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Paulo Michelotto
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ANOUILH: 3 tragédias gregas

Feb 21, 2023

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Paulo Michelotto

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ANOUILH & MICHELOTTO

Antígone, Medeia,Édipo o rei que manca

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Dept.Teoria da Arte &Expressões ArtísticasCAC

PROBLEMAS DE APROPRIAÇÃO DOS TEXTOS: A TRADUÇÃO

1. Traduzir

Referências Teóricas

01.1 Definindo Tra+ducere5

01.2 Toda tradução é impossível5/7

01.3 Discurso de Poder em Foucault 7/8

01.4 Contextos de Tradução8

2. Traduzir Anouilh

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Referências em Anouilh

02.1 Referência à visibilidade 9/11

02.2 Logocentrismo X deconstrução 11/19

02.3 O parâmetro Borges17/19 02.4 A (in)visibilidade no contexto cultural,econômico e social.. 19/ 23 02.5. Transpor significados (in)stáveis

23/24 02.5. 1 Transpor qual vida

25 02.5. 2 Transpor quais textos

26 02.5. 3 Transpor quais obras26/27 02.5. 4 Transpor que trabalho28/30

3. Ler 03.1 Referência Geral 34/35 03.2 Referências à Hermenêutica & Teoria

da Tradução 36/38

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01. ANTÍGONE 37/88

02. MEDEIA89/112

03. ÉDIPO QUE MANCA113/150

"traduzir deixa de ser uma atividade inútil ou invisível, que deve

passar despercebida, e se assume como uma inevitável forma de

conquista ou de tomada de poder, que necessariamente reescreve o

passado e se apropria de outras culturas e linguagens"(Arrojo)

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01 Definindo: Tra+ducere Como definição parcial, estabeleçamos que traduzir étransferir os jogos de linguagem de uma língua para osjogos equivalentes” de uma outra língua.

·Existe equivalência?

· Não-equivalência entre línguas

· Tendências pós-estruturalistas - Desconstrução

· Jacques Derrida, Rosemary Arrojo

· Ilusão Logocêntrica

· Desconstruindo a desconstrução

· Conceitos desconstruídos

o Originalidade

o Fidelidade da tradução

o Sentido do texto dado, no próprio texto

o Tradução literal

o Tradução técnica/tradução literária

02 Toda tradução é impossível

Segundo HUMBOLDT (1936), os sistemas lingüísticos são parteintrínseca de uma dada cultura, e a necessidade que há de se

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expressar conceitos em uma dada língua é determinada pelaprópria cultura. Humboldt dizia que não há qualquer relaçãointrínseca entre as culturas do mundo, as formalidades“universais”, como: agradecer, saudar, pedir desculpas etc. sãomeras convenções. No entanto, o que estabelece a visão que umsujeito tem do mundo é sua cultura - socialmente compartilhada,mas única, singular - comum à seu grupo social, e ao mesmotempo idiossincrática. A rigor, não existem relações entreconceitos culturalmente determinados de uma cultura x e outray. Se x não tem qualquer contato físico com y, os conceitos de ypouca ou nenhuma importância têm para x. A isso equivale dizerque x, sendo uma cultura independente e auto-subsistente, assimcomo y, são mundos fechados, feudos culturais sem nenhuma sinapsecom outros feudos. Se tal teoria for levada a fim e a cabo,fica-se estabelecido que não há qualquer relação entre a línguade x e a de y. As palavras destas línguas representam mundosdiferentes, mesmo se consideradas equivalentes pelosdicionários. Ao se pensar por exemplo na palavra floresta, épossível imaginar que um brasileiro pensasse em um agrupadogigantesco de árvores tropicais, relativamente espaçadas umasdas outras, cuja fauna é composta por onças-pintadas e macacos,com clima permanentemente quente e úmido - uma visão daFloresta Amazônica. É possível que para um alemão, no entanto,a palavra Wald (tida como “equivalente” em qualquer dicionáriobilíngüe português-alemão) tenha como referência um símbolocompletamente diferente - árvores coníferas, que formam umtecido de vegetação fechado, escuro, frio, habitado por ursos,veados e esquilos - uma visão da Floresta Negra. De queequivalência poder-se-ia falar aqui? A medida em que os mundosculturais são diferentes, estes precisam denotar símbolosdiferentes, que não necessariamente correspondem a qualqueroutro símbolo de qualquer outra cultura.

A desconstrução tem por objetivo desfazer as crenças na relaçãoum a um entre palavra e sentido, entre palavras de uma língua ede outra, entre equivalências diretas e claras. Segundo ARROJO(1993), tudo não passa de ilusão logocêntrica, uma vez que só o quepodemos fazer com o discurso é utilizá-lo para produzir mais

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discurso - que não passa de linguagem, não verificável,“desconstruível”.

A rigor, se levarmos as teorias humboldtianas edesconstrutivistas ao radicalismo, pode-se chegar à conclusãode que toda a tradução é impossível. O grande precursor dadesconstrução na França, Jacques DERRIDA (1967:123 et seq.),chega mesmo a negar, em seu rigor teórico (e pouco prático), apossibilidade de toda e qualquer comunicação.

Tendo como porto-seguro a concepção de verificabilidade dosresultados, podemos dizer que a teoria desconstrutivista não éverdadeira, pelo menos parcialmente, já que o mundo vive edepende dos milhões de palavras traduzidas a cada hora, dacomunicação de informações de maneira rápida e permanente entreas nações, da interpretação “correta” e “verificável” dessasinformações.

Tem-se portanto, é impossível negar, algum “fenômeno” deequivalência que permite que traduções sejam realizadaspragmaticamente. Este fenômeno é justamente o consenso daconcepção judaica, o convencionalismo lingüístico, adotado pelospovos através do fluxo da História. É, pois, a equivalênciaintra e/ou interlingüística utilizada como ferramenta natradução, meramente consensual.

É evidente que não se trata aqui de uma percepção simplista doacordo social explicitado. Não se trata de uma reunião de cúpulada ONU, com representantes de entidades lingüísticas dediversas nações, para decidirem que palavras de suas línguasserão consideradas equivalentes a que palavras em outraslínguas. Todo acordo lingüístico é fruto do desdobramento dosséculos e do deslocamento do Homem na História. Fala-se emHistória ao se mencionar toda trajetória orgânica, social,intelectual, ética, moral e, por fim, cultural do ser humano,desde sua aparição consciente no mundo.

Stanley Fish, pragmatista americano da Universidade de Harvard,tece, em seus textos, sua própria teoria pragmatista (cf. FISH,1980). Stanley Fish coloca sobre os ombros de uma denominada“Comunidade Interpretativa” o papel de uma espécie de juíza de

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valores. Os que discordam das determinações desta, estão“teologicamente errados” (FISH 1980:189).

O texto passa a significar, portanto, tudo aquilo, e não maisque isso, que a Comunidade Interpretativa quer que elesignifique. O significado de um texto é, portanto, dissociadodo texto por completo e atribuído à Comunidade Interpretativa.Por Comunidade Interpretativa (doravante CI) entende-se umgrupo de pessoas (no caso de Fish, de acadêmicos), queexpressam uma mesma leitura de um texto, interpretando-o demaneira equivalente.

Assim, ao observar-se o mundo com os olhos de Fish, é possívelestabelecer (coerentes) relações entre todo significado - de umtexto, de uma proposição filosófica, de uma equivalênciatradutória - e a interpretação canônica que se faz dele. O Tudosignifica somente aquilo que os detentores do poder de coerçãosocial querem que ele signifique. O motivo que leva à eclosãode tal fenômeno só pode ser encontrado nas relaçõesideologizadores de Althusser. Para ALTHUSSER (1984), sendo ofator social ideológico e ideologizador inescapável,inevitável, perdem-se as concepções de estranhamento em relaçãoaos fenômenos e estabelece-se o canônico, segundo o princípioda naturalização. Não se questiona o porquê de tal palavra ser“considerada” equivalente a uma outra, pois “é esta a ordem dascoisas”. O fenômeno ideologizador leva à alienação. A concepçãoconsensualista transforma-se num arquétipo de proposta onomatopaica.Isto é aquilo, diz-se. Perde-se a noção da origem, arbitrária econvencional - e ganha-se a (equivocada) impressão de Verdadeabsoluta, universal e imutável.

03 Discurso de Poder em Foucault

Antígone tem também isso de extraordinário: o personagem principal não é o que dá o título, mas é o discurso do poder, formulado por Creonte e pelo Segundo Coro.

Essa conotação leva-nos diretamente à investigação do discurso de Michel Foucault

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Francês, filósofo e historiador do pensamento, desenvolveu,entre muitas outras, sua “teoria genealógica” tentando explicarmudanças nos sistemas de discurso através das conexões destesàs práticas não discursivas de exercício do poder social. Assimcomo as genealogias de Nietzsche, as de Foucault refutaramqualquer esquema explanatório, como os de Marx ou Freud. Aoinvés disso, ele encarava os sistemas de pensamento comoprodutos contingentes de muitas causas pequenas e não-relacionadas. Essencialmente, os estudos genealógicos deFoucault enfatizam a conexão real entre o conhecimento e o poder.Instâncias de conhecimento não são estruturas intelectuaisautônomas que podem ser utilizadas como instrumentos baconianosde poder, mas estão essencialmente ligadas a um sistema decontrole social.

Os escritos genealógicos de FOUCAULT (1975), que fazem parte desua terceira e mais duradoura fase filosófica, começam com umaapologia de Nietzsche e suas teorias genealógicas originais. Ofilósofo francês propõe uma complementação da teoria originalde Nietzsche e afirma que “...todo e qualquer discurso é umaclara tentativa de exercício de poder social” (FOUCAULT, 1975).Esta conexão essencial foucaultiana entre conhecimento(discurso) e poder reflete a visão do autor francês de que opoder não é meramente repressivo, mas uma fonte de valorespositivos, criativos, e sempre perigosos. Apesar de os sistemasde conhecimento expressarem uma verdade objetiva per se, estesestão sempre ligados aos regimes de poder correntes. Por outrolado, todo e qualquer regime de poder necessariamente dá vida aum sistema de conhecimento sobre os objetos que pretendecontrolar. Este conhecimento pode, no entanto, em suaobjetividade, ir além do projeto de dominação a partir do qualfoi criado.

04 Contextos de Tradução

Podemos elencar provisoriamente como elementos envolvidos no processo tradutório: o texto original, o autor, o contexto, o

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texto traduzido e o tradutor. Dentro deste vasto contexto, enfrentamos Antígone, Medeia e Édipo o rei que manca.

Édipo que manca, é uma peça de Anouilh, exemplar no

aspecto das camadas de transferência necessárias para uma

tradução de dramaturgia.

Possivelmente a mais difícil das nossa tríade grega, uma

vez que, tanto o tradutor quanto o leitor, o diretor, o ator, o

cenógrafo, nos confrontamos com um Édipo freudiano, além do

Édipo original. Acresce que o centro da peça é exatamente a

invisibilidade.

Medeia Anouilh vestiu admiravelmente bem de uma dessas

ciganas que giram pela Europa. Elas lêem em nossas mãos um

destino amor, dinheiro, poder. Trindade de desejos da qual elas

mesmas se sentem excluídas tantas vezes.

Medéia de Anouilh é a cigana que lê/vê constantemente a

própria mão.

Quando a traduzimos não nos preocupamos demais com nossa

visibilidade ou não, com a cultura para a qual ela era

transposta ou não. Uma vez que Anouilh já nos dá isso de

bandeja.

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Para a presente tradução de Édipo, o rei que manca, não

poderíamos encontrar material melhor de introdução que o do

tema da (in)visibilidade do tradutor, expresso inclusive a

partir do próprio sub-título anexado (boiteux), o capenga, que

anda mal. É uma peça em que a (in)visibilidade dos passos do

personagem é marcada no título como num exórdio.

É uma peça em que a visibilidade do personagem confunde-se no

ocidente com a (in)visibilidade de um outro, talvez dentro de

nós complexamente estabelecido pela tradução de Freud para uma

das facetas do inconsciente.

Édipo é o personagem que fura os olhos, centro de toda

problemática posterior entre teorias da

visibilidade/invisibilidade. Seja dos desejos. Seja da

ciência.Seja da tradução.

O tema da (in)visibilidade do tradutor, a partir dos estudos de

Venutti., é um dos que criaram mais controvérsias entre os

teóricos da tradução. Para alguns críticos e teóricos

logocêntricos, a tradução é vista como uma atividade mecânica,

cabendo ao tradutor transportar significados supostamente

estáveis do texto de partida para o de chegada, tornando-se

possível a neutralidade do mesmo na tradução fluente de textos

literários, possibilitando o aparecimento da voz do autor do

original. Neste trabalho busca-se contestar tais colocações,

seguindo de perto as formulações de Venutti sobre a estreita

relação entre tradução literária e tradução de elementos

culturais considerando-se que:

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1. A impossibilidade de invisibilidade do tradutor,

dentro dos limites do logocentrismo que se baseia na

semiologia clássica de Saussure e que parte do

pressuposto de que há, por trás de todo signo, um

referente externo ao sistema lingüístico, é uma

ilusão;

2. O escritor não é o autor soberano do texto que

escreve. Cada leitor/tradutor faz uma leitura, uma

interpretação, fruto de suas inter-relações com

outros textos, contrariando o conceito logocêntrico

de processo tradutório como uma substituição ou

transferência ingênua de significados estáveis de um

texto para outro e de uma língua para outra, isto é,

cada tradutor tem uma experiência de vida e

conseqüentemente, uma visão de mundo, um conjunto de

valores e ideologias que influenciará,

inevitavelmente os resultados das suas traduções;

3. Aceitar o pressuposto apregoado pelo logocentrismo

implica na marginalização e apagamento do tradutor e,

conseqüentemente, na produção de traduções de segunda

categoria, pois sendo invisível o tradutor, suas

responsabilidades autorais serão menores.

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Apesar de haver várias teorias com relação ao uso ou

funcionamento da linguagem, toda teoria lingüística, que está

ligada ao logocentrismo, compartilha do pressuposto de que a

origem dos significados se encontra fora do receptor ou leitor. Assim, a

teoria logocêntrica crê que está no significante (no texto, na

palavra) e/ou nas intenções do emissor/autor, a origem do

significado; a palavra está presa num invólucro duradouro e

resistente que aprisiona, através dos tempos, as intenções do

autor. Arrojo compara as atribuições conferidas ao autor, pela

tradição logocêntrica, como lembrando a "figura paterna

autoritária e controladora que tem o direito indiscutível de

determinar os destinos e os contornos de sua prole" e ao leitor

cabendo apenas "o papel filial e passivo, um papel

essencialmente respeitador e protetor dos desejos autorais

intencionalmente inseridos no texto".(1992a: 36). Esse conceito

embasa a possibilidade de um significado subordinado à letra,

plasmado no texto, que não sofre influência de qualquer

contexto e é imune à leitura, sendo o ler ou compreender

somente o resgate do que o autor quis realmente dizer, das suas

reais intenções.

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Desde Aristóteles e Platão, a base de grande parte das

teorias, das filosofias e das visões de mundo da civilização

ocidental foi a crença nesse conceito de significados estáveis,

de adequação entre verdade e realidade, e na possibilidade de

algum nível de conhecimento em estado puro que se possa

instalar nas palavras, na fala ou na escrita, e que pode ser

retirado e adequadamente resgatado das palavras, dos textos,

das circunstâncias - por não estar fundido a eles. Através de

todos esses séculos, a tradição logocêntrica tem feito inúmeras

e incansáveis tentativas de produzir uma leitura de um texto

que resistisse ao tempo e às mudanças de contexto, porém todas

elas infrutíferas.

Se levarmos às últimas conseqüências e pensarmos na

tradução dentro dos pressupostos logocêntricos, como um

transporte de significados estáveis e determinados de um texto

para outro, de uma língua para outra, de uma cultura para outra

e de uma época e lugar para outros, toda tradução deverá ser também

capaz de realizar o milagre de transformar a diferença em igualdade, além da

possibilidade de encontrar significantes que encaixem nos

significados transportados sem danos e perdas.

Paulo Rónai, conhecido tradutor, ao comentar sobre as

interpretações da palavra tradução, tenta justificar a não

adequação da tradução às regras logocêntricas:

Conduzir uma obra estrangeira para outro ambientelingüístico significa querer adaptá-la ao máximo aoscostumes do novo meio, retirar-lhe ascaracterísticas exóticas, fazer esquecer que

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reflete uma realidade longínqua, essencialmentediversa. Conduzir o leitor para o país da obra quelê, significa, ao contrário, manter cuidadosamente oque essa tem de estranho, de genuíno e acentuar acada instante a sua origem alienígena (1981: 20).

Eugene Nida (1975: 190), escrevendo sobre o processo de

tradução, compara as palavras de uma sentença a uma fileira de

vagões de carga. Há vagões que carregam uma grande carga, tão

grande que terá que ser dividida entre vários vagões e outros

uma carga pequena. Desta mesma forma, algumas palavras

"carregam" vários significados e outras, só juntas terão algum

significado. Para Nida, o importante no transporte de uma carga

(processo tradutório) não é em quais vagões estão as cargas ou

qualquer outra informação, mas que cheguem ao seu destino.

A crítica ao conceito logocêntrico, parte do pressuposto de

que todo sujeito está interligado com o objeto numa relação que

sofre influência e é determinada pelas circunstâncias

contextuais. Esta crítica abala a crença na possibilidade da

existência de significados estáveis, supostamente presentes e

resgatáveis de um sujeito, e faz com que as questões teóricas

da tradução deixem de ser marginalizadas pelos estudos da

linguagem, passando a ser objeto de estudo dos intercâmbios

lingüísticos que acontecem dentro de uma mesma língua, de um

mesmo original.

Um aliado desta crítica é Nietzsche (apud Arrojo, 1992b:

421), ao eliminar o mito de se encontrar "verdades" que estejam

além da perspectiva e do contexto em que ocorrem. Arrojo afirma

que "a busca de conhecimentos e de verdades que motiva a

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filosofia e a ciência é, para Nietzsche, apenas um sintoma do

impulso à formação de metáforas, que distingue os humanos das

outras espécies animais" e o "conhecimento" deixa de ser apenas

um invólucro de significados estáveis, e passa a ser um

instrumento produtor de "verdades". Desta forma, para os três

autores citados, não existe um significado fixo na origem de

qualquer manifestação lingüística, não há um original, um nível

de conhecimento que anteceda à linguagem e que simplesmente se

deixe envolver ou macular por ela.

Em Nietzsche, no início de tudo há apenas a formação de uma

metáfora; "um estímulo nervoso que se transforma em percepção",

a qual segundo a autora está acoplada a um som:

Quando falamos de árvores, cores, neves e flores,acreditamos saber algo a respeito das coisas em si,mas somente possuímos metáforas dessas coisas, eessas metáforas não correspondem de maneira algumaà essência do original. Da mesma forma que o som semanifesta como máscara efêmera, o enigmático X dacoisa-em-si tem sua origem num estímulo nervoso,depois se manifesta como percepção e, finalmente,como som (p. 422).

Nietzsche parece estar eliminando qualquer tentativa de se

estabelecer uma relação própria ou uma tradução literal entre

quaisquer esferas ao questionar a crença na possibilidade de

uma origem, ao sugerir que os significados se formam a partir

de uma série de metamorfoses apagadas de uma esfera para outra

- "do estímulo nervoso para a percepção, desta para o sonoro,

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do sonoro para o literal, do literal para o figurado e assim

por diante" .

A discussão até aqui tem girado em torno da arbitrariedade

da linguagem. E é Ferdinand de Saussure o grande teórico que

vai levá-la para o interior mesmo do signo: "o signo

lingüístico é arbitrário”. Assim a idéia de mar não está ligada

por relação alguma interior à seqüência de sons m-a-r que lhe

serve de significante; poderia ser representada igualmente bem

por outra seqüência, não importa qual" (1971: 24).

Com base no conceito saussuriano do signo arbitrário,

Derrida (1987: 26) propõe que se negue a qualquer pretensão de

presença ou de plenitude em qualquer manifestação lingüística:

Esse jogo de diferenças supõe, na verdade, síntesese referências que proíbem em qualquer dado momento,ou em qualquer sentido, que um simples elementoesteja presente nele próprio, e que se refiraapenas a si mesmo. Quer na ordem do discurso oralou escrito, nenhum elemento pode funcionar como umsigno sem se referir a um outro elemento, estetambém não simplesmente presente.

Todo e qualquer texto só pode ser formado a partir do

entrelaçamento de signos, produzido a partir da transformação

de outros textos, num processo de adiamento infinito da origem

do significado. Parafraseando o autor, toda presença, como toda

origem, será sempre reconstruída, ou seja, produto e resultado

de um processo de interpretação, que implica a transformação, a

produção e não, simplesmente, o resgate de significados plenos

e alojados no interior do significante ou do texto.

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Todo e qualquer projeto logocêntrico se embasa na

semiologia clássica para afirmar que por trás de todo

signo/sinal há um referente externo ao sistema lingüístico,

assim como existe uma presença real e resgatável por trás de

toda reprodução ou cópia. O signo, e em especial, a escritura

ou a reprodução representa algo que deveria estar presente, ora

adiado, e que pretendemos resgatar. Comentando ainda sobre o

signo, Derrida discute a impossibilidade de se tomar ou mostrar a coisa, e

de declarar o presente, o estar-presente, quando o presente não

pode ser apresentado e assim é que se recorre ao desvio

fornecido pelo signo. Por esta razão, o filósofo ratifica a

questão de que, na verdade, o signo é uma presença diferida, adiada

sempre.

O signo ou a escritura, em Derrida, é concebível somente

"como agente do adiamento da presença", ou seja, é uma presença

adiada que pretendemos resgatar; conseqüentemente, a

substituição da coisa-em-si pelo signo se torna tanto secundária

quanto provisória: “secundária em relação a uma presença original

e perdida a partir da qual se deriva o signo; provisória em

relação a essa presença definitiva e ausente em cuja direção o

signo, nesse sentido, constitui um movimento de mediação”

(1982: 09).

A problemática da tradução e dos chamados textos

"originais" pode também ser aqui enfocada. Podemos classificar

na relação signo/referente, o primeiro como adiamento,

substituto daquilo a que se refere, enquanto que na relação

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original(signo)/tradução, o signo já ocupa a posição da coisa-

em-si e a tradução passa a ocupar a posição incômoda e

inadequada de representante do original, secundária e

provisória.

O logocentrismo posiciona no processo tradutório, todo

"original" como a coisa-em-si e condena qualquer tradução como

um adiamento incômodo da coisa-em-si, representante do

"original" do qual não temos acesso, em outra língua, em outro

tempo e em outra cultura. Se na relação signo/referente, o

signo ocupa uma posição secundária de adiamento, na relação

"original"/tradução, os signos que constituem o texto a ser

traduzido perdem sua posição de inferioridade e se posicionam

como estáveis e "originais". E assim voltamos a reconhecer “a

formulação da velha oposição entre conteúdo e forma que

sobrevive, inclusive, nas reflexões que a lingüística, a teoria

literária, a semiótica e a filosofia - todas de vocação

logocêntrica - ainda tecem em torno da distinção de Saussure

entre significante e significado" (1992c: 59).

Derrida propõe a desconstrução do logocentrismo tentando

demonstrar "que não há saída possível do labirinto inescapável

de signos que se referem sempre e tão-somente a outros signos,

num processo de adiamento infinito que proíbe qualquer encontro

com uma suposta presença externa a esse labirinto”.

Não há nesse jogo arbitrário de diferenças nenhum

significado que pudesse estar presente em si e referir-se

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apenas a si próprio e, por isso mesmo, ocupar um lugar

privilegiado fora das regras do jogo.

Para referir-se a isto, Derrida usará um neologismo -

différance do verbo francês différer - para se referir a esse jogo de

adiamento infinito. O verbo francês différer, como o verbo diferir no

português, pode significar: adiar, procrastinar, retardar, como

também divergir, discordar, ser diferente, ser outro. A palavra

différance expressa dessa forma tanto a diferença como o adiamento

e se refere a uma diferença tanto temporal como espacial. Da

mesma forma que a diferença entre as palavras différence e différance

não é perceptível audivelmente, sendo notada somente na

escritura, Derrida pretende que o "a" de différance marque "a

diferença da escritura dentro e antes da própria fala,

subvertendo a distinção tradicionalmente estabelecida entre a

fala e escritura, além da própria tradição que sempre atribuiu

à primeira a prioridade e a maior intimidade com o verdadeiro"

(1992c: 60). A tradição logocêntrica sempre precisou reprimir

essa relação de "mútua différance" entre original e tradução,

através da "sacralização do original" e da "marginalização do

tradutor e de seu ofício" (1992c: 60), para que suas concepções

tivessem fundamento.

À luz das teorias pós-modernas de tradução, o lugar do

tradutor é o de um impasse.

De um lado, há a cobrança de uma invisibilidade absoluta,

coisa que de antemão, sabemos ser uma ilusão. De outro, há, na

atualidade campanhas, incentivos para que o tradutor mostre seu

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trabalho, apareça através da sua atividade tradutória. A

questão é: Será que o tradutor, tem escolha? Mesmo quando a

tradição logocêntrica exigiu dele toda uma “fidelidade” ao dito

“original”, foi ele assim tão fiel? A quem o foi? A ele mesmo?

À comunidade de chegada? Ao autor do texto de partida? Como

avaliar algo como “fiel” ou “infiel” em se tratando de

linguagem, de différence/différance? A (in)visibilidade de quem

traduz é algo consciente, planejado? A fluidez da linguagem e

das várias possibilidades de leitura, principalmente em relação

aos textos literários permite toda essa consciência que tanto é

exigida pelas teorias de tradução mais tradicionais?

Arrojo, (1992b: 412) visualiza o que sempre foi

privilegiado ao longo da história de tradução e nos ajuda a

compreender melhor o porquê do ideal logocêntrico, justificando

toda a idealização como o "culto ao logos - à razão, à lógica, à

verdade (dos textos literários) como palavra divina, livre de

qualquer subjetividade" e atribui-lhe "a crença na

possibilidade, não apenas de se separar de forma objetiva os

dois lados de qualquer dicotomia mas, também, de privilegiar um

deles como primordial, essencial ou superior”.

Por outro lado, a partir da reflexão desconstrutivista de

Derrida (1982), estratégia de leitura que aponta para

inevitável aceitação de que a tradução falha quando tenta

reproduzir um original na sua totalidade. Exatamente porque não

existe "essa totalidade como uma presença plasmada no texto e

imune à leitura e à mudança de contexto, mesmo dentro do que

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chamamos de uma única língua", é que a problemática da tradução

passou a ocupar um lugar de destaque no pensamento

contemporâneo, desequilibrando "a concepção logocêntrica de

origem e plenitude e, conseqüentemente, a crença na

possibilidade de significados estáveis e independentes do jogo

lingüístico”. E é a partir dessa nova forma de ver a questão

textual que parece ser possível defender o tradutor e seu

ofício, buscando tirar-lhe a culpa, quando, por alguma razão a

crítica o denomina de infiel ou traidor.

Segundo o conceito logocêntrico, o processo tradutório é

uma substituição ou transferência de significados estáveis de

um texto para outro, de uma língua para outra, de uma cultura

para outra e de uma época(tempo) para outra. Esse conceito

permeia, naturalmente, todas as nossas concepções clássicas de

linguagem, sendo aceito pela grande maioria do conhecimento

produzido pelo homem ocidental e por tradutores de qualquer

língua ou de qualquer época.

Por exemplo, Laplanche (1989), coordenador da primeira

tradução francesa das Obras Completas de Freud, declarou ter como

objetivo traduzir Freud como se fosse o próprio Freud,

empregando não um francês germânico mas um francês freudiano,

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utilizando todos os recursos do francês da mesma forma em que

Freud utilizou os do alemão.

Outro exemplo é J. Dryden (apud Milton, 1998), que viveu no

fim do século XVII. Em seu Preface to Ovid's epistles, translated by several

hands, cita alguns pré-requisitos para se fazer uma boa

tradução de textos poéticos e entre eles estão idéias como o

fato de que não é possível traduzir poesia sem ser poeta, ou

que os significados de um autor são sagrados e invioláveis,

entre outros.

Entretanto, aceitar os pressupostos logocêntricos implica

questões, na área de teoria da tradução, que são

particularmente problemáticas. Implica, na possibilidade do

tradutor encontrar significantes que substituam os

significados, sem perdas nem danos e na crença de se poder

resgatar as reais intenções do autor estrangeiro; uma utopia,

um milagre, pois quem poderá saber o que o autor queria dizer

quando escreveu o seu texto há anos ou séculos atrás?

Stephen Mackenna (apud Steiner, 1975), tradutor de Enneades

de Plotino, entre 1917 e 1930, referindo-se ao seu trabalho

definiu-o como um "milagre": "o que fiz com Plotino é um

milagre, o milagre de persistentemente recuperar uma mente que

afunda e se agita e desaparece como uma rolha nas ondas" (p.

269). A pergunta é, conseguiu o tradutor o milagre que diz ter

alcançado? Esta recuperação, “busca de algo que se pressupõe já

existir”, realmente aconteceu, ou trata-se do ideal ilusório de

todo tradutor, numa tentativa de auto-apagamento para

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reproduzir a tradição de que o autor “original” contém as

regras absolutas de verdade sobre "seu texto"?

Jorge Luís Borges (1989), ao escrever vários contos e

ensaios sobre a linguagem, literatura e a tradução, exemplifica

com o conto que integra a coletânea Ficciones - Pierre Menard, autor

del Quijote, essa busca ilusória, pelo tradutor, dos significados

estáveis e plenos no processo tradutório. Diante da

impossibilidade de alcançar a verdade absoluta, de não se poder

repetir a identidade do texto "original", toda escritura é

transformada em tradução, do mesmo modo que toda tradução é

também escritura.

Pierre Menard (poeta, tradutor e crítico) é um personagem

criado por Borges que consumiu sua vida na tentativa de

realizar uma "obra invisível" - a reprodução dos capítulos IX e

XXXVIII da primeira parte do livro Dom Quixote de Miguel de

Cervantes e parte do capítulo XXII. Menard assume a tarefa de

se transformar na própria origem dos significados, recriar o

verdadeiro Quixote, recuperando o mesmo texto escrito por

Cervantes no século XVII, ao invés de somente trazer os

significados de Cervantes para seu tempo e lugar. Para alcançar

tal objetivo, a primeira estratégia usada é transformar-se

literalmente em Cervantes, isto é, "conhecer bem o espanhol,

recuperar a fé católica, guerrear contra os mouros ou contra os

turcos, esquecer a história da Europa entre os anos 1602 e de

1918, ser Miguel de Cervantes" .

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O intento de Menard, desse modo, parece-nos ridículo e

impossível, e permite-nos questionar àqueles que querem ser

extremamente fiéis à tradução com um certo ar cético e irônico.

Esta estratégia parece-lhe pouco estimulante, por isso

abandona-a e passa, então, a outra estratégia - continuar sendo

Pierre Menard e chegar ao Quixote através das experiências de

Menard, impondo-se o "misterioso dever de reconstituir

literalmente a obra espontânea de Cervantes".

Esse é o sonho de todo tradutor formado na tradição

logocêntrica. Também para o narrador de Borges, a "obra

invisível" de Menard, por este tida como um milagre e como

"reprodução total" do texto de Cervantes, é considerada como

"diferente", apesar da identidade verbal com a obra que foi

traduzida, da repetição de palavra por palavra.

Ao se fazer a leitura de um texto, a interpretação não é

exclusiva daquele leitor, assim como nenhum escritor é o autor

soberano do texto que escreve. Da mesma forma, a interpretação

que o narrador propõe do Quixote de Menard é um produto de suas

leituras de outros textos, assim como a interpretação que Dom

Quixote faz da realidade não é exclusivamente sua, mas produto

de sua própria biblioteca, ou do que M. Foucault chama de

"arquivo", isto é, aquilo que possibilita a produção de uma

leitura e torna-a aceitável.

Ao tentar compreender e desvendar os mistérios borgianos, o

narrador encontra ecos de Menard e Shakespeare em Dom Quixote

somente depois de ter sido informado de que Menard havia

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tentado recriar o texto de Cervantes. Nossa própria leitura de

Borges e de Cervantes também é produto de nossa biblioteca, o

arquivo de nosso tempo, que nos permite ler a teoria textual de

Borges como precursora de teorias lingüísticas e literárias

contemporâneas.

Toda tradução possui, inevitavelmente, marcas do tradutor que

se trai e se revela:

Toda tradução, por mais simples e breve que seja,trai sua procedência, revela as opções, ascircunstâncias, o tempo e a história de seurealizador. Toda tradução, por mais simples e breveque seja, revela ser produto de uma perspectiva, deum sujeito interpretante e, não, meramente, umacompreensão neutra e desinteressada ou um resgatecomprovadamente correto ou incorreto dossignificados supostamente estáveis do texto departida. Arrojo (1992a: 68):

O logocentrismo traz ao tradutor sérias conseqüências

sociais, culturais e econômicas, conforme observamos até aqui.

Na tradução idealizada pelo logocentrismo, o tradutor não

interfere, mas apenas limita-se a transferir, supostamente,

significados de uma língua para outra e a reproduzir as

intenções do autor, sem aparecer ou misturar-se a eles. De

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acordo com esta visão tradicional, o texto traduzido deve ser

transparente, no sentido de não conter marcas do processo

tradutório. Shapiro (apud Venutti, 1995: 01), exemplificando

tal idéia, declara:

Eu vejo a tradução como uma tentativa de produzirum texto tão transparente que não pareça traduzido.Uma boa tradução é como um painel de vidro. Vocêapenas percebe que está lá quando há pequenasimperfeições - arranhões, bolhas. Idealmente, nãodeveriam existir. Nunca deveria chamar atenção parasi mesma.

Esta transparência proposta, por sua vez, se reflete no

ideal exigido de fluência na leitura pelo qual a maioria dos

leitores, incluindo críticos e editores, avaliam as traduções.

Esta avaliação é feita com base na presença ou ausência de

construções não idiomáticas e frases desajeitadas com

significados confusos. A maioria deles lê ou pelo menos quer

ler os textos traduzidos como se estivesse lendo na sua própria

língua, como se não fossem originalmente escritos em outra

língua. Quando tal fato ocorre, este é atribuído à falta de

competência lingüística do tradutor, como afirma Francis Aubert

(1994: 59):

(...) uma sensível discrepância de competêncialingüística do tradutor (...) pode levar este aincorporar em si estruturas e idiomatismos docódigo de partida, resultando, no geral, em umproduto tido por qualitativamente insatisfatóriodeste ponto de vista ("com cara de textotraduzido").

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Por outro lado, Lawrence Venutti (1995: 286-287) atribui à

fluência cobrada pelos críticos, autores e leitores, a causa da

invisibilidade do tradutor. Para Venutti, a fluência torna a

tradução transparente e, conseqüentemente, provoca a

invisibilidade do tradutor, pois ela acontece somente quando a

tradução é lida fluentemente, quando não há fraseados

estranhas, construções não-idiomáticas ou significados

confusos, quando conexões sintáticas claras e pronomes

consistentes criam inteligibilidade para o leitor. Partindo

deste pressuposto, Venutti (1986: 190), propõe uma prática

tradutória que resista à fluência, a visibilidade intencional,

afirmando:

A tradução deve ser vista como um tertium datum que"soe estrangeiro" ao leitor e que apresente umaopacidade que o impeça de parecer uma janelatransparente aberta para o autor ou para o textooriginal: é essa opacidade - um uso da linguagemque resiste à leitura fácil de acordo com ospadrões contemporâneos - que tornará visível aintervenção do tradutor, seu confronto com anatureza alienígena de um texto estrangeiro.

Contrárias às crenças logocêntricas, temos concepções que

estão ligadas à desconstrução e ao pós-estruturalismo. A

desconstrução, proposta por Derrida, questiona as bases do

pensamento tradicional e desconstrói a noção logocêntrica de

que a origem dos significados se encontra fora do

sujeito/leitor ou receptor, revisando-a e redimensionando-a. O

leitor não é meramente um simples receptor passivo que

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decodifica os significados contidos no texto que lê, mas passa

a se conscientizar de sua interferência autoral.

Arrojo (1993:81) difere de Venutti quanto à visibilidade

intencional do tradutor. Para ela, que segue a linha

desconstrutivista, é impossível o tradutor não deixar suas

marcas e não se fazer presente mesmo quando pensa estar ou

pretende ser invisível: "o tradutor, implícita ou

explicitamente, impõe ao texto que traduz os significados

inevitavelmente forjados a partir de seus próprios interesses e

circunstâncias". Há também relação de concordância entre a

teoria de tradução defendida por Arrojo e a de Derrida, cujos

teóricos defendem o pressuposto de que é impossível se fazer

uma tradução, na qual não se deixe rastros, "vestígios"; uma

tradução "silenciosa". Arrojo continua, dizendo que:

Qualquer tradução, por mais simples edespretensiosa que seja, traz consigo as marcas desua realização: o tempo, a história, ascircunstâncias, os objetivos e a perspectiva de seurealizador. Qualquer tradução denuncia sua origemnuma interpretação, ainda que seu realizador não aassuma como tal. Nenhuma tradução será, portanto,neutra ou literal; será, sempre e inescapavelmente, umaleitura (1992a: 78).

Com relação à proposta de Venutti de resistência

intencional à fluência, Arrojo (idem) também se posiciona, até

certo ponto, questionando a proposta do autor da

(in)visibilidade, argumentando que além de pressupor que o

tradutor possa, ou não, aparecer no texto traduzido caso opte

pela "resistência" ou pela "fluência", Venutti, em sua reflexão

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não considera que, mesmo que o tradutor faça uma dessa opções,

sua "intenção consciente" não poderá se fixar no texto como uma

origem estável e, portanto, passível de ser resgatada por seu

leitor. Nesse sentido, além de amparar uma contradição básica,

tal argumentação parece ingênua, caindo na própria armadilha

que pretende montar ao desalojar do processo de tradução a

figura do autor como origem controladora dos significados.

A sugestão da teórica pós-moderna ao criticar Venutti é uma

proposição de aceitação da presença de um outro autor no texto

traduzido e a conscientização de que o leitor/tradutor

participa e interfere duplamente no processo autoral; partindo

deste reconhecimento de que há, pelo menos, um "outro" autor a

habitar o texto traduzido, há a possibilidade de realmente se

aceitar que nenhum tradutor é inocente diante do texto que

traduz e nem está diretamente empenhado numa busca cega por

fidelidade ao texto de partida. Arrojo (1992b: 70), referindo-

se à atitude que o tradutor deve assumir, acrescenta :

Uma das implicações fundamentais da aceitação dapresença do outro autor no texto traduzido é apossibilidade de que tradutores e tradutoras deixemde fingir uma neutralidade e uma ausênciaimpossíveis e, conseqüentemente, uma inocência euma fidelidade também impossíveis, abrindo caminhopara o início de uma nova tradição instalada forados limites da invisibilidade e da culpa milenaresque têm constituído o cenário e o enredo de seutrabalho. Quanto mais visível se tornar a presençado tradutor no texto traduzido, quanto maior suavisão acerca do processo do qual é agente epromotor, menores serão as chances de que sejaignorado, marginalizado e indignamente remunerado.

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A crença na possibilidade e invisibilidade do tradutor,

apregoada pelo logocentrismo, marginaliza e influi na visão que

a sociedade tem do tradutor, ocasionando e justificando a

exploração econômica do ofício tradutório, políticas

trabalhistas injustas, bem como falta de espaço nas

instituições de ensino e de pesquisa da tradução como objeto de

reflexão. Segundo Arrojo (p. 64), força os tradutores a abrirem

mão de quaisquer direitos autorais e a aceitarem uma

remuneração baseada no número de palavras ou no número de

laudas traduzidas, separando-os do produto de seu trabalho e

assemelhando-o ao produto de indústrias manufatureiras e de

serviços. Separa o autor do tradutor, posicionando o autor como

aquele que detém o controle - em mais de um sentido - de seus

direitos autorais, reverenciado como criador, ocupando lugar de

destaque nas capas de livros e bibliografias, e ao tradutor

atribui-lhe uma função mecânica e coadjuvante, a de alguém que

está sempre se escondendo, se desculpando pela inadequação que

a tradição lhe impõe, e sendo assim, digno apenas de um

reconhecimento e remuneração secundários.

Essa discussão toda leva a uma consequência curiosa para o

tradutor : "ao lhe atribuir o papel de mero transportador

invisível de significados, que deve ignorar-se e a seu tempo e

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lugar ao realizar sempre desajeitadamente as operações desse

transporte de risco, a sociedade humilha e aliena o tradutor e

seu ofício”. Arrojo (1992b: 419)

Quando se atribui caráter de deidade ao chamado "original",

pressupondo-o capaz de se manter o mesmo apesar das diferenças

inevitáveis, da passagem do tempo, das mudanças ideológicas e

contextuais, o logocentrismo necessariamente espera de toda

tradução uma eficiência sobre-humana, capaz de interromper o

fluxo do tempo e de neutralizar quaisquer diferenças.

No entanto, esse "milagre" nunca ocorre, e permanece uma

fantasia, por mais que se esforcem os tradutores comprometidos

com a fidelidade total ao "original"; e aí toda tradução passa

a ser sempre "menor", sempre "insatisfatória", sempre apenas

uma derivação desajeitada de um original idealizado e

inatingível. Esse destino de fracasso e de impossibilidade faz

do tradutor um Quixote empobrecido, um cavaleiro de triste

figura, dono de um mísero nome que merece ser apagado,

escondido, da mesma forma que seu trabalho, vagamente

indecente, tem que passar despercebido, tem que ser invisível.

John Florio, destacado tradutor inglês de Montaigne,

desculpava-se por suas incursões nessa atividade degradada, já

que todas as traduções são sempre defeituosas e, portanto,

aparentadas com o sexo feminino. O preconceito com a profissão de

tradutor também é visto em anedotas populares como a que é

expressa através do trocadilho italiano "traduttore-traditore",

que devido às semelhanças sonoras entre os dois vocábulos,

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usam-no para associar a tradução à traição. Outro exemplo é

visto na comparação machista e depreciativa que relaciona as

traduções com as mulheres: quando fiéis, não podem ser bonitas,

e quando bonitas, não podem ser fiéis.

Ao aceitar o papel que a tradição logocêntrica lhe impõe

como mero transportador de significados estáveis, o tradutor

não se reconhece como intérprete do texto que traduz, portanto,

pode tornar-se assim visível? Conseqüentemente, não necessita

de uma formação acadêmica, mas somente do conhecimento das

línguas envolvidas. Também não há a necessidade de que assuma a

responsabilidade autoral que lhe cabe e por isso não terá

direito a reivindicar qualquer reconhecimento. Mas quando o

tradutor se torna visível no texto traduzido, reconhecido e

remunerado dignamente por seu ofício, suas responsabilidades autorais

serão maiores, bem como maior será a probabilidade de que

realize um trabalho mais meticuloso e bem-feito. A visibilidade

chama o tradutor à realização de um trabalho mais apurado tendo

em vista a avaliação de seu trabalho por aqueles que estarão se

utilizando dele.

E aqui que tocamos em um ponto talvez o mais interessante

e “escondido” sob toda essa discussão acadêmica: o da

propriedade autoral. Pois é apenas disso que se trata quando se

fala em tradução. Arrojo, Foucauld, Derrida e tantos deixaram

de lado esse pequeno aspectozinho. Mas possivelmente o único

interessante em tudo isso: tradução NÂO é um problema de

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linguística. É um problema social, cultural. É um problema de

apropriação dos meios de produção intelectual.

O que fizemos até agora foi revizar os passos dos que nos

precederam diante dos problemas da tradução. Borges , escritor,

evidentemente é quem nos dá a melhor dica: fazendo de Menard um

copiador exato. Que declara ser esse texto agora SEU texto.

Coloca pois o problema central da aprppriação dos meios de

produção cultural, no caso escrita, no caso texto.

Não cabe, nos limites do presente trabalho a defesa de

nossa tese. Mas cabe-nos enunciá-la, a partir de Borges ( e

alguns outros autores): Toda propriedade privada é roubo, dizia

Proudhom. Não precisamos ir tão longe. Quando nos confrontamos

com traduções vemos que todo texto é um tecido (Barthes), cujas

linhas e nós já estão prédeterminados. Isso é : retirados de um

acervo vcultural que permitiu sua existência. Então, cada um

que se apropriar disso estará se apropriando meramente do

“texto cultural” que o permite. Não há, parece-nos

possibilidade de apropriação individual de um bem cultural. E o

texto o é.

Isso simplifica enormemente a tradução, colocando-a do lado

de um modo especial de re- produção de textos. Sem necessidade

alguma de nos preocupar mos com a construção ou deconstrução do

logos ocidental. A apropriação individual de bens coletivos ,

chamada por aí de produção cultural” é o ponto final do

logocentrismo. Deconstrui-lo é se apoderar. Para devolver ao

povo o que é do povo, claro!

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O tempo e as circunstâncias influenciam a leitura e a

escritura, a tradução não é responsável pela morte do original

mas é apenas um novo original, dessa vez de todos. W.

Benjamim, dizia que a tradução é a própria sobrevivência do

original, ou seja, é através da tradução que o original

sobrevive e se expande. Esqueceu apenas de acrescentar: se

expande como bem cultural, de todos E portanto livre para

alterações. E portanto sem preço de mercado. Tal reconhecimento

libertará a tradução do complexo de inferioridade e do desejo

compulsivo de pedir desculpas pelos "remendos" feitos por ela.

