédia e a tragédia, encerrando ainda o melhor teatro não-representativo, em que o ator está sempre presente em cena e existe a par das suas personagens.

Acha que A Boa Alma continua a falar para o mundo atual?

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Porquê este ‘diálogo’ com Giacometti? Esta exposição não foi uma iniciativa minha, fui convidado a realizá-la. De qualquer maneira, Giacometti sempre foi um dos escultores mais importan-tes para o meu trabalho, é um gigante isolado na história da Escultura.

Então, como surgiu a ideia da expo-sição?Foi a Helena de Freitas que a teve e ma propôs, em . De seguida, foi falar com a Fondation Giacometti, que achou o projeto muito interes-sante e passou a colaborar connosco totalmente.

Como foi o processo de criação das novas esculturas? O que foi particu-larmente desafiante? Como é evidente, este é dos desafios mais estimulantes, exigentes e de maior responsabilidade que já me foram colocados. Giacometti é, para mim, o topo de uma montanha isola-da na paisagem. Aproximar-me des-sa montanha exige cuidado e muita subtileza, é um artista maior, um dos cânones da Modernidade - sendo, ao mesmo tempo, um artista ancorado numa ideia arcaica e intemporal da arte.

O que lhe interessou sobretudo traba-lhar nas esculturas que criou? Trabalhei as minhas esculturas numa ideia de contraponto entre luz e escu-ridão, entre interior e exterior, entre corpo e não-corpo. Mas, sobretudo, quero que as pessoas possam ver o trabalho de Alberto Giacometti como nunca foi visto antes.

Em que sentido?Nesta exposição criei situações em que os visitantes poderão ver as suas esculturas como ele as via, com a máxima proximidade e intimidade, um face a face direto, sem interme-diários nem obstáculos. Para mim, criar condições para que o trabalho de Giacometti fosse visto nas con-

Este encontro com um nome maior da história da escultura mundial significa que o meu trabalho é levado a sério e a minha responsabilidade futura ainda será maiorRui Chafes

“Gris, Vide, Cris Escultura de Rui Chafes e Alberto Giacometti em Paris

A Boa Alma de Sé-Chuão, de Bertolt Brecht, estreia a 19, no Teatro Municipal Joaquim Benite, pela Companhia de Teatro de Almada (CTA). Um “moderno conto de fadas”, diz ao JL o encenador alemão Peter Kleinert, que dirige um espetáculo ‘desempoeirado’, e “divertido”, com canções, momentos musicais e um elenco jovem, que interpreta duas dezenas de personagens. A protagonista é Rita Cabaço, uma das mais destacadas e premiadas jovens atrizes portuguesas, que ao JL fala também deste trabalho “desafiante” e “diferente” de tudo o que já fez no seu caminho

dições mais perfeitas possível foi a minha prioridade absoluta.

O que procurou com o próprio dis-curso expositivo?Quis que os visitantes tivessem uma experiência simultaneamente visual, retiniana, mental mas, também, mui-to física. E que houvesse um percurso que fosse necessário percorrer até chegarmos às esculturas de Alberto Giacometti.

No seu percurso, que significado tem esta exposição?

Este encontro com um nome maior da história da escultura mundial significa, para além da emoção que implica, que o meu trabalho é levado a sério e que a minha responsabili-dade futura ainda será maior. Tudo isso significa maior exigência comigo mesmo, claro.

E o facto de estar na exposição per-manente do Pompidou? O facto de duas esculturas minhas pertencerem à Coleção do Pompidou (e estarem desde há alguns meses em exposição permanente no º piso) é uma grande honra e mais um sinal de que o meu trabalho é levado a sério por pessoas e instituições de referência internacional inegável. O Pompidou é um dos museus mais importantes e significativos do mundo, desde a sua criação. É muito estimulante para qualquer artista, e mais uma grande responsabilidade.

Próximas exposições e projetos?Vou participar na exposição “Companhia”, de Pedro Costa, em Serralves. Em dezembro irei realizar uma exposição antológica de desenho, no CIAJG, em Guimarães, comissaria-da por Nuno Faria e Delfim Sardo.J

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J a de outubro de * jornaldeletras.pt TEATRO *

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A sua decisão pelo teatro deu-se aos anos, quando respondeu a um anúncio para audições na Escola Profissional de Teatro de Cascais. E se-ria no Teatro Experimental de Cascais, com Carlos Avilez, que se iria estrear em , em As Bruxas de Salem, de Arthur Miller. Trabalhou depois com companhias como A Comuna, os Artistas Unidos ou a Cornucópia, tendo participado nomeadamen-te em Música, de Frank Wedekind, encenado por Luís Miguel Cintra, um trabalho reconhecido com o prémio da Associação de Críticos de Teatro. Com os amigos e colegas do conserva-tório Guilherme Gomes, Nídia Roque, Bernardo Souto e João Reixa, fundou, entretanto, o Teatro da Cidade, jovem companhia que se estreou com Os Justos, de Albert Camus.

Um percurso de sete anos, em que nunca pensou entrar num espetáculo como A Boa Alma de Sé-Chuão. De certa maneira, vem mesmo ao arrepio do que tem feito. E, nessa medida, tem sido “surpreendente”. “Não ando aqui há muitos anos, mas tenho feito um caminho e este quase musical vem no sentido contrário ao tipo de trabalho e de linguagem que tenho desenvolvi-do”, justifica. “Chego a perguntar-me se o devia estar a fazer. Mas, por outro lado, anima-me. Sempre o mesmo seria um aborrecimento mortal. E o que faz sentido, para mim, é ir fazendo aquilo de que gosto e surpreender-me sempre a mim própria”. E acrescenta: “Não estou preocupada com a força que poderá ou não ter no meu percur-so, nem sei se voltará a acontecer. Simplesmente, está a saber-me muito bem fazer este Brecht, porque é uma coisa nova que estou a descobrir”.

O que importa a Rita Cabaço, no teatro, é sobretudo “ter a oportunidade de poder escolher” o que quer fazer, os projetos em que participa, “infeliz-mente, um luxo”, diz ela: “Temos que responder a outras solicitações, porque estamos dependentes de financia-mentos. Isso pode impedir de escolher projetos mais interessantes”. Apesar de tudo, não terá razões de queixa e consegue fazer as suas escolhas. “Esse é o meu desejo, poder criar os meus projetos com o Teatro da Cidade e, ao mesmo tempo, participar noutros com que me identifico, que tratem assuntos sobre os quais me interessa falar e que me provoquem”.

Um espetáculo infantil a partir de Metamorfoses, de Ovídio, no Museu das Marionetas, em janeiro, é o próximo projeto. E depois, no Teatro Nacional D. Maria II, uma reflexão sobre o trabalho, o seu lugar na sociedade e o seu poder sobre as pessoas, a partir do conceito de Karochi, um termo japonês que designa precisamente uma morte por excesso de trabalho.J MLN

Uma boa alma é hoje fácil de encon-trar? Talvez o mundo precise mais do que nunca de boas almas e a parábola de Bertolt Brecht (-) seja tão acutilante como quando foi escrita, no final dos anos .

Quais são os limites da bondade e da generosidade? Essa a questão com que se confronta a jovem prostitu-ta chinesa Chen Te, a personagem que Rita Cabaço protagoniza em A Boa Alma de Sé-Chuão. “Para ela, o natural é ajudar quem precisa e está em dificuldades, até porque também vive nessas condições, na miséria. Só que, a certa altura, apercebe-se de que se está a prejudicar para ajudar os outros”, adianta a atriz. “E compreen-de que há abuso da sua generosidade, que as pessoas quanto mais têm, mais querem. Por isso, é obrigada a criar um alter ego, que diz ser um primo, que será aquilo que ela não é, frio, concre-to, pragmático e que pensa sobretudo no dinheiro, ao contrário dela, que põe outros valores à frente”.

Duas faces da mesma personagem em que Rita Cabaço se desdobra. “Todos temos, no fundo, essa parte emocional e racional. Ao criar esse primo, tenta ser boa também para ela”, salienta ainda. “Gosto dessa metamorfose, do corpo se poder transformar em duas pessoas

diferentes que são a mesma”. E a transformação dá-lhe prazer, também porque, de alguma maneira, abarca a “complexidade humana”: “Uma pessoa não é só boa ou má. Não somos preto ou branco, temos várias cores”.

Dar essa gama de nuances do ser humano é o trabalho sempre difícil para quem representa qualquer per-sonagem. E, sublinha a atriz, se “criar uma personagem já é interessante, criar duas é absolutamente fascinan-te”. É essa duplicação, além de ser um espetáculo longo e com música, que torna o seu papel tão exigente.

Tanto mais que, tratando-se de um “quase musical”, de um “concer-to-espetáculo”, ela também canta.” Vale-lhe a confiança na banda e em quem a dirige, Pedro Melo Alves, que adaptou a música original de Paul Dessau. “Estar dependente de ritmos, de tempos, torna tudo mais complica-do, mas talvez por tudo isso é tão desa-fiante”, diz. “Aquilo que não conheço, agita-me. É uma linguagem que nunca tinha feito e ainda estou a descobrir como se faz. Por isso é um projeto tão refrescante e ao mesmo tempo assus-tador. Mas o grupo é fantástico e tenho a ajuda do Peter Kleinert”.

A atriz faz notar, de resto, a imensa “disponibilidade” do encenador alemão. “Temos visões diferentes, identificamo-nos com espetáculos diversos. Só que o Peter tem uma coisa maravilhosa: gosta de atores”, explica. “E, portanto, há diálogo. Ele já tinha feito esta peça na Alemanha e podia di-zer-nos para a fazermos igual. Mas não. Ele ouve-nos. Se fosse autoritário, seria ainda mais difícil, mas tem sido uma ótima experiência trabalhar com ele”.

Com A Boa Alma de Sé-Chuão, faz a sua primeira incursão no universo brechtiano. E não foi fácil. “Brecht é muito machista”, afirma. “Tem uma visão muito misógina do mundo, o que

me causou uma enorme fricção, mas estou a tentar contrariá-lo, tentando um equilíbrio entre o que escreveu e que fala de coisas muito importantes, e que são mais atuais do que nunca, e a liberdade de opinião de uma atriz que está em desacordo com esses aspetos machistas, tendo em conta como os vivemos hoje”.

Rita Cabaço, anos, foi distingui-da no ano passado com o Prémio de Melhor Atriz da Sociedade Portuguesa de Autores e com o globo de Ouro pela sua interpretação em A Estupidez, de Rafael Spregelburd, com encenação de João Pedro Mamede.

Rita CabaçoUm espetáculo desafiante

Rita Cabaço O desafio de um “quase musical”

Embora a peça já tenha mais de anos, acredito na sua relevância e na sua atualidade. Levanta uma questão pertinente e transversal a todos os tempos: poderá o homem viver de acordo com a máxima “ser uma pes-soa boa e ainda assim viver bem”? Poderá alguém ser moralmente impoluto numa sociedade onde o egoísmo, a corrupção, a exploração e a ganância crescente são caracte-rísticas que teimam em prevalecer? Num mundo onde a igualdade de direitos não se aplica a todos, mas apenas a alguns? Onde bens, direitos e privilégios, a educação, a riqueza, o trabalho e os recursos estão ao alcance de poucos, enquanto outros vivem excluídos, oprimidos, discri-minados ou escravizados?

São questões que continuam a interpelar a sociedade contemporânea.Brecht formula-as ao longo de uma parábola, de um moderno conto de fadas em que o público tem um papel ativo. Assim, embora o espetáculo não vise estabelecer uma corre-lação direta, por exemplo, com a crise dos refugiados, são inegáveis os denominadores comuns, bem como o idêntico dilema ético que as pessoas enfrentam hoje na Europa: estamos prontos para pôr em perigo a nossa prosperidade e pegar todos os necessitados? Isso é possível? Ou os problemas deste mundo devem ser enfrentados de forma muito mais fundamental? Curiosamente, hoje, para levantarmos estas questões não precisamos mais do teatro.Em que sentido?Os filósofos, sociólogos e jornalistas lidam com os problemas do presente de maneira muito mais complexa e detalhada. Ora, quando Brecht de-senvolveu o seu teatro épico, era tudo muito diferente...

Qual então o papel do teatro hoje?Pessoalmente, acho que é muito mais uma confirmação de visões de mundo do que uma verdadeira oportunidade para fornecer novas reflexões. O que importa, para mim, é que o teatro seja surpreendente e divertido. É contar histórias através de uma variedade de meios, da proximidade com o público e da musicalidade da performance. E é isso que procuro apresentar neste espetáculo: um espaço lúdico de encontro. Há muita música e o público assume um papel muito importante ao longo de vários momentos narra-tivos e cénicos que se alternam. Sete atores interpretam mais de figuras, sendo que todas as transformações são assumidas e à vista de todos, porque eles estão sempre em palco, às vezes como músicos, às vezes como conta-dores de histórias e outras vezes como personagens.

Como tem sido o trabalho com os atores?Nunca começo os ensaios com uma longa apresentação do meu con-ceito, com uma palestra teórica ou com uma postura impositiva similar. Começo antes e imediatamente com a exploração lúdica do texto através da improvisação. O ator não se sente

sob pressão, assumindo a responsabi-lidade da criação da sua personagem como uma coisa que dele naturalmen-te resulta e flui.

É um encenador que privilegia o trabalho dos atores?Como encenador, sou um jogador que gosta de fazer dos seus atores outros jogadores dentro da estrutura cénica pensada. Felizmente, no processo de criação deste espetáculo isso foi con-seguido, de forma muito satisfatória.

Tem encenado naturalmente muitos outros autores, mas Brecht tem um lugar especial no seu trabalho? O que sobretudo lhe interessa na dramaturgia e no universo brechtiano?Gosto justamente do humor de Brecht, da sua linguagem e poesia, dos momentos narrativos nas suas peças, das músicas, das grandes possibilidades que oferece aos atores e da dualidade ator/figu-ra. E são estes aspetos que acho interessante explorar nas peças de Brecht, que muitas vezes são sobrecarregadas por décadas de exegese dogmática da lei. Eu pre-firo descobrir e explorar o seu lado naif e divertido.

Já encenou Brecht em vários teatros do mundo. Como vê a receção hoje das suas peças?Brecht é um dos autores que tenta explicar o mundo. Como muitos espectadores vão ao Teatro para ver a sua compreensão do mundo confirmada, ele é um dos autores mais encenados do século XX. Encenei Brecht na Austrália, nos EUA, em França e na Inglaterra porque fui convidado para o efeito. E só posso falar sobre as reações ao meu trabalho, que a meu ver são positivas porque o público ficou surpreendido.

Porquê?Pela maneira como lidamos com as peças. Acredito que muitas vezes o público conhecia Brecht da escola e as suas expectativas foram molda-das por esse contacto em regra pu-ramente conceptual: teatro épico, efeito de alienação, etc. Creio que a surpresa veio com a descoberta do quão divertido e contemporâneo as produções revelaram (poder) ser.

E qual a importância de Brecht hoje?É difícil dizer. Considero as peças de Shakespeare, Tchekhov e Beckett e de muitos outros autores igualmen-te importantes: o teatro – pelo me-nos na Alemanha – tornou-se aves-so ao paradigma da representação, ou seja, do modelo do ator como mero representante de um papel. No teatro pós-dramático, o não-in-terpretar é muito mais importante do que a misteriosa transformação do ator no papel. Mas no início do século XX, Brecht abriu a porta para que o teatro passasse a ser visto como instrumento não representa-tivo mas reflexivo sobre as histórias que conta. E, nessa medida, acho Brecht importante como um elo entre tradição e modernidade. J

Page 36: António Lobo Antunes 'Já mudei a literatura' - Trust In News

J * DISCOS jornaldeletras.pt * a de outubro de

CLÁSSICA

Era uma família de origem portuguesa, de ascendência judia, que partira para o clima mais tolerante de Antuérpia, nos séculos XVI/XVII, do que aquele que a Inquisição deixava viver no lado mais ocidental da Europa. Cultos, abertos ao mundo, músicos experientes, Gaspar Duarte e os seus filhos depressa se tornaram no centro de um círculo cultural da cidade flamenga, com as suas tertúlias, os seus encontros, os seus concertos de câmara. Uma das filhas, Leonora Duarte, nascida já em Antuérpia, em 1610, haveria de se destacar como cantora e compositora. Ao fim de quatrocentos anos, é possível dizer que foi a única mulher do século XVII a compor para conjunto de violas da gamba (tanto quanto a investigação musicológica avança até aos dias de hoje), e verificar que as suas obras estão a par dos principais compositores da época, nesses serões da cidade do mar do Norte.

