UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de Letras Modernas Estudos da Tradução ANTEPROJETO DE DOUTORADO As traduções de Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus na Alemanha nas décadas de 60 e 70: Uma Análise Contrastiva Candidata: Raquel Alves dos Santos Nascimento
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de Letras Modernas Estudos da Tradução
ANTEPROJETO DE DOUTORADO
As traduções de Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus na Alemanha nas décadas de 60 e 70: Uma Análise
Contrastiva
Candidata:
Raquel Alves dos Santos Nascimento
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ANTEPROJETO DE DOUTORADO
As traduções de Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus na Alemanha nas décadas de 60 e
70: Uma Análise Contrastiva
I. Introdução................................................................... p. 03
II. Justificativa................................................................. p. 07
III. Objetivos..................................................................... p. 08
IV. Pressupostos Teóricos................................................ p. 08
V. Metodologia de Pesquisa............................................ p. 11
VI. Cronograma................................................................. p. 13
VII. Referências Bibliográficas.......................................... p. 15
VIII. Anexo............................................................................ p. 17
3
I. Introdução
Meu interesse pelas edições traduzidas de Quarto de Despejo de Carolina Maria de
Jesus na Alemanha vem da junção de três outros interesses: tradução, Carolina Maria de
Jesus e língua alemã, os quais ganharam ainda mais força durante a pesquisa de mestrado
realizada entre os anos 2013 a 2015. Intitulada “Do exotismo à denuncia social: sobre a
recepção de Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, na Alemanha”
(NASCIMENTO, 2016), a pesquisa teve como objeto a análise do impacto da recepção da
obra na Alemanha. Com esse trabalho, pude identificar algumas linhas de recepção a partir
da análise de artigos de jornal publicados sobre o livro e a autora naquele país. Ao
identificar as possíveis linhas de recepção, surgiram outros questionamentos que fugiriam
ao escopo do trabalho de mestrado, mas que, desde então, me inquietam, tais como: seriam
essas tendências de recepção também perceptíveis no texto traduzido? Terias as edições
publicadas no lado oriental e ocidental da Alemanha marcas distintas quanto a suas
orientações político-ideológicas? Foi buscando responder a essas questões que nasceu esta
proposta de projeto de doutoramento.
Meu interesse pela tradução remonta a meus primeiros contatos com as línguas
estrangeiras e se intensificou, de forma mais amadurecida, durante minha formação
acadêmica. Ao frequentar disciplinas sobre tradução na grade de meu currículo de Letras,
bem como participar de colóquios sobre o tema, tomei consciência de como a tradução tem
se mostrado indispensável tanto para o desenvolvimento da própria área enquanto matéria
de estudo, quanto para a contribuição nas outras áreas do conhecimento. É esse conjunto de
elementos que para mim torna a tradução relevante ao desenvolvimento das línguas e
culturas e para a aproximação entre os povos, bem como a formação do indivíduo
(ECKERMANN 1950: 103). Ilustrativo disso é a ideia de Deslile e Woodsworth (1998) no
prefácio de Os tradutores na história:
As pessoas têm traduzido desde época imemorial. (...) os tradutores
serviam como elos vitais na vasta cadeia de transmissão do conhecimento
entre sociedades separadas por barreiras linguísticas. Desde que os
primeiros homens utilizaram a escrita, os tradutores têm construído
pontes entre nações, raças, culturas e continentes. (p. 9).
4
Esta ideia converge para artigo sexto do estatuto da FIT (Federação Internacional
de Tradutores), que proclama a responsabilidade de “ajudar a difusão da cultura por todo o
mundo”, o que nos remonta ao caráter humanístico e universal da tradução pregado por
Goethe no sec. XIX1 (ECKERMANN 1950: 103).
A ampliação de perspectiva dos Estudos da Tradução para uma abordagem que
inclui o ambiente de recepção do texto traduzido vem complementar esse caráter
humanístico e universal, na medida em que volta seu foco agora também para a cultura de
chegada e não mais somente a de partida. Ressaltando assim, a relevância de ambas no
processo tradutório.
Reiss & Vermeer (1984) afirmam que “o aspecto dominante de toda tradução é o
seu objetivo”, o que desloca o foco da tradução do texto em si para o público-alvo e os
diferentes objetivos almejados por ela, ou seja, a “tradução será tão diversa quanto diversas
forem as circunstâncias de sua recepção e quantos forem diversos os seus objetivos”
(COELHO 2008: 33). Nessa mesma direção, caminham também os Estudos Descritivos da
Tradução, que propõem o estudo do texto traduzido de acordo com o modo como ele se
manifesta no mundo (MUNDAY, 2001).
