Acordes mágicos Instituto Cultural São Francisco de Assis Porto Alegre, Rio Grande do Sul Vitor Hugo Ferreira Borba 7anos O ano era 1991. A professora de música Cecília Rheingantz Silveira acabara de ser aprovada em um concurso público para dar aulas de música na Escola Municipal Heitor Villa-Lobos, em Porto Alegre. Apesar de levar o nome do mais importante maestro brasileiro, a escola não contava com a disciplina em sua grade curricular. A Lomba do Pinheiro, bairro onde fica o colégio, era mais conhecida na capital gaúcha por seus altos índices de violência. Passados quase 20 anos, os resultados obtidos por Cecília, de- monstram que a música pode ser uma poderosa ferramenta de trans- formação social. A Orquestra Villa-Lobos, como hoje é conhecida, é o orgulho da comunidade, um exemplo de sucesso para dezenas de projetos semelhantes que se espalharam Brasil afora e, acima de tudo, uma esperança para dezenas de crianças e jovens da Lomba do Pinheiro. Vitor Hugo Ferreira Borba, de 7 anos, cursa o 2º ano do Ensino Fundamental. Morador da Vila Mapa, uma das comunidades da Lomba, está aprendendo a ler ao mesmo tempo a partitura e as letras do alfabeto. Antes mesmo de escrever uma frase completa, já era capaz de tocar músicas do início ao fim. Terceiro de quatro filhos, o cotidiano do pequeno Vítor, como de tantas crianças de comunidades pobres, seria passar as manhãs ocioso, em casa, aguardando o momento de ir para a escola. Por isso, a mãe, Francisca, procurou a professora da orquestra e insistiu para matriculá-lo na mesma turma de um dos seus irmãos mais velhos. Cecília percebeu que o garoto, apesar de muito novo, era esperto, e aceitou. “O Vitor é um menino muito interessado e gosta de música. Vejo o quanto ele se sente feliz aqui e fica chateado quando a aula acaba. E olha que ele chega aqui cedinho, de manhã”, diz Keliezy Conceição Severo, de 24 anos, ex-aluna da Orquestra, hoje professora, graduada em música. Feliz da vida, Vitor conta que está muito satisfeito em ter a flauta doce como companhia, mas – como quase todas as crianças dessa idade – sonha em ser bombeiro. Mesmo assim, se daqui a dez
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Acordes mágicos
Instituto Cultural São Francisco de Assis Porto Alegre, Rio Grande do Sul
Vitor HugoFerreira Borba7anos
O ano era 1991. A professora de música Cecília Rheingantz Silveiraacabara de ser aprovada em um concurso público para dar aulas demúsica na Escola Municipal Heitor Villa-Lobos, em Porto Alegre. Apesarde levar o nome do mais importante maestro brasileiro, a escola nãocontava com a disciplina em sua grade curricular. A Lomba do Pinheiro,bairro onde fica o colégio, era mais conhecida na capital gaúcha por seusaltos índices de violência.
Passados quase 20 anos, os resultados obtidos por Cecília, de-monstram que a música pode ser uma poderosa ferramenta de trans-formação social. A Orquestra Villa-Lobos, como hoje é conhecida, é oorgulho da comunidade, um exemplo de sucesso para dezenas de projetossemelhantes que se espalharam Brasil afora e, acima de tudo, umaesperança para dezenas de crianças e jovens da Lomba do Pinheiro.
Vitor Hugo Ferreira Borba, de 7 anos, cursa o 2º ano do EnsinoFundamental. Morador da Vila Mapa, uma das comunidades da Lomba,está aprendendo a ler ao mesmo tempo a partitura e as letras doalfabeto. Antes mesmo de escrever uma frase completa, já era capazde tocar músicas do início ao fim. Terceiro de quatro filhos, o cotidianodo pequeno Vítor, como de tantas crianças de comunidades pobres,seria passar as manhãs ocioso, em casa, aguardando o momento de irpara a escola. Por isso, a mãe, Francisca, procurou a professora daorquestra e insistiu para matriculá-lo na mesma turma de um dos seusirmãos mais velhos. Cecília percebeu que o garoto, apesar de muitonovo, era esperto, e aceitou.
“O Vitor é um menino muito interessado e gosta de música. Vejo oquanto ele se sente feliz aqui e fica chateado quando a aula acaba. Eolha que ele chega aqui cedinho, de manhã”, diz Keliezy ConceiçãoSevero, de 24 anos, ex-aluna da Orquestra, hoje professora, graduadaem música. Feliz da vida, Vitor conta que está muito satisfeito em ter aflauta doce como companhia, mas – como quase todas as criançasdessa idade – sonha em ser bombeiro. Mesmo assim, se daqui a dez
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pedem para entrar no grupo, com total incentivo dospais”, conta Cecília.