"The Duarte Circle", o álbum recém-editado do agrupamento Transports Publics, do violetista e regente belga Thomas Baeté, recorda a ebulição cultural da cidade - a casa dos Duarte, lê-se nas notas do CD, não seria distante do atelier de Rubens,

por exemplo - e reconstrói um desses possíveis encontros de época, por volta de 1640, com as obras de Leonora, cruzadas com compositores do círculo mais próximo. Sucedem-se assim, alguns, visita frequente dos Duarte, como Constantijn Huygens e Nicholas Lanier, de acordo com documentos de época, outros que entretanto residiram ou se fixaram em Antuérpia, como John Bull e Guilielmus Messaus, outros que passaram necessariamente pela cidade, aí se apresentaram ou, pelo menos, tiveram obras divulgadas e recorrentemente interpretadas nos círculos locais, como

Girolamo Frecobaldi, Cypriano de Rore e Salomone Rossi.

O álbum de Thomas Baeté cruza as Sinfonias de Leonora Duarte com árias, canções, salmos dos seus contemporâneos. E a sequência transforma-se em algo fascinante, quase hipnótico, de evidente elogio à compositora, ao seu idioma, à especificidade da sua expressão.

De Leonora Duarte, sobreviveram, pelo menos sete sinfonias para conjunto de violas, recuperadas nas

últimas décadas pelo musicólogo britânico David Pinto (também ele descendente de refugiados portugueses judeus dos séculos XVI/XVII). As primeiras peças de Leonora Duarte surgiram em CD, há cerca de dez anos, no álbum "Amours in Music", de Mark Levy, com peças de John Dowland, William Lawes, Orlando Gibbons e Peter Philips, entre outros génios da época, e pelo agrupamento Fretwork, no CD "Birds on Fire: Jewish music for viols", a par de peças de compositores como Salomone Rossi, Orlando Gough, Augustine e Hieronimous Bassano.

Outro projeto importante encontra-se atualmente em curso. Trata-se do primeiro dedicado à gravação integral das sete Sinfonias de Leonora Duarte, pelo conjunto de violas Sonnambula, que convidou o escritor norte-americano Teju Cole (autor de "Todos os Dias São Bons para Roubar" e "Cidade Aberta"), para escrever sobre a compositora, a sua época, num diálogo imaginário com os Duarte e o seu círculo, e para fazer um ensaio fotográfico que remeta para Antuérpia, no século XVII, num jogo de memória e história. O álbum foi sujeito a subscrição pública no início do ano, e está a ser apresentado em concerto, pelo agrupamento Sonnambula.

"The Duarte Circle, Antwerp 1640" dá agora uma das mais importantes contribuições para o conhecimento de Leonora Duarte, pela sua obra e pelo seu tempo, com interpretações minuciosas de uma obra que, a cada nova revelação, se prefigura deslumbrante. J MARIA AUGUSTA GONÇALVES

Elogio de Leonora Duarte

› Transports Publics, Thomas BaetéTHE DUARTE CIRCLE, ANTWERP 1640CD Musica Ficta

o espaço em volta que abafa outras cumplicidades. No caso dos Danças Ocultas, com a sua orquestração e contenção, torna-se um instrumento muito convidativo. Para isso basta perceber a modernidade do tema de abertura, Azáfama, que quase nos leva para uma banda sonora de um filme de ação. Dentro desse Mar tem um traço muito especial, a produção de Jaques Morelenbaum, um dos maiores produtores brasileiros, que traz uma certa luminosidade a este conjunto de temas que só pode acabar num Sorriso. Pelo caminho há várias vozes, como Zélia Duncan ou Carminho. Nem faziam falta, a linguagem instrumental do quarteto de acordeões, por vezes em diálogo com outros instrumentos, como violoncelo de Jacques, é autossuficiente. Contudo, essa opção pela voz traz-nos mais uma brilhante letra de Arnaldo Antunes, Dessa Ilha, cantada por Dora Morelenbaum. "Dentro de um búzio/ cabe o mar/ dentro desse mar/ cabem milhares de búzios".

› Danças OcultasDENTRO DESSE MARSony

MANUEL HALPERN

chama vários cúmplices, sobretudo cantores, que lhe trazem uma nova roupagem e tornam, de alguma forma, o disco mais acessível. É aqui que se encontra esta versão de Chico, mas também outras preciosas colaborações, como Teresa Salgueiro, numa versão de Rasga o Passado; Carla Pires, com Canción de Las Cosas Simples, do reportório de Mercedes Sosa; ou Nuno Guerreiro que canta o clássico Over the Rainbow. Um álbum para bem escutar.

› André M. SantosSETESeven Muses

Danças Ocultas

Em cada álbum os Danças Ocultas fazem o pequeno milagre de levar

o acordeão por caminhos insuspeitos, alargando o seu âmbito, perscrutando novas possibilidades. Se muitas vezes, o acordeão, instrumento-orquestra, enche de tal forma

POP

Sete vezes sete Nem era

preciso mais nada. Bastava esta versão de Valsinha, de Chico Buarque,

cantada por Ricardo Ribeiro, para que este fosse um disco memorável. O charme fadista da voz de Ricardo sobre a melodia lírica, o suave romantismo de Chico, torna-se em algo divino. Melhor só porque entre as estrofes há uma guitarra à solta, sublime mas não submissa, que responde a este sentido poético. Sete, o disco a solo de André M. Santos (dos Melech Mechaya) é um dos mais surpreendentes discos deste ano. O guitarrista opta por um formato original, uma espécie de destilação em copos separados. A primeira parte é exclusivamente instrumental. Um virtuoso e intrincado trabalho de cordas, entre versões e originais, que mostram o poder da música sem palavras. Daqui faz parte, por exemplo, uma versão de Vejam Bem, de Zeca Afonso. Para uma segunda parte,

algo de que se não recordava, e que, encontrou depois, era a fabulosa técnica e a beleza sem mácula do mestre gui-tarrista. Quando conheceu a jovem Mary Halvorson, Frisell estranhou-lhe a admiração por Smith, que se revelava até na guitarra, desenhada pelo velho mestre, e daí nasceu a ideia da homenagem comum. The Maid with the Flaxen Hair é, na sua simplicidade, um dos discos mais bonitos e tam-bém mais refinados, que me foi dado ouvir de há muito. Estranho na forma como os dois guitarristas, irreverentes na reverência, reinterpre-tam com imodéstia a música de Smith; o seu melodismo intrínseco, construindo e des-construindo, fazendo e des-fazendo, estranho no descon-forto que comunicam da sua leitura da original construção harmónica de Smith, e que só é possível feito pelos dois geniais mestres da guitarra. Transcendentalmente Belo.

› Mary Halvorson & Bill Frisell THE MAID WITH THE FLAXEN HAIR - A TRIBUTE TO JOHNNY SMITHTzadik

LEONEL SANTOS

JAZZ

O escândalo de Shorter

Cinco anos depois do primeiro disco do quinteto Sound-prints, Joe Lovano e

Dave Douglas prosseguem o mesmo objetivo de explorar a música e as formas composicionais de Wayne Shorter. Não apenas a música, mas suas as formas estéticas, a modernidade das composições do mais bem sucedido dos autores de Miles Davis, como o demonstram, não apenas os originais escritos por Lovano e Douglas, e que se alternam, mas da mesma forma os dois clássicos de Shorter que Douglas magistralmente rearranja: Fee Fi Fo Fum e Juju. Há mais de vinte anos que Lovano e Douglas tocam ocasionalmente juntos, mas Wayne Shorter deu-lhes novas motivações. A personalidade dos dois músicos projecta-se na singularidade do grupo, porventura a mais clássica das formações onde Dave Douglas toca, competindo na sonoridade rasgada do trompete com o som caloroso e preguiçoso do saxofone de Lovano. Secção rítmica inquieta - estamos a falar de Joey Baron na bateria, Linda Oh no contrabaixo e Lawrence Fields no piano – a completar o quinteto que gravou Scandal para a editora de Douglas, GreenLeaf.

› Joe Lovano & Dave Douglas SoundprintsSCANDALGreenleaf

Reverência irreverente

No texto que acompanha o disco, Bill Frisell declara-se envergo-nhado por

não ter reparado em Johnny Smith, apesar de ter sido seu aluno. Mas ele andava por essa altura mais interessado em Jim Hall ou Wes Montgomery, ao mesmo tempo que ouvia Ornette Coleman ou Thelo-nious Monk. Ele queria ser um "músico de vanguarda", confessa-se, e a música de Smith parecia-lhe antiquada e pirosa. Com o tempo ele foi descobrindo que muito da sua música tinha sido tocada por

Page 37: António Lobo Antunes 'Já mudei a literatura' - Trust In News

Á G U E D A

Centro de Artes de ÁguedaR. Joaquim V. Almeida, 30. Tel.: 234 180 151E Subway LifeExposição de desenhos de António Jorge Gonçalves.até 31 de dezembroM d’O Gesto Orelhudo 2018Programa e informações emdorfeu.pt/ogestoorelhudo.10 a 13 de outubro

A L M A D A

Casa da CercaR. da Cerca. Tel.: 212 724 9503ª A DOM, DAS 10H ÀS 18H; ENCERRA AOS FERIADOS

E Materiais do Desenhoaté 9 de janeiro 2019E A Casa do Desenho. 25 Anos de Casa da Cerca - Centro de Arte Contemporâneaaté 9 de janeiro 2019

Galeria Municipal de ArteAv. D. Nuno Álvares Pereira, 74A.2ª A 6ª, DAS 10H ÀS 12H30 E DAS

14H ÀS 18H; SÁB., DAS 14H ÀS 18H

E António Júlio. Formas e Volumesaté 20 de outubro

Teatro Municipal Joaquim BeniteAv. Professor Egas Moniz. Tel.: 212 739 360T A História Assombrosa de Como o Capitão Michel Alban Perdeu o Seu BraçoA partir de Gaston Leroux. Encenação de Bruno Bravo. Interpretação de António Mortágua, CarolinaSalles, Joana Campos e Miguel Sopas.12 e 13 de outubro - 21h

T Muita Tralha Pouca TralhaTexto de Catarina Requeijo e Inês Barahona.Direção e interpretação de Catarina Requeijo. 13 de outubro – 16h14 de outubro – 11hT A Boa Alma de Sé-ChuãoTexto de Bertolt Brecht. Encenação de Peter Kleinert. Interpretação de Beatriz Godinho, Érica Rodrigues, entre outros.5º A SÁB., ÀS 21H; 4ª E DOM., ÀS 16H

19 de outubro a 11 de novembro

A N G R A D O H E R O Í S M O

Museu de Angra do HeroísmoLadeira de São Francisco. Tel.: 295 240 800E Mérito e Distinção: Ordens Honoríficas Portuguesasaté 23 de setembroE Tudo, no Mundo, Existe para Acabar em LivroInstalação de Dionísio Souto Abreu.até 14 de outubro

A R R A I O L O S

Cine Teatro de ArraiolosLg. 25 de abril. Tel.: 266 499 105T A Longa Noite de CamiloTexto e encenação de Pedro Estorninho. 13 de outubro

A V E I R O

Museu de AveiroAv. Sta. Joana. Tel.: 234 423 2973ª A DOM., DAS 10H ÀS 12H30 E DAS13H30 ÀS 18H

E Corpo, Abstração e Linguagem naArte Portuguesa: Obras em Depósitoda SEC na Coleção de Serralves e no Município de Aveiroaté 1 de dezembro

B A T A L H A

Mosteiro da BatalhaLg. Infante D. Henrique. Tel.: 244 765 4972ª A 6ª, DAS 9H ÀS 18H

E SacrifícioExposição de escultura de Mircea Roman.até 28 de outubroE Gente de BatalhaExposição de fotografia de António Barreto.até junho de 2019E A Capela do Fundador: Memória Revisitadaaté 14 de agosto 2019

B R A G A

Fórum BragaAv. Dr. Francisco P. Gonçalves. Tel.: 253 208 2302ª A 6ª, DAS 9H ÀS 18H; SÁB., DAS 9H ÀS 17H

E Da Coleção Em Braga: Miguel Palmaaté 19 de janeiro 2019

Theatro CircoAv. da Liberdade, 697. Tel.: 253 203 800T A Antiga MulherDe Roland Schimmelpfennig. Encenação de TonyCafiero. Interpretação de André Laires, CarlosFeio, Eduarda Filipa, Solange Sá e Sílvia Brito.12, 13, 16, 17 de outubro - 21h3014 de outubro - 16hM Lisa Morgenstern12 de outubro – 23h59M Boo Boo Davis18 de outubro – 21h30M Doug Macleod + Ida Bang & The Blue Tears19 de outubro – 21h30M XXIII Trovas20 de outubro – 21h

B R A G A N Ç A

Centro de Arte Contemp. Graça MoraisR. Abílio Beça, 105. Tel.: 273 302 4103ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H30

E 10 Anos: A Coleçãoaté 28 de outubroE Graça Morais: Humanidadeaté 24 de fevereiro 2019

Centro de Fotografia Georges DussaudR. Abílio Beça, 75/77. Tel.: 273 324 0923ª A DOM., DAS 9H ÀS 12H30 E DAS 14H ÀS 17H30

E Douro – Georges Dussaudaté 31 de outubro

C A L D A S D A R A I N H A

Centro Cultural e Congressos R. Dr. Leonel Sotto Mayor. Tel.: 262 094 081E A Linha do Pensamento e o Pensamento da LinhaExposição de Luís Filipe Rodrigues.até 14 de outubro

E B & P - Exposição FotográficaDe Sonia Figueiredo e Carlos Almeida.até 30 de novembro 

C A S C A I S

Casa das Histórias Paula RegoAv. da República, 300. Tel.: 214 826 970TODOS OS DIAS, DAS 10H ÀS 18H

E Paula Rego: Contos Tradicionais e Contos de Fadasaté 25 de novembro

Centro Cultural de CascaisAv. Rei Humberto II de Itália. Tel.: 214 848 9003ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E Exposição Diários Gráficos de Rui Paivaaté 5 de novembroE A Vida em NósExposição de pintura de Luís Vieira Batista.até 18 de novembroE Oito x Oito até 9 de dezembroE Paramentos Litúrgicos. Coleção Duarte Pinto Coelhaté 6 de janeiro 2019

C H A V E S

Museu de Arte Contemp. Nadir AfonsoAv. 5 de Outubro, 10. Tel.: 276 340 5013ª A DOM., DAS 10H ÀS 13H E DAS 14H ÀS 19H

E Mesa dos Sonhos: Duas Coleções de Arte Contemporâneaaté 14 de outubro

C O I M B R A

Mosteiro de Santa Clara-a-VelhaR. das Parreiras. Tel.: 239 801 160E Navegar em Ruínasaté 31 de dezembroE Azulejaria Mudéjar do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha:Inclusão pela Coraté 31 de dezembro

E L V A S

Museu de Arte Contemp. de Elvas3ª, DAS 14H ÀS 18H; 4ª A DOM., DAS 11H ÀS 18H

E A Sedução de uma Virgula Bem Colocadaaté 4 de novembro

E S P I N H O

Auditório de EspinhoR. 34, 884. Tel.: 227 341 145M Orquestra de Jazz de EspinhoDireção musical de Daniel Dias / Paulo Perfeito.Participação de Julian Argüelles (saxofone).19 de outubro – 21h30

| A g e n d a C u l t u r a l |1 0 a 2 3 d e o u t u b r o 2 0 1 8

S t a b a t M a t e rTeatro Nacional de São Carlos acolhe, nos dias 12 e 13 de outubro, o comovente hino litúrgico de Antonín Dvořák

A B o a A l m a d e S é - C h u ã o

021_2018_agenda_cultural_MC_JL_1253_Agenda Cultural MC JL 04-10-2018 20:58 Página 1

Page 38: António Lobo Antunes 'Já mudei a literatura' - Trust In News

| A g e n d a C u l t u r a l |

Museu Municipal de EspinhoR. 41 / Av. João de Deus. Tel.: 227326 2582ª A 6ª, DAS 10H ÀS 17H; SÁB., DAS 10H ÀS 13H30 E DAS 14H30 ÀS 18H

E Música e Palavras: Obras da Coleção de Serralvesaté 11 de outubro

É V O R A

Museu Nac. Frei Manuel do Cenáculo Lg. Conde de Vila Flor. Tel.: 266 702 6043ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E A Pedra Não Espera. Maquetas eEscultura para o Espaço Urbanoaté 15 de outubro

F R E I X O D EE S P A D A À C I N T A

Auditório Municipal de Freixo de Espada à CintaAv. Guerra Junqueiro. Tel.: 279 658 160E António Menéres, Percursos pela Arquitetura Popular no Douroaté 4 de novembro

G O N D O M A R

Lugar do Desenho - Fund. Júlio ResendeR. Pintor Júlio Resende, 346. Tel.: 224 649 0613ªA 6ª, DAS 14H30 ÀS 18H30; SÁB. E DOM., DAS 14H30 ÀS 17H30