Nesse sentido, a pesquisa proposta se fundamenta em analisar o texto traduzido de
acordo com a “forma que ele se manifestou no mundo” alemão, ou seja, cotejar as edições
das traduções de Quarto de Despejo publicadas no lado ocidental e oriental da Alemanha e o
original em português, afim de, ancorado no estudo centrado na recepção feito no mestrado,
buscar verificar e identificar shifts, refrações e estratégias de tradução que poderiam revelar
influências do contexto ideológico-culturais presentes nessas traduções.
Considerada um fenômeno literário, que atingiu o recorde de vendas de 10 mil
exemplares na primeira edição, a escritora autografou mais livros do que recordistas
anteriores como Jorge Amado2. Ultrapassou o sucesso nacional com a tradução de sua obra
para 13 idiomas, entre eles o alemão, inglês, japonês, polonês e turco, e foi publicada em
mais de 40 países.
A obra em questão trata do diário autobiográfico de uma catadora de papel que
contempla na transfiguração literária seu cotidiano e o de um coletivo - a favela do Canindé,
em São Paulo -, além de ampliar a visão sobre o Brasil, pois o livro registra fatos relevantes
da vida social e política do país entre 1955 e 1960.
1 A reflexão de Goethe sobre a tradução como diálogo entre culturas em diferentes momentos do tempo pode
ser conferida em Heidermann (2010) e também em Azenha (2006), entre outros. 2 Folha da Manhã, 20 de agosto de 1960
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Em diversas passagens, a autora trata de questões sociais e políticas de sua época,
mencionando e criticando lugares, políticos e mídias. Apesar da pouca instrução, a autora
mescla hostilidade e lirismo em suas narrativas. Quarto de Despejo, que teve como suporte
para sua escrita, papéis encontrados no lixo, foi considerado um dos mais expressivos
documentos sociais já produzidos em São Paulo.
Considerando sua trajetória, é necessário mencionar seu encontro com o repórter do
jornal A Folha da Noite, Audálio Dantas, um dos mais importantes jornalistas brasileiros
com forte atuação no sindicalismo e na política. Em 1975, esteve à frente dos protestos
contra o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, ponto de partida para a reconquista das
liberdades democráticas do país. Além disso, foi escritor de vários livros publicados, entre
eles O chão de Graciliano em 2007, com o qual recebeu o prêmio APCA (Associação
Paulista de Críticos de Arte). 3
Em 1958, o jornalista assistira a uma discussão de Carolina de Jesus com adultos que
utilizavam o playground da favela. Durante essa discussão, ela teria dito que denunciaria
todos eles no livro que estava escrevendo. Após o ocorrido, ele se aproximou da mulher e
descobriu que ela escrevia mesmo, há mais de um ano, um diário no qual retratava o
cotidiano da comunidade do Canindé. A partir de então, o repórter passou a ser detentor dos
manuscritos e selecionou trechos dos textos que julgou mais relevantes para a preparação da
edição da obra, promovendo o lançamento de Quarto de despejo em 1960.
Importante , porém, é ressaltar que não houve alteração do texto por Dantas, como se
pode verificar na análise dos manuscritos disponíveis no Museu Afro Brasil de São Paulo.
Há, sim, a seleção de trechos e alguns cortes das partes mais repetitivas, como o próprio
jornalista informa no prefácio do livro. Esses cortes foram, no entanto, também
responsáveis, segundo estudiosos, por moldar texto e autora, bem como direcionar
determinadas formas de leitura.
O sucesso-relâmpago da obra fez com que Carolina de Jesus se tornasse um tipo de
celebridade da época. Foi manchete em vários jornais que a chamaram de “escritora
favelada” (Folha da Manhã, agosto de 1960), “favelada que escreve livro” (Folha da
Tarde, maio de 1960), “A catadora de papéis” (Folha de S. Paulo, fevereiro de 1977).
Além disso, foi encenada, no início dos anos 1960, a peça Quarto de despejo que tinha a atriz
Ruth de Souza no papel da escritora. Em 2003, Jeferson De lançou o curta Carolina, premiado
como o melhor curta-metragem no festival de cinema em Gramado.
3 Fonte dos trechos: http://www.ube.org.br/biografias-detalhe.asp?ID=129
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Na Alemanha, a tradução da obra foi realizada em um momento em que outros
diários de cunho político-social estavam sendo traduzidos, como os diários de Erwin
Behrens (Diário de Moscou), de Thilo Koch (Diário de Washington) e de Josef Müller-
Marein (Diário do Oeste)4, revelando certa tendência da época por literaturas voltadas para
esse viés.