A partir daí, a tradução perde também a sua inocência e passa a

ser feita de forma mais consciente das intervenções realizadas

nos textos traduzidos:

"traduzir deixa de ser uma

atividade inútil ou invisível, que deve

passar despercebida, e se assume como uma

inevitável forma de conquista ou de

tomada de poder, que necessariamente

reescreve o passado e se apropria de outras

culturas e linguagens".

Como aplicar toda essa discussão teórica à nossa tradução?Em verdade não foi essa nossa intenção. E cremos que teorias ediscussões teóricas não visam essa aplicabilidade imediata.Nós a apresentamos para que todo tempo que lêssemos Anouilh elaficasse como um pano de fundo de nossa intervenção tradutória. Nos guiandomais inconscientemente que mecanicamente. Nós estaremos

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necessariamente reescrevendo um passado e nos apropriando deAnouilh. As perguntas que nos guiam agora são: De que passado, de que linguagens, de que textos nos apropriaremos? Queadequações, equivalências, correspondências produziremos nós?(TURK, Horst (1987) O que é que estaremos transpondo?Que vida? Que textos? Que obras? Que trabalho?

Nasceu em 23 de junho de 1910 em Bordeaux (França},morreu de ataque cardíaco na Suíça em 3 de outubro de 1987. Filho deFrançois Anouilh (alfaiate) e Marie-Magdeleine Soulue ( música,professora de piano). Casou-se com Monelle Valentin (a trizdivorciada) mãe de Catherine. Casou-se com Nicole Lancon, tendo comofilhos Catherine, Caroline, Nicolas e Marie-Colombe.Tentou fazer Direito, mas largou quando descobriu em 1928,Giraudoux e seu Siegfried e Cocteau com seu (O Casamento da Torre Eiffel,trad. de Michelotto, 1978) Les Mariés de la tour Eiffel.Com 22 anos, é o secretário de Louis Jouvet no Théâtre des Champs-Élysées; depois trabalha dois anos numa agência de publicidade (com,entre outros, Jacques Prévert e Jean Aurenche).Peter Brook disse dele: ” Ele escreve peças antes para ser encenadasque lidas. Suas peças são improvisações gravadas...é um poeta, masnão de palavras, mas de palavras-atuadas, de cenas de palco, deperformances de atores.” Anel em torno da Lua ( trad. de L'Invitation auchateau/ Convite para ir ao castelo.)Em 1929 representa sua primeira peça, um desastre, Humulus le muet.Em 1932 escreve sua primeira peça “de verdade”: L'Hermine.Decide viver de sua escrita, mas seu início é duro. Vai conhecer seu primeiro grande sucesso em 37, com O Viajante sem bagagens noThéâtre desMathurins. Os atores principais são Sacha e Ludmilla Pitoëff; Darius Milhaud escreveu uma música estranha, em forma de suite para violão, clarinette e piano, (op 157b).

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Em 1938, obteve um novo sucesso de crítica e público com Bal des Voleurs, e começa um período de colaboração com André Barsacq. Ele será seu principal interlocutor e diretor durante os próximos 15 anos.Sua peça mais célebre, Antigone, de 1942, será representada pelaprimeira vez sob a ocupação alemã em 1944, com direção, figurino e cenários de André Barsacq, no Théâtre de l'Atelier. Como inúmeros outros acontecimentos, Antigone será muito mal recebida. Quando estreou: ninguém aplaudiu. E no final, ambos lamentaram terem escrito e encenado a peça e estavam certos de que ela era uma verdadeira catástrofe. A crítica se dividiu, apeça tinha uma ressonância estranha, ambígua, pelo fato da figura trágica de Antígone se parecer com as heroinas da Resistência. Numa das noites chegou-se até a distribuir panfletos a favor da Resistência, com a anuência de Anouilh e Barsacq. Antígone iniciou sua carreira como uma dos pontos altosda dramaturgia de Anouilh. Ele nos serviu o melhor vinho primeiro, não é normal?Quando chegar a Liberação, Anouilh se levantará contra osexpurgos. Tentando salvar a vida de Robert Brasillach.Escreveu na época (1945): “Confesso ter uma certa compaixão pelosvencidos e temo os excessos cometidos nos expurgos ”. Vários escritosposteriores retomarão esta mesma linha de conduta. O problema éque Brasillach colaborou com os alemães sendo responsável peladeportação e morte de um sem número de cidadãos franceses (fossem judeusou...). Certamente esses mereceriam mais pena que Brasillach,não? Mas uma coisa é certa: nós não estávamos lá, entendeu?!Para azar de Anouilh, ele estava... e essa foi a mancha negra de sua vida.

Através de textos aparentemente ingênuos, Anouilh desenvolveráuma visão profundamente pessimista da existência.Como escreveuKleber Haedens ” Anouilh nos toca por seus apelos ao sonho,suanostalgia de um mundo puro e perdido.”

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Em 1946, Romeu e Jeannette, foram encenados por André Barsacq ;trata- se da primeira peça interpretada por Michel Bouquet,epor Jean Vilar e Maria Casarès. Depois disso a fecundidade deAnouilh como autor não mais cessou. Sua carreira será deinumeráveis sucessos durante quase duas décadas. Entre osinsucessos não se pode esquecer o da representação de A gruta,em 1961. Os tempos estavam mudando... Muitas de suas peçasforam adaptadas ou para filmes ou TV. Romeo e Jeannette foiadaptado e produzido como Monsoon (United Artists, 1953); AValsa dos toreadores (Continental Distributing, 1962); e em 1963o filme da Paramount Becket baseou-se ma tradução de LucienneHil de Becket, ou L'Honneur de Dieu. Produções de TV incluem "TheLark" 1956-57, e "Time Remembered," baseado na tradução dePatricia Moyes de Leocadia, 1961, ambas no Hallmark Hall ofFame, CBS; "Traveler without Luggage," na NET Playhouse, PBS, 1971;"Antigone,"Playhouse New York, PBS, 1972; e The Young Man and theLion, PBS, 1976.

Jean Anouilh classificou sua própria obra em: Peças Negras, Peças Rosas, Peças Brilhantes, Peças Que Rangem, Peças de Costumes, Peças Barrocas, Peças Secretas e Farsas.

Ele sempre trata do mesmo tema: a revolta contra a riqueza e contra o privilégio de nascimento, a recusa do mundo baseado na hipocrisia e na mentira, o desejo absoluto, a nostalgia do paraíso perdido da infância, a impossibilidade do amor, a conclusão de tudo com a morte.Anouilh não cai na peça de tese, mas diversifica suas criações desde o afresco até à sátira, passando pela tragédia. Antes de tudo ele coloca a encenação.

Peças Negras

No universo de Anouilh há dois tipos de homem que se afrontam”as pessoas para todos os dias” e os “heróis”. A raça numerosadas pessoas para todos os dias, compreende duas categoriasdistintas. Primeiro os fantoches, egoístas, mesquinhos, vazios

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e vulgares, viciosos e maus, contentes consigo mesmo e com avida.Esses são na maior parte dos casos, os pais , as mães dosheróis.Em seguida vem o grupo das pessoas dignas e inteligentes, masincapazes de grandes aspirações, feitos para uma vida tranqüilae sem complicações. Os “heróis” , jovens na maioria, se opõemigualmente a esses dois grupos numerosos, rejeitando afelicidade comum em que eles se comprazem. Mas eles não seconstituem em uma categoria única. Dois tipos podem sedistinguir: os que têm um passado pesado, do qual eles tentamescapar e os que identificam seu passado com o mundo puro dainfância e se esforçam por conservá-lo intato. Os heróis deAnouilh são incapazes de se livrar de seu passado.São amaldiçoados, pois pertencem a este passado. Prisioneirosde seu passado , de sua posição social, de sua pobreza, elesnão encontram outra saída senão a fuga da morte ou a morte. As Peças Negras: Eurídice, Antigone e Média são retomadas demitos conhecidos, mas Anouilh faz delas obras modernas onde ahistória não tem mais o papel principal.Essas peças nos espantam desde o início pela familiaridade doton e do estilo falado, algumas vezes vulgar,muito afastado doestilo nobre e rebuscado próprio da tragédia clássica. Aomesmo tempo, como seu mestre Giraudoux, Anouilh usaabundantemente de anacronismos : aí se falam de cartões postais, decafés, de bares, cigarros, fuzis, filmes, carros, corridasetc. E ainda por cima os personagens vestem roupas do séculoXX. De outra parte, como no caso de Antígone, Anouilh empregapela primeira vez a técnica da “mise em abîme”, do "teatrodentro do teatro" que ele pega de empréstimo a Pirandello. Aosubir a cortina todos os personagens estão em cena, isolados ouem grupos, calados ou batendo papo. O Prólogo se adianta emdireção ao público e se põe a apresentá-los indicandobrevemente sue caráter e seu papel. O espectador é informadologo desde o início sobre o que vai se passar e não vai maisficar se perguntando se Antígone vai morrer, mas porque e como.

Peça. RosasA partir de 1937, Anouilh inicia a série de Obras Rosas que ele alterna com as Obras Negras. São comédias divertidas em que

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ele solta completamente sua fantasia (Le Bal des Voleurs, Le Rendez-vous de Senlis, Léocadia).No universo rosa de Anouilh, há duas categorias de personagens:"os marionetes", que são em geral velhos ridículos e inconsistentes e os amorosos, jovens sinceros que acreditam no amor..

Peças BrilhantesUm lugar especial entre elas cabe a Colombe (1951), pois Anouilh retoma nela sua técnica preferida: a do “teatro dentro do teatro”!

Peças de Costumes A raça dos heróis reaparece em duas dessas peças após aLiberação: A andorinha e Becket, depois em Thomas More ou ohomem livre, sua ultima peça. Mas ai não encontramos mais ouniverso angustiante das primeiras peças negras. Joana d'Arc,Thomas Becket e Thomas More são figuras luminosas que aceitamse sacrificar não por razões existenciais, mas em nome dodever: para com a pátria (Joana) ou para com Deus (Becket etMore). Então um dia esses seus valores não mais foram reconhecidos. (1)

E isso se anunciou com o fracasso de A Caverna. Depois ele se volta para a direção. Será um dos primeiros asaudar o talento de Beckett quando da criação de Esperando Godot.Ele apoiará também Ionesco, Dubillard, Vitrac... Escreveráainda peças nos anos 70 e passará a ser classificado como "autode teatro de diversão” . Anouilh assume então perfeitamenteeste papel e reinvindica para si o título de “velho de vida atoa” ( que perambula pelos boulevards...). Chegando mesmo a seapresentar como um simples “fabricante de peças”.

Peças Que Rangem (2)Após a Liberação, a produção dramática de Anouilh é marcada por peças que rangem (desde Ardèle ou a Margarida até Umbigo). Suapredileção é a comédia satírica , onde se move sobretudo a raçamais ou menos vulgar das pessoas comuns em seu dia a dia.

Fábulas

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A obra literária de Jean Anouilh compreende igualmente um conjunto de fábulas, algumas narrativas e numerosos roteiros e adaptações para cinema ou televisão.

Diretor, Le Voyageur sans bagage, 1943, nos EEUU: Identity Unknown (Identidadedesconhecida), Republic Pictures, 1945.Deux sous de violettes, France, 1951.

(Com Jean Aurenche) Humulus le muet, Editions Francaises Nouvelles, c. 1929.

L'Hermine, Theâtre de l'Oeuvre, Paris, France, 1932, Les Oeuvres libres, No.151, 1934, Trad. Inglesa de Miriam John : The Ermine, in Plays of the Year, Vol. 13, Ungar, 1956. (Η ερμίνα)

Mandarine, Theatre de l'Athenee, Paris, 1933.

Y'avait un prisonnier ("There Was a Prisoner"), Theatre des Ambassadeurs, Paris, 1935, La Petite illustration, May 18, 1935.

Le Voyageur sans bagage, Theatre des Mathurins, Paris, 1937, La Petite illustration, 10/o4/ 1937, Trad.: John Whiting , publicada como Traveller without Luggage, Methuen, 1959, encenado no Arts Theatre, London, U.K., 1959,trad. de Lucienne Hill produzido pela American National Theatre Academy (ANTA) Playhouse, New York City, 1964. (Ταξιδιώτης χωρίς αποσκευές)

La Sauvage, Theatre des Mathurins, 1938, Les Oeuvres libres, No. 201, 1938, trad. de Lucienne Hill : Restless Heart, Methuen, 1957, encenado no St. James Theatre, London, 1957.

Le Bal des Voleurs, Theatre des Arts, Paris, 1938, Theatre des Quatre Saisons, New York City, 1938, Les Oeuvres libres, No.209, 1938, e por Editions Francaises Nouvelles, 1945, trad. de Lucienne Hill : Thieves' Carnival, Methuen,1952, e by Samuel French, Inc., 1952, encenado no Cherry Lane Theatre, New York City, 1955.

Rendez-vous de Senlis, Theatre de l'Atelier, Paris, 1938, Editions de la TableRonde, 1958, encenado no Edwin O. Marsh : Dinner with the Family, Methuen, 1958,encenado no New Theatre, London, 1957, Gramercy Arts Theatre, New York City,1961.

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Leocadia, Theatre de l'Atelier, 1939, trad. de Patricia Moyes : Time Remembered, Methuen, 1955, e Coward, 1958, encenado no MoroscoTheatre, New York City, 1957. ( Λεοκάντια)

Eurydice, Theatre de l'Atelier, 1941, trad. por Mel Ferrer encenado no the Coronet Theatre, Los Angeles, CA, 1948, trad. por Kitty Black : Point of Departure, Samuel French, Inc., 1951, encenado no Lyric Hammersmith Theatre,London, 1950, Mannhard't Theatre Foundation, New York City, 1967, Legend of Lovers, Coward, 1952, encenado no Plymouth Theatre, New York City, 1951.

Antigone, Theatre de l'Atelier, 1944, Editions de la Table Ronde, 1946, trad.de Lewis Galantiere, Random House, 1946, encenado no the Court Theatre, New York City, 1946. (Αντιγόνη)

Romeo et Jeannette, Theatre de l'Atelier, 1946, adaptação de Donagh MacDonagh encenado como Fading Mansion, Duchess Theatre, London, 1949, trad. Miriam John, produzido como Jeannette, Maidman Playhouse, New York City, 1960.

L'Invitation au chateau, Theatre de l'Atelier, 1947, Editions de la Table Ronde,1948, e Cambridge University Press, 1962, trad. Christopher Fry : Ring Aroundthe Moon, Oxford University Press, 1950, encenado no Martin Beck Theatre, New York City, 1950, adaptação de Clifford Bax, The Pleasure of Your Company , London

Ardele, ou La Marguerite, Commédie des Champs-Elysees, Paris, 1948, adapt. Cecil Robson prod. como Cry of the Peacock, Mansfield Theatre, New York City, 1950, trad. Lucienne Hill: Ardele, Methuen, 1951, encenado no Cricket Theatre, New York City, 1958.

Episode de la vie d'un auteur, Commédie des Champs-Elysees, 1948, Cahiers dela compagnie Madeleine Renaud--Jean-Louis Barrault, Julliard,1959, trad. encenada como Episode in the Life of an Author, Studio Arena, Buffalo, NY, 1969, mais tarde Off- Broadway.

Cecile, ou L'Ecole des pères, Commédie des Champs-Elysees, 1949, Editions de la Table Ronde, 1954, trad. Luce Klein e Arthur Klein : Cecile, or the School for Fathers, in From the Modern Repertoire, 3rd series, Indiana University Press,1958.

La Repetition, ou L'Amour puni, Theatre Marigny, Paris, 1950, e Ziegfeld Theatre, New York City, 1952, trad. Pamela Hansford Johnson e Kitty Black: The Rehearsal, Coward, 1961, encenado no Royale Theatre, New York City, 1963.

Colombe, Théâtre de l'Atelier, 1951, Livres de Poche, 1963,adapt. de Denis Cannan , ed. Coward, 1954, encenado no the Longacre Theatre, New York City, 1954. (Κολόμπ)

Monsieur Vincent, Bayerisch Scheulbuch-Verlag, 1951.

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La Valse des Toreadors, Editions de la Table Ronde, 1952, trad. de Lucienne Hill: The Waltz of the Toreadors, Elek, 1956, and Coward, 1957, encenado no Coronet Theatre, New York City, 1957. (Το βαλς των ταυρομάχων)

L'Alouette, Theatre Montparnasse, Paris, 1953, Editions de la Table Ronde, 1953, Methuen, 1956, and Appleton, 1957, trad. de Christopher Fry: The Lark, Methuen, 1955, e Oxford University Press,1956, trad. de Lucienne Hill: "Joan", publicado como TheLark, Random House, 1956, adapt. de Lillian Hellman, encenado como The Lark, Longacre Theatre, New York City, 1955. (Ο κορυδαλλός)

Medeía, Theatre de l'Atelier, 1953, Editions de la Table Ronde, 1953, trad. de Lothian Small : Medea, in Plays of the Year, 1956, Vol. 15, Ungar, 1957. (Μήδεια)

Ornifle, ou Le Courant d'air, Commédie des Champs-Elysees, 1955, Editions de la Table Ronde, 1955, trad. de Lucienne Hill: Ornifle: A Play, Hill & Wang, 1970.

Pauvre Bitos, ou Le Diner de têtes, Theatre Montparnasse, 1956, Editions de la Table Ronde, 1958, Harrap, 1958, trad. de Lucienne Hill : Poor Bitos, Coward,1964, encenado no Classic Stage Company, New York City, 1969.

Hurluberlu, ou Le Reactionnaire amoureux, Commédie des Champs- Elysees, 1959, Editions de la Table Ronde, 1959, adapt. de Lucienne Hill: The Fighting Cock, Coward, encenado no ANTA Playhouse, New York City, 1959.

Madame De ..., trad. de John Whiting, Samuel French, Inc., c. 1959, encenado no mesmo programa de Traveller without Luggage, ArtsTheatre, London, 1959.

Becket, ou L'Honneur de Dieu, Theatre Montparnasse, 1959, Editions de la Table Ronde, 1959, trad. de Lucienne Hill : Becket, or the Honor of God, Coward, 1960, encenado como Becket, St. James Theatre, New York City, 1960. (Μπέκετ ή Η τιμή του Θεού)

(with Roland Laudenback), La Petite Moliere, Theatre Festival of Bordeaux, France, 1960, in L'Avant Scene, December 15, 1959.

La Grotte, Theatre Montparnasse, 1961, Editions de la Table Ronde, 1961, tradde Lucienne Hill : The Cavern, Hill &Wang, 1966, encenado no Playhouse in thePark, Cincinnati, OH, 1967, e no Classic Stage Company, New York City, 1968.

La Songe du critique, Lensing (Dortmund, Germany), 1963.

La Foire d' Empoigne, Paris, 1962, Editions de la Table Ronde, 1961.

L'Orchestre, 1962, in L'Avant Scene, November 15, 1962, trad. Encenada como Orchestra, Studio Arena Buffalo, NY,1969, and Off-Broadway.

tradutor de Richard III, Theatre Montparnasse, 1964.

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Cher Antoine, ou l'Amour rate, Commédie des Champs-Elysees, 1969, Editions de la Table Ronde, 1969, trad de Lucienne Hill : Dear Antoine, or The Love That Failed, by Hill & Wang, 1971, encenado no Chichester Festival Theatre, Chichester, U.K., 1971,e no Loeb Drama Center, Harvard University, 1973.

Le Boulanger, la boulangere et le petit mitron, Commédie des Champs- Elysees, 1968, Editions de la Table Ronde, 1969, trad de Lucienne Hill , encenado como The Baker, the Baker's Wife, and the Baker's Boy, University Theatre, Newcastle, U.K., 1972.

Le Theatre, ou La Vie comme elle est ("Theatre, or Life as It Is"), Commédie des Champs-Elysees, 1970.

Ne reveillez pas Madame ("Don't Wake Up Madame"), Commédie desChamps-Elysees, 1970, Editions de la Table Ronde, 1970.

Les Poissons rouges, ou Mon Père, ce héros, ("The Goldfish" ou "The Red Fish"), Theatre de l'Oeuvre, 1970.

Tu etais si gentil quand tu etais petit, ("You Were So Nice When You Were Little"), Theatre Antoine, Paris, 1972, Editions de la Table Ronde, 1972.

Le Directeur de l'Opera, Editions de la Table Ronde, 1972.

The Navel, 1981

Coleções em francês, todas publicadas pelas Ed.de La Table Ronde a menosque seja indicado.

Peças Rosas contém O Baile dos Ladrões( Le Bal des voleurs,) O encontro em Senlis( Le Rendez-vous de Senlis) e Leocadia, Editions Balzac, 1942, second edition. (Húmulus o mudo) Humulus le muet, Editions de la Table Ronde, 1958.

Peças Negras contem ( A Hermínia) L'Hermine,(O Selvagem) La Sauvage,(O Viajante sem bagagem) Le Voyageur sans bagage, e (Eurídice) Eurídice, Editions Balzac, 1942.

Novas peças negras contém Jezebel, Antigone, Romeo e Jeannette, e Medea, 1946.

Peças brilhantes contém (Convite ao castelo) L'Invitation au chateau, (Pomba)Colombe, (O ensaio

ou o amor punido)La Repetition ou L'Amour puni,(Cecília, ou a Escola dos Pais) Cecile, ou L'Ecole des pères, 1951.

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Peças sem óleo,incluem Ardele, ou La Marguerite, La Valse des toreadors, (Ornifle ou a corrente

de ar)Ornifle, ou Le Courant d'air, (Pobre Bitos , ou a almoço de cabeças)Pauvre Bitos, ou Le Diner de tetes, 1956.

Peças de costume: L'Alouette, (B. ou a honra de deus)Becket, ou L'Honneur de Dieu, La Foire d'Empoigne, 1960.

Peças sem óleo,incluem (O abestalhado ou o recionário amoroso)L'Hurluberlu, ou Le Reactionnaire amoureux, (A caverna)La Grotte,() A orquestra L'Orchestre,(O padeiro, a mulher do padeiro e o filhinho do padeiro)) Le Boulanger, la Boulangere, et le petit mitron, (Peixzinhos dourados / ou vermelhos, ou meu pai, este herói)Les Poissons rouges, our Mon Pere, ce heros, 1970.

Inglês Collected plays in three volumes published by Hill &Wang: Vol.I published asFive Plays, contains Antigone, Eurydice, The Ermine, The Rehearsal, and Romeo and Jeannette, 1958, Vol. II published as Five Plays, contains Restless Heart, Time Remembered, Ardele, Mademoiselle Colombe, and The Lark,1959, Vol. III published as Seven Plays, contains Thieves' Carnival, Medea, Cecile, or the School for Fathers, Traveler without Luggage, TheOrchestra, Episode in the Life of an Author, and Catch as Catch Can, 1967.

The Collected Plays, Methuen, Vol. I contains The Ermine, Thieves' Carnival,Restless Heart, Traveller without Luggage, and Dinner with the Family, 1966,Vol. II contains Time Remembered, Point of Departure, Antigone, Romeo andJeanette, and Medea, 1967.

Outros escritos de Anouilh

(Editor e tradutor) Trois Comedies: As You Like It, The Winter's Tale, Twelfth Night, Editions de la Table Ronde, 1952.

(com Pierre Imbourg e Andre Warnod) Michel-Marie Poulain, Braun, 1953.

(com Nicole Anouilh) (O amante complacente )L'Amant complaisant,trad. de Graham Greene: The Complaisant Lover, Laffont, 1962.

(ADAPTADOR) Victor de Roger Vitrac, in L'Avant Scene, November 15, 1962.

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(tradutor) Il est important d'etre aime, Oscar Wilde's The Importance of Being Earnest, in L'Avant-Scene, No. 101.

CO- AUTOR com Leon Thoorens, Le Dossier Moliere, 1964; Tradutor e adaptadorde (Desejo debaixo dos Elmos) Desire Under the Elms; escreveu (Átila, o magnífico) Attile le magnifique,1930; (A pequena felicidade)Le Petit bonheur, 1935;(A incerteza) L'Incertain, 1938.

Escritos para teatro

(Autor de dialogues, com Jean Aurenche) Les Degourdis de la onzieme, 1936.

(Autor de dialogues, com Jean Aurenche) Vous n'avez rien a declarer, 1937.

(Autor de dialogues, com Aurenche) Les Otages, 1939.

(cenarista e autor de dialogues, com Aurenche) Le Voyageur sans bagage, 1943, Identity Unknown, Republic Pictures,1945.

(adaptador e autor de dialogues,com J; Duvivier e G; Morgan) Anna Karenina, 1947.

(roteirista e autor dos diálogos com J; Bernard-Luc), Monsieur Vincent, Lopert, 1949.

(roteirista, adaptador e autor dos diálogos com, with Bernard-Luc) Pattes Blanches, 1948.

(adaptador e autor dos diálogos) Un Caprice de Caroline cherie, 1950.

(adaptador e autor dos diálogos com sua mulher Monelle Valentin) Deux sous de violettes, 1951.

(adaptador, roteirista e autor dos diálogos) Le Rideau rouge (ce soir joue Macbeth), 1952.

(adaptador e autor dos diálogos) Le Chevalier de la nuit, 1953.

(adaptador e autor dos diálogos) The End of Belle, filmado como The Passion of Slow Fire, Trans-Lux Distributing, 1962.

(adaptador e autor dos diálogos) La Ronde, 1964.

(adaptador e autor dos diálogos) La Grain de beaute, 1969.

(adaptador e autor dos diálogos) Waterloo, Paramount, 1971.

(adaptador e autor dos diálogos) Time for Loving, 1972.

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(adaptador e autor dos diálogos) A Room in Paris.

Também autor de: A Viscondessa de Eristal ainda não recebeu seu tapete mecânico(Carpet Sweeper (autobiografia)), 1987; e scripts para os ballets Les Demoiselles de la nuit e Le Loup.

http://www.filmreference.com/film/81/Jean-Anouilh.html#ixzz0lCErNaqr

NOTAS

(1) Mas aqui cabe dizer.É meio doloroso, mas é estranho como o mundo muda e por vezes alguns luminares não o percebem. Como dissemos acima: nos anos 60 algo havia se removido definitvamente do lugar. Todo esse “sentimento” de vazio ou de grandeza , inspirados por deus, pátria, família, foi de uma vez por todas colocados sob a etiqueta de “conservadorismo”ou “reacionarismo” e deixados para os mais velhos que um dia iriam se acabar, deixando o mundo um pouco mais leve e limpo, sem dúvida. E olha que gosto de Anouilh!Anouilh os matou de vez em suas Peças Negras, não é estranho? Mas foi exatamente o que foi matando Anouilh, Nelson e toda a geração que ainda escrevia até os anos 50, agora agarrada em seu passado. Ficaram cotidianos demais. Então um dia seus dias não mais foram reconhecidos. Para dizer a verdade, ninguém sabe porque. Pois eles mesmos em seustextos não mais reconheciam esse passado, esse dia a dia, esse recurso ôco ( deus, pátria, família) essa grandeza inútil. Nelson sobretudo que o diga! Certamente seus procedimentos não envelheceram. Então um dia seus dias não mais foram reconhecidos. E isso se anunciou com o fracasso de A Caverna. Depois ele se volta para a direção. O curioso deste autor é que enquanto se prendia em sua obra, não deixou de saudar (será um dos primeiros!) o talento de Beckett quando da criação de Esperando Godot. Ou Ionesco, Dubillard, Vitrac... Escreverá ainda peças nos anos 70 e passará a ser classificado como "autor de teatro de diversão” . Anouilh assume então perfeitamente este papel e reinvindica para si o título de “velho de vida a toa” ( que perambula pelos boulevards...).

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Chegando mesmo a se apresentar como um simples “fabricante de peças”.

(2) O título possivelmente vem de uma frase de Anouilh no famoso e admirável segundo Coro de Antígone, quando fala da caraterísticas da tragédia em oposição aos melodramas etc. “Themachine is in perfect order; it has been oiled since time began, and it runswithout friction”Essas peças seriam o contrário das tragédias, creio eu!

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Parte II

ANTIGONE

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1942

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Antígone _____________________________________Creonte _____________________________________Hemon _____________________________________

Ismênia _____________________________________Eurídice _____________________________________

A Babá _____________________________________O pajem _____________________________________

Os Guardas Juão Denis [10] __________________________________Ricardo Bigi[20 , mas “ Guarda de Primeira

Classe !” _______________Mickelotto

[30]____________________________________

O Mensageiro _____________________________________O Coro _____________________________________

O Prólogo (1) _____________________________________

A peça inicia com o Prólogo, mas ele não é mencionado entre os personagens.É possível que seja feito pelo Mensageiro, ou alguém do Coro.

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Observaçãm que muyto importa leer:

Nossas notas de tradução ou palavras acrescentadas, que julgarmos necessárias à fluênciaespecífica da língua brasileira, serão escritas em azul, cor diferente da do texto original de

Anouilh. As rubricas do autor, em vermelho, já que rubricas. E com tabulação à esquerda, conforme o texto francês.

Pela mesma razão, nomes de personagens são tabulados no centro, em maiúsculas

Cenário neutro. Três portas iguais. Ao abrir a cortina todos personagensestão em cena. Batem papo, tricotam, jogam baralho. O Prólogo se afasta

deles e vai para a frente do palco.

O PRÓLOGO

Eis aí. Esses personagens vão representar para vocês a história deAntígone. Antígone é a magrelinha que está sentada lá mais ao fundo e que nãofala nada. Ela apenas olha reto em frente.Ela pensa. Ela pensa que daqui apouco ela será Antígone, que ela surgirá da moça magra e meio negra etrancada que ninguém na família levava a sério e irá se erguer sozinhadiante do mundo, sozinha diante de Creonte, seu tio, que é o rei. Ela pensaque irá morrer, que ela é jovem e que, também ela, gostaria muito decontinuar vivendo.Mas não há nada que se possa fazer para isso.Ela se chamaAntígone e será necessário que ela represente seu papel até o fim... E, desdeque essa cortina se abriu, ela sente que se afasta, em vertiginosavelocidade, de sua irmã Ismênia, que bate papo e ri com um jovem; ela senteque se afasta de todos nós, que aqui estamos bem tranqüilos a olhá-la, de nósque não iremos morrer esta noite.

O jovem com o qual conversa a loura, a bela, a feliz Ismênia, é Hemon,o filho de Creonte. Ele é o noivo de Antígone. Tudo o levava rumo a Ismênia:seu gosto pela dança e os jogos, seu gosto pela felicidade e o sucesso etambém sua sensualidade, pois Ismênia é bem mais bonita que Antígone, mas aí,uma bela noite de baile em que ele havia dançado o tempo todo apenas comIsmênia, uma noite em que Ismênia tinha se apresentado esplêndida com seuvestido novo, ele foi se encontrar com Antígone que sonhava em um cantoqualquer, como agora, seus braços envolvendo os joelhos, e ele pediu que elafosse sua mulher. Ninguém jamais compreendeu o porquê. Antígone levantou seusolhos sérios para ele, sem nenhuma surpresa e ela lhe disse “sim”, um simacompanhado de um pequeno sorriso triste... A orquestra tocava para umaoutra dança; Ismênia ria desabridamente. Lá ao longe, por entre outros

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jovens e, pronto, eis que ele iria ser o marido de Antígone. Ele não sabiaque não deveria jamais existir marido algum de Antígone por sobre esta terrae que esse título principesco lhe dava apenas o direito de morrer.

Este homem robusto, de cabelos brancos, que está a meditar ali perto deseu pajem, é Creonte. E é o rei. Ele tem rugas, ele está cansado. Elerepresenta o difícil jogo de guiar homens. Antes do tempo de Édipo, quandoele não era o primeiro personagem da côrte. Ele amava a música, os livros bemencadernados, os longos passeios sem finalidade por entre os pequenoantiquários de Tebas. Mas Édipo e seus filhos estão mortos.Ele abandonou seuslivros, seus objetos, ele arregaçou suas mangas e tomou seu lugar.

Algumas vezes, ao anoitecer, ele está fatigado e se pergunta se não éuma perda de tempo o conduzir homens. Se isso não é um ofício sórdido que sedeveria deixar para outros mais frustrados...Bem, mas ao amanhecer problemasprecisos são postos, os quais é preciso resolver, e ele se levanta tranqüilo,como um operário no meio de sua jornada.

A velha senhora que tricota, ao lado da babá que educou as duasmeninas, é Eurídice, a mulher de Creonte. Ela tricotará durante toda atragédia até que chegue seu momento de se levantar e morrer. Ela é boa,digna, amorosa; ela não lhe serve de nada. Creonte está só, só com seupequeno pajem que é muito pequeno e também não pode fazer nada para ajudá-lo.

Esse rapaz, lá bem mais no fundo, que sonha, encostado à parede,solitário, é o Mensageiro.É ele quem virá daqui a pouco anunciar a morte deHemon. É é por isso que ele não tem vontade de papear nem de se misturarcom os outros. Ele já sabe...

E finalmente , os três gajos avermelhados que jogam baralho, de chapéuà nuca, são os guardas. Não são uns cães degenerados assim: eles têmmulheres, eles têm filhos e pequenas chateações na vida, como todo mundo, masdaqui a pouco eles pegarão os acusados com a maior tranqüilidade do mundo.Eles fedem a alho, a couro e vinho tinto e são completamente desprovidos deimaginação. São os auxiliares da justiça, sempre inocentes e sempresatisfeitos com eles mesmos. Nesse momento, até que um novo chefe de Tebasdevidamente empossado lhes dê ordens por sua vez para prendê-lo, eles são osauxiliares da justiça de Creonte.

E agora que vocês os conhecem a todos, eles poderão apresentar paravocês a sua história. Ela começa no instante em que os dois filhos de Édipo,Etéocle e Polinice, que deveriam reinar em Tebas , alternando-se a cada ano,lutaram um com o outro e se mataram aos pés das muralhas da cidade, depoisque Etéocle, o mais velho, se recusou de dar a vez a seu irmão. Sete grandespríncipes estrangeiros que Polinice havia conseguido para defender sua causa,foram vencidos diante das sete portas de Tebas. Agora a cidade está a salvo;os dois irmãos inimigos, mortos, e Creonte , o rei, ordenou que para Etéocle,o bom irmão, seriam feitos imponentes funerais; e ordenou que Polinice,aquele vagabundo, um revoltado e ladrão, seria exposto, sem choros nemsepultura, como presa de corvos e chacais. Qualquer um que ouse lhe fazer ashonras fúnebres será impiedosamente punido com a morte.

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BABÁEstás vindo de onde?

ANTÍGONEDe meu passeio, babá. Foi bonito. Tudo estava cinzento. Agora, você nemimagina como tudo anda rosa, auriverde. Virou um cartão postal. Tens que televantar mais cêdo, minha babá, se suportas ver um mundo sem cores.

Tenta passar pela Babá.BABÁ

Eu me levantei e ainda era noite, fui a teu quarto para ver se não te tinhasdescoberto enquanto dormias e não te encontrei na cama!

ANTÍGONEO jardim ainda estava dormindo. Eu o surpreendi, babá. Eu o vi semque ele percebesse. É belo um jardim que ainda não pensa nos homens.

BABÁTu saíste. Eu passei pela porta do fundo que deixaste entreaberta.

ANTÍGONENos campos tudo estava molhado e era espera. Tudo esperava. Eu fazia umbarulho enorme pela estrada e estava chateada, pois sabia que não era a mimque esperavam. Então tirei minhas sandálias e escorreguei pela relva sem queela se apercebesse.

BABÁVais ter que lavar esses pés antes de voltar para a cama.

ANTÍGONEEu não voltarei para a cama esta manhã.

BABÁÀs quatro! Nem eram quatro horas!Eu me levanto e vou ver se estás descoberta.E encontro um leito frio sem ninguém nele.ANTÍGONE

Não achas que se me levantasse todos os dias bem cedinho, não seriabelo todas as manhãs ser a primeira moça fora de casa? BABÁ

De noite! Estava bem de noite!E tás me querendo fazer crer que fostepassear, sua mentirosa! De onde é que estás vindo?ANTÍGONE

Tem um estranho sorriso

É verdade, ainda estava de noite.E apenas eu, em todo o campo, pensavaque já era de manhã. É maravilhoso, babá. Fui a primeira hoje queacreditou no dia.

BABÁE banca a maluca! Vais bancando a maluca, vais.Eu conheço bem essa canção. Eujá fui moça antes de ti. E nunca fui boazinha também, mas cabeçuda que nemés, isso nunca fui. De onde é que estavas vindo, sua mentirosa?

ANTÍGONE

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Repentinamente sériaNão. Não sou má.

BABÁTinhas um encontro, né não? Diga que não, ué....

ANTÍGONECom doçura

Sim. Eu tinha marcado um encontro.BABÁ

Arranjaste um namorado?

ANTÍGONECom estranheza, após um silêncio

Sim, babá, sim, coitado. Eu tenho uma paixão.BABÁ

Ah, mas que bom! Que gracinha! Tu, a filha de um rei! Vai você se cansar, vaise cansar para educá-los! É tudo igual! Mas tu, tu não eras como os outros,vê lá se ias viver em frente ao espelho, a passar batom, a fazer tudo paraque olhassem para ti! Quantas vezes eu me disse: “Meu deus, essa menina, elanão é nada charmosa! Sempre com o mesmo vestido e sempre toda despenteada. Osrapazes só olharão para Ismênia e seus cachinhos e seus laçarotes e vãodeixar Antígone para que eu crie!” Pois é, e não é que acabaste pior que tuairmã, sua fingida!Quem é?! Um bandidinho né, quem sabe!Um cara que nem podesanunciar à família: ‘É esse aí com quem vou me casar “.. É isso aí, né não,vá diga sua trapalhona!”.

ANTÍGONE

Ainda com um sorriso imperceptívelÉ isso aí, minha babá.

BABÁE ela ainda diz que é! mí-sericórdia! Eu a peguei pequenininha, eu prometi àsua pobre mãe que faria dela uma menina decente e veja o que ma dá! Ah masisso não vai ficar assim não, minha tolinha. Eu sou tua babá e me tratas comouma velhota imbecil, tá bom, mas teu tio Creonte vai ficar sabendo de tudo. Aisso eu te prometo!

ANTÍGONE

Repentinamente um tanto cansadaTá bom, tio Creonte saberá. Agora podes ir, tá?

BABÁE vais ver o que ele dirá ao souber que andas saindo à noite. E Hemon, comofica teu noivo?! Ah ela está noiva, imagine! Uma noiva e sai às 4 horas damatina para se encontrar com outro! E esse troço ai ainda quer que a gente

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saia, que não se fale nada sobre isso! Sabes o que eu deveria fazer, minhamenina, é isso ai, uma boa surra daquelas quando eras pequena.

ANTÍGONEOh babucha, não deverias (1) gritar tanto. Não deverias ficar tão braba hoje.

BABÁgritando

Não gritar!! E eu lá estou gritando?! Ah eu não deveria gritar por umacoisinha dessas não é?!! Logo eu que fiz uma promessa à tua mamãe! Queéqueela diria , hein, se ela estivesse aqui! “Velha abestalhada! Isso mesmo suaabestalhada, que nem soube guardar pura a minha filhota. Sempre gritando,sempre bancando o cão de guarda, sempre a rodeá-las com lãs e peles para queelas não sintam nunca frio, dando canjinha de galinha para que fiquem fortes:mas às 4 da manhã tu roncas, velha estúpida, tu dormes, quando nem poderiasfechar um olho só, e acabas deixando-as cair fora, molenga, e quandoconsegues ir lá e dar uma olhada(2), a cama já está até fria!” É por aí quetua mãe irá abrir a boca, lá em cima, quando eu subir para vê-la e eu voumorrer de vergonha, morrer viu, se eu já não estiver bem morta antes e sóvou mesmo é baixar a cabeça e responder ”A senhora tem toda razão, MadameJocasta”

ANTÍGONENão, babá. Não chore mais. Vais poder olhar mamãe bem no olho quandofores te encontrar com ela. E eis o que ela te dirá: ”Bons dias,babucha, obrigado por cuidar de minha pequena Antígone, muitoobrigado!”. E ela sabe porque eu saí hoje de manhãzinha.

BABÁNão estavas namorando?

ANTÍGONEDe jeito nenhum, babucha.

BABÁ

Tas zombando de mim, né não? Me respeita que eu já estou velha!. Sempre fosteminha preferida , apesar de teres um caráter bem ruim. Tua irmã era maismeiga, mas sempre cri que eras tu quem me amava. Se me amavas deverias ter medito a verdade. Por quê tua cama já estava fria quando vim cuidar de ti?

ANTÍGONENão chore mais, por favor, babazinha.

Beija-aEi minha maçã fofinha, deixa disso. Lembras quando eu te esfregava para que

ficasses brilhando? Minha maçã murchinha! Não deixe rolar lágrimas à toa, porbesteirinhas como essa. Nem por nada. Eu sou pura, eu não tenho outra paixãoque Hemon, meu noivo, eu te juro. Posso até mesmo jurar, se quiseres, quenunca mais haverá um outro que eu ame... Poupa tuas lágrimas, poupa tuas

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lágrimas, pois talvez ainda precisarás delas de novo, minha babucha. Quandochoras assim eu volto a ser pequenina..E hoje, nesta manhã, eu não posso serpequena.

Entra IsmêniaISMÉNIA

Já estás em pé?! Passei em teu quarto...ANTIGONE

Sim,me levantei cedo.BABÁ

As duas então!... As duas vão acabar malucas, que negócio é esse de selevantar antes das criadas?Estão pensando que é coisa boa estar de pé cedinhoem jejum e que isso convém a princesas?!E ainda estão desabrigadas!Vão verque vão acabar doentes!

ANTÍGONENão te preocupes, Babá. Não está fazendo frio, te garanto, já estamos noverão.Vá fazer um café para a gente, vá.

Senta-se atacada repentinamente de cansaço.Eu gostaria bem de um bom café agora, por favor, babucha. Vai me fazer bem.

BABÁOh minha pombinha! Está com tonteira por causa da barriga vazia e eu ficoaqui como uma idiota em vez de ir preparar alguma coisa bem quente.

Sai rapidamente.ISMËNIA

Estás doente?ANTÍGONE

Nada grave. Só um pouco cansada.Sorri.

É que me levantei cedo.ISMÉNIA

Eu também não consegui dormirANTÍGONE

Sorri de novo.Precisas dormir outra vez. Senão amanhã estarás menos bela.

ISMÉNIANão zomba, vá.

ANTÍGONENão estou zombando.Te garanto que nessa manhã eu fico mais segura sabendo queestás bela. Quando eu era menor, lembras, eu era tão infeliz!Eu te borravatoda de terra e botava minhocas em teu pescoço. Um dia eu te amarei numaárvore e cortei teus cabelos, teus belos cabelos...

Acariciando os cabelos de Ismênia. Mas como é fácil não se pensar em fazer besteiras quando se tem umas mechaslisas e bem ordenadas ao redor da cabeça, como as tuas!

ISMÉNIA

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De chofre.Por quê estás falando dessas coisas?

ANTÍGONE Docemente, sem parar de acariciar-lhe os cabelos.

Eu não estou falando de outras coisas... ISMÉNIA

Sabes, Antígone, eu pensei bastante...ANTÍGONE

Em quê?

ISMÉNIAPassei a noite pensando. Estás maluca.

ANTÍGONETou.

ISMÉNIANão podemos.

ANTÍGONE

Após um silêncio, com sua voz baixaE por quê?

ISMÉNIAEle nos mataria.

ANTÍGONEMas claro. Cada um tem um papel. Ele, deve nos fazer morrer; e nós, nósdevemos ir enterrar nosso irmão.É assim que as coisas foram distribuídas.Que é que queres que façamos?

ISMÉNIAEu não quero morrer!

ANTÍGONEEu também gostaria muito de não morrer.

ISMÉNIAEscuta, eu pensei bastante toda à noite. E sou a mais velha. Eu penso maisque tu. Contigo é o que passar pela cabeça na hora, e dane-se se for umabesteira. Mas eu sou mais ponderada. Eu reflito.

ANTÍGONEHá vezes em que não se pode ficar refletindo.

ISMÉNIACerto, Antígone, é horrível, mas claro que é, e eu também tenho pena de meuirmão, mas eu posso entender um pouco meu tio também.

ANTÍGONEMas eu não quero entender nem um pouquinho.

ISMÉNIAEle é Rei, é preciso que ele dê o exemplo.

ANTÍGONE

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Eu não sou o Rei. Não preciso dar exemplo algum. É o que lhe dá na telha dapequena Antígone, dessa besta suja, cabeçuda, má e aí a gente a tranca numcanto ou num buraco. E bem feito para ela. Bastava ter obedecido!

ISMÉNIAVamos, deixa disso! Tuas sobrancelhas juntas, esse teu olhar fixo numa retaà tua frente, e já vais partindo na toda sem escutar ninguém. Mas me escuta.Em geral eu tenho mais razão que tu.

ANTÍGONEEu não quero ter razão.

ISMÉNIATenta compreender, pelo menos.

ANTÍGONECompreender... Todos vocês só ficam usando essa palavra desde que eu eramenor. Era preciso compreender que não se podia tocar na água, na bela águafugidia e fria, por que isso iria molhar os ladrilhos; nem na terra, por quevai manchar o vestido. Era preciso compreender que não se deve botar toda acomida de uma só vez na boca, nem dar tudo o que se tem nos bolsos para omendigo que encontramos, nem correr, correr ao vento até tropeçar e cair nochão, nem beber quando se está com muito calor, nem tomar banho quando éainda muito cedo ou quando já é muito tarde, sobretudo nunca quando se temvontade! Compreender. Sempre compreender. Eu não quero compreender nada.Deixa chegar minha velhice e ai será minha vez de compreender.

Ela termina com doçura.Se é que vou envelhecer um dia. Mas agora, não.

ISMÉNIAEle é mais forte que nós, Antígone. Ele é o Rei. E todo mundo pensa como elena cidade. São milhares e milhares ao nosso redor, formigando em todas ruasde Tebas.