E Resende. Linha do Tempoaté 14 de outubro

G U A R D A

Teatro Municipal da GuardaR. Batalha Reis, 12. Tel.: 271 205 240E Um Realismo Cosmopolita: UmaExposição em Torno do Grupo KWYaté 3 de novembroM Bowjangles: The Legend Of Excalibow!11 de outubro – 21h30M One Man Band12 e 13 de outubro – 22hT O Deus da CarnificinaDe Yasmina Reza. Tradução, e encenação deDiogo Infante. Interpretação de Diogo Infante,Pedro Laginha, Patricia Tavares e Rita Salema.19 de outubro – 21h30

G U I M A R Ã E S

Centro Cultural Vila FlorAv. D. Afonso Henriques, 701. Tel.: 253 424 700M Orquestra de GuimarãesDireção do maestro Vítor Matos. Participação de Sachiko Furuhata (piano).13 de outubro – 21h30 T O Vigilante NoturnoEncenação e cocriação de John Mowat. Cocriação de Cláudia Berkeley. Interpretação e cocriação de Bruno Martins, Igor Gonçalves e Rui Souza.12 de outubro – 21h30T Mostra de Amadores de Teatro - MAT`1813 a 27 de outubro

Centro Internacional das Artes José de GuimarãesAv. Conde Margaride, 175.Tel.: 253 424 7153ª A DOM., DAS 10H ÀS 13H E DAS 14H ÀS 19H

E Constelação Cutileiro20 de outubro a 10 de fevereiroE José de Guimarães: A Dobra e o Corte20 de outubro a 10 de fevereiro

Paço dos DuquesR. Conde D. Henrique. Tel.: 253 412 273TODOS OS DIAS,DAS 10H ÀS 18H

E Monges e Guerreirosaté janeiro 2019

L A M E G O

Museu de LamegoLg. de Camões. Tel.: 254 600 2302ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E Mira Mobile Prize 2018A “Mira Mobile Prize” elegeu as melhores fotos,captadas e editadas num dispositivo móvel.até 14 de outubro

L E I R I A

Museu da Imagem em MovimentoLg. de S. Pedro. Tel.: 244 839 675TODOS OS DIAS, DAS 9H30 ÀS 17H30

E Nós e os Outrosaté 30 de dezembro

L I S B O A

Biblioteca Nacional de PortugalCampo Grande, 83. Tel.:  217 982 000E As Mil e Uma Noites em Portugalaté 27 de outubro

C Irmãs Brontë: 200 Anos25 de outubro (colóquio)até 17 de novembro (mostra)E Sob a Chama da Lucerna: Franciscode Holanda Entre Textos e ImagensComemorando os 500 anos do nascimento deFrancisco de Holanda, esta exposição, comissari-ada por Sylvie Deswarte-Rosa (CNRS; IHRIM),reúne as fontes e a historiografia da obra destagrande figura do Renascimento em Portugal.26 de outubro a 31 de j aneiro 2019E José Saramago: 20 Anos do Prémio NobelAssinalando os 20 anos do Prémio Nobelatribuído a Saramago, apresenta-se documentação da época sobre o processo e os eventos relacionados com o Prémio. 12 de outubro a 29 de dezembroM Sarau dos Amores Pelo Coro de Câmara da Universidade de Lisboa.20 de outubroC António Ramos Rosa: Escrever o Poema UniversalOrganização do CLEPUL-FLUL em parceria com a Biblioteca Nacional de Portugal, no ano em que se comemoram 60 anos da publicação da primeira obra de António Ramos Rosa, O Grito Claro (1958).17 a 19 de outubro

Centro Cultural de BelémPç. do Império. Tel.: 213 612 4003ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E Building Stories. Histórias ConstruídasDe Vylder Vinck Taillieu, Maio e Ricardo Bak Gordon.até 14 de outubroT Momento 1910Espetáculo evocativo da Implantação da República e do centenário do fim da Primeira Guerra Mundial (1918-2018), com debate e exibição de filme.concerto.10 de outubro – 21h (filme-concerto)M Há Fado no Cais: Camané11 e 12 de outubro – 21hM 150 anos do Nascimento de Vianna da MottaRecital de piano por Artur Pizarro, com comentários de Bruno Caseirão.Obras de J. Vianna da Motta, A. Rey Colaço.13 de outubro – 21hC Rabino Abraham Assor: Fé e Pensamento14 de outubro – 10h às 18hC Jean-Louis Violeau: A Grande Recusa? Os ArquitetosFranceses e o maio de 6816 de outubro – 19hM Big Bang LX18: Festival de Música e Aventura para Jovens Públicos19 e 20 de outubro

CulturgestR. Arco do Cego, 1. Tel.: 217 905 155A 16º Doclisboa’1818 a 28 de outubroD Concertos BrandeburguesesCoreografia de Anne Teresa de Keersmaeker.12 de outubro – 21h13 de outubro – 19hE El Jardín de los Senderos que se BifurcanExposição de pintura e de desenho Juan Araujo.20 de outubro a 6 de janeiro 2019E As Raízes Também se Criam no BetãoExposição do artista franco-argelino Kader Attia.20 de outubro a 6 de outubro 2019

Fundação Calouste GulbenkianAv. de Berna, 45ª. Tel.: 213 880 0442ª, 4ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E Mulheres Modernas na Obra de José de Almada Negreirosaté 14 de outubroM Orquestra GulbenkianDavid Zinman – maestro.Piotr Anderszewski- piano. Varoujan Bartikian – violoncelo.Obras de Z. Kodály, B. Bartók e R. Strauss.11 de outubro – 21h12 de outubro – 19hM Vésperas de RachmaninovPelo Coro Gulbenkian, sob a direção do maestro Jorge Matta.Programa: S. Rachmaninov, Vésperas, op. 37.12 de outubro – 21hM Recital de Piano por Kirill GersteinObras de L. van Beethoven, L. Janáček, F. Liszt, C. Debussy e M. Ravel.16 de outubro – 20hE Al Cartio e Constance Ruth Howes de A a C19 de outubro a 14 de janeiro 2019M Orquestra GulbenkianPinchas Zukerman - maestro / violino.Amanda Forsyth – violoncelo.Obras de W. A. Mozart, M. Bruch e J. Brahms.19 de outubro – 21h20 de outubro – 19hM Solistas da Orquestra GulbenkianObras de Mussorgsky e Stravinsky.20 de outubro – 21h30

Museu de Arte, Arquitetura e TecnologiaAv. Brasília, Central Tejo4ª A 2ª, DAS 11H ÀS 19H

E Germinal. O Núcleo Cabrita Reis na Coleção de Arte Fundação EDPaté 31 de dezembroE A Língua Portuguesa em NósExposição itinerante do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo,até 21 de outubroE For A Brave New Brussels22 a 26 de outubro

Museu Coleção BerardoCCB. Pç. Do Império. Tel.: 213 612 8783ª A DOM., DAS 10H ÀS 19H

E Marcelo Brodsky. 1968: O Fogo das Ideiasaté 6 de janeiro 2019

Museu de Arte PopularAv. Brasilia. Tel.: 213 011 2824ª A DOM., DAS 10H ÀS 18; SÁB. E

DOM., ENCERRADO DAS 13H ÀS 14H

E Agricultura Lusitana 2015-18.Craft+Design+Identidadeaté 30 de dezembro

A a u d i o v i s u a l » C c o l ó q u i o s / c o n f e r ê n c i a s » D d a n ç a » E e x p o s i ç õ e s » M m ú s i c a » M D m u l t i d i s c i p l i n a r e s » N C n o v o c i r c o » P p e d a g o g i a » T t e a t r o

P R É M I OL U S O - E S P A N H O L

D E A R T EE C U L T U R A

Apresentação de Candidaturas

O Gabinete de Estratégia, Planeamento eAvaliação Culturais informa que decorreaté ao dia 12 de Outubro de 2018 o prazopara apresentação de candidaturas à 7ªEdição do Prémio Luso-Espanhol de Artee Cultura.

As candidaturas devem ser instruídas comtodos os elementos que permitam a suaapreciação de acordo com o Regulamentodo Prémio, disponível para consulta emwww.gepac.gov.pt

As candidaturas devem ser enviadas por viaelectrónica para [email protected] ou, não sendo possível, ser entreguesno GEPAC – Gabinete de Estratégia,Planeamento e Avaliação Culturais, cujoscontactos são:

R. Dom Francisco Manuel de Melo, 15.1070-085 LisboaTelefone: 21 384 84 00

Fund. Arpad Szènes - Vieira da SilvaPç. das Amoreiras, 58. Tel: 213 880 0443ª A DOM. DAS 10H ÀS 18H; ENCERRA 2ª E FERIADOS

E Theatro NaturalExposição de pintura de Manuel Vieira.até 13 de janeiro 2019E Educação Sentimental. A Coleção Pinto da Fonsecaaté 13 de janeiro 2019M Solistas da MetropolitanaPrograma: Prokofiev /Britten - Primeiros Quartetos.20 de outubro – 16h

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Museu do OrienteAv. Brasília, Doca de Alcântara. Tel.: 213 585 2003ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H; 6ª, DAS 10H ÀS 12H

E A Ópera Chinesaaté 31 de dezembro

Museu Nacional da MúsicaEstação do Metropolitano Alto dos Moinhos.R. João de Freitas Branco. Tel.: 217 710 990E O Cisne de BayreuthCelebração fotográfica em torno do tema ‘Lohengrin em Bayreuth’.até 27 de outubro

Museu Nacional de ArqueologiaPç. do Império. Tel.: 213 620 0003ª, DAS 14H ÀS 18H; 4ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E Religiões da Lusitânia. Loquuntur Saxaaté 30 de dezembroE Loulé: Territórios, Memórias, Identidadesaté 30 de dezembro

Museu Nacional de Arte AntigaR. das Janelas Verdes. 213 912 8003ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E Cenas do Quotidiano. DesenhosEuropeus (Séculos XVIII e XIX)até 14 de outubroE Do Tirar Polo Natural: Inquérito ao Retrato Portuguêsaté 14 de outubroE Explícita. Arte Proibida?até 28 de outubroE MNAA. 12 Escolhasaté 31 de maio 2019

MNAC - Museu do ChiadoR. Serpa Pinto, nº 4. Tel: 213 432 1483ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E José Pedro Cortes. Um Realismo Necessárioaté 28 de outubroE Salomé Lamas, Extinção, 2018até 25 de novembroE Carlos Relvas:Vistas Inéditas de Portugal A fotografia nos salões de Lisboa, Paris, Viena e Madrid.até 20 de janeiro 2019E Arte Portuguesa. Razões e Emoçõesaté 31 de março 2019E O Poder da ImagemOs retratos de Adrien Demont e VirginieDemont-Breton por Veloso Salgado.12 de outubro a 31 de março 2019C Em Torno do DesenhoEncontro que reúne Inmaculada Corcho, Elsy Lahner e Jorge da Costa. Moderação deEmília Ferreira, diretora do MNAC-MC.12 de outubro – 11h

Museu Nacional do AzulejoR. Madre de Deus, 4. Tel.: 218 100 340 3ª A DOM., DAS 9H ÀS 17H

E Tempos Modernos. Cerâmica Industrial Portuguesa entre Guerras. Coleção A.M. – J.M.V.até março 2019

Museu Nacional do Teatro e da DançaEstrada do Lumiar, 10. Tel.: 217 567 4103ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E Os Ballets Russes: Modernidade após Diaghilevaté 18 de novembro

Museu Nacional do TrajeLg. Júlio Castilho. Tel.: 217 567 6203ª, DAS 14H ÀS 18H; 4ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E OGUMInstalação de Christina Vilas-Bôas.outubro

Museu Nacional dos CochesAv. da Índia, 136. Tel:210 732 3193ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E (A)Riscar o Patrimónioa partir de 11 de outubro

Padrão dos DescobrimentosAv. Brasília. Tel.: 213 031 9503ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

A A Construção de um Símboloaté 12 de março 2019

Palácio Nacional da AjudaLg. da Ajuda. Tel.: 213 620264TODOS OS DIAS (EXCETO À 4ª FEIRA), DAS 10H ÀS 18H

P Palácio Nacional da Ajuda: Educação, Arte e Património – EAPProjeto sob coordenação da artista plástica Olga Sotto.até dezembroM Entressonhar20 de outubro – 16h

Picadeiro RealPç. Afonso de Albuquerque. Tel.: 213 610 8503ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E Há Fogo! Há Fogo! Acudam, Acudam!até 31 de dezembro

Teatro CamõesParque das Nações. Tel.: 218 923 470D iTMOi – In the Mind of IgorDireção artística e coreografia de Akram Khan. Interpretação pela CNB.11 e 12 de outubro – 21h13 de outubro – 18h3014 de outubro – 16hD A Meio da NoiteDireção de Olga Roriz. Interpretação de Andréde Campos, Beatriz Dias, Bruno Alexandre,Bruno Alves, Catarina Câmara, entre outros.19, 20 e 27 de outubro – 21h

Teatro da PolitécnicaR. da Escola Politécnica, 58. Tel.: 213 916 750T O Vento Num ViolinoDe Claudio Tolcachir. Interpretação de

Andreia Bento, Isabel Muñoz Cardoso, Margarida Correia, Pedro Batista, entre outros.3ª E 4ª, ÀS 19H; 5ª E 6ª, 21H; SÁB., ÀS 16H E 21H

até 13 de outubroE DesenhosExposição de Catarina Lopes Vicente.3ª A 6ª, DAS 17H; SÁB., DAS 15H ATÉ FINAL DO ESPETÁCULO.

até 31 de outubro

Teatro Nacional D. Maria IIPç. D. Pedro IV. Tel.: 213 250 800T À Espera de GodotDe Samuel Beckett, tradução de José MariaVieira Mendes. Encenação de David Pereira Bastos. Interpretação de Bruno Simão, DavidPereira Bastos, Miguel Moreira, Rui M. Silva.4ª E SÁB., ÀS 19H30; 5ª E 6ª, ÀS 21H30; DOM., ÀS 16H30

até 7 de outubroT TeatroTexto e encenação de Pascal Rambert. Interpretação de Beatriz Batarda, Cirila Bossuet,João Grosso, Lúcia Maria, Rui Mendes, AsiaGalante, Maria Abreu e Sara Barbosa.4 E SÁB., ÀS 19H; 5ª E 6ª, ÀS 21H; DOM., 16H

até 14 de outubroT O Grande Tratado de EncenaçãoTrilogia da Juventude Teatro Experimental do Porto. Texto de Gonçalo Amorim eRui Pina Coelho. Encenação Gonçalo Amorim.