Quarto de despejo, traduzido para o alemão por Johannes Gerold, teve sete edições
no período de 1962 a 1993. Segundo o quadro comparativo de Perpétua (2014, p. 89)5 das
edições do livro no mundo, a Alemanha foi o país com o maior número de edições (uma
seleção das capas das edições em alemão pode ser encontrada no anexo). Além disso, em
1971, a cineasta alemã Christa Gottmann-Elter realizou um curta de 16 minutos sobre a
vida da autora, utilizando a própria Carolina como protagonista. Impedido de ser exibido
no Brasil por apresentar a miséria da favela paulistana do Canindé, o filme, restaurado pelo
Instituto Moreira Salles (IMS) do Rio de Janeiro, só foi exibido pela primeira vez no país
por ocasião do centenário de nascimento da autora, em 14 de março de 2014.
No mesmo ano, as comemorações do centenário de vida de Carolina Maria de Jesus
trouxeram à tona várias pesquisas, documentos e textos inéditos. Algumas mereceram
inclusive destaque na publicação de março de 2015 da revista FAPESP como a tese de
doutorado da historiadora Elena Pajaro Peres intitulada Exuberância e invisibilidade.
Populações moventes e cultura em São Paulo, 1942 ao início dos anos 70, defendida em
2007. Em sua tese, a pesquisadora descreve Carolina como "escritora, lavradora, catadora
de papel, compositora, sambista, poetisa, dramaturga, cantora, atriz circense e raizeira"6.
Não podemos deixar de mencionar as pesquisas de Robert Levine e José Carlos Sebe
Bom Meihy, considerados precursores na investigação do fenômeno Carolina, que publicaram
em 1994 o ensaio Cinderela Negra: a saga de Carolina Maria de Jesus pela Editora da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, e, em 1996, Meu estranho diário pela editora Xamã.
Sobre a trajetória de Carolina os dois autores escreveram:
É a fome não silenciada, o não-ter, o não-ser nada, além de miserável, o
ser preta [sic] e mulher, além de outros vazios sociais que a vergam e
desesperam que a escritora põe no livro que marcou sua trajetória
―incomum e perturbadora‖. (MEIHY e LEVINE, 1994)
4 Informações retiradas das últimas páginas da edição traduzida para o alemão de Casa de Alvenaria “Das
Haus aus Stein", Christian Wegner Verlag, Hamburg, 1964. 5 Segundo Levine, o número de cópias na Alemanha pode ter excedido 70 mil cópias (Cf. LEVINE, 1994ª, p.
65 apud PERPÉTUA, 2014, p. 90) 6 Raizeira é um termo utilizado para se referir a mulheres que usam raízes em tratamento médico. Revista
FAPESP, nº 231, maio de 2005, p. 78
7
Há ainda outras publicações que merecem destaque, como, por exemplo, O estranho
diário de uma escritora vira-lata, de Germana Henrique Pereira, professora da
Universidade de Brasília; a biografia Muito bem, Carolina! (2007), de Marília Novais da
Mata Machado; Carolina Maria de Jesus – Uma escritora improvável (2010), de Joel
Rufino dos Santos. São apenas alguns exemplos que ilustram o interesse de pesquisadores
pelo tema.
Este projeto de pesquisa toma como objeto as edições de 1968 publicada pela Fischer
Bücherei de Frankfurt am Main e de 1979 pela Reclam de Leipzig7 e salienta a tese de que,
mesmo tendo em comum o tradutor, tais edições carregam consigo marcas político-
ideológico-culturais distintas, uma vez que cada uma foi publicada em uma lado da distinto
da Alemanha marcado cada um por contextos político-ideológicos também distintos na
época, ou seja: polissistemas literários distintos, com distintas lacunas e objetivos
II. Justificativa
Quarto de Despejo da autora Carolina Maria de Jesus foi um dos poucos livros
brasileiros a alcançar durante os anos de 1960 a marca de treze traduções, para, entre
outras línguas, o alemão, inglês, francês, japonês, polonês e turco, chegando a leitores de
várias partes do mundo. A tradução alemã atingiu sete edições, o que indica que uma
análise mais apurada dessas traduções, assim como da obra de Carolina Maria de Jesus, se
faz relevante tanto para os Estudos da Tradução, quanto para ampliar o conhecimento do
trabalho da autora, uma vez que esse tipo de estudo e análise com esse direcionamento
ainda não foi realizado.
Para os Estudos da Tradução, a contribuição viria no sentido de mostrar e reafirmar
que o ato tradutório vai além da pura e simples transcodificação, mas, antes, tem como
motivador um objetivo e uma finalidade. A identificação desse motivador em Quarto de
Despejo nas micro e macroestruturas do texto e as influências político-culturais trazidas a
tona pela tradução do texto podem enriquecer e somar as pesquisas feitas até hoje nesse
sentido.