ANTÍGONEEu não estou te escutando.

ISMÉNIAEles vão nos vaiar . Nos tomarão em seus mil braços, em seus milhares derostos de um só olhar. Cuspirão em nossa cara. E teremos que ir adiante, porentre o ódio deles, sobre a carroça, no meio do cheiro e das risadas deles,até o suplício. E lá haverá guardas de cabeças imbecis, congestionadas porsobre pescoços duros, com as mãos grossas mal lavadas, de olhares bovinos –que até se pensa que dá para gritar, dá para tentar fazê-los compreender queeles estão bancando os escravos que fazem escrupulosamente tudo o que selhes diz de fazer, sem nem pensar se é bom ou mal... E sofrer?! Será precisosofrer, sentir a dor que aumenta e que ela está chegando ao ponto em que nãodá mais para suportar; que vai se precisar de pará-la, mas ela irá continuarassim mesmo a aumentar cada vez mais, como uma voz aguda... Oh eu não posso,eu não posso...

ANTÍGONEPensaste em tudinho, hein!.

ISMÉNIA

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A noite inteira. E tu não?ANTÍGONE

Sim, claro que sim.ISMÉNIA

Bem, eu, já sabes, não sou lá muito corajosaANTÍGONE

Com doçura.Eu também não. Mas o que se pode fazer?

Há um silêncio. Ismênia retoma bruscamente.ISMÉNIA

Não tens, então, nenhuma vontade de viver?ANTÍGONE

MurmurandoVontade nenhuma de viver...

( E mais docemente ainda se for possível )Quem se levantava primeiro de manhã, nem que fosse só para sentir o frio napele nua? Quem se deitava por último e só quando não se agüentava mais decansaço, para poder viver ainda um pouco mais à noite? Quem chorava dês depequenininha ao pensar que havia tantos animaizinhos, tantas plantinhas noscampos e que não se conseguia tê-los todos?

ISMÉNIACom inesperada pena dela.

Minha irmãzinha...

ANTÍGONE

Retomando a situação e gritandoAh não! Deixe-me. Não me acaricie! Não vamos agora choramingar juntas!Refletiste bem, disseste? Pensas que toda a cidade aos berros contra ti,pensas que a dor e o medo de morrer é bastante?

ISMÉNIAAbaixando a cabeça.

Sim.

ANTÍGONEPodes te servir desses pretextos.

ISMÉNIA

Agarrando-se a ela.Antígone! Eu te suplico! Crer em idéias e morrer por elas é coisa boa parahomens. E tu és uma moça.

ANTÍGONE

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Por entre dentes cerrados.Sim, uma mulher. E já chorei o bastante por ser mulher.

ISMÉNIATua felicidade está bem aí em tua frente e podes alcançá-la. És noiva, és

bela, és jovem...ANTÍGONE

Com dureza.Não, eu não sou bela.

ISMÉNIANão bela como nós, mas de maneira diferente. Sabes bem que é para ti que sevoltam a olhar os pequenos ladrões das ruas; que é para ti que as guriasolham ao passar, e se calam de repente sem poder deixar de despregar os olhosde ti até que tenhas desaparecido na esquina.

ANTÍGONECom um sorriso imperceptível.

Bandidinhos, garotinhas...ISMÉNIA

Após um tempo.E Hemon, Antígone?!

ANTÍGONEDaqui a pouco eu falarei com Hemon. Daqui a pouco Hemon será mais um casoencerrado.

ISMÉNIATu é é doida!

ANTÍGONERi.

Sempre me disseste isso, que eu era maluca, por qualquer coisa e sempre.Volta para a cama, volta. que teu mal é sono! O dia já está clareando, tasvendo, e de todo jeito eu não posso fazer mais nada mesmo. Meu irmão morto ea essa hora está rodeado por uma guarda, exatamente como aconteceria casotivesse conseguido se tornar um Rei. Vá para a cama. Tás pálida de tantosono.

ISMÉNIAE tu?

ANTÍGONEEu não consigo mais dormir... Mas te prometo que não arredarei os pés daqui até que acordes de novo. A babá vai me trazer algo para comer. Não deixe de dormir. O sol já levantou. Teus olhosestão se fechando de tanto sono, maninha,vá!

ISMÉNIAEu te convenci, não foi? Eu te convencerei? Vais me deixar falar

disso ainda contigo, não vais?

ANTÍGONEUm tanto cansada.

Antígone, Medeia,Édipo o rei que manca

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ANOUILH & MICHELOTTO

Eu deixarei sim, maninha. Eu deixarei todos vocês falarem comigo. Agora, vádescansar, eu te peço. Se não vais acabar menos bela amanhã.

Ela acompanha sua saída com um ligeiro sorriso triste, e então deixa-se cair fatigada numa cadeira.

Pobre Ismênia!BABA

Entrando.Obaaa, lá vem um bom café completo minha pombinha! Coma.

ANTÍGONENão tou com tanta fome assim, babá...

BABAEu mesma amanteiguei os pãezinhos e os esquentei na chapa, como gostas.

ANTÍGONEÉs tão gentil, babucha! Mas eu vou só beber um pouquinho e nada mais.

BABAEstás te sentindo mal?

ANTÍGONENão, não é nada, babá. Mas de todo jeito, me esquenta como fazia quando eucaia doente... Babucha mais forte que a febre, babucha mais forte que opesadelo, mais forte que a sombra do armário que dá gargalhadas e setransforma de hora em hora sobre a parede, mais forte que os mil insetos dosilêncio que roem não importa o quê, em algum lugar da noite, mais forte quea própria noite seus urros de louca que não se ouvem – babucha mais forteque a morte. Dá-me tua mão como quando ficavas lá na beira de minha cama.

BABAQue é que está te acontecendo, minha pombinha?

ANTÍGONE Nada, babucha. Eu apenas ainda sou um pouco pequenina para tudo isso. Mas

só tu deves sabê-lo.BABA

Muito pequena para quê, minha sabiá?ANTÍGONE

Para nada, para nada. E ainda por cima, estás aqui comigo. Eu seguro tua mãorugosa que me salva de tudo, sempre, eu sei bem disso. Talvez ela irá mesalvar mais uma vez. És tão poderosa ,minha babucha!

BABAQue queres que eu faça por ti, meu biquinho de lacre?

ANTÍGONENadinha, babucha. Só tua mão assim sobre meu rosto.

Fica um tempo com os olhos fechados.Pronto, não tenho mais medo. Nem do Ogro malvado, nem do Sogro, nem dovendedor de vassouras, nem do Papafigo que passa e papa o figo dos meninos...

Um novo silêncio e ela continua em tom diferente.Babucha, sabes a Docinha, a minha cadela?

BABAMas claro, que foi!?

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ANTÍGONEVais me prometer que não gritarás mais com ela. Nunca mais.

BABAUm bicho que suja tudo com as patas! Essas coisas deveriam nunca entrardentro de casa!

ANTÍGONEMesmo se ela sujar tudo, promete?

BABABom, e eu vou ter que deixá-la destruir tudo sem dizer nada?

ANTÍGONE É assim mesmo.

BABAAh isso vai ser um pouco difícil!

ANTÍGONEPor favor, babucha! Tu gostas muito de Docinha e daquela cabeçorra. E depois,gostas também de te coçar. E ficarias muito infeliz se tudo ficasse semprebem limpinho.Então, eu te peço, não ralha mais com ela, ta?

BABAE se ela mijar nos meus tapetes?

ANTÍGONEPromete que não farás nada com ela mesmo assim!Eu te peço, babucha, eu tepeço...

BABAEstás te aproveitando de mim ( de ce que tu cälines)... Tá bem! Vou tentarficar sem fazer nada. Tas me transformando em burro de carga.

ANTÍGONEE agora me promete que vais conversar com ela, que vais conversar muitasvezes com ela, promete!?

BABA

Dando de ombros

Mas aonde já se viu ! Eu, papeando com um pulguento de um cachorro!ANTÍGONE

Ah não, não é como se falasse a um animal, não! Tens que falar como se falacom uma pessoa de verdade, como se estivesse falando comigo, promete!

BABAAh ai ta demais! Na minha idade, bancar a idiota! Mas por que diabos queresque toda a casa fale com esse animal do jeito que falas?

ANTÍGONE Com doçura.

Só no caso de - por uma razão qualquer - eu não puder falar mais com ela...BABA

Que não está entendendo.Não lhe falar mais, não lhe falar mais! Por quê?

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ANTÍGONEVira a cabeça um pouco de lado e depois acrescenta, com a voz dura.

E também se ela ficar muito triste, se ela ficar com aquela cara de que estáme esperando – com o focinho debaixo da porta como quando eu saio - serámelhor matá-la, babucha, sem que ela sofra.

BABAMatá-la , minha fofinha!? Matar a cadela? Mas você está completamente malucaessa manhã.

Estou não, babucha.

Hemon aparece.Hemon está vindo aí. Deixa-nos agora, minha babá. Mas não se esqueça que vocême fez um juramento.

Antígone corre em direção a Hemon.Desculpa-me, Hemon, pela briga de ontem à noite e por todo oresto.. Eu é que estava errada. Eu te peço: perdoa-me!

A BABA saiHEMON

Sabes que te perdoei e nem tinhas ainda batido a porta e saído. Teu perfumeainda estava no ar e eu já te havia perdoado.

Ele a segura nos braços, sorri, a olha.De quem você roubou esse perfume?

ANTÍGONEDe Ismênia.

HEMONE o batom, (o rouge)a sombra, o belo vestido?

ANTÍGONETambém.

HEMONE em honra de quem te embelezaste tanto?

ANTIGONEEu te direi.

Ela se acocha fortemente a ele. Oh meu querido, como fui idiota! Toda uma noite perdida. Uma bela noite.

HEMONTeremos outras noites, Antígone.

ANTÍGONE Talvez não.

HEMON E outras brigas também. Uma felicidade é feita com muitas brigas.

ANTÍGONEUma felicidade, sim... Escuta Hemon.

HEMONSim.

ANTIGONE

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Não ria essa manhã. Fique sério.HEMON

Eu estou sério.ANTÍGONE

E me aperta contra ti. Mais forte que todas as outras vezes. Que toda tuaforça fique impressa em mim.

HEMONAssim. Com toda minha força.

ANTÍGONENum suspiro.

É tão bom.Ficam um instante sem nada dizer, depois ela começa

devagarzinho.Escuta, Hemon.

HEMONEu escuto.

ANTIGONESabes que eu o defenderia contra tudo.

HEMONEu sei Antígone.

ANTÍGONEOh eu o apertaria em meus braços tão fortemente que ele nunca teria medo, eute juro. Nem da noite que se aproxima, nem da agonia do sol forte imóvel, nemdas sombras... Nosso menino, Hemon! Ele teria uma mamãe bem pequena e meiodespenteada – mas mais mãe que todas as verdadeiras mães do mundo, com seuspeitos verdadeiros e seus grandes aventais. Tu crês em mim, não crês?

HEMONClaro, meu amor.

ANTÍGONEE acreditas também que terias uma verdadeira mulher, não é?

HEMONApertando-a nos braços.

Eu tenho uma mulher de verdade.ANTIGONE

Oh! Tu me amavas, Hemon, naquela noite, tens certeza de que me amavas?HEMON

Balança-a nos braços com doçura.Que noite?

ANTÍGONEEstás bem certo de que naquele baile em que vieste me tirar de meu canto,nãote enganaste de mulher? Estás certo de que nunca te arrependeste dissodepois, nunca pensaste, nem ao menos uma só vez, que teria sido melhorficares com Ismênia?

HEMONTolinha.

ANTÍGONE

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Tu me amas, não amas?Tu me amas como uma mulher?Teus braços que me apertam,estariam mentindo? Essas tuas mãos grandes postas sobre minhas costas, esseteu cheiro, esse teu calor essa grande confiança que me inunda quando ponho acabeça no vão de teu pescoço ...

HEMONOra, Antígone, eu te amo como mulher!

ANTÍGONEEu sou magra e negra. Ismênia é rosada e dourada como uma fruta.

HEMONAntígone...

ANTIGONEOh estou toda vermelha de vergonha. Mas eu preciso saber, esta manhã eupreciso saber.Diga a verdade, te suplico.Quando sabes que serei tua, sentesno teu interior algo como um grande buraco que se cava, como alguma coisa quemorre.

HEMONSim , Antígone.

ANTÍGONENuma só respiração, após um tempo.

Eu, eu sinto assim. E quero te dizer que eu teria ficado muito orgulhosa deser tua mulher, tua verdadeira mulher, certa de que, ao cair da noite, ao teassentar, sem pensar, terias pousado tua mão sobre mim como sobre uma coisabem tua.

Ela se afastou dele e toma um outro tom.É isso. Agora vou ainda te dizer duas coisas.E quando eu as tiver dito,deverás ir- te embora sem me fazer perguntas. Mesmo que elas te apareçamextraordinárias, mesmo se elas te fizerem sofrer. Jura-me.

HEMONO que tens ainda para me dizer?!

ANTÍGONEJura-me, antes, que sairás sem me dizer nada. Sem mesmo me olhar. Se me amas,jura- me isso.

Ele a olha com seu pobre olhar assustado.Tás vendo como eu te peço, então, Hemon, jura.é a última loucura que me verásfazer.

HEMONApós uma hesitação.

Eu juro. Eu te juro.ANTIGONE

Obrigada. Então, vejamos. Primeiro, ontem. Tu me perguntavasainda agora porque eu havia vindo com o vestido de Ismênia eesse perfume e esse batom. Foi besteira minha. Eu não estavamuito segura de que me desejavas de verdade e fiz tudo aquilopara parecer um pouco mais com as outras moças , para tedespertar desejo por mim.

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HEMON Foi para isso?

ANTÍGONEFoi. E riste e brigamos e meu gênio ruim foi mais forte e então eu caí fora.

Ela acrescenta mais baixo ainda.Mas voltei, ontem à noite, lá para tua casa para que me tomasses, para que mefizesses tua mulher.

Ele recua, tenta falar, ela grita.Juraste, me juraste que não ias pedir razões. Juraste Hemon!

Ela retoma o tom baixo, humildemente. Eu te suplico...

E acrescenta,virando-se, com dureza.E vou te dizer,mais.Eu queria ser tua mulher também por que te amo muito,eu , eu te amo muito e – oh meu deuseu vou te fazer sofrer, perdoa-me meu querido! – é que jamais, jamais, jamaispoderei casar-me contigo.

Ele se mantém mudo de espanto, ela corre à janela e grita.Hemon, tu juraste! Sai.Sai logo e não dize nada.Se falares, se fizeres um sópasso em minha direção eu me jogo pela janela., eu te juro Hemon! Eu te juropela alma do filho que todos dois tivemos em sonho, pelo único filho que eujamais terei. Amanhã ficarás ciente de tudo. Daqui a pouco. Daqui a poucosaberás tudo.

Ela termina num tal desespero que Hemon obedece

e vai se afastando, saindo de cena..Por favor , Hemon. É tudo o que ainda podes fazer por mim se me amas.

Ele sai. Ela fica sem se mexer, de costas para a platéia,

depois fecha a janela, vem se assentar numa pequena cadeira no centro da cena e diz devagarzinho, como estranhamente acalmada.

Pronto. Acabou para Hemon, Antígone.ÌSMËNIA

Chama fora de cena e entra procurando.Antígone!. Ainda bem que estás aí...

ANTÍGONESem se mexer.

Sim, estou bem aqui.ISMËNIA

Não consigo dormir. Estava com medo que saísses e que tentasses enterrá-lo apesar de ser já dia claro. Antígone, minha irmãzinha, estamos todos juntos contigo, Hemon, babucha, eu...e Docinho, tua cadela! Nós te amamos e estamosvivos, nós, nós precisamos de ti. Polinice morreu e não te ama mais. Ele sempre foi um estranho conosco, um mau irmão. Esqueça-o, Antígone, como ele nos esqueceu. Deixe sua sombra vagar eternamente sem sepultura, pois esta é

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a lei de Creonte.Não tente realizar o que está acima de tuas forças. Sempre enfrentas tudo com coragem, mas és tão pequenininha, minha Antígone! Fica conosco, não vá lá esta noite, eu estou te suplicando.

ANTIGONELevantou-se, está com um estranho e leve sorriso nos lábios,

dirige-se à porta e já debaixo dela diz com toda calma. Agora é muito tarde.Hoje de manhã, quando me encontraste, eu estavajusto chegando de lá.

Sai.

ISMËNIAIsmênia a acompanha com um grito.

Não! Antígone!CREONTE

Logo que Ismênia sai, Creonte entra por uma outra porta com seu pajem.

Um guarda, disseste? Um dos dois que guardam o cadáver? Faça-o entrar.

GUARDAO guarda entra. É um abrutalhado. No momento está amarelo (3)de medo

Apresenta-se.Guarda Juãu Denis, da Segunda Companhia, senhor.

CREONTE Afinal, o que é que queres!?

GUARDA Juãu Denis

Bem é isso aí , chefe, a gente tiramos a sorte para saber quemficaria né e - que sorte!- caiu comigo, então é isso aí chefeeu vim por que alguém tem que se explicar né e também é maisque lógico não dava para os três abandonar o posto, então... ésomos três, os três do piquete de guarda , chefe, ali tomandoconta de cadáver.(4)

CREONTEQuê é que estás dizendo aí?

GUARDA Juãu DenisQue somos três, chefe! Não sou o único não. Os outros é o Mickelotto e o Guarda de Primeira Classe, o Ricardo Bigi. (5)

CREONTEE por quê não foi o Guarda de Primeira Classe quem veio?

GUARDA Juãu DenisE num é mesmo,chefe?! Eu, eu disse logo para ele. É a Primeira Classe que deve ir. Quando não tem nenhum outro graduado é a Primeira Classe que é responsável. Mas os outros, sabe, disseram que nada vamos é tirar no palitinho...Vou lá buscar o Primeira Classe, chefe?

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CREONTEMas não, fale você mesmo já que já está ai.

GUARDA Juãu DenisEu tenho 17 anos de serviço, chefe. Me engajei como voluntário, já peguei medalha e duas citações. Sou gente bem, chefe. Sou todo “serviço”. A única coisa que conheço são as ordens, chefe. Meus superiores dizem sempre? “Com Jonas a gente fica tranqüilo!”

CREONTEEstá bem, está bem, Fala. De que é que está com medo?

GUARDA Juãu DenisBem, pelo regulamento, isso é coisa do Primeira Classe. Eu... eu só fui indicado Primeira Classe. Mas promoção , ainda nenhuma. Eu deveria ter sido promovido em junho

CREONTEMas, finalmente, vai falar ou não? Se acontecer alguma coisa vocês três são os responsáveis. Não precisa ficar aí dizendo que deveria estar lá

GUARDA Juãu DenisTá bom, tá bom, é isso aí mesmo, chefe: o cadáver... Mas a gente montou guarda, como é que pode! A gente pegava o turno às duas horas, o pior, você sabe como é que é isso, chefe, bem ali na horinha em que a noite bota pra seacabar, né mole não aquele chumbo nas pestanas,a nuca ali se estirando toda e as sombras, sei lá sombras se mexendo pra lá e pra cá tudo por causa das névoas da manhãzinha quando se levanta... Ah escolheram direitinho a hora!... Pois a gente estávamos lá, a gente se conversava, batia um pé pra lá e pra cá, num dormia não, chefe, isso a gente podemos até jurar todos os três, todos os três, que ninguém puxava nenhum pau de ronco não, chefe, e alguém consegue lá dormir com um frio desses! Ai eu vou lá e dou uma olhada no cadáver..só para certificar se ele estava bem quieto mesmo lá... A gente estávamos ali, dois passinhos ali do lado, sabe como é, na guarda de cadáver, só para certificar né..eu sou assim chefe, coisa de meticuloso, tá vendo, é por isso que meus superiores sempre dizem? “Com Jonas...

Um gesto de Creonte de que já sabe o pára, imediatamente grita.

Fui eu o o primeiro, quem viu primeiro, viu chefe! os outros vão dizer o mesmo, eu , eu é quem dei o alarme geral.

CREONTEO alarme? Por quê um alarme?!

GUARDA Juãu DenisO cadáver, chefe. Tava coberto. Alguém deve ter feito isso, chefe..ohnão era assim lá grande coisa não, não dava tempo, sabe, conosco alina vigia ai foi só um punhadinho de terra... mas um punhadinho quedava até para esconder dos urubus.

CREONTEAvança em sua direção.

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Tem certeza que não foi nenhum bicho esgaratujando por ali?GUARDA Juãu Denis

Ah isso não chefe. De cara a gente pensamos também por ai, sabe como é. Mas a terra tava muito bem jogadinha por sobre ele , bem segundo os ritos sabe.Bicho nada, foi um alguém que sabe muito bem o que tá fazeno.

CREONTEQuem ousou!? Quem foi tão doido assim de desrespeitar minha lei? Reparou naspegadas?

GUARDA Juãu DenisNada, chefe. Nada além de uns passos mais leves que os de pássaros. Depois, procurando melhor o Guarda MickelotTo encontrou um pouco mais afastada, uma pazinha, uma dessas pás para crianças, toda velha, toda carcomida de ferrugem. A gente então pensamos também que não podia ser uma criança que havia feito um negócio desses. De todo jeito o Primeira Classe Bidji achou melhor guardá-la para o inquérito.

CREONTESonha por um tempo.

Uma criança.... É coisa da oposição destruída , mas que já vem minar por todos os lados. Os amigos de Polinice com seu ouro bloqueado em Tebas, os chefes da plebe fedendo a alho, aliados de repente dos príncipes, e padres tentando pescar algo para eles no meio de toda essa confusão... Uma criança!Devem ter pensado que isso seria bem mais comovente. Parece que estou vendo a criança deles com sua goela de matador experimentado e sua pequena pá cuidadosamente envolta em papel sob sua roupa. A menos que eles tenham amestrado uma criança de verdade com frases bonitas... Um garotinho de verdade, pálido, que cuspirá sobre meus fuzis. Um precioso sangue fresco a banhar minhas mãos, em dupla oferta.

Vai até o homem.Mas eles têm cúmplices , e quem sabe, até na minha guarda.Me escuta bem, você aí...

GUARDA Juãu DenisChef, nós fizemos tudo o que se tinha que fazer! Mickelotto deu uma sentada por meia hora mas é por que estava com os pés doendo, mas eu,chefe,fique o tempo todo de pé. O primeira Classe vai contar isso direitinho.

CREONTEA quem já contaram essa história?

GUARDA Juãu DenisA ninguém, chefe. Iramos a sorte logo e logo eu vim.

CREONTEEscuta bem aqui. Vocês vão ficar de guarda mais um turno. Mandem embora os substitutos. Isso é uma ordem.Eu quero só vocês perto do cadáver. E nem uma palavra sobre isso. Vocês são culpados de negligência e serão de toda maneira punidos, mas se falas, se correr o boato na cidade que recobriram o cadáver der Polinice, vocês morrem todos três, está entendido?

GUARDA Juãu Denis

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Reclama.Ninguém falou nada, chefe, eu te juro! Mas eu estava aqui, e talvezos outros, talvez já tenham falado com os substitutos...

Sua aos borbotões.Chefe, tenho dois filhos! Um ainda é bem pequenininho. No conselho de guerra, chefe, você bem que podia testemunhar por mim, dizendo que eu estavaaqui. Mas eu estava bem aqui, com você, chefe! Tenho uma testemunha. Se alguém falou, isso é lá coisa dos outros, eu não tenho nada com isso.Eu tenho testemunha...

CREONTEVai correndo. Se ninguém souber de nada, ficarás com vida.

O guarda sai correndo. Creonte fica um momento mudo. Logo ele murmura.

Uma criança.Coloca o pequeno pajem sobre seus ombros.

Venha, pequeno.é preciso que a gente vá contar tudo isso agora... Eaí a desgraça toda vai começar. Você morreria por mim, morreria? Vocêacha que viria com sua pequena pá?

O pequeno o olha. Sai com ele, lhe acariciando a cabeça.

Ora, claro, você iria bem rapidinho, você também...Ainda dá para se ouvi-lo suspirando ao sair.

Uma criança....Saem,..

Entra o CoroCORO

Pronto. Agora a mola está bem esticada. As coisas vão se desenrolar sozinhas.É isso que é cômodo na tragédia, dá-se um empurrãozinho para que ascoisas desandem, um nadinha, um olhada durante um segundo para a moça que passa e levanta seus braços na rua Um desejo de honra numa manhã qualquer, ao se despertar, como o desejo de algo que se possa comer, uma questão a mais que se enfrenta numa tarde...ëtudo. Após só nos resta deixar as coisas correrem por si.É minucioso e de engrenagens bem oleadas desde sempre. A morte, a traição, o desespero estão aí, prontos à espera e raios e tempestades e silêncios... Todos os silêncios: o silêncio quando o braço carrasco finalmente se levanta; o silêncio dos inícios, quando os dois amantes se colocam nus um em frente ao outro pela primeira vez, num quarto escurecido,sem ousarem se tocar ao primeiro desejo; o silêncio quando gritos de multidão irrompem ao redor de um vencedor – quase como um filme cujo som se arranhou em todas essas bocas abertas das quais nada sai, só esse clamor que é imagem pura, e esse vencedor, já também vencido, só rodeado de seu próprio silêncio...É tudo limpo, é a tragédia. ----------É repousante, é segura.... ----------

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No drama, recheado de traidores, de maus geneticamente maus, deinocência perseguida, de vingadores, de cães selvagens, de pálidosraios de esperança, de uma morte que se torna pavorosa para semorrer, como num acidente. Poder-se-ia talvez se salvar, o bom jovemteria podido chegar a tempo com os policiais. Na tragédia se está tranqüilo.Primeiro, porque estamos em casa. Na verdade, em casa, todos somos inocentes! E não acontece porque é um o que mata e o outro é o que morre. Isso é só uma questão de distribuição. Mas uma tragédia é repousante, sobretudo, porque já sabemos que não há esperanças, essa porcaria da esperança. Já se sabe que se foi pego, pego enfim, como um rato, com todo o céu por sobre os próprios ombros e com uma única chance: a de gritar - não, nada de gemer, nada de choraminholas,nada desta história de ficar reclamando– mas berrar a plenos pulmões tudo o que se tem para dizer, que jamais dissemos e talvez mesmo que nem soubéssemos ainda. E para nada. Só para si mesmo, para poder se dizer a si mesmo essas coisas todas aí.No drama a gente se debate e luta porque espera sair dessa. É ignóbil, é utilitário.Aqui, tudo é gratuito.Coisa para reis.Porque, na verdade, não se tem muita coisa para se fazer.

Antígone entrou, empurrada pelos guardasO CÖRO

Bem aqui estamos. E dessa vez vamos começar. A pequena Antígone foipega. A pequena Antígone vai poder, finalmente ser ela mesma.

O Coro desaparece, enquanto os guardas vão empurrando Antígone para o palco

O GUARDA Juão DenisQue retomou sua pose.

Vamos, lá, vamos lá, nada de histórias. Trate de se explicar para o Chefe. Eu, a única coisa que conheço é a ordem. O que você tava fazeno lá eu num quero nem saber. Todomundo tem suas desculpas, todo mundo tem sempre qualquer coisa para reclamar. Se a gente fôssemos escutar as pessoas se tivesse que se entender as pessoas, aí, bom, a gente estávamos ferrados. Vaiino vai ino Ei, segurem ela aí vocês outros e nada de histórias! Eu, aqui ó , o que ela tá quereno dizer eu num tô nem aí, visse!

ANTÍGONEDize-lhes para tirar as mãos imundas de cima de mim. Eles estão memachucando.

O GUARDA Juão DenisMãos sujas, ah é!! Tu pudia ir sendo um bucado mais pulida ai viu guria...Eupor mim, eu estou sendo delicado.

ANTÍGONE

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Dize-lhes que me larguem. Eu sou a filha de Édipo, eu sou Antígone. Eu não irei fugir.

O GUARDA Juão DenisAh a filha de Édipo, mas que gracinha... Pois saiba que todas as putas que catamos na guarda da noite, nos ameaçam do mesmo jeito e advinha de quem elas dizem que são filhas, hein, hein, hein??!!!

Caem na gargalhadaANTÍGONE

Eu não estou nem aí para morrer, mas que eles não encostem mais emmim!

O GUARDA Juão DenisE os cadáveres, vai , e a terra, aí tu num tava com medinho de sujaras mãozinhas não né?! E ainda vem dizendo :”as mãos sujas deles!”..Pô, dá uma olhada aí nas tuas vai, guria!Antígone olha para suas mãos presas com algemas com um risinho.

Estão toda sujas de terrasO GUARDA Juão Denis

Tomaram, tua pá foi? Aí tu vai e faz o mesmo pela segunda vez, diretoali, com as unhas. A bichinha audaciosa! Eu viro as costas umpouquinho pela segunda vez, tempo de pedir um para enrolar, e vai , otempo de dar uma tragada, o tempo de dizer um muito obrigado e játava lá ela escavando que nem uma hiena no cio. E em plena luz dodia! E como me chutava essa vagabunda prostituta quando eu tenteiprendê-la! E tava querendo me furar os olhos, vejam vocês todos! E láficava lá esganiçando que ela tinha que terminar o que começou, queela tinha que terminar, e tinha que terminar, ora! É uma doida, essamaluca!

MICKELOTTO ( 20 Guarda)Pois. Eu prendi uma, uma toda doidona, noutro dia, né não? Pois tavamostrando o cú prá todo mundo!

O GUARDA Juão DenisDiz aí, Mickelotto, o queéque nós os três não vamos nos encharcar agoela para comemorar essazinha aqui hein, hein?!

MICKELOTTO ( 20 Guarda)( gargarejando)

No Bar do Bigode! A pior branquinha de toda a cidade, né nãobrother!.

RICARDO BIGI ( Terceiro Guarda)Vamos fazer o seguinte: tem folga nesse domingo... e se a gente carregasse umas mulheres, que tal?

O GUARDA Juão Denis

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Quê isso, quê isso, só entre nós, é pra gente rir um bocado... Com as mulé, tem sempre uma histórias escabrosas, e depois vem os motoqueiros e vão querer mijar e vão ter que respeitar as mulé, cacêta...Vai, diz aí Mikelotro, a gente nem estávamos pensando ainda agorinha no inicio quando começou que a gente ia se divertir esse montão todo né mermo, né mermo?

MICKELOTTO ( 20 Guarda)Pô meu, acho que quem sabe talvez assim de repente eles podem até nosdar uma recompensa, né não?

O GUARDA Juão DenisAté pode ser, de repente, se a coisa toma rumo de importante, sabe!

RICARDO BIGI ( 30 Guarda)Ah é poraí que o Guarda Denis, é o João, esse aí, noutro dia pois ele não botou as mãos sobre um incendiário??!! Prendeu, claro!E ganhou soldo dobrado, tá!

MICKELOTTO ( 20 Guarda)peraí, Bidji, se a gente ganhar em dobro ai eu nem quero mais ir pro Bigode,que tal se a gente fôssemos para a DAUNTÄUM?!!!

O GUARDA Juão DenisSó prá beber? Tás maluco tu tamém , home! A talagada lá custa o dobrodo Bigode. Pra comer, tá certo. Ramo fazer assim o seguinte, umapassada no Bigode pra dar uns bons gargarejos e depois a gente searranca pro Dauntaun, certo? Diz lá Mikelotro, por falar em comida,lembra da gordona lá do Dauntaun?

MICKELOTTO ( 20 Guarda)Pô tavas mais bêbo que um gambá naquele dia foi não?!

RICARDO BIGI ( 30 Guarda)Ëitcha, cacêta, nossas mulheres vão acabar sabendo se a gente ganha em dobro!E é capaz mermo é da gente sermos felicitados publicamente com festa etudo, num dá para esconder...

O GUARDA Juão DenisBem a gente vai ver no que vai dar. A farra é que é o bom. Agora, sehá uma cerimônia no pátio da caserna e essas coisas todas como quandoé para as condecorações, aí as mulheres virão tamém e os meninostamém, enfim, todo mundo tamém, aí, aí nesse caso a gente se ferra evamos só para o Bigode, certo?!

MICKELOTTO ( 20 Guarda)Tá bom, então o melhor é a gente irmos logo encomendando o menu, né não, né não??

ANTÍGONEPedindo com uma voz fraquinha.

Eu queria me assentar um pouco, por favor!O GUARDA Juão Denis

Após um momento de reflexão.

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ANOUILH & MICHELOTTO

Tá bom, que ela se assente. Mas nem pensem em arredar um dedinho de perto dela, viram?

Creonte entra e imediatamente o Guarda Berra.Sentido!

]CREONTE

Pára, surpresoSoltem essa moça! Que é que está acontecendo aqui?

O GUARDA Juão DenisÉ o piquete da Guarda, Chefe! A gente viemos com os camaradas todosdessa vez.

CREONTEE quem ficou de guarda do corpo?

O GUARDA Juão DenisChamamos a turma do rodízio, chefe.

CREONTEMas eu te disse para suspendê-la. Eu te disse para não dizer nada para ninguém.

O GUARDA Juão DenisMas a gente não dissemos nadinha, Chefe! E como a gente pegamos essazinha aí, a gente no lógico pensamos que , claro era bom trazê-la para cá. Dessa vez ninguém nem quis tirar a sorte, sabia Chefe?! A gente preferimos vir logo todos os três.

CREONTEBando de imbecis!

Para AntígoneOnde é que te prenderam?

O GUARDA Juão DenisPertinho do cadáver, Chefe.

CREONTEQue ias fazer perto do cadáver de teu irmão? Tu sabias que eu proibique se chegasse perto dele.

O GUARDA Juão DenisO que ela fazia, o que ela fazia?! Ora chefe E não é porissinho que agente estamos trazeno ela? Ela tava lá era cavoucando a terra com asmãos. Tava é tentando cobrir o morto lá outra vez, sabe!

CREONTESabes bem o que estás a me dizer, soldado?

O GUARDA Juão Denis

Antígone, Medeia,Édipo o rei que manca

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Mas Chefe você pode perguntar a todo mundo. Tínhamos limpado o corpo quandoeu retornei, mas com um solão desses, o próprio começava já a soltar um cheiro daqueles então a gente fomos para uma colina um pouco mais alta, mas nada longe,coisa assim só para se estar do lado do vento, sabe, pois a gentese dizíamos: afinal, quem vai se arriscar de dia, né mermo chefe?! E ainda, só por razões de segurança máxima, decidimos que sempre ficaríamos um de nóstrês com as butuca dos olhos fixos no próprio, mas é lógico tamém né Chefe,que em pleno meio-dia com o sol fritando a gente ali no cucuruto dos elmos eaquela catinga subindo morro acima, pois é lógico que não tem vento levando ela para lugar algum longe numa hora dessas, aí há de compreender que era uma porrada ficar por ali. Olha que eu segurava assim os olhos , mas todas as coisas estremelicaam como uma gelatina e eu nem tava veno mais nada direito essa é que é a verdade aí fui pedir um fumo pros colegas para dar uma mascada, coisa justa para dar uma aliviada na tensão e passar essa coisa ruim. Mas, veja, foi o tempo de enrolar, apertar e juro que não fumei,sabe o Chefe Biu Chefe? Tamém nun teve foi tempo, pois nem eu: tava ela lá já a escarafunchar a terra e jogar pra todo lado, com as próprias mãos ... em plena luz do dia!Devia tar pensando , né não, que a gente nem conseguiriavê ela ali.. E tá pensano que ela parou quando em viu correndo atrás dela, que ela meditou um bocadinho e se disse ta na hora de se mandar? Foi nada! Ela continuou a cavucar com todas as forças, o mais rápido que ela podia, como se nem me visse vir chegano prá cima e quano meti as patas nela, ele seesborrodou de tanto me chutar como uma diaba que queira continuar ainda mais e ficava me gritando para largá-la, porque o corpo não tava todo recoberto ainda aí me mordeu. Aqui ó, bem aqui, me mordeu sim! ai eu perdi adelicadeza né chefe e catapuf imobilizei ela de vez na porrada, eca! (6)

CREONTE Para Antígone

Foi assim mesmo?

ANTÏGONE Ë, foi isso mesmo.

O GUARDA Juão DenisA gente sabe limpou aquilo tudo, como era justo,e ai chefe passamos a vez para a troca da guarda do turno, e nem falamos nadinha viu, viemos direto para trazê-la. Pronto é isso aí , tenho dito, Chefe..

CREONTEE nessa noite, na primeira vez, foste tu também?

ANTÍGONE Sim. Também fui eu. Com uma pazinha de ferro que nos servia para construir castelos de areia na praia durante as férias. Era justamente a de Polinice.Ele havia gravado seu nome com uma faca no cabo dela. É por isso que eu a deixei perto dele. Mas eles a pegaram. Ai, na segunda vez eu tive que recomeçar com minhas próprias mãos.

O GUARDA Juão Denis

Antígone, Medeia,Édipo o rei que manca

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Parecia um animalzinho que arranhava alguma coisa. Ta que noprimeiro golpe de vista, com aquele ar quente todo que fazia tudotremer, o camarada aí disse: “Mas que nada! é só um bicho!” E eu”Vaipensando nessa, pois ta que é muito cuidadoso para ser um bicho. Issodeve ser é uma menina , isso sim!”

CREONTEMuito bem. Acho que vamos pedir que façam um relatório daqui a pouco. Agora,tratem de me deixar sozinho com ela. Conduze esses homens para um canto aí,meu pequeno. E que eles fiquem guardados em segredo até que eu volte para vê-los

O GUARDA Juão DenisPrecisa botar de novo as algemas nela Chefe?

CREONTENão.

Os Guardas saem, precedidos pelo pequeno pajem. Creonte e Antígone ficam sós, face a face.

Falaste de teu projeto para alguém mais?ANTÍGONE

Não.CREONTE

Te encontraste com alguém no caminho para cá? ANTÍGONE

Não . Ninguém.CREONTE

Estás bem certa disso?ANTÍGONE

Claro.CREONTE

Então me escuta. Vais voltar para casa, te deitar e dizer que estás doente eque não saíste desde ontem. Tua Babá repetirá o que disseres. Eu farei desaparecer aqueles três homens.

ANTÍGONEPor quê? Sabes bem que eu recomeçarei tudo de novo.

CREONTEPor quê tentaste enterrar teu irmão?

ANTÍGONEEu devia fazê-lo.

CREONTEEu o tinha proibido.

ANTÍGONEMesmo assim eu deveria. Os que não integram só vagueiam eternamente sem jamais encontrar descanso Se meu irmão, cansado, tivesse voltado de uma longa caçada, eu lhe teria tirado os sapatos, eu lhe tria feito um jantar, eu teria arrumado sua cama..Polinice hoje terminou sua caça. Voltou para a casa onde minha mãe , meu pai e Etéocle o esperam. Ele tem direito ao repouso.

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CREONTEEra um revoltado e um traidor, sabias bem.

ANTÍGONEEra meu irmão.

CREONTENão ouviste proclamar os editos aos quatro cantos, não viste o cartaz em todos muros da cidade?

ANTÍGONESim.

CREONTESabias o destino daquele que tentasse render homenagens fúnebres a ele, fosse quem fosse que o fizesse, não?

ANTÍGONESim, sabia.

CREONTEAcreditaste contudo, talvez, que por seres filha de Édipo, filha do orgulho de Édipo, isso seria o suficiente para estares acima das leis?

ANTÍGONENão, eu jamais acreditei nisso.

CREONTEA lei é feita antes de tudo para ti, Antígone, a lei é feita antes de tudo para as filhas dos reis, Antígone!

ANTÍGONESe eu fosse uma criada que estivesse a lavar pratos, após ouvir o teu Editoeu teria enxugado a água gordurosa de meus braços e teria saído, de avental mesmo, para ir enterrar meu irmão.

CREONTENão é verdade. Se fosses uma criada, não terias a menor dúvida de que irias morrer e ficarias chorando teu irmão lá dentro de casa. O caso foi que pensaste que eras da raça real, minha sobrinha e noiva de meu filho e que- acontecesse o que acontecesse- eu não ousaria te condenar à morte.

ANTÍGONEEstás te enganando. Em ao contrário, eu estava certa de que me fariasmorrer.

CREONTEOlha-a e murmura imediatamente.

O orgulho de Édipo. És,sim, o orgulho de Édipo. Agora que eu oreencontrei no fundo de teus olhos eu acredito em ti. Deves terpensado mesmo que eu te mandaria à morte. E isso te pareceria umdesenrolar perfeitamente natural, ó orgulhosa! Para teu pai tambémseria – não falo da felicidade, pois não era disso que se tratava – ainfelicidade humana lhe seria sempre muito pequena. O humanoatrapalha imensamente a todos da família. Precisais de um cara a caracom o destino e a morte.(7)

ANTÍGONE

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Sim, precisamos.CREONTE

Precisais matar vosso pai, ir para a cama com vossa mãe e saber disso após, avidamente, palavra por palavra. Que poção mágica, hein , essa das palavras que vos condenam! E como se as bebem gulosamente, gota por gota se vos chamais Édipo ou Antígone! E o mais simples depois ainda é furar seus próprios olhos e ir mendigar com seus filhos pelas estradas poeirentas...Pois bem, não.

ANTÍGONEPois bem, sim.

CREONTEAh não! Esses tempos foram banidos de Tebas! Tebas tem direito agora a um príncipe sem história.

ANTÍGONETem.

CREONTEEu me chamo apenas Creonte, graças a deus. Tenho meus pés atolados no chão, minhas duas mãos enfiadas em meus bolsos e, já que sou rei, eu resolvi, com bem menos ambição que teu pai, empregar meu tempo simplesmente a botar em ordem esse mundo para que fique um pouco menos absurdo, se for possível.

ANTÍGONEMas não é.

CREONTEMas não é uma aventura, é um trabalho para todos os dias e nem sempre muito interessante, exatamente como todos os outros ofícios. Mas já que aqui estoupara fazê-lo, eu vou fazê-lo....

ANTÍGONEEntão, faze-o

CREONTEE amanhã se um mensageiro emporcalhado surgir do fundo das montanhas para me anunciar que ele não tem muita certeza sobre meu nascimento, eu simplesmente lhe pedirei para retornar para o fundo da grota de onde saiu eeu jamais iria, nem por um minutinho sequer, olhar tua tia bem debaixo do nariz dela e me meter a confrontar datas. Os reis têm outra coisa a fazer que coisas pessoais e patéticas, minha filhota.

ANTÍGONEÉs patético!.

CREONTEAvança para ela e a segura fortemente pelo braço.

Agora me escuta bem. És Antígone, és a filha de Édipo, tudo bem, mas não tens mais quevinte anos e há bem pouco tempo atrás tudo isso estaria regulado com pão seco e uns bons tapas nessa cara.

ANTÍGONE

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És meu tio!.CREONTE

Ora te mandar à morte! Dá uma olhada em ti mesma, passarinho! Ésmagra demais. Trata de engordar um pouco, vais precisar, para fazeresum belo filho com Hemon. Tebas tem mais necessidade disso que de tuamorte, te garanto! Vais voltar para casa imediatamente para fazer oque eu te disse e calar essa boca. Eu me encarrego do silêncio dosoutros. Vá, vá logo! E nem tente mais me fulminar com esse olhar.Estamos entendidos que me tomas por um estúpido e que pensas que souum conservador. Claro que sou. Mas de todo jeito eu te amo muitoainda, apesar de seres um espírito de porco. E nem vem me esquecerque fui eu quem te deu de presente tua primeira boneca, e que nem foihá tanto tempo assim....

Antígona não responde.. Vai sair. Ele a para.Antígone! Não é por essa porta que se vai a teu quarto! Onde pensas que vais?

ANTÍGONE

Parou. Responde-lhe tranqüilamente sem fanfarroniceVocê bem sabe...

Um Silêncio. Eles se olham ainda, de pé ,

um de fronte do outro.CREONTE

Murmura, como para si próprio.Qual é finalmente teu jogo?

ANTÍGONEEu não jogo.

CREONTENão entendes que se qualquer um outro além desses 3 brutamontes souberem o que tentaste fazer, eu serei obrigado de te condenar à morte? Se te calas agora, se renuncias a essa loucura eu tenho uma chance de te salvar, mas daqui a cinco minutos te garanto que não terei mais. Estás entendendo?

ANTÍGONEEu tenho que enterrar meu irmão que esses homens desenterraram.

CREONTEVais refazer esse gesto absurdo? Há uma nova guarda ao redor do corpo de Polinice e mesmo que consigas recobri-lo, irão descobrir de novo o cadáver, tu o sabes muito bem. Que podes então senão te ensangüentar ainda mais as unhas e te fazer enforcar?

ANTÍGONENada mais que isso, eu o sei. Mas ao menos isso eu posso. E é preciso que sefaça aquilo que se pode fazer.

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CREONTECrês tu verdadeiramente nisso, nesse enterro segundo as regras? Nessa sombra de teu irmão condenado a vagar para sempre c=caso não se jogue sobre o cadáver um punhado de terra segundo a fórmula do padre? Aos padres de Tebas, já os ouviste recitar a tal fórmula? Já viste essas pobres cabeças defuncionários públicos cansados, encurtando os gestos, engolindo as palavras,concluindo apressadamente a cerimônia desse morto para poder ainda pegar mais um antes do almoço?

ANTÍGONESi, já os vi.

CREONTEE nunca pensaste então que se fosse um ser que amasses verdadeiramente, que estivesse lá, deitado nessa caixa, tu te meterias a urrar imediatamente? A gritar para que eles se calem, para que vão embora?

ANTÍGONESim, já pensei nisso.