Interpretação de Catarina Gomes, Paulo Mota,Sara Barros Leitão. 5ª E 6ª, ÀS 21H30; SÁB., ÀS 19H30; DOM., ÀS 16H3011 a 14 de outubro, 27 de outubroT A Tecedeira que Lia ZolaEncenação, texto e cocriação de Gonçalo Amorim. Apoio dramatúrgico e cocriação de Rui Pina Coelho. Interpretação e cocriação de Bruno Martins, Catarina Gomes, Paulo Mota, Sara Barros Leitão.5ª E 6ª, ÀS 21H30; SÁB., ÀS 19H30; DOM., ÀS 16H3018 a 21 de outubro, 27 de outubro

Teatro Nacional de São Carlos R. Serpa Pinto, 9. Tel.: 213 253 000M Stabat MaterDe Antonín Dvorak Direção musical de Anto-nio Pirolli. Interpretação de Susana Gaspar,Maria Luísa de Freitas, Luís Gomes, LuísRodrigues. Com o Coro do Teatro Nacional deSão Carlos, maestro titular Giovanni Andreoli, ea Orquestra Sinfónica Portuguesa, maestrina tit-ular Joana Carneiro.12 de outubro – 21h13 de outubro – 16h

M A F R A

Palácio Nacional de MafraTerreiro D. João V. Tel.: Tel.: 261 817 550E Do Tratado à Obra. Génese da Arte e da Arquitetura no Palácio Nacional de Mafraaté 17 de novembroE 1 Vara e 4 Palmosaté novembroT Memorial do ConventoDe José Saramago.1º SÁBADO DE CADA MÊS, ÀS 18H

até dezembroD Blimunda Sete LuasEspéctaculo de dança (18h) com percurso(19h15) e jantar (20h), inspirado no Memorialdo Convento, de José Saramago. 13 de outubro

P O N T E D E S O R

Centro de Artes e Cultura de Ponte de SorAv. da Liberdade, 64 F. Tel.: 242 292 0702ª A SÁB., DAS 10H ÀS 13H E DAS 14H ÀS 18H

E Contra a Abstração. Obras daColeção da Caixa Geral de Depósitosaté 27 de outubro

P O R T O

Aeroporto do Porto Hall de Chegadas.E Da Coleção no Aeroporto do Porto: Danh Võaté 30 de novembro

Alfândega do PortoR. Nova da Alfândega. Tel.: 223 403 0003ª A 6ª, DAS 10H ÀS 13H E DAS 14H ÀS 18H

E Boa Viagem, Senhor Presidente! 100 Anos da Primeira Visita de Estadoaté 31 de dezembro

Casa da MúsicaAv. da Boavista, 604-610. Tel.: 220 120 200M Tio Rex10 de outubro – 21h30M Outono em Jazz: Oleg Akkuratov11 de outubro – 22hM A Segunda de BrucknerPela Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, sob a direção musical de MichaelSanderling e a participação Rui Lopes (fagote).Obras de W.A. Mozart e A. Bruckner.12 de outubro – 21hM Do Bolso de Walt 2.0Direção artística e interpretação de Aquilo que Vocês Quiserem.13 outubro – 16hM Outono em Jazz: Bruno PernadasQuinteto + Mário Laginha, J. Argüelles e H. Norbakken13 de outubro – 21hM Bruckner ExplicadoPela Orquestra Sinfónica do Porto Casa daMúsica, direção musical de Michael Sanderling.Concerto comentado por Helena Marinho.Programa: A. Bruckner Sinfonia nº 2 (excertos).14 de outubro – 12hM Outono em Jazz: Femi Temowo Quartet · Lokomotiv14 de outubro – 21hM João Canedo17 de outubro – 21h30

| A g e n d a C u l t u r a l |A a u d i o v i s u a l » C c o l ó q u i o s / c o n f e r ê n c i a s » D d a n ç a » E e x p o s i ç õ e s » M m ú s i c a » M D m u l t i d i s c i p l i n a r e s » N C n o v o c i r c o » P p e d a g o g i a » T t e a t r o

O D e u s d a C a r n i f i c i n a , n o T e a t r o M u n i c i p a l d a G u a r d a

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| A g e n d a C u l t u r a l |

Museu Municipal de EspinhoR. 41 / Av. João de Deus. Tel.: 227326 2582ª A 6ª, DAS 10H ÀS 17H; SÁB., DAS 10H ÀS 13H30 E DAS 14H30 ÀS 18H

E Música e Palavras: Obras da Coleção de Serralvesaté 11 de outubro

É V O R A

Museu Nac. Frei Manuel do Cenáculo Lg. Conde de Vila Flor. Tel.: 266 702 6043ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E A Pedra Não Espera. Maquetas eEscultura para o Espaço Urbanoaté 15 de outubro

F R E I X O D EE S P A D A À C I N T A

Auditório Municipal de Freixo de Espada à CintaAv. Guerra Junqueiro. Tel.: 279 658 160E António Menéres, Percursos pela Arquitetura Popular no Douroaté 4 de novembro

G O N D O M A R

Lugar do Desenho - Fund. Júlio ResendeR. Pintor Júlio Resende, 346. Tel.: 224 649 0613ªA 6ª, DAS 14H30 ÀS 18H30; SÁB. E DOM., DAS 14H30 ÀS 17H30

E Resende. Linha do Tempoaté 14 de outubro

G U A R D A

Teatro Municipal da GuardaR. Batalha Reis, 12. Tel.: 271 205 240E Um Realismo Cosmopolita: UmaExposição em Torno do Grupo KWYaté 3 de novembroM Bowjangles: The Legend Of Excalibow!11 de outubro – 21h30M One Man Band12 e 13 de outubro – 22hT O Deus da CarnificinaDe Yasmina Reza. Tradução, e encenação deDiogo Infante. Interpretação de Diogo Infante,Pedro Laginha, Patricia Tavares e Rita Salema.19 de outubro – 21h30

G U I M A R Ã E S

Centro Cultural Vila FlorAv. D. Afonso Henriques, 701. Tel.: 253 424 700M Orquestra de GuimarãesDireção do maestro Vítor Matos. Participação de Sachiko Furuhata (piano).13 de outubro – 21h30 T O Vigilante NoturnoEncenação e cocriação de John Mowat. Cocriação de Cláudia Berkeley. Interpretação e cocriação de Bruno Martins, Igor Gonçalves e Rui Souza.12 de outubro – 21h30T Mostra de Amadores de Teatro - MAT`1813 a 27 de outubro

Centro Internacional das Artes José de GuimarãesAv. Conde Margaride, 175.Tel.: 253 424 7153ª A DOM., DAS 10H ÀS 13H E DAS 14H ÀS 19H

E Constelação Cutileiro20 de outubro a 10 de fevereiroE José de Guimarães: A Dobra e o Corte20 de outubro a 10 de fevereiro

Paço dos DuquesR. Conde D. Henrique. Tel.: 253 412 273TODOS OS DIAS,DAS 10H ÀS 18H

E Monges e Guerreirosaté janeiro 2019

L A M E G O

Museu de LamegoLg. de Camões. Tel.: 254 600 2302ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E Mira Mobile Prize 2018A “Mira Mobile Prize” elegeu as melhores fotos,captadas e editadas num dispositivo móvel.até 14 de outubro

L E I R I A

Museu da Imagem em MovimentoLg. de S. Pedro. Tel.: 244 839 675TODOS OS DIAS, DAS 9H30 ÀS 17H30

E Nós e os Outrosaté 30 de dezembro

L I S B O A

Biblioteca Nacional de PortugalCampo Grande, 83. Tel.:  217 982 000E As Mil e Uma Noites em Portugalaté 27 de outubro

C Irmãs Brontë: 200 Anos25 de outubro (colóquio)até 17 de novembro (mostra)E Sob a Chama da Lucerna: Franciscode Holanda Entre Textos e ImagensComemorando os 500 anos do nascimento deFrancisco de Holanda, esta exposição, comissari-ada por Sylvie Deswarte-Rosa (CNRS; IHRIM),reúne as fontes e a historiografia da obra destagrande figura do Renascimento em Portugal.26 de outubro a 31 de j aneiro 2019E José Saramago: 20 Anos do Prémio NobelAssinalando os 20 anos do Prémio Nobelatribuído a Saramago, apresenta-se documentação da época sobre o processo e os eventos relacionados com o Prémio. 12 de outubro a 29 de dezembroM Sarau dos Amores Pelo Coro de Câmara da Universidade de Lisboa.20 de outubroC António Ramos Rosa: Escrever o Poema UniversalOrganização do CLEPUL-FLUL em parceria com a Biblioteca Nacional de Portugal, no ano em que se comemoram 60 anos da publicação da primeira obra de António Ramos Rosa, O Grito Claro (1958).17 a 19 de outubro

Centro Cultural de BelémPç. do Império. Tel.: 213 612 4003ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E Building Stories. Histórias ConstruídasDe Vylder Vinck Taillieu, Maio e Ricardo Bak Gordon.até 14 de outubroT Momento 1910Espetáculo evocativo da Implantação da República e do centenário do fim da Primeira Guerra Mundial (1918-2018), com debate e exibição de filme.concerto.10 de outubro – 21h (filme-concerto)M Há Fado no Cais: Camané11 e 12 de outubro – 21hM 150 anos do Nascimento de Vianna da MottaRecital de piano por Artur Pizarro, com comentários de Bruno Caseirão.Obras de J. Vianna da Motta, A. Rey Colaço.13 de outubro – 21hC Rabino Abraham Assor: Fé e Pensamento14 de outubro – 10h às 18hC Jean-Louis Violeau: A Grande Recusa? Os ArquitetosFranceses e o maio de 6816 de outubro – 19hM Big Bang LX18: Festival de Música e Aventura para Jovens Públicos19 e 20 de outubro

CulturgestR. Arco do Cego, 1. Tel.: 217 905 155A 16º Doclisboa’1818 a 28 de outubroD Concertos BrandeburguesesCoreografia de Anne Teresa de Keersmaeker.12 de outubro – 21h13 de outubro – 19hE El Jardín de los Senderos que se BifurcanExposição de pintura e de desenho Juan Araujo.20 de outubro a 6 de janeiro 2019E As Raízes Também se Criam no BetãoExposição do artista franco-argelino Kader Attia.20 de outubro a 6 de outubro 2019

Fundação Calouste GulbenkianAv. de Berna, 45ª. Tel.: 213 880 0442ª, 4ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E Mulheres Modernas na Obra de José de Almada Negreirosaté 14 de outubroM Orquestra GulbenkianDavid Zinman – maestro.Piotr Anderszewski- piano. Varoujan Bartikian – violoncelo.Obras de Z. Kodály, B. Bartók e R. Strauss.11 de outubro – 21h12 de outubro – 19hM Vésperas de RachmaninovPelo Coro Gulbenkian, sob a direção do maestro Jorge Matta.Programa: S. Rachmaninov, Vésperas, op. 37.12 de outubro – 21hM Recital de Piano por Kirill GersteinObras de L. van Beethoven, L. Janáček, F. Liszt, C. Debussy e M. Ravel.16 de outubro – 20hE Al Cartio e Constance Ruth Howes de A a C19 de outubro a 14 de janeiro 2019M Orquestra GulbenkianPinchas Zukerman - maestro / violino.Amanda Forsyth – violoncelo.Obras de W. A. Mozart, M. Bruch e J. Brahms.19 de outubro – 21h20 de outubro – 19hM Solistas da Orquestra GulbenkianObras de Mussorgsky e Stravinsky.20 de outubro – 21h30

Museu de Arte, Arquitetura e TecnologiaAv. Brasília, Central Tejo4ª A 2ª, DAS 11H ÀS 19H

E Germinal. O Núcleo Cabrita Reis na Coleção de Arte Fundação EDPaté 31 de dezembroE A Língua Portuguesa em NósExposição itinerante do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo,até 21 de outubroE For A Brave New Brussels22 a 26 de outubro

Museu Coleção BerardoCCB. Pç. Do Império. Tel.: 213 612 8783ª A DOM., DAS 10H ÀS 19H

E Marcelo Brodsky. 1968: O Fogo das Ideiasaté 6 de janeiro 2019

Museu de Arte PopularAv. Brasilia. Tel.: 213 011 2824ª A DOM., DAS 10H ÀS 18; SÁB. E

DOM., ENCERRADO DAS 13H ÀS 14H

E Agricultura Lusitana 2015-18.Craft+Design+Identidadeaté 30 de dezembro

A a u d i o v i s u a l » C c o l ó q u i o s / c o n f e r ê n c i a s » D d a n ç a » E e x p o s i ç õ e s » M m ú s i c a » M D m u l t i d i s c i p l i n a r e s » N C n o v o c i r c o » P p e d a g o g i a » T t e a t r o

P R É M I OL U S O - E S P A N H O L

D E A R T EE C U L T U R A

Apresentação de Candidaturas

O Gabinete de Estratégia, Planeamento eAvaliação Culturais informa que decorreaté ao dia 12 de Outubro de 2018 o prazopara apresentação de candidaturas à 7ªEdição do Prémio Luso-Espanhol de Artee Cultura.

As candidaturas devem ser instruídas comtodos os elementos que permitam a suaapreciação de acordo com o Regulamentodo Prémio, disponível para consulta emwww.gepac.gov.pt

As candidaturas devem ser enviadas por viaelectrónica para [email protected] ou, não sendo possível, ser entreguesno GEPAC – Gabinete de Estratégia,Planeamento e Avaliação Culturais, cujoscontactos são:

R. Dom Francisco Manuel de Melo, 15.1070-085 LisboaTelefone: 21 384 84 00

Fund. Arpad Szènes - Vieira da SilvaPç. das Amoreiras, 58. Tel: 213 880 0443ª A DOM. DAS 10H ÀS 18H; ENCERRA 2ª E FERIADOS

E Theatro NaturalExposição de pintura de Manuel Vieira.até 13 de janeiro 2019E Educação Sentimental. A Coleção Pinto da Fonsecaaté 13 de janeiro 2019M Solistas da MetropolitanaPrograma: Prokofiev /Britten - Primeiros Quartetos.20 de outubro – 16h

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Museu do OrienteAv. Brasília, Doca de Alcântara. Tel.: 213 585 2003ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H; 6ª, DAS 10H ÀS 12H

E A Ópera Chinesaaté 31 de dezembro

Museu Nacional da MúsicaEstação do Metropolitano Alto dos Moinhos.R. João de Freitas Branco. Tel.: 217 710 990E O Cisne de BayreuthCelebração fotográfica em torno do tema ‘Lohengrin em Bayreuth’.até 27 de outubro

Museu Nacional de ArqueologiaPç. do Império. Tel.: 213 620 0003ª, DAS 14H ÀS 18H; 4ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E Religiões da Lusitânia. Loquuntur Saxaaté 30 de dezembroE Loulé: Territórios, Memórias, Identidadesaté 30 de dezembro

Museu Nacional de Arte AntigaR. das Janelas Verdes. 213 912 8003ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E Cenas do Quotidiano. DesenhosEuropeus (Séculos XVIII e XIX)até 14 de outubroE Do Tirar Polo Natural: Inquérito ao Retrato Portuguêsaté 14 de outubroE Explícita. Arte Proibida?até 28 de outubroE MNAA. 12 Escolhasaté 31 de maio 2019

MNAC - Museu do ChiadoR. Serpa Pinto, nº 4. Tel: 213 432 1483ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E José Pedro Cortes. Um Realismo Necessárioaté 28 de outubroE Salomé Lamas, Extinção, 2018até 25 de novembroE Carlos Relvas:Vistas Inéditas de Portugal A fotografia nos salões de Lisboa, Paris, Viena e Madrid.até 20 de janeiro 2019E Arte Portuguesa. Razões e Emoçõesaté 31 de março 2019E O Poder da ImagemOs retratos de Adrien Demont e VirginieDemont-Breton por Veloso Salgado.12 de outubro a 31 de março 2019C Em Torno do DesenhoEncontro que reúne Inmaculada Corcho, Elsy Lahner e Jorge da Costa. Moderação deEmília Ferreira, diretora do MNAC-MC.12 de outubro – 11h

Museu Nacional do AzulejoR. Madre de Deus, 4. Tel.: 218 100 340 3ª A DOM., DAS 9H ÀS 17H

E Tempos Modernos. Cerâmica Industrial Portuguesa entre Guerras. Coleção A.M. – J.M.V.até março 2019

Museu Nacional do Teatro e da DançaEstrada do Lumiar, 10. Tel.: 217 567 4103ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E Os Ballets Russes: Modernidade após Diaghilevaté 18 de novembro

Museu Nacional do TrajeLg. Júlio Castilho. Tel.: 217 567 6203ª, DAS 14H ÀS 18H; 4ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E OGUMInstalação de Christina Vilas-Bôas.outubro

Museu Nacional dos CochesAv. da Índia, 136. Tel:210 732 3193ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E (A)Riscar o Patrimónioa partir de 11 de outubro

Padrão dos DescobrimentosAv. Brasília. Tel.: 213 031 9503ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

A A Construção de um Símboloaté 12 de março 2019

Palácio Nacional da AjudaLg. da Ajuda. Tel.: 213 620264TODOS OS DIAS (EXCETO À 4ª FEIRA), DAS 10H ÀS 18H

P Palácio Nacional da Ajuda: Educação, Arte e Património – EAPProjeto sob coordenação da artista plástica Olga Sotto.até dezembroM Entressonhar20 de outubro – 16h

Picadeiro RealPç. Afonso de Albuquerque. Tel.: 213 610 8503ª A DOM., DAS 10H ÀS 18H

E Há Fogo! Há Fogo! Acudam, Acudam!até 31 de dezembro

Teatro CamõesParque das Nações. Tel.: 218 923 470D iTMOi – In the Mind of IgorDireção artística e coreografia de Akram Khan. Interpretação pela CNB.11 e 12 de outubro – 21h13 de outubro – 18h3014 de outubro – 16hD A Meio da NoiteDireção de Olga Roriz. Interpretação de Andréde Campos, Beatriz Dias, Bruno Alexandre,Bruno Alves, Catarina Câmara, entre outros.19, 20 e 27 de outubro – 21h

Teatro da PolitécnicaR. da Escola Politécnica, 58. Tel.: 213 916 750T O Vento Num ViolinoDe Claudio Tolcachir. Interpretação de

Andreia Bento, Isabel Muñoz Cardoso, Margarida Correia, Pedro Batista, entre outros.3ª E 4ª, ÀS 19H; 5ª E 6ª, 21H; SÁB., ÀS 16H E 21H

até 13 de outubroE DesenhosExposição de Catarina Lopes Vicente.3ª A 6ª, DAS 17H; SÁB., DAS 15H ATÉ FINAL DO ESPETÁCULO.

até 31 de outubro

Teatro Nacional D. Maria IIPç. D. Pedro IV. Tel.: 213 250 800T À Espera de GodotDe Samuel Beckett, tradução de José MariaVieira Mendes. Encenação de David Pereira Bastos. Interpretação de Bruno Simão, DavidPereira Bastos, Miguel Moreira, Rui M. Silva.4ª E SÁB., ÀS 19H30; 5ª E 6ª, ÀS 21H30; DOM., ÀS 16H30

até 7 de outubroT TeatroTexto e encenação de Pascal Rambert. Interpretação de Beatriz Batarda, Cirila Bossuet,João Grosso, Lúcia Maria, Rui Mendes, AsiaGalante, Maria Abreu e Sara Barbosa.4 E SÁB., ÀS 19H; 5ª E 6ª, ÀS 21H; DOM., 16H

até 14 de outubroT O Grande Tratado de EncenaçãoTrilogia da Juventude Teatro Experimental do Porto. Texto de Gonçalo Amorim eRui Pina Coelho. Encenação Gonçalo Amorim.

