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APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS
Carminda Mendes Andr
Carm
inda Mendes A
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pontamentos de um
a Arte-Educadora A
rtes Cnicas
O material didtico fruto de muitas escritas e reescritas do
programa de ensino da disciplina Teatro e Educao que a autora
ministra no Curso de Licenciatura em Arte Teatro no Instituto de
Artes Unesp. O livro dividido em trs mdulos que, por sua vez, so
subdivididos em aulas.
O primeiro mdulo trata da relao entre poltica e arte, iniciando
a discusso com as ideias de teatro encontradas nas crnicas
elaboradas Machado de Assis. O segundo mdulo trata da relao entre
formao do sujeito, subjetividade e poder. Aqui a autora, no intuito
de mostrar como funciona a relao entre escola e poder na cidade de
So Paulo das primeiras dcadas do sc. XX, nos apresenta as estreita
relaes das polticas pblicas estreitadas com o pensamento. Ainda
aqui, a autora vai teoria do conhe-cimento, trazendo os modelos
clssicos (subjetivo, mecanicista e dialtico) e a noo de
conhecimento como inveno de Nietzsche por Michel de Foucault. O
terceiro e ltimo mdulo trata de relacionar algumas fi losofi as da
educao que apareceram no cenrio brasileiro a partir dos anos de
1960, e o ensino da arte na escola pensado a partir dessas
perspectivas.
O livro fi nalizado em aula que aborda caminhos para se pensar
processos educativos a partir de processos criativos de certa
produo contempornea de arte.
Carminda Mendes Andr atriz, encenadora e performer. Atualmente
pesquisa formas ps-dramticas e arte nos espaos pblicos. Bacharel em
Teatro pela Univer-sidade de So Paulo (1989), mestre em Filosofi a
pela Universidade de So Paulo (1997) e doutora em Educao pela
Universidade de So Paulo (2007). docente do Instituto de Artes da
Universidade Estadual Paulista Unesp. Sua atual rea de interesses
navega entre teatro contemporneo e conhecimento.
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Universidade Estadual Paulista
Reitor Julio Cezar Durigan Pr-Reitor de Graduao Laurence Duarte
Colvara Pr-Reitor de Ps-Graduao Eduardo Kokubun Pr-Reitora de
Pesquisa Maria Jos Soares Mendes Giannini Pr-Reitora de Extenso
Universitria Maringela Spotti Lopes Fujita Pr-Reitor de Administrao
Carlos Antonio Gamero Secretria Geral Maria Dalva Silva Pagotto
Chefe de Gabinete Roberval Daiton Vieira
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Pr-Reitoria de Graduao, Universidade Estadual Paulista,
2013.
Ficha catalogrfica elaborada pela Coordenadoria Geral de
Bibliotecas da Unesp
A555aAndr, Carminda MendesApontamentos de uma arte-educadora
artes cnicas / Carminda Mendes
Andr. So Paulo : Cultura Acadmica : Universidade Estadual
Paulista, Pr-Reitoria de Graduao, 2013.
166 p. Bibliografi a ISBN 978-85-7983-416-5
1. Arte e Educao. 2. Artes Cnicas. 3. Teatro Estudo e Ensino. I.
Ttulo.
CDD 792.07
Pr-reitor Laurence Duarte Colvara Secretria Joana Gabriela
Vasconcelos Deconto Assessoria Jos Brs Barreto de Oliveira Maria de
Lourdes Spazziani Valria Nobre Leal de Souza Oliva
Tcnica Bambina Maria Migliori Camila Gomes da Silva Ceclia
Specian Eduardo Luis Campos Lima Gisleide Alves Anhesim Portes
Ivonette de Mattos Maria Emlia Arajo Gonalves Maria Selma Souza
Santos Renata Sampaio Alves de Souza Sergio Henrique Carregari
Projeto grfico Andrea Yanaguita
Diagramao Estela Mletchol
equipe
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PROGRAMA DE APOIO
PRODUO DE MATERIAL DIDTICO
Considerando a importncia da produo de material didtico-pedag
gico dedicado ao ensino de graduao e de ps-graduao, a Reitoria da
UNESP, por meio da Pr-Reitoria de Graduao (PROGRAD) e em parceria
com a Funda-o Editora UNESP (FEU), mantm o Programa de Apoio Produo
de Material Didtico de Docentes da UNESP, que contempla textos de
apoio s aulas, material audiovisual, homepages, softwares, material
artstico e outras mdias, sob o selo CULTURA ACADMICA da Editora da
UNESP, disponibi-lizando aos alunos material didtico de qualidade
com baixo custo e editado sob demanda.
Assim, com satisfao que colocamos disposio da comunidade
acad-mica mais esta obra, Apontamentos de uma Arte-Educadora Artes
Cnicas, de autoria da Profa. Dra. Carminda Mendes Andr, do
Instituto de Artes do Cmpus de So Paulo, esperando que ela traga
contribuio no apenas para estu dantes da UNESP, mas para todos
aqueles interessados no assunto abordado.
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SUMRIO
Introduo 9
MDULO: POLTICA E ARTE
aula 1 A institucionalizao da cultura 17
aula 2 A funo pedaggica da arte 25
MDULO: FORMAO DO SUJEITO, PODER E SUBJETIVIDADE
aula 1 Educao integral idealista 37
aula 2 A escola higinica 45
aula 3 O sujeito que conhece, o objeto do conhecimento e o
conhecimento 53
aula 4 Modelos tericos de construo do conhecimento 59
aula 5 Biopoltica e subjetividade 69
aula 6 Resumindo: a de-formao do sujeito 79
aula 7 Infncia: selvageria, paraso ou experincia 93
aula 8 Infncia 2 101
MDULO: FILOSOFIA DA EDUCAO E ENSINO DE ARTE
aula 1 A formao do sujeito transcendente 117
aula 2 A formao do sujeito sensvel 127
aula 3 A formao do sujeito histrico 139
aula 4 Moderno ou ps-moderno? 147
aula 5 Arte como resistncia 157
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INTRODUO
Desde o ano de 2009, tenho adotado um enfoque novo para o curso
de Teatro e Educao. Anteriormente, limitava-me a apresentar e
comentar as metodologias de ensino de teatro que tiveram (e as que
ainda tm) maior re-percusso entre ns. No entanto, com o passar dos
anos, fui percebendo que o curso deixava muito a desejar na formao
crtica do estudante e da minha prpria. Com esse diagnstico,
afastei-me um pouco das metodologias de en-sino para aproximar o
curso Filosofia e Histria.
Ao invs de discutir metodologias como prticas na sala de aula, h
quatro anos enfoco tais prticas como parte de um conjunto de
medidas integradas ao projeto civilizatrio de que somos herdeiros:
este em que a mentalidade comum no distingue educao de instruo.
Enquanto a educao pode ser compre-endida como lugar de emancipao do
homem, lugar para colocar foco de ateno ao movimento da inteligncia
de que todos somos dotados, a instruo parte da dicotomia entre o
saber e a ignorncia que, por sua vez, trabalha na perspectiva de
hierarquia das inteligncias. H o sbio com a inteligncia
de-senvolvida, e h o aprendiz ignorante com sua pouca inteligncia.
Mesmo que muitos digam que Paulo Freire est fora de moda, no vejo a
superao dessa dicotomia (to discutida por ele) no meio acadmico em
que vivo atualmente. Sou vtima dessa hierarquia dos sbios. Talvez
este livro seja, inclusive, a prova dela ainda disfarada que vive
escondida nos escombros de mim mesma.
Este livro recolhe algumas aulas nas quais tenho praticado a
construo do conhecimento com estudantes do segundo ano do curso de
licenciatura em Arte Teatro. So aulas-palestras seguidas de debates
(o que aqui no apare-cer). So discursos muitas vezes com afirmaes
exageradas ou radicais, frases apocalpticas e outros recursos de
provocao o que considero ser saudvel na academia. Indignao um
sentimento que gosto de suscitar nos jovens, pois tenho
experimentado uma insuportvel indiferena diante de tragdias humanas
que nos parecem deixar fracos e incapazes de reao. A indiferena
diante de um morador de rua, por exemplo, naturaliza o que poderia
ser, em um olhar mais potico, um crime contra a humanidade.
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APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS10 |
Com as aulas, pretendo tambm tecer um olhar crtico para esse
projeto civilizatrio de que somos herdeiros, para essa instruo
alienadora e para o sujeito por ela produzido; mostrar que tais
processos tm nos levado tambm (no s) a verificar a presena de certo
sujeito adaptado produo e ao con-sumo, sem almejar valores maiores
do que comprar coisas.
Neste livro, gostaria de analisar de que forma nos constitumos e
somos constitudos como sujeitos pelo modo como produzimos
conhecimento; de como constitumos nossas relaes em sala de aula.
Gostaria de refletir sobre os limites de liberdade que nossos
parmetros sociais e pessoais atingem para a construo de nossa
subjetividade. Ou, dizendo de outra maneira, gostaria de verificar
de que modo construmos nossas relaes ticas (com ns mesmos),
polticas (com os outros) e com o saber (at quanto podemos nos
apropriar do conhecimento e transform-lo). Gosto de verificar de
que modo eu e os estu-dantes estamos construindo nosso sujeito
histrico.
A finalidade de tal abordagem se pauta na necessidade de
contextualizar a arte na escola ou fora dela em tempos de
biopoltica. Refiro-me aos aportes tericos e prticas
correspondentes; refiro-me a um conjunto de medidas te-rico-prticas
que acabam por produzir/reproduzir sujeitos disciplinados,
produtivos e tristes.
O primeiro mdulo do curso trata da relao entre poltica e arte.
Para provocar a discusso, trago nosso estimado Machado de Assis, um
pensador sem igual, com suas ideias sobre o tema.
O segundo mdulo trata da relao entre formao do sujeito,
subjetivi dade e poder. Passo pela histria da poltica educacional
higienista realizada na ci-dade de So Paulo desde o incio do sculo
XX, no intuito de mostrar como funciona a relao entre escola e
poder. Ainda aqui, apresento os modelos clssicos para pensar a
construo do conhecimento: modelo subjetivo, mo delo mecanicista e
modelo dialtico. A ideia refletir como somos induzidos a pen-sar
pelos mtodos acadmicos. Para rebater, trago o provocante conceito
do conhecimento como inveno, de Nietzsche mediado por Michel de
Foucault. Para refletir, apresento a infncia como conhecimento
produzido e no como fase natural de uma suposta natureza humana em
progresso.
O terceiro e ltimo mdulo trata de relacionar algumas filosofias
da edu-cao que apareceram no cenrio brasileiro a partir dos anos de
1960, e o ensino da arte na escola pensado a partir dessas
perspectivas.