CREONTEE estás arriscando a morte agora só porque recusei a eu irmão esse passaporte ridículo, esse blábláblá em série sobre seus despojos, essa pantomima da qual serias a primeira a te envergonhar e a passar mal se alguém os realizasse? É um absurdo!

ANTÍGONEË mesmo um absurdo.

CREONTEPor quê fazes então um tal gesto? Pelos outros? Por aqueles que crêem nisso?Para em enfrentar?

ANTÍGONENão.

CREONTENem pelos outros, nem por teu irmão? Por quem então?

ANTÍGONEPor ninguém. Por mim mesma.

CREONTEOlha-a em silêncio.

Tens então toda essa vontade de morrer? Estás já com cara de uma caça que sedeixou pegar.

ANTÍGONENão te enchas de ternura por mim. Faze como faço. Faze o que tens que fazer.Mas se és um ser humano, faze-o de pressa. É isso tudo o que te peço. Eu não vou conseguir ter coragem por toda eternidade, isso é verdade.

CREONTE

Aproximando-seEu quero te salvar, Antígone.

ANTÍGONE

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És o rei, podes qualquer coisa,mas isso, isso não podes fazer.CREONTE

Estás certa disso?ANTÍGONE

Nem me salvar, nem me obrigar a nada.CREONTE

Orgulhosa! Pequena Édipo! ANTÍGONE

Tudo o que podes fazer é me fazer morrer.CREONTE

E se te mando torturar?ANTÍGONE

Para quê? Para que eu chore, peça perdão, para que eu te jure tudo o que queiras que eu jure e depois recomece quando não estiveres mais me fazendo mal?

CREONTEApertando-lhe o braço.

Escuta bem aqui. Eu estou com o papel pior nessa história e tu estás com o bom, está certo? E farejas isso. Mas não tente se aproveitar muito disso, sua pequena peste...Se eu fosse um bom, ordinário e estúpido tirano já teriate arrancado a língua há muito tempo, esticado um por um de teus membros comtenazes ou te jogado dentro de um buraco qualquer. Mas tu vês dentro de meusolhos algo que hesita, vês que te deixo falar em vez de chamar meus soldados- e então me desafias, me atacas o mais que podes. Aonde pretendes chegar, ó pequena fúria?!

ANTÍGONELarga-me. Estás me machucando o braço com essas mãos.

CREONTEQue lhe aperta mais forte.

Não. Eu, eu sou o mais forte nessa modalidade, então eu também vou me aproveitar disso

ANTÍGONEDá um grito curto.

Ai!CREONTE

Cujos olhos riem.Ë talvez o que eu deveria fazer, afinal de contas, bem simplesmente, te torcer o punho, te puxar os cabelos como se faz com as meninas nos jogos.

Ele a olha mais uma vez. Torna-se sério. Fala-lhe bem de pertoEu sou teu tio, ta claro, mas nós não somos ternos uns com os outros em nossa família. Isso de todo jeito não te parece divertido, esse rei zombadoque te escuta, esse velho homem que tudo pode e que já matou a tantos, te asseguro, e outros tão ternos quanto tu, e que está aqui a se dar toda essa trabalheira para tentar te impedir de morrer?

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ANTÍGONEApós um tempo.

Estás me apertando demais agora.. E isso nem me machuca mais pois nem sinto mais meu braço.

CREONTEOlha-a e a larga com um sorriso curto. Murmura.

Deus sabe contudo que tenho muito o que fazer hoje, mas vou seja lá como forperder todo o tempo do mundo para te salvar, pequena peste.

Fá-la se assentar numa cadeira no centro da sala.Tira seu casaco e avança em sua direção, pesado, poderoso, só de

camisa.

No dia seguinte de uma revolução que não deu certo, te asseguro, tem sempre alguma coisa acontecendo. Mas os negócios urgentes podem esperar.u não vou te deixar morrer numa históriade política. Vales mais que isso. Porque teu Polinice, esta sombra desolada e este corpo que se decompõe entres seus guardas e todo esse patético que te inflama, não passa de uma história de política. Primeiro eu não sou terno, mas sou delicado: gosto de tudo o que é limpo, claro, bem lavado. Crêsque isso não me desgosta tanto quanto a ti, essa carne que apodrece ao sol? À noite, quando o vento vem do mar, o cheiro já chega até ao palácio. Isso me parte o coração. Contudo, não vou nem mesmo fechar a janela. É ignóbil, e posso disser isso ati, é estúpido, monstruosamente estúpido, mas é preciso que toda Tebas sinta isso durante algum tempo. Não achas que eu deveria enterrar teu irmão nem que fosse por uma questão de higiene?! Mas para que os brutos que eu governo possam compreender, é preciso que o cadáver de Polinice feda a cidade inteira, durante um mês.

ANTÍGONEÉs odioso!

CREONTEMas claro, minha guria. É o ofício que me obriga a sê-lo. O que se pode discutir, é o que se precisa fazer ou não fazer. Mas se a gente se mete a fazer, é preciso fazê-lo desse jeito.

ANTÍGONEPor quê o fazes tu?

CREONTEUma bela manhã eu açodei rei de Tebas. E deus sabe se algum dia amei na vida algo como poder ser poderoso.

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ANTÍGONE Bastava dizer não então!

CREONTEBem que eu podia. Mas eu me senti de repente como um operário que recusava de fazer seu trabalho. E isso não me pareceu lá muito honesto. Então disse sim.

ANTÍGONEOra, pior então para ti! Eu nunca disse esse “sim”. Como é que queres que me interesse pela tua política, pela tua necessidade, por tuas pobres histórias? Eu, eu posso dizer ”não” ainda a tudo o que não amo e sou o meu único juiz. Mas tu, com tua coroa, com teus guardas, com teus apetrechos, tudo o que podes fazer é me fazer morrer, opor que disseste esse “sim”

CREONTEEscuta aqui.

ANTÍGONESe eu quiser, posso até nem te escutar. Disseste “sim”. Não tenhomais nada a aprender contigo. Mas tu não. Estás aí a beber minhaspalavras. E se não chamaste ainda os guardas é simplesmente para poder meescutar até o fim.

CREONTETás brincando!

ANTÍGONENão. Eu te meto medo. É por isso que tentas me salvar. Seria bem mais cômodoguardar uma pequena Antígone viva e muda neste palácio.És sensível demais para dares um bom tirano,essa é que é a questão. Mas, de qualquer jeito, tu me farás morrer daqui a pouco, sabes bem disso, e é por isso que tens medo. Ë é feio um homem que teme.

CREONTE

SurdamentePois bem, sim, eu tenho, medo de ser obrigado a te mandar matar se te obstinas. E eu não gostaria de fazê-lo.

ANTÍGONEEu, eu não sou obrigada a fazer o que eu não gostaria de fazer. Não quererias também talvez recusar um túmulo a meu irmão?! Dize que não quererias.

CREONTEEu já te o disse.

ANTÍGONEE acabaste fazendo, apesar disso. E agora irás me mandar matar sem querer. Eé isso a que chamas ser rei!

CREONTEPois é exatamente isso!

ANTÍGONE

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Pobre Creonte! Com minhas unhas quebradas e cheias de terra e cheia de ronxos que teus guardas me fizeram nos braços, com meu medo que me retorce oventre, eu, eu sou rainha.

CREONTETem então piedade de mim!. ( 8) O cadáver de teu irmão que apodrece sob minha janela já é suficiente para que a ordem reine em Tebas. Meu filho te ama. Não me obrigues a pagar também contigo. Já paguei o suficiente.

ANTÍGONENão. Disseste ”sim”. Não pararás jamais de pagar agora!

CREONTE

Sacode- a repentinamente, fora de si ( 9)Mas, ó bom deus, tenta compreender, também tu, por um minuto, pequena idiota!Eu, eu bem que tentei te compreender também. (10)

É necessário contudo que existam alguns que digam sim . É necessário que haja os que conduzam a barca. Barcas (11) fazem água por todo lado, são cheias de crimes, estupidez, de miséria..E lemes giram sem rumo. Grumetes nem querem mais fazer nada, pensam só em pilhar estivas (12), porões:põem-se oficiais já a construir pequena e confortável jangadaem que não caiba mais que eleslevando toda provisão de água docepara livrar sua carcaça e seus ossos.E espatifa-se o mastro e sopra o vento e leva a velarasgadae a leva de brutosque vai morrer

que vai morrer (13)por que pensa na própria pele e sóe tão somente nela, a preciosae em seus pequeninos prazeres (14).Pensas, então, que temos tempo de bancar os chiques,e de saber se se diz agora(15 )sim, ou agora não,de se perguntar se o preço a pagar não será algum dia muito muito alto, E se se poderá ainda ser homem após?!Pega-se um pedaço de pau ...o fuzil,(16)Levanta-se alto diante da montanha d’água(17)

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Esgoela-se uma ordem qualquer E manda-se bala no bolo,(18)Ou no primeiro que avance.No bolo!Esse troço não tem nome.É como a onda que acaba de se abater sobre o convés à nossa

frente.O vento que te fustiga e a coisa corpo(19) que cai no meio de um grupo

não têm nome.Era talvez o cara que te deu fogo e sorria, no dia anterior.Ele não tem mais nome.E tu também nãonão tens mais nomequando estás agarrado à barra da saia (20),

ao teu timão.Apenas navios e tempestades têm nomes.Dá para entenderes isso?

ANTÍGONE

Balança a cabeçaEu não quero compreender isso. É bom para ti. Eu não estou aqui para compreender nada. Eu estou aqui para te dizer não e morrer

CREONTEÉ fácil dizer não!

ANTÍGONENem sempre.

CREONTEPara se dizer um sim é preciso suar e dobrar as mangas, empunhar a vida com as próprias mãos e se enfiar nela até os cotovelos.É fácil dizer não, mesmo se se deve morrer. Basta não se mexer e esperar. Esperar que se viva e mesmo esperar que se nos tire a vida. É ato de covardia.Podes imaginarias um mundo em que as árvores dissessem não à seiva, ou os animais dissessem não ao instinto da caça e do amor?Os animais pelo menos são bons, simples e duros.Eles seguem em frente, se empurrando uns aos outros, corajosamente, por sobre o mesmo caminho.E se uns tombam, os outros passam adiante e pode-se perder tantos quantos se quiserrestará sempre ao menos um de cada espéciepara refazer filhotes e retomar o mesmo caminho com a mesma coragem, iguaizinhos aos que passaram antes deles.

ANTÍGONEQue sonho, hein, para um rei?!Animais!

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Seria simples demaisCREONTE

Silêncio. Olhando para ela.Tu me desprezas, não é?Ela não lhe responde, ele continua como eu falando para si mesmo.Que engraçado! Eu imaginei tantas vezes já esse diálogo com um pequenino homem pálido que tivesse tentado me matar e contra o qual eu não poderia fazer nada, a não ser desprezar.Mas jamais pensei que seria contigo e que fosse por uma coisa tão idiota...

Toma sua cabeça por entre as mãos.Sente-se que ele está no fim de suas forças.

Escuta-me, seja lá como for, pela última vez.Meu papel não é lá muito bom, mas é meu papel e eu vou te mandar matar.Apenas eu gostaria antes de estar certo de que tu também estás do teu.Sabes porque vais morrer, Antígone?Sabes em baixo de que história sórdida estarás assinando , para sempre, o teu pequeno nome sangrento?

ANTÍGONEQue história?

CREONTEA de Etéocle e Polinice, a de teus irmãos.Não tu pensas que sabes, mas, não sabes de nada.Ninguém o sabe em Tebas, a não ser eu.Mas me pareceu, que esta manhã, tu também tinhas o direito de saber.

Ele sonha um pouco, com a cabeça entre as mãos, cotovelos apoiados por sobre os joelhos.

Ouve-se-o murmurar.Não é nada lá muito bonita, já vais ver.

E ele começa seriamente, sem olhar para Antígone.Que é que tu te lembras de teus irmãos, para começar?Dois colegas de jogos que te desprezavam, sem dúvida, que quebravam tuas bonecas, e sussurravam eternamente mistérios nos ouvidos um do outro só para te fazer ficar enraivecida?

ANTÍGONEEram grandes...

CREONTEDepois os admiraste por seus primeiros cigarros, suas primeiras calças compridas, e aí eles começaram a sair à noite, a ter cheiro de homens e passaram a nem mais te olhar.

ANTÍGONEEu era uma menina...

CREONTE

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Tu vias como tua mãe chorava, como teu pai se encolerizava, ouvias bater as portas quando voltavame as risadas deles pelos corredores.E eles passavam diante de ti, bêbados e molengas, fedendo a vinho.

ANTÍGONEUma vez eu me escondi atrás da porta, era de manhã, tínhamos acabado de nos levantar e eles acabavam de voltar.Polinice me viu, ele estava todo pálido, com os olhos brilhando e tão belo em seu traje de noite! Ele me disse: ” Ué, estás aí?”E me deu uma enorme flor de papel que ele trouxera para mim da sua noitada.

CREONTEE guardaste esta flor, não foi?E ontem antes de sair, abriste tua gaveta do armário e destes uma olhada nela, só para te dar coragem, não foi?

ANTÍGONE

EstremeceQuem te disse isso?

CREONTEPobre Antígone, com tua flor de pano Delicada como as (22 e meia) flores de anáguas.Sabes quem era teu irmão?

ANTÍGONEEu sabia que irias falar mal dele, fosse como fosse!

CREONTEUm pequeno farrista imbecil, uma pequena ave de rapina dura e sem alma, um pequeno bruto que só servia para correr mais que os outros em seu carro, ou para gastar mais dinheiro nos bares. Uma vez eu estava lá, teu pai acabara de lhe recusar uma quantia enorme que ele havia perdido no jogo. Pois ele ficou pálido, levantou os punhos cerrados e gritou um palavrão.

ANTÍGONENão é verdade!

CREONTEO punho do estúpido voou inteiro no rosto de teu pai. Dava dó. Teu pai estava assentado à mesa, com a cabeça por entre as mãos.Sangrava do nariz e chorava.E num canto do escritório, Polinice, gargalhava enquanto acendia um cigarro.

ANTÍGONEQuase suplicando dessa vez.

Não é verdade!CREONTE

Dá para te lembrares, tinhas 12 anos. Ficaste sem vê-lo por um bom tempo, não foi?

ANTÍGONE

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gravementeÉ, é verdade.

CREONTEPois foi depois dessa briga. Teu pai não quis levá-lo a julgamento. Ele se engajou na armada argiana. E desde que ele chegou entre os Argianos, foi iniciada a caça ao homem, a esse homem que era teu pai , esse velho homem que não se decidia a morrer, a largar seu reino. Os atentados se sucederam eos matadores que prendíamos acabavam sempre por confessar que havia recebidodinheiro dele.Bem , não somente dele, aliás. Pois é isso que eu quero que saibas, os bastidores desse drama onde estás doida para ter um papel, só que será na cozinha. Eu ordenei ontem funerais solenes para Etéocles.Etéocles é um herói e um santo para Tebas agora.Todo o povo lá estava.As crianças das escolas deram para a Coroa todo o dinheiro que tinham em seus cofrinhos.Os mais velhos, falsamente comovidos, fizeram elogios, com vozes trêmulas, para o bom irmão, o filho fiel de Édipo, o príncipe leal.Até eu fiz um discurso.E todos os sacerdotes de Tebas, todo paramentados, com caras de compungidos.E as honras militares...Era preciso.Sabes bem que eu não podia me dar ao luxo de ter dois crápulas do mesmo ladoao mesmo tempo. Ma vou te dizer algo. Vou te dizer algo que só eu sei, algo horrível: Etéocle, esse poço de virtude, valia tanto quanto Polinice, isso é: nada.O bom filho havia tentado , também ele, assassinar seu pai,O príncipe leal havia decidido, também ele, vender Tebas ao que desse mais.Foi mesmo, achas que isso é engraçado?!Essa traição pela qual o corpo de Polinice está lá ao sol apodrecendo, ficoumais que provado que Etéocles - que agora dorme em sua tumba de mármore- estava se preparando, também ele, para cometer. Foi mero acaso se Polinice conseguiu dar seu golpe antes dele.Nós estávamos nas mãos de dois ladrõezinhos de feira que se enganavam um ao outro e a nós todos e que se degolaram um ao outro - como dois pequenos bandidos que eram – num regulamento de contas. Apenas aconteceu que eu tive necessidade de fazer um herói de um deles Fui então buscar seus cadáveres no meio dos outros. E os encontramos abraçados, pela primeira vez na vida deles certamente.Eles haviam se esfaqueado um ao outro e depois a carga da cavalaria argianaacabou passando por cima deles. Eles estavam todo despedaçados, Antígone, irreconhecíveis. Eu então mandei catar um dos corpos, o menos estragado dos dois, para meus funerais nacionais e dei ordem de deixar que o outro apodrecesse aonde estava. Nem tenho a menor idéia de qual dos dois era. E te garanto que para mim dá na mesma.

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Há um longo silêncio.Eles não se movem, sem se olhar, até que Antígone diz com doçura.

ANTÍGONEPor que me contaste isso?

Creonte recoloca o casacoCREONTE

Valeria a pena te deixar morrer numa história pobre dessas?ANTÍGONE

Talvez. Eu, eu pensava que sim.Há ainda um silêncio.

Creonte se aproxima delaCREONTE

E o que é que vais fazer agora?ANTÍGONE

Levanta-se como uma sonâmbula.Vou para meu quarto.

CREONTENão fica muito sozinha. Vá ver Hemon, hoje de manhã. Casa-te logo.

ANTÍGONE

OfeganteSim.

CREONTENada mais conta. E tu ias jogar fora isso! Eu te entendo, eu faria como tu na tua idade.É por isso que eu bebia tuas palavras.Eu escutava vindo dos fins dos tempos, um pequeno Creonte magro e pálido como tu e que só pensava em servir (22), também ele...

Casa-te, Antígone, sê feliz.A vida não é o que pensas.É uma água que os jovens deixam escorrer sem o saber por entre seus

dedos entreabertos.Fecha tuas mãos, fecha tuas mãos rápido.Segure- a

Verás, isso se tornará uma pequena coisa dura e simples que se roe, como um pedaço de pão, sentada ao sol.Eles te dirão todos o contrário porque eles têm necessidade de tua força e de te arrojo.Não os escute,

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Nem me escute quando eu fizer meu próximo discurso diante do túmulo de Etéocles.Não será verdade.A única verdade é aquilo que não se diz.

Aprenderás isso também tu, tarde demais: a vida é um livro que se ama,é uma criança que brinca a teus pés, um instrumento que se pode segurar com firmeza na mãoum banco para se repousar à noite diante de sua casa.Vais me desprezar agora, mas descobrir isso, verás, é o consolo

irrisório de envelhecer. A vida talvez não seja mais que a felicidade!

ANTÍGONEMurmura, o olhar perdido.

A felicidade...CREONTEEnvergonha-se um pouco repentinamente.

Uma palavra pobre, não é?ANTÍGONE

Devagarzinho.Qual será minha felicidade? Em que mulher feliz irá se tornar a pequena Antígone?Que pobrezas ela precisará fazer, também ela, dia após dia, para arrancar com os dentes seu pequeno naco de felicidade?Dize, a quem deverá ela mentir, a quem sorrir, a quem se vender?Quem ela deverá deixar morrer , retirando seu olhar?

CREONTE

Dando de ombrosEstás louca, cala-te!

ANTÍGONENão, não me calarei. Eu quero saber como eu também vou poder fazer para ser feliz.Imediatamente, pois é assim de repente que se precisa fazer uma escolha. Disseste-me que a vida é bela. Eu quero saber como eu me agarrarei a isso para viver.

CREONTEAmas Hemon?

ANTÍGONESim, eu o amo. Amo um Hemon forte(23) e jovem, um Hemon exigente e fiel, como eu.Mas se vossa(24) vida e vossa felicidade deverem passar por sobre ele com seu desgaste, se Hemon não deve mais empalidecer quando eu empalideço,se ele não deve mais pensar que estou morta quando me atraso por cinco minutos,

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se ele não se sentir mais só no mundo e me detestar, quando eu rio sem que ele saiba porque, se ele deve se tornar junto a mim o Senhor Hemon, se ele deve aprender a dizer “sim” também ele, então eu não amo mais Hemon!

CREONTENão sabes mais o que dizes. Cala-te

ANTÍGONESim, eu sei o que digo, mas és tu que não me queres entender. Eu te falo de muito longe agora, de um reino onde não podes entra com tuas rugas, tua sabedoria, teu ventre.

Ela ri.Ah eu estou rindo! Creonte, estou rindo! Por que de repente te vejo com 15 anos! Estás com esse mesmo ar de impotência e ao mesmo tempo de quem crê que se pode tudo.A vida somente te ajuntou essas pequenas dobras sobre o rosto e essagordura ao redor do corpo.

CREONTE

Sacode-a Vais te calar, enfim?

ANTÍGONEPor quê me queres fazer calar?Porque sabes que tenho razão?Pensas que não leio em teus olhos que o sabes?Sabes que tenho razão, mas não o confessas jamais,Porque estás tentando nesse momento é defender tua própria felicidadecomo se fosse um osso.

CREONTEA tua e a minha, isso sim, imbecil!

ANTÍGONETu me dás nojo com tua felicidade! Com tua vida que se precisa amar custe o que custe!Perecem-se com dois cães que lambem tudo o que encontram.E esta pequena sorte, para todos os dias, se não se é muito exigente.Eu? eu quero tudo, e tudo logo – e que tudo seja inteiro- Ou então eu recuso!Não quero ser modesta, eu, e me contentar de um pedacinho se eu for obediente.Quero estar segura de tudo hoje e que isso seja tão belo como quando eu era pequenina.Isso ou morrer.

CREONTE

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Então começa, começa como teu pai.ANTÍGONE

Como meu pai, sim! Nós somos daqueles que põem as questões até o seufim.Até que não reste mais a menor chances de esperança que sobreviva.A menor chance de esperança que se possa estrangular. Nós somos daqueles que pisoteamos a ela quando a encontramos,Quando encontramos essa tua esperança, tua cara esperança, tua suja esperança!.

CREONTEFecha essa boca! Precisavas te ver proferindo (25) tais palavras... Ficas feia!

ANTÍGONEOra, eu sou feia! É nojento, não é mesmo?! gritarias, sobressaltos, essa luta de cenourinhas, de garis, lixeiros.(26).Papai só se tornou belo após, depois que ele ficou bem certo de que havia matado seu pai,e que era exatamente com sua mãe que ele tinha ido para a cama.E que nada, nem ninguém,jamais poderia salva-lo. Aí ele se acalmou de repente,deu algo parecido com um sorriso,e se tornou finalmente belo.Estava acabado.E não teve mais que fazer senão fechar seus olhos para não mas vos ver a todos(27)!Ah vossas cabeças...que pobres cabeças de candidatos à felicidade!Tendes todos algo de feio no canto do olho ou da boca.Bem disseste ainda agora Creonte: “à cozinha!”Tendes cabeças de cozinheiros.

CREONTETorce-lhe o braço.

Eu te ordeno que cales essa boca, estás me entendendo?ANTÍGONE

Me dás ordens, mestre Cuca?!(28)CREONTE

A sala de estar está cheia de gente! Queres mesmo te perder? Eles vão te ouvir!(29)

ANTÍGONEPois que ouçam, abram-se as portas! Que me ouçam( 30)!

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CREONTETenta fechar-lhe a boca à força.

Vais finalmente te calar, bom deus?!

ANTÍGONEDebatendo-se.

Anda! Rápido, Cozinheiro! Chama teus guardas!

A porta se abre. Entra IsmêniaISMËNIA

Gritando.Antígone!

CREONTEQue queres tu também?!

ANTÍGONEAntígone, perdoa-me! Antígone, vês , eu vim, eu tenho coragem. Eu irei contigo.

ANTÍGONEAonde irás comigo, tu?

ISMËNIASe a fizerdes morrer, tereis que me matar com ela

ANTÍGONEAh não. Agora não. Não tu. Sou eu e apenas eu. Nem vais pensar que poderás vir morrer comigo agora. Seria bastante fácil.

ISMËNIAEu não quero viver se tu morres, eu não quero ficar sem ti.

ANTÍGONEEscolheste a vida e eu a morte.Poupa-me agora tua choradeira ( jeremiadas .(31)Tinha-se que ir hoje de manhãTinha-se que ir rastejando,Tinha-se que ir de noite Tinhas que arrancar a terra com tuas unhas(32)enquanto eles vigiavam de perto.Tinhas que te fazer ser pega por eles como uma ladra.

ISMËNIATá bem, eu irei amanhã!

ANTÍGONEEstás ouvindo isso, Creonte?

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Até ela!Quem sabe se isso não vai pegar em mais alguém ao me escutar?Que esperas para me tapares a boca,Que esperas para chamar teus guardas?Vamos, Creonte, um pouco mais de coragem! É apenas um momento mau a mais a se passar!Vamos, cozinheiro, faze o que deve ser feito!

CREONTE

Grita de repenteGuardas!

Guardas aparecem imediatamente.Levem-na!

ANTÍGONEDando um grande grito, aliviada.

Enfim, Creonte!Os guardas se lançam sobre ela e a levam.

Ismênia sai gritando atrás dela.ISMËNIA

Antígone! Antígone!

Creonte ficou só. Entra o Coro e vai até ele.CORO

És louco, Creonte! O que fizeste?

CREONTEOlhando ao longe à sua frente.

É preciso que ela morra.(33)CORO

Não deixe Antígone morrer, Creonte!Nós teremos que suportar essa ferida aberta ao longo dos séculos.

CREONTEÉ ela quem o queria. Nenhum de nós não era bastante forte para fazê-la decidir viver.Agora posso compreendê-la. Antígone foi feita para ser morta.Ela mesma talvez não o soubesse, mas Polinice era mero pretexto.Quando ela teve que renegá-lo, logo encontrou outra razão imediata.( 34)O que importava para ela, era mesmo se recusar e morrer.

COROEra só uma criança, Creonte!

CREONTEQue querem que eu faça por ela?Condená-la a viver?

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HEMON

Entra gritandoPai!

CREONTECorre em sua direção e o abraça.

Esquece-a Hemon, esquece-a meu pequeno!HEMON

Estás louco, pai. Me deixa.

CREONTESegura-o mais forte ainda.

Tentei tudo para salvá-la, Hemon. Tentei de tudo, te juro.Ela não te ama. Ele teria chance de viver.Ela preferiu sua loucura e sua morte.

HEMONGrita, tentando escapar de seu abraço.

Mas, pai, não estás vendo que eles a estão levando!Pai, não deixe esses homens levá-la!

CREONTEAgora ela falou.Toda Tebas sabe o que ela fez.Sou obrigado a mandar executá-la.

HEMONEscapa de seus braços.

Deixa-me!Um silêncio. Estão frente a frente. E se olham.

COROAproxima-se.

Será que não se pode inventar qualquer coisa, dizer que ela está louca, interná-la?

CREONTEEles dirão que não é verdade.Que eu a estarei salvando porque ela seria mulher de meu filho.Não posso.

COROSerá que não daria para se ganhar tempo e fazê-la fugir amanhã?

CREONTEA multidão já o sabe e urra ao redor do palácio.(35)Eu não posso.

HEMONPai, o povo não é nada!

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Tu, sim, és o senhor!(36)CREONTE

Eu sou o mestre antes a da lei.Não após.

HEMONPai, sou teu filho, tu não podes deixar que a tomem de mim.

CREONTESim, Hemon. Sim, meu pequeno. Tem coragem.Antígone não ode mais viver. Antígone já se foi.

HEMONE pensas que eu...que eu posso viver sem ela?(37)Crês que eu aceitarei essa vossa vida?E todo dia, da manhã à noite, sem ela?E vossa agitação, vosso vazio, sem ela?

CREONTESerá melhor que aceites, Hemon. (38). Cada um de nos tem um dia, mais ou menos triste, em que ele acaba aceitando ser um homem (39)Teu dia é hoje.(40)E eis que é pela última vez que assim ficas diante de mim,com lágrimas nas bordas dos olhose um coração te magoando, meu pequeno rapaz.Quando me tiveres dado as costas,Quando tiveres atravessado esse limiar daqui a pouco,tudo isso terá terminado.

HEMONRecua um pouco e diz devagar.

Já acabou de terminar.(41)CREONTE

Não me julgues, Hemon. Não me julgues também tu..

HEMONOlha-o e diz imediatamente.

Esta grande força e esta coragem, esse deus gigante que me carregava em seus braçose me salvava dos monstros e das sombras,eras tu?Este odor proibido deste pão bom da ceia já iniciada (42) e eu sob, a lamparina, ainda a ver livros que me mostravas em teu escritório,eras tu, esse cheiro, eras tu?

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CREONTE

Com humildadeSim, Hemon.

HEMONTodos esse cuidado,todo esse orgulho,todos esses livros cheios de herói,era então para chegarmos até aqui?E ser um homem, como o dizes, papaiE muito feliz em viver?

CREONTESim, Hemon

HEMONGrita de repente como uma criança,

Se jogando em seus braços.Pai, não é verdade! Não és tu. Não é hoje.Nós não estamos todos dois aos pés desse muro aonde somente se deve dizer sim.És ainda poderoso,tu, como quando eu era pequeno.Ah te suplico, pai, que eu te admire, que eu ainda te admire!Estarei muito sozinho e o mundo será excessivamente nu se eu não puder mais te admirar.

CREONTEAfasta-se dele.

Estamos sós, Hemon.O mundo é nu.E tu me admiraste por tempo demais.Olha para mim, isso é se tornar um homem, frente a frente, olhar no olho de seu pai um dia.

HEMONOlha para ele e recua gritando.

Antígone! Antígone! Socorro!

Sai, correndoCORO

Vai até Creonte.Creonte, ele saiu como um louco.

CREONTECom o olhar ao longe, reto à sua frente.

Sim. Pobre pequeno.

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Ela a ama.CORO

Creonte, há que se fazer alguma coisa!CREONTE

Não posso mais fazer nada.CORO

Ele saiu, tocado até à morte.

CREONTEGravemente.

Mas nós fomos todos tocados até à morte

Antígone entra no palco, empurrada por guardas que se curvam sobre a porta

como que impedindo a multidão que se advinha urrar do outro lado

O GUARDA Juão DenisChefe, eles estão invadindo o palácio!

ANTÍGONECreonte, eu não quero mais ver vossos rostos, eu não quero mais ouvir seus gritos, eu não quero mais ver ninguém!.Tens minha morte agora e basta.Faze com que eu não veja mais ninguém até que tudo isso se acabe.

CREONTE

Sai gritando para os guardasGuardas à porta! Que se esvazie o palácio!Fica aqui com ela, tu!

Os dois outros guardas saem, seguidos pelo Coro. Antígone fica só, com o primeiro guarda.

Antígone olha para ele.ANTÍGONE

De repente.Então, és tu?

O GUARDA Juão DenisQuem? Eu?

ANTIGONEMeu último rosto de um homem.

O GUARDA Juão DenisNão tem outro por aqui.

ANTÍGONEQue eu te olhe...

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O GUARDA Juão Denis

Afasta-se, envergonhadoTá legal...

ANTIGONEFoste tu quem me prendeu ainda agora?

O GUARDA Juão DenisSim, fui eu.

ANTÍGONEMe machucaste. Não tinhas necessidade de me machucar.Eu tinha cara de quem iria fugir, tinha?

O GUARDA Juão Denis Ei, ei, nada de histórias!Se não fosse você, seria eu quem ia se ferrar.

ANTIGONEQue idade tens?

O GUARDA Juão DenisTrinta e nove.

ANTÍGONETens filhos, tens?

O GUARDA Juão DenisSim, dois.

ANTIGONETu os amas?

O GUARDA Juão DenisIsso não é de sua conta!

Ele começa a andar nervoso pela sala. Durante um momento não se ouvem a não ser seus passos.

ANTÍGONE

Pergunta com humildadeHá muito tempo que és guarda?

O GUARDA Juão DenisApós a guerra.Era sargento.Me reengajei.

ANTIGONEË preciso ser sargento para se ser da guarda?

O GUARDA Juão DenisEm princípio, sim. Ou sargento ou haver participado do pelotão especial.Uma vez guarda, o sargento perde seu grau.Por exemplo, se eu me encontro com um recruta do exército, ele pode deixar de bater continência.

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ANTÍGONEÉ mesmo?

O GUARDA Juão DenisÉ. Bem, observe que em geral ele o faz. Um recruta sabe que um guarda é um oficial graduado.Agora, em matéria de grana, tem-se o soldo ordinário da Guarda, como o do pelotão especial, e , durante seis meses, a título de gratificaçãoum acréscimo como suplemento ao soldo de sargento.Apenas que como Guarda, têm-se outras vantagens, como casa própria, salário família,(43) (Que Creonte quer incorporar todas ao salário, essa é a promessa dele...)(44)Um guarda casado e com dois filhos pode ganhara mais dinheiro que um sargento da ativa, ao final .

ANTIGONEMas é mesmo?!

GUARDA Juão DenisAh é. É isso que explica as rivalidades entre Guardas e Sargentos. Você deve ter podido observar que um Sargento sempre faz de conta que despreza um Guarda. O grande argumento deles é a ascensão funcional. Num certo sentido,estão certos.A ascensão de um Guarda é mais lenta e mais difícil que no exército.

Mas não se deve esquecer que um brigadeiro da Guarda é bem diferente que um Sargento-Chefe.

ANTÍGONE

Diz repentinamente para eleEscuta...

O GUARDA Juão DenisDiga lá.

ANTIGONEEu vou morrer daqui a pouco.

O Guarda não lhe responde. Um silêncio. Ele recomeça a andar pelo salão.

Após um momento ele retoma a conversa anterior sobre Guardas esargentos..

O GUARDA Juão DenisPor um outro lado, tem-se mais consideração por um Guarda que por um Sargento da ativa.O Guarda é um soldado, mas é quase um funcionário

ANTÍGONEAchas que morrer dói?

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O GUARDA Juão DenisNão sei lhe responder. Durante a guerra os que eram feridos na barriga sofriam um bocado.Mas eu nunca fui ferido. E num certo sentido, isso até que atrapalha minha ascensão funcional, sabia?

ANTÍGONEComo é que irão me matar?

O GUARDA Juão DenisNem sei ainda. Penso que ouvi dizer que para não sujar a cidade com seu sangue eles iriam te emparedar num buraco.

ANTÍGONEViva?

O GUARDA Juão DenisSim, no início.

Um silêncio. O Guarda enrola um cigarro.(45)ANTÍGONE

Ó túmulo! Ó leito nupcial! Ó minha habitação subterrânea!

Ela parece bem pequenina no meio da grande sala vazia.Dir-se-ia que ela sente um pouco frio.

Ela se rodeia com seus braços. Ela murmura.

Sozinha...O GUARDA Juão Denis

Que joga fora o cigarro e o pisa.Nas cavernas de Hades, às portas da cidade. Em pleno sol.E que trabalho danado de ruim, para os que estarão de serviço. Tinha-se pensado no início de se chamar o exército.Mas, pelas últimas notícias, vai ser mesmo a Guarda que irá fornecer o pessoal.Tem costas largas, essa Guarda!Vai você ainda se admirar que hajam ciúmes entre um Guarda e um Sargento da Ativa.

ANTÍGONEDe repente cansada.

Duas bêstas...(46)O GUARDA Juão Denis

Como, duas bêstas?ANTÍGONE

Bestas, animais, se juntariam uma à outra para se esquentar.Eu , porém,estou só.

O GUARDA Juão DenisSe você tiver necessidade de alguma coisa, aí é diferente. Eu posso pedir...

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ANTÍGONENão. Eu gostaria somente que você entregasse uma carta a alguém depois que eu morrer.

O GUARDA Juão DenisQue história é essa de carta?!

ANTÍGONEUma carta que eu vou escrever.

O GUARDA Juão DenisAh, isso nunca! Nada de histórias, viu?Uma carta! Como vocês querem logo tudo, né?Eu vou correr muito risco, ora, nessa brincadeirinha sua!

ANTÍGONE

Eu te darei esse anel, se o fizeres.O GUARDA Juão Denis

É de ouro?ANTÍGONE

Sim, é de ouro.O GUARDA Juão Denis

Você entende, se me dão busca, eu vou parar no tribunal militar...Tanto faz para você, não é mesmo?

Olha mais uma vez o anel.O que posso fazer se você quiser é escrever no meu próprio bloco o que você tivesse querido dizer. Depois, eu arranco a página. Com minha letra já não é mais a mesma coisa,certo?

ANTÍGONECom os olhos fechados. Ela murmura com um pobre rictus.

Com tua escritura...Tem um pequeno arrepio.

É muito feio tudo isso, tudo é muito feio.

O GUARDA Juão DenisChateado, faz menção de lhe devolver o anel.

Você sabe, se não quiser assim, eu...ANTÍGONE

RápidaSim. Guarda o anel e escreve. Mas anda rápido....Temo que não tenhamos mais tempo.Escreve: “Meu querido....”

O GUARDA Juão DenisQue pegou seu bloco e melhora sua cara.

É para seu namorado?.ANTÍGONE

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“Meu querido,eu quis morrer e talvez tu não me amarás mais...”

O GUARDA Juão DenisRepete lentamente com sua voz grave enquanto escreve“Meu querido, eu quis morrer e talvez não me amarás mais...”

ANTÍGONEE Creonte tinha razão, é terrível um momento como esse ao lado de um homem destes, e eu nem sei porque morro.Tenho medo.

O GUARDA Juão Denis “Creonte tinha razão, é terrível...”

ANTÍGONEÖ Hemon, nosso jovenzinho. Agora entendo como viver era tão simples...

O GUARDA Juão DenisParando.

Ei, pérai, tá indo muito rápido. Como é que quer que eu escreva?Precisa-se de mais tempo...

ANTÍGONEOnde estavas?

O GUARDA Juão Denis “É terrível um momento como esse ao lado de um homem desses...”

ANTÍGONEEu nem sei mais porque eu vou morrer.

O GUARDA Juão DenisEscreve aborrecido (47))

“Eu nem sei mais porque eu vou morrer”ANTÍGONE

ContinuaEu tenho medo

Ela para. E imediatamente se levanta.Não. Apaga tudo isso. É melhor que ninguém nunca saiba. É como se eu estivesse nua e eles viessem tocar em mim depois de morta.Bota aí somente: “Desculpe!”

O GUARDA Juão DenisEntão, eu apago o final e boto desculpa no lugar?

ANTÍGONESim. Perdão, meu querido.Sem a pequena Antígone, todos vocês estariam bem mais tranqüilos...Eu te amo...

O GUARDA Juão Denis “Sem a pequena Antígone, todos vocês estariam bem mais tranqüilos.Eu te amo...”

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Só isso?!ANTÍGONE

Só isso.O GUARDA Juão Denis

É uma carta estranha.ANTÍGONE

É, é uma carta engraçada.O GUARDA Juão Denis

E para quem devo entregar?Nesse momento a porta se abre.

Os outros guardas aparecem.Antígone se levanta, olha para eles,

olha para o primeiro guarda que estava com ela, ele bota o anel no bolso e ajeita o bloco no bolso,

com ar importante..Ele vê o olhar de Antígone.

Ele grita para mostra que tem o controle da situação.

Ei, vamos lá, e sobretudo, nada de histórias!

Antígone tem um sorriso triste. Abaixa a cabeça. E caminha sem dizer nada em direção dos outros guardas.

Saem todos.CORO

Entrando imediatamente.Que coisa! Acabou-se para Antígone!Agora está chegando a vez de Creonte.Todos deverão passar por isso.

MENSAGEIROIrrompe gritando.

A rainha? Onde está a Rainha?CORO

Que queres dela? Que tens a dizer-lhe?

MENSAGEIROUma terrível notícia.Acabava-se de jogar Antígone em seu buraco.Não se havia ainda acabado de rodar as pedras por sobre a entrada, quando Creonte e todos os que o rodeiam começaram a ouvir lamentações que saiam de dentro do túmulo.Cala-se um a um , pois não era a voz de Antígone.É um novo lamento, que sai das profundezas do buraco.Todos olham para Creonte, e ele que foi o primeiro a adivinhar, ele que já sabe antes de todos os outros,

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ele urra repentinamente como um louco?“Retirem essas pedras! Retirem essas pedras!”Os escravos se lançam por sobre os blocos de pedra amontoados e, por entre eles o Rei, suado, com as mãos já sangrando.As pedras se abrem enfim e o mais magrelo se esgueira por entre a abertura.

Antígone está no fundo do túmulo pendurada pelos fios de sua cintura,por fios vermelhos, fios verdes, fios azuiscomo se fossem um colar de criançae Hemon, a seu lado ajoelhadoa segura sem seus braços e chora, o rosto escondido na saia dela..

Move-se mais um bloco e Creonte pode enfim descer. Vêem-se seus cabelos brancos na sombra, no fundo do buraco.Ele tenta fazer com que Hemon se levante, ele lhe suplica,Hemon não o escuta mais.Até que de repente ele se levanta, com olhos negros,e ele nunca se assemelhou tanto ao pequeno menino de antigamente,ele olha para seu pai, sem nada dizer, por um minuto,repentinamente cospe-lhe no rostoe puxa sua espada.Creonte pula para longe de seu alcance.Hemon, então, o mira com olhos de criança, cheios de desprezo,e Creonte não tem como evitar esse olhar como uma lâmina.Hemon observa esse velho homem tremendo no outro canto da caverna e,sem mais dizer, afunda a espada em seu próprio ventree se estende por sobre Antígone, (48)abraçando-a numa imensa poça vermelha.

CREONTE

Entra com seu pajemEu os fiz dormir juntos, um ao lado do outro enfim!Agora eles estão lavados e descansados.Estão apenas um pouco pálidos, porém tão calmos,Dois amantes no alvorecer da primeira noite.Esses, esses chegaram ao fim

COROMas não tu, Creonte.Falta ainda algo a saberes.

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Eurídice, tua mulher...CREONTE

Uma boa mulher que sempre está a falar de seu jardim,de suas geléias,de seus tricôs,de seus eternos tricôs para os pobres.Que engraçado como os pobres têm eterna necessidade de tricôs.Parece até que eles não precisam de outra coisa que de tricô.

COROOs pobres de Tebas terão frio neste inverno, Creonte.Ao saber da morte de seu filho, a rainha guardou suas agulhas,como uma boa menina,após haver terminado sua fileira de pontos,com toda a classe,como em tudo o que ela sempre faz,talvez até mesmo um pouco mais tranqüilamente que de costume.Dirigiu-se depois a seu quarto,seu quarto com odor de lavanda,com suas pequenas toalhinhas bordadasde fios de ouro afiados por sobre a pelúcia,bons para se cortar a garganta neles, Creonte.(49)Ela se estendeu agora por sobre uma das pequenas camas gêmeas e fora de moda,No mesmo lugar em que viste uma jovenzinha uma certa (50) noite e com o mesmo sorrisoapenas um pouco mais triste.E se não houvesse essa larga mancha vermelha por sobre os lençóis, ao redor de seu pescoço,poder-se-ia dizer que ela ainda (51) está dormindo.

CREONTEEla também.Eles todos foram dormir.Tá bom.O dia foi cansativo.

Um tempo. Ele fala gravementeDormir, isso deve ser bom.

COROE estás só agora, Creonte.

CREONTEBem sozinho. É isso.

Um Silêncio. Ele pousa sua mão por sobre as espáduas de seu pajem.

Pequeno...PAJEM

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Senhor?CREONTE

Vou te dizer uma coisa. Os outros, eles não sabem de nada. Estamos aqui, diante da obra, e contudo não podemos nunca cruzar os braços.Eles dizem que isso é uma porcaria de serviço.Mas se não o fazemos, quem o fará.

PAJEMNão entendo disso, senhor.

CREONTEMas claro não compreendes.Tens sorte!O que seria necessário era jamais se entender isso.Estás com pressa para crescer, estás?

PAJEMClaro, senhor.

CREONTETás louco, menino. Que história é essa de crescer logo, nunca, rapaz, nunca! (52)

O relógio bate as horas na sala ao longe. Ele murmura.

Cinco horas! Mas o que é que temos para hoje às cinco horas?!PAJEM

O conselho, senhor.CREONTE

Bem, se temos o Conselho, menino, vamos lá!Saem. Creonte se apoiando no pajem.

COROAdiantando-se.(53)

Ah enfim!Sem a pequena Antígone, é verdade, todos eles teriam ficado bem tranqüilos.Mas agora, acabou-se.Eles estão, de uma maneira ou de outra, tranqüilos.Todos que tinham que morrer, morreram.Todos que acreditavam em algo e os que criam no contrário,mesmo aqueles que não acreditavam em nada e que se viram pegos na história sem nada compreender.Mortos da mesma maneira.Todos bem esticados, bem inúteis, bem apodrecidos.E os que vivem ainda vão começar devagarzinho a esquecê-lose a confundir seus nomes.Acabou-se.

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Antígone agora esfriou (54)não saberemos jamais de que febre.Seu dever foi cumprido.Uma imensa tranqüilidade tristepesa (55) sobre Tebas e por sobre o palácio vazioonde Creonte vai começar a esperar a morte...

Enquanto o Coro falava, guardas entraram. Instalaram-se sobre um banco,

seu litro de vinho tinto ao lado deles,seu chapéu sobre a nuca,

e começa uma partida de baralho.CORO

Só restam guardas.A eles, tudo isso não interessa.Não é um troço deles.Pois continuam a jogar cartas...

A cortina cai rapidamentelogo que os guardas baixam seus trunfos.