Interpretação de Catarina Gomes, Paulo Mota,Sara Barros Leitão. 5ª E 6ª, ÀS 21H30; SÁB., ÀS 19H30; DOM., ÀS 16H3011 a 14 de outubro, 27 de outubroT A Tecedeira que Lia ZolaEncenação, texto e cocriação de Gonçalo Amorim. Apoio dramatúrgico e cocriação de Rui Pina Coelho. Interpretação e cocriação de Bruno Martins, Catarina Gomes, Paulo Mota, Sara Barros Leitão.5ª E 6ª, ÀS 21H30; SÁB., ÀS 19H30; DOM., ÀS 16H3018 a 21 de outubro, 27 de outubro

Teatro Nacional de São Carlos R. Serpa Pinto, 9. Tel.: 213 253 000M Stabat MaterDe Antonín Dvor ak Direção musical de Anto-nio Pirolli. Interpretação de Susana Gaspar,Maria Luísa de Freitas, Luís Gomes, LuísRodrigues. Com o Coro do Teatro Nacional deSão Carlos, maestro titular Giovanni Andreoli, ea Orquestra Sinfónica Portuguesa, maestrina tit-ular Joana Carneiro.12 de outubro – 21h13 de outubro – 16h

M A F R A

Palácio Nacional de MafraTerreiro D. João V. Tel.: Tel.: 261 817 550E Do Tratado à Obra. Génese da Arte e da Arquitetura no Palácio Nacional de Mafraaté 17 de novembroE 1 Vara e 4 Palmosaté novembroT Memorial do ConventoDe José Saramago.1º SÁBADO DE CADA MÊS, ÀS 18H

até dezembroD Blimunda Sete LuasEspéctaculo de dança (18h) com percurso(19h15) e jantar (20h), inspirado no Memorialdo Convento, de José Saramago. 13 de outubro

P O N T E D E S O R

Centro de Artes e Cultura de Ponte de SorAv. da Liberdade, 64 F. Tel.: 242 292 0702ª A SÁB., DAS 10H ÀS 13H E DAS 14H ÀS 18H

E Contra a Abstração. Obras daColeção da Caixa Geral de Depósitosaté 27 de outubro

P O R T O

Aeroporto do Porto Hall de Chegadas.E Da Coleção no Aeroporto do Porto: Danh Võaté 30 de novembro

Alfândega do PortoR. Nova da Alfândega. Tel.: 223 403 0003ª A 6ª, DAS 10H ÀS 13H E DAS 14H ÀS 18H

E Boa Viagem, Senhor Presidente! 100 Anos da Primeira Visita de Estadoaté 31 de dezembro

Casa da MúsicaAv. da Boavista, 604-610. Tel.: 220 120 200M Tio Rex10 de outubro – 21h30M Outono em Jazz: Oleg Akkuratov11 de outubro – 22hM A Segunda de BrucknerPela Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, sob a direção musical de MichaelSanderling e a participação Rui Lopes (fagote).Obras de W.A. Mozart e A. Bruckner.12 de outubro – 21hM Do Bolso de Walt 2.0Direção artística e interpretação de Aquilo que Vocês Quiserem.13 outubro – 16hM Outono em Jazz: Bruno PernadasQuinteto + Mário Laginha, J. Argüelles e H. Norbakken13 de outubro – 21hM Bruckner ExplicadoPela Orquestra Sinfónica do Porto Casa daMúsica, direção musical de Michael Sanderling.Concerto comentado por Helena Marinho.Programa: A. Bruckner Sinfonia nº 2 (excertos).14 de outubro – 12hM Outono em Jazz: Femi Temowo Quartet · Lokomotiv14 de outubro – 21hM João Canedo17 de outubro – 21h30

| A g e n d a C u l t u r a l |A a u d i o v i s u a l » C c o l ó q u i o s / c o n f e r ê n c i a s » D d a n ç a » E e x p o s i ç õ e s » M m ú s i c a » M D m u l t i d i s c i p l i n a r e s » N C n o v o c i r c o » P p e d a g o g i a » T t e a t r o

O D e u s d a C a r n i f i c i n a , n o T e a t r o M u n i c i p a l d a G u a r d a

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M Teresinha Landeiro: Namoro18 de outubro – 21h30M Outono em Jazz: Duo Finlandia18 de outubro – 22hM Fado à Mesa: Rodrigo Costa Félix, Ana Pinhal e Diogo Aranha19 de outubro – 20h30M De Mozart a MahlerPela Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, sob a direção musical de Olari Elts e a participação de Benjamin Schmid (violino).Obras de P. Eötvös, W. A. Mozart, G. Mahler.20 de outubro – 18hP TangerinaPrimeiras Oficinas por Ana Bento e Bruno Pinto.21 de outubro – 10h30, 11h45 e 15hM Recital de Piano por Alfred BrendelPalestra-Recital “On Playing Mozart”.21 de outubro – 18hM Amaro Freitas Trio + Polish--Portuguese Improvisers’ Orchestra21 de outubro -21hM Quarteto de Cordas de MatosinhosObras de A. Webern e F. Schubert.23 de outubro – 19h30M Outono em Jazz: Youn Sun Nah +Ambrose Akinmusire Quartet23 de outubro – 21h

Centro Português de FotografiaCampo Mártires da Pátria. Tel.: 222 076 3103ª A 6ª, DAS 10H ÀS 12H30 E DAS 14H ÀS 18H; SÁB., DOM. E FERIADOS, DAS 15H ÀS 19H

E Alma Mexicana em Terras LusasExposição de imagens de Flor Garduño, fotógrafa mexicana, feitas em Portugal, em 1995.até 21 de outubroE Frida Kahlo – As Suas Fotografiasaté 4 de novembroE womenSEEwomenExposição que visa proporcionar uma plataforma às artistas femininas.até 4 de novembro

Coliseu do PortoR. de Passos Manuel, 137. Tel.: 223 394 940M La TraviataÓpera em três atos, de Giuseppe Verdi, comlibreto de Francesco Maria Piave. Direção musical de Michele Gamba. Encenação de PierLuigi Pizzi. Com o Coro do Teatro Nacional de São Carlos, maestro titular GiovanniAndreoli, e Orquestra Sinfónica Portuguesa,maestrina titular Joana Carneiro.20 de outubro – 20h

Fundação de SerralvesR. D. João de Castro, 210. Tel.: 226 156 5003ª A 6ª, DAS 10H ÀS 13H E DAS 14H ÀS

17H; SÁB., DOM. E FERIADOS DAS 10H ÀS 19H

E E Depois, a História - Go Hasegawa,Kersten Geers, David Van Severenaté 15 de outubroE Através De… Ana Vieira na Coleção de Serralvesaté 4 de novembroE Projeto Sonae//Serralves - Haegue Yang: Parque de Vento Opaco em Seis Dobrasaté 31 de dezembroE Anish Kapoor: Obras, Pensamentos, Experiênciasaté 6 de janeiro 2019E Robert Mapplethorpe: Picturesaté 6 de janeiro 2019E Pedro Costa: Companhia12 de outubro a 6 de janeiro 2019

C Novas Perspetivas: Descolonização, Arte e o Museu18 de outubro – 18h30

Galeria Municipal do PortoR. de Dom Manuel II. Tel.. 226 081 0003ª A SÁB., DAS 10H ÀS 18H; DOM., DAS 14H ÀS 18H

E Musonautas, Visões & Avarias. 1960-2010 - 5 décadas de Inquietação Musical no Portoaté 18 de novembroE Curveball Memory: Musa Paradisiacaaté 18 de novembro

Museu Nacional de Soares dos ReisR. de Dom Manuel II 44. Tel.: 223 393 770P Máquina Desobediente13 de outubro – 10h

Teatro Campo Alegre R. das Estrelas. Tel.: 226 063 000T L’ÉtreinteImaginado, realizado e animado por Valerio Point. Sob os olhares atentos de Danièle Virlouvet, Frank Soehnle.14 de outubro – 22h15T Quarta-feira: o Tempo das CerejasDireção artística de Cláudia Dias. Texto, interpretação, cenário e marionetas de Cláudia Dias e Igor Gandra.14 de outubro – 21hT SolitáriaDireção artística de Amândio Anastácio. Interpretação de Susana Nunes.16 de outubro – 21h17 de outubro – 19hT Fogo LentoDireção artística de Costanza Givone. Dramaturgia e pesquisa de Raquel S. Cocriação e interpretação de Costanza Givone e Ricardo Vaz Trindade.19 de outubro – 19h20 de outubro – 21hT Quem Sou Eu?Conceito e encenação de Isabel Barros.Música de Jorge Queijo. Intérpretação de AlbinaSousa, Aurélio Batista, Belmira Silva, FranciscoAndré, Manuel Carneiro da Silva, entre outros.19 de outubro – 21h

Teatro Carlos AlbertoR. das Oliveiras, 43. 223 401 900T FrágilEncenação de João Paulo Seara Cardoso e coletivo. Marionetas e objetos cénicos de Rui Pedro Rodrigues. Interpretação de MicaelaSoares, Rui Queiroz de Matos, Vitor Gomes. 4ª A 6ª, ÀS 10H E 15H; SÁB., ÀS 19H; DOM., ÀS 16H

10 a 14 de outubro

Teatro Nacional São JoãoPç. da Batalha. Tel.: 223 401 900T OteloDe William Shakespeare. Tradução e versãocénica de Daniel Jonas. Encenação de Nuno Carinhas. Interpretação de António Durães,Diana Sá, Dinarte Branco, Joana Carvalho, João Cardoso, entre outros.4ª E SÁB., ÀS 19H; 5ª E 6ª, ÀS 21H; DOM., ÀS 16H

até 13 de outubroT TeatroTexto, encenação de Pascal Rambert. Tradução e apoio à dramaturgia de Joana Frazão. Interpretação de Beatriz Batarda, Cirila Bossuet,João Grosso, Lúcia Maria, Rui Mendes.4ª E SÁB., ÀS 19H; 5ª E 6ª, ÀS 21H; DOM., ÀS 16H

18 a 28 de outubro

Teatro RivoliPç. D. João I. Tel.: 223 392 200A Queer Porto 4 - Festival Internacional de Cinema Queer10 a 13 de outubroT Coisas que se Esquecem FacilmenteConceção e interpretação de Xavier Bobés.13, 14 e 15 de outubro – 15h, 18h e 2hT Sans ObjetEncenação de Aurélien Bory. Interpretação de Nicolas Lourdelle e Pierre Cartonnet.13 de outubro – 21hT L’ÉtreinteImaginado, realizado e animado por Valerio Point. Sob os olhares atentos de Danièle Virlouvet, Frank Soehnle.13 de outubro – 22h15M Paddy Steer13 de outubro – 23h30T Pequeno Cabaret ao AmanhecerTexto de Paula Carballeira. Encenação de RaulConstante Pereira. Interpretação de Raquel Rosmaninho, Rui Oliveira, Patrícia Cruz.19 e 20 de outubro – 23hD JinnPor Carlos Guedes, Kirk Woolford, Kiori Kawai, Cristina Ioan (EAU).20 de outubro – 19hM Recital de Harpa por Frederica Vieira Campos21 de outubro – 17h

T A V I R A

Museu Mun. de Tavira - Palácio da GaleriaCalçada da Galeria. Tel.: 281 320 5403ª A SÁB., DAS 9H15 ÀS 16H30

E Mulheres Modernas na Obra de José de Almada Negreiroaté 14 de outubro

VILA NOVA DE FAMALICÃO

Casa do TerritórioR. Fernando Mesquita, 2453. Tel.: 252 374 184E Da Coleção em Famalicão:a Minha Casa é a Tua Casa

até 2 de junho 2019

VILA NOVA DE FOZ CÔA

Museu do CôaR. do Museu. Tel.: 279 768 260E 9ª Bienal Int. de Gravura no Douroaté 31 de outubroE Nove Meses de Inverno e Três de InfernoExposição de fotografia de João Pedro Marnoto.até 25 de novembro

V I L A R E A L

Museu de Arqueologia e Numismática Av. 1º de Maio. Tel.: 259 308 1802ª A DOM., DAS 9H30 ÀS 12H30; 14H ÀS 17H

E Memórias de um Olhar por Noel Magalhães20 de outubro a 27 de janeiro 2019

Teatro de Vila RealAl. de Grasse. Tel.: 259 320 000M Astah10 de outubro – 22h30M Algorítmico: Música e MatemáticaCine-concerto pelo Space Ensemble.11 de outubro – 14h30M Mário Laginha, Julian Argüelles e Helge Norbakken: Setembro12 de outubro – 21h30M Phantom TrioCom a participação dos intervenientes do workshop de improvisação.13 de outubro – 21h30M Banda da Armada14 de outubro – 21h30D Embodied NaturesDe Isabel Costa.17 a 21 de outubroT Do Alto da PonteDe Arthur Miller. Encenação de Jorge SilvaMelo. Interpretação de Américo Silva, JoanaBárcia, Vânia Rodrigues, António Simão, Bruno Vicente, entre outros.19 de outubro – 21h30T Para Que Servem as MãosProdução Teatro de Marionetas de Mandrágora.20 de outubro – 16h

V I S E U

Museu Nacional Grão VascoAdro da Sé. Tel.: 232 422 049E Diálogo e Traição. Grão Vasco/Júlio Resendeaté 14 de outubro

Teatro ViriatoLg. Mouzinho de Albuquerque. Tel.: 23 2480 110T CinderelaDe Lígia Soares. Interpretação de Crista Alfaiate e Cláudio da Silva.12 de outubro – 21h30T Lusco-FuscoDireção e interpretação de Catarina Gonçalves eFilipe Caldeira. Dramaturgia de Joana Bértholo.18 e 19 de outubro – 10h30 e 15h (escolas)20 de outubro – 11h (famílias)

| A g e n d a C u l t u r a l |A a u d i o v i s u a l » C c o l ó q u i o s / c o n f e r ê n c i a s » D d a n ç a » E e x p o s i ç õ e s » M m ú s i c a » M D m u l t i d i s c i p l i n a r e s » N C n o v o c i r c o » P p e d a g o g i a » T t e a t r o

GABINETE DE ESTRATÉGIA, PLANEAMENTO E AVALIAÇÃO CULTURAIS

Palácio Nacional da Ajuda. 1300-018 LisboaTel.: 213 614 500 | Fax: 213 621 [email protected]

Mosteiro São Bento da VitóriaR. de São Bento da Vitória. Tel.: 223 401 900D Fica no SingeloDireção e coreografia de Clara Andermatt. Direção musical de LuísPedro Madeira, Clara Andermatt. Intérpretes-criadores de André Cabral, Bruno Alves, Francisca Pinto, Joana Lopes, Linora Dinga, Sergio Cobos, Catarina Moura, Luís Peixoto, Quiné Teles.11 e 12 de outubro – 21h13 de outubro – 19hT Sweet Home + MacbêtesSweet Home: de Arthur Lefebvre; encenação e cenografia de Claire Dancoisne, interpretação de RitaTchenko. Macbêtes: de Arthur Lefebvre, a partir de Macbeth, de W. Shakespeare; encenação de Claire Dancoisne; interpretação de Rita Tchenko, Thomas Dubois.17 e 18 de outubro – 19h (SweetHome) e 21h (Macbêtes)

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J a de outubro de * jornaldeletras.pt *

O Tempo sempre foi fundamental no pensamento e na obra do pensador, ensaísta e nosso colunista, como se vê inclusive por títulos de obras suas, como Tempo e Poesia, e resulta também de se saber que Tempo e Verdade era o título, e o tema, da sua teses de doutoramento, que nunca publicou. Naturalmente, também por isso, o seu enorme interesse por - e a sua repetida reflexão sobre - Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust. Este um denso texto inédito a seu respeito, em caixa relacionado, por João Nuno Alçada, com outros, também ainda inéditos, que igualmente escreveu

Tempo Perdido

“Durante muito tempo fui para a cama cedo. Por vezes mal apagava a vela, os olhos fechavam-se-me que não tinha tempo de pensar: ‘Vou adormecer’. E meia hora depois, era acordado pela ideia de que era tempo de conciliar o sono; queria poisar o volume que julgava ter nas mãos e soprar a chama da luz; dormira, e não parara de refletir sobre o que acabara de ler, mas tais reflexões, haviam tomado um aspeto um tanto especial; parecia-me que era de mim mesmo que a obra falava: uma igreja, um quarteto, a rivalidade entre Francisco e Carlos V.”

Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido

Sem se confundir com ela a primeira frase da Recherche () une-se à última, inscrevendo no intervalo que as separa a sigla mortal do Tempo. Jamais o ne-cessário e o aleatório da escrita roma-nesca haviam encontrado a forma que os redime e transporta com ela a única salvação possível para uma vida de homem excluída da antiga Eternidade (a de Deus e do romance clássico que a imita), ou da sua degradação romântica em Infinidade. Com Proust nós estamos no Tempo, na sua pura vertigem sem começo nem fim e todavia finita. São os seus frutos prometidos à morte - e já em transe de metamorfose negativa como o homem do instante, tão mortal como eles - , que devem arrancar da noite prometida, e da sombra que os recorta, para uma vida sem morte e sem outra transfiguração que não seja a da escrita onde as fulgurações dos instantes - teofanias alteram com as irrupções do esquecimento noturno, do

materno sono de onde, sem cessar, o narrador os soergue para existir.

Quando a Recherche começa tudo está terminado e o leitor é convidado a uma “quête do Graal” de nova espécie. Nenhum Virgílio, nenhuma Beatriz serve de guia ou de intercessora através dos círculos que se não a largam nem sobem ou descem em espiral como os de Dante () sem cessar renascem em volta de uma ausência, de um buraco inicial que a memória circunscreve sem poder abolir. A substância, o lastro da Recherche é uma espécie de noite primordial à superfície da qual explode a existência-memória que nela vem inscrever os seus momentos estela-res sem a apagar. No mundo da pura temporalidade proustiana os momentos privilegiados, através dos quais recupe-

ramos a totalidade que parecia sepulta, correspondem à intervenção da “graça” no tecido da antiga existência inscrita no horizonte de uma tempora-lidade inessencial.

Mas a eternidade apenas desapa-receu porque o seu papel foi assumido integralmente pela escrita que não imita, melancolicamente no Tempo, uma eternidade transcendente nem corre para um fim sempre adiado, sócia ilusória da ausência da eternidade, mas esposa a existência-como-memória e cria, ao existir, a glosa do êxtase que lhe dá origem e justifica. Não há “mun-do” fora do que a escrita proustiana instituiu pela sua própria existência. A Recherche é a primeira criação roma-nesca de essência e estrutura musical, como bem se disse. Não de qualquer

temporalidade), a existência como memória à memória como existência. Nunca o ato de escrever e o ato de exis-tir se confundiam tanto como na hora em que o jovem mundano, em estado de asfixia permanente, se empareda entre muros de cortiça do seu quarto e os fantasmas da sua vida extinta, não em busca do “tempo perdido” mas da sua própria realidade que não terá outra forma, nem outra redenção, do que a que lhe é conferida pelo poder de se lembrar, de se escrever como quem agoniza. A resposta de Proust é a da Arte, mistério dos outros presente nas obras (amarelo de Vermeer ou sonata de Vindeil) e agonia própria, a única forma de êxtase e de salvação exequível ao homem que perdeu não o gosto da antiga Eternidade mas o caminho que outrora a ela conduzia.

Nada há mais oposto à celebração equívoca da “arte pela arte” que a mís-tica da Arte que a Recherche exprime e configura. A arte não é um ídolo para

Nunca o ato de escrever e o ato de existir se confundiam tanto como na hora em que o jovem mundano se empareda não em busca do “tempo perdido” mas da sua própria realidade que não terá outra forma, nem outra redenção, do que a que lhe é conferida pelo poder de se lembrar, de se escrever como quem agoniza

Marcel Proust ‘A Recherche é uma experiência de salvação mas não de divinização’

À MARGEM... EDUARDO LOURENÇO

música mas daquela que, no seu pró-prio tempo, começava a aventura da sua autonomia sonora sob a aparência ainda enganadora da “psicologia” su-perficial (ou profunda), a música filha de Wagner, buscando uma forma de “vida nova” sobre um fundo oceânico de morte, aventura de Bruckner ou de Mahler, mais plena dessa transparência que é próprio da genialidade francesa e da exigência pura do verbo humano.

A Recherche não é um universo romanesco simbolista, não é a “figura” de uma outra forma que seria, ou con-teria, a “verdadeira realidade”. Não há nenhum “símbolo” do Tempo, mas tão só alegria e é bem claro que a Recherche não é uma obra alegórica. Mais fácil é lê-la, ou aceitá-la, como uma forma exasperada de naturalismo, tal é a adesão da escrita ao acontecimento e ao gesto humano que, sem cansaço, circunscreve e glosa no universo todo fenomenal de Proust, menos platónico ainda que o de Flaubert. A “idealidade” dos acontecimentos das pessoas, dos gestos, não está adscrita a qualquer aura ou mistério que nelas exista. O pobre mas intolerável “mistério” que as arranca da sua mediocridade substancial reside todo na forma da sua aparição e existência (ou inexistência) para o “narrador”, que ele mesmo não pode existir sem as arrancar a esse magma de puro esquecimento onde a sua própria consciência enraíza.

A “comédia humana” limitada na sua imediata coerência espiritual – sem falar da intrínseca necessidade histórico-cultural – a isso o obrigava. Se o estofo de toda a realidade é tempo, (e unicamente Tempo), a construção de uma obra que o tome a sério é, ao “mesmo tempo”, um ato sem justifica-ção cabal, variação inútil sobre o insub-sistente. Não há uma resposta “teórica” para semelhante situação. A “prova” só pode ser dada pela vitória, pelo ato que subtrai (de maneira inexplicável) mas tão sensível como a pressão da própria

Proust, mas o leito da transfiguração, da despossessão […] de si que está já inscrito na consciência da pura tem-poralidade. À “eternidade” do êxtase artístico Proust não oferece uma cons-ciência depurada dos seus laços mortais e baixamente terrestres, mas a matéria da mais trivial experiência quotidiana ao nível da qual se joga o sentido e a salvação do narrador-personagem. A referência de Proust, se é necessário buscar-lhe uma, não é Bergson mas Schopenhauer para quem a Arte não é moeda dada e heterogénea ao projeto de “salvação” que o homem cria como ilusão necessária.

Uma certa similitude exterior contribui para imaginar Proust mais bergsoniano do que ele é. O seu tempo não é realidade histórica e sociológica, ilimitada no sentido da sua irrealida-de visceral, não tem outra finalidade que [não seja] a de incarnar a múltipla comédia que a temporalidade da cons-ciência a si mesma se representa e nesse sentido consubstancia o termo e a exte-nuação do projeto realista e, com ele, o fim do romance clássico. Como todas as obras de génio a Recherche vive da ori-ginal contradição que a suscita, mantém e constitui reduzido ao esplendor das

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Jjornaldeletras.pt * a de outubro de *

HETERODOXIAS POLÍTICASAndré Freire

Uma proposta de reforma eleitoral

O sucesso das propostas de reforma do sistema eleitoral, em Portugal, é inversamente proporcional ao seu número. Apesar de pelo menos desde o processo iniciado em pelo primeiro governo liderado por António Guterres ter vindo a ser proposta a personalização da representação política, e tal objetivo ser relativamente consensual (do BE ao CDS-PP, excluindo o PCP), não foi ainda possível avançar com mecanismos nesse sentido.

Esclareça-se, primeiro, o que se entende por tal: trata-se de reformar o sistema de modo a dar mais poder aos eleitores na escolha dos candidatos que vão ocupar o lugar de deputado, vinculando mais estreitamente os parlamentares ao voto popular (e retirando-o aos diretórios partidários, pelo menos em parte), e permitindo um maior escrutínio e responsabilização dos eleitos pelos eleitores.

Segundo, também é certo que há significativa controvérsia quanto ao modelo a seguir para atingir tal desiderato: a representação personalizada ao estilo alemão, com círculos uninominais e um círculo nacional plurinominal para compensar as distorções à proporcionalidade, ou um sistema com círculos regionais plurinominais pequenos (e voto preferencial) e um círculo nacional plurinominal (com voto em lista fechada e bloqueada) para compensar as distorções à proporcionalidade (tal como propusemos em Para uma melhoria da representação política. A reforma do sistema eleitoral, Sextante, ). A mais recente proposta, Sistema Eleitoral. Reforma, do antigo deputado e líder do CDS-PP, José Ribeiro e Castro (JRC), enquadrada e editada pela SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social) e pela APDQ (Associação Por uma Democracia de Qualidade), é o objeto desta crónica.

José Ribeiro e Castro tem sido o grande dinamizador deste projeto e, para o apresentar publicamente, organizou em -- uma conferência

na Faculdade Direito da Universidade de Lisboa. Depois de uma apresentação inicial da proposta por João Duque, pela SEDES, e JRC, pela APDQ, seguiu-se um painel de debate com os sete partidos representados na AR (BE, CDS-PP, PAN, PCP, PEV, PS e PSD), e uma sessão cujo único orador foi o senhor Presidente da República. A conferência fechou com duas sessões mais, uma em que António Barreto, Maria Lúcia Amaral e Vital Moreira debateram criticamente a proposta de JRC, e o encerramento pelo grande mentor de tudo isto. Do meu ponto de vista, a conferência foi um sucesso, primeiro pelas personalidades que JRC conseguiu reunir, segundo pela qualidade das intervenções (ainda que variável) e pela substância dos debates, terceiro pelo nível de afluência que conseguiu obter, sobretudo nas primeiras três sessões.

A proposta de reforma

nomeadamente face ao que foi referido acima, mas apenas por um suposto desfazer de mitos quanto aos efeitos perversos do sistema eleitoral alemão: ao contrário do que supostamente dizem os críticos do dito, tal modelo não gera nem compressão do pluralismo partidário, ou seja, não gera uma concentração de votos e lugares nos dois maiores partidos, nem gera problemas de governabilidade. Tais argumentos são sustentados por comparações entre os resultados das eleições parlamentares alemãs (, , ) e portuguesas (, , ). É certo que, pelo menos para o caso alemão, as posições desses críticos não têm de facto muita sustentação. Todavia, há determinados elementos do sistema alemão que concorrem para a sua elevada proporcionalidade (grande círculo nacional) e governabilidade (nomeadamente, a moção de censura construtiva e a cláusula barreira de %, impedindo a fragmentação do sistema partidário), elementos esses que a proposta de JRC não pretende repescar e, portanto, tais resultados (do sistema alemão) poderão não ser linearmente transponíveis sem esses elementos. Dito de outro modo, para que tais “mitos” sobre o sistema alemão sejam efetivamente desfeitos há determinadas condições subjacentes que não estão (necessariamente) associadas à proposta de JRC para Portugal…

Quanto aos contornos específicos da proposta, há alguns elementos centrais a destacar. Primeiro, apesar de seguir genericamente o modelo alemão, na verdade inspira-se mais diretamente no modelo da Proposta de Lei do PS, supracitada. Portanto, a solução proposta tem três níveis de círculos (uninominais, distritais/regionais e nacional) e não dois como no sistema alemão (uninominais e nacional), com duplo voto (um nos círculos uninominais, um nos círculos distritais). É, portanto, um sistema mais complexo do que um de apenas dois níveis, como era o do projeto lei do PSD supracitado, sendo que o grau de simplicidade é um valor positivo na sistemática eleitoral… Um segundo ponto, que reputo muito positivo, tem a ver com a manutenção do número de

A solução proposta tem três níveis de círculos (uninominais, distritais/regionais e nacional) e não dois como no sistema alemão (uninominais e nacional)

eleitoral propriamente dita apresenta várias características fundamentais. Primeiro, geneticamente filia-se no modelo da representação personalizada ao estilo alemão, e segue as grandes linhas de força de um Projeto de Lei (/VII) do PSD e de uma Proposta de Lei (/VII) do PS, aproximando-se, porém, bastante mais da segunda do que da primeira. Todavia, tais opções não são justificadas face a modelos alternativos,

suas aparências (e a sociedade proustina é a do social esplendor) o “mundo” exatamente como na mais tradicional visão de ascética cristã [que] é um caos fugitivo de atos e gestos. A memória só – mas a memória que tropeça por um acaso (merecido…) na dissonância espacial que a ressuscita é paradoxal-mente substancial. Melhor seria dizer “vaziamente substancial”, pois só o latente conteúdo do esplendor frágil do mundo lhe oferece a matéria precária e inesgotável. O lugar em que “o pleno” aparente e o “vazio” da vida e da morte é o ato mesmo da escrita, o mais inútil dos atos humanos, palavra a palavra em segunda mão – por assim dizer – com a vocação inumana de nos subtrair ao Tempo de que ela e nós somos feitos.

A meditação sobre a Arte – e em particular a do romance que sob os nossos olhos se constitui – não é um acompanhamento de mão esquerda do romancista Proust e, claro está, menos uma excrescência bizarra, heterogénea à “essência” do romance. Historicamente – e se tomamos, como se deve, o D. Quijote [de la Mancha] como lugar de nascimento do romance moderno – nunca essa intrameditação do estranho ato de “romancear” esteve ausente das grandes obras romanescas. Proust elevou essa necessidade à plena consciência de si mesma e pôs um ter-mo, na aparência definitiva, à história da (apesar de tudo) boa consciência

() No manuscrito inacabado e inédito que se transcreve, datável da década de , não foi incluída em epígrafe o começo da Recherche, o que se faz agora citando Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido (tradução de Pedro Tamen), , Círculo de Leitores, p.. Relacionados com a “Filosofia do Tempo” Eduardo Lourenço (EL) em vários textos faz referência a este início. Assim, e a título de exemplo, numa página inédita lê-se: “É a noite de onde emerge o narrador da Recherche, noite que nem é espaço obturado nem puro vazio, mas um sistema de referências submersas, dormidas, como que encantadas que o despertar – misterioso socorro de signos apagados – pouco a pouco dispõe em constelações conhecidas e, no meio delas, enfim o eu que se descobre real pela memória – recobrada do seu tempo noturno. O despertar basta para esta banal ressurreição que, todas as manhãs, nos devolve à realidade mas não chega para nos devolver os outros em que o passado sepultou e de que só outra espécie de ressurreição descida ao limbo, e não emergência trivial dele, pode promover através de esforços sobre-humanos”.

() Em folha solta, inédita, existente no Acervo de EL com o título “Dante e Proust”, lê-se: “A comparação da Divina Comédia com a Recherche du Temps Perdu não é gratuita. O nome do poeta e do seu Poema comparece como um “leit-motif” na Recherche. É uma outra forma de Inferno o mundo das aparências e da inautencidade que habitam os Verdurin e os seus salões que se imaginam artísticos. Mas é Inferno na mesma. No seu acesso de ciúme, através da lucidez que confere a desilusão, quando Swann se crê traído por Odette, Marcel Proust tem a visão da baixeza, do ridículo, da nulidade, isto é: da existência nula aspirada pela treva, pelo nada, que é a dos salões de Verdurin até aí amados, transfigurados, suportados pelo amor de Odette.” Na primeira de outras três folhas soltas com o título “Bergson e Proust”, EL escreve também: “Como Dante no seu exílio Proust con-voca para a penumbra do seu quarto insonoro o ardente tumulto da sua ex-vida mundana, metáfora colorida e terrível da história eterna dos homens. Cercado de todos os fantasmas de um tempo ele recupera os pedaços, para sempre dispersos, dos amores mortos, dos êxtases separados por corredores infindáveis da ausência. Méséglise [-la-Vi-neuse] é uma Florença da alma com as estreitas vielas empedradas por onde passa a alegria, o ódio, o sangue de uma humanidade que começa a ficar prisioneira do seu incorrigível titanismo”. JOÃO NUNO ALÇADA

Sobre este texto

romanesca, cumprindo para esta forma o que Mallarmé efetuara no mundo da poesia pura. A mais estrita é “duração”, açúcar que funde e se confunde com a água em que se dissolve (segundo a célebre imagem bergsoniana), é me-morização pura sem outra garantia que a do ato continuamente ameaçado com que se extrai da noite da experiência passada para o presente unificante da recordação criadora e substancializa-dora. O ato pela qual a totalidade do passado comparece como presente, e o dom de o configurar são um único e mesmo ato.