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Introduo | 11
A ltima aula uma provocao para pensar a arte como ao criativa de
resistncia mesmice dentro de ambientes educacionais, seja em ensino
bsico ou superior. No estou dando caminhos para professores de
ensino bsico, mas buscando remar contra a correnteza em uma
barquinha cheia de estudantes, onde eu, a professora, no conhece a
arte do remo. Para os que se aventurarem a embarcar, boa sorte!
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MDULO: POLTICA E ARTE
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TEATRO E POLTICA NA CRTICA DE MACHADO DE ASSIS1
Por que comear um curso de TEATRO E EDUCAO com a anlise de duas
crnicas produzidas por Machado de Assis, quando assumia a funo de
crtico de teatro em jornais de sua poca? Vimos em Machado certo
posi-cionamento diante da arte, certo modo de pens-la inserida na
cultura bra-sileira. Extramos da ferramentas que talvez possam
ajudar a pensar nossa contemporaneidade. Percebemos o esboo de um
modo de pensar a poltica cultural, e um esboo de uma teoria da
recepo que pode aproximar-se de um modo de pensar a educao; o que
reverberou em dcadas posteriores que viveu Machado.
Por sua competncia intelectual, acreditamos que esse autor possa
nos auxiliar em uma busca que nos cara. Paira (ou pairou) sobre
nossas cabeas de artistas brasileiros a sombra de um discurso
colonizador que produziu to-mada de posies de nossos artistas, que
compe o que chamamos de histria do teatro brasileiro. Esse discurso
afirma que nosso teatro atrasado em rela-o ao de pases ditos de
primeiro mundo. E na busca de enunciados para compreender de que
modo se constitui esse discurso do atraso sobre o nos-so teatro que
comearemos nossas aulas. Mais do que afirmar ou negar tal discurso,
nossas intenes pedaggicas desejam mostrar de que modo a rea-lidade
pode ser compreendida como uma construo discursiva e no como um
dado pr-existente.
1. Parte dessas duas aulas foi publicada, com outro enfoque, em
artigo intitulado: Problemtica da regulamentao profissional do
artista de teatro. FENIX (on-line), v. 8, 2011.
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aula 1A INSTITUCIONALIZAO DA CULTURA
Vamos nos deter em duas crnicas (terminologia que se dava na
poca para o que chamamos hoje de crtica jornalstica) produzidas
pelo autor: Idias sobre o theatro, de 1860, e O Theatro Nacional,
de 1866.
Em Idias sobre o theatro, Machado defende a seguinte tese: a
arte dra-mtica no ainda entre ns um culto posto que as vocaes
definem-se e educam-se como um resultado accidental.1 O que faria o
crtico negar o teatro como prtica cultural popular, posto que nessa
poca a produo teatral ca-rioca estava em plena expanso? E o que
estaria querendo dizer com resulta-do acidental?
Para Machado, os elencos de profissionais do palco no tinham
incentivos governamentais suficientes para se manter com um
repertrio de qualidade. A sobrevivncia , para o crtico, a motivao
de sua decadncia. Compreende que, sem as condies necessrias, os
elencos eram obrigados a realizar viagens constantes e a recorrer a
repertrio popular julgado pelo crtico como comer-cial e de pouca
qualidade. Sendo assim, Machado aponta a necessidade de se fixarem
os elencos em oposio sua itinerncia, isto , no considera a
itine-rncia como dado cultural e como modo de vida da arte teatral
brasileira. Junto a esse fator, afirma o autor, outro se soma: a
escassa produo dramatr-gica nacional de qualidade. Mas, como
compreender essa afirmativa de Ma-chado diante da enorme produo
dramatrgica carioca do sculo XIX, que chegou at ns? Por que Machado
no v qualidade no teatro de seu tempo?
Para normalizar esse suposto estado de decadncia, ou seja, para
colocar novamente o teatro no curso da evoluo humana pois se trata,
para o autor, de um momento de decadncia que pressupe um anterior
de ascenso e uma possvel retomada futura , Machado de Assis defende
no s a participao
1. Optamos por manter a grafia de poca para melhor distanciar o
leitor de sua leitura, no lhe fazer esquecer que se trata de um
discurso histrico e no de alguma verdade que precise reafirmar.
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APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS18 |
do Estado na subveno da cultura, mas j indica sua ao
intervencionista, qual seja: a de sustentar companhias permanentes
de teatro, de criar escolas para atores, incentivar o
desenvolvimento da dramaturgia e a construo de edifcios teatrais
municipais, e reforar os instrumentos de controle da qualidade.
Sendo assim, aquilo de que se sente falta a fixao espacial e
estabilidade financeira dos elencos; a escolarizao dos atores e a
conquista de certo modelo narrativo dramtico; e um meio de controle
especializado da produo. Isso me faz pensar que a exigncia da
presena do Estado na realizao de tais mudanas parta do princpio de
que cabe ao poder pblico a responsabilidade de promover a
modernizao da cultura do teatro, portanto pelo mecanismo da
institu-cionalizao da cultura (elencos, edifcios teatrais e
escolas). Diz Machado:
Sem literatura dramtica, e com um tablado, regular aqui,
verdade, mas deslocado e defeituoso alli e alm, no podemos aspirar
a um grande passo na ci-vilizao. arte cumpre assignalar como um
relevo na histria as aspiraes ethicas do povo e aperfeioal-as e
conduzil-as, para um resultado de grandioso futuro. (ASSIS, 1942,
p. 19-20)
Trata-se, portanto, de alcanar um ideal civilizatrio em que arte
vista como o lugar de construo e propagao das aspiraes ticas do
povo. Mas, para que tal situao seja conquistada, preciso que a
produo teatral sofra mudanas. A prescrio para o alcance de tal
civilidade expressa desse modo: 1. estabilidade fsica dos grupos de
teatro; 2. os espetculos realizados em edi-fcios especializados; 3.
o controle da qualidade das produes artsticas, e 4. a escolarizao
do artista. Tudo em nome do ideal para o grandioso futuro.
Pensemos esses aspectos por outro prisma: o que leva Machado de
Assis e tantos outros crticos a reafirmar a falta de qualidade de
nossa dramaturgia se, de fato, o sculo XIX, e a metade do sculo XX,
composto por uma enorme produo teatral entre Rio de Janeiro, So
Paulo e tambm outras capitais do pas?2 Por que desqualificar essa
produo?
O vocabulrio mdico que encontramos em Machado normalizao,
monstruosidade, remdio e em outros autores no nos parece casual
nem
2. Ver levantamento feito por: BRAGA, Claudia. Em busca da
brasilidade: teatro brasileiro na primei-ra repblica. So Paulo:
Perspectiva, 2003.
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A institucionalizao da cultura | 19
apenas metafrico, e muito nos pode revelar de seu discurso
crtico. Descon-fiamos de que haja a o processamento de intercmbios
e assimilaes de outras reas do conhecimento com o pensamento crtico
teatral. O intercmbio entre saberes teria produzido generalizaes de
conceitos, e com a cultura no seria diferente. Quais argumentos nos
levam a essa suspeita?
A seguir um fragmento de discurso machadiano para que possamos,
juntos, fazer sua anlise:
A arte, destinada a caminhar na vanguarda do povo como
preceptora, vae copiar as sociedade ultra-fronteiras.
Tarefa estril!No pra aqui. Consideramos o theatro como um canal
de iniciao. O jornal
e a tribuna so os outros dous meios de proclamao e educao
publica. Quando se procura iniciar uma verdade busca-se um desses
respiradouros e lana-se o pomo s multides ignorantes. No paiz em
que o jornal, a tribuna e o th eatro tiverem um desenvolvimento
conveniente, as caligens cahiro aos olhos da massa; morrer o
privilegio, obra da noite e da sombra; e as castas superiores da
sociedade ou rasga-ro os seus pergaminhos ou cahiro abraadas com
elles, como em sudrios.
assim, sempre assim; a palavra escripta na imprensa, a palavra
fallada na tribuna, ou a palavra dramatisada no theatro, produziu
sempre uma transformao. o grande fiat de todos os tempos. (ASSIS,
1942, p. 17) (grifos nossos)
No fragmento de discurso acima, logo nos chama a ateno um
conceito que julgamos estranho ao saber esttico. Isso nos indica a
possibilidade de ter havido assimilao de saberes da poltica ao
discurso da crtica teatral: trata-se da aproximao que Machado faz
da plateia massa, no sentido de um conjunto aleatrio de indivduos.
O conceito de massa humana se contrape ao conceito de comunidade. A
massa um aglomerado de indivduos sem uma identidade cultural. A
comunidade constituda por indivduos que comungam uma vida comum,
uma cultura comum.
Vejam: na lgica de Machado, o palco lugar das enunciaes
libertrias enquanto que a plateia o lugar das massas ignorantes. O
que isso pode nos interessar?
Vejamos. Em outro momento da mesma crnica, o autor afirma que o
gosto esttico e as aspiraes filosficas da plateia so compreendidos
como reflexos das narrativas e do modo como os artistas apresentam
a realidade. Ou
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seja, a arte, ao refletir a vida como ela poderia ser, educa o
pensamento e os sentidos da plateia. No entanto, entende tambm que
nessa relao de foras e de poder a participao da plateia de
fundamental importncia para o que acontece no palco. Qual sua
participao?
Para Machado, preciso que a plateia queira, deseje, igualar-se
aos modelos civilizatrios do pensar e do agir moderno; sem esse
desejo no h ressonncia do efeito educativo da arte sobre a plateia.
Se o teatro, to popular entre os ca-riocas da poca de Machado,
considerado desqualificado, isso mostra que o teatro no est
fomentando novos valores plateia, segundo o nosso crtico. Portanto,
arma-se, a, ao invs de uma dialtica progressista, um crculo
vicioso. O teatro espelha valores decadentes com os quais as massas
se identificam. Seria preciso cessar o crculo vicioso em que
supunha estar a cultura teatral de seu tempo e utilizar sua fora de
representao para mudar o desejo esttico popular.
O que prope Machado para cessar esse movimento circular? Para
suscitar o desejo da plateia em tornar-se outro tornar-se moderno ,
ele a considera como multido, ou seja, como massa sem rosto. Ao
desconhecer o espectador sentado como um sujeito e como uma
singularidade, faz desaparecer a comu-nidade carioca para fazer
aparecer a massa populacional carioca. o estilo de vida urbana. O
Rio de Janeiro se torna uma metrpole.
Ao seguir com tal lgica discursiva machadiana, conclumos que, se
o que vemos em cena desqualificvel, porque a sensibilidade da
plateia ou est desatualizada ou no alcanou sua maioridade em relao
a certo modelo de civilizao. Se o que vemos em cena linguagem
desqualificvel, porque a plateia no sabe distinguir o bom gosto
esttico do mau gosto esttico. Porm, ela no distingue o bom gosto do
mau gosto porque sua mentalidade e sua sen-sibilidade no foram
educadas para reconhecer os modelos universais, os bons modelos, os
novos princpios de civilidade; princpios supostamente libertrios,
como j dissemos acima. Nessa lgica, a plateia, supostamente
incapacitada de saber o que civilizado/moderno, seria facilmente
enganada por charlates.