FIM DE ANTÍGONE

55 notas em azul, como blues

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(0) Bloodwedding , University of Califórnia .LA(1) Devrais/devais: usamos o condicional pois o brasileiro não tem a

sutileza do francês nesse caso. Por polidez, lá, se usa o imperfeito no lugar do condicional...não se condiciona o outro, por respeito...Ora para dar ao papo o calor brasileiro da relação das duas, eu mantive o condicional, Antígone não falta ao respeito falandono condicional, está sendo familiar. Essa a razão dos dois outros termos no verso: Babucha por Nounou (não temos “Nounou”!), braba por brava/méchante; e, mais acima: matina por manhã / matin

(2) A frase foi alongada para seguir a respiração brasileira num tipo de relação desse, bem mais íntimo e familiar aqui e, portanto menos seco & dar tempo da cama esfriar! ”et quand tu arrives le lit est froid”.

(3) Il est vert de peur... o medo infelizmente é colorido. Franceses ficam verdes, nós amarelos, há os que ficam branco-pálidos como as Babás, azuis jamais ouvi dizer, mas quase dava nosso pavilhão de horrores..

(4) Pelo estilo de Anouilh o cara deve falar assim.Pois ele é uma figura que faz contraposição ao drama, como a Babá no início Acontece que um bronco lá em França & Oropa fala bem mais certo que um bronco aqui na Bahia. Só isso.

(5) Durand / Boudousse... eu sempre gostei de assinar meus textos me colocando em papéis vis quando o autor permite... Afinal os nomes deveriam ser gregos e ele colocou, de brincadeira, nomes, provavelmente de gente conhecida. Bem, entre os três, você é o mais graduado, hehehe!Todo os texto do guarda seguirá assim. Não há problema pois é só recolocar em português normal, caso fique fora das regras acordadas. Qualquer acréscimo ou complemento de texto, dentro desse estilo eu mantive em azul. É só tirá-lo para se ter o original francês.

(6) no original: “elle me criait de la laisser, “(7) Todas interrupções de Antígone a seguir em azul, foram

intercaladas por nós. Razões?a- é um bife muito grande.b- Creonte fala sozinho, para ninguém. Se falar com apenas

assentimentos de Antígone, essa sensação é aumentada. Se ele falar sem Antígone, pode-se ter a impressão ( eu a tenho) de queele fala demais, para exercer poder- o que não é o caso. Ele fala para desgastar para si mesmo a coisa toda.Pois JÁ CONDENOU ANTÍGONE. É NESSA FALA QUE ELE CONDENA ANTÏGONE À MORTE!!! Tentaapenas se desculpar por ser condutor de homens.

(8) “Alors, aie pitié de moi, vis”. Deu-me imensa vontade de traduzir por “Então tem piedade de mim, visse!” É a primeira vez que vejo

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alguém chamar o outro de parafuso , tarraxa. Mas a frase originalmente, se entendermos não a expressão francesa, mas o estilo, dá algo como “Então larga de meu pé!” Eu por mim adoraria colocar o intraduzível VISSE paraibano, como tradução desse “vis” .

No fundo a frase fica literalmente perfeita ( = Anouilh) de um modo oude outro, mas não consigo ver Creonte falando “visse”....

(9) hors de soi.

É bom prestar atenção nessa marca de Anouilh, que em geral , em outrosautores menos sutis, se toma como “tá na hora da gritaria!”. Lá embaixo (nota 10) voltaremos ao tremendo erro que é o de se interpretar assim um hors de soi refinado, raffiné em bom francês...É o próprio Anouilh que insiste, na fala de Creonte : “É hora de se bancar o chique (= raffiné?)”E apesar disso continua se mantendo elegante no estilo, hors de soi, sem berros e histerias..A isso chamamos ter classe

(10) Mas, ó bom deus, tent a compreender, também tu, por um minuto, pequena idiota! Eu,eu bem que tentei te compreender também.

É necessário contudo que existam alguns que digam sim . É necessário que existam os que conduzam a barca. Barcas fazem água por todo lado, são cheias de crimes, estupidez, de miséria..E lemes giram sem rumo.

( Visualização do jogo de repetições e sonâncias deAnouilh seguidos na tradução.

Porque aumentei a exclamação Bom dieu! de um ó bom deus! e substituío pronome pessoal moi pela repetição do também? Para o ritmo ficar perfeito, como o original)

Porque escrevi separando os parágrafos, dessa vez como um poema?Porque só vejo poema em Anouilh.Antígone é uma peça de tropos, que deslizam de um lugar a outro ( Palácio/ colina de enterro de Polinice), por isso tão finamente trabalhada em figuras de retórica (característica também chamadas tópica, de topoi, isso é de lugares Do texto, claro.....).Colocamos essa grafia aqui como modelo. Julgamos que TODO o texto deva e mereça seguir essa separação/divisão/respiração poética que Anouilh dá ao seu texto.Deus! Ë bem diferente a inflexão, o tom, a veracidade de nossa leiturade Anouilh do que se o lermos COMO está escrito na página 179 (=tudoemendadocomosefösseumCreont foradesihorsdeluieDESCONTROLADOnumalinguagemdeseconö

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micaedeselegantelogoelequeéumpoçodesabedoriapolíticaeque mereceráumdosmaioreselogiosquejálisobreoexercíciohumildedopoder-coisaqueNÃOsedábemcomcoléricosquegritamfrasesemendadascomoeupoderiafazerquandoestoucomraiva.!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!)É apenas a edição barata e econômica que nos (= autores & tradutores) leva a desrespeitar essa grafia visual da concretude de poemas.Na América Mamet, aqui Augusto e todos os Anjos nos ensinaram isso a long long time ago. No?

(11)(...) qui menent la barque. Cela prend de l’eau (...) Et le gouvernail...

Anouilh usa um formidável e refinado recurso que é nos mostrar a construção de uma imagem em metáfora , isso é, a metáfora não vem pronta, ela vem imagem e vai se construindo.Como isso pode ser perdido por um público menos afeito à literatura dotexto , nós reforçamos essa construção figural com alternâncias entre a singularidade e a generalidade- princípio que pode estar, estudamos nós, nabase das possibilidades metafóricas também. Assim o Gouvernail virará LemeS bem como o Cela virará BarcaS, plural, em vez do singular Isso - repetição do nome que permite, além, nos mantermos dentro do ritmo do fraseado lítero-francês.

(12) il ne pense qu’à piler la cale estivas, porões.

Colocamos a palavra mais simples após a mesma palavra mais complicada.

As pessoas que trabalham em portos no Brasil, são estivadores, claro, porque seu trabalho refere-se aos porões dos navios.Para evitar a confusão, repetimos como num dicionário, mantendo-nosfiéis ao estilo de Anouilh de repetições- sobretudo nessa fala de Creonte.Ele apenas se mostra inseguro do que está a dizer...E isso pode-se fazer por repetições sucessivas....Mas, claro, numa tragédia, ele sabe que vai condenar Antígone...não é o que diz Anouilh?

(13) et toutes ces brutes vont crever ensemble´e todos esses brutos irão morrer juntos” .

substituí o juntos,significando “ merecem todos a mesma morte “ pela repetição da condenação, apoiando mais a idéia de que merecem morrer e assim será.

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Um maktub fatídico. Também porque diz Anouilh, num admirável texto dessa mesma peça, que essa é uma marca da tragédia.

(14) p arce qu’elles né p ensent qu’à leur p eau à leur p récieuse p eau èt à leurs p etites affaires mantive a sonoridade das frases “na língua do P”.Talvez seja exagerado colocar prazeres no lugar de negócios ( no

original)Para se manter Ps até o fim. Mas também me parece que o negócio dessesbrutos que irão morrer todos juntos” é a própria pele, logo o próprioprazer.

(15) de savoir síl faut dire ‘oui”ou “non”como o português ficou com uma cadeia longa de sons em SE (seguindo esse sa voir s’í l ..) & a frase ficou difícil de ser dita em cena por um ator, interrompemos o fluxo com esse agora, que não muda em nada o sentido, muito pelo contrário pois é bem elegante..

(16) On prend le bout de bois... mas, mais adiante: on tire dans le tas... Pode-se supor que esse pedaço de pau é o cabo de uma arma de fogo, uma vez que se vai atirar com esse pedaço de pau....Parece-me mais um argumento em favor da hipótese do estilo de Anouilh fazer um recurso constante a processos figurais da Retórica Clássica (é só se ler Fontannier para se mergulhar nisso). Que são os que empregamos também quando necessitamos passar não só a letra do texto, mas o espírito de Anouilh, o que chamamos também de seu estilo.

(17) on redresse devant la montagne d’eau se fosse o pau, ou o fuzil, seria on le redresse, se fosse a própria pessoa seria on se redresse. Mas no francês coloquial ( “nós estamos conversando!.”... é o que Creonte quer fazer passar...) pode-se dizer on redresse, para si próprio.Optamos porém por levantar o fuzil, que pode parecer uma opção justificada apenas por uma maior obviedade.Por quê?Bem, se é você que se levanta diante da montanha d’água que está a se abater sobre o navio e que é ao mesmo tempo a montanha ( tas ) de amotinados que vêm em sua direção, seu personagem ganha uma conotação mais heróica, penso eu. Acontece que Anouilh nunca faz Creonte dizer que sua tarefa é de herói, pelo contrário, insiste que o exercício do poder é coisa comum,de homem comum, é coisa de DEVER e não heroísmo

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(18) Em favor de nossa tese do trabalho poético de Anouilh se fazer nesse

trecho em cima de brincadeiras sonoras e repetições como reforço retórico- processos a que chamamos também de poético – reparar a seqüência:bout de bois ( ... ) tire dans le ta s (...) Dans le tas!

(19) on tire dans le tas ....atira-se no bolo (de gente).Mandar bala no bolo, porém, nos permite manter nosso texto brasileiro dentro da sonância de que falamos na nota 17 acima e outras.

(20)et la chose qui tombe dans le groupe“e a coisa, corpo que cai” por ” e a coisa que cai no grupo...” Estamos pegando a mania de ajuntarmos a palavra que explica (corpo) depois da palavra que é difícil de compreensão ou que pode causar dubiedade em brasileiro ou que está sendo empregada dentro de um estilo (coisa)... Exemplo daqui: coisa por corpo- aonde Anouilh se utiliza de uma expressão mais crua que nós...Em outros lugares estou certo que foi o melhor ( vide nota 12) . Nesse exemplo aqui tenho realmente dúvidas, daí a nota.

(21) cramponné à la barre. Barre é o timão. Palavra que em português quer dizer: Corinthians. Optei por brincar com esse medo ( cramponné), cuja velha expressão mundial é estar agarrado à barra da saia da mãe, para, em seguida cair na palavra exata e brasileiramente ambígua... O processo aqui foi o inverso do usado nas notas 12 e 20.

(22) et qui né pensait qu’à tout donner lui aussio verbo dar tem conotação ruim em brasileiro, seja pelo político”é dando que se recebe”seja pelo sentido comum de entrega sexual.Julgo mais prudente, num texto que tem um vocabulário mais rico e refinado- e quero dizer estranho à cena nacional como um todo - não searriscar aos pequenos idiotas que às vezes povoam nossas platéias. O verbo posto exprime a mesma coisa e não deixa chance ao riso.\

(22,5) Pobre Antígone, com tua flor de pano Delicada como as das anáguas.

(23) idem para dur em ”Amo um Hemom duro e jovem”

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Não fica bem aqui.(24) Mais si votre vie etc. Ela trata Creonte por Vós em toda a peça..

Comum entre os franceses, incomum entre nós, mesmo sendo ele um Rei.Uso o tu coloquial sempre, Menos aqui, pois o vós não se refere mais a

Creonte, creio, mas a todo uma concepção mais geral de vida, a uma filosofia- “esse reino aonde não podemos entrar com nossas rugas, nossa

sabedoria, nossa pança.”É sobre isso que Anouilh tenta conversar conosco, penso. Então acho interessante que Antígone inclua nesse “vocês outros”, tanto Creonte quanto o público. Daí o Vós.

(25) Si tu te voyais criant ces mots, tu es laide.Se tu te visses gritando essas palavras, tu és feia.

F e cha essa boca! Precisavas te ver pro fe rindo (25) tais palavras... F i cas feia!Optamos por seqüência de sons em F e P ( Já há cala-te suficientes)O interessante é a construção aqui de Anouilh, dessa pequenina jóia de frase.a- Inicialmente a rima interna preciosa de VOYAIT/LAIDE, cheia de

problemas.b- Os sons sibilantes- de uso freqüente nesse texto de víboras e

condicionais- apesar de abundantes (= 5/34), são na verdade restritos- na fala de uma atriz -

a apenas um, o primeiro, o inaugural SI ( algo como:”si tu te voié crian ce mö,tu é léd”)

c- Processo parecido com 2 dos 5 sons de T ( tu/te/criant/ mots/tu)d- Por quê me parei tanto aqui para traduzir essa pequenina frase? O

que eu deduzo? Que Anouilh também escrevia para ser LIDO, isso é visto, e não apenas ouvido.Uma marca curiosa, pois não é exatamente do fazer teatral, mas do fazer literário, não?

e- Creio que fica também explicada minha escolha do proferir pelo gritar, para que mais calmos pudéssemos saborear bem a frase de Anouilh e para deixar no hemistíquio, o sinal das minhas duas escolhas Pro+ Fé.... claro, rindo!

(26) Em Anouilh: chifonniers. Colocamos três designações da mesma coisa,

uma comum,(lixeiro) outra mais complicada ( gari) e outra popular (cenourinha, modo pelo qual são conhecidos em recife os empregados que

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trabalham à noite, da Empresa Municipal de Limpeza Urbana, por causa da cor de suas vestes). Não tenho preferência. E podem ficar os 3, fazendo um crescendo sonoro.

(27) A questão da entrada em cena do VÓS, já foi explicada na nota #24. Um bom exemplo de que às vezes é TU às vezes VÓS- no próprio texto de

Anouilh, é porque ele faz recurso de um indicador extra para tal.Qual? Esse famoso todos ,que acrescentamos nessa linha, mas que está nítido e inteiro três frases abaixo dessa: “Vous avez TOUS quelque chose de laid au coin de la bouche “ etc...

(28) Tu m’ordonnes, cuisinier?Me dás ordens, Mestre Cuca? Creio que já há bastante cozinha e cozinheiro por perto. Além de que, ela está zombando dele... Mestre por Rei e Cuca por cozinheiro, nos parecem as expressões mais corretas para essa ironia de Antígone, daí o início da frase pelo pronome, em erro gramatical, coisa que ela comete apenas uma vez em nosso texto, na hora que zomba.. Sim, claro.

(29) L’antichambre est pleine de monde.Tu veux donc te perdre?On va t’entendreBeleza do estofo de um Corneille! E ainda essa beleza de inversão de sons, ao modelo de trabalho poético novo de sonâncias e rimas , que Joaquim Cardoso criou:

t(1)u ... v(2)eux .. . don(3)c inverso em:

< O(3)n ... < v(2)a ...

t’(1)en...

(30) Eh bien ouvre les portes. Justement, ils vont m’entendre.Tá bom, abre as portas. ‘’E isso aí, eles irão me ouvir.

Pois que ouçam, Portas, se abram!

Que me ouçam!

No original : dois versos de sétimaSem saber manter o ritmo da frase em sétima, e para não quebrar a estrutura ritmada de Anouilh , coloquei 3 de terras em pé quebrado ( = 3+1 fraco, ou u u u - u , na notação latina ).

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(31) Laisse-moi maintenant avec tes jeremiades. Poupa-me agora tua choradeira .

Todos que conhecem Jeremias sabem que ele ficou sendo o profeta chorão,O que é uma injustiça com tão belo profeta.Acho que meu povo desconhece o que é uma jeremiada. O problema é que se for de crentes o meu povo- dado a razoável onda de crentes atual -ele não gostará de que chamem profecias de choradeira. Então...que a palavra desapareça da fazer teatral.Que pena..

(32) Repetimos os tinha para escandir o texto. Anouilh o escreve como um lamento., como blues .É uma “complainte”.

(33) Mais um belo exemplo de imagem que lida é de admirável força, mas ditaem palco, o público teria que gastar meia hora só para pensar em sua beleza e creio que não teria tempo de alcançá-la, a menos que houvesseum silêncio absoluto por 5 minutos após essa fala de Hemon. Aí está escrito:Cette odeur défendue et ce bom pain du soir, sous la lampe, quand tu me montrais des livres dans ton bureau, c’était toi, tu crois?LITERALMENTE:Este odor proibido e este bom pão da noite, sob a lâmpada, quando tu me mostravas livros em teu escritório, eras tu, tu o crês?Por quê esse odor é proibido?A leitura permite entender, pois nos dá tempo de repetir indefinidamente sem passar à próxima maravilha. Textos de teatro como esse de Anouilh tem esse problema de sobrecarga de beleza figural, bemsuperior à nossa capacidade de retê-la auditivamente.Insisto, ele escreve também para ser lido.Vamos pois ao odor que é proibido por Creonte e que por isso mesmo o faz merecer o respeito de Hemon. Respeito, pois é um pai que é capaz de fazer com que um meninozinho prefira continuar a ver livros em sua biblioteca que descer para saborear o bom pão da ceia, o pão da noite, cujo odor sobe pelas escadas e invade o recinto. A admiração do menino se situa entre o apetite aberto pelo odor e a proibição de que ele seja satisfeito – já que ainda vai se demorar mais um pouco a ver livros. Essa foi a sugestão de Creonte naquela noite que pode ter iluminado, mesmo que com lamparina apenas, essa infância, mas certamente deve nossa velhice.

Ë bom ainda também se lembrar que Creonte afirma: Nessa tragédia queres um lugar. Só que será na cozinha...De onde vêm esse odor do bom pão de fim de noite em família.Hemon jamais pensaria que entre o pão familiar e a lei, Creonte não pensaria duas vezes em preferir a lei (la “defénse”).

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Jamais pensaria que aquela “proibição” era apenas um retardamento de algo que depois se cumpriria, o ritual familiar, como acontecia na infância. Não consegue entender que Creonte insiste em que ele saia da infância.A imagem é quase a da reconstrução da castração no processo edipiano, como passo de acesso ao universo do simbólico e portanto de acesso ao Eu. Lacan quem o disse em textos sobre O nome do Pai.

(34) Or.:Quando ela teve que renegá-lo, logo encontrou outra razão imediata.

(35) Or.: A multidão já sabe e urra ao redor do palácio.(36) Or.: Pai, a multidão não é nada! (37) Or.: E pensas que eu posso viver, eu, sem ela?(38) Or.: Será necessário que aceites, Hemon.(39) Or.: e ele acaba aceitando ser um homem (40) Or.: Para ti, é hoje..(40)(41) Or.: Já está acabado.(42) Or.: Este odor proibido e esse bom pão da noite.(43) Or.: Alojamento, aquecedor, alocações familiares .

Puxei para cá.(44) (Que Creonte quer incorporar todas ao salário, essa é a promessa dele...)

nenhuma dessas palavras é de Anouilh, claro, e deverão sair fora. Quem propõe incorporar vantagens ao salário é Fernando Henrique, credo! Fique sossegado É AÚNICA FRASE EM TODO O TEXTO QUE FOI ACRESCENTADA....)

(45) Or.: Um silêncio. O guarda corta o fumo de rolo para mascar.Um silêncio. O Guarda enrola um cigarro.Preferimos que ele fume a que masque...aqui isso era comum , ou no interior ou com as velhas negras.Tudo muito longe de nós hoje, penso.

(46) Claro que bête não é besta, mas animal. Mas aqui, para o guarda achar que está xingando seus colegas, é mais

exato bêstas.Duas bêstas...Oui.: Deux bêtes

(47) suçant sa mine. Não achei a expressão. Traduzi aproximado. Vou buscar o exato quando o texto for para edição.

(48) e se estende por sobre Antígone, no original: il s’étend contre Antígone

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(49) “aux petits napperons brodés et aux cadres de peluche, pour s’y couperla gorge”São as toalhinhas com que se cobre tudo na Europa, entupindo as casasde paninhos.Não entendo bem de bordado para saber o que é um cadre de peluche. Vou me informar.Por enquanto fica assim. De todo modo é o tipo da imagem se processando por antinomias

- coisa que faz parte de Anouilh –aqui, pelúcia, de pêlos, por fios cortantes...Achei mais simples colocar fios de ouro nesses bordados- o que aliás é comum – pois permitem a visualização mais fácil do público dessa figura, Eurídice, tão cuidadosa com a casa e tão distraída com detalhes que podem ferir seus filhos. É apenas com eles que Creonte andou se preocupado todos esses anos e o Coro sabe disso.

(50) Nem sei porque essa nota. Achei simplesmente melhor essa noite ser certa noite e não uma qualquer.

(51) Também não sei.(52) Original: Tu es fou, petit. Il faudrait ne jamais devenir grand.

És louco, pequeno. Seria necessário não vir a ser nunca grande.

Preferimos:Que história é essa de crescer logo, nunca, rapaz, nunca!

(53) Adiantando-se.....Para o proscênio, claro.(54) Or.: Antígone s’est calmée maintenant, nous né saurons jamais de

quel fièvre Antígone se acalmou agora, não saberemos jamais de qual febre.

Além de ser um termo para dizer que morreu (= esfriou) julgamos mais de acordo com o final em febre: Antígone agora esfriou.

(55) Um grand apaisement triste tombe sur ThebesUma grande tranqüilidade triste tomba sobre Tebas.Preferimos:Uma imensa tranqüilidade tristepesa por sobre Tebas

fim das notas

PARTE I I

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Em cena, ao abrir das cortinas, Medeia e a BabáDe cócoras, perto de uma carroça ( trailer).

Músicas, cantos vagos ao longe.Elas escutam.

MEDÉIATás ouvindo?

BABÁO quê?

MEDÉIAA felicidade. Ela ronda por perto.

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BABÁEstão cantando na cidade.Talvez seja uma festa para eles hoje.

MEDÉIAOdeio as festas deles.Eu odeio a alegria deles.

BABÁNão somos daqui.

Um silêncio.Em nosso país é mais cedo, em junho, a festa.As meninas botam flores nos cabelose os meninos se pintam os rostos com o próprio sangue,e, de manhãzinha, após os primeiros sacrifícios,começam-se os combates.Como são belos os jovens da Cólquida quando lutam!

MEDËIACala- te

BABÁE depois passam o dia a domar animais selvagens.E ao cair da noite acendem grandes fogueiras diante do palácio de teu pai,grandes fogueiras amarelas com madeiras que soltam um bom cheiro.Tu esqueceste, minha pequena, o odor das ervas de nosso país?

MEDÉIACala-te. Cala-te, boa mulher!

BABÁAh já tou velha e essa estrada é por demais longa.Por quê? Por quê saímos de lá, Medeia?

MEDÉIAGritaPartimos porque eu amava Jasãoporque eu havia roubado meu pai para ele,porque eu matei meu irmão para ele,cala essa boca, boa mulher, cala essa boca,Da onde tiraste que é bom ficar repetindo sempre as mesmas coisas?

BABÁTinhas um palácio com paredes de ouro e agora aqui estamos, de cócoras, como duas mendigas,diante desse fogo que se apaga toda hora.

MEDÉIAVá buscar mais lenha.

A Babá se levanta gemendo e se afasta.

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Medeia grita repentinamente

Escuta!Ela se levanta.

São passos na estrada.BABÁ

Escuta e depois diz.Não. É o vento.

Medeia se agacha novamente. Os cantos são retomados ao longe.

Não o espere, minha gata, ficas remoendo coisas. Se realmente for uma festa , eles devem tê-lo convidado para ir.Ele está dançando, teu Jasão, está dançando com as moças dos PelágiosE nós duas estamos aqui, bestando(1).

MEDÉIAGrave

Cala-te, velha.BABÁ

Eu me calo.Um silêncio.

Ela se põe de quatro para assoprar o fogo.Ouve-se a música.

MEDÉIAImediatamente.

Sente!BABÁ

O quê?MEDÉIA

Esse troço de felicidade está fedendo até por sobre essa terra.Ë olha que eles nos largaram bem longe da aldeia!Estavam com medo que nós roubássemos as galinhas deles durante a noite!(2)

Ela se levanta e grita.Mas o que é que eles têm tanto para cantar?E eu tou dançando, tou? E eu estou cantando, tou?(3)

BABÁEles estão em casa.Seus trabalhos (4) por hoje findaram.

Um tempo. Ela sonhaTe lembras, hein? O palácio era branco no final das filas de ciprestes

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ANOUILH & MICHELOTTO

quando retornávamos de nossas longas caminhadas...Davas teu cavalo ao escravo e caias por sobre as poltronas.Aí eu chamava tuas filhas para que te lavassem e te vestissem.Eras a dona e a filha do Rei e nada era bastante bonito para ti.Tiravam-se os vestidos dos cofres e escolhias, calma e nua,enquanto elas te esfregavam o óleo.

MEDÉIACala de uma vez essa boca, mulher, és estúpida demais. Tás pensando que eu sinto falta de palácio, de vestidos, de escravos?

BABÁFugir, viver fugindo!

MEDÉIAEu poderia fugir sempre.

BABÁCaçadas, batidas, desprezadas, sem país, sem casa.

MEDÉIADesprezada, caçada, batida, sem país, sem casa, mas não sozinha.

BABÁE tu me arrastas por aí contigo, com a idade que tenho?!E se eu morrer, aonde me deixarás?

MEDÉIANum buraco, nem interessa onde, à beira do caminho.

BABÁEle ta te abandonando, Medéia.

MEDÉIAGrita.

Não!Ela para.

Escuta.BABÁ

É o vento.É a festa.Ele também não voltará esta noite.

MEDÉIAMas que festa? Que felicidade que faz feder até aqui o suor deles, o vinhoforte, as frituras? Povo de Corinto, que tendes tanto a dançar e a cantar?O que há de tão alegre nesta noite que me aperta,, a mim, que me sufoca? Ah Babá, minha Babá, estou horrível (5) nessa noite. Sinto dor e sinto medo como quando me ajudavas a tirar um pequeno de meuventre....Ajuda-me, Babá!

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Há algo se mexendo dentro de mim como outrora e é algo que diz não a aqueleslá embaixo,É algo que diz não à felicidade deles.Ela se agarra mais forte com a velha, tremendo.Babá, se eu gritar tu meterás teu punho pela minha boca a dentro, se eu me debater, tu me agarrarás firme, não é?Não me deixarás sofrer sozinha, não é mesmo?Ah segura-me, Babá, segura-me com todas tuas forças.Segura-me como quando eu era pequenina, como na noite em que quase morri ao parir.Eu tenho algo a por no mundo ainda essa noite,algo de bem mais rude,de mais vivo que eu mesma.E nem sei se serei bastante forte para isso...

UM RAPAZEntra de repente e para.

É você Medéia?

MEDËIAGritando com ele.

Sim! Diz logo! Eu sei!

UM RAPAZÉ Jasão quem me envia.

MEDËIAEle não virá essa noite? Ele está ferido? Morto?

UM RAPAZEle me manda dizer que você está salva.

MEDËIAEle não voltará, não é?

UM RAPAZEle mandou dizer que voltará, que você precisa esperá-lo

MEDËIANão vai voltar para casa? Onde está ele?

UM RAPAZNa casa do Rei , Na casa de Creonte.

MEDÉIAPrisioneiro?

UM RAPAZNão.

MEDËIA

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Ainda gritando.Sim!É para ele essa festa?Fala! Não vês que já sei?É para ele?

UM RAPAZ

Sim.MEDËIA

E estão bebendo?UM RAPAZ

Seis tonéis abertos em frente ao palácio!MEDËIA

E os jogos, os fogos e foguetes que partem todos juntos para o céu. Depressa, depressa pequeno e terás terminado de representar teu papel,poderás voltar lá para baixo e te divertir.Que te interessa o que vais medizer?Por que meu rosto te dá medo?Queres que eu sorria? Pronto, taí: estousorrindo!...De todo jeito é um,a boa notícia que me dás, já que todos estãodançando. Rápido, podes ir...eu já sei de tudo.

UM RAPAZEle está casando com Creusas, filha de Creonte. A festa vai ser amanhã de manhã.

MEDÉIAObrigado, guri. Vá agora dançar com as meninas de Corinto, vá! Dance até nãopoder mais, dance a noite toda.E quando fores velho, lembra-te que foste tu quem veio dizer isso a Medéia.

UM RAPAZDando um passo adiante em direção de Medéia

E o que é que eu digo para ele?MEDÉIA

Ele quem?UM RAPAZ

Jasão.MEDÉIA

Diga-lhe que eu te agradeci.RAPAZ sai

MEDÉIA gritando repentinamente

Obrigado Jasão!Obrigado Creonte!Obrigado noite! Obrigado a todos! Como era tão simples: estou livre, agora estou livre!

BABÁAproximando se/carinhosamente

Minha águia orgulhosa, minha pequena ave de rapina!!!MEDÉIA

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Deixa estar, mulher!Não preciso mais de tuas mãos. Minha filha nasceu sozinha. E é uma filha desta vez, ô ódio! Como és novinha...Como és doce, como cheiras bem! Pequena filha negra, eu só tenho tu no mundo para amar.

BABÁVem Medéia....

MEDÉIADeixe-me. Eu estou escutando.

BABÁEsqueça a música deles. Não vamos ficar aqui fora.

MEDÉIAEu não a ouço mais. Eu ouço meu ódio. Ó doçura! Ó força perdida! Que foi queele fez comigo, babá, com suas grandes mãos quentes? Bastou que ele entrasseno palácio de meu pai e pousasse uma sobre mim.Dez anos se passaram e sóagora sua mão me larga. E eu me reencontro. Foi sonho? Sou eu. É Medéia! Nãoé mais esta mulher presa ao cheiro de um homem, esta cadela deitada a seuspés à espera.Vergonha!Vergonha!Meu rosto está em fogo,babá! Eu o esperavatodos os dias, de pernas abertas, metade amputada de mim... Humildemente euera esse pedaço de mim que ele podia dar e tomar, este meio de meu ventreque era dele. Era preciso que eu lhe obedecesse, que eu sorrisse para ele,que eu me enfeitasse para ele, para lhe agradar, pois cada manhã ele saia,me levando com ele, a que ficava, ficava esperando toda feliz que ele medevolvesse a mim mesma.Foi preciso que eu lhe desse esta pele de carneirode ouro se ele a quisesse, e lhe desse todos os segredos de meu pai ematasse meu irmão por ele e o seguisse em sua fuga, criminosa e pobre,mascom ele. Fiz tudo o que precisava fazer, é isso, e ainda poderia ter feitomais. Tu sabes de tudo isso, boa mulher, tu também amaste um dia...

BABÁSim, minha lobinha

MEDÉIAAmputada! Ó sol, se é verdade que venho de ti, porque me fizeste amputada?Porque me fizeste mulher? Para que estes seios, esta fraqueza,esta chagaaberta no meio de mim? Não seria lindo um menino chamado Medéia? Não teriasido forte? Não teria o corpo duro como a pedra, feito para tomar e irembora depois, firme , intato, inteiro, ele!Ah ele poderia tentar virdepois, ele Jasão, com suas mãos, tentar botá-las em mim! Uma faca em cadamão- isso!- e o mais forte mata o outro e vai embora relaxado. Não esta lutaem que eu só quero tocar suas espáduas, esta ferida que me fazia implorar.Mulher!Mulher” Cadela! Carne feita de um pouco de lama e de uma costela dehomem! Pedaço de homem! Puta!

BABÁBeijando-a

Você não, Você não Medéia!MEDÉIA

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Eu sim, como todas as outras. Mais fraca e mais idiota que as outras.Dez anos,babá! Mas esta noite acabou, eu voltei Medéia. Como é bom, babá! Como ébom!

BABÁFique calma, Medéia!

MEDÉIAEu estou calma, eu estou doce. Estás vendo como estou doce, baba, como eu falo docemente? Eu morro. Eu mato docemente dentro de mim, Eu estrangulo docemente.

BABÁVamos. Estás me dando medo. Vamos entrar.

MEDÉIAEu também estou com medo

BABÁQue é que eles vão fazer conosco agora?

MEDÉIAQue pergunta! O que precisamos perguntar é o que é que nós iremos fazer comeles, sua velha! Eu tenho medo também, mas não é da música deles, dos gritosdeles, do rei pulguento deles, de suas ordens. É de mim, de mim, que tenhomedo!Jasão tu a tinhas feito dormir, mas eis que Medéia se acorda! Ódio!Grande onda de ódio, benfeitora tu me lavas e eu renasço!

BABÁEles vão nos expulsar, Medéia!

MEDÉIATalvez.BABÁ

E iremos para onde?MEDÉIA

Haverá sempre um lugar para nós, boa mulher, seja deste lado da vida, seja do outro, um pais onde Medéia será rainha.Ó meu reino negro, tu voltaste também!

BABÁGemendo pela canseira

Vamos ter que empacotar tudo de novo!MEDÉIA

Ô velha, empacotamos depois.BABÁ

Depois de quê?MEDÉIA

Ainda me perguntas?BABÁ

Que é que, mas o que é que você vai fazer, Medéia? MEDÉIA

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O que eu fiz por ele quando trai meu pai e tive que matar meu irmão para fugir, o mesmo que fiz ao velho Pélias quando tentei fazer de Jasão o rei deusa ilha, o que eu fiz dez vezes por ele, mas desta vez o farei por mim.

BABÁEstás louca, não podes fazê-lo!

MEDÉIAO que é mesmo que eu não posso?Eu sou Medéia, estou só, abandonada diantedessa carroça, à beira deste mar estrangeiro, cassada, odiada, injuriada,então nada é demais para mim!

Música mais forte ao longe. Medéia grita mais forte aindaQue cantem e que cantem depressa o canto do casamento deles!Que eles aenfeitem logo, a noiva, em seu palácio. Há um bom caminho ainda até ocasamento amanhã...Ah Jasão, tu me conheces bem, sabes bem a virgem quetiraste da Cólquida!Que é que estás pensando?Que eu iria começar a chorar? Eu te segui em sangue e crimes, será precisosangue e crime para que eu te abandone.

BABÁAgarrando-se a ela

Cala-te, cala-te te suplico! Afunda teus lamentos no fundo de teu coração, afoga aí teu ódio. Aguenta firme. Esta noite eles estão mais fortes que nós.

MEDÉIAIsso vai dar em que, minha babá?!

BABÁVocê vai se vingar, minha lobinha, você vai se vingar! Você lhes fará mal umdia, fará mesmo. Mas nós duas não somos ninguém aqui. Só duas estrangeirosem sua carroça com seu velho cavalo, duas ladras de pouca coisa, apedrejadasaqui e ali pelos garotos de rua. Espera mais um dia. Espera até mais um ano,já já serás a mais forte.

MEDÉIAMais forte que nesta noite?Nunca!

BABÁMas o que pode fazer nesta ilha inimiga? Colcos está longe e de Colcos mesmo, nossa pátria, você foi expulsa. Jasão nos abandonou agora, o que nos resta então?

MEDÉIAEu!

BABÁPobrezinha! Creonte é o rei e ele nos toleraram sobre esta terra só porque ele quis.Basta que ele diga uma só palavra, que ele dê licença, e eles aparecerão com suas facas e cacetes. E nos matarão.

MEDÉIAtranquilamente

Eles nos matarão. Mas já será um pouco tarde.BABÁ

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Medéia, eu sou velha, mas não pretendo morrer! Eu te acompanhei, deixei tudopor você. Mas a terra ainda está cheia de coisas boas para se fazer, o solainda brilhará no céu, a sopa nos esperará

quente ao meio dia, as pequenas peças que ganhamos estarão emnossas mãos, a gota que nos esquenta o coração antes de dormir(6)

MEDÉIAEmpurrando-a para longe dela com os pés, com desprezo

Cacareco! Eu também ontem queria viver, mas agora não se trata mais de viverou morrer

BABÁAgarrada em suas pernas

Eu quero viver, Medéia!MEDÉIA

Sei bem,, todos só querem viver. E é por isso mesmo que Jasão está indo embora.

BABÁRepentinamente ignóbil

Tu não o amas mais. Tu não o desejas mais há muito e muito tempo.trancadosnesta carroça a gente acaba sabendo de tudo. Primeiro sinal: ele te disseuma noite que fazia muito calor e que ele queria botar o colchão lá fora.Você permitiu e eu te ouvi suspirar feliz por ter a cama só para você mesma.Mata-se por um homem que nos prende ainda a ele, não por um que a gentedeixa ir dormir lá fora.

MEDÉIAPega-a pelo pescoço e a levanta brutalmente até à altura de sua vista

Cuidado mulher!Tu sabe muito e tu fala demais. Eu bebi leite em teu peito,tá bom,mas já tolerei demais todas tuas lamentações. E , sabes bem, não foio leite a causa de eu ter crescido. Eu não te devo mais do que à cabrita quepoderia ter me dado leite também.Então, me escuta: tu já falou demais dessaporcaria de tua carcaça, dessa tua gota e desse teu sol sobre a carne podrede teu corpo... Vá limpar a cozinha vá! Vá varrer por aí com os outrosdescascadores de batata de tua raça! Você não está à alturas desse jogo quenós jogamos agora. E se você se ferrar nele, seja por descuido oudesconhecimento, é pena, mas que se dane!

Joga-a brutalmente ao chão. BABÁ

Ela gritaCuidado, Medéia, eles estão chegando!

MEDÉIA

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Volta-se, Creonte está diante dela rodeado por 2 ou 3 homensCREONTE

É você, Medéia?MEDÉIA

Sou euCREONTE

Sou Creonte, o rei desta vilaMEDÉIA

Salve!CREONTE

Contaram-me tua história. Teus crimes são conhecidos aqui. À noite, em todasas ilhas desta costa, as mulheres as contam aos seus filhos para lhes darmedo.Eu te tolerei alguns dias em nossas terras, mas agora deves partir.

MEDÉIAQue mal fiz às pessoas de Corinto? Roubei dos pobres? O rebanho deles adoeceu? Envenenei suas fontes ao buscar nelas a água de minha refeição?

CREONTENão, nada disso ainda. Mas tudo isso podes vir a fazer qualquer dia desses. Vai-te embora.

MEDÉIACreonte, meu pai também é rei.

CREONTEEu sei. Vá reclamar lá em Colcos...

MEDÉIAQue seja, voltarei para lá.Não assustarei por mais tempo as matronas de tuacidadezinha, meu cavalo não te roubará por mais tempo o capim raro em tuaterra. Volto para Colcos se aquele que me tirou de lá me levar de volta.

CREONTEQue você quer dizer com isso?

MEDÉIAEntregue-me Jasão.

CREONTEJasão é meu hóspede, filho de um rei que foi meu amigo e ele tem liberdade sobre seus atos

MEDÉIAPor que cantam lá na cidade? Por que esses fogos de artifício, essas danças, esse vinho de graça?Se esta é a última noite que me dão aqui, por que esses teus honestos corintianos me impedem de dormir?

CREONTEVim te dizer isso também. Festejamos esta noite as bodas de minha filha. Jasão se casa com ela amanhã.

MEDÉIALonga vida e eterna felicidade para os dois!

CREONTEEles não estão muito interessados em teus votos.

MEDÉIA

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Por que recusá-los Creonte? Convide-me também para a festa. Apresente-me tuafilha. Posso lhe ser útil, sabias? Fui mulher de Jasão por dez anos. Tenhomuito que ensinar à menina, já que ela o conhece apenas há alguns dias.

CREONTEÉ para que esta cena não aconteça que decidi que você deixe Corinto hojemesmo à noite.Atrela o cavalo, apronta as malas porque você tem uma hora para cruzar afronteira.Estes homens irão te fazer companhia.

MEDÉIAE se eu me recusar a sair daqui?

CREONTEOs filhos do velho Pélias, a quem você assassinou,pediram sua cabeça a todosos reis da região. Se você ficar, eu te entrego a eles.

MEDÉIAEles são teus vizinhos. São fortes. Entre reis trocam-se tais favores.porquevocê não faz esse favor a eles?

CREONTEJasão me pediu para te deixar ir embora.

MEDÉIABom menino! Eu preciso lhe agradecer, não é mesmo? Dá para me ver torturada pelos tessálios no dia mesmo de seu casamento? Dá para me ver no processo, há algumas léguas de Corinto, declarando a razão pela qual eu matei Pélias? “Pelo genro, honestos juízes, pelo genro honrado deste vosso bom vizinho como qual vós mantendes as melhores relações possíveis!” Fazes teu trabalho de rei muito, mas muito, irresponsavelmente, Creonte!Eu tive tempo de aprender no palácio de meu pai que não é assim que segoverna.É melhor me matar o mais rápido possível, sabias?

CREONTEAmeaçadoramente

É o que eu devia mesmo fazer. Mas prometi te deixar partir. Então, tens uma hora.

MEDÉIAPlantando-se na frente dele

Está velho, Creonte! És rei já há muito tempo.. Viste uma multidão de homensescravos em tua vida. Já fizeste do bom e sobretudo do pior. Olha-me bemdentro dos olhos e tenta me reconhecer.Sou Medéia. A filha de Eates, quecortou a garganta de outras quando precisou e eram bem mais inocentes queeu, eu te garanto. Eu sou de tua raça. Da raça dos que julgam e decidem semvoltar atrás e sem remorsos. Não estás agindo como rei, Creonte!Se queres que Jasão fique com tua filha, manda-me imediatamente à morte, eu,àquela velha , às crianças que estão dormindo lá embaixo. E mata também ocavalo. Queima tudo isso depois com dois homens de tua confiança e dispersaas cinzas ao vento. Que não reste de Medéia senão uma mancha negradelimitando este capim e um conto, que agora sim amedrontará as crianças deCorinto à noite.

CREONTEPor que queres morrer?

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MEDÉIAPor que queres que eu viva? Nem tu, nem eu, nem Jasão, nenhum de nós tem a menor vontade de que eu ainda esteja viva daqui a uma hora, sabes bem disso.

CREONTEFaz um gesto. Diz de repente em tom de ameaça

Eu não amo mais derramar sangueMEDÉIA

Então, é o que digo: estás velho demais para continuar rei! Coloca teu filhoem teu lugar, que ele faça o trabalho que é preciso fazer enquanto vais cuidar dos vinhedos ao sol. Pois só serves para isso agora!

CREONTEOrgulhosa! Fúria! Estás pensando que vim aqui para te pedir conselho?

MEDÉIANão, não vistes para isso, Mas aproveita que eu estou te dando. É meu direito. E o teu é o de me fazer calar a boca, se ainda tens alguma força. Ésimples assim.

CREONTEEu prometi a Jasão que irias embora sem que nada te acontecesse de mal.

MEDÉIASem sofrimento?!!! E não partirei sem sofrimento, como tu dizes. Mas seriarealmente bonito se eu partisse numa boa, quem sabe numa muito boa...legalse eu sumisse assim puf! Uma sombra apenas, uma lembrança, um errolamentável essa tal de Medéia zanzando por ai durante dez anos. Foi tudoapenas um sonho de Jasão! Pois ele pode me botar para escanteio, pode seesconder atrás do saiote de teus guardas, atrás de teu palácio, atrás dainocência de tua filha, acabar te sucedendo como rei de Corinto que mesmoassim ele saberá que seu nome e o meu estarão unidos por todos os séculosdos séculos.Jasão-Medéia! Isso nunca mais poderá ser separado. Expulse-me,mate-me, dá na mesma.Com ele tua filha casa comigo também, queiras ou não, se o aceitas, meaceitas.

Grita com eleSê rei, Creonte! Faze o que tens que fazer! Expulsa Jasão. De meus crimes, ametade é dele, a mão que irá tocar a clara pele de tua filha estão tingidaspelo mesmo sangue das minhas. Dê uma hora, até menos, para nós dois. Nós jáestamos habituados a fugir após cada um de nossos golpes sujos. Aprontar asmalas para nós é coisa rápida, te garanto.

CREONTENão. Parte sozinha.

MEDÉIADe repente, mansa.

Creonte. Eu não quero te suplicar.Eu não posso. Meus joelhos não pode sedobrar, minha voz não sabe se fazer humilde.Mas és humano ainda, pois nãosoubestes te decidir a favor de minha morte. Não me deixes partir só.

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Devolva o navio à exilada, devolva-lhe seu companheiro. Eu não estava sóquando vim. Porque fazer distinção entre nós dois na hora de partir? Foipara Jasão que matei Pélias, trai meu pai e massacrei meu irmão inocentequando fugi. Eu sou dele, sou sua mulher e cada um de meus crimes é também eapenas um crime dele.

CREONTEMentes. Eu examinei tudo com cuidado.Jasão é inocente se separado de ti, suacausa é defensável, a sujeira é s[o tua.... Jasão é um dos nossos, filho deCarlos,(7) um de nossos Reis, sua juventude, como a de outros talvez tenhasido louca, mas agora ele já é um homem e pensa como nós. Só tu é que vensde longe, só tu és estrangeira aqui com teus malefícios e teu ódio. Retornaa teu Cáucaso, encontra um homem entre os de tua raça, um bárbaro como tu edeixa-nos sob este céu de razão, à borda deste mar sempre igual, que nadatem a ver com tuas paixões desordenadas e teus gritos.

MEDÉIATempo

Está bem, partirei. Mas meus filhos a que raça pertencem? A do crime ou a deJasão?

CREONTEJasão pensou que eles só atrapalhariam tua fuga. Deixe-os conosco. Eles crescerão em meu palácio. Eu te prometo minha proteção para eles.

MEDÉIAmansa

Devo dizer muito obrigado mais uma vez, não é mesmo?Vocês são humanos. Tem mais: são justos. Todos. E nadinha de ódio.

CREONTEGuarda teus agradecimentos. Parte. O tempo já está se passando e quando a lua estiver no alto do céu, nada mais te protegerá em Corinto.