Escrever não é a transcrição de uma efusão mística entre a consciência e a realidade mas a própria prova de como a realidade mais profunda se trans-muda em consciência. A “escrita não é representação” do mundo mas lugar do seu aparecimento, passagem bem sucedida de uma temporalidade pura-mente exterior ao tempo da existência plena que, num só instante, absorve a delícia e o fulgor da antiga eternida-de. A Recherche é uma experiência de salvação mas não de divinização. Os deuses estão separados na noite tempo-ral sem mais privilégio que o da nossa própria consciência incapaz de desco-brir o caminho para a antiga harmonia, existência ainda unida à realidade na terra e eternamente evocada com tão inesquecível nostalgia nas primeiras linhas da Recherche.J

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J a de outubro de * jornaldeletras.pt * deputados, diminuído de apenas um (dos atuais para ) para se evitarem empates entre governo/maioria e oposição, como o que ocorreu entre e . Na verdade, dado que este tem sido um ponto de discórdia entre o PSD (a favor de uma redução significativa, para ) e o PS (geralmente contra, exceto durante o consulado de António José Seguro), os proponentes apresentam também a sua proposta ajustada para um total de (redução de dez mais um). Foi também o que fizemos no estudo que coordenámos, e que citámos acima (Para uma melhoria da representação política…). Um terceiro ponto tem a ver com o desenho dos círculos e com a alocação de deputados pelos mesmos. Os proponentes mantem uma atribuição de deputados por círculo proporcional e usando o método d’Hondt, mantendo-se a base distrital, mas agregando os círculos mais pequenos (Beja com Évora e com Portalegre, por exemplo), deixando de fora das agregações os círculos da emigração. Na nossa proposta (Para uma melhoria da representação política…) também fomos por semelhante caminho, e por isso saudamos o de JRC et al; mas fomos mais longe, agregando também os círculos da emigração, e usando um

Eleições legislativas Como ‘contabilizar’ os votos em mandatos?

método mais proporcional para a alocação dos deputados pelos círculos (quota de Hare, maiores restos). O quarto e último ponto que eu queria relevar diz respeito ao círculo nacional: na proposta em análise, no caso da proposta de lei do PS. Dos tais , seriam os extranumerários (deputados eleitos pelos

círculos uninominais além do que cabe proporcionalmente a cada partido) e seria para compensar a proporcionalidade. Porém, como não há quaisquer simulações, ficam sérias dúvidas se os tais deputados seriam suficientes para ambas as coisas.

Estão de parabéns JRC et al por manterem o tema da

reforma eleitoral na agenda, por mobilizarem tantas vontades nesse sentido e pelo esforço de fazerem uma espécie de proposta de síntese a partir de algumas propostas existentes. Todavia, este estudo e a sua fundamentação merecem-me fundamentalmente três discordâncias de fundo.

Primeira, colocam demasiada enfase na reforma eleitoral como forma de resolver os problemas da democracia portuguesa. Basta pensar que muitos dos graves problemas das democracias contemporâneas são transversais a sistemas com regras eleitorais muito diferentes. Segunda, tenho as maiores dúvidas de que os círculos uninominais, comparados com o voto preferencial (que propusemos no estudo citado), deem mais poder aos cidadãos e maior capacidade de responsabilizar os eleitos: num círculo uninominal, se eu estou descontente com o trabalho do deputado do partido em que pretendo votar, para penalizar o deputado, tenho que mudar de partido; com o voto preferencial posso escolher outro candidato a deputado do mesmo partido. Ou seja, o voto preferencial dá mais poder e liberdade de escolha aos eleitores do que o voto em círculos de um só deputado. Finalmente, apesar de, desde , as esquerdas (tal como as direitas desde sempre) terem conseguido entender-se, tal não significa que os problemas da governabilidade estejam resolvidos. Por isso, incentivos institucionais para a cooperação interpartidária e a moção de censura construtiva parecem-me também fundamentais. J

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A PAIXÃO DAS IDEIAS GUILHERME D’OLIVEIRA MARTINS

O início da pu-blicação de Escritos sobre Cinema, de João Bénard da Costa (Cinemateca, ), constitui um momento especial na vida

cultural portuguesa. O autor é um dos melhores escritores portugueses contem-porâneos, não apenas pela forma, mas pela substância, numa abordagem dos diver-sos temas a que se dedicou, com grande densidade cultural e uma fantástica riqueza temática, e a obra constitui um importante acervo de textos em que o cinema se cons-titui em maravilhoso pretexto para uma re-flexão sobre a cultura e a arte. Organizados por ordem alfabética, sob a forma de dicionário, estes Escritos estão estruturados em dois tomos – o primeiro (de que saiu o volume inicial) dedicado aos realizadores e às suas obras, e o segundo a atores, produ-tores, técnicos e temas específicos.

Se é verdade que podemos dispor de várias enciclopédias sobre cinema, o certo é que neste caso estamos perante algo mais, reflexões que ultrapassam em muito o mero interesse informativo. Leia-se o circunstanciado prefácio de José Manuel Costa e compreenda-se a importância e o alcance da obra a que a Cinemateca deitou ombros. O que se está a reunir são todos os escritos feitos para a Cinemateca, quer como folhas de sala, quer como ensaios desenvolvidos – devendo lembrar-se que há um trabalho prévio que também está presente e que corresponde ao tempo em que o autor desenvolveu na Fundação Calouste Gulbenkian uma ação pioneira no tocante ao diálogo cultural em torno do cinema. Deste modo, podemos dizer que, a propósito dos filmes, encontramos uma apologia das Humanidades, na sua riqueza aberta, multifacetada e fecunda. E assim deparamo-nos com o criterioso professor de filosofia, o animador do jornal Encontro, da JUC, o entusiasta do Centro Cultural de Cinema (CCC), uma das almas da Morais, com António Alçada Baptista, e da revista O Tempo e o Modo.

Olhemos a apreciação de Pickpocket, de Robert Bresson. “Deste filme, tanto se pode falar em termos de ‘tratado moral’ (…) como em termos estritamente ‘materiais’, na medida em que se pode sustentar igual-mente que é um filme sobre mãos, olhares, sem outra ‘metafísica’ que não essa (…). Este é um filme que joga com os seus próprios vazios, ou melhor dito, em que esses vazios podem ser pressentidos como o essencial,

João Bénard da CostaUm maravilhoso Dicionário…

O que lhe importava era considerar o cinema como ponto de encontro de diversas artes – com uma especial atenção aos modos de representar a própria vida e de a fazer compreender melhor. E assim o cinema era um campo de eleição para a compreensão criadora

E aqui está a demonstração do que fascinava Bénard da Costa no cinema: a capacidade de nada mostrar para fixar a atenção do espectador no essencial. Para o cinéfilo o que importava era conside-rar o cinema como ponto de encontro de diversas artes – com uma especial atenção aos modos de representar a própria vida e de a fazer compreender melhor. E assim o cinema era o campo natural para o filósofo, para o pedagogo, para o ensaísta – de modo a encontrar um campo de eleição para a compreensão criadora.

É impossível, nos limites de uma cróni-ca como esta irmos ao encontro de tudo o que importa neste extraordinário ma-nancial em que tudo de essencial da vida e da arte se pode encontrar. Daí apenas podermos dar algumas breves pinceladas, numa obra que promete dar-nos pano para muitas mangas. Neste º volume do º tomo, encontramos apenas entradas até à letra C, mas podemos já usufruir de notas e preciosos índices – que nos permitem ligar o útil ao agradável, a informação rigorosa sobre os autores e as suas obras, ordenadas pela data de realização, e o de-leite que nos é prodigalizado pela ligação entre o pensamento, as ideias e as diversas artes.

Numa lista feita aleatoriamente ao folhear o belo volume, com duas fitas marcadoras, uma para o texto outra para

as notas, encontramos: Woody Allen, Lima Barreto, Ingmar Bergman, Busby Berkeley, Bernardo Bertolucci, Robert Bresson, Jorge Brun do Canto, Luís Buñuel, Frank Capra, Claude Chabrol, Charlie Chaplin, Chianca de Garcia, René Clair, Jean Cocteau, Francis F. Coppola, Pedro Costa, Cottinelli Telmo até Michael Crichton. Em cada texto (porque as folhas de sala têm uma função pedagógica e de diálogo com o público) encontramos sempre a confluência de horizontes diferentes que se completam (literatura, música, ópera, teatro, pintura, arquitetura…).

A propósito de Una Mujer sin Amor, de Luis Buñuel, sempre com a preocupação de ir ao encontro da literatura, João dá a palavra a Agustina Bessa-Luís, escritora que tanto admirava. E põe-na em dis-curso direto. Diz Agustina: “O que retive deste filme enfadonho foi justamente a importância de evitar o mistério das pessoas, usando o sentimento”. E quando tudo termina, apenas há as fotografias do marido e do amante, já mortos, em cima da lareira, e Rosário a fazer tricô, placidamente. “Tudo está em ordem: os sentimentos ocupam o lugar do preci-pício, onde possivelmente nada existe senão vácuo”. Sempre a ideia e a metáfora em torno do nada e do tudo que se filma e representa. Sobre Ensayo de un Crimen (), ainda do realizador espanhol, lembra-se que “a ideia do desejo preva-lece sobre a sua satisfação, os fantasmas ocultos sobre qualquer representação do real”. E Fernando Pessoa vem à baila: “O desejo é que é o essencial/ o sexo é só um acidente”.

A cada passo nestes Escritos há um encontro de representações, de artes, de linguagens, de sentimentos. “Sempre que o cinema compreendeu que o objetivo era o mesmo (que o teatro e a ópera) com va-riações de grau e de olhar e expressamente sublinhou a unidade da ordem da ficção e da ordem da representação, a magia do teatro e do cinema pôde aparecer na sua mais misteriosa luz”. E temos de lembrar Bergman em A Flauta Mágica (), mas também Ophuls, Syberberg, Schroeter, Rivette ou Manoel de Oliveira. E eis que emerge o paradoxo – “A única interro-gação sobre a verdade é a que passa por meios forçosamente mentirosos”… Que é a representação senão a ponte entre a ficção e a existência, entre a ilusão e a realidade? E André Bazin (autor especialmente lido por João Bénard) diz misteriosamente sobre Le Journal d’un Curé de Campagne, de Bresson, baseado no clássico de Bernanos: “Poder-se á dizer que Journal é um filme mudo com legendas faladas. A palavra nunca se insere na imagem como uma componente realista: mesmo quando é pronunciada pelos personagens (ou seja, quando não é off) tem sempre o tom de um recitativo de ópera”.

Do que se trata é de representar o dra-ma, de modo a podermo-nos integrar nele, para que ele nos toque. E Bresson insiste especialmente nesse ponto. João Bénard da Costa citou um dia José Tolentino Mendonça quando este dizia com Claudel que a Bíblia era um “atlas iconográfico”, um “estaleiro de símbolos” e um “imenso dicionário”. Esse é o paradigma que está presente nesta visita à memória do cinema, que ele tanto amava, como a Arrábida e Sintra, como todas as artes, por represen-tar a vida…J

apenas porque o essencial se esgota na pura materialidade”. A tensão entre a irracio-nalidade da lei e a força irracional de um destino, entre a polícia e o prevaricador, marca este filme de , que o nosso crítico considera como a metáfora do próprio cinema. “Nunca talvez como nesta obra, Bresson tenha ido mais longe na defesa da sua ideia, de que o ‘cinematógrafo é a arte de não mostrar nada’. E a afirmação só pode parecer paradoxal a quem não tenha sido capaz de ver o que é esse nada que o Pickpocket mostra”.

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João Bénard da Costa

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DIRETOR: José Carlos de Vasconcelos

REDATORES E COLABORADORES PERMANENTES: Maria Leonor Nunes, Manuel Halpern, Luís Ricardo Duarte, Afonso Cruz, Agripina Carriço Vieira, André Freire, André Pinto, António Carlos Cortez, António Mega Ferreira, Boaventura de Sousa Santos, Bruno Bénard-Guedes, Daniel Tércio, Eduardo Lourenço, Eugénio Lisboa, Fernando Guimarães, Guilherme d’Oliveira Martins, Gonçalo M. Tavares, Helder Macedo, Helena Simões, Jacinto Rego de Almeida, João Ramalho Santos, Lídia Jorge, Manuela Paraíso, Maria Alzira Seixo, Maria Emília Brederode Santos, Maria João Cantinho, Maria José Rau, Maria João Fernandes, Maria Augusta Gonçalves, Miguel Real, Miguel Sanches Neto, Onésimo Teotónio de Almeida, Paulo Guinote, Patrícia Portela, Tiago Patrício, Valter Hugo Mãe e Viriato Soromenho-MarquesOUTROS COLABORADORES: A. Campos Matos, Álvaro Laborinho Lúcio, André Pinto, António Cândido Franco, Arnaldo Saraiva, Bernardo Pinto de Almeida, Carlos Fiolhais, Carolina Freitas, Fernando J. B. Martinho, Eduardo Paz Ferreira, Francisca Cunha Rêgo, Gastão Cruz, Graça Morais, Hélia Correia, Inês Pedrosa, João Abel Manta, João Caraça, João Medina, José Augusto Cardoso Bernardes, José-Augusto França, José Luís Peixoto, Joaquim Francisco Coelho, José Manuel Castanheira, José Manuel Mendes, Laura Castro, Leonor Xavier, Manuel Alegre, Manuel S. Fonseca. Marcello Duarte Mathias, Margarida Fonseca Santos, Maria Fernanda Abreu, Maria Helena Serôdio, Miguel Carvalho, Mário Avelar, Mário Cláudio, Mário de Carvalho, Miguel Carvalho, Nuno Júdice, Ondjaki, Pilar del Rio, Ricardo Araújo Pereira, Rocha de Sousa, Rui Canário, Sofia Soromenho, Teolinda Gersão, Teresa Toldy

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jornaldeletras.pt * a de outubro de *

VIRIATO SOROMENHO MARQUESECOLOGIA

A definição canónica do conceito de “ecolo-gia” tem registo de nascimento. A data é e o autor é o cientista e sábio ale-mão Ernst Haeckel, que a definia da for-ma que se segue: “Por

ecologia entendemos a ciência completa das relações do organismo com o mundo externo circundante, onde, num sentido mais amplo, podemos incluir todas as 'condições exis-tenciais'. Estas são parcialmente de natureza orgânica e parcialmente inorgânica” .

Andrada e Silva não criou um novo concei-to. Ele utiliza a categoria dominante no século XVIII, herdada de Carl Lineu, a de “economia da natureza”. Porém, o seu entendimento da semântica desta categoria não só vai muito mais longe do que Lineu, como ultrapassa mesmo o sentido de ecologia presente no próprio Haeckel. Na Memória de , que neste volume se reedita, está claramente patente esse caráter inovador. Muitos ecolo-gistas, posteriores a Haeckel, vão apresentar da ecologia uma visão muito redutora, como mera ciência auxiliar da biologia. Pelo contrá-rio, a “economia geral da natureza” de José Bonifácio expressa o entrosamento íntimo e a ação recíproca de todos os entes, fluxos e processo constitutivos da “imensa cadeia do Universo”. Nessa rede cósmica de interdepen-dências, a ação humana, nomeadamente a sua dimensão potencialmente catastrófica, tem um papel crucial de que nem Haeckel nem mesmo o grande Alexander von Humboldt parecem ter tido plena consciência.

Ao longo da sua reflexão sobre o modo como o uso humano do solo e o manejo em geral dos recursos naturais pode transformar florestas exuberantes em desertos como os da Líbia, Andrada e Silva tem uma perceção ab-solutamente singular de que vivemos numa época de profunda aceleração temporal. De uma forma que o coloca como nosso perfeito contemporâneo, Bonifácio sabe que o tempo longo da história da natureza se converte no tempo curto da historicidade humana, so-

bretudo quando a ação humana entra em rota de colisão com a “economia geral da natu-reza”. Ele é assim um evidente precursor da passagem do conceito clássico de “natureza”, como realidade serena e substância cons-tante no fluir dos acidentes mundanos, para o conceito contemporâneo de “ambiente”. Este não deve ser entendido apenas como o conjunto das condições biofísicas que cons-tituem a capacidade de carga dos ecossis-temas geradores dos serviços exigidos pelas pressões crescentes da civilização humana.

Na verdade, o sentido de “ambiente” latente no pensamento de Andrada e Silva é sobretudo o da profunda fragilidade de uma natureza posta em perigo pela desmesura da ação antropogénica. Uma ação humana ca-paz de romper, acelerada e catastroficamen-te, os frágeis equilíbrios de que depende a fecundidade da terra e a beleza da paisagem. Essa visão do risco ontológico presente numa atuação humana desmedida sobre o mundo natural já o acompanhava em , peran-te a Academia Real das Ciências de Lisboa. Contudo, a sua formulação mais contundente aparece no Brasil, em , numa interven-

ção apresentada no quadro da Assembleia Geral Constituinte do Império. Bonifácio Andrada e Silva, no âmbito de um demolidor ataque à escravatura, profere a seguinte e extraordinária afirmação:

“[…] nossos montes e encostas vão-se escalvando diariamente. E com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes, que favoreçam a vegetação e alimentem nossas fontes e rios, sem o que o nosso bello Brasil em menos de dois seculos ficará reduzido aos páramos e desertos áridos da Lybia. Virá então esse dia (dia terrível e fatal), em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes commettidos”.