No pensamento poltico de Machado, a arte se faz necessria por
sua funo educativa. na mentalidade e na sensibilidade da plateia
que Machado aponta a necessidade de interveno pedaggica da arte.
Tal interveno, segundo o autor, deveria ser realizada pela mediao
do Estado. Trata-se, portanto, da elaborao de uma poltica cultural
que admite a criao de um rgo censor.
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A institucionalizao da cultura | 21
Seu parecer de que a produo teatral estaria em mos prostitudas
que, por ambio comercial, teria habituado a plateia apreciao de
concepes estra-nhas realidade nacional, no suscitando nela desejo
por alcanar modelos comportamentais e estticos supostamente mais
evoludos, nacionais e moder-nos. Portanto, trata-se de uma
interveno a favor da atualizao, educao e nacionalizao do
teatro.
Mas, quais so os embusteiros de que fala o crtico? So os
produtores das companhias teatrais; esses profissionais so sujeitos
envolvidos com o elenco, ou por tradio (fazem parte da mesma
famlia) ou por amizade. Tal relao diferente daquela que ser
estabelecida pelo empresrio investidor que vamos conhecer em dcadas
seguintes. As relaes de trabalho no so as mesmas que a
industrializao regulamentar dcadas depois.
A lgica de tal discurso segue da seguinte forma: se o teatro est
decadente por culpa de seus produtores/empresrios, o crtico
prescreve, ento, a neces-sidade de uma interveno estatal na ao
desses produtores, disciplinando-os a realizarem espetculos de bom
gosto; desse modo, poder-se-ia reformar o gosto popular. Esse
argumento pauta-se na falta de qualidade da mentalidade e
sensibilidade tambm dos artistas, tanto atores como dramaturgos. A
inter-veno estatal faz-se necessria porque tambm os artistas esto
incapacitados ou impossibilitados de realizar bom teatro. Portanto,
Machado legitima a cen-sura como necessria.
Continuando nossas observaes, percebemos outra assimilao
concei-tual, mais sutil, vinda de outra rea do conhecimento.
Trata-se da noo de funo. A arte torna-se funcional na medida em que
teria, por misso, a edu-cao da mentalidade e da sensibilidade dos
artistas e das massas. Tudo indica que a noo de funo produto de
intercmbios entre os saberes da esttica com a biologia. Nesse
contexto, a noo de funo que observamos est ligada ao conceito de
organismo vivo que as cincias biolgicas e mdicas elaboram no sculo
XIX.
Para os estudiosos dessas reas, o corpo vivo um organismo
entendido como um mecanismo constitudo por rgos interligados e que
cumprem, cada um, funes orgnicas diferentes. Nessa interpretao, o
teatro, ao adquirir uma funo, passa a existir como rgo no corpo
social. Sob tal perspectiva, a arte
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APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS22 |
adquire um valor vital, ou seja, aproximado vida,
especificamente se a enten-dermos como produto de uma natureza
sensvel.
Vale lembrar que estamos no auge do desenvolvimento das cincias
em sua face positivista. Nessa perspectiva, tambm a sensibilidade
esttica torna-se um atributo biolgico. A arte, como rgo do corpo
social, teria a funo de educar a mentalidade e a sensibilidade da
plateia/massa tornando-a mais humana, posto que ela tomada como
ignorante e possuidora de mentalidade desatua-lizada e
sensibilidade ingnua.
Foucault nos mostra que nesse processo de intercmbios e
assimilaes entre os saberes, nessa luta entre os campos do
conhecimento, produz-se a centralizao dos saberes, isto , eles so
sistematizados de forma hierrquica. ele tambm quem nos chama a
ateno sobre certas tticas discursivas que aparecem no sculo XIX. O
autor define ttica discursiva como um disposi-tivo de saber e de
poder que, precisamente, enquanto ttica, pode ser transfe-rvel e se
torna finalmente a lei de formao de um saber e, ao mesmo tempo, a
forma comum [para] a batalha poltica. (FOUCAULT, 2005, p. 226).
Em suas reflexes, ele nos mostra como certo discurso
histrico-poltico foi generalizado a reivindicao por justia e por
direitos e presentificado em vrios campos discursivos, no s pelo
que veicula, mas pelo fato de ter se tornado uma estratgia
discursiva. A Revoluo Francesa a subida ao poder do discurso sobre
o fazer justia, que estaria ligado aos direitos polticos e
econmicos para todos; a igualdade de todos perante as leis. o
discurso da igualdade que permite pensar em liberdade. Esse
discurso poltico aparece na forma de trs tticas que compuseram as
batalhas discursivas dos revolucion-rios franceses e que, como se
pode observar, nos so muito familiares.
Uma ttica est centrada nas nacionalidades, e encontra-se
essencialmen-te em continuidade, de um lado, com os fenmenos da
lngua e, por conse-guinte, com a filologia. (Id., p. 226) Trata-se
dos discursos de independncia, de se generalizar a noo de nao e,
assim, de identidade nacional. Trata-se ainda de relacionar a
estrutura lingustica de uma nao ao grau de evoluo e libertao desse
povo. A outra [ttica] centrada nas classes sociais, ten-do como
fenmeno central a dominao econmica: por conseguinte, relao
fundamental com a economia poltica (Ibid.). So as lutas por
melhorias no trabalho e por maior abrangncia na distribuio das
riquezas.
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A institucionalizao da cultura | 23
Enfim, uma terceira direo que, dessa feita, vai ser centrada no
mais nas nacionalidades, nem nas classes, mas na raa, tendo, como
fenmeno central, as especificaes e selees biolgicas; portanto,
continuidade entre esse discurso histrico e a problemtica biolgica.
(FOUCAUT, 2005, p. 226)
Essa terceira ttica trata, por exemplo, das teses
mdico-higienistas to divulgadas entre nossos intelectuais no final
do sculo XIX.
A biopoltica produz a hierarquizao dos saberes do mesmo modo que
produz a separao dos indivduos em classes. Nessa perspectiva,
observamos que o uso da arte deve subordinar-se cincia e poltica.
Nesse momento, aparecem discursos que justificam a importncia da
arte na vida. Ora, por que foi preciso afirmar a necessidade da
arte na vida da sociedade? Sua presena j no evidencia seu valor?
Entendemos que isso se d porque na pirmide da hierarquia dos
saberes a arte no est entre as primeiras. Quem est acima so os
saberes cientficos, e a arte, bem como seu uso social, deve ser
higienizado. Delegar ao artista a misso de civilizador nos parece
uma indicao de subor-dinao da arte biopoltica.
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aula 2A FUNO PEDAGGICA DA ARTE
Analisemos, juntos, outro fragmento do discurso crtico
machadiano:
Deante da imprensa e da tribuna as idias abalroam-se, ferem-se,
e luctam para accordar- se; em face do theatro o homem v, sente,
palpa; est deante de uma so-ciedade viva, que se move, que se
levanta, que falla, e de cujo composto se deduz a verdade, que as
massas colhem por meio de iniciao. De um lado a narrao falla-da ou
cifrada, de outro a narrao estampada, a sociedade reproduzida no
espelho photographico da frma dramtica.
quase capital a differena.
No s o theatro um meio de propaganda, como tambm o meio mais
efficaz, mais firme, mais insinuante.
justamente o que no temos.As massas que necessitam de verdades,
no as encontraro no theatro destina-
das reproduco material e improductiva de concepes deslocadas da
nossa civi-lizao e que trazem em si o cunho de sociedades
affastadas.
(...) Insisto pois na assero: o theatro no existe entre ns: as
excepes so esforos isolados que no actuam, como disse j, sobre a
sociedade em geral. No h um theatro nem poeta dramtico... (ASSIS,
1942, p. 18-19) (grifos nosso)
Por tudo o que foi dito, torna-se claro que, para nossa
perspectiva de an-lise, esse teatro de que Machado de Assis nos
fala talvez possa no ter existido nos palcos de sua poca. No
entanto, o que ele nos d? Uma concepo de tea-tro moderno, no
sentido de teatro do futuro. Nela, o teatro se apresenta como lugar
eficaz de propaganda das concepes supostamente mais avanadas
produzidas pela humanidade e, por conseguinte, um lugar de
reivindicao de direitos. O palco o espao de luta de ideias. Assim,
a educao realizada pelo teatro moderno teria finalidades
emancipatrias para os indivduos letrados. O teatro com funo
educativa, ou seja, o teatro para alm da experincia est-tica se
aproxima da poltica. Teatro educativo das massas um teatro que se
prope propagar ideias polticas, filosficas e comportamentos
afinados noo de cidadania do Estado moderno, Estado-nao.
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APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS26 |
Em nosso entender, Machado observa e ressente da ausncia de
certa con-cepo filosfica nos palcos brasileiros. E, compreendendo a
arte como precep-tora da emancipao popular, deveria ela estar
avanada no tempo, justificando sua funo pedaggica. H um apelo
permanente no discurso do crtico ne-cessidade de se realizar a
reforma da arte dramtica para que o teatro possa corrigir os
desvios de uma sociedade em transio e, finalmente, estancar uma
educao viciosa que constitui o paladar das plateias de seu
tempo.
No texto O Theatro Nacional, de 1866, o autor levanta as causas
da situa-o de decadncia do teatro, sob outros aspectos. Apresenta,
primeiramente, uma tese sobre a decadncia esttica dos gneros
dramticos que ali se encon-travam. Para o crtico, houve, na produo
literria dos autores brasileiros, um ultrapassamento dos limites da
reforma romntica, e disso nasceu uma pro-duo hbrida chamada
ultrarromantismo. No temos certeza se o autor est falando da forma
ou do contedo, ou de ambos. Machado traz no texto certo vocabulrio
mdico:
A scena brazileira, excepo de algumas peas excellentes,
apresentou aos olhos do publico uma longa srie de obras
monstruosas, creaes informes, sem nexo, sem arte, sem gosto, nuvens
negras que escureceram desde logo a aurora da revoluo romntica.
(ASSIS, 1942, p. 208)
Utilizando o mesmo modo de diagnosticar, afirma ter ocorrido o
mesmo com a reforma realista; e ambas, a theoria realista, como a
theoria romntica, levadas at a exaggerao, deram o golpe de
misericrdia no esprito publico (Id., p. 209). Em seu vocabulrio de
doutor, Machado afirma que o hibridismo uma doena que precisa ser
erradicada, pois produz monstros. Nessa idea-lizao terica, procura
a pureza branca dos gneros literrios. Mas justamen-te esse
argumento da higienizao das monstruosidades cnicas o que permite ao
autor afirmar a necessidade de intervir nas produes teatrais e em
suas prticas, para combater a tal doena que impede o teatro de se
tornar vanguarda. Seria preciso que a linguagem teatral adquirisse
a forma e o con-te do do novo civilizador.