MEDÉIAApesar de bárbara, apesar de estrangeira, apesar de caucasiana rude, noCáucaso de onde venho Creonte, as mães prezam sua prole e mantêm seus filhosagarradas a elas, como todas as outras. Os animais das florestas também.Eles dormem uns perto dos outros.Esses gritos, essas tochas no meio danoite, essas mãos desconhecidas que os agarram para tomá-los de mim, talvezseja um pouco demais para que paguem pelos crimes de sua mãe. Dê-me atéamanhã à noite. Eu os acordarei pela manhã como todos os dias e os mandareipara o palácio. Creia-me,Medéia, como um rei. Logo que eles dobrem na curvado caminho eu já estarei de partida.

CREONTEOlha-a por um instante em silêncio e logo após diz

Que assim seja.E acrescenta imediatamente, sem perdê-la de vista um instante

É como disseste: estou ficando velho. Uma noite por aqui é demais para ti.Étempo suficiente para dez crimes. Eu deveria rechaçar teu pedido. Mas jámatei demais também, Medéia. Eu também. E nas cidades em que entrei

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conquistador, à frente de meus soldados bêbados, foram muitas as criançasassassinadas. E é em troca disso que eu entregarei ao destino a noitetranqüila daqueles teus dois filhos ali.Que ele se sirva disso, se quiser,para causar minha perda.

MEDÉIASai seguido dos homens.

Logo em seguida o rosto de Medéia se ilumina com toda sua força e ela grita para Creonte, dando cusparadas em sua direção.

Se confiante Creonte! Confia em Medéia! Às vezes precisamos dar uma mãozinhaao destino. Mas leões não tem mãos. Perdeste as garras e agora estás até arezar, estás a tentar salvar crianças da morte....Ah estás pensando emdeixar aqueles dois lá dormir tranquilos, porque alguma coisa começa a seremexer no fundo de teu peito quando estás só em teu palácio vazio, após oalmoço e aí começas a pensar em todos aqueles que mataste. É teu estômago,velha ave de rapina (8) que está apodrecendo. Só isso. Come teus ensopados,passa teus pós no rosto e não te enterneça mais contigo mesmo, que és tãobom, aquele velho Creonte que conheces tão bem, mas que claro, tambémcumpriu sua cota de pescoços de inocentes, cortados quando ainda tinhasdentes e membros sólidos e fortes. Entre os animais, eles matam os velhos lobos para evitar que tenham essesacessos de arrependimento póstumo, esses ataques de auto-terrnura.Nem espereque terás direito a eles. Eu sou Medéia, seu velho crocodilo! Minha medidaseria justa, casos os deuses quisessem aceitá-la. O bem e o mal, ambos meconhecem. Eu sei que quando se paga se paga à vista, que todos os golpes sãobons e que é preciso se aproveitar deles o mais rápido possível..E já queteu sangue esfriou e tuas glândulas mortas te deixaram covarde o bastantepara me conceder essa noite a mais, eu vou te fazer pagar por isso.

Grita para a BabáFaçamos as malas, velhota! Embarca tua marmita, dobra teus lençóis, atrela teu cavalo. Em uma hora estaremos de partida.

JASÃOAparecendo

Aonde você vai?MEDÉIA

Encarando-oEstou fugindo,Jasão, estou fugindo! Não é novidade para mim mudar de endereço. Mas a razão disso dessa vez é novidade, pois até agora foi por ti que eu fugi

JASÃOEu vim atrás deles. Esperei que se fossem para falar sozinho com você

MEDÉIATens ainda alguma coisa a me dizer?

JASÃOVocê não acredita, sei. Em todo caso eu tenho que escutar o que você tem para me dizer antes de partir

MEDÉIAE não tens medo?

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JASÃOClaro.

MEDÉIAIndo docemente até ele

Deixa eu te olhar....Eu te amei. Durante 10 anos eu dormi contigo. Envelhecicomo tu?

JASÃOSim.

MEDÉIAEu te revejo em pé, como tua primeira noite na Cólquida. Esse herói moreno,acabando de descer de seu barco, essa criança mal criada que queria o ouroda Pele Dourada e que não se podia deixar morrer, eras tu mesmo?

JASÃOEra eu.

MEDÉIAEu deveria ter te deixado ir sozinho enfrentar os touros! Sozinho vocêdeveria ter ido contra os gigantes que surgiam armados de dentro da terra,sozinho contra o dragão guarda da Pele Dourada.

JASÃOTalvez devesse.

MEDÉIAEstarias morto agora. E como teria sido bem mais fácil um mundo sem Jasão!

JASÃOUm mundo sem Medéia também! Também eu sonhei com isso.

MEDÉIAMas este mundo só se entende com Jasão e Medéia, e é melhor que se o aceitecomo é. E poderás pedir ajuda à vontade a teu sogro, colocar teus homenspara me levar para a fronteira, colocar um mar ou dois entre nós...Um mar oudois entre nós não é o bastante, sabes bem. Por que o impediste de me matar?

JASÃOPorque você foi minha mulher por um longo tempo, Medéia. Porque eu te amei.

MEDÉIAE não sou mais?

JASÃONão.

MEDÉIAFeliz Jasão finalmente livre de Medéia! Foi por acaso teu amor repentino poressa guria de Corinto, foi seu leve e acre cheiro de mijo, seus joelhos fechados de virgenzinha que te livraram de mim?

JASÃONão.

MEDÉIAFoi o quê então?

JASÃOVocê.

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Tempo. Estão cara a cara.Olham-se. Ela de repente gritaMEDÉIA

Não ficarás jamais livre de mim, Jasão! Medéia será sempre tua mulher! Podesme exilar, me estrangular daqui a pouco, e quando não puderes mais me ouvirgritar, nunca, nunca mais Medéia sairá de tua memória! Olha bem para essacara onde só podes ler ódio, olha-a com a tua raiva. O rancor e o tempopodem deformá-la, o vício pode criar sulcos nela. Um dia ela será o rosto deuma velha mulher ignóbil de quem todos terão horror, mas tu, Jasão, tucontinuaras a ler neste rosto, até o fim de teus dias, o rosto de Medéia!

JASÃONão. Eu o esquecerei.

MEDÉIAAcreditas mesmo nisso? Vais beber em outros olhos, chupar a vida em outrasbocas, tirar teu pequeno prazer de homem onde puderes. Oh terás outrasmulheres, fique sossegado,as terás por milhares, logo tu que não aguentavasmais ficar apenas com uma. Nunca terás o bastante para procurar essereflexo em seus olhos, esse gosto entre seus lábios, esse cheiro de Medéiaentranhado nelas.

JASÃOÉ tudo de que pretendo fugir.

MEDÉIATua cabeça, a porra de tua cabeça de homem pode querer isso, mas tuas mãosderrotadas buscarão no escuro, independente do que queiras, por sobre essescorpos estranhos a forma perdida de Medéia!Tua cabeça te dirá que elas são milhares de vezes mais jovens ou mais belas.Então não feche os olhos Jasão, não deixe nada para depois. Tuas mãosobstinadas me buscariam no corpo de tua mulher, mesmo que seja contra teudesejo. E acabarás por pegar, por fim, as que parecerão comigo, as Medéiasnovas em teu leito de velhice. E quando em algum lugar da Terra a verdadeiraMedéia não for mais que um velho saco de peles cheio de ossos,irreconhecível, bastará uma imperceptível largura das ancas, um músculomais curto ou mais longo, para que tuas mãos rejuvenescidas na ponta de teusvelhos braços, se lembrem ainda e se espantem por não encontrar o queprocuram. Corta essas tuas mãos, Jasão, corta-as imediatamente. Troca demãos se queres um dia ainda amar alguém.

JASÃOVocê pensa que lhe deixo para poder encontrar um outro amor, é isso? Você pensa que é para recomeçar de novo? Não é apenas você que eu odeio, é o amor, Medéia!

Tempo. Eles ainda se olham.MEDÉIA

Para onde queres que eu vá? Para onde me mandas? Chegarei à Fásia, àCólquida, ao reino de meu pai de campos banhados com o sangue de meu irmão?Me expulsas. Quais terras me ordenas ganhar sem ti? Quais mares ainda estãolivres? Os detróitos do Ponto onde passei atrás de ti, enganando, mentindo,roubando por ti? Lemos, onde ninguém nunca se esqueceria de mim?A Tessália

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onde sou esperada para vingar um pai, assassinado por ti? Todos oscaminhos, à medida que os abria para ti, os fechava para mim. Sou Medéia, acarregada de horror e crimes. Tu podes não me conhecer mais, mas eles, elesme reconhecerão sempre. Situação embaraçante, heim, para um velho cúmplice!Você tinha mesmo era que me deixar matar, não é mesmo?

JASÃOEu salvarei você.

MEDÉIAVais me salvar? Vais salvar o que? Esta pele usada e gasta, esta carcaça deMedéia, que só lhe serve para arrastar por aí a fora sua chatice e seu ódio.Um pedaço de pão e uma casa em algum lugar e que ela envelheça, não é mesmo,em silêncio e que. Enfim, não se ouça mais falar dela! Por que és tãocovarde Jasão? Por que não vais até o fim? Só há um lugar, uma morada ondeMedéia calar-se-á de vez.Podes me dar esta paz que quererás que eu tenha,para poder viver. Vá dizer a Creonte que topas fazê-lo. Vai ser difícil, masvai durar só um minuto.Já mataste Medéia hoje, sabes bem disso. Medéia estámorta. Qual o problema com um pouquinho mais de sangue de Medéia? Uma poçana terra que será lavada depois, uma caricatura travada num rictus de horrorque será escondida em uma terra qualquer, dentro de um buraco.Um nada. Mata,Jasão!Eu não aguento mais esperar. Vá dizer a Creonte.

JASÃONão.

MEDÉIAMais docemente

Por quê? Acreditas ser algo demais um músculo que se rasgue, uma pele que serebente?

JASÃONão quero sua morte. Sua morte ainda será você. Eu quero esquecer. E a paz.

MEDÉIANão terás nenhum dos dois jamais, Jasão.Perdeste-os na Cólquida naquelanoite, dentro da floresta quando me tomaste em teus braços. Morta ou viva,Medéia estará lá, como guarda diante de tua alegria e da tua paz.Estediálogo que começaste com ela, só poderá terminar com a morte. Após aspalavras de amor e ternura, devem vir os insultos e as cenas, é apenas ódioagora, está bem, mas é sempre com Medéia que conversas. O mundo é Medéiapara ti e para sempre.

JASÃOO mundo então para ti sempre foi Jasão?

MEDÉIA É isso.

JASÃOMas você esquece rápido. Eu não vim me encontrar com você para uma últimacena de casal. Esta camada em que você pretende nos prender ambos para aeternidade, quem foi mesmo que rompeu primeiro?Quem foi a primeira queaceitou outras mãos pousadas sobre sua pele, o peso de um outro homem sobreseu ventre?

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MEDÉIAEu!

JASÃOEu cheguei a pensar que você tivesse esquecido porque fugimos de Naxos

MEDÉIATu já estavas caindo fora há muito tempo. Teu corpo repousava ao lado do meucada noite, mas em tua suja cabeça de homem, fechada, já estava sendoforjada outra felicidade sem mim. Então, fui eu quem tentou fugir primeiro,tá certo!

JASÃOÉ uma maneira cômoda essa de fugir

MEDÉIANem tanto cômoda assim. Tás vendo: eu não posso mais fazê-lo! Essas mãos,esse cheiro, este prazer que tu nem me davas mais, eu os odieiimediatamente. Eu te ajudei a matá-los, eu te disse a hora de fazê-lo. Fuitua cúmplice contra eles. Eu os vendi para ti. Lembras ou esqueceste daquelanoite em que te disse”Vem, está ai, quer pegar?”

JASÃONão me fale nunca mais daquela noite.

MEDÉIAEu fui abjeta, não fui?Duas vezes. E me desprezavas e me odiavas com todastuas forças e tudo o que eu podia esperar de ti era apenas este olhar frio-mas, de todo jeito, foi a ti que pedi para me levar. E olha que ele erabonito, Jasão, e como era bonito meu pastor de Naxos! E ainda, ele erajovem e me amava.

JASÃOPorque você não disse a ele para me matar? Hoje eu estaria dormindo longe devocê, tudo estaria acabado.

MEDÉIANão pude! Eu precisei me colar em teu ódio, como uma mosca para poderretomar meu caminho contigo. Para que eu pudesse me deitar mais uma vez nodia seguinte ao lado de teu corpo enraivecido para poder enfim dormir.Pensas que eu não fui mil vezes mais desprezada por tua causa? Eu urreisozinha diante de meu espelho e me rasguei com minhas unhas para não seressa cadela que voltava sempre para dormir de novo em sua toca.Os animais,esses se esquecem e se abandonam pelo menos e o desejo morre. Contudo eu teconheço, herói de meninas de Corinto. Eu te botei na balança e você pesou.Eu sei o que podes dar. Estou ainda por aqui, estás vendo?

JASÃOCreio que você fez seu pastor ser assassinado um pouco depressa demais!

MEDÉIAJogando na cara dele

Eu tentei Jasão, não soubeste?Eu tentei ainda com outros depois, não soubeste? Mas não pude. Não pude, Jasão

JASÃO

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Tempo. Mais calmo agoraPobre Medéia!

MEDÉIAIndo contra ele com extrema fúria

Eu te proíbo de ter pena de mim!JASÃO

Desprezo, posso? Pobre Medéia abarrotada de Medéia! Pobre Medéia a quem omundo não reenvia a não ser a Medéia mesmo. Você não (9)pode impedir de seter pena, pois ninguém nunca terá pena de você. E eu menos ainda, caso euconhecesse apenas hoje sua história. O homem Jasão te julga como os outroshomens. E seu caso será acertado para sempre. Medéia! É um belo nome. E noentanto apenas você o terá em toda história dos homens. Orgulhosa! Carregaessa informação aí lá para o pequeno canto sombrio onde você guarda suasalegrias: não haverá nunca mais uma outra Medéia por sobre a Terra! As mãesjamais chamarão suas filhas com este nome. Estarás sozinha até o fim dostempos, exatamente como neste presente minuto.

MEDÉIAMelhor para mim!

JASÃOMelhor?! Vamos, fique de pé!Feche os punhos, cospe, se arraste!Quanto maioro número dos que te odeiam melhor, não é isso?Quanto mais o círculo aumentara seu redor, tanto mais você se sentirá só, tanto mais você sofrerá parapoder odiar mais e mais isso tudo será muito bom para você. Bem, esta noitevocê não está tão sozinha, que azar! Pois bem,eu, que foi quem mais sofreupor você e que você escolheu entre todos para devorar, eu tenho pena devocê.

MEDÉIANão.

JASÃOTenho pena da Medéia que só conhece a ela mesma, que não sabe dar a não ser para tomar de volta, agarrada sempre a si mesma, envolta num mundo visto apenas por você...

MEDÉIAGuarda tua pena! Medéia ainda que ferida deve ser temida! É melhor te defenderes!

JASÃOVocê está com jeito de um pequeno animal estripado que se debate enrolada nas próprias tripas, que ainda abaixa a cabeça para atacar.

MEDÉIAIsso vai acabar mal para os caçadores, Jasão,se eles se permitirem crises deternura que nem esta tua em vez de recarregar as armas. Sabes bem de que euainda sou capaz, não é mesmo?

JASÃOEu estou sabendo.

MEDÉIA

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Sabe que eu não me enternecerei com você, que não me porei a ter pena noúltimo minuto, eu não! Você me viu encarar as coisas e arriscar tudo outrasvezes por bem menos, não foi?

JASÃOFoi.

MEDÉIAEntão, estás querendo o quê?!Porque vens enrolar tudo com tua pena? Eu soudesprezível, sabes disso. Eu te trai como os outros. Eu só sei fazer o mal.Tu não me aguentas mais e pressentes bem o crime que preparo. Em guarda, vá!Recua! Chama os outros. Defenda-te em vez de ficar me olhando assim.

JASÃONão.

MEDÉIAEu sou Medéia! Eu sou Medéia, não te enganes! Medéia que nunca te deu nadaalém de vergonha. [Menti, trapaceei, roubei, sou uma porca...](10) É porminha causa que foges e que a teu redor tudo se mancha de sangue. Sou tuainfelicidade. Sou tuas feridas, as cascas de tuas feridas. Sou tua juventudeperdida, teu lar dispersado, tua vida errante, tua solidão, teu malvergonhoso. Sou todos teus gestos sórdidos , teus pensamentos mais sujos.Sou orgulho, egoísmo,sacanagem, vicio, crime. Fedo! Eu fedo,Jasão! Todos temmedo de mim e se afastam.Sabes que sou tudo isso e que em breve serei apenasa decadência de tudo isso, a feiúra, a velhice odiosa. De tudo o que é ruime feio por sobre a terra, fui eu que recebeu o depósito . Então, já quesabes disso, porque não paras de me olhar assim? Não quero tua ternura. Nãoquero teus olhos a me olhar doces.

Grita na cara delePara, para Jasão! Ou vou acabar te matando para que não me olhes mais assim!

JASÃOTranquilamente

Talvez seja o melhor, Medéia.MEDÉIA

Olha para ele e diz com simplesmenteNão. Tu não

JASÃO(11)Vai até ela e pega em seu braço

Então me escute. Não posso lhe impedir de ser quem você é. Não posso lheimpedir de fazer o mal que você carrega consigo. Os dados estão lançados.Esse conflitos insolúveis se desenrolam como os outros e alguém já sabe comotudo isso irá acabar. Não posso impedir nada. No máximo representar o papelque me deram já há muito tempo. Mas posso ainda voltar a dizer tudo. E se eudevo, nesta noite,estar entro o número dos mortos dessa histórias eu queromorrer como se me tivessem lavado as minhas palavras.Eu te amei, Medéia, primeiro como todo homem ama uma mulher. Você sem dúvidaprovou apenas deste amor, mas eu te dei mais que um amor de homem, talvezsem que você o tenha reconhecido.

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Eu me perdi em você como a criança se perde na mulher que o colocou nomundo. Você foi por muito tempo minha pátria, minha luz, o ar que eurespirava, a água que eu precisava beber para viver e meu pão de todos osdias. Quando te encontrei em Colcos você era apenas a moça mais bela e maisdura que as outras que conquistei com a Tosa Dourada(12). É este Jasão quevocê lamenta? Eu te peguei como peguei o ouro de teu pai para te gastarrápido, para te usar rapidamente como ele. E depois, deus meu, ainda tinhaminha nau, meus fiéis companheiros e outras aventuras a enfrentar. O mundoera Jasão,a alegria de Jasão, sua coragem ,sua força, sua fome. E se ambostínhamos dentes de predador, claro um dia iríamos ver quem devoraria ooutro...Até que uma noite e uma noite igual a qualquer outra noite, você adormeceu àmesa como uma menininha, a cabeça apoiada em mim. E nesta noite em que vocêtalvez apenas estivesse cansada demais de uma estrada por demais longa, eusenti de repente quer tinha que tomar conta de você. Um minuto antes e euainda era Jasão, e ainda eu só tinha que buscar meu próprio prazer nestemundo, fosse como fosse. Bastou que você se calasse, que sua cabeçaescorregasse cansada por sobre meu ombro para que tudo se acabasse. Todoscontinuaram a rir e a falar a meu redor, mas eu havia acabado de abandoná-los. O jovem Jasão acabava de morrer. E passei a ser seu pai e fui sua mãe,pois eu era aquele que carregava a cabeça de Medéia adormecida. O quesonhava dentro deste pequeno cérebro de mulher, enquanto eu cuidava de você?Levei você para nossa cama e não te amei, nem mesmo desejei naquela noite.Apenas fiquei olhando você dormir. A noite estava calma, nós havíamos nosadiantado de muito em relação aos perseguidores de seu pai, meuscompanheiros vigiavam armados ao redor de nós e contudo eu não ousei fecharmeus olhos naquela noite. Eu fiquei alerta para te defender nesta noite sepreciso fosse. Contra nada, foi o que aconteceu, mas eu fiquei alerta.De manhã, retomamos a fuga e os dias foram se assemelhando uns aos outros epouco pouco todos esse garotos, os primeiros que me tinha seguido por maresdesconhecidos, todos esses guris de Iolcos, sempre prontos a atacar monstroscom suas armas frágeis a apenas um sinal meu, todos começaram a ter medo.Descobriram que que não era mais o chefe deles, que eu não os levaria nuncamais a buscar lugar nenhum agora que eu te havia descoberto. Os olhos delesse tornaram tristes, até mesmo de desprezo, mas não me culparam de nada.Dividimos o ouro e nos separamos. Aí o mundo tomou esta forma. A forma queeu o via manter todo dia. O mundo tornou-se Medéia...Esqueceu –se desses dias em que nada fizemos, nada fizemos que não fossejuntos? Dois cúmplices diante de uma vida dura, dois irmãos que carregavamseus fardos, lado a lado, sempre iguais, seja na vida seja diante da morte,de mangas arregaçadas e sem papos furados, cada um com sua metade dasferramentas, cada um com sua faca para os golpes violentos, cada um ficandocom sua metade de cansaço, sua metade da garrafa nas refeições. Eu teenvergonharia se te estendesse a mão quando a passagem era difícil, se eutentasse te ajudar. Jasão só comandava um pequeno argonauta. Meu pequenoexército frágil , com os cabelos presos por um lenço, de olhos claros efixos no caminho à frente, era você. Mas ainda assim eu poderia conquistar o

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mundo com minha pequena tropa fiel!... Na primeira manhã após o embarque naArgos com meus 30 marinheiros que tinham me dado a vida deles eu não tinhame sentido tão forte. E à noite , soldado e capitão se desnudavam lado alado, surpresos por encontrar um homem e uma mulher por debaixo de suasduas roupas iguais, surpresos por fazer amor.Nós podemos ser infelizes agora, Medéia, podemos nos rasgar e sofrer. Essesdias nos foram dados e jamais poderá haver vergonha ou sangue que os sujem.

Silêncio. Sonha. Medéia esta agachada, braços em torno de suas pernas,

a cabeça escondida.Jasão se abaixa para olhá- la no rosto

Ai depois o pequeno soldado retomou seu rosto de mulher e o capitão teve quevoltar a ser homem e começamos a nos maltratar. Outras mulheres passaram pelas ruas e eu não podia me impedir de olhar. Pela primeira vez eu ouvi tuas risadas fundindo-se com as de outros homens e e no meio delas tuas mentiras começaram a aparecer. Primeiro uma que nos seguiu como um animal venenoso , cujo olhar não conseguíamos fixar ao tentar sair do caminho, depois outras e outras e quando à noite nós nos agarrávamos em silêncio envergonhado ainda de nossos corpos ainda cúmplices, toda a tropa das mentiras fervilhava e respirava a nosso redor. Nosso ódio deve ter nascido numa dessas lutas sans ternura em que éramos três agora a fugir, você eu ea mentira. Mas para que redizer o que está morto? Meu ódio também já está morto.

Ele para. Medéia retoma com doçura MEDÉIA

Se nós só cuidamos de coisas mortas, porque sofremos tanto nós dois?JASÃO

Porque todas coisas neste mundo são difíceis para nascer e também difíceis para morrer.

MEDÉIASofreste?

JASÃOMas claro.

MEDÉIAFazendo o que fiz eu não estava mais feliz que tu

JASÃOEu sei

MEDÉIATempo. Medeía pergunta, rude.

Por que ficaste tanto tempo?JASÃO

ReagindoEu ter amei, Medéia! Amei nossa vida de prisioneiros. Amei o crime e a aventura com você. E nossos amassos e nossas lutas sujas de lixeiros e aquela cumplicidade que nos encontrava à noite, por sobre as palhas, nu m

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canto de nossa carroça, após nossos golpes. Eu amei seu mundo negro, sua audácia, sua revolta, sua conivência com o horror e a morte, sua fúria para tudo destruir. Aprendi a acreditar com você que era sempre preciso tomar tudo para si e que por ser luta tudo seria permitido.

MEDÉIAE não acreditas mais nisso hoje à noite?

JASÃONão. Quero apenas aceitar.

MEDÉIAAceitar o quê?

JASÃOQuero ser humilde. Este mundo, o caos por onde você me conduzia pela mão, euquero que ele tome forma finalmente. É você quem está com a razão sem dúvidaao dizer que não há razão, não hã luz, não há descanso, que é precisoremexer as mãos ensanguentadas, estrangular e rejeitar tudo o quearrancamos. Mas eu quero para agora. Quero ser um homem. Agir, talvez comoaqueles que desprezamos, fazer o que fez meu pai e o pai de meu pai e todosque, sendo mais simples que nós, aceitaram antes de nós abrir uma pequenaclareira onde o homem possa se manter no meio desta desordem e desta noite.

MEDÉIAAchas que vais conseguir?

JASÃOSem você, sem seu veneno sorvido dia após dia eu poderei sim.

MEDÉIASem mim. Conseguiste então imaginar um mundo sem mim?

JASÃOVou tentar com todas minhas forças. Não sou mais tão jovem para agurentar osofrimento. A essas contradições assustadoras, esses abismos, feridas eureajo hoje com o gesto mais simples que os homens inventaram para podersobreviver: eu os afasto.

MEDÉIAUsas uma fala tão mansa,Jasão, para dizeres palavras terríveis. Como estás seguro de ti. Como estás forte!

JASÃOSim, estou forte.

MEDÉIARaça de Abel(13), raça dos justos, raça dos ricos, como todos vocês falamtranqüila e docemente! É legal, não é mesmo, ter de seu lado o céu e claro,a polícia em caso de dúvidas. É massa pensar um dia como seu pai e o pai deseu pai, como todos aqueles que sempre tiveram razão desde sempre. É bom serbom, ser nobre, ser honesto. E tudo isso assim vapt-vupt, numa bela manhã,como sem querer, quando nos chegam as primeiras canseiras , as primeirasrugas, o primeiro ouro por sobre a cabeça. Joga o jogo, Jasão, faça ogesto, vá! Tens uma bela velhice preparada para depois, então vá!

JASÃO

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Esse gesto, o da morte, eu jamais o faria contigo Medéia. Eu teria dado tudo para que nós tivéssemos nos tornado dois velhos, lado a lado, em um mundo acalmado. Mas você, foi você, não o quis.

MEDÉIANão!

JASÃOSegue seu caminho. Gire, gire por aí. Rasgue-se, debate-se, despreze,insulte, mate recuse tudo que não seja você mesma. Mas eu parei. Já está bompara mim. Aceito as aparências tão duramente, tão resolutamente quantooutrora as recusei com você.E se é para continuar em combate, é por elas, asaparências, que agora me baterei, humildemente, apoiado nesta paredederrisória, construída com minhas próprias mãos entre o absurdo e meu eu.

Tempo. AcrescentaE é isso, ao final das contas- e nada mais que isso- que é ser um homem.

MEDÉIANem tenhas dúvidas, Jasão: és um homem agora!

JASÃOAceito teu desprezo e aceito este nome.

Levantando-seEssa moça é linda. Menos bela que você quando me apareceu naquele primeirodia na Cólquida e eu a jamais a amarei como te amei. Mas ela é nova,simples, pura. Vou recebê-la sem sorrir das mãos de seu pai e de sua mãe,daqui a pouco, sob oi sol do dia que está para amanhecer, com seu vestidobranco e seu cortejo de criancinhas. De seus dedos desajeitados de garota euespero humildade e esquecimento. E se os deuses quiserem, o que você maisodeia no mundo, o que é a coisa mais longe de você neste universo todo: afelicidade, ah sim, se puder espero a pobre felicidade.

MEDÉIAA felicidade...

Silêncio. Imediatamente, com voz baixa, humilde.

Sem se mexer

Jasão, é difícil de dizer,quase impossível. Isso me estrangula e me mata devergonha, mas se eu te dissesse que queria tentar a felicidade contigo agora, me acreditarias?

JASÃONão.

MEDÉIAUm tempo

E estarias com a razão.Completa. Voz neutra.

É isso aí. Já nos dissemos tudo o que tínhamos para dizer, não é?JÁSÃO.

Isso.MEDÉIA

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Tu acabaste. Estás limpo, lavado. Podes ir agora. Ciao, bye-bye...JASÃO

Adeus Medéia. Não posso lhe dizer: seja feliz. Seja você mesma.Ele sai enquanto Medéia murmura ainda

MEDÉIA

A felicidade deles... Recompõe-se e grita para Jasão que já se foi

Não parta assim, Jasão! Volta. Grita qualquer coisa. Hesita. Sofra, Jasão, eu te suplico! Basta um minuto de desalento e de dúvida em teus olhos e estaremos salvos.

Corre na direção em que ele saiuTens razão! Tu és bom, és justo e tudo será culpa minha para sempre. Mas porum segundo, um segundo, duvida disso.Volta e talvez eu possa me libertar também...

Seu braço recai, cansado. Jasão deve já estar longe. Ela chama com outro tom.

Babá!Aparece a Babá na entrada da carroça

Em breve o dia vai amanhecer. Acorda as crianças e os vista como para uma festa. Quero que eles levem meu presente de casamento para a filha de Creonte.

BABÁTeu presente? Pobrezinha, o que te resta ainda para dar?

MEDÉIAEstá escondido. Pega para mim o baú negro que eu trouxe de Colcos.

BABÁVocê proibiu que se tocasse nele! Nem Jasão podia saber de sua existência.

MEDÉIAVá buscá-lo velha e de boca fechada!Não temos mais tempo para te escutar.Tudo precisa andar terrivelmente rápido agora. Dê o pacote para as criançase leva-os até onde possam ser vistos da cidade. Que eles perguntem peloPalácio do rei, que digam que é um presente da mãe deles para a esposa. Queeles o entreguem em suas mãos e voltem. Escuta mais. O pacote contem um véude ouro e um diadema, restos do tesouro de minha raça. Que meus filhos não oabram!

Grita repentinamente com a velha hesitanteObedece!

A velha desaparece na carroça. Ela sairá mais tarde de lá com as crianças.

Medéia, só.

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É agora Medéia que você tem que ser você mesma! Ó mal! Grande animal vivoque rasteja por sobre mim e me lambe e me aprisiona. Sou tua esta noite, soutua mulher. Penetra-me, rasga-me, incha e me queima no meio de mim. Vês, eute acolho , te ajudo, eu me abro.... Venha como um peso por sobre mim comteu corpo aveludado, aperta-me com tuas grandes mãos calosas e com tuarespiração rouca sobre minha boca, me escuta. Eu final,mente estou vivendo!Sofro e nego. Estas são minhas bodas. É para esta noite de amor contigo queeu vivi.E tu noite, pesada noite, barulhenta noite de gritos abafados e de lutas,noite encharcada de todos animais que se caçam, pegam e matam, espera aindaum pouco, por favor, não passe tão rapidamente... Ó bestas inúmeras a meuredor, obscuros trabalhadores destas terras, inocentes, terríveis,matadoras....É isso que eles, os homens, chamam de noite calma, esseburburinho gigante de coitos silenciosos e de assassinatos. Mas eu te sinto,essa noite eu ouço todas suas vozes pela primeira vez, no fundo das águas edas ervas, nas árvores, por sob a terra. Um mesmo sangue bate em todas asveias. Animais da noite, estranguladores, meus irmãos! Medéia é um animalcomo vocês. Medéia vai gozar e matar como vocês. Esta terra toca nas bordasde outra terra que toca nas bordas de outra até ao limite das sombras, ondemilhares de animais semelhantes se atacam e se cortam as gargantas ao mesmotempo. Animais desta noite! Medéia está aqui, em pé diante de vocês, cordatae traidora de sua raça. Eu dou com vocês este grito no escuro. Aceito comovocês sem querer entender mais nada, o negro mandamento. Eu esmago commeus pés, eu apago a pouca luz que ainda resta. Faço de meu gesto umavergonha. Eu tomo a responsabilidade para mim, eu assumo, eu reivindico.Animais, sou de vocês! Tudo o que caça e mata esta noite é Medéia!

A Babá entra de repenteBABÁ

Medéia! As crianças chegaram no palácio, pois um grande rumor se elevou na cidade.Não sei qual foi teu crime, mas o ar já está dando sinais dele. Atrela rápido o cavalo e fujamos para a fronteira.

MEDÉIAFugir, eu? Se por acaso eu já tivesse partido, eu voltaria só para me comprazer com este espetáculo!

BABÁQue espetáculo?

MENINO aparecendo

Tudo está perdido! O reino, o estado, tudo ruiu. O rei e sua filha estão mortos!

MEDÉIAMortos já? Tão depressa?

MENINODuas crianças vieram ao amanhecer trazendo um presente para Creusa, um cofrenegro que continha um véu de ouro e um diadema precioso. Ela mal os toco, ela mal os colocou como uma menina muito curiosa se olhando no espelho

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quando mudou de cor e caiu se retorcendo com dores horríveis, desfigurada pelo sofrimento.

MEDÉIAGritando

Feia, feia como a morte, não foi?MENINO

Creonte correu para socorrê-la, quis agarrá-la, lhe tirar o véu e o círculo de outro que matavam sua filha, mas foi só tocar e empalidecer. Ainda teve um instante de terror em seus olhos para depois arriar por terra gritando de dor. Ficaram embolados um no outro respirando em sobressaltos e misturando seus membros como se protegendo um ao outro sem que ninguém ousasse tocar neles. O que se diz por ai é que foi você quem enviou o veneno. Os homens pegaram paus e facões e estão vindo para a carroça. Eu corri na frente para te avisar que você não terá nem mesmo o tempo para se desculpar, Medeia. Foge. E rápido.

MEDÉIANunca!

Grita para o Menino que foi-se emboraObrigado!Duas vezes obrigado! Foge você! É melhor que nunca me tenhas conhecido. Enquanto os homens tiverem memória é melhor ser dos que não me conheceram...

Volta-se para a BabáPega tua faca, corta o pescoço do cavalo para que não sobre mais nada de Medéia daqui a pouco. Ponha brasas sob as rodas para fazermos uma fogueira de festa como a fazíamos na Cólquida! Vamos!

BABÁEstás me levando para onde?

MEDÉIASabes bem: para a morte! A morte é leve. Siga-me velha, tu verás. Nunca maisirás arrastar teus velhos nossos que só te dão dores e te fazem gemer. Acabou tudo isso! Vais descansar finalmente, que grande domingo está começando!

BABÁLivra-se dela aos urros

Não posso! Quero viver!

MEDÉIAQuanto tempo ainda carregarás a morte nas costas minha velha?

As crianças entram correndo e se jogam assustados por entre a s as saias de Medéia

Medéia para.Oh Olha os dois aí! Estão com medo desse pessoal todo que corre e urra, desses idiotas??? Tudo será silêncio já já.

Puxa suas cabeças para trás, olha-os nos olhos e murmura

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Inocentes! Armadilhas esses olhos de crianças, pequeninos brutais e espertos, com cabeças de homens. Estão com frio? Não lhes farei mal algum. Serei rápida. Justo o tempo do espanto ao sentir a morte diante dos olhos.

Ela faz carinho neles.Vamos lá, eu garanto, só vou apertá-los mais um pouco contra meu corpo, pequenos corpos quentes. É bom ficar juntinho da mãe, perde-se o medo.Pequenas vidas mornas saídas de meu ventre, pequeninas vontades de viver e ser feliz...

Grita

Jasão! Eis tua família, ternamente unida. Olhe-a. Assim poderás te perguntarse Medéia também não teria amado a felicidade e a inocência.Se Medéiatambém não poderia ter, também ela, a fidelidade e a fé. Quando estiveressofrendo daqui a pouco e até a hora de tua morte, pense que existiu um diauma menina Medéia, que antigamente era exigente e pura. Uma pequena Medéiaterna e amordaçada dentro da outra. Pensa que ela terá lutado sozinha,desconhecida, sem uma só mão estendida para ajudá-la e que essa é que era atua mulher. Eu quererei Jasão, eu teria querido talvez também eu que issodurasse para sempre e fosse como nas histórias! Eu quero, quero aindaneste segundo, de maneira tão forte como quando eu era pequenina, que tudoseja luz, tudo seja bondade! Mas Medéia inocente foi escolhida para ser apresa em vez da luta...Outros mais frágeis ou mais medíocres podemescorregar através das malhas da rede até as águas calmas ou a lama. Ospeixes miúdos, esses os deuses abandonam. Mas Medéia era uma caça belademais presa na armadilha e aí ela vai ficar.Não são todos os dias que elesconseguem desta vantagem não esperada., os deuses, uma alma bastante fortepara seus reencontros, seus jogos sujos. Eles puseram tudo sobre minhascostas e ficam olhando eu me debater. Olhe junto com eles, Jasão, meusúltimos sobressaltos. Eu tenho ainda que cortar a inocência desta menina quea teria querido tanto e desses dois pequenos pedaços mornos de mim. Elesesperam este sangue lá no alto, eles não suportam mais esperar por estesangue lá no alto!

Leva as crianças para a carroçaVenham meus pequenos, não tenham medo. Estão vendo eu faço carinho, eu protejo vocês e assim vamos entrando em casa...

Eles entram na carroça. O palco fica vazio por um tempo. A Babá reaparece com ar perdido como um animal que se esconde, e chama.

Medéia! Medéia! Onde estás? Eles estão chegando!Recua e grita imediatamente

Medéia!Chamas saem por todos os lados cercando a carroça.

Jasão entra apressado conduzindo os homens.Apaguem o fogo! Não a deixem- escapar!

Medéia aparece na janela e gritaMEDÉIA

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Não te aproximes Jasão. Proíba-os de avançar!JASÃO

ParaOnde estão as crianças?

MEDÉIAPeça- o mais uma vez para que eu olhe bem dentro de teus olhos.

GritaEstão mortos! Mortos degolados todos dois e antes mesmo que andes um passoadiante essa mesma faca irá me matar. Finalmente re encontrei meu cetro, meuirmão, a Tosa do Carneiro de ouro foi devolvida à Cólquida. Reencontreiminha pátria e a virgindade que tinhas roubado de mim! Sou, enfim, parasempre Medéia! Olha-me pela última vez antes de ficares sozinho no teu mundorazoável, olha bem para mim Jasão! Eu te toquei com essas duas mãos, eu ascoloquei sobre tua testa ardente para que ficasse fresca e sobre tua pelepara essa ardesse. Te fiz chorar, te fiz amar. Olha-nos: teu pequeninoirmão e tua mulher sou eu. Sou eu! A horrível Medéia. E agora tentaesquecer-me!

Ela se esfaqueia e cai por sobre as chamas que crescem muito envolvendo toda a carroça.

Jasão, com um gesto, para seus homens que iram pular no fogo e diz simplesmente

Sim, eu te esquecerei. Sim, viverei e apesar dos vestígios sangrentos de tuapassagem a meu lado, eu amanhã refarei pacientemente meu pobre andaime de homem sob o olho indiferente dos deuses.

Volta-se para seus homensQue um de vocês vigie esse fogo até que aí só restem cinzas, até que oúltimo osso de Medéia esteja queimado. Venham você outros,. Voltemos aopalácio. Está na hora de viver novamente, manter a ordem, dar leis a Corintoe reconstruir sem ilusões um mundo à nossa medida para podermos nele esperartranquilamente a morte.

Sai com seus homens, salvo um que dá uma golada de vinho e vai se arrastando par a guarda do fogo.

A babá entre e vem timidamente se acocorar perto dele enquanto o dia ao fundo vai se abrindo.(14)

BABÁEla não tinha mais tempo para me escutar, ora. Mas eu tinha alguma coisa adizer, a se tinha. Após a noite vem a manhã radiosa e há o café para sefazer e as camas para arrumar. E quando varremos tudo, temos um pequenomomento tranquilo ao sol antes de descascar os legumes. É nessa hora que ébom mesmo, pois se pudemos ganhar algumas moedas, tomamos uns tragos paraesquentar o buraco do ventre. Depois tomamos a sopa e limpamos os pratos.Após o almoço é hora de lavar os lençóis e as panelas de cobre e aproveita-se para bater um bom papo com as vizinhas e devagar devagarzinho sem quase agente se aperceber vai chegando a hora da janta. Aí a gente deita e dorme.

O GUARDA Juão DenisApós um tempo

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Vai fazer um dia lindo hoje!BABA

Vai ser um bom ano também. Haverá muito sol e muito vinho. E a colheita?O GUARDA Juão Denis

Já começamos a ceifa na semana passada. Amanhã ou depois vamos guardar tudonos silos se o tempo se mantiver tão bom

BABÁA colheita de vocês foi boa?

O GUARDA Juão DenisNão há o que reclamar. Ainda haverá bastante pão para todo mundo durante

este ano.Durante esse diálogo deles

– que continua perfeitamente audível- a cortina cai.

PEQUENAS NOTAS PARA UMA TRADUÇÃO

1. et nous sommes lá, toutes les deux

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e aqui estamos, todas duas.Bestando (= bancando as bestas) é um bom termo para as duas largadas lá no meio do mato, longe da cidadezinha, ouvindo os ecos da festa.Também para diferir um pouco o vocabulário de ambas.A Babá no final irá se mostrar bem prática, bem terra a terra, bem menos “nobre”. Estou só lhe adiantando um pouco o estilo

2. Por alguma razão me parece que a atriz não deve dizer essa frase com seriedade, mas com zombaria.

3. Est-ce que je chante, moi, est-ce que je danse?Será que eu canto, eu , será que eu danço?Sei lá ela, está irritadíssima, acho que pode usar um tu de vez em

quando...4. Leur journée est finie. O dia deles acabou.

Jornada também é um dia de trabalhos, E é sobre eles que a Babá fala.Como falará no fim da peça. Daí nossa escolha do termo.

5. je suis grosse ce soir6. . bela ironia7. Molecagem pura8. Ave de rapina, melhor, por9. Esse não fica esplêndido ai, melhora um pouco o frances:10. Já disse, já disse.11. Esse texto é muito muito muito bem escrito, caramba!12. Toison d´Or, ou Velocínio de Ouro,ou...só palavras estranhas para

dizer isso: um artefato em forma de pele de carneiro todo em ouro.13. Essa é uma das inúmeras brincadeiras de descontextualização, uma

constante na escritura de Anouilh: um grego deste tempo invocando umahistória judáica da qual ele não poderia ter o menor conhecimento, é uma bela chave para futuros intérpretes e tradutores de sua obra.

14. Cara, esse final não existe! É muito bem bolado. A coisa toda vai para o ralo, o foco distorce todo parecendo que dessa vez volta para seu lugar certo: o povo, a comida, o sol, a vida. Putz!

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Um espaço neutro, paredes pintadas,

uma porta estreita e alta, um banco sobre o qual estão

assentados lado a lado, Édipo eJocasta.

CoroEste homem que sonha sentadosobre este banco, ao lado desua mulher, é Édipo. Na língua dele esse nome querdizer o que tem os pésinchados. Ele teve um acidente

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quando criança-ele não sabe ainda que acidente foi esse- que o deixou assimdeformado. Ele manca. É essa desgraça que talvez o faça ter tanta coragem eorgulho.Ele chegou nesta cidade, fugindo de seu país, há já uns vinte anos. Ele erajovem e não tinha medo de nada.Um monstro que chamavam de a Cantora Cadela, meio leoa, meio mulher,aterrorizava a cidade e impedia que alguém chegasse até ela. Essa esfinge,esse um de seus inúmeros nomes, propunha um enigma aos viajantes e se elesnão conseguissem resolvê-lo ela os degolava. Ela então, naquele dia, parouÉdipo, como parava todos os outros no caminho de Tebas e lhe fez a perguntafatal.Ficaram um bom e longo tempo face a face, o velho monstro fêmea e o jovemrapaz, enquanto a noite caia, olhos nos olhos, um à espera da resposta.Ele pensava que se abrisse a boca e se enganasse iria morrer nesta mesmanoite, estupidamente, sem realizar coisa alguma entre tantas de que ele sesentia capaz. O velho monstro o olhava com seus olhos excessivamentemaquiados por uma máscara branca com uma boca ensanguentada e pensava quedali a pouco iria beber este sangue jovem como o fez com todos os outros.Havia, contudo, no fundo de seu olho esverdeado, algo como um medo vagodiante do olhar ousado deste pequeno homem, fixado o tempo todo nela. Elasabia que na misteriosa contabilidade dos deuses um só erro lhe seria fatal.Ao final Édipo, com esta certeza estranha e que nunca o abandonava de sersempre o mais forte em tudo, respondeu simplesmente: “É o homem”. A essaspalavras a velha teve um ataque de raiva e com uivos de louca se jogou doalto da montanha. Pela primeira vez um homenzinho de nada tinha resolvido oenigma que lhe dava seu poder, retirando-a de entre as criaturas por umadecisão dos deuses que nem ela também podia compreender.Tebas assustada, à espera, havia ouvido o grito desesperado do monstro.Então,todos saíram correndo em direção do jovem que havia libertado acidade. Os mais jovens o colocaram sobre os ombros e levaram-no ao palácioreal, onde ainda se chorava a morte de Laios, o velho rei, que havia partidopara o exterior para consultar os oráculos e assim livrar seu povo domonstro, mas que havia sucumbido miseravelmente, em uma emboscada feitapelos bandidos das estradas. É o que dizem. A multidão gritava que era necessário que Édipo, seu salvador, fosse tambémseu chefe... A rainha Jocasta recebeu-o serena e séria, um pouco perturbadacertamente pela beleza deste jovem que o povo trazia nas costas e exigia aosgritos que fosse o rei deles. Houve um longo silêncio entre eles. Édipotambém a olhava um tanto perturbado. A rainha tinha mais idade que ele, masera ainda muito muito bela. Esse segundo muito era ele que acrescentavaneste momento. Uma estranha doçura emanava dela, uma promessa de paz, quedeixava o jovem homem meio fora de controle.Enfim, após tê-lo longamente olhado - o que só aumentou o silêncio e a ânsiada multidão – estendeu-lhe a mão.

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Édipocom doçura

Te lembras?Jocasta

Claro.Édipo

Há exatos vinte anos. Me disseste:”Estrangeiro, salvaste a cidade e ela pede que sejas seu rei. Queres-me por tua rainha?”