“Sabe, me vejo um pouco no Vitor e em todos osmeus alunos. Sou como uma mãe coruja e fico queren-do que sejam músicos. Mas sei que o importante é quelevem o conjunto de regras que aprendem aqui, na Or-questra, para suas vidas”, diz Keliezy. A moça começouna Orquestra aos 10 anos, em 1996. “Eu era uma criançamuito agitada e a sala de aula não dava conta. Só a mú-sica me motivava”, lembra. Hoje, ela faz parte da equipede 17 profissionais que acompanham a orquestra, insti-tucionalizada por meio do apoio do Criança Esperança.
Profissionalização
Com tantas respostas positivas, apenas as mãos daprofessora Cecília não eram mais suficientes para regeressa turma toda. A Orquestra, então, se uniu ao InstitutoSão Francisco de Assis, uma ONG ligada à OrdemFranciscana. Hoje são 310 alunos, 13 atividades e 67turmas, de manhã à noite, seis dias por semana.Violoncelo, violino, piano, cavaquinho, flauta doce, violãoe percussão compõem a orquestra. Ainda há oficinasde expressão corporal, montagem de instrumentos apartir de sucata e um coro formado por professores eex-alunos da Escola Villa-Lobos.
É grande a disputa para fazer parte do seleto time de40 músicos, que já gravou dois CDs e se apresenta 60 vezespor ano, em Porto Alegre, no interior gaúcho e em outrosestados brasileiros. Desde sua criação, a orquestra fez800 apresentações para um público de 200 mil pessoas.
anos Vitor vier a se tornar um músico profissional, nãoserá surpresa para ninguém na comunidade. Não terásido o primeiro caso. Nem o segundo. Sequer o último.
Ação exemplar
Uma única ação, no caso uma orquestra, não é osuficiente para mudar o perfil de um bairro, onde vivemaproximadamente 70 mil pessoas. Mas pode ser umexemplo que transforma a vida de crianças e adoles-centes, quebrando o paradigma do sucesso ligado àsdrogas e à violência, modelo que impera nas periferiasdominadas pelo tráfico. No caso da Orquestra Villa-Lobos,tudo isso se deu por meio da música e da criação de umaatividade extracurricular que começou com apenas 11alunos interessados em aprender a flauta doce noshorários vagos. “Um ex-aluno nosso saiu da escola eentrou para o tráfico. Tempos depois, me procurou paravoltar para o projeto. Foi a maneira que ele viu de salvarsua vida. Foi acolhido com a condição de voltar aestudar. Passou de referência como traficante a refe-rência como músico. Posso garantir que é um percus-sionista de primeira”, orgulha-se Cecília.
A música, diz Cecília, “devolve a autoestima àscrianças com muita vivacidade, já que, em pouquíssimotempo, é possível ver os resultados do aprendizado”.Para a professora, é visível a mudança de perspectiva dacomunidade. “No início, os pais não frequentavam asreuniões, porque achavam que só iam ouvir que os filhosestavam indo mal e desinteressados. Hoje eles acom-panham de perto cada avanço e as próprias crianças
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“A música é um meio de sensibilização, e as crianças aqui estão precisando disso”, diz Keliezy, ela mesma umamenina criada na Lomba e até hoje moradora da comunidade. “Se a gente quer mudar nossa vida, tem que seesforçar, e nossos alunos aprendem isso aqui na prática do dia a dia”. Para as mães dos alunos, Keliezy é umexemplo: se ela conseguiu, os filhos delas também podem.
Apesar do nítido orgulho com que Cecília vê os ex-alunos seguindo seus passos, ela sabe que este não é o focodo projeto. “A música coletiva ensina o dia a dia, e isso é o mais rico do projeto. Mais do que capacitar para omercado, a intenção é descobrir as competências do grupo, ajudá-los a se organizar para que saibam improvisarnão apenas na música, mas na vida, quando estão longe dos instrumentos”, compara a criadora da orquestra.
Meses atrás, a mãe de um dos alunos chegou à escola com um recorte de jornal. Na verdade, a capa. Nodestaque, a foto de um dos meninos durante uma apresentação. Naquele dia, como em muitos outros em que aOrquestra é notícia, a Lomba do Pinheiro foi manchete – e não por causa da violência.
Orquestra Villa-Lobos é um dos orgulhos do bairro da Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. Os 40 músicos já gravaramdois CDs e fazem 60 apresentações por ano.
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Em 1992, a campanha Criança Esperança
foi reconhecida por sua contribuição na luta
contra os problemas que afligiam a infância
brasileira e recebeu medalha no Encontro
Mundial de Cúpula pela Criança (World Sum-mit for Children). Durante o show deste ano,
realizado no estádio Gigantinho, em Porto Ale-
gre, a apresentadora Xuxa Meneghel também
foi homenageada. O especial teve a paz como
tema.