E quais so os monstros que esto em cena? Os monstros nacionais
so os gneros cmicos populares, tais como o Teatro de Revista e a
Burleta moda brasileira, e os melodramas tambm encenados nossa
moda; todos lotavam
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| 27A funo pedaggica da arte
os teatros do final do sculo XIX. Diante disso temos c a hiptese
que pre-cisaria ser desenvolvida de que aquilo que Machado ataca o
teatro para a nobreza monarquista como tambm o teatro de
miscigenados. O que est em cena so modos de apropriao dos modelos
europeus ressignificados pelas classes populares. Se estivermos
corretos, trata-se, portanto, de censura ao modo de apropriao com
que os artistas brasileiros fazem dos modelos europeus. Como se
trata de produo sem o gabarito desejado, a tal reforma deveria
chegar tambm ao campo da esttica. Para Machado, trata-se de
atualizar os modos da cena com os novos tempos.
Mesmo sendo um problema especificamente de linguagem estranho
poltica, e cincia , Machado sente necessidade de argumentar em
favor da institucionalizao da cultura promovida pelo Estado.
Apresenta-nos o trata-mento adequado da doena do seguinte modo:
O Estado, que sustenta uma academia de pintura, architectura e
estatuaria, no achar razo plausvel para eximir-se de crear uma
academia dramtica, uma scena-escola, onde as musas achem terreno
digno dellas, e que possa servir para a reforma necessria no gosto
publico? (Ibid., p. 209-210)
Podemos analisar esse discurso como sinal de uma transformao
impor-tante: ele mostra a transio de uma sociedade baseada no
autodidatismo, para os artistas, e na religio como centro da
escolarizao , para uma sociedade estatal e laica. H uma aposta na
funo organizadora do Estado. Isso se con-firma quando o crtico
enaltece os esforos governamentais em criar uma co-misso de
especialistas para redigir um projeto de normatizao do teatro.
Nesse projeto, os pareceristas apontam para a necessidade de se
construrem edifcios adequados para o teatro moderno, que seriam
ocupados por compa-nhias fixas, e a criao de conservatrios
dramticos; tudo subvencionado pelo Estado. Como se pode notar, essa
ideia no exclusivamente de Machado de Assis, mas representa um
grupo de pensadores de elite; representa, diramos, uma proposta de
poltica cultural para o teatro.
interessante analisar de que modo essa comisso pensou a execuo
desse projeto. A regulamentao das produes tanto do teatro como da
escola se-ria supervisionada por um inspetor geral dos teatros, que
tivesse por misso
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APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS28 |
julgar a moralidade e as condies literrias das peas destinadas
aos teatros subvencionados. O crtico fazia ressalvas competncia da
polcia que era, na poca, a instituio que cumpria a funo de
inspetora geral dos teatros. Era preciso, dizia Machado, que viesse
uma lei que amparasse a arte e a literatura, uma lei que lanasse as
bases de uma firme alliana entre o publico e o poeta, e [fizesse]
renascer a j perdida noo do gosto (ibid., p. 215). Estado
partici-pativo, inspetor geral e lei, trs elementos que constituem
um modo de governar. Estado, inspetores gerais e lei, trindade para
a formao da poltica cultural dos Estados modernos totalitrios; uma
poltica que tem por direito e dever inter-vir nos modos de vida da
populao. Nesse caso, intervir para mudar o gosto esttico, os
costumes, os modos de falar.
Qual regime de verdades oferece o pano de fundo discusso aqui
apresentada?
Como j salientamos acima, a estratgia, para o novo teatro, seria
for -mada por:
1. apresentao de gneros dramticos puros, que podemos encontrar
na teoria dos gneros: pico, lrico e dramtico;
2. estabilizao dos elencos: nota-se a crescente dependncia dos
aparatos tecnolgicos do palco fixo para as montagens;
3. educao dos artistas em princpios libertrios, o que significar
um novo processo de criao e de interpretao.
Gostaramos aqui de nos deter em um desses pontos: a proposta de
criao de escolas para artistas do palco.
Na escola para atores, seriam encontrados os saberes estticos
sistematiza-dos e j alinhados nova mentalidade, s novas descobertas
cientficas, aos modernos mtodos interpretativos. No entanto,
observamos que essa ideia exatamente oposta realidade do teatro
daquela poca. Se vocs lerem a pea O Mambembe de Arthur Azevedo,
podero saber como viviam os artistas de teatro: trata-se de grupos
autnomos e itinerantes. O conhecimento profissional era passado de
pai para filho, ou, ento, desenvolvido de forma autodidata,
inicialmente em grupos amadores e depois em companhias
profissionais. Era um misto de teatro profissional e amador.
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| 29A funo pedaggica da arte
No para Artur Azevedo que teve obras censuradas, mas, sim, para
Macha-do, uma das causas da decadncia do teatro, portanto, estaria
diagnosticada: trata-se de uma forma de vida, qual seja, da
itinerncia, do nomadismo dos autodidatas. A falta de lugar fixo,
segundo Machado e muitos outros (inclusive Artur Azevedo), obrigava
os artistas a se submeterem a um estilo de vida ciga-na.
Subvencionar os elencos e escolarizar seus integrantes seria um
modo de cessar esse nomadismo e incentivar a fixao dos elencos
profissionais nas ci-dades. Como controlar grupos itinerantes?
Seria, portanto, a falta de escolari-zao o que Machado diagnostica
como uma das causas da doena do teatro. Isso nos leva a concluir
que a autogesto, a itinerncia e o autodidatismo passam a ser
considerados como grandes obstculos para a modernizao do
teatro.
De que modo se observam esses saberes tradicionais e essa vida
itinerante vida de artista serem deslegitimados? Nessa batalha, que
saber se impe?
Ideias reformistas, como j foi dito, produziram a necessidade de
cuidar da populao por meio de intervenes nos vrios campos da vida
cotidiana. Por exemplo, em nome da sade emerge o desejo de realizar
reformas em sanea-mento bsico com a finalidade de modificar os
modos de vida, os hbitos dos indivduos, adaptando-os ao que as
cincias principalmente a medicina prescreve como correto, saudvel.
sob a gide das teses higienistas que se discute a formao do homem
no sculo XIX.
No Brasil, sob a argumentao de melhorar a sade e, portanto, as
qualida-des fsicas, intelectuais e morais do brasileiro, as teses
mdicas apontam para uma necessria reforma no campo da educao. tambm
sob o os olhares do discurso sobre as raas que o homem brasileiro
interpretado como sub-raa; teses sobre a m influncia do clima
tropical sobre o corpo, a mente e a moral so abundantes.
Jos Gondra (2004), ao estudar as teses mdicas higienistas
relacionadas s prescries para uma educao saudvel, mostra como os
princpios da higiene aparecem no discurso sobre educao bsica.
Primeiro, preciso dizer que a funo da educao vista como a de
corrigir a m formao do homem brasileiro. A crena est na relao de
causalidade que se defende entre educa-o e destino de um povo. O
homem livre a ser alcanado dependeria de uma educao no sentido de
uma interveno na vida cotidiana que o conduzis-se a essa
liberdade.
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A educao a ser legitimada, segundo as pesquisas de Gondra,
estava ancorada nos seguintes pilares: leis da fisiologia, da
anatomia e do aprendiza-do dedutivo, e na erradicao de hbitos
imorais tais como o excesso das paixes, a masturbao, a prostituio,
o homossexualismo e o celibato. Para um novo homem, pensou-se em
nova sensibilidade, novo corpo, novas capa-cidades
intelectuais.
Mas qual o modelo de corpo que se propaga? Qual o modelo de
sujeito? De que moralidade se est falando? Trata-se do modelo do
homem branco, europeu; trata-se do sujeito universal por eles
inventado, da moralidade crist e burguesa europeia.
Conclui Gondra,
Desse modo, os doutores brancos, letrados e da elite
prescreveram um trata-mento cuidadoso e minucioso para a escola, de
modo a poder formar um indivduo higienizado, sem vcios. Um indivduo
normalizado e normalizador, equipado com uma nova sensibilidade.
(GONDRA, 2004, p. 478-9)
Podemos dizer, em concordncia com o autor, haver um projeto de
inter-veno para reformar a sensibilidade dos indivduos em nome de
sua humani-zao, entendida como realizao total do sujeito em suas
capacidades fsicas, intelectuais e morais.
Nesse projeto de humanizao da natureza do homem, formulado,
patroci-nado e legitimado pela higiene, os colgios deveriam ser
submetidos a uma ampla reforma que recobrisse seu funcionamento de
modo mais geral, descendendo inclusive a prticas celulares. Do
ponto de vista da moral, isso pode ser verificado na forma como os
mdicos representavam os desvios e o emprego dos mecanismos de
preveno, controle e ortopedia das vontades, entre os quais se
inscrevem os castigos. Com isso, ao lado da higienizao moral das
escolas (e com ela), esta-ria sendo produzida e reforada a prpria
ideia de famlia, infncia, escola, cidade e sociedade. (Id., p.
479)
As teses higienistas so fartas em maus exemplos. A vida
itinerante dos artistas no seria um desses maus hbitos apontados
como nocivos sociedade? Assim, uma das tticas discursivas
utilizadas para deslegitimar os saberes tra-dicionais e populares
desqualific-los e, em seu lugar, apresentar os resultados de
pesquisas cientficas.
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interessante aproximar a histria do teatro histria do circo.
Encontra-mos alguns trabalhos que nos contam, por exemplo, que a
acrobacia desen-volvida na tradio circense foi desqualificada e
proibida como malfica sade. Na perspectiva higienista, as contores
e todo o grotesco da cultura popular passam a ser considerados
negativamente; tornam-se monstruosida-des em comparao ao que se
institua como normal pelas cincias modernas. H uma concepo de corpo
saudvel sendo produzida pelas cincias. H tambm uma correspondncia
entre corpo e alma; entre fsico e psicolgico; entre corpo e moral.
Nessa correspondncia entre corpo e alma, os movimen-tos
desafiadores dos acrobatas, se no executados a partir de certos
parmetros de sade, se no praticados cientificamente, poderiam fazer
mal sade corrompendo o indivduo em sua integridade fsica,
intelectual e moral.
desse modo que a acrobacia circense comea a ser proibida e, em
seu lugar, surge a ginstica cientfica que, embasada na fisiologia,
na anatomia e na bio-mecnica, busca o controle e a eficincia dos
movimentos. Em oposio ao su-posto assistemtico da educao
transmitida oralmente pela tradio do circo; pela suposta impreciso
e falta de conscincia dos movimentos dos acrobatas, ou seja, a
suposta educao improvisada e intuitiva dos artistas ambulantes; em
oposio a tudo isso que o discurso cientfico se impe como verdade.