No segundo viés de análise, a contribuição será dada pela originalidade, pois apesar
de existirem diversas pesquisas, dissertações e teses sobre o livro, nenhuma delas ainda se
7 Cf. no anexo, reproduções das capas alemãs e suas respectivas edições. Uma análise mais aprofundada
dessa parte será feita na vigência desse projeto de pesquisa, a fim de delimitar a importância do estudo delas
(enquanto paratexto) para o potencial de recepção. A adição da análise das capas brasileiras também está
prevista. Por enquanto, foi possível encontrar as reproduções somente de algumas edições brasileiras.
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voltou à análise das traduções e, menos ainda, daquelas feitas para o alemão, levando em
consideração os diferentes contextos sociais que poderiam influenciar a tradução da obra
na época – do lado socialista, a luta de classes e do lado capitalista, a grande ressonância
internacional do livro somada ao interesse por uma literatura escrita pelo “diferente”.
II. Objetivos
Verificar se um livro de grande impacto social, traduzido e reeditado na Alemanha,
mas em espaços marcados por ideologias diferenciadas, recebe soluções de
tradução que apontam para a identificação, maior ou menor, desses espaços de
recepção com a proposta (social) da obra. Para tanto, se delimita os seguintes
detalhamentos:
o Cotejar original e as duas edições traduzidas para o alemão;
o analisar e comparar as palavras-chave das traduções para alemão de
Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus editadas na em 1968 pela
Fischer Bücherei de Frankfurt am Main e em 1979 pela Reclam de
Leipzig, respectivamente;
o identificar shifts nas traduções nas macro e microestruturas do texto;
o analisar tais shifts e;
o verificar se tais sofrem influência das diferentes trajetórias histórico-
políticas da cultura de saída e da cultura de chegada.
IV. Pressupostos teóricos
A perspectiva desse projeto utiliza como “farol” de orientação Wolfgang von
Goethe, quando este insere seu conceito de Bildung (formação humanística) e Weltliteratur
(literatura universal) e busca analisar seus dados através das lentes dos Estudos Descritivos
da Tradução (EDTs) e da Linguística de Corpus (LC), essa última voltada especificamente
para o trabalho com os textos.
A formação humanística e a literatura universal de Goethe consideram o contato
com estrangeiro essencial para a formação da nação, aprimoramento da língua e da
literatura. Ilustrativo de Bildung na tradução parece ser a metáfora do espelho empregada
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por Goethe em carta ao conselheiro Schultz: “a tradução revelaria o que uma língua tem a
aprender com a outra no espelho de si mesma”. (AZENHA, 2006, p. 50)
É ainda buscando respaldo no que diz respeito à interculturalidade e à interferência
da cultura e identidade dos povos no texto traduzido que o ensaio Goethe e a tradução: a
construção da identidade na dinâmica da diferença de João Azenha Junior (op.cit.) se faz
relevante para essa pesquisa, no sentido de talvez facilitar a análise das possíveis
dificuldades em traduzir culturalmente as ideias, a literatura de linguagem coloquial de
uma autora semialfabetizada e favelada. No ensaio citado, Azenha (2006) apresenta as
reflexões de Goethe sobre a formação da identidade via tradução para a:
(...) compreensão de questões, ainda complexas, ligadas ao intercâmbio
entre línguas e culturas, bem como para o modo como, por intermédio
desses encontros, se delineia o embate pela manutenção de traços
culturais específicos ligados à identidade mesma de povos e culturas, no
interior de um processo assimétrico de globalização. (AZENHA, op.cit.,
p. 48)
Portanto, aqui a tradução teria a finalidade de contribuir com a formação de
identidade de um povo a partir do intercâmbio com outras línguas, outras visões de mundo
o que nos leva à ideia da existência dominante de um objetivo, finalidade em todo e
qualquer ato tradutório (REIß & VERMEER, 1994), bem como no ato tradutório como um
processo de tomada constante de decisões (LEVÝ, 2000).
Na busca por sustentar a importância de contextos político-culturais e visões de
mundo diversas enquanto influências fundamentais para elaboração do texto de chegada é,
também, que a investigação proposta seleciona seu arcabouço teórico.