No ano de 1992, o poder público assumiu
compromissos mais definidos quanto à con-
cretização dos direitos afirmados no Estatuto
da Criança e do Adolescente. As informações
sobre o tema foram transmitidas às regiões
mais distantes do país, onde as crianças e os
adolescentes pouco ou nada sentiam em rela-
ção aos avanços assegurados pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente. A luta pela erradi-
cação do trabalho infantil ganhou força, e o
país avançou muito nas estratégias de imuni-
zação de doenças entre as crianças menores.
Compromisso público
Os governadores de 24 estados e do Dis-
trito Federal reuniram-se em Brasília para
assinar uma Declaração de Compromissos.
No documento, comprometeram-se a dirigir
suas gestões para a qualidade e a eficiência de
quatro pontos básicos: saúde, ensino funda-
mental, combate a todas as formas de violên-
cia contra a criança e cumprimento das metas
1992
Defesa da infância ganha força política;
erradicação do trabalho infantil
entra na agenda
Campanha Criança Esperança é premiada por suas ações de divulgação
em prol da infância. Xuxa e os Trapalhões também. A cidade natal de
Renato Aragão recebe o prêmio Criança, Paz e Educação
estabelecidas na Cúpula Mundial pela In-
fância.
Era um período de forte ebulição em rela-
ção à infância. Um grupo de comunicadores
organizou-se para criar uma instituição que
trabalhasse as informações sobre o tema de
forma dirigida aos jornalistas que atuavam
nas redações, para qualificar o noticiário.
Assim, surgiu a Agência de Notícias dos Di-
reitos da Infância (Andi), com sede em Bra-
sília. Da capital federal, a Andi criou uma rede
nacional de “Jornalistas Amigos da Criança”,
aumentou o escopo de sua atuação e, anos
mais tarde, contou, como muitas outras ONGs
brasileiras, com o apoio do Criança Espe-
rança.
Trabalho
Para diminuir o dramático número de
crianças trabalhadoras, a Organização Inter-
nacional do Trabalho (OIT) lançou o Programa
Internacional para Erradicação do Trabalho
Infantil (IPEC). Com o apoio técnico da insti-
tuição, o Brasil foi um dos seis primeiros países
a aderir ao programa. Era preciso adotar me-
didas urgentes: segundo a própria OIT, em
1992, cerca de 3,8 milhões de crianças e ado-
lescentes brasileiros de 10 a 14 anos trabalha-
vam – o equivalente a mais de 22% das pessoas
nesta faixa etária no país.
Nesse meio tempo, a Folha de S. Paulo, se-
guindo as denúncias feitas pelos movimentos
em defesa da infância no Norte e no Nordeste,
publicou uma série de reportagens, relatando
a realidade das meninas exploradas sexual-
mente na Amazônia. O jornal denunciou lei-
lões de virgens, abortos precoces e cativeiros
com escravas sexuais de 12, 13 anos em ga-
rimpos distantes. Com o material, publicou o
livro “Meninas da noite”.
Dois anos depois, o tema ganhou visibi-
lidade no exterior, ao ser exibido em um
documentário produzido pela rede norte-
americana ABC News. Of Human Bondage:Slavery Today (Servidão humana: escravidão
hoje) revelou que, novamente, havia meninas
escravizadas sexualmente em garimpos bra-
sileiros. Foi a última onda de que se teve no-
tícia das pequenas escravas nessa região do
país nos anos 1990. O documentário recebeu
diversos prêmios.
Sarampo
Avanço marcante também foi feito na
área da saúde infantil. Em 1992, foi imple-
mentado o Plano Nacional de Eliminação do
Sarampo – doença que, até o início da década
de 1990, era endêmica no país, tendo picos
epidêmicos a cada dois ou três anos. Com a
combinação das vacinas SR e MMR, oferecida
a crianças e adolescentes de 9 meses a 14 anos
de idade nos postos de saúde, dava-se início
ao quadro de diminuição significativa do nú-
mero de casos de rubéola e sarampo.
CO
NTEXTO
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“Lembro ainda hoje da alegria de minha mãe, Zilda, vendo o primeiro show do Criança Esperança e,depois, da sua participação na TV. Ela sempre comentava, entusiasmada, sobre o alcance do Programana valorização do trabalho voluntário da Pastoral da Criança e no reforço do compromisso coletivo dosbrasileiros na busca de uma vida plena para todas as crianças. Ainda que os recursos sejam fundamentaispara a Pastoral, esses aspectos que levantei têm ainda maior valor.
A Pastoral da Criança recebe apoio do Criança Esperança, em especial para a Educação de Jovens eAdultos, para as Ações nos Municípios de Risco do Norte e Nordeste e para a Ação Brinquedos eBrincadeiras, que defende o direito de a criança brincar, além do apoio e incentivo a diversas campanhas.
Parabéns, Criança Esperança! Somos parceiros há 24 anos, demonstrando à população brasileira quea vida em abundância é possível para todas as nossas crianças.”
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Foto
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Nelson Arns Neumann Coordenador da Pastoral da Criança InternacionalCoordenador adjunto nacional da Pastoral da Criança