Todo o resto classificado como crendice, como coisa de gente
ignorante.
Diante disso, queremos aqui mostrar que o vocabulrio
mdico-cientfico usado por Machado de Assis no somente estilo de
escrita, mas uma forte influncia do pensamento higienista que,
naquelas dcadas dos meados do sculo XIX, se afirmava entre os
intelectuais. Desse modo, podemos concluir que, entre aqueles que
pensavam a cultura, observa-se o desejo de gerar polti-cas pblicas
capazes de higienizar a vida supostamente imoral dos artistas
ambulantes, como tambm higienizar o gosto esttico popular.
H, portanto, segundo Machado de Assis, um trabalho a ser feito,
ou melhor, h uma misso a ser cumprida pelos artistas: reconduzir o
povo ao desenvol-vimento de sua prpria humanidade por meio de
reformas em suas aspiraes morais. Portanto, no discurso da tica e
dos costumes que se sustenta uma funcionalidade para a arte. na
atualizao desse discurso, na atualizao da representao do sujeito
tico que o dedo de Machado nos aponta a trabalhar. esse o papel
atribudo ao teatro, papel de pedagogo das massas, reformador e
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APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS32 |
propagador de ideias capazes de libertar o brasileiro de sua
suposta menoridade intelectual e seu subdesenvolvimento fsico.
Sabemos que tal projeto passa pelo embranquecimento da cultura,
pela censura de crticas, insatisfaes, revoltas contra o Imprio e
sua elite. E para apurar o criolismo cultural da nao, a elite
investe na estratgia do purismo da lngua e das tradies
portuguesas.
Observamos o aparecimento da formulao de uma mentalidade que
com-preende a escola e, do mesmo modo o teatro, como lugares de
propagao de modos de vida e de pensamento dos indivduos. O teatro,
tal como a escola, funcionaria como instrumento de controle e
apurao comportamental e in-telectual sob o argumento de humanizar o
brasileiro.
Em concordncia com a pesquisadora Cristina Costa, podemos dizer
que tanto a Imperial Academia de Belas Artes como o Conservatrio
Dramtico Brasileiro fomentaram as artes no sentido de apagar o
dito
[...] provincianismo que as elites enxergavam na cultura
popular, dado o precon-ceito que alimentavam contra as culturas
indgena e africana, e at mesmo contra a carolice eclesistica.
(COSTA, 2006, p. 55)
A consequncia de tal processo produziu uma arte docilizada:
Disciplinar os exageros lingusticos, as expresses chulas, os
voos libertrios e a crtica cida produzia uma arte universalista,
estrangeirada, abstrata e dcil, que procurava fechar os olhos para
a realidade na qual era produzida. (id.)
Assim, podemos concluir com a autora:
Foi, portanto, com a aquiescncia e a adeso das elites polticas,
econmicas e intelectuais que a Monarquia institucionalizou o campo
artstico, rejeitando cultu-ra nativa e a miscigenao lingustica,
reprimindo a capacidade crtica da obra de arte e instaurando laos
permanentes de dependncia com a produo artstica europeia. Tornou a
produo artstica submissa ao Estado e legitimou uma relao de troca
de tipo clientelista entre artistas e autoridades institudas. Nos
meandros dessa relao estava a burocracia, os favores, os prmios e a
censura (Ibid., p. 60)
O Conservatrio Dramtico teve duas verses e foi extinto em 1897
pelo decreto no. 2.557 que transferia para a Polcia a censura
teatral e a funo de inspecionar os teatros e outros locais de
Diverso Pblica.
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| 33A funo pedaggica da arte
BIBLIOGRAFIA
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.
BRAGA, Claudia. Em busca da brasilidade: teatro brasileiro na
primeira repblica. So Paulo: Perspectiva, 2003.
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Paulo: Edusp/Fapesp/Imprensa Oficial do Estado de SP, 2006.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das
cincias humanas. 8 ed. So Paulo: Martins Fontes, 2002. (Coleo
Tpicos)
. Em defesa da sociedade. So Paulo: Martins Fontes, 2005. (Coleo
Tpicos)
GONDRA, Jos Gonalves. Artes de civilizar: medicina, higiene e
educao escolar na corte imperial. Rio de Janeiro: Eduerj, 2004.
ASSIS, Machado de. Crtica Teatral. So Paulo: Jackson, 1942.
SOARES, Carmen Lcia. Educao fsica: razes europias e Brasil. 4
ed. Campinas, So Paulo: Autores Associados, 2007. (Coleo Educao
Contempornea)
STAROBINSKI, Jean. Retrato del artista como saltimbanqui.
Madrid: Abada, 2007.
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MDULO: FORMAO DO SUJEITO, PODER E SUBJETIVIDADE
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aula 1EDUCAO INTEGRAL IDEALISTA
A educao o corretivo da natureza humana
Hoje vamos tratar do modelo de Educao que surge no sculo XIX no
Brasil, importado e resultante das cincias positivistas. Vamos
falar da Educao Integralista em sua verso biolgica verso
positivista a qual se nutre do sonho de abarcar a vida fsica,
intelectual e moral do educando. Quem prescreve essa ideia so
nossos mdicos higienistas do final do sculo XIX.
Em seu excelente estudo Artes de Civilizar. Medicina, Higiene e
Educao Escolar na Corte Imperial, o historiador Jos G. Gondra
(2004) apresenta um estudo das teses em medicina, do final do sculo
XIX, no Rio de Janeiro. Em algumas delas encontra diagnsticos que
se voltam para a organizao do am-biente escolar: arquitetura,
luminosidade, tamanho, disposies dos mveis, nutrio e outros. Em
outras, a nfase se volta para os escolares: modos de comportamento,
linguagem, sistematizao intelectual dos contedos, fora fsica,
aparncia e vestimenta, higiene pessoal e outros.
Em enciclopdia disponibilizada na internet,1 encontramos a
definio do higienismo como uma doutrina que aparece na primeira
metade do sculo XX, quando os governantes comeam a dar maior ateno
sade dos habitantes das cidades. Essa doutrina considera a doena
como um fenmeno social que abar-ca todos os aspectos da vida
humana. O aumento populacional urbano e a falta de estrutura para
receb-la criaram as condies precrias de habitao, cujo ambiente
inspito provoca epidemias agravadas pela desnutrio. Diante de tal
quadro, os mdicos entenderam que a principal causa das enfermidades
eram as condies de vida da populao devido aos seus costumes no
higinicos.
Baseado no novo modo de produo a indstria fabril , esse
diagnstico produziu polticas pblicas cujo objetivo era garantir a
sade da populao para
1. Disponvel em: .
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APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS38 |
sua melhor produtividade. Para isso pensou-se em manter a
salubridade do ambiente da cidade mediante a instalao do tratamento
da gua e coleta do esgoto, da iluminao das ruas, sempre com a
finalidade de controlar as epide-mias. Para se alcanar o mesmo fim,
o poder pblico passou a adotar algumas estratgias como aterrar os
charcos e afastar indstrias, matadouros e cemitrios das reas
centrais da cidade. Como se pode notar, o higienismo influenciou o
urbanismo em um momento em que as cidades se industrializavam.
Segundo Gondra, o livro do mdico J. P. Frank, A misria do povo,
me de enfermidades, causou grande repercusso e provocou a adeso de
outros mdi-cos, o que contribuiu para introduzir o higienismo na
medicina, visando erra-dicar doenas como o clera e a febre amarela.
Posteriormente, os higienistas estenderam seus tentculos para a
esfera privada, pronunciando em voz alta regras para as construes
das moradias: sanitrios, altura do teto, ventilao, etc., e
recomendando a limpeza peridica dos interiores e exteriores das
casas.
Logo, a partir das pesquisas de Robert Koch e principalmente de
Pasteur, descobriu-se que a verdadeira causa das doenas estava
relacionada a mi-crorganismos e no a emanaes de sustncias em
decomposio, e a higiene torna-se uma questo social. As novas
teorias fornecem uma base propriamen-te cientfica ao higienismo.
Comea a ser feita a anlise bacteriolgica e o tratamento da gua com
cloro. Instalam-se redes de esgotos, banheiros pbli-cos, faz-se a
coleta de lixo, utilizam-se as escarradeiras contra a tuberculose,
entre outras medidas de profilaxia.
nesse contexto discursivo, social e poltico que os mdicos
higienistas cariocas, ao final do sculo XIX, prescrevem a
necessidade de intervir e reformar o ambiente escolar brasileiro.
Foram prescritas reformas infraestruturais (es-pao fsico) e
reformas no campo da didtica, da metodologia de ensino e dos
contedos. O propsito era formar um homem forte, inteligente e
moralmente higienizado. Elaborava-se certo conceito de infncia e de
adolescncia, e se pensava na necessidade de intervir com medidas
higienistas. Por meio do dis-curso cientfico, acredita-se na
construo da formao integralista como a verdadeira educao para
civilizar os brasileiros. Como a adolescncia repre-sentada pelos
mdicos higienistas? Deixemos que um deles fale por si mesmo:
Numa idade, pois, to desgraadamente rodeada de tantos
precipcios, em que pode a cada passo o inexperiente viajor esbarrar
com a causa da runa de toda a
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sua vida, na gua que bebe, no ar que respira, no alimento em que
procura a mes-ma vida, nos livros em que perscruta os arcanos da
cincia; nessa idade de cera em que todas as sensaes, boas ou ms,
ficam to profundamente gravadas, em que o pequeno homem como a
sensitiva que se ressente do mais ligeiro tocar de pro-fanos, a
aplicao de uma higiene judiciosa e bem dirigida no pode ser
dispensa-da. Alm de que, este menino que um dia ter de preencher
uma misso mais ou menos importante, segundo os seus talentos e a
sua posio social, tem jus a que se lhe ministre os meios
indispensveis conservao e ao desenvolvimento das suas faculdades
fsicas, morais e intelectuais, e qualquer tropeo marcha gradual e
progressiva deste desenvolvimento pode torn-lo um desgosto para a
famlia, um fardo para a sociedade, e um martrio para si mesmo.