Podendo considerar essa proposta de pesquisa uma segunda fase dos estudos
iniciados no mestrado, continuaremos a utilizar os conceitos dos Estudos Descritivos da
Tradução (EDT) (MUNDAY, 2001) no intuito de identificar um paralelo entre as
condições de recepção da obra mapeadas e circunscritas na dissertação e o texto seu
traduzido em dois momentos – anos 60 e 70 – e em espaços determinados por ideologias
diferentes – RDA e RFA. Uma vez que, o enfoque desses estudos na tradução leva em
consideração a maneira com que elas se "manifestam no mundo da experiência"
(HOLMES, apud SHUTTLEWORTH, 1988e: 71).
Seguindo essa mesma direção, os polissistemas de Even-Zohar (1990) vem
fundamentar a pesquisa, no que diz respeito à posição que a obra de Carolina Maria de
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Jesus assumiu no polissistema literário alemão, por meio também dos paratextos
(GENETTE, 1987) que fazem parte do perímetro do livro (peritextos). Segundo o teórico,
paratexto é “aquilo que por meio de um texto se torna livro e se propõe como tal a seus
leitores, e de maneira mais geral ao público” (p.9-10). Assim acreditamos que os
paratextos (Genette, opcit, cap. 1) são algo essencial para entendimento das diferentes
leituras da obra e suas finalidades de direcionamento de leitura nas diferentes
“Alemanhas".
A noção de reescritura de Lefevere (1992) coaduna com os interesses da pesquisa no
sentido de verificar na tradução de Quarto de Despejo a manipulação (Lefevere, 1992)
realizada para que ela pudesse fazer parte do polissistema literário alemão. Para o crítico,
(re)escrita é manipulação, realizada a serviço do poder, e em seu aspecto
positivo pode ajudar no desenvolvimento de uma literatura e de uma
sociedade. As reescritas podem introduzir novos conceitos, novos
gêneros, novos recursos, e a história da tradução é também a história da
inovação literária, do poder formador de uma cultura sobre outra. Mas a
reescrita também pode reprimir a inovação, distorcer e controlar, e em
uma época de crescente manipulação de todos os tipos, o estudo dos
processos de manipulação da literatura, exemplificado pela tradução,
pode nos ajudar a adquirir maior consciência a respeito do mundo em que
vivemos. (p. vii)
Considerando a tradução como uma reescritura que sofre influência dos diversos
agentes reguladores do polissistema literário nos aproximamos das noções de shifts na
tradução (CATFORD, 2000) e refrações (LÉFEVÉRE, 2000).
É nesse contexto que nos deparamos com Gideon Toury (1995) e suas normas de
tradução. Toury procurou investigar as características que distinguem um texto traduzido
de outros, produzidos no interior de um determinado polissistema (Even-Zohar, 1990) e
relaciona três tipos de normas de tradução: preliminares (preliminar norms), iniciais
(initial norms) e operacionais (operational norms). Para o teórico, o processo de traduzir
visa um papel específico para o texto traduzido, moldando-o de forma que se torne um
produto apropriado de acordo com suas normas, lembrando, porém, que traduções são fatos
das culturas-alvo (TOURY, 1995, p. 29). Como o foco neste momento da pesquisa é analisar o
texto traduzido, as normas operacionais serão as que talvez mais dialogarão com a proposta.
As normas operacionais dizem respeito às tomadas de decisão durante o processo
tradutório. Por sua vez, elas se subdividem em normas matriciais (matricial norms) e
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linguístico-textuais (text-linguistics norms): as primeiras determinam os acréscimos, omissões,
alterações e segmentações no texto-meta em relação ao texto-fonte; as segundas governam a
seleção de material linguístico – itens lexicais, frases e características estilísticas (MUNDAY,
2012, p. 174).
Partindo das tomadas de decisão durante o processo tradutório buscamos suporte
também nas Modalidades de Tradução de Aubert (1996) que têm sua fundamentação nos
Procedimentos da Tradução inaugurados pelos pesquisadores canadenses Vinay &
Darbelnet (1958), os quais apresentam uma abordagem mais prescritiva do processo
tradutório. A reformulação de Aubert (1966) direciona-se ao produto final da tradução, ao
texto já traduzido, como é o caso do objeto de estudo da pesquisa aqui proposta. Em sua
reformulação são elencadas modalidades que vão do chamado „grau zero‟ da tradução
(empréstimo) até a adaptação. Elementos essenciais para a análise dos dados gerados e
trabalhados com o auxílio das ferramentas da Linguistica de Corpus.
Como mencionado anteriormente utilizaremos a Linguistica de Corpus para o
trabalho com os textos (traduções e original), ou seja, no cotejo das duas edições em
alemão da obra e original em português de forma mais objetiva e sistemática.
A utilização de Corpora nos estudos da tradução vem sendo cada vez mais difundido,
devido à importância da ferramenta para o desenvolvimento da análise de textos