Numa época como a nossa, em que assis-timos ao crescer da ameaça ontológica global das alterações climáticas ou, a nível regional, verificamos como a própria existência da grande floresta amazónica está posta em risco, estas palavras de Andrada e Silva não podem deixar de ser um indício profetica-mente sombrio do seu génio.J

Ernst Haeckel, Generelle Morphologie der Organismen. Allgemeine Grundzüge der organischen Formen-Wissenschaft, mechanisch begründet durch die von Charles Darwin reformirte Descendenz-Theorie, Berlin, G. Reimer, , Bd. , S. . https://www.biodiversity-library.org/bibliography/#/summary; Von Linné, Carl, L’Équilibre de la Nature, traduction de Bernard Jasmin, Paris, Vrin, . Importa sublinhar a importância na formação científica de José Bonifácio do magistério e amizade com Domenico Vandelli, que manteve com Lineu uma importante correspondência científica. Este italiano que fez carreira em Portugal tinha claras preocupações comuns a Bonifácio e à sua Memória de : Domenico Vandelli, «Memória sobre a agricultura deste Reino e suas Conquistas», Memórias Económicas da Academia Real das Sciências de Lisboa, Lisboa, Academia Real das Sciências de Lisboa, , tomo I. Ainda sobre a evolução do conceito de “economia da natureza”: Daniel Worster, Nature’s Economy. A History of Ecological Ideas [], Cambridge, Cambridge University Press, ; Andrea Wulf, A Invenção da Natureza- As Aventuras de Alexander von Humboldt, o herói esquecido da ciência, tradução de Pedro Vidal, Lisboa, Temas e Debates, , p. .

Andrada e Silva: pioneiro de uma ecologia integral

José Bonifácio de Andrada e Silva

Em 1815, José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), uma das personalidades mais brilhantes da história científica e política de Portugal e do Brasil, apresentava na Academia Real das Ciências de Lisboa uma Memória sobre política florestal, que na opinião do autor constitui o texto pioneiro da Ecologia em língua portuguesa. Essa obra vai integrar o projeto em curso de publicação das Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa, coordenado por José Eduardo Franco e Carlos Fiolhais, e editado pelo Círculo de Leitores.Aqui a antecipação de um excerto do prefácio da obra, da responsabilidade do nosso colunista e especialista, além do mais, neste domínio

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MANUEL HALPERN

O HOMEM DO LEME

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MANUEL HALPERN

O HOMEM DO LEME

a de outubro de * jornaldeletras.pt

PARALAXEAfonso Cruz

Ilustração de Afonso Cruz

Somos feitos de % de água, dependendo da idade, mas esta será uma percentagem mais ou menos aceitável. Se uma pessoa fosse desi-dratada, ficaria com cerca de % do seu vo-lume. Essa possibilidade que nos está (ainda) vedada já foi imaginada na ficção científica, pelo menos em O problema dos três corpos (de Liu cixin), um mundo imaginado em que a população se desidrata para sobreviver a eras

em que a vida não medra, coisa que, aliás, fazem os tardígra-dos, podendo permanecer nesse estado durante sete anos. Mas os números podem ser mais assombrosos e revelar realidades mais incompreensíveis. Imaginemos um átomo de hidrogénio: um grão de sal no meio de um campo de futebol em que a órbita do eletrão está na periferia e esse eletrão é um grão de poeira. Na ver-dade, um átomo de hidrogé-nio é .% vazio. Como somos feitos de átomos, somos construídos desse vazio imenso.

Enfim, resta muito pouco de matéria num ser humano que possa ser responsável pela autoria de um romance como Os Irmãos Karamazov. O que é facto é que desse vazio que somos nascem os nenúfares do Monet, o farol de Alexandria e os diálo-gos platónicos. Voltando ao universo, não será despiciente supor que este possa igual-mente, a partir do vazio que o preenche – um paradoxo grosseiro – criar estrelas, galáxias, super-galáxias e seres capazes de, a partir do mesmo vazio ou do que resta deste, escrever poemas. No século XIX apareceram algu-mas teorias que colocavam a hipótese de a matéria ser uma contração do espaço, ou seja, o mesmo tecido, o que simplificaria a nossa noção cartesiana da matéria/espaço e, poderia também ajudar a uma resolução do problema mente/cérebro.

O espanto é milenar. Antes pensávamos no binómio carne/espírito. No conto de ficção científica “�ey’re made of meat”, de Terry Bisson, este problema é colocado de uma maneira bas-tante divertida. Uns extraterrestres avaliam a nossa inteligência e deparam-se com algo inusitado: somos feitos de carne, não de vazio, não de espírito, não de ética, não de água, não de átomos. O nosso bloco construtor é carne:

“— Eles são feitos de carne.— Carne?— Carne. Eles são feitos de carne.— Carne?— Não temos qualquer dúvida quanto a isso. Pegámos em vá-

rios indivíduos de diferentes partes do planeta, levámo-los para as nossas naves de reconhecimento, e analisámo-los de ponta a ponta. São completamente carne.

(...)

— É impossível. Como se explicam os sinais de rádio? As mensagens para as estrelas?

— Eles usaram ondas rádio para comunicar, mas os sinais não provêm deles, mas de máquinas.

— Então, quem fez as máquinas? São esses que queremos contatar.

— Eles fizeram as máquinas. É isso que tenho tentado expli-car. A carne fez máquinas.

— Isso é ridículo. Como é que carne pode criar uma máqui-na? Pedes-me que acredite em carne com consciência?

(...)— Sem cérebro?

— Oh, há cérebro, claro, A questão é que o cérebro é fei-to de carne! É isso que tenho tentado explicar-te.

— Então... quem cria o pensamento?

— Não estás a perceber, pois não? Recusas-te a acre-ditar no que te estou a dizer. O cérebro cria o pensamento. A carne.

— Carne que pensa! Estás a pedir-me que acredite em carne que pensa!

— Sim, carne que pensa! Carne com consciência! Carne que ama. Carne que sonha. A carne é a coisa toda!”

O pensamento que surge da carne é difícil de com-preender e aceitar, para terrestres ou para extra-ter-restres.

Sabendo que somos feitos de um enorme vazio, que a carne praticamente não tem matéria, talvez o espírito seja esse espaço, ou seja, a maior parte da nossa composição, cujos átomos espalhados por esse nada provoquem a ilusão da carne, pela sua disposição, a miragem que todos os dias vai trabalhar, faz sexo, vai às compras e, de tão realista, pode até ser atropelada.

Esse espaço que é um campo repleto de energia, podemos dizer que estabele-ce a relação com a massa, ou

aquilo que existe, ou, se voltarmos a um vocabulário em desuso, carne.

É precisamente o não estar ou não ser que provoca a relação do ser. Sem espaço, o ser seria uma massa homogénea, iso-trópica e sem qualquer característica distinguível. Ou seja, o ser seria não ser. Uma vez mais, quando falamos de absolutos deparamo-nos com paradoxos grosseiros, e este caso é exem-plar. O ser precisa de não ser para poder ser. O espaço entre a matéria define a própria matéria. Se somos carne é graças ao espaço em que não somos carne e que é a maior parte da nossa composição. Ou seja, é a disposição da matéria nesse nada que faz a identidade e a diferença. É um padrão que se constrói face ao abismo. É muito semelhante à escrita: criar na folha bran-ca novas estruturas. O mapa existe porque não é uma estrada imensa, que preenche tudo, mas porque os seus caminhos se fazem em oposição ao território.

A carne

Ele frequentava o ginásio e só comia produtos biológicos. Ela fumava dois maços de cigarros por dia. Sempre que se beija-vam ele ficava com catarro. E ela sentia-se um pouco melhor.

Ela era uma defensora acérrima dos direitos dos animais, ele tinha medo de cães. Quando ela apareceu com o pastor alemão no restaurante, ele protestou. Ela achou o seu rosnar extremamente atraente.

Ele era contra o Acordo Ortográfico. Ela a favor. Quando ela escreveu 'para', ele continuou. Casaram e tiveram um filho, vivem para os lados de Freixo de Espada à Cinta.

Ela era muito católica. Ele era convic-tamente pagão. Quando depois de vários anos de amor ela finalmente se predispôs a ir para a cama, ele deu graças a Deus.

Ela achava que o Cristiano Ronaldo era um violador de mulheres indefesas, ele achava-o vítima de uma cabala para lhe extorquir dinheiro e denegrir a sua imagem. No final do jantar, quando ele lhe perguntou se ela queria conhecer o seu apartamento, ela respondeu: "Vai tu!"

Ele era aficionado tauromáquico, ela era vegetariana, sempre que vão jantar fora dividem o prato: ele come a carne, ela fica com as batatas.

Ela anda sempre de Uber, o pai dele é taxista. Ela pediu-lhe que avalias-se a refeição de um a cinco, ele deu uma grande volta sobre o assunto. No regresso a casa, a pé, deram um beijo na paragem do .

Ele frequentava o Twitter, ela o Instagram. Na verdade, nunca se conhece-ram. É pena. Com a aptidão que ele tem para a escrita e ela para a fotografia fariam uma ótima dupla... e seriam felizes.

Ela ria-se LOL, ele hahahaha. Quando finalmente se encontraram, beberam uns copos de vinhos e riram-se muito ao jantar, sem que se tivesse notado qualquer diferença de tons. Simplesmente não se podem amar por escrito.

Ele anda sempre de fato e gravata, ela apenas com umas chanatas e um vestido de verão, mas quando chegam à cama, mis-teriosamente, ele despe-se sempre mais rápido.

Ele tinha um olhar fulminante. Ela andava sempre com os olhos posto no chão. No dia em que ele se ajoelhou à sua frente e lhe pediu em casamento, ela ia morrendo.

Ele era Petista, ela votara Bolsonaro. Apaixonaram-se junto à urna depois do voto. Quando se voltaram a encontrar, no segundo turno, ela olhou-o nos olhos e declarou: Ele não! E o Brasil viveu feliz para sempre.J

Casais imperfeitos

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Jjornaldeletras.pt * a de outubro de

DIÁRIOGONÇALO M. TAVARESGONÇALO M. TAVARES

AUTOBIOGRAFIA IMAGINÁRIA VALTER HUGO MÃE

“A vida, dizia ela, é agora. Vender agora. Ter dinheiro. Agora. O futuro vai ser a maior merda da nossa vida, e o Brasil está sem futuro, senhor Valter, aquilo está a ser um suicídio

os alunos da escola superior querem comprar e ninguém disponibiliza nada. Fiquei com a impressão de que quem vive por aqui é má gente porque não dá a vez aos outros. Não sei o que pensar. Fico com os números de telefone, com cartões embonecados, e a promessa de ganhar muito dinheiro. Perguntam sempre: reformou as casas de banho? São fundamentais para a valorização. Depois, a cozinha. Mas, não ter banheira, as malditas banheiras de outrora, é a modernidade que interessa. Digo que sim e sinto-me milionário. Tirei as banheiras. Odeio, de verdade e desde criança, banheiras.

Há apenas quatro anos, mesmo três, o meu prédio, que não é grande, chegou a ter cinco apartamentos à venda, e talvez mais sem que se visse anúncio disso. Cheguei a pensar que ficaria aqui ao abandono, as casas fechando e as pessoas mudando-se para França e para a Suíça, outra vez, e as nossas cidades esvaziando pesadamente. Subitamente, parou. Venderam-se todos os apartamentos numa pressa qualquer e a coisa parou completamente. Passámos a ter nas caixas do correio papelinhos das imobiliárias a dizerem: “Preciso urgentemente de falar consigo. Tenho comprador para a sua casa. Ligue-me já.” Um espanto.

No café comenta-se que são os brasileiros em fuga do comunismo que estão a comprar tudo. E comenta-se que agora chegarão os brasileiros em fuga do fascismo. Serão semelhantes em tudo. Vão comprar casas. É o que fazem. Nos correios, na fila do espera, alguém diz que vendeu uma ruína por uma fortuna. O comprador vai dividir aquilo em cinco habitações minúsculas e ficar rico. Os brasileiros precisam de habitações pequenas, como se fossem baixinhos e estreitos. Para serem muito baratinhas. Mas não há nada barato.

Confrontei a senhora a imobiliária com os boatos. Ela falou que o melhor para comprar vai ser daqui a dois anos. Quando isto rebentar outra vez, com o que se está a vender agora a gente sem pensar, as casas vão andar pelo preço de bicicletas. Pode ser que os brasileiros a fugir do comunismo regressem todos ao Brasil, embora seja de imaginar que aqueles que vão precisar de fugir do fascismo sejam mais. Mas os que recusam o fascismo, dizia a mulher, são muitas vezes pobres. Se chegarem a Portugal não devem comprar tanto. Vão andar aos tostões. A vida, dizia ela, é agora. Vender agora. Ter dinheiro. Agora. O futuro vai ser a maior merda da nossa vida, e o Brasil está sem futuro, senhor Valter, aquilo está a ser um suicídio.J

Os dados conhecidos acerca dos défices para de países como a Espanha, Itália ou França deixam antever o que se tem anunciado. A dívida pública portuguesa chega, pela primeira vez, aos mil milhões de euros, e não permite ingenuidades. A Europa dos frágeis estará sujeita a uma

nova crise dentro de dois anos, é o prazo apontado pelos analistas mais severos, aqueles que normalmente não obedecem senão à sua própria consciência, sem sucumbirem a cosméticas de Estados ou pressões alienantes da grande finança.

É explicado que a nova crise será bem pior do que aquela que procuramos esquecer e de que ainda vivemos drásticas sequelas. A maior vulnerabilidade dos Estados, o desengano da atualidade, que já não busca culpados, apenas procura uma fuga para a frente, perante inclusive o novo cenário político, mais fascista e radicalizado, pressupõe um sentido de sobrevivência muito mais elementar, havendo já o pressentimento de uma agressividade muito mais desestruturante onde ninguém poderá reclamar o papel de inocente. A inocência foi uma oportunidade da crise passada. Não está na agenda da crise por vir.

A cada passo, encontro quem se empenha em casa nova, carro novo, aumentando seus encargos e assumindo, frequentemente por ou anos, um compromisso de dívida que pressupõe uma estabilidade financeira à moda antiga. Quando se aborda a questão da crise prevista, já dando sinais, é comum um sorriso mal informado, uma espécie de desimportância, como se dois anos bastassem para a felicidade de uma vida inteira, ou como se um santo particular estivesse encomendado para proteger as almas dos que arriscam tudo em detrimento dos mais prudentes ou mais medrosos.

Batem-me à porta sugerindo que venda o meu apartamento. As imobiliárias, em alvoroço com o aumento exponencial da procura, na falta de produto, andam de porta em porta a angariar casas de quem não pensou vender. Explicaram-me que o meu pequeno e querido apartamento está muito valorizado, quase se vê para dentro do estádio do Rio Ave, tem vistas larguíssimas quilómetros fora, varandas e luz. Prometem um negócio em poucos dias. Dizia-me uma senhora: em dias. Não há nada à venda nesta zona,

Fazer contas à vida

LUÍS

BA

RR

A

A Ameaça

Estranhamente, num dia-súbito, sem antes existir qualquer pergunta, com zero de estímulo, com nada antes, nada depois, o animal que

sempre estivera calado, ou apenas interrompendo essa estupefação muda com grunhido, esse porco, esse animal tão perto da terra que só se distingue dela porque grunhe, esse animal, esse mudo, subitamente, diante do seu humano, do seu dono, de repente disse:

- Agora!- Como?O humano pergunta:- Como?E dá um passo para trás assustado.E o porco lá em baixo, bem mais

baixo do que o seu humano, com o focinho igualzinho ao que era, grotesco e focinho ainda, apenas um pouco mais erguido como se fosse necessário levantar a cabeça mesmo que fosse para só libertar uma palavra, levantando então a sua cabeça-focinho, o porco repetiu: Agora! E de novo: agora!

E sim, o humano, o seu humano assustou-se e começou a correr. A família do homem bem humano assustou-se e começou a correr atrás dele. Os seus vizinhos também e toda a cidade correu atrás. A cidade ficou vazia, cidade fantasma, utensílios deixados no chão, carros abandonados a meio da estrada, fumo ainda a sair da panela e do cigarro deixado no chão.

O porco tinha dito: agora, agora, agora!

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