(GONDRA, 2004, p. 235)
Inventa-se uma identidade para a adolescncia, considerada uma
idade perigosa e fonte de muitos males. A motivao para a interveno
higienista e a importante funo da educao na vida de toda a nao era
defendida com paixo e com ortodoxia. Faamos a anlise de discurso de
um fragmento da introduo da tese do Dr. Mafra de 1855:
Se eu demonstrasse que o homem o produto de sua educao, teria
pois, sem dvida, revelado uma grande verdade s naes: elas saberiam
que em suas mos est o instrumento da sua grandeza e felicidade; que
para serem felizes no precisam mais do que aperfeioar a cincia da
educao. (Id., p. 236)
Diante da possibilidade real de transformar os indivduos fsica,
intelectual e moralmente, e crentes de que possuam o modelo ideal
do bom homem social, o discurso mdico higienista comea a se fazer
presente como um saber tambm de poder. Ao se acentuar a relao de
causalidade entre educao e destino de um povo, a tese de que o tipo
de educao determina a capacidade de um povo a se governar e ser
capaz de dominar seu destino ou no. Nessa aproximao entre saber e
poltica, aparece a ideia de que no bastariam as leis para reprimir
os vcios e os crimes, de que seria preciso prevenir o mal
cortan-do-o pela raiz; ou seja, cortando-o j na infncia e na
puberdade.
Jos Gondra, ao fazer uma anlise dos discursos dessas teses,
defende ter-se instaurado uma nova religiosidade entre os
brasileiros, ancorada no saber--poder da cincia. Era o tempo de
instituir novas representaes para as infra-estruturas escolares,
para as polticas pblicas educacionais e para as prticas
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APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS40 |
escolares. A Educao Integralista e a prtica de interveno no
fsico, no inte-lecto e na moral dos educandos idealizavam a formao
de um homem novo:
Novo porque bem constitudo fsico, moral e intelectualmente.
Novo, porque inscrito em uma percepo do homem e da sociedade que
buscava se legitimar como nova, em um tempo no qual se dirigiam aes
rumo modernizao da sociedade, do trabalho, da economia e da escola.
Era tempo de urbanizao e de aburguesamento. Portanto, tambm era
tempo de higienizao. (Ibid., p. 284)
Essa Educao Integral atua em trs frentes: no corpo, na mente e
na sensibilidade.
1. A educao do/no corpo
Ao seguir a tese de Gondra, encontramos a seguinte pergunta:
Como os mdicos representaram a educao fsica a ser desenvolvida no
interior dos estabelecimentos escolares?
Ao que nos responde o autor apontando cinco representaes para a
educa-o do corpo. A primeira trata de uma educao fsica para
disciplinar, no sen-tido de domar os corpos, com o objetivo de
preparar os escolares para o mundo do trabalho. A segunda trata da
educao fsica como caminho para o me-lhoramento da fora e da energia
da raa. A terceira trata a aula de educao f-sica como celeiro de
atletas, desenvolvendo prticas ligadas ao rendimento para os
esportes. A quarta entende a educao fsica como terapia para o
tratamen-to de possveis distrbios da psi. A quinta reduz o corpo a
uma mquina, reali-zando exerccios para manter a sade biolgica
(GONDRA, p. 285-6).
O que nos importa, aqui, mostrar que o corpo no visto de forma
iso-lada das dimenses intelectuais e morais. por isso que sobre o
corpo incidiro outros saberes a ele articulados. Formar o corpo em
seu limite de robustez correspondente a formar espritos retos e
almas virtuosas. isso o que apro-xima a Educao Integralista de uma
ao redentora.
A higienizao do corpo, da mente e da moral dos indivduos,
promovida pela Educao Integral em sua verso higienista, significa
sua purificao: a purificao dos costumes. Higienizar torna-se
sinnimo de purificar, limpar. A Educao Integral torna-se medida
preventiva e instauradora de corpos
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modelares, corpos supostamente doentes, viciados, ignorantes e
fracos, que chegam escola. A educao toma o valor de eficcia
corretiva e curativa. Resume Gondra:
Prevenir, corrigir e curar compuseram a base dos argumentos que
buscavam criar e impor uma disciplina para a interveno no corpo e,
ao mesmo tempo, reforar que tal disciplina deveria ser aquela
rubricada pela ordem mdica. (Gon-dra, 2004, p. 304)
A pergunta que podemos fazer diante do exposto : trata-se de um
corpo realizado ou de um corpo moldado, adestrado, formatado a
partir de certo modelo corporal? E que modelo esse?
2. A inteligncia disciplinada
Ao continuar a tese de Gondra, encontramos outra pergunta: Que
repre-sentaes foram produzidas em torno da formao intelectual no
interior da nova totalidade formulada pelos mdicos?.
Para compreender tais representaes, preciso retomar o mtodo
cientfi-co que orientava as pesquisas: tratava-se de pesquisar a
partir do modelo meca-nicista. Nessa perspectiva, o objeto de
conhecimento esconde em si a ideia que lhe teria dado origem, ou
seja, a verdade de tal objeto deve ser apreendida por um sujeito de
conhecimento. No modelo mecanicista, portanto, a produo do
conhecimento depende do aparelho perceptivo do sujeito de
conhecimento. no intelecto que est o poder ou a faculdade que temos
de receber sensaes ou ideias, examin-las, compar-las, formar juzo,
tirar consequncias, lembrar-se, imaginar e achar a verdade. O homem
se diferencia do animal exatamente por sua capacidade e poder de
receber inspiraes dos objetos exteriores. Acredita-va-se que tais
inspiraes, processadas interiormente, originavam as sensaes ou as
ideias. Para se formar o juzo sobre algo, seria preciso que o
sujeito de conhecimento se lanasse experincia da contemplao do
objeto para captar o que ele lhe apresentava. Tratava-se do que
chamamos de fenomenologia.
No entanto, no modelo mecanicista clssico, cabe ao sujeito de
conheci-mento apenas a contemplao, o resto creditado sua natureza
humana que faz o que deve ser feito. Essa natureza j est dada e,
por isso, no capaz de
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APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS42 |
se modificar; o mximo que podemos fazer seria desenvolv-la. Com
a teo-ria da evoluo das espcies, compreende-se a histria da
humanidade como a de seu processo evolutivo. A natureza humana
deixa de ser algo esttico para se tornar potncia, algo que pode se
modificar para se realizar. Assim, enten-de-se que o homem nasce
incompleto e ser a cultura que o realizar ou no. Para o Dr. Armonde
citado no trabalho de Gondra, a anatomia se aproxima da fisiologia
humana. Isso o faz defender a ideia de que o crebro um rgo do
pensamento e da vontade, que precisa de exerccios para ampliar sua
capa-cidade de percepo, sem a qual no ser possvel a formao do
raciocnio, do juzo, da memria etc.
O que isso significa? Ao se compreender o corpo, o intelecto e a
moral como algo a ser realizado no sentido de amadurecer pela
cultura, justifica-se a educao higinica. Na concepo positivista, a
ignorncia est atrelada na-tureza humana no estimulada
adequadamente, natureza atrofiada ou no realizada. Isso fez com que
a metodologia de ensino fosse se modificando. Afirma Gondra:
Contra uma educao fundada nos procedimentos da induo, que
supunha uma passividade do sujeito e uma relao com o objeto
fundamentalmente ampa-rada nas informaes, os mdicos propuseram a
adeso ao experimentalismo e aos procedimentos dedutivos. Levantar
hipteses, questes e problemas, test-los e encontrar as
regularidades impunham uma reorganizao metodolgica ao traba-lho
escolar e uma alterao na condio do sujeito do conhecimento que,
ento, deveria ter uma nova atitude diante dos objetos a serem
conhecidos. (Id., p. 370)
Para colocar o educando nessa experincia, mudam-se os modos de
apre-sentar os conhecimentos escolares, bem como seus contedos so
revistos. Pergunta Gondra:
Que saberes deveriam ser escolarizados? Que saberes estavam
sendo conside-rados prioritrios no projeto de re-ordenamento da
escola? Por que os mdicos [teriam elegido] esses conhecimentos como
os que deveriam ser escolarizados e aos quais os indivduos deveriam
ser submetidos? (Ibid., p. 378)
O autor faz um mapeamento dos conhecimentos apresentados como
ne-cessrios a partir das teses lidas e, desse quadro, retira os
princpios que regem a educao higinica prescrita por nossos mdicos.
So eles:
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Classificar Ordenar/hierarquizar Regularizar Alternar/integrar
Fazer Moldar
Quem j se aventurou leitura de Foucault, sobre Vigiar e Punir, j
pode perceber conexes entre nossos mdicos higienistas e a
disciplinarizao, con-ceituada e to bem demonstrada por este autor.
A inteligncia higienizada , ao que tudo indica, uma inteligncia
disciplinada.
3. A ginstica das vontades
Lembram-se de que falei do heri hegeliano como um homem de
carter, de que se tratava de um sujeito moral? De que sua ao se
origina em sua vontade a qual se origina de um sujeito moral? Pois
bem, voltemos a ele agora e vejamos as aproximaes entre esse modelo
de moralidade hegeliano e o que se pretende da educao das vontades
no pensamento mdico-higienista brasileiro.
Para o pesquisador Gondra, trata-se da formao moral de um
sujeito a ser construdo, um homem do futuro. Trata-se de uma nova
moralidade. Para o pesquisador, que se apoia em Nietzsche, o
essencial e inestimvel em toda moral que ela uma longa coao. Diante
disso, pergunta: quais as caracte-rsticas da longa coao por eles
[os mdicos] formulada?
A formao moral, atrelada ao discurso da formao de um novo homem,
consiste, na opinio dos mdicos, na necessidade de se fazer uma
reforma nos costumes. Isso d um norte para se pensar um contedo
programtico da educao moral higienizada. Primeiro, que ela ir
trabalhar com a finalidade de controlar as paixes humanas, e a que
comeamos ns a aparecer nessa histria da educao. A arte passa a ter
valor como instrumento higienizador. Gondra encontra cinco pontos
que constituem a educao moral higienista a ser desenvolvida em sala
de aula: controlar as paixes, associar moral e religio, evitar
prticas sexuais consideradas ofensivas sade, relacionar prticas
esco-lares com moralidade, controlar a disciplina por meio de
castigos fsicos, morais e estratgias de premiao (GONDRA, 2004, p.
389).
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APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS44 |
Tratava-se, portanto, de coagir o que era considerado excessos e
desvarios das paixes humanas. A educao moral seria um meio eficaz
para modelar as paixes e evitar o aparecimento dos vcios. No
entanto, nos adverte Gondra, a longa coao pensada pela ordem mdica
se desdobra em outros aspectos dentre os quais aparece, em
destaque, a associao intensa entre a moral apre-goada pela higiene
e a moral religiosa, crist. (Id., p. 396).
no bojo dessas prescries morais que se combatem as prticas
sexuais do onanismo, do celibato, da prostituio e da pederastia.
Como se combatem tais prticas? Com a apresentao de um modelo ideal
de sexualidade, qual seja, a do casamento heterossexual. O modelo
de famlia burguesa o que se quer alcanar na educao sexual higinica.