JocastaFoi assim. E enquanto o povo urrava de alegria a nosso redor, eu comecei aser tomada por um medo repentino. Eu ainda era jovem. Laios me tomou comoesposa aos 12 anos, mas tu, tu eras quase uma criança e eu tive medo que tu só conseguisses ver essas pequeninas rugas que insistiam em começara aparecer nos cantos de meus lábios e de meus olhos.

ÉdipoForam elas que eu acariciei naquela noite, quando ainda perturbado te tomei em meus braços. Eras muito bonita.

JocastaDisseste eras. Bem agora eu estou um pouco mais velha.

ÉdipoNão, não. Continuas a mesma.

JocastaTem um leve sorriso

e faz um pequeno gesto em direção deleMe amaste como se deve amar uma mulher, eu o sei, e isso foi desde oinício.Tua avidez em me tomar para ti quase me dava medo. Mas após o amor,tu dormias dentro de mim, a cabeça por sobre meu seio, após um grandesuspiro de relaxamento. E eu ficava acordada a tomar conta de ti. Eu sentiapouco a pouco esse jovem carniceiro que havia tomado posse de mim, ir setornando pequeno em mim, quase como uma criança. E é estranho, era alguém muito puro e mais profundo que o prazer que tinhasacabado de me dar...

ÉdipoMurmura, com a cabeça escondida no regaço de Jocasta

Eu nunca quis sair de de dentro de tiJocasta

Com um sorriso ternoMas de manhazinha acordavas um homem e corria rápido para teus cães e teus soldados. Eu precisei um bom tempo para me acostumar com isso, pois amavas acaça e amavas a guerra.

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ÉdipoLevanta-se e diz

É...eu era jovem! Ser rei era como tomar um porre. Dar ordens, com o machadonas mãos, tanto aos homens quanto às feras das florestas. Ser o mais forte,logo eu, o pequeno manco de quem todos zombavam antes. Édipo Rei! Por muitotempo essas palavras foram minha cachaça. Até que um belo dia, não tenho amenos idéia porque, essas vitórias todas parecem vãs, pequeninas.

O dia está ensolarado contudo, contudo a manhã é igual a todas outrasmanhãs, a gente continua a se sentir forte como em todas as manhãs queprecederam, tem-se tudo o que se pode e se quer ter, mas acaba-se dizendopara si próprio que a vitória é apenas e somente isso... esse gosto amargona boca. Nunca houve outra coisa que pudesse me acalmar além destedesaparecimento à noite dentro de ti .

JocastaCom um sorriso triste

Eu senti quando sem mais nem menos começaste a te enjoar de tudo...Eu te mandei escravas. Eu as escolhia entre as mais belas, eu mesma, apesar de meus ciúmes...

ÉdipoSombriamente

Minha mão não reconheciam mais seu caminho por sobre as escravas. E uma vez acabado meu prazer decepcionante, lá estava eu de volta, enfim, para o caminho reconhecido, para esse abismo profundo e quente onde eu jamais tive o menor medo!

Põe a mão com um gesto terno sobre ela e ficam em silêncio. Coro que estava a olhá-los murmura:

CoroAh a felicidade! Seu dente doce até a morte poderia ter engolido Édipo quevoltava, sem saber porque, à fonte de tudo, ao fundo do ventre de Jocasta.Mas os deuses haviam tomado outra decisão. Os deuses não amam a felicidade dos homens. Então decidiram que eles não haviam sido feitos um para o outro. E issovalia sobretudo para Édipo...A coisa começou em Tebas por uma garotinha doente que os médicos observavammorrer sem entender o porque. Depois seguiram-se outras e mais outras mortes de crianças e rapidamenteapós as crianças, os velhos e após esses também os adultos e finalmentetodos animais domésticos e o gado caindo aos rebanhos, sem que se soubesse arazão para isso. Era uma peste estranha que começou a assolar a cidade.Todos se apressavam para queimar os cadáveres, os sacerdotes multiplicaramsuas preces e sacrifícios. Mas nada. A sombra da desgraça continuava aplanar sobre Tebas. E então lembraram-se de seu rei, e vieram ver Édipo

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pata que ele os salvasse pela segunda vez. E foi aqui que a história todacomeçou...

Uma pequena multidão de homens e mulheres, camponeses, entra e se junta ao Coro, se confundindo agora com ele.

À sua entrada, Jocasta se levanta e entra em silêncio no palácio. Édipo se dirige a eles:

ÉdipoHomens e mulheres deste país, você pediram para me ver. O que querem então?

CoroNão aguentamos mais, senhor! É por isso que viemos até você, nosso rei. Nóslhe demos o poder e fomos submissos a você. Em troca você nos deve a suaproteção. Sua cidade, Tebas, está morrendo. De todos que vieram conosconão tem um só que não chore a morte de um filho, uma esposa, um pai. E osmais felizes, os que ainda não perderam nenhum parente, já choram de hámuito por seu gado e pelos animais que eles amavam e que os faziam viver epelos campos onde não nasce mais nada.Há vinte anos você nos salvou uma vez quando ainda era jovem, ao vencer aCantora Cadela que degolava todos nossos viajantes e assim isolava nossacidade do resto do mundo. É preciso que você nos salve de novo!

Todos se ajoelham em silêncio, com gestos de quem não sabe o que fazer ,

diante de Édipo, mudo.Édipo! Eis-nos prostrados diante de você. Não lhe tomamos , claro, por umdeus- você é apenas um homem todos nós o sabemos – mas sabemos também quevocê e é o mais forte e o de mais bom senso entre nós.

Quando você venceu a Cantora Cadela, há vinte anos, os deuses estavam a seulado. Se eles ainda forem favoráveis, oferece-lhes o sacrifício que pedem esuplica a eles que nos poupem.

ÉdipoFaz um gesto em direção do Coro

E fala para um deles.Velho homem, levanta-te! Todos vocês são meus filhos, mesmo você que é maisvelho que eu. Ao me darem a glória, ao mesmo tempo me fizeram me encarregarde vocês. Eu sei bem que aqui cada um sofre por causa de suas própriasdores- mesmo o mais justo entre nós. Mas eu sou o encarregado de todas asdores de vocês. Este é meu papel. Vocês não me acordaram de um sonotranquilo. Desde o momento em que minha cidade começou a sofrer, eu perdio sono. Eu busquei todos os caminhos, noite após noite, e desesperançoso darazão dos homens eu me voltei para os deuses. Eu enviei, então, Creonte, oirmão da rainha, a Delfos para consultar o oráculo e o que o deus nosordenar fazer, isso o farei custe o que possa me custar. E se ele exige umavítima inocente - deuses às vezes têm esses caprichos – sou eu o seu rei e

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então será natural que seja eu quem pague. Peço-lhes que esperemos amensagem que Creonte nos trará.

CoroEle voltou, Édipo Eu o vejo já subindo as escadarias do palácio!

ÉdipoÓ deus, único e verdadeiro rei! Possa ele nos trazer a salvação!

CoroDeve estar trazendo boas notícias, pois colocou uma coroa de louros!

Creonte entraÉdipo

Príncipe, filho de Manasses, meu parente, que resposta nos trazes da parte dos deuses?

CreonteUma boa reposta: para nosso mal existe um remédio.

ÉdipoQual? Quais são os termos do Oráculo

CreonteSe achas necessário ouví-lo diante de todos então falarei, senão , entremos no palácio.

ÉdipoFale na nossa frente. A dor deles é também a minha.

CreonteEis então a mensagem de deus. Ele insiste em que extirpes de nossa terra a sujeira que ela está alimentando. Se a deixarmos crescer, então será o fim de todos.

ÉdipoDe que tipo de sujeira e como devemos nos purificar?

CreonteÉ preciso afastar os assassinos ou pagar a morte com a morte. A terra bebeuhá muito o sangue secado, mas Hécate não está sossegada.

ÉdipoDe que assassinato o deus está falando?

CreontePríncipe, Laios governava esse país antigamente. Foi a ele que sucedestes. Eele foi morto, bem o sabes. O deus ordena que se punam hoje seus assassinos.

ÉdipoMas já se passaram 20 anos! Onde é que eles podem estar? Como encontrar- lhes as pegadas?

CreonteEles estão aqui mesmo, declarou o deus. E acrescentou: o que se busca, se pode encontrar!

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ÉdipoDisseram-me que Laios encontrou a morte fora de nossas fronteiras...

CreonteSeu propósito, ele o dissera repetidamente, era de enganar por uma noite a vigilância da Cantora Cadela e de ir a Delfos em segredo, acompanhado de alguns homens apenas para lá consulta o Oráculo. Assim ele se foi, e nunca mais voltou.

ÉdipoNenhum mensageiro, nenhum companheiro de viagem voltou para dizer o que havia se passado?

CreonteTodos morreram, salvo um que , tomado de medo -ele o confessou- fugiu após oinício do ataque. Ele só se lembrava de uma coisa...

ÉdipoQual? Era talvez um pequeno indício?

CreonteNegativo. Tudo o que pudemos tirar dele - e eu o interroguei eu mesmo apesar do choque haver perturbado muito o seu espírito – é que os bandidos que os assaltaram e que mataram o rei estavam em maioria.

ÉdipoMesmo se Laios tivesse apenas uma pequena escolta, todos sabiam bem que simples bandidos das estradas não teriam tido a audácia de atacá-lo! Essa história toda não poderia ter sido montada a preço de ouro a partir daqui por seus inimigos?

CreonteChegamos a pensar nisso por alguns instantes. Mas os tempos não eram bons, a pesquisa era infrutuosa e Laios acabou ficando sem um vingador.

ÉdipoMas como?! O trono estava em ruínas e vocês não tentaram nada?

CreonteA esfinge que v venceste estava a nos bloquear os caminhos, lembras?

ÉdipoApós um silêncio

Bom, este mistério tem que ser eu quem deve esclarecer. Fui eu quem sucedeua Laios no trono; sou eu, portanto, o vingador designado. Já que o deusexige que se limpe a sujeira para dar a paz a esta cidade que se

tornou minha, o assassino de Laios já me condenou. É minha causa também quevou defender contra ele. Tenha ele o poder que tiver, eu o desmascararei. Vão! Juntem o povo e digam que com a ajuda do deus eu ou conseguirei oumorrerei tentando resolver essa questão.

Ele entra no palácio e todos se retiram, menos o Coro que avança em direção ao público

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CoroE mais uma vez já vai o coxo correndo! Ele estava adormecido na felicidadedo ventre quente de Jocasta. Há muito que não havia mais guerras na regiãoe há muito que os animais da floresta, agora pegos com a maior facilidadenão serviam mais de elogios à sua destreza de caçador.Ele se sentiu de repente tão jovem e forte quando , há vinte anos, enfrentoua Cantora Cadela naquela noite. Nesta noite em que os homens o levaram sobreas espáduas até ao palácio, entre gritos e o cheiro de alho e de suor, prafazer dele um rei. Vingar Laios iria ser sua obra. Iria, enfim, sair dafelicidade tranqüila e obesa e poder lutar novamente- poder voltar a serhomem, ora! Havia chegado a hora enfim de abandonar a cama confortável decasal onde a ternura terminava por nos engolir para dentro deste ventreeternamente protetor.É por isto que os homens partem para as guerras, quase alegre, enfim: denovo entre homens! É como se fosse um segundo nascimento da virilidade! Edepois, salvar a cidade era seu ofício de rei. E os homens amam bastanteseu ofício. Não é que vingar Laios fosse no fundo a coisa mais importante.Ele nem havia conhecido o ”velho” como às vezes ele e Jocasta naintimidade o chamavam. Eles falavam raríssimas vezes dele, apesar de suasombra nunca ter saído dentre eles.Ela, ela não podia esquecê-lo , esta grande presença terrível, idoso comoseu pai, a quem a entregaram um dia em que ela mal era uma menina. Estevelho que tinha se divertido algum tempo com seu corpo de jovenzinha, antesde voltar a suas concubinas e a sua devassidão , abandonando-a ao vastotédio de seu gineceu.E ainda houve aquele filho, seu único filho, nascido um ano depois que elenão quis ter nem manter vivo. E isso são coisas de que mulher nenhuma seesquece.Ela só havia se tornado mulher nos braços de Édipo. Com o outro ela não tevea menor idéia do que pudesse ser o amor, foi isso que ela confessou a Édipodaquela primeira noite e Édipo sabia disso. , mas a imagem do velho que foio seu primeiro a torturava permanentemente e muitas vezes ela pensou em selivrar dele.Os bandidos resolveram o problema para ela, que bom! E agora era ele quemiria se tornar o seu vingador! A vida decididamente é absurda, mas, feitasas contas ele nem é tão má assim. E no dia seguinte, na hora da caça, Édiposaiu todo radiante de seu palácio....

Os camponeses voltaram a fazer parte do Coro quando Édipo reaparece.

Édipo Homens e mulheres deste país, minha decisão foi tomada, mas é preciso quetodos vocês me ajudem. Eu parto com vinte anos de atraso como um homem quenão sabe nada dos fatos, nem das versões que correram na época do crime eminhas pesquisas darão em nada se vocês não me ajudarem. Se qualquer um devocês tiver algum indício e que se tenha calado antigamente por medo, queele fale agora. Seu silêncio covarde lhe será perdoado. Mas se alguém se

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calar, se temendo por si ou por um amigo deixar de confessar, escutem bem oque resolvi: seja lá quem for o culpado, eu proíbo – em toda extensãoterritorial de minha autoridade que alguém o ajude, fale com ele ou rezepor ele. Vocês todos devem se afastar dele como se ele fosse a sujeira. Eu que sucedi a este rei, eu que tenho por esposa a sua mulher, que teriatido por filhos os seus filhos caso ele tivesse procriado- mas nisso afortuna lhe foi adversa – eu estou decidido a combater por sua causa como seele fosse meu próprio pai e a castigar seu assassino. Falem. Digam o que sabem, esta é minha ordem.

CoroPríncipe, nenhum de nós jamais soube de nada.

É ao deus que pede que se retome a busca a quem cabe designar o assassino.Édipo

Sem dúvida. Mas nenhum homem jamais forçou a vontade dos deuses.

CoroUma outra versão do crime era contada antigamente. Mas era muito vaga e muito antiga...

ÉdipoDiga-a. Devo examinar todas as possibilidades.

CreonteAlguns dizem que não eram bandidos mas sim viajantes estrangeiros que atacaram o rei.

ÉdipoE eles se baseiam em quê para dizê-lo?

CreonteEles não levaram nada. Não foi roubo.

ÉdipoJá me haviam dito isso também. Mas nessa época não conseguimos nenhuma testemunha ocular. Agora, então, como é que iríamos encontrar?

CreonteTirésias, príncipe, ara o sumo sacerdote nesta época e ele tinha o dom de visões. Foi ele quem disse isso. Depois, tornado velho e cego ele se retirou para as montanhas e só reza e sóse cala. Talvez ele pudesse esclarecer esse negócio.

ÉdipoJá me sugeriam isso também e guiados por Creonte eu já lhe enviei dois de meus homens. Devem chegar aqui pela manhã.

Coro

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O assassino, sabendo que você tomou tais medidas vai viver agora sob o medo e quem sabe acabe se traindo.

ÉdipoEsperemos que sim. Mas o homem é o mais rude dos animais e se não tremeu naação, temo que não se assuste com uma ameaça.

CoroPode ser. Mas já está chegando aquele que pode desmascará-lo...

Aparece Tirésias conduzido por uma criançaÉdipo

Velho e venerável Tirésias, estás diante do rei. Parece que tu sabes tudo,as verdades que podemos verificar e as verdades de verificação proibida.,as coisas do céu e as coisas da terra. Teus olhos estão cegos e sei quevives há muito tempo retirado lá nas montanhas. Mas certamente não ignoras omal que nos assola e o que os deuses exigem para nossa liberação que é apunição pela morte ou exílio do ou dos assassinos de Laios. Fala, então.Dize- nos o que sabes sobre essa história e rememora tudo o que já soubesteantigamente. Diante da exigência dos deuses, como qualquer um de nós, tu também não tensmais o direito de te calares.

TirésiasGravemente, após uma pausa.

Sou velho demais. O que eu soube antigamente, e já o esqueci. E é por isso que eu aceitei vir.

ÉdipoMas por quê? O que há contigo? Por que estás perturbado?

TirésiasImediatamente

Deixa-me ir embora. Será melhor para mim e para ti, creia-me.

ÉdipoRecusas ajudar teu pais numa desgraça?

TirésiasSou velho demais e já me retirei do meio dos homens.

ÉdipoO quê?! Conheces a verdade e te negas a proferí-la? O destino de tua cidade está em jogo e eu ainda sou o rei dela. Ordeno-te então que fales!

TirésiasTu me interrogas em vão. Para que serve fazer-nos ambos sofrer? Permita-me que eu me vá. Esse menino conhece o caminho e me guiará.

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ÉdipoVelho homem, és um santo, parece, e te retiraste para viveres de montanhas ede preces, está bem. Mas eu sou o responsável por este país e não posso me dar ao luxo de melivrar das coisas deste mundo. Saiba bem que de um modo ou de outro eu te obrigarei a falar!

TirésiasUm tempo. Ameaçador

As coisas acontecem por elas mesmas, mesmo que meu silêncio as oculte. Deixa-me partir, estou velho e cego.

ÉdipoÉ uma saída fácil, a velhice!!! Mas creia-me: eu não te deixarei ir embora!

Silêncio. Édipo endurecido perscruta TirésiasQueres que eu diga porque essa tua obstinação em te calares? Claro, nãofoste tu quem bateu, mas conheceste o crime antigamente e então podes ter tuo sido o instigador ou o cúmplice.E é por isto que foste para as montanhasquando me tornei rei, santo homem, porque teu golpe não funcionou! Mas és como uma mosca em minha mão agora. Eu te ordeno falar ou o pouco desangue que te resta irá ser derramado.

TirésiasRepentinamente muito violento

Pois bem, eu, eu te ordeno, pela força do edito que proclamaste, que fujas desta terra que sujas, pois é de ti que nos vem todo o mal.

ÉdipoEstás sabendo com quem falas?

TirésiasClaro.

ÉdipoA pessoa do rei é sagrada, sabes bem. Acusá-lo é um crime e eu posso te destruir imediatamente.

TirésiasEu trago em mim a verdade viva e a verdade não se pode matar.

ÉdipoZombando

A verdade? E foi certamente tua arte que a revelou?. Sacerdotes orgulhosos!Pensadores! Eunucos! Como se fosse um ofício de homens o ofício de pensar!Os que me carregaram nos ombros até o palácio para me fazer rei o que mepediram não foi que eu pensasse! Mas sim que eu arregaçasse as mangas e etomasse a vida- a vida deles- em minhas mãos para ajudá-los a viver, a lutarcontra a miséria, a insegurança e os crimes que nos emboscam entre povos delobos...Pediram-me para ser seu chefe e não seu pastor! Acima deles, certo,mas com os pés sobre a mesma terra que os deles. Diante dos Argivos delongos dentes que começavam a se mexer para dentro de nossas fronteirasquando o trono ficou vacante, acreditas que eles precisassem mesmo era deum adivinho? O que iria acontecer não era difícil de adivinhar, te garanto,

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pois toda presa fraca encontrada no meio da mata está perdida. Paradefendê-los era necessário um homem. Os deuses estão muito longe de nós,sabes, e não entram em detalhes: é entre homens que a vida se regula.Eu fiz o que tinha de ser feito e a cidade foi salva.

Tirésiasameaçador

E voltaste a perdê-la...ÉdipoApós tê-lo contemplado por um instante,

Com um sorriso malévolo nos lábiosQue naufrágio que é a velhice, não?! Tremes durante a noite e durante o dia és só papo furado! [0]E Creonte foi mesmo um maluco em me aconselhar ir te buscar...Talvez antigamente pudesses ver com clareza, mas esses tempos estão muito longe agora... És um cadáver bem longe de nós, com as idéias embaralhadas. Quem sabe mesmo já esquecestes o que acabaste de me dizer. Estás lembrado ainda?..

TirésiasEu disse- e repito- que tu és o assassino que procuras!

ÉdipoEstá bom, dessa vez já passou dos limites!

ChamaGuardas!

CoroAdiantando-se

Édipo, este homem é um santo! Sempre foi venerado e escutado em nosso meio! Todo mundo ficaria muito perturbado se tu tocasses nele!

ÉdipoVirando-se para ele, fulo de raiva

Ah é?! Esse traidor tem direito a dar sua opinião? Foi ele que seduziu aCantora mutante? Cansaram-se de mim? Minha polícia já me havia advertidodisso. Andaram trabalhando com belas palavras, por detrás das bodegas deTebas, o cérebro desses obtusos artesãos que fedem a alho? Estão acordando a opinião pública que andou meio adormecida? Isso é umaconspiração? Primeiramente foi ele , esse velho resto de gente queimaginou essa história que só vai servir, no final das contas, para rebentarem pedacinhos esses seus velhos ossos. A quem mais essa história poderia servir , a que outro ainda vivo,escondido aí por detrás deste velho e augusto maluco. Creonte, talvez?

TirésiasViolento [00]

Creonte não tem nada a ver com tua infelicidade. És o único artesão dela!Édipo

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Repentinamente começa a gritarÓ riqueza! Ó realeza! Ó talentos, ó coragem! Todos esses caminhos quejulgamos belos, a inveja não pensa em outra coisa que sujá-los e destruí-los. O poder que esta cidade me colocou entre as mãos sem que eu o tenhadesejado, Creonte o deseja, eu o sei. Creonte, o irmão de minha mulher, meuamigo desde o primeiro dia! Ele estava bem próximo do trono no dia quecheguei. E agora ele não pode fazer nada: eu o afastei e está difícil paraele esperar outra vez. Ele está fazendo algum complô e por isso me enviaesse feiticeiro intrigante, este esperto charlatão, esse cego quepossivelmente nunca viu nada , esse sábio venerado pela credulidade públicae que só usa bem seus olhos quando pode tirar proveito deles. E agora,cita-me um, somente um caso em que tenhas acertado tua adivinhação, velhoimpostor! Quando a Cantora Cadela estava por ai e cantava seus enigmas, porque foi que não encontraste a boa resposta e assim livrar toda tua cidade damaldição? Claro não era qualquer um que podia resolver, não é, sóadivinhos!!! Mas certamente o que se precisava mesmo era arriscar a pele,isso sim, olhos dentro dos olhos da fera. E o que viste então? Nem ospássaros nem os deuses te revelaram nada. Eu era apenas um viajante solitário, com um saco nas costas e um bastão namão. Não consulte os augúrios através das aves apenas olhei a Cantoraentro de seus olhos e por fim arriscando tudo lancei-lhe minha respostaobrigando-a a votar para o nada. É assim que eu me tronei rei. Mas como euestou atrapalhando hoje, vocês estão chamando os deuses para ajudá-los. Etu já te sentes sentado à sombra do trono de Creonte.Pensas ser o mestre secreto do poder com tuas pequenas frases iniciando por“eu penso, companheiros, que...”!!!. [0]

Velho palhaço! Essa regeneração vai custar caro a ambos. A vida é dura, mas eu sempre venci.

Chama mais uma vezGuardas!

Coro Colocando-se entre eles.

Eles fala sob o império da paixão, Édipo, e você também. A verdade só aparecerá se os dois procurarem juntos.

ÉdipoEu sou o rei e disse que encontraria a resposta sozinho. Então assim será.

TirésiasÉs o rei. Mas tenho o direito de te responder de igual para igual, pois nãoestou a teu serviço: sou um sacerdote. É a um outro rei que sirvo. Deste-mevergonha ao seres tão cego, então escuta o que vou te dizer. Aquele que vêtudo tão claramente, não está enxergando o abismo para onde se dirige, nemvês onde moras e nem quem te deu a vida. Sabes ao menos de quem nasceste?Dos teus, mortos ou vivos, és o inimigo sem o saberes.

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E em breve, se aproximando terrível e com golpes sobre golpes, para teu paie tua mãe, a maldição ligada a teu sangue te expulsará deste país.Então, tu que tens tão boa visão, ficarás em meio à noite e compreenderásque caminhos proibidos você trilhou, cego, contra o vento. Jamais mortalalgum terá sido, como tu, um brinquedo tão terrível dos deuses.

Édipoperceptivelmente perturbado [1]

Velha sombra! Velho ódio! Vieste para me fazer medo, foi?

TirésiasVim porque me chamaste

ÉdipoGravemente, após tê-lo contemplado um instante em silêncio.

Vá-te embora velho! Eu pouparei teu velho corpo repugnante. Volta para tua montanha velho louco!

TirésiasOs autores de teus dias me julgavam um sábio e me pediam conselhos. Conduz-me pequeno!

ÉdipoDando repentinamente um grito

Quem? Espera aí. Falaste dos autores de meus dias. Sabes a quem devo minha vida?

TirésiasAntes desta tarde receberás a luz e a perderás.

ÉdipoQue luz? Uma vez por todas pára de falar em enigmas!

TirésiasCom um certo brilho irônico dentro de seu olho [2]

Não és tão bom em resolvê-los? Reflete pois, do mesmo modo que fizeste com a Cantora Cadela e encontrarás as respostas.

ÉdipoSorrindo

Vou te contar uma coisa. Nunca me perdoaste de ter descoberto o enigma sozinho, apenas com minha razão humana, não foi mesmo?! Tua arte nunca te ajudou, não é verdade?!

TirésiasEste grande sucesso de tua razão foi o que te perdeu;

ÉdipoSe salvei meu país, o que importa o resto?

TirésiasDuro

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Não era teu país e ainda não é teu país. És um estrangeiro aqui e é um estrangeiro que matou Laios. Agora me leva daqui pequeno, voltemos para casa.

ÉdipoÉ isso, tá na hora dele te levar para tua cabana para continuar profetizandono deserto. E todos vocês saibam que eu sou Édipo, eu sou o rei e já demonstrei para vocês que não tenho medo de enigmas.

Tirésias sai, levado pelo seu pequeno guia.Édipo entra no palácio, os homens e mulheres de Tebas se retiram, sobra

apenas o Coro no palco.

CoroChegamos lá. Édipo está agora pronto para representar a peça pra a qual ele foi semdúvida criado desde toda eternidade.E ele irá até o seu fim.O homem é um rei que manca.[3] Ela anda com um pé na sombra e o outro nocaminho claro de sua razão e avança sem saber bem para onde vai. Sobre aestrada de luz ele reconstrói orgulhosamente o mundo e , mesmo com apenasuma perna, ele pode tudo.! Mas o outro pé segue pela trilha obscura eescorregadia no fundo de seu ser. E é por isso que ele manca, o infeliz!Algumas vezes ele crê ter vivido como um justo, mas ele apenas esqueceu abesta que mora nele e que vai se vingar. Algumas vezes ele viveu como um animal, cedendo a todos seus desejos, masesqueceu o pequeno garoto que ele foi outrora e que, quando chegar sua vez,vai julgá-lo, jovem anjo exterminador que é. Pois no topo de seu triunfo umhomem é apenas uma presa dos próprios remorsos, estranho animal que ele é!Em todo caso, agora, ele vai regrar suas contas. Vai ter que fugir diantedele mesmo. As fúrias infalíveis se acordaram de seu pesado sono e estão a cercá-lo. Apalavra de ordem foi lançada. E o miserável que agora circula no meio dosbosques selvagens, touro perdido, morno, só, com o ruído dos própriospassos, vai tentar escapar em vão, tentando em vão roubar sua vítima aosdeuses.

CreonteEntra com o resto do Coro

Cidadãos, não é possível o que me disseram! O rei Édipo lançou contra mimuma estranha acusação! Venho aqui, portanto, para que me façam justiça! É verdade que ele disse que eu subornei o velho adivinho para que elementisse?!

CoroÉ o que ele pensa...

Creonte

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Mas como! Estava em seu juízo perfeito, vendo as coisas com clareza como sempre o vimos fazer? Quem o induziu a isso?

CoroTalvez o deus que quer a sua perda. Mas aproveita para perguntar a ele próprio!

ÉdipoÉdipo entrando, em em sobressalto ao ver Creonte

Estás aqui?!!!! Como ousas? Desejas me tomar o trono e minha vida, fazescomplôs contra mim e ainda vens me desafiar? Tomavas-me por um cego ou porum covarde quando tramaste essa coisa toda? Acreditavas que essas tuasintrigas iriam rastejar até mim sem eu vê-las?? Pensavas que pela boa féde teu velho cúmplice eu me deixaria ser tosado como um carneirinho sem medefender? Que tentação absurda! Conheces-me mal!

CreonteCalmo

Eu te conheço,Édipo, bem melhor que pensas e acreditava que me conhecias também depois de tanto tempo. Em, vez de se atacar como um touro enlouquecido contra um pano vermelho, não daria para me escutar antes?

Édipo És um bom advogado e um bom político, eu o sei. Teu ofício são as palavras.Mas mostraste teu ódio ao me enviares este velho idiota e aí as palavras nãoresolvem mais. Há um crime agora entre nós e tu me deves explicações.

Creonte Que crime?

ÉdipoFoste tu quem me aconselhou a chamar o adivinho, não foi?

CreonteOra, foste tu quem me enviaste a consultar o oráculo. Só resta agora interpretá-lo.

Édipo Da maneira que te convir melhor não é mesmo?! Essa desgraça pairando sobre a cidade, que ocasião maravilhosa para uma boapolítica de oposição, não é mesmo!? Esperavas, ansioso por esta ocasião: a desgraça de Tebas.

Ora, é bem triste, mas que é uma excelente ocasião ah isso é!Creonte

Estas divagando, Édipo! Mal me conheces. Teu orgulho e tua sede de poder tedeixam perdido. Eu fiz tudo para te servir honestamente durante vinte anose tu vivias suspeitando de mim?! Essa a grande fraqueza dos homens: projetar sobre os outros o que elestrancaram dentro deles mesmos!

Édipo

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Há quanto tempo Laios sumiu misteriosamente?Creonte

Logo antes de tua vinda, há vinte anos.Édipo

Nesta época o adivinho já exercia sua arte?Creonte

Sim. E todos nós o venerávamos.Édipo

Nesta época, ele te falou de mim?Creonte

Nunca. Nunca na minha frente, em todo caso.Édipo

E vocês não fizeram uma pesquisa a respeito do assassinato?Creonte

Fizemos uma, como era de nosso dever, mas sem resultado algum.Édipo

Podes me explicar porque esse tão hábil homem teria guardado segredo sobre estas coisas que ele acredita ser seu dever nos desvendar hoje e somente hoje?

CreonteSei tanto sobre isso quanto tu.

ÉdipoPois deixa-me te dizer uma coisa. Se ele não fosse teu cúmplice após esse tão longo silêncio, sua memória não teria voltado assim tão subitamente. É a seu favor que ele veio intervir neste desastre. É um fenômeno conhecido , a oposição se esconde sempre logo após os desastres!

CreonteCalmo

Édipo, governaste bem este país e até agora tua cabeça tem estado clara. Então, deixa-me também te colocar uma questão: esposaste de bom grado minhairmã quando o povo quis que fosses nosso rei?

ÉdipoSim, mas não vejo o que isso tem a ver...

CreonteEla divide contigo as prerrogativas reais, não é mesmo?

ÉdipoEla era uma rainha antes de mim e eu sempre a respeitei como uma rainha.

CreonteEu era o terceiro na cidade e ambos sempre me trataram como um igual, não foi?

ÉdipoFoi assim, mas isso não bastou pelo que parece!

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CreonteCom calma

Falas por ti, Édipo, projetas sobre mim teu orgulho. Tu não poderias vivercertamente em paz nesse lugar aí às escondidas. Mas eu sim. Porque não souorgulhoso... Eu amo a vida, Édipo e vou te dizer outra coisa que vai terevoltar porque não conheces o significado: eu adoro a felicidade. O poderpelo qual vocês lutam como cães por um osso, eu o julguei pelo que ele vale.Eu envelheci, Édipo! Eu amadureci. E é uma das aventuras que acontece a bem poucos homens ao final das contas.

Eu abandonei junto com os cravos e espinhas de minha cara, a presunção e asede vã de poder próprios de meus quinze anos. Mas não vocês, que vivem lutando nos pátios das escolas para ver quem é omais forte, não vocês... [3]Sou muito rico e não tenho vergonha de sê-lo – isso é um sentimento que sóbem mais tarde os homens aprenderão a apreciar. Sou influente, minha irmãtu nunca me negaram nada, não concordas? Eu sou o que chama por ai sepreferires, um corrompido. Acontece-me de ajudar sorrindo esses velhosguris cheios de intrigas que pululam ao redor do poder, confesso. Eu osempurro até perto de ti em troca do prazer de suas mulheres, de uma belaescrava ou de um objeto raro da casa deles que me agradou. É , em resumo, uma troca de ilusões!Pois , creia-me, eu sei colocar também o prazer em seu lugar! Mas creiotambém que os homens não descobriram nada melhor para adocicar esse tempo devida tão absurdo. E acreditas então que eu iria, trocar tudo isso- que me diverte e muito-pelo tédio pesado e destruidor que é o do exercício do poder?Sou um homem superficial, Édipo, com tudo o que isso pode significar delucidez , de desprezo e de sabedoria. Te enganaste. Nunca tive a menor vontade de ficar em teu lugar, tuassuspeitas são puro absurdo para mim.

ÉdipoJogando pesado [00] também, depois de um certo tempo

És um homem hábil e de uma conversa fácil, isso eu já te disse. E esses bobalhões que te escutam nunca tiveram que enfrentar realmente a dura realidade de cada dia.

Sorri, com amarguraEles fingem odiá-los, mas no fundo os pobres adoram os ricos: é o teatro deles! [5] Mas devo te dizer que teus belos discursos o eram apenas para eles. Eu não sou um público tão indulgente! [6]

CreonteQue queres? Expulsar-me do país?

ÉdipoCom um sorriso malévolo no canto dos lábios [7]

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Para que vás tramar tua teia entre os Argivos? Fizeste um complô para a minha morte. Eu quero a tua em troca.

Creonteendurecido

Havia leis em Tebas, antes de ti, sabias? A esta acusação contra um homem livre deverás acrescentar as provas.

ÉdipoPodes crer que as encontrarei!

CreonteEu sei. Com uma boa polícia, nunca se estará em falta de provas... está certo que tu nos garantiste a ordem, mas também sua contrapartida: a porrada!Mas Tebas é ainda uma cidade livre desde sempre e eu era seu cidadão antes de ti, estás esquecendo?

ÉdipoJogando-se contra ele

Estás me ameaçando? Um rebelde, meu guri, a gente esmaga!Eles lutam até a intervenção do Coro.

CoroPéraí, ó Príncipes![8] Vocês são irmãos e respeitem Jocasta,que acaba de chegar, ela é a irmã e a esposa !

Que ela consiga separar vocês!!Jocasta se joga aos pés deles e os aparta.

Eles se levantam ligeiramente envergonhados.Jocasta

Infelizes! Que disputa insana é esta entre vocês?O povo está doente e vem suplicante até vocês- e vocês em resposta se esmurram??!! Vocês são príncipes!

CreonteCalmo

Minha irmã, eu não teria jamais levantado meus punhos contra Édipo que é teumarido e meu rei. Foi ele quem se lançou contra mim, só porque eu lhe disseque há leis ainda em Tebas que lhe impediriam de fazer o que quer.

JocastaE o que ele quer, bom deus!?

CreonteMeu exílio e minha morte.

JocastaPálida, volta-se para Édipo

O que é que ele está dizendo, Édipo?!Creonte

Frio

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A verdade. Acabei de surpreendê-lo tramando com pérfida destreza um complô contra mim. Oh começo a conhecê-lo este teu irmão!

CreontePara o povo, de repente, com solenidade

Escutai-me todos! Que a maldição divina caia sobre mim, que eu morra imediatamente pela mão dos deuses se por acaso eu tiver feito qualquer dessas coisas de que ele me acusa!

JocastaEm nome dos deuses, creia nele, Édipo! Respeita seu juramento solene! E me respeita também e a esse povo que te escuta!

CoroPríncipe, estamos em Tebas, onde um juramento é garantido e tem direito ao respeito. Entre nós o homem que jurou é sagrado e só uma prova irrefutável pode ir contra ele. Essas são as leis de Tebas.

ÉdipoSombrio

Eu conheço igualmente as leis de Tebas. Elas também dizem que sobre amaldição que lancei não posso voltar atrás. Se vocês escolhem acreditarnele e neste adivinho- muito bem guardado por vinte anos em seu bolso-vocês estão escolhendo me condenar ao exílio e à morte [8] e é isso o quequerem?

Um silêncio geral. Ele conclui com calmaContudo, minha esposa, eu não quero aumentar teu pesar. É teu irmão então euo pouparei por amor a ti.E que ele desapareça. Que deixe essa cidade de uma vez por todas. Que vá fazer seus complôs lá no fundo dos infernos!Mas que saiba que leva consigo todo meu ódio.

CreonteCom dureza

Adeus, Édipo. Esta noite eu atravessarei a fronteira. Mas teu orgulho e tua violência serão tua perda. Acabarão por destruir também a ti.

ÉdipoGrita de repente exasperado

Vais ou não vais me liberar de tua presença?Creonte

Está feito. Te deixo sozinho contigo mesmo. É o bastante para que eu me sinta vingado.

Sai rapidamente.Todo mundo está pasmo até que finalmente o coro fala.

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Rainha, o que esperas? Pega Édipo pelo braço e vá para dentro do palácio comele. Se não ele não se acalmará nunca!

JocastaVoltando a si

Mas, de que ele é acusado?Édipo

duramenteDe ter matado Laios.

JocastaGrita, espantada

Isso é monstruoso! Sobre o que nisso se fundamenta? Sobre qual relatório, sobre qual pesquisa?

ÉdipoDuramente

Ele não se acusou a si próprio, mas ele subornou o velho adivinho que mandoubuscar das montanhas.

JocastaA partir das visões de um adivinho?!!! Posso te acalmar, Édipo, com apenasuma palavra: ninguém sabe o que os deuses querem e eles não tem necessidadede ninguém para nos fazer conhecer sua vontade. Eles dão conta dissosozinhos. Escuta antes o que vou te contar e verás o que valem os oráculos.É uma coisa triste sobre a qual eu nunca mais quis pensar, mas se ela podete ajudar a te acalmar, eu te conto.Um oráculo enviado a Laios antigamente, claro que não pelo próprio Apolo,mas por um de seus sacerdotes, lhe havia anunciado que ele deveria morrerpelas mãos de um filho que ele teria de mim. Pois bem: foram os bandidosdas estradas, exatamente quando lá ia ele de novo consultar os oráculos, queo assassinaram num país estrangeiro, no cruzamento de duas estradas. Alémdisso, 3 dias apenas após o nascimento da criança. Laios mandou amarrar ospés dele e jogou-o pela montanha abaixo. Apolo não realizou o oráculo deseus sacerdotes e Laios não morreu pela mão de um filho como ele andavaobcecado pensado e com medo. Contudo foi este caminho que as profecias lhe haviam traçado.

um pequeno silêncio e ela acrescenta.

Não dês demasiada importância a o que esse velho diz e deixa os deuses decidir sozinhos o que eles bem quiserem e quando eles bem o quiserem. Os deuses não tem necessidade de adivinhos. Vem agora, entremos em nossa casa.

ÉdipoSonhador

É estranho, minha mulher, mas ao te ouvir alguma coisa me perturbou.Jocasta

O quê, meu amor?

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ÉdipoDisseste-me que Laios foi morto numa encruzilhada...

JocastaÉ o que se dizia antigamente e todo mundo sempre acreditou nisso.

ÉdipoE em que região isso se passou?

JocastaO país se chama Fócida e o assassinato teve lugar onde a estrada que vem de Delfos cruza com a de Daulis.

ÉdipoE quanto tempo se passou des desse acontecimento?

JocastaSoubemos do crime pouco antes que tu chegasses aqui

ÉdipoMurmura estranho, como que para si

Ó Zeus! O Que premeditaste para mim?!Jocasta

InquietaQue pensamento assombra tua face, Édipo?

ÉdipoEspera! Não me interrompa agora. Diga-me antes qual o aspecto de Laios, com quem ele se parecia?

JocastaMas já te disse mais de mil vezes! Seus cabelos começavam a embranquecer. O aspecto? Que posso te dizer? Parecia-se contigo agora, grande forte, se mantendo bem ereto.

ÉdipoPodes me dizer algum outro detalhe mais preciso?

JocastaAbraçando-o

Mas por que, meu amor? Para te fazer sofrer mais ainda? Havíamos combinado de nunca mais voltar a falar dele..

ÉdipoSim, mas eu creio que esta noite precisaremos falar mais uma vez.

JocastaO que é que estás querendo dizer? Estás me dando medo..Eu não ouso mais levantar meus olhos para ti.

ÉdipoAcho que lancei minha maldição um pouco precipitadamente.

Pede ainda timidamentePodes me responder ainda sobre um último ponto?

JocastaO medo está começando a me paralisar, mas pergunta que eu te responderei.

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ÉdipoLaios viajava com uma pequena escolta ou viajava bem escoltado como um chefede estado.

JocastaEle queria enganar a Cantora Cadela e por isso partiu com apenas 3 de seus homens e um rastreador. E o único carro era o seu.

ÉdipoEstranhamente calmo

Está certo. E quem te contou essas coisas, mulher?Jocasta

Um doméstico. O único sobrevivente do massacre.Édipo

E ele vive ainda nesta casa?Jocasta

Não. Pouco após tua chegada ele te viu colocado como rei no lugar do rei defunto e então me suplicou para deixá-lo ir-se embora para os campos como pastor. Ele não parava de ter medo desde que chegou aqui.Dizia que não queria mais ver a cidade. Eu o deixei partir. Mesmo para um escravo,era o mínimo que eu poderia fazer para pagar por sua fidelidade.

ÉdipoPergunta, neutro.

Ele morreu depois disso?Jocasta

Creio que nãoÉdipo

Poderemos encontrá-lo ainda?Jocasta

Claro. Mas por que o faríamos?Édipo

NeutroEu quero vê-lo. Quero escutar sua história.

Jocasta Faz um gesto terno, de mulher.

Ele virá, te prometo. Vou mandar buscá-lo. Mas sou tua mulher, Édipo, e sinto que há um segredo entre nós e sabes que deves me dizer sempre tudo.

Édipofaz um gesto também com sua mão

Está certo. Nunca tive outro confidente que tu. Sempre fui meio solitário...Quando vim, eu fugia de meu país. Eu apenas te disse que eu era gente debem e respeitaste meu silêncio.. Hoje vou te contar eu sou o filho dePolíbio, rei de Corinto, minha mãe Mérope é também uma princesa dórica.Cresci lá como um dos principais do reino, junto com meu pai.. E depois, umdia, eu tinha pouco menos de vinte anos, um homem pegou do vinho- e todo

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mundo já havia bebido um pouco além da conta, e me tratou como se fossesupostamente seu filho. Ferido em meu orgulho, e também bastante bêbado por outro lado, eu me jogueipor sobre ele. Os outros nos separaram me dizendo que ele não sabia o quedizia. E logo no dia seguinte eu fui perguntar a meu pai e minha mãe.

Eles se indignaram também e me acalmaram com palavras carinhosas.Apesar daternura deles ter-me sido agradável, a queimadura do insulto haviapenetrado profundamente em meu coração. Então, algum tempo depois, sem queeles soubessem, eu pretextei ter que fazer uma viagem de há muito desejada eparti para consultar o oráculo de Delfos. O oráculo não se dignou de responder à minha questão, curiosamente. Mas osacerdote que o interrogava me olhou de repente com um tipo de terror. Eu aenchi de perguntas em vão. Só que um pouco de ouro desatou a língua dele,pois esses santos homens não desprezam o ouro, e ele acabou por me dizer,aos trancos e barrancos, como se já se arrependendo de tê-lo dito, uma coisamonstruosa: que eu mataria meu pai e que me casaria depois com minha mãe.Assustado eu despedi os que eram de minha comitiva e seguí sozinho pela estrada, decidido a nunca mais voltar a Corinto. Eu não conseguiria mais, após o que ouvi, voltara vero rosto de meu pai e o de minha mãe.

Um silêncio. Continua gravemente És minha mulher, Jocasta, me salvaste de tudo e o mais difícil ainda meresta a te dizer...Ao atravessar a Fócida em um caminho estreito, perto do cruzamento de duasestradas, um carro avançou contra mim. Estavam atrelados dois cavalosnovos, precedido por um rastreador, conduzido por um homem de estaturaelevada, cabelos já meio brancos. O rastreador primeiro e depois o anciãocomeçaram a me insultar, exigindo que eu saísse do caminho. O criado mederruba e me joga contra os arbustos. Logo eu bati nele e parti para cima domais velho. Ele, vendo-me passar ao lado do carro, me bate duas vezes nacabeça com golpes violentos. Cego pelo sangue, endoidecido, batí-lhe commeu bastão . Ele cai e roda para baixo do carro com os cavalos apavorados eentão a roda acaba de lhe quebrar o crânio.

Um tempo. Retoma pesadamenteTive medo. Aí sai matando todo mundo.Espero quer não seja ele. Mas se Laios tem algo em comum com esse viajante, a maldição solene cai sobre mim mesmo que a lancei. Ninguém daqui por diantepoderá me dirigir a palavra em me dar abrigo. Serei expulso de todas as casas, pois com essas minhas mãos que o mataram eu estarei sujando a memória do morto.

JocastaFicou por um momento espantada

E imediatamente se joga em seus braços urrandoNão, não foste tu, meu amor, não foste tu. Não foste tu!

ÉdipoAfasta-a docemente

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Agora não ouso mais te tocar, Jocasta. Jocasta

Grita, ajoelhada, agarrando-se em seus joelhosMeu amor! Meu único amor! Eu sei que não foste tu!

ÉdipoSombrioSó este pastor pode no-lo dizer. Era sem dúvida o quarto e deve ter fugido rapidamente, pois eu matei apenas três. Se ele contar a mesma história mas disser que havia uma gangue de assaltantes então meu medo desaparecerá pois eu matei a todos sozinho.

JocastaEle não pode voltar atrás no que disse, meu amor. Toda a cidade o ouviu e eu também. E toda a pesquisa que foi feita dizia a mesma coisa.. Creonte mesmo te dirá isso...

Ela o acaricia timidamenteÓ meu amor, eu vou expulsar todas essas sombras de ti e te reencontrar como eras antes.

ÉdipoEsperemos este homem. Só ele poderá fazê-lo.

JocastaMas mesmo que ele volte atrás em seu testemunho- o que é possível pois ele deve estar já bem velho – se sobre um ponto ou outro ele não estava tão seguro de si, nunca seu testemunho poderá provar que Laios foi morto segundoas profecias, já que o oráculo lhe havia predito que ele iria ser morto por um filho meu. E como poderia então o pobre pequeno matar seu pai, se ele morreu antes?

Disse isso estranhamente. Édipo, tocado toma-a por entre as mãos

ÉdipoIsso está te fazendo mal, não é mesmo? Nunca quiseste me falar deste menino...

JocastaNum estranho tom neutro

Eu nem tive tempo de amá-lo...Sorri, expulsando sua tristeza e beija a mão de Édipo

Mas não estás vendo bem, meu amor, que não se pode acreditar nos oráculos?!Ela o arrasta, puxando-o pelos ombros

Vem. Vem meu pequenino que tem medo de fantasmas. Vem dormir. Já é tarde e esta jornada foi por demais rude. Mas sabes bem que perto de mim, todas tuaspenas desaparecem...

ÉdipoSeguindo-a, dócil

Tu és boa. Tu curas tudo. Mas esperemos ainda a chegada deste pastor....

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Entram no palácio. O Coro vá em direção do resto de pessoas que ficou no fundo do palco.

CoroE eis meus amigos que a noite cai sobre Tebas e o rei e a rainha vão tentardormir... O que vocês ouviram esta noite, é melhor não dizê-lo a ninguém mais. Os segredos dos reis não são tão bons assim para que a gente os descubra.Entrem em suas casas , vocês também, pessoas boas. Entrem em suas pobrescasas onde em troca de sua dura vida de trabalho , pelo menos o cansaço, aotombar a noite, terá piedade de vocês e lhes acalmará.Não creio que os dois dormirão hoje sob cortinas de púrpura.. Vocês invejamtantas vezes a sorte dos grandes e pensam sempre que os deuses são injustos,uma vez que eles teriam podido se ocupar melhor de vocês. Não se deve pensarassim. Felizes, isso sim, aqueles a quem os deuses esquecem!

A luz cai quando eles saem até a escuridão.Quando Jocasta retorna, é de manhã.

Ela sai do palácio seguida de suas filhas( [Antígone e Ismênia] E vai colocar oferendas num pequeno altar doméstico que se vê ao fundo. O povo humilde já está lá, esperando também para fazer suas oferendas

JocastaGente de Tebas, eu venho oferecer ao deus em seu altar familiar essas coros e esses perfumes. Juntem-se a mim com suas oferendas. Édipo, o rei de vocês é um joguete de mil pensamentos que o estão deixando perturbado.. Um homem razoável, comparando as profecias, julgaria as novas pelas antigas que mentiram e não prejudicaria a vontade dos deuses. Ele, infelizmente acredita em tudo o que se lhe dizem se for de encontro a suas crenças.Eu passei toda noite em vigília a seu lado, balançando-o como se balança umacriança doente no berço e finalmente ele conseguiu dormir....

Ajoelha-se diante do altar e deposita nele suas oferendasÓ Apolo Liceu, guarda de nossa vizinhança, venho te oferecer essas primícias. Tu que sondas os corações e os rins, conheces meu marido. Faça com que ele apareça livre de toda sujeira.

O pavor toma conta de todos nós quando o vemos assim, a ele, nosso chefe, igual a um piloto que perdeu a cabeça... Envia alguém, envia um de teus mensageiros celestes para livrá-lo disso...

Todo estão prosternados. Um homem aparece do lado onde está situada os montes atrás deles.

Hirsuto ,bebum. À primeira vista ele parece estar sóbrio.

Um Homem [9]Ô desgraça como está quente! E que estradinha ruim! Talvez um de vocês pudesse me informar...

Tira de lado uma garrafa de sua blusa e bebe um gole furtivo.

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Depois interpela.Ei pessoal. Dá para me dizer se já estou em Tebas? Onde posso encontrar o palácio do rei Édipo? Ou melhor, onde eu poderia encontrar o próprio?

CoroQue se levantou junto com os outros

O palácio está bem ali, fácil de encontrar.

E esta mulher que estás vendo aqui é a mão de seus filhos..O Homem

Tira seu chapéu sujíssimoE a saúda com uma ênfase grotesca.

Eu desejo à esposa do rei todo tipo de prosperidades para ela e para todos os que andam em redor dela e...

JocastaVoltando-se e cortando os agradecimentos

Te agradeço, estrangeiro, Mas por que queres nos ver? Que tens a nos dizer?O Homem

Boas notícias para tua casa e teu marido, rainha!Jocasta

Notícias!...e da parte de quem?!O Homem

Notícias de Corinto. Quando digo boas...bem são boas para uns e ruins para outros, não é sempre assim? É a vida, minha rainha! Mas como rainha conheces melhor que eu que não passo de um pobre pobre...

JocastaCom um leve sorriso

Explica-te melhor. Pareces bem cansado.O Homem

Esse calor, minha rainha! E a estrada está em péssimas condições e eu vim natoda porque queria ser o primeiro a dar a notícia. Então antes de dizer, jáque ninguém chegou na minha frente, permita-me dessecar e lubrificar um pouco minha goela com um pequeno golinho de nada, minha rainha?!

Bebe, enxuga a boca passando o braço de lado por sobre ela e falaBem, lá vai. Estão dizendo lá em nossa terra que se precisa encontrar Édipoo mais rápido possível, pois vai ser eleito rei pelos habitantes do Istmo.

JocastaPor quê? O rei Políbio não está mais sobre o trono?

O HomemDeitadinho está ele sobre seu último trono, a cova! Todo mundo chega lá, minha rainha, até...me desculpe!

JocastaDá algo como um grito de libertação interior

Estás certo que o velho Políbio...O Homem

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Foi-se embora...tão verdadeiro quanto eu estar aqui à sua frente vivo. E em sua homenagem, para pranteá-lo um pouco, peço humildemente a vossa majestade a licença de dar um brinde à grandeza do papai de Édipo, tão tristemente falecido, ok? Como o homem, madame, é um ser fraco, não é mesmo?!

JocastaCom um grande suspiro dessa vez de alívio, ela grita

Ah Jocasta, corre para dar essa notícia a teu marido!E grita para o céu, com ódio

Oráculos divinos, pois sim! Bando de mentirosos! Édipo se trancou dentro de casa por temer haver matado seu pai. E ale acaba de morrer agora, que belo!

ÉdipoAparece esfregando os olhos, olhar desgarrado

Jocasta, tive a maior dificuldade em dormir. Por que, então, me chamaste tão cedo?

Jocasta Jogando-se contra ele, agarrando-o, apertando-o

Acorda, meu home! Acorda querido! Escuta este estrangeiro e verás que os oráculos não valem nada!

Ela o aperta contra si histericamenteAh! Meu querido! Meu querido estás de volta, enfim esses sombrios augúrios nos abandonam.

ÉdipoMostrando o velho Homem

que se acaba de tanto fazer rapapés grotescos saudando-oEstás falando deste homem aí?

O HomemDe mim mesmo, meu rei!

ÉdipoQuem é ele? E o que deseja?

JocastaVeio de Corinto para anunciar que Políbio, teu pai, acabou de falecer.

ÉdipoEmpalidecendo

Que disseste, estrangeiro? Diga-me de novo a tua mensagem!

O HomemFaz desajeitadamente uma saudação de antigo militar

Quando a situação é grave, na ausência do chefe, diziam os chefes, é preciso ter iniciativa. Foi o que fiz., por decisão própria! Parti correndo,bem não tanto porque estava muito quente e a garganta toda hora ficava seca, mas mesmo assim cheguei aqui primeiro.

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Teu pai passou a arma para o outro lado, chefe! É Isso aí: foi riscado da armada!

ÉdipoPor mão criminosa ou por alguma doença?

O HomemFaz um gesto explicativo

Ora, você sabe chefinho, nesta idade basta uma corrente de ar e puf ... lá se foi nosso rei. Já estava na hora mesmo, o velho já tinha vivido bastante, podes crer.

ÉdipoTendo dado um enorme suspiro de libertação, grita

Quem lerá agora o futuro ouvindo pipiar de aves agourentas!!?Se fosse para crer neles eu deveria ter matado meu pai, e ele morreu enquanto eu estava aqui dormindo e eu não saí daqui.

Grita enternecidoA meu caro e velho pai que não matei, perdoa-me esta alegria indigna – mas para o Hades onde foste repousar, carregaste junto todos meus pesadelos!

JocastaEu não tinha te dito, meu amor, eu não tinha te dito!!! A noite toda eu acariciei tua fronte molhada de suor e fiquei repetindo quenão se pode confiar nos oráculos...

ÉdipoGravemente

Eu estava com muito medo.Jocasta

Mas acabou, meu amor! Volta para cá, meu herói. Estás livre! Podes olhar o destino na cara , como o fizeste com a Cantora Cadela e o vencerás também!

ÉdipoMas mamãe vive ainda...

JocastaVai para de se atormentar, não vai? Esquece tua mãe, tu só tens a mim agora! Sou eu agora quem a substituo. Já cresceste. Não és o primeiro homem que dividiu em sonhos o leito de sua mãe. É preciso vencer esses medos absurdos e deixar a vida voltar a ser simples. É preciso deixar a noite para a noite e não esperar nada dos sonhos. Teu pai morreu, Édipo e não o mataste!

Édipo...Mamãe está viva ainda.......

O HomemQue os escutou, meio bebum ainda, bebericando mais uma golada de lado fala

Quem é essa mulher que te dá tanto medo, chefe, se não for muito indiscreto de minha parte perguntar?

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ÉdipoÉ Mérope, velho, a mulher de Políbio.

O HomemMas qual é mesmo o tipo de seu medo, meu chefe?

ÉdipoUm oráculo enviado pelos deuses

O HomemSerá que daria para eu também saber o que é, meu chefe...claro, claro, se não for um segredo de família...acho que tenho uma idéia, não é muita coisa não, mas certamente pode ajudar

ÉdipoO sacerdotes predisseram antigamente que eu iria para a cama com minha mãe eque eu derramaria o sangue de meu pai. Essa a razão de eu ter fugido de Corinto.

O homemÉ por isso que você se mandou um dia , como se tivesse ido virar monge trapista [10] Todomundo andou te procurando, meu chefe!!!

ÉdipoEu sei meu bom homem.

O HomemÓ Chefe, tudo o que eu queria era servir à vós, uma pena mesmo que eu não tivesse sabido desses teus pobremas antes!

Édipo Fique tranquilo. Serás bem recompensado por me teres trazido notícia tão boa.(pensando no pai) Meio boa.

O HomemTenta mais uma vez saudá-lo desajeitadamente como soldadoO primeiro chefe! Fui o primeiro a chegar aqui! Tomei a iniciativa como me diziam os velhos chefes e sai na toda porque eu sabia que você não conseguiria nunca deixar de pensar em mim no dia em que voltasse a nosso país!

ÉdipoPolíbio está morto, mas Mérope está viva e isso significa que não voltarei nunca a Corinto!

O HomemDe repente

Meu filho- permita-me dar mais uma relembradazinha eu ficou seco por dentroquando ouço essas coisas terríveis...

Bebe outra golada de lado, cada vez a bebe furtivamente, apesar de pedirlicença

Meu filho, digo eu, a gente vê bem que estás falando sem saber bem o quê..

ÉdipoEstás querendo dizer o quê com isso meu velho soldado?

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O homemQue se é só esse negocinho ai de tua mão estar viva, que te impede de voltara Corinto, tás te esquentando por um nada, filhote... Sabe esse negócio de teus pais...todo mundo acreditava nisso, mas eu não. E eu estou cheio de razão, presta atenção!

ÉdipoCrispado repentinamente.

Agarrando –o pela frágil gola de sua camisola de épocaQue que estás dizendo, ó homem?! Eu não sou o filho deles, é isso??! Um bêbado é quem tem razão?!

O HomemProtestando por ter sido sacudido

Ei, ei, ei, péraí, meu chefe, qual é essa agora de sair saacuudiindooo o velho, olha a terceira idade ai, mêu! Calma! Estou te prestando o maior serviço de toda essa tragédia e fico ai sendo saacuudiidoo, oh! Posso garantir que o Políbio não tinha uma gotinha só de sangue seu. Ou é ocontrário?!

Édipo Políbio não era meu pai?

O HomemCom todo respeito, meu grande chefe, ele era teu pai tanto quanto eu era tuamãe!

ÉdipoGrita ainda angustiado

E porque Hades ele me chamava de filho, então?(11)O Homem

Foi ele quem te criou, então era assim como se fosse, né! Mas fica sabendo que há muito tempo ele recebeu você de minhas mãos...

ÉdipoApós um silêncio de espanto

E esse seu menino adotivo, ele o amava muito?O homem

Mas claro! Bote-se no lugar dois dois, meu chefe! Eles não podiam ter filhos, nem ele nem a rainha. É isso!

ÉdipoMas quando você me deu para ele, você tinha me comprado, tinha me achado ou o quê?

O HomemNa maior felicidade por poder enfim representar seu papel

Descoberto no meio dos arbustos, num desfiladeiro do Cíteron! ... Bée.Bée.Bée....Eu pensei que tinha perdido um cordeirinho, sai procurando e olha o que encontro: um garotinho cagão de 3 aninhos . Com todo respeito, mas você criancinha cagava muito, ave!

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Édipo Estavas fazendo o que lá no Monte Cíteron?

O HomemTomando conta dos rebanhos na montanha.

ÉdipoEras pastor nômade ou a soldo de outra pessoa?

O HomemEu pertencia ao mestre, mas era um homem livre! E depois que importa, eu consegui te salvar, meu filho! No estado em que estava não iria durar muito não,sabe?!Restou uma lembrancinha aí em você...Olha pro chão, tas vendo os pés? Pois é todo mundo sabia que ias suceder a Políbio, então nas cozinhas , nas estrebarias do palácio tinha gente que dizia:” porque rei se coxo?!” e eu sempre respondia te defendendo: “ porque coxo, se rei?!” [12]... Tem gente ruim pra todo lado, sobretudo nas cozinhas dos palácios, sabes....

ÉdipoCrispado, gravemente

Por que me relembras este antigo sofrimento?

O homemPorque fui eu que desfez as cordas que te amarravam, e olha que foi um serviço bem feito!Você tinha a ponta de cada pé transpassada. É por isso que te deram esse apelido...

ÉdipoGrita

Quem? Quem fez isso comigo? [13] Meu pai ou minha mãe? Diga logo!

O HomemSei lá, nunca soube da onde isso saiu... Mas o que te entregou a mim deve saber porque essa coisa ruim toda...

Édipo E porque você não o encontrou você mesmo?

O HomemTemos que nos entender, meu chefe! Fui eu quem te salvou. Sem mim os lobos não iriam demorar muito a te encontrar o outro apenas te coloco nos arbustos e como éramos amigos ele lhe liberou para mim antes de se mandar.

ÉdipoEra também pastor? Lembras como era?

O HomemClaro, a gente pastoreava um do lado do outro lá na montanha.

ÉdipoPodias nos dar indicações sobre como achá-lo?

O Homem

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Fazendo um gesto de negativaJá se passaram muitos anos. Em todo caso dizia-se que era escravo de Laios.

ÉdipoDe Laios? De que Laios, o antigo rei deste país?

O HomemDele mesmo. Ele me dizia que tomava conta dos rebanhos do rei.

ÉdipoMas será que ainda vive?

O HomemUm gesto indicativo.

Bem quem sabe aqueles ali que são da região saibam ainda alguma coisa...Édipo

Para o CoroAlgum de vocês conhece este pastor de quem ele está falando? Alguém o encontrou alguma vez? Falem! Agora é a hora dos esclarecimentos.

Eles todos olham para ele, mudos.Ele se volta para Jocasta, pálido

Mulher, pensas que o homem que mandei buscar, o que deixou a cidade logo após o assassinato é o mesmo homem que esse pastor de Laios?

JocastaVoz sem expressão

Era um doméstico de Laios, já te disse. E ele pediu para se tornar pastor.Édipo

Tornar-se pastor, é o que me dizes!? Ele já havia sido pastor antes então? E por que Laios o havia tomado como doméstico em seu palácio, tirando-o da condição de pastor? Ele deve ter prestado um enorme serviço a Laios, não?!

O HomemRepentinamente com voz dura

Não sei. Cala-te. Todas essas palavras. Todas palavras! O que é que vocês homens têm sempre que ficar procurando? Não basta estar vivo? Eu sou tua mulher, eu te amo, tu me deste 4 filhos, Polinice e Etéocle , meninos fortes e belos como tu, e a terna Antígone e a doce Ismênia... Essa é a tua vez de seres um homem. Por que buscar um pai. Esqueça teu pai e tua mãe, eles não são mais nada para ti. Por que remexer nessas sombras? Por que se perguntar de quem vocêé filho? Tua realidade, tua única realidade somos nós, tua mulher e teus filhos, esse é teu ofício. Nós somos tudo o que podes tocar com tuas mãos dehomem, tudo o que pode te alimentar todos os dias. Deixa que os deuses se divirtam com os restos!!

ÉdipoTenho impressão que eles já começaram a se divertir...

JocastaJogando-se em seus braços

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Sejamos felizes enquanto nos deixam em paz, como dois animais que se esquentam um ao outro sem nada saber. Os animais são mais sábios que nós. Enquanto a flecha não tocar neles, elescontinuam a viver e a morte deles não será mais que um simples acidente: eles a colocam a morte em seu lugar! Só os homens é que gostam de fazer perguntas. Édipo, nesse momento nós ainda podemos viver! Não peças mais nada.

ÉdipoLivrando-se dela

Eu devo saber.Como que tendo um rictus monstruoso repentino

E quando com meus pés traspassados descobrirem que sou escravo há três gerações, a desonra não será tua!

JocastaCaindo de joelhos agarrando-se em suas pernas

Eu te suplico, Édipo! Deixa-me viver! São as mulheres que sãos as sábias. Elas são as únicas que conhecem a vida porque elas é que a carregam e a dão.Elas cuidam, alimentam, consolam, sem jamais fazer perguntas. Elas são sábias: elas aceitam.

ÉdipoRepelindo-a brutalmente

Eu começo a me encher a paciência com esse monte de sabedoria!Jocasta

Derrubada por terraOlha-o ternamente

E murmura, estranha.Meu pobre menino. Pudesses nunca saber quem em verdade és.

ÉdipoUrra, andando como um animal feroz em sua jaula.

Irás me trazer esse pastor ou não afinal? Não ligue para ela, deixe-a contarvantagem sobre sua rica família!

JocastaLevantando-se com dificuldade

Subitamente envelhecida, apenas dizMinha pequenina criança! Vou te esperar lá dentro de casa!

Entra no palácio. O Coro se junta a ÉdipoCoro

Édipo, tua mulher entrou no palácio com o rosto empobrecido daqueles que não tem nem mais força para gritar. Junte-se a ela. Fale com ela. O silêncio dela é cheio de infelicidades que não vão tardar , tememos, a explodir.

ÉdipoUrra imediatamente como que liberado

Ora, que explodam! Não aguentamos mais esperar por isso, essa a verdade!

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XingaQue raios está fazendo esse pastor? Por mim não me importa quão baixo seja meu nascimento, eu quero saber de onde vim! As mulheres são vaidosas,que ela fique lá para dentro para esconder-se da vergonha de minha origem humilde. Eu me proclamo o filho da Fortuna e a Fortuna me tratou bem, eu nãoa renegarei. É essa minha verdadeira mãe! Ao longo de meus dias eu conheci altos e baixos, mas assim nasci eu e assim vou ficar. E venha eu de onde vier, eu oaceito!Eu sou mais eu! Eu sou Édipo, o coxo que se tornou ei! E os deuses, eu gosto de olhá-los bem nos olhos!

Entram dois homens, trazendo um velho apavorado. Édipo o olha e pergunta.Quem é este homem?

CoroMansamente

É ele, Édipo. O antigo pastor de Laios!

ÉdipoCom um suspiro de alívio

Enfim! Olha-me bem, velho homem, sem medo! Não te desejo mal algum. E responde bem às minhas perguntas. Estavas ao serviço de Laios outrora?

PastorSim, como escravo.

Acrescenta com um certo orgulho insólitoNão comprado, nascido na casa.

ÉdipoVocê trabalhava em quê?

PastorPassei toda minha vida a tomar conta dos rebanhos

ÉdipoEm que região tu os apascentava habitualmente

PastorOra no Cíteron. Ora nos pastos ao redor. Dependia da estação.

ÉdipoMostrando-lhe o Homem

Estás vendo este homem? Lembras-te de tê-lo encontrado antigamente nesta região?

PastorOlha- o durante um pesado silêncio.

Finalmente diz com voz pesadaO quê ele fazia lá? De que homem você está me falando?

ÉdipoCom uma calma assustadora

Este homem aqui. Olha-o bem. Nunca fizeste nenhum negócio com ele?Pastor

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Há já muito tempo atrás. Eu esquecí-me de muitas coisas, sabe...

O HomemNão é admirável, meu mestre, como ele foi paparicado! Mas vou lhe refrescara memória. Os pastores ficam sempre sós com o cão e as ovelhas, durante meses. Então não é bem assim como na cidade onde vocês, vocês têm o hábito de...Breve, quando se tem um colega, as gente nunca esquece. Ele me conheceumuito bem lá no Cíteron. Nós conduzíamos sempre ele dois rebanhos e eu um só, era ou não era, companheiro? Por três vezes nós trabalhamos lado a lado durante um semestre, da primavera ao se pôr da Ursa Maior. E quando veio a estação ruim, nós voltávamos com os animais, eu para minhas cocheiras , ele para as de Laios.Será que eu estou enganado, meu amigo? Não foi assim que as coisas se passaram?

PastorGrave

Talvez você tenha dito a verdade. Mas isso tudo já passou, já passou.O Homem

Mas há coisas sempre que não dá para esquecer. Nem vais me dizer que esqueceste o dia em que me entregaste uma criança para que eu criasse como se fosse meu próprio filho!

PastorFirme

Porque estás me perguntando isso?

O HomemMostrando Édipo

Tás vendo ali! È o nosso bebê de antigamente! Precisas de mais razão? Ele prosperou, tás vendo?!

PastorEnrolando os sons em gromelatto

Que a peste te esgane, velho falador! Não podes segurar um pouquinho essa língua já que estás perto de te ferrar?

ÉdipoSisuda mas docemente

Não ache ruim dele, velho homem. Creio que é você quem merece ser repreendido

PastorGemendo, apavorado

EU não me lembro de mais nada! Estou muito velho! Que é que eu fiz de errado?!

ÉdipoMesmo jogo

Nada, velho homem. Não te afobes. Responda-lhe somente a respeito da criança.

Pastor

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Ele é um velho também! Ele não sabe o que diz. Está naquela idade do “ eu penso, camaradas, que...”!!!

ÉdipoSe não quiseres falar, toma cuidado. Eu saberei como te forçar a fazê-lo!

PastorAterrorizado

Não! EM nome dos deuses! Não deves maltratar um ancião!

ÉdipoRápido, para os guardas

Que se lhe amarrem imediatamente as mãos atrás das costas.Os guardas se lançam sobre o velho, derrubando-o brutalmente

PastorGemendo

Oh infeliz de mim! Para que tudo isso? Por que tens necessidade de saber das coisas?

ÉdipoEnquanto os guardas o seguram bem forte

A criança de que esse homem falou...foi você quem a deu a ele?Pastor

Enrolando as palavras por entre os dentes (isso é o gromelatto...), Após um silêncio pesado.

Foi. Mas eu teria feito melhor se tivesse escolhido minha morte naquele dia.Édipo

Sossega, pois isso irá acontecer hoje finalmente, caso deixes de me falar algo importante.

PastorGrave

Se eu falar é que eu vou morrer, isso sim.Édipo

Grita para os guardasEste homem está zombando de nós. Apertem mais os nós das cordas!

PastorApavorado, dando um grito de dor

Tá bom! Tá bom Eu já disse que entreguei a criança!Édipo

Inclinado por sobre o pastor, torcido de dorOnde você o pegou? Ele era teu? Ganhaste-o de outro?

PastorNão era meu não! Eu o recebi.

ÉdipoDe quem? De que família?

Pastor

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Eu te suplico, meu mestre, para por ai tuas buscas!Édipo

Estarás morto antes de me ouvires repetir esta pergunta. Então...Pastor

A criança nasceu na casa de Laios!Édipo

Escravo ou filho do rei?Pastor

GraveÔ meu deus, porque me meteram nisso! Como é que eu vou dizer isso??!!

ÉdipoCom dureza

E é mais duro ainda para mim ouví-lo. Mas é preciso que eu o ouça!Pastor

Dizia-se que era filho de Laios. Mas a mulher que está no palácio poderá te explicar melhor que eu teu próprio passado.

ÉdipoÉ ele quem te entregou a criança?

PastorFoi ela, meu rei.

ÉdipoPor quê?

PastorPara ir matá-lo

ÉdipoSua mãe? Ah, miserável!

PastorEla era uma menina ainda. E temia a ameaça do oráculo. Tens que entendê-la!

ÉdipoQue ameaça?

PastorQue a criança mataria seus pais.

ÉdipoMais docemente

Mas você, porque você a entregou a este homem em vez de cumprir as ordens ematá-la?

PastorPor pena! Eu me dizia que o levaria para o estrangeiro, bem longe, para seu país.E que assim, a pobre criança pelo mesmo viveria. Mas, infelizmente, foi o pior que aconteceu!

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Pois se tu és a criança que ele diz ser, teria sido melhor que não tivessessobrevivido!

ÉdipoCom uma calma aterradora

Obrigado, pastor. Fizeste o que tinhas que fazer. Desamarrem-no. Deixai-o retornar à sua montanha.

PastorEu não quis o mal.

ÉdipoNinguém nunca quer o mal.

Mas ele está aí para se tropeçar nele. Eu sou a criança que não era querida e eu realizei meu destino.

Olha por um momento para o sol e diz simplesmente:A luz do dia está me ferindo.

Volta-se e entra em seu palácio sem dizer mais nada.O Pastor, o Homem e as pessoas do Povo saem comentando com voz baixa os

acontecimentosO Coro fica sozinho.

CoroPara o público

Eis ai. Tudo está acabado.Leis muito antigas exigem que do fundo do buraco obscuro sobre o qual o homem nada, agarrado a sua razão, dizem que é preciso matar seu pai para “ser” e voltar ao ventre de sua mãe,a terra, paraonde tudo volta e de onde tudo veio. O homem crê na felicidade e se bate por ela com coragem, noite a noite, contra a noite, mas quando ele acredita ser o levantar da alba, ele é devorado do mesmo jeito que o carneiro no rio do lobo. E tudo entra de novo na ordem incompreensível dos deuses. As Fúrias, as Eríneas fizeram sua parte, O resto é apenas detalhe.

O mensageiro sai do palácio, perturbado. Ele é jovemO Coro lhe pergunta, fazendo pose de coro.

Como foi que a a coisa se passou?O Mensageiro

Todo pálidoJocasta está morta.

CoroMas claro. As mulheres, elas sempre morrem.

MensageiroLouca de horror ela atravessou o vestíbulo sem nos ver, com uivos de animal,depois correu para seu quarto, batendo a porta com toda força. Nós a ouvíamos amaldiçoar Laios, o velho rei, que a havia possuído sem amá-la. Depois houve apenas silêncio e estávamos lá, assustados, sem ousar tocar na

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porta. Foi então que Édipo surgiu, sem rumo. Gritava que se lhe dessem uma espada, mas nenhum de nós não conseguia se mover. Ele nos perguntava também onde estava sua mulher e de repente ele começou ase jogar contra a porta dela como se ele tivesse compreendido o que estava se passando. Os pesados batentes resistiam a seus golpes de espádua, mas ele estava com uma força sobre humana nesse momento e sob seus golpes, a porta finalmente cedeu. No fundo do quarto, toda reta, mas sem os pés tocar no chão, jazia Jocasta a olhar-nos fixamente do alto de sua écharpe vermelha...Penso que houve um minuto de silêncio,depois Édipo com um poderoso grito louco, partiu em sua direção, cortou o nó e o cadáver caiu sobre ele derrubando-.’Ele ficou ali estendido por terra coberto por aquele corpo que fora o de sua mãe e que fora o de sua esposa.... O tempo parou para nós também que lá ficamos estátuas de cera junto com todo o resto que não conseguia sair do lugar naquele quarto.E de repente ele se move e o que fez nos aterrorizou. Arrancou os pingentes de ouro que enfeitavam as vestes da morta e berrando feito um animal ele os enfiou pelos olhos a dentro, com ódio e gritava:” Não quero mais ver! Não quero mais ver nada!”. Ele levantava suas pálpebras e golpeava sem para fazendo jorrar sangue pelo rosto, queixo abaixo, mas não em fios, em jatos como de uma chuva negra e uma saraivada de granizos sangrentos.Só aí conseguimos sair daquele aturdimento e nos lançar sobre ele, tentandopara o sangue de qualquer maneira. Mas ele se debatia e berrava que devíamos abrir todas as portas para que todas crianças de Cadmos vissem cara a cara um parricida!Não foi fácil ver aquela cena e foi preciso que se juntasse muita gente mesmo para contê-lo.Foi tratado, ficou mais calmo. Pediu um bastão, dizendo que ele mesmo se baniu e que não pode ficar em casa.Que precisa retomar as estradas.A pequena Antígone, sua filha preferida, decidiu partir com ele e ser seu guia. Nem Ismênia sua bela irmã, nem sua babá tentaram dissuadí-la desta decisão, mesmo que todas já soubessem como é impossível fazer Antígone voltar atrás depois que ela se decide a fazer algo.[14] Só restou a ambas o pranto.

CoroE quem podia detê-los? A rainha está morta. Creonte está longe e ambos são duas mulas cabeçudas!Quanto aos filhos, Etéocle e Polinice, dois pequenos salafrários, com o bocacrispada e os olhos endurecidos, esperavam apenas o momento de disputa entresi a herança e matar um ao outro caso não fossem controlados.

Édipo aparece, olhos vendados, conduzido por Antígone, uma pequena adolescente negra e bem magra. Pergunta

ÉdipoJá estamos do lado de fora?

AntígoneSim. Cuidado com os degraus. São três.

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ÉdipoEstá bem. Avancemos. Guia-me. Vamos sair pra estrada do norte.

Creonte aparece.Antígone páraÉdipo pergunta

Por que paraste? Quem está aí?Antígone

DiretaCreonte.

ÉdipoVoltaste?

CreonteSim

ÉdipoTinhas razão, estás vendo?! Estás saboreando teu triunfo?

CreonteNão

ÉdipoNão hesites. Já espero tuas zombarias.

CreonteNão posso triunfar sobre ti, Édipo, nem te culpar por teu passado.Acho apenas que deverias voltar e entrar em casa. Não é decente se mostrar ainfelicidade em praça pública.

ÉdipoOs homens e os deuses têm direito ao espetáculo.

CreonteMurmurando triste

Orgulhoso antes, e para sempre orgulhoso!Édipo

Sim. É tudo o que me resta. Poupa-me de tuas lições. Mas se tens alguma pena, ajuda-nos apenas a sair da cidade. É uma criança que me guia e eu estou cego.

CreonteOnde pretendes ir?

ÉdipoNão importa onde, contanto que eu não tenha mais que falar com ninguém. Sobre o Cíteron que minha mãe e meu pai haviam escolhido para túmulo de seu filho recém nascido. Lá morrerei , vítima deles, como eles o quiseram no passado. Devemos obedecer a nossos pais... Eu peço para enterrares...

Pára de repente..É estranho, eu não sei mais qual nome lhe dar..Enterra aquela que jaz dentro do palácio.

CreonteE teus filhos?

Antígone, Medeia,Édipo o rei que manca

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ANOUILH & MICHELOTTO

ÉdipoCuidarás deles. Não se preocupe com meus meninos. Eu nunca os amei, nem elesa mim. Já estão grandezinhos e terão também que cumprir o que o destino traçar para eles. O futuro está escrito no ódio que cultivam.

Acaricia Antígone, tristeMas minhas filhas, não. Toma conta delas. São ainda meus doces cordeirinhos.Doces porque mulheres, e por isso já armadilhas. Cuida delas.

CreonteEu o farei.

ÉdipoQuando está me tiver conduzido ao Cíteron, manda teus homens buscá-la e tomabastante cuidado com ela.É uma alma coberta de fragilidade, mas dura e sombria no fundo. Não enfrentes nunca!

Creontedocemente

Vou tentar, Édipo, vou tentar! Mas vocês são todos de uma família difícil dese lidar com ela e o orgulho está engastado dentro de vocês.O que é que faz com que os Édipos, as Antígones, continuem em pé, assim, eretos e duros e inflexíveis? Estou quase certo que terei bastante problemas com ela também...

Um tempo. Mais firmeOntem me desprezaste quando te disse que a felicidade era o suficiente em nossa vida. Não podemos chamar a atenção dos deuses, Édipo! Temos que nos fazer de bem pequeninos, para que eles nos esqueçam. É preciso tentar nossa pouca felicidade cada dia, arrancando-a com as unhas , arranhando mas sem fazer barulho. Dançar enquanto houver música ! E isso é tudo!

ÉdipoÉ uma vergonha isso!!

CreonteSim. Mas é a única chance do homem. No momento em que ele não aceita isso ,no momento em que ele começa a fabricar alguns planos, aí começa o massacre.

Um silêncio pesadoÉdipo

Se desviandoVamos, minha pequenina. Leva-me para longe daqui. Já falei demais com os homens.Nós tomaremos a estrada de montanha e me deixarás sozinho lá em seu sopé.

CreonteCom um leve sorriso de certeza

Boa viagem, de todo jeito, seu velho louco! Agora eu tenho que entra em casa, porque me resta botar ordem em tudo de novo. Alguém vai ter que fazê-lo, e essa vez é a minha.

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Entra no palácio enquanto Édipo e Antígone saem e o povinho se desfaz pelaslaterais, triste, abanando as mãos em adeus para os viajantes.

Resta apenas o CoroCoro

Acabou. Acabou por essa vez. Todos outros voltaram para Tebas, onde a vida de todo dia vai continuar. E aí virá a estação em que se deve semear e se esperar que a colheita seja melhor que a do ano que passou....Quando houver desgraças, as desgraças passarão sozinhas. Serão apenas uma história envelhecida que os velhos da cidade contarão para seus filhos e eles aos seus e aos seus e assim por diante. E ainda haverá outras doenças, outras coisas chatas, outras misérias....E bom ano, mal ano, sempre morre um punhado de gente, não é mesmo?!.... A infelicidade, é o que vocês acabaram de ver na história de Édipo, nunca foi uma coisa tão excepcional assim....

A cortina se fecha em frente ao Coro

Fim

28 de março de 1978 [15]

NOTAS QUE Muito importa LER[SE ASSIM O QUISERES]

[0] radotages/radotes. Essa palavra no português tem história e talvez issovalha mais que toda nossa tradução. Nos tempos de Zé de Alencar e Machado deAssis, seria “parvoíce”( de parvo, criança), lá pelos idos de 60/70 RobertoCarlos lançou o “papo furado”( que usamos aqui também em homenagem à data deescritura da peça:1978); láá pelos idos de 70/ 80 Asdrúbal Trouxe oTrombone cunhou como “besteirol” suas obras dentro do mesmo sentido; os anos90 não foram pródigos em gírias e radotes eram bobagens mesmo, MAS em suasegunda metade começamos a ouvir a abertura de um maravilhoso discursopolítico, que repercute até hoje em dia (estamos em 2010, data do centenáriode Anouilh), concentração total de parvoíce, papos furados, besteirol & bobagens e faltade pensamento: “eu penso, companheiros, que...”. Glória a Lula, seu inventor, difusor, mas graças a deus único utilizador,que conseguiu assim fazer evoluir a besteira/ radotages do domínio dascrianças em 1800 para o domínio do poder em 2010. Passando por Roberto Carlos incólume!

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[00] sourdement. É a didaskalia mais comum. É uma palavra ampla em francêsde teatro. Vai de pesado a violento, passando por grave e outras tantasemoções (são tantas...). Eu saí as distribuindo conforme meu conhecimento doportuguês/brasileiro, de Anouilh e do teatro francês me permitiam. Sou ótimonas 3 coisas. (não disse “humilde” disse ótimo!)

[1] imperceptiblement troublé. Se imperceptible, a didaskalia se torna desnecessária. Por isso vertemos ao contrário. Distrações acontecem.

[2]por vezes acho que Anouilh se diverte colocando didaskálias mais para o cinema que para o teatro... “un lueur ironique dans son vieil oeil”, disse ele! UUU(boquinha de bico nisso) seguido de iiiii, o todo religado pela oposição l/r : lueur ironique...vieiloeil... & o na o ironique dans son. Passou-lhe batido? É porque é uma mera didaskalia!.. Mas nos permite dizer que o autor estava se divertindo com as possibilidades de sua bela língua.. Isso é:” Anouilh is the guy!”, diria Barak Obama

[3] boiteux, o que manca, o coxo. Se coxo porque belo, se belo porque coxo- diria Machado no tempo em que essas palavras ainda não eram proibidas de serem escritas assim. Em politicamentecorretês seria : Édipo o desfavorecido, em apenas uma das pernas, de movimentos seguros. Que título para uma peça! Sabendo queesse é o índice pelo qual Édipo tem o tilt e saca que está ferrado, entendemos porque assim Anouilh nomeou sua peça. É um escritor sagaz. Mas nos dá alguns problemas nessa época correta em que , eu penso companheiros que apenas não se pode corrigir o poder. A lembrar que o francês preferiu a imagem de lata para a designação e nós emportuguês preferimos a forma de um verbo francês (politicamente incorreto) :o que manca. Manquer é faltar. E nas pessoas nada falta hoje em dia, há apenas alguns desvios. Até no poder, até no poder. Essa talvez a razão de uma certa perda de interesse, nesses tempos bicudos (gíria do tempo dos modernistas de 22), por Anouilh: porque tenta atingir o poder.

[4] ah eu amo Anouilh! Cada vez que se elege um ditador, um presidente, umsenador, um deputado, um vereador, um pequenino reitor, um diretor decentro, um chefe, um coordenador, um ” professor do ano”, um Lula, eu sóconsigo pensar nisso: “ah como eu amo Anouilh!”

[5] Joãozinho XXX copiou deslavadamente essa frase anos depois. A diferença entre ele e Anouilh é que há algo mais a se dizer, disseAnouilh: ”isso é teatro deles”. Eis a diferença entre um grande escritor eum livre mas pequeno pensador. João XXX confundiu tudo e meteu a realidade pra

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dentro da ficção e , mais ou menos como Lula, acreditou por demais só em suagrandeza, ou adiantou-se à frase: “eu penso, companheiros que....”. Como se uma bobagem dessas valesse a pena ser dita (talvez) e registrada(certamente é o errocomum dessa espécie de ignorante!).

[6] viram o que eu disse acima ( notas 3, 4 e 5)? Nós não somos público indulgente! Anouilh & Micheloto dixerunt.

[7] não resisti, não pude resistir. Didaskalia é dos poucos lugares onde agente pode se divertir à vontade. Anouilh dixit (=fecit ) ! Esse conjunto gracioso de didaskalias- que me lembra o posteriorNelson em Valsa #6 – Anouilh conseguiu certamente por ser um dos maioresconhecedores e “vertedores para o palco” de Marivaux. É preciso ler suas outras obras para me acompanhar nas entrelinhas dessasminhas notas, ok? O tradutor também deve ser um escritor. Sem pudores.

[8] c´est me condamner à lá mort et à l´exil. Claro que inverti. Mais acima acontecea mesma coisa. O que podemos supor que Anouilh não está cansado edistraidamente (erros acontecem até com Anouilh!0 fez tal frase. A lógicanos impede de primeiro matar um homem e depois fazer com que ele vá andandoaté a fronteira e lá fique exilado. Foi difícil. Mas como não refleti osuficiente sobre o porque do Anouilh ter feito essa inversão (isso não seconfigura como nenhuma figura de estilo na Retórica de Fontannier ] preferire-inverter. Uma vez que suponho ser uma frase para ser dita( logo esquecidarapidamente), podendo pois ser antes mal entendida que entendida no sentidoque o autor lhe deu e eu não encontrei. Se eu não [estou aqui há 3 anos],imagina nosso público que passará apenas um segundo por aqui, nénão????... Já teve gente que foi capaz de pensar que faço notas só para dizer que sou belo, inteligente,maior que o leitor etc. Sou mesmo e não me vexo. Mas leiam com cuidado e verão que eu tenho tido o maior cuidado do mundo em minhastraduções. Escrúpulos mesmo.Sei que ao apressado não parece, mas gastem 3 ou 4 anos me relendo e o descobrirão. Eu gasto tempo vertendo meus bons autores. E quando não acho, digo. Não é vergonha, émeu tamanho!...

[9] toda linguagem do Homem de Corinto foi traduzida literalmente e indexadade mais alguns efeitos para se adequar bem a nossos bêbados brasileiros. EmAntígone Anouilh faz apelo a 3 soldados com nomes franceses, em vez degregos, para criar esse tipo de situação extra-temporal, que permite ampliar aatuação para o grotesco.. Essa marca está presente aqui pela primeira vez, neste personagem.Só seguimos os passos de Anouilh ao longo de sua obra.

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[10] ah eu amo Anouilh! Ele toda hora pula através dos tempos. Com alinguagem... Olha os trapistas ai entrando com São Bernardo de Claraval etudo mais dentro de uma tragédia grega! Isso é que é dar uma super-mãozinhapara seus futuros tradutores!!! ah eu amo Anouilh!

[11] apesar de Anouilh fazer pulos no tempo, ele é o autor, mas eu humílimotradutor apenas não posso fazê-lo. Então, como não se falava em diabos naGrécia, joguei tudo pro Hades, porque a expressão correta de Édipo é: Cacêta,porque diabos...etc. Isso é: Tá p. da vida!

[12]... eu perco minhas amizades mas nunca perco uma piada! Anouilh , emvida, fazia assim também...

[13] o texto diz “ quem me chamava assim”. Adiantei, trocando-o por que mefez isso. A história do apelido e de sua falação já está dita e bem acima ,no lugar onde coloquei a nota anterior. Repetir aqui fica fraco e desnecessário. Creio que Anouilh pensou, Quem mefez isso, e escreveu outra coisa.A resposta do Homem confirma minha tese: a função dessa fala é permitir aoHomem informar-nos sobre quem lhe entregou a criança. Um testemunho ocularde tudo. O elo perdido que Édipo busca metodicamente desde o início. Asfalas dele às vezes soam chatas. Porque levam todas essa marca deinquirição. Ele pesquisa o tempo todo e não se dá por contente cominformações que podem enganar. Ele tenta ir ao fundo das respostas. Claro,pro falta de um testemunho ocular. E é isso que O Homem veio lhe dar. Esseé seu papel, e ele percebeu que este é O papel da peça!!!! A troca de textofeita por Anouilh deve ser explicada porque devia estar cansado, como estetexto indica às vezes, através de um ou outro escorregão. Estamos em 1978 e parte da confusão com ele toda está sedimentada.Provavelmente escreveu essa peça ainda com um certo sabor amargo na boca em relação à França..O que não diminui em nada sua beleza. Pelo contrário! E é a isso que estou fazendo jus com essas notas! E é por isso que meempenho tanto em trazê-la para o Brasil neste centenário.

[14] Anouilh dá uma pequena chamada para sua peça de 42 acrescentando ahistória de Ismênia e as babás tentarem dissuadí-la. Ele dá uma deixa sobreo caráter de Antígone. Retocamos a frase para ficar mais forte ainda, para reavivar a memória daoutra peça, sessentona que nem eu, uma vez que o tempo se passou, já temosum século por sobre Anouilh e o tempo de uma juventude por sobre Édipo o reique manca..

[15] Acabada 3 dias antes de meus 34 anos. A peça faz 32 anos em 2010. E agora a traduzi, poucos dias depois de meus 66. A semelhança de números é sempre mera obra do destino.

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Mas esta certamente é uma história envelhecida que eu contarei para meus filhos e eles para seus filhos e eles para os seus e os seus e assim por diante ... até se mudarem as estações

[16] Nota bene final: Entre as páginas 48 & 52 do original francês está escrito:

JocastaVoltando a si

Édipoduramente

JocastaGrita, espantada

ÉdipoDuramente

JocastaCom um sorriso

Um pequeno silêncio e ela acrescenta.Édipo

SonhadorJocastaÉdipoJocastaÉdipoJocastaÉdipoJocastaÉdipo

Murmura estranho, como que para siJocasta

InquietaÉdipoJocastaÉdipoJocasta

Abraçando-o

Eu adoraria, em homenagem a Anouilh, deixar assim minha tradução. E isso é puro Anouilh de 1978, entenderam???? O resto é desnecessário. Mas sei que assim acabaria expulso dessa cidade que também não é minha, assim dirão.

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