Esse o padro de normalidade que se constri.
nesse contexto discursivo que encontramos enunciados como: A
educa-o o corretivo da natureza humana; toda moa deve aspirar ao
casamento e seus elementos de felicidade para o futuro se resumem
em um marido e nos filhos. A prostituta e o homossexual so
subjetividades contrrias ao modelo burgus de famlia. A prostituta a
mulher que no se realiza, necessariamen-te, com a maternidade; a
mulher que tem prazer sexual com vrios homens. O(a) homossexual uma
subjetividade que no se realiza, necessariamente, como pai/me de
famlia. A homossexualidade a negao da relao amoro-sa pautada pela
reproduo da espcie.
Sendo assim, todas essas prticas sexuais, todos esses modos de
vida amea-am a moralidade a imposta. por isso que so colocadas nas
classificaes das anomalias que devem ser evitadas na infncia e na
adolescncia. A educao moral feminina e masculina (j tal distino
pelo sexo um discurso!) tinha por finalidade preparar as jovens
para o casamento e maternidade, e os jovens para o trabalho e a
guerra.
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aula 2A ESCOLA HIGINICA
H, no final do sculo XIX, a formao de um novo iderio de
sociedade e, por conseguinte, de homem, que surge no cenrio poltico
do Brasil. No caso das grandes cidades, podemos notar uma crescente
preocupao, por parte dos intelectuais principalmente dos
profissionais da sade e da educao no combate s epidemias. Comea-se
a pensar em uma sade e educao pblicas.
So Paulo um bom exemplo para se compreender de que modo tal
pol-tica aconteceu. O binmio modernidade / crescimento urbano traz
para a ci-dade novas avenidas, prdios suntuosos, bondes, bairros
com lindas manses; imagens fascinantes como o Viaduto do Ch
pareciam mostrar aos moradores de So Paulo que as intervenes
urbanas produziam uma cidade civilizada. Ao demolir os edifcios que
marcavam uma poca passada e construir em seu lugar edificaes de
estilo e engenharia modernas, poder pblico e capital pri-vado,
juntos, produziam o discurso do progresso e da civilizao por meio
da arquitetura e do urbanismo.
Como pano de fundo desse discurso modernizador urbano estava a
revo-luo industrial. Tal discurso dividia patres e empregados,
tanto na fbrica como na geografia da cidade; bairros ricos de
bairros pobres, cada vez com mais violncia. Os modos de uso e
acesso aos smbolos do progresso eram distri-budos diferentemente
entre proprietrios e despossudos. No meio da riqueza tambm se
instala a pobreza; a urbanizao progressista traz para a cidade no s
os ricos fazendeiros, mas tambm camponeses e pessoas interioranas,
sem posses, que vinham em busca de trabalho. Outro contingente
populacional relevante foram os imigrantes, que chegam para
substituir a mo de obra es-crava nas fbricas que se instalavam na
cidade.
Assim, a cidade que surge em meio a tantas mudanas, ao deixar
para trs o passado de vila, torna-se motivo de apreenso por parte
das autoridades municipais, que se defrontam com os problemas
sociais prprios de um rpido crescimento populacional. H urgncia nas
obras de saneamento bsico, casas
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populares, expanso de escolas e hospitais. nessa situao que a
cidade vai sendo construda sob as mos de mdicos e engenheiros,
principalmente.
O que era prescrio no sculo XIX (como pode ser observado na Aula
1 Higienismo na cidade de So Paulo) torna-se ao no sculo XX. Para a
educa-o das massas, aparecem os Grupos Escolares como o modelo de
arquitetura das ditas instituies totais, o ensino configurado
juntamente com o Instituto de Hygiene, alm das inmeras reformas no
campo poltico.
So Paulo recebeu, tambm, o nome de cidade das indstrias. Isso
signi-ficou a construo de fbricas, pequenas oficinas, comrcio e,
para a moradia dos operrios, pertinho aos galpes, eram construdas
as pequenas casas gemi-nadas, alinhadas diretamente com as caladas,
e tambm as habitaes coletivas e cortios.
Abrindo as reas alagadias alm do Tamanduate, Anhangaba e Tiet e
se-guindo o traado das linhas frreas da Central do Brasil,
Sorocabana e So Paulo Railway, os trabalhadores pobres e os
deserdados da fortuna foram produzindo as suas condies de
sobrevivncia num meio inspito, sujeitos s constantes enchen-tes que
passariam a fazer parte do seu cotidiano. (ROCHA, 2003, p. 29)
Em meio ameaa de contaminao e desordem urbana, os
mdicos-hi-gienistas e sanitaristas produziram discursos sobre a
cidade, em que a desordem urbana se traduz em imagens da degradao
dos bairros, ruas e casas dos tra-balhadores; com isso, elaboram a
justificativa para a urgncia de intervenes que, incidindo sobre
aquilo que consideravam como a cidade viciosa, operas-se pelo seu
reordenamento radical, continua a autora. Uma das instituies
municipais que funcionava para fins disciplinares era o Servio
Sanitrio que, entre 1891 e 1892, fiscalizava laboratrios e
institutos, ruas, casas, fbricas, hospitais, cemitrios, estbulos,
teatros e lavanderias. Em suas visitas, fiscali-zava os alimentos e
bebidas, inspecionava amas de leite e orientao com a primeira
infncia. Aos modos da disciplina que vigia e pune, a atuao do
Servio Sanitrio era coerciva, policialesca.
Ao andar e fotografar a cidade dos operrios e trabalhadores
informais, mdicos, agentes sanitrios, polticos e engenheiros teciam
os discursos sobre a criminalidade, a prostituio, diagnosticando as
doenas e as revoltas. A ima-gem que o discurso higienista formulou
para esse contingente da populao
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| 47A escola higinica
no era positiva. Os cortios passaram a ser vistos como causa da
degenerao fsica e moral dos pobres e foco de insurgncias; passam a
ser tomados como lugar de origem dos vcios e dos crimes urbanos. Os
cortios e suas imediaes, sob a luz do higienismo, refletem a
suposta falta de luz desses indivduos e, ao mesmo tempo,
embrutece-os ainda mais. J na silhueta da cidade iluminada pelo
progresso, tais narradores observavam a ordem, a obedincia, a
disciplina, tudo como sendo o caminho para o bem comum.
Aps as revoltas operrias da dcada de 1920, os especialistas da
higiene poltica mudam de estratgia na educao para a populao. Ao
aprender as tticas norte-americanas de utilizao do marketing na
educao para as mas-sas (uso de cartazes, campanhas na rdio e nas
escolas), o modo de disciplinar passa da coero explcita ttica do
convencimento para a mudana de hbi-tos. Inicia-se uma campanha
preventiva para as doenas e outros males sociais. Esses intentos de
preveno articulam-se aos objetivos polticos de formao do povo
brasileiro, identificado ao trabalhador forte, saudvel, produtivo
e, ao mesmo tempo, disciplinado.
A criao do Instituto de Hygiene em 1918 resulta do discurso de
higieni-zao fsica, intelectual e moral da populao em geral, e a
prova de que o governo do Estado de So Paulo aliava-se Junta
Internacional de Sade da Fundao Rockefeller.1 Para termos a noo de
quo influente foi esse Insti tuto em nossa cidade; para termos a
noo de quo comprometidos estvamos com o modelo norte-americano no
que diz respeito ao ensino cientfico da higiene e da preparao de
tcnicos para o provimento dos cargos de sade pblica, vejam o
histrico desse Instituto no Brasil descrito por Rocha. Em 1924, o
Instituto foi oficializado; em 1931, foi reconhecido como Escola de
Hygiene e Sade Pblica do Estado; em 1938, foi incorporado
Universidade de So Paulo; em 1945 foi transformado em Faculdade de
Hygiene e Sade Pblica.
Entre 1922 e 1927, o Instituto assume um lugar de destaque na
formulao da poltica sanitria estadual, participando, de forma
decisiva, da produo de um discurso cientfico sobre as questes
urbanas e da elaborao de estratgias
1. Rockefeller foi o Bill Gates do final do sculo XIX e incio do
XX. Um norte-americano dono de refinarias de petrleo que acumulou a
maior fortuna conhecida at ento. Sua fundao era sus-tentada por
parte dos lucros de suas empresas, e no Brasil, falava-se em sua
filantropia.
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APONTAMENTOS DE UMA ARTE-EDUCADORA ARTES CNICAS48 |
de interveno. Discursos e estratgias que, tendo como objetivo
central a formao da conscincia sanitria, colocam a educao sanitria
em primeiro plano, deslocando a nfase dos j conhecidos mtodos de
policiamento sanit-rio para modernos mtodos de persuaso.
A presena desse Instituto criou um intercmbio com a cincia
norte--americana. Muitos de nossos professores, nos cursos que se
ministravam no Instituto e depois na Escola de Higiene, eram
norte-americanos. Muitos dos mdicos brasileiros que assumiram
diretorias importantes nessa rea foram estudar nos Estados Unidos.
A importncia de uma formao sanitria espe-cializada, que
possibilitasse romper com o que eles chamavam de empirismo
reinante, um tema recorrente no discurso dos protagonistas da
implantao do Instituto de Hygiene. Era a justificativa da presena
norte-americana por aqui; outra justificativa, essa menos explcita,
dos cursos de aperfeioamento ministrados na Escola de Medicina
resultou do crescente interesse pelas ques-tes ligadas higiene
industrial e higiene escolar. Saberes que serviram para aprimorar o
corpo disciplinado dos operrios e estudantes.
Neste momento, uma pergunta: por que a higiene escolar se torna
to importante?
No bojo das medidas adotadas em 1921, com vistas reorganizao do
Instituto de Hygiene que incluram a redefinio da estrutura
organizacional, com a criao dos departamentos, e a ampliao do
programa do curso ofere-cido aos estudantes de medicina algumas
iniciativas no campo da formao e aperfeioamento de agentes de sade
pblica foram ensaiadas. A partir da-quele ano, o Instituto passou a
oferecer cursos especiais, como ps-graduao em profilaxia da malria
e ancilostomase, curso intensivo de Higiene Rural e instruo em
higiene para as alunas da Escola Normal. Em 1921, o currculo do
curso de formao de professores foi reestruturado incluindo as
cadeiras de Anatomia e Fisiologia Humana, Biologia e Higiene,
Psicologia, Sociologia e Histria da Educao. A aproximao entre
poltica e higiene decisiva para a educao escolar da cidade de So
Paulo, a partir da dcada de 1920. Pa-ra termos uma noo melhor,
transcrevo aqui uma citao longa de Heloisa Rocha, que julgo
importante:
A atuao do Dr. Antonio de Almeida Junior (ver nota 32, p. 137),
bolsista da Junta Internacional de Sade no Instituto de docente de
Higiene na Escola Normal
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do Braz, foi decisiva nos rumos que foram sendo impressos ao
trabalho. Como resultado da investigao que desenvolveu sobre o
ensino de Higiene nas Escolas Normais brasileiras e estrangeiras,
esse profissional elaborou um programa de ensino calcado nas
modernas concepes de sade pblica e preveno de doen-as e adaptado s
condies e mentalidade brasileiras. Tal programa, que orien-tou o
trabalho desenvolvido com as alunas da Escola Normal do Braz, em
1922 e 1923, era composto de prelees e exerccios prticos de higiene
escolar e higiene infantil. Os exerccios prticos, realizados no
Instituto de Hygiene, visavam de-monstrar como proceder inspeo
diria das crianas, pes-las e medir sua fora mensalmente, e ainda
orientar as futuras professoras em relao ao que ensinar s crianas
sobre Higiene. Tendo em vista alcanar o objetivo de formao das
nor-malistas nos misteres da sade pblica, Dr. Almeida Junior lanava
mo de um grande nmero de cartazes, desenhos e outros materiais
impressos, tematizando assuntos de higiene. (ROCHA, 2003, p.
137-8)
Para compreender o sujeito formado por esse comportamento
disciplinar, convido os estudantes a lerem, com ateno, o trecho do
discurso proferido pela formanda Maria Antonietta de Castro, na
cerimnia de entrega de diplomas primeira turma de educadoras
sanitrias, transcrito por Heloiza Helena Pimen-ta Rocha, no livro A
higienizao dos costumes: educao escolar e sade no projeto do
Instituto de Hygiene de So Paulo (1918-1925), p. 139-41. Aproveitem
e visitem esse precioso estudo com vagar:
A estratgia da preveno em substituio estratgia da punio mostra
mudana do modo de exercer o poder do Estado sobre os indivduos. Ao
deslocar a estratgia da punio para a estratgia da persuaso, a
poltica higienista do go-verno municipal transferia para o indivduo
a responsabilidade da sade fsica e social. Tratou-se de criar a
conscincia sanitarista na populao por vrios meios, e um deles foi a
escola. O mdico e tambm professor doutor Emerson Elias Meyry nos
apresenta o deslocamento poltico antes calcado no modelo
bacteriolgico para o modelo educacional. Tais modelos, como se
poder notar, muito nos es-clarecem sobre a relao entre saber e
poder. Segundo Meyry, na perspectiva bacteriolgica, as aes
sanitrias visam vigiar e controlar o meio externo, no sentido de
garantir a sua higiene, e realizam esta funo utilizando-se
basicamen-te de instrumentos coercitivos (polcia e campanha
sanitrias). (...) Na mdico--sanitria, j que essas aes visam
conscincia do indivduo, seriam apenas re-vestidas de um carter
impositivo, mas com um cunho predominantemente
educativo/consensual. (MEYRY apud ROCHA, 2003, p. 143)
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Ou seja, o poder, ao invs de vigiar e punir, fazia interiorizar
no indivduo por meio de uma propaganda massiva dos novos modos de
higiene o estilo de vida higinico, transformando-o em um
multiplicador em potencial. Esse foi o modo de naturalizar os
costumes higienistas, tornando-os inquestionveis; foram os modelos
dos hbitos higinicos que contrastavam com a sujeira da pobre-za.
Interiorizado esse modelo, cabia ao indivduo a responsabilidade por
sua sade. E quem no tinha gua para tomar banho todos os dias? E
quem no tinha esgoto encanado? E quem no tinha dinheiro para fazer
as reformas em suas casas? E quem vinha de culturas diferentes da
indicada por esses hbitos?
Ao criar questionrios para os indivduos ou grupos usurios dos
centros de sade, das escolas, hospitais e fbricas, ou pesquisando
nas prprias casas dos cidados, a poltica de sade sanitarista
objetivava impressionar e conven-cer da importncia dos hbitos de
higiene. Porm, para sua maior eficincia, buscaram priorizar a
infncia e a juventude. Baseando-se na ideia da criana como
possuidora de uma natureza sem forma (uma massinha a ser moldada),
foi a, na educao infantil, que as aes da educao sanitria atuaram
com fora, dando prioridade s crianas desnutridas ou com
necessidades especiais. A ideia era que a criana levaria para
dentro da famlia os bons costumes de higiene. O padro de civilidade
burgus em que estes se baseavam era passado por meio de prticas de
higienizao pessoal (limpeza dos dentes, das unhas, cabelo, roupa),
higiene da casa, da alimentao. Tudo isso contribua para a formao do
brasileiro saudvel, forte para o trabalho, branco na moral.2
Contribuindo para a formao desses homens fortes, saudveis,
produtivos e ordeiros, a criao dos cursos de educadores sanitrios
se constitua numa
2. Hoje, como docente da disciplina Prtica de Ensino, do Curso
de Licenciatura em Arte-Teatro do Instituto de Artes da Unesp, ouo
relatos que impressionam exatamente pelo oposto: pela ausncia e,
diria eu, indiferena do poder pblico (e de seus representantes)
sobre a condio de vida dos alunos de algumas escolas pblicas.
Recentemente um estagirio de terceiro ano nos relatou a presena de
uma menina de 9 anos, muito tmida e muito prestativa, que s vezes
frequentava a escola com roupas sujas e exalando mau cheiro. Ao
questionar a professora responsvel pela sala da garotinha, nosso
estagirio recebeu a resposta de que a menina morava com a av em uma
es-pcie de cortio onde o banho era pago a cada dia. E que, por
isso, talvez a menina no tivesse como ir banhada escola todos os
dias. Ser que possvel dormir tranquilo com essa resposta? Meu aluno
no conseguiu dormir e depois de algumas semanas retirou-se daquele
ambiente. Isso nos mostra que a educao pblica nunca objetivou a
formao humanstica dos alunos pobres e, talvez em parte, explique
por que alguns desses alunos tm comportamentos destrutivos com a
escola e tudo o que se relaciona a ela.
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verdadeira incitao a produzir sujeitos patriotas, tal como
podemos perceber no trecho do Relatrio do Instituto de Hygiene de
1925, produzido por nossos especialistas; vale a pena conferir, e
mais uma vez, fazer a anlise do fragmento do discurso:
Obra egrgia de esclarecido patriotismo, della lcito esperar-se
proveitos de largo alcance, pela transformao que operar no esprito
das populaes, pelo argumento da capacidade do indivduo nacional com
a erradicao de hygiene dos innumeros males que acarreta a ignorncia
de princpios salutares para a conser-vao da sade e, como resultante
disso, a formao de proles sadias, o que corres-ponde a dizer da
populao sadia de amanh. (ROCHA, 2003, p. 147)
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aula 3O SUJEITO QUE CONHECE, O OBJETO DO CONHECIMENTO
E O CONHECIMENTO
Para o historiador Adam Schaff, o processo que envolve a produo
do conhecimento depende da interao que se estabelecer entre sujeito
e objeto. Dessa relao, o autor destaca o aparecimento de trs
modelos de construo do conhecimento na modernidade ocidental: o
modelo subjetivista, o mecani-cista e o dialtico. Vamos nos ater
aos dois ltimos. O modelo mecanicista est embasado na teoria dos
reflexos. Afirma o autor:
Segundo essa concepo, o objeto do conhecimento atua sobre o
aparelho perceptivo do sujeito que um agente passivo, contemplativo
e receptivo; o pro-duto deste processo o conhecimento o reflexo, a
cpia do objeto, reflexo cuja gnese est em relao com a ao mecnica do
objeto sobre o sujeito. (SCHAFF, 1986, p. 73)
Nesse modo de interao com o mundo, cabe ao sujeito do
conhecimento o papel de registrar estmulos vindos do exterior,
papel semelhante ao de um espelho ou a de um copista. Com esse
processo de produo do conhecimento, o objeto ativo, pois existe
independentemente do sujeito que o contempla; o objeto dado, existe
independentemente do sujeito. Por outro lado, o conheci-mento
produzido pelo modelo mecanicista varia de acordo com o maior ou
menor desenvolvimento do aparelho perceptivo do sujeito. Para
aqueles que assim pensam, as diferenas de impresses sobre o objeto,
ou seja, os diferentes resultados dessa relao (o conhecimento
produzido) so causados pelas dife-renas genticas e de educao do
aparelho perceptivo do sujeito. O conheci-mento no uma interpretao
do sujeito. Este, para revelar a verdade do obje-to, esfora-se por
descrever o que observa de maneira neutra. O conhecimento
reconhecimento do que j est dado. Nessa perspectiva, a educao ter a
fi-nalidade de desenvolver o aparelho perceptivo dos educandos para
faz-los reconhecer e conhecer o mundo.
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No modelo idealista, exposto por Schaff, a ateno se volta para o
sujeito que se apresenta como criador da realidade, ou, dizendo de
outro modo, o sujeito intrprete da verdade que est no objeto.
Trata-se, em oposio ao modelo mecanicista, de um sujeito ativo: o
conhecimento do objeto produto da ao cognitiva do sujeito que se
coloca em ao de conhecer. O conheci-mento resultado da interpretao
do sujeito sobre o objeto; resultado do trabalho do sujeito sobre o
mundo a ser desvendado.
Nessa perspectiva, o objeto passa a ter existncia somente a
partir do olhar de algum que o descobre; o objeto no existe em si.
Mesmo que seja coisa do mundo, ele s se torna objeto de
conhecimento quando alcanado pelo olhar de um sujeito que o
valoriza, portanto no pode ser qualquer um e, sim, um sujeito de
saber e de poder; algum capaz de se isolar do mundo, que consegue
ter uma viso de realidade, uma viso visionria. Ao transcender, esse
sujeito de conhecimento capaz de observar o mundo em sua totalidade
e, ao inter-pret-la e revel-la, o sujeito expressa a verdade que
lhe imanente. Sem a con dio de transcendncia do sujeito de
conhecimento, o que se revela falso, enganoso. O sujeito
transcendente carrega, portanto, uma verdade universal que
pr-existente ao indivduo que a carrega.
Outro modelo exposto pelo filsofo o da dialtica. Neste, atribudo
ao sujeito e ao objeto papel ativo. Sujeito e objeto esto no mundo
e fazem parte do mesmo contexto; so originrios do mesmo lugar.
Diferente do sujeito idea-lista que, supostamente, consegue
isolar-se totalmente de sua condio mun-dana (sentimentos, condies
fsicas, econmicas, sociais), o sujeito do mode-lo dialtico sofre
condicionamentos, em particular de determinantes sociais, que
influenciam na formao de sua viso de mundo e, por conseguinte, o
di-reciona a reproduzir conhecimentos resultantes desse modo de
pensar, por exemplo, o pensamento de classe.
Nesse modo de produo do conhecimento, tanto o sujeito como o
objeto pr-existente e estabelece uma relao dinmica. O sujeito se
modifica diante do objeto do mesmo modo que o objeto se modifica
diante do sujeito. O pro-duto de sua relao, o conhecimento,
resultado dessa mtua influncia. H, portanto, uma luta entre duas
presenas pr-existentes sujeito e objeto em que o resultado
conhecimento, tambm histria. A lgica dialtica se d pela ap